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Caso “O Discurso do Rei”

O caso clínico foi baseado no filme chamado “O Discurso do Rei”, que retrata
parte da vida de Albert Frederick Arthur George e seu problema com a gagueira. Desde
sua infância apresentou problemas em sua fala. Por ser da realeza inglesa possuía certos
deveres como falar em público e sua gagueira dificultava tais compromissos. Elizabeth,
esposa do ainda príncipe buscou uma última esperança de ajuda para tratar a gagueira de
seu esposo e contrata Lional Logue, um terapeuta da fala. Depois de muitos esforço e
momentos desafiadores o, agora, Rei consegue ter um grande avanço em seu discurso
gaguejando apenas em algumas letras em um discurso muito importante.

O príncipe Albert era casado com Elizabeth e tinha duas filhas, Elizabeth e
Margaret, possuía um bom relacionamento em sua família nuclear, porém com sua
família extensa era diferente. Seu relacionamento com seu pai foi marcado por inúmeras
cobranças e críticas, assim como com seu irmão mais velho que sempre o criticava por
sua gagueira, sua mãe parecia ser bastante distante e ausente. A infância do príncipe foi
marcada pela ausência de seus pais e relações com as babás, uma específica que o punia
sempre que gaguejava e também que o deixava passar fome. Mesmo seu irmão o
caçoando possuíam um relacionamento próximo quando crianças, seu outro irmão foi
afastado da família por ter epilepsia e morreu precocemente.

O príncipe sempre buscou tratamentos para sua gagueira, porém nunca obteve
sucesso e não tinha repertório comportamental para diminuir a gagueira, conforme o
tempo foi passando o papel de Albert na coroa foi ficando cada vez mais influente pelo
descompromisso de seu irmão mais velho. A necessidade de falar em público ficou cada
vez mais evidente até que Elizabeth, busca um tratamento alternativo com Lionel e logo
depois ocorre a primeira sessão em que Lionel. Para o terapeuta foi uma surpresa
atender o príncipe Albert, esse que foi absolutamente grosso ao entrar no consultório
ditando a forma do tratamento que ele achava melhor. Porém o terapeuta logo impõe
limites ao príncipe e coloca para que o tratamento apenas funcionará se ele for
realmente ativo no percurso da intervenção terapêutica.

Segundo Kohlemberg e Tsai (1991) a relação terapêutica é um instrumento


básico terapêutico com efeitos curativos onde a intimidade possui um papel
fundamental no curso do tratamento. Durante o filme a intimidade apareceu quando o
terapeuta se apresenta para Albert com seu primeiro nome e mesmo tratando de um
membro da realeza o chama por seu apelido, Bertie. Banaco (1993) indica que uma
relação terapêutica boa é devido a qualidades e habilidades do próprio terapeuta, que
deve ter consciência de seus comportamentos privados e os comportamentos do
paciente para realizar a análise funcional trabalhada na FAP.

A FAP é um tipo de terapia da 3ª onda, na qual o cliente em sessão apresenta


problemas que são muito parecidos em seus relacionamentos aos que ele apresenta fora
de sessão. Sendo assim, a FAP entende que os comportamentos tanto do cliente quanto
do terapeuta são modelados pelas contingências de reforçamento das relações passadas
(Kohlenberg & Tsai, 1991).

No filme é possível identificar, segundos os relatos de Albert suas relações com


uma alta magnitude punitiva com sua babá que o fazia passar fome e o beliscava quando
ele emitia o comportamento de gaguejar, seu pai sempre gritava com ele e seu irmão o
caçoava ao chama-lo de “B-B-Bertie”. Segundo Skinner (2003) mesmo que a punição
funcione em um pequeno período de tempo causa efeitos mais devastadores do que o
próprio comportamento problema. Portanto, a história de vida do príncipe foi sempre
rodeada pela privação de reforços positivos pela alta exigência da família real. Tanto
que o seu irmão foi exilado por ter epilepsia, ou seja, isso criou para Albert uma regra
de que se não fosse perfeito seria punido ou excluído.

As discussões em sala foram centradas na FAP, como citada à cima é centrada


na relação cliente-terapeuta e seus comportamentos evocados em sessão. O
comportamento problema do cliente, no caso do príncipe, foi a gagueira e é nomeado
como Comportamentos Clinicamente Relevantes, CRB 1, conforme o cliente vai
melhorando ele começa a emitir o CRB 2, que são os comportamentos de melhora, os
CRB 3 são as análises do terapeuta e depois se tornam autoanálises do próprio paciente.

Por mais que Lionel não tenha utilizado a FAP, podemos ver claramente que a
identificação do CRB1, que seria a gagueira. O CRB 2 que seria a melhora do
comportamento de Albert em sessão quando ele aumenta o tom de voz, lê ouvindo a
música alta e lê pausadamente. O CRB3 que é a sua autoanálise em um momento
crucial em seu discurso final e gagueja apenas em algumas letras específicas, também é
interessante colocar a maior aceitação de seu problema ao falar “se eu não gaguejasse as
pessoas não saberiam que era eu”. (Kohlenberg & Tsai, 1991)
O terapeuta tem um papel muito ativo no processo terapêutico, pois segundo
Popovitz e Silveira (2014) o mecanismo de mudança do comportamento clinicamente
relevante do paciente é iniciado pela resposta a esse comportamento problema do
próprio terapeuta. Para os autores, o comportamento clinicamente do relevante do
terapeuta (T1) são comportamentos que atrapalham a interação com o cliente e isso
pode ser visível no filme quando Lionel insiste que Albert será um grande rei, melhor
que seu irmão inclusive. O T1 do terapeuta nesse caso atrapalhou bastante o andamento
do processo, que inclusive foi interrompido por um breve período do tempo e isso não
pode ser confundido com a evocação do problema do paciente.

Matos (1999) coloca que a análise funcional é centrada na compreensão da


explicação de um comportamento diante as relações entre eventos, ou seja, é realizada a
identificação de variáveis para que um comportamento problema seja emitido e isso
visto em sessão disponibiliza ao terapeuta o planejamento de uma futura intervenção.
Colocar o paciente em um papel completamente ativo é essencial para que a análise seja
eficaz.

O terapeuta não realiza a análise funcional, pois esse modelo de intervenção não
existia na época, porém podemos ver similaridade do processo durante o filme ao tentar
estabelecer uma boa relação e tenta compreender a história de vida de Albert, mesmo
que ele tenha sido relutante no início, ele próprio percebeu a necessidade de falar para
Lionel o contexto no qual o comportamento de gaguejar começou a ser emitido.

O quadro abaixo facilita a visualização dessa análise funcional, levando em


conta a história do príncipe, seu comportamento problema e as consequências desse
comportamento. É possível compreender que o comportamento problema de Albert, a
gagueira, foi aprendido e mantido pelas consequências geradas por esse comportamento.
O príncipe manteve o comportamento, pois era o momento em que seu pai dava atenção
para ele o que tornava um reforço de magnitude alta. Já a esposa de Albert reforçava o
comportamento também, pois dava atenção para ele, mas ele sempre tinha a atenção da
esposa e por isso era um reforçador de magnitude baixa.

Falar em público estabeleceu em Albert uma topografia de ser julgado quando


falava e gaguejava, sendo em público ou para algumas pessoas específicas e por isso
sofria de uma punição positiva. A relação reforçadora entre Lionel e Albert forneceu
meios para que a intervenção fosse bem-sucedida.
Quadro 1- Análise Funcional

ANTECEDENTES COMPORTAMENTO CONSEQUÊNCIA


PROBLEMA
Falar em público Topografia de ser
Falar diante de pessoas GAGUEIRA julgado(P+)
específicas como
pai,irmão e babá)
Relações de hierarquia Atenção do pai (R+)
Leitura Atenção da esposa (R-)
História excessiva de Estabelecimento de uma
punição relação reforçadora com o
terapeuta
Generalização: irmão
morreu sozinho por ter
epilepsia🡪punição

O tratamento conduzido por Lionel Logue foi repleto de exemplos de técnicas


como a de modelação, que segundo Bandura (1972) é o processo de aprender um novo
comportamento através da imitação. Dois momentos que isso é evidenciado é quando
Lionel ensina o exercício de se mexer de um lado para outro e o segundo momento é
quando o terapeuta e Elizabeth fazem o exercício de voz juntos com Albert. Outra
técnica é o ensaio comportamental, no qual a parte logo antes do último discurso em que
o Rei ensaia com Lionel.

Como Lionel Logue não era um psicólogo ele não cometeu faltas éticas, mas
caso fosse é importante ressaltar uma cena que hipoteticamente seria uma falta ética
caso não tivesse foco na melhora do comportamento do cliente. Esse momento foi
quando ele impediu e insistiu para que o príncipe parasse de fumar, seria uma falta ética
caso fosse por uma questão pessoal do próprio terapeuta, mas não é possível afirmar
isso e é apenas uma observação.

A abordagem da Análise do Comportamento é muito ampla e realizando as


conexões com o filme foi muito interessante principalmente pelas discussões terem sido
norteadas pela Psicoterapia Analítico Comportamental que vai de encontro ao que
vimos no filme. A relação terapeuta-cliente que é trazida nesta teoria ficou em evidência
no filme na relação de Lionel Logue e do Príncipe Albert, a relação é a própria mudança
do comportamento do paciente. A terapia foi tão assertiva no caso estudado, pois foi
centrada na relação dos dois e na compreensão da história de Albert e dos reforços que o
mantiveram permanecer com o comportamento de gaguejar.

A Análise Funcional feita em sala de aula teve um papel fundamental para


compreender o comportamento problema de Albert, principalmente pelo entendimento
das coisas haviam acontecido da infância do príncipe com seu pai e seu irmão. Albert
não tinha atenção de seu pai por ser da realeza e ter muitos afazeres, mas quando
gaguejava obtinha a atenção do pai e por isso tinha uma alta magnitude reforçadora.
Compreender todas essas questões foi bom para entender o tipo de intervenção de
Lionel e porque foi tão eficaz.

Referências

BANDURA, Albert. Modificação do comportamento através de procedimentos de


modelação. São Paulo: Herder, 1972.

KOHLENBERG, Robert J.; TSAI, Mavis. Psicoterapia analítica funcional: criando


relações terapêuticas intensas e curativas. ESETec, 2001.
SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.

MATOS, Maria Amélia. Análise funcional do comportamento. Estudos de Psicologia,


v. 16, n. 3, p. 8-18, 1999.

POPOVITZ, Juliana Maria Bubna; SILVEIRA, Jocelaine Martins da. A especificação


do responder contingente do terapeuta na psicoterapia analítica funcional. Revista
Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 16, n. 1, p. 5-20, 2014.

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