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Resumo texto 2 – Estado, classe trabalhadora e políticas sociais

Maria Celina D’Araujo

SINDICATOS E ESTRUTURA CORPORATIVA

A respeito dos sindicatos, é importante destacar duas questões:

1. O propósito destes era apenas de regular os interesses do trabalho no setor


urbano, que no período correspondia a aproximadamente 3% da população
trabalhadora;
2. A regulação exercida pelos sindicatos na era Vargas destinava-se a enquadrar e
regular as relações entre o mundo empresarial (empresas/empresários) e o dos
trabalhadores.

O corporativismo, modelo doutrinário que vigorou em vários países no século XX


inspirou o sindicalismo no Brasil. Esta doutrina foi apresentada como alternativa ao
capitalismo e ao socialismo. Para os teóricos do corporativismo, o capitalismo era um
modelo econômico e social gerador de desigualdades, mas, sobretudo, fomentador de
conflitos e de lutas entre as classes, gerando assim instabilidades, crises financeiras,
miséria e guerras, sendo o Estado capitalista percebido como incapaz de atuar sobre
essas questões de modo a corrigi-las nas esferas sociais e econômicas.

Já o socialismo era criticado pelos teóricos corporativistas por impor uma falsa
igualdade social através da força, por pregar o materialismo e por não reconhecer os
valores culturais e religiosos de cada país. A ditadura do proletariado era vista pelo
corporativismo como uma solução com potencial para gerar novas formas de opressão e
conflito.

A partir destas visões, o corporativismo era apresentado como uma saída intermediária
entre estes dois sistemas, através da manutenção das hierarquias, porém diminuindo as
desigualdades sociais; evitar o conflito e acabar com a luta de classes; gerar harmonia
social, progresso, desenvolvimento e paz. Para atingir este objetivo, o Estado precisaria
concentrar mais poderes, para definir novas formas de organização e participação. As
organizações e partidos tradicionais da política liberal deveriam ser substituídas por
novas organizações produtoras de consenso.
A doutrina corporativista pregava que a população deveria trabalhar em conjunto com o
governo, e a melhor forma de demonstração desse apoio se daria através de atividades
cívicas e econômicas e não através de ações político-partidárias. As divergências
ideológicas deveriam ser exterminadas, o governo seria responsável pela formulação de
diretrizes para a nação e caberia a todos colaborar nesse sentido.

O pensamento corporativista acreditava que se a sociedade fosse ordenada em grandes


áreas de atividade, a conciliação de interesses do capital e do trabalho seria viável.
Nesta lógica, para o corporativismo os sindicatos seriam as corporações modernas que
exerceriam esse papel organizador. Devido a sua estrutura, os sindicatos eram
considerados órgãos privados com funções públicas, subordinado ao governo através do
Ministério do Trabalho, sendo este o agente regulador de toda rede organizativa.

O corporativismo estatal representou uma das mais sofisticadas e autoritárias formas de


governo devido à sua forma vertical de organização e à imposição de suas ideias através
de métodos autoritários.

Nesse sentido, nosso modelo sindical foi construído visando ao controle social, onde
fosse possível levar à construção de um país harmonioso e pacífico, através da
imposição de uma filosofia social em contraponto à filosofia individualista do
liberalismo ou à filosofia classista do socialismo.

Os sindicatos também tinham como objetivo criar atrativos para que os trabalhadores
rurais migrassem para o trabalho industrial nas cidades, através da criação de direitos
trabalhistas que beneficiavam apenas os trabalhadores urbanos, tornando o trabalho
nesse local mais atraente. Também é importante ressaltar que através dos sindicatos o
governo tinha controle sobre as atividades dos trabalhadores, podendo evitar greves ou
silenciar o movimento operário. Em suma, ao passo que o governo reconhecia os
sindicatos como instrumentos de organização, também criava restrições para que os
trabalhadores acionassem o mesmo na luta pelos seus direitos.

AS LEIS SINDICAIS DE 1930 A 1945


No Brasil, as primeiras leis sociais e sindicais foram criadas entre o final do século XIX
e início do século XX e inicialmente beneficiavam apenas funcionários públicos e,
posteriormente, funcionários de empresas privadas, focando também em questões
específicas como o trabalho da mulher e do menor.

Em 1917, foi criada pelo Poder Legislativo a Comissão de Legislação Social na Câmara
dos Deputados, que tinha como finalidade discutir o que deveria ser feito em termos de
legislação trabalhista para o país.

A Lei Eloy Chaves, elaborada em 1923, criou a Caixa de Aposentadorias e Pensões dos
Ferroviários, que posteriormente se expandiram para outras categorias profissionais.
Neste mesmo ano, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, vinculado ao Ministério
da Agricultura, Indústria e Comércio, com diferentes atribuições, inclusive jurídicas na
apuração de processos administrativos. Em 1927 foi criado o Código de Menores,
regulamentado em 1933 e pouco antes de 1930 algumas categorias profissionais
passaram a ser beneficiadas com leis de proteção contra acidentes de trabalho, assim
como houve expansão da lei de férias para diversas categorias.

Cabe ressaltar que neste contexto político social anterior a 1930, as questões sociais já
eram uma preocupação do governo, o que desmonta a ideia de que essas questões só
passaram a ser tratadas depois de Getúlio Vargas. Outro ponto importante é que mesmo
com a ampliação de benefícios trabalhistas, o governo não dispunha de recursos para
garantir e fiscalizar a aplicação das leis nas fábricas, fato que não era exclusivamente
um caso brasileiro. A conquista das leis trabalhistas foi alcançada devido aos esforços
dos trabalhadores e da sociedade brasileira e não apenas à iniciativa do Estado.

O sindicalismo brasileiro sofria forte influência do trabalhador estrangeiro, seguidor de


matrizes ideológicas as quais governo e empresariado tentavam combater. Numa
iniciativa de conter a influência do trabalhador nas fábricas e valorizar o trabalho
nacional, é criada a Lei dos 2/3, de 12 de dezembro de 1930, regulamentada pelo
decreto nº 20.291, de 12 de agosto de 1931, que visava impedir que cada empresa
tivesse mais de 1/3 de trabalhadores estrangeiros. Esta lei também visava evitar que
empresas de propriedade de estrangeiros preterissem o trabalho de brasileiros.

A Revolução de 1930 marcou o início da intervenção direta do Estado nas questões


relacionadas ao trabalho, marcou o fim da autonomia do movimento sindical e o início
da vinculação dos sindicatos ao governo, através do Ministério do Trabalho, este criado
em 1930. O decreto número 19.770, criado em 1931, determinou o reconhecimento dos
sindicatos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Os sindicatos passaram a
ser órgãos de colaboração com o Estado e qualquer manifestação política ou ideológica
ficava proibida. A lei também proibia que os patrões impedissem os trabalhadores de se
sindicalizar ou que os punisse em função disso.

- 1º de maio de 1943: aprovação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)

FORMAS DE CONTROLE SINDICAL, DE FINANCIAMENTO E “PELEGO”

A dependência do sindicato em relação ao Estado, definida pela legislação, é


operacionalizada através de seis aspectos:

1. Apenas associações profissionais registradas pelo Ministério do Trabalho


poderiam ser reconhecidas como sindicatos; era vedado ao sindicato e à
associação profissional a propaganda ou qualquer veiculação de preferência
política ou doutrinária, assim como também era proibido vínculo com
organizações sindicais ou profissionais internacionais;
2. Os estatutos sindicais eram uniformizados pelo Departamento Nacional do
Trabalho;
3. Os estatutos-padrão determinavam de que forma os sindicatos poderiam investir
seus bens e rendas, de modo a exercer os controles econômicos e financeiros,
tornando os desequilíbrios das contas passíveis de intervenção governamental
aos sindicatos;
4. O dissídio ou qualquer outro fato que viesse a alterar o funcionamento do
sindicato o tornava passível de intervenção do ministério através de seus
delegados;
5. As chapas que concorressem às eleições da diretoria do sindicato deveriam ser
aprovadas previamente pelo ministério, para que dessa forma fossem impedidas
candidaturas de pessoas com perfis ideológicos contrários aos interesses da
nação, sendo necessária a apresentação do “nada consta” ou “atestado de
ideologia”, expedido pela Delegacia Especial de Segurança Política e Social;
6. O sindicato deveria manter um livro de registros contendo dados pessoais de
cada associado.

No período anterior a 1930, o Estado brasileiro não regulava as atividades sindicais.


Depois desse ano, com as mudanças de atribuições do sindicato, atuando como figura
jurídica de colaboração com o Estado, o controle é exercido através de uma série de leis
que o adequam ao novo formato do Estado corporativo emergente e ao processo de
mudança econômica ao qual o país atravessava.

De modo a sustentar material e financeiramente a rede sindical, foi criado o Imposto


Sindical (Contribuição Sindical), onde cada brasileiro empregado, sendo ele
sindicalizado ou não, deveria pagar um dia de salário uma vez ao ano, descontado na
folha de pagamento, recolhido pelo Ministério do Trabalho e repassado aos sindicatos
para custear sua manutenção.

Este imposto assegurava as despesas básicas do sindicato e com isso, os dirigentes


sindicais não precisavam fazer campanhas de mobilização junto aos trabalhadores. Este
arranjo propiciou à acomodação dos dirigentes, que formaram um grupo de sustentação
dentro do sindicato, perpetuando-se nos cargos de direção. Para tal, era necessário
atender à minoria sindicalizada, garantindo serviços como atendimento médico,
odontológico, clubes recreativos e não desagradar o governo.

Para fornecer estes serviços aos trabalhadores, os sindicatos restringiam o número de


associados, pois seria inviável economicamente oferecer os benefícios a todos os
empregados. Os trabalhadores que eram assistidos pelo sindicato garantiam a reeleição
dos dirigentes. Neste contexto, surgia uma situação de desigualdade, pois todos os
trabalhadores eram obrigados a contribuir com o Imposto Sindical, contudo, apenas uma
minoria usufruía de seus benefícios. Somada à esta ação, também se fazia necessário
que os dirigentes evitassem conflitos com os patrões e o governo, desempenhando seu
papel de amenizar conflitos e negociar soluções conciliatórias.

Neste momento, surge a figura do “pelego”. Em alusão à peça colocada nos arreios para
amaciar o assento e diminuir o atrito entre o corpo humano e o corpo do cavalo,
chamada de pelego, neste sentido o “pelego” atua de forma a amaciar o contato entre
patrões e empregados – ao mesmo tempo que representava os interesses dos
trabalhadores, fazia-o de forma a não contrariar os interesses do capital e do governo.
JUSTIÇA, PREVIDÊNCIA E SEGURANÇA SOCIAL PARA O TRABALHO

A Justiça do Trabalho, criada pela Constituição de 1934 e inaugurada em 1º de maio de


1941 foi outra iniciativa do governo Vargas e tinha como objetivo consolidar um fórum
especial para que patrões e empregados resolvessem suas questões na presença
mediadora do poder público. Através de uma justiça especial, procurava-se atender aos
interesses de trabalhadores e patrões de maneira a evitar conflitos e greves.

Os críticos da Justiça do Trabalho pontuam que a intermediação da justiça impede a


negociação direta entre trabalhadores e empresários, retirando dos trabalhadores a
capacidade de iniciativa e proporcionando aos dirigentes uma posição cômoda, visto
que estes não precisam se envolver diretamente nos conflitos. A crítica ressalta ainda
que o tribunal como mediados dos conflitos teria impedido a formação de uma classe
trabalhadora mais enérgica no enfrentamento das pressões e das imposições patronais.

Os defensores da Justiça do Trabalho argumentam que o trabalhador brasileiro tem um


histórico de desproteção e que um reforço especial na área da Justiça garantiria seus
direitos, além de garantir a agilidade dos processos, que não seriam viáveis na Justiça
comum, devido à sua lentidão. Também argumenta-se que a Justiça trabalhista atua
como canal de defesa dos direitos do trabalhador, sendo o ramo da Justiça que deposita
mais confiança entre os brasileiros.

Outra medida significativa foi a criação da Carteira de Trabalho em 1932. Considerada


por décadas o documento mais importante para os brasileiros, a Carteira de Trabalho
funcionava como registro de toda vida profissional das pessoas, servindo como prova
documental para fins de aposentadoria, licenças, etc. Neste mesmo ano, também passou
a ser proibido o trabalho para menores de 14 anos, foi determinada carga horária de 8h
para trabalhadores da indústria e do comércio, proibido o trabalho noturno, o trabalho
feminino foi regulado, garantida a igualdade salarial e proteção às gestantes. Ainda
neste ano, houve o reconhecimento das profissões pelo governo, que garantia direitos
trabalhistas a todas as categorias reconhecidas e legalizadas, além do estabelecimento de
regras para as convenções coletivas de trabalho.
Nos anos 30 também foram criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões, em
substituição às antigas Caixas de Aposentadorias e Pensões. Em 1938, foi criado o
Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estados para atender aos
servidores públicos civis.

A criação do salário mínimo pelo decreto-lei nº 2.162 de 1º de maio de 1940 foi uma
das leis mais conhecidas da era Vargas.

Houve a organização de uma rede de refeitórios populares através do Serviço de


Alimentação da Previdência Social.

Apesar do crescimento da rede de seguridade social dos anos 1930 até o fim do Estado
Novo, vale ressaltar que durante o processo de elaboração de direitos, a maioria da
população estava excluída, pois os direitos eram garantidos apenas aos trabalhadores
urbanos pertencentes às categorias reconhecidas e regulamentadas pelo Estado, que
possuíssem carteira de trabalho e que estivesse assinada, além dos benefícios que
somente eram concedidos aos trabalhadores membros dos sindicatos.

Apenas em 1960 a Lei Orgânica da Previdência Social uniformizou os benefícios de


assistência à saúde, mas deixou de fora os trabalhadores rurais e os empregados
domésticos, que só foram contemplados pela lei nos anos 70, após a unificação dos
institutos pelo governo militar através da criação do Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS).

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