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Curso de Direito do Trabalho

Arnaldo Süssekind

Capítulo I

BREVE HISTÓRIA DO TRABALHO HUMANO

I — O começo desta história

Toda energia humana, física ou intelectual,


empregada com fim produtivo, constitui trabalho. Mesmo na
mais remota antigüidade, o homem sempre trabalhou: na fase
inicial da lanças, machados e outros instrumentos, com os
pré-história, com o objetivo de alimentar-se, defender-se e
do frio e das intempéries; no período paleolítico, quais
ampliou sua capacidade de defesa e sua instintiva agres-
sividade.
A necessidade de agrupamento impôs a formação
de pequenas tribos, que lutavam entre si. A princípio, os
prisioneiros eram mortos e comidos; depois, porque a caça, a
pesca e, mais tarde, a agricultura abasteciam os componentes
dos grupos, os derrotados passavam à condição de escravos
para a execução dos serviços mais penosos. Surgia, assim, o
trabalho em favor de terceiros, objeto de um ramo do Direito
cuja autonomia viria a ocorrer somente na época
contemporânea. Mas, no curso da história, essa prestação de
serviços tomou diversas formas, gerando importantes
instituições jurídicas, com remarcados reflexos econômicos,
sociais e políticos.

II — Escravidão

Sob a ótica do Direito, o escravo era coisa


(res) e não pessoa, podendo o seu proprietário dele dispor:
vendê-lo, trocá-lo, utilizá-lo como lhe aprouvesse e até
matá-lo. A relação jurídica era de domínio absoluto por
parte do dono, a cujo patrimônio o escravo pertencia e se
incorporava o produto do seu trabalho.

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Embora não fosse sujeito de direito, a mulher


escrava transmitia esse estigma a seus descendentes. As
outras vias de aquisição da condição de escravo eram o
aprisionamento de guerra, a insolvência do devedor e a
condenação por certos crimes.
Os povos da antigüidade fizeram do trabalho
escravo o esteio da sua economia e o instrumento das suas
realizações. As civilizações dos egípcios, assírios e
babilônios foram edificadas com base nesse tipo de trabalho,
sem embargo da atividade dos servos da gleba, cuja figura
jurídica surge na agricultura, e do trabalho livre dos
artífices e artesãos. Na Grécia antiga e em Roma a execução
dos serviços materiais cabia, geralmente, aos escravos.
Entre os romanos, no entanto, muitos se libertaram.
A vida alicerçada no trabalho escravo tornou-
se tão comum que foi plenamente justificada pelos grandes
filósofos da antigüidade clássica. Na Idade Média foi, em
grande parte, substituída pela servidão; e, apesar de
combatida, desde então, por importantes correntes do
pensamento, caminhou com a história, sendo até incrementada,
nos albores da época contemporânea, por ingleses, holandeses
e portugueses, em tráfico contínuo para as respectivas
colônias.
A Revolução Francesa condenou a escravidão e,
em meados do século XIX, ela foi proibida nos territórios
dominados pela Inglaterra. Em 1888 foi abolida no Brasil.
Não obstante, a existência de focos de trabalho escravo em
pleno século XX levou a extinta sociedade das Nações a
adotar, em 1926, uma convenção internacional visando a
extinguir definitivamente a escravidão.

III — Locação de trabalho livre

A prevalência dos regimes da escravidão e, em


menor escala, o da servidão não excluiu, na antigüidade, o
trabalho autônomo dos artesãos e a contratação da prestação
de serviços dos artífices. Aliás, o Código de Hammurabi,
adotado na Babilônia no século XXI a.C., dispôs sobre
condições para a prestação do trabalho livre, inclusive

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salário, regulamentou o trabalho em várias profissões,


tratou da aprendizagem etc. Muito mais tarde, as hetairidas
gregas e os collegia romanos reuniram trabalhadores livres,
com finalidades sobre as quais ainda perdura ampla
controvérsia: cooperativas de trabalho ou associações
assistenciais?
O Direito Romano partiu da figura jurídica do
arrendamento de coisa (locatio conducto rei) para aplicá-la,
como obrigação de fazer, às duas formas usuais da
contratação do trabalhador livre: a) para a execução de
determinada obra (Locatio conciuctio operis); b) para a
prestação de serviços em favor do contratante (locatio
conductio operarum).
Na locatio operis, gênese do contrato de
empreitada, o contratado obrigava-se a executar e entregar
certa obra ao contratante, dele recebendo o preço fixado. O
objeto do contrato era, portanto, um resultado, cabendo o
contratado ao risco da sua execução.
Na locatio operarum, que gerou o contrato de
trabalho, o trabalhador obrigava-se a prestar serviços ao
contratante, de quem recebia remuneração ajustada por
unidade de tempo. O objeto do contrato era, pois, uma
atividade, cabendo ao contratante o risco do empreendimento.

IV — Servidão

A vinculação do colono à terra existiu nas


grandes civilizações antigas. Mas a servidão renasceu forte
após a queda do Império Romano, no ano de 476,
transformando-se no esteio da estrutura econômica do regime
feudal. Com o desmoronamento do poder político central,
nobres e representantes na Igreja passaram a dominar regiões
caracterizadas pela agricultura (latifúndios). Eles não
perdiam o domínio da terra cedida aos colonos, a quem davam
proteção, deles recebendo obediência e um cânon enfitêutico,
pago com parte da produção agrícola ou em dinheiro. Era o
regime feudal. O colono, oriundo de antigas gerações de
escravos ou de trabalhadores livres, vinculava-se
juridicamente à terra colonizada, juntamente com os seus

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familiares, tornando-se um parceiro obrigatório do eventual


detentor do feudo. Daí a expressão “servo da gleba”.
A obrigação de o servo cultivar a terra a que
pertencia era irredimível, não se resolvendo por sucessão no
feudo. A evolução foi sutil: o escravo era coisa, de
propriedade do seu amo; o colono era pessoa, pertencente à
terra5. Sendo “pessoa”, sujeito de direito, podia transmitir,
por herança, seus animais e objetos pessoais: mas transmitia
também a condição de servo.
A partir do século XI a sociedade medieval,
alicerçada na estrutura agrária feudal, cedeu sua primazia à
sociedade urbana, fundada no comércio e na indústria
rudimentar. Ressurgiram os municípios (comunas), com certa
autonomia. Os feudos enfraqueceram-se; as pestes e as
cruzadas facilitaram a fuga dos colonos. O regime feudal,
com a servidão, entrou em crise.
Tal como a escravidão, também ressurgiu, com
muito menor intensidade, em várias fases da história. Tanto
que a Revolução Comunista, na primeira quadra do nosso
século, teve de promover a extinção de remanescentes
colonatos na União Soviética, constituídos de servos da
gleba.

V — A mita espanhola

A mita foi desenvolvida na América espanhola


entre os indígenas, correspondendo a trabalho obrigatório,
imposto por sorteio. Mas não era gratuito, e os seus
prestadores estavam protegidos por algumas normas jurídicas
surpreendentes para a época, conhecidas como “legislação das
índias”, de FELIPE II (Ordenanças de 1574): a) salário em
dinheiro, com periodicidade não superior a uma semana, e
expressa vedação do truck-systen; b) jornada de oito horas,
como regra, e de sete horas nas minas; c) descanso
dominical; d) assistência médica e meio salário durante o
tratamento de acidentes do trabalho; e) proibição de vários
tipos de trabalho a menores de dezoito anos e mulheres.

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VI — Corporações de ofício

Com a decadência do regime feudal, os colonos


refugiaram-se nas cidades, ao lado dos artesãos e operários
especializados, onde podiam defender-se das violências dos
seus antigos senhores. E, inspirados nos collegia romanos e
nas ghildas germânicas, esses trabalhadores livres
organizaram-se em grêmios, que, a pouco e pouco, passaram a
constituir ponderáveis instrumentos da produção econômica
local. Surgiram, assim, no século XII, as Corporações de
Artes e Ofícios, que agremiavam pessoas da mesma profissão
ou atividade profissional e elegiam, quase sempre, um santo
como patrono.
Os estatutos da corporação dispunham sobre os
respectivos poderes e estabeleciam rígida hierarquia entre
os seus filiados.
Estes se dividiam em aprendizes, companheiros
e mestres.
O aprendiz devia obediência a seu mestre, com
quem aprendia o ofício correspondente à Corporação.
Terminado o aprendizado, geralmente em torno de cinco anos,
ele passava a companheiro ou oficial; mas, até alcançar o
mais elevado grau de hierarquia da Corporação, só podia
trabalhar para o respectivo mestre.
Os estatutos de cada Corporação eram
elaborados por uma comissão administrativa constituída por
mestres eleitos em assembléia. Eles fixavam, mediante
regulamentação própria, a duração do trabalho (jornadas do
nascer ao pôr-do-sol); proibiam o trabalho aos domingos e
nos dias de festas religiosas; dispunham, enfim, sobre a
manufatura dos produtos e sua comercialização. Na época do
seu esplendor, como acentua ROBERTO FACHETTI, as corporações
de ofício conjugaram os três poderes estatais: a) o
Legislativo, posto que ditavam os estatutos e estabeleciam
condições de trabalho; b) o Executivo, exercido pelos seus
chefes; c) o Judicial, visto que os jurados tinham poderes
para sancionar as faltas dos agremiados.
As corporações de ofício constituíram, na
verdade, típicas empresas dirigidas pelos respectivos
mestres, que cuidavam da formação profissional para

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assegurar a mão-de-obra necessária à execução da atividade


econômica para a qual desfrutavam de autêntico monopólio:
ninguém, na sua área de atuação, podia exercer o
correspondente ofício sem ingressar no grêmio. Não obstante,
valorizaram o trabalho humano, sob a decisiva influência da
Igreja Católica, que propagava o valor moral do trabalho.
Da forte dependência dos companheiros aos
mestres e da dificuldade, cada vez maior, de ascenderem
aqueles à maestria, nasceu crescente divergência entre os
componentes dessas duas classes. No século XIV os primeiros
constituíram associações para a defesa dos seus interesses
(Compagnonnage), que se tornaram, como muitos o reconhecem8,
precursoras dos sindicatos criados no início do século XIX.
A Renascença marcou, no século XV, o início
da época moderna. E os seus notáveis e inovadores movimentos
nas artes, na filosofia, na literatura, na política e nas
ciências valorizaram o homem e, por via de conseqüência, o
seu trabalho. A partir de então, acirrou-se a luta entre
mestres e companheiros, sendo que as associações destes
defenderam o boicote, a greve e até o abandono das cidades.
Iniciava-se o declínio das corporações de ofício,
incrementado ainda pela expansão do mercantilismo. Também o
Estado nacional e os principados soberanos fortaleceram-se e
conseguiram submeter as corporações ao poder real,
reduzindo-lhes a autonomia profissional e os privilégios
econômicos.
Entre as causas da decadência das
corporações, ALONSO GARCIA dá ênfase ao “desaparecimento
progressivo das regulamentações profissionais e da
consagração do princípio da liberdade como postulado
essencial da nova era, de signo individualista, contrário a
toda manifestação corporativa ou grupal. Por isso mesmo a
Revolução Francesa as aboliu, proibindo “restabelecê-las de
fato, sob qualquer pretexto e com qualquer forma” (art. 1º
da Lei Chapelier, de 17.6.1791).

VII — Manufaturas monopolistas

Com o regime das manufaturas, surgido na fase


da decadência das corporações de ofício, as relações de

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trabalho apresentaram características de transição entre o


sistema anterior e o capitalismo, passando o trabalhador a
receber um salário como contraprestação do serviço
executado.
As manufaturas eram empresas que detinham o
monopólio regional para determinada atividade econômica,
concedida pelo poder real. Competia ao rei a aprovação do
regulamento administrativo que as regia. A figura do
empresário surgia nítida, como chefe da empresa, com poder
de comando absoluto.
O monopólio de que dispunham as manufaturas
não proporcionava qualquer margem de liberdade para negociar
o valor ou a forma da sua remuneração. E o empregado só
podia deixar o emprego mediante autorização do empresário.
Tal como as corporações de ofício, também as
manufaturas monopolistas foram extintas pela precitada lei
de 1791.

VIII — Da Revolução Industrial à era da


informática

A Revolução Industrial teve início em 1775,


quando JAMES WATT inventou a máquina a vapor. Com essa
energia motora, cresceram e expandiram-se as empresas. E a
contratação de operários livres foi utilizada num sistema
econômico onde predominava a fisiocracia”. Pregava-se, por
conseguinte, a não-intervenção do Estado nas relações
contratuais — princípio que acabou sendo consagrado pela
Revolução Francesa.
A partir daí se desenvolveu o regime do
contrato de trabalho formalmente livre. Mas as condições de
trabalho, inclusive o salário, eram ditadas pelo empregador.
A pouco e pouco, os trabalhadores organizaram-se nos países
industrializados, para a luta contra o liberalismo
econômico, que propiciava sua exploração. Nascia, então, a
legislação social-trabalhista, cuja formação histórica é
objeto do capítulo seguinte.
Hoje, quer nos países de economia de mercado,
quer nos países socialistas, os respectivos sistemas

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jurídicos impõem aos empregadores a observância de certas


condições de proteção ao trabalhador, editadas pelo Estado
ou estipuladas nos instrumentos da negociação coletiva, da
qual participam os sindicatos.
Cabe indagar, agora: a nova revolução
tecnológica — a da informática — não imporá significativas
modificações no Direito do Trabalho? Afinal, a generalização
do uso dos computadores, muitos dos quais interligados por
satélites, tende a substituir o ser humano, podendo dirigir
complexas máquinas e robôs numa fábrica automatizada. E,
através dessa nova revolução, as empresas multinacionais
irão expandir-se cada vez mais, com orçamentos financeiros
superiores aos de diversos países. Essa é a nova realidade
socioeconômica que o Direito tem de enfrentar. A
flexibilização das leis de proteção ao trabalho, ainda que
sob tutela sindical, tornou- se significativa na Europa
Ocidental desde os anos 80, com reflexos na Constituição
brasileira de 1988. Relevante é não esquecermos que o homem
deve ser sempre o centro e o fim de qualquer sistema social
e que a Constituição brasileira inclui a dignidade da pessoa
humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV).

Capítulo II

FORMAÇÃO HISTÓRICA E IDEOLÓGICA


DO DIREITO DO TRABALHO

I — A Revolução Francesa e a exploração do


trabalhador

O Direito cio Trabalho é um produto da reação


verificada no século XIX contra a exploração dos
assalariados por empresários. Estes se tornaram mais
poderosos com o aumento da produção fabril, resultante da
utilização dos teares mecânicos e da máquina a vapor, e com
a conquista de novos mercados, facilitada pela melhoria dos
meios de transporte (Revolução Industrial); aqueles se
enfraqueceram na razão inversa da expansão das empresas,

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sobretudo porque o Estado não impunha aos empregadores a


observância de condições mínimas de trabalho e ainda proibia
a associação dos operários para defesa dos interesses
comuns.
Se a Revolução Francesa (1789) foi, sob o
prisma político, um marco notável na história da
civilização, certo é que, ao estear todo o sistema jurídico
em conceitos abstratos de igualdade e liberdade, permitiu a
opressão dos mais fracos, falhando, portanto, no campo
social. É que a relação contratual estipulada entre o
detentor de um poder e aquele que, por suas necessidades de
subsistência, fica obrigado a aceitar as regras impostas por
esse poder, não constitui, senão formalmente, uma relação
jurídica; na sua essência, representa um fator de dominação.
Afirmando a igualdade jurídico-política dos
cidadãos (todos são iguais perante a lei), a Revolução
Francesa adotou o princípio do respeito absoluto à autonomia
da vontade (liberdade contratual), cuja conseqüência foi a
não-intervenção do Estado nas relações contratuais (laissez-
faire). Consagrou, assim, o liberalismo-econômico pregado
pelos fisiocratas, com o que facilitou a exploração do
trabalhador. As teorias de ADAM SMITH, considerado o pai da
economia política, foram testadas na prática; mas o
resultado, sob o ângulo social, foi trágico.
Decorrência dessa filosofia foi a Lei
Chapelier (1791), a qual, objetivando evitar a pressão de
grupos organizados em detrimento da liberdade individual,
proibiu a coalizão de cidadãos, inclusive de “operários e
oficiais de qualquer arte”. Essa proibição originária da
França foi sucessivamente adotada em diversos países,
conceituando-se como delitos penais e os movimentos
grevistas e até as tentativas de sindicalização.
A utilização cada vez maior da máquina, que
poderia ter acarretado a diminuição das jornadas de trabalho
e a elevação dos salários como conseqüências do maior
rendimento do trabalho produtivo, teve, paradoxalmente,
efeitos diametralmente opostos. Num retrocesso que afrontava
a dignidade humana, a duração normal do trabalho totalizava,
comumente, 16 horas diárias; o desemprego atingiu níveis
alarmantes e o valor dos salários decresceu. Para

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complementar o orçamento da família operária, a mulher e a


criança ingressaram no mercado de trabalho, acentuando o
desequilíbrio entre a oferta e a procura de emprego. E,
assim, ampliada a mão-de-obra disponível, baixaram ainda
mais os salários (Lei de bronze de LASSALE). Nem a liberdade
formal nem a máquina libertaram o homem.

II — O pioneirismo de OWEN e a organização


sindical

O quadro resumido na seção anterior haveria


de sensibilizar alguns parlamentares, muitos intelectuais e
os bons empresários.
Coube ao moleiro ROBERT PEEL obter, em 1802,
na Inglaterra, a primeira lei de proteção ao trabalhador, na
fase contemporânea da história. Ela visou à criança,
limitando a jornada de trabalho em 12 horas, dispondo sobre
sua aprendizagem e estabelecendo regras de higiene nas
fábricas. Essa lei, entretanto, não teve eficácia na
prática. Foi o empresário ROBERT OWEN quem, realmente,
lançou as sementes que frutificaram, sendo, por isso,
considerado, mui justamente, o pai da legislação do
trabalho: ele implantou diversas medidas de proteção ao
trabalho na sua fábrica de tecidos em New Lamark, na
Escócia; difundiu idéias inovadoras no seu livro A New View
of Society (1813); propôs no Congresso de Aixla-Chapelle a
celebração de um tratado internacional limitando a jornada
de trabalho (1818); colaborou com PEEL na aprovação de nova
lei sobre o trabalho do menor (1819); incentivou, enfim, a
agremiação dos operários em sindicatos (trade unions), os
quais se tornaram, a partir de então, o mais poderoso
instrumento de conquista dos direitos social-trabalhistas.
Registra a Organização Internacional do
Trabalho que, já no início do século XIX, alguns operários,
sobretudo os carpinteiros, mecânicos e tipógrafos, passaram
a reunir-se na Grã-Bretanha para acertarem suas
reivindicações; e depois, sempre em grupo, levavam as
postulações aos respectivos patrões.

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Estes, por vezes, os atendiam; em outras


oportunidades negavam-se até a recebê-los. Surgiram, então,
as greves da época contemporânea. Com a revogação da lei
britânica sobre o delito de coalizão (1824), os grupos
informais de trabalhadores foram se transformando nas trade
unions, que assumiram o papel de negociador com os
empregadores para a estipulação das condições a serem
respeitadas nos contratos individuais de trabalho. Nascia o
contrato ou convenção coletiva de trabalho. Nenhuma lei
impunha sua eficácia erga omnes; todavia, o gentlemen’s
agreement assegurava a observância do pactuado entre os
sindicatos e os empresários.
O sindicalismo, iniciado na Inglaterra, logo
se expandiu para a França, Alemanha, Itália e outros países
industrializados, sendo que, nos Estados Unidos da América,
o direito de sindicalização foi reconhecido pela Corte de
Massachusetts (1842) em decisão que se tornou um marco na
história do sindicalismo norte-americano. As trade unions,
sob a inspiração de OWEN, fundaram, em 1833, a “União
Nacional Consolidada”, que chegou a reunir meio milhão de
trabalhadores. Ela comandou a deflagração de uma série de
greves, num movimento denominado “Cartismo”, porque tinha
por finalidade a conquista de direitos políticos e sociais
do homem, expostos numa Carta elaborada entre 1837 e 1838
pelo movimento sindical.

III — A conquista das primeiras leis de


proteção ao trabalho

A luta contra a máquina, que se exasperou na


Inglaterra, foi substituída, a pouco e pouco, por campanhas,
às vezes violentas, para a conquista de leis imperativas de
proteção ao trabalho: a) na França, onde desde 1806 já
funcionavam os Conseils de prud’homme, constituídos de
empregadores e empregados, com atribuições para conciliar e
decidir questões oriundas do trabalho, foi proibido o
trabalho de crianças em minas de subsolo (1813) e o trabalho
em domingos e feriados (1814); b) na Inglaterra, em 1833,
foi proibido o trabalho do menor de 9 anos, limitada a 9
horas a jornada de trabalho do menor de 13 anos e a 12 horas

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a do menor de 18 anos, com a instituição de inspetores de


fábricas; c) na Alemanha, em 1839, foi vetado o trabalho do
menor de 9 anos e fixada em 10 horas a jornada de trabalho
do menor de 16 anos; d) ainda na França, em 1814, foi
proibido o trabalho do menor de 8 anos, limitada a 8 horas a
jornada de trabalho dos menores de 8 a 12 anos e fixada em
12 horas a dos menores de 12 a anos; e) a Inglaterra volta a
legislar, em 1844, para limitar a prestação do trabalho
feminino a 10 horas diárias.
A mais importante lei dessa fase de formação
histórica e ideológica do Direito do Trabalho, que sepultou
o tabu do não-intervencionismo do Estado nas relações de
trabalho, foi a que, na Inglaterra, em 1847, limitou a
jornada normal de trabalho a 10 horas, em disposição de
caráter geral. Essa lei coroou intensa campanha sindical, na
qual os trabalhadores reivindicavam a jornada de oito horas.

IV — Do manifesto de MARX-ENGELS à
legalização do sindicato

O ano de 1848 foi marcado por importantes


acontecimentos no campo político e no social: a) MARX e
ENGELS tornaram público o Manifesto Comunista, advogando a
direção global da economia pelo poder político e o exercício
deste pelo proletariado; b) na Inglaterra, extinguiram-se os
movimentos cartista (de fins políticos e sociais) e owenista
(de índole socialista), que tanto influenciaram as trade
unions; c) o sindicalismo inglês, tendo em vista o êxito nos
entendimentos com os empresários para a aprovação da lei das
10 horas de trabalho, passou a admitir a negociação como
forma de conciliação de interesses entre patrões e
operários, contrariando, assim, a tese comunista da luta de
classes como único meio para a afirmação do proletariado; na
França triunfou uma revolução, de duração efêmera (fevereiro
a julho de 1848), que uniu a pequena burguesia ao operariado
e constituiu a Comissão de Luxemburgo para propor medidas
práticas de proteção ao trabalho.
Nas décadas de 50 e 60 do século XIX foi
escassa a atividade legislativa concernente aos direitos

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trabalhistas. Isto apesar da ampla campanha incrementada


pela Associação Internacional dos Trabalhadores em prol da
jornada de 8 horas. Com essa finalidade, foram aprovadas
duas resoluções, em 1866, por um congresso norte-americano e
internacional. Não obstante a reivindicação da jornada de
oito horas pôr alguns congressos nacionais e internacionais
de trabalhadores, até o final do século XIX somente
servidores públicos foram contemplados por lei neste
sentido. E a origem do 10 de maio como Dia do Trabalho foi
uma decorrência da campanha para a conquista dessa limitação
da jornada de trabalho”.
Nas décadas de 70 e 80 do século XIX
verificam-se o reconhecimento legal e a conseqüente expansão
do sindicalismo. A Inglaterra, que foi um dos primeiros
países a proibir a sindicalização e que depois passou a
tolerá-la, revogando o delito da coalizão (1824), cedeu ante
o fato social e legislou sobre o tema: em 1871, sob a chefia
de DISRAELI, o governo inglês regulamentou o direito de
sindicalização (Trade unions act). Nos Estados Unidos esse
direito foi reconhecido pelos tribunais, com base na
Constituição; em 1884, a França adotou a lei de associações
profissionais (Lei Waldeck-Rousseau).

V — BISMARCK, os seguros sociais e a


internacionalização das leis social-trabalhistas

A vitória da Alemanha na guerra de 1870/71 e


o temor da expansão das idéias de MARX e ENGELS, que eram
germânicos, levaram o Chanceler BISMARCK a implantar o
primeiro sistema de seguros sociais: de enfermidade (1883),
de acidente do trabalho (1884) e de velhice e invalidez
(1889). Esses seguros obrigatórios abrangiam todos os
trabalhadores da indústria e do comércio. Em 1886 o seguro-
enfermidade foi estendido à agricultura e, em 1892, aos
transportes.
Na Alemanha já vigoravam algumas leis de
proteção ao trabalhador’2. Por isso mesmo, o custo social da
mão-de-obra, elevado com as contribuições previdenciárias,
preocupou tanto os empresários como alguns parlamentares e o

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próprio KAISER GUILHERME II. Este, valendo-se do prestígio


do seu país, apoderou-se da iniciativa do Conselho Federal
da Suíça no sentido de internacionalizar a legislação
social-trabalhista e convocou a Conferência de Berlim, que
se realizou em março de 1890, com o apoio explícito do PAPA
LEÃO XIII.
A idéia de internacionalizar as normas
fundamentais da proteção social ao trabalho, seja para
nivelar o custo da produção entre países industrializados,
seja para atender a princípios de justiça social, já havia
sido defendida, dentre outros, por OWEN (1818), BLANQUI
(1838), LEGRAND (1841), MARX e ENGELS (1864), pelo Conselho
Federal da Suíça (1855, 1876, 1881 e 1890) e pela Segunda
Internacional (Paris, 1889).
A Conferência de Berlim teve o mérito de
evidenciar que temas trabalhistas de relevo podiam ser
tratados no piano internacional. Os êxitos obtidos foram a
assinatura do Protocolo fixando em 14 anos a idade mínima de
admissão nos trabalhos das minas (salvo nos países
meridionais, onde a idade mínima seria de 12 anos) e de
várias recomendações concernentes à proibição do trabalho
das mulheres nas minas, à redução da jornada de trabalho nas
minas, à arbitragem nos conflitos de trabalho, à organização
de sociedades de socorro mútuo entre os trabalhadores, à
proibição do trabalho dos menores de 12 anos nos
estabelecimentos industriais (salvo nos países meridionais,
onde a idade mínima seria de 10 anos), à proibição do
trabalho noturno das mulheres e, finalmente, à concessão de
um período de descanso por motivo de parto.

VI — LEÃO XIII, a doutrina social da Igreja e


a multiplicação das Leis social-trabalhistas

O intenso trabalho dos sindicatos ingleses,


franceses, alemães e norte-americanos, quer dos vinculados
ao socialismo revolucionário, quer dos independentes,
resultou na conquista das primeiras leis trabalhistas do
mundo contemporâneo. Mas é inquestionável que a divulgação
da encíclica Rerum Novarum, do PAPA LEÃO XIII, em 15 de maio

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de 1891, acelerou a multiplicação dessas leis. Essa famosa


encíclica pleiteou a mudança da diretriz então predomindante
no trato das questões pertinentes ao trabalho, a fim de
preservar a dignidade humana do trabalhador e implantar a
justiça social; criticou tanto o liberal-individualismo,
como o socialismo; e, em virtude da sua alta procedência,
exerceu remarcada influência entre muitos governantes e
parlamentares, dos quais dependia a decretação de inadiáveis
normas de proteção social ao trabalhador.
De 1891 (ano em que foi divulgada a Rerum
Novarum) a 1919 (ano em que o Tratado de Versailles
consagrou o Direito do Trabalho), algumas normas relativas
ao trabalho do menor e da mulher foram inseridas em
instrumentos internacionais. Mas, o que deve ser sublinhado
como fato de grande significação é que, nesse período,
diversos Estados legislaram sobre relevantes aspectos das
relações de trabalho e previdência social; jornada de
trabalho, salário mínimo, repouso semanal e em feriados,
acidentes do trabalho, seguro-doença, seguro invalidez-
velhice-morte etc.

VII — Ação de intelectuais e de sindicatos


em prol do Direito do Trabalho

Em 1897 os renomados professores MAHAIM


(Liège) e BRENTANO (Leipzig) organizaram o Congresso
Internacional de Legislação do Trabalho, reunindo em
Bruxelas ilustres juristas, economistas e administradores,
tanto da escola intervencionista, como da liberal. Nesse
congresso nasceu a idéia da criação de uma entidade de
direito privado, constituída por intelectuais, com o
objetivo de batalhar pela expansão e internacionalização das
leis social-trabalhistas. Essa entidade foi criada no
congresso seguinte (Paris, 1900), sob o nome de Associação
Internacional para a Proteção Legal aos Trabalhadores. A
obra fecunda de investigação e divulgação das principais
questões trabalhistas, com penetração das suas idéias entre
autoridades públicas e cultores do Direito, completou o
impacto da Rerum Novarum.

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Quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial


(1914), a Associação, sediada na cidade suíça de Basiléia,
já possuía quinze seções nacionais e havia realizado oito
reuniões internacionais. E havia designado ARTHUR FONTAINE
para colaborar na elaboração do primeiro tratado bilateral
de trabalho, concluído em 1909, entre a França e a Itália,
que abriu caminho a outros. Por sua vez, os estudos
realizados sobre a proibição do trabalho noturno das
mulheres na indústria e da utilização do fósforo branco na
produção industrial serviram de base às primeiras convenções
internacionais do trabalho, aprovadas na conferência
diplomática de Berna de 1906.
Se o trabalho desenvolvido por intelectuais
foi meritório e oportuno, decisiva foi a influência exercida
pelas centrais sindicais da França, dos Estados Unidos e da
inglaterra na internacionalização das normas social-
trabalhistas e na criação da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) pela Conferência da Paz (1919).
Mal começara a Primeira Grande Guerra, a
American Federation of Labor iniciou gestões junto a outras
centrais sindicais, visando a que o futuro tratado de paz
contivesse um estatuto sobre as normas de proteção ao
trabalhador. Os dirigentes sindicais europeus, tendo à
frente LEON JOUHAUX, da GGT francesa, ampliaram a proposta
da central norte-americana, reivindicando que delegados das
organizações sindicais participassem da Conferência da Paz,
ao lado dos representantes governamentais. Reunidos na
cidade inglesa de Leeds (1916), aprovaram resoluções
contendo direitos fundamentais que deveriam ser assegurados
aos trabalhadores e propuseram a criação de um Bureau
International para coordenar e promover o desenvolvimento da
legislação do trabalho.
Várias conferências sindicais foram
realizadas com o mesmo propósito. A mais importante teve
lugar em Berna, logo após a instalação da Conferência da Paz
(1919), tendo sido confirmadas as proposições adotadas em
Leeds, inclusive quanto à criação de uma repartição
internacional do trabalho.
Digno de registro é o pioneirismo da
Constituição do México de 1917, ao inserir no seu texto

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fls. 17

algumas normas fundamentais da proteção social do


trabalhador, que podem ser consideradas bastante avançadas
para a época.

VIII — Tratado de Versailles: a consagração


do Direito do Trabalho e a criação da OIT

Quando, a 25 de janeiro de 1919, instalou-se


a Conferência da Paz no palácio de Versailles, a opinião
pública já estava conscientizada de que o tratado a ser
firmado pelos países vitoriosos deveria: a) conter os
princípios fundamentais de proteção ao trabalho humano; b)
criar um organismo internacional com atribuições de promover
a internacionalização das normas social-trabalhistas e
controlar sua aplicação.
A Parte XIII do Tratado de Versailles,
concluído a 6 de maio do mesmo ano, criou a Organização
Internacional do Trabalho25 como parte da Sociedade das
Nações (arts. 60 e 387 a 426 do Tratado) e consagrou o
Direito do Trabalho como o novo ramo da ciência jurídica.
Para orientar a construção desse Direito, o art. 427 do
Tratado enunciou os seguintes princípios e normas:

1º — O princípio diretivo antes enunciado


de que o trabalho não há de ser considerado como mercadoria
ou artigo de comércio.
2º — O direito de associação visando a
alcançar qualquer objetivo não contrário às leis, tanto para
os patrões como para os assalariados.
3º — O pagamento aos trabalhadores de um
salário que lhes assegure um nível de vida conveniente, em
relação com sua época e seu país.
4º — A adoção da jornada de oito horas ou a
duração semanal de quarenta e oito horas.
5º — A adoção de um descanso semanal de vinte
e quatro horas, sempre que possível aos domingos.
6º — A supressão do trabalho das crianças e
a obrigação de impor aos trabalhos dos menores de ambos os

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sexos as limitações necessárias para permitir-lhes continuar


sua instrução e assegurar seu desenvolvimento físico.
7º — O princípio do salário igual, sem
distinção de sexo, para um trabalho de igual valor.
8º — As leis promulgadas em cada país,
relativas às condições de trabalho deverão assegurar um
tratamento econômico eqüitativo a todos os trabalhadores que
residem legalmente no pais.
9º — Cada Estado deverá organizar um serviço
de inspeção, que inclua mulheres, a fim de assegurar a
aplicação das leis e regulamentos para a proteção dos
trabalhadores

IX — Caráter intervencionista do Direito


do Trabalho

A legislação social-trabalhista nasceu


intervencionista, seja para limitar a autonomia da vontade
nas relações de trabalho, seja para instituir sistemas
obrigatórios de previdência.
Na formação do Direito do Trabalho,
resumidamente narrada neste Capítulo, aludimos ao liberal-
individualismo da Revolução Francesa; ao socialismo utópico
de OWEN e seus seguidores; ao movimento Cartista, que se
tornou o embrião do trabalhismo; ao socialismo científico
esteado no Manifesto Comunista de MARX e ENGELS; e, por fim,
à ação dos reformadores sociais, desenvolvida por
intelectuais, sindicatos e Igreja Católica, pregando a
intervenção do Estado para conciliar as liberdades
individuais com os direitos sociais. E esse último
movimento, como vimos, teve remarcada influência na formação
ideológica do Direito do Trabalho, sendo certo que diversas
Constituições inseriram os direitos sociais nos seus textos
e consagraram o direito de o Estado intervir nas relações de
trabalho.
A maior ou menor intervenção do Estado nas
relações de trabalho depende tanto do sistema econômico
adotado pelo respectivo regime jurídico-político, quanto da
possibilidade real de os sindicatos de trabalhadores

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fls. 19

conseguirem, pela negociação coletiva, a estipulação de


condições de trabalho adequadas ou a complementação das
fixadas por lei.
Há, portanto, no direito comparado, uma
escala com diversos graus de intervenção estatal: a) nos
principais países de língua inglesa (Estados Unidos, Grã-
Bretanha e Canadá) o sistema jurídico de proteção ao
trabalho esteia-se preponderantemente na negociação
coletiva, impulsionada por poderosos sindicatos, não
obstante já vigorar na Inglaterra algumas leis de proteção
ao trabalho; b) na maioria dos países, inclusive naqueles em
que há inúmeros sindicatos fortes e a sindicalização é
ponderável (República Federal da Alemanha, França, Itália,
Espanha etc.), leis imperativas fixam o nível considerado
adequado de proteção ao trabalhador, que ~ complementado
pelos instrumentos da negociação coletiva; c) nos poucos
países onde a economia ainda é integralmente dirigida pelo
Estado, as condições de trabalho integram os planos
periodicamente aprovados e impostos pelo Poder Público, não
podendo as convenções coletivas ter, a respeito, conteúdo
inovador.
No segundo grupo, formado pela maior parte
dos países, a intervenção básica do Estado é tanto mais
intensa quanto menos expressiva for a correspondente
organização sindical. Mas em todos eles o objetivo
primordial é o estabelecimento de um mínimo de garantias que
o Estado impõe, em favor do empregado, através de normas
cogentes. Essas normas de “caráter forçoso”, consoante a
lição de KROTOSCHIN, decorrem do objeto do direito e do
interesse protegido. Elas formam a base legal do contrato
individual do trabalho, contra a qual não pode prevalecer a
vontade dos contratantes. E essa base pode ser
complementada, ainda de forma imperativa, por instrumentos
jurídicos peculiares ao Direito do Trabalho: convenções ou
acordos coletivos e laudos arbitrais ou sentenças normativas
de tribunais do trabalho. A autonomia da vontade funciona
para ampliar os direitos resultantes de normas cogentes ou
para conceder vantagens nelas não previstas. No Brasil, como
veremos nos diversos capítulos que compõem este livro,
prevalece esse sistema, contra & qual, entretanto, se

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insurgem, sobretudo, algumas autoridades governamentais,


além de diversos políticos neoliberais, economistas e
empresários.

Capítulo III

EVOLUÇÃO DO DIREITO
DO TRABALHO NO BRASIL

I — Da Independência à República (1822-1889)

A Constituição do Império, decretada em 1824,


dois anos após a Declaração da Independência, adotou os
postulados filosóficos da Revolução Francesa. Daí ter
assegurado ampla liberdade para o trabalho (art. 179, n. 24)
e abolido as corporações de ofício (art. cit. n. 25), que
haviam sido constituídas no século XVII, por inspiração do
padre jesuíta ANTÔNIO VIEIRA.
A falta de proteção legal aos trabalhadores
não gerou, porém, a reação verificada em países
industrializados. Num território de dimensões continentais,
preponderava no Brasil a atividade agrícola, seguida da
exploração de minérios. E, até 1888, tais atividades
econômicas baseavam-se no trabalho escravo. A indústria era
ainda incipiente, utilizando métodos primitivos, próprios do
artesanato. A Revolução Industrial, que motivara, em alguns
países, a reação determinante do nascimento das primeiras
leis social-trabalhistas, ainda não havia chegado a terras
brasileiras.
Destarte, as condições geográficas e
econômicas então vigentes retardaram o surgimento dos
fatores de onde emana o espírito sindical, entre os quais se
destaca a concentração operária configurada nas grandes
cidades industriais. Isso explica a ausência de sindicatos
capazes de lutar, com sucesso, pela conquista de leis
sociais. Apesar disso, na segunda metade do século XIX foram
constituídas algumas associações de beneficência e ligas
operárias de expressão local, que empreenderam típicas

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atividades sindicais, inclusive greves. Dentre elas, cumpre


destacar a Imperial Associação Tipográfica Fluminense
(1858), a Liga Operária da Capital Federal (1870) e a União
dos Operários do Arsenal de Marinha (1880), todas sediadas
na cidade do Rio de Janeiro, e a Liga Operária de Socorros
Mútuos (1872), de São Paulo.
Raras leis sobre o trabalho foram adotadas
durante o Império. Merece registro, nessa fase, o Código
Comercial (1850), que resultou de ação parlamentar e do
trabalho de juristas. Num dos seus capítulos, ele beneficiou
o empregado no comércio com normas concernentes à manutenção
do salário em casos de acidentes imprevistos ou inculpados,
ao aviso prévio para a terminação de contrato de trabalho,
às justas causas para a rescisão desse contrato e à
indenização pela rescisão injustificada do contrato por
prazo determinado.
Um ano antes de proclamada a República, foi
promulgada a mais importante lei social do Império: a que
declarou extinta a escravidão (Lei Áurea, de 13.5.1888).

II — A primeira República (1889-1930)

A República trouxe no seu bojo o espírito


liberal-individualista da Declaração Universal dos Direitos
do Homem da Revolução Francesa (1789) e da Constituição
norte-americana (1787). Em conseqüência, a Constituição
brasileira de 1891 apenas garantiu, quanto ao trabalho
humano, “o livre exercício de qualquer profissão moral,
intelectual e industrial” (art. 72, § 4º); mas, por
assegurar o direito de associação (art. cit., § 8º),
proporcionou ao Supremo Tribunal Federal o fundamento
jurídico para considerar lícita a organização de sindicatos.
Curioso é o fato de que o Brasil foi o
segundo país a dispor sobre o direito de férias anuais
remuneradas para determinado grupo de trabalhadores: os
ferroviários da estrada de ferro Central do Brasil (1890).
Quanto ao trabalho do menor, foi ele objeto de
regulamentação pelo Decreto nº 1.313, de 1891, que proibiu a

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admissão de menores de 12 anos nas fábricas; fixou em 7


horas a jornada de trabalho dos menores de 12 a 15 anos do
sexo feminino e de 12 a 14 anos do sexo masculino; permitiu,
enfim, o aprendizado a maiores de 8 anos, por 3 ou 4 horas
diárias, conforme tivessem menos ou mais de 10 anos.
A primeira lei brasileira sobre
sindicalização data de 1903. Coube ao Presidente RODRIGUES
ALVES expedir o Decreto nº 979, concernente à sindicalização
rural. Na realidade, o alvo desse diploma era a organização
dos agricultores para facilitar-lhes a distribuição de
créditos. Em 1905 o Decreto n0 1.150 constituiu a caderneta
agrícola e assegurou privilégio para os salários do
rurícola, evidenciando a preocupação do Governo Federal com
o campo. Dois anos depois, AFONSO PENNA assinou o Decreto n0
1.637, que assegurava o direito de sindicalização a todos os
trabalhadores, em texto que hoje seria compatível com as
principais normas da Convenção da OIT sobre liberdade
sindical (Conv. n0 87, de 1948).
Não obstante limitada a poucas cidades, certo
é que a incipiente industrialização brasileira gerou, na
primeira quadra do século XX, alguns movimentos sindicais,
dos quais participaram, principalmente, tecelões, gráficos,
portuários, ferroviários e cocheiros. Os trabalhadores da
indústria receberam, a propósito, forte influência dos
anarquistas que emigraram da Itália e da Espanha, os quais
promoveram a criação de Uniãos Operárias, de intensa atuação
sindical. A lei instituidora do seguro de acidente do
trabalho (1919) foi a primeira que resultou de amplo
movimento reivindicatório, sustentado por alguns
intelectuais e diversas greves eclodidas nas cidades de São
Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife.
O Código Civil, promulgado em 1916, dedicou
apenas algumas regras de cunho liberal à locação de
serviços, apesar das críticas formuladas por LÚCIO DE
MENDONÇA, então Ministro da Suprema Corte, as quais foram
apoiadas por EVARISTO DE MORAES no primeiro livro brasileiro
sobre Direito de Trabalho.
Em 1923 foi sancionada a Lei n0 4.682, de
autoria do deputado paulista ELOY CHAVES, criando Caixas de
Aposentadoria e Pensões junto às empresas ferroviárias e

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fls. 23

assegurando aos empregados destas o direito à estabilidade


no emprego após dez anos de serviço. No mesmo ano foi
instituído o Conselho Nacional do Trabalho no âmbito do
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, com
atribuições para supervisionar e controlar a aplicação da
precitada lei. Dois anos depois, a Lei n0 4.582 determinou a
concessão de quinze dias de férias aos empregados de
estabelecimentos urbanos; mas, na prática, essa lei teve
pouca aplicação, dada a ausência de órgãos de fiscalização.
Em 1926 o regime das Caixas foi estendido às empresas
marítimas, fluviais e portuárias (Lei n0 5.109).
Ainda na primeira República cumpre destacar o
Código de Menores de 1927, que dispôs amplamente sobre o
trabalho do menor, proibindo-o aos de idade inferior a 12
anos e aos menores de 14 anos sem instrução primária
completa.

III — O Governo Provisório da Revolução de


1930

Na campanha política para as eleições


presidenciais de 1930, desenvolvida pela Aliança Liberal, o
candidato GETULIO VARGAS comprometeu-se a promover a adoção
de adequada legislação social-trabalhista. Influenciado pela
filosofia positivista de JULIO DE CASTILHOS, GETÚLIO
absorveu a diretriz de AUGUSTO COMTE, favorável à
intervenção do Estado na ordem econômica e social — diretriz
defendida por LINDOLFO COLLOR, seu principal colaborador no
campo das questões sociais e que se sintonizava com o atraso
sócio-econômico brasileiro, incapaz de gerar sindicatos com
poder para conquistar razoáveis condições de trabalho num
território de dimensão continental, pouco desenvolvido.
GETÚLIO VARGAS assumiu a chefia do Governo
Provisório da Revolução em 24 de outubro de 1930, e no dia
26 do mês seguinte criou o Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio. Desde então, e até a promulgação da Constituição
de 16 de julho de 1934, legislou intensamente por meio de
decretos legislativos sobre as relações individuais e
coletivas do trabalho e a Previdência Social.

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Nos 16 meses e 9 dias em que dirigiu o novo


Ministério, LINDOLFO COLLOR elaborou e projetou importantes
leis, cumprindo realçar o Decreto Legislativo n0 19.770, de
19 de março de 1931, sobre a organização sindical. Essa lei
tinha as seguintes características: a) representação
unitária do grupo sindicalizado (unicidade sindical
compulsória); b) liberdade de organização por categoria ou
indústria, profissão, ofício ou empresa; c) reconhecimento
do sindicato mediante registro no Ministério do Trabalho; d)
proibição de propagar ideologias sectárias de caráter
político ou religioso; e) hierarquia sindical, com
sindicatos na base; federações regionais ecléticas ou uniões
nos Estados; uma Confederação do Trabalho e uma Confederação
da Indústria e Comércio, de âmbito nacional (Centrais
Sindicais). Houve quem a considerasse de feição corporativa
por impor a unicidade sindical, limitar a ação sindical à
defesa dos interesses profissionais e posicionar as
associações como órgãos consultivos do governo. Mas a
posição ideológica dos seus autores refuta essa conclusão.
Aliás, a unicidade sindical obrigatória, antes de ser
adotada pela Itália fascista, o foi pela União Soviética,
tendo sido justificada em 1913 por MAXIME LEROY. E a
proibição de promover sectarismos políticos ou religiosos
não é prerrogativa do corporativismo.
Para armar o sistema coletivo do trabalho,
COLLOR elaborou dois projetos de grande relevo, com
judiciosas exposições de motivos, que foram transformados,
pouco depois de deixar o Ministério, nos decretos
legislativos:

a) no 21.396, de 1932, que instituiu as Comissões


permanentes e mistas de Conciliação para tentar conciliar os
conflitos coletivos de trabalho, com possibilidade de arbitragem.
Essas Comissões e as Juntas de Conciliação e Julgamento, criadas
pelo Decreto Legislativo n0 22.132, do mesmo ano, constituíram o
embrião da Justiça do Trabalho organizada em 1939. b) no 21.690,
de 1932, que dispôs sobre o instrumento peculiar ao direito do
trabalho, a convenção coletiva.

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fls. 25

Na fase do Governo Provisório cumpre destacar


ainda, no campo do Direito do Trabalho, os decretos
legislativos sobre a nacionalização do trabalho (n0
19.482/30), a instituição da carteira profissional (n0
21.175/32), a jornada de oito horas no comércio (n0
21.186/32), e na indústria (n0 21.364/32), a proteção ao
trabalho da mulher (n0 21.41 7-A/32) e do menor (n0 22.042/3
2), as férias anuais para comerciários e bancários (n0
23.103/33); e na indústria (n0 23.768/34), a jornada de seis
horas para bancários (n0 23.322/33) e o seguro obrigatório de
acidentes do trabalho (n0 24.637/34).

IV — O período da Constituição de 1934

A Carta Magna de 1934, elaborada e promulgada


por Assembléia Constituinte, procurou conciliar filosofias
antagônicas: a social-democracia da Constituição de Weimar e
a liberal-individualista norte-americana. Demais disto,
mesclou a representação política resultante do voto direto
com a corporativa, designada pelas associações sindicais.
Foi-lhe, por isto, vaticinada vida efêmera, o que aconteceu.
No que tange ao objeto deste livro, essa
Constituição determinou que a lei deveria estabelecer
condições de trabalho “tendo em vista a proteção social do
trabalhador e os interesses econômicos do país”, observando,
como mínimo, o elenco de direitos constantes do art. 121.
Esse elevou ao nível constitucional alguns direitos
decorrentes de leis do Governo Provisório e acrescentou o
salário mínimo e a indenização por despedida injusta. Ao
dispor sobre o recolhimento dos sindicatos e das associações
profissionais, a lei teria de assegurar “a pluralidade
sindical e a completa autonomia dos sindicatos” (art. 120).
Criou a Justiça do Trabalho fora do poder Judiciário (art.
122), mas a respectiva lei só foi aprovada no regime
ditatorial do Estatuto Fundamental de 1937.
É interessante assinalar que, quatro dias
antes da promulgação da Constituição de 1934, VARGAS expediu
o Decreto Legislativo n0 24.694, visando a adaptar a
legislação sindical ao preceito constitucional sobre a

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pluralidade sindical. Todavia, para evitar a excessiva


divisão das profissões ou das categorias, exigiu o mínimo de
1/3 dos trabalhadores do grupo representado para constituir
novo sindicato de empregados e de cinco empresas ou dez
sócios individuais para a formação patronal (art. 5º). Por
via de conseqüência, foi mantida, na prática, a unidade de
representação sindical.
No âmbito do trabalho, duas importantes leis
foram adotadas na curta vigência do Estatuto Fundamental de
1934:

a) Lei n0 62, de 1935, que dispôs sobre a rescisão do contrato


de trabalho, assegurando o aviso prévio e a indenização de
antigüidade ao empregado despedido sem justa causa, ao mesmo
tempo que estendeu o direito de estabilidade, após dez anos de
serviço, aos empregados da indústria e do comércio.
b) Lei n0 185, de 1936, que instituiu as Comissões de Salário
Mínimo.

V — O período da Carta de 1937 e a CLT

A Constituição de 10 de novembro de 1937 foi


outorgada por GETÚLIO VARGAS com o apoio das Forças Armadas.
De índole corporativa, ressaltou ela que o escopo da inter-
venção do Estado no domínio econômico era, não apenas de
suprir as deficiências da iniciativa individual”, mas também
o de “coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar
ou resolver os seus conflitos e introduzir, no jogo das
competições individuais, o pensamento dos interesses da
Nação, representadas pelo Estado” (art. 135). E mais
adiante, consagrando nitidamente o corporativismo,
preceituava: “A economia da produção será organizada em
corporação, e estas, como entidades representativas das
forças do trabalho nacional, colocadas sob a assistência e a
proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funções
delegadas de poder público” (art. 140).
Em face desta concepção, a Carta Magna de
1937 deu ao sindicato reconhecido pelo Estado: a) o
privilégio de representar, monopolisticamente, a todos os

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fls. 27

que integrassem a correspondente categoria e de defender-


lhes os direitos; b) a prerrogativa de estipular contratos
coletivos de trabalho, sempre aplicável às respectivas
categorias; c) o poder de impor contribuições aos seus
representados; d) o direito de exercer funções delegadas do
poder público (art. 138). Foi mantido o regramento para a
instituição da Justiça do Trabalho, sendo a greve e o
locaute declarados “recursos anti-sociais, nocivos ao
trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores
interesses da produção nacional” (art. 139). No campo dos
direitos individuais de trabalho repetiu, praticamente, o
elenco da Constituição anterior.
Farta foi a legislação adotada nessa fase,
por meio de decretos-leis, no âmbito do Direito do Trabalho.
Numa limitada e rigorosa seleção, devemos registrar os que
dispuseram sobre a Justiça do Trabalho (n0 1.237/39), a
organização sindical (n0 1.402/39), a primeira tabela de
salários mínimos (n0 2.162/40), a duração do trabalho (n0
2.308/40), o enquadramento sindical (n0 2.381/40), o trabalho
do menor (n0 3.616/41), o imposto sindical (n0 4.289/42), a
criação do SENAI (n0 4.936/42), a Consolidação das Leis do
Trabalho (n0 5.452/43), o salário-enfermidade (n0 6.905/44),
os acidentes do trabalho (n0 7.036/44) e a sindicalização
rural (n0 7.321/45).
Por sua indiscutível relevância —
independentemente da opinião que se tenha sobre as
respectivas normas — e pelo fato de que suas linhas mestras
conservam-se até hoje, cumpre destacar:

a) a legislação concernente à Justiça do Trabalho, instalada


em lº de maio de 1941, após regulamentação aprovada pelos
Decretos nos 6.596 e 6.597, de 12 e 13 de dezembro de 1940,
respectivamente;
b) os já citados diplomas legais de 1939, 1940 e 1942,
que armaram novo sistema para a organização sindical, adaptando-
a às diretrizes consagradas pelo Estatuto Fundamental;
c) a Consolidação das Leis do Trabalho CCLT),
aprovada em 1º de maio de 1943, que rege as relações individuais e
coletivas do trabalho, a inspeção do trabalho, a Justiça do Trabalho
e o processo judiciário do trabalho, com duas revisões parciais e

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fls. 28

algumas modificações que não lhes alteraram a estrutura, nem os


princípios fundamentais.

No que concerne à CLT, cumpre registrar que


em janeiro de 1942 o então Ministro do Trabalho, ALEXANDRE
MARCONDES FILHO, designou comissão de dez membros para, sob
sua presidência, elaborar um “anteprojeto de Consolidação
das Leis de Proteção do Trabalho e de Previdência Social”.
Mas, logo na primeira reunião, foi resolvido desdobrá-la, a
fim de que a legislação do trabalho e a da previdência
social fossem elaboradas separadamente, correspondendo a
dois textos. Para a comissão encarregada do anteprojeto da
Consolidação das Leis do Trabalho, foram escolhidos “os
Procuradores da Justiça do Trabalho, LUIZ AUGUSTO DE REGO
MONTEIRO, ARNALDO LOPES SÜSSEKIND, DORVAL LACERDA e JOSÉ DE
SEGADAS VIANNA, e o Consultor Jurídico do Ministério, OSCAR
SARAIVA”. A publicação oficial do anteprojeto para sugestões
propiciou cerca de duas mil observações, tendo sido os
quatro mencionados Procuradores designados para examiná-las
e redigir o texto final do projeto.
Este foi concluído a 31 de março de 1943,
sendo transformado em lei a 10 de maio e iniciado sua
vigência a 10 de novembro do mesmo ano. Os seus 922 artigos
correspondem aos seguintes títulos:
I — Introdução (arts. 1º e 12);
II — Das normas gerais da tutela do trabalho
(arts. 13 a 223);
III Das normas especiais de tutela do
trabalho (arts. 224 a 441);
IV — Do contrato individual do trabalho
(arts. 442 a 510);
V — Da organização sindical (arts. 511 a
610);
VI — Das convenções coletivas do trabalho
(arts. 611 a 625);
VII — Do processo de multas administrativas
(arts. 626 a 642);
VIII — Da Justiça do Trabalho (arts. 643 a
735);

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IX — Do Ministério Público do Trabalho (arts.


736 a 762);
X — Do Processo Judiciário do Trabalho (arts.
703 a 910);
XI — Disposições finais e transitórias (arts.
911 a 922);
Duas críticas foram feitas à Comissão:

a) ter legislado amplamente, não limitando sua tarefa à


operação de simplesmente consolidar as leis então vigentes;
b) ter mantido o sistema sindical corporativo, inspirado na
legislação italiana.

Quanto à primeira crítica, cabe assinalar que


não seria possível armar um sistema coerente destituído de
capítulos imprescindíveis à sua configuração. Existia — por
exemplo —uma lei sobre a rescisão do contrato de trabalho
(Lei n0 62/35), mas não havia uma lei sobre o contrato de
trabalho, dispondo harmoniosamente sobre sua formação,
alteração, suspensão e interrupção. O salário, de
inquestionável relevância para a aplicação de quase todas as
normas jurídicas pertinentes, era objeto de raras e
insuficientes disposições inseridas no Código Comercial e no
Civil. Demais disto, para a aplicação do novo ordenamento
impunha-se a revelação de conceitos e princípios, a título
de introdução. Por tudo isso, a CLT, aprovada por decreto-
lei, situou-se no plano intermediário entre a simples
coletânea de leis e o código. E vige há sessenta anos como a
lei mais difundida no país.
No que tange à segunda crítica, cumpre
recordar que, no período em que foi elaborada a CLT (1942-
1943), estava em vigor a Constituição de 1937, cujos
princípios e normas inspiraram a completa reforma da
organização sindical, levada a efeito entre 1939 a 1942.
Como, então, deixar de integrar essa legislação da véspera
no corpo da CLT? O mesmo ocorreu com a Justiça do Trabalho e
o seu processo, cujo sistema foi adotado por decretos-leis e
regulamentos de 1939 e 1940. A maioria dos títulos
corresponde a leis anteriores, complementadas e ordenadas
sistematicamente, sendo que alguns capítulos visaram ao

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preenchimento de lacunas atinentes a instituições jurídicas


relevantes e a alguns temas que eram tratados em portarias.
Mas essa tarefa de complementação teve como fonte primordial
as convenções da Organização Internacional do Trabalho,
conforme está registrado no relatório e na exposição de
motivos da Comissão que integramos.
GETÚLIO VARGAS foi deposto a 29 de outubro de
1945 e, a 18 de setembro de 1946, foi promulgada uma nova
constituição. Nesse interregno, o Presidente EURICO DUTRA
legislou por decretos-leis, com esteio na Carta de 1937,
tendo promovido a criação do SENAC (n0 8.622/46), do SESI (n0
9.576/46) e do SESC (n0 9.853/46). Às vésperas da promulgação
do novo Estatuto Fundamental, que reconheceu o direito de
greve, DUTRA. assinou o Decreto-lei n0 9.070, que distinguia
entre as atividades fundamentais e acessórias, para proibir
a paralisação coletiva do trabalho nas primeiras.

VI — O período da Constituição de 1946

A Carta Magna de 1946, elaborada e promulgada


por uma Assembléia Constituinte eleita pelo povo, refletiu o
sopro democrático oriundo da vitória das Nações Aliadas na
guerra mundial de 1939-1945. Foi, a nosso ver, a melhor
constituição brasileira. No seu art. 145 assegurou que “A
economia deve ser organizada conforme os princípios da
justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a
valorização do trabalho humano” — proclamação que
fundamentou, acertadamente, o intervencionismo básico do
Estado nas relações de trabalho. O elenco de direitos
sociais foi ampliado, merecendo destaque, entre as
inovações, a participação do trabalhador nos lucros da
empresa, a remuneração dos dias de repouso obrigatório e o
direito de greve, cujo exercício deveria ser regulado por
lei (arts. 157 e 158). Por seu turno, integrou a Justiça do
Trabalho no Poder Judiciário, dando-lhe maior hierarquia e
mantendo o poder normativo dos seus tribunais nas decisões
sobre dissídios coletivos (arts. 94, V, 122 e 123).
No tocante à organização sindical, afirmou a
liberdade de associação e atribuiu à lei regular a forma da

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constituição dos sindicatos, a sua representação nas


convenções coletivas e o exercício das funções delegadas
pelo poder público (art. 159). Assim dispondo, não criou
incompatibilidade com a legislação vigente, recepcionando-a,
tal como decidiu a Suprema Corte.
Durante a vigência dessa Constituição, na
fase anterior à Revolução de 31 de março de 1964, destacam-
se as leis que dispuseram sobre o repouso semanal remunerado
(n0 605/49), o adicional para o trabalho perigoso (n0
2.573/55), a indenização pela terminação do contrato por
obra ou serviço certo (n0 2.959/56), o trabalho de
vendedores, viajantes ou pracistas (n0 3.207/57), a
gratificação de Natal — 13º salário (n0 4.090/62), o Estatuto
do Trabalhador Rural (n0 4.214/63) e o salário-família (n0
4.266/63).
Após a revolução de 31 de março de 1964, e
até a promulgação da Carta Magna de 1967, devemos mencionar
as leis relativas ao exercício do direito de greve (n0
4.330/64), ao salário-educação (n0 4.440/64) e ao Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (n0 5.107/66). Nessa fase
promovemos, como Ministro do Trabalho e Previdência Social,
a regulamentação da inspeção do trabalho (Decreto n0
55.841/65), esteado na Convenção 81, da OIT, a qual,
ratificada pelo Brasil, gerou a incorporação de suas, normas
em nosso direito positivo. Já no ciclo dos decretos-leis, do
qual não participamos, cumpre aludir à correção monetária
dos créditos trabalhistas (DL. 7 5/66) e à primeira revisão
parcial da CLT (Decreto-lei n0 229/67).
Essa revisão foi preparada, por nossa
determinação, pela Comissão Permanente de Direito Social do
Ministério, sendo concluída na gestão do Ministro NASCIMENTO
SILVA. Os seus pontos mais relevantes, e que seguiram a
nossa orientação, foram: a) a “descorporativação” das
convenções coletivas de trabalho, para admitir o acordo
coletivo entre uma ou mais empresas e os sindicatos
representativos dos correspondentes empregados, antes
proibido para não dividir a corporação representada pela
categoria: b) as normas restritivas dos contratos de
trabalho por prazo determinado, que vinham sendo utilizados
abusivamente em prejuízo dos trabalhadores.

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VII — O período da Constituição de 1967

Decretada e promulgada pelo Congresso


Nacional, nos termos da convocação restrita que lhe fez o
Presidente CASTELLO BRANCO, a Carta Magna de 24 de janeiro
de 1967 teve o claro objetivo de assegurar a continuidade da
Revolução de 1964, na conformidade da doutrina da segurança
nacional desenvolvida pela Escola Superior de Guerra. O
texto aprovado sofreu, porém, rude golpe em 17 de outubro de
1969, quando a Junta Militar que assumiu o poder impôs-lhe
ampla revisão através da Emenda Constitucional n0 1.
Relativamente ao direito coletivo do
trabalho, a Lei Maior de 6 7/69 repetiu disposições da
Constituição de 1946 sobre a organização sindical (art.
166), mas incluiu desde logo, entre as funções públicas que
poderiam ser delegadas aos sindicatos, a de arrecadar
contribuições para o custeio dos seus programas e atividades
(§ l0 do art. cit.). Legitimou, assim, a arrecadação, pelas
entidades sindicais, da contribuição anual compulsória
(conhecida como “imposto sindical”), instituída pela União
Federal.
A greve foi incluída entre os direitos dos
trabalhadores (art. 165, n0 XXI), salvo em relação aos
serviços públicos e atividades essenciais definidos por lei
(art. 162). Essa proibição ensejou a aprovação de ampla
relação de atividades essenciais (Decreto-lei n0 1.632/78),
razão por que, na prática, ficou muito limitado o exercício
do direito de greve.
O elenco de direitos individuais do
trabalhador, constante das constituições anteriores, foi
ampliado (art. 158), com referência à integração do
empregado na vida e no desenvolvimento da empresa e,
excepcionalmente, na sua gestão — norma programática que não
foi traduzida em lei. Por outro lado, previu o fundo de
garantia de tempo de serviço como alternativa ao regime da
indenização de antigüidade até aquisição da estabilidade no
emprego.
No que tange à Justiça do Trabalho, foi
mantida sua estrutura e competência, tendo sido assegurada,

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explicitamente, a participação de juízes classistas,


representantes dos empregadores e dos trabalhadores (arts.
141 e 142)16.
Nas duas fases de vigência da Carta Magna de
1967, merecem especial destaque as Leis n0s 5.442, de 1968, e
5.584, de 1970, que modificaram diversas disposições da CLT
referentes à Justiça do Trabalho e ao seu processo; as Leis
complementares n0s 7, de 1970, 17, de 1973, e 26, de 1975,
que instituíram o programa de Integração Social — PIS e o
fundiram com o PASEP; a Lei complementar n0 11, de 1971, que
aprovou o Programa de Assistência e Previdência do
Trabalhador Rural — PRORURAL, alterada pela de n 16, de0

1973; a Lei n0 5.859, de 1972, que estendeu alguns direitos


sociais aos empregados domésticos; a Lei n0 5.889, de 1973,
que revogou o Estatuto do Trabalhador Rural e dispôs sobre
os seus direitos; a Lei n0 6.019, que regulou a prestação do
trabalho temporário.
Em 19 de setembro de 1975 o Governo Federal
designou uma Comissão Interministerial de Atualização da
CLT, composta de nove juristas, para elaborar anteprojeto de
lei que ordenasse, num texto único, de forma sistematizada,
as normas que deveriam compor a nova Consolidação,
aprimorando conceitos, solucionando dúvidas e alterando,
somente em caráter excepcional, as leis vigentes. A Comissão
redigiu anteprojeto de 922 artigos, sem as disposições
alusivas às regulamentações profissionais. Estas
correspondiam aos vinte e quatro anexos do projeto da CLT. O
Presidente da República, entretanto, resolveu submeter o
novo texto, capítulo por capítulo, ao Congresso Nacional. O
capítulo sobre as férias remuneradas acabou aprovado pelo
Decreto-lei n0 1.535, de 1977, durante o recesso forçado do
Congresso. No mesmo ano, o capítulo relativo à segurança e
medicina do trabalho foi aprovado pela Lei n0 6.514. E o
mandato do Presidente ERNESTO GEISEL terminou sem que fossem
encaminhados os demais títulos ao Poder Legislativo. O texto
integral do anteprojeto foi publicado, para sugestões, no
anexo do Diário Oficial da União de 2 de maio de 1979. Mas o
governo do Presidente JOÃO BATISTA FIGUEIREDO não deu
continuidade à obra.

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Ainda na vigência da Carta Magna de 1967,


revista em 1969, foram criados o Vale-Transporte (Lei n0
7.418/85) e o seguro-desemprego (Lei n0 2.284/86).

VIII — A Constituição de 1988

Tal como na Lei Maior de 1934, o Estatuto


Político vigente mesclou posições doutrinárias antagônicas
em relação a relevantes questões: ora prevaleceu a esquerda,
ora a direita. Demais disto, a Assembléia Nacional
Constituinte, em quase todas as fases da elaboração da Carta
Magna, adotou o parlamentarismo como forma de governo e na
derradeira etapa consagrou o regime presidencialista, sem
rever todo o sistema projetado para o funcionamento do
Governo de Gabinete.
No tocante aos direitos sociais prevaleceu a
esquerda moderada, sob o comando do Departamento
Intersindical de Assistência Parlamentar (DIAP). Isto
explica a exagerada dimensão do elenco de direitos
relacionados no art. 70• Mas a manutenção do monopólio de
representação sindical, alicerçado, ex vi legis, por
contribuições compulsórias dos trabalhadores e dos
empresários representados, resultou da influência exercida
por muitos sindicatos de trabalhadores e alguns de em-
pregadores.
Descabe, neste capítulo, dissertar sobre os
direitos do trabalhador assegurados no âmbito
constitucional, porquanto serão eles analisados nos
capítulos que lhes concernem. Cumpre ressaltar, no entanto,
que o precitado art. 7º, composto por cláusulas pétreas
(art. 6º, § IV, inciso IV, da Const.), admitiu a
flexibilização de direitos em importantes tópicos das
relações de trabalho: salário (inciso VI) e duração do
trabalho (incisos XIII e XIV), desde que ajustada em acordo
ou convenção coletiva.

Capítulo IV

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REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO DA
ECONOMIA NAS RELAÇÕES
DE TRABALHO

I — Globalização da economia

A revolução tecnológica dos nossos dias,


associada ao fim da guerra fria decorrente da implosão do
império soviético, possibilitou a globalização da economia
e, a alguns países plenamente desenvolvidos, intensa
campanha em prol da liberalização do comércio mundial. Essa
liberalização, como tem sido comprovado, vem favorecendo os
países economicamente mais desenvolvidos, muitos dos quais
opõem barreiras à importação de produtos capazes de
concorrer vantajosamente com os similares nacionais. Por sua
vez, os fantásticos êxitos da informática e da
telecomunicação geraram os computadores de círculos
integrados, a telemática e a robótica, acarretando profundas
inovações no campo da estruturação empresarial e no das
relações de trabalho.
O incremento da concorrência comercial
decorrente dessa globalização vem exigindo maior
produtividade empresarial, melhor qualidade dos produtos e
serviços, além da redução dos custos. Dentre outras, duas
conseqüências no campo empresarial merecem registro
especial:

1ª) a horizontalização da produção de bens ou serviços, me-


diante contratação de empresas especializadas em determinados
segmentos do respectivo empreendimento (terceirização);
2ª) a ampliação das hipóteses de flexibilização de algumas
normas de proteção ao trabalho, iniciada na década de 1980, a partir
da Europa Ocidental, com a finalidade de impedir que a crise
econômica gerada pelo segundo choque petrolífero acarretasse a
extinção de muitas empresas, com reflexo na elevação da taxa de
desemprego e no desequilíbrio da economia.

Hoje, essa crise, resultante da globalização


da economia, sob a égide das leis do mercado, tem
características estruturais, já tendo acarretado 180 milhões

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de desempregados e 750 milhões de subempregados, isto é, 1/3


da população economicamente ativa mundial. E esse desemprego
vem reduzindo sensivelmente o índice de sindicalização,
gerando evidente desequilíbrio entre os atores da negociação
coletiva de trabalho, com predominância dos representantes
empresariais. Como registrou a OIT, entre 1985 e 1995, a
redução do número de sindicalizados correspondeu, em média,
a 250/o. Alguns exemplos: Alemanha — 17,6%; Argentina —
42,6%; Estados Unidos — 21,1%; França — 37,2%; Itália —
16,7%; México — 28,2%; Portugal — 50,2%; Suíça — 21,7%.
Somente na África do Sul, Espanha e países escandinavos
ocorreu aumento de trabalhadores sindicalizados.
Em conseqüência, pioraram as condições de
trabalho, inclusive no que tange a salários. Na América
Latina, por exemplo, os salários reais pagos na indústria em
1995 eram 5% inferiores aos de 1980.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
tem demonstrado sua preocupação com a face perversa da
globalização da economia, que, ao invés de transformar o
nosso planeta num mundo só, dividiu-o entre países
globalizantes e globalizados. Relatório sobre o trabalho no
mundo em 2000 registrou que “só em cinco anos, o número de
pessoas que vivem numa situação de extrema pobreza em todo o
mundo aumentou em duzentos milhões, sobretudo na África
subsaariana, Ásia central, Europa oriental e Sudeste
asiático”. E concluiu que “a pobreza é um dos principais
fatores que levam 250 milhões de crianças a ingressarem
prematuramente no mercado de trabalho, pondo em perigo sua
freqüência à escola”. Nas palavras de EMMANUEL MOURNIER,
instituiu-se “a desordem estabelecida - aquela em que ficam
sem trabalho, morrem e se desumanizam, sem barricadas, na
mais perfeita ordem, milhões de seres humanos”.
Consoante a advertência do então Diretor
Geral da OIT, MICHEL HANSENNE, inserida no relatório
apresentado à Conferência de 1997, “Se não lograrmos pôr um
freio ao custo social das transformações econômicas
resultantes da mundialização e da evolução tecnológica,
correremos o risco de deslizarmos para um terreno de grande
instabilidade política e social”. E o atual Diretor Geral,
JUAN SOMOVIA, no relatório submetido à Conferência do ano de

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2000, ponderou que os métodos de trabalho mais flexíveis, o


recurso cada vez mais freqüente à subcontratação
(terceirização) e ao trabalho em regime de tempo parcial
dificultam a organização dos trabalhadores para defender
seus próprios interesses”. Por sua vez, ao representar a OIT
na Assembléia Geral das Nações Unidas, verberou: “As
políticas econômicas neoliberais que sobressaem na atual
economia globalizada fracassaram na busca do que os povos
necessitam: um sentimento básico de segurança. Para
conseguirem um trabalho decente devem trocar as políticas
que hoje guiam e configuram a economia mundializada. O
Estado deve cumprir sua função de garantir um equilíbrio
entre a força do mercado e as necessidade da sociedade”.

II — Desregulamentação ou flexibilização do
Direito do Trabalho

A globalização da economia acirrou a polêmica


entre os defensores do Estado Social e os adeptos do Estado
liberal, os quais, obviamente, adotaram caminhos distintos a
respeito da posição dos poderes públicos frente às relações
de trabalho. Os neoliberais pregam a omissão do Estado,
desregulamentando, tanto quanto possível, o Direito do
Trabalho, a fim de que as condições do emprego sejam
ditadas, basicamente, pelas leis do mercado. Já os
defensores do Estado social esteados na doutrina social de
Igreja ou na filosofia trabalhista advogam a intervenção
estatal nas relações de trabalho, na medida necessária à
efetivação dos princípios formadores da justiça social e à
preservação da dignidade humana; e, porque a social-demo-
cracia contemporânea pressupõe a pluralidade das fontes do
Direito, consideram que o patamar de direitos indisponíveis,
adequado a cada país, deve e pode ser ampliado pelos instru-
mentos da negociação coletiva entre sindicatos de
trabalhadores e empresários, ou as associações destes.
A desregulamentação, portanto, não se
confunde com a flexibilização das normas de proteção ao
trabalho, porque defende a inexistência da maioria dessas
normas. E, infelizmente, cresce o contingente dos seus

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defensores numa orquestração mundial de inegável reflexo da


mídia. Essa campanha afronta, sem dúvida, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia
Geral das Nações Unidas de 1948, após o término da Segunda
Grande Guerra (1939-45), que consagrou os princípios
fundamentais do Direito do Trabalho e da Seguridade Social
(arts. XXII a XXV), tendo sido eles regulamentados pelo
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (ONU, 1966), ratificado pelo Brasil.
Na Europa predomina a flexibilização atinente
à contratação do trabalhador, com opções referentes a
contratos a tempo parcial, de interinidade, intermitente,
partilhado ou temporário, além das hipóteses de contrato por
prazo determinado. Outrossim, expande-se o teletrabalho.
Quanto às despedidas, a garantia de emprego tem sido
excepcionada para as coletivas decorrentes de causas
econômicas. A modulação das jornadas de trabalho com a
estipulação de médias semanais, mensais e até anuais (banco
de horas) e o horário flexível são admitidos em diversos
países, tendo sido ampliado o poder patronal para a fixação
de horários e a mobilidade do trabalhador. Demais disto, há
casos de redução de obrigações social-trabalhistas para
empresas de pequeno porte, além de maior flexibilidade, para
salvar empreendimentos afetados pelas crises econômicas.
Na América Latina prevalece, infelizmente, a
flexibilização selvagem, com a revogação ou modificação de
algumas normas legais de proteção ao trabalhador e a
ampliação da franquia para reduzir direitos e condições de
trabalho, seja por meio de contratos coletivos, seja, em
alguns países, por atos unilaterais do empregador. É
indisfarçável a influência externa para minimizar a
participação heterônoma do Estado nas relações de trabalho,
não obstante tenha essa intervenção resultado, em nosso
continente, da história, geopolítica e do estágio das
condições socioeconômicas da respectiva região.
A verdade é que a desregulamentação do
Direito do Trabalho ou sua exagerada flexibilização têm
ampliado o desemprego, com a criticável seqüência de um
círculo vicioso: redução do salário real, menor poder de
consumo, menos produção, mais desemprego.

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Os adeptos do Estado social, entre os quais


nos incluímos, admitem apenas, nesta fase da história
socioeconômica, a redução do grau de intervenção da lei nas
relações de trabalho, a fim de que:

1º) os sistemas legais se constituam de diversas regras indis-


poníveis, que estabeleçam um mínimo de proteção a todos os
trabalhadores, abaixo do qual não se concebe a dignidade do ser
humano;
2º) esses sistemas abram espaço para a complementação do
piso protetor irrenunciável ou para flexibilizar a aplicação das
normas gerais de nível superior, mediante negociação coletiva, isto
é, com a participação dos correspondentes sindicatos, aos quais
cumpre assegurar a liberdade sindical, tal como prevista na
Convenção da OIT n0 87;
3º) a flexibilização deve visar às cláusulas contratuais
ajustadas para a aplicação dessas normas gerais e das estipuladas
supra ou extra lex, objetivando:
a) o atendimento a peculiaridades regionais, empresariais ou
profissionais;
b) a implementação de nova tecnologia ou de novos métodos
de trabalho;
c) a preservação da saúde econômica da empresa e dos
respectivos empregos.

Essas proposições, que reduzem o espaço da


flexibilização dos preceitos reguladores das relações de
trabalho, sempre sob a tutela sindical, respeitariam a
tradição do direito brasileiro, cujas raízes são romano-
germânica — do direito escrito, da lei homenageando, ao
mesmo tempo, a nossa geopolítica e a defesa da empresa, em
harmonia com os legítimos interesses dos trabalhadores.
Para justificar sua política trabalhista, que
não procura conciliar os interesses econômicos com as
necessidades sociais, o Governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso invoca, equivocadamente, duas causas: a) os
elevados encargos sociais incidentes sobre os salários; b) a
inflexibilidade das normas que regem a relação de emprego.
Se é certo que muitos tributos não deveriam
incidir sobre salários, não menos certo é que estes são tão

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baixos em nosso país, que a média do salário-hora acrescido


dos encargos sociais é muito inferior à da maioria dos
países civilizados.
Vale sublinhar, ainda, que a participação
salarial nos custos industriais brasileiros é de apenas 16%,
sendo que essa participação dos rendimentos do trabalho na-
renda nacional vem decrescendo em escala preocupante:

1949..........56,6%
1959..........55,5%
1970..........52,0%
1994..........40,11%
2002..........36,14%1O.

Quanto ao alegado engessamento das normas


trabalhistas brasileiras, ao contrário do que se alega, é
indesmentível que o sistema legal foi objeto de
flexibilização em importantes aspectos da relação de
emprego. Além das hipóteses de flexibilização autorizadas
pela Constituição de 1988, referidas na Seção VIII do
Capítulo anterior, que concernem aos dois pólos fundamentais
de contrato de trabalho — salário e duração do trabalho —, a
Lei n0 4.923, de 1965, facultou a redução geral e transitória
dos salários até 25%, por acordo sindical, quando a empresa
for afetada substancialmente em situações excepcionais da
conjuntura econômica, enquanto a legislação sobre o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) conferiu ampla liberdade
ao empregador para despedir seus empregados, salvo quando,
excepcionalmente, estiverem amparadas pela estabilidade no
emprego (Lei n0 5.109, de 1966, substituída pela Lei n0 8.636,
de 1990); os empresários puderam utilizar, por prazo certo,
empregados de empresas de trabalho temporário (Lei n0 6.019,
de 1974). E o duplo governo do Presidente Cardoso adotou
diversas ampliando a flexibilização das relações de
trabalho.
Nesta fase em que diversos governos,
inclusive o brasileiro, procuram rever os sistemas legais
referentes ao Direito do Trabalho, afigura-se-nos que os
planos estratégicos mundiais e nacionais não podem pretender

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fls. 41

apenas resultados financeiros e até econômicos. E mister a


visão política, sociológica e jurídica, sem menosprezar a
força normativa da realidade. Ignorar as exigências sociais
da humanidade é organizar um mundo para a atividade robótica
ou para as relações virtuais propiciadas pela telemática;
não para o gênero humano.
Não é possível conceber a civilização à
margem do Direito; mas tão pouco poder-se-á qualificar de
civilizado um mundo ou um país em que o Direito seja iníquo.
Urge pôr a economia a serviço da humanidade.
A verdade é que a desregulamentação do
Direito do Trabalho ou sua exagerada flexibilização têm
ampliado o desemprego, com a criticável seqüência de um
círculo vicioso: redução do salário real, menor poder de
consumo, menos produção, mais desemprego.

Capítulo V

DIREITO INTERNACIONAL
DO TRABALHO

I — Considerações preliminares
Como demonstrado no Capítulo II, a formação
histórica do Direito do Trabalho evidenciou generalizado
interesse na internacionalização das suas normas. E os
arquitetos do Trabalho de Versailles acolheram essa
pretensão, criando, inclusive, a Organização Internacional
do Trabalho (OIT).
Desde então o Direito Internacional não mais
se limitou a dispor sobre as relações exteriores dos
Estados. As normas adotadas pela assembléia geral da OIT
(Conferência) sempre tiveram por destino sua incorporação ao
direito interno dos Estados que a elas aderiram. Essa
inovação, aliás, estendeu-se, após a Segunda Guerra Mundial,
a outros organismos internacionais, sobretudo no sistema das
Nações Unidas, para alcançar os direitos humanos e,
especialmente, a educação, a saúde e a alimentação. Ao lado

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fls. 42

do Direito Internacional clássico, “nascia o que se chamou


de direito comum da humanidade”.
A obra empreendida pela OIT constitui a parte
mais ampla e fecunda do Direito Internacional do Trabalho;
mas este importante ramo do Direito Internacional Público
também se manifesta por outros caminhos. Alguns instrumentos
normativos aprovados pela Organização das Nações Unidas
(ONU), pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e por
outras entidades regionais (p. ex., União Européia e
Mercosul) contêm disposições sobre o Direito do Trabalho e a
Seguridade Social. Outrossim, em relação a essas matérias
são inúmeros os tratados firmados entre dois ou mais
Estados.

II — Finalidade e objeto

O Direito Internacional do Trabalho tem por


finalidade:

a) universalizar os princípios da justiça social e, na medida


do possível, uniformizar as correspondentes normas jurídicas; b)
estudar as questões conexas, das quais depende a execução desses
ideais;
c) incrementar a cooperação internacional visando à
melhoria das condições de vida do trabalhador e à harmonia entre o
desenvolvimento técnico-econômico e o progresso social.

Seu objeto, portanto, é a proteção ao


trabalhador, seja como ser humano, seja como parte de um
contrato de trabalho. Para tanto, utiliza-se de instrumentos
normativos e de programas de cooperação técnica.
A atividade normativa, visando a incorporar
direitos e obrigações nos sistemas jurídicos nacionais,
compreende:

a) os tratados multilaterais ou universais (geralmente deno-


minados “convenções”), abertos à ratificação dos Estados-membros
da organização internacional que os aprovou para constituírem
fortes formas de direito;

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fls. 43

b) os tratados bi- ou plurilaterais, restritos à ratificação dos


Estados que os firmaram, para regerem, entre eles, as questões
incluídas no instrumento;
c) as declarações, recomendações e resoluções que, por não
serem ratificáveis, constituem simples fontes materiais de direito.

III — A Declaração Universal dos Direitos


do Homem e os direitos sociais tratados pela ONU

A Organização das Nações Unidas (QNU) foi


criada, em São Francisco, pela Carta de 26 de junho de 1945,
para substituir a extinta Sociedade das Nações. Em 10 de
dezembro de 1948, sua Assembléia Geral aprovou a nova
Declaração Universal dos Direitos do Homem, dedicando os
seguintes artigos aos direitos sociais trabalhistas:

“Art. XXII — Todo homem, como membro da sociedade, tem


direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela
cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos
de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e no livre desenvolvimento da sua
personalidade.
Art. XXIII — 1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre
escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho, e à
proteção contra o desemprego.
2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito à igual
remuneração POI igual trabalho.
3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração
justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma
existência compatível com a dignidade humana, e a que se
acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles
ingressar para proteção de seus interesses.
Art. XXIV — Todo homem tem direito a repouso e lazer,
inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias
remuneradas periódicas.
Art. XXV — 1. Todo homem tem direito a um padrão de vida
capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços

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fls. 44

sociais indispensáveis, a direitos à segurança em caso de


desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de
perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu
controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assis-
tência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro o ou fora do
matrimônio, gozarão da mesma proteção social”.

Essas normas revelam os direitos humanos


fundamentais dos trabalhadores, que devem ser observados
pela comunidade mundial como direitos supra-estatais,
independentemente de figurarem em tratados ratificados pelos
países. Não obstante, com o objetivo de regulamentar esses e
outros direitos inseridos nessa Declaração, a QNU adotou, em
16 de dezembro de 1966, o Pacto Internacional Relativo aos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. As disposições
desse Pacto sobre os direitos sociais (arts. 2 a 10) revelam
que os princípios consagrados estão em sintonia com os
adotados nas convenções e recomendações da OIT sobre os
mesmos assuntos.
Em 1970 a ONU resolveu dar ênfase ao
princípio da não-discriminação entre o homem e a mulher,
consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e
já adotado no referido Pacto, aprovando a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher3. O art. 11, concernente ao Direito do Trabalho e à
Seguridade Social, determina que os Estados adotem medidas
adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher no
emprego, inclusive e especialmente as que decorrem do
casamento e da maternidade. Esse dispositivo é dirigido ao
legislador nacional, não contendo normas auto-aplicáveis.

IV — Organização Internacional do Trabalho


(OIT)

A — Natureza Jurídica, competência e membros


— A OIT é uma pessoa jurídica de direito público
internacional, de caráter permanente, integrando hoje ~
sistema nas Nações Unidas como uma das suas agências

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fls. 45

especializadas. Não é uma entidade supra-estatal, mas uma


associação de Estados, os quais assumem, soberanamente, a
obrigação de observar as normas constitucionais da
Organização e as convenções que ratificarem.
A OIT foi criada em 1919 pelo Tratado de
Versailles, com a finalidade de promover a universalização
dos princípios da justiça social, especialmente daqueles
consagrados por esse tratado como fundamentais ao Direito do
Trabalho e à Previdência Social. Em 1946 sua competência foi
ampliada com a anexação, ao texto constitucional, da
“Declaração referente aos fins e objetivos da OIT, que fora
aprovada, durante a Segunda Grande Guerra, pela Conferência
da Filadélfia em 1944.
Depois de enfatizar, tal como o art. 427 do
Tratado de Versailles, que “o trabalho não é uma mercadoria”
(art. I, a), a Declaração de Filadélfia asseverou que “a
liberdade de expressão e de associação é pressuposto
indispensável ao progresso” (art. I, b); confirmou o
tripartismo (participação de representantes governamentais,
empresariais e operários) nas decisões destinadas a promover
o bem-estar na luta contra a necessidade, que deve
prosseguir, mediante esforço internacional, em cada nação
(art. I, d); proclamou que “todos os seres humanos, de
qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de perseguir o
seu bem-estar material e o seu desenvolvimento espiritual em
liberdade e dignidade, segurança econômica e iguais
oportunidades” (art. II, a) e preceituou que “quaisquer
planos ou medidas, no terreno nacional ou internacional,
sobretudo os de caráter econômico e financeiro, devem ser
considerados desse ponto de vista e somente aceitos quando
favorecerem, e não entravarem, a realização desse objetivo
principal” (art. II, c). Por via de conseqüência, atribuiu
explicitamente à OIT competência para apreciar, no domínio
internacional, tendo em vista tal objetivo, todos os
programas de ação e medidas de caráter econômico e
financeiro” (art. II, d), podendo “incluir em suas decisões
recomendações quaisquer disposições que julgar convenientes,
após levar em conta todos os fatores econômicos e
financeiros de interesse” (art. II, e).

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fls. 46

Amplíssima, portanto, é a competência da OIT:


ex-ratione personae, não mais se limita aos sujeitos das
relações individuais e coletivas de trabalho; ex ratione
materiae, não mais se restringe a questões específicas do
Direito do Trabalho e da Previdência Social. O sentido de
segurança social e econômica e a interdependência dos
correspondentes fatores, a que aludiu a Carta do Atlântico
(1941), refletiram-se na Declaração de Filadélfia, alargando
a competência da OIT. Como bem poderou VALTICOS, “o objetivo
da OIT não se retringe a melhorar as condições de trabalho,
mas a melhorar a condição humana no seu conjunto”, dando
ênfase tanto à luta contra a necessidade, visando ao
progresso material e à seguridade econômica, como à defesa
dos valores da liberdade, de dignidade e de igualdade.
Como pessoa jurídica de direito público
internacional, a OIT reúne atualmente 175 Estados de todas
as regiões do mundo e dos diferentes sistemas jurídico-
políticos e socioeconômicos, o que lhe dá um caráter de
incontestável universalidade.
B — Órgãos: composição e atribuições.
Tripartismo — A estrutura básica da OIT é formada pelos
seguintes órgãos:

a) Conferência Internacional do Trabalho;


b) Conselho de Administração;
c) Repartição Internacional do Trabalho.

Integram ainda a Organização, funcionando com


relativa autonomia, o Instituto Internacional de Estudos
Sociais (IIES) e o Centro Internacional de Aperfeiçoamento
Profissional e Técnico (Centro de Turin). E diversas
comissões permanentes foram instituídas pela OIT, algumas em
parceria com outros organismos internacionais.
A Conferência Internacional do Trabalho é a
assembléia geral da Organização, reunindo todos os Estados-
membros. Como órgão supremo da OIT, traça as diretrizes da
política social a ser observada: elabora, por meio de
convenções e recomendações, a regulamentação internacional
do trabalho e das questões que lhe são conexas; adota
resoluções sobre problemas que concernem, direta ou

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fls. 47

indiretamente, às finalidades da OLT; aprova o orçamento de


receita e despesas da entidade; elege os membros do Conselho
de Administração etc. Como regra, reúne-se anualmente em
Genebra.
A cada Estado-membro correspondem quatro
delegados com assento na Conferência, todos com direito de
voto: dois designados pelo respectivo governo, um pelas
associações sindicais mais representativas de trabalhadores,
e um pelas organizações mais representativas de
empregadores. Não é a Conferência, portanto, um conclave de
plenipotenciários, nem uma reunião de técnicos; sua natureza
jurídica é sui generis, não existindo qualquer outra
entidade de direito público internacional com tal
composição. A Conferência é uma espécie de parlamento
mundial integrado por um sistema de representação de
interesses ecléticos. Uma espécie, mas não um parlamento,
porque, como bem advertiu GEORGES SCELLE6, não lhe cabe
substituir os parlamentos nacionais na competência para
elaborar as próprias leis, sendo certo que a integração das
convenções e recomendações internacionais no direito
positivo dos Estados-membros depende da deliberação soberana
dos legisladores nacionais.
O Conselho de Administração (CA) é um órgão
que, em nível superior, administra a OIT. Compete-lhe,
dentre outras atribuições, eleger o Diretor Geral da
Repartição e supervisionar suas atividades; deliberar sobre
os relatórios das suas comissões7, inclusive os do Comitê de
Liberdade Sindical; examinar, investigar (se for o caso) e
julgar reclamações e queixas apresentadas contra os Estados-
membros etc. Ele é constituído de 18 representantes
governamentais, 14 de empregadores e 14 de trabalhadores,
eleitos trianualmente pela Conferência, além de dez membros
designados pelos dez países de maior importância industrial
(socioeconomicamente, entre os quais está o Brasil).
A Repartição Internacional do Trabalho (RIT)
é a secretaria técnico-administrativa da OIT. Sediada em
Genebra, ela promove a centralização e a distribuição de
todas as informações concernentes à regulamentação
internacional das condições de vida e de trabalho e, em
particular, o estudo das questões a serem submetidas à

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fls. 48

discussão da Conferência, para a adoção de convenções e


recomendações. Dentre as tarefas que empreende, merece
realçar a que concerne às publicações periódicas e eventuais
sobre a legislação comparada e os aspectos doutrinários e
técnicos referentes aos problemas que interessam à OIT.
Outro importante encargo da Repartição é o de realizar, em
colaboração direta com as autoridades nacionais interessadas
e organismos de diversos tipos, programas de atividades
práticas e de cooperação técnica, especialmente nas regiões
em vias de desenvolvimento.
Além do Diretor Geral, de três Diretores
Gerais-Adjuntos e de diversos Subdiretores Gerais, a RIT
está organizada em departamentos, divisões e serviços,
possuindo ainda, fora de Genebra, escritório de enlace,
departamentos regionais, escritórios e correspondentes. Na
sua sede funcionam algumas comissões.
O tripartismo é uma das características
marcantes da OIT. Tanto a Conferência Geral (Assembléia) e
as conferências regionais, como o Conselho de Administração
e quase todas as comissões, compõem-se de representantes de
governos, trabalhadores e empregadores. E a experiência
evidencia que essa composição tripartida constitui fator de
relevo na formação do alto conceito que a OIT desfruta nos
planos da cultura, da produção e do trabalho.
C — Atividade normativa: convenções e
recomendações — Compete à Conferência Internacional do
Trabalho aprovar as normas destinadas à consecução das
finalidades da OIT. Essa atividade normativa realiza-se por
meio de convenções e recomendações. Esses instrumentos,
adotados por maioria de dois terços de votos, após dupla
discussão, criam, para os Estados-membros, as obrigações a
respeito inseridas na Constituição da Organização. Por
maioria simples e em discussão única, a Conferência aprova
ainda resoluções, que não criam obrigações para os Estados-
membros e tratam, quase sempre, de questões não incluídas na
ordem do dia.
Para fomentar a criação de um direito comum
da humanidade, a Conferência deveria preferir a forma de
convenção, dada a sua maior hierarquia e eficácia jurídica,
adotando recomendação somente quando o tema, ou um dos seus

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fls. 49

aspectos, não fossem considerados convenientes ou


apropriados para serem, no momento, objeto de uma convenção
(art. 19, § lº, da Constituição). Entretanto, o desnível
existente entre as condições econômicas e sociais dos
diferentes países — uns plenamente desenvolvidos, muitos em
vias de desenvolvimento e outros subdesenvolvidos — tem
aconselhado a adoção de convenções de princípios ou com
fórmulas de flexibilidade, completadas por recomendações
detalhadas. Os direitos humanos dos trabalhadores, porém,
têm sido objeto de convenções de caráter regulamentar.
Tendo em vista a natureza das suas normas, as
convenções podem ser classificadas em:

a) regulamentares ou auto-aplicáveis, quando suas


disposições não requerem disposições complementares para serem
aplicáveis pelos Estados que as ratificam. Nos países que consa-
graram o monismo jurídico, a vigência da convenção ratificada no
plano interno importará na integração das respectivas normas no
seu direito positivo; nos que adotam o dualismo jurídico, bastará
que a lei nacional reproduza o texto da convenção;
b) de princípios, que dependem, para sua efetiva aplicação,
da adoção de leis ou de outros atos regulamentares, a serem
promovidos, a nosso ver, no prazo de doze meses, que medeia entre
a ratificação e a vigência da convenção no âmbito nacional, salvo
quando tais atos já vigoram no respectivo Estado. Em geral, essas
convenções são aprovadas simultaneamente com recomendações
complementares, contendo proposições destinadas a propiciar a
aplicação dos princípios;
c) promocionais, que fixam determinados objetivos e estabe-
lecem programas para sua consecução, os quais devem ser
atendidos pelos Estados que as ratificam mediante providências
sucessivas, a médio e longo prazos.

As convenções constituem tratados


multilaterais abertos à ratificação dos Estados-membros da
OIT. Já as recomendações destinam-se a sugerir normas que
podem ser adotadas por qualquer das fontes autônomas do
Direito do Trabalho, embora visem, basicamente, ao
legislador de cada país.

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fls. 50

Tanto a convenção como a recomendação podem


ser revistas, mediante procedimento próprio, pela
Conferência. Aprovada a revisão de uma convenção, o texto
anterior não mais ficará aberto à ratificação; mas as
ratificações precedentes continuarão em vigor, se o
respectivo país não ratificar o novo texto. A ratificação da
convenção revisora importará na denúncia automática do
diploma revisto.
D — Integração das normas internacionais no
direito nacional. Efeitos da ratificação — A finalidade da
OIT é que os Estados-membros ratifiquem as convenções,
integrando as correspondentes normas no direito interno, e
que as recomendações sirvam de inspiração e modelo para a
atividade legislativa nacional, os atos administrativos de
natureza regulamentar, os instrumentos da negociação
coletiva, os laudos arbitrais e, nos países onde forem
admitidos, as decisões normativas dos tribunais do trabalho.

A fim de que as convenções e recomendações


cumpram essa função, a Constituição da OIT impõe aos
Estados-membros uma obrigação: submeter os respectivos
textos, no prazo máxima de dezoito meses, à autoridade
nacional competente para aprovar a convenção ou para dar
forma de lei ou adotar outras medidas, no que tange à
recomendação (art. 19, §§ 5 e 6). Mas essa obrigação é de
natureza formal, pois o Estado é soberano, seja para
ratificar um tratado, seja para legislar na conformidade de
uma recomendação internacional. Entretanto, se a convenção
for aprovada pela autoridade competente e, em conseqüência,
ratificada pelo Governo, devem suas normas ser integralmente
cumpridas: pacta sunt servanda. Não sendo aprovada, servirá,
tal como a recomendação, de fonte material de direito.
A autoridade competente a que alude a
Constituição da OIT corresponde, em geral, ao Congresso
Nacional ou Parlamento. No Brasil a questão está definida na
Carta Magna: compete à União Federal legislar sobre o
Direito do Trabalho e a Previdência Social (art. 22, n0 I).
Ao Congresso Nacional incumbe: a) com a sanção do presidente
da República, dispor sobre todas as matérias da competência

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fls. 51

da União (art. 48); b) exclusivamente, resolver a respeito


das convenções internacionais (art. 49, nº I).
Cabe ao Direito Constitucional de cada Estado
determinar os efeitos da ratificação da convenção; isto é,
como a norma do tratado integra-se no direito interno,
tornando-se obrigatória no território nacional. Nos países
que consagram o monismo jurídico, essa integração verifica-
se assim que a ratificação inicia sua vigência, embora, em
alguns casos, a eficácia jurídica da norma geradora de
direitos subjetivos individuais dependa de atos
complementares ou regulamentares da competência de
autoridades nacionais. Nos Estados onde vigora o dualismo
jurídico, a ratificação de uma convenção da OIT cria, para o
respectivo Estado, a obrigação de dispor, no plano nacional,
de conformidade com as normas a que aderiu.
O Brasil adota a concepção monista. Esse
entendimento resulta da circunstância de não poder o Poder
Executivo ratificar o diploma internacional sem que ele haja
sido aprovado, por Decreto Legislativo, pelo Congresso
Nacional. Outrossim, o art. 5º da Constituição de 1988, que
relaciona os direitos e garantias fundamentais, individuais
e coletivas, prescreve no seu § 2º que eles não excluem os
decorrentes dos tratados internacionais ratificados pelo
Brasil. Por isso mesmo a própria Carta Magna possibilita o
recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, quando
a decisão recorrida contrariar tratado ou negar-lhe vigência
(art. 105, no III). Daí ser uniforme a jurisprudência neste
sentido, tanto da Suprema Corte como a administrativa.
A vigência da convenção no plano nacional
verifica-se doze meses depois do depósito da ratificação. O
prazo de validade da ratificação é de dez anos, que se
renova tacitamente, se o respectivo Estado não promover a
denúncia nos doze meses subseqüentes a cada decênio.
O princípio da condição nacional mais
favorável está ressalvado pela Constituição da OIT: a
ratificação de uma convenção não “afetará qualquer lei,
sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores
condições mais favoráveis” (art. 19, § 8).
E — Controle da aplicação das normas — A OIT
inovou o Direito Internacional, ao instituir um sistema de

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fls. 52

controle da aplicação das normas inseridas na sua


Constituição ou adotadas por sua assembléia geral
(Conferência) e aceita pelos Estados-membros. O êxito desse
sistema levou outros organismos internacionais ou regionais
a instituírem mecanismos e procedimentos similares.
O sistema de controle da OIT comporta: a) uma
ação regular; b) procedimentos contenciosos provocados.
O órgão vital do mecanismo de controle
regular, ou permanente, é a Comissão de Expertos da
Aplicação de Convenções e Recomendações, constituída de
“personalidades eminentes e independentes”. Ela exerce: a)
um controle de eficácia, visando, por todos os meios a seu
alcance (demanda direta e contato direto), a obter o pleno
cumprimento das normas internacionais, tanto no que tange à
harmonia entre o direito nacional e as convenções
ratificadas pelos correspondentes Estados, como à sua
efetiva aplicação prática; b) um controle de legalidade,
apontando à Conferência Internacional do Trabalho os casos
de violação não resolvidos pelos métodos utilizados.
Dois são os procedimentos contenciosos: a)
reclamação (arts. 24 e 25 da Const.); b) queixa (arts. 26 e
35 da Constituição).
A reclamação pode ser apresentada por
“organização profissional de empregadores ou de
trabalhadores” (pessoa jurídica nacional, regional ou
internacional), tendo por objeto o não-cumprimento
satisfatório, por parte de um Estado-membro, de convenção
ratificada. Compete ao Conselho da Administração processar
as reclamações e deliberar sobre o seu objeto.
O procedimento da queixa poderá ser
instaurado contra um Estado-membro que não adotou as medidas
necessárias ao cumprimento de uma convenção que haja
ratificado: a) mediante representação de um país que tenha
ratificado a mesma convenção; b) ex officio, pelo CA; c) por
qualquer delegação presente à Conferência. Cabe, igualmente,
ao Conselho o exame da queixa e a determinação de
providência para elucidação do caso. Em regra, designa uma
Comissão de Investigação, que poderá obter informação in
loco. — Da decisão do CA cabe recurso para a Corte
Internacional de Justiça.

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fls. 53

As relações alusivas à violação de direitos


sindicais têm foro próprio: o Comitê de Liberdade Sindical
do CA, constituído de três representantes de governos, três
de empregadores e três de trabalhadores, sob a presidência
de um jurista independente. Os casos não resolvidos pelo
Conselho, com base nas proposições desse Comitê, podem ser
submetidos à Comissão de Investigação e de Conciliação em
Matéria de Liberdade Sindical, criada pela OIT em
coordenação com a ONU, a qual tem “a finalidade de lograr
uma solução por via de acordo”.
O alvo perseguido pela OIT não é aplicar
sanções aos Estados-membros que a constituem, mas empreender
todos os esforços para obter a efetiva aplicação dos
princípios consagrados por sua Constituição e pelas normas
adotadas por sua assembléia geral (Conferência). Na prática,
porém, os pronunciamentos da Conferência e do Conselho de
Administração sobre os casos que lhes são submetidos
constituem verdadeiras sanções morais, porquanto, como
acentuou VALTICOS, as diferentes fases dos pronunciamentos
de controle são “acompanhadas de medidas de publicidade que
permitem à opinião manifestar-se no plano nacional, assim
como no internacional”.

Título II

TEORIA GERAL DO DIREITO


DO TRABALHO

Capítulo I

CONCEITO E OBJETO DO
DIREITO DO TRABALHO

As definições do Direito do Trabalho são, em


geral, incompletas e limitadoras, seja pela dificuldade de
englobar, numa síntese, as características marcantes da
disciplina, seja porque, com a evolução desta, elas acabam
superadas pelo alargamento da sua esfera de atuação ou por

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fls. 54

novas fórmulas que consagra. Para nós, Direito do Trabalho é


o conjunto de princípios e normas, legais e extra-estatais,
que regem tanto as relações jurídicas, individuais e
coletivas, oriundas do contrato de trabalho subordinado e,
sob certos aspectos, da relação de trabalho profissional
autônomo, como diversas questões conexas de índole social,
pertinentes ao bem-estar do trabalhador.
Como se infere, essa conceituação tem o
defeito de ser longa, para abranger o objeto, cada vez
maior, do atual Direito do Trabalho. Aliás, em grande parte,
corresponde à definição de EVARISTO DE MORAES FILHO, que
confessa ter se inspirado em GALLART FOLCH e PÉREZ BOTIJA.
Mais importante, por isto, a nosso ver, para o estudo
sistemático do Direito do Trabalho, é a revelação do seu
objeto e da tendência que se esboça no sentido do
alargamento do seu campo de incidência.
Toda energia física ou intelectual, empregada
pelo homem com um fim produtivo, é trabalho; mas nem toda
atividade humana produtiva constitui objeto do Direito do
Trabalho.
Daí ser preciso demarcar os labores que, sob
o prisma jurídico, configuram o seu objeto.
A legislação de proteção ao trabalho,
consagrada em Versailles (1919) como um dos ramos autônomos
do Direito, nasceu para regular o trabalho subordinado; isto
é, aquele no qual o trabalhador está juridicamente
subordinado a quem, como empregador, responde pelo risco da
atividade empreendida e, por isso mesmo, assume o poder de
comando da prestação pessoal dos serviços. E o seu conteúdo
preponderante ainda é o contrato de trabalho subordinado,
que se distingue da relação de trabalho autônomo quando o
próprio trabalhador assume o risco do negócio.
Algumas formas de trabalho individual, que se
não confundem com o trabalho autônomo, porque o trabalhador
não assume o risco da atividade, passaram posteriormente a
integrar, com regras especiais, o objeto do Direito do
Trabalho, apesar de não corresponderem à relação de emprego
continuada:

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fls. 55

a) prestação de serviços de caráter transitório ou episódico,


por intermédio de empresa de trabalho temporário;
b) prestação de serviços intermitentes, mediante requisição
da mão-de-obra aos respectivos sindicatos.

Em muitos países a prestação de serviços com


trabalhadores cadastrados e fornecidos por empresas de
trabalho temporário está disciplinada em leis, com um duplo
objetivo: a) limitar sua utilização a situações especiais e
nitidamente transitórias; b) assegurar aos trabalhadores um
mínimo de direitos decorrentes da relação jurídica
estabelecida.
Também o direito sindical, que é uma das
instituições mais peculiares do Direito do Trabalho,
compreende tanto os trabalhadores com relação de emprego,
corno os avulsos e os autônomos, além dos empresários.
Aliás, o amplo direito de sindicalização é assegurado pelas
convenções da OIT n0s 84/47, 87/48, 98/49, 141/75 e 15 1/78,
com reflexo no direito com. parado, não se restringindo aos
pólos da relação de emprego.
Há, portanto, no Direito do Trabalho
princípios e normas sobre relações individuais do trabalho e
direito coletivo do trabalho, abrangendo este último a
organização sindical, a negociação coletiva e a greve.
A Seguridade Social, que engloba a
Previdência Social, já conquistou sua autonomia científica,
com princípios próprios, divorciando-se, assim, do Direito
do Trabalho.
Quanto ao Direito Processual do Trabalho,
somos dos que sustentam sua autonomia, não obstante as
notórias vinculações ao Direito do Trabalho (substantivo) e
ao Direito Processual Civil. E certo que ele oferece aos
protagonistas do mundo do trabalho o instrumental para
tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas que
concernem às relações individuais e coletivas de trabalho,
possuindo objeto e princípios próprios. Com o sistema
processual, tendo em vista o trabalhador, dá ênfase
especial, que o caracteriza, à celeridade, à oralidade, a
economia, à conciliação, à eqüidade, à gratuidade e aos

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fls. 56

poderes inquisitórios do juiz, que pode impulsionar o


processo independentemente da iniciativa das partes.
Os princípios que regem o Direito Processual
do Trabalho, embora com adaptações resultantes da natureza
especial e protetora do Direito do Trabalho, são, em grande
parte, originários do processo civil. Contudo, como escreveu
COQUEIJO COSTA, o Direito Processual do Trabalho “deve ser
autônomo, pois não há direito especial sem juiz, sem matéria
jurídica especial e sem direito autônomo”. Daí por que, no
Brasil, o Direito Processual comum é invocável nos casos
omissos, desde que a respectiva norma seja compatível com o
sistema processual descrito no Título X da CLT (art. 769 da
Consolidação). Aliás a autonomia do Direito Processual do
Trabalho é fortalecida, em nosso país, pela circunstância de
a Justiça do Trabalho integrar, como jurisdição especial e
autônoma, o Poder Judiciário (Const., art. 92, n0 IV, e arts.
III a 117).

Capítulo II

TERMINOLOGIA

A denominação do ramo da ciência jurídica de


que trata este livro está vinculada historicamente ao seu
objeto.
A intervenção do Estado nas relações de
trabalho, por meio de medidas legais de proteção ao
trabalhador, sobretudo na indústria, justificou, no século
XIX, a designação de Legislação Industrial ou Legislação
Operária. Essas normas integravam-se nos corpos de leis
civis ou comerciais, não constituindo um sistema orgânico,
com princípios próprios, capaz de caracterizar um novo
Direito.
Somente em 1919, com o Tratado de Paz da
Primeira Guerra Mundial, foi consagrada sua autonomia
científica, com o que caíram em desuso as expressões
anteriores. Mas a simples substituição da palavra
“legislação” por “direito” já seria insuficiente, porquanto
o alvo do novo sistema jurídico não mais visava, em

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fls. 57

especial, ao operário da indústria, eis que já havia se


estendido a outros grupos profissionais. Por seu turno, o
seu objeto já compreendia tanto as relações individuais do
trabalho subordinado e as conseqüentes relações coletivas,
como também a Previdência Social.
Duas expressões dividiram, então, a
preferência dos estudiosos: Direito Social e Direito do
Trabalho. Todavia, na Itália fascista e em Portugal, quando
a organização política pressupunha o enquadramento das
forças produtoras em corporações, a denominação Direito
Corporativo foi largamente empregada. Na Espanha, apesar da
prolongada adoção do regime corporativista, esta expressão
não foi aceita pela maioria dos juslaboralistas.
De um modo geral, os adeptos do Direito
Social como terceiro gênero da ciência jurídica, ao lado do
Direito Público e do Direito Privado, entendem que a ele
corresponde o conjunto de princípios e normas sobre as
relações coletivas e individuais do trabalho, além da
seguridade social, compreendendo os seguros sociais, a
assistência aos necessitados, a proteção à família e outras
formas de amparo resultantes de medidas estatais. Outros,
porém, limitam o objeto do Direito Social às relações
individuais e coletivas do trabalho e à Previdência Social.
A principal crítica que se faz a essa
denominação — que, a nosso ver, não pode ser refutada — é a
de que todo o Direito é social, não cabendo, portanto, a um
dos seus ramos o privilégio desse qualificativo. Se é
inegável que a socialização do Direito teve sua mais
positiva manifestação no conjunto de princípios e normas que
regulam as relações individuais e coletivas de trabalho, não
menos certo é que esse espírito socializador penetrou em
quase todos os setores do mundo jurídico. Daí ressaltar
RAFAEL CALDERA que devemos “considerar o Direito Social como
um movimento inspirador, mais do que um sistema definitivo
de normas positivas; (...) ele representa uma nova corrente
jurídica que, não somente produz novas normas, senão que
modifica também a interpretação das normas até hoje aceitas
pelas diversas disciplinas jurídicas”. Nas palavras de
ORLANDO GOMES, “A expressão Direito Social é de uma
impropriedade manifesta. Em primeiro lugar, porque todo

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direito é social. Em segundo lugar, porque motiva confusões,


desde que se reservou tal expressão para o direito extra-
estatal, tão bem estudado por GURVITCH”.
A expressão “Direito do Trabalho” reúne, na
verdade, a preferência dos estudiosos e está consagrada pelo
organismo especializado do sistema das Nações Unidas — a
Organização Internacional do Trabalho —, bem como por
inúmeras Constituições, entre as quais a do Brasil (art. 22,
n0 I), universidades e publicações. Conforme advertem PAUL
DURAND e JAUSSAUD, se essa denominação é ampla na linguagem
corrente, não o é, porém, na literatura jurídica, que lhe
confere sentido preciso. Hoje, a quase totalidade dos
tratados ou cursos sobre a disciplina em foco tem a
denominação de Direito do Trabalho.
A circunstância de ter a Previdência Social
conquistado sua autonomia científica, com princípios
próprios, dentro do conceito mais amplo de Seguridade
Social, fortaleceu ainda mais a corrente defensora da
expressão “Direito do Trabalho”, que não mais compreende
aquela instituição jurídica.

Capítulo III

AUTONOMIA E RELAÇÕES

DO DIREITO DO TRABALHO

I — Considerações gerais

O conceito de autonomia dos diversos ramos do


direito é relativo, porquanto os seus diversos setores estão
relacionados entre si, estabelecendo um nexo de
interdependência que se configura, igualmente, no círculo
maior das ciências sociais. Conseqüentemente, da autonomia
dos seus ramos pode-se falar apenas, como advertiu MARIO
DEVEALI, “no sentido de que — para usar um exemplo muito
conhecido — são autônomos os ramos que partem do tronco
comum”. O conceito de autonomia resulta, portanto, dos

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elementos característicos que permitem distinguir cada um


dos ramos do tronco comum, que é o Direito. Pelos princípios
e institutos próprios que possui cada um desses setores do
Direito ou, pelo menos, pelo desenvolvimento especial que
dão a princípios e institutos do Direito em geral, é
possível, no dizer de PERGOLESI, afirmar a respectiva
autonomia.
Para ALFREDO ROCCO, geralmente citado pelos
que escrevem sobre o tema, uma disciplina jurídica pode ser
considerada ciência autônoma, embora não independente, se:
a) for bastante ampla para merecer um estudo adequado e
especial; b) contiver doutrinas homogêneas dominadas por
conceitos gerais comuns e distintos dos conceitos
informadores de outras disciplinas; c) possuir método
próprio, isto é, utilizar procedimentos especiais para o
conhecimento das verdades que constituem o objeto de suas
investigações. Já DEVEALI considera desnecessário o terceiro
elemento; e, na verdade, o relevante, para afirmar a
autonomia de um setor da ciência jurídica, é que os seus
princípios, instituições e normas constituam um sistema
orgânico.

II — Autonomia científica

Tal como ocorreu com o Direito Comercial, o


Direito do Trabalho, nascido do Direito Civil, dele separou-
se inquestionavelmente, eis que hoje possui, não só
princípios, objeto, instituições e normas próprias, mas
também fontes peculiares e, em alguns países, como no
Brasil, até jurisdição especial para dirimir os litígios que
lhe concernem. Aí estão, sem dúvida, todos os elementos
afirmadores de sua autonomia. E, se não bastassem tais
características, poderíamos invocar, supletivamente, a
importância política, social e econômica de suas normas na
civilização presente; a inserção de seus princípios nos mais
importantes documentos internacionais e nas modernas
Constituições; e, finalmente, o funcionamento, desde 1919,
da Organização Internacional do Trabalho, destinada a

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fls. 60

universalizar os preceitos fundamentais da proteção ao


trabalho sob a égide da Justiça Social.
Dentre os elementos configuradores dessa
autonomia, pertencentes à categoria das fontes especiais do
Direito do Trabalho, cumpre destacar a convenção coletiva de
trabalho e a sentença normativa, as quais não poderiam ser
incluídas em qualquer outro ramo do Direito, nem explicadas
pela respectiva doutrina. Conforme assinalou OLIVEIRA VIANA,
“em face da sistemática do Direito Clássico, o contrato
coletivo (convenção coletiva do trabalho) não é um contrato;
a sentença coletiva (sentença normativa) não é uma
sentença”. Estes dois instrumentos são peculiares ao Direito
do Trabalho, caracterizando a singularidade dos seus métodos
de criação de normas jurídicas. Abaixo da lei, e acima do
contrato, surgem as convenções coletivas e as sentenças
normativas como fontes específicas do Direito do Trabalho,
como que a documentar sua autonomia.
No Brasil o problema em foco não pode
suscitar controvérsia. E que a Constituição vigente (art.
22, I), como as anteriores, de 1937, 1946 e 1967, estipula
que à União compete legislar sobre “direito do trabalho”.
Por seu turno, inclui no Poder Judiciário os “Tribunais e
Juízos do trabalho” (art. 92), enumera todos os preceitos
que devem ser observados pela legislação do trabalho
(art.7º); e, ademais, reconhece as convenções coletivas
(art.7º, XXVI), dispõe sobre a organização sindical (art.
8º) e trata do exercício do direito de greve (art. 9º).
Por fim, cumpre acentuar que em todas as
universidades o Direito do Trabalho — com, ou sem, o Direito
Processual do Trabalho e a Previdência Social — é estudado
como disciplina autônoma.

III — Principais relações do Direito do


Trabalho

A — Interdependência científica — O Direito


do Trabalho relaciona-se não apenas com os demais ramos da
enciclopédia jurídica, mas também com vários setores da
ciência em geral.

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Os limites impostos à duração do trabalho, a


obrigatoriedade dos descansos semanais e anuais, as medidas
de higiene do trabalho e a prevenção de moléstias
profissionais e inúmeros outros preceitos do Direito do
Trabalho evidenciam, de forma inquestionável, suas relações
com a Medicina e, conseqüentemente, com a Biologia.
Igualmente, as medidas de prevenção contra acidentes do
trabalho e as que visam à segurança nos locais de trabalho
ressaltam suas relações com a Engenharia.
Na elaboração e revisão das normas jurídico-
trabalhistas, principalmente no que tange a emprego,
salário, jornada e acidentes do trabalho, a contribuição da
estatística é fundamental. Mas nessa tarefa hão de influir,
com peso considerável, tanto a sociologia como a moral. Esta
ressalta os fundamentos para a dignificação do trabalhador;
aquela, ao estudar a sociedade humana, com os seus grupos
profissionais e econômicos e os conflitos que lhes são
pertinentes, oferece valiosos elementos para a revelação de
princípios e a fixação de rumos para o Direito do Trabalho.
B — Economia. Se incumbe à economia estudar a
produção, a circulação é o consumo dos bens, assim como o
capital, o trabalho e a natureza como fatores de produção,
cabe ao Direito do Trabalho tornar efetivas muitas das
medidas resultantes desses estudos. Não obstante serem as
finalidades do Direito do Trabalho de política social e não
de política econômica, não se pode negar, igualmente, a
repercussão, no mundo econômico, das medidas de índole
social que consagra. Com o caráter de justiça
prevalentemente distributiva, objetivam suas normas a melhor
distribuição da renda nacional e o fortalecimento econômico
dos integrantes das diferentes categorias profissionais. Por
outro lado, impondo limites mínimos de salários, limites
máximos de jornada de trabalho, repousos remunerados obri-
gatórios, medidas de higiene e segurança do trabalho,
compensações pela extinção dos contratos de trabalho etc.,
eleva, em nome do interesse social, o custo da produção,
aumentando os encargos atribuídos aos empreendimentos
econômicos.
A Organização Internacional do Trabalho
sempre proclamou que o progresso social não é um obstáculo

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ao desenvolvimento econômico; ele é a finalidade mesma do


desenvolvimento econômico e um elemento vital do seu
processo... A novidade é que essa tese, após meio século de
discussão, foi adotada por unanimidade pela Assembléia Geral
das Nações Unidas. Isto é, talvez, o evento mais marcante de
toda a história da OIT”. Esta orientação, como se sabe, está
consagrada pela doutrina social da Igreja, tal como
enunciada nas encíclicas Mater et Magistra, do Papa JOÃO
XXIII; Populorum Progressio, do Papa PAULO VI, e Laborem
Exercens, do Papa JOÃO PAULO II. Pena é que em alguns países
a legislação do trabalho encontre-se rigorosamente
subordinada à economia, a ponto de transformar os
Ministérios do Trabalho em autênticas secretarias dos
respectivos Ministérios de planejamento econômico.
C — Direito Constitucional. Enquanto as
antigas Constituições ocupavam-se do cidadão, sem atentar
para as necessidades reais do homem, certo é que as
elaboradas a partir de 1917 passaram a cuidar do indivíduo-
social ao lado do indivíduo-político Como acentuou MARTIN
ALVORADO, baseado em estudo de ADOLFO LOUSADA sobre o Estado
e suas crises, “atualmente o trabalho tem idêntica
hierarquia que a liberdade e se, anteriormente, no Direito
Constitucional o problema máximo consistia em realizar um
regime de garantias jurídicas das liberdades, o problema de
hoje, para um constitucionalista ajustado ao ritmo acelerado
dos tempos, consiste em tornar possível um regime jurídico e
social em que o trabalho seja uma exigência moral — não só
econômica —, de tal modo que se erija em condição para a
dignidade humana”. E conclui: “o direito individual ao
trabalho converteu-se modernamente num reconhecimento social
dos direitos do trabalho”.
As modernas constituições8 inseriram em seus
textos preceitos de proteção ao trabalho, dando-lhes maior
hierarquia na escala das normas jurídicas. Relevante, por
outro lado, é a influência que os princípios consagrados nas
cartas magnas devem exercer na interpretação e aplicação das
disposições heterônomas ou autônomas do Direito do Trabalho.
Ao contrário das constituições brasileiras de
1934, 1937, 1946 e 1967, que elencaram os direitos dos
trabalhadores no capítulo “Da Ordem Econômica e Social”, a

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de 1988 incluiu-os num capítulo próprio, “Dos Direitos


Sociais” (arts. 6º a 11), integrante do Título II, “Dos
Direitos e Garantias Fundamentais”.
Os princípios constitucionais que devem
iluminar a aplicação do Direito do Trabalho são deduzidos de
algumas normas do precitado capítulo e de certas disposições
do Título I (arts. a 5º).
D — Direito Civil. Se as primeiras regras
concernentes às relações contratuais do trabalho foram
inseridas nos Códigos Civis; se o Direito do Trabalho, ao
tornar-se ramo autônomo, separou-se do Direito Civil, é
inquestionável que as conexões existentes entre os citados
ramos da ciência jurídica têm de ser ainda bastante
estreitas. Essa separação não pode ser absoluta por força da
própria unidade orgânica do Direito. Demais disto, a
importância indesmentível do Direito Civil e a amplitude do
campo de ação que constitui o objeto de suas normas tornam
bastante fortes suas relações com todos os outros setores da
enciclopédia jurídica. Daí afirmar CABANELLAS que ainda
quando a aplicação da doutrina e da lei civil seja apenas
supletiva, nos países onde o Direito do Trabalho aparece
codificado ou regulamentado, nem por isto desaparece a de-
pendência que a comunidade de origem imprime-lhe. Ainda que
o Direito do Trabalho seja autônomo, a cada passo teremos de
recorrer ao Direito Civil.
Convém ponderar que as normas jurídico-
trabalhistas inspiram-se em princípios próprios. Daí por que
o apelo ao Direito Civil deve restringir-se aos casos em que
houver omissão do sistema especial e a regra civil invocada
for compatível com os princípios caracterizadores do Direito
do Trabalho. A legislação brasileira explicitamente
consagra- essa orientação, ao dispor no parágrafo único do
art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, que o “direito
comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo
em que não for incompatível com os princípios fundamentais
deste”. E é no Direito Civil que o Direito do Trabalho vai
buscar os conceitos de pessoa natural e pessoa jurídica, de
capacidade e incapacidade, de atos e fatos jurídicos, de
erros, dolo, coação, simulação e outras manifestações
viciadoras da vontade etc.

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E — Direito Comercial. Dispondo sobre a


organização e o funcionamento das sociedades comerciais que
constituem uma das partes do contrato de trabalho e que
integram categorias econômicas representadas por sindicatos,
é evidente a íntima correlação entre o Direito Comercial e o
do Trabalho. Outros sim, a regulamentação de aspectos
jurídicos da empresa (objeto e não sujeito da relação de
trabalho) enfatiza essa conexão.
Como lembra EVARISTO DE MORAES FILHO, longa é
a lista “da matéria fronteiriça entre os dois ramos do
Direito, tais como: sociedade mercantil (sócio,
interessado); corretagem, mandato mercantil (comissionista,
representante comercial, agente de comércio); sociedade de
capital e indústria (sociedade ou contrato de trabalho);
falência e concordata (direitos do empregado); atividade
comercial (para distingui-la da industrial e da rural);
negociação por conta própria ou alheia etc. E, hoje em dia,
mais se aprofundam estas relações no terreno do Direito
marítimo e aéreo, da navegação em suma”.
F — Direito Penal. Com a evolução do Direito
do Trabalho, novas figuras delituosas apareceram, razão por
que teve a legislação penal de sobre elas dispor. E o que
nos atesta, por exemplo, o Código Penal brasileiro, que
dedica um título especial aos crimes contra a organização do
trabalho.
Por seu turno, na aplicação das regras sobre
o Direito do Trabalho, sobretudo as atinentes aos atos
faltosos determinantes da rescisão do contrato de trabalho,
o intérprete terá de recorrer, reiteradamente, a normas
legais e conceitos doutrinários do Direito Penal que versam
sobre dolo, culpa, negligência, reincidência, legítima
defesa, circunstâncias agravantes e atenuantes etc.
G — Direito Processual Civil. As finalidades
objetivas pelo Direito do Trabalho subordinaram, sem dúvida,
a adoção de normas processuais peculiares e a instituição de
tribunais especiais para dirimir os conflitos do trabalho. É
certo que nem todos os países possuem um Direito Processual
do Trabalho e uma Magistratura especializada para as
contendas trabalhistas; mas constituem uma tendência do

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direito comparado, principalmente nos países latino-


americanos e africanos.
Contudo a existência de normas processuais
especiais não impede a invocação de princípios e regras do
Direito Processual Civil, mesmo porque, modernamente,
inúmeras instituições são comuns ao processo civil e ao
trabalhista. Mas, tal como advertimos ao tratarmos do
Direito Civil, os preceitos legais e doutrinários do
processo comum só podem ser aplicados ao processo especial
do trabalho, como fonte subsidiária, na omissão deste e,
ainda assim, quando não houver incompatibilidade com os
princípios fundamentais que adota. E o que salienta,
expressamente, no Brasil, o art. 769 da Consolidação das
Leis do Trabalho.
H — Direito Administrativo. Não obstante a
autonomia do Direito do Trabalho, é fato notório que a
supervisão das suas normas de caráter público, o controle da
sua aplicação e a conseqüente lavratura de autos de infração
e imposição de multas constituem encargos atribuídos à
Administração Pública. Se a matéria objeto da supervisão e
do controle mencionados pertence, indiscutivelmente, ao
Direito do Trabalho, é evidente que o funcionamento desses
órgãos é disciplinado por disposições do Direito
Administrativo.
I — Direito Internacional. Para que se possa
avaliar o grau atingido pelas relações entre o Direito do
Trabalho e o Direito Internacional Público, basta recordar
que funciona, com o caráter permanente, a Organização
Internacional do Trabalho, instituída pelo Tratado de
Versailles junto à antiga Liga das Nações, e, atualmente,
vinculada às Nações Unidas, como uma das suas mais
importantes agências especializadas. A OIT, com a ação
desenvolvida desde 1919, tornou-se uma das mais respeitáveis
e inesgotáveis fontes do novo ramo do Direito. Em face do
que prescreve o preâmbulo da Constituição da OIT, na sua
atual redação, objetiva o precitado organismo a paz
universal e permanente, sob a égide da justiça social.
Para tal fim — vimos no Capítulo IV deste
livro —, a Conferência Internacional do Trabalho aprova
convenções (fontes formais, quando ratificadas) e

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recomendações (fontes materiais) visando a tornar


universais, tanto quanto possível, os princípios e normas de
proteção ao trabalho e a regulação dos problemas que lhes
são conexos. E os tratados regionais e bilaterais sobre
questões trabalhistas vêm sendo utilizados cada vez em maior
número.
Por fim, no que tange ao Direito
Internacional Privado, embora prepondere o princípio da
territorialidade para as regras de proteção ao trabalho,
certo é que em alguns aspectos da relação de trabalho pode
ser invocado o direito estrangeiro, de conformidade com as
normas reguladoras do conflito de leis no espaço.
J — Previdência Social. Apesar de algumas
opiniões em contrário, prevalece a corrente que, como nós,
entende que a Previdência Social — ou a Seguridade Social,
que a engloba — tornou-se disciplina autônoma, com
princípios doutrinários, instituições e regras jurídicas
próprias. E inegável, todavia, que os seus beneficiários
diretos são, em grande maioria, os trabalhadores que se
vinculam obrigatoriamente ao sistema previdenciário, seja em
virtude da caracterização de contrato de trabalho, seja em
razão da prestação de serviços profissionais sob forma
autônoma.
Dentre os aspectos em que mais íntima é a
correlação entre o Direito do Trabalho e a Previdência
Social, cumpre destacar o da filiação do trabalhador,
decorrente da simples configuração da relação do emprego ou
do exercício habitual da atividade profissional remunerada;
o da incidência da contribuição previdenciária sob a
remuneração recebida pelo empregado; o do mandato legal
conferido ao empregador para descontar do salário a
contribuição previdenciária do empregado e para adiantar as
prestações atinentes ao salário-família; o da suspensão do
contrato durante a percepção pelo empregado, de auxílio-
doença por parte do seguro social ou de aposentadoria por
invalidez, durante dilatados períodos; o da extinção do
contrato de trabalho, após tais períodos, ou quando o
empregado for aposentado por tempo de serviço ou por velhice
etc. Outrossim, é de assinalar que, em diversos países, a
Previdência Social possui órgãos de Administração, de

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fls. 67

controle e fiscalização, dos quais participam representantes


de trabalhadores e empregadores eleitos pelas
correspondentes entidades sindicais, fato que estabelece
mais um nexo entre ela e o Direito do Trabalho”.

Capítulo IV

NATUREZA JURIDICA DO DIREITO

DO TRABALHO

I — Direito público e direito privado

As normas de direito público prevalecem nos


sistemas jurídicos atinentes ao Direito do Trabalho; mas
nele existem, também, regras de direito privado, algumas
meramente dispositivas, outras de ordem pública. Por outro
lado, não se pode negar que, nos preceitos que compõem, como
fontes autônomas de direito, esse ramo da ciência jurídica,
ocorre evidente fusão do interesse coletivo com o
individual. Daí as dificuldades para fixar sua posição, seja
como. direito público, privado, social (tertium genus) ou
misto, seja como um todo unitário contendo, não obstante,
normas de direito público e de direito privado.
O que não merece contestação, conforme
acentuou WALTER KASKEL, é que “direito do trabalho não
pertence nem exclusivamente ao direito público nem
exclusivamente ao direito privado, senão que compreende
necessariamente ambos os elementos”. E conclui: “O direito
do trabalho é um exemplo típico de que a evolução moderna do
direito conduz cada vez mais a um entrecruzamento de direito
privado e direito público, sem que com isto nasça uma
terceira categoria”.
Os que defendem o enquadramento do Direito do
Trabalho no direito público ponderam que, nas relações de
trabalho, a livre manifestação da vontade das partes
interessadas foi substituída pela vontade do Estado, o qual

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fls. 68

intervém nos mais variados aspectos dessas relações por meio


de leis imperativas e irrenunciáveis. Embora os sujeitos de
direito da nova disciplina jurídica possam preencher, por
mútuo acordo, parte do conteúdo das relações de trabalho,
certo é que o fundamental resulta da imposição estatal. A
predominância do interesse do Estado, refletida no conteúdo
institucional das relações de trabalho e no controle de sua
aplicação, fundamentaria a natureza pública do Direito do
Trabalho. MARIO DE LA CUEVA deixa implícita sua tendência em
favor dessa tese. Entretanto, após relacionar diversas
teorias sobre o tema, adverte que, “se agora, depois dessa
discussão, nos perguntarmos qual é a natureza do direito do
trabalho, concluiremos que não sabemos nem mais nem menos do
antes”. E pondera: “não são os caracteres formais das normas
jurídicas os que nos podem indicar a natureza de um
estatuto, senão sua origem, seu conteúdo, sua finalidade e o
seu propósito”.
Se a maioria dos defensores da natureza
jurídica do Direito do Trabalho como direito público realça
o fato de ter ele nascido da intervenção do Estado nas
relações de trabalho e da conseqüente publicização do seu
conteúdo fundamental, os partidários da sua classificação
como direito privado recordam que as normas legais que lhe
correspondem nasceram nos códigos civis, sendo que o
instituto básico do novo rumo da ciência jurídica é o
contrato de trabalho, cuja natureza jurídica é,
indubitavelmente, de direito privado. Assim, o fato de o
Direito do Trabalho consubstanciar inúmeras normas irrenun-
ciáveis, por serem de ordem pública — tal como na
instituição matrimonial integrante do Direito Civil —, não
tem a força suficiente para deslocá-lo para o campo do
direito público, embora o coloque na fronteira com esta
zona, mas, ainda, em território do direito privado.
Sobretudo depois do direito comparado admitir certa
flexibilização na aplicação de normas de ordem pública.
Renomados juristas italianos do Direito do
Trabalho e os civilistas de um modo geral são os principais
defensores desse enquadramento. Releva assinalar, todavia,
que na Itália os doutos estudiosos do Direito do Trabalho
conceituam-no de forma restrita, separado do direito

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fls. 69

sindical, que tem por objeto as relações coletivas de


trabalho. Por sua vez, enquadram as disposições sobre
infrações administrativas trabalhistas, crimes do trabalho,
relações internacionais do trabalho e magistratura e
processo do trabalho como partes integrantes do Direito
Tributário, do Direito Penal, do Direito Internacional e do
Direito Processual, respectivamente — ramos estes pertencen-
tes ao direito público.

II — Direito Social

Já nos referimos no capítulo VI deste livro à


corrente que prega a existência do direito social ao lado do
direito público e do direito privado, como terceiro gênero
da enciclopédia jurídica. Para os seus adeptos, o fundamento
básico é a socialização do direito em oposição ao direito
individual de origem romana ou liberal clássica. Neste
século verificou-se a supremacia ou o primado do direito
coletivo sobre o individualista. GURVITCH — o grande
defensor dessa teoria — aduz que no direito social assume
lugar de relevo o direito extra-estatal formado por grupos
sociais, cujo exemplo mais eloqüente é a convenção coletiva
de trabalho. Esse direito coexiste com o de origem estatal,
configurando a multiplicidade de esferas jurídicas no plano
social.
Se a ninguém é lícito negar essa tendência
socializadora, bem como as novas instituições e relações
jurídicas de finalidades marcadamente sociais criadas em
nossa época, é indubitável, contudo, que a socialização do
Direito concerne a relações jurídicas dos mais variados
matizes, inclusive àquelas que sempre pertenceram e ainda
integram o campo do direito privado. Daí por que ressalta
PEREZ BOTIJA que a idéia do Direito Social como terceiro
continente da ciência jurídica representa “uma solução
cômoda, porém um tanto arbitrária e, sobretudo, ineficaz,
seja do ponto de vista metódico-científico, seja do
dogmático-positivo”.

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III — Natureza mista com unicidade


conceitual

É inquestionável que o conteúdo do Direito do


Trabalho, tal como o conceitua a maioria dos que o estudam,
revela regras de direito público e de direito privado. Como
faz notar EVARISTO DE MORAES FILHO, a formação recente do
novo ramo da enciclopédia jurídica, nascido da reação do
Estado ao individualismo excessivo do direito napoleônico,
representa bem a superposição de duas esferas estranhas e
algo antitéticas: a pública e a privada. Hoje, a maior
corrente sobre a natureza jurídica do Direito do Trabalho é
formada pelos que afirmam constituir-se ele de regras
mistas, dando-lhes unidade conceitual ou não.
Afigura-se-nos que já não se pode negar a
unicidade conceitual do Direito do Trabalho. Sua autonomia
científica, os postulados doutrinários que o informam e os
seus objetivos, universalmente proclamados, aí estão para
evidenciar que ele não se constitui de repartições
estanques, cujas regras devem ser aplicadas segundo os
critérios doutrinários distintos que resultam do seu
enquadramento no Direito Público ou no Direito Privado.
A concepção unitária do Direito do Trabalho
nasceu dos estudos a respeito elaborados por eméritos
juristas alemães, dentre os quais cumpre sublinhar os de
SINZHEIMER e RADBRUCH. Em pouco tempo, porém, a essa teoria
aderiram renomados estudiosos do assunto.
Para SINZHEIMER, ao trabalho não corresponde
apenas uma relação individual, mas também uma relação
social. Por isto, o Direito do Trabalho deve abranger,
unitariamente, todas as normas individuais sociais (sociais
puras e sociais mistas), pois somente nesta concepção
unitária pode ser conhecida a ordem jurídica real do
trabalho. Se se aplicasse ao Direito do Trabalho a simples
divisão usual do Direito em público e privado, separar-se-ia
aquilo que vive em união interna (...) O pensamento social
do Direito do Trabalho reflete-se não somente no chamado
direito público, como também no direito privado, quando
contenham normas jurídicas imperativas. Daí afirmar PEREZ
BOTIJA que “a natureza do Direito do Trabalho é um conúbio

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fls. 71

indissolúvel de instituições de direito público e direito


privado”.
Filiaram-se a essa corrente, com algumas
nuanças, expoentes do porte de KASKEL, DERSCH, HUECK,
NIPPERDEY e KROTOSCHIN, de origem germânica; PAUL DURAND,
JAUSSAUD, ROAST e LYON-CAEN, da França; DEVEALI e SANTORO-
PASSARELLI, nascidos na Itália; EVARISTO DE MORAES FILHO,
JOAQUIM PIMENTA, DORVAL LACERDA, SEGADAS VIANNA, ELSON
GOTTSCHALK e ANTONIO LAIVIARCA. O autor deste livro sustenta
essa tese desde 1943.

IV — Classificação das normas do sistema


brasileiro

A coexistência de preceitos de direito


público e de direito privado — com a inquestionável
prevalência dos primeiros — não desfigura, portanto, a
concepção unitária do Direito do Trabalho. E que, embora
possuindo regras de natureza jurídica diversa, devem elas
ser interpretadas e aplicadas em consonância com as
diretrizes oriundas do sistema jurídico pertinente na sua
síntese doutrinária e os objetivos que visa a atender. Mesmo
porque cumpre não esquecermos que na aplicação das regras de
índole privada e na das de caráter público surgirão sempre,
intervinculados, interesses individuais (dos contratantes) e
sociais (da coletividade, do Estado).
Feita essa advertência preliminar e tendo em
vista apenas o sistema legal brasileiro, inclinamo-nos a
classificar:
I — Como de direito privado, as normas
alusivas ao contrato individual do trabalho, que
correspondem a preceitos de índole dispositiva (propriamente
dita ou interpretativa) e imperativa.
No atinente ao contrato de trabalho, a
imperatividade de algumas das normas que o regem constitui,
para usarmos de palavra de SINZHEIMER, o reflexo do
pensamento social do Direito do Trabalho. Mas, como salienta
KROTOSCHIN’0, suas regras são de coordenação.
II — Como de direito público

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fls. 72

a) as normas gerais e especiais concernentes


à proteção ao trabalhador, com as quais o Estado coloca os
indivíduos e grupos, sobre quem elas incidem, subordinados à
própria vontade, estabelecendo limites mínimos de proteção,
em que prevalece, intensamente, o interesse coletivo que
encarna. Tais normas são de caráter imperativo e de ordem
pública, sendo que a inobservância ou violação das mesmas
ensejam a aplicação de multas recolhidas em favor do próprio
Estado — sintoma que bem caracteriza a intensidade de
interesse do Estado, sua presença na aplicação dos preceitos
que impôs e a relação de subordinação a que já aludimos.
Ponderemos que o fato de ter a Constituição brasileira de
1988 possibilitado a flexibilização, mediante tutela
sindical, de alguns direitos referentes a salário e duração
do trabalho, não modifica a natureza jurídica dos mesmos.
b) as normas atinentes à inspeção do
trabalho, que impõem aos órgãos do Ministério do Trabalho a
tarefa de fiscalizar a observância das regras de natureza
pública do Direito do Trabalho, aplicar penalidade aos seus
infratores e decidir os recursos interpostos pelos
interessados;
c) as normas relativas à Organização
Judiciária do Trabalho, aos conflitos do trabalho e ao
processo para a solução destes, eis que a Justiça do
Trabalho integra o Poder Judiciário e as regras relativas
aos dissídios e processos do trabalho regulam atividades
públicas.
No direito coletivo do trabalho — organização
sindical, negociação coletiva e greve — mesclam-se hoje, em
nosso país, normas de direito público e de direito privado.
Sobre o tema, a Constituição de 1988 adotou,
simultaneamente, diretrizes inconciliáveis: consagrou a
autonomia sindical, mas impôs a formação dos sindicatos
exclusivamente por categoria, segundo o princípio da
unicidade de representação e em base territorial não
inferior a Município (art. 80, II). Por seu turno, deu ao
sindicato esdrúxulo poder de impor contribuições aos
integrantes da respectiva categoria, sem prejuízo de mantê-
los como destinatários da contribuição compulsória
instituída e regulada por lei (art. cit., IV). Também no

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terreno da greve, figuram disposições de direito público,


visto que a Carta Magna determina restrições ao seu
exercício nos serviços e atividades essenciais e manda
apenar os responsáveis pelos abusos cometidos (art. 9º, §§
1º e 2º).
Por conseguinte, o campo da autonomia da
vontade coletiva, ardorosamente defendida pelo jurista
italiano GINO GIUGNI e pelo saudoso mestre ORLANDO GOMES,
ainda é bastante limitado no direito brasileiro.

Capítulo V
PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

Princípios são enunciados genéricos que devem


iluminar tanto a elaboração das leis, a criação de normas
jurídicas autônomas e a estipulação de cláusulas
contratuais, como a interpretação e aplicação do direito.
Segundo ORLANDO GOMES, constituem eles regras gerais,
induzidas dos sistemas jurídicos pela ciência e pela
filosofia do Direito, tendo cunho de universalidade. Alguns
princípios concernem à organização social e política;
outros, de aplicação geral, correspondem a tradicionais
provérbios jurídicos (adágios, máximas ou parêmias);
finalmente há os que, relativos a determinados sistemas
jurídicos, caracterizam a autonomia científica dos
respectivos ramos do Direito.
A lei ordinária, em nosso país, se refere aos
princípios apenas como fonte subsidiária, visando a sanar
omissões.
Entretanto, a doutrina, que os revela, e a
jurisprudência, que os aplica, reconhecem que sua influência
é mais ampla, porquanto os ordenamentos jurídicos devem ser
construídos e interpretados em sintonia com os princípios
que lhes são pertinentes. Aliás, a Constituição brasileira
de 1988 preceitua, no seu art.5º:

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“§ 2º — Os direitos e garantias expressos nesta Constituição


não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados (...)“.

Essa Carta Magna, nos seus arts. 1º e 5º, deu


hierarquia constitucional a relevantes princípios, sejam de
caráter geral, sejam de Direito Civil e de Direito Penal; e,
em outros tópicos, relacionou princípios de Direito
Internacional (art. 4º), da atividade econômica (art. 170) e
de seguridade social (art. 194). Contudo, não revelou
expressamente os princípios informadores do Direito do
Trabalho. É verdade que, ao sublinhar os fundamentos da
República Federativa do Brasil, mencionou:

“III — a dignidade da pessoa humana;


IV — os valores sociais do trabalho ...“

Por seu turno, ao relacionar os princípios


gerais da atividade econômica, seguiu a orientação do
estatuto básico anterior, aludindo, no seu art. 170, à:

“valorização do trabalho humano” (caput);


“justiça social” (caput);
“função social da propriedade” (n0 II);
“busca do pleno emprego” (n0 VIII).

Além dessas diretrizes, que guardam íntima


relação com o Direito do Trabalho, princípios específicos
desse ramo podem ser aferidos, pelo processo de indução, do
conjunto de normas adotadas pela Constituição a respeito dos
direitos individuais e coletivos do trabalho e, bem assim,
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de algumas leis
trabalhistas complementares.
Os princípios gerais do direito comum —
cumpre ressaltar — são aplicáveis ao Direito do Trabalho
somente na medida em que sejam compatíveis com as
finalidades e os princípios fundamentais desse setor do
mundo jurídico. E que, conforme precisou DEVEALI, o Direito
do Trabalho, por ser especial, distingue-se do direito
comum, sobretudo porque, enquanto este supõe a igualdade das

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fls. 75

partes, ele pressupõe uma desigualdade que visa a corrigir


com desigualdades de natureza jurídica.
Por via de conseqüência, o princípio
protetor, ou da proteção do trabalhador, erige-se como o
mais importante e fundamental para a construção,
interpretação e aplicação do Direito do Trabalho. A proteção
social aos trabalhadores constitui a raiz sociológica do
Direito do Trabalho e é imanente a todo o seu sistema
jurídico. Na observação de KASKEL, as normas jurídicas
públicas e as privadas coexistem nesse ramo do Direito, uma
ao lado das outras, não em forma mutuamente excludente,
senão reforçando-se reciprocamente; ambas baseadas no
princípio protetor do direito social como ponto de partida e
como elemento diretor para o desenvolvimento e a interpre-
tação”. Também PLÁ RODRIGUEZ, autor da mais completa
monografia sobre o tema, elege o princípio protetor como o
de maior relevo no quadro do Direito do Trabalho, desdobran-
do-o em outros princípios, que constituem ramificações do
mesmo tronco.
O princípio protetor do trabalhador resulta
das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que
caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de
trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade.
Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho
— uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada
pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem
complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal. Daí
decorre o princípio da irrenunciabilidade (indisponibilidade
ou inderrogabilidade), consagrado no Brasil pelo art. 9º da
CLT, que é intenso na formação e no curso da relação de
emprego, e que se não confunde com a transação, quando há
res dubia ou res litigiosa no momento ou após a cessação do
contrato de trabalho. A partir dos anos 80, entretanto, como
vimos na Primeira Parte deste livro (Cap. II, Seção X),
muitos países flexibilizaram a aplicação das normas legais
trabalhistas e abriram fendas no princípio da
irrenunciabilidade. Na maior parte das vezes, como no
Brasil, além da adoção de disposições legais flexíveis,
permite a alteração de condições de trabalho, restrita a

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fls. 76

determinadas hipóteses, quase sempre mediante participação


dos sindicatos representativos dos trabalhadores.
O princípio protetor tem raízes históricas,
pois a legislação do trabalho nasceu intervencionista, como
reação aos postulados da Revolução Francesa (1789), que
asseguravam a completa autonomia da vontade nas relações
contratuais, permitindo a exploração do trabalhador, numa
fase histórica em que a Revolução Industrial propiciava o
fortalecimento da empresa. Como bem acentuou RIPERT, a
experiência demonstrou que “a liberdade não basta para
assegurar a igualdade, pois os mais fortes depressa tornam-
se opressores”.
Hoje, a maior ou menor intervenção do Estado
nas relações de trabalho depende não apenas do sistema
econômico adotado pelo respectivo regime jurídico-político,
mas também da possibilidade real de os sindicatos, por meio
dos instrumentos da negociação coletiva, conseguirem a
estipulação de condições adequadas de trabalho ou a
complementação da base mínima fixada por lei. Poder-se-ia
afirmar que, nos países de economia de mercado, o
intervencionismo estatal nas relações de trabalho reduz-se
na razão inversa do fortalecimento da organização sindical.
Os fundamentos jurídico-político e
sociológico desse princípio-mater geram outros, que dele são
filhos legítimos:

a) o princípio in dubio pro operario, que aconselha o


intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a
mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida ma-
nifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória;
b) o princípio da norma mais favorável, em virtude do qual,
independentemente da sua colocação na escala hierárquica das
normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, à que for mais favorável
ao trabalhador;
c) o princípio da condição mais benéfica, que determina a
prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador,
ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento de
empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa
prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam
elas incompatíveis;

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fls. 77

d) o princípio da primazia da realidade, em razão do qual a


relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação
jurídica estipulada pelos contratantes, ainda que sob capa simulada,
não correspondente à realidade;
e) o princípio da inalterabilidade do contrato em prejuízo do
trabalhador, que reflete o pacto sunt servanda (art. 468 da CLT),
excepcionalmente atenuado pela teoria da flexibilização sob tutela
sindical ou revisão judicial;
f) os princípios da integralidade e da intangibilidade, que
visam a proteger o salário de descontos abusivos, preservar sua
impenhorabilidade e assegurar-lhe posição privilegiada em caso de
insolvência do empregador.

Já nos referimos aos princípios gerais e


fundamentais expressamente adotados pela Constituição de
1988, de aplicação ao Direito do Trabalho. Mas, além desses,
outros, peculiares e essa disciplina, decorrem do estatuído
pela Carta Magna a respeito dos direitos individuais e
coletivos do trabalho:

a) o princípio da não-discriminação, que proíbe diferença de


critério de admissão, de exercício de funções e salário por motivo
de sexo, idade, cor ou estado civil (art.7º, XXX), ou de critério de
admissão e de salário em razão de deficiência física (art. 7º, XXXI)
e, bem assim, que se distinga, na aplicação das normas gerais, entre
os respectivos profissionais (art. 7º XXXII). Este princípio,
consagrado pelo Direito Internacional, deve, entretanto, ser
aplicado tendo em conta que não fere a isonomia tratar-se
desigualmente situações desiguais;
b) o princípio da continuidade da relação emprego, o qual,
embora não seja inflexível, posto que a Constituição de 1988 não
consagrou a estabilidade absoluta do trabalhador no emprego,
emana, inquestionavelmente, das normas sobre a indenização
devida nas despedidas arbitrárias, independentemente do
levantamento do FGTS (art. 7º, I) e do aviso prévio para a denúncia
do contrato de trabalho proporcional à antigüidade do empregado
(art. 7º, XXI).

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fls. 78

Se esses dois princípios são induzidos das


precitadas normas constitucionais, certo é que a Lei Maior
alude explicitamente
à liberdade de trabalho (art. 5º, XIII) e à
liberdade sindical (art. 8º, caput), considerados pela
doutrina princípios fundamentais das relações individuais e
coletivas de trabalho. Pena que o art. 8º citado, depois de
enunciar que “É livre a associação profissional ou
sindical”, tenha imposto a unicidade de representação
sindical por categoria profissional ou econômica (art. cit.,
II) e estabelecido a tributação compulsória dos integrantes
das correspondentes categorias (art. cit., IV), que afrontam
o conceito de liberdade sindical consagrado pelo direito
comparado, inclusive a OIT.
Do sistema legal brasileiro atinente às
relações individuais e coletivas de trabalho podem ainda ser
aferidos outros princípios, como o da prevalência do
interesse público ou coletivo sobre o de classe ou
individual, o da razoabilidade e boa-fé, o da equivalência
entre a justa remuneração do trabalhador e a justa
retribuição das empresas, o da assunção do risco da
atividade para caracterizar a condição de empregador etc.

Capítulo VI

FONTES DO DIREITO DO TRABALHO

I — Considerações gerais

Este capítulo trata das fontes formais, isto


é, das que geram direitos e obrigações nas relações sobre as
quais incidem. Como regra, elas são motivadas ou inspiradas
pelas fontes materiais de direito, que concernem a fatos
histórico-sociais, declarações formais e recomendações de
organismos internacionais e tratados não ratificados.

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fls. 79

A ordem jurídica, porque deve ser um


ordenamento coerente, impõe a hierarquização das fontes
formais de direito. E a eficácia de uma norma no quadro do
Direito está condicionada à sua sintonia com preceito ou
sistema de maior hierarquia, até o nível mais elevado dessa
escala, que é a Constituição do país2.
No campo do Direito do Trabalho os
instrumentos da negociação coletiva, que são fontes formais
de produção autônoma, têm importante atuação, evidenciando o
pluralismo na formação da ordem jurídica. Na lição de
RIVERO-SAVATIER, o Direito do Trabalho apresenta uma grande
originalidade no que se refere às fontes formais: as
técnicas de criação da regra de direito de que se vale são
numerosas e bem diversas, sendo que algumas lhe são
peculiares.

II — Constituição

A fonte formal de maior hierarquia é,


portanto, a Carta Magna, a partir da qual, por determinação,
autorização ou compatibilidade, as demais, heterônomas ou
autônomas, entram validamente no mundo jurídico.
A Constituição brasileira de 5 de outubro de
1988 tem considerável importância como fonte de Direito do
Trabalho, posto que é exageradamente detalhista na revelação
dos direitos do trabalhador, inseridos no seu Título II, que
concerne aos direitos e garantias fundamentais. No art. 5º,
§ 1º, ela esclarece que as normas alusivas a tais direitos e
garantias “têm aplicação imediata”. Trata-se, porém, de
afirmação fantasiosa, porque, se no elenco dos direitos do
trabalhador (arts. 7º a 11) há normas de eficácia plena e
imediata, outras há de eficácia contida e até meramente
pragmáticas. Aliás, alguns desses dispositivos usam as
expressões “na forma da lei” ou “nos termos da lei”,
evidenciando, assim, que o preceituado não é de aplicação
imediata.

III — Normas internacionais

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fls. 80

No direito comparado tem grande ressonância o


entendimento de que os tratados internacionais ratificados
colocam-se, na hierarquia das fontes formais, logo abaixo da
Constituição e acima das leis nacionais. Nos países que
adotam o monismo jurídico (integração da norma internacional
no direito positivo interno em decorrência da ratificação do
respectivo instrumento), essa tese tem muita aceitação.
Aliás, a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados
(1969) afirma, no seu art. 27, que

“Uma parte não poderá invocar as disposições do seu direito


interno como justificação do incumprimento de um tratado (...)”

No Brasil, essa posição de alta hierarquia do


tratado ratificado foi explicitamente adotada pelo Código
Tributário Nacional e aceita durante algum, tempo pelo
Supremo Tribunal Federal. Todavia, em 1977, a colenda Corte,
apesar de afirmar a tese do monismo jurídico, não manteve a
sua primazia, decidindo que a lei ordinária posterior à
ratificação do tratado deve ser aplicada em detrimento da
correspondente norma internacional.
No âmbito do Direito do Trabalho, as normas
internacionais têm uma importância considerável, sobretudo
porque as convenções aprovadas na 0IT cobrem quase todos os
aspectos das relações individuais e coletivas do trabalho e
de matéria conexa, como a política de emprego, a formação
profissional, a seguridade social etc. E já é significativo
o número desses tratados multilaterais normativos
ratificados pelo Brasil. Merecem ainda destaque, seja pela
procedência, seja pelo objeto, o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e a
Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a mulher (1977), adotados pela ONU, as
quais contêm diversas disposições referentes ao Direito do
Trabalho e à Previdência Social.
Além desses tratados multilaterais, abertos à
ratificação dos Estados-membros das organizações de direito
público internacional que os adotaram, inúmeros tratados
regionais e bilaterais têm por objeto regular questões

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fls. 81

atinentes ao Direito do Trabalho, à Seguridade Social, à


proteção ao trabalhador imigrante e aos conflitos de leis no
espaço. Exemplos de tratados regionais são os produzidos
pelas antigas Comunidades Européias (hoje União Européia),
que tratam amplamente de questões social-trabalhistas. Entre
os tratados bilaterais, cumpre citar os protocolos
resultantes do Tratado de Itaipu, firmados pelo Brasil e o
Paraguai.

IV — Leis

Como assinalamos na seção anterior, no


Brasil, em face do último pronunciamento da Corte Suprema a
respeito, o tratado tem a mesma hierarquia da lei na escala
das fontes formais de direito. Destarte, assim a ratificação
do tratado, quando em vigor no âmbito internacional, revoga
a legislação pretérita que lhe for contrária, a lei
posterior à ratificação torna ineficaz o instrumento
ratificado no território nacional.
A Constituição brasileira, no capítulo sobre
o Poder Legislativo, prevê vários tipos de leis (arts. 59 e
69):

a)leis complementares;
b)leis ordinárias;
c)leis delegadas;
d)medidas provisórias;
e)decretos legislativos.

No mesmo capítulo refere ainda as emendas à


Constituição, que têm hierarquia constitucional, mas não
podem abolir cláusulas pétreas, e, bem assim, às resoluções
proferidas pelo Congresso Nacional ou por uma de suas Casas,
na conformidade do estabelecido nos respectivos regimentos
ou para a suspensão da vigência de lei declarada
inconstitucional pelo STF — art. 52, X etc.). Por outro
lado, outros artigos da Carta Magna afirmam a competência do
Congresso Nacional, do Senado, da Câmara dos Deputados e dos
tribunais para adotarem os seus regimentos.

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fls. 82

A Carta Magna reserva para as leis


complementares o tratamento de determinadas questões e exige
que sejam aprovadas por maioria absoluta das duas Casas do
Congresso. Por via de conseqüência, elas não podem ser
alteradas ou revogadas por leis ordinárias, que, aprovadas
por maioria simples, se destinam a matérias para as quais a
Constituição não impõe outro procedimento legislativo.
As leis delegadas, cujo campo de atuação
sofre algumas restrições constitucionais, são elaboradas
pelo Presidente da República, mediante delegação concedida
pelo Congresso Nacional. Este, na respectiva resolução,
poderá reservar-se o direito de aprovar, ou não, o texto, em
votação única, vedada qualquer emenda (art. 68).
As medidas provisórias podem ser adotadas
pelo Presidente da República, com força de lei, “em caso de
relevância e urgência”. Mas se o Congresso Nacional não as
converter em lei no prazo de trinta dias, elas perderão sua
“eficácia desde a edição”, salvo se tiverem sido renovadas.
As relações jurídicas decorrentes da vigência tornada
inválida deverão ser reguladas pelo Congresso Nacional por
meio de decreto legislativo.
Os decretos legislativos são os instrumentos
com os quais o Congresso Nacional delibera sobre matéria de
sua exclusiva competência (p. ex., aprovação de tratados,
decretação de intervenção federal etc.). Têm hierarquia de
lei, embora não estejam sujeitos a sanção ou veto do
Presidente da República.

V — Regulamentos e portarias

Os regulamentos aprovados por decreto, assim


como os decretos de caráter nitidamente regulamentar, visam
a propiciar a adequada execução das leis que os legitimam.
Daí ser-lhes vedada a criação de obrigações
que não resultem, explicita ou implicitamente, das
correspondentes leis. Demais disto, a regulamentação há de
harmonizar-se com o sistema e os princípios emanados da lei
regulamentada. O decreto pode, no entanto, configurar um
regulamento autônomo, quando tem por objeto a organização

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fls. 83

administrativa do Estado ou as atribuições dos órgãos do


Poder Executivo.
A Constituição brasileira confere
privativamente ao Presidente da República competência para
expedir decretos e regulamentos visando à fiel execução das
leis (art. 84, III). Por sua vez, declara competir aos
Ministros de Estado expedir instruções para a execução das
leis, decretos e regulamentos (art. 87, parágrafo único,
II). Essas instruções, como lembra DÉLIO MARANHÃO, em regra
“não constituem fontes de direito: obrigam, apenas, os
funcionários nos limites da obediência hierárquica.
Acontece, porém, que, quando um regulamento, baixado para a
fiel execução de uma lei, determina, por sua vez, que o
Ministro de Estado expeça portaria que o complemente, esta
será fonte de direito, por integrar o próprio regulamento do
qual tira sua força normativa”. Acrescente-se que a
determinação ao Ministro de Estado pode provir diretamente
da lei. E o que ocorre com a legislação brasileira de
proteção ao trabalho, especialmente no campo da segurança e
medicina do trabalho, cujo comando legal procura evitar
imposições excessivamente casuísticas, atribuindo ao
Ministério do Trabalho competência para regulamentar a
aplicação das normas de caráter geral, tendo em vista a
natureza da atividade, o local de prestação dos serviços e
as constantes inovações científicas e tecnológicas.

VI — Sentenças normativas

Os conflitos coletivos de trabalho, como


qualquer outro litígio entre pessoas ou grupos sociais, não
devem perpetuar-se. Para sua solução, o direito comparado
aponta alguns procedimentos que terminam na arbitragem
facultativa, tal como prefere a OIT (recomendação n0 92/51).
Essa fórmula, entretanto, pressupõe sindicatos fortes e
atuantes, com expressiva representatividade dos
trabalhadores em todo o território nacional. E não é o que
se verifica na maioria dos países em vias de desenvolvimento
ou desigualmente desenvolvidos, como o Brasil. Daí a
imposição da arbitragem compulsória em muitos países do

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fls. 84

Terceiro Mundo, da qual o poder normativo de tribunais do


trabalho é um corotário.
A arbitragem compulsória integra, portanto, o
modelo de intervenção do Estado nas relações de trabalho,
sendo atribuída a órgãos administrativos” ou a tribunais do
trabalho. Estes, todavia, nem sempre compõem o Poder
Judiciário.
A sentença normativa equipara-se, na verdade,
ao laudo arbitral proferido por órgão ou tribunal de caráter
administrativo competente para a arbitragem de conflitos
coletivos de trabalho de natureza econômica ou de interesse.
Ela constitui direito novo, pela criação ou revisão de
normas ou condições de trabalho, aplicáveis, abstratamente,
aos que pertencem ou venham a pertencer aos grupos
envolvidos. Trata-se, portanto, de produção jurídica de
origem estatal, que se caracteriza como importante fonte
formal do Direito do Trabalho no Brasil.
Em nosso país, a Constituição vigente, tal
como as de 1946 e 1967, manteve a integração da Justiça do
Trabalho no Poder Judiciário, conferindo-lhe esse poder
normativo para a solução dos dissídios coletivos de
trabalho. Consoante preceitua o § 2º do seu art. 114,
frustrada a negociação coletiva, se as partes envolvidas no
conflito não o submeterem, por consenso, a arbitragem, será
facultado a qualquer delas ou, se for o caso, ao Ministério
Público,
“ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça
do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as
disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao
trabalho”.

VII — Convenções coletivas de trabalho

Entre as fontes formais de produção autônoma,


destacam-se, no Direito do Trabalho, os instrumentos da
negociação coletiva. Mais conhecidos como “convenções
coletivas de trabalho”, em alguns países são denominadas
“contratos coletivos de trabalho”. No Brasil, a Constituição
referiu “convenções e acordos coletivos de trabalho” (art.
7º, XXVI), consagrando a distinção introduzida na CLT pelo

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fls. 85

Decreto-lei n0 229, de 1967: as convenções aplicam-se às


categorias econômicas e profissionais representadas pelas
entidades sindicais que as celebraram; os acordo concernem
às empresas que os firmarem com os sindicatos
representativos dos respectivos empregados.
Em capítulo próprio, trataremos mais
detalhadamente desses instrumentos normativos de ampla
utilização e inquestionável relevo na autocomposição dos
interesses que afetam os atores das relações de trabalho.
Contudo, convém ponderar, neste ensejo, que o art. 619 da
CLT explicita a tese da Recomendação da OIT n0 91, de 1951,
afirmando a nulidade de pleno direito de qualquer disposição
do contrato individual de trabalho que contrarie norma de
convenção ou de acordo coletivo aplicável. O bom senso e a
lógica jurídica impedirão, contudo, que se somem vantagens
estipuladas na convenção e no acordo sobre um determinado
tema, quando tratado em mais de uma cláusula. O conjunto das
medidas relativas ao tema, em cada instrumento, é que deve
ser considerado para a aplicação da mais favorável (art. 620
da CLT).
Com a vigência do Estatuto Político de 1988,
as convenções e os acordos coletivos de trabalho cresceram
de importância na auto-regulamentação das relações de
trabalho, porque lhes foi permitido flexibilizar a
incidência de certas normas constitucionais.

VIII — Regulamento de empresa

Como veremos no Título IV, Capítulo I, Seção


VII, a divergência- sobre a natureza jurídica do regulamento
de empresa resulta, em grande parte, da circunstância de não
haver uniformidade a respeito dos procedimentos e poderes
para sua aprovação.
Entre nós prevalece o entendimento de que, no
seu todo, o regulamento não é fonte de direito. As
disposições alusivas ao objeto do contrato de trabalho
configuram um contrato-tipo que requer a adesão expressa ou
tácita do trabalhador para incidir sobre sua relação de
emprego. Não são, portanto, fontes de direito. Já as regras

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fls. 86

concernentes à organização e ao funcionamento da empresa,


expedidas pelo empregador com esteio no poder de comando que
lhe é atribuído por assumir os riscos do empreendimento,
constituem fonte de direito; são comandos concretos
destituídos de feição contratual.

IX — Costume e fontes subsidiárias

A Lei de Introdução ao Código Civil


brasileiro, tratando das fontes subsidiárias de direito
estatui:
“Art. 4º — Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito.”

No mesmo sentido, dispõe o art. 126 do nosso


Código de Processo Civil.
Já a Consolidação das Leis do Trabalho, em
preceito que hoje critico por sua desnecessidade e
equivocada extensão, prescreve:

“Art. 8º — As autoridades administrativas e a Justiça do


Trabalho, na falta de disposições legais e contratuais, decidirão,
conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e
outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do
direito do trabalho, ou ainda, de acordo com os usos e costumes, o
direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse
de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público

O costume, reconhecido pelo direito como


expressiva fonte de formação autônoma, tem lugar de relevo
nas relações de trabalho. Ele caracteriza-se pelo
comportamento do grupo social a respeito de determinadas
situações, por tempo capaz de ingressar no mundo jurídico. E
não se limita a exercer o papel que a legislação aqui citada
atribui a outras fontes subsidiárias.
O direito consuetudinário pode ser invocado:

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fls. 87

a) como regra jurídica reguladora de


situações não contempladas por outras fontes formais de
direito;
b) para complementar disposições legais
convencionais e contratuais, quando compatível com a mesma;
c) como fonte material de lei, convenção
coletiva, sentença normativa, laudo arbitral ou regulamento
de empresa, na disciplinação de condições de trabalho.

Registre-se, a propósito, que os contratos


coletivos de trabalho e os regulamentos de empresa surgiram
espontaneamente e, mesmo antes de reconhecidos pelos
sistemas legais de quase todos os países, eram observados
como direito consuetudinário. Hoje, como ponderam DURANT e
JAUSSAUD, se verifica certo declínio na inovação dos
costumes nascidos na prática das atividades profissionais,
porque suas manifestações vêm sendo formalizadas por leis,
convenções coletivas e regulamentos de empresa.
O costume, como fonte de direito, não se
confunde com os usos de negócio. Estes, conforme elucidou
DÉLIO MARANHÃO, baseado em COVIELLO, correspondem à maneira
pela qual “determinados negócios são habitualmente cumpridos
e executados pelos contratantes. Servem, portanto, de meio
de interpretação da vontade das partes, enquanto o costume,
como lei, supre essa vontade”.
A analogia consiste em aplicar à hipótese não
prevista na lei (mutatis mutandis, no ato regulamentar,
convenção coletiva etc.) a norma nela prevista para reger
caso semelhante (analogia legis) ou a regra pertinente
deduzida do sistema jurídico (analogia juris). A primeira,
obviamente, exclui o apelo à segunda.
Os princípios gerais do direito,
especialmente, os do Direito do Trabalho, foram examinados
no capítulo anterior (Capítulo IX), ao qual nos reportamos.
O art. 8º da CLT alude à jurisprudência, à
eqüidade e ao direito comparado.
A jurisprudência, segundo a doutrina
prevalente, não é fonte formal de direito. Tem força
persuasiva, orienta os intérpretes e os sistemas jurídicos,
motivando, não raro, a adoção de normas sobre hipóteses

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julgadas pelos tribunais de maneira uniforme e interativa


(fonte material); mas não obriga nem os magistrados, nem os
jurisdicionados. Mesmo as súmulas de jurisprudência,
formalmente adotadas pelos tribunais, não criam essa
obrigação. Sua finalidade consiste em propiciar que certas
hipóteses sejam decididas de maneira indicada, reduzir o
tempo de tramitação dos processos e evitar recursos
protelatórios.
A eqüidade também não é fonte formal de
direito. Ela concerne à interpretação e à aplicação da norma
jurídica. Mesmo quando inspira, no julgamento de dissídios
coletivos, a adoção de certas cláusulas benéficas do
trabalhador, a fonte formal é a segurança normativa, não a
eqüidade.
Decidir com eqüidade significa determinar a
solução que o juiz considera a mais justa para o caso
concreto, na medida em que a norma aplicável o permita. Para
repetirmos ARISTOTELES, na sua Ética, “o eqüitativo é como
que um aperfeiçoamento do justo legal”.
O direito comparado, igualmente referido no
art. 80 da CLT, também não é fonte formal de direito. Ele
interessa sobretudo à doutrina, ao revelar os princípios e
normas atinentes aos sistemas jurídicos dos diferentes
países.

X — Hierarquia das fontes formais de direito

A ordem jurídica deve configurar um sistema


lógico e coerente, de forma que a validade de uma norma
resulte da sua compatibilidade com a que lhe for
hierarquicamente superior. O vértice da pirâmide — para
usarmos a conhecida imagem de KELSEN — é a Constituição, a
partir da qual as demais normas jurídicas vão se desdobrando
em escalas decrescentes de valores. Essa hierarquização, no
Direito do Trabalho, alcança as normas de formação autônoma,
inclusive as profissionais, eis que elas não podem afrontar
o princípio da legalidade. Assim, por exemplo, o direito
advindo da negociação coletiva “não pode formar um mundo
distinto do estatal, sob pena de introduzir um gérmen de
anarquia na vida jurídica”.

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fls. 89

Logo abaixo da Carta Magna estão as leis e,


no Brasil, os tratados ratificados. Os atos administrativos,
mencionados na Seção V deste capítulo, devem sintonizar-se
com as leis a que visam regulamentar.
As sentenças normativas e os laudos arbitrais
situam-se, para alguns, acima das convenções e acordos
coletivos de trabalho das respectivas categorias ou
empresas, enquanto sobre estas incidirem; para outros, no
mesmo nível. O costume, como já assinalamos, deve ser
invocado para completar a norma escrita ou para preencher o
vazio do ordenamento aplicável. Finalmente, o regulamento de
empresa, no que tange às regras derivadas do poder de
comando do empresário, completa o quadro das normas
aplicáveis às relações de trabalho.
É comum afirmar-se que, no campo do Direito
do Trabalho, se verifica a inversão da hierarquia das normas
jurídicas, a fim de beneficiar o trabalhador. Afigura-se-
nos, porém, que a questão deve ser equacionada de forma
diversa: aplica-se a disposição mais favorável ao
trabalhador, desde que compatível com o respectivo sistema e
com as normas hierarquicamente superiores, porque estas
estabelecem limites imperativos, acima dos quais será lícito
melhorar o nível de proteção. E o que ocorre, comumente, com
os instrumentos da autonomia privada coletiva (convenções e
acordos coletivos) e da autonomia da vontade nos contratos
individuais de trabalho (inclusive adesão do empregado ao
regulamento de empresa); e, bem assim, com as sentenças
normativas dos tribunais do trabalho, que devem “respeitar
as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao
trabalho (art. 114, § 2º, da Constituição).
Destarte, o fato de aplicar-se a norma ou a
cláusula contratual mais favorável ao trabalhador não
significa inversão da escala hierárquica da ordem jurídica.
O tratado internacional não despenca nessa escala por
aplicar-se, à hipótese por ele regida, cláusula de convenção
coletiva que, sobre a questão, disponha de maneira mais
favorável ao trabalhador. Aliás, a Constituição da
Organização Internacional do Trabalho é explícita a
respeito.

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Capítulo VII

INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO

DA NORMA TRABALHISTA

I — Métodos de interpretação
Caracteriza-se a lei, como as demais fontes
formais de Direito, por sua normatividade abstrata. Daí por
que, para ser aplicada a um caso concreto, deve ser
interpretada, ainda que o seu texto afigure-se claro. O
brocado in claris interpretatio cessat não é valorizada
pelos hermeneutas, até porque, como ensinou DÉLIO MARANHÃO
ao descrever o método histórico-evolutivo de interpretação,
a norma jurídica “vive uma vida própria, tem força
expansiva, pelo que é possível ao intérprete atribuir-lhe
sentido novo, de acordo com as exigências do momento em que
é aplicada, diverso do que lhe fora emprestado ao tempo de
sua formação”. A finalidade da lei desprende-se da intenção
do legislador, para adquirir sentido próprio. O método
teleológico visa, portanto, a revelar a finalidade da lei,
tendo em vista as condições sociopolíticoeconômicas na
conjuntura em que a norma jurídica será aplicada.
O método sistemático é comumente invocado, a
fim de que a exegese do dispositivo em foco melhor se revele
no confronto com as normas de mesmo sistema legal e até com
o conjunto da ordem jurídica vigente, que deve compreender
os princípios constitucionais e os diplomas internacionais
alusivos aos fundamentos jurídicos da civilização
contemporânea, como a Declaração Universal dos Direitos do
Homem.
A escola do direito livre, assim como a do
direito alternativo, que objetivam propiciar ao juiz a
faculdade de atender ao sentimento de justiça preponderante
na sociedade ou a concretização de princípios e normas
constitucionais não efetivados por afrontar, como ponderam
ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK, a divisão de poderes que
configura o Estado democrático de direito.
Na verdade, a adequada interpretação da norma
jurídica impõe a iteração e harmonia de diversos métodos,

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com predominância do teleológico, que permita ao intérprete


perquirir a ratio legis, tendo em vista os fins sociais que
deve atender no momento da sua aplicação.

II — Normas gerais, especiais e


excepcionais

Relevante é distinguir, entre as normas


atinentes a determinado ramo da ciência jurídica, as de
caráter geral, especial e excepcional. Consoante o estatuído
no art. 2º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, umas
não revogam as outras, vigendo simultaneamente. Mas a norma
especial e a excepcional só incidem sobre a matéria, casos e
tempos que expressamente indicam.
No dizer de CARLOS MAXIMILIANO, o jus
singulare “atende a particulares condições morais,
econômicas, políticas ou sociais, que se refletem na ordem
jurídica, e por esse motivo subtrai determinadas classes de
materiais, ou de pessoas, às regras do Direito Comum,
substituídas de propósito por disposições de alcance
limitado, aplicáveis às relações especiais para que foram
prescritas. Já o direito excepcional pode figurar tanto
entre as disposições de destinação geral de determinado ramo
do Direito (p. ex., as normas gerais de tutela do trabalho
constantes do Título II da CLT), como nas regulamentações
relativas a determinadas atividades profissionais, ao
trabalho do menor e da mulher e à nacionalização do trabalho
(Título III da CLT).

III — O art. 5º da LICCB e o art. 80 da CLT

A Lei de Introdução ao Código Civil


brasileiro, de aplicação geral, dispõe:

“Art. 5º — Na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais


a que ela se destina e às exigências do bem comum”.

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Esse sábio preceito, que valoriza o método


teleológico ou finalístico, é completado, no tocante às
relações de trabalho, pelo estatuído no art. 8º da
Consolidação das Leis do Trabalho:

“As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na


falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o
caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros
princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do
trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito
comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe
ou particular prevaleça sobre o interesse público.”

No campo das relações de trabalho, portanto,


a conexão entre os vários métodos de interpretação deve ser
feita visando a revelar os fins sociais da norma em foco e
as exigências do bem comum, de forma que nenhum interesse
particular ou de classe prevaleça sobre o interesse público.
Na excelente monografia que escreveu sobre o
tema, ALÍPIO SILVEIRA divide os fins sociais em duas
categorias: imediatos e mediatos. “Os primeiros resultam da
própria natureza ou objeto da lei que se vai aplicar; os
segundos confundem-se com a idéia de justiça e utilidade
social. As exigências do bem comum identificam-se com os
objetivos da justiça social”. E invoca o pronunciamento de
JOSEPH DELOS, para quem a conceituação do bem comum “implica
um julgamento moral sobre o homem, a sociedade e o valor da
sociedade para o homem (...) Seu papel é prolongar, sobre o
plano moral, as noções de idéia e de fim, de enraizá-las, se
assim se pode dizer, na moral social e, desta forma,
vivificá-las e humanizá-las”.
Cumpre referir, neste passo, as oportunas
considerações do saudoso Ministro OROZIMBO NONATO, co-autor
da precitada Lei de Introdução, sobre o seu art. 5º: “Vê-se,
no dispositivo, traço de método teleológico de IHERING,
inculcando o legislador ao Juiz a necessidade de, na
adaptação da norma ao fato, atender as imposições do fim e
da realidade do direito. E a invocação do bem comum é
indicativo de tendências frenadoras dos abusos do
individualismo, ao qual se opõem os imperativos da

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fls. 93

democracia social. De resto, trata-se de elemento que já


SANTO TOMÁS DE AQUINO incluiu na sua definição de lei”.
Para a interpretação da norma jurídica
trabalhista na conformidade das diretrizes emanadas do
precitado art. 5º e do art. 8º da CLT, já transcritos, deve
o juiz considerar os princípios aplicáveis ao Direito do
Trabalho, principalmente os consagrados, explícita ou
implicitamente, pela Constituição. Dentre estes, sobressaem
dois princípios que fundamentam a República Federativa do
Brasil: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho (art. 1º, incisos III e IV) — princípios que, nos
termos do art. 5º, § 2º, da Carta Magna, completam os
direitos e garantias fundamentais relacionados no seu texto.
Como bem sublinhou ANDRÉ FRANCO MONTORO, no
preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa
Humana, “há uma lei maior de natureza ética, cuja
observância independe do direito positivo de cada Estado. O
fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa
humana. Ela é a fonte das fontes do direito. O respeito à
dignidade do ser humano insere-se na categoria dos direitos
que PONTES DE MIRANDA denomina de supra-estatais e que a
Igreja Católica inclui no elenco dos direitos naturais, cuja
observância não deve depender da vigência de tratados
internacionais ou leis nacionais.
No capítulo V deste Título, ao qual nos
reportamos, relacionamos os princípios específicos do
Direito do Trabalho, que devem, a nosso ver, ser
considerados na interpretação e aplicação das normas
jurídicas de índole trabalhista. Ponderemos, nesta
oportunidade, que o brocardo “na dúvida pró-trabalhador” não
pode ser entendida em termos absolutos. Desde logo, cabe
sublinhar que ele é inaplicável em matéria de prova.
Outrossim, se uma disposição legal objetiva conciliar os
interesses dos empregadores, dos trabalhadores e da
coletividade, não poderá ser interpretada de forma a romper
o equilíbrio desejado, eis que a composição desses
interesses foi, na regra estipulada, imposta por uma das
finalidades primordiais do direito do trabalho. Por isto
mesmo, para DEVEALI a referida máxima só deve ser aplicada
“quando realmente existe uma dúvida sobre o alcance da norma

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fls. 94

legal e sempre que não esteja em testilha com a vontade do


legislador”.

IV — Abuso de direito e fraude à lei

A norma criadora de um direito não deve ser


usada contra a finalidade que a ditou. Quem, sem interesse
legítimo, procura, intencionalmente, prejudicar a outrem
abusa, certamente, do direito de que é titular. E o
exercício anti-social de um direito não pode ter a sanção do
mundo jurídico contemporâneo.
Na lição deixada pelo notável jurista que foi
ORLANDO GOMES, a lei deve ser aplicada homenageando o
princípio da normalidade: “Admite-se que o exercício dos
direitos deve ser normal. O princípio de que cada qual pode
usar de seu direito como lhe convém não é mais aceito em
face do princípio da normalidade. Quem usa de seu direito de
modo anormal comete abuso de direito.”
Esse conceito corresponde à teoria
relativista do direito, que se contrapôs à filosofia
liberal-individualista determinante da concepção absoluta do
direito. Foi JOSSERAND — um dos maiores juristas deste
século — quem melhor expôs e desenvolveu essa teoria: “Os
poderes públicos conferem ao homem faculdades para a
satisfação de seus interesses, porém não de todas as classes
de interesse, senão dos legítimos (...) Numa sociedade
organizada, os direitos subjetivos são direitos fundamentais
(DUGUIT); não devem sair do plano da função a que
correspondem, pois, a contrário, seu titular os desvia do
seu destino, cometendo um abuso de direito. O ato será
normal ou abusivo segundo explique-se ou não por um motivo
legítimo, que constitui, assim, a verdadeira pedra angular
de toda a teoria do abuso dos direitos. Estamos obrigados a
pôr nossas faculdades jurídicas a serviço de um motivo
adequado a seu espírito e a sua missão, pois do contrário
não os exercitamos propriamente, abusamos deles”.
Na violação da lei, o desrespeito é objetivo,
pouco importando a intenção do infrator. Já no abuso de
direito, o seu titular o exerce sem desrespeitar
objetivamente a disposição legal, mas contrariando

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fls. 95

conscientemente a sua finalidade. Daí esclarecer o art. 188,


n0 1, do Código Civil, não constituir ato ilícito o praticado
“no exercício regular de um direito reconhecido”, o que
enseja a conclusão de que “o praticado no exercício não
regular de um direito será ilícito”.
A aferição do uso anormal, malicioso ou
abusivo do direito deve ser analisada sob um duplo aspecto:
subjetivo, que implica a verificação dos motivos
determinantes do ato (elemento pessoal e subjetivo);
objetivo, atinente à função exercida pelo ato em face do
direito aplicável (elemento social e objetivo). É o que
ressalta JOSSERAND após examinar os quatro critérios
preferidos pela jurisprudência comparada (critérios
intencional, técnico, econômico e finalista).
A fraude à lei nas relações de trabalho pode
decorrer: a) de ato unilateral do empregador, ao usar
maliciosamente de um direito, com objetivo de impedir ou
desvirtuar a aplicação de preceito jurídico de proteção ao
seu empregado; b) de ato bilateral, em virtude do qual
empregador e empregado simulam a existência de falsa relação
jurídica entre ambos, a fim de ser ocultada a natureza do
ato realmente ajustado. Nessa hipótese — da simulação — o
próprio empregado concorda em disfarçar, maliciosamente, a
verdadeira relação estipulada, seja por ignorância ou por
vício de consentimento oriundo de presumível coação.
Para o combate do abuso de direitos e à
fraude à lei, cumpre destacar, além do preceituado no já
referido art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, os
seguintes dispositivos legais:

a) o art. 9º da CLT, que declara “nulos de pleno direito os


atos praticados com o objetivo de desvincular, impedir ou fraudar a
aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação” —
regra que não pode ter o seu campo de incidência limitado aos
casos de fraude aos dispositivos consolidados, mas a toda legislação
de proteção do trabalho;
b) o art. 129 do Código Civil, em virtude do qual “reputa-se
verificada, quanto aos seus efeitos jurídicos, a condição cujo
implemento foi maliciosamente obstada pela parte a quem
desfavorecer”, considerando-se, “ao contrário, não verificada a

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fls. 96

condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem


aproveita o implemento”;
c) Em face do que dispõe a CLT, serão nulos de pleno direito:
a) os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou
fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente
Consolidação” (art. 9º); b) a alteração contratual em prejuízo direto
ou indireto ao trabalhador (art. 468), salvo nos casos expressamente
previstos em lei. Esses casos, que na legislação trabalhista
infraconstitucional eram raros, foram consideravelmente ampliados
pela Constituição de 1988, cujo art. 7º facultou às convenções
coletivas e aos acordos coletivos — deles participam
obrigatoriamente os sindicatos dos trabalhadores — estipularem
redução do salário contratual (inciso VI), compensação ou redução
da jornada de trabalho (inciso XIII) e ampliação da jornada dos
turnos ininterruptos de revezamento (inciso XIV).

A fraude, como soe acontecer, pode verificar-


se, tal como explícita o Código Civil em virtude de
simulação, que se caracteriza, dentre outros motivos, quando
o negócio jurídico contiver “declaração, confissão, condição
ou cláusula não verdadeira” (art. 167, inciso II). Nas
relações de trabalho é comum a simulação de modalidade
contratual com o objetivo de encobrir inquestionável relação
de emprego. E o vício de consentimento imposto ao
trabalhador pode advir de erro, dolo, coação, estado de
perigo ou lesão irresistível, que referiremos adiante.
Perfeito, portanto, o casamento entre essas
disposições e os mencionados arts. 9º e 468 da CLT — este
último na parte em que sua eficácia foi recepcionada pela
Carta Magna.
Pelo novo Código os negócios jurídicos são
anuláveis, prevalecendo, ao contrário do negócio nulo, até
que a nulidade seja declarada em juízo:

a) quanto às declarações de vontade emanarem de erro subs-


tancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal,
em face das circunstâncias do negócio (art. 138);
b) por dolo, quando este for a sua causa (art. 145), conside-
rando-se doloso o silêncio intencional de fato ou qualidade que, se

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fls. 97

conhecido pela outra parte, o negócio não se teria realizado (art.


147);
c) por coação capaz de viciar a declaração de vontade de
uma das partes (art. 151), cumprindo, na sua análise, ter “em conta
o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e
todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade
dela” (art. 152);
d) quando o estado de perigo induz a parte a assumir
obrigação excessivamente onerosa, premida de necessidade de
salvar-se, ou a pessoa de sua família de grave dano conhecido pela
outra parte (art. 156);
e) por lesão, “quando uma pessoa, sob premente
necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta” (art.
157).

A diretriz mater do novo Código Civil, a


iluminar as normas atinentes ao contrato, está inserida no
art. 421:

“A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites


da função social do contrato”.

Daí a primorosa síntese do Desembargador


SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA em palestra proferida no Rio de
Janeiro:

“De um modelo individualista, solidamente alicerçado nos


velhos dogmas do Estado Liberal, que transformava os princípios
da autonomia da vontade e da imutabilidade dos contratos em
valores quase absolutos, passamos agora para um sistema
profundamente comprometido com a função social do direito, e
preocupado com a construção da dignidade do homem e de uma
sociedade mais justa e igualitária.”

Sempre que possível, desde que da lei não


resulte solução diversa, a relação de emprego deve
prosseguir como se o referido ato não tivesse sido
praticado. Caso contrário, deve ser reparado, com
indenização, o dano oriundo do ato malicioso. Ocorrendo

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fls. 98

simulação atinente à relação de trabalho, ou a uma de suas


condições, as normas jurídicas correspondentes deverão ser
aplicadas em face da verdadeira natureza da relação ajustada
ou da condição realmente estipulada. Em certos casos, entre-
tanto, conforme já acentuamos, o exercício do direito
constituirá violação e não fraude à lei, sendo expressamente
reguladas as conseqüências jurídicas da respectiva infração.

TÍTULO III

INCIDÊNCIA DO DIREITO
DO TRABALHO

Capítulo I

PESSOAS E CATEGORIAS SUJEITAS


ÀS LEIS TRABALHISTAS

I — Tendência

O novo Código Civil preceitua:

“Art. 594 Toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material


ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”.

Mas esclarece que somente

“A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis traba-


lhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste
Capítulo”, sendo nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivo
fraudar lei imperativa” (art. 166, VI).

Como bem asseverou DÉLIO MARANHÃO, invocando


o pronunciamento de CARLO LEGA, “a tendência do Direito do
Trabalho é a de alargar suas fronteiras (...) E ao alargar
suas fronteiras, de acordo com o espírito que lhe é próprio,
de resguardar a dignidade humana do trabalhador, tende o
Direito do Trabalho a tornar-se a disciplina da atividade

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fls. 99

laborativa do homem, socialmente obrigatória e necessária”.


No mesmo sentido e o magistério de EVARISTO DE MORAES FILHO,
para quem, embora o trabalho dependente ou subordinado tenha
sido o núcleo inicial e ainda constitua a quase totalidade
do conteúdo do direito do trabalho, não há negar que os seus
limites desbordam hoje para o trabalho autônomo e para
outras formas concretas de prestação livre de trabalho
remunerado”. É que, como bem sublinhou PAUL DURAND, a
proteção especial da lei deve alcançar não só os
trabalhadores que prestem serviços subordinados
juridicamente ao empregador, mas também os que trabalham
profissionalmente em estado de dependência de caráter social
ou econômica.
O crescimento do desemprego, resultante da
globalização da economia, vem ampliando consideravelmente,
em muitos países, inclusive no Brasil, as atividades
econômicas informais. Daí a tendência de proteger-se de
alguma forma, com leis especiais, esse tipo de trabalho
autônomo.

II — Disposições constitucionais

Os arts. 7º, 8º e 9º da Carta Magna


relacionam os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
acentuando que outros poderão ser instituídos pelas diversas
fontes de Direito, visando à melhoria da sua condição
social.
Esses artigos se referem genericamente a
“trabalhadores”, de contrato de trabalho subordinado.
Outrossim, a “igualdade de direitos entre o trabalhador
avulso e o empregador, avulso e o empregador, prevista no
inciso XXXIV, há de ser entendida no que couber”, porque a
totalidade das normas catalogadas no mencionado contrato
pressupõe e exige a relação de emprego.
Como veremos adiante, no entanto, nem todas
as normas relacionadas nos aludidos artigos são aplicáveis
aos empregados domésticos, aos servidores civis ocupantes de
cargos públicos, aos membros das Forças Armadas e aos
militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios.

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fls. 100

Compete privativamente à União legislar sobre


o Direito de Trabalho (art. 22, I, da Constituição), razão
por que as respectivas leis aplicam-se em todo território
brasileiro. Entretanto, lei complementar poderá autorizar os
Estados a legislar sobre questões específicas desse ramo do
direito, desde que, obviamente, a correspondente disposição
não objetive, explícita ou implicitamente, alcançar todo o
território nacional (parágrafo único do art. cit.).
A aplicação de alguns preceitos depende, no
todo ou em parte, de regulamentação de lei ordinária ou
complementar. Mas a Constituição recepcionou as disposições
legais anteriores à sua vigência, compatíveis com os seus
princípios e normas. As incompatíveis perderam sua eficácia
jurídica.

III — Empregado e trabalhador autônomo

Toda energia humana, física ou mental,


utilizada na produção de um bem corpóreo ou incorpóreo ou na
realização de um serviço é trabalho; e aquele que a utiliza
é, sem dúvida, um trabalhador. Trabalhador é, assim, o
artista que compõe uma sinfonia; o cientista que descobre a
vacina contra determinada enfermidade; o advogado que
defende o réu; o condutor que dirige um transporte
coletivo;, o mecânico que conserta a máquina; o operário que
manufatura uma utilidade; o jornalista que escreve um
comentário; o bancário que confere as assinaturas dos
cheques etc. Nem todo trabalhador é, porém, um profissional
e nem todo trabalhador profissional é um empregado. Qualquer
indivíduo que faz de sua atividade-trabalho sua profissão,
dela usufruindo os meios necessários à sua manutenção, é um
trabalhador profissional. Se essa atividade for executada de
forma continuada, em virtude de um contrato de trabalho
subordinado, será ele também um empregado daquele que
comandar a prestação de seus serviços e pagar-lhe, em troca,
os salários ajustados. Em caso contrário, o profissional
será um trabalhador autônomo, realizando sua atividade-
trabalho por conta própria ou por meio de contrato de
serviços, de empreitada, de mandado etc.

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fls. 101

No Brasil a palavra “empregado” tem


abrangência mais ampla do que em alguns países cujos
sistemas legais distinguem entre empregado e operário, para
reservar ao primeiro o exercício de funções administrativas,
técnicas ou de nível escolar superior. E que a nossa Carta
Magna proíbe distinguir “entre trabalho manual, técnico e
intelectual ou entre os profissionais respectivos” (art. 7º
XXXII), tal como já enunciara a CLT no parágrafo único do
seu art. 3º).
A CLT define empregado

“como a pessoa física que prestar serviços de natureza não


eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”
(art. 3º)

Por sua vez, concentua como empregador quem,

“assumindo os riscos da atividade econômica, admite,


assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços” (art. 2º).

Aí estão os elementos caracterizadores da


relação de emprego: pessoalidade na prestação de serviços
não eventuais pelo trabalhador sob a dependência hierárquica
resultante da subordinação jurídica ao empregador, o qual
lhe paga os salários e, por assumir os riscos do
empreendimento, detém o poder de comando da empresa,
exercendo-o através dos poderes diretivo e disciplinar.
Trabalhador autônomo é aquele

“que exerce habitualmente, e por conta própria, atividade


profissional remunerada” (art. 4º, alínea c, da Lei n0 5.890, de
1973).

Ele assume, portanto, os riscos da atividade


que empreende — fator que permite diferenciá-lo do
empregado, o qual, em nenhuma hipótese, pode participar das
despesas ou dos eventuais insucessos da empresa. No contrato
de locação de serviços autônomos, ao contratante interessa o
resultado do serviço e não onde, como e com quem o
contratado executou-o.

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fls. 102

Precisamente porque há diversas modalidades


de contratos subordinados (p. ex.: mandato e representação
comercial), a assunção do risco do empreendimento e a
pessoalidade na prestação de serviços são elementos de
relevo, ao lado da subordinação jurídica, para evidenciar a
diferença entre o empregado e o trabalhador autônomo, entre
a relação de emprego e outras relações jurídicas comumente
utilizadas para fraudar a lei. Ao trabalhador autônomo
pertencem os riscos de sua atividade, porque a explora,
economicamente, em proveito próprio, podendo, inclusive,
contratar empregados para auxiliá-lo. Já o empregado coloca
sua força de trabalho à disposição do empregador, o qual,
assumindo os riscos da respectiva atividade econômica,
dirige a prestação pessoal dos serviços.
Na relação de emprego a subordinação jurídica
— e não econômica — do trabalhador é mais intensa que em
outros contratos subordinantes; no entanto, pode variar com
a natureza da atividade profissional.

IV — Trabalhador avulso

A configuração jurídica do trabalhador avulso


não se confunde com a do biscateiro, mas também não
corresponde à do empregado ou à do autônomo. Distingue-se o
trabalhador avulso do empregado porque a relação de trabalho
não é contínua, dependendo da sua designação pelo sindicato
do qual a mão-de-obra é requisitada ou, quando for o caso,
do órgão gestor da mão-de-obra portuária, onde a referida
associação representa a correspondente categoria; mas também
se diferencia do trabalhador autônomo, porque não assume,
como este, os riscos da atividade empreendida. Trata-se, na
verdade, de figura jurídica, nascida no trabalho de estiva e
nos trapiches, mais tarde utilizada, excepcionalmente, em
outras atividades: os serviços são prestados em grupos de
duração episódica, constituídos por trabalhadores,
preferencialmente sindicalizados (na prática, a preferência
é absoluta), escalados pelo sindicato da correspondente
categoria, mediante requisição do interessado.

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fls. 103

A OIT admite o trabalho portuário exercido


por empregados ou por trabalhadores avulsos, devendo, nesta
segunda hipótese, assegurar-se um período mínimo de serviço
ou de remuneração (art. 2º, da Convenção n0 137, de 1973).
O trabalho avulso com a participação de
sindicatos ou de cooperativas, embora praticado em vários
países, raramente é objeto de legislação especial. No
Brasil, porém, vigora legislação regulando a atividade de
carga e descarga nos portos.
A Lei Maior, no inciso XXXIV do art. 7º,
preceitua a igualdade de direitos entre o trabalhador avulso
e o empregado. Trata-se de mera fantasia, pois a norma
jurídica não tem o condão de solucionar o impossível. Essa
pretendida isonomia há de ser respeitada “no que couber”.
Como, por exemplo, assegurar ao trabalhador avulso a
indenização por despedida arbitrária ou o aviso prévio de
despedida, se, não sendo ele empregado, jamais poderia ser
despedido. Como garantir-lhes participação nos lucros, nos
resultados ou na gestão das empresas tomadoras dos serviços,
se entre estas e os trabalhadores escalados estabelece-se
relação jurídica efêmera?
Os Decretos nos 63.912, de 1968, e 80.271, de
1977, que regulamentaram a concessão da gratificação
natalina (13º salário) e das férias anuais aos trabalhadores
avulsos, relacionaram as seguintes categorias integradas por
esses profissionais:

a) estivadores em geral;
b) trabalhadores na estiva de carvão e
minérios;
c) trabalhadores em alvarenga;
d) conferentes de carga e descarga;
e) consertadores de carga e descarga;
f) vigias portuários;
g) amarradores;
h) arrumadores (trapiche, armazéns-gerais e
entrepostos);
i) ensacadores de café, cacau, sal e
similares;

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fls. 104

j) trabalhadores de capatazia (quando não


empregados);
k) trabalhadores em serviço de bloco
(quando não empregados);
l) trabalhadores na indústria de extração
de sal (quando não empregados).

As regulamentações especiais sobre a maioria


dessas categorias profissionais tratam das condições de
trabalho que devem ser observadas, especialmente, no tocante
à jornada de trabalho, ao serviço noturno e ao trabalho
extraordinário. A Previdência Social sempre alcançou esses
trabalhadores. Da mesma forma, o salário-família. Outros
direitos lhes foram estendidos por leis especiais: férias
anuais (Lei n0 5.480, de 1968) e FGTS (art. 15 da Lei n0
8.036, de 1990). Na aplicação desses direitos os
correspondentes sindicais assumem papel de relevo.

V — Empregado doméstico

O art. 7º da Lex Fundamentalis, no seu


parágrafo único, estende os seguintes direitos aos
empregados domésticos:

a) salário mínimo (art. 7º, IV);


b) irredutibilidade do salário (art. 7º, VI);
c) décimo terceiro salário (art. 7º, VIII);
d) repouso semanal remunerado (art. 7º, XV);
e) férias anuais remuneradas (art. 7º
)(XVII);
f) licença à gestante (art. 7º, XVIII);
g) licença-paternidade (art. 7º, XIX);
h) aviso prévio de despedida (art. 7º, XXI);
i) aposentadoria (art. 7º, XXIV).

A Lei n0 5.859, de 1972, ao estender alguns


direitos aos domésticos (Carteira de Trabalho, férias
remuneradas e previdência social), estatuiu:

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fls. 105

“Art. 1º — Ao empregado doméstico, assim considerado


aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não-
lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, aplica-
se o disposto nesta lei”.

Na relação de emprego doméstico, como


acontece em qualquer tipo de atividade, o trabalhador deve
prestar pessoalmente os serviços contratados, sob o poder de
comando do empregador (subordinação jurídica), que é o
responsável pela atividade desenvolvida e paga os
respectivos salários (Cf. arts. 2º e 3º da CLT). Além desses
elementos a configuração do trabalho doméstico, como
indicado no art. 1º da Lei n0 5.859, transcrito, ocorrerá
quando os serviços forem prestados:

a) de forma contínua, à pessoa ou à família


do contratante;
b) sem finalidade lucrativa para o
empregador;
c) no âmbito residencial do patrão.

A exigência da continuidade da prestação de


serviços está a evidenciar que aquele que trabalha, eventual
ou episodicamente, como diarista ou tarefeiro (“biscateiro”)
na residência do contratante deste não é empregado. Ainda
que ele não assuma o risco da atividade realizada, como
acontece com o trabalhador autônomo, a descontinuidade da
relação de trabalho descaracteriza a relação de emprego.
Cumpre não confundir, porém, trabalho eventual ou episódico
com prestação intermitente de serviços contratados, expressa
ou tacitamente, por prazo indeterminado. Neste caso, a nosso
ver, a relação jurídica estipulada é de caráter contínuo,
apesar de ser o trabalho executado interpoladamente. A
jurisprudência prevalente, no entanto, é no sentido de que a
continuidade é um pressuposto da caracterização da relação
de emprego doméstico, considerando diarista autônomo aquele
que presta serviços interpolados em alguns dias da semana.
Se o patrão realizar negócios com o resultado
do trabalho do empregado, este não será doméstico. Pode até
não auferir lucro; basta que o serviço ou o bem produzido

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fls. 106

seja objeto de atividade econômica. Na feliz síntese de


DÉLIO MARANHÃO, “os serviços domésticos não constituem fator
de produção para quem deles se utiliza, mas, unicamente,
para quem os presta”.
O âmbito residencial, a que alude o art. 1º
da Lei n 5.859, não se circunscreve ao imóvel onde o
0

empregador reside com ânimo definitivo. Ele alcança: a) as


atividades desenvolvidas, em função dessa residência, para a
pessoa do patrão e sua família (p. ex.: o motorista da
casa); o imóvel situado em outro local, onde tais pessoas
passam temporada ou fins de semana (p. ex.: casa de campo).
Neste sentido, tornou-se pacífica a jurisprudência.
Esclareça-se, como acertadamente vem decidindo os tribunais,
que é doméstico e não rurícola o empregado que presta
serviços em sítio destinado ao lazer do seu proprietário e
no qual não se empreende atividade com fins lucrativos.
O pessoal que trabalha para o condomínio de
apartamentos residenciais constitui uma categoria especial
de domésticos, aplicando-se-lhe, por força da Lei n0 2.757,
de 1956, toda legislação do trabalho.
Quanto aos direitos que a Constituição de
1988 estendeu aos domésticos, aplicam-se as normas legais
pertinentes. Relativamente às férias anuais, entretanto,
vigora lei especial (Lei no 5.859, de 1972), que as fixou em
20 dias úteis por ano de serviço. Neste sentido, vem
decidindo o Tribunal Superior do Trabalho. A Medida
Provisória n0 1986, de 13 de dezembro de 1999, facultou ao
empregador doméstico inscrever seus empregados no FGTS e
assegurou ao trabalhador assim inscrito, se despedidos sem
justa causa, o direito a três prestações mensais do seguro-
desemprego, no valor de um salário mínimo, desde que haja
trabalhado pelo menos quinze meses nos dois anos
precedentes.

VI — Servidor público civil e militares

Aos servidores públicos civis de qualquer dos


poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, ocupantes de cargo público, além das disposições

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fls. 107

especiais, que lhes concernem, aplicam-se os incisos IV,


VII, VIII, IX XII, XIII, XC, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXII e
XXX (art. 39, § 3º com a redação dada pela Emenda
Constitucional n0 19, de 4.6.98, que aprovou a reforma
administrativa). Mas eles adquirem estabilidade plena após
três anos de efetivo exercício em virtude de concurso
público (art. 41, com a EM n0 19). E por ter essa reforma
administrativa acabado com o regime único de servidor
público, a Constituição passou a distinguir entre cargo
público e emprego público. Aos exercentes de empregos
públicos são aplicáveis todos os incisos do art. 7º;
todavia, a estes e aos titulares de cargos públicos são
vedadas a equiparação remuneratória (art. 37, XIII) e a
acumulação de cargos ou empregos, salvo nas exceções
admitidas para médicos e professores (art. 37, XVII). Por
seu turno, tirante as hipóteses previstas na própria
Constituição, os vencimentos, subsídios ou salários são
irredutíveis (art. 37, XV). Já o direito de greve só poderá
ser exercido “nos termos e nos limites definidos em lei
específica (art. 37, VII).
A Lei n0 9.962, de 22 de fevereiro de 2000,
prescreveu que ao pessoal admitido pelo regime de emprego
público na administração direta, autárquica ou fundacional
aplicar-se-ão a Consolidação das Leis do Trabalho e a
legislação correlata, naquilo em que a lei não dispuser em
contrário (art. 1º, caput); mas esclareceu que a contratação
desse pessoal dependerá de concurso de provas ou de provas e
títulos (art. 2º). A discriminação entre cargos públicos
(funcionários) e empregos públicos (empregados) é
determinada por leis específicas (art. 1º, § lº).
Esclareça-se, por oportuno, que o pessoal das
empresas públicas, sociedades de economia mista e suas
subsidiárias não exerce emprego público, razão por que se
lhe aplica, em todos os seus aspectos, o regime jurídico
concernente às empresas privadas, inclusive quanto aos
direitos e obrigações trabalhistas (art. 173, § lº, n0 4, da
Constituição).
Aos integrantes das Forças Armadas, além das
normas aprovadas por Lei Complementar, que disporá sobre o
emprego dos militares (art. 142, § lº, da Constituição),

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fls. 108

aplica-se o preceituado nos incisos VIII, XII, XVII, XVIII,


XIX e XXV do art. 7º e no art. 37, XI, XIII, XIV e XV (art.
142, § 3º, VIII). Aos militares — esclarece o mesmo § 3º, no
seu inciso IV — “são proibidas a sindicalização e a greve”,
o que se compatibiliza com a Convenção da OIT n0 87, de 1948,
sobre liberdade sindical e proteção ao direito de
sindicalização.
Os membros das Polícias Militares e dos
Corpos de Bombeiros, quando essas instituições forem
organizadas com base na hierarquia e disciplina, são
militares dos respectivos Estados, Distrito Federal e
Territórios, aplicando-se-lhes o disposto no § 3º do art.
142, já referido, atinente às Forças Armadas.

VII — Trabalhador rural

O art. 7º da Constituição enfatiza, no seu


caput, que os direitos nele relacionados são igualmente
aplicáveis aos trabalhadores urbanos e rurais. Mas o
trabalhador rural é beneficiário de algumas disposições
especiais.
Obviamente, só no campo poderá haver trabalho
rural; mas nem todos os que nele trabalham são rurícolas. Os
empregados de hotel, armazém, farmácia, bar, indústria de
transformação etc., ainda que os respectivos
estabelecimentos localizem-se no campo, não são
trabalhadores rurais. O conceito destes decorre da
circunstância de prestarem serviços em empreendimentos
agroeconômicos. Daí a importância da definição legal de
empregador rural:

“a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore


atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporária, ou
através de prepostos e com auxílio de empregados” (art. 3º, caput,
da Lei n0 5.889/73).

Essa atividade compreende o setor agrícola


(qualquer tipo de lavoura), o pastoral (qualquer modalidade
de pecuária) e a indústria rural. Para que a indústria seja

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fls. 109

considerada rural, é necessário que se dedique apenas ao


primeiro tratamento dos produtos agrários, in natura, sem
alterar sua natureza, de forma a retirar-lhe a condição de
matéria-prima (art. 2º, §§ 4º e 5º, do Regulamento aprovado
pelo Decreto n0 73.626/74). O que a indústria rural promove é
o beneficiamento e o preparo dos produtos agropecuários e
hortigranjeiros e das matérias-primas de origem animal ou
vegetal para sua venda ou industrialização, bem como o
aproveitamento dos subprodutos oriundos dessas operações
(art. 2º, § 4º, I, II, do Regul. cit.).
Desde a vigência do Estatuto do Trabalhador
Rural, em 1963 (revogado pela Lei n0 5.889 cit.), tornou-se
irrelevante saber se a atividade rural é principal ou
acessória: havendo empreendimento rural, há empresário
rural, e quem para ele trabalhar como empregado é
trabalhador rural.
Porque o conceito legal de empregador rural
está condicionado à exploração agroeconômica, é evidente que
no campo pode haver empregado doméstico, quando o serviço
for prestado, sem finalidade lucrativa, no âmbito
residencial, aos ocupantes da casa de campo.

VIII — Cooperativas de trabalho

A Constituição faculta a criação de


cooperativas, na forma da lei (art. 5º, XVIII), a qual deve
apoiar e estimular essa e outras formas de associativismo (§
2º do art. 174). Por seu turno, o cooperativismo foi
catalogado entre os objetivos da política agrícola (art.
187, VI).
Já o Decreto Legislativo n0 22.230, de 1932,
precisou que as cooperativas podem ter “por objeto qualquer
gênero de operação ou de atividades” (§ 2º do art. 16) e
definiu as cooperativas de trabalho como aquelas
constituídas de operários que, “dispensando a intervenção do
patrão ou empresários, propõem-se a contratar ou executar
obras, tarefas, trabalhos ou serviços, públicos ou
particulares, coletivamente por todos ou por grupos de
alguns” (art. 24). A Lei n0 5.764, de 1971, que define a

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Política Nacional de Cooperativismo e dispõe sobre o regime


jurídico das sociedades cooperativas, estatui:

“Art. 3º — Celebram contrato de sociedade cooperativa as


pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou
serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito
comum, sem objeto de lucro”.

E sublinhou que as cooperativas são


sociedades de pessoas “constituídas para prestar serviços
aos associados”, cuja admissão deve ficar limitada” às
possibilidades de reunião, controle, operações e prestação
de serviços” (art. 4º, caput e inciso XI).
Como bem resumiu o magistrado ALEXANDRE NERY
DE OLIVEIRA, “As cooperativas de Trabalho detêm, como asso-
ciados-cooperativados, trabalhadores que, dispensando a
intervenção de terceiros qualificados como patrões, dispõem-
se a contratar determinados serviços relacionados a suas
profissões ou ofícios, em razão do conjunto, seja por
trabalho de todos, seja por trabalho de grupos, em prol do
bem comum geral”.
Uma das características da sociedade
cooperativa é a “distribuição dos resultados,
proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo
sócio com a sociedade” (art. 1.094 do Código Civil), como
deve verificar-se em toda a sociedade (art. 981 do Código
cit.).
Entre as cooperativas prevalece a affectio
societatis, que constitui “o elemento subjetivo essencial
para a formação da sociedade ou associação, traduzida na
obrigação mútua assumida pelos sócios de combinarem seus
esforços e recursos para lograr fins comuns”.
Daí ter a precitada lei de 1971 estatuído:

“Art. 90. Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe


vínculo empregatício entre ela e seus associados”.
A Lei n0 8.949, de 1994, repetiu essa norma ao
aditar um parágrafo (único) ao art. 442 da CLT, e
acrescentou:

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fls. 111

“nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

Esse acréscimo, porque óbvio e desnecessário,


gerou a falsa impressão e conseqüente abuso no sentido de
que os cooperativados podem prestar serviços às empresas
contratantes, sob a supervisão ou direção destas, sem a
caracterização da relação de emprego. Na verdade, porém,
somente não se forma o vínculo empregatício com o tomador
dos serviços quando os cooperativados trabalham na
cooperativa e para a cooperativa de que são partes, como
seus associados. O tomador dos serviços da cooperativa deve
estabelecer uma relação jurídica e de fato com a sociedade e
não uma relação fática, com efeitos jurídicos, com os
cooperativados.
Afronta o Direito transformar a cooperativa
em agência de emprego, simulando uma relação jurídica
imprópria. E, precisamente porque essa simulação não ocorre
apenas no Brasil, a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) adotou na conferência geral de junho de 2002 a
Recomendação n0 185, na qual adverte que as cooperativas não
devem ser utilizadas para encobrir relações de emprego, em
prejuízo dos trabalhadores.
No dizer de GABRIEL SAAD, “se o cooperado é
contratado para, em caráter permanente, ficar trabalhando na
empresa, sujeito a horário e subordinado ao tomador de seus
serviços, é inquestinável que esse cooperado perderá sua
condição de autônomo para ganhar a de empregado definido, no
art. 3º da CLT.
Destarte, as cooperativas de trabalho
permanecem fora do campo de incidência do art. 7º da
Constituição sempre que operarem de conformidade com a sua
estruturação jurídica e finalidade social. Inversamente,
quando os cooperativados trabalharem, na realidade, como
empregados do tomador dos serviços da cooperativa,
configurada estará a relação do emprego entre eles e a
empresa contratante. Aplicar-se-ão ao caso o princípio da
primazia da realidade consagrado nos arts. 90 e 442, caput,
da CLT, tal como referido no Enunciado n0 331, e, por via de
conseqüência, os preceitos relacionados no art. 7º da Carta
Magna.

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fls. 112

IX — Trabalho voluntário e serviço


religioso

A Lei n0 9.608, de 19 de fevereiro de 1998,


regulamentou o trabalho voluntário, afirmando a inexistência
de relação de emprego quando prestado a certas instituições,
com observância de determinadas condições.
Essa norma, de caráter especial e
excepcional, deve ser interpretada restritivamente: o
serviço deve ser prestado a entidade pública ou privada cuja
atividade, sem fins lucrativos, corresponda a um dos objetos
nele mencionados. Outra condição é que o prestador não
receba qualquer remuneração pelo trabalho realizado, embora
possa ser reembolsado das despesas efetuadas para executá-lo
(art. 3º). Por último, é imprescindível que o voluntário —
justamente porque é voluntário — não haja sido contratado, a
qualquer título, para trabalhar na instituição.
Precisamente porque o trabalho é voluntário e
gratuito, o seu prestador é um colaborador, podendo, assim,
escolher os dias e o horário para a prestação dos serviços.
A precitada lei reza que o serviço voluntário
resulte da celebração de um termo de adesão do qual deve
constar o objeto e as condições de seu exercício (art. 2º).
É evidente que esse instrumento não pode
encobrir uma relação fática de emprego, sob pena de ser como
tal considerado o negócio jurídico, com base no art. 9º da
CLT e art. 166, n0 VI, do Código Civil.
Essa lei não referiu o serviço religioso. Mas
é evidente que entre a entidade religiosa e os seus membros
inexistem os elementos indispensáveis à caracterização da
relação de emprego: a) o elo que os vincula não gera
obrigações recíprocas próprias dos contratos sinalagmáticos
e comutativos: b) a subordinação do membro da Igreja à sua
disciplina não resulta de um contrato, mas do seu voto de
obediência, solenemente proferido. O sacerdote, como o
colportor ou outro membro incorporado à Igreja é movido pela
vocação religiosa e a entidade religiosa se instrumentaliza
para pregar a Palavra da Fé. Daí não ser possível confundir-

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fls. 113

se a relação decorrentes do voto religioso com um contrato.


Como escreveu a douta professora ALICE MONTEIRO DE BARROS,
“nos serviços religiosos prestados ao ente esclesiástico,
não há interesses distintos ou opostos capazes de configurar
o contrato; as pessoas que os executam o fazem como membros
da mesma comunidade, dando um testemunho de generosidade, em
nome de sua fé.”
Daí termos indagado, em parecer conjunto com
DELIO MARANHAO: “Como descobrir um vínculo contratual, o que
importa dizer a composição de interesses distintos, entre a
Igreja e o sacerdote? Como pretender que este cumpra seus
deveres religiosos por estar constrangido por um contrato?”
Na verdade, “os Ministros do culto e os religiosos ficam sob
a autoridade de seu bispo ou de seu superior. Mas esse
vínculo de subordinação não resulta de um contrato”. No
mesmo sentido é a jurisprudência dominante.

Capítulo II

CONFLITO DE LEIS NO TEMPO

Se o direito intertemporal constitui um dos


mais importantes temas da aplicação do direito, certo é que,
no campo do direito do trabalho, ele assume especial
relevância, em face das constantes alterações e
complementações de sua legislação e do fato de nascer do
contrato de trabalho, geralmente de duração indeterminada,
obrigações de natureza sucessiva.
A Constituição de 1988, no seu art. 5º,
preceitua:

“XIXXVI — a lei não prejudicará direito adquirido, o ato


jurídico perfeito e a coisa julgada:”
“§ lº — As normas definidoras dos direitos e garantias fun-
damentais têm aplicação imediata”.

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fls. 114

Afirma, assim, a irretroatividade da lei, que


se não confunde com a sua aplicação imediata.
Por conseguinte, são de aplicação imediata as
normas legais alusivas aos direitos e garantias fundamentais
relacionados nos arts. 6º a 11 da Carta Magna, que compõem o
Título II da Carta Magna.
A Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro — lei de aplicação geral — sintoniza-se com o
comando constitucional e define os três institutos
jurídicos:

“Art. 6º — A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respei-


tados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”
§ 1º — Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado
segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º — Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu
titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo
do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida,
inalterável a arbítrio de outrem.
§ 3º — Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão
judicial de que já não caiba recurso”.

Por seu turno, dispõe a Consolidação das Leis


do Trabalho:

“Art. 912 — Os dispositivos de caráter imperativo terão


aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas,
antes da vigência desta Consolidação.”

Nas relações jurídicas de trato sucessivo,


como o contrato de trabalho, cumpre se ter em vista a
precisa conceituação de irretroatividade e aplicação
imediata da lei e distinguir entre os facta praeterita, dos
quais já irradiaram direitos, e os facta pendentia, que
ficam sujeitos à nova lei.
Nas relações de trabalho, a incidência das
novas normas de ordem pública, embora, por vezes, dê a
ilusão de retroatividade, corresponde, na verdade, à
aplicação, no presente, da nova disposição imperativa. Os
fatos verificados no passado podem ser considerados na

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fls. 115

relação contratual que perdura, desde que ainda não tenham


gerado conseqüências jurídicas (p. ex., tempo de serviço
anterior à nova lei, numa rescisão contratual, sem justa
causa, ocorrida na sua vigência). Destarte, a aplicação
imediata da nova lei será normal se do fato pretérito não
tenha:

a) resultado direto adquirido para o seu


titular;
b) verificado a constituição ou extinção
definitiva de uma situação jurídica (ato jurídico perfeito);
c) havido coisa julgada.

Comentando o disposto no § 2º do art. 6º


transcrito, lembrou SERPA LOPES que a doutrina uniformizou-
se no sentido de considerar, nas questões de direito
intertemporal, “perfeitamente adquirido o direito
condicional, embora deferido o seu exercício até o
implemento da condição, equiparando-se, para esse fim, o
termo e a condição”.
Quando do aumento do período de gozo das
férias anuais pelo Decreto-lei n0 1.535, de 1977, escrevemos
que o direito a férias “corresponde a uma relação jurídica
complexa, que só se aperfeiçoa com o início do efetivo gozo
do período de repouso anual remunerado. Antes desse
aperfeiçoamento ou, para usar a expressão legal, antes de
consumado o ato, a lei nova pode incidir e em consonância
com ela caberá ao empregador cumprir a obrigação. Neste
caso, porque aplicada aos efeitos ainda não realizados de um
fato verificado na vigência da lei anterior, não há
retroatividade, mas aplicação imediata”. E a jurisprudência
endossou essa tese, porque, como, assinalou AMAURI MASCARO
NASCIMENTO, “efeito imediato, permitido pelo direito, é a
aplicabilidade da lei às situações que se desenvolvem à
época da sua vigência e que, portanto, não estão, nesse
momento, consumados”.
PAUL ROUBIER, o mais conceituado tratadista
do direito intertemporal, concluiu que “a maior parte das
leis trabalhistas (...) deve ser considerada como relativa a
um estatuto legal, o estatuto da profissão. Em outros

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fls. 116

termos, o legislador, indiferente às condições dos


contratos, regulamenta diretamente a situação dos
trabalhadores. Essas leis atendem aos trabalhadores como
tais e não como contratantes”. Inspirado na lição desse
mestre francês, escreveu CARLOS MAXIMILIANO que “preceitos
imperativos ulteriores, inspirados pelo interesse social e
pela necessidade da proteção ao trabalho, atingem os
contratos em curso, pois se referem ao estatuto legal da
profissão; têm em vista os homens como obreiros, não como
contratantes. Assim acontece com as leis trabalhistas em
geral”.
A jurisprudência brasileira endossou essa
doutrina.

Capítulo III

CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO

I — Direito uniforme e conflito de leis

O direito uniforme, resultante de tratados


bilaterais, regionais e até internacionais, elimina o
conflito de leis entre os Estados que os firmaram ou a eles
aderiram, no concernente às matérias neles focalizadas.
Nessa hipótese, tornar-se desnecessário o apelo às normas do
Direito Internacional Privado. Como observou o saudoso
professor HAROLDO VALLADÃO, “Os dois direitos não se
confundem, tendo finalidades diversas: um, o DIP, procura
resolver os conflitos de leis, enquanto o outro, o direito
uniforme, trata de suprimi-los por intermédio de leis
idênticas; as regras do primeiro são indiretas, formais,
colisionais, indicam a lei civil, comercial etc., que irá
regular o assunto, ao passo que as do segundo são diretas,
materiais, não colisionais, regulam imediatamente o caso”.
JACOB DOLINGER distingue o direito uniforme espontâneo,
“resultante da natural coincidência de legislações
influenciadas pelos mesmos fatores ou da iniciativa
unilateral de um Estado de seguir as normas do direito

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fls. 117

positivo de outro”, do direito uniforme dirigido, que


“resulta de esforço comum de dois ou mais Estados no sentido
de uniformizar certas instituições jurídicas, geralmente por
causa da sua natureza internacional”.
O direito uniforme só tem logrado relativo
êxito na União Européia em poucos setores da ciência
jurídica (p. ex., Direito Cambial, Direito Marítimo e alguns
aspectos da Previdência Social). Tratando-se de empresa
binacional, o respectivo regime jurídico deve ser objeto de
tratado entre os dois países.
É inquestionável que a atividade normativa da
OIT visa ao direito uniforme, sobretudo mediante ratificação
das convenções adotadas pela Conferência Internacional do
Trabalho, mas a grande maioria delas estabelece apenas
normas mínimas de proteção ao trabalhador, razão por que os
países que as ratificarem podem e costumam adotar
disposições legais mais avançadas, impedindo, assim, a
configuração do direito uniforme sobre o tema, capaz de
evitar o conflito de leis no espaço. Por isso mesmo, a
Constituição da OIT preceitua que a norma interna
garantidora de condições mais favoráveis ao trabalhador não
seja prejudicada pela ratificação da convenção pertinente
(art. 19, § 8º).
Por mais ambiciosa que seja essa atividade,
como bem pondera PLÁ RODRIGUEZ, não pode a OIT pretender a
completa uniformização do Direito do Trabalho e da Previ-
dência Social, em virtude da diversidade das condições eco-
nômicas, sociais, políticas e climáticas dos diversos
países, assim como de seus costumes e tradições — fatores
que impõem a adoção de normas necessariamente gerais e
flexíveis ou o estabelecimento de níveis mínimos de
proteção. E essa uniformidade torna-se cada vez mais
difícil, em razão do abismo, cada vez maior, entre os países
altamente desenvolvidos, em vias de desenvolvimento e
subdesenvolvidos, a clamar pelo estabelecimento de uma nova
ordem econômica internacional.

II — Normas internacionais sobre o


conflito de leis do trabalho

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fls. 118

O Código de Direito Internacional Privado


(Código de Bustamante), adotado pelos Estados americanos na
reunião de Havana de 1928, com o objetivo de disciplinar a
solução dos conflitos de leis entre os países que o
ratificaram, classifica as normas jurídicas nas seguintes
categorias:

“I — as que se aplicam às pessoas em virtude do seu domicílio


ou da sua nacionalidade e as seguem ainda que se mudem para
outro país — denominadas pessoas ou de ordem pública interna;
II — as que obrigam, por igual, a todos os que residem no
território, sejam ou não nacionais — denominadas territoriais,
locais ou de ordem pública internacional;
III — as que se aplicam somente mediante a expressão, a
interpretação ou a presunção da vontade das partes ou de alguma
delas — denominadas voluntárias, supletórias ou de ordem privada”
(art. 3º).

E esse Código, que foi ratificado pelo


Brasil, prescreve que as leis de acidentes do trabalho e
proteção social ao trabalhador são de natureza territorial
(art. 198). A expressão “proteção social ao trabalhador”,
como têm acentuado a doutrina e a jurisprudência, concerne
às normas cogentes do Direito do Trabalho e aos sistemas da
Previdência Social.
A nacionalidade dos navios e das aeronaves e,
como corolário, o direito aplicável a seus tripulantes foram
igualmente disciplinados pelo Código de BUSTAMENTE:

“ART. 274—A nacionalidade dos navios prova-se pela patente


de navegação e a certidão do registro e tem a bandeira como sinal
distintivo aparente.
ART.279 — Sujeitam-se, também, à lei do pavilhão os
poderes e obrigações do capital e a responsabilidade dos
proprietários e armadores, pelos seus atos.
ART. 281 — As obrigações dos oficias e gente do mar (tri-
pulação marítima) e a ordem interna do navio subordinam-se à lei
do pavilhão.

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fls. 119

ART. 282 — As precedentes disposições deste capítulo apli-


cam-se também às aeronaves”.

Quanto ao direito judiciário, o Código


estabelece:

“ART. 314. A lei de cada Estado contratante determina a


competência dos tribunais, assim como a sua organização, as
formas de processo e a execução das sentenças e os recursos contra
suas decisões”;
“ART. 316 — A competência ratione loci subordina-se, na
ordem das relações internacionais, à lei do Estado contratante que a
estabelece”;
“ART. 323 — Fora dos casos de submissão expressa ou tácita
e salvo o direito local em contrário, será juiz competente, para o
exercício de ações pessoais, o do lugar do cumprimento da
obrigação, e, na sua falta, o do domicílio do reú ou, subsidia-
riamente, o~ da sua residência”.

Em 1937, o Instituto de Direito


Internacional, reunido em Luxemburgo, elaborou minucioso
projeto atinente aos conflitos de leis em matéria de
contrato de trabalho, estatuindo, entre outras disposições,
que as questões de capacidade devem ser resolvidas pela lei
pessoal de cada uma das partes, sob reserva das normas
proibitivas e das regras de polícia da legislação do país
onde o contrato se executa (art. 1º); no caso de menores e
mulheres casadas, a lei do local de execução deve ser
aplicável, ressalvado ao respectivo representante legal ou
ao marido o direito de manifestar oposição baseada na lei
pessoal (art. cit.); a forma do contrato de trabalho deve
submeter-se à lex loci actus, respeitadas, porém, as
exigências peculiares de forma em vigor no país de execução
(art. 3º); as causas legais de rupturas do contrato são as
determinadas pela lei do local de execução (art. 6º); as
questões relativas à navegação marítima, fluvial e aérea
constituem objeto de disposições especiais. Vinte anos
depois, o II Congresso Internacional de Direitos do
Trabalho, realizado em Genebra, concluiu que a lei do local
de execução de trabalho (lex loci excutionis) deve ser

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fls. 120

aplicada como princípio de solução” dos mencionados


conflitos, respeitadas as seguintes “exceções necessárias”:
I) a lei da sede da empresa deve ser aplicada ao trabalhador
contratado no respectivo território para realizar serviços
ocasionais ou temporários em outro país, ou,
intermitentemente, nos dois territórios; II) a lei do país
onde está matriculado o navio ou a aeronave deve ser
aplicada aos seus tripulantes.
A Organização Internacional do Trabalho
(OIT), sobretudo nas suas convenções sobre a previdência
social, tem indicado que a lei nacional aplicada é a do
local da prestação de serviços. No tocante aos tripulantes
da Marinha Mercante, todas as convenções da OIT, adotadas
desde 1926, indicam a aplicação da lei do país onde o navio
está matriculado — matrícula que dá direito ao uso do
respectivo pavilhão — quanto aos direitos sociais
trabalhistas dos integrantes dessa categoria profissional.
Quanto aos trabalhadores migrantes,
recrutados e/ou contratados num país para a prestação de
serviços no território que os vai acolher, a Convenção n0 97,
de 1949, assegura-lhes um tratamento não menos favorável” do
que o aplicado aos nacionais do lugar da execução do
trabalho (art. 6º, n0 1), enquanto a Convenção n0 143, de
1975, refere-se à igualdade de tratamento em matéria de
emprego e profissão, seguridade social, direitos sindicais
etc., entre o imigrante e o trabalhador nacional (art. 10).

III — Direito brasileiro

A — Considerações preliminares — O disposto


no caput do art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil
brasileiro, segundo a qual “para qualificar e reger os
obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se
constituíram”, poderia ensejar a conclusão de que as
obrigações ajustadas no estrangeiro deveriam ser reguladas
pela respectiva legislação, mesmo que tivessem execução em
nosso território. Essa regra, entretanto, é excepcionada
pelo preceituado no art. 17 da mesma lei:

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fls. 121

“As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer


declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil quando
ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes.”

Ora, algumas das normas legais de proteção ao


trabalho são de direito público, portanto de ordem pública;
outras, embora de direito privado, são cogentes ou de ordem
pública. Mas existem disposições relativas ao contrato de
trabalho destituídas do caráter de ordem pública. Daí por
que cumpre distinguir, no que tange ao conflito de leis, as
três fases da relação de emprego: constituição, execução e
cessação. E, se a lex loci executionis prevalece, com
pequenas exceções nas duas últimas fases, ela só é aplicável
em certas situações quanto à capacidade dos contratantes e à
forma do contrato.
B — Capacidade das partes, modalidade e forma
do contrato de trabalho — A Lei de Introdução ao Código
Civil brasileiro dispõe:

“Art. 1º — A lei do país em que for domiciliada a pessoa


determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o
nome, a capacidade e os direitos de família.”
“Art. 9º — Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a
lei do país, em que se constituírem.
§ 1º — Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e
dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as
peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos
do ato.
§ 2º — A obrigação resultante do contrato reputa-se
constituída no lugar em que residir o proponente”.

Todavia, como assinalamos, leis e atos


estatais, assim como cláusulas contratuais, não têm eficácia
no Brasil quando afrontarem a soberania nacional, a ordem
pública e os bons costumes.
A capacidade das partes, no ajuste expresso
ou tácito do contrato de trabalho, é regida, em princípio,
pela lei pessoal; mas sua aplicação deve subordinar-se às
normas proibitivas vigentes no local onde o contrato

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fls. 122

executa-se, em virtude do caráter de ordem pública que lhes


corresponde. Assim, a lei pessoal, segundo a doutrina
predominante, confunde-se com a vigente no país onde o
contratante está domiciliado: na constituição do contrato, a
lei que acaba prevalecendo é a do lugar da sua celebração.
Mas se um trabalhador com menos de 21 anos ou mais de 50 for
contratado no estrangeiro para operar em minas de subsolo e,
posteriormente, for transferido para executar igual
atividade profissional em subsidiária da mesma empresa no
Brasil, o respectivo contrato não terá eficácia entre nós,
em face da regra de ordem pública estampada no art. 301 da
CLT.
A modalidade do contrato de trabalho, não
obstante sujeita à lex loci actum, deve observar as
exigências da legislação do país onde o trabalho é prestado.
Destarte, um contrato estipulado pelo prazo determinado de
cinco anos, em país que permite essa duração, terá
substituída a respectiva cláusula (teoria das nulidades do
Direito do Trabalho) se, no lugar para onde o empregado
tiver sido transferido, a legislação impuser menor duração.
Quanto à forma, válida será a adotada de
acordo com a lei do lugar da celebração do contrato de
trabalho, salvo se, no Brasil, a modalidade contratual
utilizada depender “de forma especial”. Ainda assim,
relativamente aos aspectos extrínsecos do ato (p. ex.,
obrigatoriedade de registro em determinado órgão público),
cumpre observar as exigências da lex loci actum. Ponderemos,
no entanto, que a “forma essencial” de que cogita o § 1º do
art. 9º da Lei de Introdução, já transcrito, é a forma
solene, estando excluídos dessa exigência os atos informais.
C — Execução e cessação do contrato de
trabalho — O campo de atuação do Direito Internacional
Privado amplia-se, cada vez mais, com a multiplicação das
empresas transnacionais, alcançando maior relevo os
conflitos espaciais de leis no que tange à cessação dos
contratos de trabalho.
O contrato de trabalho é de trato sucessivo
e, normalmente, celebrado por prazo indeterminado. Está
sujeito, por isso, a reiteradas novações.

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fls. 123

O estatuído no art. 17 da citada Lei de


Introdução, transcrito no item A desta Seção, do qual
decorre o caráter territorial das leis de ordem pública de
proteção ao trabalho, está em sintonia com o Código de
Bustamante, referido na Seção II. Como assinalou BATIFFOL,
que foi o relator do precitado congresso de 1957, a
legislação comparada, a doutrina e a jurisprudência têm
consagrado, com pequenas exceções, a lex loci executionis
como princípio cardeal para a solução dos conflitos de leis
trabalhistas no espaço nas fases da execução e da cessação
do contrato de trabalho.
O princípio da não-discriminação, que irradia
a igualdade de direitos entre nacionais e estrangeiros
vinculados ao mesmo estabelecimento, fundamenta o
generalizado apelo à lei do lugar da prestação de serviços.
PAUL DURAND e JAUSSAUD são categóricos a respeito: “A
competência reconhecida à lex loci executionis apresenta a
grande vantagem de unificar o regime das relações de
trabalho, pois que a lei local já determina as regras
administrativas de polícia do trabalho. Ela permite, enfim,
que se submeta às mesmas regras o pessoal de um mesmo
estabelecimento””. Por outro lado, como ponderou o
mencionado II Congresso Internacional de Direito do
Trabalho, “o empregador tem interesse em uniformizar o
tratamento do seu pessoal local; o trabalhador tem interesse
na aplicação de uma legislação sobre a qual poderá mais
facilmente informar—se, porquanto ela corresponde ao
estabelecimento permanente. Estes motivos levaram uma parte
importante da doutrina contemporânea a propor como elemento
decisivo o local onde o trabalhador exerce sua atividade. As
decisões que aplicaram a lei do lugar de execução são
numerosas, podendo-se concluir que a jurisprudência está
francamente orientada neste sentido”. E os comentadores da
mesma Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro afirmam
que a lex loci executionis prevalece na regência dos
contratos de trabalho.
Destarte, em se tratando de norma de ordem
pública, não pode prevalecer a disposição contratual em
contrário, seja a lei do local do contrato, seja a lei da
nacionalidade comum dos contratantes. Contudo, cláusulas

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fls. 124

mais favoráveis ao empregado transferido de país podem ser


asseguradas no contrato, embora, em determinadas situações,
fundamentem o apelo à isonomia, por parte de empregados que
exerçam funções idênticas ou análogas, com base no princípio
da não-discriminação, especialmente em relação aos salários
(arts. 358 e 461 da CLT).
A súmula de jurisprudência uniforme do
Tribunal Superior do Trabalho, constante do seu Enunciado
207, consagrou o princípio da territorialidade; mas não
referiu às exceções concernentes à matéria examinada no item
B desta Seção, nem a certas modalidades da prestação de
serviços. A lei do país onde estiver matriculado o navio e a
aeronave, aplicável aos respectivos tripulantes, não
constitui, propriamente, uma exceção àquele princípio,
porque, por ficção legal, esses meios de transporte são
considerados estabelecimentos móveis da empresa cuja
nacionalidade resulta do seu registro.
As exceções, nem sempre de fácil aferição,
dizem respeito à prestação de serviços caracteristicamente
transitórios ou ocasionais em outro país que não o do
estabelecimento a que o empregado está vinculado ou, ainda,
de forma intermitente nos dois países. Tanto o aludido
Congresso de Genebra (1957) como o de Zagreb (1971)
recomendaram que nessas hipóteses aplicável será a lei de
domicílio do estabelecimento ao qual estiver subordinado o
empregado. Mais do que a duração do serviço transitório,
afigura-se-nos relevantes: a) a forma da designação, com a
predeterminação da transitoriedade do serviço; b) a natureza
do trabalho, que há de ser compatível com a provisoriedade
predeterminada; c) a circunstância de permanecer o empregado
juridicamente vinculado ao estabelecimento que o enviou para
prestar tais serviços no exterior.
D — Situações especiais: técnicos
estrangeiros, serviços de engenharia no exterior e empresa
binacional de ITAIPU — Leis nacionais e tratados
internacionais vigoram em nosso país dispondo sobre
situações consideradas especiais.
Em face do que estatui o Decreto-lei n0 691,
de 1969, os contratos de técnicos estrangeiros domiciliados
ou residentes no exterior, para execução, em caráter

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fls. 125

provisório, de serviços especializados no Brasil, com


estipulação de salários em moeda de outro país, serão
obrigatoriamente celebrados por prazo determinado e
prorrogáveis sempre a termo, não se lhes aplicando o
disposto nos arts. 451 a 453 da CLT, o sistema concernente
ao FGTS e a legislação sobre a participação nos lucros da
empresa.
O trabalhador contratado no Brasil, ao ser
transferido de empresa brasileira, para prestar serviço de
engenharia (inclusive consultoria, projetos, gerenciamento e
congêneres) no exterior, desde que por período superior a 90
dias, fica sujeito às disposições da Lei n0 7.064, de 1982. O
trabalhador assim transferido ficará, ou continuará,
vinculado à Previdência Social brasileira, ao FGTS e ao
PIS/PASEP, sendo-lhe aplicável a legislação brasileira de
proteção ao trabalho quando mais favorável do que o sistema
local “no conjunto de normas e em relação a cada matéria”.
Após dois anos de permanência no exterior, será facultado ao
empregado gozar férias anuais em nosso país, cabendo à
empresa o custeio da viagem. O art. 7º da lei relaciona os
casos em que o retorno de trabalhador pode ser decidido por
ele ou pela empresa.
Os direitos social-trabalhistas dos
empregados da empresa binacional ITAIPU, pertencentes à
ELETROBRÁS, do Brasil, e a ANDE, do Paraguai, assim como das
que trabalham para a empresa por ela contratadas, são objeto
de dois Protocolos firmados e ratificados pelos governos dos
dois países, após aprovação dos seus Congressos Nacionais.
Para reduzir ao mínimo a ocorrência de conflitos de leis,
esses atos internacionais estipularam algumas normas
uniformes diretas, porquanto nenhum dos princípios
consagrados pelo Direito Internacional Privado ensejaria
solução adequada, tendo em vista que, nas áreas
correspondentes ao condomínio territorial de fato, operam
homens de várias nacionalidades e máquinas pertencentes a
empresas sediadas nos dois países, independentemente da
fronteira geográfica traçada pelos tratados vigentes. O
próprio rio Paraná, em cujo leito corre a linha fronteiriça,
foi desviado para a construção da barragem. Em conseqüência,
três regras básicas foram adotadas pelos dois Protocolos:

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fls. 126

1ª) aplicação da lei do lugar de celebração do contrato de


trabalho às questões de capacidade e identificação
profissional dos trabalhadores, de formalidades e prova do
contrato e, bem assim, as relacionadas com sistemas cujo
funcionamento dependa de órgãos sindicais ou administrativos
nacionais; 2ª) aplicação de normas uniformes especiais às
hipóteses expressamente contempladas por elas; 3ª) aplicação
de normas mais favoráveis, consideradas no conjunto para
cada matéria, às questões referentes ao contrato de trabalho
que não estejam sujeitas aos dois princípios anteriores.
E — Jurisdição competente — A organização
judiciária e o Direito Processual compõem o direito público
do Estado. E, como adverte MARIO DEVEALI, “as normas de
direito público são, por definição, rigidamente territoriais
e absolutamente inderrogáveis.
A Lei de Introdução ao Código Civil
brasileiro, ao focalizar o assunto, prescreve:

“ART. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira,


quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser
cumprida a obrigação.”

Desde logo, convém sublinhar que a


competência jurisdicional não exclui a aplicação da lei
estrangeira. No conflito de leis materiais no espaço, o
Direito Internacional Privado objetiva indicar qual a
legislação aplicável ao caso; no problema da jurisdição,
busca determinar de que país é a Justiça competente para
solucionar o litígio. Por isso mesmo, a circunstância de ter
de aplicar a lei estrangeira não afasta a competência da
Justiça brasileira para fazê-lo. Nessa hipótese, quando o
juiz brasileiro tiver de aplicar a lei de outro país, terá
em vista a disposição desta, sem considerar “qualquer
remissão por ela feita a outra lei” (art. 16 da Lei de
Introdução). De maneira que, no direito brasileiro, não se
admite o retorno ou a devolução (teoria do reenvio) em
matéria de conflitos de leis no espaço.
Relativamente à Justiça do Trabalho, a CLT
dispõe, em harmonia com o art. 314 do Código de Bustamante,
sendo aplicável subsidiariamente o estatuído no art. 88 do

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fls. 127

Código de Processo Civil. O caput do art. 651 da CLT fixa a


regra geral que prevalece no direito comparado: a jurisdição
competente é determinada pelo lugar onde o contrato de
trabalho é executado, ainda que haja sido celebrado em outro
país. A exceção, em norma típica de Direito Internacional
Privado, está consubstanciada no § 2º do mesmo artigo: a
Justiça do trabalho do nosso país é competente para resolver
os dissídios ocorridos em filial ou agência no estrangeiro,
se o empregado for brasileiro e não houver convenção
internacional dispondo em contrário. Nesta hipótese, sempre
entendemos estar implícito no preceito que se trata de
agência ou filial de empresa que tenha domicílio no Brasil
F— Imunidade de jurisdição — A jurisdição de
cada Estado não é absoluta porquanto o Direito Internacional
impõe-lhe algumas limitações, seja resultantes de tratados
ratificados, seja em razão de regras de conveniência que os
países civilizados devem observar.
A imunidade de jurisdição corresponde a um
dos princípios cardiais do Direito Internacional, que se
fundamenta na soberania e igualdade dos países (par in parem
non habet judicium). Daí acentuar BENITO PÉREZ que “a
imunidade de jurisdição funda-se nos princípios gerais do
direito das gentes, considerados obrigatórios pelo costume,
como base mínima da existência de uma comunidade
internacional. Têm, por isso, valor de fonte positiva e
alcance universal: derivam do direito natural; ostentam
caráter imperativo e são, portanto, oponíveis a qualquer dos
membros daquela comunidade”.
Hoje, no entanto, a matéria é objeto de
diversos tratados a que os Estados aderem por ato soberano,
limitando, assim, sua jurisdição. Dentre estes, cumpre
referir a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas
(1961), a Convenção de Viena sobre Relações Consulares
(1963), a Carta das Nações Unidas (1945, art. 105), a
Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências
Especializadas das Nações Unidas (1947) — todas elas
ratificadas pelo Brasil. No âmbito americano, cabe destacar
o Código de Bustamante (1928, art. 333) e a Carta da
Organização dos Estados Americanos (1948, arts. 139 a 141).

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fls. 128

Desde logo, cumpre não confundir a imunidade


de jurisdição de um Estado (pessoa de direito público
externo) ou de uma organização de Estados (pessoa de direito
público internacional), que se estende aos respectivos
chefes, com a reconhecida aos agentes diplomáticos ou
consulares e aos respectivos representantes e funcionários
em exercício no país receptor. Estes são titulares de
direitos subjetivos internacionais restritos ao desempenho
da respectiva missão ou representação, na conformidade dos
tratados a respeito firmados e ratificados; aqueles têm
plena imunidade de jurisdição, como direito inerente à
própria personalidade jurídica. A plena imunidade do Estado
foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão da
lavra do Ministro MOREIRA ALVES.
Em todos os precitados instrumentos
internacionais, ratificados pelo nosso país, é admitida a
renúncia expressa à imunidade jurisdicional, mas ela não
alcança os atos executórios, sejam eles de caráter
administrativo, judiciário ou legislativo. Os tratados que
dispõem sobre o tema exigem nova e explícita renúncia ou a
proíbem para a fase executória do processo.
Registre-se, neste passo, que o agente
diplomático de nacionalidade do Estado acreditado ou que
nele tenha residência permanente só gozará de imunidade de
jurisdição quanto aos atos oficiais, praticados no
desempenho de suas funções (art. 38, n 1, da Convenção de
0

Viena de 1961). Já o pessoal em exercício em consulados,


qualquer que seja a nacionalidade ou o domicílio, só não
está sujeito à jurisdição das autoridades judicionais e
administrativas do Estado receptor pelos atos realizados no
desempenho das suas funções consulares (art. 43, nº 1, da
Convenção de Viena de 1963). Em face dessas disposições, a
Suprema Corte brasileira tem decidido que, nos litígios
trabalhistas entre Estado estrangeiro e brasileiro, não
prospera a imunidade de jurisdição.
Há os que sustentam que o art. 114, da
Constituição de 1988, extinguiu a imunidade de jurisdição em
matéria trabalhista ao reconhecer a competência da Justiça
do Trabalho para conciliar e julgar os dissídios de que são
partes os “entes de direito público externo”. Mas, como bem

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fls. 129

acentuou o Ministro FRANCISCO REZEK, “havia norma no direito


constitucional anterior, dizendo que litígios opondo o
indivíduo residente no Brasil ao Estado estrangeiro são
afetos à Justiça Federal comum, (...) Tudo quanto há de
novo, no texto de 1988, é um deslocamento da competência: o
que até então estava afeto à Justiça Federal comum passou ao
domínio da Justiça do Trabalho”.

TÍTULO IV
DO CONTRATO DE TRABALHO

Capítulo I

O EMPREGADOR COMO SUJEITO


DO CONTRATO DE TRABALHO

I — Conceito de empregador

Empregador é a pessoa natural ou jurídica que


utiliza e dirige a prestação de serviços de um ou mais
trabalhadores, numa relação jurídica em que estes ficam
subordinados ao seu poder de comando e dele recebem os
correspondentes salários. Esse poder de comando, ou
hierárquico, é atribuído ao empregador porque só a ele cabe
o risco da atividade para cuja execução contrata empregados.
O anteprojeto da Consolidação das Leis do
Trabalho não continha definição de empregador. Evidenciava,
porém, o seu conceito, por via oblíqua. No entanto, o
projeto final, convertido em lei, definiu-o:

“Art. 2º — Considera-se empregador a empresa, individual ou


coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite,
assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
§ lº Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos
da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de
beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem
fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º — Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora,
cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a
direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo

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fls. 130

industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica,


serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente
responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.

Essa definição induz que a empresa seria um


dos sujeitos do contrato de trabalho, a ela se equiparando,
para os efeitos da relação de emprego, as pessoas físicas ou
jurídicas referidas no § 1º.
O que se passou — e nós fomos um dos
protagonistas do episódio — é que na redação final do
projeto da CLT o ilustrado Procurador LUIZ AUGUSTO DE REGO
MONTEIRO, que coordenou os trabalhos da Comissão, defendeu a
tese de que a empresa, considerada instituição, deveria
participar da relação de emprego como sujeito de direito.
Defendida pelos dois institucionalistas da Comissão,
entendiam, todavia, os dois contratualistas que os
pressupostos nos quais se esteava a organização
socioeconômica brasileira e todo o ordenamento jurídico
nacional desaconselhavam a adoção da tese sugerida. Mas o
entendimento foi unânime no sentido de reconhecer que os
direitos e obrigações trabalhistas nascem, persistem e
extinguem-se em razão de funcionamento da empresa. Daí a
decisão de consagrar-se a despersonalização do empregador,
motivador da continuidade do contrato de trabalho. E a
redação do art. 2º da CLT acabou refletindo, em parte, a
mencionada e inconciliável controvérsia.
Tendo em vista os conceitos adotados pela
ordem jurídica brasileira, sobretudo no que tange às pessoas
e os negócios jurídicos, cumpre fixar a exegese do
dispositivo em foco negando a subjetivação da empresa, mas
reconhecendo que os direitos e obrigações advindos do
contrato de trabalho nascem em função dela,
independentemente da pessoa física ou jurídica que na
oportunidade detém o seu domínio. Somente a “empresa
pública”, integrante da Administração Pública Indireta, tem
personalidade jurídica em decorrência do sistema legal que
lhe é aplicável em nosso país.
Segundo PAUL DURAND e ANDRÉ VITTU, “o
legislador do Direito do Trabalho sentiu perfeitamente que o

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fls. 131

contrato de trabalho é formado com a empresa mais do que com


a pessoa do seu proprietário”.
EVARISTO DE MORAES FILHO, com a sua
incontestável autoridade, reconhece que “esta
despersonalização do empregador — cuja correspondência em
termos jurídicos implica em dizer que o contrato de personae
quanto a um dos contratantes (exatamente o empregador),
embora possa sê-lo em casos excepcionais — leva diretamente
ao reconhecimento de uma afirmativa nova e mais audaciosa: a
de que o contrato de trabalho, uma vez celebrado, leva mais
em consideração a empresa do que propriamente a pessoa de
quem o concluiu pelo lado patronal. Sem tomar partido na
polêmica atual entre relação e contrato de trabalho, se
existe somente elemento enfático ou também jurídico, não há
como negar que o contrato de trabalho insere-se diretamente
na empresa, ou no estabelecimento, com mais precisão. Do
lado patronal, toma-se como ponto de referência ou de
convergência dos contratos de trabalho, não mais a pessoa
física ou jurídica do seu titular, e sim o próprio organismo
produtivo”.
A organização dos empreendimentos econômicos
de grande envergadura, na qual a pessoa do proprietário,
geralmente uma sociedade por ações, não participa
diretamente das relações de trabalho — como ainda se
verifica nas pequenas empresas ou nas de tipo artesanal, nas
quais o empresário dirige pessoalmente os serviços e
colabora na sua execução — haveria de subordinar a revisão
de alguns conceitos tradicionais no campo do Direito.
Conforme salienta GEORGES RIPERT, “o direito fiscal faz aqui
figura de precursor. Surpreende a empresa em funcionamento
sem se preocupar com sua natureza. Considera-a unidade
jurídica para lançá-la”. E conclui: “o que o direito privado
não percebe ainda, senão confusamente, o direito fiscal, em
sua autonomia francamente afirmada, já o realiza. O direito
do trabalho fez, por seu lado, o que o direito fiscal fazia
no seu. Enquanto o fisco ocupava-se dos capitais e dos
lucros da empresa, a legislação operária inquietava-se com o
pessoal empregado na empresa”.
Em conseqüência da definição de empregador
estampada no caput do art. 2º da CLT, tornou-se

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indispensável a inclusão de um parágrafo considerando como


tal as pessoas naturais ou jurídicas que não empreendem
atividades de fins lucrativos, mas admitem trabalhadores
como empregados. Também os condomínios imobiliários
residenciais, embora destituídos de personalidade jurídica
própria, são considerados empregadores, com responsabilidade
contratual e judicial no tocante aos contratos de trabalho
que os vinculam aos seus empregados (Lei nº 2.757, de
23.4.56).

II – Empresa e estabelecimento

A empresa corresponde a uma universalidade de


pessoas intervinculadas por variadas modalidades de relações
jurídicas e de bens materiais e imateriais, organizados para
a realização de um empreendimento econômico. Estabelecimento
é o local onde a empresa realiza, materialmente, a
consecução dessa finalidade; sob o prisma do direito do
trabalho, é o local onde os empregados da empresa executam
suas atividades, ou a que estão vinculados os que realizam
serviços externos ou no próprio domicílio.
O estabelecimento tem caráter local, sendo
certo que a empresa pode ter um único ou diversos
estabelecimentos: matriz, filiais, fábricas, lojas,
agências, sucursais etc.
A relação de emprego vincula o trabalhador à
empresa e não ao estabelecimento onde estiver lotado. Por
isto mesmo, a CLT admite a transferência do empregado de um
para outro estabelecimento da empresa, desde que não
acarrete necessariamente mudança do seu domicílio ou ele
manifeste sua concordância; quando se tratar de cargo de
confiança; na hipótese de extinção do estabelecimento onde o
empregado trabalha; por necessidade de serviço, desde que em
caráter provisório (arts. 469 e 470).

III — Grupo empregador

A necessidade de atender aos processos da


moderna técnica industrial e ao desenvolvimento do comércio

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nacional e internacional, vem substituindo, cada vez mais, a


figura do empresário individual pela empresa de propriedade
coletiva, destinada a propiciar, pela reunião de capitais de
diversas procedências, a realização de empreendimentos de
grande envergadura. Contudo a concentração do poder
econômico — característico do capitalismo contemporâneo —
não subordinou apenas a instituição de grandes empresas; fez
mais: motivou a formação de grupos econômicos, cujas
empresas participantes, intervinculadas por interesses
comuns, empreendem as correspondentes atividades em
associações de direito ou de fato.
A Lei n0 435, de 1937, enfrentou a questão
visando à proteção dos créditos dos empregados; mas referiu
apenas “grupo industrial ou comercial” (art. 10). A CLT,
entretanto, no § 2º do seu art. 2º, já transcrito neste
título, referiu “grupo industrial, comercial ou de qualquer
outra atividade econômica”).
A Lei das Sociedades Anônimas (Lei n0 6.404,
de 15.12.76) define como
“Controlada — a sociedade na qual a
controladora, diretamente ou através de outras controladas,
é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, preponderância nas deliberações sociais e o
poder de eleger a maioria dos administradores” (§ 2º do art.
243);
“Coligadas as sociedades, quando uma
participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da
outra, sem controlá-la” (§ lº do art. cit.).
A mesma lei prevê, ainda, o controle de uma
sociedade, por acionista controlador ou “grupo de pessoas
vinculadas por acordo de votos, ou sob controle comum”,
inclusive para os que trabalham na empresa:

“Art. 116 — Entende-se por acionista controlador a pessoa,


natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de
voto, ou sob controle comum que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia
geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da
companhia; e

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fls. 134

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais


e orientar o funcionamento dos órgãos sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da companhia.
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder
com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua
função social, e tem deveres e responsabilidades para com os
demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a
comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente
respeitar e atender.”

Por sua vez, a mencionada lei cogitou da


figura de subsidiária integral, que deve ter “como único
acionista a sociedade brasileira” (art. 251); previu a
constituição formal do “grupo de sociedades” (art. 265) e
deu sentido restrito ao consórcio (art. 278).
Por conseguinte, enquanto, para haver
coligação, a lei impõe que uma sociedade participe do
capital da outra com o mínimo de dez por cento, sem,
entretanto, controlá-la. A caracterização do controle de uma
sociedade por outra depende do fato de ser a controladora
titular de direitos de sócio que lhe possibilitem, quando
queira, que sua vontade prepondere nas deliberações sociais
da companhia controlada, cuja maioria dos administradores
tem o poder de eleger. O controle pode ser direto, quando a
sociedade controladora possuir, ela mesma, os direitos de
voto e o poder de eleição dos administradores; indireto,
quando tais direitos e poder pertencerem a outras sociedades
por ela controladas, sendo exercidos, por via oblíqua, pela
companhia-mater ou, se for o caso, pela holding company.
Contudo, o grupo empregador de que trata a
CLT não corresponde apenas ao grupo de sociedades a que se
refere o Capítulo XXI da Lei das Sociedades Anônimas. A
responsabilidade solidária das empresas componentes de um
grupo econômico, para os efeitos da relação de emprego,
independe de formalização. Na verdade, o conceito de grupo
empregador adotado pela CLT traduz uma tomada de posição do
Direito diante do fenômeno da concentração econômico-
financeira. O propósito do legislador foi sobrepor ao
formalismo jurídico a evidência de uma realidade social.
Aliás, a lei trabalhista não condiciona a configuração do

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grupo empregador, para os efeitos da relação de emprego, à


circunstância de serem as empresas componentes do grupo
econômico controladas, dirigidas ou administradas por uma
sociedade-mater ou por uma holding company. A expressão
“empresa principal” pode significar uma pessoa natural, um
grupo de acionistas ou uma pessoa jurídica. O preceituado no
art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, no sentido de
que, na aplicação da lei, cumpre ao intérprete atender aos
seus fins sociais, impõe esta conclusão.
OCTAVIO BUENO MAGANO, na tese apresentada à
Faculdade de Direito da USP, acentua, com jurisdicidade, que
o controle de que cogita a CLT corresponde “Ao poder de uma
sociedade exercer sobre outra influência dominante; a facul-
dade de uma submeter à outra a sua vontade, o seu poder de
decisão; à possibilidade de uma compor os órgãos de adminis-
tração da outra e de atuar com preponderância nas
respectivas deliberações sociais A dominação, que
caracteriza o controle, não é propriamente a interferência
da sociedade controlada, mas apenas a possibilidade de tal
interferência. O controle pode existir em estado latente,
sem ser exercido. Daí dever-se afirmar que o controle é a
dominação em potência, mas não em atos”. Referindo-nos às
modalidades de controle, aduz que ele pode exteriorizar-se
tanto “através de participação acionista majoritária”, como
“em virtude de participação minoritária”, “quando há
dispersão da maioria; e, ainda, “em decorrência de um
expediente ou técnica societária”, sendo que, nesta última
hipótese, inclui, com apoio em ADOLF BERLE e GARDINER MEANS,
“a atuação gerencial conducente ao controle”. A direção “é a
efetivação do controle”, enquanto a administração implica
organização, orientação para um fim”, a solidariedade não se
presume. Mas, na hipótese em foco, ela resulta de lei, desde
que caracterizado o grupo. E a existência deste pode ser
aferida por indícios e presunções.
Sempre entendemos que a solidariedade
proclamada pelo § 2º do art. 2º da CLT é ativa e passiva.
Neste sentido, prevalece a doutrina nacional, mas o Tribunal
Superior do Trabalho tem decidido que ela é simplesmente
passiva. E ainda adotou questionada súmula no sentido de que
“o responsável solidário, integrante do grupo econômico, que

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não participou da relação processual como reclamado e que,


portanto, não consta de título executivo, como devedor, não
pode ser sujeito passivo na execução” (“Enunciado n0 205).
Preceitua o Código Civil brasileiro que

“Há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais


de um credor (solidariedade ativa), ou mais de um devedor
(solidariedade passiva), cada um com direito, ou obrigado à dívida
toda” (Parágrafo único do art. 896):

Tratando especificamente da solidariedade


ativa, dispõe o mesmo Código:

“Art. 898 — Cada um dos credores solidários tem o direito a


exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro.”

E, abordando a solidariedade passiva,


estabelece:

“Art. 904 — O credor tem direito a exigir e receber de um ou


alguns dos devedores, parcial, ou totalmente, a dívida comum”.

A solidariedade no campo social-trabalhista,


como já sublinhamos, está limitada à relação de emprego. Não
se estende, portanto, as equiparações salariais, quadros de
carreira, direitos e obrigações estipuladas em regulamento
de empresa (formalizado num único diploma ou resultante de
diversos atos patronais), segurança e medicina do trabalho,
enquadramento sindical etc.
Esclareça-se, ainda, que um mesmo empresário
pode integrar a administração superior de algumas empresas
sem que estas constituam um grupo econômico, desde que as
respectivas sociedades sejam “realmente, independentes,
autônomas e fora do âmbito de quem participa da direção
delas”, O trust e o cartel, cuja prática é condenada por
diversas legislações, também não configuram grupos
empresariais para os efeitos da relação de emprego, posto
que a aliança entre as suas administrações conservam a
independência da cada uma delas.

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IV — Consórcio

A Lei das Sociedades por Ações dedicou um


capítulo ao consórcio de sociedades, que se não confunde com
o grupo econômico examinado no item anterior.
Conforme ressaltou a exposição justificadora
do projeto da nova Lei das Sociedades por Ações, o consórcio
foi regulado como modalidade de sociedade não personificada
que tem como objeto a execução de determinado
empreendimento”.
Ao contrário do verificado em outros grupos
de sociedades, nos quais há uma relação de subordinação
entre a controladora (holding ou sociedade-mater) e as
controladas, no consórcio as sociedades consorciadas
configuram um grupo de coordenação. A lei não impõe qualquer
tipo de solidariedade, mas, como elucidou FRAN MARTINS, ela
pode ser admitida contratualmente entre as partes
consorciadas. O consórcio, portanto, não constitui pessoa
jurídica (art. 278, § 1º, da Lei cit.), atribuindo-lhe a
doutrina simples natureza contratual.
Se o consórcio não tem personalidade
jurídica, nem lhe corresponde a solidariedade a que alude a
CLT (art. 2º, § 2º), certo é, no entanto, que ele é
considerado empregador daqueles que para ele, ou para cada
uma das empresas que o constituíram, prestarem serviços na
condição de empregados. E o contrato que o instituir deve
precisar quem o representará nas eventuais ações
trabalhistas e, bem assim, como serão pagas ou rateadas as
despesas comuns.
O Ministério do Trabalho e Emprego, tendo em
vista a prática verificada no campo, em alguns Estados,
regulamentou o consórcio de empregadores rurais pela
Portaria n 1.964, de 1999. Condição indispensável para o seu
0

funcionamento é o “Pacto de solidariedade”, com o qual

“os produtores rurais se responsabilizarão solidariamente pelas


obrigações trabalhistas e previdenciárias decorrentes da contratação
dos trabalhadores comuns, e deverá constar a identificação de todos
os consorciados com nome completo, CPF, documento de

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fls. 138

identidade, matrícula CEI individual, endereço e domicílio, além do


endereço das propriedades rurais onde os trabalhadores exercerão
atividades” (§ 2º, do art. 3º),

O Pacto deve ser registrado em cartório e


objetiva dar continuidade à relação de emprego. Um dos
consorciados, para esse fim designado, assinará a Carteira
de Trabalho dos respectivos empregados, os quais terão
assegurado todos os direitos trabalhistas e previdenciários.

V — Sucessão de empresas

A sucessão, do ponto de vista jurídico,


consiste na substituição de uma pessoa por outra na mesma
relação jurídica. A relação é a mesma, mas os sujeitos que
dela participam alteram-se. No Direito do Trabalho essa
substituição assume especial importância no que tange a um
dos sujeitos, o empregador, porque o novo empresário —
pessoa natural ou jurídica — assume direitos e obrigações
referentes ao contrato de trabalho. Este só é intuitu
personae no concernente ao empregado; não o é, salvo raras
exceções, no tocante ao empregador. Daí o princípio da
despersonalização do empregador.
Visando à continuidade da relação de emprego,
que é um dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho,
dispõe que a CLT:

“Art. 10 — Qualquer alteração na estrutura jurídica da


empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”.
“Art. 448 — A mudança na propriedade ou na estrutura
jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos
respectivos empregados.”

Já vimos, na Seção II deste Capítulo, a


distinção entre empresa e estabelecimento. A sucessão
trabalhista opera mais em relação ao estabelecimento ou a um
dos seus setores, embora a troca de proprietários alcance a
empresa na sua universalidade. O novo empregador responde
pelos contratos vigentes, concluídos com o antigo titular,

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fls. 139

porque lhe adquiriu uma organização produtiva, um bem que


resulta do complexo de vínculos entre os diversos fatores de
produção por ele organizados, entre os quais o trabalho
indissolúvel da própria pessoa do trabalhador e do próprio
contrato de trabalho. E pouco importa que a sucessão não
alcance todos os estabelecimentos ou setores de atividade da
empresa.
DÉLIO MARANHÃO, na obra atualizada por LUIZ
INÁCIO CARVALHO, pondera que “a sucessão pressupõe a trans-
ferência de um para outro titular de uma organização
produtiva, ainda que parte de um estabelecimento, destacável
como unidade econômica”. Isto é, o que tem relevo para
caracterizar a sucessão nas obrigações trabalhistas é que a
organização produtiva, correspondente à empresa ou a algum
de seus estabelecimentos ou setores, configure uma unidade
técnica de produção.
Por conseguinte, não é necessário, para que
se verifique a sucessão, que tenha deixado de existir, em
sua totalidade, a empresa do empregador sucedido. Basta,
para o Direito do Trabalho, que um estabelecimento (ou parte
dele capaz de produção autônoma) passe, sem solução de
continuidade, de um para outro titular. Como ensina FERRARA
JUNIOR, “o ato há de referir-se ao estabelecimento como
entidade dinâmica capaz de proporcionar rendimento. E como
se o posto de mando de um veículo fosse ocupado por outro”.
A sucessão nos contratos de trabalho pode,
portanto, ocorrer:

a) na empresa, envolvendo todos os seus


estabelecimentos;
b) em um ou mais dos estabelecimentos da
empresa;
c) em um ou em alguns dos setores de um
estabelecimento.
A sucessão trabalhista opera-se ope legis,
qualquer que seja o negócio jurídico realizado entre os
empresários que se substituem no empreendimento objeto da
transação. Para os empregados que continuam trabalhando na
mesma unidade de produção, esse negócio é res inter alias
acta. EVARISTO DE MORAES FILHO, na mais completa obra sobre

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o tema, esclarece: “O sucessor subentra, para os efeitos do


direito do trabalho, na universalidade que constitui a
empresa ou o estabelecimento, substituindo a pessoa do
antecessor, como se fosse ele próprio, continuando-o,
independentemente do consentimento do empregado
interessado”. Conforme decidiu o TST, em acórdão da lavra do
saudoso Ministro COQUEIJO COSTA, “dois são os requisitos
para se configurar a sucessão: uma unidade econômica
jurídica que passa de uma para outro titular e não haja
solução de continuidade na prestação de serviços na mesma
atividade econômica”.
O critério para aferir-se a sucessão
trabalhista, como ensinou ORLANDO GOMES, “não pode ser
rigorosamente jurídico. Os termos estritos em que é
configurada a noção clássica de sucessão não permitem
extraiam-se do texto legal todas as conseqüências que sua
finalidade indica. A aceitação do conceito tradicional de
sucessão favoreceria a fraude à lei. Os empregadores
utilizariam facilmente meios de evitar os encargos que a lei
lhes quer atribuir. Ineficaz seria, deste modo, o preceito
legal. Daí a necessidade de encontrar-se critério mais amplo
e menos formalista”. E concluiu o eminente jurista: “Mesmo
que inexista qualquer vínculo de ligação jurídica entre os
empregadores que se substituem, se as condições objetivas
consubstanciadas na identidade de fins da empresa manifes-
tam-se e verificam-se, o direito do trabalhador ao emprego
deve ser assegurado, porque houve, por dizê-lo, sucessão
econômica.
O reconhecimento de que a sucessão nas
obrigações trabalhistas caracteriza-se pelos elementos
objetivos revelados em cada caso, independentemente de
vínculo subjetivo entre o sucedido e o sucessor, tem levado
os tribunais a afirmarem a continuidade dos contratos de
trabalho e a responsabilidade do sucessor, ainda que se
trate de concessão de serviço público outorgada a pessoa
jurídica que não o explorava; de substituição de
arrendatário; de exploração pelo Estado de empreendimento
que era realizado por particular, e vice-versa; de aquisição
do acervo de firma falida em concordata ou em liquidação com
a conseqüente continuidade da exploração do negócio; de ab-

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sorção, encampação ou fusão, parcial ou total, de uma


empresa por outra. O relevante, como ressaltam a doutrina e
a jurisprudência, é que tenha havido continuidade na
atividade desenvolvida pela unidade, ou unidades produtivas,
objeto da sucessão. Razão assiste, porém, a HUGO GUEIROS
BERNARDES, quando adverte que a descontinuidade
maliciosamente praticada para fraudar as normas legais
alusivas à sucessão, não pode prevalecer frente ao art. 9º
da CLT. Da mesma forma, como pondera EVARISTO DE MORAES FI-
LHO, tratando-se de preceitos de ordem pública, nula será a
cláusula contratual que pretenda isentar o sucessor das
obrigações social-trabalhistas.

VI — Terceirização e trabalho temporário

Como registramos no Título I deste livro


(Capítulo III, Seção IX), uma das conseqüências do casamento
da globalização da economia com a liberação do comércio
mundial (quase sempre com barreiras opostas em detrimento de
países em vias de desenvolvimento, como o Brasil), foi a
horizontalização da produção de bens ou serviços, mediante
contratação de pessoas físicas ou jurídicas especializadas
em determinados segmentos da empresa contratante.
Essa terceirização, como ficou conhecida,
objetivou a um só tempo reduzir os custos da produção e
permitir que as empresas concentrem suas pesquisas,
planejamentos, investimentos, capacitação e reciclagem do
seu pessoal nas atividades caracterizadoras do seu objeto
social e nas atividades-meio essenciais ao seu
funcionamento. Segundo LEONALDO SILVA trata-se da
“transferência a terceiros de atividades de uma empresa, que
não são consideradas essenciais e indispensáveis à
verdadeira finalidade a que se propõe (...) O que se busca
com isso é o incremento da eficiência, como também a redução
de custos, causada pelo enxugamento da estrutura da empresa.
Partindo-se da premissa de que uma empresa especializada em
determinada atividade é capaz de desenvolvê-la com maior
rapidez, melhor tecnologia e a preços mais acessíveis, esta
estratégia possibilitaria a obtenção do fim almejado por

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fls. 142

todo empresário: maior qualidade e produtividade e preços


mais baixos”.
A Lei n0 6.019, de 1974, disciplinadora do
serviço executado por trabalhadores vinculados a empresa de
trabalho temporário, deixou claro que a intermediação de
mão-de-obra só seria admitida nos casos e limites nela
fixados: substituição transitória de pessoal regular e
permanente ou acréscimo extraordinário de serviços (art.
2º), até três meses, podendo ser prorrogado pelo órgão local
do Ministério do Trabalho (art. 10).
A dinâmica estabelecida por esta lei
corresponde a uma operação triangular, na qual a empresa
fornecedora de mão-de-obra delega o poder de comando à sua
cliente, a fim de que esta dirija a prestação de serviços
dos empregados que estão vinculados àquela, mas se obrigam a
trabalhar para terceiros.
Em 1983, a Lei n0 7.102 regulou o trabalho de
vigilantes nos estabelecimentos bancários e nos transportes
de valores, permitindo que esses serviços fossem executados,
permanentemente, por empresas especializadas.
Um dos corolários jurídicos de maior relevo,
decorrente da Lei n0 6.019 citada, é que, excetuadas as duas
hipóteses nela previstas para a contratação de trabalho
temporário, o sistema legal não admite a utilização, pelas
empresas, de mão-de-obra contratada a terceiros; isto é, a
contratação de trabalhadores por interposta pessoa física ou
jurídica, que os registra como seus empregados.
Tal não significa, porém, que restaram
proibidos os legítimos contratos de prestação de serviços ou
de empreitada de obra de que trata o Código Civil. Mas esses
contratos hão de justificar-se por sua própria natureza e
finalidade, devendo, para não configurarem uma simulação em
fraude à lei, ser executados por trabalhadores cujos
serviços são prestados sob o poder de comando (diretivo e
disciplinar) da pessoa ou sociedade contratada e não da
empresa contratante.
Essas diretrizes levaram o TST a aprovar o
Enunciado n 256, de 1986, depois substituído pelo de n0 331,
0

de 1993, cujos itens I e III dispõem:

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fls. 143

“I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta é


ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos
serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n 0 6.019, de
3.1.74).”

“III — Não forma vínculo de emprego com o


tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n0
7.102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como de
serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador,
desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação
direta”.
O item II, tendo em vista a exigência de
concurso para a admissão de pessoal nos órgãos de
administração pública direta, indireta e fundacional (art.
37, II, da Const.), prescreveu que essa contratação por
empresa interposta não gera relação de emprego.
O que importa, como se vê, é que os
trabalhadores não fiquem juridicamente subordinados à
empresa contratante, numa operação triangular só admitida
nos casos de trabalho temporário, prestando os respectivos
serviços sob direção e a disciplina da mesma. O empregador
desses trabalhadores, responsável primário pelo cumprimento
das obrigações social-trabalhistas, é a empresa contratada.
A empresa contratante, responsável pela escolha da
contratada, é atribuída a responsabilidade subsidiária.
Sublinhe-se que se trata de responsabilidade subsidiária,
que pressupõe o não pagamento da dívida pelo devedor da
obrigação, e não de responsabilidade solidária.
Os conceitos de atividade-meio e atividade-
fim, para distinguir entre a terceirização legítima e a
ilegítima, têm gerado controvérsia. Consoante o depoimento
do Ministro VANTUIL ABDALA, principal redator do referido
Enunciado, “a realidade socioeconômica estava a demonstrar
que era inexorável a adoção pelas empresas do sistema de
delegar a terceiros ou a terceiras a execução de serviços
complementares à sua finalidade”. E, reconhecendo que nem
sempre é fácil distinguir a atividade-meio da atividade-fim,
tendo em vista o objetivo final da empresa contratante,
pondera que o juiz deverá levar “em conta as razões mais
elevadas do instituto: a especialização, a concentração de

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esforços, naquilo que é a vocação principal da empresa: a


busca de maior eficiência na sua finalidade original, e não
apenas a diminuição de custos”. Daí o nosso entendimento: a
terceirização corresponde à contratação de empresas
especializadas em segmentos da produção não correspondentes
ao objeto final da contratante ou para a execução de
atividades-meio não fundamentais ao funcionamento da
empresa.
A jurisprudência tem admitido a terceirização
dos serviços de restaurante ou de preparação de alimentação;
de segurança; de conservação e limpeza; de conservação e
assistência a máquinas, elevadores e outros equipamentos; de
assistência médica, jurídica ou contábil; de transporte; de
seleção e treinamento de pessoal”.
Não basta, porém, que o objeto da prestação
de serviços possa ser terceirizado. Imprescindível será que
essa prestação: a) seja executada sob o poder de comando dos
dirigentes ou prepostos de firma terceirizada e não sob a
direção do tomador dos serviços (somente no trabalho
temporário, a Lei n0 6.019/74 autoriza a delegação do poder
de comando); b) não acarrete, direta ou indiretamente,
pagamento de salário pelo usuário.
Nas hipóteses admissíveis de terceirização, a
prestação de serviços deve ser executada por empregados da
empresa contratada, que assume o risco da atividade e exerce
diretamente o seu poder de comando (diretivo e disciplinar).

VII — Regulamento de empresa

A natureza jurídica desse regulamento tem


suscitado controvérsia na doutrina. Para os
institucionalistas, os administradores da empresa possuem o
poder de legislar sobre o seu funcionamento e as relações
com os seus empregados. Para os contratualistas, entretanto,
cumpre distinguir entre as regras referentes à organização e
o funcionamento da empresa e aquelas pertinentes ao objeto
dos contratos de trabalho, cuja eficácia jurídica depende da
adesão, expressa ou tácita, dos empregados.
O direito comparado revela diferentes normas
alusivas ao regulamento da empresa. Assim, por exemplo, na

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fls. 145

França, o réglement intérieur é obrigatório em todas as


empresas que empreguem habitualmente pelo menos vinte
empregados; contém obrigatoriamente certas cláusulas
(disciplina e segurança e higiene do trabalho); as cláusulas
devem observar a legislação e as convenções coletivas; e,
antes de expedido pelo empregador, tem de ser consultado o
respectivo comitê da empresa ou, se for o caso, os delegados
do pessoal. Na Itália, em virtude do acordo
interconfederativo de 18 de abril de 1966, as comissões
internas das empresas industriais têm o encargo de “examinar
com os dirigentes da empresa, antes de sua aplicação, o
regolamento d’azíenda, visando à correta solução de
possíveis controvérsias”. E, com a vigência da Lei n0 300, de
20 de maio de 1970, “a unilateralidade do regulamento
interno ficou condicionada a limites legais cada vez mais
restritivos”27. O próprio poder disciplinar, que emana do
poder de comando do empresário, sofreu restrições por parte
dessa lei. Em alguns países são ouvidos os sindicatos
representativos dos empregados.
No Brasil, a direção superior da empresa pode
aprovar o seu regulamento por ato unilateral, sem que esteja
obrigada a submetê-lo previamente a qualquer órgão ou
entidade. E ele pode corresponder tanto a um texto
sistematizado, qualquer que seja o seu título, como ao
conjunto de atos isolados cujas disposições, por sua
natureza jurídica, configurem o “regulamento”.
Como já sublinhamos, a CLT confere ao
empregador o poder de comando (diretivo, hierárquico e
disciplinar) que lhe permite adotar um ordenamento relativo
à atividade econômica que organiza e cujos riscos assume:
normas de natureza técnica inerentes à organização produtiva
e à execução do trabalho. Em face da legislação brasileira,
essas normas, que visam à organização e ao funcionamento da
empresa, podem ser, sempre, unilateralmente modificadas pelo
empregador, sem qualquer reflexo jurídico nos contratos de
trabalho dos empregados. Mas, relativamente às disposições
destinadas aos contratos de trabalho, o regulamento não é
fonte de direito; corres ponde a um contrato-tipo a que os
trabalhadores aderem ao ajustar os respectivos contratos de
trabalho. A validade de suas cláusulas, destinadas à

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disciplinação dos direitos e obrigações das partes


contratantes, resulta, portanto, da manifestação de vontade,
expressa ou tácita, do próprio empregado. E tanto é assim,
que se o trabalhador, ao ser admitido na empresa, ressalvar
a inaplicação de determinado dispositivo do regulamento ao
seu contrato de trabalho e, não obstante, este contrato for
celebrado, não poderá o empregador aplicar a regra impugnada
relativamente a esse empregado.
Portanto, as normas de caráter técnico ou
organizacional independem, para sua eficácia jurídica, da
concordância dos empregados e, por isso mesmo, não aderem
aos contratos de trabalho. As que estabelecem as condições
gerais dos contratos, inclusive no tereno dos benefícios e
vantagens assegurados aos empregados, passam a constituir,
por adesão expressa ou tácita, cláusulas dos mesmos (art.
444 da CLT). Como elucida CAMERLINCK, “a jurisprudência não
estabelece qualquer diferença quanto ao regime jurídico do
contrato de trabalho, seja instituído pelo regulamento ao
qual se considera ter o trabalhador aderido, seja pelo
contrato individual. Em ambos os casos há convenção entre as
partes”.
Na lição de ERNESTO KROTOSCHIN, “onde o
patrão dita o regulamento de modo unilateral, o caráter de
norma objetiva depende da autorização — ou do encargo — que
o legislador haja dado, de modo expresso ao empregador para
este efeito. À falta de tal autorização ou encargo, o
regulamento interno, elaborado pelo patrão, não poderá reger
os contratos individuais de trabalho senão com o
consentimento dos respectivos trabalhadores”.
Em qualquer hipótese — cabe sublinhar —, o
empregador brasileiro pode, por ato unilateral, alterar, e
até revogar, as normas que constituem o regulamento interno
da empresa. Contudo, quando se tratar de disposições sobre
condições de trabalho ou vantagens decorrentes dos contratos
de trabalho, que nestes se incorporam, sua modificação não
poderá importar em prejuízo para os empregados. Isto é, as
disposições que se incorporam ao contrato de trabalho não
poderão ser alteradas com violação da norma constante do
art. 468 da CLT. Daí a súmula consubstanciada no Enunciado n0
51, do TST:

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“As cláusulas regulamentares, que revogarem ou alterem van-


tagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores
admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.”

Capítulo II

CONTRATO DE TRABALHO E
EMPREGADO

I — Conceituação do contrato de trabalho

No Brasil, tendo em conta o disposto nos


arts. 2º e 3º da CLT, o contrato individual de trabalho
pode ser definido como o negócio jurídico em virtude do qual
um trabalhador obriga-se a prestar pessoalmente serviços não
eventuais a uma pessoa física ou jurídica, subordinado ao
seu poder de comando, dele recebendo os salários ajustados.
O empregador, por assumir os riscos da
atividade empreendida, exerce o poder de comando (diretivo,
hierárquico e disciplinar) em relação aos serviços prestados
pelo empregado.
O contrato de trabalho pode ser ajustado
verbalmente (expressa ou tacitamente) ou por escrito (art.
443 da CLT); e desde que se configure a relação de emprego
em face dos elementos descritos nos precitados arts. 2º e
3º, considera-se celebrado o contrato, art. 442), qualquer
que seja o nomen juris que se lhe dê. Esses dois
dispositivos, ao contrário do que alguns entenderam, ou
ainda entendam, procuram despir o contrato de trabalho de
formalidades exigidas para outros negócios jurídicos, ao
mesmo tempo que afirmam sua existência sempre que a relação
fática de trabalho revele os elementos caracterizadores da
condição de empregador e da de empregado. Adotou, assim, a
teoria do contrato realidade, hoje amplamente consagrada
pela doutrina e pela jurisprudência.
Com a caracterização do contrato de trabalho,
o empregado contrai “uma obrigação de fazer, de caráter

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fls. 148

personalíssimo e intransferível a terceiro”. Daí por que, ao


contrário do que ocorre com o empregador, esse contrato é
intuitu personae em relação ao trabalhador. Destarte,
elemento relevante para negar a condição de empregado
consiste em verificar se o serviço objeto do contrato pode
ser, ou o é, executado por outra pessoa designada pelo
contratante.

II — Subordinação jurídica do empregado

O art. 3º da CLT, que revela o conceito de


empregado, alude à dependência, sem esclarecer se ela é de
caráter econômico, social, técnico ou hierárquico. Mas é a
esta última, que resulta da subordinação jurídica assumida
pelo próprio trabalhador ao ajustar o contrato de trabalho,
que se refere a Consolidação. Ela é, para o empregado, o
reverso da medalha do poder de comando atribuído ao
empregador.
Por algum tempo predominou o apelo à
dependência para caracterizar o contrato de trabalho. Mas
esse critério foi superado pela própria evolução do novo
ramo da ciência jurídica, o qual, embora nascido para
proteger os economicamente fracos, sobretudo os operários da
indústria (daí a designação de “legislação operária” ou
“legislação industrial”), alargou consideravelmente o seu
campo de ação, passando a não distinguir entre o trabalho
manual, o técnico e o intelectual. O instrumento jurídico,
em virtude do qual um empregador contrata o trabalho alheio,
prescinde do estado de dependência econômica do trabalhador
àquele, para que haja relação de emprego. O empregado
poderá, inclusive, ser economicamente mais forte do que o
seu empregador, e nem por isto deixará de haver contrato de
trabalho subordinado. A dependência econômica do operário ao
patrão foi um dos fundamentos históricos da legislação do
trabalho. Hoje, porém, descabe invocar um fator econômico, e
sim um elemento de ordem jurídica, para distinguir o
contrato de emprego de outros contratos afins em que o
contratado também presta serviços. Como veremos adiante, há

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fls. 149

outros contratos subordinativos; mas a subordinação do


trabalhador ao seu empregador tem acepção peculiar.
EVARISTO DE MORAES FILHO, no seu “Tratado
Elementar de Direito do Trabalho”, reproduz as seguintes e
exemplares considerações de PAUL COLIN: “por subordinação
jurídica entende-se um estado de dependência real criado por
um direito, o direito do empregador de comandar, dar ordens
onde nasce a obrigação correspondente para o empregado de se
submeter a essas ordens. Eis a razão pela qual se chamou
esta subordinação de jurídica, para opô-la principalmente à
subordinação econômica e à subordinação técnica que comporta
também uma direção a dar aos trabalhos do empregado, mas
direção que emanaria apenas de um especialista. Trata-se,
aqui, ao contrário, do direito completamente geral de
superintender a atividade de outrem, de interrompê-la ou de
sustá-la à vontade, de fixar-lhe limites, sem que para isso
seja necessário controlar continuamente o valor técnico dos
trabalhos efetuados. Direção e fiscalização, tais são então
os dois pólos da subordinação jurídica”.
A subordinação jurídica de que tratamos não
representa “simplesmente um estado de fato, mas um estado
jurídico oriundo da típica contratualidade da relação de
emprego”. Ela não transforma o trabalhador em servo, numa
relação senhorial em que se sujeite à ilimitada vontade do
empregador (status subjetiones). Na feliz síntese do emérito
PEREZ BOTIJA, essa “dependência significa que uma pessoa
está submetida à vontade da outra, porém, não através de uma
submissão psicológica, de uma vinculação social, de uma
obediência pessoal cega, ao justo capricho subjetivo do que
manda, senão por meio de uma submissão funcional, em virtude
da qual se unificam ou coordenam atividades diversas”. E,
referindo-se ao poder hierárquico resultante dessa
dependência, adverte que ele “é um poder de disposição sobre
homens livres. O trabalhador não abdica da sua condição de
cidadão. Por outra parte, cumpre notar que as possíveis
limitações à liberdade nunca ensejam um poder total e
ilimitado. Antes, estão juridicamente reguladas pelo direito
objetivo. Aquele poder de disposição, segundo reconhece a
doutrina e o direito positivo, incidem unicamente sobre a
atividade trabalhista; afetam só o objeto do emprego.

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fls. 150

O critério da dependência social, defendida


por SAVATIER e, entre nós, pelo saudoso OLIVEIRA VIANNA,
consiste na fusão dos elementos “dependência econômica” e
“dependência hierárquica”, dos quais resultariam o estado de
subordinação social em que o empregado coloca-se ante o seu
empregador. Incorre, por isso, na mesma crítica que tornou
superado o critério da dependência econômica: nem todos os
empregados dependem econômica ou socialmente do respectivo
empregador. Demais disto, a subordinação jurídica, oriunda
do contrato de trabalho, embora acarrete a dependência
hierárquica, não importa na subordinação social do homem que
trabalha ao seu empregador.

III — Serviços eventuais

Ao exigir, para a conceituação do empregado,


que os serviços prestados pela pessoa física contratada não
seja de natureza eventual, estatuiu o art. 3º da CLT,
fortiori, que um dos elementos configuradores do contrato de
trabalho corresponde à continuidade do vínculo empregatício.
Conforme esclarece o emérito DEVEALI, só existe relação de
emprego quando do contrato resultar “uma relação de caráter
continuado”.
Serviços de natureza eventual não significam,
portanto, trabalho intermitente, relativo a uma relação
jurídica não transitória; concernem, isto sim, a trabalho
excepcional prestado em virtude de uma relação jurídica
também ocasional. É o que vulgarmente se denomina de
biscate. Assim, por exemplo, é eventual o serviço do
operário contratado para desentulhar parte do
estabelecimento cujas paredes desabaram. Já o trabalhador
contratado para prestar serviços aos sábados e domingos num
clube desportivo deve ser considerado empregado; a prestação
de serviços é, neste caso, intermitente, mas o seu contrato
de trabalho é de caráter continuativo. Por isto a doutrina
italiana distingue o avventizi do lavoratori intermittenti,
timbrando em acentuar que o primeiro é um trabalhador
occasionali. O fato de não se tratar de trabalho executado
dia a dia não importa na conceituação do serviço como de
natureza eventual”. O objetivo específico da legislação

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fls. 151

trabalhista consiste em outorgar um amparo àqueles que se


encontram num estado de subordinação continuada frente ao
seu empregador, devendo exigir-se o elemento continuidade
mais quanto ao vínculo do que às prestações”.

IV — Trabalho manual, técnico ou


intelectual

A configuração do contrato de trabalho


independe da qualificação profissional do trabalhador e da
natureza da atividade que terá de exercer. A própria
Constituição brasileira, ao relacionar os direitos dos
trabalhadores, explicita no seu art. 7º:

“XXXI — proibição de distinção entre o trabalho manual,


técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.”

Recepcionou, portanto, o disposto no


parágrafo único do art. 3º da CLT.
Ao contrário do que se verifica em outros
países, o mencionado preceito constitucional impede que se
distinga entre “contratto di lavoro” e “contratto d’impiego
privato”, entre “emptoyé” e “ouvrier”, entre “empleado” e
“obrero”, para disciplinar, com regimes jurídicos diversos,
as relações de emprego de que sejam partes, pelo simples
fato de tratar-se de um trabalho prevalentemente
intelectual, técnico, burocrático ou manual. Desde que
trabalhe sob a forma de emprego, qualquer trabalhador será
considerado empregado.
Esse mandamento do nosso direito positivo há
de ser interpretado, no entanto, tendo em vista o- pacífico
entendimento de que a igualdade de direitos deve
corresponder à paridade de situações, razão por que não fere
à isonomia tratar desigualmente situações desiguais. O que a
Constituição proíbe é que os direitos, garantias e
benefícios assegurados de maneira geral ou para determinada
categoria distingam entre os trabalhadores manuais, os
técnicos e os intelectuais integrantes do grupo a que se
refere a lei. E tanto assim é que, para os bancários, os
jornalistas, os telegrafistas etc., a duração normal do

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fls. 152

trabalho é inferior à determinada como regra geral; diversas


categorias profissionais possuem regulamentações especiais
que asseguram aos seus componentes direitos que apenas lhes
concernem etc.
Embora os profissionais liberais exerçam
comumente sua atividade profissional como trabalhadores
autônomos, nada impede que a exerçam como empregado.
A natureza dos misteres executados por
profissionais liberais contratados como empregados permite
distinguir claramente entre a subordinação jurídica e a
subordinação técnica ao respectivo empregador, revelando que
esta última não deve ser invocada para caracterizar o
contrato de trabalho. É óbvio que o médico não tem de
receitar um remédio que reputa impróprio; o advogado não tem
de inserir num recurso um argumento que considera
inadequado; um engenheiro não deve executar construção que,
a seu juízo, não possuirá a necessária solidez. Daí a lição
de DÉLIO MARANHÃO, no sentido de que é empregado o
profissional que se coloca à disposição do empregador, de
forma a que este possa “utilizar de seus serviços quando
queira, embora não como queira”.
Consoante expressiva síntese de LUISA RIVA
SANSEVERINO, “piu il lavoro si spiritualisa, piú la
subordinazione si rarefà e piu intensifica, di consquenze,
l’iniziativa personale del lavoratore”. Desarrazoado,
portanto, o entendimento de que o profissional liberal não
pode ser empregado. Como acentuaram PAUL DURAND e ANDRE
VITTU, “cette concepcion extrême n’a pas été admise”.

V — Cargos de confiança

Não obstante o contrato de trabalho


pressuponha a mútua confiança entre as partes, certo é que o
exercício de determinadas funções exige confiança especial
ou excepcional do empregador em relação ao empregado.
A legislação brasileira, como já acentuamos,
não distingue entre empregado e operário, no que concerne
aos direitos e obrigações derivadas do contrato de trabalho,
e também não possui um sistema especial para os

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fls. 153

alto=empregados. Mas em face do estatuído na CLT, os


exercentes de cargos de confiança não se efetivam nos
mesmos, podem ser livremente transferidos para outro local
de trabalho (art. 469, § lº), não se lhes aplicando os
dispositivos legais sobre a duração do trabalho, quando
desempenhando funções de gestão, como os gerentes e os
diretores ou chefes de departamento ou filiar (art. 62, II).
Nas sociedades por ações, o empregado eleito diretor tem
suspenso o seu contrato de trabalho.
Os cargos de confiança podem corresponder a
três situações:

a) cargos de confiança geral e imediata do empregador, para


cujo desempenho este delega ao empregado poderes de repre-
sentação, a fim de que exerça, em maior ou menor dose, o poder de
comando;
b) cargos de confiança especial e imediata do empregador,
para o qual a delegação de poderes concerne a determinados
misteres;
c) funções de confiança imediata de diretores, gerentes, te-
soureiros e alguns exercentes de cargos referidos nas alíneas
anteriores, tais como as de chefe de gabinete, secretário, assessor-
chefe.

Lembrando a advertência de PONTES DE MIRANDA


de que “os juristas, por muito tempo, confundiram o poder e
o mandato”, DÉLIO MARANHÃO esclarece que nos casos aqui
focalizados há representação e não mandato. Este não
coexiste com o contrato de trabalho, embora a mesma pessoa
possa ser empregado e mandatário. O mandato é contrato,
enquanto a outorga de poderes é negócio jurídico unilateral.

VI — Sócio e empregado

Consoante o preceituado no art. 20 do Código


Civil, “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos
seus membros”. Por via de conseqüência, o contrato de
trabalho pode coexistir com o de sociedade. Isto é, a
qualidade de sócio da pessoa jurídica, proprietária da
empresa em que trabalha como empregado, não desfigura, em

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fls. 154

princípio, o respectivo contrato de trabalho. Essa


compatibilidade, defendida por muitos juristas e negado por
outros, vem sendo, acertadamente, admitida pela
jurisprudência brasileira.
Essa é a regra, mas não um princípio
absoluto, porquanto a natureza da sociedade ou a intensidade
da participação do sócio na sua gestão podem determinar a
incompatibilidade. Com efeito, a posição do acionista de uma
sociedade anônima ou a de um quotista de uma sociedade por
quotas de responsabilidade limitada é bem diversa da que
concerne ao integrante de uma sociedade em nome coletivo;
naquelas, sua responsabilidade não ultrapassa o valor das
ações de quotas subscritas; na segunda, os sócios são
solidária e ilimitadamente responsáveis por todas as
operações sociais. Nas sociedades em nome coletivo, o
contrato de sociedade, caracterizado pela affectio so-
cietatis, é incompatível com o contrato de trabalho, eis que
deste decorre a subordinação jurídica do empregado ao poder
de comando do empregador. Como acentuou DÉLIO MARANHÃO, “a
intenção de se considerarem os contratantes em pé de
igualdade, como parceiros, como sócios, que já os romanos
entendiam definir o contrato social” (affectio societatis),
exclui logicamente a qualidade de empregado, “uma vez que,
aí, todos os sócios são solidariamente responsáveis pelas
dívidas sociais”.
Na síntese de LUIGI DE LITALA, “a sociedade é
um ente coletivo separado e distinto da pessoa do sócio, mas
a condição de empregado não é juridicamente concebível
quando a mesma pessoa reúne em si la duplice qualitá di
principale e di subordinato”.

Capítulo III

NATUREZA JURIDICA

E CONTRATOS AFINS

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I — Teorias explicativas da relação de


emprego

A evolução das relações de trabalho entre os


homens sob o prisma da sociologia e do direito obsta o
enquadramento do vínculo do emprego entre as clássicas
fórmulas construídas pelos romanos ou consagrados no Código
de Napoleão. Ao jurista contemporâneo não mais interessa,
sob este prisma, a distinção entre a locattio operis, que
visava ao resultado do trabalho contratado, e a locattio
operarum, que tinha por fim a locação da energia humana do
trabalho, pois, como bem assinala GALLART FOLCH, hoje “não
existe grande diferença entre o que presta serviço ou
executa uma obra, sempre que o façam para um empregador e
sob a dependência deste”.
Os adeptos da teoria institucional consideram
que a formação da relação de emprego resulta de um ato-
condição, e não de um contrato, porque vigora, antes de ser
praticado “um verdadeiro estatuto legal, convencional,
judiciário ou costumeiro que lhe será aplicado logo que se
realize a simples formalidade da admissão”. Cumpre ponderar,
entretanto, que embora o conteúdo da relação de emprego
seja, em grande parte, imposto por normas legais imperativas
e por convenções coletivas de trabalho de incidência
compulsória, certo é que o vínculo jurídico do emprego nasce
do encontro de duas vontades: a do trabalhador, que se
emprega, e a do empregador, que o admite como empregado.
Ainda que essa convergência volitiva manifeste-se
tacitamente, haverá o consenso das duas partes para a
criação das obrigações recíprocas pertinentes à relação de
emprego. Portanto, contrato. O fato de normas legais ou de
convenções coletivas constituírem, obrigatoriamente, o
conteúdo da relação de emprego não desfigura sua natureza
contratual, posto que contrato de adesão é, também,
contrato. O mesmo ocorrerá quando, respeitando as normas
cogentes aplicáveis, o regulamento da empresa estipular as
condições que, por força da adesão manifestada pelo
empregado, se incorporam ao respectivo contrato de trabalho.
Mesmo porque as normas cogentes correspondem a preceitos
mínimos ou básicos de proteção ao trabalho, acima dos quais

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empregador e empregado são livres para pactuar as condições


que devem reger os contratos de trabalho. Neste sentido,
dispõe o art. 444 da CLT, sendo que o art. 468 nulifica as
alterações unilaterais do contrato.
Essa intervenção do Estado nas relações de
trabalho, que caracterizou o nascimento do Direito do
Trabalho, proporcionou a elaboração de teorias que negam a
contratualidade da relação de emprego. EVARISTO DE MORAES
FILHO, no seu “Tratado Elementar de Direito do Trabalho”,
sintetizou-as: a) a teoria da inserção ou ocupação, mais
radical, adotada por eminentes juristas alemães, entre os
quais MOLITOR, para quem a origem da dependência pessoal do
empregado não decorre necessariamente de um contrato prévio,
mas, simplesmente, da sua inserção ou incorporação à
empresa, correspondente à relação fática de trabalho, da
qual resulta o poder diretivo patronal; e com esta corrente
doutrinária identificam-se, de um modo geral, os
relacionistas espanhóis DE BUEN, MADRID, POLO e LACAMBRA,
chegando este último a sustentar que se o contrato é
autêntico, isto é, se possui a superestrutura de contrato,
está excluído por essência do âmbito do Direito Social (de
ordenação interna ou de integração) a que pertence a relação
do trabalho); b) a teoria do ato-condição, menos absoluta,
advogada, dentre outros, por DUGUID, SCELLE, HAURIOU,
RENARD, CUCHE e DURAND, para os quais a adesão do empregado
não constitui um ato subjetivo mas simples engajamento, que
acarreta a aplicação, à relação de trabalho estabelecida, de
todas as normas previamente estipuladas por lei,
regulamentos, convenções coletivas ou decisões de
autoridades competentes. Há, independentemente da vontade do
empregador e do empregado, um conjunto de normas
estatutárias destinadas a reger a relação de trabalho
iniciada pelo engajamento do empregado ou ato-condição ori-
ginário. Mas, como adverte GEORGES SCELLE, nada impede que o
engajamento seja total ou parcialmente contratual, sendo
certo que, por vezes, ocorre a livre discussão das cláusulas
atinentes à relação de emprego. Daí ter confessado HARIOU
que o contrato de trabalho caminhava para uma situação ins-
titucional que, no entanto, ainda não fora atingida.

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fls. 157

WALTER KASKEL, na sua obra Arbeitsrecht


atualizada por DERSCH e traduzida para o espanhol por
KROTOSCHIN, assume posição eclética ao escrever que, “em
geral, a relação efetiva de trabalho é suficiente para o
conceito de trabalhador (relação de emprego),
independentemente da existência de um contrato válido,
sobretudo no que respeita à proteção do trabalho e à
organização social da empresa; porém, se exige um contato de
trabalho válido para aqueles domínios do direito do trabalho
onde ele é requerido expressa ou implicitamente”. E
acrescenta: “a solução correta incluiria, pois, elementos
tantos da teoria do contrato como da teoria da
incorporação”.
A grande maioria dos juslaboristas nacionais
e estrangeiros afirmam, hoje, a contratualidade da relação
de emprego. E certo que o trabalhador, na maioria das vezes,
manifesta simplesmente sua adesão às condições previamente
estipuladas por lei, convenção coletiva ou regulamento de
empresa, que correspondem ao conteúdo do negócio jurídico
ajustado. Mas isso não desnatura a contratualidade da
relação de emprego. Embora nem todo o contrato de trabalho
seja de adesão, pois em muitos casos suas cláusulas são
discutidas e estipuladas livremente pelos contratantes,
observados sempre os preceitos básicos e imperativos de
proteção ao trabalhador, certo é que a livre discussão das
condições contratuais não constitui pressuposto essencial à
contratualidade de qualquer negócio jurídico. Conforme
escreveu HENRY DE PAGE, “nenhum texto ou princípio de
direito exige, para a validade de um acordo de vontades, que
o conteúdo do contrato seja estabelecido pelas duas partes
ou tenha sido objeto de negociações ou discussões
preliminares. Todo contrato pode converter-se num contrato
de adesão”.
O fato de preexistir uma regulamentação
abundante, visando à proteção do trabalhador, editada pelo
Estado ou conquistada pelos sindicatos, é que, no dizer de
RIVA SANSEVERINO, torna o contrato de trabalho “mais
contratual”, porquanto impede que a vontade do
economicamente poderoso imponha as condições do emprego. As
normas imperativas preexistentes é que estabelecem, na

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fls. 158

realidade, o equilíbrio entre as partes, essencial à


contratualidade do vínculo jurídico ajustado.

II — Características do contrato de
trabalho

Porque a relação de emprego não corresponde


nem ao contrato de compra e venda, nem ao de locação de
serviços, nem ao de sociedade, forçoso é concluir que se
trata de um contrato autônomo, com fisionomia e
características próprias.
De um modo geral, existem poucas e pequenas
discrepâncias entre os doutrinadores, ao enumerarem as
características jurídicas do contrato de trabalho. Para nós,
ele é: a) de direito privado, pois o seu vínculo é
estabelecido, entre o trabalhador e a pessoa natural ou
jurídica que o contrata, no campo das relações de direito
privado. Pertence, assim, “à categoria das relações
jurídicas de coordenação, na qual a conexão da norma
imperativa com a autonomia da vontade não enseja, qualitati-
vamente, maiores dificuldades que em tantas outras relações
jurídicas afetadas pelo interesse social”. O jus cogens não
é prerrogativo do direito público; ele aparece nas relações
jurídicas do direito privado sempre que o interesse
individual por inseparável do interesse coletivo social; b)
consensual, pois sua validade, salvo raras exceções,
independe de forma especial prescrita em lei, porque o
simples consentimento verbal ou mesmo tácito configura o
vínculo jurídico ajustado ou desejado pelas partes; c)
intuititu personae em relação do empregado, embora não o
seja, com já assinalamos, no que concerne ao empregador; d)
de trato sucessivo, porque é executado com caráter contínuo
através do tempo. Não se resolve com a execução de
determinado ato, eis que dele resulta “uma relação de débito
permanente”. Enquanto perdurar a relação de emprego, os
contratantes terão de executar, sucessivamente, as
prestações e contraprestações que correspondem às obrigações
de fazer e de dar que lhe são inerentes; e) sinalagmático,
porquanto as partes obrigam-se entre si (sinalagma) visando
à satisfação de prestações recíprocas que se equivalem

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fls. 159

(comutatividade). Cumpre sublinhar, entretanto, que a noção


de comutatividade concerne ao contrato, em seu conjunto, e
não, particularmente, a cada prestação (trabalho) e
contraprestação (salário). Daí por que a maior parte da
doutrina conceitua como de natureza salarial a remuneração
de certos dias de interrupção dos serviços (férias, licença
à gestante, repouso semanal, etc.); f) subordinativo, por
isto que o vínculo jurídico estabelecido decorre,
relativamente ao objeto do contrato, um estado de
dependência hieráquica da pessoa física do empregado ao
empregador, que permite a este dirigir, por si ou por seus
prepostos, a prestação dos serviços pelo trabalhador. O
empregado está juridicamente subordinado ao poder de comando
do empregador.

III — Distinção entre o contrato de trabalho


e os contratos afins

Na lição de DARCY BESSONE, “dividem-se os


contratos, considerada a autoridade que um dos contratantes
exerça sobre o outro, em igualitários e subordinantes. Nos
igualitários, as partes apresentam-se em posição de
igualdade, sem que uma subordine-se à outra. Nos
subordinantes, uma deve obedecer às ordens ou instruções da
outra”. A subordinação jurídica, porém, pode apresentar
diferentes graus, sendo mais intensa no contrato de
trabalho. Também a pessoalidade na prestação de serviços é
comum a vários tipos de contratos; mas a direção da
prestação pessoal dos serviços contratados representa fator
de relevo na configuração da relação de emprego. O mais
importante, no entanto, é, sem dúvida, a assunção do risco
da atividade empreendida. Como observa RENATO CORRADO, a
noção de subordinação, pela generalidade de sua acepção e
pela multiplicidade que assume na linguagem técnica, não
pode ser de muita ajuda para a definição do contrato de
trabalho, se não esclarecer o sentido específico que se lhe
pretenda atribuir. Na execução do contrato do trabalho o
empregado, em hipótese alguma, pode participar do risco do
negócio. Aliás, a subordinação jurídica peculiar a esse

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fls. 160

contrato explica-se e justifica-se por caber exclusivamente


ao empregador os riscos da atividade que empreende. Para
repetir JEAN-CLAUDE JAVILLIER, “no regime capitalista o
empregador assume todo o risco econômico. O empregado,
nenhum. A subordinação é, portanto, o reflexo dessa relação
de produção”.
O empregado distingue-se no trabalhador
autônomo, porque, além de ficar juridicamente subordinado ao
poder de comando do empregador, este é que assume todo o
risco da atividade econômica empreendida. Já o autônomo
executa o trabalho que contrata por vontade própria e assume
o risco dessa atividade, explorando sua força de trabalho em
seu benefício”. Daí a definição legal:

“Trabalhador autônomo é aquele que exerce habitualmente, e


por conta própria, atividade profissional remunerada” (art. 4º c, da
Lei n0 5.890, de 1973).

No contrato de empreitada, o “locador de


serviços obriga-se a fazer ou mandar fazer certa obra,
mediante retribuição determinada ou proporcional ao trabalho
executado”. Trata-se — convém sublinhar — de contrato cujo
pagamento é ajustado em função de determinada obra, cuja
execução é feita pelo próprio empreiteiro ou por intermédio
de empregados seus, cujos serviços ele dirige pessoalmente
ou mediante prepostos, utilizando material próprio ou
fornecido pelo contratante (art. 1.237, do Código Civil). Ao
empreiteiro cabe o risco pela má realização da obra, se
fornece os materiais (art. 1.238) ou quando houver culpa na
execução dos serviços, se forneceu apenas a mão-de-obra
(art. 1.239). Na empreitada de lavor, o contratante fornece
o material necessário à execução da obra contratada, mas não
dirige a prestação dos serviços, nem assume o risco do
empreendimento. Interessa-lhe somente o resultado da obra
encomendada.
A locação de serviços de pessoa jurídica ou
natural, para executar trabalho na empresa contratante, deve
ser examinada com rigor, pois tem sido ajustada, por vezes,
para fraudar a aplicação da legislação social-trabalhista.
Ela deve ser apenas para misteres que não se enquadrem entre

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fls. 161

as atividades necessárias permanentes ao empreendimento


econômico da locatária e cujas condições especiais de
execução justifiquem o apelo a sociedades civis ou
comerciais ou, ainda, a profissionais especializados (p.
ex.: serviço de segurança ou vigilância, conservação de
máquinas, elevadores e outros aparelhos ou equipamentos,
higienização do estabelecimento, exploração de restaurantes
etc.). A operação triangular, em virtude da qual a empresa
contratada fornece pessoal para trabalhar sob o poder de
comando da contratante, só é possível nas hipóteses
restritas de trabalho temporário regidas pela Lei no 6.019,
de 1974.
O representante comercial promove a venda dos
produtos objeto do contrato de representação, encaminha os
“pedidos” ao representado e aguarda a decisão deste para
concluir as operações mercantis. Mas poderá concluir desde
logo os negócios que promove, se o representado outorgar-lhe
poderes de mandato. Já o agente, no dizer de PONTES DE
MIRANDA, “age até onde o seu agir não o põe no lugar do
agenciado”.
É evidente, porém, que nem os autênticos
agentes comerciais, mandatários e representantes comerciais
são empregados. E nem mesmo a finalidade protecionista do
Direito do Trabalho pode, em bom direito, confundir
conceitos juridicamente distintos.
Releva ponderar que a existência de certa
dose de subordinação, ainda que se trate de indiscutível
exercício de atividade comercial, ressalta da simples
leitura da Lei n0 4.886, de 09.11.1965, que regula as
atividades dos representantes comerciais autônomos. A
exclusividade a favor do representado está, por igual,
prevista na lei (art. 27, alínea i). E nem sequer o controle
da produção é incompatível com o contrato típico de
representação comercial autônomo.
Certo é que pode haver contrato de trabalho
com poderes de representação. No dizer de ORLANDO GOMES, a
outorga desse poder: “um ato jurídico unilateral, que não se
vincula necessariamente ao mandato e, mais do que isso, que
tem existência independentemente da relação jurídica
estabelecida entre quem o atribui e quem o recebe”’7. A

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fls. 162

representação pode ser conferida a um empregado, o que


geralmente se verifica com os que exercem cargos de direção,
por isso mesmo considerados da confiança imediata do
empresário. Pode, portanto, coexistir, ou não, com o
contrato de trabalho.
O mandato é contrato pelo qual uma pessoa
obriga-se a praticar determinados atos jurídicos por conta
de outrem. Como esclarecem DÉLIO MARANHÃO e LUIZ INÁCIO
CARVALHO, poderá ser objeto de contrato específico ou
agregar-se ao contrato de trabalho. “Mas será de um ou de
outro, conforme a maneira independente, ou não, pela qual a
obrigação é executada”.
Tal como a representação comercial, a
corretagem de imóveis também está regulada em lei (n 6.530,
0

de 12.5.78) que dispõe:

“Art. 3º Compete ao Corretor de Imóveis exercer a


intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis,
podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária.”

Essa atividade pode ser exercida tanto por


pessoa física como jurídica (parágrafo único do art. 3º) e
supõe, justamente, independência e autonomia do corretor. Há
casos, porém, em que o agenciador imobiliário trabalha com
todas as características da relação de emprego. Nesta
hipótese, evidentemente, não existe contrato de corretagem,
mas uma simulação em fraude à lei.
Em algumas modalidades de contrato de
sociedade a atividade pessoal de sócios corresponde à
prestação de serviço. Por exemplo, cooperativa de trabalho e
parceria agrícola. Neles, em vez da subordinação jurídica
característica da relação de emprego, existe a affectio
societatis. Conforme assinalam EVARISTO DE MORAES FILHO e
ANTÔNIO CARLOS FLORES DE MORAES, “no contrato de sociedade
obrigam-se as pessoas, mutuamente, a caminhar seus esforços
ou recursos para lograr fins comuns (art. 1363 do C. Civil).
É a affectio soc etatis”. Nele não há salário, mas divisão
do lucro, na forma contratada.

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fls. 163

Capítulo IV

VALIDADE DO CONTRATO
E EFEITO DAS NULIDADES

I — Pressupostos da validade contratual

Consoante estatui o art. 104 do Código Civil,


a validade de qualquer negócio jurídico pressupõe:

“I — agente capaz;
II — objeto lícito, possível, determinado
ou determinável; III — forma prescrita ou não defesa em lei.

E o art. 138 prescreve que os negócios


jurídicos são anuláveis — não se trata, portanto, de nulidade
plena — por erro ou ignorância (art. 138), dolo (art. 145),
coação (art. 151), estado de perigo (art 156), lesão (art.
157) ou fraude contra credores (art. 158).
As nulidades de que cogita o art. 145 podem
ser alegadas por qualquer interessado ou pelo Ministério
Público, quando lhe couber intervir, devendo ser
pronunciadas pelo juiz, de ofício, quando verificar que um
dos casos de nulidade absoluta está devidamente provado
(art. 146 e seu parágrafo único).
No concernente às nulidades relativas de que
trata o art. 147 do Código Civil, ao contrário do que ocorre
com o ato nulo, o anulável pode ser ratificado, com efeito
retroativo, salvo direito de terceiro (art. 148 do cód.
cit.); não tem efeito antes de julgada a sentença, nem pode
ser pronunciado de ofício, devendo ser alegado por
interessado Cart. 152 do cód. cit.). Outrossim, a nulidade
parcial de um ato não o prejudica na parte válida, se esta
for separável; se a nulidade da obrigação principal implica
a das obrigações acessórias, a recíproca não se verifica
(art. 153, do cód. cit.).

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fls. 164

II — Efeito das nulidades nas relações de


trabalho

A declaração da nulidade tem efeito


retrooperante; mas, no Direito do Trabalho, salvo no que
tange à incapacidade jurídica dos contratantes e a
ilicitante do seu objeto, o contrato deve sobreviver, sempre
que possível, substituindo-se a cláusula nula pelo que a
respeito decorre da lei ou de outras fontes de direito.
Demais disto, ainda que o contrato haja sido declarado
extinto por ter, por exemplo, objeto ilícito, ainda assim ao
trabalhador são devidas as prestações decorrentes da
execução do contrato nulo, protegidas pela lei. Como
assinala a doutrina, com reflexo nos tribunais, a energia
despendida pelo trabalhador na prestação dos serviços não
pode ser devolvida pelo empregador. Destarte, a declaração
da nulidade do contrato não tem, em todos os seus aspectos,
efeito retroativo.
DÉLIO MARANHAO, invocando a manifestação de
HENRY DE PAGE, ponderou que essa exceção à retroatividade da
nulidade não é peculiar ao contrato de trabalho, mas a todos
os contratos de trato sucessivo, porque os efeitos
produzidos não podem ser devolvidos2. E RODRIGUES PINTO
lembra que, mesmo nos “casos de incapacidade dos empregados,
e para todos os efeitos, a nulidade só atinge o contrato
para o futuro, como acentua RIVA SANSEVERINO, e a nulidade
assimila-se à rescisão, o que é lembrado por DE LA CUEVA”.
Aliás, no que tange a salários, a teoria que veda o
enriquecimento ilícito fundamenta a obrigação de ser o
pagamento efetuado por aquele a quem os serviços foram
prestados.
Se o vício resultante de erro, dolo, coação,
simulação ou fraude, consoante o preceituado no art. 147
supratranscrito, torna apenas anulável o ato jurídico,
cumpre ponderar, no entanto, que a CLT considera nulos de
pleno direito os atos praticados com o objetivo de
desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação das normas nela
contidas (art. 9º); mas, como já registramos, a nulidade,
ainda que plena, de um ato jurídico, sempre que possível,
não deve extinguir a relação de emprego. Quando a

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fls. 165

estipulação contratual “desrespeita o conteúdo mínimo


necessário do contrato, decorrente da lei, do instrumento
normativo autocomposto ou da sentença—normativa, dá-se sua
automática substituição, na medida dessa regulamentação. A
nulidade aí é, automaticamente, sanada em benefício do em-
pregado, já que o ‘contrato mínimo’ não pode ser afastado
pela vontade das partes”.

III — Capacidade e objeto

A capacidade jurídica das pessoas naturais


não se confunde com as condições impostas por lei ou
regulamento para o exercício da respectiva atividade
profissional. Pode, a esse respeito, ocorrer erro sobre a
pessoa. Aliás, o exercício da atividade profissional por
trabalho inabilitado pode configurar violação às disposições
regulamentares aplicáveis, sujeitando os seus infratores às
sanções prescritas. E é óbvio que, neste caso, a autoridade
administrativa poderá intervir, fazendo cessar a relação de
emprego, por não possuir o trabalhador as condições exigidas
para o exercício da correspondente profissão ou atividade
profissional; mas a anulação do contrato, como já sa-
lientamos, não exclui o direito do empregado aos salários
atinentes aos serviços até então prestados.
A incapacidade jurídica das pessoas naturais
é instituída, como regra geral, pelo Código Civil:

“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente


os atos da vida civil:
I — os menores de 16 (dezesseis) anos;
II — os que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III — os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir sua vontade.”

“Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à


maneira de os exercer:
I — os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito)
anos;

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fls. 166

II — os ébrios habituais, os viciados em tóxico, e os que, por


deficiência mental, tenham discernimento reduzido.
III — os excepcionais, sem desenvolvimento mental
completo;
IV — os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por
legislação especial”.

Para as relações de trabalho, no entanto,


vigoram normas especiais no concernente à idade mínima do
empregado:

a) de 14 a 16 anos o menor só poderá ser contratado como


aprendiz (art. 7º, XXXIII, da Const. e art. 403 da CLT);
b) de 16 a 18 anos o contrato não poderá ter por objeto a
prestação de serviços noturnos, perigosos ou insalubres (art. e
inciso cits.) e, bem assim, de serviços penosos (art. 67, II, do
Estatuto da Criança e do Adolescente), prejudiciais à formação do
menor ou do seu desenvolvimento físico, psíquico, moral ou social
(parág. único do art. 403 da CLT). Essas proibições se relacionam,
evidentemente, com o objeto do contrato;
c) a partir dos 18 anos o trabalhador adquire capacidade
plena para prestação de qualquer tipo de trabalho.

Cumpre não confundir a incapacidade para


celebrar contrato de trabalho com a representação ou a
assistência que suprem a vontade do absoluto ou
relativamente incapaz. Até porque as normas proibitivas
visam à proteção social do incapaz. Assim, por exemplo, a
manifestação favorável de quem exerce o pater poder não
afasta a proibição do trabalho do menor de 16 anos, salvo,
como aprendiz, se tiver mais de 14. Contudo o Juiz de
Menores poderá autorizar o trabalho do menor de 18 anos em
teatros, cinemas, boates e estabelecimentos análogos, assim
como em circos, nas funções de acróbata, saltimbanco,
ginasta e semelhantes, desde que a sua participação não
prejudique a sua formação moral e seja indispensável à sua
subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos (arts. 405, §
30, a e b, e 406 da CLT).

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fls. 167

O responsável legal do menor de 18 anos pode


pleitear a extinção do seu contrato de trabalho, quando
suscetível de acarretar-lhe prejuízos de ordem física ou
moral (art. 408 da CLT). Os recibos de pagamento dos
salários podem ser assinados por esse menor, mas, na
quitação alusiva à indenização devida na rescisão do
contrato de trabalho, é imprescindível a assistência do seu
responsável legal (art. 439).
Quanto à mulher casada, ela tem, hoje, plena
capacidade para ajustar contrato de trabalho. O art. 406 da
CLT, em 1943, alterou, neste ponto, o art. 60 do Código
Civil, que a incluía entre os relativamente incapazes; mas
admitia a aposição do marido, que poderia pleitear a
resilição do contrato, quando a sua continuação pudesse
ameaçar os vínculos da família ou constituísse perigo
manifesto às condições peculiares da mulher. Esse
dispositivo foi derrogado pela Lei n0 4.121, de 1962, e
revogado pela de no 7.855, de 1989.
O contrato de trabalho, obviamente, como
qualquer outro negócio jurídico, não poderá ter como objeto
a prestação de serviços contrários à moral e aos bons
costumes, cuja prática é proibida a todos os cidadãos (p.
ex.: contrabando de bens, tráfego de drogas, jogos
proibidos). Por seu turno, a validade do contrato requer,
ainda, que o seu objeto seja possível, não só sob o aspecto
jurídico, mas também sob o prisma físico.

IV — Forma

Como já registramos, a forma prescrita ou não


proibida em lei é essencial à validade do ato jurídico. A
legislação do trabalho, em regra, não prescreve forma
especial para a celebração do contrato de trabalho. Ao
contrário, estatui que o vínculo contratual nasce de um
acordo tácito ou expresso, podendo este ser verbal ou
escrito (art. 443 da CLT). Há, porém, algumas exceções. E o
que ocorre, por exemplo, com o contrato de artistas e
atletas profissionais ou de tripulantes de embarcações
marítimas, cuja legislação exige instrumento escrito

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fls. 168

registrado no órgão competente; com o contrato de


aprendizagem, que deve ser ajustado por escrito e por prazo
não superior a dois anos, devidamente registrado na Carteira
de Trabalho do menor (art. 428 da CLT); com o contrato a
termo de que cogita a Lei n0 9.601, de 1998, que pressupõe
regulamentação por convenção ou acordo coletivo aplicável à
empresa contratante.
Desde que as partes manifestem sua vontade
por escrito ou verbalmente, certo é que o fazem
expressamente. Acordo verbal não se confunde, portanto, com
ajuste tácito. Segundo CLÓVIS BEVILAQUA, o consentimento “é
expresso quando se manifesta verbalmente, por escrito ou,
mesmo, por outros sinais inequívocos, pelos quais se possa
externar o pensamento. É tácito, quando sua existência é
induzida da prática de atos ou fatos, de ações ou omissões,
que não teriam lugar, se não houvesse, da parte do agente, o
ânimo de aceitar a proposta que lhe foi feita”.
Mesmo em se tratando de contrato escrito,
cumpre ao empregador anotar as principais condições
ajustadas na Carteira de Trabalho do empregado. Contudo,
essa anotação não constitui um elemento formal indispensável
ao aperfeiçoamento do contrato, porquanto este pode ser
comprovado por todos os meios permitidos em Direito. A falta
dessas anotações, embora crie dificuldades para o empregado
no tocante à respectiva prova, constitui apenas infração,
por parte do empregador, a preceito legal imperativo, que o
sujeita às penalidades a respeito cominadas. Aliás, a falta
de pactuação expressa não impossibilita o reconhecimento das
obrigações fundamentais do contrato, por isto que:

a) “inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á


que o empregado se obriga a todo e qualquer serviço compatível
com a sua condição pessoal” (Parág. único do art. 456); b) “na falta
de estipulação do salário ou não havendo prova sobre a importância
ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao
daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do
que for habitualmente pago para serviço equivalente” (art. 460).

Nada impede que, num só instrumento, o


empregador contrate vários empregados. É o que se denomina

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fls. 169

contrato de trabalho plúrimo e que nada mais representa do


que a soma de diversos contratos individuais de trabalho. Na
execução do contrato de trabalho, alguns atos exigem
procedimentos especiais. Por exemplo: a prorrogação da
jornada normal de trabalho depende de acordo escrito entre o
empregador e o empregado ou de convenção ou acordo coletivo
(art. 59 da CLT); a compensação de jornada de trabalho
(banco de horas), inclusive para a supressão de uma ou meia
jornada na semana, depende de convenção ou de acordo
coletivo (art. 58, § 2º, da CLT); o trabalho extraordinário
em atividade insalubre, ainda que no regime de compensação,
está, a nosso ver, condicionado à licença prévia da
autoridade competente em matéria de segurança e medicina do
trabalho (art. 60 da CLT).

Capítulo V

DURAÇÃO DO CONTRATO

I — Contratos por prazo indeterminado

O contrato individual do trabalho, por ser de


trato sucessivo, é ajustado, em regra, sem predeterminação
de prazo. A continuidade da relação de emprego é uma das
finalidades primordiais de Direito do Trabalho, razão por
que essa indeterminação deve ser presumida. Caberá,
portanto, à parte interessada elidir a presunção mediante
prova em contrário. Por isto mesmo, como pondera SAAD, o
contrato a prazo deveria ser sempre escrito.
GUILHERMO CABANELLAS, após recordar que o
caráter indefinido no contrato de trabalho resulta, como
regra, da simples aplicação da norma de Direito Civil,
segundo a qual o termo constitui, em princípio, um elemento
acidental do negócio jurídico de trato sucessivo, escreve:
“pode estimar-se como condição implícita em todo contrato de
trabalho que ele deverá manter-se enquanto persistirem as

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fls. 170

causas que lhe deram origem”; “O expressado serve para


determinar, como presunção iuris tantum, que todo o contrato
de trabalho, salvo prova em contrário, considera-se
concluído por tempo indefinido”.

II — Contrato por prazo determinado

A CLT referiu, no § 1º do seu art. 443, três


modalidades de contrato de trabalho por prazo determinado:
a) em função do tempo prefixado no momento da celebração do
contrato (p. ex.: o trabalhador é contratado para prestar
serviços durante dezoito meses); b) em função dos serviços
especificados cuja execução constitui o objeto do contrato
(p. ex.: o trabalhador é contratado para os serviços de
pedreiro durante a construção de um edifício); c) em função
da realização de certo acontecimento cuja duração possa ser
prevista, aproximadamente (p. ex.: o trabalhador é
contratado para prestar serviços durante a safra de
determinado produto agrícola).
Nos dois últimos tipos o prazo é estipulado
em razão da natureza do trabalho a realizar; no primeiro, as
partes têm em vista apenas a conveniência da fixação de um
termo cujo implemento extingue a relação jurídica
convencionada. Assim, o contrato não deixará de ser de prazo
determinado pelo fato de estar o seu termo condicionado ao
implemento de um acontecimento certo, embora não haja
precisão, mas simples estimativa quanto ao momento em que se
verificará. Daí acentuar à doutrina que há duas hipóteses de
termo nos contratos de prestação sucessiva quanto ao momento
da sua extinção: o termo certo, quando a data da extinção do
contrato é prefixada (certus an et certus quando) e o termo
incerto, quando há certeza de que ele ocorrerá em data
apenas presumida (certus an, sed incertus quando).

O fundamento do contrato a prazo admitido


pela CLT é a transitoriedade da prestação de serviços, tal
como evidencia o parágrafo acrescido ao art. 443, na reforma
que propusemos quando Ministro do Trabalho e Previdência
Social.

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“§ 2º O contrato por prazo determinado só


será válido em se tratando:

a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a


predeterminação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.”

O contrato de prazo não poderá exceder de


dois anos (art. 445), sendo transformado em indeterminado se
superar esse lapso ou se for prorrogado, tácita ou
expressamente, por mais de uma vez (art. 451). Também será
considerado de duração indeterminada o que suceder, dentro
de seis meses, a outro contrato por prazo determinado, salvo
se a extinção deste decorrer da execução de serviços
especializados ou da realização de certos acontecimentos
(art. 452). Cabe assinalar que a CLT permite que os
contratos por prazo determinado contenham cláusula
asseguratória do direito recíproco de rescisão no curso de
sua vigência; mas, neste caso, aplicar-se-ão à rescisão as
normas a respeito estatuídas para os contratos por prazo
indeterminado (V. art. 481).

III — Contrato provisório especial

A Lei n0 9.601, de 21 de janeiro de 1998,


ampliou consideravelmente a utilização do contrato por prazo
determinado, o qual, em face do estatuído na CLT, se
restringe, como vimos, aos serviços cuja natureza ou
transitoriedade justifiquem sua celebração, para atividades
empresariais de caráter transitório ou para contrato de
experiência (§ 2º, do art. 443). Esta regra continua vigendo
paralelamente à precitada lei, a qual condiciona a adoção do
contrato provisório à sua previsão em convenção ou acordo
coletivo de trabalho.
O instrumento formalizador da negociação
coletiva estabelecerá o número de empregados que poderá ser
contratado de acordo com essa lei, que não poderá
ultrapassar a tabela constante do art. 3º: 20 a 50%,

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fls. 172

cumulativamente, calculados sobre a média mensal de


trabalhadores contratados por prazo indeterminado no
respectivo estabelecimento, nos seis meses anteriores à data
da publicação da lei (DOU de 22.01.98).
Somente o empregador adimplente junto ao INSS
e ao FGTS poderá se valer desse contrato provisório de
trabalho (art. 4º, I). E, se o fizer, terá diversas e
questionadas vantagens conferidas sob pretexto de reduzir o
desemprego.
Aos empregados assim contratados não se
aplicarão (art. 1º, §§ 1º e 2º):

a) o art. 452 da CLT, que considera por tempo indeterminado


o contrato a prazo prorrogado pela segunda vez;
b) os arts. 479 e 480 da CLT, que impõe uma indenização
pela denúncia do contrato antes do termo nele previsto; e
c) as multas pelo descumprimento de cláusulas do contrato.

Por seu turno, a lei reduz, no que tange aos


empregados contratados em sua conformidade (art. 2º):

a) de 8% para 2% a alíquota da contribuição para o Fundo de


Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
b) os arts. 479 e 480 da CLT, que impõe uma indenização
pela denúncia do contrato antes do termo nele previsto; e
c) as multas pelo descumprimento de cláusulas do contrato.

Como se infere, vigoram hoje, para os


empregados contratados por prazo determinado, dois regimes
jurídicos paralelos, com direitos e obrigações estatuídas em
níveis diferentes.
Dois regimes paralelos, aplicáveis à relação
jurídica “contrato por prazo determinado”, podem prescrever
direitos e obrigações em níveis diferentes?
A Constituição brasileira, tal como a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, consagra a
igualdade de direitos perante a lei (art. 5º, caput) e
afirma que o combate a qualquer forma de discriminação
constitui um dos objetivos fundamentais da República (art.
3º, IV).

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fls. 173

Certo que a legislação do trabalho prevê


tipos de relação de emprego com direitos e obrigações
distintos. E que tratar desigualmente situações desiguais
não viola — antes homenageia — o princípio da isonomia. Na
hipótese em foco, porém, a relação jurídica é a mesma:
contrato por prazo determinado.
Esclareça-se, por fim, que esse tipo especial
de contrato a prazo não se confunde com o resultante do
trabalho executado por empregados vinculados a empresas de
trabalho temporário, de que tratamos neste Título IV (Cap.
I, Seção VI).

IV — Tempo de serviço

Dispõe o art. 4º da CLT:

“Considera-se como de serviço efetivo o período em que o


empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou
executando ordens, salvo disposição especial expressamente
consignada.
Parágrafo único. Computar-se-ão, na contagem de tempo de
serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em
que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço
militar e por motivo de acidente do trabalho.”

A duração do contrato de trabalho, qualquer


que seja a sua modalidade, corresponde ao tempo de serviço
do empregado. Mas, como está no dispositivo transcrito, não
é necessário que ele esteja, efetivamente, prestando
serviços ao seu empregador, para que o respectivo período
seja considerado tempo de serviço efetivo. Frente ao
disposto no mencionado preceito, devem ser conceituados como
de serviço efetivo os períodos em que: a) o empregado
estiver executando as ordens do empregador; b) o empregado
estiver à disposição do empregador, aguardando as suas
ordens: c) a prestação de serviços estiver interrompida em
virtude de “disposição especial expressamente consignada”,
que determine o repouso do empregado, sem prejuízo do
correspondente salário; d) para os efeitos exclusivos da

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fls. 174

aquisição da estabilidade no emprego e do cálculo da


indenização devida na rescisão do contrato de trabalho, os
períodos de prestação do serviço militar e do afastamento
resultante de acidente do trabalho.
Como veremos adiante, nas hipóteses de
suspensão do contrato de trabalho as ausências do empregado
não são computadas como tempo de serviço. Já nos casos de
interrupção remunerada do trabalho, o respectivo período é,
por ficção legal, considerado de serviço.
Tratando-se de grupo de empresas, entendemos
que, se o empregado, contratado por uma delas, for
transferido para outra do correspondente grupo econômico,
todo o tempo de serviço deve ser considerado pertinente ao
mesmo contrato de trabalho. Este não se rescinde com a
transferência, dada a concordância, expressa ou tácita, das
partes interessadas na substituição da empresa responsável
por sua execução e conseqüente alteração do local de
trabalho. Demais disso, as empresas integrantes do grupo
são, “para os efeitos da relação de emprego, solidariamente
responsáveis” (§ 2º do art. 2º da CLT), sendo certo que, em
relação a empresas multinacionais, o TST, em sessão plena,
já resolveu que “o tempo de serviço prestado pelo empregado
a empresas do mesmo grupo empregador no estrangeiro, de onde
fora transferido para executar o contrato de trabalho afinal
rescindido no Brasil”, é computável para os efeitos legais.
O período concernente ao aviso prévio integra
o tempo de serviço do empregado, ainda que este, recebendo
antecipadamente os correspondentes salários, fique
desobrigado de comparecer ao serviço ou quando, embora
devido ao aviso, deixe o empregador de lho conceder (§ lº do
art. 487).
Consoante estatui o art. 453 da CLT, na
readmissão do empregado serão somados os períodos, ainda que
não contínuos em que tiver trabalhado na empresa, salvo se
tiver sido despedido por falta grave, recebido indenização
legal ou se aposentado por decisão espontânea. Essa
“ressalva” deve ser aplicada aos casos em que a resilição do
contrato de trabalho anterior tiver ensejado o pagamento da
indenização compensatória de que trata o art. 7º nº I, da
Constituição, incidente sobre o FGTS.

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Capítulo VI

CONTRATOS ESPECIAIS

I — Considerações preliminares

Como bem assinala RODRIGUES PINTO, citando os


doutos pronunciamentos dos saudosos ORLANDO GOMES e PAUL
DURAND, a referência doutrinária a contratos específicos de
trabalho concerne apenas a “variações de um tipo básico, o
contrato individual, destinadas a atender a peculiaridades
que despontam no vasto campo das reclamações trabalhistas,
exigindo, setorialmente, modelagem específica”’. É que eles
só se configuram se coexistirem os elementos caracteri-
zadores da relação de emprego.
Já a contratação de menores (salvo como
aprendizes) e mulheres, assim como a de trabalhadores em
atividades sujeitas a regulamentações especiais, não
constituem modalidades de contrato especial; apenas a
execução do contrato está sujeita a condições especiais.

II — Contrato de experiência

A CLT inclui o contrato de experiência,


também denominado de prova, entre as modalidades de contrato
de trabalho por prazo determinado (art. 443, alínea c) e
preceitua que ele não poderá exceder a 90 dias (Parágrafo
único do art. 445).
Na lição de KASKEL, o contrato de
experiência, apesar do seu caráter provisório, constitui
induvidosa relação de trabalho. E conclui: quando “ele se
estabelece por tempo certo, a despedida antes do termo só se
admitirá por justa causa” conceituando como tal a completa
insuficência do trabalhador”. Não se trata de um contrato
autônomo, mas de uma relação que, se revelar a aptidão do

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empregado, prossegue, sem solução de continuidade, como


contrato por prazo indeterminado. Essa continuidade sem
predeterminação de prazo depende apenas da decisão dos
contratantes. Por isso, se um deles não desejar prosseguir
na relação de emprego, o contrato de experiência extingue-se
no termo estipulado.
Ainda que o contrato de experiência seja
firmado por escrito, ele terá de ser anotado na Carteira de
Trabalho do empregado.
Obviamente o contrato de experiência poderá
ser ajustado por prazo inferior a 90 dias. Nessa hipótese,
as partes poderão prorrogá-lo, desde que não ultrapasse a
referida duração (Enunciado nº 188, do TST).
As normas que regem a resilição do contrato a
prazo aplicam-se, a nosso ver, à denúncia antecipada do
contrato de experiência.

III — Contrato de equipe

Quando uma empresa ou instituição contrata um


grupo de trabalhadores para realizar um trabalho que não
pode ser executado senão com a atividade profissional
conjugada dos seus componentes, configurado estará o que se
denomina “contrato de equipe”. Mas essa relação pode
corresponder a diversos tipos de contratos, não sendo fácil,
em alguns casos, investigar sua natureza jurídica.
De logo, cabe advertir que o contrato de
equipe não decorre necessariamente de um contrato de
trabalho plúrimo (feixe de contratos individuais celebrados
num só instrumento)-, visto que, se o objeto do contrato não
for o trabalho do grupo e sim a atividade profissional dos
que o integram, não poderá ser considerado de equipe, apesar
de admitidos os empregados em virtude do mesmo fato. Do
ponto de vista técnico —escreve KROTOSCHIN —, “o essencial é
que o trabalho, nestes casos, não se possa realizar senão
mediante os esforços de uma equipe”. O contrato de equipe’,
no dizer do grande BARASSI, “põe frente ao empresário um
grupo unitário compacto de trabalhadores. O grupo plasma a
obrigação que cada um dos seus componentes tem de prestar
(trabalho), com um nexo de indivisibilidade recíproca”. No

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contrato de equipe — conclui o saudoso professor milanês —


“o trabalho deve ser feito com estreita ligação recíproca e
cada trabalhador prestará os serviços conjuntamente com os
outros membros da equipe; o empresário confere uma tarefa ao
grupo e não uma tarefa a cada um dos trabalhadores”.
Para dirimir dúvidas atinentes à natureza
jurídica do contrato de equipe, cumpre ter em vista que o
serviço deve ser prestado em conjunto pelos empregados como
tais qualificados, integrantes do grupo contratado, sob o
poder de comando do empregador contratante ou de quem deste
receber a respectiva delegação. Assim, não haverá relação
empregatícia, quando: a) o sujeito do negócio jurídico for
uma sociedade de direito ou de fato e não uma equipe
composta de trabalhadores individualizados no contrato,
embora o objeto deste seja a atividade conjugada dos mesmos;
b) os integrantes da equipe estiverem juridicamente
subordinados ao chefe do grupo e não ao empresário, ou seu
preposto, que os contratou.

IV — Contrato de aprendizagem

A — Considerações gerais — Modernamente,


prevalace na doutrina a concepção de que a relação jurídica
entre o empregador e o aprendiz configura um contrato de
trabalho especial. MARTINS CATHARINO, na sua excelente
monografia sobre o tema, depois de registrar que, já em
1906, CARNELUTTI reconheceu a transformação do contrato de
tirocínio em contrato de emprego, embora especial, demonstra
que a doutrina italiana conceitua a aprendizagem contratada
com o empregador como um contrato de trabalho especial, tal
como manifestam, dentre outros, BARASSI, PAOLO GRECO,
SANTORO-PASSARELLI, RIVA SANSEVERINO, GIORGIO DE SEMO, MÁRIO
DEVEALI, GIORGIO ARDAU e PERGOLESI.
Para KROTOSCHIN, o contrato de aprendizagem
encaixa-se na categoria do contrato do trabalho,
constituindo-se numa especialidade dentro dele. Neste
sentido nos manifestamos alhures, por entendermos que, não
obstante a dualidade de prestações típicas de contratos
diversos — ensino e trabalho — certo é que, na hipótese em
foco, elas formam uma unidade inseparável.

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fls. 178

Destarte, o contrato de trabalho com o pacto


de aprendizagem cria:

a) para as duas partes contratantes, reciprocamente, duas


obrigações de fazer: o empregador se obriga a promover, na forma
da legislação vigente, a formação profissional metódica do menor-
empregado no ofício ou ocupação para o qual foi admitido; o
aprendiz se obriga a prestar serviços à empresa, como seu
empregado, na parte da jornada de trabalho que não for destinada às
aulas teóricas e práticas da aprendizagem; b) para o empregador,
uma obrigação de dar, atinente à remuneração dos serviços
prestados pelo aprendiz, como seu empregado;
c) para o empregado, um dever, que consiste em se submeter
ao regime de aprendizagem que lhe for prescrito, cuja inobservância
pode ensejar a rescisão do respectivo contrato de trabalho.

B — Legislação brasileira — A Lei n0 10.097,


de 19 de dezembro de 2000, deu nova redação a diversos
dispositivos da CLT referentes à aprendizagem do menor e
revogou outros, com evidente reflexo na regulamentação
constante do Decreto n0 31.546, de 1952. No capítulo sobre o
trabalho do menor trataremos das condições exigidas para a
aprendizagem e da sua operacionalidade. Nesta oportunidade,
tendo em vista o objeto do Título IV em tela, cumpre-nos
registrar que o novo art. 428 da CLT afirma, acertadamente,
que se trata de “contrato de trabalho especial”, que não
pode ser estipulado por mais de dois anos e deve ser anotado
na Carteira de Trabalho do menor. A este está assegurado o
salário mínimo hora.
Por força do preceituado na Constituição, o
menor de 14 a 16 anos só pode ser contratado como aprendiz
(art.7º, XXXIII, com a redação dada pela EC-20, de 1998).
Neste sentido dispõe o novo art. 403 da CLT. Quanto à duração
do contrato de aprendizagem, ainda que ajustado por dois
anos, ele extingue-se quando o menor completar 18 anos (art.
433).

Capítulo VII

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fls. 179

DIREITOS E OBRIGAÇÕES

DOS CONTRATANTES

I — Empregador

A — Poder de comando — O empresário, porque


no regime capitalista assume o risco do seu empreendimento
econômico, tem o poder:

a) de estruturar organicamente a empresa;


b) estabelecer a hierarquia entre a alta administração da em-
presa, os empregados que gerenciam ou chefiam os respectivos
órgãos e os demais empregados;
c) de dirigir, diretamente ou a quem delegar o encargo, a
prestação pessoal dos serviços dos empregados;
d) fixar as regras disciplinares e as correspondentes sanções.

Esses poderes configuram o poder de comando,


também conhecido como poder hierárquico ao qual se subordina
juridicamente o empregado ao celebrar o contrato de
trabalho. Ele é exercido pelo empregador por meio do poder
diretivo e do poder disciplinar. O primeiro corresponde,
primordialmente, à faculdade de estatuir as normas que
deverão reger a organização e o funcionamento dos serviços
da empresa, bem como os métodos de execução das respectivas
tarefas. O segundo concerne à faculdade de fiscalizar a
observância das normas ditadas no uso do poder diretivo e
punir as infrações cometidas pelos empregados. Assim, “o
poder repressivo não é mais do que um modo necessário à
atuação do poder diretivo. A necessidade de manter a ordem
no local do trabalho justifica o direito privado de punir,
que se origina, em última análise, da relação contratual em
que se gera o vínculo concreto de subordinação jurídica do
empregado”.
Precisamente porque sustentamos que o poder
hierárquico do empregador esteia-se no contrato de trabalho,
é que entendemos que o seu exercício está limitado, não

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fls. 180

apenas pela lei e por outras normas jurídicas de caráter


cogente, mas, também pelo próprio contrato.
Tanto o poder diretivo quanto o disciplinar
pertencem ao empregador, pessoa física ou sociedade
representada por sua diretoria ou conselho de administração;
mas podem ser delegados a superintendentes, gerentes, chefes
de divisão ou seção etc., numa legítima cessão do poder de
comando.
Há juristas nacionais e estrangeiros que
negam o poder disciplinar do empregador. Mas a maioria
proclama sua existência, sendo certo que no Brasil a própria
lei o admite. E que o art. 474 da CLT, ao prescrever que a
suspensão disciplinar do empregado por mais de 30 dias
importa na rescisão injusta do contrato de trabalho,
reconhece que, ate esse limite, o empregador pode aplicar
penalidade. E, obviamente, pode sancionar penas mais
brandas, como a advertência verbal ou escrita. O exercício
desse poder, entretanto, não é discricionário. Além do prazo
máximo fixado para a suspensão disciplinar, entendemos que à
Justiça do Trabalho caberá decidir, em caso de reclamação,
se a penalidade justifica-se ou deve ser anulada.
Como assinalamos no Capítulo I, Seção VII,
deste Título IV, ao qual nos reportamos, o empregador
brasileiro tem o direito de aprovar o regulamento da
empresa, seja num instrumento único, seja expedindo normas
que, no seu conjunto, formam o regulamento.
B — Multa — A doutrina e a jurisprudência, em
nosso país, não endossam a aplicação de multa pelo
empregador a ser descontada do salário, salvo quando
admitida na regulamentação legal da categoria ou na
convenção ou acordo coletivo aplicável. Ela não se confunde
com a indenização prevista no § 1º do art. 462 da CLT,
devida na ocorrência de dano causado pelo empregado. É que a
multa constitui penalidade concernente à violação do dever
contratual, enquanto a indenização estipulada no contrato ou
em caso de dolo visa à reparação de danos causados pelo
empregado no estabelecimento onde trabalhe. Neste sentido
prevalece a doutrina.
C — Obrigações — A principal obrigação do
empregador é pagar pontualmente o salário devido ao

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fls. 181

empregado. Cumpre-lhe ainda, evidentemente, aplicar e


respeitar as normas legais e as disposições dos acordos e
convenções coletivas, do regulamento da empresa e do
contrato ajustado com os seus empregados. Esse contrato,
como qualquer outro, deve ser executado de boa-fé.
Consoante escreveu DÉLIO MARANHÃO, “o
empregador tem, ainda, a obrigação de dar trabalho e de
possibilitar ao empregado a execução normal de sua
prestação, proporcionando-lhe os meios adequados para isso.
E, acima de tudo, tem o empregador a obrigação de respeitar
a personalidade moral do empregado na sua dignidade absoluta
de pessoa humana.” Daí a relevância da completa observância
das medidas alusivas à preservação dos acidentes do trabalho
e das doenças profissionais e, bem assim, da manutenção de
adequado ambiente de trabalho.

II — Empregado

A precípua obrigação do empregado é prestar,


pessoalmente, os serviços contratados. A contraprestação
representada pelo salário constitui o seu principal direito.
Obviamente, a cada obrigação atribuída ao empregador
corresponde um direito do empregado.
A subordinação jurídica ao empregador, a que
já nos referimos, no Capítulo II, deste Título, importa em
obedecer às ordens e instruções do empregador, expedidas com
respeito ao contrato, à lei e a outras fontes de direito,
incidentes sobre a relação de emprego.
O princípio da boa-fé concerne igualmente ao
empregado. Daí resulta o dever de colaboração e de
fidelidade, cumprindo-lhe executar com diligência a
obrigação de fazer decorrente do seu contrato.

III — Inventos e modelos de utilidade

A invenção caracteriza-se pelo ineditismo,


enquanto o modelo de utilidade constitui “um aperfeiçoamento
de invenção já existente e tem que ver com o processo, com a

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fls. 182

forma, não com o bem propriamente dito. Como diz a lei, é a


apresentação de nova forma ou disposição para um objeto de
uso prático, ou parte dele, envolvendo ato inventivo, que
resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua
fabricação”.
A Lei n0 9.279, de 1996, alterou os arts. 88 a
93 do Código de Propriedade Industrial, que dispõem sobre a
propriedade da invenção e do modelo de utilidade criados por
empregados.
Os arts. 88 e 89 concernem à invenção e ao
modelo de utilidade decorrentes: a) de contrato de trabalho
executado em nosso país, que tenha por objeto a pesquisa ou
a atividade inventiva; b) da natureza dos serviços para os
quais o empregado foi contratado. Nessas duas hipóteses, a
propriedade pertence ao empregador, considerando-se que,
salvo disposição contratual em contrário, o salário ajustado
já retribui a inventiva do empregado. E se o em pregador
conceder ao empregado participação nos ganhos resultantes da
exploração da patente, seja por cláusula contratual, seja
por norma regulamentar, a respectiva retribuição não terá
natureza salarial.
Por se tratar de uma faculdade legal, e sendo
o empregador o titular da patente, poderá ele limitar a
retribuição a um prêmio conferido de conformidade com a
regulamentação que editar.
O empregado é titular exclusivo da exploração
do seu invento ou modelo de utilidade, quando: a)
desenvolvidos sem correlação com o contrato de trabalho; b)
não decorrer do uso de recursos, meios, dados, materiais,
instalações ou equipamentos do empregador. Nessa hipótese,
para o respectivo empregador explorar, exclusiva ou
concorrentemente, o invento ou o aperfeiçoamento terá de
celebrar contrato a respeito com o seu empregado, que será o
titular da patente (art. 90).
Salvo prova em contrário, a lei presume como
não tendo sido desenvolvidos na vigência do contrato de
trabalho o invento ou aperfeiçoamento cuja patente seja
requerida pelo empregador após o decurso de doze meses da
cessação do correspondente contrato de trabalho. Nesse caso,

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fls. 183

como acentua VALENTIN CARRION, os direitos de exploração


revertem em favor do trabalhador.
Pertencem ao empregador e ao empregado (ou
empregados), em partes iguais, os inventos ou
aperfeiçoamentos não decorrentes de previsão contratual ou
da natureza dos serviços contratados, desde que resultem da
contribuição pessoal do trabalhador e de recursos, dados,
meios, materiais, instalações ou equipamentos da empresa.
Sendo mais de um empregado, a metade que lhes cabe, salvo
estipulação em contrário, deverá ser dividida em partes
iguais. Ao empregador é garantido o direito exclusivo da
exploração, assegurada ao empregado, ou empregados, justa
remuneração. Mas se a exploração do invento ou
aperfeiçoamento pelo empregador não ocorrer no prazo de doze
meses, a titularidade passará à exclusiva propriedade do
empregado, ou empregados, ressalvada a hipótese de ajuste
contratual em contrário ou legítima razão para o
retardamento (art. 91).
A expressão “justa remuneração” para o caso
de propriedade compartilhada do invento ou aperfeiçoamento e
demasiadamente subjetiva, razão por que poderá ensejar
litígio a ser dirimido pelo Poder Judiciário.

Capítulo VIII

PROVA

I — Carteira de Trabalho e Previdência Social

O contrato de trabalho pode ser comprovado


por qualquer dos meios permitidos em direito, inclusive por
testemunhas. E, excepcionalmente, a lei exige sua
instrumentalização em forma solene.
A prova ideal da relação de emprego é a
Carteira de Trabalho e Previdência Social, na qual o
empregador está obrigado a anotar as datas de admissão e
despedida do trabalhador por ele contratado, além do cargo
ou função, do valor e modalidade da remuneração e de outros

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fls. 184

dados relativos à execução do contrato. Ainda que se trate


de contrato escrito, são compulsórias as anotações na
carteira de empregado. E porque essas anotações revelam os
direitos trabalhistas e previdenciários do empregado, a Lei
n0 9.983, de 2000, deu nova redação ao § 4º do art. 297, do
Código Penal, para considerar a omissão patronal crime
sujeito à pena de reclusão de 2 a 6 anos.
Consoante estatui o art. 40 da CLT, a
Carteira de Trabalho e Previdência Social faz prova nos atos
em que seja exigida a carteira de identidade e,
especialmente: a) nos dissídios sobre salário, férias e
tempo de serviço; b) na Previdência Social, no que tange aos
dependentes do segurado; c) nas ações referentes à
indenização por acidente do trabalho ou doença profissional.
As anotações feitas pelo empregador geram
presunção juris tantum (Enunciado TST- 12). Podem ser
elididas, portanto, por incontestável prova em contrário.
Todavia, quando invocadas contra o empregador, a presunção é
juris et de jure, porque, na verdade, correspondem à
confissão.
Embora a Carteira seja obrigatória em todos
os ramos da atividade econômica, certo é que muitos
empregadores —sobretudo nos últimos anos — não fazem as
devidas anotações. Mas esta infração, que sujeita o
empregador a multa administrativa, não impede que o
empregado comprove a existência do contrato de trabalho e
das condições de sua execução. Como está na CLT, o contrato
de trabalho pode ser verbal e até tácito (art. 443) e,
conforme dispõe o art. 447:

“Na falta de acordo de prova sobre condições essenciais ao


contrato verbal, esta se presume existente, como se a tivessem
estatuído os interessados, na conformidade dos preceitos jurídicos
adequados à sua legitimidade.”

Esses preceitos jurídicos são as normas


legais e regulamentares, os acordos e convenções coletivas
de trabalho, as sentenças normativas, os atos
administrativos pertinentes e o regulamento de empresa.

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fls. 185

II — Salário

Dada a importância da cláusula salarial na


execução do contrato de trabalho, dispôs a lei,
especialmente, sobre o salário a que terá direito o
empregado, quando não houver sido estipulado ou não for
possível a prova da sua fixação. E esclareceu que, em tais
hipóteses, deverá o empregado “perceber salário igual ao
daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou
o que for habitualmente pago para serviço semelhante”. No
primeiro caso poder-se-á recorrer ao conceito de trabalho de
igual valor de que cogita o art. 461; no segundo caso,
cumpre pesquisar os usos e costumes. Tratando-se, porém, de
profissão ou ofício com incidência de salário profissional,
seja este fixado por lei, convenção ou acordo coletivo, seja
ele resultante de sentença normativa da Justiça do Trabalho,
é inquestionável que o empregado não poderá perceber salário
inferior.

III — Ônus da prova

Relativamente ao ônus da prova, vale


transcrever a perfeita síntese de DÉLIO MARANHÃO: “Quem
sustenta a existência de um negócio jurídico deverá provar
os fatos dos quais ele resulta. Quais sejam estes fatos, que
é necessário e suficiente provar, é questão que se prende à
natureza mesma do negócio. Assim, no contrato de trabalho,
aqueles elementos que por lei o definem: subordinação,
salário, prestação pessoal etc. Mas são, apenas, tais fatos
constitutivos essenciais sine quibus nom que se impõe
provar. As demais circunstâncias, que devem concorrer para a
validade do negócio, como, por exemplo, a capacidade dos
contratantes ou a ausência de um vício de vontade, presumem-
se verificadas. Os fatos impeditivos constituem matéria de
exceção, cabendo a prova à parte que os alega”.

Capítulo IX

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fls. 186

RENÚNCIA E TRANSAÇÃO

I — Distinções necessárias

O ato unilateral da renúncia distingue-se


nitidamente do ato bilateral da transação, e, bem assim, do
ato de composição e o da extinção de direitos decorrentes da
prescrição ou da decadência. Conforme assinala DORVAL
LACERDA, a renúncia, no Direito do Trabalho, corresponde “ao
ato voluntário do empregado (ou do empregador), pelo qual
desiste de um direito a ele assegurado pelas fontes
criadoras de direito dentro dos limites de atuação”. Já a
transação “é um ato jurídico pelo qual as partes, fazendo-se
concessões recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou
duvidosas”. A renúncia — acrescenta o saudoso procurador da
Justiça do Trabalho — “é um ato unilateral, enquanto o
contrato e a transação são, imprescindivelmente, bilaterais.
Mas não é só. A renúncia, tal como doutrina Paolo Greco,
pressupõe a certeza, pelo menos subjetiva, do direito de que
é objeto, enquanto a transação, ao contrário, pressupõe uma
incerteza, sempre do ponto de vista subjetivo, sobre o
direito ou a situação jurídica, que lhe diz respeito, no que
concerne à existência, limites ou modalidades: é uma res
dubia segundo a doutrina tradicional, entendendo-se a dúvida
num sentido subjetivo, porém tal que possa ser reconhecida
como possível e razoável, segundo as contingências comuns da
vida, tendo-se em conta as circunstâncias do caso”. Já os
atos de composição distinguem-se da renúncia ou da transação
porque neles as partes, sem nenhuma intenção transacional,
visam somente a constatar a existência, a natureza ou os
limites de um direito ou de uma situação jurídica que se
apresenta subjetiva ou objetivamente incerta. Finalmente, na
prescrição ou na decadência, a extinção do direito de ação
ou do próprio direito resulta, por motivos de ordem pública,
da inércia do respectivo titular, que não o exercita dentro
do prazo que a lei confere-lhe.

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fls. 187

II — Limites da inderrogabilidade de
direitos

A inderrogabilidade de um direito pode


resultar, como adverte EGON GOTTSCHALK, da posição do seu
objeto, não se incorporando o bem, juridicamente por ele
protegido, ao patrimônio exclusivo de seu titular, por ser
da família, do grupo, da comunidade. São direitos que,
simultaneamente, encerram deveres, como assinala Coviello,
apresentando-se, por isso, sob o aspecto de uma função
social.
Por seu turno, como veremos adiante, a CLT
declara a nulidade da alteração bilateral do contrato de
trabalho em prejuízo do empregado (art. 468), o que é
excepcionado pela flexibilização permitida, restritivamente,
pela Constituição de 1988. Por conseguinte, a flexibilização
de direitos trabalhistas, como acentuou JEAN-CLAUDE
JAVILLIER, é uma fenda no princípio da irrenunciabilidade.
E, como já registramos, a Constituição brasileira a facultou
em matéria de salários, duração do trabalho e turnos
ininterruptos de revezamento, desde que instrumentalizada em
convenção ou acordo coletivo.
A validade da renúncia ou da transação
pressupõe a observância de alguns elementos: a) natureza de
direitos, distinguindo-se entre as normas imperativas e as
dispositivas; b) capacidade do agente ou agentes; c) livre
manifestação; d) forma prescrita em lei; e) ato explícito,
de interpretação restrita.

III — Momentos da renúncia

A renúncia antecipada de direitos, isto é,


quando da celebração do contrato de trabalho, é nula de pelo
direito. Rigorosamente, não se pode falar de renúncia
antecipada de direito, uma vez que, antes de o trabalhador
dele tornar-se titular, possui apenas uma expectativa de
direito. Se, previamente, renuncia a direito instituído em
seu favor por preceito de ordem pública que lhe seja
aplicável, configura-se, a nosso ver, uma presunção juris et

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fls. 188

de jure de que foi coagido a essa atitude para ingressar ou


permanecer na respectiva empresa. Por isso mesmo, em face do
disposto nos arts. 9º e 444 da CLT, essa renúncia deve ser
considerada inexistente.
Durante a relação de emprego prevalece, como
regra, o princípio de que o empregado não pode renunciar aos
direitos que lhe correspondem ou aos que advirão no curso do
contrato. Tratando-se de direitos oriundos de normas de
ordem pública, a renúncia só é válida nos casos em que a lei
venha admiti-la, observados os procedimentos nela
estatuídos. Tratando-se de direitos atinentes ao ajuste de
cláusulas que independem da aplicação das regras
imperativas, a renúncia terá validade desde que não acarrete
prejuízos diretos ou indiretos ao trabalhador. Em verdade,
sendo a subordinação jurídica do empregado ao empregador o
traço característico e essencial do contrato de trabalho;
correspondendo a esse elemento o poder hierárquico e o de
comando da empresa; colocando-se o empregado, na quase-
totalidade dos casos, num estado de absoluta dependência
econômica em relação ao empregador — inócua seria a proteção
ao trabalho se se desse validade à renúncia ocorrida durante
a execução do contrato de trabalho, seja pertinente a
direito adquirido, seja alusiva a direito futuro.
A renúncia no momento ou depois da cessação
do contrato de trabalho tem sido apreciada pela
jurisprudência brasileira com menos restrições do que as
ocorridas nas demais fases da relação de emprego.
A faculdade de renunciar, uma vez, rescindido
o contrato de trabalho, amplia-se consideravelmente. Mas é
preciso que se tenha em mente, na análise do respectivo ato:
a) se se trata, realmente, de renúncia ou de transação, uma
vez que a primeira corresponde a um só ato unilateral, em
virtude do qual nada recebe o titular do direito pelo fato
de dele se depojar; b) se o direito é, por sua natureza,
renunciável; c) se houve livre manifestação de vontade por
parte do renunciante. Enquanto a prerrogativa atribuída ao
trabalhador, por direito cogente, “se revestir do caráter de
proteção coletiva, ela é irrenunciável; quando prevalecer o
aspecto patrimonial, transformando-se de uma prerrogativa do
trabalhador em geral num direito meramente individual, a

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fls. 189

renúncia é lícita, dentro das condições mencionadas”. O


limite da renúncia, no momento ou depois da extinção do
contrato de trabalho, depende, como tem ponderado a
doutrina, de verificar-se se o direito em questão é de
caráter meramente individual ou é de interesse da categoria
profissional.

IV — Transação

Para que haja transação, é imprescindível


que: a) duas pessoas, pelo menos, estejam vinculadas entre
si, por força da relação jurídica da qual decorrem direitos
e obrigações; b) haja incerteza no pertinente a determinado
ou determinados direitos ou obrigações; c) a dúvida refira-
se a direitos patrimoniais, isto é, incorporados ao
patrimônio de uma das partes do contrato; d) a controvérsia
seja extinta mediante concessões recíprocas pelas partes
envolvidas.
As transações ocorridas na Justiça do
Trabalho, sob a forma de conciliação dos dissídios
individuais, são consideradas sempre válidas, uma vez que
operadas sob a vigilância e a tutela da própria Magistratura
especializada. O ajuizamento do dissídio individual revela a
configuração, não só da res dubia, mas também da res
litigiosa, sendo legítima assim a composição das partes
mediante recíproca transação de questionados direitos.
Aliás, o parágrafo único do art. 831 da CLT prescreve que no
caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como
decisão irrecorrível”, o que significa que somente poderá
ser anulada por meio de ação rescisória. Neste sentido
decidiu o Tribunal Superior do Trabalho, ao salientar que a
transação, “quando operada em juízo, sob a forma de
conciliação, é válida mesmo que não haja a estrita
reciprocidade”. E, mais recentemente, acentuou que “são
intrínsecas do acordo as concessões recíprocas. Se nele
ficou estabelecida a quitação das parcelas, não vemos por
que perquirir sobre diferenças que se presumem absorvidas no
ato conciliatório”.

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fls. 190

A Justiça do Trabalho tem decidido que a


anulação da sentença homologatória da conciliação, porque
irrecorrível nos termos do art. 831 da CLT, tem de ser
objeto de ação rescisória Mas o CPC, posterior à CLT, no
capítulo da ação rescisória, esclarece que a sentença
meramente homologatória pode ser anulada, como os atos
jurídicos em geral, nos termos da lei civil (art. 486).
No concernente ao acordo celebrado perante a
Comissão de Conciliação Prévia, dispõe o art. 625-E da CLT,
introduzido pela Lei n0 9.958, de 2000:

“Aceita a conciliação, será lavrado termo pelo empregado,


pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da Comissão,
fornecendo-se cópia às partes.”

Tal como na conciliação judicial, a lei


presume que a submissão da controvérsia à Comissão evidencia
a res dúbia caracterizadora da transação, o que nem sempre
corresponde à realidade. Por isto mesmo, o funcionamento
dessas comissões tem sido duramente criticado por
magistrados e outros operadores do Direito do Trabalho.
A transação, no âmbito da Comissão de
Conciliação Prévia, deve ser analisada com rigor pelo
Judiciário, considerando que ela deve formalizar-se quando
houver res dúbia em relação à questionada verba e, em face
do art. 841 do novo Código Civil, desde que se trate de
direitos patrimoniais.

V — Recibos de quitação

Em face do que reza o art. 477 da CLT, na sua


atual redação,

“O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do


contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um)
ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do
respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do
Trabalho” (§ 1º).

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fls. 191

Inexistindo qualquer desses órgãos na


localidade, cumpre observar a seguinte ordem preferencial:
a) representante do Ministério Público; b) Defensor Público;
c) Juiz de Paz (§ 3º).
Essa assistência não significa “homologação”,
como equivocadamente vem sendo rotulada, nem corresponde
apenas a “visto” do sindicato representativo da categoria do
respectivo empregado ou das autoridades enumeradas na lei. O
órgão assistente deve estar presente ao ato, cumprindo-lhe
orientar o assistido e, com este, assinar o documento. A lei
refere-se a “assistência”, e não a “visto” ou referendum,
precisamente porque considerou indispensáveis a presença e a
orientação do sindicato ou das autoridades mencionadas.
A assistência ao empregado, no momento da
dissolução do seu contrato, nos casos em que a lei a
determina, estabelece presunção facti ou hominis quanto à
sua validade. Mas essa dissolução pode ser anulada mediante
prova da ocorrência de erro substancial (art. 86 da CC),
silêncio intencional (dolo) a respeito de fato ou qualidade
que impediria a celebração do ato nas condições em que foi
realizado (art. 94 do CC), coação (arts. 98 a 101 do Código
Civil) ou simulação (art. 102). Em tais hipóteses a quitação
não será nula, mas anulável, cabendo ao trabalhador o ônus
da prova.
Quando a terminação do contrato de trabalho,
qualquer que seja a sua causa, verificar-se antes do decurso
de doze meses, a quitação das verbas pagas ao trabalhador
independerá dessa assistência; mas a validade do recibo,
assim como o alcance e eficácia das verbas consignadas na
quitação, estão sujeitos às mesmas regras interpretativas da
quitação com a assistência já mencionada.
Consoante dispõe o § 2º do recitado art. 477,

“O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer


que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter
especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e
discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas,
relativamente às mesmas parcelas).”

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fls. 192

Sempre sustentamos que a quitação deve ser


interpretada restritivamente, valendo pelas verbas
efetivamente pagas, razão por que a expressão “parcelas”, a
que alude o § 2º citado, deve ser estendida às partes ou
frações do pagamento efetivamente realizado. Neste sentido
prescreveu a Súmula n0 41 do TST, a qual, entretanto, foi
substituída pelo Enunciado n0 330, que ampliou os efeitos da
quitação. E decisões do TST no ano 2000 ampliaram ainda mais
os efeitos da quitação. Felizmente, a nosso ver, o mesmo
Tribunal, acolhendo proposta do Ministro CARLOS ALBERTO REIS
DE PAULA, deu a seguinte redação ao aludido Enunciado:

“A quitação passada pelo empregado, com assistência de en-


tidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância
dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, tem
eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente
consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e
especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas.
I — A quitação não abrange parcelas não consignadas no
recibo de quitação e, conseqüentemente, seus reflexos em outras
parcelas, ainda que essas constem desse recibo.
II — Quanto a direitos que deveriam ter sidos satisfeitos
durante a vigência do contrato de trabalho, a quitação é válida em
relação ao período expressamente consignado no recibo da
quitação”

A verdade, como sublinhou ANTÔNIO ÁLVARES DA


SILVA, é que o pagamento só extingue a obrigação até o
respectivo montante e não além da quantia recebida pelo
empregado.
A nova redação do Enunciado só menciona a
assistência de entidade sindical, mas é evidente que os §§
1º e 3º do art. 477 da CLT tem maior hierarquia jurídica,
razão por que a jurisprudência sumulada deve aplicar-se
também à quitação assistida por qualquer das autoridades
neles referidas.
O pagamento deferido deve ser efetuado, em
dinheiro ou cheque visado, no ato da formalização da
quitação (§ 4º). Qualquer compensação em favor do empregador

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fls. 193

não poderá exceder a um mês da remuneração do empregado (§


5º).
Preceitua o § 6º do artigo em foco que

“O pagamento das parcelas constantes do instrumento de res-


cisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes
prazos:
a) até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato, ou
b) até o décimo dia, contado da data da notificação da
demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do
mesmo ou dispensa de seu cumprimento.

Na inobservância desses prazos, salvo quando


o empregado der causa à mora, o empregador ter-lhe-á de
pagar multa equivalente ao salário contratual, além da de
caráter administrativo, em favor da União Federal, imposta
pelo Ministério do Trabalho.

Capítulo X

SUSPENSÃO DO CONTRATO

DE TRABALHO

I — Considerações preliminares
Dá-se a suspensão do contrato de trabalho
quando, em virtude de lei ou de outra fonte de direito,
determinado fato gera a paralisação temporária da sua
execução. Nem o empregado presta serviços, nem o empregador
paga-lhe salários.
As hipóteses determinantes da suspensão e da
interrupção remunerada, de um modo geral, são previstas em
lei, com normas de caráter imperativo. Nada impede, porém,
que as convenções ou acordos coletivos ou, ainda, as partes
contratantes ajustem outros casos de suspensão ou
interrupção do contrato, além dos previstos em lei. Mas a
inexecução contratual assim estabelecida por mútuo acordo só
se nos afigura possível quando objetivar atender a
interesses do trabalhador (p. ex., licença não remunerada

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fls. 194

para ensejar a visita a parente enfermo que reside em


localidade distante). Já no que tange aos casos de suspensão
do contrato de trabalho previstos em lei, nada impede
ajustar-se o pagamento dos salários durante o respectivo
afastamento do empregado, com o que transformará a
inexecução contratual em mera interrupção remunerada da
prestação de serviços

II — Efeitos jurídicos

A lei brasileira, além de garantir o retorno


do empregado ao cargo que exercia ao ensejo da configuração
do evento subordinador da suspensão do contrato de trabalho,
o que resulta do simples fato de ter cessado o motivo que a
determinou, prescreveu que “ao empregado afastado do emprego
são asseguradas, por ocasião de sua volta, todas as
vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à
categoria a que pertencia na empresa” (art. 471 da CLT). De
conseguinte, desde que, durante o período de suspensão do
contrato de trabalho, tenham sido atribuídas novas vantagens
à categoria do empregado na respectiva empresa, terá ele
direito a essas vantagens a partir do dia em que, cessada a
causa do seu afastamento, voltar ao serviço.
Assinale-se, entretanto, que o direito do
empregado afastado às vantagens conferidas à categoria que
integra na empresa nasce do fato de terem sido elas
concedidas com caráter geral.
Em relação ao prazo para o retorno do
empregado ao serviço da empresa, parece-nos que, ressalvadas
as exceções admitidas em lei, deverá ele corresponder a
trinta dias, contados da data em que cessou a causa
suspensiva, porquanto, fluído esse tempo, configurar-se-á o
abandono de emprego.
Em face do que prescreve o § 20 do art. 472,

“nos contratos por prazo determinado, o tempo de afastamento


de assim acordarem as partes interessadas não será computado na
contagem do prazo para a respectiva terminação”.

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fls. 195

É evidente que o ajuste facultado somente


poderá verificar-se quando a duração do contrato tenha sido
prefixada em face do tempo. Contudo, sem embargo de ter sido
consubstanciado num parágrafo do artigo, sobre o afastamento
do empregado para atender ao serviço militar ou a encargos
públicos, afigura-se-nos que o preceito em foco poderá
sempre ser aplicado, qualquer que seja a causa suspensiva do
contrato, visto que, sendo de natureza dispositiva, sua
observância dependerá do consenso das partes.
Nos casos de suspensão, dado que o contrato
não se executa em nenhum dos seus aspectos, vigora a regra
de que o respectivo período não é computado para efeito da
aplicação das normas de proteção ao trabalhador. Entretanto,
a Lei n0 4.072, de 16.6.62, estabeleceu criticável exceção a
essa regra, ao determinar o cômputo, como tempo de serviço,
para efeito de indenização e estabilidade, do período de
prestação do serviço militar e do afastamento por acidente
de trabalho. O que implica a continuidade dos depósitos do
FGTS.

III — Serviço militar e encargo público


civil

Estatui o art. 472 da CLT que

“o afastamento do empregado em virtude de exigências do


serviço militar ou de outro encargo público não constituirá motivo
para alteração ou rescisão do contrato de trabalho por parte do
empregador.”

Portanto, desde que a causa do afastamento do


empregado não imponha, por disposição legal ou contratual, o
pagamento total ou parcial dos correspondentes salários,
configura-se-á a hipótese da suspensão do contrato. E, uma
vez terminado o exercício do munus público, o trabalhador
terá o direito de retornar ao emprego, no cargo e com os
salários referentes ao seu contrato, de conformidade com as
regras anteriormente expostas.

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fls. 196

A prestação do serviço militar por empregado


não se confunde com sua convocação para manobras, manutenção
da ordem interna ou guerra, de que trataremos no capítulo
seguinte. Se o trabalhador vai prestar o serviço de
preparação militar, a que todo brasileiro está obrigado
antes de completar a maioridade, resultará daí a suspensão
do respectivo contrato de trabalho, uma vez que a lei não
impõe ao empregador qualquer ônus de índole salarial.
O art. 472 visou ao serviço militar
compulsório e normal, que objetiva a formação militar do
cidadão brasileiro para qualquer eventualidade futura. E
dessas considerações decorrem duas conseqüências: a) a
disposição legal, esteada em razões de ordem pública, não se
aplica ao trabalhador estrangeiro que vai prestar serviço
militar em seu país de origem; b) o trabalhador que ingressa
voluntariamente nas Forças Armadas, trocando, assim, de
profissão, não pode invocar a regra legal mencionada
atinente à suspensão do seu contrato de trabalho.
Por força do estatuído no art. 30, letra e,
da Lei n 4.375, de 1964, os empregados de estabelecimentos
0

ou empresas industriais de interesse militar, de transportes


e de comunicações, que forem, anualmente, declarados
diretamente relacionados com a Segurança Nacional pelo
Estado-Maior das Forças Armadas, são dispensados da
prestação do serviço militar.
A execução de encargos públicos civis, por
empregados designados ou eleitos para tal fim, gera a
suspensão do contrato de trabalho, desde que, em virtude da
lei, convenção coletiva ou do próprio contrato, não esteja o
respectivo empregador compelido a pagar-lhe os salários. Os
exemplos mais comuns de suspensão contratual, pelo exercício
de munus público de caráter civil, concernem ao desempenho
das funções de membro de conselhos de órgãos da
Administração Pública e de mandato eletivo no Congresso
Nacional, Assembléias Legislativas ou Câmaras Municipais.
Relativamente ao retorno do trabalhador ao
emprego, aplicar-se-á ao caso o disposto no § 1º do art. 472
da CLT, em razão do qual esse direito do empregado está
condicionado a que notifique o empregador, por telegrama ou
carta registrada, dentro do prazo de trinta dias contados da

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fls. 197

terminação do encargo. Embora se nos afigure que o


trabalhador poderá retornar ao emprego, sem prévia
notificação, antes do transcurso do precitado prazo, é
evidente que só poderá fazê-lo, após a sua fluência, se
tiver comunicado tempestivamente essa intenção.

IV — Mandato sindical

O art. 543 da CLT, disciplinando os efeitos


da eleição do empregado para o cargo de administração
sindical ou representação profissional, estabelece:

“§ 2º Considera-se de licença não-remunerada, salvo


assentimento da empresa ou cláusula contratual, o tempo em que o
empregado se ausentar do trabalho no desempenho das funções a
que se refere este artigo”.

Verifica-se, portanto, que o empregado a quem


for conferido um mandato sindical para exercer cargo de
administração sindical ou de representação profissional
poderá: a) ter suspenso o contrato de trabalho, enquanto
perdurar o mandato, se a função para a qual foi eleito
impuser seu afastamento quotidiano do emprego; b) suspender,
interpoladamente, a execução do contrato, sempre que o
desempenho do mandato o exigir; c) ter apenas interrompida a
prestação de serviços, contínua ou interpoladamente, desde
que um instrumento normativo ou o próprio contrato
individual de trabalho assegurem-lhe, em casos tais, a
respectiva remuneração ou, ainda, o empregador,
espontaneamente, concorde em pagar-lhe os salários.
De conseguinte, o afastamento do empregado
para exercer o mandato sindical corresponde, em regra, à
licença não remunerada (suspensão do contrato de trabalho);
mas pode revestir-se da forma de interrupção remunerada da
prestação de serviços4, se a empresa respectiva estiver
obrigada ao pagamento dos salários, seja em virtude de
convenção ou acordo coletivo, seja em razão do seu
regulamento interno, seja, enfim, em decorrência de cláusula
contratual.

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fls. 198

V — Suspensão disciplinar

Incumbindo à empresa dirigir o empreendimento


econômico para o qual se organiza como agrupamento
hierarquizado, não se lhe pode subtrair o uso do poder
disciplinar; mas obviamente, o exercício de tal poder não
pode ser ilimitado nem discricionário. Daí por que estatui a
Consolidação das Leis do Trabalho que

“a suspensão do empregado por mais de 30 (trinta) dias


consecutivos importa na rescisão do contrato de trabalho” (art.
474).

Cabe à Justiça do Trabalho, em caso de


reclamação do empregado, decidir se a suspensão justifica-se
ou deve ser anulada. Portanto, poderá o empregador aplicar a
pena de suspensão disciplinar ao empregado faltoso, desde
que sua duração não ultrapasse trinta dias consecutivos; mas
terá de provar a prática do ato faltoso se o empregado
recorrer à Justiça do Trabalho contra a aplicação da
penalidade.
A suspensão do empregado estável para
responder a inquérito na Justiça do Trabalho, tendente a
apurar a prática de falta grave capaz de justificar a
resolução do seu contrato de trabalho, não se confunde,
porém, com a suspensão disciplinar. Trata-se de suspensão
prévia do contrato de trabalho, que se transforma, com
efeito retroativo: a) em resolução, na hipótese de a Justiça
do Trabalho julgar procedente a acusação; b) em interrupção
da prestação de serviços, com o conseqüente recebimento dos
respectivos salários, se negada a autorização para despedir
o empregado, por considerar improcedente ou incomprovada a
acusação. Por isto mesmo, ressalta a jurisprudência que não
podem coexistir a suspensão disciplinar por tempo
determinado e a abertura de inquérito para dispensa do
empregado, porque não é admissível que este seja, a um só
tempo, por uma única falta, punido disciplinarmente e
despedido.

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fls. 199

VI — Greve

A matéria referente à greve será examinada em


outro Título. Neste ensejo, cumpre-nos verificar se o
abandono coletivo e temporário do trabalho, por parte dos
empregados de uma ou mais empresas, ou de um dos seus
estabelecimentos ou setores, acarreta a suspensão do
contrato de trabalho ou a sua rescisão.
Depois de muitas lutas operárias, a greve
tornou-se um poderoso instrumento de caráter contestatório,
de insubordinação concertada e, por vezes, até com
finalidade revolucionária. Sob este prisma, a greve é um
fato social, extrajurídico; emerge a complexidade dos
fenômenos econômicos, sociais e políticos com a força dos
fatos que desrespeitam os sistemas jurídicos, assim como a
caudal dos rios destrói o próprio contorno.
Durante algum tempo prevaleceu no direito
comparado o entendimento de que a greve, mesmo eclodida como
instrumento para obrigar o empresariado a negociar novas
condições de trabalho, importava na rescisão dos respectivos
contratos de trabalho.
Foi na França, que antes adotara essa teoria,
que nasceu a doutrina da suspensão contratual durante a
greve, tendo como seu precursor PAUL PIC — um dos pioneiros
do Direito do Trabalho. Para ele a greve não justifica a
rescisão, porque os empregados a deflagram sem a intenção de
romper o contrato: ora objetivam o cumprimento de obrigações
pactuadas individual ou coletivamente, ora reivindicam a
melhoria das condições de trabalho, mas sempre com o
propósito da manutenção da relação de emprego. Entretanto,
como observa, GUILHERMO CABANELLAS, para que da greve
resulte a suspensão do contrato, em vez da sua rescisão,
cumpre que se configurem duas situações: “Que a greve não
seja proibida pelo legislador e que, no caso de ser
considerada legal, se produza conforme as circunstâncias
previstas pelo legislador”. E pelo mesmo diapasão rege-se
ORLANDO GOMES, quando escreve que “a questão resume-se, em
conseqüência, na determinação do caráter da greve. Sendo
lícita, o vínculo de trabalho não se rompe. Sendo ilícita,
pode ser rescindido pela empresa”.

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fls. 200

A Constituição brasileira de 1988 incluiu a


greve no título dos direitos e garantias fundamentais,
conceituando-a como direito dos trabalhadores (art. 9º).
Alude, evidentemente, à greve como meio de pressão para a
obtenção de novas ou melhores condições de trabalho através
do procedimento da negociação coletiva, cujo malogro pode
dar lugar à arbitragem ou à instauração de dissídio coletivo
perante o tribunal do trabalho competente (art. 114, §§ 1º e
2º). Mas a própria Carta Magna previu que a lei estabeleça
excepcionais restrições ao exercício do direito da greve, a
fim de preservar as necessidades inadiáveis da comunidade e
apenar os abusos cometidos pela organização sindical
promotora, seus dirigentes ou participantes (§§ 1º e 2º do
art. 9º).
Por via de conseqüência, tal como resulta da
Lei n 7.783, de 28.6.89, que regulamentou o direito de
0

greve, efeitos jurídicos diversos podem decorrer do seu


exercício, no tocante ao emprego dos grevistas: a) suspensão
do contrato de trabalho; b) interrupção remunerada do
contrato; c) rescisão com justa causa do contrato.
A mencionada lei prescreve que, uma vez
“observadas as condições previstas em lei, a participação em
greve suspende o contrato de trabalho” (art. 7º, primus),
sendo assim “vedada a rescisão do contrato de trabalho
durante a greve” (parágrafo único do art. cit.). Esta é a
regra, que modificou a disposição da lei de 1964, mais
favorável aos trabalhadores. Agora, no curso da greve, o
empregador não está obrigado por lei a pagar salário, ainda
que sejam atendidas as reivindicações dos empregados, tal
como prevalece no direito comparado. Mas o vínculo
contratual não se rompe.
O instrumento jurídico que puser fim à greve
(acordo ou convenção coletiva, laudo arbitral ou decisão
normativa da Justiça do Trabalho) poderá e deverá dispor
sobre as obrigações pertinentes ao período de paralisação
(art. 7º, in fine). Ser-lhe-á, portanto, facultado
determinar o pagamento dos salários, no todo ou em parte, a
recuperação total ou parcial das horas perdidas, o cômputo
do período como tempo de serviço etc. A suspensão do

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fls. 201

contrato de trabalho poderá, assim, transformar-se em


interrupção remunerada da prestação de serviço.

VII — Benefícios previdenciários

No que tange à enfermidade do empregado ou


incapacidade biológica presumidamente transitória, seja ou
não resultante do trabalho, incumbe ao empregador pagar-lhe
salário integral durante os primeiros quinze dias de
afastamento, configurando-se, neste caso, a interrupção da
prestação de serviço. Após esse prazo, persistindo a
incapacidade para o exercício da correspondente função,
cumprirá ao INSS a concessão do auxílio-doença. Portanto, a
suspensão contratual, que corresponde à licença não
remunerada a que alude o art. 476 da CLT, só se configura
com o auxílio-doença previsto no sistema da previdência
social.
A incapacidade para o trabalho, quando
presumidamente de caráter permanente, determina a concessão
da aposentadoria por invalidez. No Brasil, essa prestação

“será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de


auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de rea-
bilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição”

A respeito, estabelece a Convenção n0 102, de


1952, aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho,
que as prestações do seguro-invalidez devem ser concedidas
ao segurado que estiver

“inapto para exercer atividade profissional, no grau prescrito,


quando provável que esta inaptidão seja permanente ou quando a
mesma subsista depois de cessar as prestações monetárias de
enfermidade” (art. 54).

Entre nós, preceitua o art. 475 da CLT:

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fls. 202

“O empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso


o seu contrato de trabalho durante prazo fixado pelas leis de
previdência social para a efetivação do benefício.

§ 1º Recuperando o empregado a capacidade de trabalho e


sendo a aposentadoria cancelada, ser-lhe-á assegurado o direito à
função que ocupava ao tempo da aposentadoria, facultado, porém,
ao empregador o direito de indenizá-lo por rescisão de contrato de
trabalho, nos termos dos arts. 477 e 478, salvo na hipótese de ser
ele portador de estabilidade, quando a indenização deverá ser paga
na forma do art. 497.”

A legislação brasileira remete, portanto,


para a legislação de previdência social a fixação do prazo
máximo gerador da suspensão do contrato de trabalho. E a Lei
n0 8.213, de 1991, estabeleceu-o em cinco anos.
Em face do preceituado no regulamento dessa
lei, o aposentado fica obrigado a submeter-se a exames
periódicos a cargo da Previdência Social, a tratamento
médico e/ou a processos de reabilitação profissional por
esta custeados, ressalvado o caso de intervenção cirúrgica e
de transfusão de sangue, que são facultativos (art. 101, da
lei).
A aposentadoria por invalidez do segurado
poderá transformar-se em aposentadoria por idade, se ele
satisfizer as condições exigidas pelo art. 53 do
Regulamento.
Se o aposentado por invalidez retornar
voluntariamente à atividade profissional, o benefício será
imediatamente cancelado (art. 46 da lei). O mesmo ocorrerá
se a recuperação da capacidade do trabalho, aferida pelo
exame médico previdenciário, se der no curso dos cinco anos,
contados da suspensão do seu contrato de trabalho, computado
o período de auxílio doença hipótese em que o trabalhador
terá direito a retornar ao seu emprego, se estiver capaz
para a função que exercia na empresa (art. 47, I, a, da
lei):

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fls. 203

“Art. 47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho


do aposentado por invalidez, será observado o seguinte pro-
cedimento:
I — quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos,
contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do
auxilio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício
cessará:
a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a
retornar à função que desempenhava na empresa quando se
aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como
documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela
Previdência Social; ou
b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do
auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, para os demais
segurados;

II — quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o


período do inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto
para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia,
a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta a atividade:
a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da
data em que for verificada a recuperação da capacidade;
b) com redução de 50% (cinqüenta por cento), no período
seguinte de 6 (seis) meses;
c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também
por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará
definitivamente“

A matéria em foco está explicitada no art. 47


da precitada lei, que distingue entre a recuperação da
capacidade de trabalho dentro de cinco anos e para a função
que desempenhava na empresa no momento em que tornou inativo
da Previdência Social e as demais hipóteses.
Esse dispositivo supratranscrito complementa
o art. 475 da Consolidação e esclarece expressamente quais
os efeitos jurídicos do cancelamento da aposentadoria por
invalidez no contrato de trabalho do respectivo segurado. Os
efeitos deste cancelamento, frente ao empregador, variam
conforme: a) o grau e a natureza da recuperação da
capacidade de trabalho; b) o tempo em que o segurado

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fls. 204

permaneceu incapaz. Se a recuperação não for total ou o


segurado for declarado apto apenas para o exercício de
trabalho diverso do que habitualmente realizava na empresa,
o empregador não terá a obrigação de readmiti-lo, porquanto
o correspondente contrato de trabalho, mesmo quando não
extinto pela fluência dos cinco anos, concerne ao exercício
de uma função para a qual o trabalhador permanece
incapacitado. Também, quando a recuperação, embora total e
para o próprio serviço que executava nas empresas,
verificar-se após o decurso do qüinqüênio de concessão de
benefício por incapacidade (somados os períodos de auxílio-
doença e de aposentadoria por invalidez), nenhuma obrigação
terá o empregador, visto que o respectivo contrato de
trabalho extingue-se pelo simples implemento dos cinco anos
de concessão dos aludidos benefícios por incapacidade. Por
isto mesmo, nestas duas hipóteses, a decisão do Instituto,
declaratória da recuperação da capacidade de trabalho, não
acarreta o cancelamento imediato da aposentadoria. No curso
de dezoito meses subseqüentes, operar-se-á a redução
progressiva dos proventos de benefício previdenciário.
A empresa só estará obrigada, portanto, a
readmitir o empregado quando a recuperação da capacidade de
trabalho, além de ser total para a função que habitualmente
exercia, verificar-se durante a suspensão do contrato de
trabalho; isto é, na fluência dos cinco anos em que esteve
afastado dos serviços da empresa usufruindo o benefício
previdenciário resultante da sua incapacidade (auxílio-
doença e aposentadoria por invalidez).
Um dos característicos essenciais da
suspensão do contrato de trabalho é o caráter temporário da
sua inexecução. Nem se compreenderia que um contrato pudesse
permanecer suspenso indefinidamente. E certo que o art. 475
da Consolidação não fixou o prazo, findo o qual se operaria
a extinção do contrato do empregado aposentado por
invalidez; partiu, porém, do pressuposto de que esse prazo,
a ser prefixado pela legislação de previdência social, deve
sempre existir. Como bem observou GARCIA OVIEDO, na
companhia de BARASSI, PEREZ BOTIJA, KROTOSCHIN e outros
renomados juristas, o direito comparado inclui como causa
suspensiva do contrato de trabalho “a incapacidade

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temporária para o trabalho, derivada de um acidente ou de


uma enfermidade”, “enquanto não exceda do prazo que as leis
determinam”.
Está, portanto, revogado o Enunciada n0 160 do
TST, no qual se transformou o antigo Prejulgado n0 37. Este
fora aprovado ao tempo em que a legislação previdenciária
não era explícita a respeito do tema.
Se o empregado recuperar sua capacidade de
trabalho no prazo e nas condições previstas na lei, terá
direito a retornar ao emprego, nas funções que exercia
quando dele afastou-se (§ lº do art. 475 da CLT) e com as
vantagens a que aludimos no estudo sobre a suspensão do
contrato de trabalho (art. 471). E, para este fim, valerá
como título hábil o certificado de capacidade fornecido pela
instituição de previdência social.
O art. 475 da Consolidação não impõe,
entretanto, ao empregador a obrigação de manter o contrato
com o empregado cuja aposentadoria foi cancelada durante o
período de suspensão contratual. Realmente, atendendo a que,
em certos casos, pode ser inconveniente para a organização
dos serviços da empresa a mencionada readmissão, facultou ao
empregador denunciar o contrato, mediante pagamento das
indenizações legais, isto é, levantamento do FGTS acrescido
de 40%. Releva ponderar, nesta oportunidade, que a
indenização deve ser calculada tomando por base a
remuneração a que o empregado teria direito no momento da
readmissão’7.
No que tange ao substituto do empregado
aposentado que retorna ao serviço de conformidade com o
estatuído no § 1º do art. 475 da CLT, estabeleceu o § 2º do
mesmo artigo que, se tiver tido ciência inequívoca da
interinidade no momento em que foi contratado, poderá ser
dispensado sem qualquer indenização ao ensejo da readmissão
do substituído. Terá, porém, direito ao levantamento dos
correspondentes depósitos do FGTS.
Em caso de acidente do trabalho, cujo seguro
está integrado na Previdência Social, o acidentado fará jus
aos benefícios constantes do elenco desse sistema, com
majoração das prestações; e, em determinadas situações, ser-
lhe-ão concedidas prestações especiais.

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O Regulamento da Previdência Social, aprovado


pelo Decreto nº 3.048, de 1999, tal como os de l9~7 e de
1992, consolidou disposições esparsas sobre a matéria,
sobretudo as da precitada Lei n0 8.213.
O empregado que, em virtude de acidente do
trabalho (no seu sentido amplo, abrangendo o acidente in
itinere, a doença profissional etc.), perder ou tiver
reduzida, de forma permanente ou temporária, sua capacidade
para o trabalho, terá direito, conforme o caso, ao auxílio-
doença ou à aposentadoria por invalidez, cujos efeitos
jurídicos já expusemos.
Em face do estatuído no art. 118 da Lei n0
8.213 citada, o acidentado tem assegurada manutenção do seu
contrato de trabalho pelo prazo de doze meses a partir da
cessação do auxílio-doença; mas, se este tiver sido
convertido em aposentadoria por invalidez, essa estabilidade
especial não poderá ser invocada se a aposentadoria só for
cancelada após a fluência de um ano.

VIII — Suspensão bilateral do contrato de


trabalho

A Medida Provisória n0 1.726, de 3.11.98, que


vem sendo renovada mensalmente, sem alterações (cf. a MP n0
2.076-36, de 26.4.01), acrescentou novas disposições à
Consolidação das Leis do Trabalho (art. 476-A),
possibilitando e disciplinando a suspensão provisória do
contrato que vier a ser prevista em convenção ou acordo
coletivo, mediante aquiescência formal do empregado. O
período de suspensão oscilará de dois a cinco meses e será
destinado à participação do empregado em curso ou programa
de qualificação profissional oferecido pelo empregador
(caput do art. cit.). O correspondente sindicato deve ser
notificado da adesão do seu representante (§ 1º), não
podendo a suspensão repetir-se em cada dezesseis meses (§
2º).
Por se tratar de suspensão contratual, não
será conceituada como de natureza salarial a ajuda
financeira que, eventualmente, o empregador conceder ao

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fls. 207

trabalhador (§ 3º); mas, nesse período, este último terá


direito “aos benefícios voluntariamente concedidos pelo
empregador” (§ 4º) e manterá o vínculo de segurado da
previdência social, nos termos do art. 15, II, da Lei n0
8.213, de 1991 (art. 5º da Medida Provisória cit.).
Se, durante a suspensão do contrato, o
empregado continuar trabalhando ou não lhe for ministrado o
curso, ou programa, de qualificação profissional, o seu
empregador terá de pagar os salários e os encargos sociais,
sujeitando-se, ainda, às sanções previstas na Lei e na
convenção ou acordo coletivo (§ 6º do art. 476-A cit.). Por
seu turno, se o empregado for despedido no período da
suspensão ou nos três meses subseqüentes ao seu turno, o
empregador pagar-lhe-á, além das verbas prescritas em lei, a
multa estipulada na convenção ou acordo coletivo, que não
poderá ser inferior a 100% da última remuneração mensal (§
5º).

IX — Empregado eleito diretor

O empregado eleito para diretor-órgão de


sociedade anônima tem suspenso o seu contrato de trabalho e,
por via de conseqüência, o correspondente período de
representação não é considerado tempo de serviço, salvo se o
estatuto ou norma regulamentar da empresa determinar esse
cômputo ou configurar uma simulação em fraude à lei, para
encobrir verdadeiro trabalho de empregado.
Nesse sentido firmou-se a jurisprudência do
TST, já consubstanciada no Enunciado nº 269.
O diretor eleito para a direção superior da
sociedade, como sublinhou DÉLIO MARANHÃO, é representante
legal desta; não mandatário, pois o mandato pressupõe dois
sujeitos.
A verdade é que a mesma pessoa não pode
exercer o poder de comando da empresa e estar, ao mesmo
tempo, hierárquica e juridicamente subordinada a essa
direção.

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Capítulo XI

INTERRUPÇÃO REMUNERADA DA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

I — Efeitos jurídicos

Enquanto na suspensão do contrato de


trabalho, como vimos no capítulo anterior, este não se
executa em nenhum dos seus aspectos, na interrupção de que
cogita a CLT, o empregador está obrigado a pagar, no todo ou
em parte, o salário do empregado, embora este não lhe preste
serviços. Em ambas as hipóteses, portanto, o vínculo
contratual não se rompe.
Destarte, sempre que a lei impuser ou
autorizar a ausência do empregado ao serviço e criar para o
respectivo empregador a obrigação de pagar-lhe salários,
haverá mera interrupção do serviço em vez de suspensão do
contrato de trabalho. E o mesmo ocorrerá se a ausência
remunerada do empregado resultar de convenção coletiva ou
ajuste entre os próprios contratantes.
Executando-se parcialmente o contrato, no
atinente aos salários, torna-se evidente que as vantagens
atribuídas à categoria do respectivo empregado, na empresa,
ser-lhe-ão asseguradas imediatamente, desde que, direta ou
indiretamente, digam respeito à cláusula salarial.
Uma vez terminado o período legal ou
contratual de ausência remunerada, deverá o empregado
retornar, de logo, ao serviço da empresa, sob pena de
perder, a partir desse dia, o direito aos correspondentes
salários e incorrer, após trinta dias, em abandono de
emprego. No entanto, é óbvio que, se o período de
interrupção transformar-se, pelo implemento do tempo, em
suspensão contratual, não terá o empregado de voltar nessa
oportunidade ao seu trabalho.
Inversamente do que se verifica nos casos de
suspensão do contrato de trabalho, os períodos de
interrupção remunerada da prestação de serviços são sempre

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computados como tempo de serviço do empregado para todos os


efeitos legais.

II — Natureza jurídica da remuneração

As fontes normativas do Direito do Trabalho


vêm impondo ao empregador a obrigação de pagar salários em
diversas hipóteses nas quais a prestação de serviços é
interrompida por motivos de índole biológica ou de interesse
social, desde que ao empregado não assista o direito de
receber em outras fontes os meios necessários ao seu
sustento e ao de sua família. Assim, cada prestação salarial
não precisa corresponder a cada prestação de serviços, mesmo
porque já se universalizou o princípio de que o trabalho não
é mercadoria. O contrato de trabalho é sinalagmático no seu
todo e a equivalência subjetiva das obrigações pertinentes
aos contratantes não deve ser analisada em relação a cada
prestação, mas no que tange ao conjunto das obrigações
recíprocas.
Insignes juristas, apesar de admitirem que a
remuneração das pausas normais de trabalho (descanso semanal
e férias anuais) constitui salário, negam que, nos demais
casos de interrupção, possa a respectiva retribuição ser
como tal conceituada. Segundo o douto BARASSI, os eventos
que, de um modo geral, subordinam a interrupção da prestação
de serviços correspondem a “hipóteses diferentes da que se
refere às pausas de trabalho, porquanto estas são
previsíveis e já se descontam no momento da fixação
intersindical das remunerações mínimas . Mas, nos casos de
interrupção por impedimentos imprevistos e cujo risco se
quer atribuir à empresa, a prestação pecuniária do
empregador ao trabalhador é indenização, ainda quando
perdure a relação de emprego”.
Não nos filiamos, contudo, à tese defendida
pelo saudoso professor da Universidade Católica de Milão.
Para que os repousos compulsórios sejam realmente
remunerados, é mister que o empregado não perceba, nesses
dias, apenas os salários atinentes às jornadas em que

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fls. 210

trabalhou. Por isto mesmo, os salários dos descansos


semanais e das férias anuais não devem corresponder, nem
teórica, nem praticamente, à prestação de serviços. A
natureza jurídica do pagamento devido pelo empregador, nas
pausas normais de trabalho, há de ser a mesma da retribuição
concernente às demais hipóteses em que o empregado pode
interromper a prestação de serviços sem prejuízo da
remuneração. Inexistirá sempre a estreita correlação entre o
trabalho executado e o salário; mas o moderno conceito do
salário prescinde, como já vimos, dessa correlação de cunho
civilista.
A legislação brasileira, ao dispor sobre as
diversas hipóteses de interrupção do contrato de trabalho,
realçou claramente a natureza salarial da obrigação
atribuída ao respectivo empregado. Aplicam-se, portanto, à
mencionada remuneração todas as normas disciplinares e
protetoras do salário.

III — Ausências legais

Além das ausências do empregado ao serviço,


cuja justificação e o conseqüente pagamento do salário
dependem de apreciação do respectivo empregador, prevê a lei
alguns casos em que aquele pode deixar de comparecer ao
trabalho, sem prejuízo de sua remuneração. Constituem,
assim, ausências legais pré-autorizadas, computadas como
tempo de serviço para todos os efeitos jurídicos.
Prescreve o art. 473 da CLT, depois de
alterado e acrescido pelos Decretos-leis nºs 229, de 1967, e
757, de 1969, e pelas Leis nºs 9.471, de 1997, e 9.853, de
1999:

“o empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem


prejuízo do salário:
I — até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento de
cônjuge, ascendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua
carteira profissional, viva sob sua dependência econômica;
II — até 3 (dias) consecutivos, em virtude de casamento:

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III — por um dia, em caso de nascimento de filho, no


decorrer da primeira semana (ampliado pela Constituição de 1988,
como veremos adiante);
IV — por um dia, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em
caso de doação voluntária de sangue devidamente comprovada;
V — até 2 (dois) dias consecutivos ou não, para o fim de se
alistar eleitor, nos termos da lei respectiva;
VI — no período de tempo em que tiver de cumprir as
exigências do Serviço Militar referidas na letra c do art. 65 da Lei
n0 4.3 75, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar);

VII — nos dias em que estiver comprovadamente realizando


provas de exame vestibular para ingresso em estabelecimento de
ensino superior;
VIII— pelo tempo que se fizer necessário, quando tiver de
comparecer a juízo”.

Os casos de interrupção remunerada da


prestação de serviços acima enumerados não demandam qualquer
explicação, salvo o previsto no inciso VI, em virtude de
remissão à Lei do Serviço Militar. Esta, no seu art. 65,
letra c, impõe ao reservista a obrigação de: a) apresentar-
se, quando convocado, no local e prazo determinados; b)
comunicar, dentro de sessenta dias, pessoalmente ou por
escrito, à Organização Militar mais próxima, as mudanças de
residência; c) apresentar-se, anualmente, no local e na data
fixados para apresentação das reservas ou cerimônias cívicas
do Dia do Reservista. Por seu turno, o Decreto-lei n0 715, de
1969, ampliou o elenco de casos de interrupções remuneradas
da prestação de serviço, ao dar nova redação ao § 4º do art.
60 do Serviço Militar.

“Todo convocado matriculado em órgão de Formação de Re-


serva que seja obrigado a faltar a suas atividades civis, por força de
exercício ou manobras, ou reservista que seja chamado para fins de
exercício de apresentação das reservas ou cerimônia cívica, do Dia
do Reservista, terá suas faltas abonadas para todos os efeitos”.

A Constituição de 1988 instituiu a “licença-


paternidade, nos termos da lei” (art. 7º, XIX), sendo ela

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fls. 212

fixada em cinco dias, até o advento dessa lei (art. 10, §


1º, do ADCT). Trata-se de obrigação de natureza salarial, e
não previdenciária, a cargo do empregador — prestação que
substitui e absorve a interrupção do serviço, por um dia,
referida no art. 473, III, da CLT. Enquanto não viger a lei
prevista na Carta Magna, afigura-se que o dies a quo da
licença é o do parto da mulher do empregado, devendo a
interrupção remunerada do trabalho verificar-se sem solução
de continuidade. É que a finalidade do preceito foi a de
permitir que o pai dê assistência à mãe, quando do
nascimento do filho, e o registre em seguida, durante a
licença. Cumpre ao empregado comunicar o nascimento do filho
imediatamente ao seu empregador; mas a obrigação de pagar o
salário dos cinco dias dependerá, obviamente, da apre-
sentação da certidão do registro, salvo se a futura lei
admitir o atestado da maternidade onde ocorreu o parto.
O comparecimento do empregado em juízo, seja
como parte ou testemunha, ficou expressamente resolvido com
a Lei n0 9.853 citada, que adicionou o inciso VIII ao art.
473 transcrito. Desnecessária, já agora, a invocação do art.
822 da CPC, eis que a nova lei assegura ao empregado a
interrupção remunerada da prestação de serviços e não
distingue entre as diversas jurisdições. Mas o afastamento
autorizado é pelo tempo que se fizer necessário. Daí por que
o Enunciado n0 155, do TST, refere a “horas” e não a “dias”.

IV — Doença até quinze dias

A doença do empregado, impeditiva da


prestação dos serviços, quando igual ou inferior a quinze
dias, obriga o empregador ao pagamento dos correspondentes
salários, como se estivesse trabalhando, isto é, no seu
valor integral. Somente após o decurso da quinzena, se
persistir a causa do afastamento, terá o empregado direito
ao auxílio-doença, por conta da instituição de previdência
social de que é segurado, com o que configurará a suspensão
do contrato de trabalho de que tratamos no capítulo
anterior.

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fls. 213

O pagamento do salário-doença está


condicionado à prova, apresentada pelo empregado, da
enfermidade determinante das suas faltas ao serviço. Essa
comprovação deve ser feita mediante apresentação do atestado
médico, observada, como proclamou o Enunciado n0 15 do TST, a
ordem preferencial estabelecida em lei:

“A justificativa da ausência do empregado motivada por doen-


ça, para percepção do salário-enfermidade e da remuneração do
repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados
médicos estabelecida em lei “.

Tratando-se de empresa possuidora de serviço


médico próprio ou que se utiliza de serviço médico com o
qual mantém convênio, o exame do empregado enfermo, até
quinze dias, será feito pelo respectivo serviço. Neste
sentido consolidou-se a jurisprudência, tal como referido no
Enunciado n0 282 cio TST, e assim dispôs o § 4º do art. 60 da
Lei n0 8.213, de 1991, reproduzido pelo § lº do art. 75 do
novo Regulamento da Previdência Social. Somente após o
decurso da quinzena, se persistir a incapacidade para o
trabalho, poderá o empregado ser encaminhado ao INSS. Neste
sentido, dispôs expressamente o § 40 do art. 60 da Lei n0
8.213, de 1991. Inaplicável, portanto, nessa hipótese, a
ordem preferencial estabelecida pela legislação anterior.
Como escrevemos alhures, sem embargo do
reconhecimento da “ordem preferencial”, certo é que, se o
empregador estabelecer a praxe de aceitar atestado médico
particular para a comprovação da doença, não poderá alterá-
la ex abrupto, sem prévia comunicação a seus empregados.
Sempre que se tratar de doença recidiva, com
interregno inferior a sessenta dias, somam-se os períodos de
ausência do empregado, para exonerar o empregador do
pagamento do salário-enfermidade por mais de quinze dias. E
o que expressamente prescreve o § 3º do art. 73 do já citado
Regulamento da Previdência Social, consagrando a
jurisprudência a respeito firmada pelo Tribunal Superior do
Trabalho.

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fls. 214

V — Repousos remunerados: descanso semanal e


em feriados, férias anuais e licença à gestante

A Constituição brasileira impõe a obrigação


de o empregador remunerar seu empregado nos dias de repouso
semanal compulsório e nos feriados, o que caracteriza essas
pausas periódicas de trabalho como simples interrupção de
prestação de serviço, com as conseqüências jurídicas já
expostas neste Capítulo.
Relativamente às férias remuneradas, o mesmo
se verifica, motivo por que o período de gozo,
correspondente à interrupção do contrato, é considerado
integrante do tempo de serviço do empregado.
Outra figura de interrupção da prestação de
serviço, no direito positivo brasileiro, concerne à licença
assegurada à empregada gestante.
A Constituição brasileira de 1988 manteve a
licença compulsória da gestante entre os direitos sociais do
trabalhador, estatuindo no art. 7º:

“XVIII — licença à gestante, sem prejuízo do empregado e do


salário, com a duração de cento e vinte dias”.

VI — Convocação militar de reservista

Como já registramos, na prestação do serviço


militar obrigatório, destinado a preparar o reservista das
Forças Armadas brasileiras, verifica-se a suspensão do
contrato de trabalho do respectivo empregado, uma vez que
seu empregador não lhe deve salários. O mesmo não sucede,
porém, quando o empregado, já reservista, é convocado para
manobras, exercício, manutenção da ordem interna ou guerra,
porquanto terá direito a receber, enquanto permanecer
incorporado, dois terços dos salários, por parte do seu
empregador, percebendo das Forças Armadas apenas as
gratificações regulamentares. Nesta hipótese, portanto,
haverá simples interrupção da prestação de serviços. Mas a
nova Lei do Serviço Militar faculta ao convocado optar pelos
vencimentos, salários ou remuneração que mais lhe convenham
(§ 1º do art. 61 da Lei n0 4.375, de 17.8.64), razão por que,

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fls. 215

se preferir o soldo militar, verificar-se-á a suspensão do


contrato, embora com a contagem do respectivo período como
tempo de serviço para efeito de indenização e estabilidade,
consoante o estatuído no parágrafo único do art. 4º da CLT
(FGTS e indenização compensatória), introduzido pela Lei no
4.072, de 1962.
A inconstitucionalidade dessa obrigação
imposta ao empregador foi invocada sob o pretexto de que não
incumbia às entidades privadas a manutenção das Forças
Armadas. Contudo, a argüição não logrou êxito na mais alta
corte do País, pois, como assinalou o preclaro Ministro
OROZIMBO NONATO, “não se trata de atribuir ao empregador, no
caso especial do empregado convocado, senão o dever que
decorre das relações de emprego, em face da situação
excepcional”.
Outrossim, o reservista ou mesmo o empregado
matriculado em órgãos de Formação de Reserva, tal como
registramos na Seção III deste Capítulo, terão suas faltas
abonadas, para todos os efeitos legais, quando tiverem de
cumprir exigências do Serviço Militar a que se referem os
arts. 6º, § 4º, e 65, c, da Lei n0 4.375, de l964.

VII — Paralisação da empresa, voluntária ou


involuntária

Tendo a Consolidação das Leis do Trabalho


preceituado que a empresa cumpre assumir “os riscos da
atividade econômica” (art. 2º), considerando “Como de
serviço efetivo o período em que o empregado esteja à
disposição do empregador, aguardando ou executando ordens”
(art. 4º) — torna-se evidente que os efeitos jurídicos
pertinentes à paralisação dos serviços da empresa devem ser
examinados em face dessas duas regras. A análise adequada do
assunto exige que se distingam as diferentes espécies de
paralisação:

“I — a voluntária, determinada exclusivamente pela conve-


niência do empregador;

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fls. 216

II — a oriunda de fato estranho à empresa, que pode


configurar simples risco da atividade empreendida, circunstância de
força maior ou factum principis”.

Somente as paralisações temporárias


interessam ao nosso estudo, já que as de caráter permanente,
importando na extinção da empresa ou do estabelecimento ou
na supressão de uma de suas atividades, equivalem à cessação
do contrato de trabalho dos respectivos empregados.
Tratando-se de paralisação temporária,
determinada pelo empregador para atender à conveniência da
empresa, é inquestionável que responderá ele pelo pagamento
dos salários dos seus empregados, caracterizando-se,
portanto, a interrupção remunerada da prestação de serviços
e não a suspensão dos respectivos contratos de trabalho.
A suspensão, total ou parcial, das atividades
da empresa pode resultar, todavia, de fato que lhe seja
estranho. E, conforme a natureza desse fato, variarão os
efeitos jurídicos referentes à execução dos contratos de
trabalho.
Assim, se a paralisação temporária dos
serviços é imposta por fato relativo aos riscos a que está
sujeito o próprio empreendimento econômico, não padece
dúvida de que o empregador continua responsável pelos
salários do período de interrupção. Daí por que tem a
jurisprudência acentuado que a falta de matéria-prima, a
diminuição de negócios, os estragos de máquinas e os
prejuízos financeiros não advindos de motivo de força maior
enquadram-se entre os riscos da empresa, desautorizando o
respectivo empregador a suspender, ainda que
transitoriamente, a execução dos contratos de trabalho. O
período de paralisação da empresa, em tais casos, deve ser
considerado como de interrupção remunerada da prestação de
serviços.
Entretanto, quando a paralisação temporária
da empresa resultar de motivo de força maior, a matéria
torna-se controvertida no tocante à persistência da
obrigação salarial. A CLT definiu expressamente a força
maior, envolvendo no seu conceito o caso fortuito (inundação,
tempestade, terremoto). Em face do conceito legal adotado

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fls. 217

pela Consolidação, não é a imprevisibilidade, mas a


inevitabilidade que caracteriza a força maior na relação de
emprego.
Tendo o legislador brasileiro consagrado a
teoria do risco da empresa no que tange à execução do
contrato de trabalho, não inclui no sistema consolidado
nenhum dispositivo afirmando a irresponsabilidade do
empregador pelo descumprimento das obrigações contratuais
ainda que caracterizada a circunstância de força maior, O
art. 502 da CLT determina que na extinção da empresa, ou de
um dos estabelecimentos, por motivo de força maior, cumpre
ao empregador pagar aos empregados despedidos, por metade,
as indenizações atinentes à rescisão do contrato de
trabalho, Em vez de liberar a obrigação, a força maior
apenas atenua a responsabilidade do empregador, que se vê
compelido a indenizar, sem embargo de não ter concorrido
para a rescisão do contrato.
A força maior nem sempre acarreta a extinção
do estabelecimento ou da empresa (matéria regida pelo art.
502 da CLT, que não concerne a este Capítulo). Quanto à
duração do trabalho, ela pode ocasionar:

a) a prorrogação automática da jornada de trabalho, com


horas extraordinárias remuneradas na base do salário normal (art.
61, §§ 10 e 20, da CLT);
b) a interrupção temporária do trabalho, com a faculdade de
o empregador recuperar as horas perdidas, mediante prorrogação,
por período não superior a quarenta e cinco dias por ano,
subordinada essa compensação ao prévio consentimento da
autoridade competente (§ 3º do art. 61 da CLT).

Nessas duas hipóteses, não é necessário que o


motivo de força maior seja capaz de afetar substancialmente
a situação econômica e financeira da empresa para que a
paralisação dos serviços de que cogita o § 3º do art. 61
possa ser compensada pelo subseqüente trabalho suplementar
dos empregados. Aliás, o precitado parágrafo alude a
interrupções resultantes de força maior ou de causas
acidentais.

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fls. 218

Conforme salienta ELSON GOTTSCHALK, quando a


força maior acarreta “a cessação completa e imediata do
trabalho, por dias seguidos, ou mesmo a redução acentuada da
atividade da empresa, configura-se o que o texto denomina de
interrupção do trabalho, dando lugar à recuperação. E tanto
o ilustre magistrado baiano como o emérito RUSSOMANO são
acordes em sustentar, como já o fizemos, que em tais casos
não é devido adicional sobre o salário das horas
extraordinárias concernentes à recuperação das horas
perdidas com a paralisação. Parece-nos, por isto mesmo, que,
durante a interrupção da prestação de serviços motivada por
força maior ou causas acidentais, os respectivos empregados
fazem jus aos seus salários; e ao empregador será facultado
recuperar essas horas perdidas, já remuneradas, consoante o
estatuído no § 3º do art. 61 da CLT, sem nada mais pagar aos
empregados pela compensação atinente ao trabalho
suplementar.
O factum principis é conceituado, pela
maioria dos juristas como força maior. Na Consolidação dás
Leis do Trabalho merece, porém, tratamento especial, não
ensejando, no que tange à relação de emprego, os mesmos
efeitos. É que o seu art. 486 atribui ao Governo responsável
o ônus de indenizar os empregados nos casos de paralisação
temporária ou definitiva motivada por ato de autoridade
pública.
Conseqüentemente, desde que a interrupção
transitória dos serviços resulte do exercício da soberania
do Estado (factum principis), cumpre ao Governo, cujo ato
acarretou a paralisação, pagar os salários dos respectivos
empregados. No mesmo sentido opina MARTINS CATHARINO, no seu
“Tratado Jurídico do Salário”.

Capítulo XII

ALTERAÇÃO DO CONTRATO

DE TRABALHO

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I — Modalidades

O contrato de trabalho, por ser de trato


sucessivo e, quase sempre, por prazo indeterminado, está
sujeito a alterações, quer no tocante à pessoa do
contratante, quer no concernente ao seu objeto ou condições
ajustadas para sua execução. As primeiras, denominadas
subjetivas, correspondem à pessoa física ou jurídica do
contratante e já foram por nós examinadas no Capítulo I
deste Título. As segundas, de caráter objetivo, podem ser
obrigatórias ou voluntárias, unilaterais ou bilaterais,
benéficas ou prejudiciais ao empregado.
As alterações obrigatórias podem resultar de
lei, de convenção ou acordo coletivo, de sentença normativa
ou de ato de autoridade administrativa. E elas podem operar
diretamente, quando a própria norma insere-se no contrato de
trabalho (p. ex., majoração salarial), ou indiretamente,
quando o empregador as determina com base em autorização da
norma em questão.

II — Alterações permitidas por lei

A Constituição brasileira, no seu art. 7º,


permite que, por convenção ou acordo coletivo de trabalho,
seja flexibilizada a aplicação de normas cogentes sobre os
dois principais aspectos da relação de emprego:

a) o inciso VI quebrou o princípio da irredutibilidade do


salário;
b) o inciso XIII fundamentou a nova redação dos arts. 58-A e
59 da CLT visando à instituição do trabalho a tempo parcial e ao
banco de horas;
c) o inciso XIV possibilitou a exclusão da jornada de seis
horas no regime de turnos ininterruptos de revezamento.

Nos capítulos sobre o salário e a duração do


trabalho examinaremos esses temas. Desde logo, no entanto,
vale registrar que, visando a preservar a empresa afetada na
sua saúde econômica, a legislação anterior à nova

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fls. 220

Constituição previu duas hipóteses capazes de justificar, a


título excepcional, a redução do salário dos respectivos
empregados: a) em caso de força maior ou prejuízos
susceptíveis de afetar substancialmente a situação econômica
da empresa, o empregador poderia reduzir os salários de
todos os seus empregados, na mesma proporção, até 25%,
respeitado o salário mínimo (art. 503 da CLT); b) em
situações excepcionais, recomendada pela conjuntura eco-
nômica, a empresa afetada poderia, mediante acordo com a
organização sindical representativa dos seus empregados ou
em virtude de decisão da Justiça do Trabalho, reduzir a
jornada ou os dias de trabalho semanal, de forma a
proporcionar redução salarial não inferior a 25%, extensiva
aos proventos e gratificações dos diretores e gerentes,
respeitado o salário mínimo (Lei n0 4.928/65).
Com a hierarquização constitucional do
princípio da “irredutibilidade do salário, salvo o disposto
em convenção ou acordo coletivo”, parece certo que a redução
do salário, ainda que em circunstâncias excepcionais e
transitórias, só poderá ser autorizada pelos mencionados
instrumentos decorrentes da negociação coletiva.
É evidente que esse comando constitucional
não se estende a outras prestações de natureza salarial
constantes do elenco dos direitos trabalhistas do art. 7º,
porque as exceções se aplicam estritamente às hipóteses a
que explicitamente se referem. Aliás, a legislação
infraconstitucional deveria precisar em que situações a
convenção ou o acordo coletivo de trabalho poderiam
estipular redução do salário contratual.
Também no tocante à transferência do
empregado, como veremos adiante, os arts. 468, 469 e 470 da
CLT admitem, excepcionalmente, a modificação do contrato.

III — Exegese do art. 468 da CLT

Ressalvadas essas hipóteses, as alterações do


contrato de trabalho são regidas pelos arts. 468, 469 e 470
da CLT, sendo certo que o empregador possui um limitado jus
variandi.

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fls. 221

A regra geral, que homenageia a natureza


contratual da relação de emprego, está enunciada no art.
468,2 a qual considera nulas de pleno direito as alterações
decorrentes: a) de ato unilateral do empregador; b) de ato
bilateral ajustado pelos contratantes, do qual resulte,
direta ou indiretamente, prejuízo ao empregado. É evidente,
porém — posto que a norma jurídica deve ser interpretada
tendo em conta os seus fins sociais —, que as modificações
benéficas ao empregado, ainda que praticadas, por ato
unilateral do empregador (p. ex.: aumento do salário), não
incidem na referida nulidade.
Esse dispositivo, de considerável importância
na execução dos contratos de trabalho, partiu do pressuposto
de que somente coagido ou induzido a erro o empregado
concorda com alterações contratuais em seu prejuízo.
O prejuízo que, em regra, gera a nulidade da
modificação contratual pode ser direto ou indireto, atual ou
futuro; mas há de ser certo no momento da alteração. A
simples expectativa de eventual prejuízo não acarreta a
nulidade. Nas palavras de DÉLIO MARANHÃO, o interesse de
agir, por parte do empregado, há de ser atual, mas o
prejuízo basta que seja certo. Mas a aferição do prejuízo
certo, ainda que indireto ou futuro, deve, pois, ser
contemporânea à alteração. A simples expectativa, eventual,
do prejuízo não acarreta a nulidade da alteração contratual.
Nas alterações contratuais, sobretudo nas
praticadas ou oferecidas a todos os empregados de um setor
ou de um estabelecimento, deve ser invocada, com prudência,
a teoria do conglobamento; isto é, cabe verificar se as
modificações prejudiciais aos empregados são, fora de
qualquer dúvida, compensadas pelo que, no mesmo ato, os
beneficiam.
A expressão “mútuo consentimento”, inserida
no art. 468, não corresponde, evidentemente, a acordo
escrito. Se o contrato de trabalho pode ser ajustado
expressa ou tacitamente, por escrito ou verbalmente (arts.
442 e 443), poderá, também, ser alterado por acordo verbal
ou por ajuste tacitamente configurado. Mas se o acordo pode
ser inferido do comportamento das partes, certo é que o
simples silêncio do trabalhador não importa em manifestação

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fls. 222

da sua vontade, dada a subordinação em que se encontra em


relação ao empregador.
Tirante as hipóteses previstas no art. 7º da
Carta Magna, no art. 503 da CLT e na Lei n0 4.928, de 1965, a
que já nos referimos, o salário do empregado não pode ser
modificado em seu prejuízo, quer no seu valor, quer na sua
forma. O mesmo se aplica à duração do trabalho, ressalvadas
as hipóteses previstas no § 2º do art. 58-A e nos §§ 2º e 3º
do art. 59 da CLT (trabalho a tempo parcial e banco de
horas).
Como já assinalamos no Capítulo I, Seção VII,
deste Título IV, o regulamento de empresa, no Brasil, pode
ser expedido por ato unilateral do empregador, razão por que
este pode alterar tanto as cláusulas de natureza
administrativa ou técnica, como as de caráter nitidamente
contratual. Entretanto, no atinente a estas últimas, o novo
ato patronal não poderá afetar os contratos de trabalho em
curso, salvo se da alteração, acréscimo ou revogação não
resultar prejuízo direto ou indireto para o respectivo
empregado e este der o seu consentimento. O Direito,
portanto, preserva a integridade do contrato e o direito
adquirido pelo empregado às vantagens nele ajustadas. A ite-
rativa jurisprudência a respeito foi consolidada no
Enunciado n 51, do TST.
0

A introdução de nova tecnologia capaz de


aumentar a produção dos empregados remunerados por unidade
produzida justifica a redução do salário-peça, desde que ele
totalize, no dia, semana ou mês, conforme for o caso, valor
igual ou superior ao que vinham percebendo. Como bem
assinalou DÉLIO MARANHÃO, não se trata de explicar a teoria
da imprevisão, mas a da conservação da base do negócio:
“empregado e empregador, ao fixarem, contratualmente, aquele
preço, partiram de uma situação existente por ocasião no
contrato — a habilidade do empregado e o rendimento mecânico
do sistema de produção (...) Cremos cabível aplicar-se ao
caso a noção de base do negócio, que é uma pressuposição
bilateral, expressa ou tácita, integrante do contrato. Como
adverte OERTMANN, não tomá-lo em consideração seria contra a
vontade das partes’. É aconselhável, contudo, que essa
adaptação do salário, resultante do novo equipamento

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fls. 223

tecnológico, seja objeto de acordo individual entre os


contratantes.

IV — Jus variandi

Pode o empregador, por ato unilateral,


alterar algumas condições relativas à execução do contrato
de trabalho?
O saudoso ELSON GOTTSCHALK, na sua tese de
concurso, ressaltou que em qualquer contrato é admissível
uma certa indeterminação relativa ao seu objeto; mas “a
singularidade está em que nos contratos comuns a escolha da
coisa determinada pelo gênero normalmente pertence ao
devedor, enquanto, aqui, no contrato de trabalho, ele
pertence, por necessidade das coisas, ao credor da
prestação. Verifica-se, assim, uma importante inversão da
regra da teoria geral das obrigações, por contingências
especiais de adaptabilidade à natureza da obrigação oriunda
da relação jurídica de trabalho”.
Ao estado interessa, sem dúvida, que as
empresas produzam cada vez mais e melhor, desde que
respeitem os direitos dos seus empregados. Por isto, pode o
empregador, no exercício do poder de comando, modificar os
métodos de trabalho e organização da empresa, a fim de
adaptá-los às exigências da moderna técnica, visando à maior
produtividade; mas terá de observar as condições estipuladas
na lei e nos contratos firmados com os empregados. Daí por
que entendemos que o exercício do jus variandi só é amplo no
que se refere a aspectos da organização da empresa e ao modo
pelo qual o empregado deve prestar os serviços contratados.
A limitação estatuída no art. 468 da CLT somente é afastada
nos casos de flexibilização facultada pela Carta Magna,
mediante convenção ou acordo coletivo e nos de transferência
de empregado previsto nos arts. 469 e 470 da CLT.
Os tribunais do trabalho entendem que a
modificação do horário da prestação de serviços insere-se no
direito de variar do empregador. Ainda assim, todavia, a
jurisprudência dominante é no sentido de que a alteração por
ato unilateral do empregador está limitada ao turno

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fls. 224

atribuído ao empregado: diurno, noturno ou misto. Só com a


concordância deste é que se legitima a mudança de turno.
Quanto à função do empregado, ela deve ser
expressamente ajustada no contrato escrito ou verbal, mesmo
porque é obrigatória sua anotação na Carteira de Trabalho.
De um modo geral, a especificação do cargo revela a natureza
dos serviços a serem prestados; isto é, a função do
empregado. As vezes, entretanto, o cargo é designado de
forma imprecisa ou o seu título não esclarece as funções
realmente contratadas e exercidas pelo trabalhador. Por
isto, no exame da alteração das condições contratuais de
trabalho, é mais importante a função que ao empregado
incumbe executar do que o nome do cargo que lhe foi
atribuído. Os encargos ou atribuições podem variar de acordo
com as ordens do empregador, no exercício do poder de
comando; todavia, essa variedade não pode exceder os limites
das funções a que o empregado obrigou-se a executar.
Sempre que o empregado estiver no exercício
de cargo de confiança, poderá o empregador, por ato
unilateral e a qualquer tempo, dispensá-lo do mesmo,
determinando o seu retorno ao cargo efetivo, se houver. Esse
retorno — estatui expressamente o parágrafo único do art.
468 — não é considerado alteração do contrato de trabalho,
incluindo-se, assim, nos limites do poder de comando da
empresa. E o mesmo entendimento deve ser afirmado, por força
do estatuído no art. 450, em que se tratando de função
exercida em comissão, interinamente ou em substituição,
desde que a designação do empregado justifique-se, em tais
casos, pela natureza do cargo ou pela transitoriedade da
investidura.
A qualificação profissional do empregado
dentro da empresa resulta da natureza dos serviços
contratados; das funções que lhe incumbe exercer. E essa
qualificação pode não coincidir com o status profissional
que possui como trabalhador: o advogado contratado para
chefe do escritório de uma empresa não terá nesta a
qualificação de advogado; ao contador admitido como
pianista, não poderá o empregador exigir que realize
serviços de contabilidade.

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fls. 225

V — Transferência do local de trabalho

A — Considerações Preliminares — Os arts. 469


e 470 da CLT tratam mudança do local de trabalho, sem
modificação das funções do empregado. E o primeiro desses
dispositivos ampliou os limites do jus variandi, ao admitir
cinco hipóteses nas quais a transferência do empregado para
local diverso do que resulta do contrato pode ser
determinada pelo empregador:

a) a que não acarretar necessariamente a mudança do domi-


cílio;
b) a do empregado no exercício de cargo de confiança;
c) por necessidade do serviço, quando admitida, explícita ou
implicitamente, pelo contrato de trabalho;
d) quando ocorrer a extinção do estabelecimento em que
trabalhar o empregado;
e) em caráter provisório, por necessidade de serviço, com o
adicional mínimo de 25% sobre o salário.

Em virtude do transtorno que gera a mudança


de residência do empregado, sobretudo se tiver família, os
tribunais do trabalho têm examinado, com justo rigor, as
ações pertinentes ao tema. Por isso mesmo, a Lei nº 6.203,
de 1975, acrescentou o inciso IX ao art. 659 da CLT,
atribuindo ao Juiz do Trabalho competência para conceder
medida liminar, com eficácia até decisão final do processo,
nas ações que visem a anular transferência, salvo a que não
acarretar necessariamente a mudança do domicílio.
B — Mudança do domicílio — Preceitua o art.
31 do Código Civil que domicílio é o lugar onde a pessoa
estabelece sua residência com ânimo definitivo; mas não o
fixou rigidamente, de maneira a confundi-lo com uma área
geográfica predeterminada. O próprio autor do Código Civil
alude a Distrito e não a Município como o lugar referente ao
domicílio civil da pessoa natural. E se atentarmos para os
fins sociais visados pelo art. 469, forçoso será concluir
que a rigidez conceitual do lugar do domicílio do empregado
ensejaria soluções injustas que cabe ao intérprete evitar,
sobretudo quando o sistema legal pertinente não impede a

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fls. 226

equânime decisão. Por isso, consideramos ilícita a


transferência do empregado sempre que ela tornar penosa ou
impossível a sua locomoção diária, acarretando a necessidade
de mudar o seu domicílio para poder cumprir, sem maiores
sacrifícios pessoais, as obrigações assumidas com o
empregador. Inversamente, será lícita a transferência, ainda
que o novo local de trabalho situe-se em outro Município,
quando o empregado puder atender às suas obrigações, sem
maior esforço, conservando o mesmo domicílio.
C — Cargo de confiança — O exercente de cargo
de confiança pode ser transferido por ato unilateral do
empregador (§ lº do art. 469). Essa faculdade conferida ao
empregador concerne tanto ao momento em que o empregado
deixa o seu cargo efetivo para assumir o de confiança, como
se mantém durante o tempo em que estiver no exercício desse
cargo. O empregado, no entanto, poderá não aceitar a desig-
nação para a função de confiança, a fim de conservar o seu
local de trabalho. Entendemos, ainda, que, sendo o empregado
dispensado da função de confiança, cumpre ao empregador
fazê-lo retornar ao local onde exercia o cargo efetivo,
salvo se convier a ambas as partes que os serviços atinentes
a esse cargo passem a ser prestados na localidade para a
qual fora o trabalhador transferido. Mas o empregado pode
exigir esse retorno, a fim de que preste os serviços para os
quais fora contratado na localidade referida no contrato.
D — Necessidade de serviço — A real
necessidade de serviço constitui condição legal, quer para a
transferência de empregado explícita ou implicitamente
admitida no seu contrato de trabalho (§ lº, in fine, do art.
469), quer a de caráter provisório, com o suplemento
salarial de 25%, enquanto durar a remoção (§ 3º do art.
469). Só na remoção transitória é devido esse adicional. Não
se trata, pois, de um direito potestativo, porquanto o seu
exercício depende da “real necessidade de serviço”. Só na
remoção transitória é devido o adicional de transferência.
A nosso ver, a possibilidade de ser admitida
a cláusula de transferência, sem qualquer restrição quanto à
natureza das funções atribuídas ao empregado, não se
concilia com os fundamentos e objetivos do Direito do

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fls. 227

Trabalho, cuja regra é o direito do empregado à


intransferibilidade.
A condição contratual implícita deve ser
aferida em face da função exercida pelo empregado e não em
razão da natureza do empreendimento patronal. Mas, ainda que
haja cláusula explícita, a transferência só se legitima,
como já sublinhamos, se houver incontestável necessidade de
serviço, a qual, nas palavras do saudoso magistrado VALENTIN
CARRION, “não se presume, cabendo à empresa o ônus da
prova””. Na verdade, como decidiu o TRT de Santa Catarina,
“a cláusula de transferibilidade encontra limite no abuso de
direito e na condição sociofamiliar do empregado”. A remoção
do empregado para outro local de trabalho deve atender a um
interesse legítimo da empresa e jamais poderá ser
determinada como penalidade.
E — Extinção do estabelecimento — Extinto o
estabelecimento, o § 2º do art. 469 da CLT autoriza a
transferência dos empregados não estáveis para outra unidade
da mesma empresa. Se o empregador não possuir outro
estabelecimento, o contrato de trabalho resolve-se com o
levantamento dos depósitos ao FGTS acrescidos da indenização
de 40,5%. O acréscimo de 10% nas despedidas, instituído pela
Lei Complementar n0 110, de 2001, sob o falso título de
“contribuição social”, para financiar o ressarcimento devido
nas contas do FGTS em virtude de erro do Governo Federal, é
de constitucionalidade duvidosa. Tratando-se de empregado
com direito à estabilidade, ele terá direito à indenização
em dobro (art. 498), salvo se preferir manter o emprego em
outra localidade. Se a extinção do estabelecimento decorrer
de motivo de força maior, as indenizações serão devidas pela
metade (art. 502).
O disposto no precitado parágrafo, que
excepciona a regra da intransferibilidade proclamada no
caput do artigo, tem criado situações flagrantemente
injustas para os trabalhadores, forçados a optar entre uma
transferência onerosa e indesejada ou a perda do emprego.
Isto explica a inexistência de uma orientação
jurisprudencial segura sobre a exegese do referido pará-
grafo: em muitos casos de extinção do estabelecimento, tendo
em vista a idade, as condições de saúde ou certos aspectos

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fls. 228

familiares do empregado, os tribunais têm deixado de


ratificar as transferências determinadas, considerando
resilidos os respectivos contratos de trabalho com a
obrigação dos empregadores pagarem as respectivas
indenizações.
A faculdade preceituada no § 2º do art. 469
tem por finalidade a sobrevivência da empresa, evitando que
o seu patrimônio seja sensivelmente afetado pela subtração
das indenizações resultantes da despedida dos empregados do
estabelecimento extinto. Pressupõe, por isso mesmo, que a
extinção de um dos estabelecimentos da empresa corresponda a
um interesse legítimo da sua economia. Se a lei deve ser
aplicada de acordo com a sua destinação social, afigura-se-
nos necessário obstar o abuso do direito de transferir, que
se a configura, a nosso ver, quando o estabelecimento for
imotivadamente extinto; quando a extinção não atender a
legítimo interesse do empreendimento econômico, mas,
simplesmente, à vontade arbitrária do empreendedor.
Se o empregado não pretender acatar a ordem
de transferência, deve ele — como ponderou NELIO REIS —
“manifestar imediatamente a sua recusa, sob pena de
presunção de concordância, perdendo, conseqüentemente, o
direito de exigir do empregador que justifique os motivos
determinantes da alteração contratual. No exercício deste
direito, uma vez negada a justificação, pode o empregado
comparecer ao Tribunal sem violação do espírito de
disciplina”.
F — Despesas da transferência — O empregador
está obrigado a arcar com todas as despesas relacionadas com
a transferência: transporte do empregado e dos familiares
que vivam com ele, além do mobiliário, utensílios etc. Por
derradeiro — escreveu SAAD —, “o empregado deve perceber o
salário relativo aos dias que falta do serviço devido à
mudança de responsabilidade do empregador”.
O art. 470 da CLT, concisa e expressamente,
prescreveu que

“As despesas resultantes da transferência correrão por conta do


empregador.”

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fls. 229

Capítulo XIII

TERMINAÇÃO DO CONTRATO

DE TRABALHO

I — Nomenclatura

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)


emprega a palavra “rescisão” como abrangente de todas as
hipóteses de terminação do contrato individual do trabalho.
E o termo-popularizou-se, tendo sido adotado, a partir de
então, por nossa legislação social-trabalhista. No
quotidiano das relações entre empregadores e empregados, é
corriqueiro o uso das expressões “despedida” ou “dispensa”.
A QIT refere “terminação” como gênero que compreende as
diferentes espécies indicadoras do fim da relação de
emprego.
A doutrina brasileira não é uníssona a
respeito da nomenclatura técnico-jurídica das diversas
formas de terminação do contrato de trabalho.
Para ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK, a
dissolução do contrato dar-se-á pelos seguintes modos:

a) resolução, se determinada por decisão judicial, que em


nosso País só se verifica em se tratando de relação garantida por
estabilidade no emprego;

b) resilição ou rescisão (referem as duas expressões como


sinônimas), que podem ser bilateral, quando as partes, de comum
acordo, põem fim aos compromissos contratuais (distratos), ou
unilateral, quando um dos contratantes exerce um direito
potestativo, denunciando o contrato, com ou sem justa causa;

c) caducidade, quando o contrato cessa em virtude da morte


do empregado, em decorrência de força maior impeditiva da sua
continuação ou pela ocorrência de acontecimento futuro a que foi
subordinada sua eficácia (condição resolutiva).

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fls. 230

DÉLIO MARANHÃO, no entanto, entende que “a


resolução ocorre com ou sem autorização judicial, quando: a)
ha inexecução faltosa por parte de um dos contratantes; b) o
contrato está subordinado a uma condição resolutiva; c) a
execução torna-se impossível por motivo de força maior. A
resilição pode corresponder a distrato ou, unilateralmente,
ao exercício de direito potestativo. Já a rescisão verifica-
se apenas em caso de nulidade.
Para nós:

a) dá-se a resolução quando a ruptura contratual é autorizada


ou declarada pela autoridade competente (no Brasil, a Justiça do
Trabalho), por considerar provada a falta grave do empregado
estável, o ato faltoso do empregador, a força maior ou nulidade
impeditiva do prosseguimento da relação de emprego;
b) a resilição unilateral corresponde ao exercício de direito
potestativo, mediante aviso prévio à outra parte (despedida); a
bilateral resulta do consenso dos contratantes (distrato);

c) a rescisão verifica-se quando o empregador, com justa


causa, resolve pôr fim ao contrato de trabalho, independentemente
de pronunciamento judicial;

d) a extinção ocorre, seja pelo implemento da condição reso-


lutiva estipulada para o termo do contrato (prazo, obra, tarefa), seja
pela extinção da empresa ou a morte do empregador quando o
contrato for intuitu personae em relação a ele, seja, enfim, pela
aposentadoria definitiva ou a morte do empregado.

II — Configuração da despedida

Na despedida direta o empregador, ou quem na


empresa possua poder para tanto, explicita sua decisão,
mediante aviso prévio ao empregado ou comunicando-lhe que o
despede por justa causa. Mas, em se tratando de trabalhador
com estabilidade no emprego, contra o qual for imputada a
prática de falta grave, o empregador só poderá suspendê-lo,

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fls. 231

devendo requerer, no prazo decadencial de trinta dias, a


instauração de inquérito na Vara de Trabalho, objetivando a
resolução do contrato.
A despedida indireta decorre de uma situação
fática que torna impossível, prejudicial ou desrespeitosa a
execução do contrato de trabalho pelo empregado. O art. 483
da CLT é expresso a respeito, elencando as faltas patronais
que justificam a resolução do contrato por iniciativa do
empregado.
A despedida pode resultar ainda da extinção
da empresa motivada por diversos fatores.

III — Justas causas para a rescisão do


contrato de trabalho

A — Conceito — A justa causa para a rescisão


do contrato de trabalho, seja este por prazo determinado ou
indeterminado, compreende tanto a prática de um ato faltoso
de gravidade, como o inadimplemento do contrato. Mas esse
inadimplemento, como bem acentuou EVARISTO DE MORAES FILHO,
invocando lições de LUIGI DE LITALA e RIVA SANSEVERINO,
constitui falta de induvidosa gravidade. E exemplifica: “O
empregado que, sem aviso prévio ao empregador e sem motivo
relevante, deixa de comparecer ao serviço, faz com que se
rompa o seu crédito de confiança, tornando cabível sua
dispensa”.
Por conseguinte, os atos faltosos, inclusive
o descumprimento contratual, revestidos de gravidade, desde
que enquadrados nos elencos constantes dos arts. 482 e 483
da CLT, autorizam a parte contrária a fazer cessar a relação
de emprego. O fato de o art. 493 referir a “falta grave” com
a propiciadora da resolução do contrato de empregado com
direito à estabilidade, não significa que os atos
relacionados naqueles dois artigos não sejam graves.
Se o empregado der causa à rescisão, o
empregador poderá despedi-lo sem aviso prévio e a
indenização compensatória, que seria calculada sobre o
montante dos depósitos do FGTS durante a vigência do
contrato. Se a falta ou o inadimplemento contratual forem de

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fls. 232

empregador ou de um dos seus prepostos, caracterizada estará


a despedida indireta, cujas causas examinaremos mais
adiante.
B — Natureza do elenco dos atos faltosos — Em
alguns países a legislação conceitua genericamente a justa
causa para a rescisão do contrato de trabalho, deixando à
autoridade julgadora a tarefa de enquadrar o ato ou fato na
conceituação legal. Em outros, o elenco é explícito e
limitativo; raramente é apenas exemplificativo. Na
conceituação genérica usam-se, dentre outros, as expressões
culpa grave ou dolo, motivo justo ou legítimo, infração
contratual.
Segundo WAGNER GIGLIO, “justa causa é todo
ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que
autorize a outra a rescindir o contrato de trabalho que a
unia, sem prévia manipulação judicial”. A nossa CLT, no
entanto, relacionou de forma taxativa os atos ou fatos que
constituem justas causas para a despedida do empregado (art.
482) e os que, praticados pelo empregador ou seus prepostos,
caracterizam a despedida indireta (art. 483). Contudo,
alguns dos atos ou fatos elencados permitem certa
flexibilidade na sua qualificação como justa causa porquanto
a conceituação de certos atos faltosos, como a desídia, a
incontinência de conduta e o mau procedimento propiciam a
mencionada flexibilização.
C — Atualidade e perdão tácito — A justa
causa deve ser atual para ensejar a rescisão do contrato.
Essa contemporaneidade, no entanto, não significa
imediatismo. O juiz, com prudente arbítrio, deve analisar o
caso concreto para concluir se o tempo decorrido entre a
falta e a despedida, ou a pretensão judicial de resolver o
contrato, justifica a conclusão de que ela foi tacitamente
perdoada. Conforme ponderou DÉLIO MARANHÃO, “esse prazo não
pode ser estabelecido rigidamente. Varia em cada caso,
dependendo, inclusive, das dimensões e complexidade da
organização interna de cada empresa. É evidente que o prazo
capaz de figurar o perdão do empregador deve fluir a partir
do conhecimento do ato faltoso por quem tem poderes para
despedir o empregado.

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D — Proporcionalidade e dupla punição — No


exercício do seu poder disciplinar, o empregador deve
apreciar em concreto a falta praticada pelo empregado e
observar o princípio da proporcionalidade, a fim de que a
penalidade não seja excessiva em confronto com o ato
faltoso. Alguns dos atos relacionados no art. 482 da CLT
podem ser praticados com diferentes graus de gravidade.
Demais disto, além do fator reincidência, o local de
trabalho deve ser considerado no tocante a certas faltas.
Assim, o mesmo ato faltoso pode, conforme o caso, ensejar a
aplicação de advertência escrita, suspensão até trinta dias
(art. 474) ou despedida com justa causa (art. 482).
Cumpre ponderar, todavia, que se o empregador
puniu o trabalhador com determinada sanção, não poderá, pela
mesma falta, despedi-lo sem justa causa. O princípio do nom
bis in idem é aplicável ao Direito Penal do Trabalho.

IV — Análise das justas causas para a


despedida

A — Considerações gerais — Como registramos,


e assim entende a maioria dos que escreveram sobre o tema, a
relação dos atos faltosos elencados no art. 482 da CLT é
taxativa e não exemplificativa. Mas, como acentua AMAURI
MASCARO NASCIMENTO, “a julgar pela experiência brasileira,
pouca ou nenhuma diferença haveria entre o sistema genérico
e o taxativo tão amplas são as causas previstas em nossa
lei, de modo a ser possível enquadrar sempre um ato
eticamente reprovado”. Faltas como mau procedimento,
incontinência de conduta, desídia habitual, indisciplina ou
insubordinação e ofensa física ou moral, podem ser
consideradas capazes, ou não, de justificarem a despedida.
Os antecedentes de empregado, a intensidade do ato faltoso e
as circunstâncias que determinaram a sua prática podem
descaracterizar a gravidade da falta. Daí a observação de
ALTAMIRO JOSÉ DOS SANTOS de que algumas faltas só “se
configuram pela habitualidade. Para essas, é claro, sempre
deveremos levar em consideração os atos anteriores”.

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fls. 234

A CLT, nos seus arts. 482 e 493, distingue


entre as justas causas rescisivas do contrato de trabalho e
a falta grave justificadora da despedida do empregado
estável. Mas isso não significa que os atos faltosos não
devam se revestir de gravidade para que se enquadrem como
justa causa. O que pretendeu o legislador foi enfatizar que
os atos faltosos relacionados no art. 482 justificam a
resolução do contrato do trabalhador com estabilidade no
emprego “quando, por sua repetição ou natureza, representem
séria violação dos deveres e obrigações de empregado”.
DORVAL LACERDA concluiu que “não há, nem pode
haver, dado o caráter pragmático do contrato de trabalho e
sua variedade quanto à condição pessoal dos prestadores e
dos empreendedores, uma fórmula definitiva e rígida para
caracterizar o ato faltoso”.
Os atos faltosos referidos no art. 482 podem
ser praticados dentro ou fora do estabelecimento do
empregador; podem ser dolosos ou culposos. O que tem relevo,
porém, é que sua prática justifique a ruptura do contrato de
trabalho. Justifique, mas não imponha, pois nada impede que
o empregador perdoe a falta e admita o prosseguimento da
relação em emprego.
Passemos ao exame dos atos ou fatos
referidos, como justas causas da despedida, no art. 482 da
CLT.
B — Improbidade — Do latim probus (honesto),
do qual resultou probitate (probidade), a improbidade
significa a prática, por ação ou omissão, reveladora da
falta de honestidade, caráter e honradez. ANTONIO LAMARCA
observou que o conceito jurídico trabalhista da improbidade
não pode ser demasiado amplo. Daí a conclusão de DORVAL
LLACERDA de que a “improbidade traduz-se em quatro espécies
de ações delituosas: desonestidade, abuso, fraude e má-fé”.
O ato faltoso de improbidade, de inegável
gravidade, capaz de caracterizar, de logo, a falta grave
cogitada pelo art. 493 da CLT, requer intenção dolosa, sendo
desnecessária sua repetição para quebrar, definitivamente, a
confiança que deve existir entre as partes do contrato de
trabalho. Outrossim, não se faz mister que o empregado a

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fls. 235

tenha praticado em serviço ou em virtude do seu trabalho,


nem que haja afetado o patrimônio da empresa.
C — Incontinência de conduta ou mau
procedimento — Como observou VALENTIN CARRION, “a figura do
mau procedimento é tão ampla que poderia abranger todas as
outras e, na prática, serve para focalizar qualquer ato do
empregado que, pela sua gravidade, impossibilita a
continuação do vínculo, desde que não acolhido precisamente
nas demais figuras, nem excluído por algumas delas ao dar
exato limite a determinada conduta”. E evidente, contudo,
que a reiteração de atos menos graves, configuradores do mau
procedimento de empregado, também justificam a sua
despedida. Sobretudo se, pelo mesmo tipo de falta, já tiver
sido punido com advertência ou suspensão.
Consoante escrevemos no nosso primeiro livro,
“a incontinência de conduta e o mau procedimento são os atos
contrários aos bons costumes que, embora não envolvidos pela
desonestidade, tornam o empregado incompatível com o serviço
da empresa. Para a caracterização desses atos, deve-se ter
em mira, principalmente, a classe dos negócios explorados
pelo estabelecimento e a educação normalmente exigível para
que o empregado desempenhe as respectivas funções”.
Caso típico de incontinência de conduta é o
assédio sexual a colega ou cliente. Também a utilização de
computador da empresa além dos limites fixados por norma
interna constituiu mau procedimento.
D — Negociação concorrente — O art. 482 da
CLT cataloga como justa causa para a despedida do empregado:

“c) negociação habitual por conta própria ou alheia e sem


permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à
empresa para a qual trabalhe ou for prejudicial ao serviço”.

Como se deduz, essa falta consiste na


negociação habitual de bens produzidos ou comercializados
pela empresa, desde que importe em concorrência e não tenha
sido autorizada pelo empregador ou por quem o represente.
Ela se caracteriza quando repetida, visto que a lei refere
“negociação habitual”. Essa exigência, a nosso ver, é
criticável, porque pode haver concorrência desleal grave na

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fls. 236

prática de um só negócio ilícito feito pelo empregado ou por


terceiro com ele relacionado.
E — Condenação criminal — Segundo dispõe a
alínea d do art. 482, uma vez transitada em julgado a
sentença e desde que ela não determine a suspensão da pena,
a condenação criminal do empregado constitui justa causa
para a sua despedida. Pouco importa que o delito não se
relacione com o seu trabalho. Aí, a razão primeira a
justificar a rescisão do contrato de trabalho é a
impossibilidade de o empregado comparecer ao serviço. Por
isso mesmo, a disposição legal deve ser interpretada em
consonância com sua destinação: se ao empregado for aplicada
pena alternativa em regime aberto ou, desde logo, for
condenado a cumprir a pena em regime semi-aberto, afigura-
se-nos que, só em razão da condenação, a justa causa não se
configura. Neste sentido é o magistério de SAAD. Entretanto,
é imprescindível que haja compatibilidade entre o horário de
trabalho e aquele em que o empregado pode permanecer em
liberdade.
Aliás, com a autoridade de ter sido o relator
do capítulo alusivo ao tema, DORVAL LACERDA ponderou que a
despedida justifica-se em virtude da “impossibilidade da
continuidade da relação, pela falta física de um dos
contratantes, o empregado, para quem o contrato de trabalho
é intitui personae”.
Entretanto, se o delito que gerou a
condenação é daqueles que incompatibilizam o empregado para
o desempenho do seu cargo, enquadramento numa das figuras
elencadas no art. 482 da CLT, é evidente que poderá
justificar a despedida, ainda que o condenado esteja livre
para cumprir o seu horário de trabalho. Outrossim, a
absolvição do empregado não impede que o ato praticado,
embora não tenha ensejado condenação criminal, seja
considerado falta rescisiva do contrato de trabalho. Mas se
a sentença do Juiz Criminal negar a autoria do delito, o
mesmo fato não poderá justificar a despedida do trabalhador.
F — Desídia — Essa falta não se caracteriza
como um fato isolado. Este pode constituir, se for o caso,
mal procedimento ou incontinência de conduta. A desídia do
empregado é resultante de uma série de atos reveladores da

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fls. 237

falta de cumprimento de deveres, inclusive o de tratar, com


educação e urbanidade, os seus chefes, colegas e fregueses.
Também a habitual indolência, preguiça ou desleixo no
cumprimento das obrigações advindas de contrato de trabalho
evidencia essa falta, tal como o constante estrago de
material, ainda que sem dolo.
Porque um ato desidioso, quando isolado, não
justifica a despedida, o trabalhador deve ser penalizado,
antes da sua repetição, com advertência ou suspensão
disciplinar.
G — Embriaguez — Consoante estabelece a CLT,
a embriaguez do empregado justifica a sua despedida quando
habitual ou quando ele apresenta-se ou fica nesse estado em
serviço. Desde logo, impõe-se a conclusão de que o empregado
fragrado embriagado fora do serviço não caracteriza o ato
faltoso, salvo se comprovada a sua habitual embriaguez por
dependência ao álcool ou a outra droga.
Se em 1943, quando foi aprovada a CLT, os
autores do seu projeto tiveram em mira o alcoolismo, certo é
que o respectivo preceito deve ser interpretado com a
plasticidade a que já nos referimos neste Capítulo. Aliás,
como assinala SAAD, a falta mencionada na alínea f do art.
482 nada mais é do que uma das espécies da incontinência de
conduta ou do mal procedimento, especificados em outra
alínea do mesmo artigo, e que têm maior abrangência. Afirma
ele, contudo, e com razão, que a embriaguez não é fruto
apenas da ingestão exagerada de álcool; pode resultar,
também, do uso de entorpecentes, como morfina, ópio, cocaína
e de outras substâncias”.
Sob o prisma filológico, AURÉLIO ensina que a
embriaguez corresponde a “inebriamento, êxtase, enlevação,
ebriedade”. E o meu filho, médico endocrinologista,
forneceu-me o seguinte conceito científico da embriaguez:
“redução do estado de consciência, lucidez, alerta ou
vigilância”, ou, em termos mais técnicos, “redução do estado
de capacidade cognitiva e decisiva motivada pela introdução
no organismo de agentes psicoativos”. Daí prevalecer
amplamente na doutrina que a embriaguez, considerada justa
causa para despedida, pode ser “alcoólica ou originada por
tóxico ou entorpecentes”.

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fls. 238

É certo que o trabalhador viciado no álcool


ou na droga deve ser considerado um doente. O ideal é que a
lei facultasse, na primeira constatação da falta, a
suspensão de contrato de trabalho, com a obrigação do
empregado submeter-se a devido tratamento, só autorizando a
sua rescisão se persistisse no vício. Este procedimento
pode, sem dúvida, ser adotado pelo empregador. Mas o que não
se pode impor é a presença e serviço de um empregado com
redução do seu “estado de consciência, lucidez, alerta ou
vigilância”, sobretudo nos transportes e na indústria,
capazes de causar acidentes e, em qualquer estabelecimento,
de tratar colegas e fregueses de maneira imprópria.
H — Violação de segredo da empresa —
Constitui justa causa para a despedida a divulgação de
métodos ou fórmulas de produção e, bem assim, de qualquer
ato ou fato, declarados ou presumidamente secretos, por
parte de empregado que deles tem conhecimento em razão do
seu cargo ou emprego, quando susceptível de acarretar
prejuízo ao empregador. Não é necessário que o segredo seja
utilizado no empreendimento de que dele tomou conhecimento;
basta que possa sê-lo. Por outro lado, o dolo não é condição
essencial à caracterização dessa justa causa prevista na
alínea f do art. 482 da CLT. Como registrou SAAD, não é
necessário “o ato deliberado de tornar público o segredo da
empresa”. Ainda que o empregado conduza-se culposamente,
incorre nessa falta grave”.
I — Indisciplina e insubordinação — Tratadas
na mesma alínea h do art. 482, as duas faltas têm conceitos
próprios. Contudo, no dizer de RUSSOMANO, “toda
insubordinação é indisciplina, mas nem toda indisciplina é
insubordinação”.
Ato de indisciplina é a insubmissão
voluntária e individual a uma ordem exarada por superior
hierárquico ou às normas que regulam a disciplina interna do
estabelecimento. Ato de insubordinação é a insubmissão tendo
por fim subverter aquela ordem ou aquelas normas. Não deve
ser considerado até indisciplina a agressão física praticada
contra qualquer pessoa, quando em serviço, ou contra o
empregador ou seus superiores hierárquicos, bem como o ato
lesivo da honra e boa fama praticada nas mesmas condições.

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fls. 239

Todavia, como tais faltas estão capituladas em alíneas


próprias, delas trataremos adiante. Focalizemos mais um
exemplo: “não é considerado ato de indisciplina a recusa do
empregado, sem a contingência de força maior, em prestar
serviços que não são, implícita ou necessariamente, objeto
do contrato de trabalho, nem constituem sua obrigação de
acordo com os usos e costumes sociais”.
J — Abandono do emprego — O que configura o
abandono de emprego é o animus, explícita ou implicitamente
evidenciado, de que o trabalhador quer deixar o emprego.
Essa intenção, independentemente do prazo decorrido, é
revelada por algum ato do empregado nesse sentido (p. ex:
faltar ao serviço por ter obtido outro emprego ou ter-se
transferido para cidade que não lhe propicie cumprir a
jornada de trabalho). Mas ele deve ser presumido, se o
empregado faltar continuadamente ao serviço, sem
justificação aceitável, por mais de trinta dias. A desculpa
de que não existia meio para comunicar o impedimento ao
empregador deve ser admitida com certas restrições.
As ausências interpoladas habituais, mesmo
que não somem trinta dias, constituem a desídia referida na
alínea e do art. 482.
K — Ofensas físicas ou morais — A alínea j do
art. 482 da CLT considera justa causa para a rescisão do
contrato de trabalho:

“Ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço


contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições,
salvo em caso de legítima defesa própria ou de outrem”.

Por seu turno, a alínea k do mesmo artigo


inclui no mesmo elenco:

“Ato lesivo da honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas


contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de
legítima defesa, própria ou de outrem”.

Como se infere, na primeira hipótese a falta


pode ser praticada contra qualquer pessoa, mas no serviço,
isto é, no local de trabalho; na segunda, a agressão física

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fls. 240

ou moral pode ocorrer em qualquer lugar, desde que contra o


empregador ou superior hierárquico do empregado.
A ofensa moral visa a denegrir a honra (p.
ex: injuria, difamação ou calúnia) ou a boa fama de alguém,
afetando-lhe o conceito conquistado. A ofensa física
corresponde à lesão corporal ou à tentativa de consumar a
agressão. Em qualquer dessas hipóteses a legítima defesa
desconfigura o ato como justa causa. Consoante o prescrito
no art. 25 do Código Penal, “Entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direitos seu ou de
outrem.”

L — Jogos de azar — O art. 482 alude à


“prática constante de jogos de azar”, isto é ao vício de se
entregar, habitualmente, a jogos cujos resultados dependem
exclusivamente da sorte ou do azar do jogador.
Conceituadamente, a loteria, a sena, a quina e outros jogos
explorados pelo Estado são jogos de azar. Seria, porém, um
contra senso a lei autorizar a despedida do empregado que
atenue à propaganda oficial para praticá-los. O objetivo da
punição é, fora de dúvida, a prática de jogos, como a
roleta, carteado e similares, que se repetem durante horas,
podendo acarretar a perda de vultosas quantias, o en-
dividamento ou o desfalque.
A loteria desportiva e a corrida de cavalos
não são jogos de azar, porque os resultados, em regra, podem
ser previstos pelos que acompanham os espetáculos
futebolísticos ou turfistas.
M — Outras faltas — Além das justas causas
para a despedida relacionadas nas alíneas do art. 482 da
CLT, a legislação prevê, com o mesmo objetivo, outras faltas
do empregado:

a) atos atentatórios à segurança nacional. (Parágrafo único do


art. 482). Como ponderaram DÉLIO MARANHÃO e LUIZ
INACIO B. CARVALHO, tais atos constituem crime; mas “a
Justiça competente para dizê-lo não é a do Trabalho”;

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fls. 241

b) falta contumaz do bancário de pagar dívidas legalmente


exigíveis (art. 508);

c) recusa do ferroviário em prestar serviço extraordinário em


caso de emergência (art. 240);

d) ausência injustificada à escola na perda do ano letivo do


menor aprendiz ou desempenho insuficiente ou inadaptação aos
procedimentos da aprendizagem (art. 433, II e III, da GLT, com a
redação da Lei n0 10.097, de 19.12.2000);

e) recusa injustificada do empregado às ordens de serviço


destinadas à prevenção dos acidentes e enfermidades profissionais e
ao uso de equipamento de proteção individual (art. 158);

f) declaração falsa ou uso indevido do vale-transporte (Decreto


0
n 95.247, de 17.11.87);

g) manutenção da greve após a celebração de acordo,


convenção ou decisão da Justiça do Trabalho (arts. 14 e 15 da Lei
n0 7.783, de 28.6.89).

V — Despedida indireta

Como já assinalamos, a despedida indireta


decorre de uma situação fática criada pelo empregador ou
seus prepostos, que torna impossível, desrespeitoso ou
prejudicial ao empregado a execução do contrato de trabalho.
VALENTE SIMI assinala que os grandes atos faltosos do
empregador “surgem da violação de três direitos fundamentais
do empregado: o direito ao respeito à sua pessoa física e
moral, compreendendo nesta última o decoro e o prestígio; à
tutela das condições essenciais do contrato; e, finalmente,
à observância pelo empregador das obrigações que constituem
a contraprestação da prestação do trabalho”.
O art. 483 da CLT elenca as faltas patronais
que facultam ao empregado pleitear a resolução do seu
contrato de trabalho:

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fls. 242

“O empregado poderá considerar rescindido o contrato e


pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços
superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons
costumes, ou alheios ao contrato: b) for tratado pelo empregador ou
por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr
perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador
as obrigações do contrato: e) praticar o empregador, ou seus
prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra
e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no
fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça
ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos
salários.”

Algumas dessas disposições são de tal


obviedade que não demandam explicações, sendo que os atos
lesivos da honra ou boa fama e as ofensas físicas já foram
analisadas na Seção III, item K, deste Capítulo. EDUARDO
GA,BRIEL SAAD examina, com habitual jurisdicidade, as faltas
do empregador. Dentre suas considerações cumpre reproduzir
que serviços superiores às forças do empregado são aqueles
que dele exigem dotes físicos ou intelectuais que o
empregador sabia que ele não possuía; serviços contrários
aos bons costumes são os que ofendem a moral pública; rigor
excessivo é desrespeitar a proporcionalidade entre uma falta
praticada pelo empregado e a penalidade que lhe foi imposta;
perigo manifesto de mal considerável configura-se quando o
empregado é obrigado a trabalhar sob condições perigosas, ou
insalubres sem que o empregador adote as medidas preventivas
determinadas em lei ou nas “Normas Regulamentares da
Segurança e Medicina do Trabalho”.
O TST decidiu, judiciosamente, que a
proposital negativa do empregador de dar serviço ao
empregado exigindo-lhe, porém, a permanência no local de
trabalho, correspondente a não cumprir as obrigações do
contrato (alínea d do art. 483)27. E, no Enunciado no 13,
esclareceu que “o só pagamento dos salários atrasados em
audiência não elide a mora capaz de determinar a rescisão do
contrato de trabalho”.

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fls. 243

O art. 483, no seu § 3º, esclarece que nas


hipóteses previstas nas alíneas d e g o empregado poderá
pleitear na Justiça do Trabalho a resolução do contrato com
os consectários legais “permanecendo ou não no serviço até a
final decisão do processo”. A contrário senso induz-se que,
nos demais casos, a gravidade da falta patronal não
justifica a permanência do empregado, que pleiteia a
resolução do seu contrato.
A CLT alude à faculdade do empregado de
“pleitear a indenização devida” na despedida indireta. É
evidente que, depois da submissão do empregado ao regime do
FGTS, a expressão significa levantamento aos depósitos do
Fundo, acrescidos da indenização compensadora de que cogita
o art. 10, 1, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias de 1988. Outrossim, é certo que, em se tratando
de empregado estável, terá ele direito à reintegração,
facultado ao tribunal convertê-lo em indenização dobrada,
tendo em vista a incompatibilidade gerada pela falta
patronal (art. 496 da CLT).
Durante algum tempo o TST entendeu que na
despedida indireta não era devido o aviso prévio de que
trata o Capítulo VI de Título IV da CLT. É claro que o pré-
aviso não pode ser concedido em tempo quando do
reconhecimento da despedida indireta; mas não terá sentido
privilegiar o empregador, cabendo aplicar-se, em tais casos,
o disposto no § 1º do art. 487, que manda pagar os salários
do período do pré-aviso não concedido pelo empregador. O
Enunciado n0 31 foi, acertamente, cancelado pelo próprio
Tribunal em 12 de maio de 1994.

VI — Outros casos de terminação do


contrato de trabalho

A — Obrigações legais incompatíveis com o


emprego — O § 1º do art. 483 da CLT faculta ao empregado a
suspensão ou a resilição do contrato de trabalho “quando
tiver de desempenhar obrigações legais incompatíveis com a
continuação do serviço”. E o caso, por exemplo, do empregado
eleito vereador, prefeito, deputado, senador etc. Cabe-lhe,

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fls. 244

nesta hipótese, dar o devido aviso prévio ao seu empregador,


se preferir desligar-se do emprego.
B — Morte do empregador — Em caso de morte do
empregador constituído em uma firma individual, o § 2º do
mesmo artigo faculta ao empregado a resilição do contrato de
trabalho. Nessa hipótese, como reza o caput do artigo, o
empregado terá direito à indenização compensatória que se
soma aos depósitos do FGTS — indenização a que não tem
direito, em regra, o trabalhador que resolve despedir-se.
C — Aposentadoria do empregado — Seja por
tempo de serviço, seja por idade, a aposentadoria do
empregado extingue o seu contrato de trabalho, o que não
impede a celebração de novo contrato. Mas os períodos não se
somam, como explicita o art. 453 da CLT. Por se tratar de
extinção, o empregado só tem direito ao levantamento dos
depósitos do FGTS, sem o acréscimo da indenização
compensatória.
A Lei n0 8.213, de 1991, não condiciona a
concessão das referidas aposentadorias à prova de que o
segurado foi desligado da empresa de que era empregado. Essa
disposição levou alguns intérpretes e magistrados a
concluírem que, permanecendo o trabalhador no emprego após o
deferimento da aposentadoria, o seu contrato de trabalho se
extinguiria. Sempre entendemos, entretanto, que alteração da
legislação previdenciária iniciada com a Lei n0 6.887, de
1980, visou, simplesmente, a evitar que o segurado
permanecesse algum tempo (por vezes longo) não percebendo
nem o salário do seu empregador nem os proventos da
Previdência. Por seu turno, as precitadas leis concernem,
exclusivamente, à Previdência Social e não tiveram por
objeto disciplinar as obrigações do empregador decorrentes
do contrato de trabalho do empregado que se aposenta em
caráter definitivo. Neste sentido, consolidou-se a
jurisprudência do TST.
Em face de que preceituam o art. 475 da CLT
da Lei n 8.213, citada, a aposentadoria por invalidez, após
0

cinco anos, extingue, a nosso ver, o contrato de trabalho.


Por isso mesmo, foi cancelado o Enunciado 21, atinente ao
cômputo do tempo anterior à aposentadoria, se o empregado
permanecesse ou retornasse à empresa.

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fls. 245

D — Força maior e factum principis —


Ocorrendo a extinção da empresa ou de um dos seus
estabelecimentos motivada por força maior, a indenização
devida ao empregado despedido será reduzida à metade (art.
50, da CLT). Mas o crédito pertinente ao FGTS não sofre
redução.
Consoante o disposto no art. 501, entende-se
por força maior o acontecimento inevitável pelo empregador,
que afetou, ou for susceptível de afetar, substancialmente,
a situação econômica e financeira da empresa, e para qual
ele não tenha concorrido direta ou indiretamente. A
imprevidência o impede de invocar o acontecimento como força
maior.
No tocante ao factum principis, se a
paralisação do serviço for motivada por ato de autoridade
municipal, estadual ou federal, e, bem assim, por lei ou
resolução de órgão público que impossibilita a continuação
da atividade empreendida, o pagamento da indenização devida,
e não o valor do FGTS, ficara a cargo do respectivo governo
(art. 486).
Conforme escreveu DÉLIO MARANHAO, “para que o
fato do príncipe transfira a obrigação de indenizar para o
governo do qual emanou, necessário torna-se que reúna os
mesmos requisitos da força maior, isto é, seja um fato
inevitável, para o qual não haja concorrido o empregador e
que torne absolutamente impossível a continuação do
contrato: A culpa do empregador, ainda que indireta (art.
501 da Consolidação), impede a aplicação do art. 486. Como
também o fato de a ordem ou medida governamental tornar,
apenas, mais onerosa ou mais difícil a execução do contrato.
Não havendo impossibilidade absoluta de execução, não há
força maior, de que o fato do príncipe — repita-se — é uma
manifestação especial”.
E — Falência e concurso de credores — Com a
decretação da falência da sociedade comercial, os seus
empregados, em regra, são despedidos. Nada importa, porém,
que o síndico da massa falida conserve alguns empregados.
A Lei n0 6.449, de 1977, deu a seguinte
redação ao § 1º do art. 449 da CLT:

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fls. 246

“Na falência, constituirão créditos privilegiados a totalidade


dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a
que tiver direito”.

Essa lei, que dispõe sobre a dívida ativa da


Fazenda Pública, gerou, entretanto, controvérsia a respeito,
porque, ao excluir essa dívida do processo da falência,
afrontou, substancialmente, a preferência absoluta conferida
aos créditos trabalhistas por lei hierarquicamente superior.
O art. 449 da CLT, no seu caput, refere
“falência, concordata ou dissolução da empresa. Na
concordata pode haver redução da pessoa, sendo certo que ela
pode verificar-se no curso dos procedimentos da falência.
Mas esses institutos jurídicos concernem do Direito
Comercial e tanto a pessoa natural como a sociedade civil
podem ser empregadores. Nessas hipóteses, a insolvência
devedor civil é resolvida pelo processo do concurso de
credores, no qual são admitidos certos privilégios.
A Lei n0 6.024, de 1974, regula a liquidação
extrajudicial das sociedades financeiras, atribuindo-a ao
Banco Central. Conforme acentuou o Ministro MARCELO PIMENTEL
essa lei “controla, rigorosamente, o regime imposto pela
liquidação ou habilitação dos créditos, abrindo-se, com a
liquidação extrajudicial, um novo estado jurídico,
excepcional, que se opõe as regras gerais. A lei não retira
da parte a possibilidade de ingressar em juízo, garantida
pela Constituição, mas estabelece o momento certo em que
podem e devem socorrer-se da Justiça para reclamar direitos
porventura omitidos ou negados ao exaurir-se a via
administrativa”.

VII— Culpa recíproca

O art. 484 da CLT prescreve:

“Havendo culpa recíproca no ato que determinou a rescisão do


contrato de trabalho, o Tribunal do Trabalho reduzirá a indenização
à que seria devida em caso de culpa exclusiva do empregador, por
metade”.

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DÉLIO MARANHÃO, em texto atualizado por JOÃO


DE LIMA TEIXEIRA FILHO, acentuou, com a costumeira precisão,
que “na culpa recíproca é sempre grave de uma das partes que
leva a outra a resolver o contrato. O ato que determina, tal
e como diz o artigo, a resolução do contrato é ato de uma
dos contratantes, bastante, por si, para caracterizar a
justa causa. Agora, se este ato não teria sido praticado se
a outra parte não o houvesse provocado, estaríamos, então,
diante da figura da culpa recíproca. Há, portanto, aí, duas
relações de causa e efeito. A falta, determinante da
resolução, é causa de extinção do contrato e, por sua vez,
efeito da culpa da outra parte”.
Tal como na legítima defesa prevista pelo
Código Penal, na culpa recíproca prevista pela CLT é
fundamental que a falta praticada por um dos contratantes
seja proporcional à cometida pelo outro e que entre as duas
não tenha fluído interregno que a descaracterize.
A nova redação do Enunciado do TST n0 14
esclarece que, na rescisão por culpa recíproca, o empregado
tem direito a 50% do valor do aviso prévio, do 13º salário e
das férias proporcionais.

VIII — Aviso prévio

Em face do disposto no art. 7º, n0 XXI, da


Constituição e no seu art. 487 da CLT, nos contratos de
trabalho por prazo indeterminado, a parte que, sem justo
motivo, quiser, pôr fim à relação de emprego deverá
preavisar a outra da sua resolução com a antecedência mínima
de trinta dias. Por conseguinte, o aviso prévio é devido
tanto pelo empregador como pelo empregado. Mas se este
estiver amparado pela estabilidade, ainda que sujeito a
condição resolutiva, não poderá o empregador denunciar o
contrato mediante aviso prévio.
O aviso prévio tem, portanto, natureza
potestativa e receptiva, gerando os seus efeitos ao final do
prazo decorrido a partir da formalização da comunicação, com
a correspondente ciência da parte a quem se dirige. Daí por

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que o prazo fluído integra sempre o tempo de serviço do


empregado, ainda que a despedida verifica-se sem o aviso
prévio ou o empregador pague antecipadamente os
correspondentes salários e dispense a prestação dos serviços
(art. 487, § lº, da CLT). A resilição do contrato só se
efetiva no tempo previsto para o aviso prévio devido. Por
conseguinte, o que o empregado recebe a salário. A
circunstância de ser pago antecipadamente não lhe altera a
natureza jurídica. Para compensar a abolição, como regra, do
direito à estabilidade no serviço. E um meio de proteger o
empregado mais antigo, tornando mais onerosa sua despedida,
tal como ocorre em diversos países. Mas a eficiência da
norma dependerá da lei que irá fixar essa proporcionalidade.
Contudo, convenções e acordos coletivos de trabalho podem e
têm (sobretudo os acordos entre o sindicato de trabalhadores
e empresa) estipulado a progressão do aviso prévio em função
do tempo de serviço dos empregados.
Por isso mesmo, a Lei n0 10.218, de 11 de
abril de 2001, acrescentou o seguinte parágrafo ao art. 487:

“§ 6º — O reajustamento salarial coletivo determinado no


curso do aviso prévio, beneficia o empregado pré-avisado da
despedida, mesmo que tenha recebido antecipadamente os salários
correspondentes ao período do aviso, que integra seu tempo de
serviço para todos os efeitos legais”.

Durante o curso pré-aviso comunicado ao


empregado, ele terá direito a uma redução de duas horas na
sua jornada de trabalho ou, se preferir, sete dias corridos,
a fim de procurar novo emprego (art. 488). E se a parte
notificante reconsiderar o ato antes do seu término, a
notificada poderá aceitar ou recusar a reconsideração (art.
489). A falta praticada pelo empregado no decurso do aviso
prévio acarreta a perda do restante do prazo (art. 491).

IX — Seguro-desemprego

Desde a sua primeira Conferência, em 1919, a


OIT vem dando especial atenção ao seguro-desemprego tendo

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fls. 249

nessa oportunidade, aprovado a Convenção no 2 sobre o tema.


Hoje, sob o prisma internacional, esse seguro- é objeto da
Convenção n0 168, de 1988, ratificada pelo Brasil, que trata,
igualmente, do fomento ao emprego. O seguro deve cobrir a
perda dos rendimentos do trabalhador devido à
impossibilidade de obter um emprego conveniente, devendo
estender-se à perda parcial dos salários em decorrência da
redução temporária da duração normal do trabalho ou do
próprio trabalho (art. 10).
A Constituição brasileira incluiu a “proteção
do trabalhador em situação de desemprego voluntário” entre
os benefícios assegurados pela Previdência Social (art. 201,
III); mas, na realidade, o seguro-desemprego é custeado pelo
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que está vinculado ao
Ministério do Trabalho e Emprego e não ao Ministério da
Previdência e Assistência Social (Lei n0 7.998, de 1990).
A Lei n0 7.998, modificada pelas leis nºs
8.900, de 1994, e 10.608, de 2002, prescreve que o seguro-
desemprego objetiva “prover assistência financeira
temporária ao trabalhador desempregado em virtude de
dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao
trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho
forçado ou da condição análoga à de escravo” (art. 2º,
inciso I).

As prestações de desemprego devem ser


requeridas ao Ministério do Trabalho ou à Caixa Econômica
Federal, até cento e vinte dias da sua despedida. O número
de prestações mensais, de três a cinco, variará na
conformidade do deliberado previamente pelo CODEFAT, que é o
conselho de composições para o deferimento das prestações de
desemprego estão referidas no art. 3º da Lei n0 7.998 citada
e nas resoluções do mencionado Conselho, destacando-se a de
que o requerente haja recebido salário nos seis meses que
precederam a dispensa. O empregado doméstico,
facultativamente inscrito pelo patrão no FGTS, tem direitos
ao benefício, do seguro-desemprego, no valor de um salário
mínimo, por um período máximo de três meses, desde que, nos
últimos vinte e quatro meses, haja trabalhado, com relação
de emprego, por quinze meses. (Lei n0 10.208, de 23.3.01).

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Sempre que o empregador despedir o empregado


sob alegação de justa causa não comprovada ou deixar de
fornecer-lhes as guias de seguro-desemprego, se
imotivadamente despedido, o trabalhador terá direito a
receber daquele indenização equivalente ao prejuízo, com
fundamento no art. 159 do Código do Consumidor,
subsidiariamente aplicável às relações de trabalho. A
jurisprudência neste sentido é iterativa.
Dispõe a aludida lei, modificada em parte
pela de n 0 8.900, de 1994, que o trabalhador
involuntariamente desempregado poderá requerer as prestações
de desemprego ao Ministério do Trabalho ou à Caixa Econômica
Federal, até cento e vinte dias da sua despedida. O número
de prestações mensais, de três a cinco, variará na
conformidade do deliberado previamente pelo CODEFAT, que é o
conselho de composições para o deferimento das prestações de
desemprego então referidas no art. 3º da Lei n0 7.998 citada
e nas resoluções do mencionado Conselho, destacando-se a de
que o requerente haja recebido salário nos seis meses que
precederam a dispensa. O empregado doméstico, desde que
facultativamente inscrito pelo patrão no FGTS, tem direitos
ao benefício, do seguro-desemprego, no valor de um salário
mínimo, por um período máximo de três meses, desde que, nos
últimos vinte e quatro meses, haja trabalhado, com relação
de emprego, por quinze meses (Lei n0 10.208, de 23.3.01).

Capítulo XIV

FGTS E INDENIZAÇÕES

I — A Constituição de 1988 e a Convenção OIT


no 168

O art. 7º da Carta Magna assegura aos


trabalhadores despedidos arbitrariamente ou sem justa causa
uma indenização compensatória, nos termos da lei
complementar (inciso 13. Por seu turno, tornou obrigatória a

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participação de empregado no Fundo de Garantia do Tempo de


Serviço — FGTS (inciso III), cujos depósitos são levantados
pelo trabalhador na hipótese de despedida arbitrária, a qual
compreende, obviamente, a que não se fundar em justa causa.
Enquanto não for expedida a precitada lei
complementar, a indenização compensatória corresponderá a
40% do total dos depósitos devidos no curso do respectivo
contrato de trabalho (art. 10, I, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias).
Esse sistema sintoniza-se com as normas da
Convenção n0 168, da OIT, que foi ratificada pelo nosso país,
e, logo depois, equivocada e inconstitucionalmente
denunciada pelo Governo Federal. A justificativa foi a
dissonância entre ela e a legislação brasileira; mas, na
verdade, elas harmonizam-se, porquanto o art. 10 da
Convenção preceitua que, se o organismo competente para
julgar o litígio não estiver autorizado a ordenar a
readmissão do trabalhador ou não considerá-la conveniente in
casu, e se concluir que a despedida não se justifica, deverá
“determinar o pagamento de uma indenização adequada ou outra
reparação que considere apropriada”. A prática de falta
grave exclui o direito à indenização (art. 12, § 3º, da
Convenção). Também nos casos de despedidas decorrentes de
causas econômicas, tecnológicas, estruturais ou análogas o
trabalhador deverá ter o direito, seja a uma indenização
calculada em razão “do tempo de serviço e do montante do
salário”, paga “diretamente pelo empregador ou por um fundo
constituído mediante cotizações dos empregadores”, seja ao
seguro-desemprego ou outra forma de assistência aos
desempregados, seja uma combinação das mencionadas
prestações (art. 12, § 1º).
Como se infere, embora esse tratado
multilateral da OIT prefira a reintegração do empregado
imotivadamente despedida, admitiu — para que fosse
ratificado por muitos países — que a reparação consistisse
numa indenização ou em outra modalidade de prestação. No
caso brasileiro, no levantamento do FGTS, acrescido de uma
indenização compensadora.

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II — Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

A — Formação e gestão — O FGTS corresponde a


créditos do trabalhador, que se acumulam mediante depósitos
mensais em conta vinculada, enquanto a indenização de
antigüidade, agora denominada de compensatória, esteia-se na
responsabilidade objetiva do empregador por denunciar o
contrato de trabalho arbitrariamente ou sem justa causa.
A primitiva legislação sobre o FGTS foi
revogada pela Lei n0 7.839, de 1989, a qual, por sua vez, foi
substituída pela Lei n0 8.036 de 1990, complementada pela a
Lei n0 8.692, de 1993, e por Medidas Provisórias, algumas
convertidas em leis.
Os depósitos que formam o Fundo pertencente
ao empregado correspondem a 8% da remuneração paga ou devida
pelo empregador no mês anterior, tal como conceituada pelos
arts. 457 e 458 da CLT, que compreenda a gratificação
natalina. Incumbe ao respectivo empregador efetuar esse
depósito, mensalmente, em conta bancária vinculada. Os
trabalhadores avulsos também integram o regime do FGTS (art.
7º, XXX (VI da Const.). Esse regime, evidentemente, não se
aplica aos trabalhadores autonômos, inclusive os eventuais
(“biscateiros “). Os domésticos não são, compulsoriamente,
beneficiários do FGTS; mas os respectivos empregadores têm a
faculdade de inscrevê-los (Lei n0 10.208, de 23.3.013.3
A Suprema Corte, ao julgar o RE-226.855-7,
concluiu que as contas do FGTS deixaram de ser corrigidas,
como devera, ao ensejo da aplicação do “Plano Verão”, em
janeiro de 1989, e do “Plano Collor-I, em abril de 1990. E
porque o Governo Federal não teria condições financeiras
para ressarcir os empregados das conseqüências dos seus
erros, ele obteve a aprovação da Lei Complementar n0 110, de
2001, que instituiu contribuições sociais, devidas pelos
empregadores (arts. 1º e 2º) visando a fornecer recursos à
Caixa Econômica Federal (CEF) para corrigir as contas do
FGTS.
A Lei Complementar n0 110, de 2001, impôs aos
empregadores o pagamento de mais 0,5% sobre os depósitos do
FGTS e de mais de 10% sobre a indenização compensatória (40%
sobre os depósitos atinentes ao contrato de trabalho extinto

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fls. 253

ou resilidido sem culpa do empregado). Esses tributos foram


instituídos sob o título de “contribuição social”, embora
não tenham caráter comutativo, pois nada acrescentam aos
depósitos pertencentes aos trabalhadores. Daí a controvérsia
doutrinária sobre sua constitucionalidade, não refletida na
jurisprudência. Segundo JOSÉ ALBERTO MACIEL, eles são
inconstitucionais, porquanto não se enquadram em nenhuma das
hipóteses constitucionais de contribuição social,
objetivando — confessadamente no próprio texto — a
possibilitar o pagamento devido pela União Federal aos
trabalhadores que tiveram o FGTS reduzido
inconstitucionalmente pelos planos econômicos Verão e Color-
I, tal como proclamado pela Suprema Corte.
A gestão do FGTS compete a um Conselho
Curador do qual participam representantes de órgãos
estatais, de trabalhadores e de pregadores (art. 3º da Lei n0
8.036 cit.), cabendo à Caixa Econômica Federal o papel de
Agente Operador (art. 4).
B — Movimentação — O art. 20 da nova lei
relaciona as hipóteses em que o trabalhador poderá
movimentar sua conta vinculada. No que tange à terminação do
contrato de trabalho, especifica:

“I — despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa


recíproca e de força maior, mediante comprovação do pagamento
da indenização compensatória de que trata o art. 16;
II — extinção total da empresa, fechamento de quaisquer de
seus estabelecimentos, filiais ou agências, supressão de parte de
suas atividades ou ainda falecimento do empregador individual,
sempre que qualquer dessas ocorrências implique rescisão de
contrato de trabalho, comprovada por declaração escrita da
empresa, suprida, quando for o caso, por decisão judicial transitada
em julgado;
III — aposentadoria concedida pela Previdência Social;
...............................

IX — extinção normal do contrato a termo,


inclusive os trabalhadores temporários regidos pela Lei n0
6.019, de 1979;

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X — suspensão total do trabalho avulso ou


superior a noventa dias, comprovada por declaração do
respectivo sindicato”.
A terminação do contrato de trabalho por
iniciativa do empregado ou mediante acordo com o empregador
não enseja o levantamento dos depósitos. Mas, como estes
integram o patrimônio do trabalhador, podem ser levantados:
a) como já registramos, na sua aposentadoria; b) se
permanecer três anos ininterruptos fora do regime do FGTS
(art. 20, VIII); c) quando de sua morte, pelos dependentes
habilitados perante a Previdência Social ou, se não houver,
pelos sucessores indicados na lei civil (art. 20, IV).
C — Fiscalização e ação judicial — Por
delegação legal, o Ministério do Trabalho promove, em nome
do gestor, a fiscalização do cumprimento da mencionada lei,
especialmente quando da apuração dos débitos e das infrações
praticadas pelos empregados e tomadores de serviços (art.
23). Mas o próprio trabalhador, seus dependentes ou
sucessores, ou, ainda, o sindicato a que estiverem
vinculados, poderão ingressar na Justiça do Trabalho com
reclamação para compelir o responsável a efetuar ou
completar os depósitos devidos. Neste caso, o gestor do
Fundo e o Ministério do Trabalho deverão ser notificados
para figurar como litisconsortes (arts. 25 e 26).
Na hipótese de reclamação do empregado à
Justiça do Trabalho sobre a terminação do seu contrato de
trabalho, o empregador é obrigado a lhe pagar, à data do
comparecimento à Vara para responder à ação, a parte
incontroversa das verbas resultantes da terminação do
contrato de trabalho, sob pena de ter de pagá-las acrescidas
de cinqüenta por cento (art. 467 da CLT com a redação dada
pela Lei n0 10.272, de 05.9.01).

III — Indenização compensatória

Preceitua o art. 10, do Ato das Disposições


Constitucionais Transitórias, que, até que vigore a lei
complementar aludida no inciso I do art. 7º da Carta Magna,
a indenização compensatória de que cogita esse inciso

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fls. 255

corresponderá a 40% do total dos depósitos acumulados e


capitalizados do FGTS, atinentes à conta nominal vinculada
do empregado e dos que não chegaram a ser efetuados pelo
empregador ou tornarem-se devidos com a despedida.
Esclareça-se que só os empregados optantes pelo regime do
FGTS possuíam essa conta individualizada; mas agora, com a
promulgação da nova Constituição, todos os empregados foram
alcançados pelo regime do Fundo, independentemente de opção.
Dessa substituição dos regimes jurídicos alternativos pelo
sistema impositivo advirão múltiplas questões de direito
intertemporal, que focalizaremos depois.
A disposição transitória em foco torna plena
e ou imediatamente aplicável o dispositivo no inciso 1 do
art. 7º Só a lei complementar nela cogitada poderá, no
entanto, fixar valores diferentes para a indenização
compensatória. Poder-se-ia sustentar que, não sendo
arbitrária a despedida, essa indenização já não seria devida
ou deveria ser menor. É possível que a futura lei
complementar siga essa orientação. Cabe ponderar, contudo,
que a legislação sobre o FGTS não isenta dessa prestação as
resilições contratuais sem justa causa, ainda que não
arbitrárias. E não será possível reduzir o seu campo de
incidência, sem que uma lei assim disponha explicitamente.
Na rescisão do contrato de trabalho por culpa
recíproca ou na sua resolução por força maior, a indenização
compensatória será de 20% (art. 18, § 2º, da Lei n0 8.036
cit.).
Em qualquer hipótese em que for devida a
indenização compensatória prevista no art. 10 das
Disposições Constitucionais Transitórias, o correspondente
valor incidirá também sobre os depósitos devidos, mas ainda
não efetuados pelo empregador, inclusive as verbas de
natureza salarial decorrentes da resilição, sejam as
reconhecidas no ato formal da quitação, sejam as proclamadas
por decisão da Justiça do Trabalho. Outrossim, o respectivo
percentual incide sobre o valor global dos depósitos
efetuados na vigência do contrato de trabalho, sem dedução
dos eventuais saques retirados pelo trabalhador.
Em face do que reza o art. 14, § lº, da Lei
n 8.036, nas despedidas arbitrárias, os trabalhadores que
0

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não optaram pelo regime do FGTS e os rurículas, que não


puderem fazê-lo, desde que não hajam adquirido o direito de
estabilidade, terão o cálculo de indenização compensatória
regido pela CLT e, complementarmente, pelas Leis nºs
2.959/56 (art. 2º) ou 3.806/60 (art. 30, § 3º), no tocante
ao tempo de serviço anterior à incidência do regime do
Fundo.

IV — Dano moral

A — Repúdio internacional e nacional — A


Declaração dos Direitos do Homem repudia a ofensa à honra e
à reputação do ser humano (art. XII). E o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, também
aprovado pelas Nações Unidas5, preceitua seu art. 17:

“1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou


ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou
em sua correspondência, nem ofensas às suas honra e reputação.
2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra ingerência
e ofensas”.

A Constituição brasileira de 1988, depois de


proclamar que a “dignidade da pessoa humana” constitui um
dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º,
III), preceituou que:

“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e


imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrentes de sua violação” (art. 5º, X).

Inseriu assim, com destinação ampla, a


indenização por dano moral no direito positivo brasileiro,
sendo certo que as normas elencadas no precitado art. 5º são
de aplicação imediata, conforme enuncia o inciso LXVII do
mesmo artigo.
Antes da Lex Fundamentalis de 1988, a Suprema
Corte brasileira só admitia a reparação do dano moral, salvo
em raríssimas exceções legais, nos limites em que ele

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fls. 257

tivesse afetado o patrimônio do ofendido. Na verdade, o


ressarcimento estava limitado ao dano material, apesar dos
protestos de ORLANDO GOMES e AGUIAR DIAS. Daí a arguta obser-
vação de CELSO RIBEIRO BASTOS, ao comentar o prefalado
inciso X: “A novidade que há aqui é a introdução do dano
moral como fator desencadeante da reparação. De fato não faz
parte da tradição do nosso direito indenizar materialmente o
dano moral. No entanto, esta tradição no caso há de ceder
diante da expressa previsão constitucional”.
Aliás, o dano moral está correlacionado com
os direitos da personalidade, que devem ser considerados
inatos, integrantes do universo supra-estatal. CAIO MÁRIO DA
SILVA PEREIRA, depois de sublinhar, com apoio em LIMONGI
FRANÇA e CARLOS ALBERTO BITTAR, que os direitos da
personalidade, em sua essência, emanam do direito natural,
escreveu que “Para caracterizar a natureza jurídica dos
direitos da personalidade é preciso desprender-se da idéia
de patrimonialidade. O que está na sua base é a
circunstância de que se trata de direitos ligados à pessoa
do sujeito. A percussão no patrimônio pode existir ou deixar
de existir”.
A indenização pelo dano moral, como bem
acentua IVO DANTAS, funda-se no princípio da
responsabilidade civil, razão por que, para sua
caracterização, cumpre que se recorra aos arts. 159 e 160 do
nosso Código Civil:

“Art. 186 — Aquele que, por ação ou omissão voluntária,


negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 188 —
Não constituem atos ilícitos:
Art. 188 — os praticados em legítima defesa ou no exercício
regular de um reconhecido;
Art. 927 — Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.

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fls. 258

Destarte, para a configuração dessa


responsabilidade extracontratual ou aquiliana, impõe-se a
concorrência dos seguintes fatores:

a) ato ilícito praticado por ação ou omissão;


b) culpa do seu agente, no conceito genérico (elemento sub-
jetivo);
c) dano material ou moral do ofendido (elemento objetivo).

Além do Código Civil, outras leis protegem os


direitos da personalidade e dispõem sobre sua reparação:
Código Brasileiro de Telecomunicação (Lei n0 4.11 7/62, art.
84); Lei da Imprensa (Lei n0 5.250/67, art. 49); Código de
Defesa do Consumidor (Lei n0 8.069/90, art. 17); crimes
contra preconceito de raça de cor (Leis n0s. 7.716/89 e
9.459/97); combate aos atos discriminatórios ou de
preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência
nacional, praticados por qualquer meio de comunicação (Lei n0
8.081/90); Lei dos direitos autorais (Lei no 9.610/98, art.
102 e outros).
As Leis nºs 9.029/95, 9.263/96 e 9.799/99,
sobre algumas formas de discriminação, serão referidas no
item seguinte, concernente ao dano moral na execução do
contrato de trabalho.
B — Dano moral na relação de emprego — O
quotidiano da execução do contrato de trabalho, com o
relacionamento pessoal entre o empregado e o empregador, ou
aqueles a quem este delegou o poder de comando, possibilita,
sem dúvida, o desrespeito aos direitos da personalidade por
parte dos contratantes. De ambas as partes — convém
enfatizar —, embora o mais comum seja a violação da
intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem do
trabalhador.
PINHO PEDREIRA, em excelente artigo sobre o
tema, ilustra o seu trabalho com manifestações de renomados
juristas nacionais e estrangeiros, e escreve: “A tese da
reparação do dano moral, independente do pagamento das
indenizações tarifárias, ou outras, vingou nos países baixos
em que se estabeleceu controvérsia em torno da matéria e em
outros, estando hoje adotada na Itália, França, Suíça,

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fls. 259

Bélgica, Colômbia e, tendencialmente, na Argentina (...) A


reparação do dano extrapatrimonial é hoje, no Brasil,
imposição constitucional e dessa imposição não está
excetuado o Direito do Trabalho, com o qual ela combina mais
do que com qualquer outra disciplina jurídica”.
No exercício do poder de comando “tem o
empregador a obrigação de respeitar a personalidade moral do
empregado na sua dignidade absoluta de pessoa humana. São
obrigações que decorrem do princípio geral da execução de
boa fé do contrato, que, como dissemos, está na base da
disciplina contratual”.
Tanto o direito de empregador de dirigir “a
prestação pessoal de serviços” (art. 2º, in fine, da CLT),
como o de denunciar ou formalizar a rescisão do contrato de
trabalho nos casos autorizados por lei (arts. 477, 482 e 487
da CLT), quando circunscritos ao “exercício regular de um
direito reconhecido” (art. 160 do Código Civil), não
constituem atos ilícitos. O prejuízo decorrente da despedida
sem justa causa, não se tratando de empregado estável, se
limitado à perda do emprego, gera apenas o direito de o
trabalhador levantar os depósitos atualizados do FGTS,
acrescido dos juros da lei e da “indenização compensadora”
de 40% como vimos na Seção III deste Capítulo. Mas essas
indenizações são tarifárias, calculadas a forfait,
proporcionais ao tempo de serviços sem correlação com a
eventual gravidade e conseqüências do dano. Fundam-se na
responsabilidade objetiva do empregador, que se torna
devedor pelo só fato de não ter o empregado praticado ato
justificador da resilição contratual. Por seu turno, os
depósitos do FGTS fundam-se na teoria de crédito. Tais
compensações não se confundem, portanto, com a indenização
pelo dano moral previsto no art. 5º, X, da Carta Magna.
Consoante prelecionou PINHO PEDREIRA, “não
cabe a indenização por dano extrapatrimonial nas despedidas
puras, em que o empregador exerce normal e licitamente o seu
direito de dispensa, mas é ela devida naquelas outras
hipóteses em que ele acumula à declaração de rescisão do
contrato de trabalho um ilícito contratual, extracontratual
ou uma atitude abusiva” VASQUES VIALARD), ocasionadora de um
prejuízo moral do empregado”.

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fls. 260

No curso da relação de emprego ou na rescisão


por justa causa de correspondente contrato, podem ocorrer,
por atos ou palavras, a violação do princípio da proteção à
personalidade ou dignidade do ser humano. A honra, a
intimidade e a imagem, quando violadas, geram o direito à
indenização por dano moral.
A Lei no 9.029, de 1995, considera crime
qualquer prática, indução ou instigamento visando à
esterilização e à gravidez da empregada, enquanto a Lei n0
9.263, de 1996, veda a indução ou instigamento individual ou
coletivo à prática da esterilização (art. 123, assim como a
exigência de atestado de esterilização ou teste de gravidez
(art. 133. A empregada, ocorrendo a violação dessas normas,
pode responsabilizar penalmente o médico e o empregador ou
seu preposto (arts. 16 a 19), além de pleitear reparação dos
danos morais e materiais (art. 21). Em face dessa legislação
e das disposições constitucionais pertinentes, a Lei no
9.799, de 1999, inseriu novo artigo no capítulo da CLT sobre
o trabalho da mulher.
A quantificação da reparação patrimonial do
dano moral sofrido na relação de emprego tem ensejado
controvérsia nos tribunais do trabalho. Afigura-se-nos
inviável uma fórmula objetiva. Como asseverou a magistrada
SONIA DAS DORES DIONÍSIO, “cabe ao Juiz, imbuído da
prudência, observar as seguintes premissas: a gravidade do
ato, ou seja, se o ato for venial; doloso ou culposo,
extensão do sofrimento, vale dizer, se houve repercussão
familiar e social, e, finalmente, a situação econômica do
devedor e o caráter pedagógico da sanção, que deve
precipuamente coibir a reincidência”.
No tocante à competência para o julgamento
desses casos, bem decidiu a Suprema Corte em favor da
Justiça do Trabalho:

“Na espécie, a imputação caluniosa — causa petendi de ação


reparatória de danos morais — surgiu exclusivamente em razão da
relação de emprego, formulada com pretexto de justa causa para a
resolução do contrato de trabalho pelo empregador.
Cuida-se, pois, de dissídio entre o trabalhador e o empregador,
decorrente de relação de trabalho, o que basta, conforme o art. 114

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da Constituição, a firmar a competência da Justiça do Trabalho,


nada importando que deva ser solvido à luz de normas de Direito
Civil”.

No concernente à indenização por acidente de


trabalho resultante de dolo ou culpa do empregador Cart. 7º,
XVIII, da Constituição), por muito tempo prevaleceu o
entendimento de que a competência era da Justiça Comum.
Sempre consideramos que, se o ato doloso ou culposo for
praticado no curso da relação de emprego, a competência deve
ser da Justiça do Trabalho (art. 114 da Constituição). Neste
sentido, em bem fundamentado acórdão da lavra da Ministra
CRISTINA PEDUZZI, vem de decidir o TST. Essa prestação, de
natureza indenizatória, não se confunde com os benefícios a
respeito devidos pela previdência social.

Capítulo XV

ESTABILIDADE NO EMPREGO

I — Da estabilidade absoluta à ampliação do


direito de despedir. A Convenção OIT no 158

O direito à estabilidade no emprego após o


decurso de longo tempo de serviço, com a despedida do
trabalhador restrita aos casos de falta grave por ele
praticada ou de extinção de estabelecimento ou setor onde
trabalha, constitui fórmula superada no direito comparado. O
Brasil foi pioneiro ao assegurar esse tipo de estabilidade
absoluta: instituída em 1923 para ferroviários, após um
decênio, foi aos poucos sendo estendida a outras categorias
profissionais; em 1935, passou a alcançar todos os
trabalhadores urbanos, salvo os domésticos; em 1963,
beneficiou os empregados rurais. Entretanto, porque essa ga-
rantia importava em restringir demasiadamente a faculdade de
despedir o trabalhador, muitos empregadores passaram a de-
nunciar os contratos de trabalho aos oito ou nove anos de

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fls. 262

vigência. Destarte, a estabilidade, que visava à segurança


individual e familiar do trabalhador, transformou-se em
motivo de insegurança.
Foi na então República Federativa da Alemanha
que se iniciou a reformulação do instituto da estabilidade,
com o fim de tornar ilícita a despedida arbitrária, isto é,
a socialmente injustificada (legislação de 1951/52).
Essa estabilidade, relativa e não absoluta,
motivou a aprovação, em 1963, da Recomendação n0 119 da OIT,
que prescreveu:

“Não se deve proceder à terminação da relação de trabalho, a


menos que exista uma causa justificada relacionada com a
capacidade ou a conduta do trabalhador ou se baseie nas
necessidades do funcionamento da empresa, do estabelecimento ou
do serviço” (item a, n0 1).

Esse diploma legal da OIT exerceu grande


influência em diversos países, que inovaram ou reformularam
as respectivas legislações, conciliando a efetivação do
direito do trabalhador à segurança no emprego com a
preservação de respeitáveis interesses da empresa e da
própria economia nacional.
O reconhecimento pelo órgão competente de que
a despedida foi arbitrária determina, em princípio, a
reintegração do trabalhador; mas, em certos casos, ela pode
ser convertida em indenização, cujo valor é limitado pela
lei. Por outro lado, em alguns países, essa fórmula de
garantia de emprego só se aplica a empresas com um mínimo de
empregados.
Essa tendência da legislação comparada levou
a Conferência Internacional do Trabalho a aprovar, em 1982,
a Convenção n0 158, completada pela Recomendação n0 166.
A primeira, por constituir tratado
multilateral aberto à ratificação dos Estados-membros da
OIT, contém normas gerais e, por vezes, flexíveis; a segunda
completa as normas do tratado em vários pontos e sugere
algumas medidas destinadas à efetivação dos direitos nele
previstos, merecendo realce as disposições atinentes às
despedidas coletivas.

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O Brasil ratificou a Convenção n~ 158 em 4 de


janeiro de 1995, após sua aprovação pelo Congresso Nacional
(Decreto Legislativo no 68, de 1972); mas sua eficácia no
território nacional somente ocorreu com a publicação oficial
do respectivo texto no idioma português (Decreto de
Promulgação n0 1.855, de 10.4.96). Pouco tempo depois
(20.11.96), como referimos no Cap. 1 do título anterior, o
Presidente da República denunciou essa ratificação (Decreto
no 2.100, de 20 de dezembro de 1996), em ato de duvidosa
constitucionalidade, eis que as normas da convenção
harmonizam-se com a legislação brasileira e nela já estavam
incorporadas, complementando os direitos catalogados no art.
7º da Carta Magna, tal como afirmado no § 2º do seu art. 5º,
e não foi ouvido o Congresso Nacional3.
O art. 4º da Convenção, considerado o mais
importante do texto, repete a disposição aqui transcrita da
precitada Recomendação n0 119. O art 5º esclarece que não
constituirão causa justificada para a despedida do
trabalhador:

“a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades


sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do
empregador, durante as horas de trabalho;
b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar, ou
haver atuado, nessa qualidade;
c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento
estabelecido contra o empregador por supostas violações de leis ou
regulamentos, ou recorrer ante as autoridades administrativas
competentes;
d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades
familiares, a gestação, a religião, as opiniões políticas, a as-
cendência nacional ou a origem social;
e) a ausência ao trabalho durante a licença de maternidade”.

A ausência do empregado ao serviço, por


motivo de enfermidade ou lesão, quando de caráter
temporário, não constitui justa causa para a rescisão do
contrato de trabalho (art. 6º).
A Convenção prescreve que a despedida do
trabalhador, motivada por sua conduta ou rendimento, não

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deverá ser efetivada “antes de que se lhe haja oferecido a


possibilidade de defender-se das acusações formuladas contra
ele, a menos que não seja razoável pedir-se ao empregador
que lhe conceda esta possibilidade” (art. 7º). Um prazo de
aviso prévio, ou de uma indenização que o substitua, será
devido sempre que o trabalhador não “seja culpado de uma
falta grave de tal índole que seria desarrazoado pedir ao
empregador a continuação do emprego durante o prazo do pré-
aviso” (art. 8º).
O fim perseguido pela Convenção é a
reintegração do trabalhador arbitrariamente despedido; isto
é, a anulação do ato patronal que não se fundar,
comprovadamente, em quaisquer dos motivos relacionados no
art. 4º. Mas a Conferência teve de aprovar uma norma
flexível a respeito, atendendo a que em muitos países o
trabalhador não tem o direito de retornar ao emprego, quando
imotivadamente despedido. A fórmula encontrada para
satisfazer a maioria foi a seguinte:

“Art. 10 — Se os organismos mencionados no art. 8º da


presente Convenção chegarem à conclusão de que a terminação da
relação de trabalho é injustificada e se, em virtude da legislação e
da prática nacionais, não estiverem facultados ou não considerarem
possível, dadas as circunstâncias, anular a despedida e
eventualmente ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão
a faculdade de determinar o pagamento de uma indenização
adequada ou outra reparação que considerarem apropriada”.

O liberalismo resultante da globalização da


economia e da implosão do império soviético vem determinando
a ampliação do direito de despedir.

II — Antecedentes legislativos no Brasil

Tirante os funcionários públicos, a primeira


categoria profissional a gozar, no Brasil, do direito de
estabilidade foi a dos ferroviários. Tal garantia foi-lhes
assegurada, após dez anos de serviços efetivos, pelo art. 42
da Lei n0 4.682, de 24.1.23. Releva realçar que essa lei,

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fls. 265

denominada Eloy Chaves, em homenagem ao seu autor, visou à


criação de Caixas de Aposentadoria e Pensões junto às
empresas ferroviárias. Em 1926, a Lei no 5.109 estendeu o
regime da Lei n0 4.682 às empresas de navegação marítima ou
fluvial e às de exploração de portos. Quatro anos depois,
com o Decreto no 20.465, de 1.10.30, o sistema foi
aperfeiçoado e estendido às empresas de serviços de
transportes urbanos, luz, força, telefone, telégrafo,
portos, águas e esgotos, quando explorados, diretamente,
pela União, Estados ou Municípios, ou por empresas,
agrupamentos de empresas ou particulares. Em 1932, foi esse
regime estendido aos serviços de mineração pelo Decreto n0
22.096. Todas essas leis asseguraram a estabilidade decenal
aos empregados das mencionadas empresas.
Com a criação dos grandes Institutos de
Previdência Social, continuaram as respectivas leis a dispor
sobre a estabilidade no emprego dos integrantes dos
correspondentes grupos de segurados: IAP dos marítimos —
Decreto n0 22.872, de 1933; IAP dos Comerciários — Decreto n0
24.273, de 1934; IAP dos Bancários — Decreto n0 24.615. Este
último diploma, porém, fixou em dois anos o tempo previsto
para a aquisição da estabilidade do bancário.
Somente com a Lei n0 62, de 5.6.35, o
instituto de estabilidade deixou de ser tratado num diploma
de previdência social. Essa lei estendeu o direito de
estabilidade, após um decênio de serviço efetivo, a todos os
empregados que ainda não possuíam tal garantia, excetuados
os trabalhadores rurais e os domésticos.
Com a Consolidação das Leis do Trabalho,
aprovada pelo Decreto-lei no 5.452, de 1.5.43, foi
uniformizada a legislação pertinente à estabilidade no
emprego, passando os bancários a adquiri-la após dez anos de
serviço. A Consolidação, entretanto, respeitou não só o
direito adquirido, mas a própria expectativa de direito dos
bancários admitidos antes de sua vigência, aos quais
assegurou a estabilidade após um biênio de serviço (art.
919).
O direito de estabilidade no emprego ganhou
hierarquia constitucional com a Carta Política de 10.11.37
(art. 137, letra j). A Constituição de 1946 manteve o

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princípio (art. 157, XII); e, na sua vigência, o Estatuto do


Trabalhador Rural (Lei n0 4.214, de 1963) estendeu o direito
de estabilidade aos empregados de empresa dedicados a
atividades agroeconômicas.
Pouco antes da promulgação da Carta Magna de
1967, que tornou alternativa a estabilidade no emprego ou o
regime de garantia do tempo de serviço (art. 165, XIII), a
Lei n0 5.107, de 13.9.66, alterada pelo Decreto-lei n0 20, do
dia seguinte, instituiu o regime do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS), determinando a opção do empregado
entre esse regime jurídico e o da estabilidade com
indenização de antigüidade, previsto na CLT.

III — A Constituição de 1988 e o fim da


estabilidade decenal

A estabilidade no emprego foi um dos temas


que maior controvérsia gerou na Assembléia Nacional
Constituinte. O relator, Deputado BERNARDO CABRAL,
apresentou para apreciação do Plenário, no primeiro turno de
votação, substitutivo enunciando apenas o princípio de que
seria o “contrato de trabalho protegido contra a despedida
imotivada ou sem justa causa, nos termos da lei”. Pena que
ele mesmo tivesse retirado a proposta, pois a Carta Magna,
ao elencar os direitos sociais, deve estabelecer princípios
e normas gerais, e não regras pertinentes à legislação
ordinária. Se adotado esse substitutivo, ficariam abertas ao
legislador ordinário as soluções para as complexas questões
relativas à matéria, as quais, como evidencia a
regulamentação internacional, requerem múltiplas e
minuciosas disposições.
O texto afinal aprovado, que integra o elenco
de direitos do trabalhador (art. 7º), é o seguinte:

“I — relação de emprego protegida contra despedida arbitrária


ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá
indenização compensatória dentre outros direitos”.

No inciso II do mesmo artigo, tornou-se


obrigatório o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o qual

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fls. 267

pretende assegurar a estabilidade econômica e não a garantia


de emprego. E, porque o levantamento dos depósitos desse
Fundo em favor do empregado imotivadamente despedido não
equivale ao valor da indenização de antigüidade que fora
estipulada na CLT, as Disposições Constitucionais
Transitórias, no seu art. 10, fixaram o valor da indenização
compensatória, que vigorará até a Lei Complementar referida
no inciso I, devida ao empregado na hipótese de despedida
injustificada. As mesmas Disposições Transitórias previram a
garantia de emprego da gestante e do empregado eleito para o
cargo de direção em Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes, até a promulgação da lei complementar cogitada,
evidenciando, assim, que a expressão “outros direitos”
justifica o direito à estabilidade relativa em determinadas
situações especiais. O próprio texto permanente da Carta
Magna assegura a estabilidade absoluta aos dirigentes e
representantes sindicais, até doze meses depois de extinto o
mandato (art. 8º, inciso VIII).
Revogado está, portanto, o art. 492 da CLT,
que previa a aquisição do direito de estabilidade no emprego
após dez anos de serviços na mesma empresa. E evidente,
porém, que os empregados que adquiriram a estabilidade
conservam esse direito. Neste sentido, definiu-se o
legislador (art. 12 da Lei n 7.839, de 12.10.89).
0

O disposto no inciso I do art. 7º revela,


claramente, a diretriz que prevaleceu na Assembléia
Constituinte: dificultar a despedida do empregado, tornando-
a mais onerosa, ao invés de proibi-la, ainda que arbitrária.
Se o preceito adotado manda a lei complementar prever
“indenização compensatória —indenização que só pode ser
devida em casos de resilição contratual, e não nos de
reintegração—, é porque parte do princípio de que o contrato
de trabalho pode ser denunciado unilateralmente pelo
empregador, mesmo quando arbitrário o seu ato. Pelo menos
como regra, constituindo exceções os casos de estabilidade
provisória, condicionada a determinadas situações.

IV — Natureza jurídica

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Como ensinou BARAS SI, a estabilidade não se


confunde com a efetividade, sendo mais ampla a proteção, que
dela resulta, no que tange à preservação do contrato de
trabalho. Empregado efetivo ou permanente, nas relações de
emprego privado, é aquele que não foi admitido com caráter
transitório (adventício) ou que não está submetido ao
período de prova; contudo, o trabalhador permanente não é,
precisamente, o empregado com estabilidade. “Da continuidade
— escreveu o emérito professor milanês — deriva, em sentido
positivo, a figura jurídica da permanência (efetividade), da
qual a estabilidade é um modo de ser. O trabalhador
permanente está vinculado por uma relação jurídica que leva
em si a marca da continuidade. E o trabalhador admitido, não
transitoriamente, mas o que passou a ser um elemento normal
do organismo da empresa”. E esclarece, ainda: “Algumas vezes
tem-se confundido, erroneamente, a normalidade típica do
trabalhador permanente com a permanência jurídica garantida,
peculiar ao trabalhador estável”. “A estabilidade, portanto,
não é senão uma permanência mais energicamente assegurada,
porquanto, com ela, o trabalhador encontra-se mais
solidamente incorporado à empresa”.
Relativamente à sua duração, o contrato de
trabalho do empregado estável equivale, como acentua MARIO
DEVEALI, a um contrato por tempo determinado, no qual o
término coincide com o momento em que o trabalhador logra a
idade prevista para adquirir o direito à aposentadoria”, e
sua rescisão, por ato do empregador, só será lícita na
ocorrência de causas expressamente previstas ou na
impossibilidade material de ter continuidade a relação de
trabalho. Mas, enquanto o término dos contratos por prazo
determinado concerne, na generalidade dos casos, a ambos os
contratantes, sendo, pois, de índole bilateral, “a
estabilidade está disposta somente a favor do trabalhador,
posto que, em caso contrário, seria consagrada a obrigação,
para este, de vincular seus serviços por toda vida a um
empregador; obrigação que está expressamente proibida por
algumas legislações e que, desde logo, contrasta com a
garantia de liberdade individual”.

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fls. 269

V — Fontes geradoras da estabilidade

A — Constituição, leis, contratos e


precedentes normativos — Após a vigência da Carta Magna de
1988, a estabilidade absoluta no emprego está assegurada:

a) aos empregados urbanos ou rurais, salvo os domésticos,


não optantes do FGTS, que completaram dez anos de serviço na
mesma empresa ou grupo de empresas, até 5 de outubro de 1988
(art. 14 da Lei no 8.036 cit.);
b) aos empregados que implementarem, ou vierem a imple-
mentar, as condições para a aquisição da estabilidade previstas nos
respectivos contratos individuais de trabalho ou em norma
regulamentar das correspondentes empresas, que se incorporam a
esses contratos;
c) aos empregados que, na vigência de norma inserida em
convenção, acordo coletivo, laudo arbitral ou decisão da Justiça do
Trabalho em dissídio coletivo, satisfizerem as condições estatuídas
nesses instrumentos para a aquisição do direito à estabilidade;
d) aos empregados eleitos para órgãos de administração das
entidades sindicais (sindicatos, federações e confederações de ramo
profissional), assim como os correspondentes suplentes, desde o
registro da candidatura até um ano após o final do mandato (art. 8º,
VIII, da CF), inclusive os que atuam na atividade rural (parágrafo
único do art. 80 cit. e art. 543 da CLT, combinado com o art. 1º da
Lei n0 5.889/73), respeitado o número fixado na lei;
e) aos empregados eleitos diretores de cooperativas por eles
criadas nas empresas em que trabalham (Lei n0 5.764/71);
f) aos servidores públicos civis da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta,
autarquias e fundações de direito público, admitidos sob o regime
trabalhista (CLT-FGTS) e em exercício na data da promulgação da
Carta Magna de 1988 há, pelo menos, cinco anos contínuos,
ressalvada a hipótese de ocupante de cargo, função ou emprego de
confiança ou em comissão (art. 19 do referido Ato);
g) ao empregado que sofreu acidente do trabalho, pelo prazo
de doze meses, após a cessação do auxílio-doença acidentário da
Previdência Social, desde que, após a consolidação das lesões,
resulte seqüela que implique redução da capacidade para o trabalho

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fls. 270

que exercia habitualmente (art. 118 da Lei n0 8.213/91, alterado pela


MP 1.729r de 2.12.98);
h) os titulares e suplentes da representação dos trabalhadores
no Conselho Nacional da Previdência Social, até um ano após o
término do mandato (art. 3º, § 7º, da Lei n0 8.213/91);
i) os titulares e suplentes da representação dos trabalhadores
no Conselho Curador do FGTS, até um ano após o término do
mandato (art. 3º, § 9º da Lei n0 8.036/90);
j) a empregada gestante, no período de 120 dias, desde a
data estimada para o parto (arts. 391 e 392 da CLT, combinados
com o art. 7º, XVIII, da Constituição e arts. III e VI da Convenção
OIT 103, ratificada pelo Brasil).

A estabilidade relativa, isto é, a nulidade


da despedida arbitrária, está assegurada:

a) ao empregado eleito para cargo de direção de Comissão


Interna de Prevenção de Acidentes (art. 10,II, a, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias), desde o registro da sua
candidatura até um ano após o término de mandato e aos demais
empregados eleitos membros dessa Comissão (art. 165 da CLT);

b) à empregada, desde a confirmação da sua gravidez até


cinco meses após o parto (art. 10, II, b, do precitado Ato), com-
plementando o período de estabilidade absoluta referido no item J
da relação anterior.

Além dessas formas de estabilidade


condicionada, o Tribunal Superior do Trabalho já aprovou
alguns precedentes normativos visando a garantir
estabilidade provisória (edição de 26.3.01):

a) por um ano ao empregado transferido nos termos do art.


469 da CLT (Prec. 77);
b) ao empregado, durante a prestação do serviço militar e até
30 dias da sua saída (Prec. 80);
c) nos doze meses que antecedem à aquisição do direito à
aposentadoria voluntária, desde que trabalhe há mais de cinco anos
na empresa (Prec. 80);

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fls. 271

d) ao representante dos empregados na empresa eleito nos


termos do art. 11 da Constituição, com a garantia de emprego de
que trata o art. 543 da CLT (Prec. 86).

A aquisição da estabilidade empregatícia,


salvo disposição convencionada com o próprio empregado ou
com o respectivo sindicato profissional, não se configura no
contrato de experiência ou em qualquer outra modalidade de
contrato a prazo. Como bem acentuou o Ministro MARCO AURÉLIO
DE MELLO, o direito de estabilidade não alcança “aquelas
hipóteses em que o empregado, atendidas as exigências
legais, é contratado a prazo certo e o ajuste chega
normalmente ao termo final.
Como se infere, a maioria dos casos de
estabilidade no emprego está sujeita a condição resolutiva,
extinguindo-se no tempo previsto na correspondente norma.
A estabilidade prevista em convenção ou
acordo coletivo e, bem assim, instituída em regulamento da
empresa decorre da autonomia privada, coletiva ou
individual, e não da lei, razão por que as condições para a
aquisição do direito e a resolução dos contratos de trabalho
são as estipuladas na respectiva disposição.
Como veremos a seguir, algumas formas de
estabilidade condicionada devem ser objeto de pertinentes
considerações.
B — Dirigentes sindicais — A estabilidade no
emprego condicionada à representação profissional resulta de
mandato outorgado ao trabalhador por eleição, conforme o
caso, pela assembléia geral de sindicato ou pelo Conselho de
Representantes de Federação ou Confederação. Hoje, essa
garantia está consagrada em norma constitucional (art. 8º,
VIII), que se harmoniza com o preceituado na Convenção da
OIT n0 98, de 1949, em virtude da qual “os trabalhadores
deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos
atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego”,
devendo tal proteção aplicar-se, particularmente, “a atos
destinados a dispensar um trabalhador ou a prejudicá-lo, por
qualquer modo, em virtude de sua filiação a um sindicato ou
de sua participação em atividades sindicais” (art. 1º, itens
1 e 2, b).

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fls. 272

A norma constitucional é compatível com o


disposto a respeito no art. 543 da CLT, salvo quanto à
associação profissional neste referido, visto que não mais é
exigida como pré-fase da investidura sindical. Hoje, a
personalidade jurídica de natureza sindical advém do
registro dos respectivos estatutos pelo grupo de
trabalhadores ou empregadores, independente de prévia
constituição de associação profissional. Daí ter sido
cancelado o Enunciado 222, do TST, que estendia aos seus
dirigentes o direito à estabilidade.
A garantia de emprego de que tratam o art.
8º, VIII, da Carta Magna, e o art. 543 da CLT não abrange os
profissionais eleitos para os Conselhos incumbidos de
disciplinar e fiscalizar o exercício de profissões liberais
(p. ex.: OAB, CREA etc.). Tais entidades são autarquias
corporativas e não associações sindicais. A autonomia que
hoje se lhes reconhece não as caracteriza como sindicatos.
Esclareça-se que, se o empregado exercer
cargo em comissão (confiança geral ou confiança especial),
quando da sua eleição para dirigente sindical ou sua eleição
ou designação para representante da categoria profissional,
não estará o empregador obrigado a mantê-lo no mencionado
cargo. A estabilidade condicionada concerne ao cargo efetivo
na empresa.
A estabilidade sindical irradia-se com o
registro da candidatura do empregado, desde que devidamente
comunicada ao seu empregador, e sobrevive, se eleito, até um
ano após o término do mandato, a fim de que sejam
“esfriadas” as possíveis tensões decorrentes da ação
empreendida pelo dirigente da entidade, em defesa dos
interesses ou direitos dos seus representados. O pressuposto
fundamental é que a investidura do associado resulte de
eleição para um dos órgãos de administração da entidade
sindical. Pouco importa que o empregado seja eleito titular
ou suplente da diretoria ou do Conselho Fiscal do sindicato
e, bem assim, da diretoria, do conselho fiscal ou do
conselho de representantes da federação do seu grupo ou da
confederação do respectivo ramo profissional. Mas, se o
empregado inscreve-se como candidato após receber o aviso
prévio da sua despedida, não poderá invocar a proteção do

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fls. 273

art. 543 da CLT, pois, como já assinalamos, o contratado não


pode, unilateralmente, anular o exercício de direito po-
testativo do empregador. E a recíproca é verdadeira: é
inválido o aviso prévio na fluência da garantia de emprego.
A CLT preceitua que a diretoria do sindicato
terá de três a sete diretores, sendo três os componentes do
seu Conselho Fiscal (art. 522). Por seu turno o art. 538, §
lº, trata dos mesmos órgãos nas federações e confederações,
enquanto o art. 539 manda observar, no que for aplicável, no
concernente às federações, as regras sobre a administração
dos sindicatos.
Poderá a entidade sindical, com esteio no
art. 8º, I, da Constituição, ampliar o número de componentes
dos seus órgãos de administração, conferindo a todos a
estabilidade no emprego?
Sempre entendemos que o direito do empregador
de denunciar o contrato de trabalho, respeitando,
obviamente, as normas legais pertinentes, só pode ser
limitado por lei. Daí termos concluído, com DÉLIO MARANHÃO,
que “enquanto a lei não dispuser prevendo outros critérios
de limitação do número de diretores do sindicato, há de
prevalecer a norma do art. 522 da CLT, sob pena de sujeitar-
se o empregador, na relação contratual com seu empregado, ao
arbítrio da entidade sindical, o que não se coaduna,
obviamente, com a própria idéia de direito”.
Depois de decisões contraditórias, sobretudo
no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, o TST,
através da SDC, afirmou: “a recepção pelo art. 8º da
Constituição Federal, dos arts. 522 e 543 da CLT, limitando,
portanto, a estabilidade dos dirigentes sindicais ao número
previsto em lei”, tranqüilizando, nesse sentido, a
jurisprudência da mais alta Corte trabalhista. E a Suprema
Corte, em acórdão da lavra do Ministro CARLOS VELLOSO,
confirmou esse entendimento.
A estabilidade sindical não se estende, a
nosso ver, ao delegado sindical, isto é, ao associado
designado pela diretoria da entidade para funcionar, na
empresa ou estabelecimento onde trabalha, como elo entre o
sindicato e os respectivos empregados. A figura desse
delegado não se confunde com a do representante do pessoal,

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fls. 274

de que cogita o art. 11 da Constituição, que é eleito pelos


colegas de trabalho. Este não exerce mandato sindical;
aquele não preenche o requisito previsto no § 4º do art. 543
da CLT.
A estabilidade sindical tem por finalidade
proteger o trabalhador, como empregado, contra possíveis
atos do seu empregador, que possam impedir ou dificultar o
exercício de seus direitos sindicais e, bem assim, dos
praticados como represália pelas atitudes por ele adotadas
na defesa dos seus representados. Óbvio, portanto, que essa
garantia não abrange o empregado, em determinada empresa, se
ele for eleito dirigente sindical em outra categoria, seja
de trabalhadores, de agentes autônomos ou de empregadores.
Nesse sentido, depois de alguma hesitação, firmou-se a
jurisprudência.
Pelo mesmo fundamento, o dirigente de
sindicato representativo de categoria diferenciada só tem
estabilidade no emprego se exercer na empresa a atividade
representada por essa associação sindical.
Durante algum tempo a Justiça do Trabalho
entendia que a extinção da empresa gerava a obrigação do
empregador de pagar ao dirigente ou representante sindical
os salários do período do mandato em curso, acrescido de
doze meses. Essa incoerente orientação já não prevalece,
pois, como bem asseverou a Ministra REGINA REZENDE EZEQUIEL,
“a estabilidade sindical não é garantia pessoal do
empregado, mas sim uma prerrogativa da categoria para
possibilitar o exercício da representação sindical”. Ela
visa proteger o trabalhador contra eventuais ameaças do
empregador, a fim de assegurar a independência na defesa dos
interesses gerais da categoria ou individuais dos seus
representados. Ora, extinta a empresa, desaparece a
subordinação jurídica do trabalhador ao empresário.
Mutatis mutandis, a mesma solução aplica-se à
extinção de estabelecimentos; mas, a nosso ver, se a empresa
sobrevive com outro ou outros estabelecimentos na base
territorial do correspondente sindicato, deverá o empregador
propiciar a remoção do dirigente ou representante sindical,
sob pena de pagar-lhes os salários do período restante do
mandato, acrescido de doze meses.

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fls. 275

C — Empregada gestante — O art. 7º, XVIII, da


Constituição, assegura licença de 120 dias à empregada
gestante, sem prejuízo do emprego e do salário; mas o
salário integral é mantido, nesse período, pela Previdência
Social. Por sua vez, o Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias vedou a dispensa arbitrária ou sem justa causa
da gestante, “desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto” (art. 10, II, h).
Por conseguinte, a gravidez da empregada
determina duas situações jurídicas distintas: a) nas quatro
semanas que precedem a estimativa do parto e até completar
cento e vinte dias, a empregada permanece em licença do
emprego com direito à estabilidade absoluta; b) nos cinco
meses subseqüentes ao parto, ela estará protegida contra a
despedida arbitrária, que configura a estabilidade relativa,
tal como registramos no item C desta Seção.
Foi, portanto, garantida a estabilidade
absoluta à empregada, em razão da maternidade, tal como,
aliás, já resultava da Convenção da OIT no 103, de 1952,
ratificada pelo nosso país. A nova Convenção sobre o tema
(183, de 2001) manteve a garantia de emprego, elevou a
duração da licença para o mínimo de 14 semanas e, tal como a
anterior, vetou que o pagamento do salário seja atribuído ao
correspondente empregador.
Como já assinalamos na Seção V deste
Capítulo, a estabilidade condicionada não alcança qualquer
das modalidades de contrato e prazo, inclusive o de
experiência.
A jurisprudência é iterativa no sentido de
que o fato de o empregador desconhecer o estado de gravidez
da empregada não impede a aquisição do direito à
estabilidade.
D — Membros da CIPA — O empregado eleito para
a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) está
amparado contra a despedida arbitrária; mas o nível de
proteção varia conforme se trate do vice-presidente ou de
outro membro titular. É que o art. 10 das Disposições
Transitórias da Carta Magna vedou a dispensa arbitrária ou
sem justa causa somente do empregado eleito para cargo de
direção de comissões internas de prevenção de acidentes,

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fls. 276

“desde o registro de sua candidatura até um ano após o final


de seu mandato” (n0 II, alínea a). Acontece que o art. 165 da
CLT, elaborado pela Comissão de atualização que tivemos a
honra de presidir, assegurou a proteção contra a despedida
arbitrária a todos os membros titulares da CIPA, embora sem
estender a garantia até um ano após o término do mandato:

“Os titulares da representação dos empregados nas CIPAs não


poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que
não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou
financeiro.
Parágrafo único. Ocorrendo a despedida, caberá ao emprega-
dor, em caso de reclamação à Justiça do Trabalho, comprovar a
existência de qualquer dos motivos mencionados neste artigo, sob
pena de ser condenado a reintegrar o empregado.”

O Tribunal Superior do Trabalho, depois de


enfatizar que os suplentes devem ter essa garantia,
porquanto convocados periódica e eventualmente, sumulou esse
entendimento no Enunciado n0 339. E a Suprema Corte confirmou
essa conclusão.
O empregado designado pelo empregador para
representar a empresa na CIPA não é, a nosso ver,
destinatário dessa garantia. Mas a Turma do STF decidiu que
a esse preposto aplica-se a garantia de emprego.

VI — Cargos e situações que não geram a


estabilidade

A — Cargos de confiança — Não obstante o


contrato de trabalho pressuponha a confiança mútua entre as
partes, é certo que o exercício de determinadas funções
exige uma confiança excepcional do empregador em relação aos
empregados que as desempenham. E é, sem dúvida, a essas
funções que se refere o art. 499 da CLT.
Como bem ponderou EGON GOTTSCHALK, “a
admissão de um empregado em cargo de confiança dá-se, sempre
e sem exceção, sob a condição, expressa ou tácita, da
demissibilidade ad nutum, que é inerente a este cargo. O

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fls. 277

contrato, que tem por objeto serviço dessa natureza, é, por


conseguinte, sempre um contrato condicional”.
Referindo-se à lei (art. 499 da CLT) “a
cargos de diretoria, gerência e outros de confiança imediata
do empregador”, é evidente que, ressalvadas as duas funções
expressamente previstas, deixou a critério do intérprete a
conceituação desses cargos, que poderá, inclusive, depender
de fatores peculiares atinentes a cada caso concreto. Para
tal fim, cumpre não perder de vista que o art. 499 consigna
uma exceção que não deve ser generalizada por uma
jurisprudência que contrarie o espírito da lei.
Aliás, a Lei no 8.966, de 1994, deu nova
redação ao art. 62 da CLT, que trata da duração do trabalho,
para considerar excluídos do respectivo capítulo apenas os
gerentes, diretores e chefes de departamento ou filial com
poderes de gestão.
O exercício do cargo de confiança não gera a
estabilidade na respectiva função; todavia, o correspondente
tempo de serviço é computado para todos os efeitos legais
(art. 499 da CLT). Portanto, se o empregado completar o
tempo necessário à estabilidade, quando no desempenho de
função de confiança, terá assegurado o retorno ao seu cargo
(§ 1º do art. 499). Da função de confiança é destituível ad
nutum, mas no emprego torna-se estável, com direito ao cargo
que anteriormente exercia e ao salário que a este concerne
no momento da reversão. O mesmo direito terá, obviamente,
se, ao ensejo da designação para o cargo de confiança, já
possuía a estabilidade no emprego.
Diversa será, porém, a solução resultante da
lei, se o trabalhador tiver sido admitido diretamente no
cargo de confiança. Porque o seu exercício não gera a
estabilidade e não possui o empregado cargo efetivo, o
cômputo do respectivo período de trabalho subordina apenas o
direito de ser economicamente ressarcido, com o levantamento
dos depósitos do FGTS e o recebimento da indenização
compensatória, desde que despedido sem justa causa (§ 2º do
art. 499).
B — Comissão, substituição, interinidade e
contrato a prazo — Estatui o art. 450 da CLT:

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fls. 278

“Ao empregado chamado a ocupar, em comissão,


interinamente, ou em substituição eventual ou temporária, cargo
diverso do que exercer na empresa, serão garantidas a contagem do
tempo naquele serviço, bem como a volta ao cargo anterior.”

A lei alude ao empregado chamado a ocupar


cargo diverso do que exerce na empresa e cuja designação
reveste-se de uma das seguintes formas: a) comissão; b)
substituição eventual ou temporária; c) interinidade. Em
qualquer dessas hipóteses, desde que tenha havido ciência da
natureza da designação, a estabilidade do empregado não
alcançará o direito ao cargo exercido nessas condições, bem
como aos salários que lhe correspondem. Tal como ocorre com
o desempenho da função de confiança, o respectivo tempo de
serviço é computado para todos os efeitos legais; e, cessada
a comissão, a substituição transitória ou a interinidade,
retornará o empregado ao cargo que anteriormente exercia.
O comissionamento deve corresponder ao
exercício de função de confiança a que se referem os arts.
62 e 499, § 2º da CLT, mencionados no item A desta Seção.
A designação do empregado para exercer, em
substituição eventual ou temporária, cargo diverso do que
possui na empresa pressupõe, obviamente, a ausência eventual
ou o afastamento transitório do respectivo titular. Enquanto
perdurar a ausência deste, salvo quando eventual, o
substituto fará jus aos salários do substituído; mas, uma
vez cessado o afastamento do titular, retornará ao cargo que
anteriormente exercia, com os salários a este relativos. Por
maior que seja o prazo da substituição, o empregado
substituto não adquire direito ao respectivo cargo e aos
salários que lhe correspondem. Entretanto, para que se
configure essa situação, é imprescindível que o cargo possua
um titular e este esteja afastado do seu exercício em
caráter transitório.
A interinidade, ao contrário da substituição
de natureza transitória, pressupõe a vacância do cargo.
Embora vago, o cargo é provido em caráter interino, a título
experimental ou enquanto a empresa procura trabalhador
habilitado para nele ser admitido. Por isto mesmo, a
interinidade não pode prolongar-se no tempo.

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fls. 279

Os contratos a prazo, como já acentuamos, não


ensejam a aquisição da estabilidade, seja a absoluta, seja a
relativa.

VII — Extinção da estabilidade

A — Falta grave — O direito de estabilidade


absoluta no emprego visa a impedir, como já registramos, que
o empregador, quando lhe convier, denuncie o respectivo
contrato de trabalho, pagando, embora, ao empregado os
consectários legais. Daí dizer-se que o empregado estável
tem direito ao emprego, não podendo dele ser despedido senão
nas hipóteses expressamente previstas em lei, na forma e nas
condições que ela estabelecer. Se o empregado estável
praticar uma falta grave, seu empregador poderá demiti-lo;
mas terá de provar, perante a Justiça do Trabalho, a prática
dessa falta e dela obter a prévia autorização para resolver
o contrato de trabalho (arts. 494 e 652, b, da CLT). Já nos
casos de estabilidade relativa, isto é, de proibição de
despedida arbitrária ou sem justa causa, o empregador pode
tomar a iniciativa de rescindir o contrato de trabalho; mas,
se o empregado ajuizar reclamação na Justiça do Trabalho, ao
empregador caberá comprovar o justo motivo, sob pena de ter
de reintegrar o trabalhador (parágrafo único do art. 165 da
CLT). A circunstância de o regulamento da empresa exigir
inquérito ou sindicância interna para ultimar a despedida de
empregado acusado de falta grave não importa em estabilizá-
lo.
Em face do disposto no art. 493 da
Consolidação,

“constitui falta grave a prática de qualquer dos fatos a que se


refere o art. 482, quando por sua repetição ou natureza representam
séria violação dos deveres e obrigações do empregado.”

Portanto, a prática dos atos faltosos


enumerados no art. 482 nem sempre equivale à falta grave
capaz de subordinar a demissão do empregado estável. Se o
ato faltoso, por sua natureza, constituir séria violação dos
deveres e obrigações do empregado, deve, desde logo, ser

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fls. 280

conceituado como falta grave; se ao contrário, ato faltoso


corresponder a uma pequena falta disciplinar, mister se faz
a reincidência para justificar a dispensa do empregado com
direito à estabilidade.
Na hipótese de usar o empregador da faculdade
de suspender o empregado acusado da prática da falta grave,
perdurará a suspensão até a decisão final do processo
(parágrafo único do art. 494); e, uma vez autorizada a
despedida, os efeitos desta retroagem à data em que teve
início a suspensão. Inversamente, reconhecida pela Justiça.
A Lei n0 9.270, de 17.4.96, acrescentou o
inciso X ao art. 659 da CLT, para atribuir aos juízes do
trabalho de primeiro grau competência para conceder medida
liminar, até decisão final do processo, tanto em reclamações
que visem reintegrar dirigente sindical afastado ou
dispensado como no caso de suspensão para responder a
inquérito destinado a apurar a prática de falta grave. Mas,
como bem decidiu a Seção de Dissídios Individuais do TST,

“Não se deve conceder liminar inaudita altera pars de rein-


tegração de empregado, ainda que provisoriamente estável, sem
ouvir a parte contrária, visto que fere o direito de defesa do
empregador e antecipa duvidosamente a tutela com natureza
satisfativa. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.”

Por seu turno, a medida cautelar, em tais


casos, só deve ser concedida quando evidenciado que o
afastamento do empregado teve por escopo obstar ou
dificultar o legítimo exercício do seu mandato sindical.
B — Extinção da empresa, estabelecimento ou
setor — Os arts. 497 e 498 da CLT preceituam que,
extinguindo-se a empresa um dos seus estabelecimentos ou
determinada atividade, o empregado estável terá direito à
indenização de dois meses de remuneração por ano de serviço.
Se a extinção resultou de motivo de força maior, a
indenização reduz-se pela metade (art. 502). Essas regras,
entretanto, concernem apenas aos “empregados que se tornaram
estáveis antes do advento da Constituição Federal de 1988”,
porquanto, a partir de então, a incidência obrigatória do

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fls. 281

regime do FGTS impede a aquisição da estabilidade


empregatícia definitiva.
Por algum tempo, houve decisões no sentido de
que, em tais casos, o empregador teria de pagar os salários
que seriam devidos até o implemento da condição resolutiva
prevista para a extinção da estabilidade provisória. Hoje,
porém, vigora, no que tange ao dirigente sindical, a
“Orientação Jurisprudencial” no 86 do TST, aprovada pela
SDI-I em 28 de abril de 1997.
Objetivando o Direito de Trabalho a
continuidade da relação de emprego, é evidente que não serão
devidas as indenizações previstas nos arts. 497 e 498 da CLT
ou a indenização compensatória do art. 10, I, do ADCT, ao
empregado do estabelecimento extinto ou da atividade
necessariamente suprimida, se a empresa o deslocar para
outro estabelecimento em atividade compatível com sua
qualificação profissional, sem alterar as respectivas
condições de trabalho. Desde logo, convém relembrar que a
remoção do empregado para outro estabelecimento que não lhe
imponha, necessariamente, a mudança do domicílio, não é
vedada pela lei, uma vez que esta não a conceitua como
“transferência” (art. 469, caput, da CLT). Lícita será,
também, a transferência, ainda que acarrete a mudança do
domicílio, se resultar de acordo com o trabalhador e não
forem modificadas as demais condições contratuais.
É certo que o § 20 do art. 469 da
Consolidação autoriza a transferência do seu empregado, sem
a sua anuência, quando ocorrer extinção do estabelecimento;
mas tal exceção não se aplica aos casos de empregados
estaduais.
C — Renúncia — Reportando-nos ao que
escrevemos no Capítulo IX sobre renúncia, transação e
quitação, cumpre reproduzir no art. 500 citado:

“O pedido de demissão do empregado estável só será válido


quando feito com assistência do respectivo sindicato e, se não o
houver, perante autoridade local competente do Ministério do
Trabalho ou da Justiça do Trabalho.”

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fls. 282

Por conseguinte, compete ao sindicato, em


primeiro plano, orientar os empregados pertencentes à
categoria profissional que representa, assistindo-os de
forma a evitar que a renúncia à estabilidade resulte de
qualquer vício de manifestação de vontade. Na falta do
sindicato ou negando-se este a exercer tal encargo, a
referida assistência deve ser dada pelas autoridades locais
do Ministério do Trabalho (Delegacias Regionais, nos Estados
e no Distrito Federal), ou pela Justiça do Trabalho (Varas
do Trabalho e Juízes de Direito investidos da jurisdição
especial do trabalho).
A renúncia ou a transação envolvendo a
estabilidade, ainda que homologadas em Juízo em ato de
jurisdição graciosa, podem ser anuladas, por meio de ação
própria na Justiça do Trabalho (art. 486 do CPC). Quer se
trate de sentença homologatória ou de assistência do
sindicato ou da autoridade pública, poderá o trabalhador,
mediante reclamação à Justiça do Trabalho, em processo comum
de dissídio individual, obter a anulação da renúncia, uma
vez que comprove ter sido sua vontade viciada por erro
substancial, simulação ou coação.
Extinguindo-se o contrato de trabalho, ainda
que por solicitação do empregado estável, sem a observância
das formalidades estatuídas no art. 500, nula será a
rescisão, pelo que cumprirá à empresa reintegrar o
trabalhador, desde que este requeira o retorno ao emprego
antes de prescrito o seu direito.

VIII — Reintegração do empregado

Desde logo, cumpre distinguir entre a


despedida irregular do empregado estável e a sua suspensão
para responder a inquérito judicial destinado a apurar falta
grave de que é acusado. Nesta segunda hipótese, se a Justiça
julgar improcedente a acusação, serão devidos os salários do
período de suspensão, como se a execução do contrato não
tivesse sido interrompida.
Estatuindo a lei as hipóteses nas quais
poderá ocorrer a extinção do contrato de trabalho do
empregado estável e o procedimento que deve ser observado

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fls. 283

para este fim, evidenciou, de maneira incontroversa, que o


vínculo contratual deverá ser restabelecido sempre que
rescindido com desatenção às normas legais pertinentes. E
que a estabilidade tem por finalidade a sobrevivência do
contrato de trabalho, assegurando ao trabalhador o direito
ao emprego, ainda que em caráter transitório sujeito a
condição resolutiva. A reintegração distingue-se da
readmissão porque restabelece o vínculo contratual com todos
os consectários legais: cômputo do período de afastamento
como tempo de serviço efetivo e, por via de conseqüência, o
pagamento dos correspondentes salários.
Para tornar efetiva a reintegração do
empregado, uma vez determinada pela Justiça do Trabalho,
prevê a lei brasileira a aplicação de multa ao empregador
que descumprir essa obrigação (art. 729 da CLT); e, em se
tratando de dirigente sindical, a Lei n0 9.270, de 1996,
tornou explícito que o Juiz do Trabalho pode conceder medida
liminar de reintegração até decisão final do processo.
A CLT estatui que a Justiça do Trabalho
poderá converter a reintegração em indenização em dobro,
sempre que considerá-la desaconselhável, “dado o grau de
incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente
quando for o empregador pessoa física” (art. 496). Essa
norma, entretanto, visou ao empregado com direito à
estabilidade decenal (art. 492), que não mais é adquirida
após a Constituição de 1988. Nos casos de estabilidade
provisória, os salários são devidos até o implemento da
condição resolutiva.

TÍTULO V

NORMAS DE PROTEÇÃO
AO TRABALHADOR

Capítulo I

SALÁRIO

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fls. 284

I — Fundamentos e Objetivos

A história do Direito do Trabalho confunde-


se, em grande parte, com a evolução da política e dia
prática salarial. Por ser o salário o principal, ou único,
meio de subsistência do homem que trabalha, ele tornou-se um
dos instrumentos para a prática da justiça distributiva e,
portanto, para a consecução da justiça social.
Condensando a doutrina social da Igreja na
magnífica encíclica Mater et Magistra, o Papa JOÃO XXIII
ponderou que “a fixação dos níveis salariais não pode ser
deixada inteiramente à livre concorrência, nem ao arbítrio
dos poderosos, mas deve ser feita segundo as normas da
justiça e da eqüidade. Estas exigem que os trabalhadores
recebam um salário suficiente para que possam levar uma vida
humanamente digna e atender convenientemente os seus
encargos de família. Na fixação do justo salário, é mister,
também, se leve em conta, primeiro, a contribuição efetiva
de cada um à produção; logo, a situação financeira da
empresa em que trabalha e, ainda, as exigências impostas
pelo bem do país, em particular as do pleno emprego; e,
finalmente, o que exige o bem comum de todas as nações, a
saber, das várias comunidades internacionais, compostas de
Estados de natureza e extensão diferentes. Tais princípios
são válidos para todos os tempos e lugares. Não é possível,
entretanto, determinar de que modo devam ser aplicados, na
prática, sem que sejam tidos na devida consideração os
recursos disponíveis que, por sua vez, podem variar, e, de
fato, variam, na quantidade e qualidade, de país para país,
ou até dentro de um mesmo país, de uma época a outra”. Para
JOAO PAULO II, “ajustar o salário, em suas modalidades
diversas e complementares, até o ponto em que se possa dizer
que o trabalhador participe real e eqüitativamente da
riqueza para cuja criação ele contribui solidariamente na
empresa, na profissão e na economia nacional, é uma
exigência legítima”, mesmo porque “a economia só será viável
se for humana, para o homem e pelo homem”.
A Constituição brasileira consagrou
diretrizes e princípios que justificam a utilização do
salário como instrumento de justiça distributiva e o abandono

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fls. 285

da rígida comutatividade entre ele e o serviço prestado pelo


empregado. Hoje há apenas uma equivalência subjetiva e
global entre o salário e a contribuição do trabalhador para
o empreendimento do qual participa. Mesmo porque trabalho
não é mercadoria. Consoante observa PLÁ RODRIGUEZ, “o
salário constitui a obrigação patronal que corresponde à
obrigação do trabalhador de pôr suas energias à disposição
do patrão, sem que tenha de coincidir parcialmente cada
pagamento com cada prestação. A onerosidade surge da
equivalência das duas prestações em seu conjunto e não no
detalhe de cada serviço e de cada pagamento”. Aliás, há
situações prescritas em lei, nas quais o empregador deve
pagar os salários sem que o empregado esteja à sua
disposição para prestar-lhe serviços: descanso semanal,
férias anuais, salário-paternidade, quinze primeiros dias de
ausência por motivo de doença etc.
A nossa Carta Magna, no seu art. 7º, elenca
as seguintes normas concernentes ao salário:

IV — salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente


unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às
de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim;
V — piso salarial proporcional à extensão e à complexidade
do trabalho;
VI — irredutibilidade do salário, salvo o disposto em conven-
ção ou acordo coletivo;
VII — garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os
que percebem remuneração variável;
VIII— décimo terceiro salário com base na remuneração
integral ou no valor da aposentadoria;
IX — remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X — proteção do salário, na forma da lei, constituindo crime sua
retenção dolosa;

II — Regulamentação internacional

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fls. 286

A Declaração Universal dos Direitos do Homem,


em disposição transcrita no Título I, Capítulo V, Seção III,
refere a remuneração justa e satisfatória do trabalhador,
sem qualquer discriminação. E o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos Sociais e Culturais (ONU, Nova York,
1966), ratificado pelo Brasil, que regulamentou preceitos
consagrados nessa Declaração, reconhece o direito de toda
pessoa que trabalha a “um salário eqüitativo e uma
remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem
qualquer distinção” (art. 7º a, I).
Desde sua instituição em 1919, vem a
Organização Internacional de Trabalho realizando estudos
sobre os problemas relacionados com a política de salários.
Mas, nos limites deste livro, devemos apenas mencionar as
convenções aprovadas pela Conferência Internacional do
Trabalho que se refiram diretamente à matéria em foco,
silenciando, assim, sobre as recomendações e resoluções
atinentes ao assunto e os diplomas internacionais que,
indiretamente, aludem a aspectos da política salarial.
Pela Convenção n0 26, de 1928, foram
estabelecidos os métodos para a fixação de salários mínimos
destinados aos trabalhadores empregados na indústria, em
geral, e no comércio, inclusive quando trabalhando em
domicílio. Tanto os trabalhadores quanto os empregadores
devem participar, em igualdade de condições, das consultas
relativas à fixação dos níveis mínimos de remuneração. Os
salários mínimos devem ter caráter obrigatório, desde que
salários mais altos não tenham sido estipulados por
convenções coletivas ou outros sistemas adequados,
assistindo ao empregado, a quem tiver sido pago salário
inferior, o direito de receber a diferença da remuneração a
que faz jus.
Em 1938, a Conferência aprovou a Convenção n0
63, em virtude da qual os Estados-Membros obrigam-se a
compilar estatísticas de salários e horas de trabalho, de
conformidade com as normas constantes do referido diploma,
publicá-las periodicamente e enviá-las à Repartição
Internacional do Trabalho.
Sobre a proteção ao salário, a Conferência de
Genebra de 1949 aprovou a bem elaborada Convenção n0 95.

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fls. 287

Conceitua como salário a remuneração, seja qual for a sua


designação ou método de cálculo, devida pelo empregador a um
trabalhador, em virtude de um contrato de trabalho escrito
ou verbal, por um trabalho que o segundo preste ou deva
prestar ao primeiro. Estatui que os salários devem ser pagos
em moeda de curso legal, ficando proibidos os vales, cupões
ou qualquer outra forma que caracterize o truck system. A
legislação nacional, as convenções coletivas e os laudos
arbitrais poderão permitir o pagamento parcial do salário
com prestações em espécie, nas indústrias ou ocupações em
que esta forma de remuneração seja de uso corrente ou
conveniente, proibido, em qualquer caso, o fornecimento,
como salário, de bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. Tais
prestações em espécie devem ser apropriadas ao uso pessoal
do trabalhador e de sua família, correspondendo ao justo
valor da remuneração que representar. O salário deverá ser
pago diretamente ao trabalhador, não podendo os empregadores
limitarem a liberdade que ele tem de dispor do mesmo. Os
descontos nos salários serão apenas permitidos de acordo com
os limites e as condições fixadas pela legislação nacional,
convenção coletiva ou laudo arbitral, proibido sempre o
desconto para garantir o pagamento ao empregador ou a
intermediário com o fim de obter ou conservar o emprego. O
salário não poderá ser embargado ou cedido, senão de
conformidade com a legislação nacional, que deverá protegê-
lo até o limite em que considerar necessário para garantir a
manutenção do trabalhador e de sua família. Em caso de
falência ou de liquidação judicial da empresa, os seus
empregados devem ser considerados credores preferenciais no
que tange aos salários devidos. O pagamento dos salários
deve ser feito com intervalos regulares, em dias úteis, no
local de trabalho ou em lugar próximo a ele.
A Convenção n0 99, de 1951, dispõe sobre os
métodos para a fixação de salários mínimos na agricultura,
adotando, a respeito, regras similares às consubstanciadas
na Convenção nº 26. Dedica, porém, especial atenção ao
pagamento do salário in natura, cujo valor pode ser deduzido
do pagamento do salário em moeda corrente.
Ainda na Conferência de 1951, foi adotada,
com a nossa participação, a Convenção n0 100, relativa à

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fls. 288

igualdade de remuneração entre a mão-de-obra masculina e a


feminina, por um trabalho de igual valor.
Cumpre registrar, ainda, que a Convenção n0
110, de 1958, relativa às condições de emprego dos
trabalhadores em plantações (lavoura), e a de n0 117, de
1962, sobre as normas e objetivos básicos da política
social, dedicam capítulos especiais aos salários. Por fim,
em 1970, a Conferência Internacional do Trabalho adotou a
Convenção n0 131, que dispõe sobre a “fixação dos salários
mínimos, notadamente no que concerne aos países em vias de
desenvolvimento”.

III — Política salarial brasileira

Os altos índices inflacionários que, durante


muitos anos, agrediram a economia impuseram ampla
intervenção do Estado em matéria de salário, não apenas no
patamar do salário mínimo, mas, igualmente, no regramento
dos reajustes salariais. Desde 1965 as leis a respeito
adotadas pelo Congresso Nacional ou expedidas pelo Governo
Federal sucederam-se, cada vez mais, com menor interregno.
Com o Programa de Estabilização Econômica implantado em
1994, do qual resultou a instituição do
novo padrão monetário nacional — o real —, a inflação de
custos foi decrescendo até alcançar níveis pouco
significativos.
A Medida Provisória no 1.053 de 30 de junho
de 1995, afinal convertida na Lei no 10.192, de 14 de
fevereiro de 2001, determinou a completa desindexação dos
salários em relação a quaisquer índices de variação de
preços ao consumidor. O art. 10 dessa lei dispõe:

“Os salários e demais condições referentes ao trabalho con-


tinuam a ser fixados e revistos, na respectiva data-base anual, por
intermédio da livre negociação coletiva.”

A revisão de uma convenção ou acordo coletivo


e de uma sentença normativa ou laudo arbitral não pode
ocorrer antes do decurso de doze meses da sua eficácia.

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fls. 289

O procedimento da negociação coletiva tem


início, geralmente, com o diálogo direto das partes
envolvidas, que devem negociar de boa-fé. Se houver
dificuldade para entendimento, as partes poderão, por
consenso, escolher um mediador ou solicitar ao Ministério do
Trabalho que o designe (art. 11, § 1º). Salvo acordo
expresso das partes, o mediador concluirá a negociação
dentro de 30 dias (§ 3º).
Malograda a negociação coletiva, poderá ser
instaurada a instância judicial do dissídio coletivo (art.
11, caput), salvo se as partes preferirem, por consenso,
submeter o conflito à arbitragem (art. 114, § lº, da
Constituição).
O art. 13 dessa legislação
infraconstitucional contém algumas disposições aplicáveis
tanto aos acordos e convenções coletivas quanto aos
dissídios coletivos e, obviamente, aos laudos arbitrais:

a) veda a estipulação ou fixação de cláusula de reajuste ou


correção salarial vinculada a índice de preços (caput);
b) determina que, nas revisões salariais da data-base anual,
sejam deduzidas as antecipações concedidas no período anterior à
revisão (§ 1º);
c) condiciona a concessão de aumento salarial, a título de
produtividade, a indicadores objetivos (§ 2º).

Como se sabe, o reajuste corresponde à


reposição do valor real do salário, na medida em que o seu
poder aquisitivo foi reduzido pela elevação dos preços ao
consumidor. Já o aumento traduz a majoração real do salário.
Afigura-se-nos, entretanto, que afronta o
princípio da irredutibilidade dos salários, consagrado no
art. 7º, VI, da Lei Maior de 1988, e o poder outorgado à
Justiça do Trabalho pelo art. 114, § 2º, proibir os seus
tribunais de restaurar os salários reais corroídos pela
inflação de custos verificada no passado, desde que
comprovada a redução do poder aquisitivo. Em verdade, o
referido inciso constitucional só admite a flexibilização do
salário contratual, ainda que em prejuízo dos trabalhadores,
mediante consenso dos protagonistas da negociação coletiva.

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fls. 290

Ora, o método adequado de que o tribunal pode valer-se para


recuperar o equilíbrio do contrato de trabalho, quando sua
cláusula fundamental — o salário — perde o valor real, é,
sem dúvida, acrescentar à sua expressão nominal o percentual
correspondente à desvalorização sofrida. Demais disso, após
o período de implantação do “real”, há perda continuada do
poder aquisitivo da moeda, tornando insubsistente a tese
amplamente defendida por alguns políticos e diversos
economistas, no que tange à prolongada estagnação dos
vencimentos dos servidores públicos e do salário dos em-
pregados. Pelos instrumentos da negociação coletiva, tal
como excepciona a Carta Magna, será possível flexibilizar o
valor dos salários, reduzindo o seu significado real, de
forma a atender exigências estruturais ou conjunturais em
proveito da economia nacional ou da conservação dos
empregos. Quiçá, também, pela arbitragem. Mas aos tribunais
cumpre, a nosso ver, restaurar o valor real das condições
contratuais ajustadas no passado.
Relativamente ao aumento do salário, o seu
fator condicionante tem sido a produtividade, aferida na
categoria, pela média da verificada nas empresas que a
compõem ou nas empresas diretamente interessadas. Mas, em
muitos casos, o respectivo percentual tem sido
arbitrariamente estimado, onerando empresas que obtiveram
menores índices ou tiveram reduzida a taxa de produtividade
em cotejo com o período anterior.

IV — Considerações gerais

A — Elementos componentes do salário — Em


face do estatuído no art. 457, caput, da CLT, “remuneração”
é a soma do salário devido e pago pelo empregador a seu
empregado, como contraprestação global dos serviços
prestados na execução do contrato de trabalho, com a
retribuição (gorjeta) por este recebida de terceiros, pelos
serviços que lhes forem prestados6. Quanto ao salário
contratual, nossa legislação preferiu discriminar os
elementos que o compõem, ao invés de adotar uma definição,
quase sempre susceptível de controvérsia:

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fls. 291

a) integram o salário, não só a importância fixa estipulada,


como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas,
diárias para viagem (desde que ultrapassem metade do salário-dia
devido ao empregado) e abonos pagos pelo empregador (§ 1º do art.
457 da CLT, com a redação advinda do Dec.-lei n0 229, de 1968);
b) não se incluem nos salários as ajudas de custo e as diárias,
salvo, quanto a estas, na hipótese mencionada na alínea anterior (§
2º do art. 457), bem como as quotas do salário-família (art. 9º da
Lei n0 4.266, de 3/10/63 e da participação nos lucros da empresa
(art. 7º, no XI, da Constituição) e o Vale-Transporte (art. 3º da Lei
n0 7.418, de 16/12/85);
c) além do pagamento em dinheiro, constituem salário a
alimentação, a habilitação, os vestuários e outras prestações in
natura que o empregador, por força do contrato ou do costume,
fornecer habitualmente ao empregado (art. 458);
d) Não serão, porém, considerados como salário, nos termos
do novo § 20 do art. 458, advindo da Lei n 0 10.243, de 19 de junho
de 2001:

“I — vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos


aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação
de serviços;
II — educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de
terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula,
mensalidade, anuidade, livros e material didático;
III — transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e
retorno, em percurso servido ou não por transporte público; IV —
assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente
ou mediante seguro-saúde;
V — seguros de vida e de acidentes pessoais;
VI — previdência privada”.

B — Salário básico e sobre-salário — Na


aplicação prática das normas jurídicas trabalhistas cumpre
distinguir entre o salário básico, fixado por unidade de
tempo (mês, semana, dia ou hora) ou por unidade de obra ou
serviço (unidade produzida ou comercializada), das
prestações que, por sua natureza, integram o complexo
salarial. Se as gratificações e adicionais oriundos do

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fls. 292

contrato ou de qualquer fonte normativa ou as diárias para


viagem (quando excedentes de metade do salário-dia
estipulado) integram o salário de empregado (art. 457, § 1º
da CLT), isto significa apenas que tais prestações possuem
natureza salarial, mas não compõem o salário básico fixado
no contrato de trabalho. O § 1º do art. 457 “restringe-se a
indicar os elementos que compõem o que poderíamos chamar o
complexo salarial, isto é, “confere natureza salarial às
parcelas nele referidas, distinguindo-as, porém, do salário-
base. As gratificações e as percentagens correspondem ao que
se denomina sobre-salário; somam-se ao salário-base, mas
neste não se diluem, nem perdem suas características
próprias”.
É inquestionável que os adicionais e
gratificações instituídos por lei, convenção coletiva, norma
regulamentar da empresa ou, explicitamente, nos próprios
contratos de trabalho, têm natureza salarial, sendo devidos
nas condições prescritas nos respectivos atos. Entretanto,
porque possuem tal natureza jurídica e, portanto, integram o
“complexo salarial”, não significa que compõem o salário
básico. E se o correspondente ato estabelecer que a
prestação deve ser calculada sobre a salário básico (quando
há quadro pessoal, sobre o padrão do cargo efetivo), é
evidente que, nesse cálculo, não poderão ser computadas as
parcelas suplementares desse salário. Aliás, a OIT, com sua
incontestável autoridade, ensina que “as prestações
adicionais podem ser definidas como suplementos dos salários
ordinários”.
C — Trabalho gratuito — A CLT refere o
salário como um dos pressupostos da relação de emprego
(arts. 2º e 3º). Por conseguinte, sem salário, o contrato
que tenha por objeto uma prestação pessoal de serviços
jamais poderá ser classificado como de emprego. Mas,
exatamente porque a lei possibilita o ajuste tácito
pertinente à relação de emprego, deve ser admitida, como
regra, a presunção relativa à obrigação de serem remunerados
os respectivos serviços por aquele em favor de quem são eles
prestados. Destarte, a graciosidade dos serviços, que impede
a configuração do contrato de trabalho, deve constituir
exceção, só admissível, restritivamente, nos casos em que a

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fls. 293

própria natureza da atividade empreendida justifica a


ausência de remuneração do trabalho realizado. É o que
acontece, por exemplo, com o serviço prestado com finalidade
altruística ou religiosa ou, ainda, com o objetivo de
aprimorar conhecimentos científicos: o prestador dos
serviços não é remunerado pela entidade a quem os presta,
inexistindo entre ambos relação de emprego.
D — Salário aleatório — Quanto ao salário sob
condição, prevalece na doutrina o princípio de que somente
como sobre-salário é lícita a remuneração aleatória do
empregado; mas, condizente com esses princípios, é
considerado o salário totalmente pago à base de comissão,
desde que o empregador assegure ao empregado, mensalmente,
uma retirada não inferior ao salário mínimo. Dispondo a lei
brasileira que “os riscos da atividade econômica”
correspondem à empresa (art. 2º da CLT) e que a todo
empregado assiste o direito de receber salário nunca
inferior ao mínimo, ainda que perceba remuneração variável
(art. 7º, VII, da Constituição de 1988), afigura-se-nos
incontestável ter estabelecido, a fortiori, que: a) o
pagamento do salário referente ao contrato de trabalho não
pode ficar condicionado aos lucros da empresa; b) sempre que
o salário ajustado variar com o volume de negócios ou
serviços realizados pelo empregado, terá este o direito de
receber da empresa quantia não inferior ao salário mínimo
local.

V — Salário utilidade

A — Caracterização — A jurisprudência,
endossando a lição da doutrina, já se firmou no sentido de
que a prestação in natura constitui salário quando, além de
habitual ou previamente ajustado, for concedida ao empregado
pelo trabalho realizado como parte da sua contraprestação, e
não para proporcionar a execução do serviço contratado. Pelo
serviço e não para o serviço. Examinaremos, a seguir, as
prestações mais comuns de salário-utilidade.
B — Alimentação — O art. 458 da CLT admite
que a alimentação fornecida pelo empregador corresponda a

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fls. 294

salário-utilidade. É que ela substitui parte do salário do


empregado, o qual necessita alimentar-se onde estiver, para
assegurar sua própria subsistência. Por isto, tanto o
fornecimento de refeições preparadas como a entrega de
gêneros alimentícios de primeira necessidade constituem
prestações salariais dedutíveis do salário global do
empregado. Cumpre-nos acrescentar, no entanto, que a
alimentação não deve ser insuficiente nem inadequada, sob
pena de assistir ao empregado o direito de rescindir, com
justo motivo, o respectivo contrato de trabalho. As bebidas
alcoólicas e as drogas nocivas não podem ser fornecidas como
salário-alimentação. Da mesma forma, o cigarro.
O vale fornecido habitualmente pelo
empregador, para que este faça sua refeição em restaurante
aberto ao público, tem caráter salarial, tal como proclamou
o Enunciado n0 241 do TST.
A alimentação poderá, todavia, ser fornecida
pelo empregador ao empregado (mesmo que este não pague parte
do seu custo) sem representar parcela in natura do salário.
É o que se verifica com o fornecimento adequado e controlado
de alimentação aos trabalhadores, disciplinado pela Lei no
6.321 de 1 976. A empresa, integrante do PAT, poderá
executar diretamente o programa de alimentação ou firmar
convênios com firmas de alimentação coletiva, inclusive
cooperativas (art. 4º do Regul. ap. pelo Decreto n0 5, de
1991).
Como se infere, a alimentação fornecida de
conformidade com esse programa não se confunde com a
prestação in natura decorrente de cláusula expressa ou
tácita do contrato de trabalho (art. 458 da CLT). Esta
possui natureza salarial; aquela tem caráter assistencial e
não se incorpora no contrato de trabalho como direito do
empregado. O empregador poderá desistir do programa que
propôs e executa, nos termos da Lei nº 6.321, sem que desse
ato resulte para o empregado o direito de exigir o seu
restabelecimento ou qualquer indenização.
C — Habitação — Para constituir salário-
utilidade, cujo valor compõe o salário do empregado, é
indispensável que a habitação seja fornecida a título
oneroso, decorrente de ajuste expresso ou tácito, referente

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fls. 295

ao contrato de trabalho. Daí consignar a jurisprudência que


a habitação concedida de favor, para facilitar moradia ao
novo empregado, enquanto este não encontra residência para
alugar, constitui ato de liberalidade da empresa, com
característica de eventualidade. Da mesma forma, a moradia
fornecida ao empregado em local desprovido de imóveis
residenciais, para propiciar — por exemplo — a construção de
uma usina hidroelétrica, não constitui salário in natura.
Tratar-se-á, como acentuou COQUEIJO COSTA, de “utilidade
fornecida como fator de realização de tarefa, para e não
pela tarefa”. Da mesma forma, não constitui salário-
utilidade a moradia do zelador de prédio residencial ou
edifício de condomínio.
Por muito tempo — ainda há muitas decisões
neste sentido — prevaleceu a tese de que o comodato, desde
que devidamente formalizado, impedia a conceituação da
habitação como salário in natura. Cumpre considerar, porém,
que, se o contrato de trabalho é oneroso, a gratuidade,
ainda que parcial, não se presume. O certo, a nosso ver, é
que o comodato na relação de emprego só se justifica em
casos excepcionais, aplicando-se, se for o caso, o art. 9º
da CLT.
Nada obsta que a habitação seja concedida, a
título oneroso, a mais de um empregado; mas a lei proíbe que
a mesma unidade residencial seja ocupada por mais de uma
família. Tratando-se de habitação coletiva — esclarece o
novo § 4º do art. 458 da CLT — “o valor do salário-utilidade
a ela correspondente será obtido mediante a divisão do justo
valor da habitação pelo número de co-ocupantes, vedada, em
qualquer hipótese, a utilização da mesma unidade residencial
por mais de uma família”.
Em face do estatuído no art. 47, II, da Lei
n0 8.245, de 1991, o empregador poderá retomar a morada em
caso “de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do
imóvel pelo locatário estiver relacionada com o seu
emprego”.
Nessa hipótese, se o empregador tiver de
ajuizar ação de despejo a sentença que o conceder fixará o
prazo de trinta dias (e não 120, como em outros casos) para
o ex-empregado deixar o imóvel (art. 53, § 5º da lei cit.).

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fls. 296

A apelação acaso interposta não terá efeito suspensivo (art.


42 da lei cit.). Essa lei regula apenas a locação predial
urbana. Já a Lei n0 5.889, de 1973, que dispõe sobre o
trabalho rural, estabelece que, “rescindido ou findo o
contrato de trabalho, o empregado será obrigado a desocupar
a casa dentro de trinta dias” (art. 9º, § 3º).
Quando a habitação é fornecida como parte do
salário (prestação salarial in natura), não há como se falar
em contrato de locação. Por isto mesmo, se o contrato de
trabalho for rescindido, por ato do empregador, em virtude
de falta praticada pelo empregado, não mais assistirá a este
o direito de ocupar a habitação; se inexistir justa causa
para rescisão e esta se verificar mediante indenização e
aviso prévio, é evidente que durante a fluência do prazo do
aviso prévio persistirá o direito do empregado de ocupar o
respectivo imóvel (arts. 487, § lº, e 489, da CLT). No
entanto, uma vez extinto o contrato de trabalho, o
trabalhador não mais poderá usufruir da utilidade, que, por
constituir parte do salário, lhe era devida somente durante
a vigência da relação de emprego. E, se permanece na
habitação, é óbvio que se caracteriza o esbulho, por privar
o proprietário da posse a que tem direito.
D — Transporte — A Lei no 10.243, de 2001,
que deu nova redação ao art. 458 da CLT, modificou o
entendimento anterior, consubstanciado no Enunciado do TST-
90, ao desconsiderar salário-utilidade o transporte
destinado à ida e volta do empregado ao seu local de
trabalho, ainda que o percurso esteja servido por transporte
público. E a norma não distingue entre transporte coletivo
ou individual, razão por que o automóvel entregue ao
empregado para esse uso não mais constitui salário. A
contrário senso, é salário-utilidade o veículo entregue ao
empregado para o seu uso indiscriminado; mas se este exercer
na empresa cargo que exige alta representatividade, pois
onde ele estiver ali estará um pouco da empresa, o automóvel
deverá ser tido como fornecido para o serviço e não pelo
serviço. Não será, então, salário-utilidade.
O vale-transporte, instituído pela Lei n0
7.418, de 1985 (modificada pela Lei n0 7.619, de 1987), teve
seu regulamento aprovado pelo Decreto n0 95.247, de 1987. São

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fls. 297

beneficiários todos os servidores públicos e empregados


privados, inclusive os domésticos, os registrados em
empresas de trabalho temporário, os atletas profissionais e
até os que trabalham no próprio domicílio, estes quando
tiverem de deslocar-se para a sede do estabelecimento
empregador (art. 1º).
O empregador está obrigado a fornecer o vale-
transporte aos seus empregados “para utilização efetiva nas
despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa”,
ainda que corresponda a mais de um meio de transporte (art.
2º). Ele é utilizável em todas as formas de transporte
coletivo, ou intermunicipal e interestadual com
características semelhantes ao urbano, salvo os seletivos e
os especiais, desde que operados diretamente pelo poder
público ou mediante delegação, em linhas regulares e com
tarifas fixadas pela autoridade competente (art. 3º). O
empregado beneficiado deve participar do custeio do vale com
a parcela equivalente a 6% do seu vencimento ou salário
básico (sem computar, portanto, adicionais e vantagens), a
ser descontada pelo empregador (art. 9º). Para os empregados
remunerados por tarefa, serviço, gorjeta ou salário
constituído exclusivamente de comissões, percentagens,
gratificações ou equivalentes, os 6% incidirão sobre o
montante percebido no período (art. 12, a).
O vale-transporte não tem, para qualquer
efeito, natureza salarial, não constituindo, portanto, caso
de incidência para as contribuições sociais (art. 6º do
Regul.).
E — Vestuário — Em face do que reza o art.
458, § 2º, I, da CLT, para ter natureza salarial é preciso
que o vestuário seja fornecido como contraprestação do
trabalho contratado e substitua parte do salário em dinheiro
que seria destinada à sua aquisição. Já o vestuário
fornecido para a execução do serviço, ainda que não tenha a
feição de uniforme, não é salário. Os uniformes de uso
compulsório na empresa não são, portanto, salário-utilidade.
F — Valor pecuniário — O § 1º do art. 458 da
CLT prescreve que:

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fls. 298

“Os valores atribuídos às prestações in natura deverão ser


justos e razoáveis, não podendo exceder em cada caso, os dos
percentuais das parcelas componentes do salário mínimo.”

Contudo, no que tange à habitação e à


alimentação o pagamento em dinheiro não pode exceder,
respectivamente, a 25% e 20% do salário contratual (§ 3º do
art. cit.).
Se é certo que o valor atribuído a uma
utilidade de caráter salarial não poderá exceder a esses
percentuais, não menos certo é que poderá valer menos, se o
empregado comprovar que, convertida em dinheiro, não atinge
o mencionado valor, ou ainda, quando fornecida em condições
que tornem imprescindível ao empregado adquirir a mesma
utilidade, a fim de completar suas necessidades normais.
A tese de contratualidade do fornecimento de
utilidades como parte dos salários e da conseqüente
impossibilidade de ser o contrato de trabalho alterado por
vontade unilateral do empregador ou em prejuízo do empregado
subordina a regra de que não pode ser descontado do salário
em dinheiro o valor da utilidade que já era fornecida sem o
referido desconto. E nem o fato de ter ocorrido elevação
salarial pode legitimar o desconto superveniente, pois, em
realidade, o salário pago em dinheiro constitui apenas parte
do salário global contratado, uma vez que a utilidade
fornecida, em virtude de ajuste tácito ou de costume,
conceitua-se, igualmente, como salário. Sob esse aspecto,
aliás, é pacífica a jurisprudência.
Finalmente, no que tange à conversão do
salário-utilidade em salário-dinheiro, razão assiste a
ORLANDO GOMES, quando escreve que “não é dado ao empregador,
por seu arbítrio, converter em dinheiro as utilidades que
fornece, e vice-versa. Do mesmo modo, o empregado não tem
direito de exigir tal conversão. Mas, se ambos estão de
acordo, nada obsta essa alteração do contrato de trabalho,
por que dela não resulta, em tese, prejuízo para o
empregado. Se este, não obstante, sofrer dano manifesto, a
alteração, mesmo bilateral, não é lícita”. Rege a hipótese,
como se infere, o princípio consagrado no art. 468 da
Consolidação. Mas pode ocorrer o caso em que o fornecimento

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fls. 299

da utilidade torna-se impossível (p. ex.: desabamento ou


desapropriação do prédio total ou parcialmente concedido ao
empregado como salário-habitação), o que transformará a
obrigação de dar a utilidade em obrigação de pagar o
respectivo valor.

VI — Salário mínimo

A fixação de níveis mínimos de salário, seja


por lei ou ato governamental, seja por órgão com
representação de empresários e de trabalhadores, constitui
característica marcante da intervenção do Estado nas
relações contratuais de trabalho. O salário mínimo
corresponde, assim, ao patamar abaixo do qual não pode
prevalecer a vontade dos contratantes, sendo nula de pleno
direito qualquer estipulação em contrário, mesmo advinda de
instrumento da negociação coletiva. A flexibilização
admitida para algumas hipóteses encontra barreira intranspo-
nível no valor do salário mínimo. A primeira tabela,
resultante de minucioso e amplo inquérito realizado pelo
Ministério do Trabalho, foi aprovada por GETÚLIO VARGAS, com
o Decreto-lei n0 2.162, de 1º de maio de 1940.
O art. 7º, n0 IV, da Constituição brasileira,
transcrito na Seção I deste capítulo, determina que o
salário mínimo seja fixado por lei, considerando os fatores
ali referidos. Para atender a exigência das convenções da
OIT sobre o tema, deveria o Congresso Nacional promover a
audiência das confederações nacionais de trabalhadores e de
empregadores durante os procedimentos para a fixação do
salário mínimo. A Lei Maior não prevê a periodicidade desses
procedimentos, que poderão ser iniciados quando uma das
Casas do Congresso, ou o Governo Federal, entender que o
valor real do salário mínimo vigente não mais corresponde à
realidade socioeconômica brasileira. O salário mínimo
declarado na lei, obviamente, será reajustado na
conformidade dos índices nela indicados, a fim de preservar-
lhe o poder aquisitivo. Essa lei deveria instituir o
mecanismo de reajuste da sua expressão nominal e prescrever
a periodicidade dessa correção automática. Mas a Carta Magna
exige que o índice não seja inferior ao da inflação de

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fls. 300

custos dos fatores que o compõem, no correspondente período,


eis que impõe “reajustes periódicos que lhe preservem o
poder aquisitivo”.
O salário mínimo será único para todo
território nacional. Isto já vinha acontecendo.
Irrealisticamente, porque, em nosso país, regiões plenamente
desenvolvidas convivem com outras em vias de desenvolvimento
e algumas subdesenvolvidas. Sob o prisma geossocioeconômico,
o Brasil não está unificado para que o salário mínimo seja
único. Por isto mesmo, a Lei Complementar n0 103, de 14 de
junho de 2000, autorizou os Estados e o Distrito Federal a
instituírem o piso salarial a que alude o inciso V do art.
7º da Lei Maior. Como veremos adiante, esse piso significa,
na verdade, salário profissional e não pode ser invocado,
numa simulação inquestionável, para diversificar os níveis
de salário mínimo que a Constituição unificou em escala
nacional. A verdade é que em qualquer unidade da Federação
brasileira as múltiplas atividades profissionais não têm a
mesma extensão e complexidade.
O inciso constitucional em foco proíbe que o
valor de qualquer prestação instituída por lei ou estipulada
em contrato seja indexada ao salário mínimo. Essa
disposição, como recomendam os hermeneutas, deve ser
interpretada tendo em vista os “fins sociais a que ela se
dirige” (art. 5º da Lei de Introdução e ao Código Civil).
Ora, o que ela visou foi evitar que os alugueres e, de modo
geral, as prestações de médio ou longo prazo, fossem
indexados ao salário mínimo, a fim de que o aumento dos
valores deste não gerassem inflação de custos. Daí a
judiciosa conclusão de EDUARDO GABRIEL SAAD no sentido de
que o inadmitido pela Constituição é “a vinculação do
salário mínimo a qualquer outro ato jurídico que não o
contrato de trabalho”. Nada impede, portanto, que o salário
profissional ou o salário base da categoria correspondam a
alguns salários mínimos. Por outro lado, a jurisprudência
consolidou-se no sentido de que o adicional de insalubridade
incide sobre o salário mínimo.

VII — Piso salarial e salário profissional

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Se, o que o inciso V do art. 7º da


Constituição denomina de “piso salarial” deve ser
“proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”,
então, em bom direito, trata-se de salário profissional.
Este ~ que tem em vista a natureza do trabalho exercido
pelos profissionais habilitados a executá-lo. Já o piso
salarial não tem em conta a função exercida pelo
trabalhador, mas a circunstância de ele integrar uma
categoria, ou uma empresa, para a qual restou proibida a
admissão de empregado com salário abaixo de certo nível.
O que se nos afigura impróprio e até
inconstitucional é que, sob o título de piso salarial, as
unidades da Federação possam fixar verdadeiros “salários
mínimos regionais”, cuja competência constitucional é da
União Federal.
Inicialmente, vários Estados, em leis
aprovadas pelas respectivas Assembléias Legislativas,
fixaram um piso salarial único, acima do mínimo federal. A
inconstitucionalidade era evidente, por configurar um novo
salário mínimo distinto do nacional unificado, preceituado
pelo art. 7º, da Constituição. Daí por que, em brilhante
decisão proferida na Adin. 23 58-6, o Ministro MARCO AURÉLIO
DE MELLO deferiu liminar, com eficácia retroativa,
suspendendo a Lei nº 3.496, de 2.000, do Estado do Rio de
Janeiro.
Em virtude dessa decisão liminar, vários
Estados, inclusive o do Rio de Janeiro, resolveram
estabelecer quatro a seis níveis de piso salarial para
diferentes grupos de trabalhadores, dando-lhe feição
distinta do salário mínimo. Em conseqüência, a Suprema Corte
julgou prejudicada a referida Adin.
Quer sob o título de “piso salarial”, quer
sob o nome de “salário profissional”, afigura-se-nos que não
se deveria mais questionar a inconstitucionalidade das leis
e das sentenças normativas da Justiça do Trabalho que
dispusessem sobre o assunto. A tese, porém, é controvertida
na doutrina; mas a Lei n0 8.906, de 1994, que aprovou o
Estatuto do Advogado, adotou o nosso entendimento, tal como
se verificara com a Lei n0 3.999, de 1961, alusiva aos

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médicos, dentistas e profissionais paramédicos e, bem assim,


a Lei n0 4.950-A, de 1966, em relação aos diplomados em
engenharia, química, arquitetura, agronomia e veterinária.
É evidente, no entanto, que o instrumento
mais adequado para a estipulação do salário profissional ou
do piso da categoria é a convenção ou o acordo coletivo.
O verdadeiro piso salarial, cuja fixação
pelos tribunais do trabalho vinha sendo considerada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, poderá, sob
a égide da nova Constituição, ser objeto de decisão dos
conflitos coletivos de trabalho. O art. 114 ampliou, sem
dúvida, a competência da Justiça do Trabalho, de forma a
permitir a determinação dos verdadeiros pisos salariais.

VIII — Comissão

A comissão constitui modalidade de


retribuição condicionada ao serviço realizado pelo
trabalhador; é, assim, “uma feição especial da remuneração
por unidade de obra”, correspondendo, normalmente, a uma
percentagem ajustada sobre o valor do serviço ou negócio
executado ou encaminhado pelo trabalhador.
A comissão distingue-se da participação nos
lucros, ou nos resultados da empresa, porque, nesta, a
percentagem de interesse do empregado está subordinada à
existência de um desses fatores, enquanto a comissão
contratada é devida pelo só fato de ter o comissionista
executado, na parte que lhe incumbe, o serviço ou negócio
que enseja o seu pagamento. Mas o que desejamos ressaltar,
nesta oportunidade, é que a obrigação de pagar a comissão
independe do resultado líquido (lucro) auferido pela
empresa, porque a comissão é salário (art. 457, § lº, da
CLT) sempre que o comissionista for um empregado.
O empregado remunerado exclusivamente à base
de comissão tem direito a uma retirada mensal não inferior
ao salário mínimo (art. 7º, VII, da Constituição).
O pagamento de comissões sobre vendas
efetuadas pelos empregados foi regulado pela Lei no 3.207,
de 18.7.57, que adotou diversas regras sobre a matéria

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anteriormente disciplinada apenas pelo art. 466 da CLT. O


vendedor terá direito à comissão, convencionada sobre as
vendas que realizar ou sobre as que forem feitas diretamente
pela empresa ou por preposto desta, em zona cuja
exclusividade lhe haja sido expressamente atribuída (art.
2º). Na falta de ajuste sobre a percentagem da comissão,
deve a empresa assegurar ao vendedor a comissão indicada
pelo direito costumeiro consagrado na localidade. Como tem
reconhecido a jurisprudência; a comissão deve ser paga ao
empregado — vendedor, ainda que não tenha sido reservada a
exclusividade da zona, desde que o seu trabalho junto ao
pretendente haja ocorrido preponderantemente para a
realização do negócio.
Em face do preceituado nessa lei, a transação
é considerada ultimada se a empresa não recusar a proposta
por escrito, dentro de dez dias. Mas, em se tratando de
transação a ser concluída com comerciante ou empresa
estabelecida em outro Estado ou no estrangeiro, o prazo para
a recusa da proposta é de noventa dias, podendo, ainda, ser
prorrogada, por tempo determinado, mediante comunicação
escrita dirigida ao empregado.
O pagamento das comissões e percentagens deve
ser mensal; todavia, a lei faculta às partes a fixação de
intervalos mais reduzidos ou dilatados, desde que, na
segunda hipótese, não excedam de três meses contados da
aceitação de cada negócio.

IX — Gratificação e prêmios

A — Gratificação ajustada — Originariamente,


as gratificações constituíam recompensas ou prêmios que o
patrão concedia arbitrariamente aos seus empregados. Com a
evolução do Direito do Trabalho, como escrevemos alhures,
“ampliou-se consideravelmente o conceito de salário,
estabelecendo-se a tendência, de sentido universal, de
integrar no complexo salarial todas as parcelas que o
empregado perceber do empregador na execução do contrato de
trabalho, desde que expressa ou tacitamente ajustadas. E, em
conseqüência, as gratificações contratadas passaram a ser
conceituadas como salário, quer pela doutrina, quer pela

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jurisprudência de inúmeros países. Mas, já aí, a


gratificação não possui aquele caráter de doação pura; se
ajustada, é salário e não prêmio”. Toda dificuldade atinente
à conceituação de determinada gratificação como salário
consiste, portanto, na aferição, em cada caso, da existência
ou não de um contrato pelo qual a empresa obrigue-se a
concedê-la em determinadas épocas e condições. Se existe
essa obrigação, a gratificação é salário; caso contrário,
representará uma liberalidade do empregador.
O art. 457 da CLT, no seu § lº, esclarece que
as gratificações ajustadas integram o salário. Esse ajuste
pode ser expresso ou tácito. O expresso pode resultar: a) de
disposição a respeito contida nos acordos ou convenções
coletivas, nos regulamentos dos estatutos da empresa ou no
próprio contrato de trabalho, anotado na Carteira de
Trabalho ou no instrumento escrito porventura existente,
podendo ser suprida por todos os meios permitidos em Direito
(art. 456 da CLT).
Mas, se não houver acordo expresso, cumpre ao
intérprete verificar se se configura, em cada caso, ajuste
tácito capaz de caracterizar o direito do empregado à
questionada gratificação e a conseqüente obrigação da
empresa de concedê-la. Para tal aferição, que, na teoria e
na prática, suscita enormes controvérsias, oferece a
doutrina dois critérios distintos: um de índole subjetiva;
outro de caráter objetivo.
Pelo critério subjetivo, cumpre aferir qual a
intenção do empregador no que tange às gratificações
concedidas. Se elas são conferidas por ato arbitrário do
patrão, com o característico de liberalidade, não seria
possível imprimir-lhe o caráter obrigacional contra a
vontade de quem as concede.
Pelo critério objetivo, haverá ajuste tácito
sempre que a conduta do empregador, independentemente de sua
intenção, transformar a gratificação numa remuneração
adicional de caráter normal, com a qual passa a contar o
empregado. A habitualidade, a periodicidade e a uniformidade
com que são concedidas as gratificações estabelecem a
presunção de que o padrão contraiu a obrigação de conferi-
las, desde que configuradas as condições a que costuma

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subordinar o seu pagamento. Segundo GÉRARD LYON-CAEN, também


partidário deste critério, a jurisprudência francesa entende
que o uso cria o direito à gratificação; e “esse uso resulta
da prática constante, repetida, de maneira a ensejar, da
parte do pessoal, a convicção de que a gratificação lhe é
devida”.
A esse critério nos filiamos, tendo em vista,
inclusive, o direito positivo brasileiro, com fundamento na
analogia legal, uma vez que o art. 458 da Consolidação
conceitua como salário a utilidade que, por força de
costume, o empregador fornecer habitualmente ao empregado
(critério objetivo), sem procurar investigar sua intenção
(critério subjetivo). Consoante ponderou LUIS JOSÉ DE
MESQUITA, “não é intenção que prevalece em nosso Direito.
São os fatos. Estamos no campo jurídico e não no terreno das
intenções”. Daí a súmula de jurisprudência consubstanciada
no Enunciado TST-152:

“O fato de constar do recibo de pagamento de gratificação o


caráter de liberalidade não basta, por si só, para excluir a existência
de um ajuste tácito.”

A gratificação pode concernir, ainda, ao


exercício de determinada função para a qual o empregado for
designado. Neste caso, desde que se trate de função que
justifique essa retribuição especial (cargos de confiança,
de direção ou chefia, de secretário etc.), ela será devida,
como sobre-salário, apenas enquanto o respectivo empregado
permanecer no desempenho da correspondente função.
B — Gratificação natalina (13º salário) — Em
face do preceituado no art. 7º, VIII, da Constituição, a
gratificação de natal, popularizada como “13º salário”, deve
ter por base a remuneração integral do empregado, ou os
proventos do aposentado. Ele já era devido, ex vi legis, aos
empregados urbanos e rurais e aos trabalhadores avulsos.
Agora se tornou devido, igualmente, aos empregados
domésticos. E do seu campo de incidência não estão excluídos
os trabalhadores contratados por prazo determinado.
Pondere-se que o dispositivo não determina
que a gratificação corresponda à remuneração percebida pelo

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fls. 306

empregado no mês de dezembro. Prescreve — isto sim — que ela


seja calculada “com base na remuneração integral”, mesmo
porque “dezembro é termo e não condição para aquisição do
direito à natalina”. Tratando-se de remuneração fixa, ainda
que periodicamente reajustada na conformidade dos índices
adotados pela política salarial, a solução é simples: o
valor do 13º salário corresponderá a 1/12 da remuneração
devida em dezembro multiplicado pelo número de meses de
serviço do empregado. Tratando-se de remuneração variável,
apura-se a média mensal da produção anual do empregado,
aplicando-se sobre essa média o salário-comissão, ou
salário-tarifa, em vigor no mês de dezembro, e multiplica-se
o resultado pelo número de meses trabalhados no ano. É o que
decorre, como ressalta a jurisprudência, do disposto no art.
1º, e seu § 1º, da Lei n0 4.090, de 1962.
O l3º salário é, inquestionavelmente, uma
gratificação da natureza salarial; e como tal, é computado
para os efeitos legais, devendo servir de base para os
depósitos do FGTS. Consoante o estatuído na Lei n0 4.749 e no
seu regulamento, ambos de 1965, ele deve ser pago até o dia
20 de dezembro de cada ano. Mas, ao efetuar esse pagamento,
o empregador deverá deduzir o adiantamento que está obrigado
a fazer ao ensejo do gozo de férias ou, à falta de
requerimento nesse sentido, entre os meses de fevereiro e
novembro. O adiantamento equivale à metade da remuneração do
empregado no mês anterior.
Apesar de a gratificação de Natal ser devida
somente no mês de dezembro, se o empregador despedir o
empregado, sem justa causa, antes do momento em que tiver de
satisfazer a obrigação, ter-lhe-á de pagar, baseado na
remuneração do mês da rescisão contratual, uma gratificação
correspondente aos meses em que permaneceu à sua disposição.
E o que prescreve o art. 3º da Lei n0 4.090. O mesmo
ocorrerá, mas pela metade do respectivo valor, quando a
Justiça do Trabalho reconhecer que houve culpa recíproca na
rescisão do contrato.
Relativamente à resilição contratual de
iniciativa do empregado e à extinção do contrato a prazo, a
jurisprudência, depois de alguma hesitação, tornou-se
pacífica e sumulada no sentido da obrigatoriedade do

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pagamento da gratificação. E essa obrigação patronal


subsiste, ainda que a extinção do contrato de trabalho
resulte de aposentadoria do empregado.
C — Prêmio — Desde que concedido com as
características que configuram sua verdadeira natureza
jurídica, o prêmio não deve ser conceituado como salário. É
que — vale dizer — ele visa a recompensar o empregado por
ter cumprido, como lhe compete, o contrato de trabalho
celebrado com a empresa. Pelo cumprimento desse contrato,
ele faz jus aos salários ajustados. O prêmio nada mais
representará, portanto, do que uma liberalidade patronal.
Daí acentuar ORLANDO GOMES que o prêmio, embora
aparentemente se confunda com a gratificação, dela difere
“no ponto em que depende da apreciação subjetiva do
empregador, conservando, por isto, sua natureza de pagamento
não compulsório”.
Releva ponderar, todavia, que, se os
proventos pagos sob o falso título de prêmio corresponderem,
realmente, à contra-prestação de serviços prestados pelo
empregado, atinente à relação de emprego, deverão ser
conceituados como salário. E que o rótulo com que são
concedidos não concerne à sua verdadeira natureza jurídica.
E, como salário, não poderão ser alterados por ato
unilateral do empregador. Aliás, no Brasil, algumas empresas
já instituíram o que denominam de prêmio-produção, como
complemento de um salário básico garantido, que nada mais
representa do que a contraprestação do trabalho executado
pelo empregado.
Portanto, para a conceituação do prêmio como
salário ou como dádiva patronal, pouco importa o rótulo com
que e concedido: se corresponder a trabalho executado por
força do contrato de emprego, será sempre salário; se
constituir recompensa à forma pela qual o trabalhador
cumpriu suas obrigações (já remuneradas pelo salário
ajustado), será uma liberalidade da empresa, cuja repetição
não obrigará ad futurum.
Pela simililaridade entre os dois institutos
jurídicos, aplicam-se aos prêmios diversas regras atinentes
às gratificações. Assim, se o empregado satisfez as

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condições estipuladas pelo empregador para sua concessão,


este não poderá negar-lhe a prestação.

X — Diárias e ajudas de custo

As diárias têm por fim indenizar despesas de


viagem e manutenção do empregado, quando forçado a realizá-
las para a execução do seu contrato de trabalho.
Juridicamente, portanto, não constituem salário, uma vez que
não correspondem à contraprestação do empregador aos
serviços executados pelo trabalhador, mas, simplesmente, um
meio de tornar possível a prestação destes. Normalmente
fazem jus às diárias os empregados que têm de viajar,
continuamente, a fim de realizar os serviços contratados,
como é o caso dos vendedores pracistas. Em caráter
excepcional, recebem também essas diárias os empregados que,
eventualmente, são designados para executar determinadas
tarefas para as quais se torna indispensável sua locomoção
para local diverso daquele em que prestam seus serviços. A
transitoriedade do deslocamento do empregado é essencial
para caracterizar o pagamento como diária. Quando há
transferência, não se pode falar em diárias.
Visando a evitar que salários sejam rotulados
de diárias, a CLT adotou um critério prático, simples porque
de aritmética elementar: faz computar como salário a diária
de viagem que for paga em base superior à metade do valor do
salário-dia do respectivo empregado (§§ 1º e 2º do art.
457).
Cessada a causa da diária, extingue-se a
obrigação de pagá-la. E que ela só é devida enquanto
perdurar o motivo do deslocamento do empregado. Daí o
estipulado no Enunciado TST 10125. Não serão, no entanto,
consideradas de natureza salarial as diárias de viagem,
quando sujeitas à prestação de contas, mesmo que o total dos
gastos efetivamente ocorridos exceder a 50% do salário do
empregado, no mês respectivo. Neste caso, na realidade, as
diárias correspondem a adiantamentos feitos aos empregados
que viajam por determinação da empresa.
As ajudas de custo também constituem
indenização e não salário. Destinam-se a indenizar as

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despesas do empregado, oriundas da sua transferência para


local diverso daquele em que tem domicílio. Distinguem-se
das diárias de viagem porque correspondem a um único
pagamento, para atender às despesas resultantes da
transferência. Conceituam-se como ajudas de custos,
conseqüentemente, “as despesas resultantes da transferência”
do empregado, a que alude o caput do art. 470 da
Consolidação. Obviamente, para não serem tidas como salário
é imprescindível que não objetivem remunerar serviços pres-
tados pelo empregado.

XI — Gorjetas

As gorjetas concedidas pelos usuários dos


serviços da empresa aos empregados que os servem compõem a
remuneração e não o salário (art. 457 da CLT). Elas são
computadas pelo valor estimado e anotado na Carteira de
Trabalho e Previdência Social, sempre que a norma jurídica
aplicável referir-se à remuneração do empregado.
Conceituada a gorjeta, pela doutrina, como
ato de natureza arbitrária, o corolário jurídico é o de que
não deveria ser considerada como tal a parcela
obrigatoriamente paga pelo público, embora a título de
gorjeta. Como salienta CATHARINO, o “adicional fixado na
nota de despesa e recolhido pela casa é uma verdadeira
participação nas entradas, e como tal constitui salário,
fora de qualquer dúvida. Quando isto acontece, é constituído
um fundo especial, cujo lastro é para ser distribuído pelos
empregados segundo as regras estabelecidas pelo uso, pela
lei, por contrato, por convenção, por sentença coletiva ou
regulamento. O empregador tem apenas a custódia e
administração do fundo constituído. Sua função é a de pagar
a cada empregado sua participação, de acordo com o que foi
fixado”. Gorjeta compulsória não é, portanto, gorjeta; é
salário estipulado em percentagem, correspondente à
participação nas entradas. Mas o Decreto-lei n0 229, de 1967,
inspirado na jurisprudência sumulada do TST, acrescentou um
parágrafo ao art. 457, tornando explícito que essa taxa de
serviço compulsória constitui gorjeta.

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XII — Salário-família

A Declaração Universal dos Direitos do Homem,


como já registramos, refere a família como destinatária do
salário do empregado. E a Convenção da OIT n0 102, de 1982,
inclui entre “as normas mínimas de seguridade social” a
concessão de prestações familiares às pessoas protegidas
pelo respectivo plano de benefícios (art. 39).
No Brasil, embora a Constituição de 1946
tenha preceituado que o salário mínimo devia satisfazer “as
necessidades normais do trabalhador e da sua família” (art.
157, nº I), somente a 3 de outubro de 1963 foi sancionada a
Lei n0 4.266, que instituiu o salário-família, não apenas
para os que recebem salário mínimo, mas para todos os
empregados de empresas vinculadas à Previdência Social.
Coube ao então Ministro do Trabalho ANDRÉ FRANCO MONTORO
apresentar ao Congresso Nacional o projeto elaborado por
comissão que designara e que presidimos, o qual foi
convertido na precitada lei.
A experiência internacional demonstrou que,
para evitar efeitos negativos e anti-sociais, é
imprescindível que os encargos atribuídos aos empregadores
independam do fato de possuírem empregados solteiros ou
casados, com ou sem filhos: o ônus da concessão dos
subsídios deve ser proporcional ao número de empregados, em
cada empresa, e não ao número de filhos (e, quando for o
caso, de esposa) dos beneficiários. Daí escrever MOACYR
VELLOSO CARDOSO DE OLIVEIRA: “Uma vez que cada empresa terá
de contribuir igualmente sobre todos os seus empregados,
independentemente da sua situação familiar, desaparece
qualquer interesse secundário na seleção de solteiros ou
casados, com mais ou menos filhos, uma vez que o encargo
será o mesmo para ela, com relação a cada empregado”.
Com as modificações introduzidas pela Lei no
5.890, de 1973, foi extinto o “Fundo de Compensação” criado
pela lei de 1963, passando o salário-família a constituir
uma das prestações da Previdência Social. Ele é devido ao

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fls. 311

empregado em quotas correspondentes a cada filho menor de 14


anos, de qualquer condição.
Não há, portanto, distinção, para efeito do
salário-família, entre filhos legítimos, ilegítimos,
incestuosos, adulterinos ou adotivos. E, se o trabalhador
for tutor de menor que não possua bens suficientes para o
próprio sustento e educação, exercendo ele o pátrio poder,
terá direito ao recebimento da correspondente quota do
salário-família.
Os filhos inválidos, independentemente da
idade, estão incluídos entre os beneficiários do salário
mínimo (art. 13 da Lei no 8.213, de 1991).
A Emenda Constitucional n0 20, de 15 de
dezembro de 1998, alterou o disposto no inciso XII do art.
7º da Carta Magna, reduzindo substancialmente o seu campo de
aplicação:

“XII — salário-família pago em razão de dependente do tra-


balhador de baixa renda, nos termos da lei.”

E o art. 13 dessa Emenda prescreveu que,


enquanto o novo preceito não for disciplinado por lei, as
cotas do salário-família serão concedidas “apenas àqueles
que tenham renda bruta inferior a R$ 360,00”, corrigidos
pelos índices atinentes aos benefícios do regime geral da
previdência social.
Compete ao empregador deferir e efetuar o
pagamento do salário-família dos seus empregados, cujo valor
deduz do total das contribuições previdenciárias mensalmente
devidas ao INSS (art. 91 do Regul. ap. pelo decreto n0 3.048,
de 1999).
Consoante estabelece o art. 88 do mencionado
Regulamento, o direito ao salário-família cessará
automaticamente:

“I — por morte do filho ou equiparado a contar do mês


seguinte ao do óbito;
II — quando o filho ou equiparado completa 14 (quatorze)
anos de idade, salvo se inválido, a contar do mês seguinte ao da
data de aniversário;

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III — pela recuperação da capacidade do filho ou equiparado


inválido, a contar do mês seguinte ao da cessação da incapacidade;
IV — pelo desemprego do segurado.”

Já agora há de cessar quando o empregado ou o


trabalhador avulso passar a auferir, mensalmente, mais do
que o limite legal.

XIII — Isonomia salarial

A — Direito internacional — O princípio da


igualdade dos homens perante a lei, proclamado pela
“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, resultante
da Revolução Francesa (1789), tornou-se universal no campo
do Direito. E dele irradiaram vários desdobramentos, que
ampliaram, nas relações jurídicas entre os homens e deles
com o Estado, a aplicação do princípio da isonomia. Daí ter
a nova “Declaração Universal dos Direitos do Homem”,
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948,
dedicado algumas normas à matéria. Depois de enfatizar, no
art. I, que:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e


direitos”, preceituou.
“Art. II — Todo homem tem capacidade para gozar os direitos
e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,opinião
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riquezas,
nascimento, ou qualquer outra condição.
...............................

Art. VII — Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem
qualquer distinção, a igual proteção contra qualquer discriminação
que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
administração.”

E mais adiante, asseverou que princípio da


não-discriminação é aplicável aos diferentes aspectos do
Direito do Trabalho e da Seguridade Social, entre as quais o
direito ao trabalho, a livre escolha de emprego, às

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fls. 313

condições de trabalho, ao salário igual por igual trabalho e


à proteção contra o desemprego (art. XXII).
Na Organização Internacional do Trabalho
(OIT), a Convenção n0 111, de 195831, consagrou de forma
ampla, o princípio da não-discriminação em matéria de
emprego e profissão. Esse tratado multilateral da OIT impõe
a eliminação de todas as formas de discriminação.
Ainda no âmbito da OIT foi adotada a
Convenção n0 100, de 1951, também ratifica da por nosso país,
que dispõe sobre a “igualdade de remuneração entre a mão-de-
obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de
igual valor”, disciplinado, assim, o princípio do “salário
igual, sem distinção de sexo, por um trabalho de igual
valor”, que fora valorizado pelo art. 427 do Tratado de
Versailles, de 1919.
B — Direito brasileiro — As Constituições de
1934,1946 e 1967 proibiram a diferença de salário para um
mesmo trabalho por motivo de sexo, cor e estado civil, sendo
que as duas primeiras referiram também idade e
nacionalidade. A Lei Maior de 1988 é mais abrangente porque,
além do princípio geral da igualdade de direitos dos
nacionais e estrangeiros (art. 5º, I), no que tange a
salários, dispõe no art. 7º:

“XXX — proibição de diferença de salários, de exercício de


funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor
ou estado civil;
XXXI — proibição de qualquer discriminação no tocante a
salário e critérios de admissão do trabalhador portador de
deficiência.”

Quanto à isonomia salarial, a matéria está


regulada, em caráter genérico, pelo art. 461 da CLT e,
quando o paradigma for estrangeiro, pelo art. 358.
A equiparação será devida na concorrência dos
seguintes elementos:

a) Identidade de funções. O empregado só pode reivindicar o


mesmo salário do seu colega se ambos exercerem a mesma função,
isto é, quando desempenharem os mesmos misteres ou tarefas, com

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fls. 314

igual responsabilidade na estrutura e funcionamento da empresa.


Por isto, cumpre não confundir cargo e função: dois empregados
podem ter o mesmo cargo e exercer, de fato, tarefas dessemelhantes
ou de níveis de responsabilidade diferentes; ou, inversamente,
executar a mesma função, sem que os respectivos cargos possuam a
mesma designação. Quanto o paradigma for estrangeiro, a CLT
exige apenas que a função seja análoga para gerar o direito do
brasileiro à equiparação salarial (art. 358). No tocante às vantagens
de caráter personalíssimo (p. ex., adicional por tempo de serviço),
ainda que decorrentes de sentença judicial, não devem sem
computadas para efeito de gerar o direito à isonomia salarial.

b) Trabalho de igual valor. Configura-se pela igual produti-


vidade e pela mesma perfeição técnica entre os serviços prestados
pelo empregado que pleiteia a equiparação e pelo respectivo
paradigma.

e) Mesmo empregador. Mas em se tratando de grupo de que


cogita o § 2º do art. 2º da CLT, o empregado de uma empresa não
pode servir de paradigma para o empregado de outra empresa do
grupo, que preste serviço de igual valor em função idêntica. É que a
solidariedade a que se refere o mencionado parágrafo não gera a
uniformização das normas regulamentares de cada empresa e dos
respectivos quadros de pessoal ou tabelas de salário. Cada empresa
conserva, apesar da configuração do grupamento, a faculdade de
organizar os seus serviços (Poder diretivo — art. 2º, caput).

d) Mesma localidade. O conceito de localidade, a nosso ver,


deve corresponder, em princípio, a Município. A jurisprudência
inclinou-se, acertadamente, no sentido de que a expressão na
mesma localidade”, referida na lei, corresponde à “cidade em que
são prestados os serviços, não se podendo ampliar o conceito para
as dimensões do Estado, da região”.
e) Diferença de tempo de serviço inferior a dois anos. Reco-
nhece a lei que, não obstante a existência de trabalho de igual valor,
pode o empregado mais antigo na empresa perceber maior salário
do que o mais novo, apesar de empreenderem trabalho de igual
valor. O fator tempo de serviço concerne à função e não ao
emprego.

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fls. 315

f) Inexistência de quadro de pessoal organizado em carreira35.


Esse quadro, quando adotado, deverá assegurar o acesso aos
empregados mediante promoções alternadas, dentro de cada
categoria profissional, por merecimento e por antigüidade.
Estabelece o Enunciado n0 6 do TST que, “para os fins previstos no
§ 2º do art. 461 da CLT, só é válido o quadro de pessoal organizado
em carreira quando homologado pelo Ministério do Trabalho e
Previdência Social”. Mas a jurisprudência tem validado, em certos
casos, a homologação do quadro pela autoridade competente para
supervisionar a atividade empreendida pela empresa.

Além desses seis requisitos, explicitados na


lei, a doutrina e a jurisprudência consideram que se
encontra implícita, no art. 461 da CLT, a exigência da
contemporaneidade do trabalho de igual valor entre o
equiparando e o equiparado. Mas essa condição concerne à
aquisição do direito, sendo desnecessário que, ao ensejo do
ajuizamento da ação, o reclamante e o paradigma ainda
trabalhem no mesmo estabelecimento.
A substituição do empregado transitoriamente
afastado —hipótese em que não há vacância do cargo, mas
impedimento temporário — dá direito ao substituto de receber
o maior salário atribuído ao substituído, inclusive nas
férias, desde que não se trate de substituição meramente
eventual.
O desvio de função caracteriza-se, sobretudo,
quando há quadro de pessoal organizado em carreira; mas pode
ocorrer mesmo quando não exista o quadro. Não se trata,
porém, na hipótese, de equiparação salarial, pois o desvio
de função, desde que não seja episódico ou eventual, cria o
direito a diferenças salariais, ainda que não haja paradigma
no mesmo estabelecimento.
A cessão de empregado não exclui a
equiparação salarial por conta da cessionária, ainda que
verificada em órgão governamental estranho à cedente, se
esta responde pelos salários do paradigma e do reclamante.

XIV — Proteção ao salário

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fls. 316

A — Inalterabilidade e irredutibilidade — O
princípio atinente à inalterabilidade do salário funda-se,
não apenas na idéia de tutela do trabalhador, mas,
igualmente, na de cumprimento do contrato de trabalho: o
salário não pode ser modificado por ato unilateral do
empregador, nem por acordo do qual resultem prejuízos para o
empregado. E a nulidade plena dessa alteração, firmada pelo
art. 468 da CLT, diz respeito tanto ao valor do salário, a
que alude o inciso constitucional, quanto à forma ajustada
para o seu pagamento. A lei brasileira presume a existência
de vício de consentimento em relação à vontade do
trabalhador, capaz de nulificar o ajuste, sempre que ele
concordar com a alteração do salário em seu próprio
prejuízo.
A Constituição brasileira de 1988,
entretanto, admitiu a redução do salário, desde que
deliberado em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI).
Como se infere, o empregado não poderá
concordar com a redução do seu salário; mas o sindicato, na
representação dos interesses coletivos e individuais da
categoria ou dos empregados de determinada empresa, poderá —
obviamente em situações excepcionais — formalizar essa
redução, com as condições em que ela perdurará, no
instrumento pertinente da negociação coletiva.
Afigura-se-nos que a lei ordinária deveria
regulamentar o referido inciso do art. 7º da Constituição,
registrando as hipóteses em que os instrumentos da
negociação coletiva poderiam reduzir os salários dos seus
representados. Demais disto, entendemos que a norma
permissiva da redução concerne apenas ao salário contratual,
não se estendendo aos outros incisos que tratam de
prestações salariais, como, por exemplo, o décimo terceiro
salário, o adicional de horas extras, a remuneração do
repouso semanal etc.
Do princípio da irredutibilidade do salário
resulta a tese da manutenção do nível salarial cogita4o na
celebração do contrato de trabalho. Por isso a doutrina e a
jurisprudência deduzem dos arts. 468 e 483, alínea g, da
CLT, não só a proibição da redução direta do salário
(diminuição do salário ajustado por unidade de tempo ou de

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fls. 317

obra), como de sua diminuição indireta (fornecimento de


menos serviço ao empregado pago em razão do seu rendimento).
Não há dúvida de que o empregado remunerado
com base na sua produção individual (comissão por negócios
realizados ou quantia certa por peça produzida) não pode ter
assegurada a percepção de um salário invariável; mas a
flutuação inerente a essa modalidade salarial não deve ser
susceptível de afetar a manutenção do seu nível de vida, não
podendo, em nenhuma hipótese, gerar pagamento inferior ao
salário mínimo mensal. (art. 7º, VII, da Constituição).
B — Integralidade — A lei visa garantir o
recebimento do salário devido ao empregado, protegendo-o
contra descontos impróprios ou abusivos. Obviamente, não
caracterizam descontos, sob o prisma jurídico, as deduções
referentes aos adiantamentos de salários ou aos pagamentos
de salário-utilidade, porque, em ambos os casos, o empregado
já recebeu, antecipadamente, em espécie ou in natura, a
parcela materialmente deduzida do salário que lhe foi
entregue no dia do pagamento.
A CLT regula a matéria no art. 462,
proibindo, como regra, os descontos nos salários; mas
admitiu, como exceções, os descontos previstos em lei ou em
convenções ou acordos coletivos e, bem assim, com certas
restrições, os de caráter indenizatório. Estes últimos,
porém, não são admitidos nas atividades rurais, face ao
estatuído no art. 9º da Lei n0 5.889, de 1973.
A jurisprudência criativa do TST,
consubstanciada no Enunciado n 342, ampliou, entretanto, a
0

possibilidade dos descontos nos salários:

“Descontos salariais efetuados pelo empregador, com autori-


zação prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em
planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro,
de previdência privada ou de entidade cooperativa cultural ou
recreativa associativa dos seus trabalhadores, em seu benefício ou
de seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT,
salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro
defeito que vicie o ato jurídico.”

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fls. 318

Outrossim, a Lei n0 10.820, de 17 de dezembro


de 2003, ampliou as hipóteses de desconto nos salários, e
também nas verbas devidas na rescisão do contrato de
trabalho, desde que autorizado explicitamente pelo
empregado, no tocante aos

“valores referentes a pagamento de empréstimos, financia-


mentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por
instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil,
quando previsto nos respectivos contratos” (art. 1º).

As multas aplicadas pelo empregador ao


empregado representam, inquestionavelmente, descontos
salariais. Por isto mesmo, embora reconhecendo que o poder
disciplinar da empresa fortalecesse com a possibilidade de
sua aplicação, entende a maioria dos autores brasileiros
que, não sendo ela prevista em convenção ou acordo coletivo,
não pode ser usada na punição dos empregados. As multas não
se confundem, porém, com as indenizações admitidas na
ocorrência de dano causado pelo empregado, seja em caso de
dolo, seja havendo culpa, quando prevista no contrato de
trabalho (art. 462, § lº da CLT). E que multa constitui
penalidade pela violação do dever contratual, enquanto a
indenização contratual, ou em caso de doto, objetiva a
reparação de danos causados pelo empregado no
estabelecimento onde trabalha.
C — Intangibilidade — Para proteger o salário
contra os credores do empregado, deve o princípio da
intangibilidade ser invocado ainda que o credor seja o
correspondente empregador. E este não poderá reter parcelas
de salários para cobrar seu crédito, nem requerer a
respectiva penhora. Por isto mesmo, é importante que se
distinga entre os adiantamentos salariais, susceptíveis de
desconto no momento em que a empresa efetua o pagamento
periódico dos salários, e as dívidas contraídas pelo
empregado, que o tornem credor civil ou comercial do seu
empregador.
A retenção do salário, ou parte dele, pelo
empregador é, entretanto, admitida para compensar o débito
oriundo da falta de concessão de aviso prévio, ao enseio da

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fls. 319

denúncia do contrato de trabalho de iniciativa do empregado


(§ 2º do art. 487 da CLT); e, também, o adiantamento da
gratificação natalina compulsória poderá ser compensado na
hipótese de despedida do empregado com justa causa (art. 3º
da Lei n0 4.749, de 1965). Consoante esclarece o Enunciado
TST-18, “A compensação, na Justiça do Trabalho, está
restrita a dívidas de natureza trabalhista”. Ainda assim, no
momento da rescisão do contrato de trabalho, a compensação
“não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do
empregado” (§ 5º do art. 477 da CLT).
Em caso de falência da sociedade comercial,
os salários constituirão, em sua totalidade, créditos
privilegiados, tal como as indenizações acaso devidas ao
empregado (art. 449, § 1º da CLT, com a redação que lhe deu
a Lei n0 6.449/77). Essa preferência absoluta está afirmada
no Código Tributário Nacional (art. 186), que, sendo lei
complementar, não poderia ser alterado pelo art. 31 da Lei n0
6.830, de 1980, que assegurou preferência aos créditos da
Fazenda Pública.
Tratando-se de insolvência de sociedade civil
determinante da dissolução da empresa, os direitos oriundos
do contrato de trabalho serão objeto do concurso de
credores, no qual a legislação pertinente prevê certos
privilégios em favor dos empregados.
D — Condições do pagamento — A CLT estabelece
algumas regras de indiscutível importância prática, visando
a regular o pagamento do salário:

a) Pagamento pessoal ao empregado 464), salvo quando


(parág. único introduzido pela Lei n0 9.258, de 1997);
b) Pagamento em moeda corrente do País, ainda que em
cheque bancário, proibidos os bônus ou outras modalidades do
truck system (art. 462, §§ 2º, 3º e 4º e art. 463); c) Pagamento em
dia útil, no local de trabalho e no horário de serviço ou
imediatamente após o seu término (art. 465);
c) Pagamento tempestivo, com a periodicidade ajustada nos
limites da lei (art. 459).

E — Inadimplemento e mora contumaz — O


Decreto-lei n0 368, de 1968, considera inadimplente e,

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fls. 320

portanto, em mora, o empregador “que não pagar, no prazo e


nas condições da lei ou do contrato, o salário devido a seus
empregados” (parág. único do art. 1º). Nesse caso, a empresa
não poderá:
“I — pagar honorário, gratificação, pro labore ou qualquer
outro tipo de retribuição ou retirada a seus diretores, sócios,
gerentes ou titulares de firma individual;
II — distribuir quaisquer lucros, bonificações, dividendos ou
interesse a seus sócios, titulares, acionistas, ou membros de órgãos
dirigentes, fiscais ou consultivos;
III — ser dissolvida” (art. 1º).

Consoante pacífica jurisprudência, “o só


pagamento dos salários atrasados em audiência não elide a
mora capaz de determinar a rescisão do contrato de
trabalho”.
Tratando-se de mora contumaz, além dessas
proibições, a empresa não poderá ainda “ser favorecida com
qualquer benefício de natureza fiscal, tributária ou
financeira, por parte de órgão da União, dos Estados ou dos
Municípios, ou de que estes participem” (art. 2º). Esse
Decreto-lei de 1968 considera mora contumaz” o atraso ou
sonegação de salários devidos aos empregados, por período
igual ou superior a três meses, sem motivo grave ou
relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do
empreendimento (§ lº do art. 2º cit.).
As infrações ao art. 1º, incisos I e II,
supratranscritos, sujeitam a empresa à multa de 10% a 50% do
débito salarial, aplicada pelo Delegado Regional do
Trabalho, mediante os procedimentos previstos nos arts. 626
e seguintes da CLT, sem prejuízo da responsabilidade
criminal das pessoas implicadas (art. 7º), as quais estarão
sujeitas a pena de detenção de um ano (art. 4º). Para tal
fim, o Delegado Regional do Trabalho, após a conclusão do
processo administrativo, representará, sob pena de
responsabilidade, ao Ministério Público, para a instauração
da competente ação penal (parágrafo único do art. 4º).

Capítulo II

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fls. 321

PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS

I — De Napoleão a João Paulo II

NAPOLEÃO BONAPARTE teve a iniciativa de


assegurar aos artistas da Comedie Française a participação
nos lucros do empreendimento (Decreto de 1812). A primeira
Constituição a consagrar esse direito foi a mexicana, de
1917. Mas nos primeiros quinze anos do século XX, inúmeras
empresas na Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos,
Bélgica, Itália, Holanda, Rússia e Suécia, atribuíram
voluntariamente a participação dos seus empregados nos
lucros anualmente auferidos.
Foi a doutrina social da Igreja, com
influência inclusive dos sindicatos católicos, que mais
ardorosamente defendeu, desde a Encíclica “Quadragesimo
Anno”, de PIO XI, em 1931, a participação dos empregados nos
lucros da empresa. Afirmou PIO XI, naquele ano, a
conveniência de se iniciar um processo pelo qual fosse
possível “temperar o contrato de trabalho com o de
sociedade”. Os métodos poderiam variar, mas o preferencial
seria através da distribuição de ações aos empregados.
Em 1961, o atual Papa, JOÃO PAULO II, na sua
Encíclica Mater et Magistra, reproduz PIO XI e aduz ser
muito desejável que os trabalhadores possam chegar a
participar na propriedade das empresas, na forma e no grau
mais convenientes, pois nos nossos dias, mais ainda que nos
tempos do nosso predecessor, é necessário procurar, com todo
o empenho, que, para o futuro, os capitais ganhos não se
acumulem nas mãos dos ricos, senão na justa medida, e se
distribuam com certa abundância entre os operários” (§ 74 da
encíclica precitada).
Esse direito não se universalizou. Adotado em
raras constituições e poucas legislações, não justificou a
adoção de nenhuma convenção ou recomendação internacional. A
OIT, até hoje, não incluiu o tema na ordem do dia da
Conferência Internacional do Trabalho.
É na América Latina que preponderam as normas
constitucionais e legais sobre a participação obrigatória

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fls. 322

dos empregados nos lucros da empresa. Na Europa prevalece o


caráter facultativo da participação nos lucros, embora na
França ela seja compulsória nas empresas com mais de cem
empregados.

II — A Constituição brasileira e a
natureza jurídica da participação

A Carta Magna de 1988 preceitua:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais


...............................

XI — participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da


remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da
empresa, conforme definido em lei.”

O inciso supratranscrito determina a


participação do empregado nos lucros ou nos resultados
auferidos pela empresa em que trabalha e, excepcionalmente,
na sua gestão — tudo de conformidade com a lei, mas estatui
que aquela participação está desvinculada da remuneração do
empregado.
Destarte, essa última afirmação
constitucional gerou, desde logo, efeitos jurídicos no
tocante à natureza da prestação paga, a título de
participação, seja em virtude de convenção ou de acordo
coletivo, seja em decorrência de estatuto ou regulamento de
empresa. Porque “desvinculada da remuneração”, os valores da
participação nos lucros, ou nos resultados, não mais
constituem salários e, assim, não podem ser computados: a)
para complementar o salário devido ao empregado; b) na base
de incidência dos depósitos do FGTS, das contribuições pre-
videnciárias e de outros tributos cujo fato gerador seja a
remuneração do empregado; c) no cálculo de adicionais,
indenizações e outras prestações que incidem sobre a
remuneração ou o salário. Daí ter o TST cancelado o seu
Enunciado n0 251.

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fls. 323

Aliás, o art. 218, IV, na própria


Constituição, no capítulo sobre ciência e tecnologia,
estabelece diretrizes explícitas no sentido de se dar apoio
e estímulo legal às empresas “que pratiquem sistema de
remuneração, que assegure ao empregado, desvinculada do
salário, participação nos ganhos econômicos, resultantes da
produtividade do seu trabalho”. Portanto, desde a vigência
da Constituição, não apenas o comando autônomo do inciso XI
do art. 7º, mas também o inciso IV do art. 218 da Magna
Carta afirmam a natureza não salarial da participação.
A participação nos lucros ou nos resultados
da empresa, por constituir parcela complementar da
remuneração do empregado, deveria ter natureza salarial;
mas, em face do estatuído na Lei Maior, não tem esse caráter
no sistema legal brasileiro. Neste sentido explicitou o art.
3º da Lei n0 10.101, de 2000.
Essa participação não se confunde com os
prêmios arbitrariamente outorgados pelo empregador,
porquanto ela decorre de imposição legal, convenção ou
acordo coletivo e, bem assim, do regulamento da empresa ou
de ajuste contratual, sendo devida desde que realizada a
condição prevista para a geração do direito do empregado.

III — Regulamentação da norma


constitucional

Somente com a Medida Provisória n0 794, de 29


de dezembro de 1999, inúmeras vezes renovada, foi
regulamentado o preceito constitucional em foco. Afinal, ela
foi convertida na Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000.
Em virtude do disposto na Carta Magna, todas
as empresas urbanas ou rurais estão obrigadas a conceder a
seus empregados participação nos lucros ou nos resultados.
Por não se tratar de empreendimento econômico, a precitada
lei exclui do seu campo de incidência: a pessoa física que,
obviamente, não esteja constituída em firma individual (art.
3º, I); a entidade sem fins lucrativos que preencha as
condições estabelecidas no art. 3º, II.

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fls. 324

A participação deve ser objeto de negociação,


por meio de um dos seguintes procedimentos, escolhido por
consenso (art. 2º):

a) comissão integrada pelas partes com um representante


indicado pelo sindicato da respectiva categoria;
b) convenção ou acordo coletivo;

Afigura-se-nos que a presença de


representante sindical não atribui à comissão o poder de
emitir normas de aplicação geral à empresa. Em face do
estatuído na Carta Magna, além da lei, somente a convenção
ou o acordo coletivo de trabalho firmado por entidade
sindical e a sentença normativa proferida por tribunal de
trabalho em dissídio coletivo possuem a normatividade
abstrata no campo das relações de trabalho; isto é, o poder
de criar norma aplicável, durante a sua vigência, aos que se
encontrem ou venham a encontrar-se na situação fática
geradora dos direitos e obrigações nela previstos (arts. 8º,
VI, e 114, § 2º). Ora, a comissão de empregados não se
confunde com a pessoa jurídica do sindicato. Demais disto, a
lei refere um representante indicado pela categoria, quando
é comum a coexistência de duas ou mais categorias
profissionais na mesma empresa”. As Medidas Provisórias
vinham insistindo nessa disposição, apesar da afirmação de
inconstitucionalidade pela Suprema Corte.
O art. 2º da Lei n0 10.101 dispõe:

“§ lº Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão


constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos
substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive
mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cum-
primento do acordado, periodicidade da distribuição, período de
vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser
considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições:
§ 2º O instrumento de acordo celebrado será arquivado na
entidade sindical dos trabalhadores”.

Por sua vez, reza o § 2º do art. 3º:

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fls. 325

“É vedado o pagamento de qualquer antecipação ou distribui-


ção de valores a título de participação nos lucros ou resultados da
empresa em periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de
duas vezes no mesmo ano civil”.

Como se vê, pela lei, o sindicato passa,


impropriamente, de representante da categoria a cartório,
embora seja uma pessoa jurídica de direito privado.
A Constituição e a lei cogitam da
participação nos lucros ou nos resultados, enunciando que as
duas expressões não foram referidas como sinônimas.
Lucro, evidentemente, é o lucro real. E por
que a Lei n 10.101 não o conceitua, devemos tomar para
0

modelo o conceito que resulta da legislação sobre o Imposto


de Renda: é aquele auferido pela empresa depois de deduzidas
as reservas e as despesas operacionais, nas quais se inclui
a participação concedida aos empregados, além dos reajustes
patrimoniais e deduções autorizadas.
Resultados, a nosso ver, são metas que podem
estar relacionadas com a produtividade, a produção, a renda
bruta, índices de venda ou de qualidade; numa empresa de
exportação de bens, com o volume total ou o valor em dólares
da exportação etc. São várias metas que podem ser
estipuladas pelo acordo coletivo entre a empresa e o
sindicato. Esse acordo tanto pode ter por objeto o lucro,
como um determinado resultado ou a combinação de ambos.
Consoante o estipulado no art. 4º da lei,
malogrando o acordo, as partes, por consenso, devem rumar
para a arbitragem ou para a mediação e depois para a
arbitragem. Na mediação, o mediador ouve as partes, estuda o
caso, propõe uma solução, que só é eficaz se aceita por
consenso. Na arbitragem, o consenso é para submeter o caso a
esse procedimento e para escolher o árbitro ou árbitros;
mas, uma vez emitido o laudo arbitral, ela tem eficácia
obrigatória, independentemente de homologação judicial.
O laudo arbitral só poderá ser anulado nos
casos de nulidade dos atos jurídicos: simulação, fraude etc.
A Lei no 10.101, repetindo disposição das medidas
provisórias, inovou o instituto de arbitragem, ao

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fls. 326

estabelecer que o árbitro só poderá escolher uma das ofertas


finais, cuja prática tem sido observada na Inglaterra. Isto
significa que se a oferta final da empresa for a de conceder
3% do lucro a título de participação e a proposta final do
sindicato dos trabalhadores pretender 36%, o árbitro só pode
escolher entre 3 e 36, ainda que considere que deve ser 17,
11, ou 20. Não creio que dê certo em nosso país.
Mas se não houver consenso para se obter a
mediação, é para submeter o caso à arbitragem ou para eleger
o árbitro? A nosso ver, se caracterizará um dissídio
coletivo. E, nessa hipótese, o acesso à Justiça do Trabalho
está garantido, seja pelo art. 5º, XXXV, seja pelo art. 114
da Constituição. O TST, porém, assim não entendeu, tendo o
seu presidente considerado impróprio impor a participação
por sentença normativa.

Capítulo III

DURAÇÃO DO TRABALHO

I — Fundamentos e universalização da
limitação do tempo de trabalho

Os fundamentos da limitação do tempo de


trabalho são:

a) de natureza biólogica, porque elimina ou reduz os


problemas psicofisiológicos oriundos da fadiga;
b) de caráter social, por ensejar a participação do trabalhador
em atividades recreativas, culturais ou físicas, propiciar-lhe a
aquisição de conhecimentos e ampliar-lhe a convivência com a
família;
c) de ordem econômica, porquanto restringe o desemprego e
aumenta a produtividade do trabalhador, mantendo-o efetivamente
na população economicamente ativa.

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fls. 327

Para alcançar esses objetivos, os limites


impostos ao tempo de trabalho contemplam vários aspectos:

a) jornada normal de trabalho;


b) intervalo intrajornada;
c) intervalo entre duas jornadas;
d) trabalho extraordinário;
e) descanso semanal.

Como registramos no Capítulo II, do Título I,


a primeira lei sobre o tema foi a inglesa, de 1947, que
limitou a jornada de trabalho a dez horas. O pioneirismo da
jornada de oito horas coube à Austrália, em 1901.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem
(ONU, 1948), no seu art. XXIV, alude à “limitação razoável
das horas de trabalho”’.
A OIT empresta tanta importância à duração do
trabalho, que sua Convenção n0 1, aprovada na Conferência
inaugural (Washington, 1919), dispôs sobre a jornada de oito
horas e a semana de quarenta e oito horas, com restrições ao
trabalho extraordinário. Em 1935, considerando que o
desemprego havia atingido dimensões preocupantes e que o
progresso técnico justificava a redução do tempo de
trabalho, resolveu a OIT aprovar a Convenção n0 47 sobre a
semana de quarenta horas. Esse diploma, no entanto, só foi
ratificado por quatro países. Por isso, objetivando atender
ao postulado da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
preferiu a OIT adotar a Recomendação n0 116/82, que propõe a
redução progressiva da duração do trabalho até alcançar a
semana de quarenta horas, com severas restrições ao trabalho
extraordinário.
A circunstância de a legislação comparada, em
diversos países, fixar a semana de trabalho em 48 horas não
tem impedido que os instrumentos da negociação coletiva
reduzam essa duração.

II — Duração do trabalho no Brasil

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fls. 328

A — Histórico — No capítulo III, do Título I,


ao qual nos reportamos, referimos as leis que, a partir de
1932, trataram da duração do trabalho e, bem assim, o que, a
respeito, dispuseram as Constituições, desde a de 1934.
B — Duração e horário de trabalho — Jornada
normal do trabalho é o tempo previsto no contrato de
trabalho, nos limites da lei ou de outras fontes de direito,
para a execução dos serviços contratados, sem o cômputo de
trabalho extraordinário. Na hipótese de compensação de
jornadas, as horas excedentes da jornada normal, até dez,
não são consideradas extraordinárias.
Horário de trabalho corresponde aos momentos
em que devem ter início e fim a jornada normal e seu
intervalo.
C — A Carta Magna e a CLT — A Constituição de
1988 limitou a jornada normal a oito horas e a duração
semanal a quarenta e quatro, em preceito aplicável aos
trabalhadores urbanos e rurais, salvo em se tratando de
empregados domésticos; mas facultou, mediante convenção ou
acordo coletivo, a compensação de horários e a redução da
jornada (art. 7º, XII, parágrafo único). Outrossim, limitou
a seis horas a jornada de trabalho em turnos ininterruptos
de revezamento, a não ser que os referidos instrumentos da
negociação coletiva disponham em contrário (art. 7º, XIV).
Obviamente, esses limites poderão ser
reduzidos por lei (para atividades profissionais que o
justifiquem), convenção ou acordos coletivos, regulamento de
empresa ou contrato de trabalho. Mas também poderá ter
flexibilidade sua aplicação em determinadas hipóteses, pelos
instrumentos da negociação coletiva. Na eventual contradição
ou incompatibilidade entre normas ou cláusulas, prevalecerá
a mais favorável ao trabalhador.
A competência privativa para legislar sobre o
Direito do Trabalho e, portanto, sobre a duração do trabalho
é da União (art. 22, I, da Constituição). Todavia, aos
Municípios cabe dispor sobre o horário de funcionamento dos
estabelecimentos e outros locais de trabalho, tendo em conta
o “interesse local” (art. 30, I, da Constituição). A chamada
semana inglesa, agora estimulada pela Carta Magna, tem
resultado de leis municipais que impõem o fechamento de

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estabelecimentos comerciais e similares na tarde de sábado


ou, em certos casos, na segunda-feira pela manhã.
Relativamente aos bancários, no entanto, é a lei federal que
proíbe o trabalho aos sábados e determina que a jornada de
trabalho situe-se entre sete e vinte e duas horas (art. 224,
da CLT). Aduza-se que o Município não poderá ordenar o
fechamento de estabelecimento ou a paralisação de atividades
que, em virtude de lei federal, podem funcionar sem solução
de continuidade, quer para atender a exigências técnicas
empresariais ou a imposições de ordem econômica, permanentes
ou ocasionais, quer por serem indispensáveis à vida da
comunidade.
O horário de funcionamento das repartições
públicas federais, estaduais e municipais, inclusive das
suas autarquias, é regulado pelos correspondentes poderes,
nas respectivas áreas de competência. Entretanto, o horário
de atendimento ao público das instituições integrantes do
Sistema Financeiro é fixado pelo Conselho Monetário
Nacional, com esteio no art. 4º, VIII, da Lei nº 4.595, de
1964.
Leis especiais têm reduzido a duração do
trabalho de diversas categorias profissionais.
D — Compensação de jornadas (Banco de horas)
— O art. 59, § 2º da CLT, com a redação advinda da Lei no
9.601, de 1998, e modificado pela MP no 1.709, do mesmo ano,
admitiu que, mediante convenção ou acordo coletivo de
trabalho, o excesso de horas em um ou mais dias seja
compensado pela correspondente diminuição em outro ou outros
dias, dentro do período máximo de um ano, observado, em
qualquer caso, o limite de dez horas diárias.
A anterior redação do precitado § 2º admitia
a compensação das jornadas por acordo escrito entre o
empregador e o empregado, limitado, porém, ao lapso semanal.
A nova redação do § 2º, do art. 59, explicita
que a compensação de horários só se legitima por meio de
convenção coletiva de categoria ou acordo coletivo de
empresa(s). Cumpre, pois, distinguir a prorrogação das
jornadas normais de trabalho, não resultante da redução
compensada de outras jornadas, conceituada como trabalho
extraordinário, que pode ser objeto de “acordo escrito entre

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empregador e empregado” (art. 59, caput, da CLT), da


prorrogação decorrente de redução ou supressão de outras
jornadas (“banco de horas”), que há de ser estipulada,
exclusivamente, por um dos instrumentos da negociação
coletiva (§ 2º do art. cit.). Desarrazoado, sem dúvida, é o
entendimento de que o mencionado dispositivo constitucional,
ao referir “acordo coletivo”. O TST, no entanto, tem
admitido a validade do acordo individual escrito entre o
empregador e seus empregados. Data venia, porém, é inques-
tionável que a expressão “acordo coletivo”, definida no art.
611, § lº, da CLT, é empregada pela Constituição como um dos
instrumentos normativos que formalizam a negociação co-
letiva.
Em caso de atividade insalubre, a compensação
de que trata o § 2º do art. 59, depende, a nosso ver5, de
prévia autorização do Ministério do Trabalho, nos termos do
art. 60 da CLT. A proteção à saúde do trabalhador, visando a
que não fique exposto ao agente agressor além dos níveis de
tolerância admitidos, deve ficar a cargo das autoridades
públicas competentes em matéria de segurança e medicina do
trabalho. O TST, porém, depois de prolongada divergência a
respeito, acabou aprovando o Enunciado n0 349 no sentido de
que a prorrogação da jornada normal decorrente de
compensação ajustada por convenção ou acordo coletivo
prescinde da inspeção prévia das referidas autoridades.
E — Trabalho a tempo parcial — Com a
finalidade de possibilitar maior número de empregos, a OIT
adotou, em 1944, a Convenção n0 175, complementada pela
Recomendação n0 182, sobre o trabalho a tempo parcial, já,
àquela época, de largo uso em diversos países. Entre nós, a
Medida Provisória n0 1.709, de 1998, que, em 24 de agosto de
2001, já havia sido renovada 41 vezes (n0 2.164-41),
disciplinou o trabalho a tempo parcial introduzindo na CLT o
art. 58-A, que considera “trabalho em regime de tempo
parcial aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas
semanais”. O salário será proporcional à duração ajustada,
em confronto com o percebido pelos “empregados que cumprem,
nas mesmas funções, tempo integral” (§ lº do art. 58-A).
A contratação de trabalhadores em regime de
tempo parcial resulta de ajuste direto entre ele e o

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empresário. Mas quanto àquele já contratado para trabalhar


mais de 25 horas semanais, a alteração contratual, visando a
fixar duração inferior, só poderá ocorrer na conformidade do
estipulado em acordo ou convenção coletiva (§ 2º do art.
cit.).
F — Turnos de revezamento — O art. 7º da
Constituição, no seu inciso XIV, fixou em seis horas a
jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento,
salvo negociação coletiva. Dirimindo controvérsia resultante
da inadequada redação dessa norma, a Suprema Corte, em
consonância com o TST, aprovou o Enunciado 675:

“Os intervalos fixados para descanso e alimentação durante a


jornada de seis horas não descaracterizam o sistema de turnos de
revezamento para o efeito do art. 7º, XIV, da Constituição.”

A jurisprudência, como se deduz, visou a


compensar a alteração constante do relógio biológico do
trabalhador, que ocorre pelo rodízio dos empregados em
turnos de revezamento.
Mediante convenção ou acordo coletivo, a
Carta Magna admite a estipulação de jornadas superiores a
seis horas, até oito horas, “sem que daí decorra qualquer
direito à percepção de horas extras”.
Nos serviços que exijam trabalho aos
domingos, quer se trate de horários fixos ou variáveis, a
CLT impõe a organização de escala de revezamento mensal e
constante de quadro sujeito à fiscalização (parágrafo único
do art. 67). Essa disposição, inaplicável aos elencos
teatrais e congêneres, objetiva assegurar a todos os
empregados, ainda que periodicamente, o descanso em domingo.
Mas essa escala concerne a revezamento de folga semanal e
não a turnos que se sucedem no curso da atividade
empresarial contínua, sendo, por isso, obrigatória mesmo
quando tratar-se de turnos fixos de trabalho.
Poderá o empregador substituir o regime de
revezamento de turnos pelo sistema de turnos fixos?
Afigura-se-nos que sim, porque a alteração do
horário de trabalho se situa no jus variandi atribuído ao
poder de comando da empresa e a fixação dos turnos de

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trabalho é, sem dúvida, favorável aos empregados, já que a


variação constante de horário é prejudicial ao relógio
biológico do ser humano.
G — Sobreaviso e BIP — Empregado de
sobreaviso é aquele que permanece no local ajustado com o
seu empregador para eventuais convocações, visando à
execução de determinados serviços. Esse regime foi previsto
pela CLT apenas para os ferroviários, em relação aos quais
permitiu a organização de escala de sobreaviso de até 24
horas, na própria residência, devendo as horas
correspondentes à escala ser remuneradas à razão de 1/3 do
salário normal (§ 2º do art. 244). É óbvio que, chamado a
prestar serviço, a jornada de trabalho será a da categoria
profissional, profissão ou empresa a que pertence o
respectivo trabalhador.
Com razão, MARCO AURÉLIO DE MELLO, hoje na
Suprema Corte, invocando a interpretação teleológica da
norma, levou o TST a admitir que o empregado afaste-se do
local ajustado, desde que nele deixe a informação de onde
possa ser encontrado e convocado para o serviço. E o TST
também tem decidido que “o regime de sobreaviso dos
ferroviários pode ser aplicado, por analogia, a outras
profissões”, tal como a dos eletricitários.
Às chamadas por BIP não se aplica, porém, a
precitada norma, se o trabalhador tiver liberdade de
locomoção, eis que não permanece à disposição do empregador
enquanto não atender ao chamado. Neste sentido firmou-se a
jurisprudência. Entendemos, no entanto, que o sobreaviso se
configurará nessa hipótese, se, em virtude de ajuste com o
empregador, obrigar-se o empregado a permanecer em
determinado local, a fim de atender rapidamente a eventual
convocação para o trabalho.
H — Horas in itinere — Essa expressão
significa o tempo correspondente à ida e volta da residência
do empregado ao local de trabalho, em transporte fornecido
pelo empregador. A Lei n0 10.244, de 2001, adicionou dois
parágrafos ao art. 58 da CLT, prescrevendo que esse tempo
não será computado na jornada de trabalho, salvo quando,
tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por
transporte público, o empregador fornecer a condução (§ 2º).

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fls. 333

Somente nestas duas hipóteses, portanto, o respectivo tempo


compõe a jornada de trabalho. E, se compõe, deve determinar
o pagamento do correspondente salário.
A mesma lei, todavia, ao dar nova redação ao
§ 2º do art. 458 da Consolidação, prescreveu que não é
salário-utilidade o transporte destinado ao deslocamento
para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por
transporte público”. Há, como se denota, uma aparente
contradição. Mas, como a mesma lei não pode dispor de forma
contraditória, devemos concluir que o custo de transporte
fornecido pelo empregador é que não pode ser computado como
salário.
I — Horário de trabalho e intervalos
compulsórios. A fixação dos momentos em que deve ter início
e fim a jornada normal de trabalho e, se for o caso, o
intervalo para descanso ou refeição configura o horário de
trabalho.
O horário de trabalho pode ser diurno,
noturno ou misto. Em virtude do que prescreve a CLT (art.
73, §§ 2º e 4º), considera-se diurno o horário que situa a
jornada de trabalho dentro do período compreendido entre as
5 e as 22 horas do mesmo dia; entende-se como noturno o
horário entre as 22 horas de um dia às 5 horas do dia
seguinte; finalmente, tem-se como misto o horário que
alcança, simultaneamente, períodos diurnos e noturnos.
Além do intervalo obrigatório de onze horas
consecutivas entre duas jornadas de trabalho (art. 66 da
CLT), obriga a lei brasileira que, no curso de cada jornada
de trabalho, seja observado o intervalo para repouso ou
alimentação do trabalhador:

a) quando a duração exceder a seis horas, de uma a duas


horas, podendo ser mais dilatado mediante acordo escrito entre o
empregador e o empregado, assim como por convenção ou acordo
coletivo art. 71);
b) de quinze minutos quando a jornada não exceder de seis
horas, mas for superior a quatro (§ 1º do art. cit.).

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fls. 334

Conforme tem decidido o TST, o intervalo


mínimo não pode ser reduzido por convenção ou acordo
coletivo.
O tempo dos intervalos acima mencionados não
é computável na duração da jornada do trabalho (2º do art.
71), o que não se verifica, por exceção com o repouso de dez
minutos, que, em face do disposto no art. 72, deve
corresponder a cada período de noventa minutos de trabalho
contínuo em serviços permanentes de mecanografia,
datilografia, escrituração ou cálculo executados por
processos mecânicos, operações em computadores ou outros
similares — intervalo que a jurisprudência estendeu,
acertadamente, aos digitadores. Também os intervalos
concedidos pelo empregador, não previstos em lei, constituem
tempo de serviço, devendo ser remunerados como serviço
extraordinário se ampliarem a jornada normal.
O intervalo para repouso e alimentação nas
jornadas superiores a seis horas pode ser autorizado, em
cada caso, pelo Ministério do Trabalho, depois de verificar,
com anuência obrigatória da Secretaria de Segurança e
Medicina do Trabalho, que o estabelecimento atende
integralmente às exigências concernentes à organização dos
refeitórios”, e, ainda assim, “quando os respectivos
empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a
horas suplementares” (§ 3º do art. 71).
Se o empregador determinar a prestação de
serviços no período destinado aos precitados intervalos, o
empregado, salvo em caso de força maior, poderá recusar-se a
fazê-lo. Se, no entanto, o fizer e ainda trabalhar durante
os dois turnos da jornada normal, o empregador terá de
pagar-lhe o serviço do intervalo com o salário acrescido de
50%, pelo menos, sujeitando-se, outrossim, à multa prevista
para a violação da respectiva norma legal (§ 4º do art. 71,
da CLT).
J — Fixação e alteração da jornada de
trabalho — A fixação da jornada normal de trabalho deve ser
expressamente pactuada ao ensejo da celebração do contrato
de trabalho e devidamente anotada na Carteira de Trabalho do
empregado e no Livro, fichas ou sistema eletrônico de
registro da empresa. Entretanto, o contrato pode ser verbal

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fls. 335

ou resultar de acordo tácito (art. 442 da CLT). Assim, na


falta de condição explicitamente pactuada, cumpre ser
investigada a existência de condição implícita. E, na
aferição da cláusula tácita sobre a duração normal do
trabalho, deve-se ter em vista, sobretudo, a praxe adotada
pela empresa.
Durante a vigência do contrato de trabalho,
poderá ser alterada a jornada ou duração normal do trabalho?
Em face do que dispõe o art. 468 da Consolidação, já
analisado neste livro, é óbvio que essa alteração não terá
validade quando oriunda da vontade de uma das partes. Mas,
ainda que por mútuo consentimento dos contratantes, somente
será lícita se não infringir disposição imperativa aplicável
e dela não resultar, direta ou indiretamente, prejuízo para
o empregado.
A Lei n0 4.923, de 1965, admite, em situações
excepcionais, recomendadas pela conjuntura econômica,
mediante acordo entre a empresa e a associação sindical
representativa dos seus empregados ou, malogrado o acordo,
por decisão da Justiça do Trabalho, a redução da jornada ou
dos dias de trabalho na semana, de forma a que a diminuição
dos ganhos não exceda 25%, aplicando-se a mesma redução aos
proventos e gratificações dos diretores e gerentes e
respeitado o salário mínimo. Nesta hipótese, não se faz
mister a comprovação do prejuízo, mas a iminência dele. O
objetivo dessa lei é evitar a ruína da empresa e, como
corolário, assegurar a sobrevivência do empreendimento
econômico e dos respectivos empregos. Ela foi recepcionada
pela Constituição (art. 7º, VI), salvo quanto à intervenção
da Justiça do Trabalho.
O art. 503 da CLT, que permitia a redução dos
salários por ato unilateral da empresa, foi revogado pelo
citado dispositivo da Lei Maior. Mas os casos de força maior
ou prejuízos suscetíveis de afetar substancialmente a
situação econômica da empresa, nele previstos, enquadram-se
no objeto da precitada Lei n0 4.923. É que o procedimento que
esta regula não concerne à redução salarial, visto que a
remuneração decresce na mesma proporção da redução da
jornada ou dos dias de trabalho. E, se decorrer de convenção
ou acordo coletivo, sua juridicidade não poderá ser

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fls. 336

contestada mesmo pelos que entendam tratar-se de redução


salarial, porquanto a flexibilização sob tutela sindical foi
admitida nessa hipótese.
K — Fixação, controle e alteração do horário
de trabalho — Na estipulação do horário de trabalho, isto é,
dos momentos em que devem ter início e fim a jornada normal
e seu intervalo, é maior o arbítrio da empresa. Em
princípio, ao empregador cabe essa fixação; há, porém,
restrições legais e contratuais a que ela deve subordinar-
se, inclusive a que impõe o intervalo mínimo de onze horas
entre duas jornadas (art. 66 da CLT).
Ainda pelo princípio de obediência às normas
jurídicas de maior hierarquia, terá o empregador de
respeitar as disposições que, sobre horário de trabalho, se
contiverem nos acordos coletivos e convenções que lhes forem
aplicáveis e nas sentenças normativas a respeito proferidas
pela Justiça do Trabalho.
Para os estabelecimentos — e não empresa —
com mais de dez empregados é obrigatória a anotação da hora
de entrada e de saída em registro manual (livro de ponto),
mecânico ou eletrônico, com pré-assinalação do intervalo
para repouso e alimentação (art. 74, § 2º). Essa obrigação
não persiste em se tratando de microempresa ou de pequeno
porte (art. 11 da Lei no 9.841, de 06.10.99).
A obrigatoriedade da instituição de
mecanismos de controle do horário de trabalho visa,
portanto, a proteger o empregado. Daí o Enunciado n0 338, do
TST, no sentido de que “omissão injustificada por parte da
empresa de cumprir determinação judicial de apresentação dos
registros de horário (CLT, art. 74, § 2º) importa em
presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na
inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrato”.
Para nós, a empresa tem o direito de alterar,
por ato unilateral, o horário de trabalho no curso da
relação de emprego (jus variandi), desde que:

a) não infrinja disposição de lei, de convenção ou acordo


coletivo ou de sentença normativa;
b) não conste do contrato estipulação consensual sobre sua
fixação;

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fls. 337

c) não haja transposição de horário diurno para misto ou


noturno, deste para diurno ou misto, ou, ainda, deste para diurno ou
noturno;
d) não objetive, maliciosamente, impedir a execução do con-
trato de trabalho.

Nas hipóteses das alíneas b e c, todavia a


alteração do horário poderá resultar de acordo bilateral
entre o empregador e o empregado, se desse novo ajuste não
advierem, direta ou indiretamente, prejuízos para o
trabalhador, sob pena de nulidade da alteração (art. 468 da
Consolidação).
A transferência de turno do empregado,
determinada por ato unilateral do empregador, importa, sem
dúvida, em alteração ilícita do contrato de trabalho (art.
468 da CLT). Nesse caso o trabalhador poderá pleitear
judicialmente a declaração da sua despedida indireta, com os
consectários legais. Entretanto, se ele aceitar a remoção,
perderá, em relação às horas diurnas, o respectivo
adicional.
L — Trabalho noturno — Segundo estabelece o §
2º do art. 73 da Consolidação, o trabalho noturno é
conceituado como o executado entre as 22 horas de um dia e
as 5 horas do dia seguinte. No entanto, em relação ao
trabalho rural, estatui o art. 7º da Lei no 5.S89, de 1973,
considerar-se “trabalho noturno o executado entre as 21
horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte, na lavoura, e
entre as 20 horas de um dia e as 4 do dia seguinte, na
atividade de pecuária”.
O trabalho noturno está sujeito a dupla
proteção:

a) quanto à duração, uma vez que a hora é sempre computada


como de 52 minutos e 30 segundos (§ 1º do art. 73) — regra que
não perdeu eficácia com a Constituição de 1988, visto que o seu art.
7º, IX, “apenas fixa a remuneração da hora noturna superior à
diurna, não fazendo qualquer menção à durabilidade da mesma”;
mas algumas categorias têm regência específica.
b) No que tange à remuneração, visto que, normalmente, o
empregado deverá receber o salário da hora noturna acrescido do

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adicional mínimo de 20% (art. 73). Tratando-se de trabalho rural, o


adicional será de 25% sobre a remuneração normal (parágrafo único
do art. 7º da Lei n0 5.889, de 1973).

O art. 73 da CLT estatuiu que “nos casos de


revezamento semanal ou quinzenal” não seria devido o
adicional de 20% sobre o salário das horas noturnas. Mas,
como já assinalamos, a Constituição de 1946, em preceito
repetido pela de 1967 e pela de 1988, determinou que a
remuneração do trabalho noturno seja sempre superior à do
trabalho diurno. Por via de conseqüência, tanto o STF como o
TST consubstanciaram em súmulas a jurisprudência iterativa e
predominante no sentido de que, no trabalho executado por
turmas de revezamento, os serviços prestados em horas
noturnas geram direito ao adicional de 20% sobre o salário-
hora ajustado.
A transferência do empregado para turno
diurno implica na supressão do adicional, porquanto este
possui natureza salarial, mas não se incorpora
definitivamente ao salário básico ou contratual.
M — Trabalho extraordinário — Toda vez que o
empregado prestar serviços ou permanecer à disposição do
empregador após esgotar-se a jornada normal de trabalho,
haverá trabalho extraordinário. E tal se configura, ainda
que a jornada normal haja sido estipulada pelos contratantes
com duração inferior à prevista, como limite máximo, pela
norma imperativa que lhes for aplicável. Na hipótese de
compensação de jornadas, como já vimos (item D deste
capítulo), elas podem chegar a dez horas. Por sua vez, as
variações de horário no registro de ponto até cinco minutos,
cuja soma não ultrapasse dez minutos diários, não são
consideradas extraordinárias (art. 58, § lº, com a redação
da Lei no 10.243, de 2001).
Em face do direito positivo brasileiro, as
prorrogações da jornada normal de trabalho, nas atividades a
que se aplica o sistema geral de duração do trabalho, podem
ocorrer nos seguintes casos, obedecida a forma discriminada
em cada um deles:

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fls. 339

a) mediante compensação de jornadas, em virtude de con-


venção ou acordo coletivo (art. 7º, XIII, da CF, e art. 59, § 2º, da
CLT);

b) por duas horas diárias mediante acordo escrito, individual


ou coletivo, ou convenção coletiva, sendo as horas suplementares
remuneradas com um acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o
salário-hora normal;

c) por duas horas diárias, durante o período máximo de 45


dias por ano, por ato unilateral do empregador, para recuperação do
tempo de serviço perdido com interrupção forçada do trabalho,
resultante de causas acidentais ou de força maior, mediante
autorização prévia da autoridade competente;

d) até 12 horas diárias, por ato unilateral do empregador, para


atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis, ou cuja
inexecução possa acarretar prejuízo manifesto, mediante pagamento
do salário pelas normas suplementares, com um acréscimo de 50%;

e) sem limite, em casos de força maior, por ato unilateral do


empregador, mas com o adicional de 50% sobre o salário-hora
normal.

Nos casos mencionados nas alíneas d e e, a


prorrogação da jornada normal requer que o empregador:

a) comunique ao órgão local ou regional do Ministério do


Trabalho, dentro de dez dias, a determinação do trabalho
extraordinário e os motivos que o subordinaram;

b) prove aos inspetores do Ministério do Trabalho, se houver


reclamação dos seus empregados, a veracidade do evento invocado
para proteger a jornada normal do trabalho;

c) remunere o trabalho suplementar dos seus empregados na


base do salário-hora normal, acrescido de 50% (neste ponto o art.
61 da CLT foi alterado pelo inciso XVI do art. 7º da Constituição);

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fls. 340

d) observe, se for o caso, a jornada máxima de doze horas, no


curso da prorrogação excepcional.

Por vezes, a necessidade imperiosa a que


alude o art. 61 da Consolidação impõe a prorrogação da
jornada normal de trabalho. Todavia, pode o evento
considerado como de força maior ou resultante de causas
acidentais subordinar a paralisação temporária, parcial ou
total, das atividades da empresa. E, nesta hipótese,
possibilita a lei (§ 3º do art. 61 da CLT) que,
posteriormente, seja prorrogada a jornada normal do tra-
balho, pelo número de dias indispensáveis à recuperação do
tempo perdido com a interrupção, até o máximo de quarenta e
cinco dias por ano. Essa compensação, no entanto, não poderá
exceder de duas horas diárias e depende de prévia
autorização do Ministério do Trabalho. Cumpre assinalar,
entretanto, que, neste caso, não será devido o salário
adicional.
A Convenção nº 1 da OIT sobre a duração do
trabalho na indústria e similares só admite prorrogação
transitória ou episódica da jornada normal de trabalho,
razão por que o nosso país não a ratificou, Por via de
conseqüência, o trabalho extraordinário está se convertendo
em trabalho ordinário, concorrendo assim para agravar o
desemprego, ampliar os infortúnios do trabalho (os índices
de freqüência e gravidade dos acidentes crescem durante as
horas extras), tornar o trabalhador um aposentado precoce da
Previdência Social e reduzir-lhe o tempo de convívio
familiar.
O acordo de prorrogação da jornada normal de
trabalho não se incorpora, de forma permanente, no contrato
de trabalho. O serviço suplementar deve sempre ser
considerado exceção e, sob esse prisma, interpretadas as
normas que o regem. Daí entendermos que o acordo por tempo
indeterminado poderá ser denunciado mediante simples aviso
prévio de qualquer das partes, salvo em se tratando de
prorrogação relativa ao “banco de horas”. Por isso mesmo, o
TST cancelou o Enunciado 76, que considerava integrante do
salário, para todos os efeitos legais, o adicional pago por
mais de dois anos ou durante todo o contrato, O que esse

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fls. 341

Tribunal admite é a denúncia, a qualquer tempo, pelo


empregador, do acordo de prorrogação da jornada normal de
trabalho, mediante o pagamento ao empregado de uma
indenização proporcional ao valor da remuneração mensal das
horas suplementares suprimidas e o tempo em que perdurou a
prorrogação ajustada da jornada normal de trabalho.
As horas de trabalho extraordinário
executadas em horário noturno determinam o pagamento do
salário-hora normal acrescido dos dois adicionais
compulsórios. Mas, como escrevemos em outro livro, a dupla
majoração que incide sobre o salário-hora “não é apenas a
soma das duas percentagens devidas como adicionais do
trabalho noturno e do trabalho suplementar. A percentagem
correspondente â hora extraordinária deve incidir sobre o
salário noturno já majorado”.

Capítulo IV

REPOUSO SEMANAL E EM FERIADOS

I — Fundamentos e objetivos

A origem do repouso semanal é


caracteristicamente religiosa. E foi a própria força da
religião que impôs sua observância, ainda quando inexistiam
leis determinantes da interrupção semanal do trabalho. Por
sua vez, a paralisação do trabalho nos dias de festas,
considerados dias de purificação, desenvolveu-se na Roma
antiga e atingiu o seu auge na fase de esplendor das
corporações medievais. Em parte, tinham caráter religioso;
em parte, destinavam-se a comemorações de grandes
aniversários históricos, do princípio e fim de colheitas
etc.
Modernamente, entretanto, depois do advento
da Revolução Industrial e da universalização do Direito do
Trabalho, a instituição do repouso semanal esteia-se em
razões diversas, análogas às que enumeramos quando do exame
da limitação do tempo do trabalho.

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fls. 342

Os fundamentos religiosos do descanso semanal


continuam ainda a determinar o dia da semana em que o
trabalho deve ser interrompido.
A finalidade dos feriados civis e religiosos,
embora também possam propiciar o atendimento dos objetivos
visados pelo repouso semanal, tem caráter diverso, uma vez
que visam a permitir ao trabalhador e sua família participar
das comemorações de acontecimentos e datas de grande
significação universal, nacional ou religiosa.
Quanto aos fundamentos históricos e às normas
internacionais sobre o repouso semanal, cumpre registrar o
Tratado de Versailles e as Convenções da OIT n0 14, de 1921
(Indústria), e 106, de 1957 (Comércio e Escritórios).
Em nossas leis, a partir de 1932, inúmeros
decretos legislativos trataram da duração do trabalho e do
descanso semanal.
Hoje o direito do empregado ao repouso
hebdomadário está consagrado em diversas constituições,
inclusive na do Brasil (art. 7º, XV).

II — Repouso semanal

A — Campo de Aplicação — A Constituição


brasileira de 1988 assegura o repouso semanal remunerado
preferentemente aos domingos, aos trabalhadores urbanos e
rurais (art. 7º, XV) e explicita que esse direito alcança os
empregados domésticos e os trabalhadores avulsos (art. cit.,
XXXIV).
B — Duração e dia do repouso — A duração do
repouso semanal será sempre de 24 horas consecutivas (art.
67 da CLT, e art. 1º da Lei n0 605, de 1949), tal como
recomendam as convenções internacionais pertinentes ao
assunto. Esse descanso não se confunde, entretanto, com o
que decorre do intervalo mínimo de 11 horas entre duas
jornadas de trabalho, ao qual se soma.
O repouso semanal é obrigatório; mas, para
não recair em domingo, é indispensável que a empresa esteja,
no todo ou em parte, autorizada a empreender atividade
contínua. Contudo, ainda nesta hipótese, o descanso

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hebdomadário deverá coincidir com o domingo, pelo menos em


cada sete semanas; mas, no comércio varejista, uma folga
mensal aos domingos será obrigatória. Em tais casos, cumpre
à empresa organizar a escala de revezamento, salvo em se
tratando de elencos teatrais e congêneres (parágrafo único
do art. 67 da CLT).
A Lei n0 10.101, de 2000, numa redação
imperfeita, autorizou o trabalho aos domingos no comércio
varejista e preceituou que o repouso semanal coincida, pelo
menos uma vez, no período de quatro semanas, com o domingo,
“respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e
outras previstas em acordo ou convenção coletiva” (art. 6º).
Entendemos que o acordo ou a convenção coletiva é condição
essencial para que essa atividade se realize aos domingos,
observado, obviamente, o repouso em outro dia da semana. A
nosso ver, a referência a “acordo ou convenção coletiva”
induz à conclusão de que o trabalho aos domingos no comércio
varejista está condicionado ao ajuste com o sindicato
representativo dos empregados. Mas há decisões
contraditórias a respeito, prevalecendo as que dispensam o
instrumento de negociação coletiva.
Releva ponderar que a falta do empregado ao
serviço, durante a semana, não isenta a empresa de conceder-
lhe o repouso semanal. É certo que a lei condiciona o
pagamento da remuneração do dia de descanso obrigatório ao
fato de ter o empregado “trabalhado durante toda a semana
anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho”
(art. 6º da Lei n0 605). Todavia, essa regra legal concerne,
tão-somente, à remuneração do repouso semanal e em feriado,
não podendo, obviamente, gerar a extinção do direito ao
descanso. O trabalho prestado em domingos e feriados é pago
em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa do repouso
semanal.
A supressão do trabalho aos sábados vem-se
generalizando, já agora facilitada pela redução para 44
horas da duração normal do trabalho semanal e facultada a
compensação de jornadas pelos instrumentos da negociação
coletiva (art. 7º, XIII).

III — Feriados civis e religiosos

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A matéria é objeto da legislação


infraconstitucional, visto que a Carta Política de 1988
omitiu-se a respeito.
Em face do estatuído no art. 11 da Lei n0 605,
de 1949, a decretação de feriados civis compete, sem
qualquer limite, à União, através de lei federal, cabendo à
Assembléia Legislativa de cada Estado declarar a
correspondente data magna. Por sua vez, incumbe ao Poder
Legislativo de cada município declarar, em face da tradição
local e até o máximo de quatro, nestes incluída a Sexta-
Feira da Paixão, quais os respectivos feriados religiosos.
A Lei no 662, também de 1949, dispôs:

“Art. 1º São feriados nacionais os dias 1º de janeiro, 1º de


maio, 7 de setembro, 15 de novembro e 25 de dezembro”.

A Lei n0 6.802, de 30.6.80, declarou feriado


nacional o dia 12 de outubro, consagrado a Nossa Senhora da
Aparecida.
Como veremos adiante, algumas atividades são
empreendidas em caráter contínuo. Nelas, os respectivos
trabalhadores terão direito a perceber salário dobrado,
salvo se o empregador determinar outro dia de folga (art. 9º
da Lei n0 605 cit.).

IV — Autorizações para o trabalho em dias


de repouso

A precitada Lei no 605 prescreve que o


trabalho contínuo da empresa resulta das suas “exigências
técnicas”, como tais consideradas “as que, pelas condições
peculiares às atividades da empresa, ou em razão do
interesse público, tornem indispensável a continuidade do
serviço” (art. 5º).
Dispondo sobre as atividades que,
permanentemente, podem ser executadas nos domingos e
feriados, a própria Lei n0 605 inclui, desde logo, as
empresas de serviço público e as de transporte (parágrafo

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único do art. 10). E o regulamento dessa lei, aprovado pelo


Decreto n0 27.048, de 1949, em relação que se ampliou,
autorizou o trabalho contínuo em 58 atividades. O mesmo
regulamento prevê duas hipóteses em que, a título eventual,
será também permitida a prestação de serviços dos domingos e
feriados:

a) quando ocorrer motivo de força maior, cumprindo à em-


presa justificar a ocorrência perante a autoridade regional do
trabalho, no prazo de 10 dias;
b) quando, para atender a realização ou conclusão, de
serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo
manifesto, a empresa obtiver permissão da mencionada autoridade,
com discriminação do período autorizado, o qual, de cada vez, não
excederá de 60 dias, cabendo neste caso a remuneração em dobro
(art. 8º).

Na hipótese da alínea a, o trabalho nos dias


de repouso independe da prévia autorização da autoridade do
Ministério do Trabalho; mas a ocorrência de motivo de força
maior deve ser comunicada e justificada perante aquela
autoridade, dentro do prazo de dez dias.
Na hipótese da alínea b, todavia, o trabalho
aos domingos e feriados dependerá de prévia autorização do
órgão regional do Ministério do Trabalho, não podendo o
período de trabalho contínuo autorizado ultrapassar 60 dias.
Se persistirem as razões determinantes da autorização, após
a fluência dos primeiros 60 dias, tornar-se-á necessária
nova permissão.

V — Remuneração dos dias de repouso

Somente em 1957 e, ainda assim limitado ao


comércio e escritórios, a OIT dispôs que os salários não
deviam sofrer redução em virtude de descanso semanal
(Convenção n0 106).
No Brasil, apenas com a promulgação da
Constituição Federal de 18.9.46, foi instituída a
obrigatoriedade da remuneração dos feriados e dias de

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repouso semanal (art. 157, VI). Esse preceito, regulamentado


pela Lei n0 605, de 5.1.49, foi mantido pelas Cartas Magnas
de 1967 (art. 165, VII) e de 1988 (art. 7º XV).
Tratando-se de ausência por enfermidade, se a
empresa possuir serviço médico ou por convênio, caber-lhe-á
abonar a falta.
Caso contrário, será observada a ordem
constante do art. 60, § 2º, da Lei n0 605, transcrito na nota
8. A assiduidade integral do empregado, como condição
essencial ao pagamento do salário do repouso, foi consagrada
pela Lei n0 605, admitindo-se a falta ao trabalho nas
hipóteses legalmente justificadas.
As regras alusivas ao cálculo da remuneração
dos dias de repouso obrigatório foram explicitamente
previstas no art. 7º da Lei n0 605, de 1949, que passou a
vigorar com a redação que lhe deu a Lei no 7.415, de 1985.
Dirimindo a controvérsia sobre o cômputo das horas extras
habituais no cálculo da remuneração do repouso semanal e em
feriados, essa lei determinou que tal remuneração
corresponderá:

“a) para os que trabalham por dia, semana, quinzena ou mês, à


de um dia de serviço, computadas as horas extraordinárias
habitualmente prestadas;

b) para os que trabalham por hora, à de sua jornada normal


de trabalho, computadas as horas extraordinárias habitualmente
prestadas” (art. 7º).

Por conseguinte, o diarista receberá, durante


o repouso semanal, o salário de um dia de trabalho; o
empregado que recebe por semana, por quinzena ou por mês
terá direito, igualmente, ao salário de uma diária, que se
obtém dividindo a importância total recebida pelo número de
dias de trabalho da semana, da quinzena ou do mês. Os
horistas receberão o salário médio das jornadas de trabalho
da semana anterior.
No concernente aos tarefeiros e peceiros,
estatui o art. 7º que a remuneração será:

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fls. 347

“c) para os que trabalham por tarefa ou peça, o equivalente ao


salário correspondente às tarefas ou peças feitas durante a semana,
no horário normal de trabalho, dividido pelos dias de serviço
efetivamente prestados ao empregador”.

Para o empregado que trabalha em domicílio, a


remuneração do descanso hebdomadário será obtida
similarmente à dos tarefeiros e peceiros, isto é, dividindo-
se por seis a importância total recebida pela produção da
semana (art. 7º, alínea d). Uma diferença existe, todavia: é
que, não estando o empregado em domicílio sujeito a horário
de trabalho, pois o seu serviço não é prestado sob
fiscalização direta do empregador, não se poderá falar em
horas extraordinárias.
Para os trabalhadores avulsos, que prestam
serviços agrupados, por intermédio de sindicato, caixa
portuária ou entidade congênere, como os operários
estivadores e portuários, a remuneração do repouso
obrigatório consistirá no pagamento de 1/6 dos salários
recebidos pelo trabalhador, pago no ato da entrega dos
salários auferidos (art. 3º).
A jurisprudência sobre o direito dos que
trabalham à base de comissão foi consolidada no Enunciado n0
27 do TST:

“É devida a remuneração do repouso semanal e dos dias


feriados do empregado comissionista, ainda que pracista.”

Conforme escrevemos em outro livro


“comprovado que o salário do comissionista compõe-se de duas
parcelas, uma de contraprestação dos serviços alusivos aos
negócios ultimados e outra, não inferior a 1/6 da primeira,
remuneratória dos dias de repouso obrigatório, atendida
estará a Lei n0 605 com só o pagamento das comissões. Não se
trata, nessa hipótese, de salário complessivo, pois as duas
parcelas distintas estão especificadas no ajuste”.
Freqüentemente, pode o feriado recair em
domingo. Considerando que o objetivo da remuneração dos
feriados é possibilitar que o trabalhador participe das
comemorações ou cerimônias atinentes aos eventos históricos

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fls. 348

ou religiosos que lhes correspondem — o que será atendido


pela remuneração do dia de repouso semanal que coincide com
o feriado, esclareceu o Regulamento, aprovado pelo Decreto n0
27.048, que:

“não serão acumuladas a remuneração do repouso semanal e a


do feriado civil ou religioso que recaírem no mesmo dia (§ 3º do
art. 11).”

Quanto ao valor da remuneração do dia de


repouso trabalhado, reza o Enunciado n0 146 do TST:

“o trabalho realizado em dia feriado, não compensado, é pago


em dobro e não em triplo”.

Capítulo V

FÉRIAS REMUNERADAS

I — Fundamentos e objetivo

Conforme assinalamos em outro livro, “a


instituição do repouso anual compulsório esteia-se nas
mesmas razões que fundamentam as distintas formas de
limitação do tempo de trabalho. Releva assinalar, no
entanto, que a simples inatividade não elimina, por si só, a
fadiga gerada pelo trabalho, sendo conveniente que, nas
horas de descanso, o trabalhador dedique-se a atividades de
natureza diferente das que executa profissionalmente, em
ambiente diverso daquele que encontra na empresa, a fim de
restaurar o seu equilíbrio biológico. E é inegável que,
dentre as pausas compulsórias, a que melhor propicia essa
restauração é a licença anual remunerada, porquanto permite
ao trabalhador subtrair-se do local onde quotidianamente
realiza suas tarefas, possibilitando-lhe afastar-se do meio
onde as executa e das coisas ou situações que as lembram.”’
Daí a importância da gratificação compulsória das férias,

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fls. 349

determinada pela Constituição brasileira de 1988, no inciso


XVII do art. 7º:

“Gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um


terço a mais que o salário normal.”

II — Antecedentes históricos e
universalização

No século XIX, funcionários públicos de


diversos países conquistaram o direito a férias remuneradas.
E, em 1872, na Inglaterra, foi promulgada a primeira lei
assegurando esse direito aos operários da indústria. Mas
somente em 1919 foi sancionada, na Áustria, a primeira lei
concedendo o direito a férias anuais remuneradas a todos os
assalariados. Antes, porém, dessa lei, o Ministro da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Brasil estendera o
direito a férias anuais de 15 dias, em 1890, aos
ferroviários da Estrada de Ferro Central do Brasil.
A legislação sobre o tema universalizou-se
após o Tratado de Paz de 1919, sendo que, em alguns países,
inclusive no Brasil, esse direito foi elevado à categoria de
garantia constitucional.
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos
do Homem consagrou as férias periódicas e o lazer como
direitos fundamentais do trabalhador (art. XXIV).
Somente em 1936, a OIT tratou da matéria,
tendo sido adotada, em 1970, a Convenção n0 132, de ampla
incidência, a qual reuniu as de 1936 e 1952. Esse novo
tratado, ratificado pelo nosso país2, estabelece que as
férias anuais remuneradas devem corresponder, pelo menos, a
três semanas de trabalho por ano de serviço. Prescreve,
ainda, que a cessação do contrato após seis meses de serviço
determina a concessão de férias proporcionais; que os
feriados oficiais ou decorrentes do costume não são
computados no período de gozo; que as ausências ao serviço
por motivo independente da vontade do empregado devem ser
contadas como dias de serviço; que o fracionamento das

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fls. 350

férias poderá ser autorizado pela lei nacional, desde que um


dos períodos não seja inferior a duas semanas.

III — Direito positivo nacional

A — Campo de aplicação — As regras gerais do


Capítulo IV, do Título II, da CLT, são aplicáveis a todas as
atividades econômicas e profissionais, salvo as de
professores, marítimos, domésticos e trabalhadores avulsos,
em relação aos quais vigoram normas especiais.
B — Período aquisitivo — O sistema legal
distingue nitidamente dois períodos: o de aquisição do
direito e o de gozo das férias. A cada ciclo de doze meses
de vigência do contrato de trabalho, seja este por prazo
determinado ou indeterminado, o empregado adquire o direito
de usufruir um período de trinta dias de férias remuneradas,
o qual se reduz em proporção ao número de faltas não
autorizadas por lei ou justificadas pelo empregador.
Variando a duração das férias na proporção do
número de dias em que, no curso do período aquisitivo, ficou
o empregado à disposição do empregador, é óbvio que o
legislador quis referir-se ao conceito amplo de tempo de
serviço, abrangendo, portanto, o período de aviso prévio,
ainda que sem prestação de serviço, o afastamento
compulsório da gestante, etc. O inciso IV do art. 131 ditou
a regra em virtude da qual, sempre que não for “determinado
o desconto do correspondente salário”, entender-se-á que o
empregador aceitou a justificação da falta. Consagrou,
assim, a lição da doutrina, para quem, se há pagamento do
salário, o contrato de trabalho executou-se na respectiva
jornada, não se caracterizando, para nenhum efeito, a
hipótese de falta do empregado ao serviço. Destarte, a im-
pontualidade na chegada ao trabalho e a saída antecipada não
poderão ser computadas como faltas injustificadas para
efeito de férias.
A concessão de auxílio-doença até seis meses,
continuada ou interpoladamente, inclusive em caso de
acidente do trabalho, também é considerada falta justificada
para efeito de férias (art. 133, IV). Da mesma forma, não

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fls. 351

são consideradas faltas ao serviço, para os efeitos do


direito a férias, os “dias em que não tenha havido serviço”.
qualquer que tenha sido a causa da paralisação da empresa,
estabelecimento ou setor, “salvo na hipótese do inciso III
do art. 133”; isto é, quando a, interrupção dos serviços
ultrapassar 30 dias consecutivos, extinguir-se-á o período
aquisitivo em curso, sem o gozo, ainda que proporcional, das
respectivas férias, tal como exporemos no exame daquele
inciso.
A prestação do serviço militar obrigatório
suspende a fluência do período aquisitivo de direito a
férias, desde que o empregado retorne à empresa dentro de 90
dias da sua baixa (art. 132). Esse dispositivo consubstancia
uma exceção ao princípio da continuidade do período
aquisitivo do período de férias, ao determinar apenas a
suspensão do seu curso.
O art. 133 da CLT trata da interrupção
extintiva do direito a férias:

“Não tem direito a férias o empregado que, no curso do


período aquisitivo:
I — deixar o emprego e não for readmitido dentro de 60 dias
subseqüentes à sua saída;
II — permanecer em gozo de licença, com percepção de
salários por mais de 30 dias;
III — deixar de trabalhar, com percepção de salário, por mais
de 30 dias, em virtude de paralisação parcial ou total dos serviços
da empresa; e
IV — tiver percebido da previdência social prestações de
acidente do trabalho ou de auxílio-doença por mais de 6 meses,
embora descontínuos.”

A contrario sensu, é óbvio que, em se


verificando qualquer das hipóteses acima enumeradas, mas por
prazo inferior aos fixados, o empregado não perde o direito
a férias; apenas será reduzido o período de gozo, em
proporção ao número de dias que permanecer à disposição do
empregador nos 12 meses atinentes ao período aquisitivo.
C — Período de gozo — Assegurando 30, 24, 18,
12 dias corridos de férias (sempre múltiplos de três, para

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fls. 352

propiciar a conversão de 1/3 em abono pecuniário), conforme


o número de faltas injustificadas do empregado no
correspondente período aquisitivo, certo e que o art. 130
adotou o princípio das férias proporcionais.
As disposições da precitada Convenção n0 132
não podem alterar as condições mais favoráveis ao
trabalhador decorrentes de lei, sentença, costume ou acordo
(art. 19, § 8º, da Constituição da OIT). Ela exclui os
feriados que ocorrerem no período de gozo (art. 6º), fixado
em três semanas; mas pela nossa CLT a duração é de trinta
dias, mais benéfica, portanto, Neste ponto estou alterando
posição anteriormente adotada.
Também em relação aos empregados domésticos,
como acentuou LUIZ ARTHUR DE MOURA, em excelente artigo
sobre a Convenção, não foi derrogado o art. 3º da Lei n0
5.859, de 1972, porquanto os vinte dias úteis que assegura à
referida categoria profissional não incluem nem os feriados,
nem os repousos semanais.
Razão por que derrogou nesse ponto o art. 130
da Consolidação, que refere sempre “dias corridos”. Pela
Convenção, se nos doze meses do período aquisitivo os
serviços prestados não totalizaram o exigido para o lapso
completo das férias, o empregado terá direito a um descanso
proporcional (art. 4º); mas, nessa hipótese, os serviços,
ainda que interpolados (p. ex.: trabalho na construção civil
ou nas safras agrícolas), deverão somar o período mínimo
estipulado em lei nacional (art. 5º, § lº), não podendo esta
fixá-lo acima de seis meses (art. 5º, § 2º).
As férias devem ser gozadas nos doze meses
subseqüentes à aquisição do direito, cabendo ao empregador
determinar a época da concessão (arts. 134 e 136). Vencido
esse prazo sem que a empresa as tenha concedido, o empregado
poderá requerer seu deferimento à Justiça do Trabalho, com
direito à remuneração em dobro, além de multa diária
cominada até cumprimento da sentença (art. 137).
A época da concessão das férias, isto é, os
dias em que a interrupção remunerada da prestação de
serviços terá início e fim, será a que melhor consultar aos
interesses do empregador (art. 136). Mas essa faculdade
sofre três limitações:

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fls. 353

a) terá de ser exercida no decurso dos 12 meses subseqüentes


ao término de cada período aquisitivo (art. 134);
b) os membros de uma família, que trabalharem no mesmo
estabelecimento ou empresa, têm o direito de usufruir as suas férias
no mesmo lapso, se assim o desejarem e disso não resultar prejuízo
para o serviço (art. 136, § 1º);
c) o estudante, menor de 18 anos, tem o direito de fazer
coincidir as férias trabalhistas com as férias escolares (art. 136, §
2º).

Em virtude da regra estatuída no caput do


art. 134, o empregado deverá gozar suas férias, por inteiro,
dentro dos 12 meses subseqüentes ao término do respectivo
período aquisitivo. Como já decidiu o TST, quando parte do
período de gozo das férias ultrapassar o prazo do qual
deveriam ser concedidas, impõe-se o pagamento em dobro da
respectiva remuneração no que tange aos dias excedentes.
O princípio da continuidade das férias está
consagrado no caput do art. 134. Mas o § 1º do mesmo
dispositivo abre uma exceção:

“Somente em casos excepcionais serão as férias concedidas


em dois períodos, um dos quais não poderá ser inferior a 10 (dez)
dias corridos.”

Essa exceção, porém, não se aplica aos


menores de 18 e aos maiores de 50 anos de idade (§ 2º).
A regra e a exceção são objeto da precitada
Convenção n 132, cujo art. 80, § 2º, preceitua que a lei
0

poderá, ou não, autorizar o fracionamento das férias.


Portanto, é possível permiti-lo em determinadas situações;
mas, se o fizer, um dos períodos não poderá ser inferior a
duas semanas (art. 8º, § 2º). Nessa exigência a Convenção
derrogou o estatuído no § 1º do art. 134 da CLT, que
estabelecia o limite de dez dias para uma das frações do
fracionamento. Ora, com a conversão de 1/3 das férias em
abono pecuniário, autorizada pelo art. 143 da Consolidação,
dificilmente uma das frações corresponderá a duas semanas.

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fls. 354

Somente por convenção ou acordo coletivo o tratado da OIT


permite a flexibilização dessa regra.
D — Férias coletivas — Em face do estatuído
no caput do art. 139, constituem férias coletivas as
concedidas, simultaneamente, a todos os empregados:

a) da respectiva empresa;
b) de um ou mais estabelecimentos ou setores da empresa.

Embora as férias coletivas possam ser objeto


de acordo coletivo entre a empresa e a entidade sindical
representativa dos seus empregados, ou de convenção entre
essa entidade e a da correspondente categoria econômica
(art. 611), certo é que, à falta de tais instrumentos,
caberá ao empregador, por ato unilateral, decidir quanto ao
regime e à época das férias dos seus empregados.
Ao empregador incumbe comunicar essa opção ao
órgão local do Ministério do Trabalho, com a antecedência
mínima de 15 dias (§ 2º e 3º do art. 39).
E — Remuneração — Para que o empregado esteja
em gozo de férias é indispensável que, durante o período de
interrupção da prestação de serviços, ele perceba o salário
resultante do seu trabalho, devido na data da sua concessão
(art. 142). E esse salário deve ser pago até dois dias antes
de iniciar-se o gozo das férias (art. 143), sob pena de o
empregado poder exercer o seu direito de resistência e o
empregador ser punido com multa administrativa. Mas, se o
empregado não exercer esse direito, preferindo gozar férias
sem receber previamente essa remuneração, o empregador,
embora sujeito a penalidades, não terá de concedê-las
novamente.
O art. 143 da CLT faculta ao empregado
converter 1/3 do período de gozo de férias a que tiver
direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe
seria devida nos dias correspondentes. Portanto, se o
empregado tiver direito a 30 dias de férias e se valer desse
poder legal, gozará 20 dias corridos de repouso, receberá a
remuneração atinente a esses dias e mais o precitado abono
no valor de 10 dias de salários. Com isso, os empregados
que, com a remuneração normal de férias, não tiverem

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fls. 355

condições de usufruir adequadamente o período total do


licenciamento, poderão melhor aproveitar os 2/3 desse
período, recebendo, além daquela remuneração e de metade do
130 salário, o abono de que trata o dispositivo em foco.
Trata-se “de uma opção a ser feita pelo
empregado, a que o empregador não se poderá opor”, salvo se
não manifestada no prazo legal. Direito potestativo,
portanto, cuja eficácia opera-se pela simples declaração de
vontade do seu titular.
Em virtude do preceituado no art. 7º, XVII,
da Constituição de 1988, o empregado em gozo de férias
deverá ser remunerado “com, pelo menos, um terço a mais do
que o salário normal”. A lei ordinária poderá, portanto,
majorar o valor dessa gratificação compulsória; mas, desde
já, ela deverá corresponder a um terço do salário normal.
Que salário normal? A nosso ver, o pertinente ao gozo das
férias, posto que se trata de um adicional à remuneração, de
índole gratificante, devida nesse período. E essa prestação
é devida ainda que se trate de férias não gozadas.
O abono facultado ao empregado e essa
gratificação compulsória completam-se.
F — Efeitos da terminação do emprego —
Consoante escrevemos alhures, “se ocorrer a cessação do
contrato de trabalho, qualquer que seja a sua causa, depois
de ter o empregado adquirido o direito às férias, será
juridicamente impossível a interrupção remunerada da
prestação de serviços. Daí por que a obrigação do empregador
transforma-se, ipso jure, na obrigação de pagar ao
trabalhador a remuneração simples ou em dobro, conforme o
caso, concernente aos dias de repouso anual cujo direito
adquirira”. Nesta hipótese há que se computar a prestação
instituída pela Constituição, porquanto o empregado já
adquirira o direito que se satisfaz mediante conversão da
natureza da obrigação.
Já no que tange a períodos aquisitivos
incompletos, cumpre distinguir duas situações:
Em virtude da ratificação da Convenção da OIT
n 132, o TST deu nova redação às súmulas correspondentes aos
0

seguintes enunciados:

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fls. 356

“171 — Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa


causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao
pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que
incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses;
261 — O empregado que se demite antes de completar 12
(doze) meses de serviço tem direito a férias proporcionais.”

Em ambas as hipóteses a nova gratificação


computada no crédito compensatório, visto que trabalho não
foi denunciado pelo empregado rescindido em virtude de falta
por ele praticada.

Capítulo VI
SEGURANÇA E MEDICINA
DO TRABALHO

I — Universalização da proteção ao ambiente


de trabalho

Como registramos no Capítulo II, Seção II, do


Título 1, ao qual nos reportamos, coube à Inglaterra, por
iniciativa de PEEL e OWEN, legislar, no início do século
XIX, sobre a higiene nas fábricas, visando à proteção do
menor.
O desenvolvimento industrial no Reino Unido,
nos Estados Unidos da América e na França, assim como a
criação do seguro de acidentes do trabalho no país de
BISMARCK, em 1889, motivaram e incrementaram a adoção de
medidas objetivando a prevenção de acidentes, aos quais as
doenças profissionais vieram a equiparar-se para os fins do
seguro.
O Tratado de Versailles (1919), ao criar a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), incluiu na sua
competência a proteção contra os acidentes do trabalho e as
doenças profissionais, cujos riscos devem ser eliminados,
neutralizados ou reduzidos por medidas apropriadas da

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engenharia de segurança e da medicina do trabalho. Nesse


terreno, a ação da OIT tem se notabilizado:

a) pela atividade normativa, consubstanciada em 31 conven-


ções e 36 recomendações;
b) por estudos permanentes, investigações, cursos e seminá-
rios, além de publicações e guias destinados a orientar técnicos,
empresários e trabalhadores;
c) pelo Programa Internacional para Melhorar as Condições
de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho (PIACT), que se
desenvolve em colaboração com o Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA).

A Constituição mexicana foi a primeira a


dispor sobre a matéria. E essa tendência revelou-se nas
constituições mais modernas, como a de Portugal (1974), a de
Cuba (1976), a da extinta União Soviética (1977), a da
Espanha (1978) e a do Peru (1979).
Em nosso país, a higiene e segurança do
trabalho só ganharam hierarquia constitucional em 1946 (art.
154, VIII), sendo da mesma forma referida na Carta Magna de
1967, reformulada em 1969 (art. 165, IX). A Constituição de
1988 inclui entre os direitos sociais do trabalhador três
preceitos concernentes ao tema.
Dos estudos realizados pelo PIACT resultou a
Convenção no 155, completada pela Recomendação n0 164, ambas
de 1981, que ampliaram o conceito de ambiente de trabalho
para fins de segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é
necessário considerar tanto a agressão que o local de
trabalho pode sofrer, oriunda do meio ambiente
circunvizinho, quanto a poluição, por vezes imensurável, que
pode ser gerada no estabelecimento industrial.

II — Direito positivo nacional

A — Preceitos constitucionais — O art. 7º da


Carta Magna, no seu inciso XXII, determina a “redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança”. Esses riscos dizem respeito aos
infortúnios do trabalho, isto é, aos acidentes e às doenças

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profissionais. Eles podem ser, não apenas reduzidos, como


pretende a Lei Maior, mas eliminados ou neutralizados,
sobretudo pela engenharia de segurança do trabalho3. Já a
medicina do trabalho vela tanto pela saúde do trabalhador na
empresa, como pela higiene do ambiente onde ele presta
serviços, constituindo, assim, o complemento indispensável
do sistema de prevenção dos infortúnios do trabalho.
O inciso XXIII determina o pagamento de
“adicionais de remuneração” ao empregado que executa
atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da
lei”.
O capítulo V, do Título II, da CLT,
introduzido pela Lei no 6.514, de 1977, resultante de
anteprojeto elaborado por comissão que presidimos, ajusta-se
às duas normas constitucionais, salvo no tocante ao
adicional por atividade penosa, que nunca figurou em nossa
legislação trabalhista. Destarte, o Congresso Nacional terá
de legislar a respeito do trabalho em atividade penosa,
fixando, inclusive, o respectivo adicional sobre o salário.
Nessa oportunidade seria conveniente determinar que o
adicional de insalubridade, tal como o pertinente à
periculosidade, passe a incidir sobre o salário contratual
do empregado, e não sobre o salário mínimo. Aliás, a
expressão “adicional de remuneração” parece ter sido
inserida, com essa intenção, no texto constitucional.
B — Legislação infraconstitucional — O
capítulo da CLT, na sua versão original (1943), sobre a
“Higiene e Segurança do Trabalho”, foi considerado, na
época, um dos mais completos da legislação comparada. Em
1944, o Decreto-lei n0 7.036, elaborado com a decisiva
contribuição de JOSÉ DE SEGADAS VIANNA, deu ênfase especial
aos meios de prevenção dos infortúnios do trabalho, impondo
às empresas a obrigação de organizarem Comissões Internas de
Prevenção de Acidentes (CIPAs), com representação paritária
do empresário e dos trabalhadores. Em 1966, a Lei no 5.161,
de nossa iniciativa, criou a Fundação Centro de Segurança,
Higiene e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) para
investigação, pesquisa e assistência às empresas, com a
finalidade de aperfeiçoar a prevenção dos acidentes do
trabalho, aos quais se equiparem as enfermidades

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fls. 359

profissionais. Em 1975, a Portaria MTb 3.460 tornou


compulsória, conforme o número de empregados e a natureza da
atividade da empresa, a instituição de serviços
especializados de segurança e medicina do trabalho. Por fim,
em 1977, novo capítulo da CLT, sob a denominação de “Se-
gurança e Medicina do Trabalho”, foi aprovado pela já citada
Lei n0 6.514, dando ênfase à neutralização ou eliminação do
agente agressor (arts. 191 e 194); atribuindo ao Ministério
do Trabalho a expedição de normas específicas para a
aplicação das regras gerais que enunciou, além da supervisão
de todas as atividades relacionadas com a segurança e a
medicina do trabalho (art. 155); garantindo contra a
despedida arbitrária os membros titulares da representação
dos trabalhadores nas CIPAs; outorgando aos Delegados
Regionais do Trabalho poderes para interditar
estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento,
assim como embargar obra, em caso de iminente e grave risco
para o trabalhador (art. 161) etc.
Entretanto, não obstante esse completo e
adequado sistema legal, o Brasil continua a apresentar
trágica estatística em matéria de acidente de trabalho,
sobretudo nas atividades terceirizadas, em que os
trabalhadores não recebem as noções fundamentais da
prevenção de acidentes.
Com esteio no art. 200 da CLT, o ministro do
Trabalho expediu Normas Regulamentares do novo capítulo V,
no Título II, da CLT (Portaria n0 3.214/78), que foram
atualizadas e complementadas por portarias da Subsecretaria,
depois transformada em Secretaria de Segurança e Medicina do
Trabalho.
O seguro de acidentes do trabalho integra o
sistema da previdência social, o cargo do Instituto Nacional
de Seguro Social (INSS), fora, portanto, do objeto deste
livro. Por sua vez, a indenização a que está sujeito o
empregador, quando incorrer em dolo ou culpa motivadores do
acidente, está regulada na legislação referente à
responsabilidade civil.
C — Insalubridade e periculosidade: conceitos
e adicionais — Em face do estatuído nos arts. 189 e 190 da
CLT, há insalubridade, geradora do direito ao adicional de

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natureza salarial, quando o empregado sofre a agressão de


agentes físicos ou químicos acima dos níveis de tolerância
fixados pelo Ministério do Trabalho, em razão da natureza e
da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus
efeitos (critério quantitativo); ou, ainda, de agentes
biológicos relacionados pelo mesmo órgão (critério
qualitativo). Conforme se trate de insalubridade de grau
mínimo, médio ou máximo, o trabalhador fará jus ao adicional
de 10%, 20% ou 40%, calculado sobre o salário mínimo (art.
192). Mas o objetivo da lei, nem sempre observado, é a
eliminação ou neutralização da insalubridade, seja pela
adoção de medidas de engenharia que conservem o ambiente de
trabalho dentro dos limites de tolerância, seja com a
utilização de equipamentos de proteção individual que
reduzem a intensidade do agente agressivo aos mencionados
limites (art. 191). A empresa é obrigada a fornecer tais
equipamentos gratuitamente aos empregados, os quais devem
usá-los, sob pena de praticarem ato faltoso, ensejador de
penalização (art. 158).
A CLT considera atividade ou operação
perigosa aquela que, por sua natureza ou método de trabalho,
implique o contato permanente do empregado com inflamáveis
ou explosivos) em condições de risco acentuado (art. 193).
Mas não é necessário que o empregado cumpra a jornada de
trabalho integralmente nessas condições; basta a
habitualidade. Daí a jurisprudência sumulada no Enunciado
TST 361:

“O trabalho exercido em condições perigosas, embora de


forma intermitente, dá direito ao empregado a receber o adicional
de periculosidade de forma integral, porque a Lei n 0 7.369, de
20.9.1985 não estabeleceu nenhuma proporcionalidade em relação
ao seu pagamento”.

O adicional de periculosidade corresponde a


30% do salário do empregado, excluídas as parcelas
referentes a gratificações, prêmios ou participação nos
lucros da empresa (§ lº do art. 193). Por sua vez, a Lei no
7.369, de 1985, estendeu o direito a esse adicional ao
empregado que exerce atividade em setor de energia elétrica

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fls. 361

em condições de periculosidade. Essa lei foi regulamentada


pelo Decreto no 93.412, de 1986, que dividiu as respectivas
atividades em cinco segmentos, independentemente do objetivo
social da empresa ou da sua atividade preponderante. Pouco
importa, assim, que a empresa seja, ou não, fornecedora de
energia elétrica. Esse quadro, embora dividido em cinco
segmentos, se direciona para os misteres desenvolvidos em
sistemas elétricos de potência para o fim de caracterizar a
periculosidade como fonte geradora do adicional. E, segundo
a concepção da Associação Brasileira de Normas Técnicas,
sistema elétrico de potência “é aquele que compreende
instalações para geração, transmissão e/ou distribuição de
energia elétrica”. Neste sentido pronunciou-se, em acórdão
unânime, a Seção Especializada em Dissídios Individuais.
Se o trabalhador estiver sujeito à
insalubridade e aos riscos da periculosidade, terá de optar
por um deles (§ 2º do art. 193). Afigura-se-nos que se o
empregado tiver direito a salário profissional ou piso
salarial, decorrente de lei, convenção coletiva ou sentença
normativa, o percentual correspondente ao seu adicional deve
incidir sobre ele e não sobre o salário mínimo. E que, nessa
hipótese, o mínimo que lhe é devido é o salário profissional
ou o piso salarial. Neste sentido, em boa hora, o Tribunal
Superior do Trabalho cancelou o Enunciado n0 137, que
determinava sempre a incidência do adicional sobre o salário
mínimo, até porque a vedação constitucional de indexação ao
salário mínimo não se aplica ao adicional de insalubridade.
Em todos os casos, o direito do trabalhador
ao adicional de insalubridade ou periculosidade cessará com
a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física
(art. 194 da CLT).
Não há que se falar, portanto, em
incorporação do adicional ao salário do empregado. Legem
habemus. Os adicionais em foco possuem caráter retributivo
e, portanto, natureza salarial; constituem sobre-salários
que se computam para os efeitos de gratificação natalina
(130 salário), das contribuições previdenciárias, dos
depósitos do FGTS etc., mas não se incorporam ao salário do
empregado, porque são devidos apenas enquanto perdurar a
situação de “trabalho anormal”. O Direito do Trabalho

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fls. 362

objetiva, em tais casos, não a perpetuidade dos adicionais e


sim a remoção ou neutralização das causas que ensejam o seu
pagamento. Incompreensível é que se permita ao trabalhador
vender a saúde em troca de um sobre-salário.
O art. 195 da CLT, no seu § 2º, autoriza o
sindicato a ajuizar ação, “em favor de grupo de associados”,
para pleitear os adicionais de insalubridade ou de
periculosidade. Enfatize-se, como tem decidido o TST: em
nome dos associados e não em favor dos integrantes da
categoria profissional ou de todos os empregados, associados
ou não, da respectiva empresa. Não se trata de substituição
processual, como equivocadamente tem sido afirmado, mas de
representação legal de interesses individuais de associados.
D — Prevenção dos infortúnios do trabalho — A
medicina ou higiene do trabalho e a segurança do trabalho
têm por finalidade prevenir, respectivamente, as doenças
profissionais e os acidentes do trabalho, eliminando,
neutralizando, se possível, ou reduzindo, quando for o caso,
os riscos e as agressões a que estão sujeitos os
trabalhadores.
A legislação brasileira deu uma ênfase
especial à prevenção dos acidentes do trabalho e das doenças
profissionais. As empresas estão obrigadas — dependendo do
respectivo porte e da atividade que empreende — a manter
serviço especializado em segurança e medicina do trabalho,
além de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA),
integrada por representantes dela e dos trabalhadores.
A CLT torna obrigatória a constituição das
CIPAs, “de conformidade das instruções expedidas pelo
Ministério do Trabalho, nos estabelecimentos ou locais de
obra nelas especificadas” (art. 163). Essas instruções
regularão as atribuições, a composição e o funcionamento das
CIPAs; mas cada uma delas será composta de representantes do
empregador, por ele designados, e de igual número de
representantes dos trabalhadores eleitos, em escrutínio
secreto, “exclusivamente pelos empregados interessados”
(art. 164).
Nas empresas em que o funcionamento das CIPAS
é prestigiado pela respectiva administração, os índices de
freqüência tendem a cair.

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fls. 363

Para segurança de que as medidas legais sejam


adotadas, nenhum estabelecimento poderá iniciar sua
atividade sem prévia inspeção e aprovação de suas
instalações, o mesmo sucedendo quando houver qualquer
modificação substancial nas instalações, podendo a
autoridade competente embargar a obra que desatenda o
disposto na legislação.
O art. 161 da CLT dá poderes ao Delegado
Regional do Trabalho, à vista de laudo técnico que demonstre
grave e iminente risco para o trabalhador, de interditar o
estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento,
ou de embargar obra, indicando quais as providências a serem
tomadas para a prevenção de infortúnios do trabalho.
A lei obriga os empregadores a fornecerem
gratuitamente os equipamentos de proteção individual (EPI),
tais como óculos, capacetes, luvas, máscaras, calçados,
cintos de segurança etc., de acordo com modelos aprovados
pela autoridade trabalhista (art. 167). Mas cumpre ao
empregador promover o efetivo uso do aparelho.
Como registrou o saudoso magistrado VALENTIN
CARRION, “pratica falta o empregado que não obedece às
normas de segurança e higiene do trabalho, inclusive quanto
ao uso de equipamentos”.
Nos arts. 170 a 187, 198 e 199, a CLT enumera
algumas medidas que devem ser observadas nos locais de
trabalho, visando à prevenção dos acidentes e doenças
profissionais. E no art. 200 atribui ao Ministério do
Trabalho a expedição de Normas Regulamentadas (NR) que
atendam “as peculiaridades de cada atividade ou setor de
trabalho”.

Capítulo VII

TRABALHO DA MULHER

I — Internacionalização da proteção ao
trabalho feminino

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fls. 364

Conforme registramos no Cap. II, Seção II, do


Título I, uma das conseqüências da Revolução Industrial e da
Revolução Francesa foi o ingresso da mulher e do menor no
mercado de trabalho, visando a complementar o orçamento
familiar, cujos chefes tiveram reduzidos os seus salários. A
exploração daí decorrente determinou a inclusão na pauta da
Conferência de Berlim, de março de 1890, do exame do
trabalho das crianças, dos jovens e das mulheres.
Desde então, o trabalho da mulher foi
amplamente discriminado em relação ao do homem, sobretudo no
tocante ao salário. Daí a preocupação da Organização
Internacional do Trabalho, a partir de sua criação (1919),
em instituir normas de proteção especial do trabalho
feminino. Todavia, o aumento das obrigações patronais em
relação à mulher dificultou a eliminação de diversas formas
de discriminação.
Depois da “revolução da pílula” e do
considerável crescimento da participação da mulher em cursos
de formação profissional, inclusive no grau universitário,
tornaram-se dispensáveis algumas normas de proteção ao
trabalho feminino. A verdade é que cada vez mais a mulher
participa, com sucesso, de cargos de todos os níveis
profissionais, sem excluir os de direção e de caráter
técnico superior. Por via de conseqüência, a OIT reviu sua
posição inicial. Consoante expôs essa organização, hoje suas
diretrizes a respeito “giram em torno de duas preocupações
fundamentais: a primeira é garantir a igualdade de
oportunidades e de tratamento no acesso à formação, ao
emprego, à promoção, à organização e à tomada de decisões, e
de lograr a igualdade de condições no que se refere aos
salários, às vantagens (contratuais), à seguridade social e
às prestações de caráter social relacionadas com o emprego;
a segunda é proteger a mulher trabalhadora, em especial no
que se refere às condições de trabalho que possam
representar riscos para a gestante”.
A quase totalidade das normas constantes das
convenções e recomendações da OIT aplicam-se aos
trabalhadores em geral, sem distinção de sexo, tal como
preceituam a Declaração Universal dos Direitos do Homem
(art. 2º), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,

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fls. 365

Sociais e Culturais (art. 7º, alínea a) e a Declaração de


Filadélfia sobre os Fins e Objetivos da OIT (art. LI, alínea
a). Mas alguns dos seus instrumentos normativos destinam-se
especificamente às mulheres.
A Convenção sobre a “Eliminação de todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher”, aprovada pela ONU
em 1974~, preceitua que os direitos relativos ao emprego
sejam assegurados “em condições de igualdade entre homens e
mulheres” (art. 11); mas adverte que as medidas “destinadas
a proteger a maternidade não se considerarão
discriminatórias” (§ 2º do art. 4º).
Dos diversos congressos e conferências
realizados no apontado período, podem-se extrair, no que
tange ao objeto do nosso estudo, algumas proposições:

a) revogar as proibições do trabalho noturno, penoso ou in-


salubre, salvo, quanto aos dois últimos, durante os períodos de
gestação e de amamentação;
b) motivar a participação da mulher em cursos profissionali-
zantes, sobretudo nos de grau médio;
c) disciplinar e fomentar o emprego a tempo parcial para
trabalhadores com responsabilidade familiar;
d) excluir a responsabilidade direta do empregador em
relação ao problema da maternidade (salário da gestante durante a
licença compulsóría, manutenção de creches etc.).

Antes mesmo do “Decênio das Nações Unidas


para a Mulher” (1975-1985), a OIT consagrou a tese da não-
discriminação, seja na Convenção nº 100, de 1951, relativa à
isonomia salarial entre o homem e a mulher, por trabalho de
igual valor, seja na Convenção nº 111, de 1958, atinente ao
emprego ou ocupação sem distinção de sexo.
Quanto aos trabalhadores com
responsabilidades familiares, a OIT adotou a Convenção n0
156, complementada pela Recomendação nº 165, ambas de 1981.
Embora se aplique a qualquer trabalhador, o seu alvo
principal é a mulher, que, além da atividade profissional,
assume muitas vezes as responsabilidades familiares e, quase
sempre, as domésticas. A política nacional deve permitir que
as pessoas com responsabilidades familiares exerçam um

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fls. 366

emprego sem discriminação e, na medida do possível,


harmonizando essas responsabilidades com os encargos
profissionais (art. 3º). Em 1990, aprovou o Protocolo
complementar da Convenção n0 89, de 1948, sobre o trabalho
noturno feminino, abrindo várias exceções às proibições
constantes daquele tratado, que se constituíam em fontes de
discriminação contra o emprego da mulher. E, em 1994, a
Conferência Geral da OIT aprovou a Convenção n0 175, com-
plementada pela Recomendação nº 182, referentes ao trabalho
a tempo parcial, o qual facilita, sobretudo, o emprego de
mulheres com responsabilidades familiares e de estudantes.
No que concerne à proteção da maternidade,
aprovou a Convenção n0 3, de 1919, revista pela de no 103, de
1952, ambas ratificadas pelo nosso país. Essa última dispôs
que as prestações monetárias devidas à empregada durante o
seu licenciamento, antes e depois do parto, devem ficar a
cargo de um sistema de seguros sociais ou de fundos públicos
(art. 4º, § 4º), não podendo a legislação nacional impor ao
empregador o ônus direto da manutenção dos salários da
gestante (art. cit., § 8º). Ela fixa a licença da empregada
gestante em doze semanas, com prestações não inferiores a
dois terços do seu salário, as quais, para evitar
discriminação quanto ao emprego da mulher, não poderão ser
custeadas diretamente pelo respectivo empregador. Demais
disso, proíbe a despedida imotivada da empregada durante o
licenciamento. Nova revisão verificou-se no ano 2000, pela
Convenção n0 183, que amplia o campo de incidência da
proteção, a fim de alcançar as mulheres que trabalham na
economia informal; trata da proteção à saúde da gestante,
não dispõe sobre o valor mínimo das prestações monetárias e
fixa em 14 semanas a duração da licença da empregada ou do
afastamento do trabalho, com a possibilidade de prorrogação
em caso de enfermidade ou complicações resultantes do parto.
No mais, mantém as normas da Convenção nº 103, inclusive no
que tange à estabilidade da empregada gestante e ao custeio
das prestações.

II — Preceitos constitucionais brasileiros

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fls. 367

O art. 5º da Carta Política de 1988, ao


relacionar os direitos fundamentais do ser humano, estatui:

“I — Homens e mulheres são iguais em seus direitos e obri-


gações, nos termos desta Constituição.

E, no art. 7º, prescreveu:

“XVIII — licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do


salário, com a duração de cento e vinte dias;”
“XX — proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos, nos termos da lei;”
“XXX — proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil.”

Acompanhando a tendência já referida do


direito internacional, não repetiu a proibição do trabalho
da mulher em indústrias insalubres, que constava do Estatuto
Político de 1967 (art. 165, X), restringindo essa vedação
aos menores de dezoito anos (art. 7º, XXXIII). Por seu
turno, proibiu, por motivo de sexo,

“a diferença de salário, de exercício de funções e de salário de


admissão” (art. 7º, XXX).”

Em razão dessas normas, a Secretaria de


Relações do Trabalho, em instrução dirigida ao Sistema
Federal de Inspeção do Trabalho, acentuou que se tornaram
aplicáveis ao trabalho feminino as normas gerais da CLT
concernentes à jornada de trabalho, às horas
extraordinárias, à compensação de horário na semana e ao
serviço noturno.
Por seu turno, a Lei Maior manteve, como
encargo da Previdência Social, “a proteção à maternidade,
especialmente à gestante” (art. 201, III). E inovou a
matéria, dispondo sobre o salário-paternidade (art. 7º,
XIX). Até que seja objeto de lei complementar, a licença
remunerada ao pai foi fixada em cinco dias (art. 10, § 1º,
do ADCT).

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III — Legislação ordinária

Desde logo, cumpre assinalar que as normas


gerais constantes da CLT e legislação complementar são
aplicáveis ao trabalho da mulher, tal como ou do menor,
quando não incompatíveis com os princípios e disposições
especiais.
Como assinalamos no Cap. I, Seção XIII, deste
Título, ao qual nos reportamos, a CLT assegura a isonomia
salarial por trabalho de igual valor (art. 461), que
responde ao princípio do salário igual, sem distinção de
sexo, por um trabalho de igual valor consagrado pelo art.
427 do Tratado de Versailles, regulamentado, no âmbito
internacional, pela precitada Convenção nº 100, da OIT.
O salário-maternidade é devido pelo período
de 120 dias, podendo ter início 28 dias antes do parto
presumido em virtude da notificação obrigatória ao
empregador (art. 392 e § 1º da CLT). Esse período pode ser
aumentado de duas semanas, mediante atestado médico (§ 2º).
A Lei no 10.421, de 2002, estendeu o direito
ao salário-maternidade à empregada que adotar criança ou
obtiver sua guarda judicial.
Durante esse lapso ocorre a suspensão do
correspondente contrato de trabalho, sendo assegurada à
empregada, durante a gravidez:

“I — transferência de função, quando as condições de saúde o


exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida,
logo após o retorno ao trabalho;
II — dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário
para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais
exames complementares.” (art. 4º da Lei n” 9.799 de 26.5.99).

A tentativa de reduzir o valor dessa


prestação foi considerada inconstitucional pela Suprema
Corte, motivo por que a Lei no 9.876, de 1999, prescreveu
que o salário-maternidade é igual à remuneração integral da
empregada. Todavia, modificou, em disposição criticável, o

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fls. 369

procedimento da concessão e do pagamento do salário-


maternidade. Desde a Lei nº 6.136, de 1974, o empregador
pagava diretamente à gestante os salários do período de
licenciamento e descontava o respectivo valor das
contribuições devidas pela empresa ao INSS. Essa
modificação, que desde logo criticamos, tal como diversos
juristas e sindicatos, foi modificada pela Lei no 10.710, de
2003, que restabeleceu a precitada lei de 1974.
Por força do estatuído na Constituição
brasileira e nas suas disposições transitórias, a
estabilidade no emprego da gestante é de 120 dias e nos
cinco meses subseqüentes ela está protegida contra a
despedida arbitrária. A já citada Convenção nº 103 afirma a
ilegalidade da despedida da gestante durante a licença-
maternidade (art. VII), razão por que, com incompreensível
atraso, o TST modificou o seu Enunciado 244, adaptando-o ao
preceito internacional.
A Lei nº 9.029, de 1995, considera crime
certos procedimentos patronais relacionados com a
comprovação da esterilidade da trabalhadora. E a Lei nº
9.263, de 1996, que regulamentou o art. 226, § 7º, da
Constituição, complementou a lei de 1995, vedando “a indução
ou instigamento individual ou coletivo à prática de
esterilização ou teste de gravidez para quaisquer fins”
(art. 13). A mulher eventualmente vitimada por ilícito dessa
natureza pode responsabilizar penalmente o médico (arts. 16
e 17) e o preposto do empregador (arts. 18 e 19), além da
reparação pelos danos materiais e, especialmente, morais
(art. 21). Outrossim, a Lei nº 7.999, de 1999, enunciou
algumas regras sobre o acesso da mulher no mercado de
trabalho, introduzindo na CLT o art. 373-A, que veda a
discriminação sob diversos aspectos. Registre-se que proíbe
a exigência de atestado ou exame para comprovação de esteri-
lidade ou de gravidez, assim como de revistas íntimas de
empregadas.
Além dessas disposições contra a
discriminação por motivo de sexo, idade, cor ou situação
familiar, a Lei nº 9.799, de 16 de maio de 1999, inseriu
novos artigos na CLT a respeito do acesso da mulher no
mercado de trabalho.

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Capítulo VIII

TRABALHO DO MENOR

I — Internacionalização da proteção ao
trabalho do menor

A — Considerações preliminares — Tal como


vimos no Capítulo anterior atinente ao trabalho da mulher,
as mesmas razões ali expostas determinaram a ampliação da
mão-de-obra infantil, sua exploração e a internacionalização
das normas especiais de proteção ao seu trabalho. Até o
final do século XVIII, entretanto, o trabalho do menor
concernia, quase que exclusivamente, às atividades rurais e
domésticas e, bem assim, no aprendizado junto aos mestres
das Corporações de Ofício ou nos artesanatos e pequenas
manufaturas realizados no próprio grupo familiar.
Como registramos no Cap. II, Seção III, do
Tít. I, ao qual nos reportamos, a Inglaterra, a Alemanha e a
França legislaram sobre o trabalho do menor entre 1813 e
1844. O Brasil, pelo Decreto no 1.313, de 17 de janeiro de
1891, proibiu o emprego de menores de doze anos; admitiu a
aprendizagem nas fábricas de tecidos a maiores de oito anos;
fixou a jornada de 7 a 9 horas e proibiu o trabalho de
menores em algumas atividades insalubres ou perigosas.
B — Primeiras normas internacionais — No
Congresso de Berlim, de 1890, foi assinado um Protocolo no
qual os treze governos europeus, que participaram desse
primeiro conclave oficial destinado a incrementar a
legislação social-trabalhista, comprometiam-se a fixar em 14
anos a idade mínima de admissão de menores no trabalho das
minas, salvo nos países meridionais, onde o limite seria de
12 anos. Por seu turno, o Congresso adotou uma recomendação
visando a proibir o trabalho dos menores de 12 anos nos
estabelecimentos industriais, salvo nos países meridionais,
em que a idade mínima seria de 10 anos.
O Tratado de Versailles, aprovado em 1919
pelos Estados vitoriosos na guerra de 1914/18, consagrou os

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princípios fundamentais que deveriam orientar a


universalização da legislação social-trabalhista, incluindo,
entre eles, a proteção das crianças e dos adolescentes e a
organização do ensino profissional e técnico. Demais disto,
para consecução da referida finalidade, criou a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), a qual, desde sua
instalação em 1919, vem dedicando especial atenção às
questões atinentes ao trabalho e à formação profissional do
menor.
Entre as primeiras convenções mais
abrangentes sobre o trabalho dos menores, adotadas pela
Conferência geral da OIT antes da guerra de 1939/45, cumpre
registrar as seguintes:

I) Convenção n0 5 (Washington, 1919), sobre a idade mínima


(14 anos) para o trabalho na indústria (ratificada pelo Brasil em 26-
4-34 e promulgada pelo Decreto n0 423, de 12-1 1-35);
II) Convenção n0 6 (Washington, 1919), sobre a proibição do
trabalho noturno dos menores na indústria (ratificada pelo Brasil em
26-4-34 e promulgada pelo Decreto nº 423, de 12-1 1-35);
III) Convenção nº 10 (Genebra, 1921), sobre a idade mínima
(14 anos, como regra) para o trabalho na agricultura;
IV) Convenção nº 13 (Genebra, 1921), sobre a pintura in-
dustrial que utilize a cerusa (alvaiade), o sulfato de chumbo ou
qualquer produto que contenha esses pigmentos, em cujos serviços
proíbe o trabalho de menor de 18 anos;
V) Convenção n0 33 (Genebra, 1932), sobre a idade mínima
(14 anos, como regra) de admissão em trabalhos não industriais;
VI) Convenção n0 59 (Genebra, 1937), sobre a idade mínima
(15 anos) para o trabalho na indústria, em revisão à Convenção n0 5;
VII)Convenção nº 60 (Genebra, 1937), sobre a idade mínima
(15 anos, como regra) de admissão em trabalhos não industriais, em
revisão à Convenção n0 33.
Além desses tratados normativos, a OIT aprovou, no mesmo
período, as recomendações que se seguem:
I) Recomendação nº 4 (Washington, 1919), sobre a proibição
do emprego das mulheres e dos menores nos serviços insalubres
que enumera;
II) Recomendação n0 14 (Genebra, 1921), sobre o trabalho
noturno dos menores na agricultura;

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III) Recomendação n0 41 (Genebra, 1932), sobre a idade


mínima de admissão em trabalhos não industriais;
IV) Recomendação nº 45 (Genebra, 1935), sobre o desem-
prego de menores;
V) Recomendação n0 52 (Genebra, 1937), sobre a idade
mínima para o trabalho em empreendimentos familiares;
VI) Recomendação n0 57 (Genebra, 1939), sobre a formação
profissional;
VII)Recomendação nº 60 (Genebra, 1939), sobre a apren-
dizagem profissional.

C — Ação normativa e prática da OIT — A


Declaração de Filadélfia, de 1944, que se incorporou à
Constituição da OIT em 1946, proclama que essa Organização
tem a obrigação de fomentar programas para “proteger a
infância e maternidade” e “garantir iguais oportunidades
educativas e profissionais”.
Após essa “Declaração”, a OIT aprovou
importante convenção sobre o tema — n0 138, de 1973 —
atualizando disposições de alguns tratados que fixaram a
idade mínima para o trabalho em relação a diversas
atividades profissionais. De aplicação geral, essa convenção
estabelece que a idade mínima para admissão ao emprego ou
trabalho não será inferior àquela em que cessar a
obrigatoriedade escolar, não podendo, porém, ser inferior a
quinze anos. Mas o país, cuja economia e meios de educação
estejam insuficientemente desenvolvidos, poderá fixar a
idade mínima em quatorze anos, após prévia consulta às
organizações de empregadores e de trabalhadores mais re-
presentativas. Nos trabalhos perigosos para a saúde, a
segurança e a moral, a idade mínima será de 18 anos, podendo
ser reduzida a 16 anos, mediante prévia consulta às citadas
organizações, desde que garantidas a saúde, a segurança e a
moral, e o menor haja recebido formação profissional
específica. A legislação nacional poderá permitir o emprego
ou o trabalho de menores de treze a quinze anos em serviços
ligeiros, desde que não prejudiquem sua saúde ou seu
desenvolvimento biológico, nem a freqüência à escola ou a
cursos de formação profissional. A Cúpula Mundial do
Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995) e a OIT incluíram

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essa Convenção entre os direitos fundamentais do


trabalhador, razão por que passou a compor a relação das
sete convenções objeto da Resolução de 1998 da Conferência
Internacional do Trabalho, que devem ser aplicadas de boa-fé
por todos os Estados-membros da OIT.
No relatório sobre o tema, elaborado em 1996,
a OIT assinalou que 26,3% de crianças de 10 a 14 anos
trabalhavam na África, 13% na Ásia e 9,8% na América Latina.
Mais de 45% dessa faixa etária trabalhavam em Mali, Burkina
Faso, Níger, Uganda e Quênia: mais de 30% em Senegal e
Bangladesch; mais de 25% na Nigéria e no Haiti; mais de 20%
na Turquia e Costa do Marfim; 17,7% no Paquistão, 16,1% no
Brasil; 14,4% na Índia; 11,6% na China e 11,2% no Egito. E
concluiu: “Há um grande número de crianças escravas na agri-
cultura, no serviço doméstico, nas chamadas indústrias do
sexo, nas indústrias de tapetes e têxteis, nas pedreiras e
na fabricação de ladrilhos.” No estudo preparado para servir
de base à discussão geral do tema pela Conferência de junho
de 1988, visando a proibir o exercício de algumas atividades
pelos menores, a OIT revelou que 61% dos trabalhadores
infantis (153 milhões) encontram-se na Ásia, 32% (80
milhões) na África e 7% (17 e meio milhões) na América
Latina, totalizando mais de 250 milhões de crianças. A
verdade, como ponderou a Comissão de Expertos na Aplicação
de Convenções e Recomendações, é que “a razão pela qual os
menores procuram trabalho antes de alcançar a idade legal é
a pobreza da família, quase sempre estreitamente vinculada à
falta de desenvolvimento do país em que vivem”.
Minucioso estudo da OIT, submetido à
Conferência de junho de 2002, registra que “um em cada oito
menores de 5 a 17 anos (179 milhões) estão expostos às
piores formas de trabalho infantil, que põem em perigo o
bem-estar físico, mental ou moral da criança”; “111 milhões
de menores de 15 anos realizam trabalhos perigosos”; “8,4
milhões de menores estão submetidos a formas de trabalho
forçado, o recrutamento obrigatório para intervir em
conflitos armados, a prostituição, a pornografia e outras
atividades ilícitas”.
O novo diretor geral, JUAN SOMOVIA, vem dando
ênfase especial ao combate às formas abusivas do trabalho

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infantil. O principal instrumento normativo para essa luta é


a Convenção n0 182, sobre “A proibição das Piores Formas de
Trabalho Infantil e a Ação Imediata para sua Extinção”, que
foi aprovada pela Conferência Internacional de Trabalho de
junho de 1999, por 415 votos a favor, nenhum contra e
nenhuma abstenção. Essa Convenção é acompanhada pela
Recomendação no 190, adotada na mesma reunião da
Conferência. Fato inédito é que, em setembro de 2001, 27
meses depois de aprovada, essa convenção havia sido
ratificada por 100 países, inclusive o Brasil, e, a lº de
janeiro de 2003, essa adesão era de 132 Estados. O art. 3º
da Convenção elenca “as piores formas de trabalho infantil”,
enquanto a Recomendação n0 190, também de 1999, conceitua
trabalho perigoso.
A OIT instituiu o Programa Internacional para
a Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC), para coordenar a
aplicação da Convenção n0 182, e vem recebendo, para a
consecução desse objetivo, a colaboração da “Seção Especial
para a Infância”, criada em dezembro de 1999 pelas Nações
Unidas.
D — Trabalho infantil e trabalho escravo no
Brasil — Não obstante a ação empreendida por alguns órgãos
públicos e privados, entre os quais merece destaque o
Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho e os
grupos móveis de auditores fiscais do trabalho, a exploração
do trabalho infantil ainda é intolerável em nosso país, não
só quanto ao emprego de crianças, sempre sem registro, como
à sua utilização em serviços insalubres, perigosos, penosos,
noturnos ou prejudicial ao seu desenvolvimento físico,
psíquico, moral e social. Não obstante os esforços
desenvolvidos pelo Governo Federal, ainda são inexpressivos
os resultados obtidos. -
Para penalizar com mais rigor o trabalho
forçado, sobretudo o infantil, foi sancionada a Lei n0
10.803, de 11 de dezembro de 2003, que deu nova redação do
art. 149 do Código Penal, para considerar crime, sujeito à
reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena, se for o
caso, correspondente à violência,

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“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer sub-


metendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída
com o empregador ou preposto:

As mesmas penas incorrerá quem

I — cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do


trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II — mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se
apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o
fim de retê-lo no local de trabalho” (§ lº),

sendo a pena aumentada de metade, se o crime


for cometido contra criança, adolescente ou por “preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou origem” (§ 2º).

II — Direito positivo nacional

A — Normas constitucionais — A Carta Magna de


1988, na sua versão originária, restabeleceu a tradição do
nosso direito positivo no tocante ao trabalho do menor, com
normas que se sintonizam com os tratados internacionais.
Depois de referir o princípio da não-discriminação salarial
por motivo de idade (inciso XXIX deste art. 7º), manteve a
proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos
menores de dezoito anos e restaurou a idade mínima de
quatorze anos para o trabalho em geral, ressalvada a
hipótese de aprendizagem (inciso XXXIII do art. cit.). E
esse limite “para admissão ao trabalho” foi repetido no
título “Da ordem social”, no capítulo sobre a família, a
criança, o adolescente e o idoso (art. 227, § 3º, no I), com
a garantia de direitos previdenciários e trabalhistas”
(parágrafo cit., II). Absurdamente, porém, a Emenda Consti-
tucional n0 20, de 1998, alusiva à Previdência Social, elevou
a dezesseis anos a idade mínima para o trabalho, salvo na
aprendizagem, que pode iniciar-se aos quatorze anos.

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Recordemos, neste passo, que a precitada


Convenção n0 138, da OIT, fixou em quinze anos a idade mínima
para o trabalho, facultando, todavia, ao país cuja economia
e meios de educação estejam insuficientemente desenvolvidos,
que esse limite seja de quatorze anos. Este, sem dúvida, é o
caso do Brasil, o qual, paradoxalmente, e ao contrário do
que se verifica em países plenamente desenvolvidos,
estabeleceu a idade mínima para o trabalho em dezesseis
anos, só admitindo contrato de aprendizagem a partir de
quatorze anos.
Tratando-se de norma proibitiva, é
inquestionável que sua aplicação imediata independe de lei;
e, por ser de ordem pública, incidiu, a partir de 16 de
dezembro de 1998, sobre as relações jurídicas em curso (art.
5º, § lº, da Constituição).
O art. 227 da Constituição, no seu § 3º,
inciso I, refere “idade mínima de quatorze anos para
admissão ao trabalho”, observado o disposto no art. 7º
XXXIII, que foi alterado pela Emenda Constitucional n.0 20.
No preceito alusivo à família e à criança há
um comando constitucional imperativo — idade mínima de
quatorze anos para o trabalho — e uma referência a um inciso
que, originalmente, fixava o mesmo limite com alcance geral
e dezesseis anos para o trabalho noturno, perigoso ou
insalubre.
Afigura-se-nos que as duas normas editadas
pelo poder constituinte originário, por sua natureza de
cláusula pétrea, concernentes à proteção tutelar do menor,
não podiam, a teor do art. 60, § 4º, IV, ser modificadas
pelo poder derivado. Neste sentido, aliás, já existem
decisões, inclusive em Ação Civil Pública.
B — Conceito de menor trabalhador — Com a
finalidade de adaptar a legislação ordinária aos novos
preceitos constitucionais, a Lei n0 10.097, de 19 de dezembro
de 2000, alterou a redação de vários artigos da CLT,
considerando menor o trabalhador de 14 a 18 anos (art. 402);
mas proibiu o trabalho a menores de 16 anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (art. 403).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
n 8.069, de 13.7.90) esclarece que o trabalho dos menores
0

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fls. 377

continua regido pela legislação especial que lhes concerne —


a CLT —, sem prejuízo das disposições estatutárias (art.
61).
C — Proibições — Em disposição de caráter
genérico, o novo art. 403 da CLT, no seu parágrafo único,
prescreve que:

“O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais


prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico,
psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a
freqüência à escola.”

Essa disposição sintoniza-se com as referidas


normas constitucionais e com alguns artigos não modificados
da CLT.
Quanto à proibição do trabalho noturno (art.
404) ou os que, em princípio, são prejudiciais à moralidade
do menor, pode o juiz da infância e juventude autorizar a
respectiva atividade, seja à noite em teatros, circos e
similares, o que alcança as televisões, seja em logradouros
públicos (art. 406, combinado com o art. 405, §§ 2º e 3º, a
e b, da CLT).
O mesmo art. 405 proíbe o trabalho em locais
e serviços perigosos ou insalubres constantes de quadros
específicos aprovados pelo Ministério do Trabalho. Para esse
fim, a Secretaria de Inspeção de Trabalho e o Departamento
de Segurança e Saúde no Trabalho aprovaram extensa relação
dos correspondentes trabalhos. Mas o art. 2º da respectiva
Portaria esclarece, acertadamente, que:

“Os trabalhos técnicos ou administrativos serão permitidos,


desde que realizados fora das áreas de risco à saúde e à segurança.

Problema que irradiará ampla controvérsia


entre os operadores do Direito do Trabalho resulta do
confronto entre o já citado inciso XXXIII, do art. 7º, da
Lei Maior, que proíbe genericamente o trabalho insalubre ou
perigoso a menores de 18 anos, e o art. 410 da CLT, que
reza:

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“O Ministério do Trabalho poderá derrogar qualquer proibição


decorrente do quadro a que se refere a alínea “a” do artigo 405
quando se certificar haver desaparecido, parcial ou totalmente, o
caráter perigoso ou insalubre que determinou a proibição.”

A norma constitucional deve ser interpretada


teleológica e não gramaticalmente. E evidente que o seu
objetivo foi proteger a integridade biológica do menor
trabalhador. Ora, como assinalamos no Cap. VI deste Título,
a insalubridade pode ser eliminada por providências adotadas
no ambiente ou trabalho ou neutralizadas com o uso adequado
de equipamento de proteção individual (art. 191). Estamos,
por isto, uma vez mais com EDUARDO GABRIEL SAAD, quando
adverte que a aprendizagem de diversos e relevantes ofícios
será sensivelmente prejudicada com a exegese meramente
gramatical da mencionada norma. E pondera que “se a
autoridade competente certifica que as medidas preventivas
seguidas pela empresa anularam a insalubridade do local, o
trabalho do menor nesse mesmo ambiente não desrespeita a
regra constitucional.
O citado Estatuto da Criança e do Adolescente
proíbe o trabalho penoso ao menor de 18 anos (art. 67, II),
mas não o conceitua. Como tal, entretanto, há de ser
considerado carregar peso superior a 20 quilos em trabalho
contínuo e 25 em atividade eventual, salvo quando
transportado por impulsão ou tração (art. 405, § 5º, da
CLT).
D — Duração do trabalho — As normas gerais da
CLT são aplicáveis ao trabalho do menor, salvo quando
incompatíveis com as regras especiais atinentes aos menores.
Destarte, a duração normal do trabalho é a fixada pela Carta
Magna (art. 7º, XIII), salvo no que tange ao menor aprendiz,
que é regida, como veremos adiante, por disposições
especiais.
O art. 414 da CLT prescreve que o menor,
quando empregado em mais de um estabelecimento, totalizará
as horas dedicadas a cada um, para efeito da limitação da
jornada. No concernente ao trabalho extraordinário, a CLT
estipula algumas regras especiais:

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a) ele só é permitido, até duas horas diárias, por compensação


com a redução de outras jornadas, mediante convenção ou acordo
coletivo (art. 413, I), ou em caso de força maior, até mais quatro
horas, se imprescindível (art. 413, II). Nesta segunda hipótese, o
empregador deve comunicar o fato ao Ministério do Trabalho, no
prazo de 48 horas (Parág. único do art. 413);
b) a prorrogação da jornada normal terá de ser sempre pre-
cedida de um período de descanso de quinze minutos (parágrafo
cit.);
c) essas disposições não se aplicam aos menores aprendizes
(art. 432).

E — Aprendizagem — A Lei n0 10.097, de 2000,


deu nova redação a quase todos os artigos da CLT referentes
à aprendizagem. O novo art. 428 define o contrato de
aprendizagem como:

“o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por


prazo determinado, em que o empregador compromete-se a
assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito
em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional
metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e
psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as
tarefas necessárias a essa formação.”

Da relação jurídica alusiva a esse contrato


decorrem duas obrigações de fazer, reciprocamente
estipuladas: de ensino profissional, por parte do
empregador, e de trabalho, por parte do aprendiz. Como
lembra JOSÉ MARTINS CATHARINO, “o sujeito discente da
relação de emprego em causa é sempre menor (...) embora nem
todo menor seja aprendiz”. E aduz que talvez seja o mais
socializado de todos os tipos de contrato de emprego porque
“a menoridade do empregado-aprendiz, o elemento ensino, as
implicações sociais e econômicas decorrentes, exigem sua
regulamentação normativa especial”.
A validade desse contrato, que não poderá ser
ajustado por mais de dois anos, está condicionada à anotação
na Carteira de Trabalho e Previdência Social; à matrícula e
freqüência do aprendiz à escola de ensino fundamental, caso

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fls. 380

ainda não possua o respectivo diploma; à inscrição em


programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de
entidade qualificada em formação técnico-profissional
metódica” (§§ lº e 3º do art. 428).
Essa formação profissional, caracterizada por
atividades teóricas e práticas, metódica e progressivamente
organizadas, e desenvolvida no ambiente de trabalho (§ 4º do
art. cit.). Mas os empregadores, ressalvadas as entidades
sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação
profissional, são obrigadas a admitir e matricular
aprendizes em cursos do SENAI, SENAC e similares, de 5 a 15%
dos trabalhadores existentes em cada um dos seus
estabelecimentos cujas funções demandem formação
profissional (art. 429). Na falta de cursos pertinentes ou
vagas nesses Serviços de Aprendizagem, a matrícula poderá
efetuar-se em outras entidades para tal fim qualificadas,
como, por exemplo, as Escolas Técnicas de Educação (art.
430).
A duração do trabalho de aprendiz, sempre
vedada a prorrogação, ainda que por compensação de jornadas,
será (art. 432):

a) de até seis horas diárias se ele estiver freqüentando o


ensino fundamental;
b) de até oito horas, computadas as destinadas à
aprendizagem teórica.

A citada Lei no 10.097 revogou explicitamente


o art. 80 da CLT, que permitia o pagamento de metade ou de
dois terços do salário mínimo, conforme estivesse o aprendiz
na primeira ou na segunda fase da duração máxima prevista
para a respectiva aprendizagem (art. 3º). Em conseqüência, o
§ 2º do novo art. 428 da CLT assegura, pelo menos, o
pagamento do salário mínimo hora. Sobre o salário do
empregado aprendiz incidem apenas 2% para os depósitos do
FGTS (art. 2º da Lei no 10.097 cit.)
O contrato de aprendizagem cessará (art. 433
da CLT):

a) por extinção no seu termo;

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fls. 381

b) quando o aprendiz completar 18 anos;


c) antecipadamente, por:

“I — desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz;


“II — falta disciplinar grave;
“III — ausência injustificada à escola que implique perda do
ano letivo;
“IV — a pedido do aprendiz.”

Estranhamente, o § 2º desse artigo reza que


na resilição do contrato de aprendizagem sem justa causa o
empregador não terá de pagar ao menor as indenizações de que
cogitam os arts. 479 e 480.
F — Disposições diversas — Ao responsável
legal do menor (pai, mãe ou tutor) é facultado pleitear a
extinção do contrato do menor, “desde que o serviço possa
acarretar para ele prejuízos de ordem física ou moral” (art.
408 da CLT). A autoridade competente poderá, nessa hipótese,
determinar o fim do contrato, salvo se a empresa transferir
o menor para funções compatíveis (art. 407).
O menor pode assinar recibo do pagamento dos
seus salários; mas, se tiver menos de 18 anos, não poderá
dar quitação ao empregador, sem a assistência dos seus
responsáveis legais, no tocante a indenizações devidas na
sua despedida (art. 439).
Mas a menoridade e, em conseqüência, a
incapacidade, cessa, de conformidade com o estatuído no art.
5º, parágrafo único, do novo Código Civil:

“pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de


relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16
(dezesseis) anos completos tenha economia própria”.

Contra o menor de 18 anos não corre a


prescrição (art. 440 da CLT).

TÍTULO VI

DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

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Capítulo I

ORGANIZAÇÃO SINDICAL

I — Resumo histórico do direito sindical

Reportando-nos do que escrevemos sobre a


"Formação histórica e ideológica do Direito do Trabalho”
cumpre-nos assinalar, neste ensejo, que o princípio da
igualdade jurídico-política dos cidadãos e a filosofia do
liberal individualismo, consagrados pela Revolução Francesa
(1789), determinaram: a) o absoluto respeito a autonomia da
vontade das relações contratuais, inclusive nas de trabalho
(laissez-faire); b) a supressão das corporações de ofício,
já decadentes, que afrontavam o liberalismo econômico dos
fisiocratas (Lei de 17.3.1791); c) a proibição, enfim, de
todas as formas de coalizão de trabalhadores ou de
empregadores (Lei Chapelier, de 14.6.1791). Da palavra
"síndico", referida nessa última lei para indicar o
escolhido pelo agrupamento de trabalhadores ou empresários
para porta-voz do grupo, generalizaram-se as expressões
"sindicalizados" e "sindicato".
As corporações de ofício — cumpre sublinhar —
não tinham estrutura sindical, configurando-se como
verdadeiras unidades produtivas. Essa coalizão, depois de
ser conceituada como delito de conspiração na Grã-Bretanha
(1799 e 18OO), foi seguidamente proibida nos Estados Unidos
(Decisão do Judiciário de Filadélfia, de 18O6), Bélgica,
Holanda, Luxemburgo, Suécia, Dinamarca, Espanha, Itália e
Confederação Germânica.
Mesmo contra a lei, muitos operários reuniam-
se para reivindicar melhores condições de trabalho junto aos
respectivos empregadores (gênese da negociação coletiva) e,
por inspiração de ROBERT OWEN, criaram as trade-unions para
pressionar empresários e governos no atendimento as suas
pretensões. Em 1824, o Parlamento inglês, reconhecendo a
nova realidade, revogou a proibição das coalizões de
trabalhadores.

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fls. 383

O exemplo inglês foi logo seguido pelos


trabalhadores da França, Alemanha, Itália, Estados Unidos e
outros países industrializados, tomando-se os sindicatos o
mais poderoso instrumento de conquista dos direitos sociais
trabalhistas. E as leis que consideravam delito a
sindicalização de trabalhadores foram seguidamente
revogadas: em 1864, na França; em 1866, na Bélgica; em 1869,
na Alemanha etc.
Ainda sob a inspiração de OWEN, as trade-
unions inglesas fundaram, em 1833, uma confederação sindical
denominada União Nacional Consolidada, que chegou a reunir
meio milhão de trabalhadores e comandou, com uma serie de
greves, o movimento "cartista", que tinha por objetivo a
conquista de direitos políticos e sociais expostos numa
carta elaborada pelas organizações sindicais.
Em 1842 a Corte de Massachusetts considerou
licita a associação de trabalhadores, conforme os meios
utilizados. Todavia, a primeira lei, reconhecendo o direito
de associação sindical, foi aprovada pelo Parlamento
britânico, em 1871 (Trade-Union Act), defendida por
DISRAELI. Em 1844, a França também adotou uma lei sobre
associações profissionais (Lei Waldeck-Rousseau).
Merece ainda registro nesta síntese histórica
a criação, no final do século XIX, de duas importantes
centrais sindicais, que tiveram relevante papel na
construção e afirmação do Direito do Trabalho: a American
Federation of Labor — AFL (1866), nos Estados Unidos, e a
Confédération Générale du Travail — CGT (1895), na França.
Essas duas centrais sindicais tiveram
relevante atuação durante a Guerra Mundial de 1914/18, tendo
por alvo a participação dos trabalhadores na Conferência da
Paz. E o Tratado de Versailles, alem de criar a OIT, com
representação de governos, empregadores e trabalhadores,
reconheceu:

"O direito de associação visando a alcançar qualquer objetivo


não contrario as leis, tanto para os patrões como para os
assalariados (art. 427, item 2°)."

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fls. 384

Em maio de 1944, a Conferência de Filadélfia


adotou importante "declaração" para atualizar os programas e
finalidades da OIT, preceituando que:

"a liberdade de expressão e de associação e uma condição


indispensável ao progresso ininterrupto" (item I, alínea b).

Terminada a Segunda Grande Guerra (1939/44) e


constituída a Organização das Nações Unidas (ONU, 1945), sua
Assembléia Geral aprovou, em dezembro de 1948, a nova
"Declaração Universal dos Direitos do Homem", que consagrou
a liberdade sindical, tal como regulamentada pelo art. 8° do
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
Como se infere, em um século e meio, a
sindicalização passou de ilícito penal a um dos direitos
humanos fundamentais, estando consagrado em diversas
constituições.

II — Convenções da OIT

Em decorrência da solicitação do Conselho


Econômico e Social das Nações Unidas, a Conferência
Internacional do Trabalho, que teve lugar na cidade de São
Francisco em 1948, aprovou a Convenção n° 87, que dispõe
sobre a liberdade sindical e a proteção ao direito de
sindicalização, e é considerada a mais importante da OIT.
Antes desse tratado, a OIT aprovara duas
convenções atinentes ao direito sindical: a de n° 11, de
1921, assegurando aos trabalhadores agrícolas os mesmos
direitos de associação dos industriários, e a de n° 84, de
1947, sobre a organização sindical nos territórios não-
metropolitanos.
A Convenção n° 87 e completada pela Convenção
n° 98, de 1949, referente ao "direito de sindicalização e de
negociação coletiva". Mas vale acentuar, desde logo, que,
enquanto a Convenção n° 87 objetiva garantir a liberdade
sindical em relação aos poderes públicos, a de n° 98 tem por
finalidade proteger os direitos sindicais dos trabalhadores
perante os empregadores e suas organizações, garantir a

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fls. 385

independência das associações de trabalhadores em face das


de empregadores, e vice-versa, e, bem assim, fomentar a
negociação coletiva.
No estudo de direito comparado que tivemos a
honra de integrar ao lado dos eminentes juristas VERDIER
(França), BHAGWATI (Índia), GUBINSKI (Polônia) e JOHN WOOD
(Grã-Bretanha), o qual foi adotado pela Comissão de Espertos
na aplicação de Convenções e Recomendações, sublinhamos que
"o grau de liberdade de que desfrutam os sindicatos para
determinar e organizar sua ação depende muito de certas
normas legais de caráter geral sobre o direito da livre
reunião, o direito de livre expressão do pensamento e,
genericamente, de todas as liberdades civis e políticas de
que gozam os cidadãos do país (...). Dai a importância que
se deve atribuir aos princípios fundamentais contidos na
Declaração Universal dos Direitos do Homem, pois sua
violação pode afetar de maneira determinante o livre
exercício dos direitos sindicais".
A Convenção n° 87 assegura a liberdade
sindical nos pianos coletivos, individual e institucional,
conferindo aos empregadores e empregados, salvo aos membros
das forças armadas e da polícia (art. 9°), o direito de
constituir, sem autorização prévia, organizações de sua
escolha, assim como o de filiar-se a elas, sob a condição
única de observarem os seus estatutos (art. 2°). No curso
deste Capítulo, examinaremos diversas disposições desse
tratado.
A Convenção n° 98 tem por finalidade proteger
o trabalhador contra todo ato de discriminação tendente a
restringir a liberdade sindical em relação ao seu emprego.
No tocante ao fomento da negociação coletiva, suas
disposições estão superadas pela da Convenção n° 154, de
1981.
A Convenção n0 110, de 1958, reúne normas de
varias convenções, com disposições mais gerais adaptadas à
cultura e a produção agrícola com fins comerciais, em zonas
tropicais e subtropicais. Entre elas, as concernentes ao
direito de sindicalização, liberdade sindical e negociação
coletiva.

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fls. 386

A Convenção nº 135, de 1971, trata da


proteção e facilidades para os representantes dos
trabalhadores nas empresas. As normas do instrumento
aplicam-se tanto aos representantes sindicais quanto aos
eleitos por seus companheiros no âmbito da própria empresa
para funções que não constituam prerrogativas dos
sindicatos. Eles devem gozar de proteção eficaz contra todas
as medidas que possam prejudica-los, quando motivadas pelo
exercício da representação, da filiação sindical ou da
participação em atividades sindicais, desde que observadas
as leis, as convenções coletivas e outras normas jurídicas.
A empresa deve conceder-lhes facilidades para cumprir rápida
e adequadamente essas funções.
A Convenção nº 141, de 1976, e aplicável a
todas as organizações representativas de trabalhadores
rurais, alcançando, inclusive, as que representam
arrendatários, parceiros agrícolas ou pequenos
proprietários, cuja principal fonte de receita seja a
agricultura, quando a terra for trabalhada pessoalmente com
a ajuda de seus familiares ou trabalhadores ocasionais. A
esses agricultores e assegurado o direito de sindicalização,
devendo o Estado pôr em prática uma política de promoção das
respectivas organizações.
A Convenção no 144, de 1976, cria a obrigação
de o Estado por em pratica procedimentos que assegurem
consultas efetivas entre representantes do governo, dos
empregadores e dos trabalhadores para promover a aplicação
das normas previstas na Constituição da OIT e nos
instrumentos aprovados pela Conferência Internacional do
Trabalho. Esses procedimentos, estabelecidos depois de
consultadas as organizações sindicais mais representativas
de trabalhadores e de empregadores, terão por objeto as
respostas dos governos aos questionários sobre a ordem do
dia da Conferência e os correspondentes projetos de texto; a
submissão de convenções e recomendações a autoridade
nacional competente; as questões atinentes aos relatórios
anuais de aplicação de convenções ratificadas; o rechace
periódico de convenções não ratificadas e de recomendações
escolhidas, para esse efeito, pelo Conselho de Administração
da OIT; as propostas de denuncia de convenções ratificadas.

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fls. 387

A Convenção n° 151, de 1978, dispõe sobre a


sindicalização e a negociação coletiva dos servidores
públicos. Esse tratado abrange todas as pessoas empregadas
pela administração publica, na medida em que não lhes sejam
aplicadas disposições mais favoráveis de outras convenções;
mas a legislação nacional poderá excluir da sua incidência
os empregados de alto nível, assim considerados aqueles
cujas funções possuem poder decisório ou sejam de natureza
altamente confidencial, e, bem assim, os integrantes das
forças armadas e da polícia. Os empregados públicos —
expressão genérica usada pela Convenção — gozarão de
proteção adequada contra todo ato de discriminação anti-
social em relação a seu emprego, não podendo as suas
organizações sofrer qualquer ingerência por parte da
autoridade publica. Deverão ser concedidas facilidades aos
representantes das organizações reconhecidas, para
desempenhar suas funções com eficiência, inclusive durante
as horas de trabalho e fomentadas a negociação, a mediação,
a conciliação e a arbitragem.
A Convenção n° 154, de 1981, trata do fomento
à negociação coletiva. Aplicável a todos os ramos de
atividade econômica, prescreve que o Estado adote medidas,
compatíveis com as circunstâncias nacionais, visando a
promover esse mecanismo peculiar ao Direito do Trabalho.
Essas medidas devem fomentar não apenas o estabelecimento
negociado de condições de trabalho e de emprego, mas também
a previsão de regras de procedimento para as relações entre
empregadores ou suas organizações e uma ou várias
associações sindicais de trabalhadores.

III — Sistemas e métodos de atuação sindical

Os sistemas jurídicos sobre a organização


sindical podem ser autônomos ou heterônomos. Nos primeiros,
os próprios grupos interessados criam as respectivas regras,
com a natural observância dos princípios constitucionais
sobre o direito de associação e os decorrentes de tratados
internacionais ratificados, sobretudo os consubstanciados na
Convenção da OIT nº 87, de 1948.

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fls. 388

O sistema heterônomo, ou regulamentar,


caracteriza-se pela presença do Estado na previsão, mediante
lei, dos direitos sindicais. Essa legislação especifica pode
ser ampla ou restrita a alguns aspectos e ter diferentes
graus de intensidade: desde a simples garantia da liberdade
sindical e dos direitos que dela derivam ate a completa
regulamentação da vida sindical e das relações entre as
respectivas associações e o Estado. A intervenção mais
intensa foi adotada nos países de organização estatal
corporativa e nos de regime comunista; mas o sistema
regulamentar pode conviver com os regimes democráticos,
consagrando princípios e normas de respeito à liberdade
sindical e a seus corolários jurídicos, proteção contra atos
anti-sindicais, negociação coletiva, direito de greve etc.
Os seguintes países, dentre outros, enquadram-se no sistema
heterônomo: Argentina, Brasil, Colômbia, Estados Unidos,
França, México, Peru, Portugal, URSS e Venezuela.
Os métodos de atuação das associações
sindicais correspondem as suas diretrizes doutrinarias:

a) sindicalismo revolucionário, que considera o sindicato "o


instrumento necessário da evolução proletária emancipadora. A
greve e a violência são métodos pelos quais os sindicatos podem
realizar os seus fins revolucionários. Obtidos estes, instaurado o
novo sistema, o sindicato passara a instrumento administrativo". No
Brasil, por influencia de imigrantes italianos e espanhóis, foram
criadas "uniões operarias" que defendiam o anarcossindicalismo;

b) sindicalismo reformista, que objetiva a melhoria das


condições de trabalho e o bem-estar social da família operária,
mediante ação reivindicatória que despreza os meios violentos. Não
tem por alvo a modificação do regime político-econômico, mas a
gradativa transformação das relações entre as empresas e seus
empregados. Faz da negociação coletiva, com ou sem greve, o
instrumento para a consecução dos seus fins;

c) sindicalismo cristão, esteado na doutrina social da Igreja


católica, tal como revelada na Rerum Novarum, do Papa LEÃO
XIII, e nas demais encíclicas que, posteriormente, abordaram o
tema. Despreza também os meios violentos para obter melhores

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fls. 389

condições de trabalho e de vida, tendo por meta a dignificação do


trabalhador;

d) sindicalismo pragmático, ou de resultados, que é derivante


do sindicalismo reformista e tem na organização sindical norte-
americana o seu mais eloqüente exemplo. Coordenadas, quase que
totalmente, pela central sindical resultante da fusão do Congres of
Industrial Organizations com a American Federation of Labour,
fazem do contrato coletivo com empresas (não as convenções de
categoria ou industria) o instrumento mais poderoso de sua atuação.
Raramente recorrem às greves e não defendem nenhuma ideologia;
mas indicam aos seus associados alguns candidatos a mandatos
eleitorais;

e) sindicalismo de Estado, que pode conviver tanto com a


organização corporativa quanto com a comunista. Caracteriza-se
por enquadrar as associações sindicais como entes sujeitos a
orientação e ao controle do Governo central, com delegação de
certos encargos estatais. Por vezes, são beneficiários de recursos
financeiros de natureza publica. O monopólio de representação e
sempre imposto aos sindicatos (unicidade sindical compulsória),
com organização hierarquizada, de forma a que a entidade (ou
entidades) de cúpula comande as de nível médio e as de base.

Por muito tempo, os sindicatos organizaram-se


por profissão ou ofício. Essa estruturação, porém, como
observou WALTER KASKEL, esta hoje quase totalmente
abandonada, substituída que foi pela organização do
sindicato por categorias ou industrias, tanto em relação às
associações de empregadores, como no tocante as de
trabalhadores. Esse sistema é o preferido pelo movimento
sindical contemporâneo, que critica tanto a sindicalização
dos trabalhadores por oficio ou profissão, como por empresa
e até por estabelecimento. Esses últimos critérios de
sindicalização têm proporcionado maior influencia da
administração da empresa sobre os respectivos empregados.
Não obstante, a sindicalização dos trabalhadores por empresa
ainda vigora em alguns países.
A Convenção n° 87 esclarece que ela concerne
a "qualquer organização de trabalhadores ou de empregadores

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fls. 390

que tenha por fim promover e defender os interesses dos


trabalhadores ou dos empregadores" (art. 10). Daí sublinhar
JEAN MAURICE VERDIER que "A razões de ser de direito
sindical é a defesa de interesses profissionais".
Ponderemos, ainda, que o art. 8° da
mencionada Convenção adverte que:

"I — Ao exercer os direitos que se lhes reconhecem na


presente Convenção, os trabalhadores, os empregadores e suas
respectivas organizações estão obrigados, tal como as demais
pessoas ou coletividades organizadas, a respeitar a legalidade."

IV — Organizações sindicais internacionais

Em regra, as associações sindicais nacionais,


principalmente as confederações que congregam federações ou
sindicatos, estão filiadas, no âmbito internacional, a uma
das seguintes entidades:

a) Federação Sindical Mundial (FSM), que reúne associações


sindicais na linha comunista ou socialista-democrática e tem sede
em Praga;
b) Confederação Mundial do Trabalho (CMT), que agremia
organizações sindicais defensoras da doutrina crista e tem sede em
Bruxelas;
c) Confederação Internacional das Organizações Sindicais
Livres (CIOSL), que defende o sindicalismo estritamente
profissional, desligado de qualquer pregação ou vinculação política
ou religiosa. Está sediada também em Bruxelas.

A FSM, criada em 1913, foi reorganizada e


dominada pela esquerda sindical no Congresso de Paris de
1945, com o objetivo de tomar-se sucessora da Terceira
Internacional, constituída por LENIN em 1914, e da
Internationale Syndicale Rouge (ISR), a qual, fundada em
192O, foi dissolvida logo após a Segunda Grande Guerra. Em
conseqüências, as organizações não vinculadas às correntes
socialistas, comandadas pelo Congresso dos Sindicatos
Britânicos e pelas centrais sindicais norte-americanas CIO e
AFL, antes da precipitada fusão, reuniram-se em Londres

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fls. 391

(1949), romperam com a FSM e criaram a CIOSL, com o objetivo


de defender o sindicalismo livre.
A CMT resultou da transformação, verificada
em 1946, da Confederação Internacional dos Sindicatos
Cristãos, que fora instituída em 1919. Na oportunidade,
promoveu-se a reforma dos estatutos para deles excluir
qualquer referenda a religião. Mas, por tradição, os
programas e atividades da CMT tem por base a promoção da
doutrina social da Igreja.
Nos últimos trinta anos, como registra JEAN
MAURICE VERDIER, configura-se a tendência da Organização
internacional do movimento sindical por grupos
profissionais, independentemente das precitadas centrais
internacionais.
Nas Américas funcionam, igualmente, três
centrais sindicais continentais, que se vinculam as
precitadas organizações internacionais:

a) Organização Regional Interamericana de Trabalhadores


(ORIT), fundada no Primeiro Congresso Interamericano de
Trabalhadores (Lima, 1948). Sediada na cidade do México, ligou-se
a CIOSL;
b) Central Latino-Americana de Trabalhadores (CLAT), criada
em 1954, com sede em Caracas, vinculou-se a CMT;
c) Congresso Permanente de Unidade Sindical dos Trabalha-
dores da América Livre (CRUSTAL), instituído em 1964 na cidade
de Brasília, pouco antes da Revolução de 31 de marco de 1964,
com filiação a FSM. Está sediada na capital mexicana.

V — A Organização sindical no Brasil

A — Histórico — A evolução sindical


brasileira esta retratada na historia do Direito do Trabalho
no Brasil, cujo resumo apresentamos no Cap. III do Tít. I,
ao qual nos reportamos.
B — Liberdade Sindical — A Constituição de
1988, depois de enunciar, tal como as que lhe precederem em
1937 (art. 138), 1946 (art, 159) e 1967, revista em 1969
(art. 166), que:

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fls. 392

"É livre a associação profissional ou


sindical" (art. 8°, caput), acrescentou: "observado o
seguinte". E o que se segue, nos incisos II e IV, é uma
afronta ao princípio universalizado de liberdade sindical,
visto que impõe a unicidade sindical compulsória por
categoria e autoriza contribuições obrigatórias em favor das
associações que formam o sistema confederativo de
representação sindical.
Deduz-se do direito comparado, inspirado
sobretudo nos princípios consubstanciados na Convenção da
OIT nO 87 (Genebra, 1948) e no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (Nova York,
1966), que a liberdade sindical deve ser vista sob um
tríplice aspecto:

a) liberdade sindical coletiva, que


corresponde ao direito dos grupos de empresários e de
trabalhadores, vinculados por uma atividade comum, similar
ou conexa, de constituir o sindicato de sua escolha, com a
estruturação que lhes convier;
b) liberdade sindical individual, que é o
direito de cada trabalhador ou empresário de filiar-se ao
sindicato de sua preferência, representativo do grupo a que
pertence, e dele desligar-se;
c) autonomia sindical, que concerne à
liberdade de Organização interna e de funcionamento da
associação sindical e, bem assim, à faculdade de constituir
federações e confederações ou de filiar-se as já existentes,
visando sempre aos fins que fundamentam sua instituição.
A tantas vezes invocada Convenção n° 87, cujo
art. 8° da Constituição de 1988 impede a ratificação pelo
Brasil, consagra, no seu art. 2°, a liberdade sindical
coletiva e a individual, enquanto, no art. 3°, trata da
autonomia sindical.
O governo do Presidente LULA já anunciou que
enviara projeto de Emenda Constitucional ao Congresso
Nacional, objetivando a reforma do mencionado art. 8°. Oxalá
disponha adequadamente sobre o tema e consiga a sua
aprovação.

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fls. 393

C — Unidade e pluralidade sindical — A


unidade sindical na representação da categoria profissional
e, bem assim, da profissão, ofício ou grupo de empregados de
uma empresa, estabelecimento ou setor de atividade,
constitui meta defendida por expressivos movimentos
sindicais, visando ao fortalecimento das respectivas
associações. Mas ela deve resultar da conscientização dos
trabalhadores e dos empresários, a qual se irradia na medida
em que os sindicatos trabalhem com êxito na promoção dos
interesses e na defesa dos direitos dos seus representados.
Por seu turno, a realidade evidencia que essa unidade de
representação não se sustenta quando as entidades sindicais
vinculam-se a doutrinas políticas ou religiosas, às quais
subordinam os interesses profissionais ou econômicos. Na
maioria dos países há pluralidade de direito e de fato (p.
ex.: França, Itália, Espanha); em alguns, e facultada a
pluralidade sindical, mas, por conscientização dos
trabalhadores, vigora, de fato, a unidade de representação
(p. ex.: Alemanha e Reino Unido); em outros, o monopólio de
representação sindical é imposto por lei (p. ex.: Brasil,
Colômbia, Peru); na Argentina ha pluralidade sindical, mas a
um só é conferida a "personalidad gremial" para negociar
como representante do grupo.
O princípio da liberdade sindical, como tem
ressaltado a OIT, aceita a unidade fática de representação,
exigindo apenas que o sistema jurídico possibilite a
pluralidade de associações, em qualquer nível; admite,
outrossim, a designação do sindicato mais representativo
como porta-voz do grupo em determinadas questões. Quanto à
estruturação, devem os trabalhadores ter a faculdade de
organizar sindicatos de categoria, profissão, oficio,
empresa e até de estabelecimento.
Nos sistemas que facultam a pluralidade
sindical, a lei, as entidades sindicais de cúpula (pacto ou
acordo interconfederal) ou a conseqüência devem editar
regras sobre:

a) aferição do sindicato mais representativo


para falar em nome do correspondente grupo nos procedimentos
da negociação coletiva;

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fls. 394

b) critérios para a solução dos conflitos de


representação, sobretudo quando estes ocorrem entre um
sindicato de categoria e outro de empresa ou de profissão.

Já nos sistemas em que e imposta a unicidade


sindical, a lei deve dispor sobre:

a) o tipo de sindicalização do grupo de


empregadores ou de trabalhadores (dimensão qualitativa:
categoria, empresa, profissão ou ofício);
b) os limites da base territorial (dimensão
quantitativa);
c) as condições mínimas para o registro
gerador da personalidade sindical, a fim de possibilitar o
controle de regime do monopólio sindical;
d) os requisites para a formação de entidades
de grau superior.

Nós, tal como os demais integrantes da


comissão elaborada do projeto da CLT, já defendemos o
monopólio de representação sindical, à época imposto pela
Carta Política de 1937. Justificamos, assim, que GETULIO
VARGAS o tenha adotado visando a evitar o fracionamento dos
sindicatos e o conseqüente enfraquecimento das respectivas
representações, numa época em que a falta de espirito
sindical dificultava a formação de organismos sindicais e a
filiação de trabalhadores aos mesmos. Afinal, esse espirito
resulta das concentrações operarias, que dependem do
desenvolvimento industrial. Daí por que, hoje, defendemos a
liberdade de Constituição de sindicatos, embora reconhecendo
que o ideal seja a unidade de representação decorrente da
conscientização dos grupos de trabalhadores ou de
empresários interligados por uma atividade comum. Outrossim,
as centrais sindicais brasileiras, de diferentes matizes
filosóficos, criaram uma realidade, que não pode ser
desprezada, justificadora da pluralidade sindical.
Não será fácil, porem, a emenda do art. 8° da
Constituição de 1988, pelo Congresso Nacional. Para EDUARDO
GABRIEL SAAD, o nosso país já reúne as condições essenciais
justificadoras dessa alteração de profundas e extensas

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fls. 395

repercussões. Mas, como adverte, "as diferenças de


desenvolvimento cultural, social e econômico entre as
diversas regiões do Brasil são mais profundas do que entre
os países do velho continente. Devido à vida mais longa do
sindicato único no Brasil, é natural que os múltiplos
interesses de lideres patronais e de empregados estejam
intensamente articulados com a atual ordem sindical".
D — Sindicalização por categoria econômica e
categoria profissional — Alem de impor o monopólio da
representação sindical) o aludido inciso II da Carta Magna
determinou que a organização, "em qualquer grau, seja
representativa de categoria profissional ou econômica". Se
tivesse referido apenas "categoria", poder-se-ia entender
que cogitava, indeterminadamente, de qualquer grupo de
trabalhadores ou de empresários; mas a verdade é que alude a
"categoria profissional" e "categoria econômica" —
expressões a que correspondem conceitos sociológicos
transplantados para o direito positivo brasileiro. E as
normas legais pertinentes são não somente compatíveis com o
Estatuto Fundamental, mas necessárias ao funcionamento do
sistema sindical por ele adotado. Daí ter decidido a Suprema
Corte, em judicioso aresto, do qual foi relator o ministro
MARCO AURÉLIO FARIAS DE MELLO:

"O pleno da Corte já teve oportunidade de


assentar a recepção, pela atual Carta, das normas de índole
ordinária em tudo que não contrariem a proibição
constitucional alusiva à interferência e à intervenção do
Poder Publico na organização sindical."

E esclareceu:

"As normas da Consolidação das Leis do


Trabalho envolvidas neste caso — arts. 511 e 570 — estão em
pleno vigor
......................................

O preceito do inciso II do art. 8° da


Constituição Federal atribui a trabalhadores e empregadores
a definição não da categoria profissional ou econômica que é

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fls. 396

inerente à atividade, mas a base territorial do sindicato, o


que pressupõe o respeito à intangibilidade daquela — da
categoria — mormente quando fixada por estatuto normativo
especial. Ainda que inexistisse tal legislação, o surgimento
de sindicatos conforme a especificidade da função exercida
acabara por fulminar o princípio da unicidade sindical."
O mencionado art. 511, depois de afirmar que
a associação em sindicato é lícita "para fins de estudo,
defesa e coordenação dos interesses econômicos ou
profissionais de todos os que, como empregadores,
empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou
profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma
atividade ou profissão ou atividades similares ou conexas",
estabelece os conceitos legais de "categoria econômica",
"categoria profissional" e "categoria profissional
diferenciada". O art. 570, que realmente complementa o art.
511, proclama a regra segundo a qual os sindicatos devem
constituir-se normalmente por categorias econômicas ou
profissionais especificas: atividades idênticas dos que
compõem o grupo representado; mas, quando os empresários ou
os trabalhadores não estiverem em condições de sindicalizar-
se eficientemente pelo critério de especificidade de
categoria, poderão fazê-lo "pelo critério de categorias
similares ou conexas, entendendo-se como tais as que se
acham compreendidas nos limites de cada grupo constante do
quadro de atividades e profissões".
Em face do preceituado no citado art. 511 e
nos seus parágrafos, a categoria econômica corresponde a um
grupo social de formação espontânea, uma unidade sociológica
resultante da solidariedade de interesses comuns das
empresas que empreendem atividades idênticas, similares ou
conexas (categoria econômica}; a categoria profissional
decorre da similitude de condições de vida oriunda do
trabalho em comum, executado pelos empregados das empresas
que realizam atividades idênticas, similares ou conexas.
O empregado, portanto, compõe a categoria
profissional correspondente à categoria econômica a que
pertence a empresa em que trabalha, pouco importando a
função que nela exerce (p. ex: o escriturário e o servente
de uma empresa metalúrgica são metalúrgicos). Há, no

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fls. 397

entanto, exceções a essa regra, restritas aos trabalhadores,


inclusive os profissionais liberais, que exerçam profissões
ou ofícios diferenciados por estatutos ou regulamentos
especiais ou que irradiam condições de vida peculiares
(categoria profissional diferenciada). A definição da
categoria dos mesmos, para efeito de sindicalização,
independe da natureza da atividade econômica empreendida
pela empresa de que sejam empregados.
Quanto aos profissionais liberais, depois da
vigência da Lei n° 7.316, de 28.5.85, que deu aos
correspondentes sindicatos a legitimidade processual para
representar os que trabalham com relação de emprego, eles
devem ser considerados como integrantes da categoria
profissional diferenciada.
Relativamente aos sindicatos rurais, o
parágrafo único do art. 8° da Carta Magna manda que sejam
atendidas as condições (especiais} que a lei estabelecer.
Acentua-se, por isto, que o Decreto-lei n° 1.166, de 1971,
reafirma o princípio da unicidade sindical compulsória, como
base da organização, mas possibilita a formação de
sindicatos de atividades econômicas ou profissionais
ecléticas (art. 3°), não limitando a representação sindical,
como a CLT, a categorias idênticas, similares ou conexas.
Daí por que, numa área geográfica, pode haver somente um
sindicato de empregadores e outro de trabalhadores rurais.
Outra peculiaridade dessa lei especial e o alargamento do
conceito de trabalhador, para fins de enquadramento e
representação sindical, considerando como tal também aquele
que, proprietário ou não, trabalhe individualmente ou em re-
gime de economia familiar. Em face do que nele se dispõe, o
mesmo sindicato de trabalhadores pode congregar empregados,
parceiros agrícolas e até pequenos proprietários ou
arrendatários que empreendam a atividade rural como
trabalhadores autônomos ou em regime de economia familiar.
O mesmo parágrafo alude desnecessariamente as
colônias de pesca, pois o direito de sindicalização está
assegurado tanto aos empregados como aos trabalhadores
autônomos; mas nada impede que sejam objeto de lei especial.
O art. 570, além das regras enunciadas para a
formação de sindicatos, alude ao "quadro de atividades e

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profissões" que fora aprovado pelo art. 577. Todavia, porque


era dinâmico por propostas da Comissão de Enquadramento
Sindical aceitas pelo Ministro do Trabalho, ele tomou-se
incompatível com o art. 8°, I, da Constituição de 1988. Dai
ter sido extinta essa Comissão. O quadro serve hoje apenas
de modelo para a instituição de entidades sindicais.
E — Criação de sindicato —Se o referido
quadro de atividades e profissões serve apenas de modelo,
mesmo porque não mais foi complementado por novas categorias
resultantes da evolução socio-econômica e tecnológica, certo
é que, em face da mencionada decisão do Pleno da Suprema
Corte, os grupos de empregadores e de trabalhadores que
pretenderem constituir sindicatos terão de observar os
conceitos de categoria econômica, categoria profissional e
categoria profissional diferenciada enunciados no art. 511
da Consolidação, com as citadas complementações do Decreto-
lei nO 1.166, de 1971, e da Lei n° 7.316, de 1985.
Para formar sindicato novo, o grupo de
trabalhadores ou de empregadores interessados devera
estabelecer, na ata de fundação e nos estatutos:

a dimensão qualitativa da representação


(definição da categoria), tendo em vista os conceitos
constantes do art. 511 da CLT ou, se for o caso, da Lei n°
1.166, de 1971; a dimensão quantitativa da representação
(base territorial), que não poderá ser inferior ao Município
(art. 8°, II, da CF).
Para respeitar o princípio da unicidade de
representação sindical por categoria no qual se esteia o
sistema constitucional, e imprescindível que as categorias
estejam devidamente conceituadas e dimensionadas, a fim de
que a representação de um sindicato não invada a de outro. E
daí decorrem múltiplas questões jurídicas, que estão
reguladas, de um modo geral, por normas da CLT. Sublinhe-se,
neste passo, que, por ser a representação sindical por
categoria econômica ou profissional, não será possível a
formação de sindicato de empresa ou estabelecimento.
Outrossim, o sindicato de determinada profissão ou oficio
estará condicionado à circunstância de tratar-se de
profissionais liberais ou de trabalhadores exercentes de

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fls. 399

ofícios que se enquadrem no conceito de categoria


profissional diferenciada.
Se já existir sindicato representativo da
mesma categoria, na base territorial pretendida, o novo não
poderá obter o registro do qual resulta a personalidade
sindical; mas, como veremos a seguir, será possível, se for
o caso, a dissociação ou desmembramento da categoria já
representada por sindicato.
Entendemos, por outro lado, que um grupo de
trabalhadores ou de empregadores poderá constituir uma
associação profissional (arts. 512 e 558 da CLT e art. 5°,
XVII, da Constituição) para categoria já organizada em
sindicato, posto que a Constituição só impôs o monopólio de
representação em relação ao sindicato como tal registrado
perante a autoridade competente (art. 8°, I e II). E se a
associação profissional vier a considerar-se mais
representativa, ser-lhe-á facultado pleitear a investidura
sindical, mediante cancelamento do registro deferido em
favor da entidade anterior (art. 519 da CLT, ineficaz
somente na parte em que afronta a autonomia sindical).
Quando uma empresa dedicar-se a duas ou mais
atividades econômicas, a que correspondem categorias
distintas, tanto ela quanto os seus empregados deverão ser
representados pelos sindicatos de empregadores ou de
trabalhadores referentes a atividade preponderante. Em caso
contrario, os setores que realizam atividades distintas e
independentes serão incorporados às respectivas categorias
econômicas. Neste sentido dispõe o art. 581 da CLT, ao
tratar de calculo da contribuição sindical compulsória
devida anualmente pelas empresas. Não se confunda, porém,
atividade preponderante com atividade principal. Consoante o
preceituado no § 2° do citado artigo:

"Entende-se por atividade preponderante a que


caracterizar a unidade do produto, operação ou objetivo
final, para cuja obtenção todas as demais atividades
convirjam, exclusivamente, em regime de conexão funcional."

Destarte, haverá atividade preponderante se


todos os estabelecimentos ou setores da empresa operarem,

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fls. 400

integrados e exclusivamente, para a obtenção de determinado


bem ou serviço. Mas, se a atividade desenvolvida por um
estabelecimento ou departamento puder ser destacada, sem que
o funcionamento da empresa seja afetado na consecução do seu
principal objetivo, aquela será independente para fins de
sindicalização.
Na versão original da CLT, a associação
profissional representava uma fase preliminar obrigatória da
investidura sindical, cabendo ao Ministério do Trabalho
expedir a "Carta de Reconhecimento" em favor da associação
mais representativa (art. 519). Essa norma, evidentemente,
perdeu sua validade, por ser incompatível com o estatuído no
art. 8° da Constituição. Já agora, a investidura sindical
independe de prévia formação de associação profissional. Os
grupos de empregadores e trabalhadores, intervinculados pelo
exercício de atividades econômicas ou profissionais
idênticas, similares ou conexas, têm o direito de constituir
o respectivo sindicato, desde que ele ainda não exista,
representando a categoria na mesma base territorial.
F — Administração do sindicato — O sindicato
é administrado por uma diretoria e terá um conselho fiscal
(art. 522). A autonomia sindical assegurada pelo art. 8°, I,
da Constituição de 1988, tomou ineficazes inúmeras
disposições do Capítulo I, Seções III e IV, do Titulo V da
CLT, referentes à administração do sindicato e a eleição dos
componentes dos seus órgãos. Por via de conseqüências, o
estatuto da entidade pode ampliar o numero de membros dos
precitados órgãos; mas, consoante a conseqüência do STF e do
TST, como já assinalamos, a estabilidade no emprego prevista
no inciso VIII do aludido dispositivo da Carta Magna esta
limitada ao numero de associados fixado no art. 522.
O sindicato pode instituir delegacias ou
seções na sua base territorial (art. 517, § 2°), que serão
dirigidas por associados radicados nas respectivas
localidades (art. 523). Os delegados sindicais em empresas,
que também podem ser designados pela diretoria, não se
confundem com os representantes do pessoal de que cogita o
art. 11 da Constituição, os quais devem respeitar a reserva
sindical.

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fls. 401

G — Concentração e desmembramento de
categorias — Consoante o disposto no art. 570 da CLT, os
sindicatos devem ser constituídos, preferencialmente, por
categorias especificas. Esta é a regra. A exceção é o
sindicato concentrar, na sua representação, categorias
similares ou conexas. E tanto é exceção que o parágrafo
único do citado artigo só a admite quando os componentes de
uma categoria especifica não puderem sindicalizar-se com
eficiência.
Por se tratar de exceção, o art. 571, que
complementa o precedente, prescreve que qualquer das
atividades concentradas poderá dissociar-se para formar um
sindicato especifico, de atividades idênticas, desde que
"ofereça possibilidade de vida associativa regular e de ação
sindical eficiente". É certo que esse dispositivo condiciona
a dissociação ao "juízo da Comissão de Enquadramento
Sindical". Mas, nesse ponto, e inquestionável que ele entra
em testilha com o art. 8°, I, da Constituição. Alias, como
asseverou a Suprema Corte:

"A Constituição vigente valoriza o chamado


livre impulso associativo, ao erigir como única limitação a
organização sindical, nos três graus, a unicidade de
representação de uma categoria econômica ou profissional, na
mesma base territorial."

Do caput do art. 570 deduz-se que os grupos


interessados podem decidir, seja pela concentração de
categorias similares ou conexões, seja pelo desmembramento
da categoria representada pelo sindicato. Mas a deliberação
do grupo deve ser justificada no caso de desmembramento,
pela caracterização de nova categoria advinda do
desenvolvimento socioeconômico ou de nova tecnologia.
Destarte, a concentração ou desmembramento de
categorias dependem, preliminarmente, de decisão da
assembléia dos sindicatos interessados, especialmente
convocada para esse fim. Ha de prevalecer a vontade soberana
dos grupos que pretendem a aglutinação ou do grupo que
deseja desmembrar-se.

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fls. 402

H — Filiação ao sindicato — Uma das facetas


da liberdade sindical e a faculdade assegurada ao
trabalhador e ao empresário de filiar-se ao sindicato
representativo do seu grupo profissional ou econômico e de
nele permanecer enquanto lhe aprouver. (art. 8°, V, da
Constituição)
Nula, portanto, qualquer cláusula de
convenção coletiva ou de outro instrumento normativo,
regulamento de empresa ou contrato individual de trabalho
que subordine a admissão em emprego ou a aquisição de
direitos a condição de ser trabalhador sindicalizado (closed
shop] ou de não sindicalizar-se {yelow dog contract}. Também
a lei não poderá discriminar entre o sindicalizado e o não-
sindicalizado.
A Convenção da OIT n° 98, de 1949, ratificada
pelo nosso pais, determina que os trabalhadores devem gozar
de adequada proteção contra todo ato de discriminação
tendente a restringir a liberdade sindical em relação ao seu
emprego, entendendo como tal, seja o condicionamento do
empregado à não-filiação a um sindicato ou ao seu
desligamento do quadro de associados, seja a despedida ou a
aplicação de outra penalidade em virtude da sua filiação
sindical ou da sua participação em atividades sindicais fora
das horas de trabalho ou, ainda, se tiver havido
consentimento do empregador, durante a jornada de trabalho.
A CLT, em disposição por nos redigida quando
no exercício do cargo de Ministro do Trabalho e Previdência
Social, estabelece, a propósito:

"A empresa que, por qualquer modo., procurar


impedir que o empregado se associe a sindicato, organize
associação profissional ou sindical ou exerça os direitos
inerentes a condição de sindicalizado, fica sujeita a
penalidade prevista na letra a do art. 553, sem prejuízo da
reparação a que tiver direito o empregado" (art. 543, § 6°,
da CLT).

Por sua vez, o art. 543 da Consolidação, no


seu caput, proíbe, sob pena de nulidade, a transferência do
dirigente ou representante sindical para "lugar ou mister

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fls. 403

que lhe dificulte ou tome impossível o desempenho das suas


atribuições sindicais".
Em face do estatuído na Carta Política de
1988, o estrangeiro (art. 5°, caput} e o aposentado (art.
8°, VII) podem filiar-se ao sindicato representativo da sua
categoria e nele exercer cargo de administração ou de
representação.
I — Entidades de grau superior — Ao
prescrever que fica "vedada a criação de mais de uma
organização sindical, em qualquer grau" (art. 8°, II) e
referir-se ao "sistema confederativo de representação
sindical respectivo" (art. cit., IV), a Constituição de 1988
endossou o piano a respeito adotado pela CLT: a cada setor
da economia nacional corresponde uma pirâmide, cuja base e
formada por sindicatos, o meio por federações que os
agremiam e o vértice pela confederação do respectivo ramo.
Em face do disposto no art. 534 da CLT, o
mínimo de cinco sindicatos de atividades idênticas,
similares ou conexas, desde que representem a maioria
absoluta dos sindicatos do correspondente grupo, podem
organizar-se em federação, no mínimo e preferentemente de
âmbito estadual. Só o § 2° desse artigo perdeu sua validade
jurídica, pois o inciso I do art. 8° da Lei Maior não mais
permite que a formação de federação interestadual ou
nacional fique subordinada a previa autorização do ministro
do Trabalho.
O art. 535 foi recepcionado pela Carta Magna
na parte em que exige o mínimo de três federações do mesmo
ramo econômico ou profissional para constituir confederação,
sempre de âmbito nacional.
As categorias formadoras dos grupos que podem
organizar-se em federações (art. 534) estão elencadas no
quadro de atividades e profissões a que se refere o art.
577. E o art. 535 relaciona os ramos econômicos ou
profissionais, constituídos dos grupos que podem reunir-se
em confederações nacionais. Esse quadro, como mencionamos no
item D desta Seção, perdeu sua eficácia jurídica com a
vigência da Carta Magna de 1988. Aliás, a relação de
categorias, grupos e ramos econômicos ou profissionais,
assim como as de profissões liberais, sempre foi dinâmico.

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fls. 404

Sobretudo depois da nova revolução tecnológica, associada à


globalização econômica, surgiram novas atividades e
profissões, sendo que os serviços, mais do que a
agricultura, a industria e o comercio, tiveram — e continuam
a ter — ampla expansão. Daí a possibilidade de serem
desmembradas, tanto as federações representativas dos grupos
econômicos ou profissionais elencados no referido quadro,
quanto as confederações relacionadas no art. 535 da CLT.
Como bem assinalou EDUARDO GABRIEL SAAD, nas edições
posteriores à Carta Política de 1988, "O rol de
confederações encerrado no artigo sob comentário (art. 535)
pode ser aumentado para atender os interesses deste ou
daquele grupo profissional ou econômico.
Ponderemos que o disposto no art. 537, que
condicionava o nascimento de federação a carta de
reconhecimento expedida pelo ministro do Trabalho e o de
confederação a decreto do presidente da Republica, perdeu
sua eficácia jurídica por atritar com ao art. 8°, I, da
Constituição.
Ao afirmar a validade da instituição da
Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos,
desmembrada da CNT da Industria, decidiu o Supremo Tribunal
Federal:

"A lei já não pode mais obstar o surgimento


de entidades sindicais de qualquer grau, se não quando
ofensivo ao principio da unicidade, na mesma base
territorial. A pretendida ilegalidade da criação da
Confederação dos Metalúrgicos, porque não prevista no art.
535, §§ 1° e 2°, da CLT, não pode subsistir em face da norma
constitucional assecuratória de ampla liberdade de
associação laboral, sujeita, exclusivamente, a unicidade de
representação sindical."

E, em recente decisão, como revelou o


ministro aposentado do TST, MARCELO PIMENTEL, a 1ª Turma da
Suprema Corte considerou legitima a criação de uma
Confederação Nacional de Serviço — a da Saúde — desmembrada
da Confederação Nacional do Comércio.

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fls. 405

Em reiteradas decisões, o Supremo Tribunal


Federal tem-se manifestado no sentido de que as federações
sindicais, mesmo quando de âmbito nacional, não possuem
"legitimidade para propor ação direta de
inconstitucionalidade. Apenas as Confederações sindicais
(art. 1O3, IX, da Constituição Federal) tem legitimação para
ajuizar tal ação".
J — Centrais sindicais — Em face do que acaba
de ser exposto, e evidente que as centrais não possuam
personalidade sindical. Basta ter-se em conta que existem
cinco (duas CGT — Central Geral dos Trabalhadores; CUT —
Central Única dos Trabalhadores; Forca Sindical e USI —
União Sindical Independente) e a Constituição impõe o
monismo sindical "em qualquer grau" (art. 8°, II). Aludindo
a este inciso, escreveu EDUARDO GABRIEL SAAD: "Semelhante
dispositivo cons-titucional não deixa espaço para que as
Centrais Sindicais organizem-se legitimamente. Numa palavra,
e inadmissível que haja pluralismo na cúpula sindical (CUT,
CGT etc.) e unitarismo nos pianos inferiores".
A posição das centrais sindicais de
trabalhadores no cenário sindical brasileiro é, no mínimo,
extravagante. Elas não integram o sistema confederativo
previsto na Constituição e na CLT, o qual se esteia no
princípio da unicidade de representação em todos os níveis.
São, por conseguinte, associações civis de que tratam os
incisos XVII e XXI do art. 5° da Carta Magna. Entretanto,
quase todas as entidades sindicais — a maioria dos
sindicatos, muitas federações e algumas confederações —
estão filiadas a uma das cinco centrais e seguem as suas
diretrizes; e, de fato; elas comandam o movimento sindical.
Eis um paradoxo que resulta do art. 8° da Constituição, cuja
alteração impõe-se para adequar-se à realidade sindical
brasileira.
Configura-se, assim, a pluralidade de
representação de fato na cúpula do movimento sindical
brasileiro, a refletir-se nas organizações que, por direito,
representam as categorias profissionais (sindicatos) ou
coordenam os correspondentes grupos (federações) e ramos da
economia (confederações).

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fls. 406

Se o monopólio de representação sindical


viola, como já sublinhamos, o principio universalizado da
liberdade sindical, certo é que essa pluralidade de fato,
num regime legal compulsório de representação unitária,
afronta, em sua essência, a liberdade sindical coletiva e
também a individual: o trabalhador que não concordar com a
orientação doutrinaria ou pragmática de determinada central,
à qual se vinculou o sindicato da sua categoria, somente
nele poderá ingressar como associado; e, ainda que se não
sindicalize, será por ele representado em todas as questões
de interesse da sua categoria.
Como associações civis, as denominadas
centrais sindicais podem impetrar mandado de segurança
coletivo, nos termos do art. 5°, LXX, alínea b, do Estatuto
Político; mas porque não são destinatárias da investidura
sindical, não tem legitimidade jurídica para decretar
greves, celebrar convenções ou acordos coletivos de
trabalho, instituir juízo arbitral ou representar categoria
de trabalhadores em dissídio coletivo da competência da
Justiça do Trabalho.
Cedendo, porém, à força normativa da
realidade, diversas leis têm atribuído a centrais sindicais
a representação dos trabalhadores em diversos órgãos
públicos, sendo que no "Foro Consultivo Econômico-Social" do
MERCOSUL, a CUT e a Força Sindical e que representam os
trabalhadores brasileiros.
K — Autonomia sindical — A Constituição de
1988 prescreveu que o Poder Publico não pode interferir ou
intervir na organização sindical (art. 8°, I). Assegurou,
assim, a autonomia sindical, que é uma das facetas da
liberdade sindical. Os sindicatos, federações e
confederações tem a liberdade de organização interna e de
funcionamento para alcançar os fins que fundamentam sua
instituição. O alvo da vedação é, sem dúvida, o Poder
Executivo, o qual, em face de diversas disposições da CLT,
que agora perderam a eficácia jurídica, interferia no
funcionamento dessas entidades, podendo o ministro do
Trabalho, em algumas situações, intervir na respectiva
administração. É claro que o Estado, mediante leis
compatíveis com a Carta Magna, pode continuar a tratar da

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fls. 407

organização sindical, na conformidade da competência da


União para legislar (art. 22, I"). De igual modo, o Poder
Judiciário terá de julgar as ações referentes a vida
sindical (art. 5°, XXXV).
Nos termos do art. 3° da Convenção 87, cabe à
própria associação sindical dispor sobre sua estrutura
administrativa, a competência dos seus órgãos, o
funcionamento dos serviços e as atividades a empreender.
Entretanto, a associação de qualquer nível, porque autonomia
não significa soberania, deve respeitar, segundo o aludido
tratado:
a) os objetivos da organização sindical que
correspondem a promoção e a defesa dos interesses dos
trabalhadores ou dos empregadores (art. 1O);
b) o princípio da legalidade, mediante
sujeição às normas legais aplicáveis a outras pessoas
físicas ou jurídicas, desde que não violem as garantias
inseridas na Convenção (art. 8°)
Na lição de EVARISTO DE MORAES FILHO, essa
autonomia significa "o limite da ação do sindicato, é o
direito de sua autodeterminação, é o poder reconhecido ao
sindicato para alcançar suas finalidades, dentro dos meios
não contraries a lei e normas estabelecidas para a
manutenção da ordem publica democrática. É o círculo dentro
do qual o sindicato pode agir, a fim de obter a realização
dos seus propósitos de representantes de uma atividade
econômica".
Não se confunda, portanto, autonomia com
soberania. Soberano é o Estado. Frente a este, cumpre à
ordem jurídica garantir a autonomia das entidades sindicais;
mas a ação destas, como a das demais pessoas físicas e
jurídicas, tem de respeitar a ordem publica e os direitos
humanos fundamentais de outrem. A propósito, é expresso o
art. 8° do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais da ONU. O direito à vida, à saúde, à
segurança e os que decorrem da personalidade — estes sim —
constituem direitos humanos inalienáveis.
Corolário da autonomia sindical é o princípio
da não-intervenção da autoridade administrativa na vida da

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fls. 408

associação sindical. E nesse ponto a Convenção n° 87 foi


explicita, estatuindo no art. 4° que:

"As organizações de trabalhadores e de


empregadores não estão sujeitas a dissolução ou suspensão
por via administrativa".

Na conformidade da conseqüência do Comitê de


Liberdade Sindical, referendada pelo Conselho de
Administração da OIT, somente o Poder Judiciário, em
processo no qual seja assegurado pleno direito de defesa,
pode penalizar organizações sindicais ou dirigentes.
Ao consagrar a não-interferência do poder
publico na organização sindical, a Carta Magna (art. 8°, I)
tomou incompatível com o novo sistema constitucional as
disposições da CLT sobre aprovação de estatutos, supervisão
de eleições, estruturação orgânica, controle orçamentário e
outras que ferem a autonomia das respectivas associações.
Tais normas perderam sua eficácia jurídica.
No concernente às eleições, é inquestionável
que o direito das organizações sindicais de eleger
livremente os seus dirigentes "constitui uma condição
indispensável para que possam atuar efetivamente com toda
independência e promover com eficácia os interesses dos seus
associados. Para que se reconheça plenamente esse direito, é
mister que as autoridades publicas abstenham-se de
intervenções que possam entorpecer o seu exercício, seja na
fixação das condições de elegibilidade dos dirigentes, seja
no desenvolvimento das próprias eleições". Segundo pacifica
conseqüência da OIT, o controle das eleições sindicais "deve
ser, em ultima instancia, da competência das autoridades
judiciarias".
L — Registro sindical — O inciso I do art. 8°
da Lex Fundamentalis prescreve que a lei não "poderá exigir
autorização do Estado para fundação de sindicato". Por outro
lado, impõe o registro das associações sindicais no órgão
competente, cujo ato, como é obvio e deflui do texto
constitucional, não pode ser considerado interferência ou
intervenção do Poder Publico na organização sindical.

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fls. 409

Como acentuamos na Seção anterior deste


Capítulo, esse inciso acarretou a ineficácia jurídica de
diversas regras da CLT sobre a organização sindical; mas só
as que se tomaram incompatíveis com o sistema, princípios e
normas da Constituição. As demais, pelo principio da
continuidade das leis, foram recepcionadas, ainda que devam
ser amoldadas ao novo sistema constitucional para não o
ferir e gerar os efeitos nele previstos. Por conseguinte, o
órgão competente para o registro sindical é o Ministério do
Trabalho. Mas as respectivas disposições da CLT sofreram as
seguintes alterações:

"a) abolição da existência da previa


constituição de associação profissional, salvo se já existir
sindicato registrado, representativo da mesma categoria,
hipótese em que será indispensável criar a associação
profissional para, posteriormente, se for o caso, pleitear a
investidura sindical, com o cancelamento do registro
anteriormente deferido;
b) derrogação do art. 519 da CLT, para
excluir o arbítrio do Ministro do Trabalho na decisão sobre
a associação mais representativa, à qual devera ser
concedida a investidura sindical. O ato administrativo
vinculado haverá de atender aos pressupostos estabelecidos
no próprio art. 519;
c) substituição do ato de reconhecimento pelo
de simples registro dos estatutos e, por via de
conseqüências, a Carta de Reconhecimento" pela certidão do
registro acaso deferido.

Trata-se, como se infere, de aplicar as


normas legais vigentes, de forma a que não contrariem a
Constituição.
Só o Ministério do Trabalho, ou a quem for
transferido o cadastro nacional das entidades sindicais,
estará em condições de examinar os pedidos de registro sob a
ótica do mandamento constitucional, que veda "a criação de
mais de uma organização sindical, em qualquer grau, na mesma
base territorial".

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fls. 410

Na esfera do Judiciário, a questão foi


definitivamente resolvida pela Suprema Corte na conformidade
de judicioso voto do ministro SEPULVEDA PERTENCE.
Aliás, consolidando a sua conseqüência, a
Suprema Corte adotou a Sumula 677:

"Até que lei venha a dispor a respeito,


incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das
entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da
unicidade".
A afirmação final traduz a óbvia
conseqüências jurídica do comando constitucional, que o
Ministério do Trabalho insiste em desconsiderar, ao permitir
o automático registro de sindicatos que subdividem
inadequadamente categorias econômicas ou profissionais e, em
caso de impugnação por sindicato existente, se omite,
sugerindo que impugnante e impugnado entrem em acordo ou
submetam o litígio a Justiça comum. Como asseverou o
ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, cumpre assegurar ao Ministério
do Trabalho

"poderes para solver, em sede administrativa,


eventuais conflitos, dos quais hoje não municia a Lei de
Registros Públicos".

Desse modo — escreveu NELSON MACIEL PINHEIRO


—, "não há motivo para ampla natureza constitutiva ao
registro realizado perante o Ministério do Trabalho e
Emprego (art. 558, CLT, e Portaria n° 343/2OOO), pelo qual a
entidade interessada adquire, a um só tempo, a personalidade
jurídica e a sindical.
O ministro do Trabalho reafirmou que

"A personalidade jurídica sindical decorre do


registro no Ministério do Trabalho e Emprego"

e que as entidades sindicais registradas não precisam, nos


seus estatutos, promover as adaptações a que se refere o
art. 2.O31 do novo Código Civil.

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fls. 411

Entretanto, não alterou a portaria


disciplinadora do registro, que restringe, a nosso ver
impropriamente, a ação do Ministério.
O exercício dessa competência não importa em
interferência imprópria na vida das entidades sindicais, de
que cogita o inciso I do art. 8° da Carta Magna. Conforme
tem decidido, reiteradamente, o Comitê de Liberdade Sindical
da Organização Internacional do Trabalho — o mais respeitado
fórum de salvaguarda dos direitos sindicais —, o registro
dos sindicatos em órgãos administrativos, geralmente o
Ministério do Trabalho, não arranha a liberdade sindical,
desde que assegurado as partes interessadas o direito de
apelar para tribunais contra as decisões que deferirem ou
indeferirem os registros. Demais disso, a própria Carta
Magna brasileira, no mesmo inciso que veda "ao Poder Publico
a interferência e intervenção na organização sindical",
explicita: "ressalvado o registro no órgão competente" (art.
8°, I).
A Suprema Corte brasileira; em acórdão de
lavra do ministro CÉLIO BORJA, já afirmou que não só o
registro de sindicato, mas também o reconhecimento de
confederação sindical

"não constitui limitação de liberdade de


associação sindical. Trata-se de ato vinculado, de estreito
controle de legalidade da criação da entidade sindical."

Convém recordar, como ensinam os doutos, que


a aplicação da lei por autoridade administrativa não atenta
contra a liberdade e a autonomia sindicais. O registro do
sindicato, na conformidade do prescrito em lei, constitui
ato administrativo vinculado) em que a ação da autoridade
publica — como ensina HELY LOPES MEIRELES — "fica adstrita
aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a
validade da atividade administrativa. Desatendido qualquer
requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado,
tomando-se passível de anulação pela própria Administração
ou pelo Judiciário".
As diversas Instruções Normativas sobre o
registro sindical, expedidas após a Lei Maior de 1988, pelos

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fls. 412

ministros do Trabalho, com exceção do ministro MARCELO


PIMENTEL, tem mantido a equivocada passividade do Ministério
no tocante à análise dos pedidos, não obstante tratar-se de
ato administrativo vinculado, que requer o deferimento ou
indeferimento do órgão competente, segundo se enquadre ou
não nas disposições legais que o regem.
Resulta da Portaria vigente sobre a matéria,
como observa SAAD, que, "se não houver impugnação, defere-se
o registro, ainda que o sindicato mais antigo, na desejada
representação em dada base territorial, omita-se no protesto
contra a invasão da área de atuação que legitimamente lhe
pertencia.
"Temos para nos que a ausência de oposição ao
pedido não impede a autoridade ministerial de negar, de
oficio, o registro, se:
a) verificar que o estatuto abriga
prescrições inconciliáveis com a lei;
b) constar de seu arquivo que já existe um
sindicato com idêntica representação na mesma base
territorial;
c) for constatada fraude na elaboração da
assembléia de fundação da entidade."

O pedido de registro deve ser encaminhado


diretamente ao Ministério do Trabalho, por via postal ou por
intermédio do protocolo geral do Ministério (art. 1° da
Portaria citada).
Ela dispõe sobre os procedimentos para o
pedido de registro, o conteúdo do requerimento em se
tratando de sindicato, federação ou confederação, o prazo
para a impugnação e a autoridade competente para o registro,
quando não houver impugnação ou dela não tiver conhecido a
Secretaria de Relações do Trabalho.
M — Representação e substituição processual —
O art. 8° da Constituição, depois de referir o sindicato
como representante da correspondente categoria econômica ou
profissional, na respectiva base territorial, preceitua que
lhe cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou
individuais da mesma, seja em questões judiciais ou
administrativas (III), seja nas negociações coletivas (VI).

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fls. 413

Tais disposições sintonizam-se com o comando do art. 513 da


CLT, segundo o qual incumbe ao sindicato representar os
interesses gerais da categoria perante as autoridades
administrativas e judiciarias (alínea d) e, em seu nome,
celebrar convenções coletivas de trabalho (alínea b) e
suscitar dissídio coletivo (art. 857 da CLT). A nova
Constituição apenas substituiu a representação dos
"interesses individuais dos associados relativos a atividade
ou profissão exercida" pela representação dos interesses
"individuais da categoria".
Conforme escrevemos algures, "nas relações
coletivas de trabalho, o sindicato é, portanto, o
representante legal da correspondente categoria, na sua base
territorial. Trata-se, porem, de uma representação sui
generis, porque a categoria não tem personalidade jurídica.
Ela atende aos aspectos peculiares do direito coletivo do
trabalho: os direitos defendidos ou conquistados em nome da
categoria profissional irradiam-se em proveito dos
trabalhadores que a integram ou venham a integrá-la durante
a vigência do respectivo instrumento normativo, sejam ou não
associados do sindicato. Mutatis mutandis, o mesmo ocorre
com as empresas que compõem ou venham a compor a categoria
econômica representada na negociação coletiva".
A regra é que a pretensão ou a defesa de um
direito ou interesse seja postulada pela pessoa física ou
jurídica diretamente interessada, ainda que por intermédio
do seu representante. Este age no processo judicial ou no
procedimento administrativo em nome do representado. Essa
representação pode ser voluntária ou determinada por lei.
Por constituir exceção, a substituição processual configura
uma legitimação extraordinária ou anomala, sendo necessário,
segundo CALMON DE PASSOS, que exista um nexo entre o
interesse do substituto e o do substituído.
O Tribunal Superior do Trabalho acolheu essa
conceituação ao regular a substituição processual no seu
Enunciado n° 310.
A distinção entre representante e substituto
processual e unissonamente proclamada pelos processualistas
nacionais e estrangeiros: o representante atua em nome do
representado, que é parte no processo; o substituto atua no

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fls. 414

interesse de outro, mas em seu próprio nome, sendo ele mesmo


parte no processo, apesar de questionar-se direito alheio.
Consoante a lição de PONTES DE MIRANDA,
"compreende-se que só a lei possa estabelecer que alguém
exerça, em nome próprio, direito alheio. A titularidade do
direito é que leva a pretensão e à ação. Só lei especial
pode atribuir a alguém o poder de exercer a pretensão pre-
processual e a processual em nome próprio".
A CLT confere ao sindicato o direito de, em
nome dos seus associados, sem procuração dos mesmos: a)
intentar ação de cumprimento de sentença normativa ou acordo
homologado em processo de dissídio coletivo (parágrafo único
do art. 872); b) ajuizar ação de cobrança de adicionais de
insalubridade ou periculosidade (art. 195, § 2°). A Lei n°
8.O36, de 199O, que substituiu a legislação do FGTS,
conferiu ao sindicato legitimação para ajuizar ação na
Justiça do Trabalho para compelir o empregador a depositar
quantias devidas ao Fundo (art. 25).
Por seu turno, a Constituição confere as
entidades sindicais a legitimação extraordinária para
impetrar mandado de segurança coletivo "em defesa dos
interesses de seus membros ou associados" (art. 5°, LXX, b).
A substituição processual — convém ressaltar — ocorrerá na
hipótese de invocada lesão de direito de associados
concretamente considerados porque, em se tratando de
interesses abstratos da categoria, a entidade sindical, como
assinalamos, confunde-se com a própria categoria, possuindo
legitimação ordinária para ingressar em juízo.
A Lei n° 8.O73, de 199O, que "Estabelece a
Política Nacional de Salários", dispôs:

"Art. 3° — As entidades sindicais poderão


atuar como substitutos processuais dos integrantes da
categoria."

Manteve, assim, a diretriz segundo a qual o


sindicato pode ingressar em juízo para pedir, sem procuração
do trabalhador, a prestação salarial devida na conformidade
da legislação disciplinadora dos reajustes e aumentos de
salário. E poderá pleitear, em seu nome, direito alheio,

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fls. 415

ainda que não se trate de seu associado. A Suprema Corte,


entretanto, decidiu que o precitado art. 3° autoriza a
substituição processual do sindicato apenas "para atuar na
defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais dos
seus associados".
Com a vigência da Lei n° 8.984, de 1995, que
afirmou a competência da Justiça do Trabalho para "julgar os
dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções
coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho, o
TST alterou o seu entendimento anterior e aprovou sumula no
sentido de que: "A legitimidade do sindicato para propor
ação de cumprimento estende-se também a observância de
acordo ou convenção coletiva". Aí, no entanto, a
legitimidade e restrita aos associados do sindicato, tal
como explicita o parágrafo único do art. 872 da CLT.
O Supremo Tribunal Federal tem pronunciamento
no sentido da substituição ampla e substituição restrita. Na
data em que terminamos esta edição, o Pleno tem em pauta o
recurso que definira a questão. Por isto mesmo, na revisão
dos enunciados de conseqüência uniforme, o TST cancelou o de
n° 31O, que regulava a substituição processual de forma
restrita, a fim de aguardar o pronunciamento final do STF.
Afigura-se-nos que, alem dos direitos e
interesses coletivos da categoria representada, a
substituição deve ser admitida para a defesa dos direitos e
interesses individuais homogêneos dos integrantes da
categoria e também para os casos explicitamente enunciados
em lei.
Como bem prelecionou o douto AMAURI MASCARO
NASCIMENTO, "nas ações de substituição a cognição é
genérica, mas por se tratar de direitos individuais
homogêneos, a liquidação não pode ser desacompanhada da
individualização e quantificação dos valores de cada
substituído, com o que na liquidação haverá congnição ampla.
Que se trata de direitos individuais, não ha duvida, pois
este e o seu nome, homogêneos mas não direitos indivisíveis
e do substituto".
N — Contribuições sindicais — O sistema legal
brasileiro prevê três fontes normais de receita para o
sindicato:

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fls. 416

a) contribuição anual compulsória,


equivocadamente conhecida como "imposto sindical", devida,
de conformidade com o disposto no Titulo V, Capítulo III,
Seção I, da CLT, por todos os que integram a respectiva
categoria ou profissão, ainda que não sejam filiados à
entidade credora;
b) contribuição estatutária, geralmente
mensal, fixada de acordo com o art. 548, b, da CLT, e devida
somente pelos associados da entidade credora;
c) contribuição confederativa de que cogita o
art. 8°, inciso IV, da Constituição, a respeito da qual ha
ampla controvérsia sobre sua natureza jurídica, incidência e
eficácia imediata ou contida.

A denominada contribuição assistencial não


está referida no direito positive. Ela foi instituída em
convenção e acordos coletivos de trabalho, correspondendo a
uma taxa — geralmente um percentual sobre o reajustamento
salarial pactuado no instrumento da negociação coletiva — a
ser aplicada pelo sindicato dos trabalhadores em serviços ou
atividades assistenciais.
Além dessas fontes de custeio, o sindicato
pode beneficiar-se de receitas eventuais, como doações,
multas e alienação do patrimônio.
Para a OIT, a contribuição imposta por lei
aos componentes de grupos representados por sindicato
configura flagrante violação da Convenção n° 87, porque
implica uma forma indireta de participação compulsória na
vida da associação, incompatível com o principio da
liberdade sindical. Esse entendimento esta consagrado pelo
Comitê de Liberdade Sindical. O que esse órgão vem
admitindo, com aprovação do Conselho de Administração da
Organização, é a estipulação de uma quota de solidariedade,
ou canon de participação, na convenção coletiva ajustada
pelo sindicato, como decorrência da aplicação erga omnes das
vantagens estabelecidas no instrumento negociado ou
arbitrado, a ser paga exclusivamente pelos não associados.
A contribuição anual compulsória foi mantida
pela Constituição de 1988 (art. 8°, IV), a qual repetiu a
tão criticada disposição da Carta Política de 1937.

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fls. 417

Destarte, as normas constantes do Titulo V, Capítulo III,


Seção I, da CLT (arts. 578 a 591) foram, em regra,
recepcionadas. O mesmo, porem, não se verificou com as
regras da Seção II do mesmo capítulo, que regula a aplicação
dessa contribuição, porquanto afrontam a autonomia sindical
assegurada no inciso I do mesmo artigo.
Essa contribuição obrigatória pertence ao
gênero "tributo", mas não à espécie "imposto". Ela enquadra-
se no conceito de "contribuição social" a que alude o art.
149 da Carta Magna, sendo devida por todos os empresários e
trabalhadores pertencentes às categorias econômicas,
categorias profissionais ou profissões representadas pelos
correspondentes sindicatos.
O valor da contribuição esta indicado no art.
580 da CLT, cabendo à Caixa Econômica Federal manter uma
conta especial em nome de cada uma das entidades
beneficiadas (art. 588) e promover a distribuição das
contribuições arrecadadas na proporção indicada pelo art.
589 da CLT:

a) 6O% para o sindicato representativo da


categoria (como tal consideradas também as profissões
liberais) do contribuinte;
b) 15% para a federação do grupo a que
pertence o aludido
sindicato;
c) 5% para a confederação do correspondente
ramo econômico ou profissional ou, ainda, a das profissões
liberais;
d) 2O% para a "Conta Especial Emprego e
Salário", do Ministério do Trabalho.

O mesmo art. 8° da Lei Maior autoriza a


assembléia geral atribuir ao sindicato o poder de fixar o
valor de uma contribuição "para custeio do sistema
confederativo de representação respectivo". Daí estar se
generalizando a denominação de "contribuição confederativa".
Ela deve ser paga, nos valores e épocas próprias, pelos
empresários, empregados, agentes e trabalhadores autônomos,
entre os quais se incluem os profissionais liberais, aos

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fls. 418

sindicatos representativos das correspondentes categorias.


Tratando-se de empregado, seja do setor urbano, seja do
setor rural, a contribuição deve ser descontada na folha de
pagamento dos salários e recolhida pelo empregador ao
sindicato credor. Ela deve ser igual, ainda que em números
relativos, para todos os componentes da categoria
representada pelo sindicato, sendo devida por todos eles e
não apenas pelos associados.
Afigura-se nos que a autorização
constitucional não é auto-aplicável, e que o inciso IV do
art. 8° em foco visa a todos os componentes da categoria ou
profissão representada. Essa tese foi acolhida pela Seção de
Dissídios Coletivos do TST e pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro. Mas começou a mudar com o voto do
ministro CARLOS ALBERTO DIREITO no sentido de que a norma
constitucional tem eficácia plena e imediata porque obriga
somente os associados do correspondente sindicato. Esse
entendimento teve endosso do Supremo Tribunal Federal,
refletindo-se no Tribunal Superior do Trabalho.
Não podemos defender a tese de auto-
aplicabilidade do questionado preceito, pela simples razão
de que, para impor contribuição as pessoas filiadas a uma
associação, desnecessário seria um comando constitucional.
Trata-se de direito estatutário, inerente a qualquer
associação, a ser exercido pela assembléia do sindicato, tal
como já explicitado no art. 548, alínea b, da CLT.
A contribuição assistencial, também
conhecida como "desconto assistencial", a que nos referimos
no início desta Seção, foi introduzida nos instrumentos da
negociação coletiva para ser paga tanto pelos associados do
sindicato como pelos que a ele não se filiaram. Ela vinha
sendo admitida pela jurisprudência, desde que o trabalhador
não se opusesse ao desconto, perante o seu empregador, "ate
1O (dez) dias antes do primeiro pagamento".
Tratava-se, assim, de uma doação consentida.
Mas a Seção de Dissídios Coletivos do TST, reconsiderando
sua posição, decidiu que os não sindicalizados estavam
excluídos do "desconto assistencial", em virtude do
preceituado no art. 5°, inciso XX, da Constituição.

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fls. 419

Na 18ª edição das "Instituições" discordamos


dessa orientação, escrevendo que "a mencionada conclusão
desestimula a sindicalização ao ensejar que as conquistas do
sindicato sejam igualmente aplicadas a quem contribui
desigualmente para o funcionamento da entidade. A
circunstância de o empregado permitir, ainda que por
consentimento tácito, que a precitada taxa seja descontada
de seu salário não gera o vínculo associativo de que cogitem
as disposições constitucionais citadas. O fundamento para a
exclusão da cláusula do desconto assistencial, alcançado
tanto os sindicalizados como os não filiados ao sindicato,
poderia ser o fato de todos os componentes da categoria já
pagarem a contribuição sindical anual, mediante desconto
obrigatório nos salários. Conceituado, porém, como doação
consentida, com efetiva publicidade no sentido de que
qualquer empregado a ela pode se opor, não vemos como
sustentar a bitributação”.
A Suprema Corte não acolheu o entendimento do
TST e, tal como sempre sustentamos, vem decidindo que a
contribuição assistencial prevista em instrumento da
negociação coletiva alcança os trabalhadores filiados ou não
filiados ao respectivo sindicato, devendo ser descontada dos
seus salários, desde que a isto eles não se oponham.

Capítulo II

INTERAÇÃO EMPREGADO-EMPRESA

I - Histórico

Há registros de que em 1846, na França, o


empresário GODIN escolheu um representante de cada setor da
sua fábrica para colaborar com sua administração. É
induvidoso, todavia, que, em 1899, o laudo arbitral do
presidente do Conselho de Ministros francês e do Ministro do
Comércio, com o qual foi solucionado um conflito coletivo de
trabalho nas fábricas schneider, estabeleceu as bases de
constituição e funcionamento do Conselho de empresa.

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fls. 420

Na alemanha, o Código Industrial de 1891


previu a criação facultativa de comitês de fábrica,
enquanto, em 1905, a lei sobre minas ampliou os poderes dos
comitês, encarregados de apresentar as “reivindicações,
vigiar a aplicação dos regulamento de trabalho e o
funcionamento das instituição de previdência. Durante a
Primeira Guerra Mundial, em 1916, os comitês "tomaram-se
obrigatórios em todas as empresas, com mais de cinqüenta
operários". E a Constituição de Weimar, que tentou
reorganizar a Alemanha derrotada, dando-lhe feição social-
democrata, prescreveu, em 1919, a criação de conselhos de
trabalhadores nas empresas, nos distritos e no Reich, alem
de um conselho econômico nacional.
Durante a Primeira Guerra Mundial, ALBERT
THOMAS, que viria a ser, a partir de 1919, o diretor da
então criada Organização Internacional do Trabalho, promoveu
a designação de delegados nas fábricas de armamentos. Na
Inglaterra, ainda no curso da Primeira Grande Guerra,
desenvolveram-se os comitês de fábrica, de constituição
facultativa e composição paritária, denominados Comitês
WHITLEY, em virtude da campanha que esse deputado e
industrial empreendeu a respeito. Também a Áustria, em 1919,
legislou sobre os conselhos de empresa.
Os comitês de empresa instituídos por LENINE,
num dos seus primeiros atos como dirigente da Rússia
comunista, possuía atribuições distintas. E, no segundo
congresso sindical (1919), eles foram fundidos com os
sindicatos, passando a constituir a base da hierarquia
sindical.

II — Sistemas

Atualmente, dois sistemas legislativos


merecem destaque:
o sistema trances, consubstanciado na
regulamentação, em 1945, das normas a respeito inseridas na
Carta de Trabalho de 1941; no princípio afirmado no
preambulo da Constituição de 1946, ao qual se reporta a
Carta Magna de 1958, no sentido de que "Todo trabalhador
participa, por intermédio dos seus delegados, da

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fls. 421

determinação coletiva das condições de trabalho e da gestão


das empresas"; na lei de 1966, que estendeu o sistema à
agricultura; na lei de 1981, sobre o direito de expressão do
empregado; na lei de 1982, concernente à higiene, segurança
e condições de trabalho; na lei de 1984, relativa ao direito
de alerta. Além do delegado do pessoal, que funciona no
estabelecimento, essa legislação prevê o Comitê de Empresa,
o Comitê de Estabelecimento e o Comitê de Higiene, Segurança
e Condições de Trabalho. O primeiro desses comitês é
obrigatório para as empresas com mais de 5O empregados,
sendo composto de um diretor, de 2 a 11 trabalhadores
eleitos em proporção ao numero de empregados, de um
representante dos sindicatos interessados (sem direito a
voto) e de um do serviço social da empresa. Se a empresa
possuir mais de um estabelecimento com mais de 590
empregados, aplicam-se as mesmas regras para o respectivo
Comitê, substituindo-se o diretor pelo chefe do
estabelecimento. A qualquer dos comitês compete gerir as
obras sociais (colônias de ferias, bibliotecas, cantinas
etc.), participar da direção das associações desportivas e
dos centros de aprendizagem e cooperar, como órgão
consultivo, na melhoria das condições de trabalho e de vida
do pessoal. O Comitê de Empresa tem ainda o encargo de
opinar em matéria econômica e financeira. Estimuladas pelo
Governo, algumas sociedades anônimas "tomaram a iniciativa
de incluir representantes do pessoal nos seus conselhos de
vigilância, com os mesmos direitos dos acionistas";

• o sistema alemão (RFA) compreende a Lei de


Co-gestão dos Trabalhadores nas Diretorias e Conselhos de
Vigilância das Empresas de Mineração, do Carvão e do Ferro e
de Industrialização do Aço, com mais de mil empregados
(1951); a lei sobre o regime orgânico da empresa, aplicável
àquelas com mais de 500 empregados, dos demais ramos de
atividade, cabendo aos trabalhadores eleger um terço dos
membros do Conselho de Vigilância (1952); a "Lei de
Constituição de Empresas" (1972), que amplia a co-gestão
instituindo varies órgãos de trabalhadores ou com a sua
representação; a "Lei de Co-Gestão dos Assalariados" (1976),
aplicável as sociedades que empregam normalmente mais de

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fls. 422

dois mil trabalhadores, salvo as de minério de Carvão e


ferro e as siderúrgicas. Esses conselhos são compostos de
representantes dos acionistas e dos empregados, em numero
igual, sendo presidente uma pessoa independente, por eles
eleita.
A partir de 1970, como assinala a OIT, foram
introduzidas modificações e complementações de relevo na
legislação sobre comitês ou conselhos de empresa da Áustria,
Bélgica, Espanha, Holanda e Luxemburgo; ampliou-se a
representação dos trabalhadores nos conselhos de vigilância
da Áustria, sendo instituída, também por via legislativa,
uma representação do pessoal nos conselhos de administração
da sociedades do setor privado da Dinamarca, Luxemburgo,
Noruega e Suécia; o direito de participação passou a figurar
nas Constituições de Portugal (1976), Equador (1978), Peru
(1979), Noruega (198O), tendo sido, igualmente, consagrado
nos países então socialistas do Leste Europeu
(Checoslováquia, Polônia, República Democrática Alemã e
URSS); nos Estados Unidos da América e no Canadá, a
negociação coletiva vem impulsionando a democratização de
empresas, ao cogitar de formulas de participação; a
autogestão da empresa pelos trabalhadores foi implantada na
Iugoslávia e na Argélia; e, na África (Angola, Argélia,
Benin, Congo, Egito, Madagascar, Mali, Moçambique, Somália e
Tanzânia). Na América Latina (Peru e Venezuela); na Ásia
(Índia, Paquistão e Sri Lanka), e no Oriente Próximo
(Iraque, República Árabe Síria, Turquia e Iêmen Democrático)
e comum a participação dos trabalhadores nas empresas
estatais e, por vezes, também nas empresas privadas.

III — Considerações gerais

A OIT ainda não adotou um instrumento


normativo regulando especificamente a matéria. Contudo,
algumas convenções e recomendações tratam de aspectos dessa
iteração:

a) Recomendação nO 94, de 1952, sobre


consulta e colaboração no âmbito da empresa;

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b) Recomendação n° 129, de 1967, sobre


comunicações entre a direção e os trabalhadores na empresa;
c) Recomendação n° 130, de 1969, sobre exame
de reclamações no âmbito da empresa, visando à sua solução;
d) Recomendação nO 137, de 1977, sobre
pessoal de enfermagem com uma seção sobre a participação dos
enfermeiros nas decisões relativas à vida profissional;
e) Convenções n° 148, de 1977, sobre proteção
dos trabalhadores contra os riscos do ruído, das vibrações e
da contaminação do ar, e n° 155, de 1981, sobre segurança e
saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho, com
normas referentes à participação dos trabalhadores nos
órgãos de prevenção e na inspeção, além de comunicações e
consultas aos representantes dos trabalhadores;
f) Convenção nO 158, de 1982, cujo art. 13
obriga a consulta aos representantes dos trabalhadores para
as despedidas coletivas motivadas por causas econômicas,
tecnológicas, estruturais ou análogas.
A Convenção 135, de 1971, dispõe sobre a
proteção e facilidades que devem ser outorgadas aos
representantes dos trabalhadores nas empresas, sejam os
eleitos pelos próprios companheiros de trabalho, sejam os
delegados sindicais.
A adoção de formas de participação
integrativa depende tanto da compreensão dos empresários que
controlam a sociedade empregadora, como da atitude sindical.
Esta pode ser obtida, quer pela circunstancia de os
sindicatos designarem ou influírem na designação dos
representantes dos trabalhadores, quer pela pressão que os
próprios empregados venham a exercer no sentido da
participação junto aos seus sindicatos. As associações
sindicais da linha católica, refletindo a posição da
doutrina social da Igreja, e que defendem,
programaticamente, a participação dos empregados nos órgãos
intra-empresariais. Na sua encíclica Mater et Magistra, o
PAPA JOÃO XXIII, afirmou: "Estamos convencidos da
legitimidade da aspiração dos trabalhadores de tomar parte
na vida da empresa na qual estão empregados." Confessou,
porem, ser impossível formular "regras precisas e definidas"
sobre o assunto, mediante legislação geral e uniforme, sendo

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necessária grande flexibilidade para atender a diversidade


das empresas e as profundas alterações a que estão sujeitas.
Conforme se vê, a participação dos empregados
na gestão empresarial pode apresentar diversos graus de
intensidade: colaboração, inspeção, administração de
determinados setores, co-decisão em órgãos primários e co-
decisão em órgãos de administração superior. E, como acentua
GARCIA, a participação pode verificar-se na empresa ou na
sociedade a que ela pertence, sendo certo, igualmente, que a
participação nos lucros, por meio de ações da sociedade,
desde que ampla, representa, por via oblíqua, uma forma de
co-gestão.
Por fim, cumpre ponderar que, no exercício de
funções consultivas, no âmbito da empresa, decorre o direito
dos representantes dos empregados de receber informações
pertinentes e atualizadas sobre as questões a respeito das
quais devem pronunciar-se. Outrossim, no poder consultivo se
contem, implícito, o direito de apresentar sugestões.

IV — Interação no Brasil

Em nosso país é rara a participação de


trabalhadores em conselhos de administração ou fiscais das
sociedades empregadoras. Por vezes, um empregado ascende a
essa posição, mas não por escolha dos seus companheiros.
Também incomum é o funcionamento de comitês de empresa ou,
mesmo, de comissões de consulta e colaboração. Isto, apesar
do estatuído no art. 621 da CLT, reformulado por nossa
iniciativa, a lembrar aos interlocutores das classes
empresariais e de trabalhadores que as convenções e os
acordos coletivos podem dispor sobre "a constituição e o
funcionamento de comissões mistas de consulta e colaboração,
no piano da empresa".
Algumas empresas admitem e colaboram com o
representante do pessoal ou o delegado sindical, Mas os
órgãos de co-gestão, ainda que em assuntos limitados ou com
encargos consultivos, têm sido evitados tanto por
empresários como pelas associações sindicais. O que, entre
nos, tem apresentado resultados razoáveis e a Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), cuja criação, em

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fls. 425

empresas de médio e grande portes, foi imposta pelo Decreto-


lei nO 7.O36, de 1944, elaborado por Comissão em que
funcionou como relator o emérito juslaborista JOSE DE
SEGADAS VIANNA. Hoje, a CLT trata da compulsoriedade da
instituição da CIPA, sua composição paritária e garantia de
emprego dos titulares da representação dos trabalhadores
(arts. 163 a 165), sendo suas atribuições e funcionamento
objeto de "Normas Regulamentadoras" baixadas pelo Ministério
do Trabalho.
Digno de registro, a propósito do tema, é a
Lei Estadual n° 3.741, de 1983, promulgada pelo então
governador do Estado de São Paulo, ANDRE FRANCO MONTORO, em
virtude, da qual, nas sociedades em que o Estado for
acionista majoritário, é obrigatória a instituição de um
Conselho de Participação e Representação Pessoal, composto
de trinta membros, o qual elege, pelo menos, um diretor para
representar os empregados da empresa. Na pratica, porem, a
iniciativa não gerou os resultados almejados.
A Constituição de 1988 refere a matéria em
duas disposições:

"a) participação na gestão da empresa,


excepcionalmente conforme definido em lei (art. 7°, XI);
b) nas empresas de mais de duzentos
empregados é assegurada a eleição de um representante destes
com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento
com os empregadores" (art. 11).

O disposto no inciso XI do art. 7° é


meramente programático. O seu objetivo e a "integração na
vida e no desenvolvimento da empresa", a que aludia o art.
165, VI, da Constituição de 1967, de vez que o representante
do pessoal mencionado no art. 11 não participa,
necessariamente, de qualquer dos órgãos gestores da empresa.
O representante do pessoal, eleito pelos
empregados da empresa, deve ter atribuições diversas das do
delegado sindical. A Convenção da OIT n° 135, de 1971, sobre
proteção e facilidades que devem ser concedidas aos
representantes dos trabalhadores na empresa, distingue as

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fls. 426

duas modalidades, em função do procedimento de escolha, e


ressalva o princípio da "reserva sindical" (art. 3°):

a) delegados ou representantes sindicais são


nomeados ou eleitos pelos sindicatos ou por seus associados;
b) representantes do pessoal são "livremente
eleitos pelos trabalhadores da empresa, de conformidade com
as disposições da legislação nacional ou das convenções
coletivas, cujas funções não se estendem a atividades que
sejam reconhecidas no pais como prerrogativas exclusivas dos
sindicatos".
Destarte, as atribuições do representante do
pessoal devem circunscrever-se ao campo das relações
individuais do trabalho, figurando um caminho de mão dupla
entre a administração da empresa e os empregados. Ao
promover "o entendimento com os empregadores", como quer a
Carta Magna, o representante do pessoal terá de respeitar a
"reserva sindical", que concerne, principalmente, ao âmbito
das questões coletivas de trabalho susceptíveis de
negociação coletiva.
O preceito constitucional não e de eficácia
plena e imediata, devendo a lei dispor sobre o procedimento
eleitoral, a duração do mandato e as facilidades para o seu
exercício, os respectivos encargos e a garantia de emprego
do representante. A nosso ver, deveria também determinar que
a cada estabelecimento com mais de duzentos empregados
correspondera um representante, pois a circunstância de ter
o art. 11 aludido a empresa não impede que o legislador
ordinário amplie a representação, tendo em conta que as
relações de trabalho desenvolvem-se sobretudo em razão de
cada estabelecimento. Nada impede, porem, que à falta da
lei, ou sem afronta-la, convenções e acordos coletivos
disponham sobre os representantes de trabalhadores.
A Convenção n° 135 citada prescreve, no seu
art. 1°:
"Os representantes dos trabalhadores na
empresa deverão gozar de proteção eficaz contra todo ato que
possa prejudica-los, incluindo a despedida em razão de sua
condição de representantes dos trabalhadores, de suas
atividades como tais, de sua filiação ao sindicato ou de sua

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fls. 427

participação na atividade sindical, sempre que esses


representantes atuem conforme as leis, os contratos
coletivos ou outros acordos comuns em vigor".

O art. 2° desse tratado multilateral da OIT


estatui que, "tendo em conta as características do sistema
de relações trabalhistas do pais e as necessidades,
importância e possibilidades da empresa interessada", esta
devera outorgar aos representantes dos trabalhadores "as
facilidades apropriadas para permitir-lhes o desempenho
rápido e eficaz de suas funções". A Recomendação n° 143, de
1971, que complementa a precitada Convenção, propõe que os
representantes dos trabalhadores na empresa deverão, alem de
outras facilidades pertinentes, desfrutar, sem perda do
salário e de outras prestações, do tempo livre necessário
para desempenhar suas tarefas; ser autorizados a entrar em
todos os locais de trabalho, quando indispensável ao
desempenho do seu mandato; ter a possibilidade de comunicar-
se, sem delongas, com a direção da empresa ou com os
prepostos autorizados a tomar decisões relativas ao
desempenho de suas funções.
A representação do pessoal de que trata o
preceito constitucional em tela não se confunde com a
participação de empregados nas Comissões de Conciliação
Previa de que cogita a Lei n° 9.958, de 12 de Janeiro de
2OOO. Nada impede, porem, que o mesmo trabalhador seja
eleito para a representação referida no dispositivo
constitucional e na precitada Comissão da empresa em que
trabalha ou da categoria a que pertence.

Capítulo III

CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO

I — Histórico

Conforme registramos no Capítulo II, Seção I,


do Titulo I deste livro, a convenção coletiva de trabalho
nasceu na Gra-Bretanha, quando, a partir de 1824, com a
revogação da lei sobre delito de coalizão, as trade, unions,

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fls. 428

então organizadas pelos trabalhadores, passaram a ajustar


com empregadores condições de trabalho a serem respeitadas
na relação de emprego.
A Holanda (19O9) e a França (1919) foram os
primeiros países que legislaram sobre o tema, sendo que a
lei francesa serviu de modelo ao Decreto Legislativo n°
21.761, assinado por GETÚLIO VARGAS em 23 de agosto de 1932.
E as Cartas Magnas do México (1917) e da Alemanha (1919)
deram hierarquia constitucional às convenções coletivas.
Hoje são comuns, tanto na Europa, como em
nosso pais, as convenções de categoria, ou industria,
abrangendo as empresas e trabalhadores representados pelas
associações convenentes. Essa representação nem sempre
alcança os não-associados, sendo previstos, no entanto,
procedimentos para a extensão da eficácia jurídica do
instrumento. Já nos Estados Unidos e no Canada predominam,
de forma quase absoluta, os contratos coletivos celebrados,
com essa denominação, no âmbito de cada empresa.

II — Condições de êxito da negociação


coletiva

O sucesso da negociação coletiva seja entre


sindicatos de empregadores e de trabalhadores (convenção
coletiva), seja entre empresas e os sindicatos
representativos dos seus empregados (contrato ou acordo
coletivo) depende de varies fatores, dentre os quais cumpre
destacar:

a) garantia da liberdade e da autonomia


sindical;
b) razoável índice de sindicalização do grupo
representado;
c) espaço para a complementação e
suplementação do sistema legal de proteção ao trabalho.

EFRÉN CÓRDOBA, depois de recordar que "todo


sistema de relações do trabalho é uma mescla de autonomia e
intervenção estatal, de cooperação e conflito", reconhece
que o Brasil constitui uma categoria especial no quadro das

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fls. 429

relações de trabalho latino-americanas, porque "a


Consolidação das Leis do Trabalho e os tribunais do trabalho
desempenham um papel proeminente que talvez não encontre
paralelo em outros pai-ses". Essa posição brasileira não foi
inventada pelo legislador. A intervenção estatal pode ser
reduzida, a negociação coletiva deve ser fomentada e
prestigiada, inclusive, com a possibilidade de
flexibilização; mas a verdade é que o caráter de
intervencionismo básico da nossa legislação trabalhista
decorreu de condições histórico-sociológicas e até
geográficas. Não devemos esquecer que o nosso pais contou
com o trabalho escravo até 1888 e que, até a metade do
século em curso, nossa economia era fundamentalmente rural,
com uma industria bastante incipiente. Ora, o espírito
sindical é fator que emana espontaneamente das grandes
concentrações operarias, próprias das cidades altamente
industrializadas.
A indústria de porte que hoje possui o Brasil
está localizada em alguns pontos de um território de
dimensões continentais. Neles surgiram sindicatos bastante
expressivos, que, pouco a pouco, conquistaram a autonomia
agora consagrada pelo art. 8° da Carta Magna. E, por via de
conseqüências, tem aumentado, significativamente, o número
de convenções e acordos coletivos de trabalho. Contudo, é
inegável que o nosso país ainda está desigualmente
desenvolvido. Essa circunstância fundamenta o
intervencionismo básico da legislação trabalhista, assim
como o poder arbitral atribuído, em diversos países, a
tribunais ou conselhos de conciliação e arbitragem. Aliás, o
poder normativo da Justiça do Trabalho brasileira nada mais
e do que uma espécie de poder arbitral institucionalizado
nos tribunais do trabalho.
A negociação coletiva, em quase todos os
países, vem sendo prejudicada pelo enfraquecimento dos
sindicatos, resultante da crise gerada pela globalização da
economia com o endeusamento das leis do mercado, que ampliou
consideravelmente o desemprego e reduziu significativamente
(salvo algumas exceções: países escandinavos e Espanha) o
numero de trabalhadores filiados aos correspondentes
sindicatos.

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fls. 430

Em países dotados de poderosas organizações


sindicais, como a Alemanha, a França, a Itália e a Suécia, a
legislação trabalhista continua intervencionista, sendo os
direitos do trabalhador ampliados pelas convenções coletivas
e, quando Fracassam as negociações, por laudos arbitrais.
Nos Estados Unidos e no Canada prevalece a tradição de serem
os direitos substantives, salvo raríssimas exceções, objeto
de contratos coletivos celebrados entre sindicatos de
trabalhadores e empresas. E os próprios contratos estipulam
que a arbitragem e o meio de interpretação de suas cláusulas
e solução dos eventuais litígios.

III — Normas internacionais

A Declaração de Filadélfia sobre "os


objetivos e propósitos da Organização Internacional do
Trabalho" (1944), e que foi inserida na Constituição dessa
entidade (1946), prescreve que se inclui na sua competência
"fomentar em todas as nações programas que permitam lograr o
reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva"
(item III, alínea e).
A primeira convenção da OIT a tratar da
negociação coletiva diz respeito aos territórios não-
metropolitanos (Convenção nO 84/47). Mas, em 1948, a
Convenção n° 98, ratificada pelo Brasil, dispôs com caráter
geral sobre "os princípios de direito de sindicalização e de
negociação coletiva", estatuindo que os Estados devem adotar
medidas adequadas as condições nacionais para estimular e
fomentar o "uso de procedimentos de negociação voluntária,
com. o objetivo de regulamentar, por meio de contratos
coletivos, às condições de emprego" (art. 4°).
A matéria foi disciplinada, de forma ampla,
pela Recomendação n° 91, de 1951, que define a "convenção
coletiva como o acordo escrito relativo a condições de
trabalho e emprego, celebrado entre um empregador, um grupo
de empregadores ou uma ou varias organizações de
empregadores, por uma parte, e, por outra, uma ou varias
organizações representativas de trabalhadores ou, na
ausência destas, representantes dos trabalhadores,
devidamente eleitos e autorizados por estes últimos, de

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fls. 431

acordo com a legislação nacional". Quanto aos efeitos


jurídicos, estabelece que as cláusulas dos contratos
individuais de trabalho contrarias a convenção coletiva
aplicável "devem ser consideradas nulas e substituídas de
oficio", salvo quando "mais favoráveis para os
trabalhadores". E o instrumento da negociação coletiva "deve
aplicar-se a todos os trabalhadores das categorias
interessadas que estejam empregados nas empresas
compreendidas pela convenção coletiva, a menos que este
estabeleça expressamente o contrário".
Em 1981, a Conferência Internacional do
Trabalho aprovou novos instrumentos a respeito do tema: a
Convenção n° 154 e a Recomendação n° 163, dispondo ambas
sobre "o fomento da negociação coletiva". O procedimento da
negociação, cujo êxito instrumentaliza-se na convenção
coletiva, deve ser assegurado "a todos os empregadores e a
todas as categorias de trabalhadores" com regras apropriadas
(art. 5° da Convenção).

IV — Sistema legal brasileiro

A — A Constituição e a flexibilização de
direitos — O art. 7° da Carta Magna de 1988 preceitua
simplesmente:
"XXVI — reconhecimento das convenções e
acordos coletivos".
Esse enunciado, entretanto, diz menos do que
resulta do conjunto de normas correlacionadas com as
convenções e os acordos coletivos de trabalho, constantes do
próprio art. 7°. O reconhecimento dessas convenções vem
sendo repetido desde a Carta Política de 1934; mas a
Constituição vigente foi alem, atribuindo-lhe o poder de, em
determinadas hipóteses, flexibilizar a aplicação de alguns
dos seus mais importantes comandos e das normas legais cujas
prestações correspondam ao objeto dessas hipóteses. E o
instrumento da negociação coletiva, em tais casos, tem
aplicação imediata às relações individuais de trabalho em
curso. Releva sublinhar que esse poder e amplo, porquanto
alcança:

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fls. 432

a) o salário, isto é, qualquer prestação de


natureza salarial cujo principio da irredutibilidade pode
ser vulnerado por convenções ou acordos coletivos de
trabalho (art. 7°, VI, da Constituição);
b) a duração do trabalho, cuja jornada normal
pode ser objeto de compensação de horários ou até reduzida
por um instrumento da negociação coletiva (art. cit., XIII);
e no que concerne aos turnos ininterruptos de revezamento, a
jornada especial pode ser ampliada (art. cit., XIV).
Por outro lado, a Lex Fundamentalis vigente
determina que as decisões normativas da Justiça do Trabalho
nos dissídios coletivos respeitem as disposições de proteção
ao trabalho constantes de convenções e acordos coletivos
aplicáveis as categorias ou empresas em litígio (art. 114, §
2°). E a participação obrigatória dos empregados nos lucros
ou resultados da empresa deve ser estipulada em acordo
coletivo celebrado com os sindicatos representativos dos
respectivos empregados.
O prestígio constitucional a essa fonte
formal de Direito tem tido ressonância na conseqüência
trabalhista, como se infere, por exemplo, dos arestos do TST
sobre horas in itinere e jornadas de trabalho.
É surpreendente e ate estranho, por isso
mesmo, que o presidente FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, a
pretexto de flexibilizar a aplicação da legislação
trabalhista, tenha se empenhado, com incompreensível e
obstinada insistência, no sentido de ser aprovado, pela
Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei do Executivo n°
5.483/O1, que visa a complementar o art. 618 da CLT para
permitir que convenções e acordos coletivos prevaleçam sobre
a lei ordinária, salvo era matéria de segurança e medicina
de trabalho.
Esse Projeto afrontava a tradição jurídica
brasileira, que é romano-germanica e não anglo-saxônica.
Releva ponderar que a invocação do sistema de relações do
trabalho norte-americano, em que os contratos coletivos
entre empresas e sindicatos estipulam quase todas as
condições de trabalho, não é pertinente. Lá, esses contratos
preenchem o vazio legislativo. La são raras as leis que
dispõem sobre os direitos individuais dos trabalhadores.

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fls. 433

É preciso considerar que o Brasil é


desigualmente desenvolvido, onde regiões plenamente
desenvolvidas convivem com outras em vias de desenvolvimento
e com algumas preocupantemente subdesenvolvidas. Ora, só
existem sindicatos fortes, capazes de negociar em posição de
equilíbrio com importantes empresas nacionais e
multinacionais, onde há espirito sindical. E esse dado
sociológico emana espontaneamente das grandes concentrações
operarias, as quais se formam onde há desenvolvimento
econômico, sobretudo no setor industrial.
Demais disto, como alertou o douto-ministro
MARCO AURÉLIO DE MELLO, então presidente da nossa Suprema
Corte, e questionável a constitucionalidade da lei
resultante desse projeto. É que o art. 7° da Carta Magna
relaciona os direitos do trabalhador, "além de outros que
visem a melhoria de sua condição social", e somente em três
deles admite a derrogação do comando maior pelos
instrumentos da negociação coletiva. Por conseguinte, a
contrário senso, não permite a pretendida flexibilização nas
demais hipóteses, ate porque ela está autorizada nos dois
aspectos fundamentais da relação de emprego: o salário e a
jornada de trabalho. Dai termos escrito em outro livro que
os limites da flexibilização "devem ser os próprios comandos
constitucionais imperativos, os quais, no caso brasileiro,
alcançam, com disposições próprias de lei ordinária, quase
todos os institutos do Direito do Trabalho". Felizmente, o
presidente LULA retirou o referido projeto do Congresso
Nacional.
B — Modalidades, sujeitos e objeto da
contratação coletiva — A CLT define a convenção coletiva de
trabalho como:
"o acordo de caráter normativo, pelo qual
dois ou mais sindicatos representativos de categorias
econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho
aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às
relações individuais do trabalho" (art. 611 da CLT, com a
redação dada pelo D.L. n° 229/67).
Por sua vez, preceitua que os sindicatos
representativos de categorias profissionais poderão celebrar
acordo coletivo:

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fls. 434

"Com uma ou mais empresas da correspondente


categoria econômica, que estipulem condições de trabalho,
aplicáveis, no âmbito da empresa ou das empresas acordantes,
as respectivas relações de trabalho" (§ 1° do art. cit.).

Como se vê, a expressão "convenção coletiva


de trabalho" foi reservada ao instrumento firmado por
sindicatos de trabalhadores e de empregadores, de aplicação
as categorias por eles representadas. Já o "acordo coletivo
de trabalho", também referido no inciso XXVI do art. 7° da
Constituição, é celebrado, de um lado, por uma ou mais
empresas; do lado dos trabalhadores, o sujeito do ato
jurídico é sempre o sindicato que legalmente o represente.
Quando a categoria, profissional ou econômica, não estiver
organizada em sindicato, este será substituído pela
federação do correspondente grupo ou, na falta desta, pela
confederação do respectivo ramo da economia (§ 2° do art.
cit.).
O quadro constitucional vigente a partir de
1946 permitiu-nos, quando no exercício do cargo de ministro
do Trabalho e Previdência Social, a iniciativa de atualizar
o titulo da CLT sobre o tema, tendo como alvos principais:
a) instituir a figura do "acordo coletivo de
trabalho" como espécie da convenção restrita a uma ou mais
empresas. Descorporativamos assim. o instrumento, antes
sempre de aplicação a todas as empresas e a todos os
trabalhadores das categorias econômicas e profissionais
representados pelos sindicatos convenentes. O objetivo do
antigo sistema era não quebrar a unidade da corporação que
designaria os membros do Conselho de Economia Nacional
previsto no art. 57 da Carta de 1937;
b) substituir a homologação oficial do ato
pelo simples depósito, para fins de registro e eficácia
jurídica;
c) determinar a aplicação ergo, omnes da
convenção ou acordo coletivo (associados e não associados),
independentemente de ato ministerial.

O art. 8° da Constituição prescreve:

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fls. 435

"VI — é obrigatória a participação dos


sindicatos nas negociações coletivas."

Com esse mandamento excluiu a possibilidade


de serem as convenções e os acordos celebrados por grupos de
trabalhadores, como os comitês de greve, as comissões de
salário etc. Só a associação sindical que legalmente os
represente pode assinar os aludidos instrumentos.
Inquestionável, igualmente, que a convenção coletiva há de
ser firmada, em nome da categoria econômica, pela entidade
sindical que a representa. E o acordo coletivo, restrito que
é uma ou mais empresas, terá de ser celebrado pelo
correspondente sindicato patronal?
Na análise do precitado inciso VI, como
escrevemos alhures, "cumpre distinguir entre participar da
negociação coletiva e celebrar o acordo coletivo que
formaliza o ajustado no dialogo com os sindicatos
representativos dos empregados da empresa, ou empresas. O
dispositivo em foco há de ser interpretado da forma coerente
e inteligente, sem conduzir a absurdos. Ora, afronta a
lógica jurídica exigir-se que o sindicato patronal celebre
acordo coletivo cujo sujeito das obrigações nele estipuladas
seja, concretamente, determinada ou determinadas empresas.
Somente estas podem decidir sobre as obrigações que
assumirão no acordo coletivo. Já na convenção coletiva, o
sindicato de empregadores negocia e assina o instrumento,
porque este se destina, abstratamente, a todas as empresas
que integram ou venham integrar a respectiva categoria
econômica.
Na negociação para o acordo coletivo
entendemos que o papel da entidade sindical patronal será o
de assistente. Assistência que se justifica, como poder
moderador, visando a evitar um desnível acentuado nas
condições de trabalho entre empresas da mesma categoria
econômica.
C — Natureza jurídica — Muito se tem escrito
sobre a natureza jurídica dos instrumentos normativos da
negociação coletiva para explicar esse negocio jurídico que
inovou profundamente as fontes do Direito. Algumas teorias

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fls. 436

de natureza civilista foram expostas (teorias de mandato, da


estipulação em favor de terceiros, da gestão de negócios
etc.), sem que nenhuma delas merecessem o apoio generalizado
da doutrina. Confrontando-as, surgiram, dentre outras, as
teorias da solidariedade necessária, do ato institucional
corporativo, do pacto social, da representação legal e da
lei delegada.
As convenções e os acordos coletivos de
trabalho contem, sem duvida, cláusulas que configuram sua
normatividade abstrata, ao lado de outras de índole
contratual, que estipulam obrigações concretas para as
partes. As cláusulas normativas constituem o principal
objetivo da negociação coletiva e o núcleo essencial do
diploma que a formaliza; correspondem a fontes formais do
direito. As cláusulas obrigacionais, melhor denominadas
"cláusulas contratuais", concernem a obrigações assumidas
diretamente pelas partes convenentes ou acordantes e que não
se incorporam aos contratos individuais de trabalho. Por
meio delas as partes podem obrigar-se a submeter a
arbitragem a interpretação de disposições do instrumento,
instituir comissões paritárias de consulta e colaboração,
criar a figura do delegado de pessoal etc.; a empresa pode
comprometer-se a fundar uma entidade de previdência
complementar ou a reservar área para recreação cultural e
desportiva, com os necessários equipamentos etc.: o
sindicato de trabalhadores pode obrigar-se a não deflagrar
greve durante a vigência da convenção ou acordo coletivo
(cláusula de paz) etc. Aliás, OCTAVIO BUENO MAGANO pondera
que, entre as cláusulas obrigacionais, sobrelevam as
"obrigações de paz, pelas quais as partes comprometem-se a
não recorrer à greve ou à violência durante a vigência da
convenção coletiva de trabalho".
Como se infere, a convenção e o acordo
coletivo de trabalho são, a um só tempo:

a) um ato-regra, de caráter normativo,


aplicável às empresas e aos empregados que pertençam ou
venham a pertencer aos grupos representados;
b) um contrato, no que tange às cláusulas que
obrigam, direta ou reciprocamente, as respectivas partes.

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fls. 437

Dentre outras disposições, esse negocio


jurídico deve dispor sobre as condições que deverão reger as
relações individuais de trabalho durante sua vigência (art.
613, IV, da CLT).
O art. 619 da CLT consagra a proposição já
mencionada, da Recomendação da OIT n° 91:

"Nenhuma disposição de contrato individual de


trabalho que contrarie normas de Convenção ou Acordo
Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo,
sendo considerada nula de pleno direito."

Como bem sublinhou a assistente jurídica da


DRT de São Paulo, ROSALY REBELO PINHO, "a autonomia coletiva
pressupõe, portanto, uma reserva de competência em favor das
partes sociais, pois, seria inócuo atribuir-lhes poder
normativo se o Estado não lhes deixasse espaço algum para
exercê-los"; mas "a norma de ordem publica prevalecera
sempre em relação ao ordenamento jurídico privado,
individual ou coletivo".
D — Incidência e eficácia jurídica — A
Recomendação da OIT n° 91, depois de prescrever que:

"Toda convenção coletiva deve obrigar a seus


signatários, assim como as pessoas em cujo nome e celebrado"
(item 3.1),propõe que, adaptadas às circunstâncias próprias
de cada país deveriam adotar-se medidas “para estender a
aplicação de todas ou certas disposições de uma convenção
coletiva a todos os empregadores e trabalhadores
compreendidos no campo de aplicação profissional e
territorial do convênio”) (item 5.1).
Também a Carta Internacional Americana de
Garantias Sociais (Bogotá, 1948) consagrou a tese da
aplicação erga omnes desse ato jurídico de caráter
normativo.
O novo Título VI da CLT estatui que as
condições de trabalho ajustadas na negociação coletiva são
aplicáveis a todas as relações individuais de trabalho, “no
âmbito das respectivas representações” ou “no âmbito da

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fls. 438

empresa ou empresas acordantes” (art. 611, caput, e § 1º,


com a redação dada pelo DL 229/67).
Ora, no regime da unicidade compulsória,
adotado pela CLT (art. 516) e consagrado pela nova
Constituição (art. 8º, II), os sindicatos representam. Ex vi
legis, todos os integrantes das correspondentes categorias
profissionais ou econômicas, sejam ou não seus associados. A
todas, portanto, aplica-se automaticamente a convenção ou o
acordo coletivo.
Após o término da vigência da convenção ou do
acordo coletivo continua eficaz a cláusula incorporada aos
contratos individuais do trabalho?
Se a cláusula normativa for inserida com a
expressão menção de que sua eficácia cessará em tal data ou
com a implementação de certo fato, é evidente que a
incorporação de dará sob condição resolutiva. Realizada a
condição, não há que se falar em sobrevivência da respectiva
disposição, seja na contratação coletiva, seja nos contratos
individuais sobre os quais incidiu.
Em regra, o instrumento da contratação
coletiva é sucedido por outro ou, quando fracassa a
negociação, por um lado arbitral ou uma sentença normativa
de tribunal do trabalho. Tais atos situam-se no mesmo plano
hierárquico das normas jurídicas, razão por que prevalecerá
o novo, sempre que repetir ou ampliar vantagens
anteriormente estabelecidas. Mas pode ocorrer que o novo não
verse determinada prestação prevista no ato normativo
anterior, estabeleça outros requisitos para sua concessão ou
reduza o seu valor.
Para DÉLIO MARANHÃO, “extinta a convenção
coletiva (ou acordo coletivo), claro que suas cláusulas
contratuais, obrigando, diretamente, as partes convenentes,
se extinguem também. Quanto às cláusulas normativas, que
estabelecem condições de trabalho, às quais terão que se
subordinar os contratos individuais perdem, evidentemente,
sua eficácia em relação aos novos contratos que se irão
celebrar. Não nos parece que, em nosso direito positivo do
trabalho, possa haver outra solução: continuam regidos pelas
normas da convenção extinta. É que elas se incorporam nos
contratos individuais, e as condições de trabalho nestes

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fls. 439

incorporados não podem sofrer alteração, nos termos


expressos no art. 468 da Consolidação”.
Para GINO GIUGNI, entretanto, grande defensor
da autonomia privada coletiva, “a cláusula contratual
individual, conformada segundo a norma coletiva, segue
naturalmente a sorte desta última, ficando permanentemente
exposta ao efeito integrativo da parte dela: é por isso
inevitável que uma modificação surgida na esfera da
autonomia coletiva reflita-se nos conteúdos dos contratos
anteriormente disciplinados por ela”.
O Tribunal Superior do Trabalho passou a
adotar essa tese a partir de um aresto de 1983, da lavra do
ministro MARCO AURÉLIO DE MELO.
Para nÓs, a cláusula de caráter normativo,
geradora de direito contratual do empregado, cessa sua
vigência:
a) havendo condição resolutiva, inclusive
termo previsto para a cláusula, explicitamente consagrada na
convenção ou acordo coletivo que a estipulou;
b) quando sobrevier outra convenção ou acordo
coletivo suprimindo o direito previsto na cláusula ou
modificando a respectiva norma.

Capítulo IV

DIREITO DE GREVE

I — Histórico e reconhecimento do direito de


greve
A greve sempre constituiu um dos principais
procedimentos de atuação do sindicato. Reportamo-nos, por
isso, à historia do sindicalismo no direito comparado e no
Brasil, expostos no Capítulo I deste Título VI. Por via de
conseqüências, a greve foi conceituada como delito, quando
foram proibidas as coalizões operarias; tolerada, quando
admitidos os sindicatos; elevada, a pouco e pouco, à
categoria de direito dos trabalhadores, em decorrência do
reconhecimento do direito de sindicalização.

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fls. 440

Antes, porém, das greves organizadas pelas


trade unions inglêsas, no século XIX, a história revela a
eclosão de algumas greves. HÉLÈNE SINAY registra que a
primeira ocorreu "no Novo Império Egípcio, no Reinado de
RAMSÉS III, quando trabalhadores se recusaram a executar
suas tarefas na tumba do faraó, em sinal de protesto contra
a irregularidade no fornecimento de utilidades (alimentação,
vestuário etc.) e o tratamento a eles dispensado no canteiro
de obras. E o mesmo verificou-se no período neobabilônico e
durante o Baixo Império Romano.
A denominação "greve" surgiu apôs a Revolução
Francesa, porque os operários que abandonavam coletivamente
o trabalho iam para a Praça da Prefeitura, em Paris,
conhecida como "Place de grève", porque era comumente
invadida por cascalhos ("grève", em francês), advindos do
rio Sena.
Antes da Revolução Francesa (1789), que
proibiu a coalizão de trabalhadores, ocorreram greves na
fase de decadência das corporações de oficio (séculos XV e
XVI), quando os "companheiros" rebelaram-se contra os
"mestrês" que os exploravam, sendo que alguns fundaram
associações para defender seus interesses e outros
abandonaram os burgos.
Por se tratar de um método peculiar de
atuação dos sindicatos de trabalhadores, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem não alude à greve,
limitando-se a assegurar o "direito de organizar sindicatos"
(art. XXIII, nO 4). Também a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) dela não cogita na sua Constituição, nem em
qualquer das convenções aprovadas por sua Conferência.
Somente a Recomendação n° 92, de 1951, sobre conciliação e
arbitragem de conflitos de trabalho, refere-se a greve e ao
lock-out, para que trabalhadores e empregadores não recorram
a tais paralisações durante o procedimento da arbitragem
voluntária. Entretanto, por entender que a greve esta
implícita no direito de atuação dos sindicatos em defesa dos
direitos e interesses dos seus representados, compatíveis
com os objetivos sindicais, a ONU aludiu à greve no pacto
regulamentador dos direitos sociais consagrados na precitada
Declaração. Por isto, a OIT construiu ampla e esclarecedora

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conseqüência sobre o tema, na interpretação da norma que


garante a autonomia dos sindicatos para "formular seu
programa de ação" (art. 3° da Convenção n° 87, relativa à
liberdade sindical).
Algumas constituições dispõem sobre a greve
afirmando simplesmente o direito (p. ex.: Argentina, Itália
e Uruguai); outras enunciam regras concernentes a aspectos
de relevo do direito que consagram (p. ex.: Brasil, Espanha,
México, Portugal e Venezuela); muitas, todavia, são omissas
a respeito da greve (p. ex.: Alemanha, China, Cuba, Estados
Unidos da América, França, Gra-Bretanha e Japão). Poucos
países abstiveram-se de regulamentar o direito de greve por
lei ordinária, seja em decorrência da orientação firmada no
respectivo Congresso Nacional (p. ex.: Uruguai), seja em
virtude de pressão sindical. Na maioria deles há leis
dispondo sobre a matéria, ainda que restritas a determinados
pontos, como os relativos a serviços públicos e atividades
essenciais.
Como asseverou PLÁ RODRIGUEZ, a
regulamentação do direito de greve impõe-se, "porque dentro
da organização jurídica não existem direitos absolutos".
Aliás, como já registramos, a ONU proclamou que as
atividades sindicais podem ficar sujeitas a limitações
previstas em lei, as quais "constituem medidas necessárias
numa sociedade democrática, no interesse da segurança
nacional ou para proteger os direitos e as liberdades de
outrem". Segundo a OIT, os direitos ou liberdades
fundamentais do homem, que, por sua hierarquia, devem ser
preservados, ainda que importem em proibição ao exercício do
direito de greve, são as concernentes a vida, a segurança ou
a saúde da pessoa. Estes constituem super-direitos ou di-
reitos naturais, cuja observância independem de normas
escritas.

II — Conceito de direito de greve

Não raramente as associações sindicais,


sobretudo as centrais ou confederações de cúpula, organizam
greves de caráter geral ou setorial com a finalidade de
pressionar parlamentares e autoridades governamentais a

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atenderem suas reivindicações para a conquista de direitos


sociais. Mas esses fatos sociopolíticos são extrajurídicos,
insuscetíveis de previsão ou regulação pelos sistemas
constitucionais ou ordenamentos legais. A greve capaz de ser
regulada por lei (processo heterônomo) ou pelos próprios
interessados (auto-regulamentação), com controle
jurisdicional, é a que constitui meio de pressão contra os
empregadores ou as associações representativas de
determinados empresários, para que negociem de boa-fé com os
correspondentes sindicatos de trabalhadores, tendo por fim a
adoção ou revisão de condições de trabalho, por meio de
convenções, contratos ou acordos coletivos.
Para o renomado e saudoso MÁRIO DEVEALI, "a
greve consiste na abstenção simultânea do trabalho,
concertada pelos trabalhadores de um ou mais
estabelecimentos, ou de suas seções, com o fim de defender
os interesses da profissão". E acentuava que "esse conceito
serve para diferenciar a verdadeira greve, realizada por
trabalhadores, para finalidades profissionais de outras
formas de greve como: a) greve política; b) as greves de
solidariedade; c) greves de que participam determinados
setores da população — e não somente os trabalhadores — para
finalidades estranhas ao trabalho, tal como as chamadas
greves dos consumidores de determinados serviços; greves dos
contribuintes; greves de estudantes etc." A deflagração
dessas greves não corresponde ao exercício de um direito,
mesmo quando deliberados por entidade sindical.
JEAN CLAUDE JANVILLIER recorda que a Corte de
Cassação de França consagra a definição de RIVERO e
SAVATIER, para quem a greve é "cessação concertada do
trabalho pelos assalariados, visando a constranger o
empregador, por esse meio de pressão, a ceder às suas
reivindicações sobre a questão que e objeto do litígio". E
acrescenta que, sob o prisma jurídico, a greve deve reunir
certos elementos materiais e psicológicos: a) cessação
coletiva do trabalho, não importando o numero de
participantes; b) intenção dos trabalhadores de fazer a
greve e não, simplesmente, de não prestar, por exemplo,
horas extraordinárias; c) reunião dos trabalhadores para a

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previa deliberação sobre a greve; d) conhecimento, pelo


empregador, das reivindicações de caráter profissional.

III — Direito positive brasileiro

A — Campo de Aplicação — A Constituição de


1988, depois das Emendas Constitucionais nO8 18 e 19,
distingue os seguintes grupos, no que tange ao direito de
greve:

a) empregados de empresas privadas, que


abrangem as sociedades de economia mista e as chamadas
empresas publicas, e as quais se equiparam "os profissionais
liberais, as instituições de beneficência, as associações
recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que
admitirem trabalhadores como empregados" (art. 2°, § 1°, da
CLT).
b) Servidores públicos da administração
direta e indireta (autarquias e fundações públicas) de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios (art. 37, VII, com a redação
advinda da Emenda Constitucional nO 19, de 4.6.98).
c) Militares das Forcas Armadas (art. 142,
IV, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 18, de
5.2.98).
d) Militares dos Estados, Distrito Federal e
Municípios, integrantes das Policias Militares e dos Corpos
de Bombeiros Militares, organizados com base na hierarquia e
disciplina (art. 42, § 5°, com as alterações determinadas
pela Emenda Constitucional n° 18 cit.).

O precitado art. 9°, que dispõe sobre o


exercício do direito de greve no setor privado da economia,
foi regulamentado pela Lei n° 7.783, de 28 de junho de 1989,
cujas regras examinaremos nos itens seguintes.
O referido art. 37, que assegura aos
servidores públicos civis de todas as esferas geográficas o
"direito a livre associação sindical" (nO VI), prescreve:

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"VII — O direito de greve será exercido nos


termos e nos limites definidos em lei específica."

Tratando do direito de greve do servidor


publico, SÉRGIO DE ANDREA FERREIRA ponderou que "o direito
de greve é, desde logo, constitucionalmente garantido, mas o
seu exercício é que se submetera às limitações que a lei
complementar estabelecer. O conteúdo e respectivos limites
são os mesmos dos trabalhadores em geral". E aduz: "Não
podemos olvidar que a continuidade e a regularidade são
princípios essenciais da atividade administrativa". Afigura-
se-nos também que da norma Constitucional, por ser de
eficácia contida, e não programática, resulta o direito de
greve dos servidores públicos. A lei a que alude o art. 37,
VII, da Constituição, poderá estabelecer limitações; nunca,
porem, negar o direito, o qual, por conseguinte, já existe.
A solução até que o Congresso Nacional legisle sobre a
matéria, estaria em invocar, por analogia, que e fonte de
direito, as disposições da Lei n° 7.783 citada, naquilo que
não for incompatível com a natureza e os objetivos do
serviço público.
O direito comparado evidencia que são comuns
as limitações da greve dos servidores públicos. Aliás, o
Comitê de Liberdade Sindical da OIT, que e o fórum mundial
de salvaguarda dos direitos sindicais, assentou sua
conseqüência no sentido de que o direito de greve:

"pode ser objeto de restrições, inclusive, proibições, na função


publica, sendo funcionários públicos aqueles que atuam como
órgãos do poder publico ou em serviços essenciais no sentido
estrito do termo, isto é, aqueles serviços cuja interrupção possa por
em perigo a vida, a segurança ou a saúde da pessoa, em toda ou
parte da população."

Os militares das Forcas Armadas estão


sujeitos aos princípios e normas da Administração Publica
constantes da Seção II do Capítulo VII do Titulo III da
Constituição agora denominada "DOS Servidores Públicos"
(Emenda Constitucional nO 18/95); mas vigora no Titulo V "Da

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Defesa do Estado e das Instituições Democráticas",


disposição explicita sobre o tema:

"Art.142.....................................
IV — ao militar são proibidas a
sindicalização e a greve (Redação da Emenda cit.)."

A Seção III, do Capítulo VII, do Titulo III,


passou a denominar-se "DOS Militares dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios" (Emenda cit.), aplicando-se,
assim, aos componentes das respectivas Policias Militares e
Corpos de Bombeiros militares a vedação inserida no art. 42:

"§ 5° Ao militar são proibidas a


sindicalização e a greve."

Como se sabe, o que é constitucionalmente


proibido tem aplicação plena e imediata e não comporta
interpretação, salvo quanto aos destinatários da norma
proibitiva.

B — Definição e sujeito ativo — A precitada


Lei n° 7.783, a nosso ver, definiu a greve de maneira
imprecisa e incompleta:

"Art. 2° — Para os fins desta Lei, considera-


se legítimo exercício do direito de greve a suspensão
coletiva, temporária e pacifica, total ou parcial, de
prestação de serviços a empregador."

Esta definição contém apenas alguns elementos


óbvios e, por isto mesmo, incontroversos; mas é omissa
quanto a aspectos de relevo: a) sujeito ativo do
procedimento da greve; b) o objeto da greve.
No tocante ao primeiro ponto, o art. 4° da
lei atribuiu a entidade sindical — e somente na sua falta, a
uma comissão de negociação — a legitimidade ativa e o
conseqüente comando do procedimento de greve. A expressão
"entidade sindical" abrange os sindicatos, as federações e
as confederações. Assim, tratando-se de categoria ou

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profissão inorganizada em sindicato, o sujeito ativo da


greve será a federação do respectivo grupo; e, à sua falta,
a legitimidade ativa desloca-se para a confederação do
correspondente ramo profissional.
O caput do art. 9° da Carta Magna refere
"trabalhadores" porque lhes cabe o exercício do direito de
greve. Todavia, por que o objeto da greve é a reivindicação
de melhores condições de trabalho ou de vida, em defesa dos
interesses coletivos de um grupo de trabalhadores, estes
devem ser representados pelo correspondente sindicato (art.
8°, n° III, da Constituição), o qual assume a posição de
sujeito ativo do procedimento.
C — Objeto e greves impróprias — A
interpretação sistemática de normas da Lei Maior sobre os
direitos sociais e a Justiça do Trabalho e, bem assim, da
Lei n° 7.783, nos revela, de forma inquestionável, que os
interesses suscetíveis de serem defendidos por meio desse
procedimento conflituoso concernem a condições contratuais e
ambientais de trabalho, ainda que já estipuladas, mas não
cumpridas.
Com efeito, se a greve só pode ser deflagrada
depois de frustrada a negociação coletiva e verificada a
impossibilidade da submissão do conflito coletivo à
arbitragem (art. 3° da lei cit.); se a negociação coletiva
há de versar sobre postulações que possam ser atendidas por
convenção coletiva de trabalho, celebrada entre o sindicato
dos trabalhadores e o sindicato patronal da respectiva
categoria, ou acordo coletivo de trabalho firmado entre
aquele sindicato e a empresa ou empresas interessadas (art.
611, da CLT, e art. 8°, VI, da CF); se a conciliação das
partes do curso da greve formaliza-se através dos precitados
instrumentos normativos; se, malogrando a negociação
coletiva no curso da greve e não havendo arbitragem, o
conflito deve ser submetido à Justiça do Trabalho, cuja
competência para estabelecer normas e condições em dissídios
coletivos concerne ao campo das obrigações que podem ser
impostas aos empregadores (art. 114, §§ 1° e 2°, da CF) —
cumpre concluir que o objeto da greve esta limitado a
postulações capazes de ser atendidas por convenções ou

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fls. 447

acordo coletivo, laudo arbitral ou sentença normativa de


tribunal do trabalho.
Portanto, o nosso sistema constitucional e a
Lei n° 7.783 não legitimam as greves políticas e as de
solidariedade. A OIT também não endossa as greves de caráter
meramente político. E no direito comparado prevalece a
condenação tanto das greves políticas quanto das de
solidariedade (estas são deflagradas por sindicatos
estranhos ao conflito trabalhista em foco)17.
Afigura-se-nos, por todo o exposto, que,
frente ao direito positivo brasileiro, a greve deve ser
conceituada como suspensão coletiva, temporária e pacifica,
da prestação pessoal de serviços em uma ou mais empresas, no
todo ou em parte, determinada por entidade sindical
representativa dos respectivos empregados (a hipótese de
comissão de negociação deve ser desprezada em face da
existência de confederações de todos os ramos
profissionais), com a finalidade de pressionar a
correspondente categoria econômica, ou os empresários, para
a instituição ou revisão de normas ou condições contratuais
ou ambientais de trabalho, assim como para o cumprimento de
disposições de instrumento normativo.
D —- Oportunidade e procedimento — A greve
não pode ser deflagrada durante a vigência de convenção ou
acordo coletivo e de sentença normativa. Há, porém, duas
exceções, consignadas no parágrafo único do art. 14 da Lei
n° 7.783/89:

a) greve visando ao cumprimento de cláusula


ou condição estipulada em qualquer dos precitados
instrumentos;
b) greve motivada pela superveniência de fato
novo ou acontecimento imprevisto, que modifique
substancialmente a relação de trabalho.

Daí a afirmação do caput do dispositivo legal


citado de que constitui abuso do direito de greve sua
manutenção apôs a celebração de convenção ou acordo coletivo
ou de decisão da Justiça do Trabalho. Outrossim, nos termos
do art. 3° da referida lei, o movimento grevista só deve ter

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fls. 448

início se malograda a negociação coletiva entre as partes


envolvidas e estas não tiverem submetido o conflito à
arbitragem.
Para legitimar a greve sob o aspecto formal,
cabe ao sindicato dos trabalhadores convocar, na
conformidade do seu contrato, a assembléia geral que
definira as reivindicações e deliberará sobre a paralisação
coletiva do trabalho (art. 4°, caput). E imprescindível,
contudo, que o estatuto da entidade sindical haja disposto
sobre as formalidades da convocação da assembléia (edital
etc.) o quorum para deliberar a respeito da deflagração e da
cessação da greve (§ 1° do art. 4°).
Uma vez deliberada a eclosão da greve, a
entidade representativa dos trabalhadores terá de preavisar
a entidade sindical patronal, em caso de greve de categoria,
ou os empregados diretamente interessados, se a paralisação
visar a determinada ou determinadas empresas. O Aviso Prévio
será de 48 horas, no mínimo (parágrafo único do art. 3°),
salvo se se tratar de serviços ou atividades essenciais
quando a comunicação deve ser feita, pelo menos, com a
antecedência de 72 horas (art. 13).
Nada impede, a nosso ver, que o Ministério do
Trabalho, e ciente do aviso prévio, tente mediar o conflito
trabalhista. Nem se alegue que a Carta Magna veda "ao Poder
Público a interferência e a intervenção na organização
sindical" (art. 8°, I). É evidente que a medição de um
conflito coletivo de trabalho não configura o que a norma
constitucional proíbe. Mesmo porque, ao mediador compete
propor a solução que lhe parecer adequada, apôs ouvir as
partes conflitantes. O mediador nada decide; busca somente a
conciliação que malogrou na negociação direta.
E — Serviços essenciais — A greve e um
direito, mas, como já sublinhamos neste capítulo, não
constitui um direito absoluto dos trabalhadores. Por isto,
no confronto com outros direitos, deve sofrer restrições
impostas pela necessidade de serem preservados ou
superdireitos. Estes atendem a exigências supra-estatais,
devendo ser deduzidos dos princípios fundamentais da ordem
jurídica nacional e, para muitos, também dos direitos
naturais.

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fls. 449

Aliás, a Constituição brasileira, ao tratar


da greve, determina que a lei disponha sobre o atendimento
das necessidades inadiáveis da comunidade em relação aos
serviços e atividades essenciais (art. 9°, § 1°), sujeitando
os que abusarem do direito de greve as penas da lei (art.
9°, § 2°). Mas, além dessas limitações, outras decorrem do
próprio ordenamento constitucional, que consagra, dentre
outros, os princípios referentes a dignidade humana (art.
1°, III); ao direito à vida, à liberdade, à segurança e a
propriedade (art. 5°, caput); ao direito de não sofrer
tratamento desumano ou degradante (art. 5°, XIII) e a função
social da propriedade (art. 17O, III).
Esse entendimento é universal. A Assembléia
Geral das Nações Unidas, ao regulamentar a Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948, proclamou que o
direito de greve deve ser "exercido de conformidade com as
leis de cada pais", sendo que elas podem prever limitações
"no interesse da segurança nacional ou da ordem publica, ou
para proteção dos direitos e liberdades de outrem".
Essa tem sido, igualmente, a orientação do
Comitê de Liberdade Sindical da OIT, que tem admitido
limitações e ate proibições a greves "nos serviços
essenciais no sentido estrito do termo, isto é, aqueles
serviços cuja interrupção possa pôr em perigo a vida, a
segurança ou a saúde da pessoa, em toda ou parte da
população".
O mencionado art. 9° da Constituição
brasileira, depois de assegurar o direito de greve,
determina, no seu § 1°, que a lei:

a) defina "os serviços ou atividades


essenciais";
b) disponha sobre "o atendimento das
necessidades inadiáveis da comunidade".

A Lei n° 7.783, de 28 de junho de 1989;


regulamentou o art. 9° da Carta Magna e previu dois tipos de
serviços ou atividades que não podem parar durante a greve,
ainda que deflagrada na conformidade dos procedimentos
legais e estatutários:

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fls. 450

a) "serviços cuja paralisação resultem em


prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de
bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção
daqueles essenciais a retomada das atividades da empresa
quando da cessação do movimento" (art. 9°);
b) "serviços indispensáveis ao atendimento
das necessidades inadiáveis da comunidade", como tais
consideradas "aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo
iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da
população" (art. 11 e seu parágrafo único).
Na primeira hipótese, a finalidade é evitar
dano irreparável a empresa; na segunda e preservar direitos
fundamentais do ser humano.
Contudo, nem a Carta Magna nem a Lei n° 7.783
proíbem a greve em empresas que empreendem serviços ou
atividades consideradas essenciais. Os estabelecimentos,
departamentos ou setores que, nas empresas, estão
encarregados da execução desses serviços ou atividades e que
não podem sofrer solução de continuidade. Dai prescrever a
lei que:

a) no caso de prejuízo irreparável para a


empresa, a entidade sindical dos trabalhadores terá de
firmar acordo com a entidade patronal ou o respectivo
empregador, a fim de manter em atividade equipes de
empregados com o propósito de executar os necessários
serviços (art. 11). Não havendo acordo, o empregador poderá
contratar os serviços necessários (parágrafo único do art.
11), contratando diretamente trabalhadores ou empresas
prestadoras de serviços;
b) no caso de necessidades inadiáveis da
comunidade, "os empregadores e os trabalhadores ficam
obrigados" a celebrar acordo que garanta a prestação dos
serviços essenciais (art. 11). Uma vez desrespeitada essa
determinação, "o Poder Publico assegurara a prestação dos
serviços indispensáveis" (art. 12).

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fls. 451

Em inúmeros países vigoram proibições àa


greve em serviços essenciais; e no concernente ao serviço
publico, é comum sua proibição.
F — Suspensão do contrato de trabalho — A Lei
n° 7.783 dispõe:

"Art. 7° — Observadas as condições previstas


nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de
trabalho, devendo as relações obrigacionais durante o
período ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral
ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. É vedada a rescisão de
contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação
de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das
hipóteses previstas nos arts. 9° e 14."
Dessa disposição legal resulta que os
contratos de trabalho dos grevistas permanecem suspensos,
desde que a paralisação coletiva do trabalho tenha observado
a lei e tanto os dirigentes sindicais quanto os empregados
em greve não hajam praticado abusos. Neste caso, será vedada
a despedida dos grevistas, assim como a contratação de
substitutos. Se, entretanto, a greve for ou se tornar
ilícita ou abusiva, a empresa poderá penalizar os
responsáveis, inclusive com a despedida e contratar empresa
prestadora de serviços ou outros trabalhadores.
Na suspensão do contrato de trabalho, como se
sabe, não ha prestação de serviços nem pagamento de
salários. Contudo, no acordo que puser fim à greve,
formalizado em convenção, acordo coletivo ou conciliação
homologada pelo tribunal do trabalho, as partes poderão
dispor sobre o pagamento dos salários ou estipular o
desconto parcelado dos mesmos. Também o laudo arbitral ou a
sentença normativa da Justiça do Trabalho poderão, no uso do
seu prudente arbítrio, deliberar a respeito. Nesse sentido e
tranqüila a conseqüência do TST.
O término da suspensão do contrato de
trabalho pode ocorrer de diversas formas: a) acordo
celebrado na negociação coletiva direta entre as partes
conflitantes; b) acordo resultante da mediação de autoridade

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fls. 452

publica ou terceiro, admitido, para tal fim, pelas partes;


c) arbitragem; d) decisão da Justiça do Trabalho.
G — Abusos e responsabilidades — A Lei n°
7.783, tendo em conta o preceituado no art. 9° da
Constituição, prevê alguns tipos de abuso, cuja pratica
condena. Tais atos, ou omissões, podem corresponder:

a) às formalidades que devem ser atendidas


pela entidade sindical promotora da greve;
b) à oportunidade da deflagração da greve;
c) ao objeto da greve;
d) aos atos ilícitos ou abusivos, por ação ou
omissão dos dirigentes sindicais ou dos próprios grevistas.

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