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educação,
educação para a
tecnologia
Rui Penha
— vídeo —
Pode não vos parecer nada de especial, mas, na altura, este resultado
deixou-me muitíssimo entusiasmado. Usei este vídeo para tentar
convencer a Casa da Música de que deveríamos construir mais robots
musicais, e foi assim que acabámos, aí já de forma mais séria, por
construir um conjunto apreciável de robots para o gamelão da Casa da
Música, que ainda hoje são usados em apresentações públicas. Uma das
principais motivações para construir estes robots era permitir que
pessoas com necessidades especiais pudessem tocar gamelão, já que o
espaço onde estava o gamelão não era sequer acessível às cadeiras de
rodas. Fizemos ainda um projecto chamado Instrumentos Para Todos, no
qual usámos tecnologias digitais para criar um número apreciável de
instrumentos concebidos especificamente para que pessoas com vários
tipos de necessidades especiais pudessem compor e tocar música ao vivo.
Assim aconteceu, em Abril de 2010, no concerto A Viagem, coordenado
pelo saudoso Rolf Gehlhaar, que nos deixou há pouco mais de um ano, e
que foi apresentado na Sala Suggia da Casa da Música por um grupo de
oitenta músicos com necessidades especiais.
— vídeo —
Parecia fácil desvalorizar este comentário, até pela forma algo rude
como foi feito, mas, por alguma razão, nunca me esqueci dele. Parecia
haver alguma verdade óbvia — algum “o rei vai nu” — escondida atrás
desta saída destemperada do meu colega. Demorei uns anos a perceber
que a pergunta inquietante que eu ouvia por detrás daquela era algo
como:
Será possível que alguém consiga ver uma boa oportunidade para
tocar um trilo se não for antes tecnicamente capaz de o fazer?
— vídeo —
É difícil perceber o que ele diz, como imagino que seja difícil para
ele tentar explicar por palavras o que lhe surge de forma tão clara no seu
envolvimento com o mundo enquanto artesão. O que ele tem não é
conhecimento no tradicional sentido de crença verdadeira e justificada. Não se
pode, por isso, aprender o que é uma boa madeira apenas escutando
estas suas palavras, ainda que esse saber possa ser convocado através
destas mesmas palavras, mas quando ouvidas por alguém que já possui
de antemão esse saber. Mas, e aqui está um ponto importante para
Heidegger, o conhecimento que o carpinteiro tem da madeira foi
desenvolvido através da tecnologia. Foi o aprender a trabalhar como
carpinteiro, a usar o martelo, a serra e a plaina que o levaram a
compreender — e a ter respeito e até carinho — pela madeira. É este o
carácter ambivalente da tecnologia. Por um lado, quando temos dela
uma visão acrítica, levar-nos-á a olhar para todo o mundo, incluindo nós
próprios, como recursos à espera de serem optimizados e, com isso,
espoliados das suas verdadeiras particularidades. Por outro, é através da
tecnologia — e de uma educação para a tecnologia — que podemos
compreender a importância de aprofundarmos o nosso envolvimento
com o mundo.
Referências
Gehlhaar, Rolf, Paulo Maria Rodrigues, Luis Miguel Girão, and Rui
Penha. ‘Instruments for Everyone: Designing New Means of Musical
Expression for Disabled Creators’. In Studies in Computational Intelligence,
167–96. Springer Berlin Heidelberg, 2014.