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Aralume, as diversas representagées sonoras de uma composi¢ao Armorial Sérgio Deslandes, UFPE, sergio. deslandes@utpe. br Resumo: Este artigo apresenta uma reflexdo analitica sobre a pega “Aralume”, de Ant6nio Madureira escrita originalmente para violéo solo e suas diversas representacdes na obra gravada em LPs e CDs. deste compositor. Propde-se demonstrar de que modo foi preservada a unidade estética da composicao, em suas verses posteriores, e como foi mantido seu alinhamento com os ideais estéticos do movimento Armorial. Palavras-chave: Violdo. Composicao, Arranjo. Armorial Aralume: the many sonority representations of an Armorial composition Abstract: This article is an analytical reflection on the piece “Aralume” by AntOnio Madureira, written originally for solo guitar and its diverse representations in the work recorded in LPs and CDs of this composer. It is proposed to demonstrate how the aesthetic unity of the composition in its later versions. was preserved, and how its alignment with the aesthetic ideals of the Armorial movement was maintained Keywords: Acoustic Guitar. Composition. Arrangement. Armorial 1. O percurso e a expansio de uma ideia © presente artigo se propde a descrever o processo de adaptacdo e arranjo da composi¢éo para violéo solo, “Aralume”, de Anténio Madureira, feito em 1974, posteriormente arranjada pelo proprio compositor em 1976 para o LP Aralume do Quinteto Armorial, € em 1996 para 0 CD do Quarteto Romancal , grupo com 0 qual Madureira atuou no fim dos anos 90 até o inicia dos anos 2000. Pracuraremos demonstrar como, a partir de uma peca originalmente escrita para violéo solo, os elementos factuais € constitutivos da mesma permaneceram e foram expandidos (mudanga de meio) nas duas versées de grupos que buscavam a estética do movimento Armorial. Esta mUsica foi escolhida por ser, na consideraco do compositor Anténio Madureira uma peca chave é representativa do movimento Armorial. A partitura solo foi transcrita das Composigées para violéo Vol.1, edigéo de 2016 do FUNCULTURA, Fundo Estadual de Cultura de Pernambuco. 2 Aralume, o Armorial que brilha na obra de Anténio Madureira Segundo entrevista dada ao autor deste artigo em 28/07/2017, 0 compositor esclarece que 0 vocdbulo “Aralume” tem origem no latim e significa "Pedra de Luz", (ara=pedra do altar de sacrificios /ume=luz) € foi usada por Ariano Suassuna em seu romance “A Pedra do Reino” Ja palavra “armorial’ tem origem no ramo da conhecimento denominado Heraldica, que é 0 estudo dos brasées e representacGes pictoricas das familias nobres do final do século 15 XIll, € faz refer€ncia especificamente “ao livro de armas em que se descreviam € registravam 08 brasdes da nobreza’ (SOUTO MAIOR p.5 apud ESTEBAN, 1786, p.151) elo fato da palavra “Armorial” evocar brasdes e emblemas, esta passou a ter bastante importancia social, pois assim como estes simbolos representam caracteristicas icdnicas morais, fisicas, © intelectuais de familias, clas, cidades, estados, reinados, e paises, as manifestagdes culturais do Nordeste ‘também possuem grupos com caracteristicas sui generis; grupos que tocam ‘© mesmo ritmo, a mesma danga, possuem vestimentas caracteristicas e tm bandeiras ¢ estandartes que os simbolizam, em duelos culturais e artisticos que so travados entre eles. Tal fato motivou o escritor Ariano Suassuna a escolher a palavra "Armotial” para representar 0 movimento cultural que se iniciou num grande pélo (sic) de criagéo artistica da regido do Nordeste brasileiro, na década de 1970 (SANTOS, 2009, p.13) © movimento Armorial, em sua origem, abrangia todos os tipas de manifestac6es artisticas, entretanto constitui um consenso entre os pesquisadores que: “a musica fol a parte do movimento Armorial que mais rapidamente evoluiu € se ramificou, em diversas formagées ¢ estilos musicais, que foram se desenvalvendo e sedimentando ao longo dos anos" (SANTOS, 2009, p.57) Ha varios estudos académicos sobre 0 Movimento Armorial (NOBREGA, SOUTO MAIOR, WOITOWICZ) , qué adquiriu importéncia regional € nacional, ¢ reuniu, desde a sua fundagéo € desenvolvimento, renomadas artistas, entre eles Anténio Nobrega, Antinio Madureira € Clévis Pereira, Grandes compositores brasileiras - na esteira do movimento nacionalista do século passado - basearam-se nas estruturas € sonoridades dos estilos € géneros musicais do Nordeste para compor suas criagdes. Serviam de inspira¢do reisados, pastoris, cavala-marinho e maracatus, além da utilizag4o de estruturas formais que assumiam a modalidade como referencia, em detrimento da tonalidade O movimento Armorial é caracterizado por trés tases fundamentals que determinaram sua evolugdo historica 1) A Fase Preparatoria (1946-1969); 2) A Fase Experimental (1970-1975); € 3) Fase Romangal, a partir de 1976, € que se encerra extraoficialmente em 1981 quando Ariano Suassuna despede-se da vida literaria em um artigo chamado “Despedida’ publicado no Diario de Pemambuco. A principal caracteristica da tase Experimental desse movimento é a rego consciente € deliberada a uma época marcada pelo inicio da “industrializag&o" da comunicagao no Brasil € pelo surgimento do Tropicalismo € da Jovem Guarda, antiteses do Movimento. A inciativa busca ir deliberadamente contra o ritmo industrial imposto por essa cultura de consumo. Em diversos textos sobre 0 Movimento, Suassuna afirma que “o mavimento Armorial pretende realizar uma arte brasileira erudita, a partir das raizes populares da nossa cultura’ 76 © a musica do serto € 0 ponto de partida para essa musica armorial que busca ser erudita, baseada na cultura popular. No dia 18 de outubro de 1969, na Igreja So Pedro dos Clérigos, acontece o primeira concerto de inaugura¢do oficial do movimento: “Trés Séculos de Musica Nordestina: do Barroco ao Armorial”. Nele, a pintura, a escultura e a xilogravura se uniam musica para langar as ideias do escritor. A base instrumental do estilo musical Armorial surge em 1969 como um quinteto, cuja formaco era inspirada nos grupos populares da regiéo nordeste. Este grupo foi formado por Cussy de Almeida (Violino), Jarbas Maciel (viola), José Tavares de Amorim ¢ Rogério Pessoa (flautas) e José Xavier (percuss40) tendo em diversas ocasides, o violonista Henrique Annes sido chamado para participar, de modo a suprir — com o viola - a sonaridade da viola nordestina, geralmente de 9 cordas.' Cussy de Almeida era diretor do Conservatorio Pernambucano de Musica no ano de 1970 quando fundou a primeira orquestra armorial, conhecida como “Orquestra Armorial de camar Pode-se dizer que o pensamento armorial se assemelhava com o movimento nacionalista, principalmente pela influéncia das ideias de Mario de Andrade e Guerra Peixe, este ultimo considerado por Clavis Pereira? como o “pal” da musica armorial (NOBREGA, 2008, p.56) Mais adiante Suassuna e Madureira rompem com Cussy de Almeida e com a Orquestra Armorial de C4mara por questées concernentes a fidelidade/imagem sonora relativas 4s concepedes estéticas originals do movimento e surge a Orquestra Romancal Brasileira A palavra “Romangal’, que caracteriza essa fase do movimento Armorial, € um neolagismo que surge a partir de “romance” termo também utilizado para descrever a forma como os cantadores dectamavam suas paesias de forma" rom&ntica’. Suassuna resolve entéo criar a palavra para no gerar confuses com o conceit de “ramantismo musical” 2.4 Antonio Madureira Circulando neste meio, vindo em 1967 de MacaulRN, estava o javem de 17 anos Anténio Madureira, cuja familia se mudara para Recife. No ano seguinte, aprofunda seus * A viola nordestina € um instrumento “hibrido” que utiliza a estrutura da viola caipira de 10 cardas, porém, possui lum grupo de 3 cordas superiores afinadas em quintas que realizam a base harménica vibrando livremente 2 Miisico pernambucano, nascido em Caruaru, em 1950, foi aluno de piano, harmonia composigéo de Guerra Peixe. Patticipou do grupo que elaborou as bases da musica armorial 7 estudos de violéo cam José Carrién (1924-1987) violonista espanhol radicado em Recife, de quem recebe aulas na Escola de Belas Artes do Recife Atuando como compositor e violonista do TPN - Teatro Popular do Nordeste, dirigido por Hermilo Borba Filho - foi apresentado por um amigo comum a Ariano Suassuna em 1970 A contribuigo de Madureira para a musica armorial foi fundamental Anténio Madureira em entrevista, afirma: Ele [Suassuna] me convidou para participar do movimento, [..] mas naquele mesmo momento nés conversamos ¢ dissemos: ~ Por que a gente ndo faz outra frente, mais experimental, mais ousada, menor, mas que esteja mais préxima do que a gente esta procurando? Nao vamos usar uma estrutura ja estabelecida na histéria da musica. Vamos ver como € que seria um nucleo instrumental, minimo, basico da musica nordestina. [...] Eu dei a ideia do Quinteto Armorial, entéo eu convidei o Nébrega, convidel o outro menino do violéo, o Edilson, da Paraiba, o flautista, que flautista a gente mudou varias vezes, e foi ai que eu comecai a compor o primeiro material, que se tornou o primeiro disco do quinteto. [...] Eu fui ampliando, e depois criamos uma orquestra que seria baseada no modelo do quinteto, a Orquestra Romancal que depois virou quarteto. (SOUTO MAIOR, 2014, p.28) © Quinteto Armorial foi um dos maiores expoentes do mavimento, € era formado pelos musicos Anténio Madureira, Anténio Nobrega, Egildo Vieira, (Jarbas Maciel], Edison Eulalio Cabral e Fernando Torres Barbosa. O grupo retratava fielmente a estética pretendida, como pode se ouvir em seus quatro dlbuns gravados: “Do Romance ao Galope Nordestino” (1974); “Aralume” (1976), 1978), Sete Flechas" (1980), todos disponiveis em diversas plataformas de midia na internet. Em entrevista ao jornal © Povo, Anténia José Madureira fala do encontro com Ariano Suassuna, que deu origem ao grupo: Quinteto Armorial ‘Suassuna tinha langado o Movimento Armorial, mas estava ainda insatisfeito com os resultados na misica. Eu efa aluno’do curso de arquitetura, fui apresentado a ele, que jé conhecia umas composigées que eu estava fazendo. Ficou entusiasmado e me convidou para, juntos, criarmos 0 Quinteto. Fizemos uma brilhante carreira, foram quatro discos, muitas viagens e prémios. Para mim, foi fundamental este encontro com ele porque, até entdo, prevalecia uma viséo nacionalista da musica, a0 modo do Heitor Villa Lobos. Suassuna acrescentava um dado novo, este mergulho na cultura popular, néo aquele nacionalismo que era uma superposicéo, uma arte erudita com elementos da arte popular. A nossa proposigéo era até uma inversdo disso, fizemos uma miisica popular com elementos eruditos. (WOITOWICZ, 2008 p.30) © segundo LP do Quinteto Armorial, “Aralume”, € considerado por Madureira como 0 disco simbolo do movimento, por expressar a esséncia da misica armorial. Cinco instrumentos de presenca bem marcante nas manitestagdes musicais do povo nordestina foram eleitos e convocados a participar dessa primeira experiéncia, novos timbres seriam experimentados, outras linguagens se revelariam, fornecendo-nos novos dados para uma 78 composig40 organizada, que rompesse as barreiras entre musica erudita ¢ musica popular — uma musica que estivesse mais proxima da nossa realidade cultural, erudita enquanto concep¢éo e elaborac&o, popular no sentido mais amplo, verdadeiro e profundo. (MADUREIRA, contracapa do LP Aralume, 1976) Langou, também, dois LPs executando sua obra para solo de violéo: um em 1982, gravado no estiidio do Conservatério Pernambucano de Musica em Recife/PE, lancado pela Fabrica de Discos Rozenblit de Recife; € outro em 1986 gravado no estiidio Spalla em S40 Paulo/SP. Com 0 Quarteto Romangal, langou dois CDs: "Romangal” (1996) ¢ “Triptico: No reino da ave das trés punhals" (1999) pela produtora Ancestral, de sua propriedade. Fig. 1 - Quinteto Armorial: Em pé, da esquerda para direita: Fernando Farias, Anténio Madureira, Edilson Eulalio ¢ Anténio Nébrega, sentado: Fernando Torres - disponivel em httpsarmorialbrasileiro files wordpress. com/2013/02/quinteto- armorial jp q?w=3008h=213 Cero Armorial XU Fig. 2 - Capa do LP Aralume (1976) - disponivel em http:/aralume. blogspot.com, br/2008/09/porque- aralume. html 79 Fig. 3 - Quarteto Romancal (1996): da esquerda para direita: Anténio Madureira, Fernando Farias, Aglaia Costa e Jodo Carlos Araljoc- disoonivel em ftto/bogs.ne 10uolcom_br/social 72018/09/1Uauarteto-rom ancal- ‘bre festival de-lteratur-dedicado-s-arianol 3. Aralume ao Modo de Depois desse breve retrospecto historico, descreveremos 0 proceso de adaptacao € arranjo das diferentes versées gravadas da obra "Aralume”. Nosso objetivo é demonstrar de que maneira o compositor apresenta sua obra ¢ trabalha com seu material, modificando este material em conformidade com as intencGes relativas a cada periodo do Movimento Armorial. 3.1 Versao violao solo Amparada no referencial estético ja explicitado, a composi¢ao “Aralume”, em sua verso para violdo solo, esta estruturada da seguinte forma Tabela 1 — Estrutura formal da peca Aralume A B Cc B Ponte ritmica A O tema A possui 29 compassos; a tema B 16 compassos; o tema C 32 compassos; 8’ possui 16 compassos; a Ponte ritmica 4 compassos e A é reapresentado na integra fechando apeca Tal assimetria poderia ser interpretada como “propria’ da musica popular improvisada porém, a proporcao entre B € C, € ainda a equivaléncia entre B eB’ e a Ponte ritmica denota um pensamento composicional estruturado, que se completa na reapresentaco integral de A ao final 80 Tal pensamento ainda pode ser verificado na escolna dos Modos para a composi¢o, pois uma das linhas mestras do Movimento Armorial era a utilizaco do modalismo como sistema de compasi¢ao. Sob a lideranga de Ariano Suassuna, 0 movimento lagado nos anos 1970 pretendia resgatar a esséncia da arte popular nordestina a partir do reconhacimento de uma ligagdo desta com a cultura ibérico-medieval. No que concerne 4 misica, 0 modalismo exerce papel fundamental no estabelecimento dessa conexdo. (RIBEIRO, 2014 p. 34), Os trés modos utilizados sao descritos a seguir. [A= Modo Tit (Cidio 67) [B= Modo T Mixolidio] ar ) ) oo yy EE) ey SSS ] ¢ 1 oo. © Ww vow. wm Segundo José Siqueira, existem trés mados nordestinos (reais) que ele denomina de Modo | (Mixolidio), Modo II (Lidio) € um Modo Ill que, por demonstragées realizadas em seu livro, “nao tem carrespondente histérico e que, por isso, deve ser considerado 0 Modo Nacional (sic) por exceléncia” (SIQUEIRA, 1981 p.7). O autor ainda, aventa a possibilidade de que surgimento deste modo deve-se @ utilizago do Pife? como instrumento base dos grupos populares do nordeste brasileira, devido a realiza¢o “natural” das notas que o mesmo executa, Hoje em dia conhecemos este mado sob a denominag4o de Lidio b7 (bemol 7) ou seja, a configurag4o escalar do mado Lidio com o 7° grau abaixado. Para efeito de uma melhor compreensao deste artigo, utilizaremos a nomenciatura mais adotada comumente dos nomes gregos pois, segundo Ermelinda Paz, alguns dos grandes compositores da musica armorial, como Guerra Peixe, evitavam mencionar os names ® Pife — 0 mesmo que Pifano, flauta de taboca (espécie de canigo) muito popular no nordeste do Brasil 81 dos modos musicais utilizados em suas composicées. “Ao invés de referirem-se aos nomes gregos desses modes, tais como lidio ¢ mixalidio, chamavam estes, respectivamente, de maior com quarta elevada maior com sétima abaixada’. (Paz, 2002, p.28) Percebe-se, na obra, uma énfase - por iniciar e terminar a pea - no mado usado para a parte A. Ressalta-se ainda a configuragdo escalar descendente (tipica da musica modal) € © acompanhamento imitando a afinago da viola nordestina += 60 = Fig.4 - Tema Ae acompanhamento (Lidio b7) com a 5° corda afinada em Sol © Tema B é contrastante no modo € no ritmo, tendo no acompanhamento de sua primeira parte o pedal em Sol e, na segunda parte, as notas da base harménica em um desdobramento ritmico de caracteristica regional nardestina bpd? yt fds 87 ERE GORD GUE FIL Fig. 5 - Tema B e acompanhamento (Mixolidio) Na parte C, 0 compositor usa o recurso de repeticao rapida das natas para dar a sensacao de continuidade, que sera abandonado nas versées com flauta e vialino; o acompanhamento se transforma claramente num baido, ritmo eminentemente nordestino 82 2=90 aye ATE) ATE) ATE) STE AT) AT AT Room ae 9» TS Fig. 6 - Tema C e acompanhamento ritmico (Mixolidio-Dérico) A parte B é construida sobre 0 Mado Mixalidio que, segundo Vicente Ribeiro, é “o modo que mais caracteriza a musica nordestina, aparecendo frequentemente camo indice de “nordestinidade” (RIBEIRO, 2014 p.109) E ainda © modo dérico exerce, na esfera da modalidade, papel similar ao do modo menor, no 4mbito da tonalidade, apresentando-se como alternativa sonora ao modo mixolidio. O dualismo maior-menor. portanto, é replicado no modalismo nordestino por meio da polatizagao mixoiidio-dérico. (RIBEIRO, 2014, p.311) A parte C ainda esta posicionada no “centro” da composica0, passando uma mensagem metaforica de ser o nticleo sobre 0 qual canstrdi-se uma ideia condizente com os ideais Armoriais, de composicao “erudita’ a partir de elementos ligados 4 musica popular Finalizando esta parte, néo podemos deixar de citar que o autor da peca, utliza em sua verso solo, a recurso da scordatura. E um termo utiizado amplamente na literatura referent a alaudes, violées, Violas e a familia dos violinos para designar uma outra afinacdo, diferente da que é estabelecida como “normal’. A scordatura foi, inicialmente, utiizada no séc. 16 e obteve uma expressiva utiizacdo entre 1600 e 1750. Ela oferece novos coloridos, timbres e sonoridades, possibilidades harmdnicas altemativas e, em alguns casos, aumento da extensdo (tessitura) do instrumento. (TYLER, The New Grove Dictionary of Music and Musicians edigao online) Annosso ver, esta € mais uma referéncia ao ideal estético do Movimento Armorial, que nos remete @ afinacdo e maneira tipica de executar a viola nordestina (vide nota de rodapé “A term applied largely to lutes, guitars, viols and the violin family to designate a tuning other than the normal, established one. Scordatura was first introduced early in the 16th century and enjoyed a particular vogue between 1600 and 1750. It offered novel colours, timbres and sonorities, alternative harmonic possibilities and, in some cases, extension of an instrument's range. It could also assist in imitating other instruments, and facilitate the execution of whole compositions or make possible various passages involving wide intervals, intricate string crossing or unconventional double stopping, (tradugao nossa) 83 nP1) dos repentistas cantadores, que mantém uma base harménica enquanto executam cantando ou solando, uma melodia. Coma pademos ver na Fig. 4, sem a scordatura utllizada - a 5° corda afinada em sol- seria impossivel esta realizacao em um violdo sola 4. A primeira mudanga de meio: violao X grupo Segundo Bernardes (2008) citado por Ribeiro (2014, p.34) "uma performance ou realizagdo historicamente informada devera ser uma recriaco idealizada a partir do conhecimento 0 mais profundo possivel de seu "Zeitgeist" (espirito do tempo). A conclusao de Ribeiro, validando a analogia cam a “Ortsgeist” ou Genius Loci (espirito do lugar), que serve como fundamentaco para a criagdo musical” (op. cit ), corrobora esta analise, como pode ser observado a seguir. 4.1 Versdo Quinteto Armorial ‘A escolha da instrumentagao para esta transposi¢éo de meio val em busca das formagdes populares, téo importantes para garantir essa fidelidade ao ideal estético. Entre essas formagdes temos: Grupo de Pifanos - conjunto de pequenas flautas; Tero - conjunto de dois pifanos, duas rabecas e de zabumba, (SANTOS, 2009, p.174). A estas farmacées, acrescentamos as duplas de violeiros cantadores com suas violas e afinacdes peculiares. Nessa verso, percebemos uma grande liberdade e intencionalidade do compositor na transposig¢ao dos temas. Ao mesmo tempo em que as mesmos so mantidos, sua colocagao em instrumentos que reforgam o ideal estético armorial - rabeca, flauta e viola caipira® - acentuam o carater regional da composi¢ao. O autor ainda, quando realiza esta transposi¢o, da ao violéo um papel secundario, e, devido as caracteristicas peculiares a cada instrumento, cria um contracanto original para a reapresentagéo do Tema A e promave um incremento ritmico transferindo as semicolcheias da melodia para o acompanhamento da viola na parte C, camo pode ser observado nas figuras que se seguem Piti tii Fig. 7 - Incremento ritmico da viola 5 Aviola caipira & usada com afinagao natural, ou seja, os pares de cordas so afinados igual a0 violéo sem a 6° corda 84 Flauta Violino Fig. 8 - Contracanto entre rabeca e flauta no Tema A. Tabela 2 - Estrutura formal e tratamento do material na verso do Quinteto Armarial A (com B c B Ponte A repeticgo) Trajeto dotema: | Viola, | As semicolcheias véo parao | Amelodado | Cadéncia | Idem a . fautae | acompanhamentoritmico da | — violdoé — | ritmica | primeira ‘viola caipita | rabeca | viola; Héo surgimento de | — distribuida apresentacéo, ‘2°rabeca com notes iongasno violino ena_| entre a fauta e porém, sem contracento de fauta realizando uma voz | arabeca 0 repetiggo fauta que no violéo € "pensada’e | ritmo € feito 7 “sugerida’ pela subdiviséo | pelo voldo e Violéo em semicolcheias (fa. 6) pela viola acompanhamento 4.2 Versdo Quarteto Romangal Tabela 3 - Estrutura formal de tratamento do material na verso do Quarteto Romangal A (com repeticéo) B c B Ponte A Notas longas no violino e na fauta Amelodia do Trajetodotema: | Votéo com | reaizandouma voz | 4 ole € Idem 2 n distiuide entre | cays ime, 1*\oldo, 2° volonceo, | supate de | "quero voldo & ui Caaénca |, Pamera, . po ue n vi atatasea | C8828 | specentacio, 3 fata em unissonoe | ole © read’ | rabeca orto | "C8 | Sorém, gem fem tergas com violino | fautas ugerida’ pela | "ito pelo violéo repeticao subdiviso em semicolcheias (fig.6) | © Pele vcloncelo Como podemas perceber, 0 vialaa € suas praposi¢6es continuam sendo o fio condutor da apresentacao da ideia composicional, tendo suas proposigées melédicas ¢ ritmicas distriouidas entre os outros instrumentos. A “novidade” @ a concretizagéo de uma linha melodica para flauta e violino, demonstrada na fig. 9, que na verso solo era proposta como se demanstrou na fig. 6. 85 Fig. 9 - transcrigdo das linhas de flauta e violino 5. Consideragées finais, Como pudemos perceber, a peca escrita originalmente para violdo solo, constituida de trés partes bem definidas com temas caracteristicos a cada uma delas construidos sobre modos especificos, recebe em suas recriagdes, roupagens diferentes apropriadas aos fins especificos de cada fase do movimento Armorial Na primeira adapta¢éo para o Quinteto Armorial, os temas s4o distribuidos a instrumentos que nos remetem aos grupos regionais, com o violéo assumindo um papel de acompanhador na execucao, € o violino executando uma articulacdo e sonoridade proximas ada rabeca Ja na segunda adaptacao para o Quarteto Romaneal, Anténio Madureira afirma em um documentaria para CAMPOS (aos 11min € 44s), que quando se iniciou 0 trabalho com 0 Quarteto Romangal, a utiliza¢ao de instrumentos regionals “era uma necessidade didatica para @ compreensdo do mavimento Armorial" e, portanto, esta utilizaco “obrigatoria” ja nao seria mals necessaria, justificando assim a utiliza¢do do violoncelo € do violina (com sonoridade e articulago de violin) no 4mbito da composi¢aa A diferenca observavel entre as gravac6es que denotam uma altera¢4o intencional de interpretagdo, restringe-se a questo agogica. Na verso solo, o andamento é levemente mais acelerado que nas verses em conjunto. O tema A é apresentado em torna de 60 bpm na verso solo, € em torno de 50 bpm nas versdes em conjunto. Esta variacdo é perfeitamente compreensivel em fun¢4o da sustentacdo sonora dos diferentes instrumentos e suas versdes. 86 Finalizando, esperamos ter contribuida para uma melhor compreens4o da obra de um grande compositor brasileiro, que, da mesma forma que outros grandes compositores brasileiros, utiliza 0 viola como veiculo primario de sua verve criativa Referéncias Aralume. Anténio Madureira. Anténio Madureira/Violdo. faixa 6. Fabrica de Discos Rozenblit LPGP-0448-A. Recife, 1982, disponivel em https://youtu.be/ZhoSYa7tnQ0 acesso em 29/07/2017 Aralume. Quinteto Armorial. Armorial. faixa 4. Discos Marcus Pereira, Recife,1976, disponivel em https: //youtu,be/jeliP27w82U, acesso em 29/07/2017 Aralume. Quarteto Romaneal. Romancal. faixa 2, Ancestral, Recife,1994, disponivel em nttps://youtu be/rgTDIFE8Vc, acesso em 29/07/2017 CAMPOS, Ana Paula. Projeto Curtas na TV: A mtisica Armorial: do experimental a fase Arraial. disponivel em acesso em 27/07/2017 MADUREIRA, Anténio. Composiges para Violdo, Vol.1, Recife: Edi¢o do Autor, 2016 patrocinada pelo FUNCULTURA, Fundo Estadual de Cultura do Gaverno Estadual de Permambuco MADUREIRA, Anténio. Contracapa do LP Aralume, Discos Marcus Pereira,1976 NOBREGA, Ariana Perazzo da. Aspectos Musicais do Movimento Armorial. Comunicagao apresentada no Vill Conhecimento em debate no CCHLA — Centro de Ciéncias Humanas, Letras € Artes da Universidade Federal da Paraiba (UFPB) em Joao Pessoa/PB. 2008 PAZ, Ermelinda A. O Modalismo na musica brasileira. Brasilia: MusiMed, 2002 RIBEIRO, Vicente Samy. © modalismo na musica popular urbana do Brasil. Dissertaga0 (mestrado) Curitiba: Universidade Federal do Parana, 2014. SOUTO MAIOR, Gilber Cesar. Movimento Armorial: Uma breve andlise historica, musical, gestéltica e computacional. Dissertac4o (mestrado). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2014. SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poetica popular: Ariano Suassuna 0 Movimento Armorial. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. SIQUEIRA, José. O Sistema Modal na musica folel6rica do Brasil. Joao Pessoa: Ed. do autor, 1981 SUASSUNA, Ariano. Despedida. Diario de Pernambuco, edigao online, disponivel em http: /www_impresso.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/cademos/viver/2015/12/2 1/inter na_viver,133646/diario-na-historia.shtml, acessado em 27/07/2017 TYLER, James. "Scordatura’. in Sadie, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians 87 WOITOWICZ, Karina Janz. O som popular e erudito do Quarteto Romangal. Revista Internacional de Folkcamunicac4o, 2008, disponivel em , acessado em 27/07/2017 88

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