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rah Povos INDIGENAS (i st) eV Pe Dy) ‘NO PovVos INDIGENAS Boe 1996/2000 cl dior responsavel Carlos Albert (Beto Ricardo ‘coordenadora da Equipe de Equipe da adgdo, redagio apasguise Famando us 8.Miana, Juliana Portenoy (stagivs, Ls Conisete, Marco Antonio [Gongalves, Marcas Rufino, Marta Amoroso ‘eenato Seutman Preparagio de orisisis © secretara de predugaogrtica Vera Feiasa fevisto Heloisa Baros, Julian Portsoy 0 Vora Fetasa Design e produgtegrtica Reborto Strauss Editoragioolewixica berto Strauss (coordenagto), Lucire Zann ‘Thais de Amide Horta Schiovon (Mapas andlises espaciais Laboratro de Geoprocessamont do SA ‘lca Rota coordenacfo), na Amarim dos ‘Santos. ClesroCardore Augusto Documentagio Ange (coordenego, Lee M. 1M.da Siva. LuirAdrione dos Santos aK INSTITUTO. ‘SOCIOAMBIENTAL vow socioambiental.org Processaments de dados Rodolfe Marine eaorcone 30) ‘Alexandre Mallat, Ana Carina Gomes «de Andrade @Rasane Siete ‘Aainistragio Moisés Pangeni, Reinaldo Yoshikawa, Carlos Aero de Souza, Marcale de Sow, Crisdna Khan (rasta, Solange de Oiva-a eMacie MVelos0 Colaboradores autocis Ds pomes dos colaboradores que escreveram artigos o nts 0 codaram ftes aparocom ‘nos erédios dos respectvos texas ons Colaberadores nites ‘Ana Valérie Arai, AntoneleTssinr, Bruce Abert © Marina Kran, Galles, Edson Beit, Elane Peguero, Feo Montenogre, Funai inperata, Sao Las, Bolém, ‘Aamir, iepoque, Marabs, Colabs, itba, EunépolsBA, Joo Pessoa, Panis, Manas, Guarapuava, Porto Volo, Chapeed, Guupie ‘uajara Mri), DS, Jors!Oisra Catanmorss, Jornal Estada de Mines, Juana Sela, ‘Leonardo Camair da Cunha, Lig Neve, Marie ‘ristna Toncarli, Mana Elica Leite, Ma ‘Cempanil Michel Pllondars, Méeica Meia, dino Cruvial, Pavicia Nesqut,Rona‘o lwieForera/Agencia Estado, icard Bef, Comargo, Sydney Possuel, Ushi Walt Blés ¢ War Coutino ‘Dados Internacionais de Catalogagfo na Publieagio (CIP) (Canara Brasilia do Lie, SP, Brel) vos infigonas no Bras, 68620007 (Caos Aborto Ricardo (odo). ‘So Paul: nstiuta Sociosmtensl, 200 erin coloboradores, ISBN 3.904.005 1 indie da Armée Ficardo, Calo Alben, 1950- on 05 inaees para eatatogo sictanatica: 1-BrastPovosindigonas S801 2 Povesindgones: Bras 941 fo Su- Brasil 2.Pows indigonas - Bras | coo-sonat ‘Agoiescomplementares, IMEC Ministirio da Etueupe~ SEF/OPE/ Assossonia de Eucagao Escola Inge ‘Apo esiucfonal Ame psig Actas (ter een sn A.HISTQRIA.EM OUTROS TERMOS [AS NARRATIVAS INO{GENAS AQUI PUBLICAOAS OISPENSARIAM QUALQUER APRESENTAGAO—QUANTO MAIS UMA TON UN me Oa SS UU en Pe Oe ee ae aces eR ead PM a Oe ee ea CRs Tsk CLO M ee aL USAT e ay COL a Len aoe ae Ca Oe ee ee ee Ce eee eee Re ee et pelos Indios. Uma histérie, ou melhor dizendo, virias. Pois Cee a ee ee ed Cn nt a POR eee eed pistémicos, és processos de textualizagao.Fala-se aqui do passado “imemorial", mas também do ontem e do amanh&, falam vozes muito distantes, outras muito préximas, lam Cee el uence tato” conosco é coextensivo ao tempo de vida do narrador Cee ea en? mmérias passoais, inscrevam-se fregmentos de conversas, € dopoimentos formais, ¢ entrevistas, ¢ conferéncias;diz-se 0 Ce ee et Reed muito do que contamos, mas de modo bem diferente. Conta- 2, em suma; mas também axplica-se,crtica-se,lamenta-se, iustitica-se,reivindica-se, pergunta-se. Ha muito 0 que dizer Telimpressio de heterogensidade emarge no apenas da re- lagdo entre as narrativas, mas de muitas delas em si mes- Ce ee a sente ou 0 passado recente as condigdes gerais de possibil CO ee oe Pee eee ety Ce ar ca anes De eae Sue ae ey mitologia do Velho Mundo; uizos etnogréticos profundos so: ee eee ec Pence nee eet eT Se ee ee Peer r rry ossos olhos e ouvides, acostumados que estio as nossas Deere eu ee mae Cee es ee ue rd ne eee ae tt Pee ee ee Ce ea ec) Cee ue ee ed Dee eu ee ue eu Indios, mas encabriram a simesmos, até voltarem para o que pensaram ser um encontro com 0 desconhecido, mas qua Soe es Cee ee eee reed See ae {aponas quinhentos anos stris), acreditamos té-los desco: Pe ue roe ers ‘mento da humanidade origindria que decid, para o melhor Oe a eee ec Cee ee ee Pte een ud Cre eee ey Pe ue te para tomar 0 pouco que aos indios coubera; que seu enga- ‘nho ndo tivesse sido adquirido as custas da sabedoria, que Pert eee hc ee eee ety Cee eee ty brancos sempre existu. Nao houve nem hé “contato” que ‘no fosse au seja uma etualizagao - por mais que desastrosa Seed Krenak observa agudemente que “o encontro e 0 contato Ce ena dda eds vezes parece que ele terminou. Mas valetambém, Cee eet eed Pn ne en ee ce SE De RL Cet Sobretudo pare quem tem boe meméria, pars squeles cujo Pe ec de vertigam e de esquecimento, Possamos ao menos lem- bar daqui para a frente, nés que somos verdadeiramente ese nT PALAVRAS INDIGENAS DOZE NARRATIVAS SU ee MUNDO, A CHEGADA DOS BRANCOS E OS 500 ANOS Oars Bs zi PALAVAAS INOIGENAS A SAGA DE DAVI KOPENAWA YANOMAMI BRUCE ALBERT - Antropétogo, IRD/ISA Davi Kopenowa, n ‘yanomami de Wetori Domini (“serra do Vento"), no estado do Amezon ‘Seu grupo da origem fol quase intoiramente oniqulledo fio Toototobi (perto de fronte mins sucessivas apds contatos estabe :30 20 Indio (SPI) e com a missi ‘vangélics Novas Tribos do Brasil (MNTB) (1958-60, ripe [7]; 1967; serempo}.Crienge, Davi Kopenawe ‘assim, e maior parte dos membros da sue fomilia. ‘radicionolista convicto, permenece seu mentor. ‘um s6 tampo chefe do posto indigens arras por cerca de 30 0 40 mil ‘erimpeiros custou a vide, entre 1987 e 1990, Chocado com que rei 2 familie nos enos 60, Devi Kopen: lute incansével contre a destruiga« floreste de sus terre. Gra broncos e &firmeze intelectual que tha confere o xemanistico, tornou-se repidamante o principel porte-voz ‘0 Melo Amblanto 0, recentemente, ¢ Ordem de Rio Branco ao grou de cavaleiro, npemenoneencen addon ean pe rate Ke ‘opmnatogne Grate Oo Korman Is patent nteorsene "counts on Secon Nowe Ace oak ‘Toten trp ca Gorn” aneampura Geet 8 POVOS NDIGENAS NO BRASIL 18852000. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL SONHOS DAS ORIGENS Davi Kopenawa Aldeia Watoriki, Serra Demini (Rorsime), 1998 Os'espiritos xapiripé dangam para os xamiés desde o/primeira tempo’ assim continuam atéhoje, Els parecom seres humenos mas so téo mindsculos quanto particulas de poeira ciftlantes. Para poder vé-fos devé-se inalar o pé da arvore yakdanehimuitas e muitas, vezes, Leva tanto tempo quanto para os braficos aprender o desenho de suas palavras. 0 p6 do yaksenahié a comida dos espiritos: Quem no Oxbebes assimfica com olhos de fantasma e ndové na Os xopiripé dancamjuntos sobre grandes @spelhos que descem de céu.Nunca sBo cinzentos como os humanos, $8 sempre magnificos: 0 Corpo pintado de urucum e percorrido de desenhos pretos, sas cabegas cobertas de plumas brancas de vrubu rei, suas bragadeiras de micangas replatas de plumas de papagaios, de cujubim e de araravermelha, a cintura envolta de rabos de tweanos.. Mithares doles chogam pare-dancar juntos, agitando fothas da patmeiras novas) soltando gritos de alegria e-eantando sem parar. Seus caminhos parecem fis d aranhas brihando como a dz do hvar e seus ormamentos de plimas moxom lentamento 20 ritmo de seus passos, Dé alegria de ver como so bonitos! Os espiritos sao tao numerosos porque-eles so as imagens dos animais da floresta. Todos na floresta tém uma imagem utupé: quem andajno cho, quemandanas arvores, quem tem asas, quem mora na agua:Séo estas imagens que.os xémas chamam ¢ fazem descerparaivirérespiritos xepiripé. Esta imagens $80.0 vardadeiro centro, 0 verdeira interioedos seres da floresta. As pessoas comuns no podem vé-los, s6 os xamés. Mas nao so imagens dos animais que conhacemos agora, SBo imagens dos pais destes aniinais, sfoimagens dos nossos antepassados. No primeifo tempoyquando a floresta estava ainda jovem,nossos antepissados eram humands Comnomes de animais'e acabaram virando caca, Séo eles que flechamos @ comemos hoje, Mas sues imagens née desepareceram e sfo'elas que agors dancam pare 16s como espiritos xepiripé. Estes antepassatios S20 verdadeiros antigos. Viraram caca ‘ha muito tempo mas seus fantastias parmariacam aqui. Témnomes de animais mas 60 ‘que nunca morrem. A épidettia dos braficos pode tentar queimé-los @ ddovora- los, nunca desaparacerdo. Seus espelhos brotam sempre de novo. Os brancos desenham, suasjpalavras porque seu pensamento é cheio de esquecimento. 'Nés guardamos as palayrasdos.noss0s aritepassados dentro de nds ha muito tempo e ccontinuamos passahda-as para os nossosfilos. As eriangas, que no sabem nada dos espiitos, escutam os cantos’do xam@s ¢ depots quefem ver os espiritos por sua vez Eassim que, apesar de muito antigas, as palavtd.dos xepinipé sempre voltam a ser novas. So elas que aumentam fossos pens® mentos’ So elas que nos fazem ver @ conhecer as coisas de longe, as céisaé dos antigos" £0 nosso estudo, aque nos ensina a sonhar. Deste modo, queminao Bebe a sopra dos eSpintos tom o pensamanto curto e enfumacado; quem nao é olhado pelos xapinipé néo séntia, 56,dorme como um machado no chao. Davi Kopenawa Aldoia Watoriki, Serra Demini (Roraima} 1998 itos Dos espi canibais ‘in arsct ut come oie TwobDbi um aunt dro thinar por um smplo cute oexs mmrdinea, mas ce ADL voto om 19, DESCOBRINDO OS BRANCOS wuito tempo, meus avés, que habitavam Mdramabi araopi, uma casa situada rmujto longa, nas nascentes do rio Toototobi, iam as vezes visitar nas terras baixas oulfos Yanomami estabelecidos ao longo do rio Araca. Foi la que encontraram os primeiros brancos. Esses estrangeiros coletavam fibra de palmeira piagaba a0 longo do rio’. Durente essas visitas nossos mais valhos obtiveram seus primeiros faces. Eles me contaram isso muitas vezes quando eu era crianga. Naquele tempo, eles 86 encontravam brancos ao viajar muito longe de sua aldeia e jam va-los sam motivo, simplesmente para visité-1os. Haviam visto suas ferramentas metilicas e as cobigavam, pois possuiam apenas pedacos de metal que Omama deixara’ Era duranta essas longas viagens que, de vez em quando, eles conseguiam obter um facéo ‘ou mesmo um machado. Trabelhavam entéo em sues plantagGes amprestando-os uns aos outros, Quando um tinha aberto sua plantagdo, passava-os a um outro @ assim por diant les emprestavam também esses poucas ferrementes metélicas de uma aldeia @ outr Nao era para procurar fésforos que iam ver os brancos téo longe, nao: tinham seus paus de cacaveiro para fazer fogo. Evidentemente, eles achavam as panelas de aluminio muito bonitas, mas tampouco era por isso que faziam aquelas viagens: também tinham vesithas da tarracota para cozinhar sua caga. Era raalmanta por seus facdas a saus machados qua iam visitar aqualas estrangeiros. Mas foi bem mais tarde, quando habitévamos Marakana, mais para o lado ds foz do rio Toototobi, que os brancos visitaram nossa casa pela primeira vez. Na época, nossos mais velhos estavam ainda todos vivos a éramos muito numerosos, au me lambro. Eu ara um ‘menino, mas comecava a tomar consciéncia das coisas. Foi lé que comecei a crescer e descobri os brencos. Eu nunca os vira, néo sabia nada deles. Nam masmo pansava qua alas cexistissam. Quando 0s avistai, chorai da mado. Os adultos i os haviam encontrado slgumas vvezes, mas eu, nuneal Pensei que aram espiritos canibais e qua iam nos devorar. Eu os achava muito feios, esbranquigados e peludos. Eles eram tao diferentes que me aterrori vam. Além disso, ndo compreendia nanhuma de suas pelavras emaranhadas. Parecia que eles tinham uma lingua da fantasmas. Eram pessoas da "Comisséo". Os mais velhos diziam qua alas roubavam as criangas, qua jé as haviam capturado e lavado com elas quando tinham subido o rio Mapulai, no passado'. Era por isso também que eu tinha muito med estava certo de que também iam me levar. Meus avés ja haviam contado muitas vezes essa histéria, eu os ouvira dizer: “Sim, esses brancos so ladrbes de criangas!”, e tinha muito mado. Por qua eles levaram aquelas criangas? Eu ma pergunto isso ainda hoje ‘Quando aqueles estrangeiros antravam em nosse habitag8o, minha mae me escondi debaixo de um grande cesto de cipé, no fundo de nossa casa. Ela me dizia entao: "Nao tenha medo! Nao diga uma palavra!”, a au ficava assim, tremendo sob mau cesto, sem dizer nada. Eu me lembro, no entanto devia ser realmente muito pequeno, sendo no teria cabido debaixo daquele cesto! Minha mae me escondia pois também tamia qua os brancos me lavassem com alas, como tinham roubado aqualas criangas, da primaira vaz. Era também para me acalmar, pois au astava aterrorizado e $6 parava de chorar quando estava escondido. Todos os bens dos brancos ma assustavam também: tinha medo da seus motores, de suas lampadas elétricas, de seus sapatos, de saus éculos e de seus reldgios. Tinha medo da fumaga de seus cigarros, do chaira de sua gasolina, Tudo me assustave, porque nunca vira nada de semelhante ¢ ainda era pequeno! Mas, quando seus avides nos sobrevoavam, eu no era 0 Gnico a ficar assustado, os adultos também tinham medo; elguns chegavam mesmo mw |PALAVRAS INDIGENAS POVDS INDIGENAS NO BRASIL 1862010-INSITUTD SOCIDAMBIENTAL a romper em solugos, e todo mundo fugia para a mata vizinhal Nés somos habitantes da floresta, nfo conheciamos 0s avides e estévamos aterrorizados. Pens vamos que eram seres sobrenaturais voadores que iam cair sobre nés e queimar todos. Todos tinhamos, muito medo de morrert Eu me lembro que também tinha medo das vozes que saiam dos radios e da exploséo dos fuzis que matavam a caga. Perguntava-me o que todas aquelas que pareciam sobranaturais poderiam serl Perguntava-me também por que aquelas pessoas tinham vindo até nossa casa Mais tarde, resimenta comacai a crascer ¢ @ pensar dircita, mas continuci a me perguntar: “O que os brancos vém fazer aqui? Por que abrem caminhos em nossa floresta?” Os mais valhos ma respondiam: “Eles vém sem divida visitar nossa terra para habitar aqui conasco mais tarde!". Mas eles no compreendiam nade da lingua dos brancos; foi por isso que os deixaram penetrar em suas terras dessa maneira amistosa. Se tivessem Compreendido suas palavras, acho que os tariam expulsado. Aqueles brancos os enganarem om sous presentes. Deram-Ihes machados, facdes, facas, tecidos. Disserom-thes, para adormecer sua desconfiange: “Nés, os brancas, nunca os deixaremos desprovidos, Ihes daramos muito da nossas mercadorias e vocés se torarao nossos amigos!”. Mas, pouco depois, nossos parentes morreram quase todos em uma epidemia, depois em uma outra. Mais tarde, muitos outros Yanomami novamente morreram quando florestaé e bem mais ainda quando os garimpsiros chegaram Mas, dessa vez, eu tinha me tomado adulto 6 ponsava direito; sabia reaimente 0 qua os brancos queriam ao penetrar em nossa terra Os brancos so engenhosos, tém muitas maquinas e mercadorias, mas nBo tém Descobrir o nnenhuma sabedoria, No pensam mais no que eram seus ancastrais quando foram criados. Descobrimento Nos primeiros tempos, eles eram como nés, mas esqueceram todas as suas antigas palavras, Mais tarde, atravessaram as aguas e vieram em nossa dirago. Depois, repetem que descobriramn esta terre. S6 compreendi isso quando comecei a compreender sua lingua Mas nés, os habitentes da fioresta, habitamos aqui hé longuissimo tempo, desde que mama tos criou. No comego das coises, aqui s6 havia habitantes da floresta, seres humanost "A noting dos Yeroraré Os brancos clamam hoje: “Nés descobrimos a terra do Brasill”. Isso ndo passa de uma Larrea tentancaen imentira. Ela existe desde sempre e Omaima nos criou com ele, Nossos ancestrais a ‘ai sree pone Conheciam desde sempre. Ela ndo foi descoberta pelos brancos! Muitos outros povos, satin se soa hrm como os Makuxi, os Wapixana, os Waiwai, os Waimiri-Atroari, os Xavanta, os Kayapé @ 0 Guarani ali viviam também. Mas, apesar disso, 0s brancos continuam a mentir para si mesmos pensando que descobriram esta terral Como se ela estivesse vazia! Como se 0s seres humanos nao a habitassem desde os primeiras tempos! 0s brancos foram criados em nossa fiorasta por Omama mas ele os expulsou porque teria sua falta de sabedoria @ porque eram parigosos para nésV” Ele hes deu uma terra, muito Jonge daqui, pois queria nos proteger de suas epidemias e de suas armas. Foi por isso que ‘8 afastou. Mas esses ancastrais dos brancos falaram a saus filhos dessa floresta e suas palavras se propagaram por muito tempo. Eles se lombraram: “E vordadet Havia If, ao longe, ume outre terra muito belal”,e voltaram para nés. Na margem desta terra do Brasil aonde ‘eles chegaram viviam outros indios, Esses brancos eram pouco numerosos e comecaram a mentir: "Nés, os brancos, somos bons e generosas! Damos presentes e alimentos! Vamos, viver a sou lado nesta terra com vocés! Seremos seus amigos!". Era com assas mesmas ‘mentiras que tentavam nos enganar dasda que também chegaram a nds. Depois dessas primeiras palavras da mentira eles foram embora Depois vottaram muito POVOS INDIGERAS NO BRASIL s84aI00-INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL PALAVRAS INDIGENAS| 24 ISA PCC ‘numerosos, No comago, sem casa nesta terra, ainda mastravam amizade pelos indios. Tinham visto a beleza desta floresta e queriam se estabelecer aqui. Mas desde que se instalaram realmente, desde que construiram suas habitagdes e abriram suas plantacdes, desde que comecaram a criar gado e a caver a terra para procurar ouro, esqueceram sua amizade. Comecaram a matar as gentes da floresta que viviam perto dates. Nos primeiros tempos, os seres humanos eram muito numerosos nesta terra. Eo que dizer nossos mais velhos. Nao havia doencas perigoses, serampo, gripes, meléia. Estvamos sozinhos, ndo havia garimpeiros pare queimar o our farices para produ2ir ferro e gasolina, carros e avides. A floresta e os que a habitavam no estavam o tempo todo doontes. Foi apenas quando os brancos se tomaram muito numerosos que sua fumaga-opidemia xavrara comegou & aumentar @ a se propagar por toda parte, Essa coisa mé se tomou muito poderosa e fai assim que as gentes de floresta comegarem a Apri aman morrer’. Quando viviam sem as brancos nossos ancestrais ndo tinham fabricas, cagavam g ms e trabalhavam em sues plantagdes para fezer crescer seu alimento. Também néo sujavam ttn ea todos os ros como esses brancos que agora procuramouro em nossas terras. Sem ocr “Nos descobrimos estas terras! Possuimas os livros e, por isso, somos importantes!” catalina ti dizem oa brencou Mas so apanaa palavrea de mentia, Gea no fiteram mais que tomar ‘aawou soe vleden as terras das gentes da floresta para se pdr a devast-las, Todas as terras foram criadas a vez, as dos brancos e as nassas, a0 mesmo tempo que 0 céu. Tudo isso existe desde os primeiros tempos, quando Omama nos fez existr. E porisso que no creio nessas, palavras de descobrir a terra do Brasil Ela nao estava vazia! Creio que as brancos querem ‘sempre se apoderar de nossa terra, é por isso que repetem esses palavras. Séo também as ‘dos garimpeiros a prop6sito de nossa floreste: “Os Yanomami n&o habitavam aqui, eles vém ‘de outro lugar! Esta terre estava vazia, queremos trabalhar nelal”. Mas eu, sou filho dos antigos Yanomami, habito a floresta onde viviam os meus desde que nasci e eu ndo digo ‘a todos os brancos que a descobril Ela sempre esteve al, antes de mim. Eu nao digo “Eu dascobri este terra porque meus olhos cairam sabre ela, portanto a possua Ela existe desde sempre, entes de mim. Eu nao digo: “Eu descobri o céu!”. Também ‘no clamo: “Eu descobri os peixes, eu descobri a cagal”. Eles sempre estiveram li, desde os primeiros tempos. Digo simplesmente que também os coma, isso tudo. 0 Povo das ‘Quando viaji para longe, vi a terra dos brancos, lé onde havia muito tempo viviam Mercadorias seus ancestrais, Visite! a terra que eles chamam rope. Era sua floresta, mas eles a desnudaram pouco a pouco cortando suas érvores para construir suas casas. Elesfizeram muitos fihos, ndo pararam de aumentar, ¢ néo havia mais foresta. Entfo, eles pararam de ccagar, nfo havia mais caga também. Depois, seus fihos puseram-se a fabricar mercadorias, seu espirito comegou a obscurecer-se por causa de todos esses bens sobre os quais ‘ixaram seu pensamento, Eles construlram casas de pedra, para que nBo se deteriorassem. Continuaram a destruir a fioresta, dizendo-se: "Nés vamos nos tomar 0 povo das imercadorias! Vamos fabricar muitas delas @ dinhsiro também! Assim, quando formos realmente muito numerosos, jamals seremos miserdveis!”. Foi com esse pensamento que les acabaram com sua floresta sujaram seus rios. Agora, s6 bebem agua “embrulheda”, ‘ue precisam comprar, A agua de verdade, a que corre nos ros, ja no 6 boa para beber. 'Nos primeiros tempos, os brancos viviam como nés na floresta e seus ancestrais eram pouco numerosos. Omama transmitiu também a eles suas palavras, mas no o escutaram. Pensaram que eram mentiras e puseram-se a procurar minerais ¢ petréleo por toda parte, todas ossas coisas perigosas que Omama quisera ocultar sob a terra @ a égue porque seu calor é perigoso. Mas os brancos as encontraram e pensaram fazer com elas ferramentas, méquinas, carros e aviGes. Eles se tomaram euféricos ¢ se disseram: “Nas somos os Gnicos 8 ser tio engenhosos, s6 n6s sabemos realmente fabricar as mercadorias e as méquinas|”. Foi nesse momento que eles perderam realmente toda sabedoria. Primeiro estragaram sua propria terra antes de ir trabalhar nas dos outros para aumentar suas mercadorias sem parar. Nunca mais eles se disseram: “Se destruirmos a terra, sera que seremos capazes de recriar uma outra?”. a |PALAVRAS INDIGENAS POVOSINOISENAS NO BRASIL st920m0.INSTTLTO SOCIOAMIENTAL ‘Quando conheci a terra dos brancos isso me deixou inquieto. Algumas cidades so belas, mas sou barulho no péra nunca. Eles correm por elas com carros, nas ruas e mesmo com ‘tens debaixo da terra. Hé muito barulho e gente por toda parte. 0 espirito se toma obscuro @ emaranhado, néo se pode mais pensar direito. £ por isso que o pensamento dos brancos esta cchelo de vertigem e eles ndo compreendem nossas palavras. Eles nao fazem mais que dizer: “Estamos muito contentes de rodar e de voar! Continuemos! Procuremas petréleo, ouro, ferro! Os Yanomami s80 mentirosos!”. 0 pensamento desses brancos esté obstruido, 6 por 0 que eles maltratam a terra, desbravando-a por toda parte, e a cavam até debaixo de suas casas. Eles nfo pensam que ela vai acabar por desmoronar. Eles ndo temem cair ‘no mundo subterrneo. Porém, é assim. Se os “brancos-espiritos-tatus-gigantes” [mineradoras} entram por toda parte sob a terra para retirar as minérios, eles vo se perder e eair no mundo escura e podre dos ancestrais canibais “oma non 'Nés, nés queremos que afloresta permaneca como é, sempre. Queremos viver nela Spenoransmenosenm ‘com boa saide e que continuem a vivernela os espirtes xapirpé, a cage e os peixes, eee Cuttivamas apenas as plantas que nos alimentam, néo queremos fébricas, nem tren asa steno (eres fores Perse clo, que 0 chy cantnue clo que io Scr ArT caliente Gonos SSeeTsT eee TaaTORTSTGON Lets Seas sete see ONSET RETRSLONENINE wy ee BATE ‘muito alto no peito do céu, Essa fumaga se dirige para nés mas ainda nfo chega la, pois o espirito celeste Hutukararia repele ainda sem descanso. Acima de nossa floresta océu ainda é claro, pois no faz tanto tempo que os brancos se aproximaram de nds. bebe as ann er ood nea a as TES EDEN pas estender a escuridéo sobre a terrae de apagar o sol. Os brancos nunca pensam nessas coisas que os xam8s conhecem, é por isso que eles ndo tm medo. Seu pensamento ‘esté cheio de esquacimento, Eles continuam a fixa-lo sem descanso em suas buracos na terr POVOSINIGENAS NO BRASIL 1862000. ISTTTUTOSOCIOAMOIENTAL PALAVAAS INDIGENAS| 2 0 IMPERADOR DOS SATERE-MAWE ALBA LUCY GIRALDO FIGUEROA ‘Antropolo 8 apopéia de um deus mitico qua os Sateré-Mawé reconhecem come © nome atiibulde [Cebus albitrons unico jonha” A outre O relat, om suas diversas versGas, & fundementel de como s8 configuram divarsos amas antra on Setaré-Maws, tain como ode identidade twice, o lugar 8 o papel atribuldo & catagaris social ‘Um ponto comum a ‘consentimente expictado pelo imper ‘Axvannrae Sor ant orem an top ar Bila uaa an a de maton 8 eae eee emer emer eran gym rio so Ce ue |PALAVAAS INDIGENAS POVOSINDIGENAS NO BRASIL 19200 -INSTTUTO SOCIDAMBIENTAL O IRMAO DE EVA Vidal, rio Manjury (AM) - 1996 ntigamente a gente ndo morria, porque todos nds, indios, mordvamos ld, no nusoquen [terreiro de pedra]. L4 foi a primeira terra que nés habitamos. as fo depos que existiv a morte, que arma dele morro, ‘quondo ele abandonou eso cso primeica, que ele conidu 0 ‘Tupana que mondou eles soirem de li, doquela paragem. “Olho, Adio, hana tu pov para stir doi, daquea pragem’, Ele folu ess: “Ado, chama teu povo para continua, para ele ir embore, para sir da. Vi ter its fruits pees mats que voés vo atavessar. Mos ev no quero que vcés quem se entretendo, Eu vou na frente”. le insist: “Vocés via ter muita fruta, mos vocés no vao se entreter. "Was 0 Ado é eimso, Quando el chegoul, name ruta el nepou foi cartaro goo do frateira Lt o pavo dele se enreteve, quando les equiran, seguro esoguiram De nite es encnrorom una sorveira. sive cio de rut, ele derubau eles demrarom mais una ‘ar. les esovam na viagem, mas fcvam se entetenda pro Encarrarm mbm uma drvore de coramurzeio«l «Ad repou de novo, Eom vez dees seguirem na frente, sem se entree, no, oes se paroram no fui loonie. Li eles camparame, quanda fide di, Seguom, Excontrram logo oma bacabeca eaponkaram muita cabo. Ai, dese enretverom, izeram um ble de vnha ea beberam todinho, 14, les fizeram um barac, de nov, para dori. Quondo se lembroram «que Deus Ihe nha mondado ina frente: “Poder i emboo, qu ta io eu vu poral. Anessa lembranco, ele dse “Eu no dse para vocés ‘rem embora? Para quanda eu chegasse, vocés jé estarem na beira do rio esperando? i, quondo eu chegese, ui fazer um borc, uma conan". (velo vei or onde eles vera Por onde eles irom, Deus pasos também. Li, le encoiro de novo uma érvorederubodo “Puxa vid, eles no me oovam. Bem que eu fli para eles que no seentrefivesem as oss le andou um pouguino el encontou, de nov out évare derabad. Lee acho foi barraco. “Aqui, es icra”. Ee andou, cou, d novo e el encirou ou ria derrboda, “Pvc vido; «Ado no me cov que eu foe para ni se enter com o pessoal dele, Fa ds cele que, tarde, eu com ees, Quand chegase lia ¢slr pronto paar embors". He os enconirau, onde finhom se eniretid: “Pox, Ado, vcd nd aviv aque e disse por ves. Ev folei para vocé vir embora. Entao, eu jé vou". E ele passou na frente «eles ficaram para trés. “Els ficaram para trs, porque o Adéo no ouvi «que eu thes ds’, Durante csv vag, ele flu a um passerinho POVOS INDIGENAS NO BRASIL 1/20 ISTITUTO SOCIOANEIENTAL Aas weitopn “Joga no cominha um bocodo de srrado para eles no descobrirem mais par onde eu ui". De repente, 0 seu rast ficou coberto «oes no souberam mas por onde segu, ‘Quando chegou na beira do io, ele etravessou- ele é poderoso,né? Era um rio bem grande. De repente ee tronsormou uma pedro numa Cochocica ees no conseguram mals pasar. Bes chegoram até. a bei, 1 eescorriam de um lado parao outro rtovar: “El pra onde aque voc foramt? Pra onde que vocs foram!? Como que vocés travessaram!?". escvoram « boque; era que estovamfazendonavia ora eles irom j,para ire poo fare. Parque Deus fez aqueleborco para es irem embora. Mas 0 Addo, que ndo ouviu conselho, ele ficou. E ele harvau, chamou. Até que Devs respandeu “lhe, Ado, ou jé nade > ma Xia sims i am anda quando oImpeadro cama pera desar para fora uate i i arma nha esqbcda ume one ddescansar. S6 vieram, nfo se sabe por quantos dias, parece. Por muitos dias vieram. Elonge aquela Inglaterra, sim! Entéo, os outros disseram pars aquele Colombe: “Ora, mataremos vocé!”. 0 chefe disse: “Nao, mais um pouco, déem-me trés dias, se nfo encontrarmas terra, ai voc8s me matam.” Eles concordaram. Entéo, vieram, vieram, viram mato. Com aquele olho que colocavam, aqueles ingleses brancos mel viam um matinha, *Voc6 vé - eles diziam - terra l6?”, "H8 gonte onto”. "Nos iremos lé longo”. E, mae seu olho de tirar e p6r alcancava i, Em trés dias sleancaram a beira da mata. ra agen grads Chegaram e encontraram aqueles Aruak lé, Wacawai, moradores de verdad. Entao, ciz-se, ales nunca haviam visto aquele barco grande. De jeito nenhum! Eles queriam flechar, quase flecharam. Mas parece que aqueles ingleses acenaram com a mao: “no nos flechem!” Eles chegaram, ¢ entéo vieram para o barco, Mas diz-se que ndo sabiam a lingua, 6 a sua mesmo. “Nés trazemos coisas - mostraram para eles, assim, assim - para o trabalho: tergado, tudo, machado - eles mostravam - fésforos... Olhe aqui, assim se faz fogo..". ‘Até que se foram acostumando com o que encontraram, eles ja conheciam pedra. Eles encontraram aqueles Aruak, Carib, Wacawai; 6, do nosso jeito de verdade, Wepishana, caboco de verdade. No eram como os brancos, no: viviam no mato, encoivaravam, cavavam com pedra, da pedra emolada faziam como enxads. Sua casa era ‘no mato, s6 folha de inajé que levantavam. Nao era como nossa casa néo! Eram desse jeito. \Nés fomas encontrados, nds fomas encontradas. Assim nés fomos encontrados. Eo fim. V0 MDIGENAS WO BRASIL 12952000 -INSTTUTO SOCIOAMENTAL PALAVRAS INDIGENAS ry PALAVRAS INDIGENAS “NAO ESQUECI QUEM EU SOU E DE ONDE EU VENHO™ ‘Alton Kronok nascou no Vala do rio Doce, Minas Gerais ‘om 1654, Os Kranak rgisravsm ume pop lacdo de cinco mi pessoas no inkio do seul XX ndmaro que se raduzia '2 600 na diced de 190 a 150indhvduos om 1588. "Na 6poca, Aiton pressegiou: se continuarnesse passe, ‘nbsvamos enter no eno 2000 com was tds pessoas, Felzmsnta iso nip aconteceu. Contando com estorgos também do propria Aiton os Kren fecharem 0 século com TBO pessoos Com dezassete enos Alton migrou com seus ‘arartos pera o wstado do Parand.Alebetizu-se os dezeito ‘anos, tomando-so a sagucprodutor gritic sora No dbcoda d 1980 passoue se dadicarexclsamenta 8 tculaglo do movimento indigen. Em 1987, no context das iacussbes dx Assombiéia Consttuime, Aiton Kranak fleur ‘de um gosto mereante, logo ceptado pele imprense« que conoveu» pido plc: pintou orosto de preto com pasta dejnipepo enquantn ciscursave no plenvio do CCongresso Nacional am sinal de to peo retracesso Indiganes - UNI, forum imtarrbelimerassado am estebelocer uma rpresantagbo do movimento indigane em nivel nacional, -Juntamenta com Chico Mandas, projatou-se 8 cane pubice paricipando om 1868 do movimento Aianga dos Poves do Floresta, qua reunia povs indgenase serngueiros em tomo a proposta de ciagdo das racervas eratvistes, wsondo «8 protogdo de loresa e da populagto netiva que nel vive. "Nos dimes anos, Aton se cecolheu de volts 8 Mines Sorois a mss pate de sou povo. ‘Ausimonta ees ne Niceo do Cuture Indigone, ONG qua (cemihaeniet chaise «aries lideazndo mantid por Aiton Krenek, na Serra Mavens res some’ eben coat Aiterentes etias indigenes dalas com ce nBo-ntios. ‘abcde eaarat aah Atay, 0 Lame eae ec muda tan Moyan Bote Mn owl Cogha PovOS INOIGENAS NO BRASIL HERON -INSTITUTO SOCIDAMSIENTAL O ETERNO RETORNO DO ENCONTRO ~ Ailton Krenak, 1998 Esta é uma boa oportunidade para reporter algumas das narrativas antigas de muitas das nassas tradicdes, das {4 diferentes trios que vivem hoje nesta regido da América ue identificamos como o Brasil mas que, naturalmente, bem antes de identiicarmos como esse regia geogréfica do Brasil j vinha fazendo histori. Os registros dessa (D>. rmeméria, dessa historia, estéo tomados de falas, de narrativas em aproximadamente 500 inguas diferentes, | s6 daqui da América do Sul. Essas narrativas séo narratives que datam dos séculos XVII, XVII, na lingua de alguns povos que nem existem mais. Desde a século XVIII, jé ram escritas em aleméo, inglés, a distribuidas na ? Europa, narretivas muito importantes falendo da criagao “ ‘do mundo, falando dos eventos que deram origem aos sitios, sagrados, onda cada um dos nassos povos antigos viveu na Antiguidade e continua vivando ainda hoje. Fico. ~A.» ‘admirado de reconhecermos que em mais de 500 linguas e durante aproximadamente 300 a 400 anos séo divulgados textos, como o texto muito importante {qua tam o titulo da XilaBala. O Xil8Bal8 é um texto sagrado, que tem tanta importéncia para os Maye quanta os textos sagrados da cultura do Ocidente, como a Biblie ou 0 Alcoréo. Séo textos que fundam a tradi¢o @ a meméria -\j Stero da cultura que cada uma dessas antigas tradicoes tom do ser social, da historia, do mundo, da realidada circundante, ¢ a minha admiragao é que essas textos ‘marevilhosos jé tenham sida divulgados hé tento tempo, ‘e mesmo assim a maloria das pessoas continue ignorando ‘esses fontes de nossa histdria antiga. Como essa histéria [> do contato entre os brancos @ os povos antigos daqui desta parte do planeta tem se dado? Como temas nos relacionado ao longo desses quase 500 anos? E diferente | para cada umo das nossas tribos o tempo e a propria rnogo desse contato? Em cada uma dessas narrativas antigas jé havia profacias sobre a vinda, a chegada dos broncos. Assim, algumas dessas narratives, que datem de dois, trés, quatro mil anos atrds jéfalavam da vinda dessa ‘outro nosso irméo, sempre identiticando ele como algt ‘qua saiv do nosso convivio e nés néo sabiamos mais onde estava, Ele foi para muito longe e ficou vivendo por muites |) e muitas geragdes longe da gente. Ele aprendev outra tecnologia, desenvolveu outras linguagens @ eprendeu 4 se organizer de maneira difarenta de nés. ov0S INDIGENAS NO BRASIL oh20D-INSITUTO SOCIOAMBIENTAL Pos Enas narratives antigas ele aparecia de nove coma um sujeito que estava voltando para casa, mas nio se sabia mais o que ele pensava, nemo que ele estava buscando. E apesar de ele ser sempre anunciado como nosso visitant, ‘que estaria voltando para case, astaria vindo de novo, nao ‘sablamos mais exatamente o que ele estava querendo. E isso ficou presanta am todas assas narrativas, sempre nos lembrando a profecia ou a ameaca da vinde dos brancos ‘como, ao mesmo tempo, a promessa de liger, de reencontrar ‘esse nasso irméo antigo. Tanta nos textos mais antigos, nas narrativas que foram registradas, como na fala de hoje dos ‘nossos parentes na aldeia, sempre quando os velhos véo falar elas comagam as narrativas deles nos lembrando, seja na lingua do meu povo, onde nés vamos chamar 0 branca de Kral, ou na lingua dos nossos outros parentes, como os Yanomami, que chamam os brancas de Nape. E tanto os Krai como os Nape sempre aparecem nas nossas narrativas ‘marcando um lugar de oposi¢éo constante no mundo intero,, ‘no $6 aqui neste lugar da América, mas no mundo inteiro, ‘mostrando a diferenca e apontando aspectos fundadores da identidade propria de cada uma das nossas tradig6as, das ‘noses culturas, nos mostrendo # necessidade de cada um de nés reconhecer a diferanga que existe, diferanca original, de que cada pavo, cada tradicao e cada cultura é portadora, @ herdeira. $6 quando conseguirmos reconhacer essa diferenga n&o como defeito, nem como oposigo, mas. ‘coma diferenca de natureza propria de cada cultura e de cada povo, s6 assim paderemos avancar um pouco ‘nosso reconhecimento do outro e estabeelecer uma convivéncia mais verdadaira entre nés. Os fatos @ a historia recentes dos ditimos 500 anos tém indicado que o tampo dasse encontra entre as nosses culturas é um tempo que acontece e se repete todo dia. ‘Nao houve um encontro entre as culturas dos povos do Ocidente e a cultura do continente americano numa data ‘e num tampo damarcado qua pudéssamos chamar de 1500 ‘ou de 1800. Estamos convivendo com esse contato desde sempre. Se pensarmos que hé 500 anos algumas canoas ‘aportaram aqul na nossa praia, chegando com os primeiros vviajantes, com 0s primeiros colonizadores, esses mesmos jantes, eles esto chegando hoje ds cabeceiras dos altos, rigs 1é na AmazGnia. De vez em quando a televiséo ou o jomal mostram uma frente de expedi¢ao entrando em contato com um povo que ninguém conhece, como recentemente fizeram sobravoando de helicéptera a aldeia dos Jaminawa, um povo que vive na cabeceira do rio Jordao, lé na fronteira com 0 Peru, no estado do Acre, Os Jaminéwa nao foram ainda abordados, continuam perambulando palas florestas do alto rio Jurud, nos lugares aonde os brancos estéio chegando somente agora! Poderiamos afirmar, ento, que para os Jaminéwe 1500 ainda nao aconteceu. Se eles conseguirem atravessar aquelas fronteiras, subirem a serra do divisor e viraram do lado de Ié do Peru, o 1500 pode acontecer s6 I4 pelo 2010, Entio eu queria partlhar com vocés essa nocdo de que o contato entre as nassas culturas diferantes se dé todo dia, No amplo evento da histdria do Brasil contato entre a cultura ocidentat a as diferentes culturas das nossas tribos, aconteca toda ano, acontece todo dia, e am alguns casos se repete, com gente que encontrau os brancos, aqui no ltoral, 200 anos atrds, foram para dentro do Brasil, se refugiaram e ‘86 encontraram os brancos de novo agora, nas décades de 30, 40, 50 ou mesmo na década de 90. Essa grande ‘movimentaga0 ro tempo e também na geografia de nosso territério e de nosso povo expressa uma mansira propria, das nossas tribos de estar aqui neste lugar. TERRITORIOS TRADICIONAIS O territério tradicional do meu povo vai do ltoral do Espirito Santo até entrar nas serras mineiras, entre o vale do rio Doce e o $40 Mateus. Masmo que hoje sé tenhamos uma reserva pequena no médio rio Doce, quando penso no terrtério do meu povo, no penso naquola reserva de quatro mil hectares, mas rum teriterio ‘onde a nossa hist6ra, 0s contos e as narrativas do meu povo vo acendendo fuzes nas montanhas, nos vaies, nomeando os lugares eidentficando na nossa heranga ancestral o fundamerto da nossa tradicdo. Esse fundamento da tradigao,, assim como o tempo do contalo, no é um mandamento ou uma lei que a gente seque, nos reportando ao passado, ele é vivo como & viva 2 cultura, ele é viva como é dinémica viva qualquar sociedade humana, E isso que nos da a possibilidade de sermos contemporéneos, uns dos outros, quando algumas das nossas familias ainda acendem o fogo friccionando uma varinhe no terreiro da casa ou dentro de case, ou um cacador, se deslocando na flaresta e fazendo © seu fogo assim - auto-sustentivel. Essa simuitaneidade que temos tido a oportunidade de viver 6 uma riqueze muito especial e um dos maiores tesouras que temas. 0 professor Darcy Ribeiro costumava dizer que @ maior heranga que o Brasil recebeu dos incios nd foi propriamente 0 teritério, mas a experincia de viver em sociedade, a nossa engenharia social. A capacidade de viver junto sem se mater, PALAVRAS INDIGENAS reconhecendo a territorialidade um do outro como elemento fundador também da sua identidace, da sua cultura e do seu sentido de humanidade. Esse entendimento de que somos povos que temos esse patrimdnia @ essa riqueza tem sido o principal motivo e a principal rezio da au ma dedicar cada vez mais @ conhecer a minha cultura, conhecer a tradigao do meu pova e recorinecer também, na diversidade das nossas culturas,o que lumina a cada época 0 nosso horizonte e a nosse capacidade como sociedades humanas de ir melhorando, pois se tem uma coisa que todo mundo quer 6 melhorar. Qs indios, 0s brancos, os negros a todas es cores de gente e culturas no mundo anseiam por melhorar. 0 CONTATO ANUNCIADO Na histérla do povo Tikuna, que vive no rio Solimées, na fronteira com a Colémbia, temos dois iemaos g&meos, que so 0s herdis fundadores dasta tradi¢do, que estavam lé na ‘Antiguidade, na fundagao do mundo, quando ainda estavam sendo criadas as montanhas, os ros, a floresta, que nos aproveitamas até hoje. Quando esses dois irmaos da tradigo do povo Tikuna, que se chemam Hi-pi- o mais velho ‘uo que saiu primeiro e Jo-i- sou companheiro de aventures, ra criagdo do mundo tikuna, quando eles ainde estavam andando na terra e criando os lugares, eles iam andando juntos, « quando 0 Jo-Itinha uma idéta e expressava essa idéia, as coisas iam se fazendo, surgindo da sua vontade. G irmao mais velho dele vigiava, para ele nBo ter idéias muito perigosas, e quando percabia que ele estava tendo alguma idéia esquisita, falava com ele para no pronunciar, no contar 0 que estava pensando, porque ele tinha 0 poder de fazer acontecer as coisas que perssava e pronunciava, Entio, Jo-i subiu num pé de acai e ficou Ié em cima da palmeira, bem ako, e olhau longe, quanto mais longe ele podia olhar, ¢ 0 irmao dete viu qua ole ia dizer alguma coisa Perigosa, entao Hi-ifalou: “Olha,1é muito longe est vindo lum povo, sao os brancos, ales astéo vindo para cd e estio vindo para acabar com a gente”. 0 itméo dele ficou apavorada porque ele falou isso e disse: “Olhs, voc no podia ter falado isso, agora que voce falou isso voc® acabou de criar os brancos, oles vo existir, pode demorar muito tempo, mas eles vlo chegar aqui na nossa praia”. E, depois que ele j tinhe enunciado, néo tinha como desfazer essa profecia, Assim es narrativas antigas, de mais de quinhentas falas ov idiomas diferentes, s6 aqui nessa regido da América do Sul, onde esté o Brasil, Peru, Bolivia, Equador, Venezuela, nos lembram que os nossos antigos jé sabiam desse ‘contato anunciedo, (0s Tkuna tém suas aldaias parte no Brasil ¢outra na vizinha Colémbia. Os Guarani partiham o teritirio dessas fronteiras do sul entre Paraguei, Argentina, Bolivia. Em todos esses lugares, areas de coldnia espanhola, éreas de colénia portuguese, inglesas, os nossos parantes sempre reconheceram na chegada do branco o retorna da um imo ‘que foi embora hé muito tempo, e que indo embora se retirou FOVOSINDIGENAS NO BRASIL 8862000. STITUTD SOCIOAMBIENTAL também no sentido de humanidade, que nés estavamos. construindo, Ele 6 um sujeito que aprendeu muita coisa longe de casa, esqueceu muitas vezes de onde ele é, ‘tem dificuldade de saber para onde esta indo. Porisso que os nossos velhos dizem: “Vocé nBo pode se esquecer de onde vocé é e nom de onde vocé veio, porque ‘assim voc8 sabe quem voc6 é e para onde vocs vai”. sso nfo 6 importante s6 para a pessoa do individuo, é importante para ‘o-coletivo, é importante para uma comunidade humana saber ‘quem ela é, saber para onde ela esté indo. Depois os brancos ‘chegaram aqui em grandes quantidades, eles trouxeram também junto com eles outros povos, da vém os pretos, por ‘oxemplo. Os brancos vieram para ¢ porque queriam, os protos eles trouxeram na marra, Talvez s6 agora, no século XX, 6 que alguns pretos tenfam vindo da Américe pare c& ou dda Africa para cé por livre e esponténea vontade, Mas foi um movimento imenso. Imagine o movimento fantastico que acontacau nos dltimos trés, quatro séculos, trazendo milhares e milhares de pessoas de outras culturas para c4, Entao meu ovo Krenak, assim como nossos outros parentes das outras nnagdes, nés temos recebido a cada ano esses povas que vem para cé, vendo eles chegarem no nosso terre. Nés vimos chagar 0s protos, 0s brancos, os érabes, 0s italianos, os japoneses. Nés vimos chegar todos esses povos e todas essas culturas. Somos testemunhas da chegada dos outros ‘aqui, os que vém com antigtidade, e mesmo os cientistas e 08 pesquisadores brancos admitem que sejam de seis mil, ito mil anos. Nés nfo podemos ficar olhando essa histéria «do contato como se fosse um evento portugues, O encontro com as nossas cultures, ele transcende a essa cronologia do descobrimento da América, ou das circunavegagbes, é muito ‘mais antigo. Reconhecer isso nos enriquece muito mais e nos 8. oportunidade dei afinando, apurando o reconhecimento entre essas diferentes cuturas e "formas de ver e estar no mundo” que deram fundagao a esta nagao brasileira, que no pode ser um acampamento, deve ser uma nagao que reconhece 2 diversidade cultural, que reconhece 206 linguas que ainds slo faladas aqui, além do portugues. Entao Parabéns, vocés vim de um lugar onde tem gente falando duzentos e tantos idiomas, inclusive na lingua borum, que 6 fala do mou povo, 6 uma riqueza nés chegarmos ao final do séeulo XX ainda podendo tocar, compartir um elemento fundador de nossa cultura e reconhecer como riqueze, como patriménio. 0 encontro eo contato entre as nossas cultures @ as nossos povas, ele nem comecou ainds ¢ as vezes, parece que Quando @ date de 1500 ¢ vista como marco, as pessoas podem achar que deviam demarcar esse tempo ¢ comemorar ou debaterem de uma maneira demarcada de tempo o evento de nossos encontros. Os nassos encontros, eles ocorrem todos 08 dias e vao continuar acortecendo, eu tenho certeza, até o terceiro milénio, e quem sabe além desse horizonte. Nos estamos tendo a oportunidade de reconhecer isso, de reconhecer que existe um roteiro de um encontro que se da PovOSINOIGENAS NO ASL 184200 -INSTITUTO SOCICAMIENTAL ‘sempre, nos dé sempre a oportunidade de reconhecer 0 Outro, de reconhecer na diversidade e na riqueza da cultura de cada um de nossos povos o verdadeira patriménio que 1nés temos, depois vém os outros recursos, oterrtério, as, ‘lorestas, os rios, as riquezas naturais, as nossas tecnologias @ @ nossa capacidade de articular desenvolvimento, respeito pela natureza e principalmente educagie para a liberdade. Hoje nés temos a vantagem de tantos estudos antropologicas sobre cada uma das nossas tribos, esquadrinhadas por centenas de antropélogos que estucam desde as ceriménias de adogao de nome até sistemas de parentesco, educagio, arquitetura, conhecimonto sobre boténica. Esses estudos deveriam nos ajudar a entender melhor a diversidade, conhecer um pouco mais dessa diversidade e tomar mais, possivel esse contato, Me parece que esse contata verdadeiro, ele exige alguma coisa além da vontade pessoal, exige mesmo um esforgo da cultura, que é um esforgo de ampliagao e de iluminacSo de ambientes da nossa cultura ‘comum que ainda ocultam a importancia que o Outro tem, que ainda ocultam a importancia dos antigos moradores ddaqui, os donos naturais deste territério. A maneira que essa ‘gente antiga viveu aqui foi deslocada no tempo e também no espaco, pare ceder lugar @ essa idéle de civiizagéo e esse idéia do Brasil como um projeto, como alguém planeja Essa capacidade de projetar e de construir uma interferénci ‘na natureza, ela é uma maravithosa novidade que o Ocidente trouxe para cé, mas ela desloca a natureza e quem vive em hharmonia com a natureza para um outro fuga, que fora do Brasil, que é na periferia do Brasil. Uma outra margem, 6 uma outra margem do Ocidente mesmo, 6 uma outra margem onde cabe a idéie do Ocidente, cabo a iia de progresso, cabe a idéia de desenvolvimento, A idgia mais comum que existe é que o desenvolvimento © 0 progresso chegaram naquelas canoas que aportaram no ltorale que equi estava a natureza e a selva, enaturalmente os selvagens. Essa idéia continua sendo a idéia que inspira tado 0 relacionamento do Brasil com as sociedades ‘radicionais daqu, continua; entao, mais do que um esforgo pessoal de contato com 0 Outro, nds precisamos influenciar de maneira decisiva & potica pablice do Estado brasileiro. Esses gestus de aproximag@o e de reconhecimento, eles podem se expressar também nume aberturs efetva e msior dos lugares na midi, nas uriversidados, nos contros de stud, nos investimentos etembém no acesso das nossas familias e do nosso povo aquilo que é bom e aquilo que & considerado conquista da cultura brasileira, da cultura nacional. Se continuarmos sendo vistos como os que esto para sorem descabertos e virmos também as cidades o os grandes centros e as tecnologias que séo desenvolvidas somente como elgume coisa que nos ameaga e que nos exclu, 0 encontro continua sendo protelado, Tem um estore comum que nés podemos fazer que é 0 de difundir mais essa PALAVRAS INGIGENAS| 4 vis@o de qua tem importancia sim a nossa histéria, que tem import8ncia sim esse nosso encontro, eo que cada um desses povos traz de heranga, de riqueza na sua tradig&o, ‘tem importancia, sim. uase nao existe literatura indigena publicada na Brasil. Até parece que @ Gnica lingua no Brasil € o portugués e aquela escrita que existe 6 a escrita feita pelos brancos. € muito importante garantiro lugar da diversidade, e isso significa assegurer que mesmo uma pequena tribo ou uma pequena aideia guarani, que esta aqui, perto de vocés, no Rio de Janeiro, na serra do Mar, tenha a mesma oportunidade de ocupar esses espagos culturais, fazondo exposigao da sua arte, mostrando sua cri Pensamento, mesmo que essa arte, essa criagao e esse Pensamento no coincidam com a sua idéia de obra de arte Contemporanea, de obra de arte acabeda, diante da sua visio estétice, porque sendo vocé vai achar bonito sd 0 que voce faz ou o que voce enxerga. Nosso encontro - ele pode ‘comecar agora, pode comegar daqui a um ano, daqui a ddez anos, @ ele corre todo 0 tempo. Pierre Clastres, depois de conviver um pouco com os nossos parentes Nhandevé ‘a Mbié, conclui que somos sociedades que naturalmente ‘nos organizamos de uma maneira contra o Estado; no tem ‘nenhuma ideotogia nisso, somos contra naturalmente, assim ‘como o vento vai fazendo o caminho dele, assim como a qua do rio faz 0 seu caminho, nés naturalmente fazemos lum caminho que néo afirma essas instituigdes como fundamentais para a nossa saide, educacdo efelicidade. Desde os primeiras administradores da Colénia que ‘chegaram aqui a Gnica coisa que essa poder do Estado fez foi demarcar sesmarias, entregar glebas para senhores foudals, capities, implantar pétios @ colégios como este daqui de Séo Paulo, fortes como aquele Ié de Ranhaém. Nossa esperanca é que o desenvolvimento das nossas relagdes ainda possa nos ajuder a ir criando formas de representacao, formas de cooperacao, formas de gerenciamento das relagées entre nossas sociedades, ‘onde essas instituigées se tornem mais educadas, é uma questéo de educagdo, Se o progresso néo ¢ partlhado por todo mundo, se o desenvolvimento no enriquacau a nao propiciou o acosso & qualidade de vida e ao bem-estar para ta [PAcaVaAsS INDIGENAS todo mundo, entéo que progresso esse? Parece que nds tinhamos muito mais progresso e muito mais desenvolvimento quando a genta podia beber na Sgua de todos os rios daqui, que podiamos respirar todos os ares daqui e que, como diz 0 Caetano, alguém que estava ana praia podia estender a mao e pegar um caju. Tam uma misica do Caetano, tem uma poesia dele que fala disso, o nativo lavanta obrago e pega um caju. ‘As pessoas estdo preferindo em nome do progresso instalar aquelas casas com aquelas placas luminosas e distribuir Coca-Cola na pr A MARGEM NO ORIENTE No norte do Japao tem uma tha que sa chama Hoksido, 14 vive 0 povo Ainu, tem um porto nessa ilha que se chama Nibutani, é uma palavra ainda qua dé nome para essa lug assim como aquela montanha bonita ié em Téquio, no Japao, ‘o monte Fuji, também reporta a uma histéria muito antiga do ovo Ainu, uma histéria muito bonita, de uma mae que ficou sentada esperando o fio que foi para a quorra e que ni ‘atornava, passou 0 inverno, passaram as estagdes do ano e ela ficou cantando, esperanda o filho voltare 0 filho demarava demais, entao ela chorava de saudade do filho; as légrimas dala foram formando aquela montanha e o lago, e toda aquela paisagem linda é dessa mae que ficou com saudade do filho que saiu para a guerra e qua nfo voltou, entéo ficou chorenda par ele. Os Ainu esto 4 em Hokaido hd mais ou menos uns oltocentos anos, talvez mais um pouco, porque eles foram tendo que subir lé para cima, que é 0 lugar mais gelada, iberando aqueles territirios cé de baixo para a formagao desses povos que vieram subindo. O Japo agora ‘io final do século XX & uma das nag6es mais tecnolégicas, digamos assim, do mundo, mas eles no puderam negar a existncia dos Ainu, eles negaram isso até agora. Ne década ée 70 alguns Ainu conseguiram chegar a comissao da ONU que trata desses assuntos e apresentaram uma questo para 0 governo do Jap&o: querem reconhecimento @ respelto pela sua identidade e culture. Quinhentos anos néo é nada. 'PovOS INOIGENAS No ORASI 88/000 -INSITUTO SOCIOAMBIENTAL oxtea Os TerMos DA Outra Historia EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO Para Aracy, em meméria da colaga querida "a ising comespnds spon ‘ute prc sineretamante eel eu aaron oe narabens 0 desequilibrio origina Rosati ante Sears te nuapen rea laneae de onrpeiapeeatutica fea dene: ange Brest, 1809 77408) lante de textos t8o distintos, @ busca de recorréncias deve por forga deixar ‘escapar muita coisa, ¢ coisa importante, Ndo ouso, por exemplo, sequer ‘esbogar uma discussao dos registros discursivos empregados, como 0 contraste, vezes interno @ ums dada narrativa, entre um modo testemunhal, onde conto e reflto sobre o que vi “com os meus olhos", como diz Momboré-uacu, e um modo tradicional ina sentido preciso do termo}, onde narto o narrado,falando “pela fala” de um outro, como diz Jurusi uhu', Nao tenho, também, elementos bastantes para dar realmente conta de duas outrasdiferengas significativas: a distngao entre as narrativas (ou momentos da mesma narrativa} que inscrevem o surgimento dos brancos na origem absoluta das coisas @ aqualas que os tomam como aparecendo em um mundo ja constituido: @ as diferengas na estimagao da diferenca entre indios e brancos — diferencas que dever se préprias estimadas em funeao das condigdes em que se produziram ou se consolidaram essas narrativas. Quero, aqui, apenas registrar uma ressonéncia que percorre os textos, e que ecoa alguns ‘motivos importantes de tradicao oral indigona, Eta diz respeito a inser¢o do problema da origem dos brancos no complexo pan-americano analisado por Lévi-Strauss, na tetralogia ‘Mitologicas 8 nos livros que a seguiram, notadamente o Gltimo, Histéria de Lince. As Mitolégicas comecam e terminam com o mito de obtengao do fogo de cozinha, que é também um mito de origem da cultura humana. No ditimo volume da série (0 homem mu}, Lévi-Strauss mostra como 0 motivo do “desaninhador de péssaros”, que enquadra a origem do fogo nos mitos bororo ej discutidas no primeira volume (0 cru @ 0 cozido, &a versdo semanticamente atenuada de uum macro-esquema mitico de dfusdo continantal. Os protagonistas desse “mito dnico” ligados entr si por uma relagao de afnidade matrimonial, so a raga humana, terres tum povo celeste, os donos do fogo. Para resumir um longo raciocinio: 0 fogo, fundamento da cuttura, é posto como correlato de alianga de casamento, fundamento da sociedade. Cozinhamos a carne que comemos assim como, ¢ porque, no comemas de nossa propria carne. A ralagao entre as narrativas sul-americanas sobre o surgimento dos brancos @0 mito de origem do fogo foi inicialments estabelecida por Roberto DaMatta, para o caso do Auké timbira?. Bem mais tarde, em Histéria de Lince , Lévi-Strauss demonstrou que a lagenda de Auké 6 uma inversdo sistemética de um episédio do célebre mito cosmogénico recolhido no Rio de Janeiro por André Thevet, em meados do século XVI. Os textos sateré- maw @ 0 diélogo 20'6 aqui apresentados mostram uma filiagao direta a essa ‘arqui-narrativa’ ‘upinamba, possivelmente o primeiro mito sul-americano jamais publicado (em 1875}. Quinhentos anos, como disse Ailton Krenak, ¢ mesmo muito pouco. E notavel que a prasenca dos brancos tivesse sido to cedo absorvida por um complexo mitico evidenterente anterior a 1500, Lévi-Strauss argumenta que os brancos estavam Contidos vituaimente, isto 6, estavam previsto, formal sendo hstoricemente, em uma estrutura constitutiva do pensamenta indigena: um operadordicotémico que faz com que ‘oda posigao de um termo sejainseparsvel da contraposigo, ratada como pressuposi¢éo, POVOS INDIGENAS NO BRASH 1867000 INSTTTUTOSOCIOANBIENTAL PaLavRAS INoicENAS| 4 de um termo contrério. No mito tupinambé, a criagao dos indios implica a criagdo dos n Indios; ou, omando-se as coisas pela outra ponta, 0 fato d cia dos brancos & posto como constitutvo do fato de existéncia dos indios, como participando das condigdes de possibilidade deste citimo (ao defini os indios, ustamente, como “indios”, i.e. como no- brancos). Nesses termos, 08 brancos vieram ocupar apenas um degrau suplementar na cascata de dicotomias reitoredas entre as posicdes de’si' ede ‘outrem’ que fui pelo mito desde muito antes de 1500: criadores e criaturas, humanos e néo-humanos, parentes € igos, @ assim por diante, A profecia de que fala a narrativa baré, os repetidos “nds j sabiamos” que atravessamo discurso desana, 0 tema, em suma, do contato anunciado que Aitton Krenak pée em evidéncia, sublinhando sua difuséo pan-americane, so as marcas dessa necessidade retrospectiva (nos dois sentidos de “necessidade”} da posi¢ao de outrem no pensamento indigena. Lévi-Strauss a resume na idéia de uma “abertura a0 outro” que serie consubstancial a esse pensamento, ¢ que se manifestou, diz ele, desde 0s primeiros contatos com os brancos. nfelizmente, como se sabe, a reciproca jamais veio a ser verdadeira: 0 outro (nds) tinha toda uma outra idéia do que devia sero outro, A realidade virtual dos brancos no corpus mitolégico pré-colombiano néo significa uma oposigéo meramente ‘stntiv’,esttica e autocontida, entre indios e brancos. 0 principio dicotémico do mito tupinembé 6 um principio recursiv: as dualidades cue ‘la pde om cena sdo vistas por Lévi-Strauss como sintométices de um “dualismo er ‘esequilibro perpétuo”pr6prio des cosmologias emerindias. Apés examinar as mitiplas verses do mito tupinambd nas duas Américas — todas elas protagonizedes por pares de gémeos cissimilores —, o antropélogo francés conclu: “Qual 6, com efeito, a ins; ui profunda desses mitas? [...] Eles jepresentam a organiza- a0 progressiva do mundo la sociedade na forma de uma série de bipartigoes, mas sem que entre as partes resultantes a cada etapa surja jamais uma verdadetra igualdade: de um modo ou de outro, uma delas é sempre superior Leesa, Mave de ye PP. Ip. 903, Outra. Desse desequilbrio din&mico depende o bom funcionamento do sistema, que sem ele se veria constantemente ameagado de cair em um estado de inércfa. 0 que esses mitos proclamam implicitamente, & que os pélos entre 0 quais se ordenam os fendmenos naturais e a vida em sociedade —céue terra, fogoe gue, alto @ heixo, perto e longe, indios e ndo-indios, concidadaos e estrangeiros etc. — jamais poderdo ser gémeos. 0 espirito so esforga em emparelhé-ios, mas ndo consegue estabelecer sua paridade, Pois so tais afastamentos diferenciais em cascata, tais como concebides pelo pensamento mitico, que pBem em marcha @ maquina do universo"® Ou seja, néo somente @ posigo de um termo pressupbe a contraposicao de seu contrario, como acarreta uma proliferagéo indefinida de oposigdes de extensGo decrescente, internas ‘ao termo de referéncia, Quanto a “superioridade” inevitivel de uma das partes resultantes de qualquer bipartigdo, é preciso entendé-la como assimetra légice (inerente ao funcionamento multiicot6mico do mito, onde a contraposigao é internalizeda como pressuposigao), eno como gredagao ontolécica (inerente a substincia dos termos); como superioridade instavel, mica e ambigua, que néo se congela em uma hiererqule finaizade. Pois ndo se deve ‘esquecer que, se os brancos levaram consigo, ou adquiriram, um saber e um poder que 0s indios rejeitaram, 6 porque os brancos eram indios: foram os Indios que produziram os brancos, a estes conferindo a fungdo de representar uma virualidade contida na esséncia do humano isto 6, dos indios), 0 Imperador era indio, como recordam os Sateré-Mawé: 0 superior era interior. Qu, como lembram os Kuikiro, foram os indios que amansaram 0s brancos. A ago, ainds quando na forms do deixar acontecer, é sempre indigene, porque a significagdo o &. Em outras palavras, os brancos s6 constituiram os indios como n&o- bbrancos porque foram, antes, constituidos como ndo-indios por eles. "Nés jé sabiamos". ‘Ao encamarem, pelo avesso, as condigdes que definem a condice humana — go serem ‘aquilo que os indios poderiam ter sido, e que, porque n&o o foram, tornarem-se propriamente hhumanos, isto 6, nem espiitos, nem animais, nem brancos —, os brancos oscilam entre uma positividade e uma negatividade igualments absolvtas. Sua gigantesca superioridade cultural (técnica, ou objetiva) se dobra de uma infinitainferioridade social (éica, ou subjetival: s8o so [PACAVAAS INDIGENAS POVOS INISENAS NO BRASH 16952000-NSTITUTO SOCIOAMBIENTAL ‘quase imortais, mas sdo bestia; so ungenhosos, mas estipides; escrevem, ‘mas esquecem; produzem objetos maravilhosos, mas destroem o mundo e a vida. ‘Superculturais e infra-sociais, portanto. E assim & possivel passar de uma vis8o positiva ‘ou mesmo irénica dos brancos, tal a exarimida nas narrotivas sateré-mawé, a uma negativa polémica, como a manifestada nas falas de Davi Koponawa ou de Braz de Oliveira France, ‘Annarrativa de Luiz Gomes Lana se dispGe, quanto a isso, na zona ou momento de transi¢ao entre esses dois pélos, enquanto o discurso de Momboré-uacu traz um rigoroso raciocinio indutiva que fundamenta a passagem ‘experimenta'’ do primairo ao segundo. Da possibilidade mitica & reslidade historic, diriam talvez alguns, esquecendo com isso que o mito 6 uma varsto da histéria, e a histria uma transformagdo do mito, Mas, se o probleme de origem dos brancos esté, por assim dizer, resolvido desde antes do comego do mundo, o problema sinétrico e iverea do destino dos indi permanece-hes, paroce-me, crutiaimente em aberto, Pais o desafio Ou enigma que se pde aos indios consiste em Saber sé 6 realmente possivel utilizar a poténcia tecnoldgica dos brancos, isto é, seu modo de objetivacao — sua cultura —, sem se deixar envenenar por sua absurda violencia, sua grotesca fetichizacao da mercadoria, sua insuportavel arrogancia, isto é, por seu modo de Subjetivagao — sua sociedade. Davi Kopenawa responde negatvamente a essa {uostéo:a culture dos brencos exprime sua sociedede, «por ain hé sada, Aiton Krenok Darece responder postvamente: a sociedade indigene se exarime em sua cultura, ¢ deve haver espaco para esta. A historia iré decidir; e entdo, o mito tera explicado. O problema da origem dos brancos foi ‘processado" pela maquina do mito do fogo, A morte branca como abservernas. Mas algumas das narratvas aqui apresentadas mostram uma dimensio especfice desse processo, que ndo ‘ol objeto de atencdo especial nem de DaMata, nem do Lévi-Strauss. Rofiro-me & presenga, nos textos desena e satoré-mawé, bem como no que se pode entrever no dislogo 20'6, do difundido mito da ‘vida breve’, cujo uger dentro do ‘complexo sobre a origem do fogo e da cultura foi demanstrado em “O crue o cazido™ aw Sas te ee co. Mee aoe “ ais Pan, 58 or pore Os mitos que contam como os humanos perdemos nossa imortalidade originéria, ou passamos a viver menos que as rvores, ou a néo poder rejuvenescer como certos animais, iram em torno de um motivo central: uma ‘mé escolhe' que fizemos, diante de uma prove proposta ou ume oportunidade oferecida por um demiurgo (ou personagem equivalente) Via de regra, essa mé escolha resultou de algum erro ou descaso expresso em termos dos cinco sentidos: deixamos de ouvir, de ver, de tocer — em summa, de responder a algum estimulo; ou, alternativamente, vimos, owimes, falamos, provamos 0 que néo deviemos. Os que se comportaram apropriadamente, como as érvores, ou os répteis@ artrénodes ‘que mudam periodicaments de pele ¢ assim rejuvenescem, obtiveram uma longa vid Anarrativa desana encadeia os temas da vida breve e da origem dos brancos. Apés descrever como o branco, o ditimo a sar da Canca-de-Transformacao, foi mandado embora polo demiurgo, o texto passa diretamente(e, para um ouvinte que no conhece o contexto ritico mais ampio, algo misteriosamente) ao motivo da vida breve dos humanos. Os bichos \enenosos conseguiram se eproximar do recipiante contando a droga da troca de p humanidade ndo. Nenfuma referéncia aos brancos, aqu mas é tentador imaginar que, entre 0s bichos venenosos, taivez estivesse o brenca... Pois no perégrafo seguinte este reeperece, na figura do ancestral que conseguiu se transformar em branco ao sa banharna bacia de ‘gua magica do demiurgo. Como se sabe, em outras versdes do mito (e pare outros povos amazénicos), otema da imortalidade ou da ressurre iado e um banho em uma bacia de agua magica, que nos troc No tema parece ter se cindida: a imortalidade ou reuvenescimento perpétuo pela ‘roca de pele se restringe 20s animais, mas 0 meio tipica de alcangé-Ia é deslacado para explicer a diferencs — expresse ‘emtermos de uma troca de cor da pole, ustamente — entre indios 6 brancos. ‘Annarrativa desana transforma outros mitos tukano onde a relagao entre surgimanto dos brancos e origam da morte é bem mais ovidentn. Em uma histéris barasana registrada por POVOS NOTGENAS WO BRASIL WaK2000-NSTITUTO SOCIOANBIENTAL PALAVAAS INGIGENAS| 51 ‘hoe 61071 Soe Burnana coneeanm 8 ‘ee munores Tl ewenesemens, a cava asc, bv pote few? anebins como a mensrungso inesauina son, como inden mito Ae Lana dante «mgs de oe, ‘stra ndpeatve! on ae ‘ama doce de ple come nies malas bene ne ‘Shemetona 3 vanie ap ‘SShtomportnos aa 98 Act, ar exemple. emotes chegaet no cu reerem iret om us ribica pare rot be "Asse segues cu fa do branes te descendents doqeles ue no. inion meses yranare Soma ans serfs ees ‘a eparaoun nea sual Oe Sree to wg dao ie aren 8 teed Dv Rapene. sergio a S. Hugh-Jones, a arigem do poder dos brancos — as armas de fogo—é explicada como fruto de uma escolha fatidica. O demiurgo ofereceu aos ancestreis humenos a apgéo entre © arco e 2 espingarda: 05 que seriam os brancos escolheram a segunda, os que seriam (ou permaneceriam sendo) os indi, 0 primeito’. Foi em conseqiéncia de tal escolhe, pode-se ‘supor, que os brancos foram enviacos para longe pelo demiurgo, como conta aqui Luiz Lana ‘tema da escolha das armas aparece nesta mesma forma entre os Tupinambé do Maranho seiscentista (ele foi registrado por Abbeville junto aos Tupinambé de Momboré-uagu), na mitologia slto-xinguana contempordnea, ¢ em muites outras. Quanto ao mito barasana de Hugh-Jones, ele é, na verdade, uma variante muito préxima do mito tupinambé de Thevet. Como este, ele estabelace uma conexao direta entre a arigem da vide breve (das indios) © a origem dos brancos, pois estes dkimos sfo ditos semelhantes as aranhas, cobras @ ‘mulheres, em sua capacidade de longa vide. Ao contrério da traca de pele natural das cobras, aranhas e mulheres, os brancos trocariam uma pele cultural, as roupas; engenho técnico e imortalidade relatva, assim, se liga’, Esse mesmo tema das roupas aparece no didlogo 20’ aqui publicado. Jipohan, o demiurgo conaz de ressuscitar os mortos a partir dos assos,fai-se com os brancos, e, como estes, anda vestido e é senhor de muitas roupas? (O fragmento mitico tupinambs reportado por Abbeville, ¢o mito barasana de Hugh-Jones, sugetem uma invers&o da senioridade entre os irmos em conseqiéncia da escolha das armas, (Re corde-se que o sistema patilinear dos Tukano hierarquiza as fratrias masculinas e seus descendentes por ordem de nascimento.) Lévi-Strauss tratou os mitos da vida breve em termos de um “cédigo dos cinco sentidos”, que, como se pode constatar, est presente no mito desana, Seria possivel ver no mativo da escolha das armas uma modulagéo deste digo. Em lugar de erros relacionados é sensiblidade, terfamos aqui uma falta ligada 20 bom senso, isto é, 0 entendimento: um ‘erro de célculd’, digamos. No mito quinhentista de Thevet, a ruptura do demiurgo (de quem os brancos seriam os “sucessores e verdadeiros Gescendentes”, diz 0 frade francés) com a humanidade india, fruto da ingratidao ou agressividade cesta, pode igualmente ser tomada como um caso de ‘md escolha’, de auséncia de discernimento por parte dos humanos (dos incios)* No mito desana aqui publicaco, nada & cito nesse sentido: oirmao mais mogo continua sendo-0, e néo se fala em escolh, mas em alocagao de objetos e técnicas apropriados: a ‘vocagéo respectiva dos brancos e dos indios, a espingarda e a biblia versus 0 arco.e a meméria. A narrative de Luiz Lana parece, assim, evitar ou resist @ uma conclusdo que ‘staria presente om varsies anteriores do mito, resisténcia que indicari uma mudanga politica na estimag&o da diferenga entre indios e brancos. Os brancos, agora, ndo so 0 {que 08 indios poderiam ter sido, mas 0 que os indios no quiseram ser. Dat, penso, a iso parcial entra os motives da origem dos brancos e da perda da imortalidade. 0 mito de origem do povo Baré contado por Bréz de Oliveira Frange, nesse sentido — ‘mas aquitrata-se de pura especulag&o de minha parte —, poderia see ido como uma inverséo dos mitos tukano, ou pelo menos como um estado ulterior do movimento de reajusteideoldgico esbogado no texto de Luiz Lana. O homem que viajava s6, do lado de fora do grande navio que entrou no Rio Negro, e que se tornou o ancestral dos Baré, pare- ‘ceu-me corresponder ao irméo mais mogo da narrativa desana, 0 timo a sair da Canoa de-Transformagao, e que virou o branco. Recordemos que @ Canoa-de-Trensformagao 6,na mitologia tukano, uma grande sucuri que traz em seu interior os diferentes grupos exogimicos,e que 0 herdi baré se chama, justamente, Cobra (uma ‘cobra’ aquatica, que vvem do rio}. No caso desana, temos um imo mais mogo que é mandado embora por seus arentes masculines, devido & sua agressividade; no caso baré temos um estrangeiro que € incorporado, ao conseguir pacificar, por sua poténcia sexual, um grupo de mulheres agressivas. Tudo se passa, em outras palavras, como se o ancestral dos brancos do mito desana se trensformasse no ancestral dos indios no mito baré. Nest ditimo, entéo, @ origem dos indios se vé definiivamente desconectade da origem des brancos {que chegam de fora, e nomeio de uma hist6ria em andamento), ao passo que na narrative de Luiz Lana elas ainda mostam uma ligagéo. sz |PALAVRAS INDIGENAS ‘POVOS INDIGENAS NO BRASIL 1ese/2000- INSTITUTD SOCIOAMBIENTAL

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