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Letras Portuguesas Editados Mensagem, Femando Pessoa etigdo de Ant6nio Apolindrio Lourengo Trabalho Poético (Antologia)Carios de Oliveira edigho de Osvaldo M. Silvestre a Editar Lirica Galego-Portuguesa ‘edi de Amiérico A. Lindeza Diogo Pedio Serra € Mestre em Estudos Anglo-Portugueses pela RCS. da Universidade Nova de Lisboa e docente da Faculdade de Filologia da Universidade de Salamanca, OUoy D. Francisco Manuel de Melo Carta de Guia de Casados Quadros Cronol6gtcos, Intradusao, Bibliografia Selecta Féxagao do Texto ¢ Notas de Pedro Serra ‘SBD-FFLCH-USP iii 2849: anonaysyovus INTRODUCAO ACARTA DE GUIA DE CASADOS BA TRADIGAO MORALISTICA SOBRE O CASAMENTO NA PENINSULA IBERICA (SECS. XVE-XVI) ‘A Carta de Guia de Casados de D. Francisco Manuel de Melo, escrita de Faneiro a 5 de Margo de 1650, quando 0 autor se encontrava na pristio ég Torre Velhal, ¢ impressa em 1651 pela primeira vez, nfio foi 0 Gnico lugar da vasta obra do poligrafo portugués em que o tema matrimonial foi abordado. Na verdade, alguns estudos tm vindo a destacar a importancia que 0 nosso moralista conferiu 20 casamento?. Assim, desde comentérios marginais em cartas?, pasando por achegas 1 ce, Bigar Prestage, «Estado Crficon, in D. Franciseo Manuel ée Melo, Carta de Gula de Casades, edigio, Prt, Remascenga Portuguesa, 1923, p p 2 Vejam-se os sopuiteeextuds: Benjamin Nicolas Teensna, Don Francisco sobre a filosofia de vida de D. Francisco Tiwana apresenads & Feulade de Lisboa, 1962, especialmente as pp. 21 de presspoitorimreisosedsautves, Domi de Grin de Canis: cntribigd para 0 est da ideoegt,percenalidade @ elo de D. Franco Mere! de Mel, ess de icencisura em Plog Romnicaepreseiada& Feuldae de Leas da Universidade de Lisboa Lisboa, 1971, sbretud o capitulo T, «A Carta de Guia de Casador © 0 problems do feiismos, p59 fstudo sito decumentsdo sobre impr 3 Ch a cate 40, datada de 14 de Dezembro de 1 Familiares,prefécio e notas de Maris da Concei la edigio Cartas Morais Sarmeato, rarodugho epis6dicas em obras de teor moral, a mais conhecida das quais €@ segunda parte das Segundas Trés Musas e que analisaremos com mais atengo, a temética matrimonial é bastante recorrente a obra de D. Francisco, 0 que nao deixa de ser curioso, uma ver que, como sabemos, nunce deixou o estado de soltiro. Para o moralista portugués, ¢€ este o ponto de partida para as suas reflexdes na Carta, o casamento 6 uma carga que hi que saber suportar, Esta mesma ideia é enunciada na carta de D. ‘Francisco datada de 14 de Dezembro de 1641 ¢ ditigida a um amigo: «Grandes pesos traz consigo 0 matriménio.»5 Contudo, ‘cerca de dez anos mais tare, a posigdo que expressa na Carta aponta j4 paraa superacio, o que nz preconceito, Dirige-se aos jovens: «Parece-lhes aos mogos intolerdvel a carga do Matrinuino, f, Senor, pesadissina para ‘os que a ndo sabem levar; para os que sabem & ligeira, Ua arroba de ferro ao ombro carrega wm homem que com fécil fica a negapto, deste artfcio de das rodas pode levar um quintal. No excede o peso do casamento nossas forgas,fata-Ihe as mais das vezes nossa prudéncia para que 0 sustente e de ai vem que os parega grande,» casamento nfo se trata de uma «carga». O préprio Teonsra ita um lugar da primeira pate (p- 208 ¢ segs) de BI Fens de Africa Agusta Aurelio Obispo Hyponnense,eitada was Obras Morales de el, Roma, 1664. Teens, ope 20 a Invrodugtio vida familiar. |, manifesta ao amigo que foi destinatério primeiro da obra: «Considere que aqui ndo padece algna forga sua lberdade; si como aguele que sobe agodado por ta escada ,quantos mais slo os degraus mais deseja de achar wm inel em que descanse, assi também, subindo o home pela escada da vida, quantos mais so o5 anos, quanto mais soltamente os vai vivendo, tanto the € mais necessario 0 repouso de wm honrado casamento; que j4 por essa razdo Ihe chamamos Estado, por ser nao 36 fim, mas também descanso.»? Devernos entender a Carta neste quadro de valotizagio matrimonial ineguivoca, O casamento culmina uma experiencia vivencial do homem, para que de resto 0 vocaciona a sua pr6pria natureza. Cada individuo, considera D, Francisco, herda uma responsabilidade dos seus antecessores. Lemos na Carta: «Paga 0 filho a seu pai em se casar aquele beneficio que recebeu dele, Pois se seu pai nfo casara, assi os homens contribuindo uns meméria dos que lhe deram ser, a que, des ‘mais obrigados que a tudo 0 mais.2* ‘Contudo, noutros lugares da sua obra, D. Francisco revela ‘um maior cepticis exemplo: «Bs el hermoso; los ojos de la jos de la into, es un esperiencia, ecuchado por las voces del arrepen remeroso estudo.»® ‘0 casamento é um cestado temeroso» quando considerado & 21 Introdugio E necessfrio é preparar-se, educando a prudéncia, Assim se toma necesséra a intecvengio pedagdgica da Carta, A intengio de D. Francisco ¢ a de ensinar um comportamento que visa, pela moderagao e prucéncia, ultapassar 2s dficuldades reconhecidas, nas relagdes conjugais ¢ familiares. ‘A defesa da prudéncia em matétia matrimonial foi colocada por D. Francisco no centro da moral da Beloga Cas to, eanbora af o debate seja diferente, ainda que afim ao da Car Guia de Casadas. Na Kcloga dois pastores, André e Gil, discuter sobre qual serd o melhor tipo de casamento, André defende o casamento por amor. Gil defende o casamento por interesse. Assim, 0 primeiro prefere uma mulher formosa, ainda que seja pobre; 0 ‘segundo, ndo se importa cor a fealdade de uma futura esposa: bbasta-the que seja rica, ‘Acstrutura dialégica em que assenta a Bcloga permite que se critiquem mutuamente, Assim, Gil repreende a André, 0 enamorado: Tudo sto opinides, amigo André, € as mais erram. 1 Tu 68 todo invengBes. / Foge dessas presungdes, / que a tantos parvos enterram.!° __O gue importa a Gil sfo 0s bens da furor exposa due ‘gualmente poderé usufruir: Ndo é das lindas nem betas, / nem vem de grdo geragto: /1em lameiras, tem courelas;/ se eu me vir ser senhordelas, /eu seri senhor,entdo! Por sua vee, André aponta a Gil com determinagio: Casar 0 Thomem de brio /co'a rica, mas baixa e feia,/tiro eu od pelo ‘meu fio / que & banquete de fastio, / quer a0 je cia." E, dird ainda: Otha Gil, 0 casamento / sempre é no home 0 ‘maior /prager ou 0 maior tormento; /casar com contentamento /foi serapre o dote melhor." Introdugfio Para André, 0 casamento sem amor por interesse «sd vert aser (segundo 0 interesse o aga) /casardinhero e cobiga/ indo casar home e mulher.»!4E acrescenta que Casamento sem The cedo a alegvia: /vai-se o gosto e fica a dor. / 's diz wn doutor / so vidae morte nur d.'* © amor € 0 fundamento natural que segundo André une 08 sexos e para o dizer utliza a seguinte imagem: V@ ara as aeuias reas / se buscam mais que a parcera / sem mais ddotes news mais/io dos dotes naturais, /fazem ninho na reira® Gil, contudo, mantém-se firme, Pasa André a atracgto fisica centre os faturos espos0s, que & simbolizada pela procura de beleea na mulher, € sintoma do amor que deve unr 0 casa | para Gi pelo consi: «Beleza no mata a fome, /e afore, ‘fo morta, mata.»"? Os pastores no vao conseguir resolver por st préprios @ contenda pelo que decidem consultar um pare que apanigua & polémica com um apelo ao camino da pradénca, 0 6 20 Meio tomo das posigGes defendidas por cada um dos Conlendores: Fermosura com pobreza /é triste morte de iso; ‘fealdade com rgueza aizen na grandee / per tudo poco siso. 1/ Pr isto un sdbio sem med / ns dist, por ve parte: /omen.que vs cas fel /Olka que em mance & cedo, /e v8 que em velho 6 4 tarde! sta potémica tem o seu relexo na Carta de Guia de Casadas, que faz do amor, mais especficamente do anor Conjugal o centro da harmon do casal eda fmf, O armor conjuga éofundamento do bom casamento, Condo, nfo ht que oconfundi como amor que Gil tena Andie Tratase do Ey mor especfic que tanto D. Francisco como a moralistica ests, 98-99, pi. 2B - Introdugito peninsular procuraram defini com 0.rigor possivel!®, As considerag5es que tece sobre esta matéria comprovam bein como D. Francisco continua a tradigao literéria sobre 0 casamento. 1, Antecedentes literdrios da Carta de Guia de Casados. A Carta de Guia de Casados culminou dois séculos de tratamentointenso do tema matrimonial. Em que medida fot D. Francisco Manuel de Melo herdeiro desta tradigdo ? Comegaremos por recuar: século XV, um momento de aceso debate feministae anti-feminista detendo-nos depois no século de quinhentos, momento em que se desenvolve una literatura sobre 0 matriménio de tor pedagégico. Por Gltimo, abordaremos, jé no século XVII, o Casamento Perfeito de Diogo Paiva de Andrada, que contrastaremos, para além de outros textos da tadigfo, com a Carta de Guia de Casados. Franga desde o século XIV, 0 século XV penins polémica em torno da mulher?®. Dois grupos de ‘Amor, Amizade e Casamenio no Leal Conseheira ts Revista da Faculdade de Letras do Porto, s6 Mécio Macins, «A Amizade © 0 Estudos de Cultra Medi 7 187-198; e Paulette Demersoa, dan le Leal Conseltero de Dom Duartes, in Arguivas do Centro Culteral Porwgus, vo. XIK, Paris CC. Py “483-500. Urge um estudo mas abrongeate que anslise 0 conosito 1a moralistca dos séculos XVI e XVI, confrontando-o com outs formas de amor que tém metesio uma mzir tengo erica porque mais ites, 20 Sobre esta polémica do século XV diz P. W, Bomli em La ferme dans Bspegne du sidclea’Or, La Haye, Matinus Nil, 1950, p. 156, «C'est a i sicle que novs voyons nati dew courants contrares: ane entre ceux qui continent & voir fa femme com foyer ot cour qu, vouant au sexe féminin un vértable cult, Vébvent 24 Inarodugio (ons tecendo-Ihe louvores, outros recuperando o discurso miségino, ambas as atitudes fundamentadas na mesma tradicao clissica e medieval), vo degladiar-se entre vitupérios € elogios a0 género feminino*!, ‘A influéncia da querellé des femmes na Peninsula Tbérica, esencadeada umn pouco por toda a Europa pelas reacgdes 20 Roman de la rose de Jean de Meun e a0s Corbaccio e De claris ulieribus de Bocdcio,s6 recentemente despertou 0 interesse da critica, Os reflexos, contudo, verificaram-se sobretudo nas literaturas de lingua castethana e catalé?2. A Portugal chegou 0 Espetho de Cristina, waducdo de Le livre des trois vertus de do século XV pela do século XVI pela das primeiras vozes femi autores acima referidos. a reagir 4s teses mis6ginas dos jusgu'aux nue Une polénigue aigre dvisera les deux parts dans ce sdcle ‘et dans le suivants, Vejase, ti pina y ek tom I, 1941, 2 Resume Agustin Boyer no seu Estudio deseripivo de Libro de loa wstoss fuentes, ginero y abicacin en el debace feminisia del Berkeley, Univesity sigha XV se sive de anos | cexpecial con dos bandos pparidarios y oponentes; acusaciones, defensas y reaccion ‘considerouro um eco da quercle des femmes. Cf. eLes tpelho de Casades dios. Portugueses, Pats, srs: Christine de Pisan, O Espetho de Cristina, ia Manuela Crvzeito, Lisbee, Bibliotees Nacional de 25. ntroducho Tanto o estatuto da mulher como o casamento foram icados na querelle des femmes, De facto, este movimento literério surge como resposta a uma reacedo eclesidstica as doultines do erotismo cortés, profundamente mis6gama & smis6gina®, © amor cortés, como compreendemos, entra em conflito com o dogma eclesiéstico ao deificar a mulher ¢ 20, valorizar 0 amor addittero, ainda que seja sublimado. A perigoso para othomem e para a ordem social Sto varios os intéspretes peninsulares do debate sobre a mulher?S, Nfo devemos esquecer, contudo, o seu cardcter literério, pelo que ndo serf de estranhar que nom mesmo autor ‘encontremos defesas ¢ ataques ao género feminino, 'Vitupério' ¢ “Touvor’ polarizan uma ret6rica de lugares-comuns e figuras que ‘se recuperam das literaturas classicas grega e latina ¢ da patrstica medieval. Ainda assim, a literariedade deste debate no deve ocultar uma mudanga nas mentalidades, gradual ¢ Tenta, a respeito da mulher, num periodo de transigao da 24 Ct, Agustin Boyer, op cit, p- 29. 25 Vejurse 0 breve est ‘arcativa breve medieval, in Marie Angoles Durén o Joaé nio Rey, Literatura y vida cotidiana, Acta de las eartas Jornadas de Tovestgecién Zacagozn, Seminatio de Estudios dela Majer (Universidad comin eg alan generis ne Bh 8 WS p16, Rl Py Hegde aleve, Alfonso Marae, Pere Tonelis, Bavigue de Vilna, Alero de Luna, Mosén Diego de Valera, entre outs. Un lista mais extass ‘enconramo-I no artigo de Inecb Ore iad anteioments CE. supra m. 2 26 Inrodgdo medievalidade para a modernidade que tem 0 seu inicio precisamente em meados do século XV. ‘Dos defensores do género feminino destacou-se Alvaro de Luna, cujo Libro de las virtosas e claras mugeres € um bom exemplo do género de obras que intervieram na discussao. ‘Trata-se de um catélogo, ao jeito do De claris mulieribus de Bocécio, que recolhe ta antiguidade clissica, nas Escrituras & rnos textos patristicos e escolésticos?’, exempla de mulheres cuja virtude deve ser imitada, prioritariamente, pelas grandes senhoras a quem se destina a obra. Textos muito semelhantes 1 de Luma so 0 Jardin de nobles doncellas, de Fray Mastin de (Cérdoba ¢ 0 Tratado en defensa de vituosas mugeres de Mosén Diego de Valera®®, Todos eles procuram, através da recompilagdo de biografias de mulheres célebres, a refutago das iribes ant-feministas, Destinado & correogao dos vicios femininos, 0 Avcipreste de Talavera ou Reprabacign del anor mundano 0 Corbacho de de Toledo segue a linha moral pedagégica do Libre de les dones do catalao Biximenis?®. Contudo, enquanto o primeiro ¢ mais abertamente uma stra mis6gin, 0 segundo, nio pretendendo ser uma defesa das mulheres, demonstra a igualdade da mulher € do homem perante Deus, HA que nio extremar a tensto entre os intervenientes neste debate por vésias ordens de razbes. Em primeiro lugar, porque alguns deles, que passaram & posteridade como violentos anti-feministas, escreveram nao s6 vitupérios como defesas das mulheres. £ 0 gue acontece logo com Bocécio, cujas duas obras 4 referidas so um bom exemplo®!, Na Peninsula, um Pere Torrellas, inclu‘do entre os detractores da mulher por uma obra ‘como o Maldezir de Mujeres, nfo hesitou em retractar-se, 27 Para uma Boyer, 0p. ci 28 Cx taco Ornstein, op cit, p. 224 9-Ce, Agustin Boyer, op. cit, p. 334. 30x. ibidem, p33. 31 GF Jacob Ornstein, op ct, p. 220. 2 tien de proviveisfontes de Luna verse Agustin srtrodugto pperante as reacgdes & sua obra, com uma defesa da mulher que ultrapassa a de Alvaro de Luna®? , Em segundo Lugar, sé anacronicamente poderfamos classificar de ‘feminista' a defesa das mulheres , Diz Agustin Boyer sobre Alvaro de Luna: «En su defensa de la mujer, Luna se queda igualmente corto. Aunque su preocupacién se pod fuera un término anacrénico, ideologia estén bien enraizadas en la Luna, las mujeres no son més de culpar que los hombres, pues toda la generacién humana estd condenada a caer en la Jmperfeccidn desde su nacimiento; pero, aunque pueden alcancar grandes virtudes, no se debe negar ‘a exgelencia ¢ reuerengia que las mugeres deuen a los onbres, mayor mente a sus maridos'. Este mensaje central del catdlogo es consecuente en un tratado de educacién femenina compuesto por un hombre, Luna representa al sexo opuesto por medio de una serie limitada de estereotipos domésticos, serviles del status quo masculino.»?3 Além do mais, a ‘mulher’ que a ideologia literéria itua-se entre os extremos da virtude ou 4. Modelos e anti-modelos servem uma que, consequentement, se afasta da realidade ipos literdrios que muito mais 22CE Agunin Boye, op tp 261, 213 ¢ 287-288, 33 tide, p. 349. 348 este 0 sentido da questio que Charles V. Aubrun considers que se jeston, en apparence des plus tat log da sil: la feraneeselle ange ou ‘encourageant la polémigue, la Introdugtio Autores como Alvaro de Luna, situados entre uma cultura la e 0s alvores do espftito do Renascimento?®, foram determi construglo de imagens da mulher, espiritual ¢ moral que a miso; recusado*”, 1.2, Renovagéo do tema no século XVI. 0 século XVI, sob influéncia do pensamento humanista, vai continuar 0 debate em torn da figura feminina dando-Ihe um enquadramento ideolégico diferente, fruto de um novo contexto social, econémico e potitico™®, A mulher ¢ enquadrada, agora, no espago da pedagogia ‘matrimonial, Mather ¢ casamento slo temas que encontramos indissocidveis no século XVI, ainda que a estreitaligago entre 0s dois remomte ao pensamento eclesifstico medieval. E é, sobretudo, em fungéo da valorizagdo humanista do matriménio que deveremos entender as obras dma «Te modernan, in Las mujeres er las primordial no e de exraiar que se relajen valores tradi ‘a familia y det matrimonio, de ak que tds los humanists aborden estos temas.» 29 Iurodugtio moralistico-pedagogicas que, \s predominantemente a mulheres, sbundam na Penfnsula Tbérica neste século" Historicamente considerada, por outzo lado, a mulher adquire |, determinante para 0 seu ia modema*! - uma familia que za? A mul e, precisamente por rvém proporcionando ‘considerada 0 isso, a mora pedagogias que a auxiliem®, (Os autores destes tratados didécticos, inspirados pela ética cist, foram beber 8 antiguidade cléssica informagies e tépicos para a construcdo dos sentido, um tatado determinante para o ideal de vic ro Renascimento foi o Oeconomicus de Xenofonte", assente na forma como o marido deve relacionar-se com a mulher @ & repre Uilizamos edigio do Qeconomicus asian, Apology, Introdugio rmulber com 0 marido. Luis Vives, um dos humanist ‘mais adiante abordaremos, é um dos autores que mas 08 t6picos desta obra encont indireotamente,fazenco eco em toda a1n Segundo Xenofonte o marido deve assumir o papel de ceducador ¢ instrutor da mulher no governo da casa. Assim, 0S ‘erros que cla comete so também de sua responsal Esta € uma ideia fundamental em Xenofonte: a casa bean vcedida depende da convergencia do esforgos dos esposos'®. Convergéncia que passa pela distribuiczo de tarefas. Assim, 3s tacefas da esposa citcunserevem-se ao governo da casa, enguanto ‘compete o trabalho no campo*?. O casamento ura dois dom‘nios separados mas complementares, 0 ‘20 privado. O moralista considera que esta distribuicao se inscreve numa ordem natural € providencial que visa ‘compensar os €sposos tas suas deficiéncias'®, Deste modo, os principais atributos morais da mulher sfo a discrigdo e a cbedincia™®, Contola o quotiiano da case, como arainha das abelhas®, isto 6, criae educa os filhos, administra as finangas, ensina aos criados as suas tarefas,assiste-os na doenga, pune-os na indi 1 Assim, o moralista faz 349 A obra consistiré numa série de avisos ¢ conselhos que visam a manutengio da unigo conjugal, a Harmonia e paz familiares, Apontadas as adverténcias que visam a construgéo moral da perfeicz0 do lago conjugal, Andrada coclui com os scbens» que recebem os «perfeitos casados», a salvagao ¢ a felicidade: «O primeira, ¢ principal € uma esperanca bem fundada de sere inados, que é 0 remate das idade conjugal afirma: «O outro bem, que se a perfeita alegria com que sempre viver, com a tem comparapio nenkuma outra felicidade.»'51 Por dltimo, e uma vez. que Andrada concebe 0 casamento como unio indissohivel de vontades, € unio que se fundamenta no amor conjugal!®2, felicidade conjugal decome 48 pia Paiva de Andrada (CP, p. XXXID; «Or exemplos, ¢ antoridades, dderam 05 livros Gregos, queen revolvi néses powcas meses com z incia, por verse com ot secrras de erudigo alicia, dia suprir os dfeits da propria.» * cP, CP, pp. 'S2.C8.CP,p. 10 segs. Introdugio de «amarem-se 0s casados com tédas as forcas do sew coragiion'S, Em Andrada oncontramos plenamente desenvolvides € sistematizadas as ideas que a moralitia do séeulo XVI fe ‘A sua obra documenta a cont ‘de uma ideologia que D. Francisco Manuel de Melo adaptard as vivencias de um tempo aque, como sabemos, é de crise. 2. A Carta de Guia de Casados. Quando confrontada com a tradigdo peninsular de textos moralisticos sobre 0 ‘easemento, a Caria de Guia de Casados revela fortes afinidades ‘deoldgicas. A moral matrimonial de D. Francisco nfo foi, no fundamental, inovadora. Abordaremos aqui os aspectos fundamentais desta convergéncia de valores,!5# . Francisco concebia o casamento como unigo intima! 5 dos esposos, que deve conviver em concérdia, factor de que depende a paz da casa!%, No centro do conceito do matriménio temos, ento, um t6pico da tradigfo. A base desta unio € 0 companheirismo entre os esposos, que devem ajudar-se mutuamente no governo doméstico'7 espito de cooperago, que passa pela distribuigo trai tarefas, isto é, a mulher ocupando-se do governo domésti hhomem provendo 20 bem-estar da familia, deve fundar-se no afecto entre 0s cnjuges. 153 cp, p. 195. 184 Remetemos pora as notes de rodapé de comentério textal da nossa ida. Car pao ais wtp de ponent 153 cr, CGC, p. 109. Perguna a: «Se o easontenta € unio, de que serve iit?» 196 Dia D, Francisco, . aftrmar que assi como entre a cabera comvén que haja grande conformidade 7 também enite 0 senor da casa € of la convém que hajo conebrdia para que se passa vier com geato e quetagda.» 137 Gf, CGC, p. 129, Cudar das aifaias da casa eexcelente cuppa a do Sentara que dels trata, E a seu maridolowvarei mito que em tal ererteio ‘aude sempre.» IN, aue podenas unano 55 nrodugio D. Francisco insistiu, como Andrada, no intimismo emocional que deve unr 0s esposos, dando-Ihe uma énfase © ‘uma humanidade que nfo encontramos tHo claras nos seus antecessores moralists. Se, por exemplo, na Instruccién de la ‘mujer cristiana Vives bavia preceiuuado que a esposa deve apoiar 0 marido doente, D. Francisco actescenta a retibuico que 0 marido deve a esposa no caso de doenga desta: «Deve a ‘mulher, quando enferma, er tratada de seu marido com todo o regalo possivel, sofrida com toda a paciénci para que se bem sofra, que a abrigagto do ‘guardar companhia, tanto pelo mau como pelo bom caminho. Seas sortes se mudassem, da mesma maneira quizera o marido ser tratado, esofrido da mulher.»!38 Oafecto que deve unir os esposos ganba na Carta um relevo ‘e uma humanidade que em poucos dos textos até agora tratados ‘encontramos, Veja-se, por exemplo, a descrigdo da forma como ‘omarido deve rodear a mulher de afectos que a fagam esquecer 0 amor dos pais, Trata-se de uma descrigao de um realismo que ¢, jéncia em primeira mAo, Opina, entéo, sobre 0: cfedste afago também deve almente por obras epalavras.O vestdo quando ‘pede, 0 brinco que se nfo espera, a saida em que se nao tum nfo sair de casa ta tarde, wm recolher mats cedo Na se disser um levantar tarde Ba manhit ndo mentirei) {fardo logo chanissimo o caminko para aquele esquecimento ou desvio dos pais, quando ao marido the convenha.»'9 esposos deve ser de respeito mituo, néio sendo atitudes irasciveis ou violentas. Marido e mulher irvtos e deveresiguais nesta matéria pois «/gual afrona é sum casado saber-se que 0 manda sua mulher, ue saber-se & lade seu marido escraya.e no companteirar!® 56 ! | | | Introdugao tom com que na Carta se trata a matéria matrimonial dsta muito da tndigéo moralistica, sobretudo a partir de Trento, quando se passou a insistir com veeméncia na espiritualidade e santidade que envolve 0 lago conjugal. A Carta abre-se para a realidade humana no que tem de positivo e de negativo, eixando de lado a attude doutrindria para ser substituida pelo conselho pritico ¢ 0s avisos dies. HA que reconhecer, contudo, que D. Francisco nio s° afastou muito da ideologia matrimonial que 0 antecedeu, antes pelo contrio 2.1. 0 amor conjugal e os seus corolérios. ‘Vejamos como se pronunciaram 08 moralistas peninsulares sobre o amor conjugal partindo do desafio de D. Francisco: «Provemos a ver se seré possivel dar algna regra ao amor: ao ‘amor que soe ser a principal causa de fazer os casados mat ccasados. Das vezes porque falta e outras porque sobeja.»'6t ‘© amor conjugal situa-o num meio terme que garante a cestabilidade emocional do casal. Mais ainda, em D. Francisco temos uma moral do amor que, embora referindo trazer algumna novidade!©, o que faz € reiterar a tadigao que opie amor a paixto. Na Carta ‘Amor’ opbe-se a ‘Amores’. O primeiro tem por ‘causa a sua propria violEncia, o «desejo do apetiten, ¢ como ‘objecto algo que se desconhece, esgotando-se com a posse do ‘desejado. O segundo tem origem no convfvio, na familiaridade confianga entre os casados, e ao invés do primeiro, comega com a posse do desejado'®?, Apenas este pode fundamentar wm ‘casamento duradoaro ¢ seguro. ‘Andrada enunciara vinte anos antes, ¢ talvez com mais insisténcia do que qualquer outro dos moraistas que temos 95. 8, Diz D. Franciseo «De ta ee outa couse no fltam bons ¢ ‘mausexenples: ras ex, que sou mais amartelado da racto que do cazo, drei ‘algta novidade 0 que se me ofereces,teferindo-se n08 dois tpos de ‘amor que reconhece. 163 c¥. c6C,p. 98. 57 Intredugio vindo a refer, a importincia do amor conjugal na construgzo, daperieicao do casamento. A felicidade conjugal, a harmonia do casal, dependem do amor. No Casamento Perfeito, Andrada sub pardimetros, visando defi i © 0 defeito, em que entende consistir 0 amor gue conduz & felicidade e se mantém nos limites da virtude cris, Revela, nesta sistematizacdo, um trabalho conceptual mais apurado que Vives, Guevara ou Lujan, Protesta Andrada em relagdo falta de amor: «E assim como o amor entre éles faz esta perfeigto to realada, assim também. a falta dele faz uma imperfeigéo mui descomposta: porgue sem ‘amor nao hed paz gostosa, nem conformidade bem lograda.»'®4 Em contrapartida, diré quanto 20 excesso: «Mas pésto que 0 ‘nuito amor é to necessério, falta déle ro arriscada entre os ccasados, convém contudo, que no sefa éle com tanto excesso, ‘que exceda as leis de Deus, ¢ asda razdo: porque se o for, como ‘amor grande tem por oficio sransformar-se todo nos gostos, ¢ desejos da cousa amado, sem ter operapao certa, nem vontade répria, se qualquer détes se deixa levar de alguma paixdo mat ordenada, logo 0 outro se levard cia mesma, € de comum sentimento virto a dar em algum pecado, ou desconcérto aquéles mesmos coragdes, que Deus uniu em amor para se conformarem en: sew servigo, e a razdo em primor para conservarem o bom governo de sua fama. »'5 Para Andrada o «fim do amor verdadeiro hi-de ser Deus, ¢ a razdo»'® ¢ por isso o demarca Uo claramente do amor-paixio, que nao é «verdedeiro amor, sendo apetie, e a nossa natureza é Sempre inclinada a variedades, em muitos ndo durarde'6?, Vemos, entio, que se trata de um amor que se espiritualiza, conceito de uma obra que visa conduzir os «perfeitos casados» & salvagao, 58 Irtrodugdo Luis Vives, por sva vez, considerara que 9 amor une 20 nivel do humano 0 que Det to!8, pelo, que «debe haber una fuerte mezcla de culto, de reverencia, de ramientox'®9; Contudo, © como (0 interessou tanto a definigdo do amor, ‘mags as suas implicagbes quotidianas para a mulher easada. ‘Tho conceito de amor que Guevara permitica no casamento & mais humano: «Para que los casamientos sean perpetuos, sean amorosos y sean sabrosos, primero entre él y ella se han de caftudar los corazones, que no se tomer las manos.»17 ‘Ao que acrescenta, ainda, 0 seguinte aviso: «También los quiero avisar, que para que el amor sea fio, sea verdadero, y sea seguro, se ha de ir assentando en el covagon muy poco a ‘poco: porque de otra manera, por el camino que el amor vino corriendo le veran rornarse iuyendo.»"7 Encontramos este mesmo passo nos Coldquios matrimoniales de Lujén'72, Guevara entende 0 amor como umn sentimento humano. Em contrapastida, Fr. Luis de Leén associa 0 amor que une os casados a virtudes cists. O fundamento do amor conjugal ¢, para ele, a caridade € a vverdadel”3, nfo deixando de 0 caractetizar como um sentiment como es notorio, porque le principia la naturaleza, y le acrecienta la gracia, y le enciende la costumbre, y le enlazan estrechisimamente otras muckas objigaciones»™™, Este modo especifico de amor que @ moralistica constr6i éecorre da concepgao de matriménio que Ihe esta subjacentel, 4 Pp 24 S Diz. Asuncién Rallo Gruss (op. city p. 40): «¥ ast surge mo de fos principales mtv que explicit olcambio de siguicaa del matrbnonie: tse afiad de vlads se asemeja vite aun concepio de anor 59 Insrodugo 0 amor dos esposos, que motiva a unido ¢ a deve manter (porque s6 assim se consumam a harmonia e felicidade ), deve ser um amor que resista 20 tempo. A paixo é transit6ria, esgota-se em si mesma; 0 amor que nasce da convivéncia ¢ amizade, pelo contririo, € duradouro. Pot outro lado, ndo hi que confundi-to, tio-pouco, com 0 amor idealizado. £ neste sentido que se entende a critica que |, conduz muitas das vezes a0 tambéin ele vivamente desaconselbado ‘em Guevara e depois com maior veeméncia a partir de ‘Trento, O matriménio clandestino, motivado por um misto de valencia ev su puritan cstiana se habla indignado de que el Arte de amat Introdugto idealizagao e paixfo, nao pode duras, pelo que ameaga 0 principio da indissolubilidade. ‘B neste sentido que se entende também na Carta a critica aos livros de cavalarias, novelas ¢ comédias, outro do ‘onta a este propdsito uma experiéncia por que spanha, Numa estalagem onde procurava pousada, Sra as filhas recusam-se a atendé-lo porgue seguez, ftura de uma novela amorosa ¢ etal era a ameagando-as com que de seu exercicios. O resultado foi a fuga de ut ‘com seu mancebo do lugar, como boas aprendizes da doutrina, ‘que 120 bem estudarane'®, Q amor-paixdo excitzdo pela. ficgiio Iiterdria conduz a0 casamento clandestino que pode gerar confitos familiares que ameagam a ordem social, io, ainda, 0 amor de que falam os moralistas se na confianga entre os casados, Dai que nao poupem ‘eavisos & desconfianga que se gera quando existem cies, «aquéle infernal, e terrével monstro dos climes, como qual ndo pode haver alma q firme, nem amor verdadeir se ditige as casadas, fala da celoipia femenina, uma autentica doenga que afecta aquietude domestica e que pode chegar a um extremo que exija a intervengao médical’?, No De Officio Marit aborda 0s ctimes no homem, para concluir que «no veo yo para qué sirven sino es para que te arormentes ye metas por tu propria voluntad en ese infiernow'®3, Q cide, que to Introdugio aproveitado foi pelo teatro do siglo de oro'®4, encontrou na ‘Moralistica um opositor feroz, ParaD, Francisco o casamento 6 um espago enocional onde quem vive, ou vivem 186 Dar razOes para 1@ OU senti-lo, so ambas atitudes ‘condendveis e conduzem muitas das vezes a vinganga. Contudo, no deixa de distnguir 0 cidme da prudéncia e da Quinto ao 6d, €ntoervel: «0 dio comega a desagrado e por ali vai subindo até se fazer édio, que assaz de veces ‘achamos entre am erpétuo consércio que hav ersuadir a inimizade e perfiia, Dois outros tépicos reconrentes nestas obras séo fruto da centralidade que este conceito de amor conjugal, base da em segundo lugar, da reject do dote como motivo vAlido para 2 unio dos esposos, Como vimos em relagko 20s outros moral Inrodugtio assegurar a doutrina de que «as almas dos casados sito comtas»'®, D, Francisco retomou a maral da igualdade entre 080s, «E quando em tudo sejam iguais, essa é a suma ide do casamento»'™. Desta forma, resume: srangue, nas idades, na fazendo, causa contradigdo; a contradigdo, disc6rdia, Beis aqui os trabalhos por donde vém. Perde-se a paz e.avida € Inferno.» No estado, na riqueza ¢ na idade os esposos devem ser iguais. Contudo, esta igualdade nio & incom superioridade do marido em certos aspects! adequado talvez seja mesmo o de proporg ‘omarido deve serum pouco mais velho do que amulher!4, Para Andrada, a concérdia exige que 0s esposos no se superem um ao outro na na riqueza’®S, Para este moratista é sobretudo perigosa a vantagem da mulber nesta matéria, uma ‘vez que facilmente se ensoberbece, embora reconheca que hi excepgdes!%, Depois, necessério, sobretudo para que haja ‘amor, que os esposos sejam iguais na idade!®”, Esta adverténcia 6 to importante para os homens quanto para as mulheres: a vida, a honra © 2 consciéncia esto em perigo com a , Inedugio CConsideramos que o realismo da obra responde nao s6 a uma nova postura literéria mas também a uma Sociedade e cultura barrocas, sociedad e cult AA posigdo pedagégica e moralista de D. Francisco 6 @ do hhomem do barroco que, sedi herdeiro dos modelos ideo!6gicos renascentistas, 0 confronta com a realidade, Na Carta instala-se, assim, uma dialéctica entre a aspiragio e a cexpectativa morais ea realidade que procura reverse elas, No se trata de um espetio onde os casados se possam mirar com a tranquilidade ¢ confianga de um Casamento Perfeito, por im, mas no sentido que reflete 0 o, umm simbolo bem caro & casamento no € uma ee abstraciamente, mas enetrando no lar e explorande-o por ‘Na mesma linha segue Alexandre Introdugio ‘carga, como afirma, rejeitando o lugar comum da literatura ‘misogama. Mas ndo deixa de ser um caminho «medonho» por onde € necessario guiar os casados com avisos que previnam os escolhos que poderdo ameagar a «casa do descanso». 5 um caminho érduo ¢ contuso, que exige ‘io baseada em modelos 6,da vivencia do tempo de que se extraiu Tamenta: «Bem vejo eu gue se chegar a ser «obra» matrimonial factivel. Como as cartas de marear que pparecem o eruzamento confuso de tiscos e linhas (mas que na verdade . . a quatro prin segundo aspecto prende-se com esta simplicidade moral sobre que, segundo D. Francisco, se sustenta a Carta, O que 0 ar com isto é que a conduta dos deve reger por uma virtude que agrega todas as outras e que visa a manutencéo da estabilidade conjugal e a paz familiar: referimo-nos & prudéncia, A Carta pretende ser, antes de tudo, um manual de prudéncia, como de resto lemos no subtitulo da obra: «Para que pelo caminho da prudéncia se acerte com a casa do descanso», ‘A virtude da prudéncia destaca-se na moral barroca®6, que advoga o valor da mediania como bem necessério para a ‘conservagio do individuo e da sociedade numa realidade que € tida em crise, Segundo José Antonio Maravall, zo século XVI, t6pico e reformador2”, sucedeu o século XVII marcado pelo 205 cc, p. 190. 206 Cy, jasé Autéaio Marval op cit p. 141. 207 Cf, biden, p. 133. 67 Invodugto conservadorismo©8, Q Renascimento fora uma época de ‘crescimento, de expansio de aspiragbes®? suplantadas, também las, por uma visio pessimista do mundo ligada & experigncia do presente que ¢entendido como instal e proc, O odo nseguro¢ incerto, Consequentemente, ‘uma moral de acomods a Esta atitude pessimi Neste quadro de valores, da experiéncia subjective do mundo (uma experiéncia para que D. Francisco chama constantemente ‘a atengdo), uma experiéncia dolorosa, & possivel extrair que Ihe permite, por um lado, sobreviver e acomodar-se 20 mundo, ¢, por outro, intervir pedagogicamente junto dos outros ‘homens. E 0 que D. Francisco pretende com a Carta. Para hogar «casa do descanso», um ideal a que o espirito bumanista dew forma, b4 que andar Prudéncia»: a obra do nosso mot conhecimento necessério para que se matrimonial, ‘A terosia diferenga fundamental da Carta ce Guia de Casados em relaglo aos textos anteriores que aqui considerémos pprende-se com 0 facto de que o texto € dirigido a um homem atirios primeiros os homens casados. Neste ‘uma vez que, como tivemos Vives escreveu uma obra, 0 De aos maridos. Contudo, e. € 208 sbidem, pp. 268 esegs. 2 ce aiden, p 211 Cy ibidem, p. 325. 68 Introdugtio Guevara dedicara a sua ‘Letra a Mosén Puche, muito embora os destinatérios dos seus conselhos sejam marido ¢ mulher. Quanto ao Espelho de Casados eo Casamento Perfeito destinam-se a ambos os cOnjuges. ra € assumidamente um texto didéctico para os ima entre dois homens ¢ em que s avisos € conselhos préticos sobre o estado matrimonial, D. Francisco julgow mais necesséria a tipificago negativa da mulher, que nos importa destacar ¢ que a-Carta inflexto da moraistica peninsular, dominada p feminina, para a educagdo do marido, o que participagiio ¢ responsabilizacdo do homem n Note-se, contudo, que se trata fundamental questzo de @nfase, A Carta de Guia de Casados assenta numa concepeao patriarcal da sociedade e da familia, que separa claramente 0s espagos pablico e privado, como de resto 0 faz toda a moralistica peninsular do século XVI, Contudo, D. Francisco defende que o marido deve exercer uma su assidua e activa do governo doméstico, no que di ‘bumanistas como Luis Vives ou Fr. Luis de Le6n. Lisboa, Universidade Abert, 1992, p. 190. 69 Irodugho Se para Luis Vives o controle d i la moralidade doméstica Gepende da educagao da mulher pasa o estado matrimonial, que espera poder ajudar com a Jnstrucci6n, ta Cari domestica depend, em sitina istincia dy se nstincia, da. su iasclia, A dierenga nto pequna, pois, no fino, o qos {ems ¢ uma moral doméstica que depende fundamentaimente de uma instncia controladora ( nao da educagdo positive dy sposa), facto que a adequa FA necessidade de onservagdo, que vimos sera principal preocupagéo da Cara, 'Nto podernos deixar de constatar qu de leita da nsruectn dela mujer crstiana ou La perfectacasada os aa idea de mi aio coating na ago da exposa no espaga doméstcn "4a Carr prevalece a dea de que a vigitincin weil dey onstante, Fazendo depender dela a estabiidade conjugal femiliare, ema dltima instincia, socal, , 70 NOVA EDICAO DA CARTA DE GUIA DE CASADOS Para a nova edigio tomaremos como texto base a editio princeps d2 Carta de Guia de Cosados, Esta edigio data de 1651 © foi impressa por Paulo Craesbeeck. Nao se conhece mnus- Francisco de Melo, Em 1665, um ano antes da morte de D. Francisco, foi pu- blicada uma segunda edigdo. O impressor foi, desta vez, Ant6nio Craesbeeck, filho do primeiro, Como em relago & primeira edigdo ndo ha indicagao que D. Francisco tenha corri- ido o original de imprensa, De resto, esta segunda edigéo ¢ qualitativamente inferior & primeira, facto j4 apontadio por Edgar Prestage!. A qualidade do papel 6 inferior, 0 tipo de letra também, e veri forgo por reduzir ao maximo o nimero de paginas. Tal facto implica mesmo certas opgées curso a abreviaturas. A segund: do &xito da primeira, procu De qualquer forma a dedi a primeira edig ida a referéncia a Paulo Craesbeeck por Ant6nio Craesbeeck; 0 prélogo do impressor repete o da primeira edig&o, agora assinado por Ant6nio Craesbeeck, que acrescentou as Epandforas,editadas entretanto, 2 bibliografia do autor. A nova edigao que agora nos propomos efectuar, visard si- arse entre a edigdo diplomitica, de que é exemplo a edigdo de 18202, ¢ a edigo que actualiza o texto segundo regras moder- Francisco € a mesma "Ct D, Francisco Manuel de Melo, Carta de Guia de Casados, edigio sista po Edgar Prestage, Porto, Renaseeng’ Portuguesa, 1923, p28, ? Londres, Offcina deT. 8. Hansard, 1820,

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