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Hidrodinâmica

Apontamentos sobre Análise Dimensional


José Maria C. S. André

1 Introdução

A Análise Dimensional explora as consequências da homogeneidade dimensional


das equações fı́sicas, que se expressava na escola primária com máximas do ti-
po somar peras com peras; somar distâncias com distâncias; nunca peras com
distâncias . Em virtude desta propriedade estrutural das equações fı́sicas, uma
equação com n variáveis v1 , v2 , ... vn ,

f (v1 , v2 , ...vn ) = 0, (1)

pode ser reorganizada na forma

F (Π1 , Π2 , ...Πk ) = 0, (2)

em que as novas variáveis, Π1 , Π2 ... Πk , são grupos adimensionais constituı́dos


por combinação das n variáveis primitivas. A secção 10 explica a origem destes
grupos adimensionais, nas equações da Fı́sica.

2 O teorema de Buckingham

Embora a descoberta se atribua a outros, costuma dar-se o nome de E. Buck-


ingham a este teorema, em memória de um artigo que ele publicou em 1914:
é possı́vel reescrever as equações fı́sicas (1) na forma adimensional (2) com um
mı́nimo de k = n − p grupos adimensionais, em que p é o número de dimensões fı́-
sicas independentes contidas no conjunto das n variáveis primitivas. Buckingham
usou a letra grega Π para designar os grupos adimensionais e por isso o teorema
também é conhecido como o teorema dos Πs , que em inglês soa a teorema das
empadas .

3 Formação dos grupos adimensionais

Existem infinitas formas de construir os k grupos adimensionais necessários para


representar um problema fı́sico. Quaisquer combinações das variáveis primitivas
são possı́veis desde que:

1. o conjunto contenha k grupos Π;

1
2. cada grupo Π seja adimensional;
3. o conjunto dos Πs não deixe de fora nenhuma das variáveis primitivas;
4. os grupos Π sejam independentes uns dos outros.

A primeira propriedade é redundante, porque se deduz das outras (teorema de


Buckingham). A última condição é necessária para se verificar a primeira: se o
conjunto dos Πs incluı́sse grupos trivialmente dependentes, esse conjunto não se-
ria mı́nimo e, portanto, tinha de conter mais de k grupos adimensionais. Ou seja,
se um grupo Π se pode construir directamente a partir dos outros, por exemplo,
Π1 = v1 /v2 e Π2 = v2 /v1 , de modo que Π2 = Π−11 , um deles é redundante.

4 Dimensões fı́sicas independentes — sistemas de unidades

Quando as grandezas fı́sicas se definem a partir de outras, as respectivas unida-


des ficam dependentes. Por exemplo, a velocidade pode definir-se como sendo a
derivada da distância em ordem ao tempo. Então, a unidade de velocidade deve
ser igual ao quociente da unidade de comprimento pela unidade de tempo.
A definição de uma nova grandeza tem evidentemente uma motivação fı́sica, não
meramente convencional. Por exemplo, é em virtude da Lei de Newton que vale a
pena definir a massa de um corpo como quociente entre a força resultante aplica-
da sobre ele e a aceleração que ele adquire. Naturalmente, desta definição resulta
uma relação necessária entre as unidades de massa, de força e de aceleração.
Num sistema de unidades consistente, como é o caso do Sistema Internacional de
unidades, são escolhidas algumas unidades base, a partir das quais se constroem
coerentemente todas as outras. Por exemplo, é possı́vel escolher como dimensões
fı́sicas fundamentais da Mecânica o comprimento L, o tempo T , a massa M e a
temperatura Θ. De acordo com esta opção, a área terá dimensões L2 , a velocidade
terá dimensões L T −1 , a aceleração terá dimensões L T −2 , a força terá dimensões
M L T −2 , a pressão terá dimensões M L−1 T −2 , etc.
Outras escolhas seriam igualmente legı́timas, tais como escolher a força F , o
comprimento L, a velocidade V e a temperatura Θ como dimensões fı́sicas funda-
mentais. Nesse caso, o tempo teria dimensões L V −1 , a aceleração teria dimensões
V 2 L−1 , a massa teria dimensões F L V −2 , etc.
Há grandezas que podem ter unidades ou ser consideradas adimensionais, con-
soante se definam de um modo ou de outro. O exemplo mais conhecido são os
ângulos. É possı́vel medir os ângulos com um padrão angular, como o grau, mas
também é possı́vel definir os ângulos pelo comprimento do respectivo arco a di-
vidir pelo raio: ao medir o arco em raios (em radianos), os ângulos constituem
números adimensionais (razões de comprimentos). Por isso os sistemas modernos
não incluem uma unidade especı́fica para os ângulos.

2
As dimensões fı́sicas de uma variável indicam-se colocando a variável entre
parênteses rectos. Por exemplo, [v] = L T −1 lê-se: a dimensão fı́sica da veloci-
dade v é comprimento a dividir por tempo. Não se confunda a variável com a
dimensão fı́sica. Por exemplo, [d] = L e [λ] = L: a dimensão fı́sica do diâmetro
d é comprimento e a dimensão fı́sica do comprimento de onda λ é comprimento.

5 Como os grupos adimensionais surgem nas equações e


nas condições de fronteira

Quando se conhecem as equações que regem um determinado fenómeno, é possı́-


vel identificar os respectivos números adimensionais nas equações e isso projecta
uma nova luz sobre elas.
Na exposição anterior, consideraram-se principalmente problemas em que as va-
riáveis são números reais (um perı́odo, um comprimento, uma viscosidade, etc.),
mas muitas vezes, na Mecânica dos Fluidos, as variáveis são campos de proprie-
dades. Nesse caso, a adimensionalização implica escolher um valor particular da
propriedade e representar todo o campo nessa unidade de referência. Por exem-
plo, ao estudar o escoamento em torno de um avião, pode usar-se como referência
a velocidade da atmosfera não perturbada em relação ao avião e representar nes-
sa unidade todas as componentes da velocidade em todos os pontos. O campo
adimensional fica v (x ,t)/v, se designarmos a velocidade de referência por v. Em
inglês pode distinguir-se entre velocity (vector velocidade) e speed (módulo da
velocidade).
Para exemplificar, consideremos um escoamento incompressı́vel praticamente iso-
térmico. Esta última caracterı́stica significa que a viscosidade é constante (porque
a viscosidade depende sobretudo da temperatura e pouco da pressão). As equa-
ções deste escoamento são as equações de transporte de massa e de quantidade
de movimento:

 ∇· v = 0
(3)
 ρ ∂v + ρ v ·∇v = −∇p + µ ∇2 v + ρ g .
∂t
Escolhamos uma determinada velocidade v e comprimento `, juntamente com a
massa volúmica ρ, para adimensionalizar todas as respectivas grandezas. Indique-
mos as grandezas e operadores adimensionais com um asterisco. De momento,
deixemos de fora a viscosidade e, como a aceleração gravı́tica é constante, es-
creva-se g = g ∗ g, em que g ∗ é um versor vertical negativo e g o módulo da
aceleração gravı́tica. Assim, x = x ∗ `; v = v ∗ v; ρ = ρ∗ ρ; ∇· v = (∇· v )∗ (v/`),
∇v = (∇v )∗ (v/`) e v ·∇v = v ∗ ·(∇v )∗ (v 2 /`); ∇2 v = (∇2 v )∗ (v/`2 ). A escala de
pressão correspondente ao conjunto de dimensões fundamentaisescolhido é ρ v 2 ,
2

ρv
pelo que p = p∗ (ρ v 2 ) e o gradiente da pressão é ∇p = (∇p)∗ . A escala
`

3
de tempo é `/v, pelo que ∂v /∂t = (∂v /∂t)∗ (v 2 /`). Substituindo no sistema (3),
obtém-se

 (∇·v )∗ (v/`) = 0



 ∗ ∂v ∗ ρ v 2
     2
∗ ρv

∗ ∗
ρ + ρ v ·(∇v ) = (4)
 ∂t ` `
2
  
∗ ρv

+ µ(∇2 v )∗ (v/`2 ) + ρ∗ g ∗ (ρ g).


 = −(∇p)
`

Rearranjando, fica:


 (∇·v ) = 0

 ∗     (5)
∗ ∂v ∗ ∗ ∗ ∗ 1 2 ∗ 1
 ρ
 + ρ v ·(∇v ) = −(∇p) + (∇ v ) + ρ∗ g ∗
∂t Re Fr2
1 µ 1 g`
com= e 2 = 2.
Re ρv` Fr v
Re é conhecido como número de Reynolds, em homenagem a Osborne Reynolds,
e Fr como número de Froude (lê-se Frude ), em honra de William Froude.
A adimensionalização das equações fez emergir os grupos adimensionais como
factores que multiplicam determinados termos na equação (5). O factor Re−1
multiplica o termo viscoso e Fr−2 multiplica o termo gravı́tico. É por isso que,
para condições iniciais e condições de fronteira adimensionais semelhantes, a so-
lução do sistema adimensional (5) será exactamente a mesma se os Re e Fr de
um escoamento forem iguais aos Re e Fr de outro: as respectivas equações adi-
mensionais ficam iguais e portanto têm a mesma solução adimensional. Este é o
ponto de partida da teoria dos modelos.
Observando os termos afectados por cada grupo adimensional, tiram-se conclu-
sões interessantes acerca da função desses grupo. Por exemplo, se o número de
Reynolds for muito grande, como o termo viscoso é multiplicado por Re−1 , a
contribuição do termo viscoso para o escoamento será reduzida, em comparação
com a de outros termos, e eventualmente desprezável.
Se o escoamento for monofásico, a parcela hidrostática da pressão pode eliminar-
-se em (3), juntamente com o termo gravı́tico:

 ∇· v = 0
 ρ ∂v + ρ v ·∇v = −∇p̃ + µ ∇2 v .
∂t
em que p̃ designa o desvio da pressão relativamente à hidrostática local. Se não há
termo gravı́tico, apenas o número de Reynolds aparece na equação de transporte
de quantidade de movimento adimensionalizada:
 ∗  
∗ ∂v ∗ ∗ ∗ ∗ 1
ρ + ρ v ·(∇v ) = −(∇p̃) + (∇2 v )∗ .
∂t Re

4
Se o escoamento envolver mais do que uma fase, ou for compressı́vel, surgem
outros termos no sistema de equações (que incluirá equações de estado), e novos
grupos adimensionais, por exemplo o número de Mach. Noutras circunstâncias,
as condições de fronteira são variáveis com uma frequência f . Nesse caso, nas
condições de fronteira adimensionais aparecerá um número adimensional (f v/`),
associado às duas escalas de frequência f e (v/`).

6 Os grupos adimensionais como razões de escalas

Designam-se por escalas, ou valores caracterı́sticos, os valores de referência das


grandezas fı́sicas de um problema, porque servem para normalizar ou adimen-
sionalizar as grandezas fı́sicas homólogas. Por exemplo, podemos escolher um
diâmetro como referência dos comprimentos, o módulo da velocidade do escoa-
mento de aproximação como referência das velocidades, o módulo da tensão de
corte num determinado ponto da parede como referência das tensões, etc.
Os números adimensionais são razões de escalas e, muitas vezes, identificar
essas relações contribui para se compreender o seu significado fı́sico. Uma manei-
ra de identificar os números adimensionais que governam um problema fı́sico é
examinar as escalas independentes de cada grandeza. Por exemplo, se um proble-
ma tiver duas escalas de aceleração, haverá um número adimensional relacionado
com a razão entre elas. Por exemplo, o perı́odo de oscilação, τ , de um pêndu-
lo depende do seu comprimento, `, e obviamente da aceleração gravı́tica, g. O
comprimento do pêndulo e o perı́odo definem uma escala de aceleração (`/τ 2 ) e a
aceleração gravı́tica define outra. Em consequência, um grupo adimensional deste
problema é (`/τ 2 )/g. Por acaso, no limite das oscilações de pequena amplitude,
este grupo é o único, o que significa que é constante.
Sejam v, `, µ e ρ as escalas de velocidade, de comprimento, de viscosidade e de
massa volúmica de determinado escoamento. O produto (µ v/`) presta-se para
definir a escala de tensão viscosa num fluido newtoniano e (ρ v 2 ) serve como re-
ferência do caudal de quantidade de movimento por unidade de área. O número
ρ v2 ρv`
de Reynolds é a razão entre estas duas escalas de tensão, Re = =
µ v/` µ
e portanto tem a seguinte interpretação fı́sica: se for grande, a referência das
forças de inércia predomina sobre a referência das forças viscosas; se for pequeno,
as forças viscosas adquirem maior relevância relativa.
Não se pode confundir uma razão de escalas, que é um quociente entre valores de
referência, com um quociente universal entre todas as grandezas homólogas. Por
um lado, um escoamento não tem apenas velocidade num ponto, de modo que
a velocidade de referência, que aparece no número de Reynolds, não representa
todo o campo de velocidade do escoamento, nem o comprimento de referência
representa todas as distâncias no escoamento. Por outro lado, só por acaso o

5
módulo da tensão viscosa será, nalgum ponto, igual à tensão viscosa de referên-
cia, µ v/`, ou o módulo da força de inércia por unidade de área será, nalgum
ponto, igual à sua referência, ρ v 2 . A comparação dos números adimensionais só
interessa para comparar situações análogas: se dois escoamentos tiverem idêntica
geometria, e se os números de Reynolds forem calculados com base em valores
de referência equivalentes, as forças de inércia serão mais importantes naquele
escoamento que tiver um número de Reynolds mais alto. A comparação dos nú-
meros de Reynolds de dois escoamentos completamente diferentes, ou calculados
com base em escalas de referência não comparáveis, não permite tirar conclusões.

7 Alguns grupos adimensionais da Mecânica dos Fluidos

Entre outros, os seguintes números adimensionais são muito utilizados:

Número relaciona as escalas:


de Reynolds Re = ρ v `/µ de inércia e de tensões viscosas

de Froude Fr = v/ g ` de aceleração gravı́tica e de inércia
de Mach Ma = v/c de velocidade e de celeridade, c, do som
de Strouhal Str = f /(v/`) de frequência f e a escala geral de frequência
de pressão Cp = p/( 12 ρ v 2 ) de pressão estática (ou diferença de pressão)
e de pressão dinâmica
de atrito Cf = τ /( 12 ρ v 2 ) de tensão de corte τ e de pressão dinâmica
de resistência CD = D/(`2 12 ρ v 2 ) de resistência, D, e de pressão dinâmica vezes área
de sustentação CL = L/(`2 12 ρ v 2 ) de sustentação, L, e de pressão dinâmica vezes área
de momento CM = m/(`3 12 ρ v 2 ) de momento, m, e de pressão dinâmica vezes volume
de Weber We = ρ v 2 `/τs de inércia e de tensão superficial τs

No capı́tulo de perdas de carga encontram-se outros números adimensionais, tais


como um coeficiente de atrito diferente do referido acima, coeficientes de perda de
carga concentrada, rugosidade equivalente adimensional, etc. Em asas, é costume
usar o ângulo de ataque. Em turbomáquinas, há diversos números adimensionais,
relacionados com o caudal, com a altura de elevação ou a altura de queda, com a
potência, a cavitação, etc.
A escolha das dimensões de referência usadas nos grupos adimensionais é con-
vencional. Há algumas escolhas bastante previsı́veis, mas nem sempre é assim.
Por exemplo, para adimensionalizar a resistência de um avião, é razoável tomar
como referência a velocidade do avião em relação à atmosfera. No entanto, a
velocidade de referência num tubo tanto pode ser a velocidade média no tubo
como a velocidade máxima. Ao consultar resultados sob forma adimensional é
importante informar-se das escalas de referência utilizadas.

6
7.1 Nomenclatura mais frequente para forças e momentos

Em geral, a força exercida pelo fluido sobre um corpo tem componentes em todas
as direcções do espaço. A componente alinhada com o escoamento de aproxima-
ção (cf. Figura 1) chama-se resistência (em inglês, drag force, D), as componentes
ortogonais denominam-se componente de sustentação (em inglês, lift force, L) e
componente lateral. Quando o corpo se comporta como uma asa, a componen-
te ortogonal ao escoamento e ortogonal ao eixo da asa continua a chamar-se
sustentação, mesmo que não seja uma componente vertical (por exemplo, no
exercı́cio 24).

Figura 1: Resistência (drag) é a componente da força alinhada com o escoamento de


aproximação, sustentação (lift) é uma componente ortogonal a esse escoamento. O
ângulo α chama-se ângulo de ataque.

Não se confunda a componente de sustentação de um corpo com a componen-


te perpendicular à direcção predominante desse corpo. Por exemplo, as direcções
y e x da Figura 1 não são as direcções da sustentação e da resistência.
A força de sustentação L e a força de resistência D de um corpo sujeito a um
escoamento exterior uniforme dependem da velocidade v desse escoamento, da
massa volúmica e da viscosidade do fluido ρ e ν, do comprimento de referência
do corpo ` e ainda do ângulo de incidência (ângulo de ataque, α). Analogamente
aos coeficientes de força, também se definem coeficientes de momento de força.
Um dos pontos geométricos notáveis da secção de uma asa é o centro do perfil;
utilizaremos a notação CMC para indicar o momento em relação ao centro.
No caso de veı́culos terrestres e de muito outros objectos, é costume definir
os coeficientes de força em relação à área frontal A; no caso de asas, a área da
projecção frontal é quase nula e varia com o ângulo de ataque, pelo que se prefere
usar como referência a área da asa em planta. Na definição do coeficiente de
momento de asas, em que intervém um comprimento ao cubo, é costume usar a
área de referência e a corda c (distância em linha recta entre o bordo de ataque

7
e o bordo de fuga). Assim, fica:

CL = f (Re, α), CD = f (Re, α), e CMC = f (Re, α),


L D m cv
com CL = 1 , CD = 1 , CMC = 1 e Re = . (6)
2
ρ v2 A 2
ρ v2 A c ρ v2 A
2
ν
Nota: nas expressões (6), c designa a corda do perfil, não a velocidade do som.
Tal como os valores de uma propriedade fazem pouco sentido se não se conhe-
cerem as unidades em que estão expressos, ao interpretar grupos adimensionais
é preciso verificar as grandezas de referência que se utilizaram em cada caso.

8 O número de Reynolds

O número de Reynolds é a razão entre a referência do caudal de quantidade de


movimento por unidade de área e a referência da tensão viscosa, portanto o nú-
mero de Reynolds expressa uma proporção entre efeitos convectivos e difusivos e
é uma medida da estabilidade do escoamento. O número de Reynolds é um dos
grupos adimensionais mais importantes da Mecânica dos Fluidos.

8.1 O número de Reynolds como critério de estabilidade

A convecção instabiliza o escoamento, a difusão promove a estabilidade, como se


exemplifica na Figura 2 com uma perturbação local num escoamento uniforme.
Na situação limite em que só há convecção, a equação de Bernoulli relaciona di-
rectamente velocidades e pressões ao longo de uma linha de corrente. Assim, a
perturbação que alarga o tubo de corrente em A e o contrai em B (Figura 2-a)
aumenta a pressão em A e redu-la em B. Esta diferença de pressão desloca ainda
mais a superfı́cie de corrente perturbada no sentido de A para B, amplificando o
desvio inicial.

Figura 2: À esquerda, a convecção amplifica uma perturbação; à direita, as tensões


viscosas difundem as perturbações.

Comparemos com a Figura 2-b, que representa o perfil da componente longi-


tudinal da velocidade num escoamento em que os termos viscosos predominam.
A resultante das tensões viscosas em cada ponto é oposta à segunda derivada da

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velocidade e portanto tende a uniformizar a velocidade e a difundir a perturba-
ção. A linha a traço interrompido representa o perfil de velocidade uns instantes
depois da perturbação.
A sensibilidade às perturbações depende do balanço entre efeitos convectivos
(instabilizadores) e efeitos viscosos (estabilizadores). A baixos números de Rey-
nolds, as perturbações difundem-se (Figura 2-b), a Reynolds elevados o escoamen-
to auto-amplifica as perturbações(Figura 2-a), que degeneram numa turbulência
persistente, alimentada pelo próprio escoamento.
A Figura 3 evoca um exemplo deste tipo de transição. Uma pluma térmica
acelera verticalmente em virtude da diferença de densidade: enquanto o número
de Reynolds é baixo, a pluma mantém-se estável; até que, a determinado número
de Reynolds, as mesmas perturbações atmosféricas que antes eram atenuadas,
desencadeiam perturbações crescentes que alargam dezenas de vezes o diâmetro
médio da pluma.

Figura 3: O cowboy Lucky Luke do ponto de vista da Mecânica dos Fluidos: à esquerda,
o Lucky Luke original ilustrando o número de Reynolds; à direita, a nova versão,
politicamente correcta, mas sem valor cientı́fico.

8.2 Coeficientes de pressão para Reynolds elevados

A maior parte dos escoamentos de engenharia processam-se a números de Rey-


nolds elevados. A viscosidade cinemática dos fluidos costuma ser tão baixa
(10−5 ∼ 10−6 m2 /s) que, qualquer que seja o comprimento caracterı́stico que
se utilize na definição do número de Reynolds, o seu valor se situa habitualmen-
te na gama dos muitos milhares ou até dos milhões. O número de Reynolds é
baixo, menor que 100, quando as dimensões são realmente muito pequenas (grão
de poeira, diâmetro interno de uma agulha hipodérmica), ou a velocidade muito
baixa, ou a viscosidade do fluido invulgarmente grande (mel, óleo muito viscoso).
O facto de o número de Reynolds ser grande justifica que, em muitos casos:

1. a equação de Bernoulli se aplique em extensas regiões do escoamento;


2. as linhas de corrente

9
(a) sigam aproximadamente a forma do corpo
(b) ou se distanciem dele, por existirem tensões viscosas, mas de uma for-
ma que é independente do valor concreto dessas tensões viscosas;

3. finalmente, como o número de Reynolds é a razão entre a pressão dinâmi-


ca de referência e a tensão viscosa de referência, um número de Reynolds
elevado indica que, em geral, as diferenças de pressão são maiores que as
tensões viscosas.

O mecanismo pelo qual as tensões viscosas podem dar origem a zonas de es-
coamento separado do corpo (zonas em que as linhas de corrente não seguem
aproximadamente o corpo) será compreendido mais tarde, ao estudar o capı́tulo
de camada limite. De momento, limitamo-nos a constatar essas separações e a
notar que, sobretudo no caso de corpos não fuselados ou pouco fuselados, é nor-
mal que o padrão das linhas de corrente seja análogo ao da Figura 4. À frente, o
escoamento acompanha a forma do corpo, pelo menos na vizinhança do ponto de
estagnação; à rectaguarda, o escoamento principal segue em frente, contornan-
do a zona de escoamento separado, altamente turbulenta. Quando há esquinas
convexas, como é o caso da aresta posterior do tejadilho do carro da Figura 4,
as separações dão-se aı́, segundo a tangente à superfı́cie sólida. Deste modo, é a
geometria do corpo que define fundamentalmente a altura da zona de escoamento
separado, independentemente da magnitude das tensões viscosas.
Ao separar-se, o escoamento exterior segue em frente, com linhas de corrente
aproximadamente paralelas e com pequena curvatura, pelo que, nessa zona, a
pressão estática é aproximadamente uniforme. Uma simples inspecção qualitati-
va das linhas de corrente mostra que o escoamento exterior está acelerado nessa
zona, em relação ao escoamento de aproximação. Portanto tem uma pressão mais
baixa (a equação de Bernoulli aplica-se ao escoamento exterior). A pressão na
zona de escoamento separado costuma ser aproximadamente uniforme, imposta
pelo escoamento exterior que a rodeia. Em consequência, toda a zona separada,
nomeadamente a face posterior do corpo, tem uma pressão aproximadamente
uniforme. Este patamar de pressão, muito comum na face posterior dos corpos,
denomina-se pressão de base.

Figura 4: Esquema das linhas de corrente em torno de um automóvel ligeiro, com um


número de Reynolds elevado.

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Figura 5: Esquema da distribuição de pressão em torno de um corpo não-fuselado a
elevado número de Reynolds. O patamar pD pE é a pressão de base.

A Figura 5 concretiza esquematicamente esta configuração tı́pica do escoa-


mento principal em torno de um corpo, relacionando-a com a distribuição su-
perficial de pressão. No ponto A, muito antes do corpo, o desvio em relação à
pressão hidrostática é nulo. No ponto de estagnação, B, a pressão é máxima; jun-
to à esquina C o escoamento acelera e a pressão é mı́nima; entre C e D a pressão
varia pouco; perto de D, por vezes os tubos de corrente começam por alargar, o
que produz um ligeiro aumento de pressão; mas o escoamento principal separa-
-se logo a seguir; a partir daı́, a velocidade do escoamento principal mantém-se
aproximadamente, impondo uma pressão baixa, aproximadamente uniforme, em
toda a região subjacente. A resistência de pressão resulta de que a pressão média
na face anterior (BC) é maior que a pressão de base (DE).

Figura 6: Esquema das linhas de corrente no plano de simetria em torno de uma casa
simples, com indicação do coeficiente de pressão sobre as paredes Cp = p̃/( 12 ρ v∞
2 ),

a número de Reynolds elevado. A largura da planta `y é 4 vezes a profundidade `x .


(Adaptada de Hörner, p. 4.2)

A Figura 6 ilustra a forma do escoamento em torno de uma casa, no plano


vertical de simetria, e a distribuição adimensional de pressão sobre a superfı́cie.
A números de Reynolds elevados, a pressão depende sobretudo do escoamento
principal, que contorna um volume constituı́do pelo corpo sólido mais as regiões
de escoamento separado. Quando o corpo tem arestas, como é o caso, a superfı́cie
envolvente das zonas de escoamento separado é determinada pelas arestas e pela
tangente à superfı́cie sólida antes das arestas. Como se pode observar, na facha-
da de sotavento (lado oposto ao vento) a pressão de base é aproximadamente

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uniforme Cp = −0,6 e bastante mais baixa que na fachada de barlavento.
Em superfı́cies curvas, sem arestas que fixem o ponto de separação, este po-
de deslocar-se com o número de Reynolds. Os exemplos paradigmáticos são o
cilindro com a geratriz ortogonal ao escoamento e a esfera. Num cilindro, se
a superfı́cie for lisa, verifica-se uma mudança de comportamento por volta de
Re = 5 × 105 . O fenómeno explica-se no capı́tulo relativo às camadas limites,
agora basta referir que para Re < 2 × 105 o escoamento sobre a superfı́cie é lami-
nar, a separação ocorre mais cedo e a esteira fica mais larga; para Re > 5 × 105 o
escoamento é turbulento, a separação ocorre já na superfı́cie posterior, de forma
que a largura da esteira é mais pequena, como se mostra esquematicamente na
parte esquerda da Figura 7.

Figura 7: À esquerda, esteira média de cilindros circulares de comprimento infinito e


superfı́cie hidrodinamicamente lisa, em função do número de Reynolds. Para esferas, à
direita, os escoamentos sub-crı́ticos e super-crı́ticos são qualitativamente idênticos.

As Figuras 8 e 9 representam a distribuição de pressão adimensionalizada,


Cp = p̃/( 12 ρ v∞
2
), do escoamento em torno de um cilindro e de uma esfera. Em
ambos os casos, o escoamento incidente é uniforme.
Em ambas figuras, as linhas a traço-ponto representam a solução analı́tica pa-
ra escoamento incompressı́vel de fluido invı́scido. Nestas condições, o problema
só tem dois números adimensionais: Cp e uma coordenada angular, θ ou ϕ:

Para o cilindro: Cp = 1 − 4 sin2 (θ)


para a esfera: Cp = 1 − 12 sin2 (ϕ)

A equação de Bernoulli é válida no caso de escoamento invı́scido, pelo que a distri-


buição de pressão tem directa relação com o campo de velocidade. Por exemplo,
o cilindro apresenta uma pressão mı́nima (Cp = −3) inferior à esfera (Cp = −5/4)
porque o cilindro acelera mais o escoamento, porque obriga todo o fluido a passar
por cima ou por baixo, enquanto o escoamento em torno da esfera pode passar
também pelos lados. Em escoamento incompressı́vel invı́scido, os campos de ve-
locidade anterior e posterior são simétricos e por isso as distribuições superficiais
de pressão também são simétricas. Tal se deve à perfeita conversão de energia

12
Figura 8: Coeficiente de pressão Cp em função da coordenada angular, ao longo da
superfı́cie de um cilindro, para vários números de Reynolds baseado no respectivo
diâmetro, Re = v∞ d/ν. Figura baseada em Hörner, p. 3.3.

cinética em energia de pressão e vice-versa: no ponto de estagnação a energia


cinética converte-se em pressão; em θ = 90◦ , ou ϕ = 90◦ , atinge-se o máximo da
energia cinética e o mı́nimo da pressão; para ângulos maiores a energia cinética
converte-se novamente em pressão, até atingir outra vez o máximo no ponto de
estagnação posterior, θ = 180◦ ou ϕ = 180◦ .
Quando há efeitos viscosos, nota-se imediatamente a perda de simetria ante-
rior-posterior: depois de acelerar até cerca de 90◦ (a pressão diminui), o fluido
não recupera a pressão inicial. Os escoamentos de fluido viscoso só são idênticos
aos de fluido invı́scido na vizinhança do ponto de estagnação (θ = 0 e ϕ = 0),
onde a velocidade é baixa e a viscosidade se faz sentir menos.
Nas Figuras 8 e 9, distinguem-se bem dois tipos de escoamento real, assina-
lados com diversos sı́mbolos. O regime de números de Reynolds sub-crı́ticos, em
que a camada limite é laminar e o regime super-crı́tico, em que a camada limite
é turbulenta.
No cilindro, verifica-se que a separação se dá aproximadamente a θ = 82◦
para números de Reynolds sub-crı́ticos e por volta de θ = 110◦ para números
de Reynolds super-crı́ticos, como se representou na Figura 7. Como as distribui-
ções de pressão dependem sobretudo do escoamento principal, no qual se verifica
a equação de Bernoulli, a forma média da esteira tem relação directa com as
pressão na superfı́cie e explica os patamares de pressão da Figura 8, a partir de
θ = 85◦ ou θ = 120◦ , conforme o escoamento é sub-crı́tico ou super-crı́tico. A
esteira também explica o desvio da pressão, a seguir ao ponto de estagnação. se
não houvesse esteira, o fluido contornava apenas o corpo sólido, mas havendo
separação o escoamento principal contorna um volume maior, que engloba a zona

13
Figura 9: Coeficientes de pressão Cp em função da coordenada angular, ao longo
da superfı́cie de uma esfera, para vários números de Reynolds baseado no respectivo
diâmetro, Re = v∞ d/ν. Figura baseada em Hörner, p. 3.7.

de escoamento separado. Assim, um ângulo θ medido sobre a superfı́cie do cilin-


dro sólido corresponde a um ângulo mais pequeno do volume maior, que inclui a
zona de escoamento separado — portanto, embora perto do ponto de estagnação
as tensões viscosas não afectem directamente o campo de pressão, a esteira altera
a geometria do escoamento principal e influencia a distribuição de pressão.
Na esfera, a separação ocorre a cerca de ϕ = 75◦ para números de Reynolds
sub-crı́ticos e a cerca de ϕ = 145◦ para números de Reynolds super-crı́ticos. As
distribuições de pressão estão directamente relacionadas com a forma média da
esteira, tal como nos cilindros.

8.3 Coeficientes de força para Reynolds elevados

A diferença de pressão entre a face anterior e a face posterior do corpo contribui


sobretudo para a componente de resistência, a diferença entre a parte de baixo e
a parte de cima é principalmente responsáveis pela componente de sustentação,
que pode ser positiva ou negativa, e a diferença de pressão entre um lado e o outro
do corpo origina a componente lateral da força. Também a resultante das tensões
viscosas pode ter componentes de resistência, de sustentação e uma componente
lateral, mas habitualmente, as diferenças de pressão são mais importantes que as
tensões viscosas.
Quando o número de Reynolds é grande, em geral a forma das linhas de corren-
te do escoamento principal e a distribuição adimensional de pressão não sofrem
alteração com o número de Reynolds. Como em muitos casos a resistência de
pressão é maior que a devida às tensões viscosas, a força adimensional aplicada
sobre o corpo tende para uma constante, independente do número de Reynolds.

14
A Figura 10 representa o coeficiente de resistência de um automóvel tı́pico,
medido na estrada e em escala reduzida em túnel aerodinâmico. Alguns porme-
nores são difı́ceis de reproduzir no modelo (como o movimento relativo do chão e
das rodas em relação ao automóvel) e em estrada é difı́cil asseguar uma velocidade
do vento constante relativamente ao veı́culo. Portanto, ambas as medições têm
incertezas associadas. Apesar disso, os resultados são consistentes e os desvios
estão dentro da incerteza das medições. Para Re > 3 ∼ 4 × 106 não há influência
do número de Reynolds, pelo menos dentro da imprecisão própria destes ensaios.
Abaixo de 3 ∼ 4 × 106 , o número de Reynolds é importante.

Figura 10: Coeficiente de resistência CD de um veı́culo tı́pico, baseado na área frontal


em função do número de Reynolds baseado no comprimento, Re = v∞ `/ν, com vento
incidente de frente, perfeitamente alinhado com o carro. Figura adaptada de Hucho,
p. 687.

A tabela seguinte, baseada em informação recolhida por Hörner, pp. 3.17;


6.20; 7.20; 8.5, apresenta alguns exemplos de CD para Re elevados. Em geral, o
número de Reynolds já é muito elevado para Re > 5 × 105 .

15
Tipo de geometria CD no limite de Re→ ∞
esfera 0,47
semi-esfera fechada 0,42
calote semi-esférica 0,38
cone aberto, 60◦ 0,50
cubo de frente 1,05
cubo em diagonal 0,80
cilindro comprido 0,82
cilindro curto 1,15
corpo fuselado 0,02
idem assente no chão 0,04

Como se disse, as linhas de corrente limites tendem a separar-se da superfı́cie


do corpo na direcção da tangente, o que determina a altura média da zona de
escoamento separado e, indirectamente, a resistência de pressão. A Figura 11
ilustra esquematicamente as linhas de corrente do escoamento principal em torno
de três corpos com a mesma altura na direcção transversal ao escoamento. De
acordo com a dimensão da esteira que produzem, os coeficientes de resistência
estão na seguinte sequência: CDA < CDB < CDC .

Figura 11: A forma dos corpos e o seu coeficiente de resistência: os corpos mais
fuselados têm um CD menor porque a sua esteira é comparativamente mais pequena.

A Figura 12-a compara a esteira produzida por uma hemisfera sólida com a
de uma calote hemisférica em que os vórtices porteriores se encaixam parcialmen-
te na cavidade. A diferença de altura da esteira explica a diferença de CD . A
Figura 12-b mostra que num cilindro curto a separação se dá tangencialmente à
base frontal, enquanto que num cilindro longo essa primeira separação recola, de
modo que a separação à retaguarda se dá tangencialmente à superfı́cie lateral.
A dimensão relativa das esteiras determina a diferença dos CD . A Figura 12-c
compara a separação num cubo virado de frente para o escoamento com a de um
cubo orientado a 45◦ . Neste último caso, a separação dá-se a um ângulo menor,
a esteira é mais pequena e correspondentemente o CD .

Nota sobre números de Reynolds muito baixos (Red < 10):


No limite em que o número de Reynolds é tão pequeno que a difusão domina o escoamento e se

16
Figura 12: Forma esquemática da esteira média de (a) uma hemisfera e de uma calote
esférica; de (b) um cilindro curto e um cilindro longo; e de (c) um cubo de frente para
o escoamento ou virado a 45◦ .

podem desprezar os termos convectivos na equação do movimento, obtêm-se algumas soluções


analı́ticas interessantes, aplicáveis a poeiras e outros corpos muito pequenos. O coeficiente de
resistência para um cilindro de secção elı́ptica (de altura h e eixo paralelo ao escoamento c),
com o eixo ortogonal ao escoamento, é
c+h
8 π/Re1 v∞ h v∞
CD = , com Re1 = e Re2 = 2 .
c 3 ν ν
+ − ln(Re2 )
c+h 2
Para o cilindro circular, cujos eixos são iguais ao diâmetro, c = h = d, a expressão simplifica-se:

8 π/Red v∞ d
CD = , com Red = (cf. Figura 13 para Red < 10).
2 − ln(Red ) ν

Na gama de baixos números de Reynolds o coeficiente de resistência da esfera é

CD = 24/Red (cf. Figura 14 para Red < 5).

Se achatarmos a esfera e a transformarmos num disco de frente para o escoamento, o coeficiente


de resistência na gama de baixos números de Reynolds baixa para

CD = 20,37/Red .

As considerações que se fizeram atrás, acerca de zonas de escoamento separado para números
de Reynolds elevados, não se aplicam a baixos números de Reynolds como se vê nos esquemas
acimas. Além disso, em geral, para pequenos números de Reynolds a resistência viscosa é maior
que a resistência de pressão. Por exemplo, a resistência de pressão da esfera é 1/3 e a resistência
viscosa é 2/3 da resistência total. É por isso que o disco tem uma resistência total menor que a
esfera, porque, embora tenha uma resistência de pressão um pouco maior, não tem resistência
viscosa. Nesta gama de pequenos números de Reynolds a difusão viscosa é tão forte que a
equação de Bernoulli não se aplica em nenhum sı́tio, nem sequer antes do ponto de estagnação.
Por isso a pressão de estagnação ultrapassa o valor previsto pela equação de Bernoulli e atinge
aproximadamente Cp max = 1 + 6/Red .
Os CD relativos a números de Reynolds tão baixos são úteis para compreender os mecanis-
mos de deposição e assoreamento de areias.

17
Figura 13: Coeficiente de resistência CD de cilindros circulares de comprimento infinito
e superfı́cie hidrodinamicamente lisa, em função do número de Reynolds baseado no
diâmetro, Re = v∞ d/ν. Figura baseada em Hörner, p. 3.9.

Figura 14: Coeficiente de resistência CD de esferas hidrodinamicamente lisas, em


função do número de Reynolds baseado no diâmetro, Re = v∞ d/ν. Figura baseada em
Hörner, p. 3.8.

18
Tal como acontece com o coeficiente de resistência, o coeficiente de susten-
tação e o coeficiente de momento tendem para um valor limite à medida que o
número de Reynolds aumenta e, em muitos problemas de engenharia, pode-se
ignorar a dependência desses coeficientes adimensionais em relação ao número de
Reynolds.
A Figura 15 representa os coeficientes CL , CD e CMC em função do ângulo de
ataque α, para vários valores do número Reynolds. Para os números de Reynolds
representados, verifica-se que acima de 104 o número de Reynolds não influencia
CMC nem CL na gama de pequenos ângulos de ataque. As curvas de CD são
diferentes para Re = 5,8 × 103 mas, para Reynolds superiores só há alguma di-
ferença para CL elevados. Mesmo a ângulos de ataque de ±18◦ , as curvas de CL
e de CD são quase iguais para 5,8 × 105 e 2,9 × 106 , indicando que a variação do
número de Reynolds quase não tem influência. Para Reynolds ainda maiores, é
de esperar que as curvas de CL e de CD sejam iguais às que foram medidas para
Re = 2,9 × 106 .

Figura 15: Coeficientes de sustentação CL , de resistência CD e de momento de pi-


cada en torno do centro do perfil CMC para asas de envergadura infinita com perfil
NACA 2418, em função do ângulo de ataque, para vários números de Reynolds base-
ados na corda da asa, Re = v∞ c/ν. (Figura adaptada de Abbott & von Dönhoff
pp. 491 e 492).

A placa plana, sem espessura, alinhada com o escoamento é o caso extremo


de um corpo cuja resistência se deve apenas a tensões viscosas. Como seria de

19
esperar, o CD varia com o número de Reynolds e com a rugosidade média ε da
superfı́cie. Em rigor, um detalhe de rugosidade pertence à geometria do corpo
mas, tratando-se de muitas rugosidades pequenas em relação à escala global do
escoamento, o que conta é o seu efeito global, representado pela altura média da
rugosidade. Aparece assim o número adimensional de rugosidade ε/`. A resis-
tência viscosa é um tema central do capı́tulo de camada limite, mas é apropriado
referi-la aqui, porque é um exemplo importante de correlação adimensional.
Para escoamento laminar, Re < 3 × 105 ∼ 106 , Blasius obteve uma solução
analı́tica para o coeficiente de resistência de uma placa plana alinhada com o
escoamento. Para regime turbulento, Re > 3×105 ∼ 106 , dispomos apenas de
correlações experimentais. Para placas lisas, as mais utilizadas são a de Schönherr
(conhecida na engenharia naval como função A.T.T.C., American Towing Tank
Conference) a do I.T.T.C., International Towing Tank Conference e a de Hughes.
No capı́tulo de camada limite deduziremos uma outra expressão, adequada até
Re < 108 . Para recordar que a resistência de atrito se deve apenas a tensões de
corte indicamo-la como CDτ :

regime laminar −1/2


Blasius: CDτ = 2,656 Re`
Re < 3×105 ∼ 106

0,0586
Schönherr: CDτ =  2
log10 (Re` CDτ ) (7)
regime turbulento
0,075
Re > 3×105 ∼ 106 I.T.T.C.: CDτ =  2
log10 (Re` ) − 2
(para placas lisas)
0,066
Hughes: CDτ =  2
log10 (Re` ) − 2,03

Repare-se que as expressões (7) para regime turbulento utilizam o logaritmo


de base 10. O número de Reynolds Re` baseia-se no comprimento da placa, me-
dido desde o bordo de ataque. O ajuste de Schönherr é provavelmente o mais
preciso (cf. Figura 16, adaptada de Hörner, p. 2-6). A vantagem das expres-
sões alternativas é serem explı́citas em CDτ ao passo que a de Schönherr tem de
ser resolvida iterativamente. A Figura 16 inclui alguns ensaios em que a tur-
bulência foi induzida artificialmente, por meio de elementos de rugosidade, para
conseguir regime turbulento abaixo da gama de números de Reynolds a que ele
normalmente ocorreria. A Figura 17 compara as várias expressões 7.

20
Figura 16: Coeficiente de resistência CD de placas planas lisas alinhadas com o esco-
amento, em função do número de Reynolds baseado na distância ao bordo de ataque,
Re` = v∞ x/ν. Figura baseada em Hörner, p. 2.6.

Figura 17: Coeficiente de resistência CD de placas planas lisas alinhadas com o esco-
amento, em função do número de Reynolds baseado na distância ao bordo de ataque.
As curvas de Schönherr e do I.T.T.C sobrepõem-se praticamente, para esta escala e
−1/5
espessura do traço. A aproximação CD = 0,0726 Re` , válida para Re` < 108 , será
derivada no capı́tulo de camada limite.

21
8.4 Escoamentos com perı́odo caracterı́stico

Muitos dos escoamentos referidos nas últimas páginas são não-estacionários. Ge-
ralmente, as variações do campo de velocidade e do campo de pressão apresentam
um espectro muito amplo de frequências, que se enquadra no conceito de turbu-
lência, mas em bastantes casos, além dessas variações aleatórias, identifica-se
uma cadência perı́odica pronunciada, com o escoamento a oscilar pendularmente
entre duas configurações extremas. Um exemplo comum é a estrada de von Kár-
mán, na esteira de muitos corpos (o nome recorda Theodore von Kármán, um
dos que investigaram este tema). Se o número de Reynolds for muitı́ssimo baixo
(Re < 3 ∼ 5, Figura 18-a), a difusão predomina de tal maneira que o escoamento
contorna o corpo de forma quase simétrica. A números de Reynolds superiores,
formam-se dois grandes vórtices contra-rotativos, que só são estáveis até cerca
de Re < 90 (Figura 18-b). A partir daı́, os dois vórtices ficam assimétricos e o
escoamento global também perde a simetria. A assimetria promove o crescimento
do vórtice maior à custa do mais pequeno (Figura 18-c) até ao limite em que o
vórtice atinge o tamanho aproximado do corpo e é arrastado pelo escoamento
principal, deixando o espaço livre ao vórtice oposto, que começa a crescer. Re-
pete-se assim a sequência, alternadamente, dando origem a uma estrada de von
Kármán, constituı́da por vórtices contra-rotativos igualmente espaçados (Figura
18-c), convectados à velocidade do escoamento principal.

Figura 18: Esteira de um cilindro a vários números de Reynolds. À direita, esquema


da dinâmica da libertação alternada de vórtices em estrada de von Kármán.

Esta dinâmica — a taxa de crescimento dos vórtices e a cadência a que eles


se libertam — depende do jogo entre convecção e difusão. Portanto, a frequên-
cia adimensional de libertação dos vórtices (número de Strouhal) é função do

22
número de Reynolds. A Figura 19 ilustra a evolução do número de Strouhal
na gama subcrı́tica de Reynolds para três configurações com comprimento infini-
to numa direcção perpendicular ao escoamento: cilindro circular, cunha a 90◦ e
placa normal ao escoamento.

Figura 19: Número de Strouhal da libertação alternada de vórtices (estrada de von


Kármán) na esteira de varões de geratriz infinita, em função do número de Reynolds
baseado no diâmetro ou dimensão transversal, Re = v∞ d/ν. Figura adaptada de
Rosko, p. 25.

Os esquemas na parte de baixo da Figura 19 indicam a envolvente da esteira


média destes três tipos de escoamento, fazendo suspeitar que a frequência esteja
mais directamente relacionada com essa largura do que com a dimensão trans-
versal do corpo. Efectivamente, os números de Strouhal calculados com base na
largura da esteira média aproximam-se bastante uns dos outros, independente-
mente da geometria do corpo.

23
9 Teoria dos modelos

Quando determinados números adimensionais são iguais, as soluções adimensio-


nalizadas ficam iguais (vejam-se, por exemplo, as equações adimensionalizadas
(5)) e, medindo um escoamento, é possı́vel, mediante as razões de escalas entre
os dois escoamentos, calcular os valores homólogos no outro escoamento.

9.1 Semelhança incompleta

Com certa frequência, é impossı́vel, por razões práticas, realizar ensaios em que
todos os números adimensionais relevantes sejam iguais no modelo e no protótipo.
Contudo, mesmo assim pode chegar-se a resultados úteis, se se conseguirem iden-
tificar os números adimensionais mais importantes e, eventualmente, compensar
a diferença nos outros números adimensionais.

Modelos com números de Reynolds diferentes Salvo casos especiais, a


escolha de fluidos está praticamente limitada à opção entre o ar e a água, que
são também os fluidos da maior parte dos escoamentos que se pretendem estu-
dar, por isso, geralmente o fluido é o mesmo no modelo e no protótipo. Assim,
a igualdade dos números de Reynolds impõe que a escala de velocidade seja o
inverso da escala de comprimentos.
Por outro lado, muitas vezes é indispensável recorrer a modelos reduzidos,
pela vantagem de trabalhar com objectos mais pequenos e ter menor consumo
de energia, ou simplesmente porque seria impossı́vel colocar num túnel aerodi-
nâmico um edifı́cio, uma ponte, um grande avião. Neste contexto, vê-se que
a estrita igualdade dos números de Reynolds levanta dificuldades insuperáveis.
Por exemplo, para ensaiar um modelo à escala 1:100 a velocidade do fluido teria
de ser 100 vezes maior. Em muitos casos, nem é só inviável na prática, é que
uma velocidade dessa ordem alteraria completamente o problema. Por exemplo,
um escoamento atmosférico incompressı́vel transformar-se-ia num escoamento a
números de Mach supersónicos. Analogamente, em escoamentos com superfı́cie
livre, de que se trata na secção 9.2, o aumento da velocidade prejudica a igualdade
dos números de Froude, de modo que não haveria semelhança.
É admissı́vel que o número de Reynolds dos ensaios seja diferente do número
de Reynolds do protótipo desde que ambos sejam suficientemente elevados para
que a influência do número de Reynolds se possa desprezar. Este é o tipo de
decisão que exige um conhecimento aprofundado de Mecânica dos Fluidos.

24
9.2 Extrapolação da resistência de navios

A resistência do casco de um navio deve-se à diferença de pressão entre a proa


e a popa, intimamente relacionada com a forma da superfı́cie livre, e às tensões
viscosas. Mesmo descontando o papel da rugosidade, o problema (cf. problema
6) possui três grupos adimensionais: CD = CD (Re, Fr). O desejável seria re-
produzir no modelo (m) o número de Reynolds e o número de Froude do navio
(p), mas como as escalas de comprimentos são diferentes, isso impõe exigências
contraditórias à velocidade:
s
vm `p vm `m
para Rem = Rep : = ; para Frm = Frp : = .
vp `m vp `p

Perante a impossibilidade de conciliar a proporção correcta das forças de inér-


cia, gravı́ticas e viscosas, o melhor compromisso é fazer o ensaio com uma su-
perfı́cie livre semelhante (número de Froude igual) e estimar separadamente a
contribuição das tensões viscosas para a resistência. Esta abordagem equivale a
decompor a resistência em duas parcelas independentes, CD = CDτ + CDw , uma
devida exclusivamente às tensões viscosas, CDτ (Re), e outra associada apenas às
ondas de superfı́cie, CDw (Fr). Na realidade, as tensões viscosas afectam a forma
da superfı́cie livre e as ondas modificam a distribuição das tensões viscosas sobre
o casco, pelo que esta separação deve ser tomada com os devidos cuidados. A
técnica de extrapolação da resistência dos modelos navais inclui outra hipótese,
também aproximada, que é considerar que o coeficiente de resistência de atrito do
casco é igual ao de uma placa plana com igual número de Reynolds — conforme
as correlações (7) e as Figuras 16 e 17. As tensões viscosas não são exactamente
semelhantes nos dois escoamentos, mas pode argumentar-se que os cascos têm
formas suaves e alongadas, e que o escoamento relativo está aproximadamente
alinhado com o navio quando ele está em movimento... e, sobretudo, é de esperar
que a contribuição das tensões viscosas seja pouco importante para a resistência
total, ou dependa suavemente do número de Reynolds.
Em esquema, o procedimento para calcular a resistência hidrodinâmica de um
navio a partir de um modelo rebocado num tanque (towing tank) é o seguinte:

25
p
1. Escolher a velocidade do modelo vm = vp `m /`p
para igualar os números de Froude (Frm = Frp )
2. Medir a resistência do modelo no tanque: Dm
3. Determinar o número de Reynolds do modelo: Rem = `m vm /ν
para estimar o coef. de resistência de atrito: CDτ m (Rem ) (eqs. 7)
Dτ m = CDτ m Am 21 ρ vm 2

e a resistência de atrito do modelo:
4. Estimar a resistência de onda do modelo: Dwm = Dm − Dτ m
CDw m = Dwm / Am 21 ρ vm 2

e o respectivo coeficiente adimensional:
5. Determinar o número de Reynolds do navio: Rep = `p vp /ν
para estimar o coef. de resistência de atrito: CDτ p (Rep ) (eqs. 7)
Dτ p = CDτ p Ap 12 ρ vp2

e a resistência de atrito:
6. Usar o mesmo CDw m do modelo: CDw p = CDw m
Dwp = CDw p Ap 21 ρ vp2

para calcular a resistência de onda do navio:
7. Somar as parcelas da resistência do navio: Dp = Dwp + Dτ p

A experiência de comparar ensaios de modelos com medições no mar leva a


somar 0,0004 ao CDτ p (só ao do navio!). Esta pequena correcção é uma maneira
de ter em conta, para os tipos de casco mais frequentes, a semelhança incompleta
dos escoamentos.

10 Por que aparecem grupos adimensionais nas equações da Fı́sica?

Agora, que temos uma visão global da Análise Dimensional, retomamos o ponto
de partida deste capı́tulo, para responder a duas perguntas: porque aparecem
grupos adimensionais? Qual o fundamento do teorema de Buckingham? A res-
posta leva-nos a rever o conceito de propriedade fı́sica e as exigências da sua
medição.
Duas propriedades dizem-se heterogéneas quando não se podem comparar en-
tre si (por exemplo, um comprimento não se pode comparar com uma força) e
homogéneas quando se podem comparar (dois comprimentos podem comparar-
-se). As propriedades homogéneas são mutuamente mensuráveis, isto é, possuem
uma intensidade que, além de se poder comparar, se pode somar, subtrair, mul-
tiplicar e dividir (este comprimento corresponde a n vezes o outro). Medir os
valores x1 , x2 , x3 ... de uma determinada propriedade num conjunto de situa-
ções é determinar os números reais que relacionam esses valores com a unidade
de referência. Por exemplo, medir x1 em relação a x2 é determinar n12 tal que
x1 = n12 x2 .

26
As medidas verificam as propriedades das operações elementares. Por exem-
plo, x2 = n−1
12 x1 . Outro exemplo: se x2 = n23 x3 , então x1 = n13 x3 em que
n13 = n12 n23 . Se mudarmos a unidade de medida (se medirmos x1 com x3 em
vez de medirmos com x2 ), o valor numérico da medida altera-se (n13 num caso
e n12 no outro), mas as medições são equivalentes e podem converter-se uma na
outra sabendo a relação entre as duas unidades (n23 ou n32 ).
As propriedades heterogéneas não são comensuráveis, mas interagem (a força
influencia a aceleração). As relações entre propriedades heterogéneas dão origem
a propriedades derivadas (o quociente entre a força e a aceleração é uma nova
propriedade, chamada massa). Para que as propriedades derivadas verifiquem
as propriedades das operações aritméticas elementares, as suas unidades têm de
definir-se de forma consistente a partir das unidades das propriedades primárias.
Por exemplo, a unidade de massa tem de definir-se como a unidade de força
por unidade de aceleração. Esta exigência de consistência dimensional é o ele-
mento fundamental do princı́pio da homogeneidade, formulado entre outros por
Rayleigh1 .
Os dois membros de qualquer equação têm de ser homogéneos entre si (devem
ter as mesmas unidades) e quando numa expressão aparecem funções transcen-
dentes 2 o argumento dessas funções tem de ser adimensional. Se não fosse assim,
as operações algébricas elementares deixavam de se aplicar às propriedades de-
rivadas. Por exemplo, se os valores de duas propriedades x e y se relacionarem
por
x = ln(y),
esta igualdade só se verifica se forem usadas unidades muito particulares para x
e para y. De facto, quando se escolhe uma unidade mais pequena para y, o valor
numérico de y aumenta e portanto o valor numérico de x também aumenta, o
que só é possı́vel se x for medido noutra unidade: as unidades de x condicionam
as unidades de y e vice-versa. Em contrapartida, uma igualdade do tipo
 
x y
= ln ,
α β

tem validade geral se as variáveis x e α são homogéneas e y e β também. Se


medirmos y numa unidade diferente, o valor numérico de y altera-se, mas como y
e β são medidas na mesma unidade, o seu quociente mantém-se. Assim, a equação
é válida independentemente das unidades: as unidades de x não condicionam as
unidades de y.

1
Chamava-se John William Strutt, mas é conhecido assim porque era lorde de Rayleigh.
2
Isto é, funções que não se podem exprimir sob forma polinomial. As principais funções
transcendentes são a exponencial, o logaritmo, as funções trigonométricas e as suas inversas.

27
Isto implica que as equações das ciências da natureza se possam escrever agru-
pando as variáveis de modo a formarem grupos adimensionais. Por exemplo

x/α = ln(y/β) + arctan(z/γ).

A estrutura genérica de um grupo adimensional constituı́do pelas variáveis v1 ,


v2 , v3 ... é um produto de potências

Π = v1a1 v2a2 v3a3 ...,

em que os expoentes a1 , a2 , a3 ... têm de ser tais que cada uma das dimensões
fı́sicas seja adimensionalizada. Por exemplo, se determinada dimensão fı́sica apa-
rece nas variáveis v1 , v2 , v3 ... com os expoentes b1 , b2 , b3 ..., respectivamente,
então b1 a1 + b2 a2 + b3 a3 + ... = 0. Pode escrever-se uma equação deste tipo para
cada uma das p dimensões fı́sicas das n variáveis, constituindo um sistema de p
equações com n incógnitas. O teorema de Buckingham resulta das propriedades
desse sistema de equações.

28
11 Perguntas de revisão e desenvolvimento
Alguns problemas contêm soluções detalhadas e comentários. Nalguns casos, para
facilitar ao aluno a confirmação dos próprios cálculos, apresentam-se resultados
com muitos algarismos: obviamente só os primeiros terão real significado, depen-
dendo não apenas dos arredondamentos aritméticos como das simplificações da
modelação e do rigor dos dados de que se parte.

1. Um modelo de automóvel à escala 1:5 foi testado num túnel aerodinâmico,


com ar nas mesmas condições do automóvel protótipo. A velocidade do
protótipo é de 50 km/h. Em condições de semelhança dinâmica a resistên-
cia aerodinâmica medida no modelo é de 350 N. a) Determine a resistência
do protótipo. b) Determine a potência requerida para vencer esta resis-
tência. c) Calcule o coeficiente de resistência do modelo baseado na área
frontal. A área frontal do automóvel é A = 2,8 m2 , a massa volúmica do ar
é ρ = 1,2 kg/m3 .
Solução:
a) Dp = 350 N. b) Pp = 4860 W. c) CD m = 1,08.

2. Calcule as forças de resistência e de sustentação devidas à pressão, exercidas


sobre uma casa semelhante à da Figura 6, página 11, de altura 2 h = 5 m,
sujeita a um vento incidente de 36 km/h.
Solução:
Utilizando os coeficientes de pressão indicados na figura, a resistência é 6 300 N (positiva
na direcção x); a sustentação é 1 500 N (positiva na direcção z).

3. Calcule, para o regime sub-crı́tico e para o regime super-crı́tico da Figura 8


(página 13), a resistência de pressão adimensional de um cilindro infinito,
utilizando a distribuição adimensional de pressão dessa figura. Para poupar
trabalho, aproveite os valores da tabela seguinte, que têm poucos algaris-
mos. Sabendo que, naquele regime sub-crı́tico CD = 1,2 e naquele regime
super-crı́tico CD = 0,35, determine a resistência adimensional devida às
tensões viscosas.

θ Cp Cp θ Cp Cp
sotavento sub-crı́tico super-crı́tico barlavento sub-crı́tico super-crı́tico
0◦ +1,0 +1,0 90◦ −1,2 −2,1
15◦ +0,7 +0,7 105◦ −1,1 −1,6
30◦ +0,2 +0,1 120◦ −1,1 −0,4
45◦ −0,5 −0,8 135◦ −1,1 −0,3
60◦ −1,2 −1,7 150◦ −1,1 −0,3
75◦ −1,4 −2,2 165◦ −1,1 −0,3
90◦ −1,2 −2,1 180◦ −1,1 −0,3

29
Solução:
Os coeficientes de resistência de pressão são CD p = 1,102 ' 1,1 e CD p = 0,210 ' 0,2
(sub e super-crı́tico) e os coeficientes de resistência viscosa são CD τ = 0,098 ' 0,1 e
CD τ = 0,14 (sub e super-crı́tico). Estas estimativas deixam bem claro que a redução
de CD em regime super-crı́tico se deve ao maior equilı́brio entre as pressões anteriores e
posteriores, que compensa largamente o aumento das tensões viscosas.

4. Calcule o consumo energético do automóvel caracterizado na Figura 10, cir-


culando numa estrada horizontal, sem vento, a velocidade constante v, entre
50 km/h e 120 km/h. A resistência de rolamento é 50 N, quase indepen-
dente da velocidade. O poder calorı́fico (inferior) médio da gasolina super
é 43,5 MJ/kg (32,8 MJ/litro). O rendimento do motor e da transmissão é
26%. O comprimento é ` = 4,59 m, a área frontal é A = 4,06 m2 .
Solução:
Para esta gama de Reynolds, 4,25 × 106 < Re < 1,02 × 107 , o coeficiente de resistência
é CD = 0,282 (o terceiro algarismo já não tem significado). A potência, em W, nas
rodas é P0 = 0,687 v 3 + 50 v com v em m/s. O consumo de energia no motor (MJ/km)
é 2,64 × 10−3 v 2 + 0,192 (0,702 a 3,13 MJ/km), em litros de combustı́vel por 100 km) é
8,06 × 10−3 v 2 + 0,586 (2,14 a 9,54 l/100 km).
Notas: Quase todo o consumo de energia dos veı́culos terrestres é devido à resistência
aerodinâmica e esta varia com o quadrado da velocidade.
CD aumenta quando o vento relativo não está perfeitamente alinhado com o veı́culo.
O rendimento do motor diminui quando o regime se afasta das condições nominais.

5. A Comissão Europeia publicou a seguinte tabela de consumos especı́ficos


(MJ de energia primária por passageiro e por quilómetro) de vários meios
de transporte; informação mais detalhada em J. M. André, vol. 1, pp. 97
e ss. Compare os consumos energéticos com o tipo de serviço prestado
por cada um destes meios de transporte, sabendo que o tempo de viagem
porta-a-porta é a principal variável tida em conta pelos consumidores.
Taxa de ocupação
Automóveis ligeiros (100% = 4 lugares) 25% 50% 75% 100%

gasolina 1,4 ∼ 2,0 l (8,6 l/100 km) 2,98 1,49 0,99 0,75
gasóleo 1,4 ∼ 2,0 l (7,2 l/100 km) 2,76 1,38 0,92 0,69

Comboio TGV 300 km/h (tipo Paris–Bruxelas) 2,86 1,43 0,96 0,72
TGV 300 km/h (tipo Paris–Londres) 2,50 1,25 0,83 0,62
Interurbano 1,14 0,57 0,38 0,29

Autocarro Alta-Qualidade 0.95 0,50 0,33 0,25


De longo curso 0.70 0,35 0,23 0,17

Avião Boeing 727 5,78 2,89 1,94 1,45


Avião menos antigo que o 727 (*) 4,45 2,22 1,49 1,12
(*) Nomeadamente Airbus 310 ou 320, Boeing 737/300 ou MD-80. O A-310 é muito
mais antigo que o A-320 e menos eficiente.

30
Solução:
Os consumos energéticos devem comparar-se para serviços de idêntica qualidade, isto
é, igual tempo de viagem porta-a-porta. Por a resistência aerodinâmica ser preponde-
rante, o consumo energético de cada transporte terrestre aumenta com o quadrado da
velocidade. Por exemplo, embora as velocidades máximas do TGV Paris–Bruxelas e do
TGV Paris–Londres sejam semelhantes, o TGV Paris–Londres faz parte do percurso a
velocidade reduzida, limitado a cerca de 1/3 da velocidade máxima. Os consumos são
diferentes principalmente por isso. A mesma observação se pode fazer relativamente aos
comboios interurbanos mais lentos.
Se um comboio atingisse velocidades máximas 3 vezes maiores, parecidas com as do avião,
teria um consumo cerca de 9 vezes maior, bastante superior ao do avião. Conclui-se que
o avião é a máquina mais eficiente, quando a distância justifica velocidades muito altas.
O consumo energético dos aviões depende sobretudo do seu peso e não directamente da
velocidade — veja-se o exercı́cio 10.
A tabela chama a atenção para a importância da taxa de ocupação dos meios de trans-
porte no consumo energético por passageiro. Na aviação, a taxa de ocupação média
situa-se frequentemente acima de 90%; nos comboios de alta-velocidade aproxima-se de
65% nos autocarros interurbanos a média é cerca de 50%.
A tabela considera como energia primária do comboio a energia disponı́vel à entrada do
motor eléctrico, mas seria mais correcto considerar a energia consumida na geração da
electricidade.

6. Uma análise preliminar mostra que a força de resistência D de um navio


depende da velocidade v do navio em relação à água, do comprimento ` do
navio, da aceleração gravı́tica g e de algumas propriedades da água, a massa
volúmica ρ e viscosidade cinemática ν. Ou seja, D = função (v, `, ρ, ν, g).
Solução:
[D] = M L T −2
[v] = L T −1
[`] = L
[ρ] = M L−3
[ν] = L2 T −1
[g] = L T −2
6 3

De acordo com o número de variáveis e de dimensões fı́sicas fundamentais, este problema


pode expressar-se com 3 grupos adimensionais. Uma das possibilidades é
D `v v
CD = função (Re, Fr) com CD = 1 , Re = e Fr = √ .
2 ρ v 2 `2 ν gd

É fácil verificar que os três grupos são adimensionais e contêm todas as variáveis. Além
disso vê-se imediatamente que não são trivialmente dependentes, porque cada um tem
alguma variável que os outros não têm.

7. Constata-se empiricamente que a velocidade de um jacto de água à saı́da de


um tanque está relacionada com o nı́vel da água acima do jacto. Utilize a
Análise Dimensional para identificar as relações funcionais deste problema.

31
Figura 20: A velocidade de um jacto depende da profundidade.

Solução: Conhecem-se duas das variáveis do problema, a velocidade v e a profundidade d:


[v] = L T −1 [d] = L.
Para poder adimensionalizar v é necessária outra variável que também inclua o tempo
como dimensão fı́sica. Essa variável pode ser um perı́odo, ou outra velocidade, ou uma
aceleração. Sendo um problema estacionário, não salta à vista nenhum tempo significa-
tivo; também parece não existir nenhuma outra velocidade relevante; em contrapartida,
o módulo da aceleração gravı́tica g tem relação com a saı́da da água: é a variável em
falta. Assim, há três variáveis e duas dimensões
√ fı́sicas independentes, portanto um único
grupo adimensional, que pode ser Π1 = v/ g d (que é o número de Froude).
√ Como este
grupo não depende de nenhum outro, é constante. Portanto v = K g d, em que K é a
constante a determinar. (Quem já estudou a equação de Bernoulli sabe que K ' 1).

8. Um determinado processo aparenta ser função de oito variáveis, cujas di-


mensões fı́sicas são:
[x1 ] = T −1 [x5 ] = M L−1 T
[x2 ] = L [x6 ] = M L−3
[x3 ] = L2 [x7 ] = (adimensional)
[x4 ] = M L T −1 [x8 ] = L2 T −1
Diga quantos números adimensionais são necessários para modelar o pro-
blema e escolha-os.
Solução:
O problema necessita 5 (= 8 − 3) grupos adimensionais. A variável x7 já é adimensional.
Um conjunto possı́vel é
x22 x4 x8 x3 x6
Π1 = x 7 , Π2 = , Π3 = , Π4 = e Π5 = .
x3 x21 x3 x5 x1 x3 x1 x5

É fácil verificar que todos eles são adimensionais, incluem no seu conjunto todas as 8
variáveis primitivas e não são redundantes. Para comprovar esta última exigência basta
reparar que cada grupo inclui uma variável que não está presente em mais nenhum outro.

9. Um descarregador de soleira vai ser


√ testado num modelo à escala 1:30 a
igual número de Froude Fr = v/ g `, em que v é a velocidade num de-
terminado ponto e ` um comprimento caracterı́stico do descarregador. O

32
escoamento no modelo tem uma velocidade média de 0,6 m/s a montante
do descarregador, para um caudal de 0,05 m3 /s. A força medida no modelo
é de 15 N.

Figura 21: Descarregador de soleira.

(a) Determine a velocidade a montante e o caudal no protótipo.


(b) Determine a força no protótipo, admitindo que a influência do número
de Reynolds é desprezável.
(c) Mostre que não é possı́vel satisfazer a igualdade dos números de Frou-
de e de Reynolds no modelo e no protótipo. Quais as implicações de
se desprezar a influência do número de Reynolds?
(d) Não se considerou a tensão superficial da água. Comente essa opção,
admitindo que a tensão superficial é igual no modelo e no protótipo.
Solução:
p
(a) Para Frm = Frp , a velocidade no ponto homólogo é vp = vm `p /`m = 3,286 m/s.
A escala de caudal volúmico Q relaciona-se com as escalas de velocidade e de com-
primento pela razão Q/(v `2 ). Em condições de semelhança esta razão é igual no
modelo e no protótipo, donde
 2  5/2
Qp vp `p `p
= = = 2,029 × 10−4 , donde Qp = 246,5 m3 /s.
Qm vm `m `m
(b) Conforme as hipóteses desta modelação, o coeficiente de força é apenas função do
número de Froude, CF = CF (Fr), de modo que, para iguais números de Froude,
os coeficientes de força são também iguais:
 3
Fp Fm `p
2 1 2
= 2 1 2 donde Fp = Fm = 4,050 × 105 N.
`p 2 ρ vp `m 2 ρ vm `m
p
(c) Para iguais números de Froude, vp = vm `p /`m ,
para iguais números de Reynolds, vp = vm `m /`p , o que é incompatı́vel.
A implicação de os números de Reynolds não serem exactamente iguais é a pro-
porção entre forças viscosas e caudais de quantidade de movimento ficar desequi-
librada. Em consequência, a tensão de corte na parede e a dissipação de energia
não são semelhantes no modelo e no protótipo.

33
(d) As dimensões fı́sicas da tensão superficial são [τs ] = M T −2 (força por unidade de
comprimento, não por unidade de área). Ao introduzirmos este parâmetro no pro-
blema, torna-se necessário acrescentar um novo número adimensional, por exemplo
We = ρ v 2 `/τs (este grupo adimensional é conhecido como número de Weber, em
honra do Engenheiro Naval alemão Moritz Weber, falecido em 1951).
Neste problema, ρ e τs são iguais no modelope no protótipo, pelo que a igualdade
dos números de Weber implicaria vp = vm `m /`p . Esta relação é incompatı́vel
com a igualdade dos números de Froude e como num descarregador o efeito gravı́ti-
co é mais importante que a tensão superficial, o número de Froude tem prioridade.
Para números de Froude iguais, a razão de números de Weber vem
2
vp2 `p

Wep `p 1
= 2 = = .
Wem vm `m `m 900

O número de Weber é uma razão entre a escala de caudal de quantidade de movi-


mento por unidade de comprimento (ρ v 2 `) e a escala de tensão superficial (τs ). O
facto de o número de Weber ser 900 vezes maior neste modelo indica que a tensão
superficial tem um efeito muito maior no modelo. Tal desproporção só é admissı́vel
porque a tensão superficial é praticamente nula.

10. Faça o pré-dimensionamento de uma avioneta destinada a voar a 350 km/h


à altitude de 8.000 m. A massa total da avioneta é 3.350 kg. À latitu-
de de referência e à cota de voo, as propriedades da atmosfera são µ =
1,527 × 10−5 N s/m2 , ρ = 0,5258 kg/m3 , p = 3,565 × 104 Pa, T = −37 ◦ C
g = 9,782 m/s2 . Junto ao solo, as propriedades do ar são ρ0 = 1,225 kg/m−3 ,
µ0 = 1,789 × 10−5 N s/m2 e a aceleração gravı́tica é g = 9,807 m/s2 , ligei-
ramente maior que à altitude de cruzeiro. Considere que a atmosfera está
parada. O perfil da asa é o NACA 2418, cujas caracterı́sticas principais
estão representadas na Figura 15, página 19. Calcule a asa principal su-
pondo que a envergadura é suficientemente grande para se poder usar a
informação dessa figura. A corda da asa (distância entre o bordo de ataque
e o bordo de fuga) é c = 1,2 m.

(a) Calcule a envergadura da asa principal de modo que a avioneta seja


o mais económica possı́vel nas condições de projecto à velocidade de
cruzeiro. Considere que toda a sustentação da avioneta é assegurada
pela asa principal. Considere que a resistência da fuselagem é peque-
na comparada com a resistência da asa e que a massa da avioneta é a
indicada acima, independente do tamanho da asa. Estime a potência
propulsiva necessária para vencer a resistência do avião em velocidade
de cruzeiro.
(b) Calcule a velocidade da avioneta à descolagem. Por razões de segu-
rança, use um coeficiente de sustentação 10% inferior ao máximo.
Solução:

(a) Em voo horizontal, a sustentação tem de equilibrar o peso, 3270 N. O número de


Reynolds baseado na corda, Re = 4 × 106 , é superior ao maior Re da Figura 15,

34
pelo que se podem utilizar as curvas para o Reynolds máximo. A sustentação e a
resistência das asas a um dado ângulo de ataque são dadas por
1 2 1 2 CD
M g = L = CL A ρv D = CD A ρv donde D = M g
2 ∞ 2 ∞ CL
em que A designa a área da superfı́cie alar em planta. A potência propulsiva é
P = D v∞ e será mı́nima quando a resistência for mı́nima, o que implica CD /CL
ser mı́nimo. Como se mostra na Figura 22, o mı́nimo de CD /CL ocorre a CL = 1,1
e CD = 0,0095.

Figura 22: Coeficiente de resistência CD versus coeficiente de sustentação CL de um perfil


NACA 2418 para números de Reynolds superiores a 2,9 × 106 , calculados a partir da Figura 15.
Indica-se o ponto em que a relação CD /CL é mais favorável: CL = 1,1 e CD = 0,0095.

Para a carga especificada, para a velocidade e condições atmosféricas de projecto,


com CL = 1,1 a superfı́cie alar tem de ser A = 12 m2 . A envergadura total das
duas asas é 10 m, 5 m de cada lado.
Considerando CD = 0,0095, a resistência aerodinâmica da asa é D = 283 N; a
potência propulsiva é P = 2,75 × 104 W.
Nota: Os valores da Figura 15 aplicam-se a escoamentos incompressı́veis. O nú-
mero de Mach é uma medida do grau de compressibilidade do escoamento (veja-se
o problema 32). Nas condições de cruzeiro desta avioneta, a velocidade do som
é 303 m/s e o número de Mach é 0,32. Em problemas estacionários, abaixo de
Ma ' 1/3 os efeitos da compressibilidade costumam desprezar-se.
(b) CL máximo é 1,45 mas vamos contar com menos 10%: CLmax = 1,3. Para poder
descolar, a avioneta tem de atingir v∞ = 58,5 m/s (211 km/h).
A velocidade à descolagem é inferior à velocidade de cruzeiro, mas a viscosidade
cinemática junto ao solo é mais baixa. Feitas as contas, verifica-se que o número
de Reynolds à descolagem, Re = 4,8 × 106 , é superior a 2,9 × 106 , pelo que não há
problema em utilizar as curvas da Figura 15 para Re = 2,9 × 106 .

11. Qual é a velocidade vertical mı́nima da aragem capaz de transportar um


grão de pólen com o diâmetro de 6 µm e uma massa volúmica de aproxi-
madamente ρ = 500 kg/m3 ?

(a) Comece por considerar que o escoamento só tem componente vertical
e, como primeira aproximação, admita que o número de Reynolds da

35
partı́cula baseado no diâmetro é pequeno, Red < 1.

(b) Analise o caso em que a aragem tem também uma componente hori-
zontal estacionária.

(c) Considere o caso em que a partı́cula está parada e a componente ho-


rizontal passa repentinamente de 0 a 10 m/s.
Solução:

(a) No limite em que a resistência aerodinâmica D devida à componente vertical do


vento equilibra o peso P, o pólen não cai nem sobe, e portanto a componente
vertical da velocidade relativa v é a própria componente vertical da velocidade do
ar. A resistência aerodinâmica devida à velocidade v, exercida sobre uma partı́cula
isolada, é D = CD A 12 ρar v 2 e para números de Reynolds Red < 1, CD = 24/Red .
O peso da partı́cula é P = ρ ( π6 d3 ) g. A resistência equilibra o peso para
s  
dg ρ
v=2 = 5,44 × 10−4 m/s.
3 CD ρar

(Uma componente vertical de cerca de 0,5 mm/s levanta este grão de pólen!). Para
esta velocidade, Red = 2,18 × 10−4 , o que confirma o coeficiente de resistência.
(b) Se a aragem tem uma componente horizontal, a partı́cula de pólen adquire rapida-
mente uma velocidade igual, de modo que a componente horizontal da velocidade
relativa se anula.
(c) No instante inicial, a velocidade relativa é u(0) = 10 m/s, Red = 4 e CD = 8. Nesse
instante, a aceleração horizontal da partı́cula é dvx /dt = D/M = 2,40 × 105 m/s2 ,
em que M é a massa da partı́cula. Ao fim de 4,2 × 10−6 s a velocidade da par-
tı́cula teria aumentado 1 m/s e em pouquı́ssimo tempo atingiria praticamente a
velocidade horizontal do vento.

12. Dimensione o caudal de um aspirador doméstico para conseguir aspirar no


tubo vertical partı́culas de areia (massa volúmica ρ = 2,5 × 103 kg/m3 )
até 0,5 mm de diâmetro. Como primeira aproximação, admita que o nú-
mero de Reynolds da partı́cula, baseado no diâmetro, se situa no intervalo
3 × 102 < Red < 3 × 105 . O tubo tem um diâmetro interior de 6 cm.
Solução:
No intervalo sugerido
p de números de Reynolds, CD ' 0,45. A resistência equilibra o
peso para v = 2 d g/(3 CD ) (ρ/ρar ) = 5,500 m/s. Para esta velocidade, Red = 183, o
que obriga a rever o coeficiente de resistência e recalcular v. A solução converge para
Red = 126, CD = 0,95 e v = 3,785 m/s. O caudal é Q = 0,0107 m/s.
Nota: A velocidade média nos tubos dos aspiradores costuma ser maior e portanto con-
seguem aspirar partı́culas de maiores dimensões, embora junto à parede a velocidade
seja mais baixa e haja o perigo de que um grão encostado à parede não sofra a força
aerodinâmica necessária para vencer o peso. Dando uma pancadinha no tubo, o grão é
afasta-se em direcção à zona central e já é aspirado.

36
13. A Figura 23 representa um ciclone de depoeiramento, comum em serrações
de madeira para limpar o ar e recuperar as partı́culas de madeira, úteis
como combustı́vel ou como matéria prima para o fabrico de aglomerado. O
ar com partı́culas entra tangencialmente num recipiente cilı́ndrico-cónico,
de onde sai axialmente. A rotação produz a separação das partı́culas mais
densas que o fluido, que são recolhidas num depósito colocado por baixo do
ciclone, enquanto que o ar limpo sai por cima. A eficiência de recolecção
do ciclone varia como se representa na Figura 23. O diâmetro de corte, dc ,
para o qual se verifica uma eficiência de 50%, coincide aproximadamente
com o menor diâmetro das partı́culas que não são arrastadas para o centro,
nas zona cilı́ndrica alinhada com o tubo de saı́da.
Considere um ciclone em que nessa zona, cujo raio é R1 = 0,15 m, a veloci-
dade tangencial do ar é vθ = 20 m/s e a velocidade radial do ar é vr = 5 m/s.
A velocidade tangencial das partı́culas sólidas é aproximadamente igual à
velocidade do ar. A massa volúmica da madeira é ρm = 800 kg/m3 . Consi-
dere que as partı́culas são esféricas.

Figura 23: Ciclone tı́pico de serrações de madeira. À esquerda, curvas de eficiência de se-
paração em função do diâmetro das partı́culas: quanto maior a turbulência, menor a precisão
de separação em torno do diâmetro de corte. As proporções de altura e raios indicadas nesta
figura correspondem aproximadamente à geometria óptima. À direita, esquema dos perfis da
componente tangencial da velocidade vθ e da componente radial vr .

(a) Estime o diâmetro de corte deste ciclone.


(b) Utilize a Análise Dimensional para descobrir a relação entre o caudal
volúmico, o diâmetro de corte e a potência consumida pelo sistema.

37
(c) Qual a relação entre o tamanho do ciclone e a sua eficiência de sepa-
ração?
(d) A indústria mineira emprega hidrociclones, em que o fluido é água em
vez de ar, para o enriquecimento primário. A rocha é desagregada
em grãos monofásicos (só de ganga ou só de minério), que passam, em
emulsão com a água, através dos hidrociclones. O minério é centrifuga-
do, porque é habitualmente mais denso que a ganga (a massa volúmica
do minério pode ser 8 × 103 kg/m3 e a da ganga 2 × 103 kg/m3 ), en-
quanto as partı́culas de ganga em suspensão saem pelo lado oposto.
A operação de separação diferencial denomina-se classificação. Com-
pare a eficiência dos ciclones de despoeiramento das serrações com a
eficiência de classificação dos hidrociclones da indústria mineira.

Solução:

(a) O volume de uma esfera de diâmetro d é π d3 /6 .
A componente radial do gradiente de pressão devido à curvatura das linhas de cor-
rente é ∂ p̃/∂r = −ρar vθ2 /r. A força radial exercida por este gradiente sobre uma
esfera de diâmetro d é F1 = ∂ p̃/∂r π d3 /6 . Esta força é centrı́peta e portanto
negativa.

A componente centrı́fuga das partı́culas sólidas é F2 = ρm π d3 /6 vθ2 /r.
A resistência aerodinâmica de uma partı́cula com velocidade radial nula, devida à
componente radial da velocidade do ar, é F3 = −CD (π d2 /4) 12 ρar vr2 . Esta força
é negativa porque o ar tende a arrastar a partı́cula na direcção centrı́peta.
A partı́cula tem aceleração radial nula quando estas três forças radiais se equili-
bram F1 + F2 + F 3 = 0:
v2
 3
v2
 3  2
d d d 1
−ρar θ π + ρm θ π − CD π ρar vr2 = 0.
r 6 r 6 4 2
Rearranjando, d 3

ρar
 2
vr
= CD . (8)
R1 4 ρm − ρar vθ2
Para vr = 5 m/s, o número de Reynolds da partı́cula, baseado no diâmetro, é da or-
dem da dezena, portanto podemos tomar como primeira aproximação CD = 5 (cf.
Figura 14). Com essa estimativa, resulta d = 5,28×10−5 m e Reynolds Red = 17,6.
Revendo o CD com base neste Reynolds, e iterando, chega-se a Red ' 14, CD = 4
e dc = 4,4 × 10−5 m.
(b) Antes de considerar a potência, o problema pode formular-se com 4 grupos adi-
mensionais, Π1 = d/R1 , Π2 = CD , Π3 = ρar /(ρm − ρar ) e Π4 = vr /vθ , cuja
relação é, como se viu na equação (8), Π1 = 43 Π2 Π3 Π44 . Aumentar o caudal
não altera Π4 , porque vr e vθ aumentam na mesma proporção, mas altera CD ,
porque aumenta o número de Reynolds da partı́cula. Este aumento de Red reduz
um pouco CD (cf. Figura 14) pelo que Π1 também diminui. Portanto dc diminui,
embora pouco.
P
A potência P pode ser adimensionalizada por um novo grupo, Π5 = .
ρar vθ3 R12
Vê-se que, em condições de semelhança, a potência consumida aumenta com a ter-
ceira potência do caudal. Percebe-se que o critério de dimensionamento depende

38
de um balanço económico entre o custo de montar mais ciclones em paralelo e a
poupança energética de reduzir o caudal em cada um deles.
(c) CD aumenta ligeiramente pela diminuição do tamanho. Salvo essa diminuição de
CD , Π1 mantém-se, donde, aproximadamente, dc ∝ R1 .
É por este motivo que, quando é preciso reduzir os calibres de separação, se utilizam
baterias de ciclones muito pequenos, como os hidrociclones referidos na alı́nea (d).
(d) Numa serração pretende-se separar as partı́culas de madeira do ar (Π3 ' 1,5×10−3 )
e na indústria mineira a eficiência de classificação refere-se à separação diferencial
da ganga e do minério. O hidrociclone centrifuga os grãos de minério até um
diâmetro dM e os grãos de ganga até um diâmetro dG , na seguinte proporção:
   2
3 ρH2 O vr
dM dM /R1 4 CD M ρG −ρH2 O vθ

CD M

ρG − ρH2 O

1
= =   2 = ' .
dG dG /R1 C ρ − ρ 7

3 ρ H2 O vr DG M H2 O
4 CD G ρG −ρH O 2

Como o volume dos grãos varia com a terceira potência do diâmetro, a proporção
volúmica do grãos não separados seria da ordem de 1/73 = 1/343, se a operação
não tivesse algumas outras ineficiências, de vária ordem.
A situação idela seria dispor de um fluido com a densidade da ganga. Nesse caso, se
a função de eficiência do ciclone fosse abrupta, conseguir-se-iam recolher todas as
partı́culas de minério e arrastar toda a ganga com o fluido. A água, não cumprindo
exactamente este requisito ideal, é nitidamente melhor que o ar.

Nota: Os ciclones utilizam-se em aplicações variadas, desde a indústria alimentar até cer-
tas centrais termo-eléctricas, para separar as gotas lı́quidas do vapor de água saturado,
antes do último pré-aquecimento, à entrada do andar de baixa pressão.

14. A antena de rádio de um automóvel que se desloca a 144 km/h pode ser
aproximada por um cilindro infinito de eixo perpendicular ao escoamento.
Sabendo que a antena tem um diâmetro de 6 mm, estime a frequência com
que a antena vai ser excitada pelo escoamento devido à libertação alternada
de vórtices em estrada de von Kármán. Para simplificar, considere que a
velocidade relativa do vento é a velocidade do automóvel.
Solução:
O número de Reynolds baseado no diâmetro é Re = 1,6 × 104 . Do gráfico da Figura
19 conclui-se que o número de Strouhal baseado no diâmetro é Str = 0,196 (a figu-
ra mostra o grau de incerteza deste valor). A frequência de libertação dos vórtices é
f = Str U∞ /d = 1307 Hz. A esta velocidade, o assobio que se ouve é aproximadamente
um Mi 6 (= 1318,5 Hz).
Algumas frequências naturais da antena são aproximadamente submúltiplas da frequên-
cia de excitação aerodinâmica, pelo que a antena corre o risco de entrar em ressonância.
Se cada troço da antena tiver uma frequência de excitação diferente, ou desfasada, a
força aerodinâmica resultante diminui. É essa a função das espirais (em inglês, helical
strakes) que se vêem em torno de algumas antenas de automóvel, cf. Figura 24.

15. Considere que se pretende estudar com mais pormenor a antena de auto-
móvel, referida no problema anterior, ensaiando um modelo à escala num
escoamento de água. Para facilitar a medição do escoamento, o modelo será
3 vezes maior que o protótipo.

39
Figura 24: À esquerda, estrias helicoidais na antena de um automóvel. À direita, os novos
postes de alta-tensão da ON Line (One Nevada line, nos E.U.A.) equipados com estrias helicoi-
dais. Em Outubro de 2010, alguns dos postes anteriores, sem estrias, entrarem em ressonância
com o vento e as soldaduras cederam por fatiga. O problema tem uma certa complexidade por-
que estes postes são muito flexı́veis e têm um movimento que reforça a excitação aerodinâmica,
além disso, o diâmetro varia com a altura (alterando a frequência de excitação) e a velocidade
do vento aumenta com a altura, alterando também essa frequência.

(a) Calcule a razão de velocidades e a razão de frequências entre o escoa-


mento do modelo e o do protótipo.
(b) Compare o consumo energético de um ensaio em túnel de ar (protóti-
po) e num túnel de água (modelo), supondo que as secções transversais
de ambos os túneis estão na escala dos respectivos diâmetros. O túnel
de água terá uma secção 3 × 3 vezes maior, porque o modelo tem uma
dimensão 3 vezes maior).
(c) Se a antena for flexı́vel, a oscilação da antena e a oscilação do campo
de pressões ficam acopladas. Isto é, podem alimentar-se mutuamente.
Pretende-se que a flexibilidade do modelo seja semelhante à da antena,
para investigar a influência da flexibilidade da antena. Calcule a razão
entre a rigidez do modelo e a da antena.
(d) Se a antena for flexı́vel, a massa da antena (ou a sua densidade média)
também é importante para a sua dinâmica. Calcule a razão entre a
densidade média do modelo e a da antena.
Resolva este problema considerando as seguintes propriedades do ar (pro-
tótipo, p) e da água (modelo, m): νp = 1,5 × 10−5 m2 /s, νm = 10−6 m2 /s,
ρp = 1.2 kg/m3 e ρm = 103 kg/m3 .

40
Solução:

(a) A frequência f de oscilação do campo de pressões em torno de uma antena rı́gida,


imóvel, só depende da velocidade do escoamento v, do diâmetro d, da viscosidade
ν. Estas 4 variáveis têm 2 dimensões fı́sicas independentes. Os 2 grupos adimen-
sionais que representam o problema podem ser o número de Reynolds e o número
de Strouhal (Re = v d/ν e Str = f d/v). Para que estes grupos sejam iguais no
protótipo e no modelo é preciso que
 2
fm νm dp vm νm dp
= = 0,6 e = = 0,2.
fp νp dm vp νp dm

(b) Se interessa conhecer a potência energética, esta variável passa a fazer parte do
problema, juntamente com as variáveis enumeradas na alı́nea (a), que tinham da-
do origem ao número de Reynolds e ao número de Strouhal. A potência [P ] =
M L2 T −3 inclui a dimensão fı́sica massa, pelo que é necessário identificar pelo
menos mais uma variável com essa dimensão fı́sica: naturalmente ela é a massa
volúmica ρ do fluido. O grupo adimensional relacionado com a potência pode ser
Π3 = P/(ρ v 3 d2 ). Para que este grupo seja igual,
 3  2
Pm ρm vm dm
= = 0,(740).
Pp ρp vp dp

Assim, para antenas rı́gidas, o custo energético de um ensaio com a mesma duração
é ligeiramente menor, 74%, num túnel de água que num túnel aerodinâmico.
(c) Se a antena e o modelo forem flexı́veis, a respectiva rigidez [k] = M T −2 passa a
ser importante. Como k inclui a dimensão fı́sica de massa, é precisa outra variável
que tenha esta dimensão fı́sica. Uma certa experiência leva-nos a concluir que essa
variável é a massa volúmica ρ do fluido. Com estas duas novas variáveis torna-se
necessário outro grupo adimensional, que pode ser Π4 = k/(ρ v 2 d). Para a antena
e o modelo terem Π4 iguais
 3/2  1/2
km ρm νp fm
= = 11,(1).
kp ρp νm fp

Arranjar um modelo mais rı́gido que a antena não oferece dificuldade, tanto mais
que o modelo tem um diâmetro maior.
(d) O grupo adimensional mais simples é Π5 = ρs /ρ, em que ρs designa a massa vo-
lúmica média do corpo sólido que constitui a antena. Para o modelo ter a massa
volúmica média adequada teria de ser ρsm /ρsp = ρm /ρp = 833,(3) vezes mais denso
que a antena real. A não ser a que antena real fosse um tubo tão fino que a sua
massa volúmica média fosse muito baixa, não seria possı́vel fabricar um modelo
com uma massa volúmica média 833 vezes maior que a da antena. A conclusão é
que o ensaio com água serve para estudar antenas rı́gidas mas não se presta para
estudar antenas flexı́veis, a não ser que não seja importante respeitar o mesmo
número de Reynolds.

16. Pretende-se ensaiar o tabuleiro de uma ponte suspensa para garantir que
não instabiliza por acção do vento. O ensaio será realizado num túnel ae-
rodinâmico, com um modelo à escala reduzida de 1:100. Tenha em conta
que não é prático ensaiar um modelo com frequências próprias demasiado

41
elevadas. Admita um máximo aceitável para fm .
Dimensione as condições de ensaio supondo que o número de Reynolds é
menos importante que a deformação da ponte à flexão. Determine o desvio
no número de Reynolds.
Solução:
As variáveis do problema são a frequência f de oscilação da ponte, a velocidade do vento
v, o comprimento de referência ` (por exemplo a largura do tabuleiro), a rigidez da ponte
à flexão k, a massa do tabuleiro em oscilação M/` por unidade de comprimento, a massa
volúmica e a viscosidade cinemática do ar, ρ e ν.
Os quatro grupos adimensionais correspondentes podem ser
p
f v` M/` M/`3 k/M
Str = , Re = , Π3 = = e Π4 = .
v/` ν ρ `2 ρ v/`

Se o modelo for feito do mesmo material da ponte, Π3 é igual no modelo e no protótipo.


As massas do modelo e do protótipo estão na escala dos volumes: Mm /Mp = (`m /`p )3 .
Da igualdade dos Π4 resulta
 2  3  2  2
km Mm vm `p `m vm `p vm `m
= = = .
kp Mp v p `m `p vp `m vp `p

Se o número de Reynolds tem pouca importância, e dando por descontado que os Π3 são
iguais, o problema exprime-se adimensionalmente na forma Str = função(Π4 ).
Nota 1: Para diminuir a diferença entre os Reynolds, conviria realizar o ensaio à veloci-
dade máxima permitida pelo túnel, no entanto, em geral isso implica que a frequência
própria do modelo seja impraticavelmente grande. Portanto, a velocidade do ensaio está
limitada pela frequência fm .
p
Nota 2: O grupo Π4 escrito acima é uma variante do número de Strouhal, porque k/M
é uma frequência.
Nota 3: Normalmente, a torção do tabuleiro também é importante, além da flexão. A
torção introduz o desvio angular, a rigidez torcional e o momento de inércia dessas rota-
ções. O problema precisaria de mais dois grupos adimensionais além do ângulo, que já é
adimensional.

17. Uma máquina de misturar refresco em restaurantes consome 250 W no mo-


tor de recirculação. Se construir uma máquina n vezes maior em cada uma
das dimensões lineares (comprimento, altura e largura) e em que o caudal
de recirculação seja n3 vezes maior,

(a) Qual deve ser a potência da nova máquina?


(b) Qual seria a velocidade de rotação da bomba da instalação n vezes
maior para que o escoamento seja dinamicamente semelhante? Con-
sidere que na nova instalação todas as dimensões lineares são n vezes
maiores, incluindo o diâmetro da bomba.
Solução:

42
(a) As variáveis de referência são a potência P , o comprimento `, o caudal volúmico Q,
a massa volúmica do lı́quido ρ, a aceleração gravı́tica g e a viscosidade cinemática
ν. O problema tem dois grupos adimensionais, por exemplo Π1 = P/(ρ g Q `)
e Π2 = (Q/`)/ν. Π2 é uma variante do número de Reynolds e sabe-se que, na
generalidade dos problemas de engenharia, em que o número de Reynolds é gran-
de, como é o caso, a sua influência é pequena. Portanto, Π1 é aproximadamente
constante e a potência P aumenta com n4 .
(b) As variáveis de referência são o caudal volúmico Q, a velocidade angular ω e o
diâmetro d do rotor (ou qualquer outra dimensão linear). O grupo adimensional
resultante é, por exemplo, Π3 = Q/(ω d3 ). A velocidade angular do rotor seria a
mesma.

18. Considere um veı́culo submarino de massa M = 3 × 103 kg, em imersão


a grande profundidade. Para dimensionar os propulsores do submarino,
pretende-se determinar a sua resistência, usando um modelo à escala num
túnel aerodinâmico. A velocidade máxima do túnel é 78,2 m/s, com ar seco
à temperatura de 20 ◦ C e à pressão ambiente. A velocidade nominal deste
submarino é muito lenta: vp = 1 m/s em água salgada à temperatura de
15 ◦ C.

(a) Calcule a escala do modelo mais adequada para este ensaio. Determine
o volume do submarino.
(b) Seria grave utilizar um modelo um pouco mais pequeno do que o cal-
culado na alı́nea anterior? Porquê?
(c) Supondo que coubesse folgadamente no túnel, seria possı́vel usar um
modelo duas vezes maior (as dimensões lineares seriam o dobro) que o
calculado na alı́nea (a)?
(d) Qual a relação entre a resistência deste modelo maior e a do modelo
mais pequeno?
Solução:

(a) A profundidade é grande se a superfı́cie livre não tem influência no escoamento.


Portanto, apenas os números de Reynolds devem ser iguais. A densidade média
dos submarinos é quase igual à da água, portanto o volume é cerca de 3 m3 . A
dimensão de referência do protótipo pode ser `p = 31/3 = 1,44 m e o Reynolds
baseado em `p vem Rep = 1,44 × 106 . O menor modelo com este Reynolds é o que
utiliza a velocidade máxima do túnel: `m = 0,277 m; a escala é 1:5,2.
(b) A importância de preservar exactamente o número de Reynolds depende da geo-
metria do corpo. Se tiver muitas esquinas, a configuração do escoamento fica
substancialmente definida mesmo que o Reynolds seja baixo. Para uma geometria
como a do carro da Figura 10, isso só aconteceria para Re > 3 ∼ 4 × 106 . Ensaiar
o modelo deste submarino a um Reynolds inferior ao do protótipo é correr o risco
de obter resultados enganadores, em geral com maior CD no modelo.
(c) Utilizar um modelo maior que o da alı́nea (a) não tem problema, desde que a
velocidade do túnel seja mais baixa, para o Reynolds do modelo ser igual ao do
protótipo.

43
2
Dm ρm vm `2m
(d) A razão de forças de resistência seria = = 5,333 × 10−6 .
Dp ρp vp `2p
2

19. Pretende-se dimensionar a potência de propulsão de um navio, mediante


ensaios de um modelo à escala 1:20 num tanque de reboque. O navio mede
60 m de comprimento, 10 m de largura e tem 6 m de calado.

(a) Qual o comprimento, largura e calado do modelo?


(b) A que velocidade deve ser ensaiado o modelo para se poder calcular a
potência de propulsão do navio a 30 km/h em relação à água?
(c) Se a resistência do modelo nas condições da alı́nea anterior for 21 N,
qual deve ser a potência útil de propulsão? Admita que o hélice e o
equipamento de propulsão têm um rendimento global de 30%. Qual a
potência da máquina?
Solução:

(a) O modelo tem 3 m de comprimento, 0,5 m de largura e tem 0,3 m de calado.


(b) A velocidade do modelo tem de ser 1,863 m/s.
(c) Com os dados disponı́veis, estima-se a área molhada do navio em Ap ' 60 (10+2×6)
= 1320 m2 e a do modelo, na proporção das escalas, Am = 3,3 m2 . Os números
de Reynolds do navio e do modelo são Rep = 5,00 × 108 e Rem = 5,59 × 106 . O
coeficiente de resistência de atrito do navio, antes de somar a correcção 0,0004 (cf.
página 26), é CD τ p = 1,671 × 10−3 (I.T.T.C.), CD τ p = 1,671 × 10−3 (Schönherr)
CD τ p = 1,484 × 10−3 (Hughes). O coeficiente de resistência de atrito do mo-
delo é CD τ m = 3,328 × 10−3 (I.T.T.C.), CD τ m = 3,233 × 10−3 (Schönherr),
CD τ p = 2,966 × 10−3 (Hughes). A resistência do navio àquela velocidade é
Dp = 1,090×105 N (I.T.T.C.), Dp = 1,134×105 N (Schönherr); Dp = 1,172×105 N
(Hughes). As potências correspondentes são Pp = 9,081×105 ; 9,449×105 ; 9,765×
105 W, conforme a estimativa adoptada para CD τ m . A potência consumida pelo
motor é cerca de 3,144 × 106 W.

20. O modelo de um navio com comprimento de 112 m e velocidade nominal de


13,5 nós foi ensaiado num tanque de reboque para determinar a resistência
e o comportamento no mar. A área molhada do navio é aproximadamente
igual a 3 900 m2 . O modelo está à escala de 1/32. Pode admitir que a água
do tanque tem a mesma salinidade da água do mar. Se precisar de fazer
hipóteses para responder, indique quais.

(a) A força de resistência medida no modelo, em condições corresponden-


tes à velocidade nominal, foi de 9,0 N. Extrapole devidamente para
obter a resistência do navio real.
(b) A expressão de Hughes prevê coeficientes de resistência de atrito siste-
maticamente inferiores aos da correlação de Schönherr e da expressão
do I.T.T.C. (cf. Figura 17 e expressões (7)). Esta diferença tem im-
portância para efeito da extrapolação da resistência de navios a partir
de medições em modelo reduzido?

44
(c) Se o rendimento de propulsão for cerca de 60%, parece-lhe que uma
máquina com 3,5 MW de potência nominal serve para este navio?
(d) A superstrutura do navio é parecida com um paralelepı́pedo com 20 m
de comprimento, por 15 de altura, por 10 de largura. Faça uma esti-
mativa da resistência desta parte do navio, num dia sem vento em que
o navio se desloque à velocidade nominal, para verificar se a resistência
aerodinâmica da superstrutura alteraria a resposta à alı́nea anterior.
(e) Constatou-se que eram precisos 20 s para a resistência do modelo esta-
bilizar. Se a aceleração do navio no mar for igual (exactamente igual,
em m/s2 ), quanto tempo se deveria esperar nos ensaios no mar, para
também obter resultados estabilizados de resistência? Sugestão: qual
é a relação entre as escalas de tempos? E de acelerações?

(a) A velocidade do navio é vp = 6,945 m/s. A resistência àquela velocidade é Dp =


4,766 × 105 N (I.T.T.C.), Dp = 4,874 × 105 N (Schönherr); Dp = 4,960 × 105 N
(Hughes).
(b) O coeficiente de resistência do navio extrapola-se a partir das medições no modelo
pela expressão: CD p = CD m − CDτ m + CDτ p . A compensação devida à desigual-
dades dos números de Reynolds é a diferença (CDτ p − CDτ m ), pelo que um desvio
constante da função CDτ (Re) não afecta a extrapolação da resistência, desde que
se utilize a mesma expressão para CDτ p e CDτ m . Tomando como referência os va-
lores da correlação de Schönherr, a diferença de CDτ tem um erro de −1,1 × 10−4
se usarmos a função do I.T.T.C e +0,9 × 10−4 se usarmos a função de Hughes.
(c) A potência da máquina teria de ser cerca de P = 5,63 MW.
(d) O coeficiente de resistência de um paralelipı́pedo alinhado com o escoamento é in-
termédio entre o de um cubo e o de um cilindro longo alinhado com o escoamento.
Da tabela da página 16 pode esperar-se aproximadamente CD ' 1. A resistência
da superestrutura do navio vem, aproximadamente Dsup = 4,35 × 103 N, cerca de
100 vezes mais pequena que a resistência do casco. Considerou-se ρar = 1,2 kg/m3 .
p p
(e) A escala de tempos é `/g. Portanto Tp = Tm `p /`m = 113 s.

21. A Figura 25 representa o coeficiente de resistência de onda de duas versões


do modelo de um navio tı́pico: com bolbo e sem bolbo. O navio tem 32 m
de comprimento e uma área molhada de 485 m2 . O modelo está à escala
1:15. Despreze a resistência aerodinâmica da superestrutura do navio.
(a) Calcule a resistência do navio com bolbo, navegando em água salgada,
a uma velocidade efectiva de 3,3 m/s contra uma corrente de 1,5 m/s,
à temperatura de 10 ◦ C. (ρ = 1027 kg/m3 , ν = 1,36 × 10−6 m2 /s; de
acordo com ITTC, p. 8).
(b) Verifique se, na versão com bolbo, o navio consegue dar a velocidade
referida, naquelas condições, com uma potência do motor de 150 kW
e um rendimento global de propulsão de 60%.
(c) Sem bolbo, que velocidade atingiria com aquele motor?

45
Figura 25: Coeficiente de resistência de onda do modelo em função do número de Froude.
Os coeficientes de resistência deste gráfico baseiam-se no quadrado do comprimento do navio e
não na área molhada. (Figura adaptada de Munson et al., p. 607, fig. 9.26).

Solução:

(a) O Froude é Fr = 0,271; o coeficiente de resistência de onda é CD w = 0,00021 | 0,00067


com|sem bolbo. Usando a correlação de Schönherr, a resistência do navio é Dp =
1,65 × 104 | 2,21 × 104 N, com | sem bolbo. A média das estimativas de re-
sistência usando as fórmulas de Schönherr, do I.T.T.C. e de Hughes, é Dp =
1,61 × 104 | 2,17 × 104 N, com | sem bolbo.
Atenção! É legı́timo tomar qualquer valor como referência para definir um grupo
adimensional. Quando se trata de navios é habitual usar a área molhada para defi-
nir o CD , mas há outras possibilidades, tais como usar o quadrado do comprimento
` do navio: CD = D/( 12 ρ v 2 `2 ). Foi essa a escolha de quem compilou a informação
contida na Figura 25, relativa à resistência de onda; o coeficiente de resistência
de atrito dado pela expressão de Schönherr e pelas outras está adimensionalizado
pela área molhada.
(b) Seria preciso Pp = 132 kW, calculando a resistência de atrito com a fórmula de
Schönherr, e Pp = 129 kW, usando a média da resistência de atrito calculada com
as três fórmulas.
(c) O coeficiente de resistência de atrito a 4,8 m/s em relação à água (Rep = 1,13×108 )
é CD τ p = 0,00204, com a fórmula de Schönherr. CD τ p = 0,00197, usando a média
das resistências estimadas com as três fórmulas. Para pequenas variações da velo-
cidade, o coeficiente de resistência de atrito praticamente não varia. A derivada do
coeficiente de resistência de onda em ordem ao Froude é, para o casco sem bolbo,
dCD w /dFr = 0,0053, para Fr ≤ 0,27. A resistência e a potência da máquina a uma
velocidade vp∗ em relação à água vêm
dCD w (vp∗ − vp )
Dp (vp∗ ) = CD w (Fr = 0,27) + p + CD τ p + 0.0004 e Pp = Dp vp∗ .
dFr g `p
Com Pp = 150 kW e 60% de rendimento de propulsão, a velocidade limite em
relação à água é vp∗ = 4,62 m/s (3,12 m/s em relação à Terra). Determinada vp∗ ,
seria possı́vel recalcular Re e corrigir CD τ p , mas não se justifica.

46
22. Pretende-se ensaiar uma central de energia das ondas com um modelo em
escala reduzida. A central é constituı́da por um flutuador de 14 m de diâ-
metro, a que correspondem 14 cm no modelo (portanto a escala de compri-
mentos é 1:100). O ensaio será feito em água salgada com densidade igual
à do mar (portanto a escala de densidades é 1:1). A aceleração gravı́tica é
igual no modelo e no protótipo (portanto a escala de acelerações é 1:1).

(a) Qual a altura das ondas no tanque de ondas, para simular um estado
de mar com ondas de 4 m?
(b) Qual deve ser o perı́odo das ondas no tanque de ondas, para simular
ondas marı́timas com perı́odo de 10 s?
(c) Se o equipamento de extracção de energia da central exercer uma força
de 4 × 105 N (40 ton), qual a força correspondente no modelo?

Solução:
(a) 4 cm. (b) 1 s. (c) 0,4 N.

23. Verifica-se que um pontão não entra em ressonância com ondas incidentes
de perı́odo inferior a 16 s (cf. Figura 26). Pretende-se aumentar as dimen-
sões lineares do pontão para o dobro, de modo que o novo pontão seria duas
vezes mais alto, duas vezes mais largo, etc.

Figura 26: O pontão inicial foi considerado estável para perı́odos inferiores a τ = 16 s.

(a) Haverá perigo de o novo pontão entrar em ressonância com ondas de


perı́odo inferior a τ = 16 s?
(b) Em condições de semelhança, aumentando as dimensões lineares do
pontão para o dobro, como é que a força total nas amarras varia?
(c) Se o pontão estivesse na albufeira de uma barragem, portanto com
água doce em vez de água salgada, a frequência de ressonância altera-
va-se? Justifique brevemente.

47
Solução:
p
(a) O perı́odo
p adimensional τ / `/g é igual no pontão antigo (1) e no novo (2) quando
τ2 = τ1 `2 /`1 . Se o antigo não entrava em ressonância para τ1 < 16 s, o novo não
entra em ressonância para τ2 = 22,63 s. Portanto, sob este aspecto é mais seguro.
(b) Aumenta 8 vezes.
(c) Só se alterava se o número de Reynolds desempenhasse um papel relevante neste
problema. Mesmo assim, a variação de viscosidade cinemática seria muito pequena
e o número de Reynolds não variava significativamente. A elevados números de
Reynolds uma variação significativa é, no mı́nimo, de um factor de 2.

24. Um barco à vela (13 m) navega perpendicularmente ao vento atmosférico


à velocidade de 8 m/s. O vento sopra uniforme com velocidade de 8 m/s.
A altura do mastro é 17,8 m e a área vélica é 82,4 m2 . As caracterı́sticas
aerodinâmicas das velas estão indicadas na Figura 27. Calcule a força de
propulsão das velas, tendo também em conta a resistência aerodinâmica das
velas. Considere que a massa volúmica do ar é ρ = 1,2 kg/m3 .
Solução:
A velocidade relativa do vento é a composição vectorial da velocidade do vento atmosfé-
rico vatm e do simétrico da velocidade do navio vnavio . Neste caso, a velocidade relativa
é v∞ = 11,314 m/s, inclinada a θ = 45◦ em relação à direcção do vento atmosférico, y
na Figura 28. As componentes de sustenção e de resistência, que se definem em relação
à direcção da velocidade relativa, são L = CL A 21 ρ v∞
2
e D = CD A 12 ρ v∞2
. A com-
ponente x, segundo a direcção de avanço do barco, é Fx = L cos(α + θ) − D sin(α + θ).
A Figura 27 contempla algumas variantes da posição do mastro, desde mais inclinado
para a vante (V) até mais inclinado para a ré (VIII). Na tabela seguinte calcula-se o
coeficiente de força segundo x, Cx = Fx / A 21 ρ v∞ 2
= CL cos(α + θ) − CD sin(α + θ),
para determinar a posição que proporciona maior força de propulsão das velas. O sinal ∗
refere-se ao ângulo de ataque que maximiza CL /CD .

posição α∗ CL∗ (CL /CD )∗ CD∗


Cx∗
V 20◦ 0,79 3,55 0,223 0,132
VI 15◦ 0,72 4,20 0,171 0,212
VII 12◦ 0,70 5,05 0,139 0,265
VIII 8◦ 0,64 5,50 0,116 0,292

A posição VIII é a mais vantajosa, Fx = 1,85 × 103 N.


Nota 1: Para tornar a Figura 28 graficamente mais clara deslocou-se o ponto de aplicação
das forças para um ponto afastado da vela e próximo do mastro. É óbvio que a força
resultante não está aplicada no mastro porque a vela é suportada também pela retranca.
Nota 2: Na Figura 28, o contorno do barco está alinhado com a direcção do deslocamento,
mas não é necessariamente assim, porque a àgua deve gerar sobre o conjunto casco-leme
uma força que equilibre a componente Fy representada na figura. Uma das formas de
gerar essa força é orientar o conjunto casco-leme com um ângulo de ataque em relação
à direcção de avanço. Para gerar uma força lateral para a esquerda (a componente Fy
gerada pelo vento aponta para a direita), o conjunto casco-leme estaria inclinado para a
esquerda. No entanto, para equilibrar devidamente a força Fy é preciso gerar uma força
com a mesma linha de acção (doutra forma, surge um binário que faz o barco rodar sobre

48
Figura 27: Coeficientes de sustentação e de resistência de vela triangular bermudiana (em
inglês, finn-type), obtidos em túnel aerodinâmico à escala 51 . O ângulo de ataque α refere-se à
posição da retranca. (C. A. Marchaj, pp. 550-1, Figs. 3.15-17).

um eixo vertical) e isso consegue-se actuando simultaneamente no ângulo de ataque do


casco e na posição do leme.

25. Utilize a Análise Dimensional para investigar as dependências funcionais da


velocidade de propagação (celeridade) c de uma onda de superfı́cie livre no
oceano. Se se tratar de um onda sinusoidal, ela caracteriza-se geometrica-
mente pela altura H (dobro da amplitude), pelo comprimento de onda λ e
pela velocidade de propagação.

(a) A seguinte dependência está completa c = função(H, λ, ρ)? Ela é


consistente?
(b) A energia geopotencial da água varia com o movimento ascendente

49
Figura 28: Esquema das forças aerodinâmicas exercidas pelo vento sobre a vela.

e descendente da superfı́cie livre, donde se deduz que a aceleração


gravı́tica intervém. Admitindo que c = função(H, λ, g), expresse o
problema sob forma adimensional.
(c) A dissipação das ondas do mar tem de depender de mais variáveis além
da viscosidade da água?
(d) Perto da costa, a profundidade d da água tem cada vez mais influência
na velocidade de propagação das ondas. Exprima adimensionalmente
essa dependência e defina um grupo que sirva para identificar quando
é que a profundidade começa a ser importante.
Solução:

(a) Falta pelo menos uma variável, porque a velocidade tem dimensões de tempo e mais
nenhuma outra variável tem essa dimensão fı́sica, impossibilitando a adimensiona-
lização de c. Além disso, apenas ρ tem dimensões de massa e portanto também
não se pode adimensionalizar. Ou ρ não é uma variável do problema ou falta outra
variável que inclua a dimensão fı́sica de massa.

(b) Há dois grupos adimensionais. Por exemplo, Π1 = c/ g λ (= Fr) e Π2 = H/λ.
Verifica-se que o segundo grupo é pouco √ importante para Π2 < 0,05, de modo que
Π1 é constante. Isto implica que c ∝ λ. As ondas cuja velocidade de propagação
depende do comprimento de onda designam-se por dispersivas, porque a diferença
de velocidade separa as componentes harmónicas do espectro.
Nota: no capı́tulo de ondas de superfı́cie livre mostra-se que Π1 = (2 π)−1/2 ' 0,4.
(c) Não tem de depender de mais variáveis porque a viscosidade cinemática ν se po-
de adimensionalizar com as variáveis anteriores, por exemplo Π3 = g λ3 /ν 2 . Este

50
grupo √ é o quadrado de um número de Reynolds em que a velocidade de referência
seja g λ.
Nota: As ondas oceânicas atravessam grandes distâncias praticamente sem dissi-
pação, portanto no mar alto o número de Reynolds das ondas costuma ser pouco
importante. Na rebentação é muito importante.
(d) O grupo adimensional Π4 = d/λ serve para identificar se a profundidade é impor-
tante. A velocidade de propagação da onda verifica Π1 = função(Π2 , Π3 , Π4 ).

Nota 1: Verifica-se que, para d/λ > 0,3 a profundidade quase não afecta a velocidade
de propagação. Para d/λ < 0,008 a profundidade é o parâmetro mais determinante e o
comprimento de onda influi pouco.
Nota 2: Quando a profundidade é mais importante que o comprimento
√ de onda, em
vez do grupo Π1 indicado acima, é mais lógico usar Π∗1 = c/√ g d. No limite em que
só a profundidade importa, o problema reduz-se a Π∗1 = c/ g d, em que, se√a altura
adimensional (H/λ) for pequena, Π∗1 é uma constante. Nestas condições, c ∝ d.
Nota 3: Um estudo mais aprofundado mostra que Π∗1 = 1.

26. Pretende-se conhecer o comportamento de uma plataforma oceânica (isto


é, numa zona de profundidade infinita ) numa região onde as correntes de
maré têm v = 1,5 m/s e as ondas têm H = 3 m de altura e um perı́odo mé-
dio de T = 12 s. Se for construı́do um modelo à escala de 1/15, determine
a velocidade da corrente, a altura das ondas e o perı́odo médio a usar nos
ensaios.
Solução: √ p
Os grupos adimensionais são três, por exemplo: H/`, v/ g ` e T / `/g.
A velocidade da corrente no modelo deve ser vm = 0,3873 m/s, a altura das ondas
Hm = 0,2 m e o perı́odo médio Tm = 3,098 s. A profundidade infinita é assegurada por
uma profundidade suficientemente grande para não alterar o escoamento (no capı́tulo
de superfı́cie livre ver-se-á que essa condição se cumpre para profundidades superiores a
cerca de 1/3 do comprimento de onda das ondas).

27. Pretende-se medir o balanceio de um navio no alto mar, usando um modelo


à escala reduzida de 1:10, num tanque de ondas. Identifique as proporções
adequadas para as variáveis. Para simplificar, admita que, naquele estado
do mar, as ondas têm uma componente harmónica predominante. Utilize os
resultados dos problemas anteriores; nomeadamente a informação de que a
resultante das forças viscosas é reduzida, comparada com as outras forças.
Solução: Comecemos por uma abordagem intuitiva. As variáveis mais óbvias deste pro-
blema são o comprimento λ e o momento de inércia I do navio, a altura H e o perı́odo
T das ondas, mas este relaciona-se directamente com a celeridade e o comprimento de
onda, c = λ/T , de modo que, para não introduzir a celeridade, podemos acrescentar o
comprimento de onda ` e a aceleração gravı́tica g. As dimensões fı́sicas fundamentais
desta primeira lista de variáveis, obtida intuitivamente, são

51
ângulo de balanceio (variável no tempo t) [θ] = adimensional
comprimento de referência [`] = L
altura das ondas [H] = L
perı́odo das ondas [T ] = T
comprimento de onda das ondas [λ] = L
momento de inércia de balanceio do navio [I] = M L2
aceleração gravı́tica [g] = L T −2

É evidente que este conjunto não pode ser suficiente, porque apenas o momento de inér-
cia do navio inclui a massa como dimensão fı́sica. A variável lógica para o completar é
a massa volúmica ρ da água. Ficamos assim com 8 variáveis e 3 dimensões fı́sicas fun-
damentais, de modo que o problema tem 5 grupos adimensionais. Um deles é o próprio
ângulo θ. Os outros podem ser

H λ g T2 I
Π1 = θ, Π2 = , Π3 = , Π4 = , Π5 = .
` ` ` ρ `5
Podem escolher-se infinitas outras combinações, mas este elenco tem a dupla vantagem
de ser simples e de usar como comprimento de referência o comprimento do barco, que
é conhecido. A Análise Dimensional diz-nos que, se os grupos Π2 , Π3 , Π4 e Π5 forem
iguais no modelo e no protótipo, então Π1 também será o mesmo. Daqui resulta uma
série de relações:

De (Π2 )m = (Π2 )p , resulta Hm = Hp (`m /`p )


(Π3 )m = (Π3 )p , λm = λp (`m /`p )
(Π4 )m = (Π4 )p , Tm = Tp (`m /`p )1/2
(Π5 )m = (Π5 )p , Im = Ip (`m /`p )5 ,

em que o ı́ndice m identifica o modelo e p o navio. Supôs-se que a aceleração gravı́tica


é a mesma no modelo e no protótipo e a massa volúmica da água também. A razão de
escala dos comprimentos é dada no enunciado, (`m /`p ) = 1/10, de modo que todas as
outras razões se podem calcular.
A parte do modelo que fica sempre fora de água não precisa de ser semelhante à do navio.
O importante é que a forma exterior do casco seja idêntica, a linha de água esteja na
mesma posição relativa e os momentos de inércia esteja na proporção adequada, indicada
acima. Para a linha de água estar na mesma posição relativa as massas devem estar na
proporção dos volumes, isto é Mm = Mp (`m /`p )3 .

28. Calcule a profundidade adequada do tanque para os ensaios referidos no


problema 27 representarem águas profundas.
Solução: Se a profundidade d da massa de água for importante, é preciso acrescentá-la
à lista de variáveis e, nesse caso, aparece um novo grupo adimensional. Uma das possi-
bilidades é Π6 = d/λ. Já se tinha dito (na solução do problema 25) que a profundidade
não seria importante para a propagação das ondas de superfı́cie se d/λ > 0,3, portanto
basta que o tanque tenha a profundidade dm > 0,3 λm para representar bem o mar
alto.

29. Indique um grupo adimensional que quantifique os efeitos viscosos do pro-


blema 27.

52
Solução: Se acrescentarmos a viscosidade cinemática ν da água à lista de variáveis, apa-
rece mais um grupo adimensional, que pode ser Π7 = `2 /(ν T ). Este grupo é da famı́lia
do número de Reynolds, com uma velocidade caracterı́stica dada por `/T .
Neste ensaio é impossı́vel que os efeitos viscosos estejam na mesma escala, (Π7 )m =
(Π7 )p , a não ser que as viscosidades da água do mar e do tanque fossem completamen-

te diferentes. Substituindo a razão de perı́odos Π4 em Π7 , vem Π7 = `3/2 /ν/ g Π4 .
Os Π4 têm de ser iguais e, para idênticas viscosidade e aceleração gravı́tica, (Π7 )m =
0,0316 (Π7 )p . Uma vez que não é possı́vel respeitar a proporção adequada para os efeitos
viscosos (os Π7 são diferentes), é preciso verificar se eles são pouco importantes para
o objectivo do ensaio e, eventualmente, pode-se distorcer sabiamente o modelo, para
compensar a diferença. Por exemplo, pode ser vantajoso aumentar artificialmente a ru-
gosidade em determinados pontos do casco do modelo, para tornar os escoamentos mais
semelhantes.

30. Compare uma turbina eólica com uma turbina semelhante que aproveite
a corrente da maré. Admita, pelo menos como hipótese inicial, que as
turbinas são geometricamente semelhantes. A velocidade média do vento
é 16 m/s, a velocidade da corrente é 8 m/s. A massa volúmica do ar é
1 kg/m3 , a da água é 1000 kg/m3 . Admita que a turbina de corrente está
a uma profundidade suficiente para não sofrer cavitação.

(a) Para a mesma potência extraı́da, qual a relação entre a força exercida
pela torre da turbina eólica e a torre da turbina de corrente?
(b) Para a mesma potência, qual a relação de diâmetros entre as duas
turbinas e a relação entre as suas velocidades de rotação?
(c) Para a mesma potência, qual a relação de binários?
(d) Compare, para a mesma potência, a tensão nas pás.
(e) Compare, para a mesma potência, a quantidade de material das tor-
res, se adequarmos a espessura das paredes para se verificarem tensões
iguais.

Solução:
As variáveis são a potência P , a força D, a massa volúmica ρ, a velocidade da corrente v,
o diâmetro d, a velocidade angular ω, o binário T e a tensão de referência nas pás σ (esta
tensão pode ser o módulo, ou uma componente, da tensão num determinado ponto).
Os números adimensionais podem ser Π1 = P/(D v), Π2 = D/( 21 ρ v 2 d2 ), Π3 = ω d/v,
Π4 = T /(D d) e Π5 = σ/( 12 ρ v 2 ). Em condições de semelhança, estes grupos adimensio-
nais são iguais nas duas turbinas. Utilizaremos o ı́ndice e para indicar a turbina eólica
e m para a turbina marı́tima.

(a) Para Π1 iguais e potências P iguais, Dm /De = ve /vm = 2. A torre da turbina


marı́tima está sujeita a um esforço 2 vezes maior.
(b) Para
p esta relação de forças e para Π2 iguais, a relação de diâmetros vem dm /de =
(Dm /De ) (ρe /ρm ) (ve /vm )2 = 0,0894. Nas condições anteriores, para Π3 iguais,
a relação de velocidades angulares vem ωm /ωe = (vm /ve ) (de /dm ) = 5,59.

53
(c) Para a mesma potência e para Π4 iguais, a relação de binários vem Tm /Te =
(Dm /De ) (dm /de ) = 0,179.
(d) Com Π5 iguais, a relação de tensões em pontos homólogos é σ m /σ e = σm /σe =
(ρm /ρe ) (vm /ve )2 = 250.
(e) A última alı́nea refere-se a uma situação de dissemelhança, mas que tem uma
relação directa com uma configuração à escala. A torre tem uma dimensão (a
espessura das chapas) muito menor que as outras (altura, diâmetro, etc.), de mo-
do que variar a espessura altera as tensões na mesma proporção, modificando-as
apenas em módulo. Assim, para a tensão ser igual na turbina de corrente, a re-
lação de espessuras tem de ser εm /εe = σm /σe . Portanto a relação de volumes
vem Vm /Ve = (εm d2m )/(εe d2e ) = 2. Embora necessite de espessuras muito maiores
para o mesmo nı́vel de tensões, a turbina de corrente marı́tima só gasta o dobro
do material por ser mais pequena.

Nota: Uma turbina de corrente tem impactos ecológicos mais gravosos que uma turbina
eólica e sofre mais a corrosão, mas tem o mérito de ser mais pequena, mais rotativa (o
que é vantajoso para o gerador eléctrico) e de aproveitar um recurso natural de variação
muito regular no tempo e portanto previsı́vel. O problema é que a torre e as pás da
turbina de corrente estão sujeitas a esforços maiores e, neste exemplo, para espessuras
na mesma escala, têm tensões 250 vezes maiores. A torre pode ser construı́da com cha-
pas mais espessas, mas o rotor da turbina eólica já tem espessuras grandes e não é fácil
alterar a sua espessura sem modificar substancialmente a forma exterior das pás. Isto
invalida que o rotor de uma turbina marı́tima possa ser semelhante ao de uma turbina
eólica e sugere que o investimento numa turbina de corrente será sempre maior, por
unidade de potência, que numa turbina eólica. Os protótipos de turbinas de corrente
que se construı́ram são máquinas muito reforçadas, com muitas pás para distribuir os
esforços, e, mesmo assim, não resistiram.

31. Conhecem-se os coeficientes de pressão sobre as pás de uma turbina eólica,


Cp = p̃/( 12 ρ v 2 ). Supondo que a turbina de corrente referida no problema
anterior funciona em condições de semelhança, determine a profundidade a
que se deve colocar a turbina para evitar cavitação. A tensão de vapor à
temperatura ambiente é pv = 2,4 × 104 Pa.
Solução:
Num ponto genérico x m , o desvio da pressão estática em relação à hidrostática local é
p˜m = Cp (x m ) ( 21 ρm vm
2
) e a pressão hidrostática é pH (x m ) = ρm g d(x m ), em que d(x m )
designa a profundidade desse ponto. A condição para não haver cavitação é, em todos
os pontos, p˜m + pH (x m ) > pv .
Ao fazer a extrapolação dos coeficientes de pressão deve ter-se cuidado porque o núme-
ro de Reynolds altera o escoamento junto das paredes e influencia a cavitação. Neste
problema a relação entre os números de Reynolds era Rem /Rep = 0,00298.

32. A velocidade de propagação do som c através de um material depende da sua


massa volúmica ρ e do seu módulo de expansão volumétrica k (= ρ ∂p/∂ρ)
(em inglês, bulk modulus), que tem dimensões de pressão. Assuma que es-
tas propriedades ρ e k são uniformes. Como varia a velocidade do som se ρ
duplicar, mantendo k?

54
Solução:
À primeira vista, o problema tem três variáveis e três dimensões fı́sicas independentes:

[c] = L T −1
[k] = M L−1 T −2
[ρ] = M L−3
3 3
o que daria nenhum grupo adimensional! Na verdade, o sistema M, L, T não é o mais
adequado a este caso, porque representa as variáveis com um número de dimensões fı́si-
cas superior ao mı́nimo. Experimentemos os sistemas de dimensões fı́sicas (V, p), (V, ρ) e
(p, ρ), em que p e ρ designam neste contexto as dimensões fı́sicas de pressão e de massa
volúmica.
(V, p) (V, ρ) (p, ρ)
[c] = V = V = p1/2 ρ−1/2
[k] = p = ρV 2 = p
−2
[ρ] = p V = ρ = ρ
3 2 2 2
Em qualquer destes sistemas, o problema apresenta apenas duas dimensões fı́sicas in-
dependentes. Possui portanto um único grupo adimensional, por exemplo Π1 = c2 ρ/k.
Como este número é único, sendo K uma constante, temos
s
k
c=K .
ρ

Duplicando ρ, a velocidade do som diminui 1/ 2 = 0,707.
Nota 1: Verifica-se que a constante é K = 1. √
Nota 2: A velocidade do som num gás perfeito é c = γ R T , em que T é a tempera-
tura absoluta. Isto resulta de a propagação do som ser praticamente isentrópica. Num
processo isentrópico num gás perfeito, p/ργ = C, em que C é constante. Portanto, o
módulo de expansão volumétrica num gás perfeito é
s
1 ∂p 1 γ−1 p γRT k p
k = = Cγρ = γ 2 = . Portanto c = = γ RT.
ρ ∂ρ ρ ρ ρ ρ

33. A frequência f de vibração da corda de uma guitarra depende da tensão σ


(por isso as cordas se afinam variando a força com que se esticam), do com-
primento livre (por isso, prendendo as cordas nos trastes e alterando o seu
comprimento livre, tocam-se notas diferentes) e ainda da massa da corda.
Qual deve ser a variação de comprimento para duplicar a frequência?
Solução:
[f ] = T −1
[`] = L
[σ] = M L−1 T −2
[M ] = M
4 3
p
O grupo adimensional para este problema pode ser Π1 = f M `/σ.
Para duplicar a frequência, o comprimento tem de se reduzir para 1/4 do valor original.

55
34. A velocidade de propagação c de uma onda transversal num cabo esticado
depende da força de tracção F e da densidade linear do cabo ρ0 (massa
por unidade de comprimento). Os pantógrafos dos comboios deformam o
fio eléctrico da catenária e, com o movimento do comboio, dão origem a
uma onda que se propaga. Quando a velocidade do comboio se aproxi-
ma da velocidade de propagação destas ondas, as oscilações da catenária
transformam-se em chicotadas violentas que produzem perdas de contacto,
descargas eléctricas e podem destruir o pantógrafo e a catenária. Proponha
alterações à catenária de uma linha em que circulam comboios a 100 km/h,
de modo a que também possam circular comboios a 300 km/h.

Figura 29: À medida que a velocidade aumenta, a deformada do fio condutor da catenária
fica mais assimétrica.

Solução: Mais uma vez, o sistema (M L T ) não proporciona um número mı́nimo de


dimensões fı́sicas independentes.

(M L T ) (V, F ) (V, ρ0 ) (F, ρ0 )


[v] = L T −1 = V = V = F 1/2 ρ0−1/2
[c] = L T −1 = V = V = F 1/2 ρ0−1/2
[F ] = M L T −2 = F = ρ0 V 2 = F
[ρ0 ] = M L−1 = F V2 = ρ0 = ρ0
4 3 2 2 2
p
O problema tem dois números adimensionais, que podem ser Π1 = v/c e Π2 = c ρ0 /F .
Para a catenária se comportar da mesma forma, Π1 deve ser o mesmo. Portanto, a velo-
cidade de propagação c deve triplicar.
p Como Π2 só é função de Π1 , o grupo Π2 também
vai ser igual. Isso implica que ρ0 /F diminua de um factor 1/3. Se o fio aguentar, pode
aumentar-se a tracção 9 vezes. Se não aguentar, é preciso escolher outro material ou
modificar substancialmente a forma de apoiar o fio, porque não basta aumentar o seu
diâmetro. Se ele for do mesmo material, a força de tracção máxima depende da área A
da secção recta e da tensão admissı́vel τadm : Fmax = A τadm ; a densidade linear depende
da mesma área A e da massa volúmica do material: ρ0 = A ρ. Portanto o quociente
Fmax /ρ0 não varia com a área da secção.
Apesar da melhoria das catenárias e dos pantógrafos, não se tem conseguido evitar o
crepitar das descargas de alta tensão entre a catenária e o pantógrafo dos comboios de
alta-velocidade. Este fenómeno é um desafio tecnológico interessante, ainda mal resolvi-
do.

35. Para medir em modelo reduzido (à escala 1:100) as tensões no paredão de
uma barragem de abóboda devidas à pressão hidrostática na albufeira, utili-
za-se mercúrio em vez de água, porque tem uma massa volúmica 13,6 vezes
maior que a água.

(a) Estabeleça a razão entre as tensões no modelo e no protótipo.

56
Figura 30: A perda de contacto entre o pantógrafo e o fio condutor da catenária provoca des-
cargas eléctricas. A maior velocidade, as descargas são frequentes e intensas, por isso, à noite,
de avião, consegue-se acompanhar um comboio de alta-velocidade, no meio do campo, por este
rasto de clarões. Em condições atmosféricas propı́cias, mesmo a baixa velocidade produzem-
-se descargas: www.youtube.com/watch?v=fFQNQspI2ek. No recorde de velocidade de 1955
as descargas fundiram um pantógrafo: www.youtube.com/watch?v=cHWjelxe-MU. Sem tanta
gravidade, no record de 2007: www.youtube.com/watch?v=EOdATLzRGHc (entre os minutos 4 e
5 e no inı́cio do minuto 6, a câmara foca várias vezes o pantógrafo).

(b) Mostre que o grupo adimensional usado na alı́nea anterior é o único


deste problema, supondo que o peso próprio do paredão seja pouco
relevante.
(c) Sugira uma forma de ter em conta o peso próprio.
(d) Ao ignorar o peso próprio da barragem, o erro cometido na extrapo-
lação deste ensaio é por excesso ou por defeito?
(e) Se as tensões no modelo forem medidas por extensometria, sugira uma
forma de aumentar a sensibilidade da medição no modelo.

Solução:

(a) As barragens de abóbada são muito pouco espessas pelo que o principal carrega-
mento dessas barragens é o devido à pressão hidrostática na albufeira, que depende
da massa volúmica ρ do lı́quido, da gravidade g e da profundidade, que se expri-
me num comprimento de referência `. Seja σ a tensão de referência. O número
adimensional correspondente pode ser Π = σ/(ρ g `). Em pontos homólogos as
tensões estão na proporção σ m /σ p = σm /σp = (ρm `m )/(ρp `p ) = 0,136.
Nota: Como é óbvio, para realizar o ensaio basta uma pequena quantidade de
mercúrio encostada à face de montante da barragem. Como o vapor de mercúrio
é tóxico, costuma envolver-se o mercúrio numa membrana flexı́vel de borracha (cf.
Figura 31).

57
Figura 31: À esquerda, corte do modelo da barragem do Boulder Canyon, nos EUA, com
indicação da bolsa de mercúrio utilizada para simular o carregamento hidrostático. À direita, o
projecto da barragem em planta. (Boulder Canyon Project – Final Reports, Part V, pp. 125 e
284). A espessura muito grande do paredão explica-se por a barragem ser muito antiga (1931-
1936) e de dimensões gigantescas para a época: 221,4 m de altura, 379 m de arco no coroamento!
Centenas de pessoas morreram em acidentes e doenças durante a construção. A barragem é
hoje conhecida como Hoover Dam.

(b) De facto, o grupo anterior é único, como se verifica se associarmos a constante g


com qualquer outra variável e representarmos as variáveis num sistema de dimen-
sões fı́sicas adequado. Por exemplo, peso especı́fico P e comprimento L:

[σ] = PL
[(ρ g)] = P
[`] = L

Com três variáveis e duas dimensões fı́sicas independentes, o problema fica com-
pletamente descrito com um único grupo adimensional.
(c) A forma de representar convenientemente o peso próprio do paredão é construir
o modelo num material 13,6 vezes mais denso que o betão. A densidade neces-
sária seria 3,4 × 104 kg/m3 . O mais parecido que se consegue é o chumbo, com
1.1 × 104 kg/m3 . Uma alternativa é aplicar uma força vertical sobre o coroamento
do modelo. Tem o inconveniente de não ser uma força distribuı́da uniformemente
no volume e portanto criar tensões demasiado grandes na parte superior do modelo
e/ou demasiado pequenas junto da base.
Como as barragens funcionam no regime elástico e as deformações são pequenas,
os campos de tensão devidos a cada carregamento somam-se linearmente. Assim,
é possı́vel medir independentemente as tensões produzidas pela pressão hidrostá-
tica, escalando-as na proporção indicada na alı́nea (a), e as tensões produzidas
pelo peso próprio. Supondo que o material do modelo tem uma massa volúmica
semelhante à do betão, as tensões devidas ao peso próprio escalam com a relação
de comprimentos (1:100, neste exemplo).
(d) Como o material do modelo é menos denso do que o necessário, as tensões devi-
das ao peso próprio estão por defeito no modelo. Como essas tensões ocasionam
sobretudo estados de compressão esse erro é, em geral, no sentido da segurança.
(e) Uma forma de aumentar as extensões é utilizar um material com um módulo de

58
elasticidade mais baixo. Não deve ser tão baixo que as deformações se tornem
grandes e deixem de variar linearmente com o carregamento aplicado.

Nota: Não se referiu o coeficiente de Poisson do material, dando por descontado que
teria pouca influência e não seria muito diferente no modelo e no protótipo (cf. nota de
rodapé 5, página 68).

36. As diferenças de temperatura podem produzir deformações e tensões con-


sideráveis em barragens de abóbada. Se a albufeira está vazia, ambas as
faces da barragem estão expostas ao ar, mas uma pode estar ao sol e a
outra à sombra; se a albufeira está cheia, a face de montante contacta com
água e a outra com a atmosfera, podendo também estar sujeita à insolação.
Pretende-se medir em modelo reduzido as tensões de origem térmica.

(a) Estabeleça a relação de escala para as tensões de origem térmica resul-


tantes de um aquecimento/arrefecimento com temperatura uniforme
no paredão.
(b) As diferenças térmicas entre as duas faces da barragem assumem al-
guma importância no estado de tensão. Muitas vezes estas diferenças
produzem-se em resposta a variações de temperatura do ar, da água,
ou da radiação solar, que afectam diferentemente cada uma das faces
da barragem. Que fluxos de calor nas superfı́cies, que temperaturas e
que escalas de tempo tem de usar no modelo?
(c) Se o modelo estiver à escala 1:100 e for feito do mesmo material da
barragem, como é que simularia o arrefecimento do lado da àgua e o
aquecimento, devido sobretudo à insolação, do lado oposto? Considere
a exigência de igual temperatura média do modelo e do protótipo.
(d) Reveja a alı́nea anterior na hipótese de a temperatura média poder ser
diferente.

Solução:

(a) As dilatações/contracções térmicas devidas à diferença ∆T = (T −T0 ) entre a tem-


peratura actual e a inicial podem expressar-se em função do coeficiente de expansão
térmica β do material: (ρ − ρ0 )/ρ0 = β ∆T . A razão volumétrica correspondente
é (V − V0 )/V0 = (1 + 1/β ∆T )−1 .
As variáveis de referência deste problema são a tensão de referência σ, o coeficiente
de expansão térmica β, a diferença de temperatura ∆T , o módulo de elasticidade
do material E e o coeficiente de Poisson ν. Com elas podem formar-se três grupos
adimensionais, por exemplo, Π1 = σ/E, Π2 = β ∆T e o próprio ν. A semelhança
obtém-se com ∆Tm = ∆Tp βm /βp e as tensões na barragem calculam-se a partir
das tensões medidas no modelo pela relação σ p = (Ep /Em ) σ m .
(b) Em primeira análise, o problema tem as seguintes variáveis de referência: a tensão
σ, o módulo de elasticidade E e o coeficiente de Poisson ν, o fluxo de calor q̇ (o
fluxo de calor de referência pode ser o fluxo numa face; para haver semelhança,

59
todos os outros fluxos devem estar na mesma proporção entre o modelo e o protó-
tipo), a temperatura inicial T0 e a temperatura T no instante t, o coeficiente de
expansão β, o calor especı́fico c e a massa volúmica ρ, a condutibilidade térmica
k e o comprimento ` (o comprimento de referência pode ser a espessura mas é
indiferente, porque todas as dimensões estão na mesma proporção entre o modelo
e o protótipo).

[σ] = M L−1 T −2 [T0 ] = Θ [c] = M −1 L2 T −2 Θ−1


[E] = M L−1 T −2 [T ] = Θ [ρ] = M L−3
[ν] = adimensional [β] = Θ−1 [k] = M L T −3 Θ−1
[q̇] = M T −3 [t] = T [`] = L

Este elenco contém 12 variáveis e 4 dimensões fı́sicas fundamentais, portanto pre-


cisa de 8 grupos adimensionais. Alguns são fáceis de organizar
σ T − T0 kt q̇ `
Π1 = , Π2 = ν, Π3 = β (T −T0 ), Π4 = , Π5 = , Π6 = ,
E T0 ρ c `2 k (T − T0 )
mas é difı́cil imaginar grupos adimensionais diferentes que não sejam uma combi-
nação destes seis. Esta dificuldade leva-nos a olhar novamente para as variáveis, à
procura de alguma que seja desnecessária. Salta à vista que ρ e c só aparecem em
conjunto, o que significa que a variável do problema é o produto, que tem dimensões
[ρ c] = L−1 T −2 Θ−1 , e não cada uma delas separadamente. O número de variáveis
passa para 11 e o número de grupos adimensionais reduz-se para 7. Também se
verifica que σ e E se relacionam exclusivamente entre si, de modo que a variável
do problema é a extensão de referência ε = σ/E, que é adimensional. Retirando
σ e E da lista e acrescentando ε, o número de grupos adimensionais passa a 6,
um dos quais é a própria extensão. Confirma-se assim que o conjunto de grupos
adimensionais apresentado acima está completo.
É frequente seguir este tipo de abordagem nas aplicações de engenharia, aperfei-
çoando gradualmente a formulação inicial.
Conhecidos os grupos adimensionais, as respostas pedidas são imediatas. A igual-
dade de Π3 mostra a relação de temperaturas do modelo e do protótipo: (Tm −
T0m ) = (Tp − T0p ) βp /βm . A igualdade de Π6 mostra a relação dos fluxos de calor
nas faces: q̇m = q̇p (`p /`m ) (km /kp ) (Tm − T0m )/(Tp − T0p ). A igualdade de Π5
diz-nos qual é a escala de tempos: tm = tp (kp /km ) (ρm cm /ρp cp ) (`m /`p )2 .
k
Nota 1: A propriedade α = chama-se difusividade térmica do material (m2 /s).
ρc
Nota 2: O grupo Π5 = Fo = α t/`2 é conhecido como número de Fourier, em
homenagem ao fı́sico e matemático francês Jean Baptiste Joseph Fourier (lê-se
Furriê).
Nota 3: Quando o fluxo de calor numa interface se deve à convecção, em vez do
grupo Π6 costuma usar-se o número de Biot: Bi = h `/k, em que h = q̇/(T − T0 )
é o coeficiente de transferência de calor por convecção. O nome recorda o fı́sico
francês Jean-Baptiste Biot (lê-se Biô).
(c) Se as propriedades dos materiais forem idênticas, os fluxos de calor são muito mais
intensos no modelo, na proporção `p /`m = 100. O aquecimento pode conseguir-
-se com uma fonte de radiação com um fluxo 100 vezes maior que o do sol. O
arrefecimento pode conseguir-se com água a temperatura muito mais baixa. Se
se pretende uma temperatura média igual, as temperaturas têm de ser iguais no

60
modelo e no protótipo, porque, para o mesmo β, Π3 impõe que a diferença (T − T0 )
seja igual e, para a mesma diferença de temperatura, Π4 impõe que a T0 seja a
mesma. Portanto, T (t) e T0 são iguais no modelo e no protótipo. No entanto, a
temperatura da água da albufeira deve ser diferente, para que os fluxos de arrefe-
cimento fiquem na proporção correcta. Para um coeficiente de convecção igual, se
a água da albufeira estiver 5 ◦ C mais fria que a face de montante da barragem, a
água da albufeira do modelo deveria estar 500 ◦ C mais fria que a face de montante
do modelo, o que implicava uma temperatura inferior ao zero absoluto. Portanto,
não basta utilizar água muito fria na albufeira, é preciso aumentar substancialmen-
te os coeficientes de transmissão de calor, por exemplo evaporando azoto lı́quido e
utilizando alhetas.
(d) Se as propriedades dos materiais (β, ρ c, k, E, ν) não variarem com a tempera-
tura, o valor absoluto da temperatura não importa. Nesse caso, em vez das duas
temperaturas T (t) e T0 , basta considerar a sua diferença ∆T (t). O grupo Π3 fica
= β ∆T (t) e o grupo Π4 desaparece.
Nesta hipótese, o ensaio do modelo pode fazer-se a uma temperatura média sufi-
cientemente elevada, por exemplo da ordem de 500 ◦ C. A temperatura da água
do modelo seria próxima da temperatura ambiente e o fluxo de calor na face de
jusante poderia ser assegurado por um radiador de potência suficiente.
Como, para materiais iguais, os tempos no modelo são muito mais curtos, na pro-
porção (`m /`p )2 = 10−4 , a simulação de 10 horas de sol demoraria 3,6 s.

37. As condições em que se dá o inı́cio do transporte sólido em canais de leito


granulado, sem coesão, são determinadas pela tensão crı́tica de arrasta-
mento τc e pela diferença entre o peso dos grãos e a impulsão. Os canais
não são erodidos enquanto a tensão de corte no fundo for inferior a τc ,
que pode ser calculada por meio de diagramas experimentais, dos quais o
mais conhecido é o de Shields, que representa a tensão de corte adimen-
sional Shi = τc / [(ρs − ρH2 O ) g ds em função de um número Reynolds
Res = uτ dq s /ν baseado no diâmetro e na velocidade de atrito, definida co-

mo uτ = τc /ρH2 O (uτ não representa uma mudança de posição, embora


tenha unidades de velocidade; cf. capı́tulo de camada limite). Nestas ex-
pressões, ρH2 O e ρs são a massa volúmica da água e dos grãos de areia, ν é a
viscosidade cinemática da água e ds é o diâmetro médio dos grãos de areia.
Um rio sem curvas, de 20 m de largura, tem o leito plano com uma inclinação
s = 0,002 e margens revestidas em cimento. O fundo tem uma granulome-
tria média de ds = 12 mm e uma massa especı́fica de ρs = 2650 kg/m3 . A
profundidade da água não varia longitudinalmente.
(a) Qual a profundidade máxima para o leito não ser erodido?
(b) Utilize o factor de atrito num tubo de diâmetro equivalente (cf. capı́-
tulo de perdas de carga) para estimar o caudal escoado nesta situação
limite. r 
ds ρs −ρ

(c) Mostre que o grupo Π3 = 0,1 ρ H2 O g ds é redundante em
ν H2 O

relação aos outros dois.

61
Figura 32: Diagrama de Shields. Para facilitar os cálculos, muitas versões do dia-
grama
s incluem um terceiro grupo adimensional, redundante em relação aos anteriores, que é
 
ds ρs −ρH O
0,1 ρH O
2
g ds .
ν 2

(d) O diagrama da Figura 32 aplica-se a rios de leito inclinado? Aplica-se


a escoamentos de ar?
Solução:
s  
ds ρs −ρH
2O
τc
(a) ν 0,1 ρH g ds = 1672 > 1000, pelo que = 0,06 e
2O (ρs − ρH2 O ) g ds
τc = 11,64 Pa. O balanço de forças
 e quantidade
 a um volume de controlo mostra
que a profundidade é h = τc / ρ g sin(2 θ)/2 = 5,5 m, em que θ = arctan(s).
(b) Comparando o rio de 5,5 m de profundidade com um tubo de 11 m de diâmetro e
rugosidade relativa ε/d = 12 × 10−3 /11 = 1,091 × 10−3 , atinge-se a tensão de corte
τc = 11,64 Pa para uma velocidade média v = 2,154 m/s, com um factor de atrito
f = 0,02007. Nota: a relação entre o factor de atrito e a tensão de corte na parede
é f = 8 τ /(ρ v 2 ).
O caudal escoado é Q = 236,9 m3 /s.
Nota: O tubo de diâmetro equivalente é aproximadamente aquele que tem a mes-
ma razão entre a área A da secção transversal e o seu perı́metro molhado P . A
razão RH = A/P designa-se como raio hidráulico. Numa secção cilı́ndrica de raio
R, cheia até meio ou totalmente cheia, RH = R/2, numa secção infinitamente larga
de profundidade h constante, RH = h.
−1/2
(c) Efectivamente, Π3 = 10−1/2 Res Shi .
(d) O diagrama de Shields aplica-se a zonas praticamente planas. A inclinação consti-
tui um novo grupo adimensional. A informação adimensional aplica-se indiferen-
temente com ar ou com água.
Nota: Salvo alguns efeitos geralmente pequenos, as correlações da Figura 32 apli-
cam-se a zonas onde o campo de velocidade está afectado pela proximidade de
pilares de pontes, desde que se tenha em conta a tensão de corte local. Por vezes,
a ondulação do fundo (em inglês riples) afecta a turbulência e o transporte sólido.
Em canais navegáveis, as ondas produzidas pela passagem dos barcos aumenta
notavelmente a erosão Por isso muitos canais navegáveis têm as paredes revestidas
de betão, de derivados do petróleo, têxteis, entrançados, etc.

62
38. A velocidade média v em rios e canais abertos pode ser calculada por meio
2/3
da fórmula de Manning v = n1 RH s1/2 , em que n é o coeficiente de Man-
ning, dependente da geologia, da vegetação e de outras caracterı́sticas do
canal, s é a inclinação (tangente do ângulo com a horizontal), RH é o raio
hidráulico, ver problema 37, alı́nea (b). Num canal muito liso, com pare-
des de vidro, n ' 0,01 m−1/3 s. Maiores rugosidades correspondem a valores
mais altos de n. As Figuras 33 e 34 ilustram alguns valores que o coeficiente
de Manning pode assumir em leitos naturais.

Figura 33: O coeficiente de Manning do Mississipi na região da confluência com o Missouri,


Distrito de St. Louis, varia entre n = 0,024 m−1/3 s e n = 0,041 m−1/3 s, conforme o caudal
(Paul R. Jordan, p. 36). Nas fotografias, o afluente Missouri é o que vem da esquerda. Nesta
zona, o Mississipi tem cerca de 500 m de largura, cerca de 11 m de profundidade média e um
raio hidráulico ligeiramente menor. A velocidade média varia entre 0,5 m/s e 2 m/s.

Habitualmente, n é escrito sem unidades e é chamado coeficiente, denomi-


nação que se aplica especialmente a grandezas adimensionais: desempenha,
de facto, o papel de um grupo adimensional?
Solução:
O coeficiente de Manning tem unidades (m−1/3 s) no Sistema Internacional e (ft−1/3 s)
no sistema inglês. Portanto a fórmula de Manning não é dimensionalmente consistente
e altera-se com o sistema de unidades. No Sistema Internacional n define-se de modo
2/3 2/3 1/2
que v = n1 RH s1/2 , no sistema inglês é v = 1,486
n RH s , para o valor numérico de n
não variar com o sistema de unidades. Assim, para o coeficiente de Manning ser tratado
como independente do sistema de unidades... a sua definição varia!
O coeficiente de Manning tem uma certa relação com a rugosidade média da superfı́cie ε.
A fórmula de Colebrook (cf. capı́tulo de perdas de carga) para escoamento desenvolvido
em tubos de diâmetro d, completamente cheios, é
 
1 ε/d 2,51
√ = −2,0 log10 + √ ,
f 3,7 Red f

63
Figura 34: Em época de cheias, com altura de água de 0,73 m, o coeficiente de Manning do leito
de cheia do Cypress Creek, em Downsville, Alabama (fotografia da esquerda) é n = 0,10 m−1/3 s;
o coeficiente de Manning do leito de cheia do Thompson Creek, em Clara, Mississipi (fotografia
da direita) com altura de água de 0,85 m é n = 0,20 m−1/3 s. (G.J. Arcement, Jr. & V.R.
Schneider, pp. 26 e 36).

em que f = 8 τw /(ρ v 2 ), sendo τw a tensão de corte na parede. Se o número de Rey-


nolds for muito grande, a segunda parcela do logaritmo pode desprezar-se. Para aplicar
a expressão de Colebrook a um rio podemos notar que numa secção aberta é razoá-
vel substituir o diâmetro d ' 4 Rh . Para rugosidades relativas tı́picas de rios e canais
(10−3 < ε/RH < 10−1 ), esta lei logarı́tmica pode ser aproximada por uma relação mais
simples do tipo potência:
  −2  1/3
ε/(2 RH ) ε
f = 2,0 log10 ' 0,147 .
3,7 RH

Fazendo um balanço de força e quantidade de movimento na direcção longitudinal, ten-


do em conta que a profundidade se mantém, porque o escoamento está desenvolvido,
obtém-se, ao cabo de algumas manipulações algébricas,
s
1/3 r
8 g RH s 0,147 1/6
v = , que é a fórmula de Manning com n = ε = 0,043 ε1/6 ,
0,147 ε1/3 8g

com o factor 0,043 em s/m1/2 no Sistema Internacional. Este resultado é muito sugesti-
vo, mas não explica tudo. Na realidade, muitos factores influenciam o escoamento num
rio ou canal: a forma da secção transversal, o perfil em planta, a rugosidade (mesmo que
se conseguisse definir a rugosidade média de forma clara, em muitos casos obter-se-ia
um valor variável no espaço e no tempo). Os sólidos em suspensão também afectam
o escoamento porque alteram a massa volúmica do fluido; os efeitos não estacionários
também podem ser importantes (por isso, para igual nı́vel e inclinação, o caudal é dife-
rente quando está a aumentar e quando diminui). Muitas vezes, a própria medição das
variáveis, como a velocidade média ou o raio hidráulico, tem grandes incertezas.
Num rio ou num canal a rugosidade média é mais permanente que a rugosidade relativa,
que depende directamente da profundidade, por sua vez função do caudal, mas, pelo
gráfico da Figura 33, a rugosidade média do Mississipi não parece assim tão constante:
varia entre n = 0,041 m−1/3 s (ε = 1,0 m) com menores caudais e n = 0,024 m−1/3 s
(ε = 0,7 m) com caudais maiores. Talvez o leito de cheia seja mais regular que a zona
central do rio... ou a variação de forma da secção transversal não esteja a ser devidamen-
te contabilizada pelo raio hidráulico. Com tantas incertezas, explica-se que se continue

64
a usar uma fórmula inconsistente. Algumas das inúmeras variáveis aglomeradas — mais
ou menos escondidas — no coeficiente de Manning são a aceleração gravı́tica e as proprie-
dades da água, que têm quase o estatuto de constantes fı́sicas fundamentais, no âmbito
da hidráulica fluvial.

39. Algumas antenas parabólicas, de telecomunicações ou de radar, são consti-


tuı́das por grelhas, em vez de discos completamente impermeáveis.

Figura 35: Exemplo de antena parabólica constituı́da por uma grelha de barras.

No túnel aerodinâmico usaram-se configurações semelhantes, com nume-


rosos furos para simular a porosidade das antenas reais. Mediram-se as
forças de resistência e calcularam-se os respectivos coeficientes de resistên-
cia, representados na Figura 36 em função da porosidade. Os furos são
geometricamente diferentes de uma grelha e o número de Reynolds que se
atingiu no túnel foi Re = 2 × 106 , mas resolva este exercı́cio na suposição de
que os valores obtidos são representativos de uma gama ampla de escoamen-
tos, mesmo com números de Reynolds diferentes dos que foram atingidos
nos ensaios. A validade desta hipótese é examinada noutro problema.

(a) Calcule a resistência de uma antena de 4 m de diâmetro, cuja porosi-


dade da grelha é 25%, com vento de frente de 72 km/h.
(b) Suponha que a primeira frequência própria estrutural do suporte da
antena é 0,5 Hz. Se pretender um modelo à escala, qual teria de
ser a frequência própria do modelo para representar bem o eventual
acoplamento entre as vibrações estruturais e a variação das forças ae-
rodinâmicas? Responda em função da velocidade, vm , do ar no túnel
e do diâmetro, `m , do modelo.

Solução:

65
Figura 36: Coeficientes de resistência de antenas parabólicas, baseados na área frontal, em
função da razão de porosidade, para um número de Reynolds baseado no diâmetro Re = 2×106 .
(Cf. Hoerner, Sighard, p. 20-2, fig. 6).

(a) De acordo com a Figura 36, o coeficiente de resistência aerodinâmica de uma an-
tena com 25% de porosidade, com vento de frente, é CD = 1,2. A resistência da
antena seria: D = 3,62 × 103 N. Chama-se a atenção para a consistência das
unidades; no sistema utilizado a velocidade é v = 20 m/s.
(b) Há diversas maneiras equivalentes de encontrar a frequência natural do modelo.
Uma, é analisar as escalas de frequência. Se a escala de velocidade é v e a de
comprimento é `, a escala de tempo é (`/v) e a de frequência é (v/`). Portanto, as
frequências estruturais, f , terão de estar na mesma proporção das frequências do
fp
escoamento: vmf/` m
m
= vp /` p
, em que os ı́ndices m e p se referem-se ao modelo e
ao protótipo, respectivamente.
Outra maneira de obter este resultado é elencar as variáveis relevantes e identificar
os números adimensionais. A lista de variáveis seria f, v, `, ν, s, em que f é a fre-
quência estrutural e s é a porosidade3 . Um dos números adimensionais que resulta
deste elenco é Π = f /(v/`), que teria de ser igual no modelo e no protótipo.

40. Discuta a forma de tornar o modelo da antena, referido no problema ante-


rior, mais realista. Para isso, compare os respectivos números de Reynolds e
analise o escoamento em mais pormenor. Suponha que a antena é constituı́-
da por uma malha de varões metálicos, cilı́ndricos, com pequena rugosidade.
Os coeficientes de resistência aerodinâmica representados na Figura 19 são
uma indicação dos coeficientes de resistência desses cilindros, excepto na
zona em que eles se cruzam. (O valor exacto de CD depende da rugosidade
da superfı́cie; além disso, este gráfico é para cilindros isolados e, portanto,
não tem em conta as zonas da grelha em que os varões se cruzam).

3
Repare-se que a porosidade, s, já é uma grandeza adimensional: área aberta da antena, a
dividir pela área total.

66
(a) Calcule o número de Reynolds da antena do problema anterior, sujeita
a um vento de 72 km/h.
(b) Parece-lhe que a porosidade do modelo representa adequadamente a
porosidade da grelha da antena? Que faria para confirmar o resultado?
Que propõe, para garantir a qualidade desta análise, especialmente se
os ensaios tivessem sido realizados com um número de Reynolds muito
diferente do número de Reynolds da antena?
(c) Se o número de Reynolds do modelo for inferior ao da antena, isso leva
a estimativas por excesso, ou por defeito, da força de resistência?
Soluções:

(a) Com vento de 72 km/h, o número de Reynolds da antena é v `/ν = 5,3 × 106 , que
não é exactamente igual ao número de Reynolds do modelo, 2 × 106 . Em princı́pio,
esta proporção de 2,7:1 não é preocupante no que respeita ao escoamento global,
mas pode alterar alguns pormenores significativos do escoamento na grelha. De
facto, a resistência global da antena depende da soma das resistências de cada
pequeno elemento da grelha e, como esses elementos são pequenos, o respectivo
Reynolds também é pequeno. Nesse caso, a proporção de 2,7:1 pode ser demasiado
grande.
(b) Vejamos as possı́veis consequências com um exemplo. Se os varões da antena ti-
verem um diâmetro de 0,5 m, para um vento de 72 km/h (20 m/s), o número de
Reynolds dos varões da antena é Rep = 6,7 × 105 ; em contrapartida, o número
de Reynolds dos varões do modelo é 2,7 vezes menor, Rem = 2,5 × 105 . A Figura
19 mostra que o coeficiente de resistência varia cerca de 5 vezes! entre 2,5 × 105
e 6,7 × 105 . Assim, se o modelo estivesse perfeitamente à escala, os varões do
modelo iriam opor uma resistência adimensional 5 vezes superior à dos varões da
antena, o que significa que o modelo se comportaria como muito menos poroso
aerodinamicamente que a antena.
A Figura 36 mostra que, se o vento vier de trás (linha a traço interrompido), a
resistência aerodinâmica global da antena varia pouco com a razão de porosida-
de, pelo que a diferença de porosidade aerodinâmica entre o protótipo e o modelo
não teria consequências significativas. No entanto, com vento de frente (linha a
cheio), o facto de os números de Reynolds não serem exactamente iguais levanta
incertezas.
Como a resistência global da antena depende da soma das numerosas resistências
de cada elemento da grelha, uma solução prática para melhorar a qualidade do
estudo é não construir o modelo exactamente à escala, mas sim:
a) com uma razão de porosidade igual à da antena;
b) com varões tais que o número de Reynolds seja igual no modelo e no protó-
tipo.
Estas duas condições conseguem-se usando um modelo com menos varões, mas
maiores do que seriam à escala, tal como se sugere simbolicamente na Figura 37.
(c) Da análise anterior resulta que, a haver erro, o CD do modelo seria maior que o
da antena, se o modelo estivesse à escala sem a compensação sugerida acima.

41. Uma fábrica de bolas de ténis, conhecida pela qualidade das bolas destina-
das a courts de terra batida, tem a possibilidade de passar a fabricá-las com

67
Figura 37: Esquema simbólico (a) da antena em verdadeira grandeza; (b) de um modelo
reduzido em que tudo está à escala, a razão de porosidade geométrica foi preservada assim
como o número de varões, mas o número de Reynolds dos varões fica inferior ao da antena
original e (c) de um modelo com igual porosidade, em que o número de Reynolds dos varões é
igua ao do protótipo mas o número de varões é menor.

uma nova composição de elastómetro, com menores impactos ecológicos e


condições mais favoráveis de preço4 . A massa volúmica e o módulo de Young
do actual elastómetro são ρ1 = 930 kg/m3 ; E1 = 1,24 × 107 Pa. O novo
produto é mais denso e mais rı́gido: ρ2 = 1020 kg/m3 ; E2 = 1,34 × 107 Pa.
Em ambos os casos, o coeficiente de Poisson5 é ν = 0,5.
O diâmetro exterior das bolas não se pode alterar, por exigências do regu-
lamento desportivo. O regulamento permite mudar a espessura, mas isso
implicaria modificações dispendiosas do equipamento da fábrica. A pressão
interna das bolas pode ajustar-se ao novo material.
O ponto mais importante é que as bolas respondam da forma a que os joga-
dores estão habituados. A resposta no campo depende fundamentalmente
da frequência própria das bolas.

(a) Enumere as variáveis mais relevantes para este problema. Antes de


responder à alı́nea seguinte, compare a sua lista com a apresentada na
solução.
(b) Escolha um conjunto de grupos adimensionais correspondente à lista
de variáveis da alı́nea anterior.
(c) Ajustando a pressão interna das bolas para igualar os números adi-
mensionais, as bolas feitas no novo material teriam a mesma frequência
própria?

4
A sugestão deste exercı́cio foi colhida de Edward S. Taylor, pp. 152 e ss.
5
Em geral, quando um material é sujeito à tracção numa direcção, tende a encolher nas
direcções ortogonais. O coeficiente de Poisson é uma medida deste efeito de compensação vo-
lumétrica: define-se como o quociente entre a extensão nas direcções ortogonais à carga e a
extensão na direcção da carga. Um material incompressı́vel tem um coeficiente de Poisson
exactamente igual a 1/2, indicando que o aumento de volume na direcção da força é com-
pensado pela contracção volumétrica nas duas direcções ortogonais. Para os elastómetros é
praticamente ν = 0,5. A tı́tulo de curiosidade, para os aços, ν ' 0,3.

68
(d) Conceba um ensaio para determinar a frequência própria que as bo-
las teriam, mantendo a pressão actual mas usando o novo material.
Obviamente, pretende-se uma experiência simples, que não implique
fabricar propositadamente bolas com o novo material.

Solução:

(a) As variáveis fı́sicas mais relevantes são:


frequência própria da bola [f ] = T−1
diâmetro [d] = L
espessura [t] = L
pressão interna da bola [p] = M L−1 T−2
módulo de Young do elastómetro [E] = M L−1 T−2
massa volúmica do elastómetro [ρ] = M L−3
coeficiente de Poisson do elastómetro [ν] = (adimensional)
7 3
o que implica quatro (4 = 7 − 3) números adimensionais.
(b) O coeficiente de Poisson já é um número adimensional. O conjunto pode ser:

f 2 ρ d2 p t
Π1 = ; Π2 = ; Π3 = ; Π4 = ν.
p E d

(c) O coeficiente de Poisson e a razão de espessura são iguais. Para os Π2 serem iguais,
p2 = p1 E2 /E1 = 1,08 p1 . Para os Π1 serem iguais:
s
f12 ρ1 d21 p2
r
ρ1 p2
f2 = 2 = f1 = 0,993 f1 .
p1 ρ2 d2 ρ2 p1

Em resumo, dentro da precisão dos dados, se a pressão fosse aumentada 1,08 vezes
as bolas continuariam a ter praticamente o mesmo ressalto no court. Repare que
a diferença entre 0,993 e 1 corresponde aproximadamente à incerteza que resulta
do número de algarismos significativos dos dados. A principal caracterı́stica nova
é que as bolas seriam mais pesadas, na proporção ρ2 /ρ1 = 1,10.
(d) Pode realizar-se um ensaio com Π2 = p1 /E2 , correspondente ao novo material e
à pressão interna anterior. Como Π3 e Π4 não variam, o valor de Π1 permitirá
inferir a nova frequência.
Para que Π2 tenha o valor necessário não é preciso usar uma bola feita no novo ma-
terial, basta que a pressão seja p3 tal que Π2 = p3 /E1 = p1 /E2 . Nestas condições,
tendo sido medida uma frequência f3 , pode calcular-se Π1 = (f32 ρ1 d2 )/p3 e, uma
vez conhecido Π1 , pode determinar-se a frequência que se teria com o material 2 e
a pressão 1:
s r s
Π1 p1 ρ1 p 1 ρ1 E2
f4 = = f3 = f3 = 0,985 f3 .
ρ2 d2 ρ2 p 3 ρ2 E1

Na verdade, a pressão que importa é a pressão interna relativa à atmosférica. Por-


tanto, a medição de f3 pode ser feita com bolas normais colocadas numa atmosfera
cuja pressão se possa variar, para a pressão relativa ser p3 .

69
42. Este problema serve de introdução ao capı́tulo seguinte, sobre escoamentos
em tubos. A solução de Poiseuille (cf. S. P. Sutera e R.Skalak) é a
solução do escoamento desenvolvido, monofásico, incompressı́vel e newto-
niano, num tubo cilı́ndrico. Seja ρ a massa volúmica do fluido e µ a sua
viscosidade absoluta ou dinâmica. Seja R o raio do tubo e dp̃/dx a compo-
nente longitudinal do gradiente de pressão relativa à hidrostática local. A
componente longitudinal da velocidade é
1 dp̃ R2 − r2
u(r) = − ,
µ dx 4
como se pode verificar por substituição na equação de transporte de quan-
tidade de movimento e na equação de transporte de massa.

(a) Escreva o resultado anterior sob forma adimensional.


(b) A perda de pressão relativa à hidrostática local, ∆p̃, ao longo do com-
primento L de um tubo cilı́ndrico de diâmetro d é função da velocidade
média v̄ e das propriedades ρ e µ do fluido. Quantos números adimen-
sionais necessita? Encontre uma expressão adimensional para ∆p̃.
(c) Suponha que respondeu à alı́nea anterior com os seguintes números
adimensionais (pode ter escolhido outros e a resposta estar igualmen-
∆p̃
te certa): Π1 = 1 2 ; Π2 (habitualmente representado por f e
2
ρ v̄
L
designado como coeficiente de atrito); Π3 = . De que depende Π2 ?
d
(d) Verifique que a solução de Poiseuille apresentada acima corresponde a
Π1 = Π2 Π3 com Π2 = 64/Red , em que Red = ρ v̄ d/µ é o número de
Reynolds baseado no diâmetro.
(e) Quando o escoamento é estacionário mas turbulento (ou seja, é esta-
cionário em média, mas em cada ponto a velocidade oscila em torno
do valor médio), a rugosidade das paredes pode influenciar a queda
de pressão. Em geral, maior rugosidade induz mais turbulência e isso
tende a aumentar a queda de pressão ao longo do tubo. Suponha que a
rugosidade média, ε, é uma medida suficiente da rugosidade. Indique
os números adimensionais que passariam a reger este problema.
Solução:

(a) Há várias alternativas para o comprimento de referência, por exemplo o raio inter-
no do tubo R, e para a velocidade de referência, por exemplo a velocidade máxima
1 dp̃ R2
(que ocorre em r = 0) e é umax = − . A velocidade adimensional e o
µ dx 4
u 4 µ u(r) r
raio adimensional vêm u∗ = = − e r∗ = , cuja relação
umax (dp̃/dx) R2 R
funcional é, de acordo com o enunciado, u∗ = 1 − r∗ 2 .

70
(b) A lista de variáveis para o problema da queda de pressão é:
perda de pressão (desvio relativ./ à hidrostática local) [∆p̃] = M L−1 T−2
diâmetro do tubo [d] = L
comprimento do tubo [L] = L
velocidade média na secção transversal [v̄] = L T−1
viscosidade do fluido [µ] = M L−1 T−1
massa volúmica do fluido [ρ] = M L−3
6 3
o que implica três números adimensionais. Ver alı́nea seguinte.
(c) Os números Π1 e Π3 propostos no enunciado não incluem a viscosidade, portanto
esta há-de estar presente em Π2 . Uma das possibilidades é que ele seja o conhecido
número de Reynolds.
(d) Integrando a solução de Poiseuille na secção obtém-se o caudal:
Z R
π dp̃ 4
Q = 2π u(r) r dr = − R
0 8 µ dx
R2 dp̃

Q dp̃
L = 8 µ v̄ L . Subs-
e a velocidade média: v̄ = = − . Assim: ∆p̃ =
π R2  8 µ dx     dx
R2
∆p̃ 64 L
tituindo d = 2 R e rearranjando, 1 2 = .
2 ρ v̄
Red d
(e) A anterior lista de variáveis vem acrescentada de mais esta variável, que tem di-
mensões de comprimento, [ε] = L. Passam a ser necessários quatro (4 = 7 − 3)
números adimensionais para descrever o problema. Uma das possibilidades é usar
os números adimensionais anteriores e acrescentar-lhe um relacionado com a rugo-
sidade:      
∆p̃ ρ v̄ d L ε
Π1 = 1 2 = função , , .
2 ρ v̄
µ d d

Nota: Não é fácil controlar exactamente a rugosidade e, portanto, esta é vista co-
mo uma propriedade estatı́stica da superfı́cie, independente da sua forma principal.
Tal aproximação faz sentido do ponto de vista da turbulência induzida pela rugo-
sidade, porque o que conta é o efeito global. Contudo, nem sempre o valor médio
da rugosidade é suficiente para caracterizar a produção de turbulência: por exem-
plo, uma superfı́cie com sulcos alinhados com o escoamento não produz a mesma
turbulência que uma superfı́cie com sulcos ortogonais à velocidade, mesmo que a
altura média dos sulcos seja igual. Por isso, em Mecânica dos Fluidos define-se
a rugosidade equivalente, que é a granulometria de uma distribuição aleatória de
grãos de areia que, colada sobre uma superfı́cie lisa, produz a mesma turbulência
(ou perda de pressão).

43. Dimensione o ensaio em modelo à escala 1:100 da pluma térmica e de sali-


nidade formada no oceano na descarga do circuito de refrigeração de uma
central termoeléctrica. A diferença de temperaturas não é grande mas a
transferência de calor ocorre lentamente, de modo que as massas de água
fria e de água quente conservam a sua entidade ao longo de distâncias
grandes, relativamente à zona que se pretende estudar. A massa volúmica

71
da àgua do mar, mais salgada e mais fria, é ρ1 = 1025 kg/m3 e a massa
volúmica da água quente é ρ2 = 980 kg/m3 , com um caudal de Q = 2 m3 /s.
Solução:
Na ausência de transferência de calor, as variáveis de referência são as massas volúmi-
cas ρ1 e ρ2 , o caudal Q, o comprimento de referência `, a aceleração gravı́tica g e a
viscosidade cinemática ν. O problema requer três gupos adimensionais, que podem ser
Π1 = (ρ1 −ρ2 )/ρ1 , Fr = Q`5/2 g −1/2 e Re = v `/ν. Em geral é impossı́vel a semelhança
completa. Se a dispersão devida à turbulência for menos importante que o efeito da im-
pulsão, podem utilizar-se números de Reynolds diferentes. A diferença de temperatura
ou de salinidade deve garantir a igualdade do número de densidade; o caudal do modelo
que verifica a igualdade do número de Froude é Qm = 1 × 10−5 m3 /s.
Nota: Podiam utilizar-se outros grupos adimensionais. Nos problemas de convecção tér-
mica é frequente o número de Richardson, que se define como Ri = g β (Tw −T∞ ) `/v 2 , em
que β é o coeficiente de expansão térmica, Tw é a temperatura da parede e T∞ é a tem-
peratura do fluido, de modo que, quando a densidade é apenas função da temperatura,
(ρw − ρ∞ )/ρ∞ = β (Tw − T∞ ). O número de Richardson pode expressar-se em função do
número de densidade referido acima e do número de Froude, Ri = Π1 Fr−2 ; ou em função
dos números de Grashof e de Reynolds, Ri = Gr/Re2 , com Gr = g β (Tw − T∞ ) `3 /ν 2 .
A convecção natural junto de uma parede vertical pode representar-se em função do
número de Rayleigh, usando como comprimento de referência a distância x ao bordo de
ataque da placa: Rax = Grx Pr = νg βα (Tw − T∞ ) x3 , em que Rax e Grx são os números
de Rayleigh e de Grashof na coordenada x, Pr = ν/α = Cp µ/k é o número de Prandtl;
α = k/(ρ Cp ) é a difusividade térmica do fluido, k a condutilidade térmica do fluido e Cp
o calor especı́fico do fluido a pressão constante. As propriedades Pr, ν, α e β calculam-se
habitualmente à temperatura de filme, isto é, à temperatura intermédia entre a parede
e o fluido não perturbado Tf = (Tw + T∞ )/2;

44. Pretende-se estudar experimentalmente a aerodinâmica do voo de moscas


caseiras com um modelo à escala6 , mergulhado num tanque de glicerina a
30 ◦ C. As dimensões de alguns exemplares destes insectos estão indicadas na
figura 38: comprimento de 5 ∼ 6 mm e massa de 12 mg, para moscas adul-
tas. O modelo, à escala 100:1, terá 50 cm de comprimento. As propriedades
fı́sicas da glicerina a 30 ◦ C são: massa volúmica ρg = 1,25 × 103 kg/m3 ;
viscosidade absoluta µg = 0,612 Pa s.

(a) Enumere as variáveis fı́sicas que podem interessar para estudar as for-
ças aerodinâmicas em voo rectilı́neo.
(b) Indique um conjunto de grupos adimensionais para descrever o pro-
blema.
(c) Se esta classe de moscas voa a 0,6 m/s com 30 batimentos das asas
por segundo, calcule a velocidade do escoamento relativo no ensaio e
a frequência de batimentos do modelo.

6
Pode encontrar mais dados e uma explicação acessı́vel deste tipo de estudo experimental no
seguinte artigo sobre a mosca da fruta, Drosophila melanogaster: Steven N. Fry et al. Uma
versão ainda mais simplificada deste trabalho foi publicada num artigo de divulgação cientı́fica:
Hall, Alan.

72
Figura 38: Exemplos de moscas comuns (Fannia Canicularis; em inglês houseflies),
com indicação da dimensão tı́pica. (Fontes: www.ars.usda.gov/is/pr/2008/080319.htm e
www.pestcontrolcanada.com/INSECTS/flying%20pests.htm).

(d) Nas condições da alı́nea anterior, qual o factor de escala das forças?
Faça uma estimativa da força necessária para accionar o modelo.
(e) Se quisesse construir um robot, à escala, que reproduzisse as acrobacias
de uma mosca viva, qual deveria ser a massa do modelo?
Solução:

(a) A lista de variáveis que importam para a componente longitudinal da força, em


voo rectilı́neo é:
componente longitudinal da força [Fx ] = M L T−2
frequência de batimento das asas [f ] = T−1
dimensão caracterı́stica da mosca [`] = L
velocidade do vento relativo [v] = L T−1
viscosidade do fluido [µ] = M L−1 T−1
massa volúmica do fluido [ρ] = M L−3
(b) Resultam três grupos adimensionais, que podem ser:
Fx f ρ`v
Π1 = 1 , Π2 = e Π3 = . (9)
`2 2ρ v2 v/` µ

Analogamente, poderı́amos formular um problema semelhante para as outras com-


ponentes da força. Por exemplo, para a componente transversal da força ([Fy ]=M L T−2 )
obterı́amos os mesmos grupos adimensionais indicados em (9), excepto que em vez
de Π1 apareceria Π4 = Fy /(`2 21 ρ v 2 ).
Os números Π1 e Π4 são coeficientes de força (poderiam designar-se Cx e Cy ), o
grupo Π2 é o número de Strouhal (Str) e Π2 o número de Reynolds (Re).
(c) Para haver semelhança, os números adimensionais do modelo têm de ser iguais aos
do escoamento original. Em particular,
ρp `p µm `p νm
Rem = Rep : vm = vp = vp = 0,200 m/s;
ρm `m µp `m νp
vm `p νm `2p
Strm = Strp : fm = fp = fp = 0,100 Hz (perı́odo: T = 9,98 s).
vp `m νp `2m

73
Sendo iguais os coeficientes de força,
`2m ρm vm2
νm2
ρm
(Fx )m = (Fx )p 2 2
= (Fx )p 2
= 1,14 × 106 (Fx )p .
`p ρp vp νp ρp

Analogamente, (Fy )m /(Fy )p = 1,14 × 106 .


O peso da mosca é uma indicação da força de sustentação média das asas: mp g =
1,2 × 10−6 9,80 = 1,176 × 10−4 N. Dada a relação de forças, a correspondente força
no modelo é 1,176 × 10−4 · 1,14 × 106 = 134 N.
(d) As acelerações acrobáticas dependem das forças e da massa. Assim, as variáveis
relevantes são:

frequência de batimento das asas [f ] = T−1


velocidade do vento relativo [v] = L T−1
módulo da força [F ] = M L T−2
massa da mosca [m] = M
dimensão caracterı́stica da mosca [`] = L

Desta lista resultam dois grupos adimensionais, que podem ser:


F f
Π5 = e Π3 = (que já tinha aparecido).
mvf v/`
A relação de massas deduz-se da igualdade destes dois grupos adimensionais:
vp2 `m (Fx )m ρm `3m
mm = mp 2 ` (F )
= m p = 1,02 × 109 mp .
vm p x p ρp `3p
3
A relação de volumes é Volm = (`m /`p ) Volp = 106 Volp . Portanto, o modelo
teria de ser cerca de mil vezes mais denso que a mosca,
mm /Volm 1,02 × 109
= = 1024,
mp /Volp 106
a ponto de ser impossı́vel construir um robot, com esta escala e com este fluido,
suficientemente denso para simular as acrobacias da mosca no ar.
Ao analisar a escala de massas, poderı́amos ter seguido outra estratégia.
Por exemplo,...
Este modelo à escala oferece muitas vantagens em relação ao escoamento original.
É maior, o que facilita a visualização e a medição; a escala de tempos é muito
mais conveniente (enquanto a mosca tem 30 batimentos por segundo, cada bati-
mento deste modelo demora cerca de 10 s); a escala de velocidade também é mais
cómoda e a medição de forças é mais fácil (enquanto o peso da mosca é cerca de
0,0001176 N, a força no modelo é 134 N); e a relação de momentos ainda é mais
favorável. Só a relação de massas é que seria proibitiva. O modelo é esplêndido
para estudar o escoamento, mas não serve para um robot voador.

45. Um processo industrial implica misturar num recipiente dois lı́quidos que
entram por uma extremidade, com caudal constante e numa proporção fixa,
e saem pela outra já misturados. Um agitador mecânico rotativo garante
que os dois lı́quidos se misturam efectivamente ao passarem pelo interior
do recipiente.

74
Pretende-se determinar os parâmetros do processo de mistura para cons-
truir um novo recipiente de mistura, geometricamente análogo ao actual,
mas com o dobro da capacidade de produção. Actualmente, em condições
nominais, o agitador roda a ω0N = 0,5 r.p.s. e, para essa velocidade de
rotação, o caudal máximo que se consegue escoar com boa qualidade da
mistura é cerca de Q0N = 0,56 l/s. Utilize o ı́ndice 0 para designar a
actual instalação e o ı́ndice 1 para referir a nova instalação.

(a) Enumere as variáveis que podem influenciar o processo. Compare a


sua lista com a solução proposta no final deste exercı́cio.
(b) Forme números adimensionais. Procure números adimensionais que
ajudem a identificar o maior caudal que se pode processar sem com-
prometer a qualidade da mistura.
(c) Como preparação para a alı́nea (e), calcule o caudal máximo do novo
misturador, supondo que a dimensão caracterı́stica do actual é `0 =
1 m e que, para a nova instalação, `1 = 2 m e ω1 = 0,125 r.p.s.
(d) Ainda como preparação para a alı́nea (e), supondo que a dimensão
caracterı́stica do actual misturador é `0 = 1 m, calcule a velocidade
de rotação mı́nima para uma instalação com `1 = 2 m que misture
adequadamente um caudal Q = 1 m3 /s.
(e) Projecte o novo misturador para Q1 = 1 l/s (aproximadamente o do-
bro da actual capacidade produtiva nominal), sujeito à restrição de a
velocidade linear do agitador mecânico se manter idêntica à que tem
actualmente em condições nominais. O misturador actual foi ensaia-
do para oito velocidades de rotação, obtendo-se os seguintes caudais
máximos, para uma boa qualidade da mistura:

ω (r.p.s.) 0,1 0,2 0,3 0,35 0,4 0,5 0,6 0,7


Qmax (l/s) 0,21 0,26 0,33 0,38 0,43 0,56 0,72 0,91

(f) Indique a estratégia para estimar a potência consumida pela nova ins-
talação. Que experiência poderia realizar no sistema actual para obter
a informação necessária acerca do novo motor?
Verificando que a instalação actual consumiu 1 kW com um caudal de
0,72 l/s e uma velocidade do agitador de 0,6 r.p.s., consegue calcular
a potência do novo motor?

Solução:

(a) A lista de variáveis mais relevantes para este problema é (veja-se, adiante, o co-
mentário acerca da possibilidade de substituir ρ e µ pela viscosidade cinemática):

75
caudal volúmico [Q] = L3 T−1
comprimento caracterı́stico [`] = L
velocidade angular do agitador [ω] = T−1
viscosidade absoluta do fluido [µ] = M L−1 T−1
massa volúmica do fluido [ρ] = M L−3

Neste problema existem três fluidos (os dois componentes de entrada e a mistu-
ra), portanto, existem três caudais, três viscosidades e três massas volúmicas. Na
tabela acima não se incluı́ram as três variantes porque as propriedades fı́sicas dos
fluidos são fixas, de modo que as propriedades de dois deles podem expressar-se
em relação às propriedades do terceiro. Analogamente, as proporções da mistura
são fixas, de modo que dois dos caudais se podem expressar em função do terceiro.
(b) Com 5 variáveis e 3 dimensões, podem formar-se 2 grupos adimensionais, por
exemplo
Q `2 ω ρ
Πα = 3 e Πβ = .
` ω µ
O processo de mistura é descrito por uma função do tipo: Πα = f (Πβ ).
Nota: as variáveis ρ e µ só aparecem no quociente ρ/µ. Portanto, em vez destas
duas variáveis basta usar a viscosidade cinemática ν = µ/ρ. O problema passa a ter
apenas 4 variáveis e 2 dimensões fı́sicas independentes (a massa desaparece porque
[ν] = L2 T−1 ). Continua, pois, a precisar de 2 = (4 − 2) grupos adimensionais.
Em vez de Πα e Πβ indicados acima, outra escolha possı́vel de números adimen-
sionais, que seguiremos a partir de agora, é o par

Q `2 ω
ΠA = e ΠB = , (10)
`ν ν
de modo que a velocidade angular do agitador só aparece num dos números adi-
mensionais e o caudal só figura no outro.
(c) Com `1 = 2 m e ω1 = 0,125 r.p.s., ΠB1 = `21 ω1 /ν = 0.5. Para esse valor ΠB
sabe-se que o máximo ΠA = 0,56 (ver, por exemplo, a Figura 39). Portanto, o
máximo Q1 = ΠA `1 ν = 1,12 m3 /s.
(d) Com `1 = 2 m e caudal Q1 = 1 m3 /s, o número ΠA1 = Q1 /(`1 ν) = 0,5 Este ΠA
corresponde a um valor mı́nimo ΠB = 0,456 (ver, por exemplo, a Figura 39).
(e) Para a velocidade linear das pás do misturador se manter igual à actual velocidade
nominal em pontos homólogos, `1 ω1 = `0 ω0N , sendo ω0N = 0,5 r.p.s. a actual
velocidade de rotação nominal.
Os valores limites de ΠA e ΠB são idênticos para as duas instalações. Ou seja,
conforme se pode ver na Figura 39, se ΠA1 = ΠA0 terá de ser ΠB1 ≥ ΠB0 (ou,
alternativamente, se ΠB1 = ΠB0 terá de ser ΠA1 ≤ ΠA0 ). Se a proporção entre as
duas instalações for `1 = ε `0 , temos o seguinte sistema:
Q1 Q0 Q1
se ΠA1 = ΠA0 : = ⇒ ε=
ε `0 ν `0 ν Q0
(11)
ε `20 ω0N `20 ω0 ω0
então ΠB1 ≥ ΠB0 : ≥ ⇒ ε≥
ν ν ω0N
Como seria de esperar, obtinha-se um resultado análogo impondo que ΠA1 ≤ ΠA0
para ΠB1 = ΠB0 : ε ≤ Q1 /Q0 ; ε = ω0 /ω0N .

76
Figura 39: Curvas adimensionais de caudal máximo, supondo ν = 1 m2 /s e D0 = 1 m. O
gráfico da esquerda sugere que, se os ΠA forem iguais, o ΠB da nova instalação terá de ser
maior ou igual ao da anterior; o gráfico da direita mostra que, se os ΠB forem iguais, o ΠA da
nova instalação terá de ser menor ou igual ao da anterior.

Para resolver o sistema (11) podemos fazer uma tabela dos valores possı́veis de
ε, sabendo que se quer Q1 = 1 m3 /s e que a actual velocidade de rotação em
condições nominais é ω0N = 0,5 r.p.s.:
ω0 Q0 Q1 /Q0 ω0 /ω0N ε ω1
0,1 r.p.s. 0,21 l/s ε = 4,66 ε ≥ 0,2 4,66 0,005 r.p.s.
0,2 r.p.s. 0,26 l/s ε = 3,88 ε ≥ 0,4 3,88 0,01 r.p.s.
0,3 r.p.s. 0,33 l/s ε = 3,03 ε ≥ 0,6 3,03 0,03 r.p.s.
0,35 r.p.s. 0,38 l/s ε = 2,66 ε ≥ 0,7 2,66 0,05 r.p.s.
0,4 r.p.s. 0,43 l/s ε = 2,32 ε ≥ 0,8 2,32 0,07 r.p.s.
0,5 r.p.s. 0,56 l/s ε = 1,79 ε ≥ 1,0 1,79 0,16 r.p.s.
0,6 r.p.s. 0,72 l/s ε = 1,39 ε ≥ 1,2 1,39 0,31 r.p.s.
0,7 r.p.s. 0,91 l/s ε = 1.10 ε ≥ 1,4 imposs. imposs.
Cingindo-nos a esta tabela, vê-se que são possı́veis muitos factores de escala para
misturar o novo caudal, desde 4,66 até 1,39. Para a instalação ser o mais pequena
possı́vel, convém usar o menor factor de escala; consideremos ε = 1,39. A veloci-
dade de rotação nominal do novo misturador seria ω1 = ω0 (Q0 /Q1 )2 = 0,31 r.p.s.
(Por interpolação dos valores da tabela, verifica-se que o factor de escala mı́nimo
é ε = 1,2744, a que corresponde uma velocidade de rotação ω1 = 0,3923 r.p.s.).
(f) Para incluir a potência do agitador, [P ] = M L2 T −3 , é necessário um novo grupo
P
adimensional, que pode ser ΠC = 2 .
` ρ Q ω2
O novo misturador foi dimensionado de tal forma que ficará a funcionar em condi-
ções semelhantes (ΠA e ΠB iguais) ao actual com ω0 = 0,6 r.p.s. e Q0 = 0,72 l/s.
Sendo ΠC função de ΠA e ΠB , e sendo estes dois iguais, ΠC também tem de ser
igual. Assim
 2    2  2  3
`1 Q0 ω1 `1 Q0
P 1 = P0 = P0 = 0,72 kW.
`0 Q1 ω0 `0 Q1

77
Este resultado não significa directamente que a nova instalação terá custos ener-
géticos inferiores porque, além do agitador — que consumirá menos —, é preciso
contar com o custo de bombagem do caudal através do aparelho misturador. Con-
tudo, usando a Análise Dimensional da mesma maneira, pode mostrar-se que a
potência de bombagem também é função dos mesmos números adimensionais ΠA
e ΠB e que, desenvolvido o resultado, a potência de bombagem seria igualmente
72% inferior à actual, apesar de o caudal ser maior.

Bibliografia
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cluding a Summary of Airfoil Data, Courier Dover Publications, 1959.
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Outras referências
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78
Hall, Alan, “Fly Like a Fly”, Scientific American, 28 de Junho de 1999,
pode consultar-se na Net: www.sciam.com/article.cfm?id=fly-like-a-fly e
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ITTC – Recommended Procedures: Fresh Water and Seawater Properties, 2011,
revisão 2.
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R., “The history of Poiseuille’s law”, Annual Review of Fluid Mechanics, Vol. 25,
1993, pp. 1–19.

79

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