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Estol de Vórtice

A Recuperação de Vuichard na Instrução e Operação de Asa Rotativa

Autor: Karl Martin Kühr

Ciências Aeronáuticas – Unisul

Resumo

A manobra de recuperação de Vuichard é uma descoberta recente e pouquíssimo conhecida


no Brasil e no resto do mundo. A técnica é creditada ao piloto europeu Claude Vuichard, um
inspetor da Federal Office for Civil Aviation (FOCA) na Suíça, mas foi o instrutor chefe
da Robinson Helicopter Company, que ao ter contato com ela enquanto o checava, em 2016,
se encarregou de difundir a brilhante descoberta. A saída (e entrada) do estado de vórtice é
uma manobra muito praticada e obrigatória nos cursos de asa rotativa nos EUA, mas é
negligenciada quase por completo no Brasil, o que é crítico, pois existe o risco constante de
entrar nesse perigoso estado durante as aproximações e pairados em altitude. Ao entrar
intencionalmente em um estado de vórtice, é normal perder 500 ou 600 pés em poucos
segundos antes da saída, mas com a recuperação de Vuichard, é possível sair desse estado
perdendo 50 pés ou até menos.

Palavras-chave: Vuichard. Recuperação. Vórtice. Aproximações.

Introdução

O estado de vórtice, “vortex ring state”, ou ainda chamado incorretamente de “settling with
power”, é um perigo muito real na operação de asa rotativa. Esse estado está configurado
quando o disco rotor do helicóptero se retroalimenta dos vórtices por si mesmo gerados. Este
ar que alimenta o rotor já vem com grande velocidade para baixo, apresentando pouca
resistência ao movimento das pás, e gerando, portanto, pouquíssima sustentação,
configurando um estado de estol. A razão de descida durante o estado de vórtice pode ser
superior a 2000 pés por minuto, e o perigo maior de entrar nesse estado é justamente a baixas
altitudes, durante aproximações de grande ângulo. Isso é muito corriqueiro na operação de
helicópteros, porém há pouca informação sobre esse estado nos cursos de PPH e PCH, e
mesmo pilotos e instrutores experientes frequentemente mal conhecem o assunto.
O estado de vórtice já ceifou muitas vidas. Entre os casos, está o do AS332 Super Puma, com
18 pessoas a bordo, na final de uma aproximação por instrumentos para o aeroporto de
Sumburgh, nas ilhas Shetland. A uma velocidade inferior a 30 nós, o torque foi extrapolado
para 115% na tentativa de reduzir a razão de descida, porém essa medida só piora a situação.
Com uma razão de descida de 1800 ft/min a aeronave atingiu a água a 1.5 milhas da pista,
matando quatro pessoas e ferindo gravemente outras quatro. A comissão de investigação do
reino unido (AAIB) concluiu na análise inicial que a aeronave estava em perfeitas condições
para entrar em estado de vórtice.

Em 4 de março de 2003, um Robinson R44 com três pessoas a bordo era gravado em um
comercial de TV em Jakarta, Indonésia. A aeronave se aproximava com grande ângulo para um
heliponto no topo de um hotel, com um vento de cauda de 12 a 15 nós. A razão de descida
aumentou muito, súbita, e rapidamente, levando a aeronave a atingir o heliponto, quicar, e
rolar para fora do edifício, caindo em uma piscina da altura de 15 andares. Não houve
sobreviventes.

Esses são dois exemplos clássicos em que o piloto falhou em se recuperar do estado de vórtice.
É provável que o mesmo, em cada caso, tenha falhado até em reconhecer a situação. E não são
casos isolados. Há uma grande variedade de casos disponíveis na internet, inclusive vídeos na
no site Youtube. A recuperação tradicional ensinada nos EUA é ganhar velocidade, arremeter
se necessário, mas de alguma forma ganhar velocidade, em geral para a frente, para alimentar
o rotor com “ar limpo”. À baixa altura, isso pode não ser possível, pois é normal perder até 600
pés durante essa recuperação, e as condições para a entrada nesse estado geralmente são
aquelas encontradas em curtas finais, em aproximações lentas e de grande ângulo.

Existe uma maneira mais segura e eficiente de sair do estado de vórtice nomeada Recuperação
de Vuichard, em homenagem ao seu descobridor, Claude Vuichard, um piloto sênior, inspetor
e checador da secretaria federal de aviação civil da Suíça, a Federal Office of Civil Aviation
(FOCA), que a descobriu durante operações em linhas de força nos alpes suíços, operação
delicada por natureza.

Figura 1

Objetivos

Este artigo tem como objetivo informar aos pilotos e instrutores de voo sobre a Recuperação
de Vuichard, na esperança de diminuir ou mitigar as ocorrências de acidentes devido a estado
de vórtice na operação de asa rotativa. É notável nas escolas e cursos de piloto como esse
assunto é pouco abordado na teoria, e na prática, sua execução frequentemente se reserva
para os instrutores entre si, sendo orientada pelo mais experiente. Tal cautela não é
necessária, e pode ser até prejudicial. Uma das academias de asa rotativa mais conceituadas
do mundo, a Bristow Academy, ensina seus alunos sobre esse perigo, no solo e no ar, entre as
primeiras lições, e a FAA (Federal Aviation Administration) cobra a manobra durante o
checkride.

O foco na instrução aeronáutica deve ser sim, a segurança, não apenas durante a instrução,
mas após a profissionalização do piloto. Para isso, é necessário expor o aluno à situações
similares àquelas que podem ser encontradas durante a operação real e normal,
principalmente às que simulam emergências, aumentando a dificuldade conforme aumenta a
proficiência do piloto.

O Estado de Vórtice

Existem três estados em que o rotor de um helicóptero pode operar. Dois destes estados são
normais e corriqueiros, que são o voo pairado, e aquele em que o disco rotor se inclina na
direção de seu movimento. O terceiro estado é o estado de vórtice. Nele, o turbilhão de ar que
sai da parte inferior do rotor retorna circularmente para a parte superior, alimentando
novamente o disco. Quando um helicóptero paira em altitude, ou próximo ao solo, mas sem
estar no efeito solo, e tem uma razão de descida superior a 300 ft/min, e sem um vento
relativo que a coloque em ETL (Effective Translational Lift), a sustentação efetiva de translação,
este helicóptero entra em estado de vórtice.

Sua razão de descida pode facilmente ultrapassar os 2000 pés por minuto, e o piloto
inadvertido tem o reflexo de puxar o coletivo, utilizando mais potência, e agravando ainda
mais o estado. O início do estado de vórtice bem configurado se caracteriza por uma forte
vibração e guinada adversa, além da subida ou descida súbita do nariz da aeronave, sua
controlabilidade notavelmente reduzida, e a razão de descida aumentando muito, e
rapidamente.

O estado de vórtice precisa de três condições para se configurar. São elas a razão de descida
superior a 300 pés por minuto, uma velocidade inferior à de ETL, que geralmente está entre 15
e 30 nós, e a utilização de potência. A única situação em que o helicóptero não estará usando
potência é durante uma autorrotação, e esta é uma das formas de sair do estado de vórtice,
porém, ela é pouco prática, pois só pode ser realizada com alguma altitude. O piloto de um
S300Cbi pode, erroneamente, aproximar para um heliponto com uma velocidade incompatível
com o ângulo desejado, vindo devagar demais para sua razão de descida.

É sensato ter em mente que a razão de descida deve variar proporcionalmente à velocidade
aerodinâmica e à altitude. Quanto mais alto, mais rápido, e mais rápido se pode descer. Ao
aproximar-se do solo e reduzir a velocidade, o piloto notará uma vibração crescente. Essa
vibração acontece porque uma parte da pá que recua já está saindo do ETL. Caso a razão de
descida esteja maior do que 300 pés por minuto, uma rajada de vento de cauda pode ser
suficiente para que o helicóptero entre em estado de vórtice.
Ao atingir a velocidade em que essa vibração se faz presente, o piloto precisa reduzir sua razão
de descida, e só deve ir mais devagar do que isso quando estiver prestes a realizar o toque ou
trazer para o pairado sobre o ponto. Outro helicóptero muito usado na instrução de asa
rotativa é o Robinson R22, e devido a sua menor potência, há a orientação de manter-se acima
do ETL durante o maior tempo possível, trazendo o helicóptero para o ponto a
aproximadamente 20 nós, e fazendo o movimento similar ao de uma parada rápida nos
últimos metros, mas isso não o exime da necessidade de manter a razão de descida inferior a
300 pés por minuto. O R22 também requer que o piloto se utilize ao máximo do efeito solo. É
importante frisar aos alunos que a velocidade do helicóptero na aproximação deve ser
controlada no cíclico, e a razão de descida, no coletivo.

Figura 2: Líquido pulverizado descrevendo os vórtices em helicóptero de operação agrícola.

A Recuperação de Vuichard

A técnica usada na recuperação de Vuichard consiste em utilizar o fluxo ascendente dos


vórtices para recuperar a aeronave. A maioria das aeronaves é de fabricação americana, e seus
rotores giram no sentido anti-horário. Sendo assim, a manobra consistirá em manter o
helicóptero nivelado e reto usando o pedal esquerdo, aplicar potência de climb, a aplicando
cíclico para a direita. Caso o helicóptero tenha a rotação do rotor no sentido horário, o cíclico
deverá ser aplicado à esquerda, e o pedal, direito. O ângulo de bank deve estar entre 10 e 20
graus.

Para fins de demonstração, é aceitável atingir uma grande razão de descida antes de fazer a
manobra, mas em casos reais, ela deve ser realizada assim que a condição for notada. Essa
técnica realmente é eficiente e fácil de ser aprendida, por isso ela deve ser ensinada e
praticada.

O procedimento se compõe de duas etapas (rotor anti-horário):

Aumentar a potência como se fosse para uma decolagem, e pedal esquerdo para manter o
nariz alinhado;

Simultaneamente, aplicar cíclico à direita (10 a 20 graus);


Assim que a pá que avança atingir o fluxo ascendente de ar do vórtice, a recuperação está
completa. A perda de altitude em média é de 20 a 50 pés. Menos do que 10% do que a
recuperação tradicional.

Figura 3: Ilustração da recuperação de Vuichard.

Considerações Finais

A recuperação de Vuichard é uma alternativa mais segura e eficiente à tradicional, e será


futuramente a técnica tradicional ela própria. É um caso em que a técnica de pilotagem evolui,
de maneira segura e espontânea. Essa técnica deve ser treinada e tornar-se instintiva a todos
os pilotos, e assim, prevenirá a ocorrência de muitos acidentes, poupando assim, muitos
prejuízos materiais e de vidas humanas. Em muitos segmentos da atividade comercial, novas
técnicas podem ser negligenciadas e guardadas como segredos, estando à disposição apenas
de quem os possui, mas isso não pode se aplicar ao segmento da aviação, onde todos devem
trabalhar juntos para a própria segurança e a de todo o segmento, e onde as perdas de vidas
humanas são sentidas em todo o globo, por todos que fazem parte dessa apaixonante
atividade.

Referências Bibliográficas

Airmanship
Bulletin: http://www.ihst.org/portals/54/airmanship/Airmanship%20Vuichard%20FINAL.pdfVu
ichard Recovery Aviation Safety Foundation

http://vrasf.org/

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