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GUIA DE

ESTUDOS
UNESCO (2025)
Direito à Repatriação de Bens Culturais

DIRETORES
Lorenzo Smith
Júlia Duarte
Nicole Zuccolotto
Paula Medice
“Dois mil anos atrás, o historiador grego Políbio nos
instigou a não transformar os infortúnios das outras
nações em embelezamentos para nossos próprios
países. Hoje, quando todos os povos são
reconhecidos como iguais em dignidade, estou
convencido de que a solidariedade internacional
pode, pelo contrário, contribuir de maneira prática
para a felicidade geral da humanidade.”
(Amadou-Mahtar M’Bow)1

1
Amadou-Mahtar M’Bow, senegalês, ocupou o cargo de diretor-geral da UNESCO entre os anos de 1974 e 1987.
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO DA MESA DIRETORA........................................................... 3
2 INTRODUÇÃO.......................................................................................................5
3 APRESENTAÇÃO DO ÓRGÃO SIMULADO........................................................6
3.1 MEMBROS DA UNESCO................................................................................ 6
3.2 ÁREAS DE ATUAÇÃO DA UNESCO..............................................................7
4 APRESENTAÇÃO DO TEMA............................................................................... 9
4.1 A REPATRIAÇÃO DE BENS CULTURAIS..................................................... 9
4.2 CONTEXTO HISTÓRICO.............................................................................. 15
4.3 CONVENÇÕES SOBRE BENS CULTURAIS............................................... 20
4.3.1 Convenção de Haia de 1954................................................................. 20
4.3.2 Convenção da UNESCO de 1970......................................................... 22
5.1 ALEMANHA................................................................................................... 25
5.2 BENIM........................................................................................................... 25
5.3 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA............................................................... 26
5.4 EGITO............................................................................................................26
5.5 FRANÇA........................................................................................................ 27
5.7 ITÁLIA............................................................................................................ 28
5.8 PERU............................................................................................................. 28
5.9 REINO UNIDO............................................................................................... 29
6 QUESTÕES RELEVANTES................................................................................ 30
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………………………………….. 31
ANEXO A – GLOSSÁRIO...................................................................................... 33
ANEXO B – TABELAS/MAPAS/FIGURAS........................................................... 34
ANEXO C – QUADRO DE REPRESENTAÇÕES.................................................. 36
3

1 APRESENTAÇÃO DA MESA DIRETORA

Lorenzo Smith - Diretor Geral

Sejam bem-vindos, senhores delegados e senhoras delegadas! Meu nome é Lorenzo


Smith Coutinho, e estou cursando o Segundo ano do Curso Técnico em Edificações
Integrado ao Ensino Médio no Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vitória. Eu
conheci a SiGI através das simulações internas realizadas no campus em que estudo
e sempre tive um fascínio e uma grande admiração pelo projeto. Participei da VI SiGI
representando em dupla com a Diretora Assistente Júlia Duarte o juiz Antônio Augusto
Cançado Trindade, no comitê CIJ 2018 - Ucrânia vs. Rússia - Terrorismo e
Discriminação Racial, onde ganhamos uma menção honrosa.

Desde o fim do evento, já tinha em mente criar um comitê para a VII edição da SiGI e
me interessei pelo tema de patrimônios e bens culturais após a tragédia ocorrida no
Museu Nacional em 2018. Dessa forma, para aprofundar meus conhecimentos sobre
o assunto em questão, decidi delegar no 19º MINIONU, no comitê CIA 1931 - A
Salvaguarda de Monumentos Históricos no Âmbito Internacional, representando em
dupla com a Diretora Assistente Paula Medice a República Portuguesa.

Espero que o presente comitê venha a agregar muito conhecimento aos senhores e
desejo uma ótima experiência a todos. Ademais, prontifico-me para ajudar com
quaisquer dúvidas que forem apresentadas. Bons estudos!

Júlia Duarte - Diretora Assistente

Olá, senhoras e senhores delegados! Meu nome é Júlia Duarte Mendes e estou
cursando o 2º ano do Curso Técnico em Meio Ambiente Integrado ao Ensino Médio
no Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vitória. Meu primeiro contato com a
SiGI foi durante meu primeiro ano no IFES, quando participei do comitê CIJ 2018 -
Ucrânia vs. Rússia – Terrorismo e Discriminação Racial, no qual representei, em dupla
com o diretor geral Lorenzo Smith, o juiz Antônio Augusto Cançado Trindade,
recebendo assim menção honrosa. Neste mesmo ano participei do MINIONU na PUC,
representando a República Federativa do Brasil, no FAO 2017 - A Crise Alimentar no
Iêmen.

Tenho muito orgulho de poder participar desse evento e de trabalhar nesse comitê,
além de ter a certeza de que será uma excelente experiência no que diz respeito à
4

criação de novas amizades, aprendizado e crescimento pessoal. No mais, coloco-me


à total disposição dos senhores e desejo a todos um bom comitê e bons estudos!

Nicole Zuccolotto - Diretora Assistente

Caros delegados, é com muito prazer que me apresento como diretora assistente da
UNESCO 2025. Eu me chamo Nicole Zuccolotto Viana e durante a VII SiGI estarei
cursando o 2º ano do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio, no
Instituto Federal do Espírito Santo - Campus Vitória. Em meu primeiro ano
participando do projeto, na VI SiGI, deleguei como Noruega no comitê UNESCO 2017
- Educação como direito fundamental para refugiados e deslocados internos, sendo
prestigiada com uma menção honrosa.

A experiência me trouxe grande desenvolvimento pessoal e apreço pelo projeto e pela


UNESCO em si. Dessa forma, é uma honra estar, pela primeira vez como diretora, em
um comitê da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura. Espero que os senhores possam adquirir grandes aprendizados e vivências
que carregarão para toda vida. Bom comitê a todos!

Paula Medice - Diretora Assistente

Prezados delegados, eu me chamo Paula Medice Roriz Milanezi e é com grande


apreço que participarei deste comitê como Diretora Assistente. Estou cursando o 2º
ano do Curso Técnico em Meio Ambiente Integrado ao Ensino Médio, no Instituto
Federal do Espírito Santo, Campus Vitória. Em minha primeira experiência na SiGI,
atuei como a juíza Xue Hanqin no comitê CIJ 2018 - Ucrânia vs. Rússia - Terrorismo
e Discriminação Racial, na sexta edição do evento. Nesse mesmo ano, participei do
XIX MINIONU, na qual deleguei em dupla com o Diretor Geral Lorenzo Smith, no
comitê CIA 1931 - A Salvaguarda de Monumentos Históricos no Âmbito Internacional.

A discussão acerca da salvaguarda de bens culturais sempre foi de meu interesse e,


com os meus estudos para participar do MINIONU unidos à experiência do debate
durante o comitê, me fizeram me envolver ainda mais com o tema, além de instigar
meu interesse pelas diferentes possibilidades de abordagem. Eu me sinto muito
honrada de poder fazer parte da direção desse comitê, é extremamente gratificante.
Espero que possam fazer bom proveito do evento e que seja um momento produtivo
e de aprendizado para todos.
5

2 INTRODUÇÃO

Este Guia de Estudos, assim como os outros materiais disponibilizados, foi elaborado
pelo Diretor Geral e pelas Diretoras Assistentes do comitê. O documento tem como
objetivo orientar e servir como base para seus estudos, mas é essencial que ele não
seja a única fonte de pesquisa dos senhores. O presente guia é dividido de forma a
apresentar todas as informações essenciais ao Comitê.

Primeiramente, há uma apresentação do órgão, onde será esclarecido tudo o que


tange à organização que será simulada. Em seguida, os senhores serão introduzidos
ao tema do comitê de fato, sendo apresentado primariamente o significado e a
importância da discussão acerca do tema, além dos principais argumentos e pontos
de vista da discussão.

Após isso, haverá uma delineação do contexto histórico, por meio do qual os senhores
serão conduzidos cronologicamente desde os primeiros casos de retirada de bens
culturais de seu local de origem, aos primeiros casos de repatriação, através do tempo
da colonização, aos primeiros acordos sobre o tema, até a data de realização do
comitê. Haverá então uma introdução às principais convenções relacionadas ao tema.
É fundamental a compreensão destas, uma vez que estabelecem as definições, os
princípios e as regras utilizados na discussão acerca da repatriação de bens culturais.

Nos tópicos seguintes, estão disponíveis informações sobre os principais atores do


comitê e estão elencadas as questões relevantes, que serão importantes nos debates,
além de poderem guiar os estudos dos senhores. Por fim, caso haja dúvidas, estas
podem ser levadas a algum dos diretores, que estarão dispostos a ajudá-los.
6

3 APRESENTAÇÃO DO ÓRGÃO SIMULADO

A UNESCO, acrônimo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência


e a Cultura, é um órgão de caráter recomendatório, que tem sua sede permanente
localizada na Praça de Fontenoy, em Paris. É a agência das Nações Unidas
responsável pela promoção da paz, justiça social, direitos humanos e segurança
internacional por meio da cooperação internacional em programas educacionais,
científicos e culturais.

Sua trajetória se inicia em 1942, quando os governos dos países europeus, que
estavam enfrentando a Alemanha nazista e seus aliados, reuniram-se para a
Conferência dos Ministros Aliados da Educação (CAME). Apesar da Segunda Guerra
Mundial se encontrar longe de um encerramento, esses países já estavam discutindo
maneiras e meios de reconstruir seus sistemas de educação logo que a paz fosse
restaurada. Então, em 1945, uma conferência da ONU foi realizada em Londres,
reunindo representantes de 44 países, que decidiram instituir uma organização que
englobasse de forma genuína uma cultura pacífica, para assim impedir a eclosão de
outra guerra mundial. Quando a conferência terminou, em 16 de novembro de 1945,
37 dos Estados participantes fundaram a UNESCO junto com a sua Constituição.

3.1 MEMBROS DA UNESCO

Tendo 193 Membros e 11 Membros Associados, a adesão à UNESCO rege-se pelos


artigos II e XV da Constituição e pelas regras 98 a 101 das Regras de Procedimento
da Conferência Geral. A qualidade de membro das Nações Unidas implica o direito de
ser membro da UNESCO. Os Estados que não são membros da ONU podem ser
admitidos na Organização, a partir de uma recomendação do Conselho Executivo, por
maioria de dois terços dos votos da Conferência Geral. Já os territórios ou grupos de
territórios que não são responsáveis pela condução de suas relações internacionais
podem ser admitidos como Membros Associados, sendo sua admissão e seus direitos
e obrigações determinados pela Conferência Geral.

A maioria dos Estados Membros estabeleceu Delegações Permanentes para a


UNESCO, que, chefiadas por embaixadores, realizam a ligação entre a Organização
e seus governos. Ademais, todos os membros criaram também uma Comissão
Nacional para a UNESCO, que são organismos nacionais de cooperação criados com
7

a finalidade de associar seus organismos governamentais e não governamentais ao


trabalho do órgão.

3.2 ÁREAS DE ATUAÇÃO DA UNESCO

Desde sua criação em 1945, a missão da UNESCO tem sido contribuir para a
construção da paz, erradicação da pobreza e diálogo intercultural. Dessa forma, a
Organização realiza ações nas áreas de Educação, Ciências Naturais, Ciências
Humanas e Sociais, Cultura e Comunicação e Informação, vendo-as como motores e
facilitadores de um futuro mais justo e próspero para todos.

No setor de Educação, a UNESCO lidera a coordenação e o monitoramento da Agenda


Global de Educação 2030 por meio do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4,
usando o Marco de Ação da Educação 2030 como um roteiro. Tendo como principal
diretriz auxiliar os Estados Membros a atingir as metas de Educação para Todos (EPT),
a Organização desenvolve ações direcionadas ao fortalecimento das capacidades
nacionais. Provê também acompanhamento técnico e apoio à implementação de
políticas nacionais de educação, reconhecendo a relevância de responder aos
desafios globais contemporâneos através do ensino.

O Setor de Ciências Naturais tem como tema prioritário o desenvolvimento da ciência,


tecnologia e inovação (CTI), baseando-se em princípios éticos, capazes de induzir à
transformação social, à conservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. Já
a área de Ciências Humanas e Sociais tem como missão a expansão do conhecimento
e a promoção da cooperação intelectual. Visa também contribuir para o
desenvolvimento de políticas públicas que, alinhadas aos valores universais de justiça,
liberdade e dignidade humana, correspondam melhor às mudanças na sociedade
atual.

Estando convencida de que nenhum desenvolvimento pode ser sustentável sem um


forte componente cultural, a UNESCO elabora e promove a aplicação de instrumentos
normativos no âmbito cultural. Além disso, desenvolve atividades para a salvaguarda
do patrimônio cultural, a proteção e o estímulo à diversidade cultural, bem como
incitação ao pluralismo e ao diálogo entre as culturas e civilizações.

O Setor de Comunicação e Informação se esforça para promover a liberdade de


expressão, o desenvolvimento da mídia e o acesso à informação, em consonância com
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o mandato da UNESCO de “promover o livre fluxo de ideias por palavra e imagem”.


Os programas da Organização contribuem diretamente para o desempenho dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos na Agenda 2030, com
atenção específica ao tema social, político e mutações econômicas da era digital.
9

4 APRESENTAÇÃO DO TEMA

Para ocorrer uma otimização dos estudos e uma melhor compreensão do debate, é
fundamental que alguns conceitos sejam esclarecidos. A princípio é elementar
tratarmos acerca do nacionalismo, ideia que surgiu durante a Revolução Francesa e,
em linhas gerais, pode ser definido como a convicção de que a nação é o princípio
central da organização política. Esse termo, embora esteja associado à crença na
autodeterminação nacional, com base no pressuposto de que todas as nações são
iguais, também foi usado para defender instituições tradicionais e a ordem social
estabelecida, assim como para fomentar programas de guerra, conquistas territoriais
e imperialismo. Além disso, é importante ressaltar que certas formas de nacionalismo
estão menos relacionadas a demandas explicitamente políticas. Pode-se aplicar isso,
em particular, ao caso do nacionalismo cultural e do nacionalismo étnico (HEYWOOD,
2010).

Outrossim, é pertinente dissertar sobre o internacionalismo, que é a teoria ou prática


política baseada na cooperação transnacional ou mundial, com a crença de que as
nações são formações artificiais e indesejadas. Ele é compatível com o nacionalismo
por convocar a cooperação e a solidariedade entre nações preexistentes, em vez de
propor a eliminação ou o abandono total das identidades nacionais (HEYWOOD,
2010).

4.1 A REPATRIAÇÃO DE BENS CULTURAIS

Segundo Kluckhohn2, para a antropologia, cultura refere-se “à vida total de um povo,


à herança social que o indivíduo adquire de seu grupo. Ou pode ser considerada parte
do ambiente que o próprio homem criou”.3 O antropólogo polonês Bronislaw (1884-
1942) acrescenta que a cultura compreende “bens, processos técnicos, hábitos e
valores herdados”. Com base nessa perspectiva entendemos que ela pode ser
também um meio de comunicação, em que grupos buscam compartilhar seus
conhecimentos no intuito de manter seu significado e representação para posteridade.

2
KLUCKHOHN, Clyde. Mirror For Man The Relation Of Anthropology To Modern Life. Nova York: Whittlessey House,
1949. p.17.
3
Tradução livre da mesa diretora do original: By culture, anthropology means the total life way of a people, the
social legacy the individual acquires from his group. Or culture can be regarded as that part of the environment that is the
creation of man.
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Nesse sentido, os objetos exercem papel preponderante na construção da memória e


perpetuação da cultura, pois, além de representarem figuras ou acontecimentos
memoráveis, servem também como evidências do passado. Isso se dá por seu valor
histórico e pela memória embutida nos mesmos, que permitindo o intercâmbio de
épocas, torna-os objeto de curiosidade e fascínio para as gerações futuras.

A partir disso, pode-se analisar o período colonial, observando que esse foi em todo o
mundo um tempo de colisão de culturas e intercâmbio de hábitos, conhecimentos e
objetos. Nesse período, a necessidade de reafirmar o controle da metrópole sobre
suas colônias, junto ao fascínio pelos artefatos dessas, que detinham tanto valor
histórico-cultural quanto comercial, por muitas vezes serem feitos de metais e jóias
preciosas, levou a saques e pilhagens em massa desses objetos, retirados de seus
territórios de origem e levados para países de mercado.4

Até hoje, essa retirada de bens culturais do lugar onde foram originados se mostra um
problema, sendo esta uma das razões pela qual a UNESCO veio a lançar a Convenção
Relativa às Medidas a Serem Adotadas para Proibir e Impedir a Importação,
Exportação e Transferência de Propriedades Ilícitas dos Bens Culturais, no ano de
1970. O tráfico ilegal de patrimônios é a principal razão da saída irregular destes do
seu local de origem, além de se mostrar um grave problema, uma vez que alimenta o
crime internacional, o terrorismo e a lavagem de dinheiro. (UNESCO, 2019).

Os países que tiveram seus patrimônios levados muitas vezes se sentem prejudicados
por isso, já que estes artefatos, obras de arte ou objetos de uso diário ou religioso,
representam a história do país, a cultura dos povos que lá habitam ou a de seus
ancestrais. Não é incomum que museus e galerias de arte de alguns países tenham
coleções com vários objetos similares, mas o país de onde estes objetos foram
originados não possua nenhum exemplar (UNESCO, 1978).

É nesse contexto que surge a discussão sobre a repatriação e a restituição desses


bens. Ela é baseada na ideia da existência de um dever de devolver bens culturais

4
Segundo Merryman (1986), nos países de mercado, "a demanda por bens culturais desejáveis supera o fornecimento interno
destes". A demanda nos países de mercado encoraja a exportação nos países de origem, ricos em artefatos culturais de tal
forma que “a oferta supera a demanda de utilização local".
11

removidos em tempos de guerra ou ocupação colonial, ou como resultado de qualquer


outra forma de relações de desigualdade ou violência entre países (PROTT, 2009).

A repatriação pode ser definida como a devolução ao seu dono ou local de origem,
enquanto o termo restituição, apesar de possuir um significado muito próximo, de
transferir um objeto ao seu dono, é de certa forma considerado controverso, por
implicar que esta devolução se dá como uma forma de compensação por alguma
injúria. Ou seja, o termo por si só já caracteriza a retirada do objeto de seu lugar de
origem como incorreta ou imprópria (PROTT, 2009). Entretanto, observa-se que
ambos os termos são amplamente utilizados como sinônimos em diferentes casos na
literatura sobre o tema. (DA COSTA, 2018)

Existem alguns casos de reivindicações conhecidos, que servem de base e referência


para outros países que buscam reaver seus patrimônios. Um exemplo é o caso da
Grécia, que teve destaque especialmente a partir da década de 1980, quando a então
ministra da Cultura, Melina Mercouri, representou o governo grego no pedido oficial
aos ingleses para o retorno dos mármores do Parthenon, sob a guarda e exposição do
Museu Britânico, desde 1816 (MERRYMAN apud DA COSTA, 2018). O contexto em
que as esculturas deixaram o país no século XIX é bastante controverso, assim como
a disputa que se estende até a atualidade.

No século XIX, Elgin era embaixador do Reino Unido em Atenas, e foi ao Parthenon
originalmente com o intuito de copiar com moldes de gesso algumas esculturas.
Eventualmente, o lorde mudou seus planos e seu novo objetivo se tornou “salvar” os
mármores. Aproveitando-se da sua condição de embaixador e a crescente influência
britânica na região, Elgin conseguiu a autorização para levar para o Reino Unido
“algumas” peças. O termo é alvo de controvérsias, principalmente porque o documento
que originalmente concedeu a autorização a Elgin foi perdido restando apenas
traduções dele. Depois de um ano, o embaixador britânico levou de volta para o Reino
Unido dezenas de estátuas e dezenas de metros de frisos, deixando lacunas no
Parthenon. Vários mármores foram serrados para ter seu transporte facilitado.

Temos da mesma forma, o Egito, que como afirmou o seu Conselho Supremo de
Antiguidades, “possui uma política de longa data de buscar a restituição de todos os
elementos arqueológicos e históricos levados de forma ilícita do país”. Como
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consequência natural disso, o Egito possui vários pedidos de restituição de


patrimônios, dentre os mais conhecidos o pedido pela devolução do Busto de Nefertiti,
que se encontra no Neues Museum, em Berlim, e pela restituição da Pedra de Rosetta,
que atualmente está no British Museum. Ambos os pedidos foram negados, com os
museus europeus que atualmente abrigam os patrimônios tendo afirmado que estes
passaram a fazer parte também da cultura do país em que estão, além de questionar
a ilegalidade das circunstâncias de saída dos artefatos do Egito.

A discussão acerca da repatriação possui basicamente dois pontos de vista, como


afirma o professor e jurista americano John Merryman (1986): os bens culturais podem
ser pensados como componentes de uma cultura comum, universalista, que ele chama
de “internacionalismo cultural” ou como pertencentes ao patrimônio cultural nacional,
denominado como “nacionalismo cultural”.

Dessa forma, estas duas perspectivas caracterizam dois lados da discussão: um que
defende a repatriação de bens culturais, composto por países como o Egito, a Grécia
e o Benim, e outro que acredita que estes devem permanecer onde estão, ainda que
seja fora do território de onde se originaram, com o qual se alinham os
posicionamentos de países como a Alemanha, a França e os Estados Unidos da
América.

Os pensamentos dos universalistas se baseiam na ideia de que todos os bens culturais


pertencem ao “patrimônio cultural da humanidade” sugerindo que, independente da
origem dos artefatos, o seu interesse de preservação e estudo é comum a todos.
Enquanto isso, o ponto de vista dos que defendem o nacionalismo cultural pode ser
sumarizado com uma citação de Moulefera (1979), onde ele afirma que:

Bens culturais são species differentiæ5, os elementos que distinguem uma


nação da outra. Eles são o produto de experiências perdidas ao longo dos
séculos, de misturas biológicas únicas, assim como estilos de vida criados
sob condições geográficas, climatológicas, sociais, religiosas e políticas
específicas, e, consequentemente, pertencem aos povos que os criaram e
que os reivindicam como direito, não importando se estes objetos são de uma
forma ou outra de interesse da humanidade como um todo. 6

5
Espécime que diferencia, que torna único.
6
Tradução livre da mesa diretora, no original “Objects of cultural property are the species differentiӕ, the elements that
distinguish one nation from another. They are products of experiences lost over the centuries, of unique biological mixtures, as
well as of ways of life created under distinctive geographic, climatological, social, religious and political conditions, and,
therefore, they belong to the people who created them and now claim them as a right, no matter if they are more or less of
interest to humanity as a whole.
13

Um dos argumentos mais frequentemente utilizado pelos universalistas tange à


constante falta de infraestrutura dos museus e cuidados específicos para a
salvaguarda dos artefatos, geralmente pelas condições precárias dos países menos
desenvolvidos em relação aos mais desenvolvidos. Um dos exemplos dessa falta de
infraestrutura e preparação como fator para não repatriar ou restituir, é a restauração
da máscara de Tutancâmon feita por um especialista alemão, que precisou ser feita
após funcionários do Museu do Cairo utilizarem um material não adequado para colar
a barba do faraó (DA COSTA, 2018).

Ao tratar disso, é possível utilizar os termos “retenção destrutiva” ou “negligência


ambiciosa”. Como outro exemplo, temos o Peru, que retém obras pertencentes a
culturas antigas do país sendo que, de acordo com os jornais, estas não estão
adequadamente conservadas ou expostas. Se obras em perigo forem movidas para
outros países, elas podem ser mais bem preservadas, estudadas e expostas, de forma
que serão vistas e apreciadas por mais pessoas. Para o nacionalismo cultural, a
destruição do bem cultural nacional por meio do cuidado inadequado é lamentável,
mas é preferível à perda por meio da exportação.

Por outro lado, para o internacionalismo cultural, a exportação de artefatos em perigo


do Peru para um ambiente mais seguro seria claramente preferível à sua destruição
por meio da negligência, se retidos no país. Segundo Merryman, (1986) se estes
artefatos estivessem em um país com uma comunidade de museus mais desenvolvida
e colecionadores conscientes, eles poderiam ser mais bem preservados. Ademais,
Merryman também ressalta vários exemplos de artefatos de civilizações antigas que
ao invés de estarem representadas de forma mais adequada em museus e coleções
domésticas, “estão simplesmente guardados, sem catalogação, e não estão
disponíveis para exposição ou para o estudo de acadêmicos nacionais ou
estrangeiros”7. Enquanto isso, museus estrangeiros que não possuem representação
desses objetos, poderiam adquiri-los para estudo, exposição e, consequentemente,
melhor conservação. Ao impedir a transferência de obras frágeis a locais que
proporcionam uma proteção maior enquanto preserva estas obras de forma

7
MERRYMAN, John Henry. Two Ways of Thinking About Cultural Property. The American Journal of International Law,
Vol. 80, No. 4. (1986), p. 847.
14

inadequada no país de origem, o Peru coloca em perigo o patrimônio cultural da


humanidade, portanto “restrição destrutiva” ou “negligência ambiciosa”.

Entretanto, essas alegações podem ser contestadas, uma vez que países como o
Egito e a Grécia, por exemplo, vêm investindo em museus novos e já existentes com
a finalidade de melhorar suas instalações, tornando-as de alto padrão, além de serem
destinos tão procurados por turistas quanto os países europeus ou americanos. Como
exemplo, pode-se citar o Museu da Acrópole, inaugurado pela Grécia em 2009, em
Atenas, totalmente modernizado e com espaço destinado a acolher os mármores que
estão na Inglaterra, caso sejam devolvidos em algum momento. Zahi Hawass, antigo
chefe do Departamento de Antiguidades do Egito, em um debate em Oxford 8 sobre o
tema, contestou a crença de que os museus de países mais desenvolvidos estariam
sempre mais preparados e estariam mais aptos a abrigar artefatos, e afirmou que
situações como essa podem acontecer em qualquer lugar, como casos verificados na
Inglaterra de uma limpeza mal sucedida nos mármores do Parthenon que apagaram
algumas marcas originais e na Bélgica, que ocasionou danos em uma múmia, não se
limitando apenas ao Egito ou aos demais países árabes (DA COSTA, 2018).

Isso posto, os nacionalistas questionam se é realmente válido o argumento da


preservação como razão para manter bens culturais fora de seu país de origem em
um contexto como, por exemplo, o dos países africanos. Do total de bens culturais da
África Subsaariana, 90% se encontram fora do continente. Isso torna-se um problema,
já que, sob o pretexto da preservação, estes países são privados de sua própria
cultura e história, por não ter o direito de possuir artefatos dos seus ancestrais.
Enquanto isso, os universalistas afirmam que possuem tanto interesse em proteger e
preservar os artefatos abrigados quanto qualquer outro país, por estes artefatos
pertencerem a uma cultura mundial.

Outro ponto defendido pelo nacionalismo cultural diz respeito à dominação e ao


controle imposto pelo poder colonial (DA COSTA, 2018). A prática de apropriação e
custódia de artefatos retirados de seus locais de origem em períodos de ocupação
reforça, como dito por Zahi Hawass, práticas imperialistas que ultrapassam os objetos,
fazendo com que a própria comunidade a quem esses pertencem não tenha acesso

8
O evento foi promovido pela Oxford Union, uma sociedade administrada por alunos que proporciona debates acerca dos
mais variados temas no âmbito internacional.
15

a sua história. Trata-se de uma discussão a respeito de fronteiras, nações e pátrias


(PIJBES, 2016). Outro fator pertinente é a abstração ou até mesmo distorção da forma
como as coleções de determinadas instituições foram adquiridas, uma vez que
continuamente visitantes se encantam com tais objetos sem ter o conhecimento de
sua real origem. Há a afirmação, por parte destas instituições, de que os artefatos
foram adquiridos com base em acordos e com consentimento de seus países
primeiros. Contudo, essa não procede na maioria dos casos.

Em contrapartida, universalistas questionam se a procedência geográfica de um


objeto realmente equivale à cultura a que ele pertence, e que deve abrigar este objeto.
Mia Smith, estudante que participou dos debates promovidos pela Oxford Union,
afirma que a abordagem de devolver um objeto para o seu local geográfico de origem
“é falha em suas bases”. Defendendo as mesmas ideias que Mia Smith, o historiador
James Cuno, afirma que “[...] os objetos culturais não possuem DNA e mesmo que o
tivessem, seu DNA não determinaria a sua identidade nacional”, pois estes podem ser
resultado de influência de outros objetos e de outras culturas, já que “a cultura não
conhece fronteiras políticas”. Cuno acredita que os povos antigos só compartilham o
mesmo espaço territorial dos seus antepassados, não havendo semelhança entre os
egípcios antigos e modernos, por exemplo. Assim, as instituições culturais desses
lugares não podem tomar essa premissa como válida para a devolução dos artefatos.
Para ele, os museus nacionais estão limitados por uma história local, ao passo que as
coleções apresentadas pelos museus universais, que buscam apresentar a história
de toda a humanidade, não se limitariam a uma só região (DA COSTA, 2018).

Em suma, cabe sublinhar o paradoxo inteirado pela questão da repatriação, o qual


torna sua discussão tão complexa e, por vezes, polarizada:

É lamentável que objetos culturais sejam retirados à força de seu solo nativo
e transportados para museus no exterior? Sim. É uma dádiva e um prazer
podermos visitar esses museus e aprender sobre outras civilizações?
Certamente. (GEKOSKI apud DA COSTA, 2018, p. 13).

4.2 CONTEXTO HISTÓRICO

Do ponto de vista jurídico, é um fato que até o final do século XIX, “o direito de pilhar
e saquear o que pertencia ao inimigo” e “o direito de apropriar-se do que alguém tinha
tirado do inimigo”, adotando a terminologia usada pelo jurista holandês, Hugo Grotius,
16

eram as práticas codificadas e lícitas da guerra. Depois dos traumas e inúmeros


debates públicos na Europa resultantes das “conquistas artísticas” da Revolução
Francesa e do Império Napoleônico, as nações europeias pouparam-se de questionar
essas tomadas de patrimônios uma vez que muitas vezes elas se deram entre si
próprias. No entanto, elas foram rápidas em exportar as mesmas práticas e
sistematicamente recorreram a elas durante suas guerras de conquista e influência
econômica na Ásia e na África a partir de meados do século XIX. (SARR; SAVOY,
2018)

Enquanto isso, até o século XIX, as ferramentas legais relacionadas à bens culturais
se limitavam a acordos bilaterais e multilaterais. Um dos primeiros acordos a tratar
sobre a repatriação de objetos foi o Tratado de Paz de Westphalia, de 1648, que inclui
provisões para o retorno de artefatos roubados, como por exemplo arquivos, após o
fim da Guerra dos Trinta Anos. Como consequência do tratado, a Suécia devolveu 133
documentos de arquivos da antiga Boêmia até o final do século XVIII. Sendo assim, o
Tratado de Westphalia é considerado um grande marco histórico dentre as regulações
internacionais que influenciaram as regras para o retorno de bens culturais (UNESCO,
2018).

Desde antes da conquista espanhola, a atual América Latina já abrigava sociedades


complexas que produziam bens culturais, que foram desde então roubados. É difícil
colocar uma data exata no início do saque no continente, e várias atividades do final
do século XIX poderiam ser consideradas saques (YATES, 2015).

No mesmo período, os ataques militares e as chamadas expedições punitivas


conduzidas pela Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Países Baixos e França, tornaram-se
ocasiões para pilhagem e aquisição de objetos de herança cultural sem precedentes.
Essas expedições ocorreram na China (1860), na Coréia (1866), na Etiópia (1868), no
Reino Asante, atual Gana (1874), em Camarões (1884), na região dos lagos Tanganica
e no Congo Belga (1884), na atual região do Mali (1890), no Reino de Daomé, atual
Benim, (1892), no Reino do Benim, atual Nigéria (1897), na atual Guiné (1898), na
Indonésia (1906) e na Tanzânia (1907). O tipo e quantidade dos objetos cobiçados
indica que o avanço dos exércitos era observado por museus, que disputavam pelas
peças saqueadas logo que eram encontradas, para poder tê-las em exposição. Isso é
corroborado pelo fato de que alguns objetos já eram designados para serem abrigados
17

em museus específicos imediatamente após serem adquiridos. Torna-se evidente


então, que, por muitas vezes, os saques durante as expedições poderiam ser mais
relacionados e de maior interesse para os museus do que para os militares stricto
sensu9, que tradicionalmente simplesmente visavam a riquezas e a armas. (SARR;
SAVOY, 2018)

Na invasão do Reino do Benim por exemplo, as forças armadas britânicas tomaram a


capital do país, a Cidade do Benim, integrando-o ao Império Britânico como Colônia e
Protetorado da Nigéria. Nessa ocasião, as tropas britânicas juntaram e levaram
milhares de objetos do país como espólios de guerra. Muitos destes artefatos foram
adquiridos por museus, incluindo o British Museum, cuja coleção de objetos nigerianos
do período compreende cerca de 700 itens, tornando este o possuidor da maior
coleção do mundo do saque do Reino do Benim (LUNDÉN, 2016).

No início do século XX, estudos arqueológicos começaram a ser realizados na América


Central e do Sul por estrangeiros e estudiosos locais. Por volta de 1925, no Peru, os
estudiosos começaram a relatar o saque de sítios em que os objetos eram logo
inseridos no mercado. Alguns desses saques foram particularmente devastadores,
como o da Necrópole de Paracas, quando têxteis e outros artefatos foram levados da
região de Tajahuana no Peru, entre os anos de 1931 e 1933 (YATES, 2015).

Cerca de 80% dos museus e sítios arqueológicos do continente americano sofreram


algum tipo de espoliação, e a maioria das peças levadas, em torno de 70%, estão em
poder de instituições reconhecidas na Europa e nos Estados Unidos, que por sua vez
se negam a devolvê-las. Outras fazem parte de coleções particulares, desconhecidas
do grande público, como é o caso de Minor Cooper Keith (1848-1929), o homem que
construiu o império da United Fruit Company e reuniu mais de 15 mil objetos coletados
em toda a região centro americana (BÁEZ, 2013).

A questão do direito de repatriação de bens culturais de fato vem sendo discutida


desde o início do século XX, mais especificamente desde o final da Primeira Guerra
Mundial. Pode-se tomar como um exemplo da presença desse embate o envio de
pedidos formais em 1920, pelo Peru à Universidade de Yale, que discorriam sobre a

9
Em um sentido específico, menos amplo.
18

devolução de artefatos do sítio de Machu Picchu que se encontravam na universidade.


Apesar de ter conseguido recuperar alguns dos itens requisitados, muitos ainda
ficaram com a universidade americana.

Este debate só veio a ganhar mais fôlego, no entanto, a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial, com a criação da ONU, da UNESCO e do Conselho Internacional de
Museus (ICOM). Estes lançaram diversos documentos e resoluções referentes ao
patrimônio cultural, para auxiliar países no novo cenário pós-guerra que havia se
configurado. Alguns bens culturais já haviam deixado seus territórios de origem há
muitos anos neste ponto, mediante acordos, negociações, doações, tráfico ilícito e até
mesmo saques e pilhagens em períodos de ocupação colonial, de guerra e de paz.
Esses, porém, só vieram a ser definidos em 1954, pela Convenção para Proteção de
Bens Culturais em conflito armado. A UNESCO veio a redefinir o conceito em uma
resolução no ano de 1970.

O debate voltou a ter espaço no início dos anos 2000, quando o chefe de antiguidades
do Egito, Zahi Hawass, iniciou uma campanha para a devolução de artefatos
provenientes de seu país, que foram levados de forma ilegal, sendo para Zahi Hawass
o Busto de Nefertiti e a Pedra de Rosetta exemplos de patrimônios que o país almejava
recuperar. Como consequência desta campanha, o departamento de antiguidades do
Egito chegou a cortar suas relações com o Museu do Louvre. Isso pois a entidade se
recusou a devolver artefatos que, segundo os egípcios, foram roubados. Ademais, a
decisão proibiu que a realização de expedições arqueológicas ligadas ao museu
francês no Egito e uma palestra de uma ex-curadora do Louvre, Christiane Ziegler, a
ser realizada em Cairo, também foi cancelada. No entanto, entre 2002 e 2011,
aproximadamente 6000 objetos foram repatriados, ainda assim tal fato não impediu
que ocorresse a Convenção de Cairo em abril de 2010.

No dado evento, reuniram-se países com o intuito de discutir a respeito do “tráfico de


artefatos antigos como troféus” e maneiras de garantir o retorno desses artefatos que
estão agora nos museus e coleções da Europa e dos Estados Unidos. A conferência
liderada por seu país sede contou com representantes de mais de 25 países10,
entretanto, Grã-Bretanha, França e Alemanha, países que detinham a maioria dos

10
Dentre esses, pode-se citar Áustria, Bolívia, Chile, China, Chipre, Equador, Grécia, Guatemala, Honduras, Índia, Itália, Líbia,
México, Nigéria, Peru, Polônia, Rússia, Coréia do Sul, Espanha, Sri Lanka, Síria e Estados Unidos.
19

artefatos contestados não compareceram. Um resultado significativo das deliberações


foi a elaboração de uma lista de itens que os Estados participantes desejavam retornar,
além do início de uma cooperação maior entre países, como expresso pelo Secretário
Geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito: "A Grécia estava lutando
sozinha, e a Itália estava lutando sozinha, agora pela primeira vez estamos unidos.
Vamos lutar juntos".

Em setembro de 2018, em um incêndio no Museu Nacional do Brasil foram destruídos


cerca de 700 artefatos raros de procedência egípcia dentre os quais havia sarcófagos,
estátuas, amuletos, bronzes e múmias, em sua maioria dos períodos mais tardios da
história do país. A tragédia trouxe à tona a discussão iniciada há tempos acerca do
tema, em tal caso o Brasil passou a ser questionado e denunciado por deixar “um
grande museu numa cidade tão grande ficar desguarnecido e desprotegido contra
incêndios”11. O governo do Egito afirmou ainda que a tragédia legitima o movimento
pela repatriação de objetos egípcios em museus espalhados pelo mundo: "Se eles não
forem protegidos, deverão voltar à terra mãe".

No ano seguinte, o Egito iniciou uma nova tentativa de negociações com países como
EUA, Inglaterra e Alemanha para tentar conseguir a repatriação de seus bens culturais
que se encontravam nestes países. O país não obteve êxito nestas negociações, e
tentou recorrer ao "Comitê Intergovernamental para Promoção do Retorno de Bens
Culturais aos seus Países de Origem ou sua Restituição em caso de Apropriação
Ilícita" (ICPRCP), para que este pudesse ajudar o país nas negociações, em janeiro
de 2020. Grécia e Itália, que já haviam se mostrado favoráveis à campanha iniciada
por Hawass, seguiram o exemplo do Egito, iniciando novamente negociações com
países que abrigam seus bens culturais, e se juntando ao país em um movimento a
favor do direito de repatriação de bens culturais, formando uma frente internacional,
que eventualmente veio a ser chamada de Cooperação Internacional para a Proteção
e Repatriação do Patrimônio Cultural (CIPREPAC). O Peru entrou na frente, após
também tomar medidas para buscar a repatriação de artefatos do país em outubro de
2020, no centenário do envio do seu primeiro pedido à Universidade de Yale para
devolução de artefatos do país. O Benim, no mesmo ano, protagonizou na África
Subsaariana um movimento de apoio à frente, e países que já haviam se mostrado

11
Questionamento feito por Zahi Hawass em entrevista à BBC News Brasil.
20

favoráveis à repatriação de bens culturais levados durante o período colonial, como a


Nigéria, o Senegal e Camarões ingressaram na CIPREPAC.

A Colômbia e a Indonésia associaram-se no ano de 2023 à frente que, até então, não
havia obtido grandes progressos. Foi então que a CIPREPAC se organizou, e após
uma reunião com representantes de todos os países-membros, decidiu por contatar
diretamente a UNESCO. Desde então, a frente requisita que a organização convoque
uma reunião, para que suas demandas sejam colocadas em pauta, com o intuito de
criar uma resolução que se aplique a todos os países e sirva de referência para
resolução de impasses relacionados à propriedade dos bens culturais. Esse pedido,
no entanto, só veio a ser acatado em outubro de 2025, data de realização do comitê.

4.3 CONVENÇÕES SOBRE BENS CULTURAIS

Dentre os principais instrumentos legais, as Convenções destacam-se por vincularem


os Estados Partes em um regime de cooperação internacional e de práticas detalhadas
a possíveis intervenções. Dessa forma, a primordialidade destas é notável no contexto
deste comitê visto que o desenvolvimento do debate se dá pela cooperação entre as
delegações e a fundamentação de seus princípios pela ratificação ou não de
instrumentos comuns a todos. À vista disso, serão apresentadas a seguir as
Convenções de grande importância para a discussão.

4.3.1 Convenção de Haia de 1954

A Convenção de Haia de 1954 foi a primeira convenção a tratar de forma ampla a


proteção de bens culturais durante um conflito armado. Essa convenção foi realizada
no contexto pós-Segunda Guerra Mundial. Nesse conflito, vários bens culturais foram
retirados dos países de origem, causando perdas não só para o patrimônio cultural
desses países como também para o patrimônio cultural da humanidade. Assim foi
observada a necessidade de se criar uma convenção que protegesse tais bens
(SALIBA; FABRIS, 2017).

Os Países Baixos, nesse sentido, submeteram então à UNESCO um projeto para a


elaboração de uma Convenção para a proteção de bens culturais em caso de conflito
armado. O projeto foi acolhido pela organização que, em seguida, emitiu uma
resolução, de maneira a realizar uma Conferência para sua elaboração. Esta
Conferência tinha como objetivo elaborar uma Convenção que “protegesse a beleza
21

do passado para, em caso de guerra, essa possa ser conservada para o usufruto
nosso e de nossos antecedentes.” Ela obriga os Estados, nesse sentido, a “respeitar
e salvaguardar” os bens culturais (SALIBA; FABRIS, 2017).

A Convenção, no seu primeiro artigo, define estes bens como:

Os bens, móveis ou imóveis, que apresentem uma grande importância para o


patrimônio cultural dos povos, tais como os monumentos de arquitetura, de
arte ou de história, religiosos ou laicos, ou sítios arqueológicos, os conjuntos
de construções que apresentem um interesse histórico ou artístico, as obras
de arte, os manuscritos, livros e outros objetos de interesse artístico, histórico
ou arqueológico, assim como as coleções científicas e as importantes
coleções de livros, de arquivos ou de reprodução dos bens acima definidos.

A Convenção já em seu artigo 4(3) proíbe o roubo e a pilhagem de bens culturais, fato
substancial ao andamento do comitê (BOZ, 2018).

As Altas Partes Contratantes comprometem-se ainda a proibir, a prevenir e,


caso seja necessário, a fazer cessar todo o ato de roubo, de pilhagem ou de
desvio de bens culturais, qualquer que seja a sua forma, bem como todo o
ato de vandalismo em relação aos referidos bens. As Partes impedem a
requisição dos bens culturais móveis que se situem no território de uma outra
Alta Parte Contratante.

Além disso, é possível observar que esta Convenção coloca em evidência o caráter
internacional do patrimônio cultural, como afirma John Henry Merryman no "The
American Journal of International Law12". Pode-se dizer que apresenta uma noção
cosmopolita de interesse geral dos bens culturais, distinto de qualquer interesse
nacional (MERRYMAN, 1986). Isto é demonstrado já no próprio preâmbulo da
Convenção: "Estando convencidos de que o dano à propriedade cultural pertencente
qualquer povo é um dano para o patrimônio cultural de toda a humanidade, uma vez
que cada povo faz a sua contribuição para a cultura mundial”.13

Existem dois protocolos para esta Convenção, o de 1954 e o de 1999. Na sequência


dos atos criminosos cometidos contra bens culturais durante vários conflitos que
ocorreram após a adoção da Convenção de Haia de 1954, a Convenção foi discutida
com vista a reforçar a proteção da propriedade cultural em caso de conflito armado.
Após as discussões, o Segundo Protocolo à Convenção de Haia foi adotado em 1999

12
"A Revista Americana de Direito Internacional"
13
Tradução livre da mesa diretora, no original "being convinced that damage to cultural property belonging to any people
whatsoever means damage to the cultural heritage of all mankind, since each people makes its contribution to the culture of the
world".
22

e entrou em vigor em 2004. Esse trata de uma complementação do texto original,


servindo para adequar as regras de proteção do patrimônio cultural em caso de
conflito armado às evoluções do direito internacional humanitário trazidas pelos
Protocolos Adicionais de 1977 às Convenções de Genebra de 1949 (BOZ, 2018).

Uma das mais significativas orientações contidas no Segundo Protocolo diz respeito
a medidas mais detalhadas sobre que ações devem ser tomadas em tempos de paz,
visto que a Convenção por si só não as prevê. Segundo o artigo 3º da Convenção de
Haia de 1954, os Estados se encarregam de preparar em tempos de paz a proteção
de bens culturais contra efeitos previsíveis de um conflito armado “adotando as
providências que julgarem necessárias” (HENCKAERTS, 1999). Alguns exemplos
concretos citados pelo Protocolo de 1999, em seu 5º artigo são a preparação de
inventários; planejamento de medidas emergenciais para a proteção contra o período
de incêndios ou desabamento; preparação para a retirada de bens culturais móveis
ou a oferta de proteção in situ14 adequada para tais bens; designação de autoridades
competentes responsáveis pela proteção dos bens culturais. Vale salientar também,
que o Segundo Protocolo, a fim de sanar as limitações do sistema de “proteção
especial” de 1954, o qual teve êxito relativo, introduziu um novo sistema de “proteção
reforçada”15. Além disso, identificou sanções a serem aplicadas em caso de violações
graves da Convenção, incluindo a aplicação da responsabilidade criminal individual.

Apesar do primeiro protocolo da Convenção de Haia de 1954 proibir o roubo, a


pilhagem e a apropriação indevida de bens culturais, e o segundo protocolo desta
considerar estas ações crimes de guerra, os países que cometeram todos estes atos
durante o período colonial não podem ser punidos, uma vez que as convenções no
Direito Internacional não são retroativas, ou seja, só podem ser enquadrados como
violações da Convenção fatos posteriores à ratificação desta (BOZ, 2018).

4.3.2 Convenção da UNESCO de 1970

No início dos anos 60 houve um aumento considerável nos casos de roubos em


museus e saques em sítios arqueológicos acompanhado pelo crescente interesse

14
No local.
15
Os bens culturais podem ser colocados sob proteção reforçada desde que preencham as três condições seguintes:
(a) Constituam um património cultural da maior importância para a humanidade;
(b) Estejam protegidos por adequadas medidas nacionais de caráter jurídico e administrativo que reconheçam o seu valor cultural
e histórico excecional e assegurem o mais elevado grau de proteção;
(c) Não sejam utilizados para fins militares ou para proteger locais militares e a Parte, que os controla, tiver feito uma declaração,
na qual confirma que eles não serão utilizados para esses fins.
23

pela arte por países considerados “importadores”. Este cenário expôs a necessidade
de uma ferramenta legal internacional que pudesse ser aplicada em tempos de paz,
diferentemente da Convenção de Haia, para resolver o problema da importação e
exportação fraudulenta de bens culturais. Com este propósito, a Conferência Geral da
UNESCO na sua 16.ª sessão, realizada em Novembro de 1970 coeriu a Convenção
relativa às medidas a adotar para proibir e impedir a importação, a exportação e a
transferência ilícitas da propriedade de bens culturais, considerada como o primeiro
esforço relevante em ordenar o comércio de bens culturais e contribuir para a proteção
do patrimônio.

A proposta básica da Convenção, como o título indica, é impedir o tráfico internacional


“ilícito” de objetos culturais, sendo amplamente ligada à retenção nacional destes. As
partes acordaram em opor o “empobrecimento do patrimônio cultural” de uma nação
através da “exportação, importação e transferência de propriedade ilícitas” dos bens
culturais (artigo 2). Além disso, acordaram, no artigo 3º, que o comércio de objetos
culturais exportados infringindo a lei do país de origem é ilícito. Vale frisar também,
que acordaram em impedir a importação desses objetos e facilitar o seu retorno aos
países de origem (artigos 7, 9 e 13).

Essa leitura está de acordo com a interpretação prevalecente dentre os países de


origem. Entende-se que todo Estado tem o dever de reter os bens culturais existentes
em seu território e impedir seu roubo, sua escavação clandestina e sua exportação,
porque esses atos constituem uma das principais causas do empobrecimento do
patrimônio cultural dos países de origem. Diversos países de origem que são parte da
Convenção da UNESCO de 1970 realizaram políticas similares. Essa característica
da Convenção da UNESCO de 1970 é chamada pelos interessados nos países de
mercado de “cheque em branco”. Ou seja, os países de origem, possuem o poder,
oriundo da Convenção, de definir o que seria “ilícito” de acordo com sua conveniência,
já que o uso do termo “ilícito” nos dá um sentido extenso.

No começo de 1973, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma série de
resoluções pedindo a restituição de bens culturais aos países de origem, e em 1978,
a UNESCO, em sua resolução 20 C4/7.6/5, estabeleceu o Comitê Intergovernamental
para a Promoção do Retorno dos Bens Culturais aos seus Países de Origem ou sua
Restituição em caso de Apropriação Ilícita (ICPRCP). Sendo independente da
24

Convenção de 1970, ele é composto por 22 países, e atua nos casos em que
convenções internacionais não conseguem diretamente resolver litígios relacionados
à posse e à repatriação de bens culturais. (UNESCO, 2001)

O ICPRCP tem dentre as suas responsabilidades promover e buscar formas e meios


de facilitar a criação de acordos bilaterais ou multilaterais para a restituição e a
repatriação de bens culturais para o seu país de origem. Entretanto, é de suma
importância ressaltar o papel do Comitê como um órgão mediador, que não possui um
caráter mandatório, ou qualquer poder coercitivo sobre os Estados para impor a
repatriação ou não de um bem cultural.
25

5 PRINCIPAIS ATORES

Todos os atores presentes neste comitê são primordiais para que se consiga
enriquecer o debate e alcançar uma resolução que vise solucionar a problemática em
pauta. Contudo, algumas delegações detêm maior relevância para a discussão de
forma que serão expressos os posicionamentos dessas delegações nesta seção. É
importante que os senhores se atentem a essas questões, uma vez que diz respeito
ao posicionamento de sua delegação e de possíveis aliados.

5.1 ALEMANHA

A Alemanha se insere no contexto por conta do seu envolvimento em diversos casos


de restituição de bens culturais. Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos de seus
artefatos foram levados pelo exército vermelho e, ao final do conflito, foi constatado o
roubo de cerca de 100 mil obras que deveriam adornar o museu de Hitler, o que levou
os países Aliados a iniciar uma extensa campanha de retorno dessas obras aos seus
proprietários originais. Sob a mediação do comitê da UNESCO, no ano de 1987, a
Alemanha devolveu à Turquia 7.000 artefatos cuneiformes de Bogazköy e, em 2011,
foi feito um acordo no qual a Alemanha devolveria a Sphinx à Turquia. Contudo, ainda
existem bens culturais advindos de outros países, como roubos arqueológicos de
artefatos egípcios no início do século XX, os quais o país recusa-se a devolver sob a
premissa de que foram obtidos legalmente.

5.2 BENIM

O Benim foi uma colônia francesa, grandemente pilhada e saqueada no final do século
XIX. Um exemplo de saque ocorrido nesse período aconteceu no ano de 1812, quando
tropas lideradas pelo general Alfred Amédée Dodds levaram objetos do Palácio de
Abomey, a capital histórica do país. Atualmente o Benim pede a restituição destes
objetos, considerando-os seus tesouros roubados, sendo que estes se encontram em
diferentes partes do mundo. Só no Museu do Quai Branly, na França, existem entre
4.500 e 6.000 artefatos que pertencem ao país, incluindo tronos, portas de madeira
gravada e cetros reais. Enquanto isso, totens que se encontravam no palácio de
Abomey antes do saque de 1812, hoje se encontram em exposição no British
Museum. Apesar do país já ter encontrado frustrações nas suas tentativas de repatriar
estes artefatos, como em 2016, quando a França negou um pedido para a repatriação
26

de estatuetas zoomórficas E insígnias reais levadas do Palácio de Abomey, o Benim


permanece na busca pela repatriação de seus patrimônios.

5.3 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Destacando-se nesse contexto por conta de seu envolvimento em inúmeras


denúncias de países que, afirmando que seus bens estão em terras estadunidenses
ilegalmente, buscam sua repatriação, o Estado tem um posicionamento bem definido
acerca do tema. Em seus museus, podem ser encontrados diversos objetos advindos
do continente africano, como bronzes que foram retirados de Benim por ingleses no
século XIX e posteriormente foram dispersos em outros países. Em 2012, vários
objetos retornaram ao Peru após a devolução feita pelo Museu de História Natural
Peabody, de Yale, em uma negociação que durou cerca de dois anos – embora outros
pedidos tenham ocorrido em 1918 e 1920. Os objetos foram levados de Machu Picchu
em 1912, pelo professor de Yale, Hiram Bingham, em uma expedição patrocinada
pela Universidade e pela National Geographic Society: “Yale afirma que Bingham teve
permissão para remover os artefatos do presidente peruano e que o Código Civil do
Peru de 1852 transferiu permanentemente o título para Yale.”, embora o Peru afirme
que se tratava de um empréstimo (MCINTOSH, 2006, p. 199). O país envolveu-se
também em outros casos de repatriação de diferentes artefatos, sendo estes oriundos
de países como o Egito, o Iraque e a Líbia.

5.4 EGITO

O Egito foi durante sua história demasiadamente saqueado por países que ocuparam
suas terras. Na atualidade, muitas das suas antiguidades se encontram espalhadas
ao redor do mundo, em diferentes instituições culturais e o país tem sido obstinado na
busca por recuperá-las. Desde 2002, o ex-secretário geral do Conselho Supremo de
Antiguidades do país, Zahi Hawass, posicionou-se efetivamente nesse âmbito,
tomando como base para suas falas a prática imperialista de se apropriar e de manter
sob a sua custódia os artefatos que foram retirados do Egito em um período de
ocupação. Essa ação que foi chamada pelo estudante Ed Evans de “souvenirs do
Imperialismo”, inclui também o fato de esconderem essa informação do público. Uma
das justificativas para a expatriação dos patrimônios culturais por outros países é que
eles têm melhores museus para comportá-los, além de permitir o acesso de mais
pessoas a esses artefatos, por receberem mais turistas. Entretanto, essas alegações
27

podem ser contestadas, uma vez que o Egito está investindo na construção do Grande
Museu Egípcio, no Cairo, com instalações de alto padrão, além do país se destacar
cada vez mais como destino turístico.

5.5 FRANÇA

Pioneira no neocolonialismo, a República Francesa apresenta um intenso histórico de


expatriação de bens culturais vindos do continente africano. Seus museus e
instituições abrigam 90.000 artefatos africanos, 70.000 destes apenas no Museu do
Quai Branly ou Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas.
Na última década, o país tem se mostrado aberto a colaborar com a restituição desses
bens. Em um relatório feito a mando do ex-presidente francês, Emmanuel Macron, é
determinado que serão devolvidas peças vindas de países como Chade, Camarões,
Madagascar, Mali, Costa do Marfim, Benim, Congo, Gabão, Senegal, Nigéria, Guiné,
Etiópia. Essa iniciativa foi uma resposta à campanha iniciada no final de 2013, pelo
Conselho Representativo das Associações Negras da França (CRAN), sobre o retorno
de artefatos africanos retirados no período colonial e mantidos em solo francês.
Macron afirmou também, em 2018, que buscaria, em dentro de cinco anos, reunir as
condições para um retorno da herança africana à África. Entretanto, até a data do
comitê, nenhuma ação foi de fato tomada.

5.6 GRÉCIA

A Grécia é agente na mais notória demanda de retorno de bens culturais da


atualidade, a dos Mármores do Parthenon ou Mármores de Elgin. Esse caso teve
destaque especialmente a partir da década de 1980, quando a então ministra da
Cultura, Melina Mercouri, representou o governo grego no pedido oficial aos ingleses
para o retorno dos Mármores do Parthenon, sob a guarda e exposição do Museu
Britânico, desde 1816 (MERRYMAN, 1985). Essa luta pela repatriação dos Mármores
se dá sob o pensamento nacionalista de que, sendo gregos, esses patrimônios devem
ficar em território grego, pois fazem parte da identidade cultural desse povo, sendo
um conceito estreitamente ligado à ideia de cultura. Não obstante os esforços da
Grécia em repatriar os Mármores do Parthenon, eles permanecem expostos no museu
britânico. Para melhor acomodação de seu patrimônio, além de permitir sua exposição
a um vasto número de pessoas de qualquer lugar do mundo, a Grécia inaugurou em
2009 o Museu da Acrópole, em Atenas, totalmente modernizado e com cerca de vinte
28

e cinco mil metros quadrados. O museu possui um espaço destinado a acolher os


mármores que estão na Inglaterra, caso sejam devolvidos em algum momento.

5.7 ITÁLIA

De inegável relevância no cenário cultural de todo o mundo, a Itália é amplamente


reconhecida por apresentar uma vasta herança cultural. Sendo herdeira da cultura
greco-romana e contendo o maior número de monumentos declarados como
Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, o Estado italiano possui políticas de
grande eficiência para a proteção e preservação de seus bens culturais, assegurando
sua salvaguarda. Um dos casos mais famosos de repatriação foi o roubo da Mona
Lisa do Museu do Louvre, como forma de protesto pelas obras que foram levadas da
Itália por Napoleão. Ademais, o país esteve envolvido no primeiro caso de repatriação
de bens culturais bem-sucedido, levado ao Comitê da UNESCO em 1983, no qual
devolveu artefatos pré-colombianos que estavam em seu território para o Equador
após 7 anos de negociações. Portanto, é notória a importância do engajamento da
nação italiana nas discussões.

5.8 PERU

O Peru se destaca principalmente no contexto da América Latina, já muito saqueada


historicamente, por ter sido bem-sucedido em diversos casos de repatriação de seus
bens culturais. Em fevereiro de 2011, após a ocorrência de um processo contra Yale
demandando a restituição de sua propriedade cultural, com a intervenção do Senador
Christopher Dodd, Yale e o Estado do Peru assinaram um Memorandum of
Understanding (MoU). Nesse acordo, o Estado peruano e a Universidade de Yale se
comprometeram a criar um centro na Universidade Nacional de Santo Antonio Abade,
situada em Cusco, cidade mais próxima de Machu Picchu, que iria expor os artefatos
em questão. Já em 2018, tendo recuperado 1.700 itens que se encontravam
distribuídos por uma grande variedade de países como Argentina, Austrália,
Colômbia, Equador, Estados Unidos, Holanda, Reino Unido, Suécia e Suíça, incluindo
relíquias pré-hispânicas de suas civilizações antigas voltaram a seu local de origem.
No total, entre 2010 e 2018, o país repatriou 7.000 peças de relíquias roubadas
(MCINTOSH, 2006).
29

5.9 REINO UNIDO

A trajetória britânica de apropriação de artefatos vem de longa data. Com sua histórica
prática expansionista aliada ao pioneirismo no neocolonialismo, o Reino Unido detém
em seu território uma extensa lista de bens culturais trazidos de outros países,
principalmente durante o século XIX. No Museu Britânico, podem ser encontradas
centenas de relíquias de Atenas, trazidas para Londres a mando do embaixador
britânico lorde Elgin, tesouros retirados de templos e tumbas no Egito, além de
diversos exemplares trazidos do continente africano durante sua colonização. Para
além desse caso, o museu Pitt Rivers, da Universidade de Oxford, exibe 330 artefatos,
roubados do reino de Bunyoro-Kitara. O Museu Britânico afirma que certas obras são
parte da herança do mundo e transcendem fronteiras políticas, por receber mais
visitantes e turistas, o Reino Unido permite um maior acesso e estudo dos artefatos.
30

6 QUESTÕES RELEVANTES

Abaixo segue uma lista com algumas questões para auxiliar na compreensão do tema,
além de auxiliar na linha de debate da simulação, visto que se reflete delas a própria
agenda a ser criada pelos diretores.

❖ Qual a definição de bens culturais mais pertinente a se utilizar no comitê?


❖ Os países têm direito de exigir a repatriação de seus bens culturais?
❖ Os atuais mecanismos que auxiliam os países na repatriação de bens são
eficientes?
❖ Em que nível a repatriação de bens culturais é prejudicial para a globalização e
para o desenvolvimento de pesquisas a partir do intercâmbio cultural?
❖ As circunstâncias de saída dos bens de seu território original interferem no
direito de exigir a repatriação destes?
❖ Os patrimônios culturais podem ou devem ser vistos como mercadorias,
podendo ser comercializadas entre agentes públicos e privados?
31

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOZ, Keynep. Fighting the illicit trafficking of cultural property: a toolkit for
European judiciary and law enforcement. Paris: UNESCO, 2018. Disponível em:
<https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000266098?posInSet=1&queryId=69eeca
8c-383e-4b4f-b795-0e3dad58dab5> acesso em 21 abr. 2019.

DA COSTA, Karine Lima. Pensar o patrimônio cultural por meio da repatriação e


restituição de bens culturais. Patrimônios e Memória, São Paulo, Unesp, v. 14, nº
2, jul./dez., 2018.

GUEDES, Maria Tarcila Ferreira; MAIO, Luciana Mourão. Dicionário Patrimônio


Cultural: Bem Cultural (verbete). Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/79/bem-cultural>.
Acesso em 23 fev. 2019.

HENCKERTS, Jean-Marie. New Rules for the protection of cultural property in


armed conflict. Revista Internacional da Cruz Vermelha, No. 835, 1999.

HEYWOOD, Andrew. Ideologias políticas: 1, do liberalismo ao fascismo. São


Paulo: Ática, 2010.

LUNDÉN, Staffan. Displaying the Loot: Benin Objects and the British Museum.
Gotamburgo: GOTARC Série B, 2016.

McINTOSH, Molly L. Exploring Machu Picchu: an Analysis of the legal and ethical
issues surrounding the repatriation of cultural property. Duke Journal Comparative
and International Law. v. 19, 2006, pp. 199-221, p. 215; YALE.

MERRYMAN, John Henry. Two Ways of Thinking About Cultural Property.


Disponível em: <http://www.yorku.ca/kdenning/+++3130%202007-
8/Merryman%20Two%20Ways%20of%20Thinking.pdf> Acesso em 21 abr. 2019.

MOULEFERA, Tayeb. Museum: return and restitution of cultural property. Paris:


Unesco, Vol. 31, ano 1, 1979.
32

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Organização das Nações Unidas para a


Educação, a Ciência e a Cultura. ONU Brasil. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/agencia/unesco/>. Acesso em 17 fev. 2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A


CULTURA. Patrimônio Cultural no Brasil. Disponível em:
<http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/cultural-heritage/>.
Acesso em 17 fev. 2019.

PROTT, Lyndel V. (ed.). Witnesses to History: a compendium of documents and


writings on the return of cultural objects. Paris: Unesco, 2009.

PRESSE, France. África exige da Europa restituição de tesouros roubados.


Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/africa-exige-da-europa-
restituicao-de-tesouros-roubados.ghtm>. Acesso em 23 mai. 2019

SALIBA, Aziz; FABRIS, Alice Lopes. O retorno de bens culturais. Revista de Direito
Internacional, Brasília, UniCEUB, v. 14, nº 2 (2017).

SARR, Felwine; SAVOY, Bénédicte. Rapport sur la restituition du patrimoine


culturel africain. Vers une nouvelle éthique relationnelle. Disponível em:
<http://restitutionreport2018.com/sarr_savoy_en.pdf>. Acesso em 23 mai. 2019

UNESCO, Diretor-Geral. A Plea for the restitution of an irreplaceable cultural


heritage to those who created it; an appeal by Amadou-Mahtar M'Bow, Director-
General of UNESCO. Disponível em:
<https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000034683> Acesso em 21 abr. 2019.

UNESCO. The trail of stolen cultural objects - stop trafficking and save culture.
2019. (1m38s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=JymJQP5lWOQ>. Acesso em 19 mai 2019.

UNESCO. Intergovernmental Comitee (ICPRCP) Disponível em:


<http://www.unesco.org/new/en/culture/themes/restitution-of-cultural-
property/intergovernmental-committee/> Acesso em 21 mai 2019.

YATES, Donna. Illicit Cultural Property from Latin America: Looting, Trafficking,
and Sale. Paris: ICOM, 2015
33

ANEXO A – GLOSSÁRIO

Acrônimo

Palavra formada com as letras ou sílabas iniciais de uma sequência de palavras,


pronunciada sem soletração das letras que a compõem.

Memorandum of Understanding

Acordo firmado entre duas ou mais partes para alinhar os termos e detalhes de um
entendimento, assim como seus direitos e deveres.

Nação

Conjunto de pessoas unidas por tradições e valores em comum, bem como por uma
mesma religião e história, que em geral ocupam a mesma área geográfica.

Nacionalismo cultural

Forma de nacionalismo que enfatiza a recriação da nação como uma civilização


específica ao invés de priorizar o autogoverno; que enfatiza o fortalecimento ou a
defesa da identidade cultural em vez de demandas abertamente políticas.

Nacionalismo étnico

Forma de nacionalismo que se alimenta sobretudo de um senso aguçado de


singularidade étnica e do desejo de preservá-la.
34

ANEXO B – TABELAS/MAPAS/FIGURAS

Tabela 1- Número de bens culturais de países africanos no Museu do Quai Brainly, em


Paris.

FONTE: SARR; SAVOY (2018)


35

Figura 1 – Número de Instituições de Museus na África Subsaariana.

FONTE: SARR; SAVOY (2018)


36

ANEXO C – QUADRO DE REPRESENTAÇÕES

A tabela a seguir se refere ao nível de demanda por participação das delegações do


comitê. A classificação não representa o nível de dificuldade ou importância, mas o
quão solicitada cada delegação será durante as discussões propostas no comitê.

LEGENDA:
Representações pontualmente
demandadas a tomar parte nas
discussões.

Representações medianamente
demandadas a tomar parte nas
discussões.

Representações frequentemente
demandadas a tomar parte nas
discussões

DELEGAÇÃO DEMANDA

Afeganistão

África do Sul

Alemanha

Andorra

Angola

Arábia Saudita

Argélia
37

Argentina

Austrália

Áustria

Bangladesh

Bélgica

Belize

Benim

Bielorússia

Bolívia

Bósnia e Herzegovina

Botswana

Brasil

Bulgária
38

Burkina Faso

Butão

Camarões

Camboja

Canadá

Catar

Cazaquistão

Chade

Chile

China

Chipre

Colômbia

Coréia do Sul
39

Costa do Marfim

Costa Rica

Croácia

Cuba

Dinamarca

Djibouti

Egito

El Salvador

Equador

Eritréia

Eslováquia

Eslovênia

Espanha
40

Estados Unidos da América

Estônia

Etiópia

Finlândia

França

Gabão

Gana

Grande Museu Egípcio

Grécia

Guatemala

Guiné

Haiti

Honduras
41

ICOM

Iêmen

Índia

Indonésia

Irã

Iraque

Irlanda

Islândia

Itália

Japão

Jordânia

Kuwait

Letônia
42

Líbano

Líbia

Lituânia

Madagascar

Malásia

Mali

Malta

Marrocos

Mauritânia

México

Moçambique

Moldávia

Mônaco
43

Mongólia

Montenegro

Museu Britânico

Museu da Acrópole

Museu do quai Branly

Namíbia

Nepal

Nicarágua

Níger

Nigéria

Noruega

Nova Zelândia

Países Baixos
44

Palestina

Panamá

Papua Nova Guiné

Paquistão

Paraguai

Peru

Polônia

Portugal

Quênia

Reino Unido da Grã-Bretanha e da


Irlanda do Norte

República Centro-Africana

República Democrática do Congo

República Domicana
45

República Tcheca

Romênia

Ruanda

Rússia

San Marino

Senegal

Sérvia

Singapura

Síria

Somália

Sri Lanka

Sudão

Suécia
46

Suíça

Tailândia

Tanzânia

Tunísia

Turcomenistão

Turquia

Ucrânia

Uganda

União Africana

União Europeia

Uruguai

Vietnã

Zimbabwe

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