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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando


por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo
nível."
Ficha Técnica

Copy right © João Renha 2013

Diretor editorial Pascoal Soto


Editora executiva Tainã Bispo
Editora assistente Ana Carolina Gasonato
Produção editorial Fernanda Ohosaku, Renata Alves e Maitê Zickuhr

Preparação de texto Alexander Barutti de Azevedo Siqueira


Revisão de texto Juliana Waku
Capa Luís Alegre | www.ideiascompeso.pt

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Renha, João
A propaganda brasileira depois de Washington Olivetto / João Renha. – São
Paulo : LeYa, 2013.

Bibliografia
ISBN 9788580447743

1. Olivetto, Washington, 1951- 2. Publicidade e propaganda 3. Literatura


brasileira - não-ficção

13-0227 CDD 659.1(091)


Índices para catálogo sistemático:
1. Publicidade e propaganda

Editora PUC-Rio
Rua Marquês de S. Vicente, 225, casa Editora PUC-Rio/Projeto Comunicar
22451-900 Rio de Janeiro, RJ
Tel.: (21)3527-1760/1838
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www.puc-rio.br/editorapucrio

Conselho Editorial
Augusto Sampaio, Cesar Romero Jacob, Fernando Sá, Hilton Augusto Koch,
José Ricardo Bergmann, Luiz Alencar Reis da Silva Mello, Luiz Roberto
Cunha, Miguel Pereira e Paulo Fernando Carneiro de Andrade.

2013
Todos os direitos reservados a
TEXTO EDITORES LTDA.
[Uma editora do Grupo Ley a]
Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86
01248-010 – Pacaembu – São Paulo – SP – Brasil
www.ley a.com.br
Dedicatória

Foi David Ogilvy quem me apresentou a Claude Hopkins. Sessenta por


cento do que diz Ogilvy é Hopkins. E ele mesmo nunca negou isso. Segundo
Ogilvy, “Hopkins era um trabalhador infatigável, que raramente deixava o
escritório antes da madrugada. O domingo era o seu dia predileto, porque
podia trabalhar sem interrupções” (Ogilvy, 1985, p. 217).
Pelo visto, foi fonte de inspiração para muitos.
Mais tarde, Ogilvy acabaria fazendo o mesmo. Em Uma autobiografia,
ele confessa que trabalhava sob muita pressão: “Escrevia os anúncios básicos
para a maioria de nossos clientes e fazia apresentações para clientes
potenciais. Saía de uma reunião para entrar em outra”.1 Assim como seu
ídolo maior, Ogilvy trabalhava muito. Costumava ainda trabalhar nos fins de
semana, em casa: “Nos fins de semana, escrevia mais de cento e cinquenta
memorandos, cartas e notas” (Ogilvy, 1998, p. 90-91).
É claro que Ogilvy sofreu influências de Leo Burnett e Rubicam, e de
outras pessoas que trabalhavam muito também, mas a mais forte, a mais
nítida, parece ter vindo de Hopkins.
Washington Olivetto talvez não concorde muito com o que escrevo
agora. Até porque gostava sim de Ogilvy, que ele considerava o Rolls-Roy ce
da propaganda, mas se identificava mais com Bernbach, que para ele era o
Porsche da propaganda e nunca levava trabalho para casa (Olivetto, 2004, p.
36-37).
Sobre isso, aliás, Olivetto declarou certa feita: “Trabalhar fora do
expediente é prova de incompetência”.
Tenho dúvidas sobre isso. E, às vezes, acho que até o Olivetto também.
Quando perguntei, certa feita, se ele ainda acreditava nisso, sorriu e
respondeu com um enigmático “é”.
Foi o próprio Washington Olivetto quem me revelou: o comercial para os
bombons Garoto, Sonhos, foi criado durante um jantar em Nova York. E o
filme Homem com mais de 40 anos também surgiu enquanto almoçava com o
pai, num restaurante. E foi durante um jantar também na sua antiga agência,
a W/Brasil, que foi dado o pontapé inicial para um dos maiores sucessos de
Jorge Ben Jor, a música cult que ficou conhecida como “Alô, alô W/Brasil”.
Certamente não foram os únicos feitos fora do expediente. Aliás, até que
horas mesmo vai o expediente normal? Em Seis contos da era do jazz (idem,
p. 126), Olivetto confessa a admiração por F. Scott Fitzgerald e as influências
que sofreu do escritor americano. Elas foram muitas: “Devo também a
Fitzgerald meu hábito de dormir pouco” (idem, ibidem).
O que faz Olivetto durante essas madrugadas, queremos saber: lê
apenas, ouve música e prepara sorvetes,2 como afirma, ou será que escreve
também, como faziam Hopkins e Ogilvy e também Fitzgerald – que
escreviam compulsivamente?
Quem estudou Freud sabe que ele também costumava escrever todos os
dias, após o trabalho, em casa, até uma hora da manhã. Era desses homens
que trabalham muito.3
Olivetto é um desses homens que amam o que fazem. É um desses
homens que trabalham muito, também.
Este livro é dedicado a Hopkins. É dedicado a Ogilvy. É dedicado a
Fitzgerald. E é dedicado ao próprio Olivetto. E a Neil Ferreira. É dedicado,
enfim, a todos os que trabalham muito. E me fizeram ver como é bom e
produtivo trabalhar de domingo a domingo.
Eles tinham razão: quando a gente gosta do que faz, o trabalho deixa de
ser trabalho para se transformar num passatempo, num hobby.

O autor

1 Há vários registros históricos da imensa admiração de Ogilvy por Claude


Hopkins. Entre eles, citamos dois: em Confissões de um publicitário, p. 131, ao
explicar para o leitor quem eram seus mestres, o autor assim descreve o quão
importante tinha sido Hopkins em sua vida: “Numa classe à parte fica Claude
Hopkins... Tecnicamente, foi o mestre supremo”. Já na introdução da edição de
Ciência da propaganda, de Hopkins, de 1966, p. 13, Ogilvy assim escreveu:
“Ninguém, em nenhum nível, deveria permitir-se ter qualquer coisa a ver com
propaganda antes de ter lido este livro sete vezes... Toda vez que vejo um mau
anúncio, digo comigo: ‘Quem escreveu esse texto nunca leu Claude Hopkins’”.

2 Idem, p. 153, e Westbrook, Mentiras íntimas, biografia autorizada de F. Scott


Fitzgerald, p. 278: “‘Estou extremamente ocupado’, Scott escreveu à filha. ‘A
renovação do meu contrato depende das próximas duas semanas, quando
terminarei a primeira parte de Madame Curie. Por isso estou trabalhando pra
diabo’”.

Em O que a vida me ensinou, p. 95, Olivetto registra evidências de que trabalha


também em casa, ao escrever: “Uma das coisas que mais me geram cansaço
físico é passar um longo tempo antes de dormir avaliando o que fiz durante
aquela jornada e planejando o dia seguinte. (...) Escrevo estas linhas pouco antes
de dormir. Logo mais estarei sonhando... Creio que isso é típico de quem exaure o
gesto criativo cotidianamente. Enquanto está desperto, exercita demais a
imaginação”.

3 “O resto da noite era dedicado a ler, escrever e cumprir algumas tarefas


editoriais nas revistas psicanalistas... Ia para a cama a uma da manhã” (Peter
Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo, p. 157).
Agradecimentos

Ao Marcelo Lobo, à Ciça, ao Clube de Criação de São Paulo, ao Neil


Ferreira, ao Ercílio Tranjan, ao Chico Abréia, ao Carlos Domingos, ao
Ronaldo Conde, ao Ry naldo Gondin, à Renata Giese, ao Luiz Vieira, ao
Stalimir Vieira, ao Nizan Guanaes, ao Petit, ao Dualibi e ao Zaragoza, ao
Fábio Fernandes, ao André Pedroso, ao Gilberto dos Reis, ao Luís Guto de
Paula, ao Adilson Xavier, ao Antônio Torres, ao Toninho Lima, ao Ed
McCabe, ao Lulu Santos, ao Seu Jorge, ao Caetano Veloso, ao Gilberto Gil, ao
Nelson Motta, ao Marcelo Madureira, ao Marcelo Serpa, ao Boni, ao
Alexandre Machado, ao Arnaldo Antunes, ao Jorge Ben Jor, ao Paulo Peres,
ao João Daniel, ao Júlio Ribeiro, ao Andrés Bukowinski, ao Júlio Xavier, ao
Carlos Moreno, ao Sérgio Graciott, ao Marcelo Giannini, ao André Midani, ao
Fausto Silva, ao Andrucha Waddington, ao Michael Sonkin, ao Gabriel
Pensador, ao Ivan Zurita, ao Eduardo Neiva e a todos os antigos e novos
amigos que de uma forma ou de outra contribuíram para tornar este sonho
realidade.
E um agradecimento especial aos professores Cláudia Pereira, Carlos
Negreiros, Ana Letícia Paranhos, Cláudia Brutt, Marcos Barbato, Angellucia
Habert, Cesar Romero Jacob, Ernani Ferraz, Fernando Sá, Felipe Gomberg e
a todos os colegas do Departamento de Comunicação, da editora PUC-Rio e
da biblioteca da PUC-Rio que me ajudaram a concluir este livro e, muito em
especial, o meu muito obrigado ao Washington Olivetto e à WMcCann-
Erickson pelo apoio, pela imensa paciência e colaboração ao longo desses
mais de dois anos de estudos. E ainda um muito, mas muito obrigado mesmo
à Dani, que sempre me ajudou, orientou e entendeu, mesmo quando eu a
procurava num domingo. E eles foram muitos, não é mesmo, Dani?
Prefácio

O homem que virou W/

Escrevo o prefácio deste livro em momento efervescente no Brasil e no


mundo. As nações se preparam para os Jogos Olímpicos na Inglaterra e para
a Copa Mundial de Futebol no Brasil. Discussões de ordem política, social e
econômica se alastram, fazendo ponderar quanto ao futuro de povos,
continentes e oceanos. Urge mudar o cenário, para um futuro mais
sustentável. A gestão contemporânea das organizações vê eclodirem
necessidades de toda sorte, cuja solução espera por inovação. E logo
descubro que esse movimento revolucionário é talvez o cenário em que
algumas pessoas se sentem realmente à vontade. Pessoas inquietas. Criativas.
Inconformadas. Transformadoras. Gênios, como meu amigo Washington.
Washington Olivetto contém em si toda uma equipe esportiva, pronto a
garantir a vitória – mais do que do seu time de coração, do grande Brasil, que
representa há muitos anos. Desafiador e resiliente, atleta jamais satisfeito
com as medalhas já guardadas, protagonista dos nossos tempos, Washington
sabe e valoriza o bem viver e o bem fazer.
Recebo de João Renha as páginas que você lerá a seguir. Elas me levam
ao coração de Washington. Ampliam o cenário em que ele se desloca,
reunindo vértices que se complementam e nos brindam com sua mente
clássica e popular. Com certezas e questionamentos. Com uma genialidade
incrível e a ironia que o torna simples perante a vida. Sua transparência nos
faz também pensar. Porque, muito antes das novas mídias, Washington já
estava estampado pela cidade, pelo mundo. Vale a pena buscar algo além do
bom texto, para se compreender sua comunicação? O que iremos descobrir,
além de gênio e trabalho? De que forma construiu uma vida que leva sua
própria marca?
Acompanharemos os capítulos a seguir. O autor acertou, ao escolher a
obra de Washington Olivetto para chegar à trajetória da propaganda no Brasil,
nas últimas décadas, e apresentar nossos melhores textos de mensagem
publicitária. Mas, desde já, alerto: dissecar essa retórica será difícil, pois
Washington é seu próprio texto.

Ivan Zurita
Introdução4

Aos dezenove anos ele ia para a universidade – uma das duas que
cursava na época – quando, de repente, o pneu do carro estourou. O que para
muitos podia ser um sinal de azar, má sorte ou contratempo, para ele não era.
Ou podia não ser só isso. Quando se é otimista, mesmo as dificuldades podem
se transformar em oportunidades. E, se há algo que ele sempre foi, é
exatamente isso: um otimista.
Talvez houvesse algum motivo para aquilo ter acontecido, pensou,
enquanto observava o pneu arriado.
Por coincidência, tal fato se deu bem em frente a uma agência de
publicidade – ele é que ainda não havia percebido –, e, dividido entre o
jornalismo, a propaganda e a psicologia, não sabia ao certo o que fazer da
vida.
Para a família e os amigos mais próximos, ele podia vir a ser muita
coisa. Mas, tendo nascido no Brasil e com aquele nome, Washington, talvez
viesse a ser mesmo um médico, músico, jogador de futebol ou presidente,
quem sabe?
Aqueles eram os anos 1970 e a cidade era a grande São Paulo. Fazia um
calor imenso em Higienópolis e, para variar, ele estava em cima da hora.
Quem faz muitas coisas ao mesmo tempo não costuma ter muito tempo
para ficar pensando muito no que vai fazer – faz logo alguma coisa ou não faz
aquilo nunca mais.
Por isso mesmo o jovem saltou do Karmann Ghia vermelho que havia
ganhado de presente da tia e observou atentamente o que estava escrito
naquela placa da casa, agora diante dele: HGP Propaganda.
Santa coincidência. A sorte havia decidido por ele dessa vez. Seu futuro,
que já estava escrito há muito nas estrelas, parecia estar começando agora.
Era como se alguém ou alguma coisa lhe mostrasse o caminho, chamando:
venha, é por aqui!
Carlos Drummond de Andrade já havia alertado sobre esse fenômeno.
Certa vez, quando entrevistado sobre como escrevia textos tão belos,
respondeu: “Acho que são anjos que vêm ao meu ouvido e falam: escreva
assim”.5
Então ele olhou mais uma vez para o carro e depois para a placa. Como
não levava muito jeito para trocar pneus, decidiu arriscar um emprego sério.
O primeiro de sua vida. Chamou o dono da agência e pediu uma chance:
“Olha, moço – disse ele –, não sei se o senhor acredita em destino, mas o
pneu do meu carro acabou de estourar. Ele não vai estourar duas vezes na
mesma rua. Não diante da sua agência. Pode ser coincidência, mas eu acho
que levo o maior jeito para publicidade. Estou procurando um emprego, está
bem, pode ser um estágio, e acho que alguém ou alguma coisa está me
dizendo para começar aqui. E agora. Se o senhor não me der essa chance, eu
e o senhor vamos perder uma grande oportunidade, eu aposto”.
Juvenal Azevedo, que era um homem experiente e um dos donos da
HGP, coçou a cabeça. Não estava acostumado a ouvir propostas como essa,
nem a ouvir tanta franqueza assim de uma só vez. Não todos os dias. Parou
um pouco, pensou. E, logo a seguir, talvez levado também pela intuição,
concordou: “Pode começar hoje mesmo, se você acertar, o emprego é
seu”.6
Como diria Holden Coulfield,7 personagem do livro de J. D. Salinger que
ele tanto ama, foi desse modo que tudo começou.
Numa entrevista, aliás, que tivemos a oportunidade de realizar quarenta
anos depois, como que endossando tudo o que foi dito aqui, ele próprio nos
responderia: “Se acredito em destino? Em livre-arbítrio? É claro que
acredito”.8
A descoberta da penicilina, da fotografia e do raio-x, a cura da
tuberculose, a invenção do telefone e do micro-ondas e algumas das mais
expressivas descobertas da humanidade também aconteceram assim: meio
que por acaso, embora existencialistas como Schopenhauer, Heidegger e
Nietzsche tenham afirmado que não é bem assim, pois, para quem não sabe
para onde vai, todos os caminhos levam a lugar algum: “De onde então a
crença de que somente em artistas, oradores e filósofos há gênio? De que
somente eles têm intuição?”.9
Talvez aquele jovem já soubesse sim o que queria e para onde iria.
Talvez não soubesse ainda exatamente como chegar lá. Talvez o destino tenha
lhe dado, na verdade, um empurrãozinho. Afinal, o destino não depende de
nós – ou só depende de nós?
Alguns pensadores acreditam que as coisas boas, assim como também
as ruins, só acontecem de verdade quando, de certa forma, já estamos
procurando por elas. Seria mesmo?
Voltaire, como veremos a seguir, desenvolveu um longo estudo sobre o
assunto. É na Ilíada, de Homero, que – afirma o pensador francês – “pela
primeira vez, achamos a noção de destino”, e de que ele é senhor do mundo.
Tudo obedece a leis imutáveis, tudo é interdependente, tudo tem um efeito
necessário. Não há como escapar do destino.
Mas Voltaire, em sua imensa sabedoria, também questionou-o e,
escrevendo sobre a prudência, se perguntou: o homem prudente cria o seu
próprio destino ou é também o destino que faz prudentes os homens?

Nullun mument abest, si sit prudentia, sed te.


Nos facimus, fortuna, deam, coeloque locamus.
– A fortuna é nada; em vão a veneram.
A prudência é o deus a que devemos implorar.10

A pergunta que nos vem então à mente é: teria o futuro daquele jovem
sido mesmo determinado meramente pelo destino, apenas? Ou estaria ele em
busca desse algo ou alguma coisa sem o qual, afirmam os existencialistas,
tudo dá em nada e a fatalidade decide tudo?
Teria o acaso sido extremamente generoso com ele, abrindo-lhe, desse
modo, as portas de um futuro feliz, próspero e afortunado? Teria tido aquele
jovem apenas muita sorte, como quem acerta numa loteria e nada mais? Até
onde, aliás, a sorte e o acaso podem decidir o futuro de alguém? Até onde?
E aqui uma nova questão precisa ser respondida: quais teriam sido as
consequências desse evento se, em vez de uma agência de publicidade, um
pneu de seu carro tivesse furado na porta de uma escola, de uma clínica
médica, de uma delegacia ou de uma empresa de engenharia? Teriam o
Brasil e o mundo perdido para sempre um de seus mais geniais e talentosos
publicitários de todos os tempos?
Quando dirigimos tal pergunta a Olivetto,11 obtivemos como resposta
um sorriso enigmático, como quem responde com uma nova pergunta: quem
sabe? Tivéssemos nós insistido e teríamos certamente ouvido uma sugestão:
por que não pergunta isso ao destino?
O acaso, a sorte, o destino. Como explicar isso razoavelmente?
François Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido como Voltaire,
parece ter a resposta: “Os acontecimentos estão encadeados uns nos outros
por uma fatalidade invencível”.12
Nada é gratuito. Não há um átomo, por menor que seja, que não tenha
influído na situação atual do mundo inteiro e mesmo o mais insignificante dos
acidentes parece estar sempre ligado à cadeia do destino. Não há efeito sem
causa. Entre Deus e o homem há o infinito.
Para o filósofo francês, o futuro nasce do presente e o passado é quem
faz nascer o presente. Tudo é roldana, mola de uma mesma engrenagem
colossal que se estende de um lado a outro do universo.
E assim não há como fugir do destino: ele está acima até mesmo dos
deuses. Mesmo Zeus, que tentou iludir o Destino uma vez, não pôde livrar seu
filho Sarpédon de morrer na data fixada, pois o destino de toda a Terra
dependia de sua morte e “Zeus em vão tentou salvar Heitor (...) logo fica a
saber que o troiano há de ser infalivelmente morto pelo grego; não poderá
evitá-lo e, desde esse momento, Apolo, o gênio guardião de Heitor, é
obrigado a abandoná-lo”.13
Seria mesmo verdadeira tal afirmativa? Estariam contidas nela as
respostas para as perguntas que o homem se faz há séculos e para as quais,
parece, ainda restam muitas dúvidas? Seria tudo meramente fruto do acaso,
da sorte, do destino? Estaria mesmo o destino dos homens traçado ainda antes
do seu nascimento?
Ao tentar explicar o pensamento de Freud, Erich Fromm (Fromm,
1980b, p. 7) definiu a questão fundamental da humanidade.
E ela é a busca pela verdade.
De Sócrates a Spinoza, passando por Buda, Hegel e Marx, todos os
grandes pensadores estiveram envolvidos com uma mesma questão: a busca
pela verdade.
“Se examinarmos as situações de todos os povos, vamos reparar que
elas estabeleceram-se, desse modo, numa sucessão de fatos que parecem
não depender de nada e, em verdade, são consequência de tudo”.14
O que Voltaire parece querer nos mostrar com isso é que um camponês
pode até acreditar que foi por acaso que caiu granizo na sua seara, mas o
filósofo sabe que o acaso não existe.
Seria mesmo?
Voltando agora no tempo, percebemos que aquele tinha tudo para ser
mais um acontecimento banal, sem importância alguma. Simplesmente mais
um acontecimento, como são todos os outros: banais. E que, com o tempo,
tudo se assentaria, tudo seria esquecido, tudo seria nada de novo. Mas não foi
bem assim que tudo aconteceu. Será que, na verdade, não há nada de banal
em acontecimento algum, como afirmara Voltaire?
O certo é que logo num dos primeiros trabalhos, ainda na fase de
experimentação, seu talento já vinha à tona. Ao criar um anúncio para
vender aparelhos de TV para o Dia das Mães, ao lado da foto de uma
velhinha simpática, ele havia escrito o seguinte título: “Dê um televisor ABC
para a primeira mulher da sua vida”.
Aquela não parecia ideia de estagiário, mas de um grande redator. E foi
exatamente isso que o dono da HGP disse para ele: “Meu filho, você ainda
vai ser um grande redator”.15
Pouco depois, trabalhando então na Lince Propaganda, ao fazer uma
chamada para uma série policial da TV, notou que o ator principal era
gordinho, baixinho e feio. Era o contrário do protótipo dos heróis atléticos,
como Magnum, James Bond e tantos outros, que os seriados da época
apresentavam. Pegou então a pior foto que tinha do detetive Cannon (vivido
no filme pelo ator William Conrad), em que ele aparecia com a barba ainda
por fazer e cara de quem não dormia há alguns dias, e embaixo da foto
acrescentou o seguinte título: “Esse é o mocinho do filme que o 13 apresenta
hoje à noite. Imagine a cara do bandido”.16
Passado menos de um ano, a previsão do primeiro patrão, o dono da
HGP, se concretizava e, com um comercial para a Deca, o jovem cabeludo
de apenas vinte anos, que até alguns meses antes recebia um pouco mais que
o salário mínimo, ganhava seu primeiro de uma série de muitos e muitos
outros Leões de Cannes.
Como ele mesmo escreveria no slogan que ainda viria a criar um dia, “o
primeiro Leão a gente nunca esquece”.
E foi a partir de então que as propostas de trabalho, de melhor
remuneração e os prêmios não pararam mais de acontecer em sua vida. “O
bom de ser famoso é que você vira amigo dos seus ídolos” – viria a dizer,
também, aquele mesmo jovem.
Esse foi o início da carreira de um dos mais premiados, aclamados e
brilhantes publicitários que o mundo já viu: Washington Olivetto, cujo nome
completo, Washington Luiz Olivetto, foi dado pelo avô em homenagem a um
ex-presidente brasileiro.
Redator, empresário, cronista, letrista e apaixonado pelo futebol, em
especial pelo Corinthians, pelos lugares e pelas viagens, Washington Olivetto é
um ser múltiplo que parece estar sempre em busca da perfeição.
Extremamente criterioso, ele costuma implicar com seus próprios
textos, muitas vezes acreditando que podiam ter ficado ainda melhores
(Olivetto, 2004, p. 9, 67, 103, 121 e 128).
Seria mesmo?
Paulista, nascido em 29 de setembro de 1951, Olivetto é filho de Virso e
Antônia Olivetto e é mais lembrado pelos filmes e anúncios que faz para a
propaganda, a maioria deles absolutamente genial.
Já foi capa ou matéria de Veja, Playboy, Archive, Advertising Age,
Exame, Mondomix, El Pais, Vogue, Der Spiegel, New Yorker e muitas outras
publicações famosas e é conhecido no mundo inteiro.
Entrou para o Hall of Fame em 2009 (para o Hall da Fama brasileiro,
em 2002) e hoje é sócio de uma das maiores e mais tradicionais agências que
a publicidade já conheceu, a McCann-Erickson – empresa subsidiária da
Interpublic Group of Companies –, fundada em 1912, e, com a sua chegada,
em toda a América Latina e Caribe, passou a se chamar WMcCann-Erickson.
Agência esta que, em menos de um ano de existência, e com R$ 687
milhões de faturamento, já é a maior agência do Rio de Janeiro e a quarta
maior do país em faturamento, atrás apenas da Young & Rubicam, Almap
BBDO e Thompson.17
Mas existe um outro Olivetto que poucos conhecem. Admirador de F.
Scott Fitzgerald, Machado de Assis, Monteiro Lobato, J. D. Salinger, Groucho
Marx, Mel Brooks, Woody Allen e Neil Simon, entre outros tantos, Washington
é um leitor voraz que nas horas de folga escreve artigos, crônicas e resenhas
para grandes jornais e revistas, além de textos para os seus próprios livros.
Tem sete até agora.18
Washington Olivetto é multifacetado e eclético: além de músicas (letra)
em parceria com Tom Zé, como Amor de estrada, que na verdade era um
jingle criado para um comercial da General Motors, o briefing, pode-se dizer,
de Alô, alô, W/Brasil, foi ele quem passou para o Jorge Ben Jor.
A ideia surgiu de uma noite de festas na sua antiga agência (os outros
dois sócios eram Gabriel Zellmeister e Javier Llussá Ciuret) em que o
convidado era o cantor Jorge Ben Jor. Tal fato ocorreu em 1990. Enquanto
conversavam animadamente sobre a W/Brasil ter entrado para a lista das dez
maiores agências brasileiras, falaram também sobre futebol, política e Tim
Maia. Jorge Ben ouviu tudo atentamente. “Pouco tempo depois”, revela
Olivetto, “que o Jorge Ben veio aqui, voltou com essa canção e disse: ‘Olha o
que eu compus para vocês’.” 19
“Legal demais ligar o rádio do carro e ouvir ‘Alô, alô, W/Brasil’. Vale
mais que mil troféus”, completa o raciocínio o redator e escritor (Olivetto,
2011, p. 115).
Adivinha qual era a música que tocava ao fundo, enquanto você
aguardava alguém ao telefone, nos tempos de W/Brasil?
Mais que um muito bom redator, Washington Olivetto tem mais da
metade de sua vasta produção de mensagens comerciais calcada num
mesmo recurso retórico: a música popular brasileira.
Em grande parte de seus comerciais encontramos como fio condutor da
história a ser narrada músicas do Skank, Paralamas do Sucesso, Jorge Ben Jor,
Tim Maia, Nelson Ned, Roberto e Erasmo Carlos, João Gilberto, Kid Abelha,
Seu Jorge, Lulu Santos, Odair José, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Sandy,
Leandro e Leonardo, Tito Madi e mil e um outros grandes nomes da música
brasileira.
Em seus comerciais o elenco é estelar e encontramos de Luiz Fernando
Guimarães a Fernanda Montenegro, de Seu Jorge a Débora Bloch, de Gisele
Bündchen a Ana Paula Arósio, de Xuxa a Marcelo Madureira, de Leonardo a
Luma de Oliveira, de Renato Gaúcho a Patrícia Lucchesi, de Baby do Brasil
a Jorge Ben Jor, de Carlos Moreno a Ivo Pitanguy, Bill Gates e ele próprio.
Mais que um muito bom redator publicitário, Washington Olivetto é um
divulgador da cultura popular brasileira.
Modesto, não se considera um mito. Lenda para ele era David Ogilvy :
“No mundo inteiro, alguns publicitários bem-sucedidos se consideram uma
lenda. David Ogilvy não se considerava. Ele é” (Olivetto, 2004, p. 33). E
acredita que a única pessoa que considera seus textos absolutamente
impecáveis é a própria mãe, que é sua fã número um (Olivetto, 2004,
dedicatória).
Precoce, aprendeu a ler quando tinha entre quatro e cinco anos de idade
e, depois que tomou gosto pela escrita, nunca mais parou de ler e escrever
muito. Daí para a faculdade de Comunicação e a publicidade foi um salto: a
admiração que sentia pelo pai era tão grande que decidiu seguir os mesmos
passos, tornando-se também um brilhante vendedor.
Com o que já recebeu da propaganda, podia ter aposentado a caneta já
há muito. Mas escrever anúncios é sua vida e, talvez, por isso mesmo
continue ainda hoje chegando cedo ao escritório e saindo de lá apenas quando
quase todos já foram embora. “Tenho consciência de que a única coisa que
escrevo bem é propaganda... Não é talento. É uma questão de treino. Me
adestrei para isso desde os dezenove anos de idade” (Olivetto, 2004,
abertura). Seria mesmo, caro Washington? Será que os textos da propaganda
são mesmo os únicos que você escreve bem?
Sua luta contra as ditas campanhas fantasmas, aquelas que não foram
veiculadas na grande mídia, não obedecem a um briefing e foram criadas
apenas para ser inscritas em premiações, visando à visibilidade, é antiga.
Durante anos, enquanto esteve a frente de sua antiga agência, a
W/Brasil, recusou-se a inscrever peças em festivais e chegou a declarar a
respeito: “Você vê o anúncio e não sabe se é para vender o produto ou o
publicitário” (Morais, 2005, p. 350).
A verdade é que, embora muitos não saibam, muitas peças são
premiadas assim, como o clássico comercial que vendia uma determinada
marca de cola doméstica e ganhou o Grand Prix de Cannes em 1994.
A história, realmente original, mostrava uma madre superiora que, ao
mexer nos órgãos íntimos de uma estátua masculina que ela estava polindo, o
quebrava. Sem saber o que fazer, ela consultava então uma outra madre, que
lhe apresentava uma determinada marca de cola. Apressada, a madre
superiora voltava junto à estátua e colava então o seu órgão no lugar.
O detalhe: sem perceber, levantado para cima. Esse comercial, segundo
Olivetto, além de genial, era também absolutamente fantasma: um amigo seu
(Luís Casadevall) tivera a ideia e, como não tinha o cliente, inventou não
apenas o roteiro do filme como também um nome para o produto e inscreveu
o filme em Cannes.
Competir contra peças assim, para Washington Olivetto (Olivetto, 2004,
p. 110), é como participar de uma corrida de cavalos, na qual um dos
concorrentes corre pilotando uma motocicleta. Não é justo.
Idealista, ao longo dos mais de quarenta anos em que trabalha com
publicidade, Washington Olivetto deixou de ganhar algumas fortunas por se
recusar a fazer campanhas políticas e atender a contas governamentais: “Não
faço campanhas políticas, nem aceito contas de governo” e “políticos não
sustentam o meu negócio” (Morais, 2005, p. 220; Olivetto, 2011, p. 103-104).
Coincidentemente, outro grande publicitário, David Ogilvy também
afirmava o mesmo: “Sempre que minha agência é convidada para fazer
publicidade para um político, ou para um partido político, recusamos o
convite... Usar publicidade para vender estadistas é o cúmulo da vulgaridade”
(Ogilvy, 1963, p. 179).
Até onde vai tal coincidência?
Na verdade, não foi só ele quem perdeu dinheiro por sua insistência em
não trabalhar com tal tipo de cliente: nos anos 1980, a DPZ deixou de ganhar
a conta dos chocolates Lacta porque o Washington havia se recusado a fazer a
campanha do filho do ex-governador Adhemar de Barros, que pretendia se
candidatar ao Governo do Estado de São Paulo e era o dono da fábrica de
chocolates (Morais, 2005, p. 182).
Depois que ele negou os apelos do candidato, este respondeu com a
mesma palavra quando Roberto Dualibi (um dos donos da agência DPZ)
solicitou a conta: não.
Determinado, abriu mão de inúmeras contas, incluindo a de um dos
maiores fabricantes de brinquedos do país, porque o anunciante mexia em
quase todos os anúncios que ele criava e, como era contrário à comunicação
exposta pelo cliente na mídia, colocou um anúncio polido e respeitoso de
página inteira no dia seguinte, que dizia mais ou menos o seguinte: a W/GGK
não atende mais a conta da Estrela.
Quantos fariam o mesmo hoje em dia?
Admirado pela maioria dos grandes profissionais que compõem a sua
classe, ao dividir o Hall da Fama da publicidade brasileira em 2002 com
Ercílio Tranjan, recebeu dele o seguinte elogio por escrito: “O Washington
Olivetto é um dos últimos herdeiros do legado de Leo Burnett: se um dia
vocês se preocuparem mais em ganhar dinheiro do que em fazer boa
propaganda, por favor, tirem o meu nome da porta. Acho que foi mais ou
menos isso que o Leo Burnett disse, tenho certeza que é isso que o Washington
sente”.20
A melhor definição de Washington Olivetto, aliás, parece vir do próprio
Tranjan, brilhante redator que Olivetto procurou quando estava ainda
começando e usava barba e cabelos compridos: “O Washington inventou
alguns dos personagens mais memoráveis da propaganda brasileira. De todos,
um é insuperável: o Washington é a melhor criação do Washington... Ele se
autoescreveu há muito tempo.” 21
Autor de algumas das mais premiadas campanhas de toda a história da
propaganda, eleito Publicitário do Século, detentor de mais de mil prêmios,
incluindo 53 Leões e, ao lado de Francesc Petit – sua ex-dupla dos tempos de
DPZ –, do comercial, segundo o Guiness book, que por mais tempo foi
veiculado na mídia (Garoto da Bombril – dezesseis anos no ar, com mais de
340 filmes),22 e de dois comerciais incluídos na lista dos cem maiores
comerciais de todos os tempos (O primeiro sutiã a gente nunca esquece, em
parceria com Camila Franco e Rose Ferraz, e Hitler, criado em parceria com
Nizan Guanaes), Olivetto é um escritor fértil que parece discordar quando
alguém lhe chama de workaholic: “Trabalho como a formiga, mas me divirto
como a cigarra”, costuma dizer aos mais íntimos. (Ver caderno de imagens,
fotos 1 e 2).
Trabalho para ele é diversão, passatempo. O que faz mal ao homem não
é ter muito trabalho, é não ter nenhum.
Seguidor da teoria de Domenico De Masi – sociólogo italiano –, de
quem, aliás, é amigo, Washington acredita que o ócio alimenta a criatividade.
“As grandes ideias, afirma o publicitário, também surgem quando,
aparentemente, não se está pensando em nada”.
Admirador de Voltaire, Olivetto deve saber que foi durante seus
momentos de lazer que o sábio francês traduziu os Princípios de Newton e a
Eneida, de Virgílio.
Quem disse que os momentos de descanso não podem ser também
produtivos e lucrativos? Foi durante um jantar em Nova York que, ao ouvir
uma música cantada por Frank Sinatra, rabiscou num guardanapo algumas
linhas que, mais tarde, se transformariam num dos mais brilhantes e
memoráveis comerciais para os bombons Garoto – Sonhos.
Entre os ídolos, nomes famosos como Bill Bernbach, talvez sua
influência maior, Bob Levinson e Alfredo Marcantonio – que sobre ele, certa
feita, disse: “Algumas pessoas preferem álcool. Ou drogas. Washington
Olivetto é viciado em propaganda” (Morais, 2005, p. 380).
Isso além de David Abbott, Ed McCabe e John Webster – que ele
considera o melhor de todos, o mais brilhante: “John Webster provou que um
grande criador podia ser redator, diretor de arte e diretor de cinema ao
mesmo tempo, criando e produzindo sozinho... influenciou publicitários do
mundo inteiro com sua capacidade de pensar simples” (Olivetto, 2004, p. 41).
Sua vida é um e-book aberto: além dos inúmeros blogs e sites para os
quais contribui com matérias, comentários e artigos, alguns de seus livros,
como Corinthians X Outros, estiveram por quase três anos na lista dos dez
mais vendidos, segundo dados da revista Veja.
Só há um fato que ele nega veementemente: os textos postados no
Twitter, com mais de quarenta mil seguidores em seu nome, não são seus,
alguém anda usando seu nome indevidamente: “Depois do que me aconteceu
recentemente, não quero mais ninguém me seguindo”.23
Os números são impressionantes: alguns de seus comerciais exibidos no
YouTube, como uma seleção de filmes que mostra o ator Carlos Moreno em
alguns de seus melhores momentos para o produto Bombril, já foram
visitados por quase 150 mil internautas (147.334), sendo que o do DDD tem
157 mil e os do Primeiro Valisere a gente nunca esquece, só nas duas versões
mais antigas exibidas na internet, têm quase meio milhão de acessos (309 mil
a postada em 2007 e 151.214 a postada em 2008). (Ver caderno de imagens,
foto 3).
Um outro para o Mon Bijou, que foi censurado, tem mais de 350 mil
(245.917 exibições para o filme antes da censura e 105.691 para o filme já
censurado) e o campeão absoluto de visitas, o bordão criado para divulgar o
comercial da Valisere, O primeiro sutiã a gente nunca esquece, tem mais de
2,18 milhões de citações adaptadas no Google.24
Segundo o escritor Fernando Morais, em Na toca dos leões, só em 2001
Washington Olivetto e o pessoal da sua antiga agência, a W/Brasil, produziram
anúncios suficientes para preencher 621 páginas de revistas e outras 195
páginas inteiras de jornais.
Sem sombra de dúvidas, o publicitário que virou sonho de consumo do
empresariado brasileiro é o que se chama de uma máquina de escrever.
Washington Olivetto é um dos publicitários mais requisitados também no
mundo virtual.25 O comercial da Bombril que faz uma paródia de Che
Guevara tem 147.334 acessos, o dos bombons Garoto, quase cinquenta mil
(31.047 o Sonhos Garoto e 14.807 exibições o comercial Retorno), Rider,
descobridor dos sete mares tem 28.477 e o comercial Hitler quase 220 mil
(75.881 exibições na versão postada em 2008, outras 22.122 exibições na
versão postada em 2009 e 120.770 uma outra, postada em 2007). (Ver
caderno de imagens, foto 4).
No horário nobre da TV a audiência é ainda maior: uma única inserção
de trinta segundos do comercial é capaz de atingir mais de setenta milhões de
telespectadores em todo o país, 162 milhões durante a final do Super Bowl
americano, 350 milhões durante uma corrida de Fórmula 1 exibida em todo o
mundo, mais de dois bilhões de pessoas em transmissões de grande porte
como as Olimpíadas (Pequim, 2008) e mais de 2,6 bilhões de telespectadores
durante uma Copa do Mundo (Alemanha, 2006 – segundo a Fifa), com
transmissão para 214 países ao mesmo tempo.
A propaganda é um espetáculo grandioso26 em que uma emissora (a
NBC) é capaz de pagar até US$ 1,2 bilhão para transmitir com exclusividade
uma Olimpíada (a do Rio de Janeiro de 2016) e nomes como Madonna, Ozzy
Osbourne, Justin Bieber, Michael Jordan, Britney Spears, Shakira, Michael
Schumacher, Tina Turner, Bill Gates, Mel Gibson, Julia Roberts, Stephen
King, Rod Stewart, Michael Douglas, Nicole Kidman e Bruce Willis
aparecem anunciando produtos e serviços em filmes dirigidos por renomados
cineastas, como Martin Scorsese, Ridley Scott, Tony Scott, Fernando
Meirelles, Walter Salles, George Lucas, Steven Spielberg, Fellini, Orson
Welles, Woody Allen e Alan Parker. (Ver caderno de imagens, foto 5).
Uma audiência dessas, além de custar uma fortuna 27 – por trinta
segundos de publicidade durante o Super Bowl, o anunciante chega a
desembolsar 2,2 milhões de euros (aproximadamente R$ 6 milhões) –, pode
tornar alguém celebridade da noite para o dia, fazendo esse alguém
conhecido não apenas em seu país, mas em todo o mundo.
Reza a lenda que, certa feita, quando jantava num restaurante de Nova
York, um frequentador que havia ficado em dúvida sobre quem era a
personalidade à mesa, ao lado, perguntou ao garçom o seu nome. Ao notar
que ele havia apontado para a mesa errada, ele teria dito: aquele ali, não, o
outro, o que está ao lado do Washington Olivetto, quem é?
Quantas pessoas no mundo inteiro já não teriam visto os seus
comerciais, assistido a suas entrevistas e lido os seus livros e artigos?
Washington Olivetto é um fenômeno da comunicação e, como tal, há
muito já deveria ter sido merecedor de um estudo como o que agora se
inicia.
Autodidata, a primeira vez que pensou em escrever um anúncio foi
depois de ver um comercial ruim na TV. Como queria escrever para todas as
mídias, imaginou: “Posso fazer melhor que isso”. Rabiscou então um pedaço
de papel e fez. E, desde então, nunca mais parou de fazer mais e melhores
comerciais.
Para o autor, a maioria das grandes ideias não surge da inspiração, mas
do resultado de pesquisas, planejamento e diferentes caminhos criativos
exaustivamente discutidos (Olivetto et al., 2008, p. 17).
Deve ter sido em um desses momentos que ele criou o anúncio “Agora
que você já cresceu e não apanha mais do seu pai, dê um cinto pra ele. – Mas
bem que você merece apanhar se o cinto não for Fasolo”. Como é que ele
chega a essas ideias? Que caminhos criativos são esses aos quais Olivetto se
refere? Precisamos entender isso.
Extremamente ético, ainda em nosso primeiro encontro, quando
anunciamos que pretendíamos analisar seus trabalhos, ele alertou: “Temos
que ver isso com cuidado, pois algumas peças não são minhas”.
É sobre esse talentoso e obsessivo criador – que um dia falou que um dos
problemas com a propaganda atual é que “hoje em dia há muito mais
publicitários famosos que anúncios famosos” 28 –, seus trabalhos, suas ideias
e, principalmente, seus textos que passaremos a comentar a partir de agora.
Buscamos explicar sua obra, seus pontos de vistas e principais teorias. E
elas são muitas e, por vezes, polêmicas.
Para o autor, assim como as peças de mídia impressa, os comerciais de
TV deveriam ser assinados pelas agências, com o que não concordam muitos
outros grandes nomes da propaganda brasileira, como Roberto Dualibi,
Petrônio Correia Filho e boa parte do próprio pessoal da Rede Globo.
Para o diretor comercial da emissora, Antônio Athay de, é como se você
veiculasse a sua mensagem vendendo dois anunciantes ao mesmo tempo, e
só pagasse por um. É como se você dissesse: “Pegue o seu Fusca e venha
comer um delicioso sanduíche no McDonald’s” (Morais, 2005, p. 358).
Seria mesmo?
Enquanto Olivetto observa que a prática é comum nos Estados Unidos e
na grande maioria dos países da Europa, Dualibi (sócio da DPZ) ataca a
ideia, afirmando que ela pode “confundir o telespectador, desviando sua
atenção da mensagem do anunciante... O espaço é do cliente, não da
agência” (idem, p. 357).
O assunto é polêmico.
A própria Globo, aliás, recentemente enviou um comunicado a seus
anunciantes, em que alertava sobre a proibição da superposição de marcas
nos comerciais, alegando que algumas empresas estavam colocando em seus
anúncios endereços do Twitter e Facebook – que também são marcas.

Para a emissora, a menos que o anunciante pague duas vezes, fica


proibida tal prática.29
Por outro lado, David Ogilvy parece concordar com Olivetto: “Se todos
os clientes exigissem que os anúncios tivessem a assinatura de suas agências,
conseguiriam melhores anúncios” (Ogilvy, 1985, p. 40).
Se os anúncios de jornais e revistas são assinados pelas agências, por que
não haveriam de ser também os da TV? – parece perguntar o escritor inglês.
Para justificar tal ponto de vista, Ogilvy nos conta que em troca dos 10
mil dólares que receberia para fazer um anúncio para a Readers Digest, que
seriam doados para uma escola em que estudara, na Escócia, veio também a
exigência de que tal peça levasse sua assinatura. “Como todos sabiam que o
anúncio seria assinado por mim, dediquei grande esforço para escrevê-lo
bem. Nunca trabalhei tanto” (Ogilvy, 1985, p. 40).
Quem estaria com a razão?
Outra teoria sua, bastante polêmica, diz respeito à questão semântica:
certa feita, quando ainda diretor de criação da DPZ, viajou de São Paulo ao
Rio de Janeiro, duas vezes num mesmo dia, para cobrar que o cliente não
mexesse na pontuação de um anúncio seu.
O motivo era um ponto-final que o cliente, a Souza Cruz, havia retirado
dos layouts de uma campanha para os cigarros Continental, e Washington
Olivetto insistia em mantê-los: o título do outdoor em questão era: “Vai ver se
eu estou no bar da esquina” (Morais, 2005, p. 179).
Com ou sem ponto-final?
Lembre-se de que alguns importantes teóricos da comunicação, como
David Ogilvy, afirmam que as técnicas que a publicidade emprega vêm, em
sua maioria, dos jornais, e que eles não empregam pontos-finais em seus
títulos.30
Ele aprendera com Claude Hopkins, que afirmava que a publicidade
havia aprendido com o jornalismo: “Chamadas de anúncios são como
cabeçalhos de notícias (...). Escolhemos o que queremos ler pelas manchetes
(...). A titulagem é uma das maiores artes jornalísticas. Os cabeçalhos podem
ocultar ou revelar um interesse (...). O mesmo ocorre em propaganda”
(Hopkins, 1966, p. 44).
E, agora, perguntamos mais uma vez: quem estaria com a razão dessa
vez?
Como afirmara Claude Hopkins (idem, p. 55.): “Aprendemos, na
maioria dos casos, de outras pessoas (...) uma mesma oferta, feita de
maneiras diferentes, pode trazer retornos multiplicados”. Com quem teria
aprendido Washington Olivetto? Que métodos emprega ele na elaboração de
suas mensagens para que elas se tornem mais persuasivas e vendedoras?
Ao longo do estudo, que ora iniciamos, buscamos entender essas e
muitas outras questões ainda sem resposta, tentando encontrar pistas que
revelem as possíveis influências que o autor recebeu em sua trajetória.
Para tal, analisamos seus trabalhos, suas ideias, seus principais erros e
acertos, comparando-os aos trabalhos daqueles em quem o autor se inspirou
até se tornar o grande redator que é hoje em dia e que certa feita afirmou: “A
propaganda não vende apenas produtos e constrói marcas, ela ajuda a
construir também a cultura popular do país” (Olivetto et al., 2008, p. 26).
Vamos analisar o autor da propaganda que, confessadamente, admira
Machado de Assis e que, coincidentemente, assim como este, durante a
infância teve problemas de saúde que o obrigaram a viver um longo tempo
recluso, em quase total isolamento.
Se o autor de Dom Casmurro, Helena e tantos outros clássicos da
literatura brasileira aprendeu a ler com a madrasta, Washington Olivetto,
curiosamente, aprendeu com uma tia com quem morava.
Até que ponto tais circunstâncias teriam levado Olivetto, que já
admirava Monteiro Lobato, a se identificar também com o maior escritor
brasileiro e querer ser alguém parecido com os dois, no futuro?
E se Bernard Shaw, Faulkner e Hemingway foram alguns dos inúmeros
escritores premiados que escreviam também para a propaganda, seria
Washington Olivetto o publicitário que pode vir a se tornar um escritor
consagrado, também?
Em busca dessas respostas, vamos estudar ainda seu rico universo
semântico, sua pontuação e, principalmente, os elementos retóricos, como o
chiste (o humor), recurso persuasivo encontrado com certa frequência na
obra do analisado, para tentar, assim, desvendar os métodos e técnicas que o
autor emprega na construção de seus textos.
Segundo Descartes, e nós teremos a oportunidade de conferir isso
detalhadamente mais adiante, a alegria, o riso são provocados pelo cérebro,
que libera uma repentina descarga sanguínea no coração, impelindo os
músculos do diafragma, do peito e da garganta, mediante os quais se movem
também os músculos do rosto: “Quando a alegria ou a tristeza intelectual
excitam assim aquela que é uma paixão, sua causa é assaz evidente”
(Descartes, 1983, p. 252-261).
Que peso tem o humor na propaganda e nas relações de consumo? Qual
a sua real importância para aquele que compra o jornal ou a revista para ler
as notícias ou para o telespectador que se diverte com o comercial engraçado
e esquece, ainda que por um breve espaço de tempo, as amarguras e as
frustrações do seu dia a dia?
Os textos do analisado não evidenciam apenas insights e inspiração, mas
também muita técnica. De onde viria tal conhecimento, onde, com quem
teria desenvolvido tal aprendizado? Que outros autores, além de Monteiro
Lobato, Machado de Assis e F. Scott Fitzgerald, teria lido Washington Olivetto?
Que importância tiveram eles na formação intelectual do analisado?
Numa crônica sua escrita para a revista República, intitulada “Bobos”
(maio de 2002), por exemplo, há na construção frasal uma repetição
proposital – recurso persuasivo encontrado com frequência no discurso
político, assim como também no religioso – de uma mesma palavra, “quase”,
que nos chama a atenção: nos 31 curtos e concisos parágrafos escritos pelo
redator, tal palavra é repetida por impressionantes 46 vezes.
Isso não é inspiração. É coisa de quem lê muito e conhece muito bem a
língua em que escreve – é técnica.
Que outras técnicas persuasivas emprega Washington Olivetto na
construção de seus textos? Onde as aprendeu? Quando, como e com que
intuito?
A verdade é que, mais que meramente um excelente redator de
anúncios, a primeira leitura dos textos de Washington Olivetto evidencia ser
ele também um muito bom escritor.
Tal como F. Scott Fitzgerald, que assumidamente o autor reverencia, por
exemplo, Olivetto (Olivetto, 2004, p. 126-128) nos mostra ser capaz de
escrever não apenas sobre a publicidade e a mensagem comercial, mas com
igual brilhantismo também sobre o efêmero, revelando-se um autor hábil em
redigir sobre temas amenos, como viagens, gente, lugares, livros e as coisas,
aparentemente, mais simples da vida, como até mesmo o futebol, o
hambúrguer e o cachorro-quente (Olivetto, 2004, p. 61-63, 117).
Tal como Woody Allen, que o autor também acolhe como um dos
mentores intelectuais de sua obra, Olivetto é capaz de produzir um humor
sarcástico, irreverente e refinado, que o descola da maioria dos outros
grandes redatores de sua geração. Exemplifiquemos.
“Aqui estão todos os detergentes que a senhora encontra por aí”, diz o
ator Carlos Moreno, em um dos comerciais criados por Olivetto. Todos são de
ótima qualidade. Pegando o produto anunciado em meio a quatro outros
produtos (concorrentes) também exibidos na telinha da televisão, o ator segue
o texto: “O nosso é o Limpol. O Limpol lava a louça tão bem como qualquer
outro. Mas tem duas diferençazinhas: tem a marca Bombril e custa um
pouquinho menos. É um pouquinho só. Mas é menos.”
E o que dizer do comercial para um outro produto da Bombril, em que,
ao final do texto, o ator pronuncia as seguintes palavras, escritas por Olivetto
no roteiro: “Os outros produtos também são muito bons. Se a senhora sentir
uma coceirinha nas mãos, passa um creminho que passa”. (Ver caderno de
imagens, foto 6).
Há aqui uma nítida e surpreendente identidade entre os autores. Onde se
inicia, aliás, tal processo de identificação? Até onde ele vai? Quem mais o
teria influenciado? Precisamos investigar isso.
Falando sobre a identidade cultural, Martin-Barbero (Martin-Barbero,
2003, p. 113-114) assim definiu o fenômeno que une os homens, que os faz
desejar serem iguais àqueles que admiram e com os quais se identificam: “A
classe surge quando alguns homens, como resultado de experiências comuns
(herdadas ou compartilhadas) sentem e articulam a identidade de seus
interesses entre eles e contra outros homens cujos interesses são diferentes
dos seus (geralmente opostos)”.
Por meio da análise de conteúdo da obra de Washington Olivetto,
acreditamos, será possível desvendar os recursos que o escritor emprega na
elaboração de suas bem-humoradas e impecáveis redações.
E ao perceber, por exemplo, que o publicitário fala muito mais em
texto/frase (216 vezes) em sua obra Os piores textos de Washington Olivetto
do que em título (apenas 8 vezes), seremos obrigados a nos perguntar ainda:
será que Washington Olivetto é uma exceção entre os redatores e que, ao
contrário dos outros grandes criadores de anúncios que analisamos, possui
facilidade para criar títulos?
Lembre-se de que Ogilvy, diante do papel ainda em branco, costuma
dizer: “Dessa vez vou fracassar”,31 e até mesmo Claude Hopkins, como a
maioria dos bons redatores, não tinha muita facilidade para escrever: por
mais de uma vez foi encontrado pela esposa “sentado num banco de jardim,
no meio da noite, arrasado e em desespero, após dias de malogro no criar
uma ideia que julgasse suficientemente forte para vender”. As inteligências
são de vários tipos, afirmam os estudiosos.
E para entender então um gênio, buscamos auxílio em outros dois
gênios, Freud (Freud, 1977) e Aristóteles (Aristóteles, 1944), que servirão de
base aos nossos estudos sobre o chiste e a retórica, que Olivetto tão bem
emprega em seus textos e que o transformam num redator extremamente
singular.
Como ele mesmo disse certa vez, “o cliente não tem sempre razão.
Ninguém tem”. Passemos a discutir, portanto, os acertos, os erros e as
dúvidas daquele que, para muitos, é considerado o maior copywriter que a
propaganda já conheceu em todos os tempos.
Estamos falando sobre o autor que contribuiu para uma nova visão da
publicidade, mais humanista e voltada para os problemas do homem e da
sociedade em que vive, o escritor que, após criar para o Conar uma
campanha contra o preconceito de idade que estabelecia em quarenta anos o
limite para novas vagas de trabalho, afirmou: “A publicidade não cria
emprego apenas para mim. Mas para muito mais gente também”.
Se David Ogilvy ficou mundialmente conhecido pelos anúncios do Rolls-
Roy ce e das camisas Hathaway, Willian Bernbach pela campanha do Fusca e
Ed McCabe pelos anúncios que fez para a Volvo e a Hertz, por qual trabalho
gostaria Washington Olivetto de ser lembrado?
Como bem definiu Carlos Domingos,32 estamos falando sobre o redator
que, com a sua saída da DPZ, dividiu a história da propaganda brasileira em
duas fases distintas: antes e depois dele.
Estudemos, pois, Washington Olivetto. (Ver caderno de imagens, fotos 7
e 8).

Nasci no Dia de São Miguel Arcanjo, o anjo anunciador, dia em


que o mundo inteiro celebra o Dia do Anunciante. Minha
profissão tinha mesmo que ser a propaganda.
– Washington Olivetto

A propaganda mundial passa não por uma, mas por três crises
que são primas-irmãs. Existe uma crise criativa, existe uma
crise negocial e existe uma crise de autoestima. Já se ganhou
mais dinheiro com a propaganda, já se respeitou mais a
publicidade e já não se fazem trabalhos tão brilhantes quanto se
fazia nos anos 1980. Mas isso é cíclico, passa.
– Washington Olivetto

Como dono de agência, eu não passo de um redator que subiu


na vida.
A minha atividade é ser um redator.
– Washington Olivetto

4 Após a elaboração do conteúdo e produção deste livro, recebemos a


informação de que a Bombril e o Washington Olivetto separaram-se, após 30
anos de trabalho em parceria.

5 “Quando nasci um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: vai, Carlos,
ser gauche na vida” – “Poema de sete faces”.

6 Entrevista realizada na WMcCann-Erickson, no Rio de Janeiro, em 16/12/2010;


Morais, F. Na toca dos leões. São Paulo: Planeta, 2005, p. 47 e 57.

7 O apanhador no campo de centeio.

8 Entrevista realizada na WMcCann do Rio (ver nota 2).

9 Nietzsche, F. W. Humano, demasiado humano. São Paulo: Nova Cultural, 1987,


p. 60-61. (Coleção Os pensadores)

10 Voltaire. Dicionário filosófico. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p.148-149.

11 Entrevista do dia 16/12/2010 (ver nota 2).

12 Voltaire. Dicionário filosófico. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 114.

13 Ilíada, canto 22; Voltaire, idem, p. 148.

14 Voltaire, op. cit., p. 114-115.

15 Entrevista na WMcCann, em 16/12/2010 (ver nota 2).

16 Idem.

17 Segundo declaração do próprio Olivetto, ao receber o título de Publicitário do


Ano pela ABP, e Ibope Monitor, dezembro de 2010.
18 Corinthians em preto e branco, Corinthians X Outros, Os piores textos de
Washington Olivetto, O Primeiro a gente nunca esquece, Soy contra (capas de
revistas – 1001 anúncios de Bombril), O que a vida me ensinou (lançado em
2011) e o mais recente: Só os patetas jantam mal na Disney, também de 2011.

19 Na lista das cem músicas mais executadas em todo o país em 1991, Top Hits,
Alô, alô W/Brasil foi a 12ª mais tocada, superando, entre outras, clássicos
consagrados, como Paz na cama (Leandro & Leonardo – 19º lugar), Someday
(Mariah Carey – 33º), Justify my love (Madonna – 42º) e Não aprendi dizer adeus
(Leandro & Leonardo – 70º lugar). Segundo a Folha Online, o CD com a música
vendeu mais de 1 milhão de cópias só naquele ano.

20 Anuário do Clube de Criação de São Paulo, 2003.

21 Idem, Anuário do CCSP, 2003.

22 “A série mais longa da publicidade brasileira é a do Garoto Bombril, vivida


pelo ator Carlos Moreno (...) desde 1978. São mais de 185 filmes (...)”. Novo
guiness book 96, o livro dos recordes. Editora Três, 1995, p. 163. Segundo ainda
dados da Abafilmes, que são mais recentes, hoje são quase quatrocentos
comerciais veiculados.

23 Entrevista concedida na W/McCann Rio, em 16/12/2010.

24 Fonte: Estadão.com.br, Suplemento “Quero Ser Washington Olivetto”,


8/10/2010.

25 Dados retirados da internet em 15/12/2011.

26 O Globo, 8/6/2011.

27 Jornal O Globo, 6/2/2011, Revista da TV (O Globo) de 19/9/2010 e Discovery


Turbo, NET, programa “Os segredos da Fórmula 1”, exibido em 10/2/2011.

28 Entrevista em 16/12/2010.
29 Jornal O Globo, 13/6/2011.

30 “Editores de revistas são melhores comunicadores que os publicitários. Copie


suas técnicas” (Ogilvy, 1963, p. 17).

31 Introdução de Ciência da propaganda (São Paulo: Cultrix, 1965, p. 17),


assinada por David Ogilvy.

32 “Em 1986 ocorreu um fato que dividiu a história da propaganda em antes e


depois: Washington Olivetto, redator responsável por parte do sucesso da DPZ até
então, resolveu deixar a agência e fundar a própria: a W/GGK” (Criação sem
pistolão, p. 122).
Justificativa

O porquê do livro sobre Washington Olivetto


e a metodologia adotada nos estudos da obra
de Washington Olivetto

A superprodução surgida logo após o fim da Primeira Guerra Mundial e


o término da Grande Depressão, que haviam derrubado os mercados da
América e do mundo nos anos 1930, levou a indústria dos Estados Unidos a
investir pesado na persuasão da clientela. Tal fato acabou gerando um
importante fenômeno de consumo artificial, em que a publicidade e o
marketing tiveram papéis fundamentais nas ações de vendas.
Como bem lembra Las Casas (Las Casas, 1987, p. 24-25), as
mercadorias até então eram vendidas sob encomenda e, para se adquirir um
novo par de calçados, uma nova camisa, um móvel, ou mesmo um simples
jeans, o consumidor tinha de aguardar dias, às vezes semanas e até mesmo
meses para ter finalmente o produto.
J. M. Campos Manzo e Walter Cunto (Manzo e Cunto, 1975, p. 45),
professores da Fundação Getúlio Vargas, parecem endossar esse pensamento:
“No século XIX, a humanidade se preocupou em descobrir maneiras de
distribuir a escassez. A abundância dos mercados de hoje sequer era sonhada.
A ideia de satisfazer desejos era muito secundária. A ideia de apelar para os
desejos das pessoas, sequer imaginada”.
Com a chegada da Revolução Industrial e o surgimento da publicidade e
do marketing como instrumentos de vendas, tudo mudou.
Para escoar rapidamente as mercadorias que se avolumavam agora nos
depósitos das fábricas e dos grandes magazines, foram criadas novas técnicas
de comunicação de massa que, pela primeira vez, se preocupavam em medir
o grau de satisfação do consumidor com a mensagem inserida nos veículos.
Por mais incrível e absurdo que possa parecer, até aquele momento,
ninguém havia pensado nisso. Como bem diria Claude Hopkins, aqueles eram
ainda os tempos em que a publicidade era feita de forma rudimentar, apenas
na base da experiência própria, da opinião e do achismo, e não da
cientificidade, dos testes e da busca por resultados.
A publicidade era ainda um jogo em que se ganhavam e perdiam
fortunas dos outros, especulando-se sobre o poder de persuasão da
mensagem.
Então, como uma das principais consequências desse fenômeno, a
intuição, que servira de base na troca de mercadorias e produtos por milhares
de anos, foi finalmente substituída pelo conhecimento científico e pela
experimentação de novas e poderosas técnicas de venda e estímulos do
consumo.
Mais tarde, como era de se esperar, essas mudanças acarretaram
importantes alterações de rumos também no ensino da propaganda praticado
nas universidades, em que “os métodos de ensino superior passaram a
combinar três novos aspectos básicos: teoria, prática e pesquisas” (Melo,
1998, p. 30).
Jorge S. Martins faz uma crítica ao sistema de ensino da publicidade no
país. Para o autor, “as escolas não desempenham o papel alimentador do
impulso criativo dos alunos. Elas parecem servir apenas para transmitir e
ensinar o que aconteceu no universo da cultura, e não procuram abrir as
mentes jovens e ensinar o trabalho criativo e original, explorando as
tendências e os interesses dos alunos” (Martins, 1997, p. 84).
Como reverter tal situação, possibilitando a prática e o desenvolvimento
do ensino mais criativo em salas de aula e o estímulo a novas metodologias no
campo prático ao mesmo tempo?
O estudo teórico de uma disciplina juntamente com o exercício desses
conhecimentos em salas de aula nos levam a desenvolver pesquisas
acadêmicas que, por sua vez, possibilitam o aprimoramento da profissão.
O homem não se diferencia dos demais animais apenas por ser o único
a pensar e agir em sociedade: ele também é o único que produz em larga
escala. É o único que, pensando nas gerações futuras, acumula bens, produtos
e também saber. O homem é o único animal que produz artigos, que produz
bem-estar e também conhecimento.
Aqui é preciso ousar, inovar, experimentar. Fazer da realidade do
campus universitário algo o mais próximo do dia a dia que esses jovens vão
encontrar, no futuro, no ambiente das agências, veículos e produtoras de
propaganda.
Não basta entender. O aprendiz tem de estudar, questionar e,
principalmente, pesquisar a mensagem. Compreender que, se ela é mais
efetiva e científica hoje em dia, é porque alguém pesquisou como essa
mesma mensagem era transmitida no passado e tratou de desenvolver novas
teorias que, por sua vez, trouxeram novas formas de reproduzi-la, com
menores margens de perda do conteúdo e com maior eficiência.
As pesquisas sobre a mensagem são importantes porque é por meio
delas que podemos delinear um histórico da evolução da transmissão da
mensagem publicitária e as principais consequências da recepção na
sociedade de consumo em que vivemos. E a propaganda é, sem sombra de
dúvidas, um excelente canal para se pesquisar em busca da compreensão de
como se deu a história da nossa sociedade e a história da evolução da própria
mensagem ao longo do tempo.
Na década de 1930, por exemplo, quando, às vésperas da implantação
do Estado Novo e sem perceber ainda a ditadura que se esboçava, milicianos
integralistas em apoio a Getúlio Vargas espalhavam sua mensagem de
construir uma nova ordem no Brasil, era comum ver cartazes que
transmitiam essa palavra de ordem, nos quais o apelo da propaganda era: “O
Brasil precisa de você”.
Pouco depois, nos anos 1950 e novamente presidente, Getúlio mandava
afixar nas paredes um dos mais sugestivos cartazes de sua campanha – que já
antecedia o surgimento de uma das dez maiores petrolíferas do mundo e
dizia: “o petróleo será nosso”.
Ler propagandas é ler um pouco da nossa própria história.
Um dos mais prestigiados sociólogos do país, Gilberto Frey re,
demonstrou isso ao desenvolver um importante trabalho (O escravo nos
anúncios de jornal do tempo do Império, 1935), em que pesquisou a
escravidão no Brasil por meio de, aparentemente, simples anúncios de jornal
(Skidmore, 2007, p. 251).
Aparências enganam. O óbvio muitas vezes pode não ser tão óbvio
assim.
O estudo da propaganda pode, sim, nos revelar muito mais que simples
propostas de aquisição de artigos de primeira necessidade e de bens
supérfluos. Pode revelar hábitos, tendências e até mesmo parte da nossa
própria história recente.
O comportamento do consumidor é um assunto que precisa ser
profundamente estudado. Uma única pergunta, que fazemos a seguir, talvez
sirva para demonstrar tal afirmação: você conhece alguém que ande com
161 bilhões de reais no bolso?
Pois o brasileiro anda. Uma pesquisa recentemente encomendada pelo
Banco Central brasileiro e publicada no jornal O Globo33 revelou que o
brasileiro carrega nos bolsos algo em torno dos 4% do PIB do país e que mais
da metade dos brasileiros recebe, ainda hoje, seu salário em espécie.
Para onde vai tanto dinheiro?, perguntamo-nos agora.
Para Nelly de Carvalho, a mensagem publicitária reflete a cultura de
uma nação. Revela um sistema de agir e interagir, “valores de organização
artística, científica e educacional, social e política, bem como de atividades
econômicas” (Carvalho, 1996, p. 96).
E essa influência, afirma ainda a citada autora, vem do léxico, podendo
assim ser observada por meio de uma análise comparativa das mensagens.
Conteria mesmo a mensagem publicitária bem mais que simples
mensagens de vendas?
O trabalho que ora apresentamos não tem a menor intenção de esgotar o
assunto; pelo contrário: busca ser um novo ponto de partida para novas e
produtivas discussões sobre como redigir a mensagem publicitária de forma
mais efetiva.
Fazer anúncios perfeitos é um artesanato, já dissera David Ogilvy
(Ogilvy, 1963, p. 100).
Como se aprende isso? – queremos saber.
Segundo o professor da Universidade de São Paulo (USP) José Marques
de Melo (Melo, 1998, p. 41), Aristóteles foi o pioneiro no estudo das atividades
científicas voltadas para o processo de transmissão da mensagem,
possibilitando assim que, mais tarde, seus passos fossem seguidos por outros
estudiosos importantes, como Lazarsfeld, Gallup, Lasswel e Jakobson, entre
outros.
Ao dar início, juntamente com Platão, aos estudos da retórica como
disciplina acadêmica, Aristóteles tornou-se o primeiro estudioso de que se
tem notícia a ocupar-se de um importante aspecto no processo da transmissão
de informações, a persuasão.
Na medida em que nos ajudam a entender melhor nossa própria
sociedade e as mudanças pelas quais o mundo em que vivemos passa no
decorrer dos tempos, as pesquisas são fundamentais.
É por meio delas e de estudos sistemáticos sobre o passado que
percebemos onde acertamos, onde erramos e o que devemos mudar para
melhorar nosso desempenho nessa longa jornada em busca da felicidade, do
desenvolvimento e do bem-estar.
Essa obra que ora iniciamos tem este objetivo: analisar os aspectos
relacionados à transmissão e à recepção da mensagem publicitária,
especialmente no que dizem respeito ao texto, buscando assim entender de
que formas elas são capazes de alterar o comportamento do consumidor.
Para tal, inspirados nos trabalhos de pensadores como Flesch,
Richaudeau e Moles, que, entre outros, estudaram as formas como a
mensagem é percebida e filtrada pelo receptor, a legibilidade e as relações
existentes entre o tamanho das frases e a sua assimilação (Kientz, 1973, p. 91-
99), buscamos desenvolver uma ampla pesquisa, que visa compreender
alguns importantes aspectos da organização do pensamento e da confecção
da estrutura redacional de um dos mais renomados redatores publicitários de
todos os tempos, Washington Olivetto.
Entender o que pensa o homem, historicamente falando, sempre foi um
dos objetos de estudo do próprio homem.
Em Sobre o Humanismo, Martin Heidegger assim escreveu: “É por isso
que os pensadores Essenciais34 dizem sempre o mesmo (das Selbe); isso, no
entanto, não significa que digam sempre coisas iguais (das Gleiche). Sem
dúvida, eles só o dizem a quem se empenha em repensá-los” (Heidegger,
1967, p. 98).
Assim, por meio de uma minuciosa e atenta releitura dos textos de
Washington Olivetto, buscamos encontrar possíveis mensagens nas
entrelinhas, que ajudem a revelar o como proceder para bem escrever.
Então, orientados por trabalhos realizados por pesquisadores como Carol
Bolt (Bolt, 1975), que publicou um estudo sobre os vinte adjetivos mais
frequentes na publicidade televisiva americana, e Stephen Ullmann
(Ullmann, 1964), que, em sua obra Semântica, nos ajudou a entender as
palavras, buscamos entender o universo semântico e os procedimentos
técnicos na arte da escrita do publicitário e escritor Washington Olivetto.
O que pretendemos com isso é, ainda, tentar comprovar a afirmação de
Lucília H. do Carmo Garcez que assim expressou sua teoria: “Escrever é
uma habilidade que pode ser desenvolvida, e não um dom que poucas pessoas
têm” (Garcez, 2002, p. 2).
O que Lucília Carmo parece querer dizer com isso é que o talento, na
verdade, depende da persistência: “A tarefa pode ir ficando paulatinamente
mais fácil para profissionais que escrevem muito todos os dias, mas mesmo
eles testemunham que é um trabalho exigente, cansativo e que é, muitas
vezes, insatisfatório, frustrante” (idem, p. 4).
Teria mesmo razão a autora?
O que buscamos também demonstrar aqui é que as pessoas, na maioria
das vezes, compram ideias e não produtos, como já haviam afirmado J. M.
Campos Manzo e Walter Cunto (Manzo e Cunto, 1975, p. 160): “Sem share of
mind não há share of market. (...) é vital para continuar lucros. É também um
trabalho que só a propaganda faz eficiente e economicamente, pois as
pessoas compram ideias e não produtos”.
Falando sobre esse tema, aliás, o próprio Washington Olivetto já alertara
que a propaganda não vende produtos, mas cria a predisposição de compra:
“A propaganda não vende produtos. Quem vende é o vendedor”.35
E, assim, se a real função da propaganda é motivar o consumidor a ir
até a loja para procurar pelo produto anunciado, mais do que nunca, entender
as formas como essas ideias são transmitidas na mensagem publicitária tem
importância fundamental para o nosso estudo, pois o processo persuasivo
nada mais é que a transmissão efetiva da mensagem feita por meio do texto;
é ela que leva à efetivação da compra do produto anunciado.
Júlio Ribeiro e Bill Bernbach parecem concordar também com tal
proposição, e Bernbach já afirmou, certa vez: “Acredite-me [sic], ninguém
vai ler a sua publicidade se não for dita com ar de novidade, de originalidade
e de imaginação” (Peterson et al., 1966, p. 287).
Num mercado (Ogilvy, 1963, p. 124-150) em que os produtos são cada
vez mais parecidos, os preços são muito parecidos, as ofertas são muito
semelhantes e sua mensagem disputa um lugar ao sol com 350 outros títulos
nos jornais e 900 comerciais, em média, na TV, a única coisa capaz de
chamar a atenção do consumidor parece ser mesmo as ideias, e não os
produtos.
Bill Bernbach, um dos responsáveis pela revolução criativa ocorrida na
publicidade nos anos 1960, ao lado de Ogilvy e Leo Burnett, parece endossar
tal afirmativa, ao declarar: “Por que deveria alguém dar atenção à sua
publicidade? (...) Qual é a vantagem de dizer todas as coisas certas do mundo,
se ninguém vai lê-las?” (Peterson et al., 1966, p. 287).
Júlio Ribeiro (Ribeiro, 1994, p. 42) vai ainda mais longe: diante do
bombardeio de mensagens iguais – “compre o meu” – que a propaganda lhe
dirige, o consumidor desenvolve um mecanismo de defesa que lhe permite
ver, ouvir, entender e comprar só o que lhe interessa: “O horário nobre da
Globo exibe noventa comerciais. O Estadão de domingo tem, em média, seis
mil anúncios, incluindo os classificados” (idem, p. 42).
Quantas mensagens iguais de produtos não devem ser dirigidas a esse
mesmo consumidor em todos os veículos, diariamente e ao fim de cada mês?
Nas prateleiras dos supermercados, nas farmácias e drogarias, esse
mesmo consumidor encontra 32 diferentes marcas de creme dental, 106 de
molho de tomate, 122 de sabão em pó e mais de mil marcas de xampu (idem,
p. 104).
Quantos produtos ao todo não devem ser anunciados ao consumidor,
diariamente, durante o programa de rádio ou TV que ele costuma assistir? E
quantos não devem ser anunciados a esse mesmo consumidor ao fim de cada
mês, em todos os veículos de todo o país?
Uma das perguntas que tentaremos responder então é: como conquistar
esse consumidor? E, já que os preços, as embalagens e mesmo as finalidades
desses produtos são parecidos, o que dizer a ele, sem ser igual também na
mensagem publicitária dos seus concorrentes?
Estudar essa mensagem original e sedutora e descobrir se é possível
produzi-la em série depois, e como reproduzi-la, é um dos objetivos do estudo
que ora iniciamos.
Um negócio que movimenta atualmente, no Brasil, entre 35,9 bilhões e
45 bilhões de reais ao ano (segundo o jornal O Globo, em 29/2/2011 e
31/12/2007; a Isto é Dinheiro de 14/4/2010 indica 43,7 bilhões, enquanto o
Estado de São Paulo, de 19/6/2011, indica 33,1 bilhões de dólares) e cerca de
5,5 trilhões de dólares nos Estados Unidos36 merece ser discutido
aprofundadamente, pois, a partir do momento em que descobrirmos como se
dá tal fenômeno, poderemos descobrir também como incrementar tal
processo de estímulo ao consumo, que, por sua vez, contribui para o
aprimoramento do bem-estar de nossa sociedade e o desenvolvimento do país
em que vivemos.
E se o objetivo da vida é a felicidade, é essa realidade que a publicidade
vai retratar, então, em seus textos, com eloquência e sedução: já reparou
como nos anúncios de propaganda todo mundo é feliz, todo mundo é seguro,
todo mundo é próspero?
O universo mágico da publicidade não reservou espaço para a tristeza,
as decepções ou a melancolia. Pelo contrário, como afirma Edgar Morin, o
homem moderno aspira a uma vida melhor, procura a sua felicidade pessoal
e afirma os valores da nova sociedade em que vive. E, para esse novo
homem, o paraíso prometido nos caros centímetros dos jornais e revistas e
nos segundos milionários da TV pode ser conquistado aqui mesmo na Terra.
Aqui e agora.
Para vender então a sua mensagem glamorosa, a publicidade anuncia
produtos que acenam às massas com bem-estar, conforto e sedução,
atendem suas necessidades afetivas (felicidade e amor), imaginárias
(aventura e liberdade) e materiais (o bem-estar) com um sorriso de mulher
bonita no rosto que nos encanta e seduz ao mesmo tempo: “As necessidades
de bem-estar e de felicidade, na medida em que se universalizaram no século
XX, permitem a universalização da cultura de massa” (Morin, 1984, p. 158-
159).
E Washington Olivetto, que sabe disso, vem endossar tal teoria,
escrevendo filmes nos quais meninas puras sonham com a realização de ter o
seu primeiro sutiã e meninos igualmente ingênuos projetam seus sonhos em
mulheres mais maduras que fazem parte do inconsciente coletivo e, para
conquistá-las, oferecem rosas, sorrisos e, é claro, deliciosos bombons Garoto.
(Ver caderno de imagens, fotos 9 e 10).
O consumo, o prazer e a felicidade que começaram a flertar no século
XX se casaram com as bênçãos da sociedade ainda no início do século XXI e
agora caminham de mãos dadas, anunciando na tela das TVs de plasma, dos
notebooks e smartphones que a felicidade é uma calça velha, azul e desbotada
– e, como dizia o slogan da US Top, o mundo trata melhor quem se veste
bem.
Nove entre dez mulheres bonitas continuam usando Lux, mas nove entre
dez felizes donas de casa passaram a consumir também Bombril, que tem mil
e uma utilidades.
A temática explorada pela cultura de massa é a temática da beleza, da
felicidade e do happy end (Edgar Morin apud Kientz, 1973, p. 65-66).
Os conteúdos dos diários nos revelam que, geralmente, o que se chama
de informação representa, na verdade, apenas uma parcela desse conteúdo e,
via de regra, não ultrapassa a faixa dos 50% da informação contida nesse
mesmo diário.
O restante daquilo que denominamos informação, na realidade, não
passa de mera publicidade, mensagem de otimismo que tem por objetivo as
vendas – dê uma nova leitura nos textos do jornal ou magazine em suas mãos
e perceberá isso.
Eles são formados, segundo McLuhan, por anúncios de todo tipo, como
avisos, cotações da bolsa, obituários, programas de espetáculos e a própria
publicidade de produtos e serviços, além dos anúncios que visam à
memorização da própria marca, que os jornais e as revistas estampam em
suas páginas centrais periodicamente.
Para McLuhan, esses anúncios são importantes porque constituem a
parte estável dos diários e periódicos.
Tais propagandas, publicadas no veículo que sucedeu os arautos nas
praças públicas e os avisos e editais colados nas paredes, o jornal, podem até
não ter um grande valor jornalístico, mas desempenham um importante
papel na motivação de compra e na seleção do diário que o leitor vai adquirir
posteriormente: “Nossa imprensa é, em grande parte, uma forma de
divertimento gratuito, financiado pelos anunciantes que querem comprar
leitores” (McLuhan apud Kientz, 1973, p. 136).
As técnicas de vender artigos aos gritos, que os vendedores utilizavam na
era medieval, ainda podem ser vistas (ou ouvidas) em locais como a Rua da
Alfândega, no Rio de Janeiro, e nas praças onde aglomerações de camelôs
procuram chamar atenção para os produtos ofertados, mas o anúncio
estampado nos jornais e revistas ou inserido no break da TV, que, além de
comunicar, diverte o consumidor, atrai mais compradores até o local.
Em A galáxia de Gutemberg, McLuhan já havia discursado sobre o tema
e nos lembra que a palavra impressa foi o primeiro bem de consumo
produzido em massa, foi “o primeiro ‘bem’ ou ‘artigo de comércio’ a repetir-
se uniformemente” (McLuhan, 1972, p. 177).
Depois que o jornalismo descobriu um uso para a palavra impressa, a
publicidade seguiu o mesmo caminho e descobriu um modo de ganhar ainda
mais leitores e dinheiro com isso.
A palavra escrita, afirma o pensador canadense, criou a uniformidade
nacional, mas também foi responsável pelo individualismo e pela oposição ao
governo.
Publicidade é mais que vendas: é cultura, válvula de escape para os
problemas do dia a dia, companhia para a solidão e entretenimento também.
Washington Olivetto, que sabe disso, ao escrever o texto para o prefácio
de um de seus livros, Soy contra (Capas de revistas), em que analisa anúncios
de mídia impressa criados por sua ex-agência, a W/Brasil, para o cliente
Bombril, tratou de comentar o assunto – cultura, publicidade, entretenimento
– e optou por escrevê-lo com exatas mil e uma palavras, numa clara alusão à
promessa contida no slogan do produto: “Bombril tem mil e uma utilidades”.
Quantas pessoas não teriam se dado ao trabalho de contar tais palavras
para verificar se o autor escreveu mesmo tal texto com exatas mil e uma
palavras?
Ou seria tal atitude, na verdade, não um trabalho, mas também diversão,
passatempo, entretenimento patrocinado pela propaganda da Bombril? –
lembre-se de que Bombril tem mil e uma utilidades, certo?
Quando centenas de agências contratam milhares de profissionais e
gastam bilhões de dólares procurando chamar a atenção do consumidor para
uma determinada marca, aumentar simplesmente o som do comercial
exibido não é lá uma estratégia a ser recomendada.
Além de irritar o consumidor, que troca o canal da TV em protesto, tal
erro de comunicação invariavelmente faz com que esse consumidor associe
o produto anunciado a um momento incômodo, desagradável de sua vida,
afastando-se assim da aquisição daquela marca.
Quem trabalha com a propaganda devia prestar mais atenção nos livros
de psicologia e comportamento humano.
O que fazer então, nesse caso, para se destacar na paisagem? Como
vender um produto, quando centenas de outros muito parecidos parecem
gritar o mesmo ao seu lado: eu sou a melhor marca?
Em Fazer acontecer, Júlio Ribeiro dá uma dica do que não fazer: “O
mágico está no palco para realizar um número e não para fazer acontecer.
Sua matéria-prima é a ilusão. Quando ele cerra uma loira ao meio, ninguém
vai conferir se saiu muito sangue. O mágico é um escravo do truque”
(Ribeiro, 1994, p. 247).
O que Ribeiro parece estar querendo nos dizer é que, em propaganda,
truques não funcionam. Mais que fornecer simplesmente anúncios e serviços,
mais que aumentar o volume do som na hora de exibir seus comerciais, as
agências devem se preocupar em fazer as coisas acontecerem para seus
clientes.
A função da agência de propaganda hoje não é apenas fazer
propaganda, é fazer comunicação global, criar preferência pela marca,
como fizeram as agências que atendem as contas da Xerox, da Levis, da
Coca-Cola, da BMW e do McDonald’s: “O executivo é pago para fazer as
coisas acontecerem, não mais para administrar” (idem, p. 105).
Júlio Ribeiro acredita que o publicitário superficial, que vive de contar
apenas como ganhou seus Leões em Cannes, vai desaparecer em breve para
dar lugar a um novo publicitário, que faz o que David Ogilvy já afirmava há
muito ser a verdadeira função da propaganda: fazer a caixa registradora
tilintar – “A função da propaganda”, insiste Júlio Ribeiro, “é fazer acontecer e
não apenas fazer propaganda” (op. cit., p. 148).
Sabe como um japonês pede um sanduíche do McDonald’s ou uma
Coca-Cola em Tóquio? Sabe como um russo pede o mesmo em Moscou ou
um alemão faz seu pedido em Berlim? Exatamente como um americano os
pede em qualquer lugar do mundo: pedindo simplesmente um Big Mac 37 e
uma Coca-Cola.
Fazer acontecer, amigo, certamente é isto: fazer as pessoas do mundo
inteiro, e em qualquer língua, entenderem que o melhor computador é um
Macintosh e que o BlackBerry é o aparelho celular mais desejado de todo o
mundo.
Fazer acontecer é expandir seus negócios, transformando uma simples
carrocinha de cachorro-quente na maior rede de fast-food do mundo, como
fizeram os irmãos Dick e Mac McDonald.38
Quem disse que a propaganda não tem histórias para contar?
David Abbott já dizia: tudo o que o mundo precisa é de uma boa dose de
Courage.
A verdade é que, quando a publicidade deixa de ser mera informação de
vendas e agrega cultura popular e originalidade à sua mensagem, parece
trazer melhores resultados para o anunciante, e nós buscaremos entender
também esse processo.
David Abbott (Petit, 1992, p. 48), que Washington Olivetto tanto parece
admirar, é outro publicitário – embora não gostasse de ser assim denominado
por achar que a classe é um tanto cafona e vulgar – que bebia nas mesmas
fontes que Olivetto bebe.
A admiração de Olivetto por David Abbott pode ser medida por uma
frase que Olivetto disse a seu respeito: “David Abbott, com seu texto
primoroso, que tem como regra básica jamais aborrecer o leitor, é
certamente um dos maiores redatores publicitários de todos os tempos”
(Olivetto, 2004, p. 40).
Certa feita, embora não recomendasse a linguagem poética na
mensagem publicitária, incluiu um poema num comercial dos caminhões
Volvo que criou. O resultado foi surpreendente. Conseguiu passar com toda a
emoção necessária a informação que o cliente precisava transmitir, de que os
caminhões da Volvo eram muito seguros para quem os comprava.
Para Francesc Petit, fazer a plateia dar gargalhadas nem sempre é
sinônimo de sucesso. Lembrar a marca de um produto, dizia David Ogilvy,
nem sempre significa comprá-lo. A publicidade bem feita é muito mais que
isso. E a criatividade não se encontra à venda em farmácias e drogarias.
Pablo Picasso costumava afirmar que o artista não tem pai. Sua criação
nasceu da observação de como criavam os outros artistas, os mais sábios e
vividos, pois a criatividade parece ser mesmo um processo lento e demorado
de aprendizagem.
Para entender como a publicidade funciona, você deveria “assistir mais
a palestras sobre sociologia, arquitetura, jornalismo, literatura, filosofia,
gastronomia, turismo etc., pois assim enriqueceria seus conhecimentos”
(Petit, 1992, p. 49).
Eis então os motivos do porquê estudar a mensagem publicitária e
analisar de que formas tal mensagem, seu conteúdo, repleto de imperativos,
exclamações e títulos persuasivos, interfere nos sonhos de consumo da
sociedade.
Alguns estudiosos da comunicação sustentam que, utilizando-se técnicas
apropriadas e palavras adequadas, os hábitos de consumo podem ser
consideravelmente alterados. Como se dá tal processo? – perguntamos agora.
O que é preciso fazer para alterar desejos e necessidades de alguém? Que
tipo de conhecimento se faz necessário para tal? Seria mesmo possível tal
façanha?
Talvez as respostas a essas e muitas outras perguntas estejam no
passado, nos copys de textos de redatores, como Washington Olivetto, que
souberam cativar o público leitor/espectador e motivá-lo suficientemente, de
modo a levá-lo à efetivação da compra do produto anunciado.
Como o próprio Olivetto afirmou, com muita propriedade, a principal
tarefa do publicitário é falar com milhões de pessoas como se estivesse
falando com uma só.
Como eles fazem isso, nos perguntamos de novo? Com quem teriam
aprendido tais lições?
Se prestarmos atenção no passado da propaganda, poderemos entender
melhor o seu presente e encontrar os meios que procuramos para obter uma
propaganda mais efetiva, persuasiva e vendedora num futuro próximo.
Como afirmara Claude Hopkins, podemos fazer algo por mera vaidade e
intuição ou por meio da cientificidade das técnicas: “A propaganda científica
alterou muitos planos e concepções antigos. Provou que métodos há muito
estabelecidos eram tolice” (Hopkins, 1966, p. 109).
Para entendermos então essas técnicas que resultam em mudanças de
hábitos e levam à criação de novos desejos de consumo, precisamos voltar às
origens, fazer uma releitura dos pioneiros, estudar suas obras, suas
metodologias e principais teorias, procurando encontrar em seus acertos e
erros o caminho a ser seguido e posteriormente ministrado em salas de aulas.
Em Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever
(Garcez, 2002, p. 19-20), Lucília H. do Carmo Garcez exemplifica técnicas
de redação, mostrando que Fernando Sabino, certa feita, ao escrever um
texto, redigiu preliminarmente 1.100 palavras, que foi reescrevendo e
cortando depois, até chegar ao texto final, que continha apenas trezentas
palavras e que Paulo Mendes Campos permanecia por dias corrigindo seus
escritos antes de entregá-los à redação dos jornais.
Em publicidade, muitos renomados redatores, como Washington
Olivetto, costumam seguir o mesmo procedimento, reescrevendo palavras e
títulos inúmeras vezes, até alcançar o resultado final desejado, evidenciando
com isso que escrever bem não é mera arte, mas também técnica, paciência
e amor pelas palavras.
Numa matéria que escreveu para a revista Playboy, publicada em
janeiro de 1999, cuja chamada de capa era “Grandes botecos do Rio por
Washington Olivetto”, o publicitário e escritor nos dá uma importante pista e
mostra que a afirmativa da professora Lucília está absolutamente correta:
escrever exige empenho e muito trabalho, não é um fenômeno espontâneo.
Antes de redigir a matéria, Olivetto passou três dias (sexta, sábado e
domingo) pesquisando inúmeros bares e botequins, indicados por amigos e
por um livrinho publicado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que
trazia uma relação dos cinquenta melhores, suas histórias, seus endereços e
especialidades (Rio botequim 1998: 50 bares e botequins com a alma carioca).
Boa parte deles frequentada por escritores, empresários, políticos e artistas
famosos, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Alcione, Beth Carvalho e
Martinho da Vila, entre outros grandes nomes: “Foi parte de um trabalho de
pesquisa de mercado séria e profissional que fiz questão de fazer
pessoalmente” (Playboy, 1999, p. 78).
Com certeza, Olivetto sabe que o ato de escrever é uma das atividades
mais complexas que um ser humano pode realizar. Uma tarefa difícil, que
exige muito da memória, do raciocínio e da concentração. Mas que pode se
tornar menos penosa para aquele que escreve com frequência.
Gabriel Garcia Marquez, exemplifica a professora Lucília (Garcez,
2002, p. 19), teve humildade para pedir a um amigo que relesse com ele
alguns de seus originais, antes que fossem enviados para uma editora.
Tal procedimento evitou que contrassensos, repetições desnecessárias e
erros graves chegassem às mãos dos leitores, prejudicando a boa leitura de
uma obra da grandiosidade de O general em seu labirinto (1989).
Quando a matéria encomendada pela revista finalmente ficou pronta,
Olivetto assim escreveu, logo no primeiro parágrafo: “Há muitos anos os
cariocas alimentam a ideia de que em São Paulo se come melhor do que no
Rio. Eu que sou paulista de nascimento e carioca por adoção, discordo”.
Quantos dias teriam sido necessários para Washington Olivetto escrever
e reescrever o texto de três páginas que entregaria mais tarde à redação da
Playboy? Muito provavelmente, deve ter pensado o mesmo que pensavam os
escritores Fernando Sabino e Paulo Medes Campos: escrever bem não é fácil.
Lembremo-nos que em um outro livro seu, Os piores textos de
Washington Olivetto, logo na “Abertura e justificativa”, p. 9, ele mesmo já
havia declarado: “Quando o negócio é escrever outra coisa que não seja
propaganda, sofro feito um condenado. Mesmo que me ofereçam séculos de
prazo”.
Teria sido mesmo esse texto para a Playboy o trabalho mais difícil de
sua vida? Ou teria sido aquele que fez para o comercial do Primeiro sutiã, que
escreveu com Camila Franco e Rose Ferraz? Analisemos um pouco mais o
caso. Tentemos entender melhor o raciocínio do autor.
Em O primeiro a gente nunca esquece, p. 14-16, Olivetto nos revela
como foi o processo criativo que levou a um dos comerciais mais premiados
de sua vida: “Enquanto eles falavam, minha cabeça começou a trabalhar. E
comecei a imaginar também quanto deveria ser significativo para uma
menina a experiência de usar o primeiro sutiã... Sempre fui fascinado pela
mágica das primeiras experiências e, em 1983, já tinha criado um comercial
para o Guaraná Taí com o tema ‘O primeiro beijo’. Propus que trocássemos a
assinatura por uma frase que fosse quase um resumo do filme... Assim surgiu
‘O primeiro Valisere a gente nunca esquece’”.39
Pensando bem, talvez não tenha sido esse o texto mais difícil de sua
carreira. Provavelmente esse texto não tenha sido assim tão difícil. Até
porque Olivetto revela, na página 17 do mesmo livro, que só não apresentou
de imediato esse trabalho porque “a solução poderia parecer fácil demais e
rápida demais para o cliente”.
Talvez, nesse caso, o autor tenha tido mais prazer que dificuldades.
Talvez pense o mesmo que o escritor, jornalista, letrista, produtor e seu amigo
de longa data, Nelson Motta, que disse certa vez: “De tudo o que eu faço, o
que eu mais gosto é escrever”.40
O próprio Olivetto, aliás, já disse algo parecido quando afirmou que
gosta quando seus colegas publicitários elogiam seu trabalho, mas gosta ainda
mais quando uma dona de casa comenta o seu trabalho (Olivetto, 2004, p.
169).
Olivetto parece gostar mesmo é de escrever. E de apresentar
campanhas. E conversar com o público. Quando fez uma palestra para nós na
PUC, pudemos perceber isso pelo brilho contido em seu rosto: Washington
Olivetto adora conversar com o seu público.
Nada, nenhum prêmio ganho em festival se compara à reação do
público após assistir um comercial seu que passou na TV. O sorriso do
telespectador, a cartinha de congratulações pela bela sacada, pela piadinha
contida na propaganda, melhor ainda se for uma cartinha comentando o belo
texto do anúncio. Isso é o que parece contar para ele.
O comercial do Primeiro sutiã parece ter sido para Washington Olivetto
um daqueles raros momentos em que a propaganda, “além de cumprir suas
funções básicas de vender produtos e construir marcas, consegue atingir uma
ambição mais nobre: entrar para a cultura popular do país” (Olivetto et al.,
2008, p. 26).
Estudemos um pouco mais o que disse Washington Olivetto sobre o grau
de dificuldade que teve ao escrever determinados textos. O que queremos
saber é: qual teria sido o texto mais difícil de ser criado pelo autor até hoje?
Qual o teria levado a pensar o que tantos outros grandes redatores também
pensam de vez em quando: dessa vez, não vou conseguir!
Há indícios de que pode ter sido um outro texto que ele redigiu, também
não para a publicidade especificamente, mas para a orelha de um livro de F.
Scott Fitzgerald, Seis contos da era do jazz (1995).
Colocado lado a lado com as palavras de Fitzgerald, seu texto, diz o
autor, não ficou bom (Olivetto, 2004, p. 128). Teria sido esse, caro Olivetto, o
texto mais difícil de sua vida ou você estaria aqui sendo apenas exigente
demais consigo mesmo?
A resposta a nossa pergunta, ele próprio viria a nos dar algum tempo
depois.
Num dos textos mais difíceis que teve de fazer em sua longa e vitoriosa
carreira, uma campanha que reproduziria cartas escritas por pessoas
famosas, contando a emoção que sentiram ao dirigir o seu primeiro
Chevrolet, Olivetto passou dias pensando em como escreve o texto que
deveria ser feito por Vinicius de Moraes e que Vinicius, em cima do prazo da
entrega, ainda não havia entregado: “Os anúncios eram em formato de cartas
que seriam assinadas por um monte de gente famosa da época. Uma delas
trazia a assinatura do tenista Thomaz Koch, a outra da atriz Djenane
Machado, que fazia novelas na Globo, e uma outra delas ia ser assinada pelo
Vinicius de Moraes. Ocorre que o Vinicius, que tinha se animado quando
conversamos pelo telefone, tinha acertado até o cachê – que seria um
Chevette 0 km – ficou de me entregar o texto e, no prazo prometido, não
entregou. Pensei: meu Deus, como é que vou escrever uma carta pelo
Vinicius de Moraes?”.
E Olivetto segue explicando:41 “Era muita responsabilidade. Eu passei
dias pensando naquilo, nem dormi direito. Para minha sorte, na véspera de ter
que entregar o texto, chegou em minha casa uma carta, mandada de Punta
del Este. Dentro dela vinha o texto do Vinicius de Moraes. Um texto
maravilhoso, no qual ele narrava a sua emoção em possuir o seu primeiro
carro, um Chevrolet. Foi num Chevrolet, no banco traseiro, afirmava Vinicius
no texto elegante do anúncio, que ele havia perdido a sua, digamos, pureza.
Que ele havia tido a sua primeira experiência sexual. Apresentamos o
trabalho para o cliente, que aprovou na hora e a campanha foi publicada. O
texto mais difícil da minha vida foi, na verdade, um texto que eu acabei não
precisando fazer. Coisa de Vinicius de Moraes. Coisa de gênio”.
Aqui registramos uma curiosidade: na primeira vez que perguntamos
qual havia sido o texto mais difícil de sua vida, Olivetto pediu para pensar um
pouco. Era uma pergunta difícil de ser respondida de imediato. Isso
aconteceu em 7 de abril de 2011, numa entrevista que fiz com ele na
WMcCann-Rio.
Pouco depois, retomei a mesma pergunta, sondando dessa vez a Dani
pela internet. Mais uma vez, nada de vir a resposta. Perguntei então mais uma
vez e uma outra vez depois. E nada. Confesso que já estava desistindo de
perguntar novamente quando, para minha surpresa, finalmente o Washington
Olivetto me deu a resposta que eu tanto aguardava. Ela só ocorreu seis meses
depois, durante a palestra que proferiu na PUC, em outubro do mesmo ano.
Ele ainda brincou comigo, dizendo: “O Renha me persegue com essa
pergunta há meses”.42
É verdade, desculpe-me a insistência. Foram seis meses de espera, caro
Washington Olivetto. Mas valeu a pena. Essa resposta – e até mesmo a
demora – contribuiu para um melhor entendimento do seu trabalho e da sua
metodologia de escrever textos e expressar ideias e pensamentos.
Valeu a longa espera.
Pois esse é o objetivo da obra que ora iniciamos: desenvolver uma
profunda e imparcial análise sobre os textos e as ideias daquele que,
reconhecidamente, é considerado hoje um dos melhores redatores
publicitários do mundo e foi também um dos pioneiros na busca pela
propaganda de resultados no país, Washington Olivetto.
Ele, um dos principais artífices da revolução da linguagem ocorrida na
publicidade brasileira a partir dos anos 1970, prevendo que um dia viríamos a
perguntar-lhe isso, certa feita, numa entrevista, quando indagado sobre o que
faltava a Washington Olivetto, sabiamente respondeu: “Falta amanhã cedo eu
fazer tudo de novo, um pouco melhor”.
Como ele faz isso, vemo-nos obrigados a perguntar mais uma vez,
como?
Acreditamos que por meio de um estudo, como o que ora nos propomos
a desenvolver, teremos melhores condições de explicar às gerações futuras
de publicitários e a todos que se interessam pelas técnicas redacionais da
propaganda a metodologia mais adequada e as técnicas mais indicadas para a
construção de textos realmente eficientes, persuasivos e vendedores.
Lembre-se de que estamos falando sobre o publicitário que o também
premiado redator, Ry naldo Gondim – da Almap/BBDO, que por duas vezes
(2004 e 2011) já foi eleito pela Associação Brasileira de Propaganda (ABP) o
melhor redator do país –, considera o melhor de todos.
Sobre Olivetto, Gondim assim declarou quando o entrevistamos:
“Washington Olivetto para mim é o melhor redator de todos os tempos”.43
Nesses mais de dois anos que andamos pesquisando a vida e a obra do
senhor Washington Olivetto, tivemos o privilégio de assistir, a convite dele, a
algumas de suas palestras, e delas tiramos importantes lições.
Numa delas, que tinha por tema a renovação, o surpreendente, a
obrigação que tem o publicitário de se renovar e, assim, se superar, buscando
surpreender sempre o leitor/telespectador para persuadi-lo a experimentar o
produto ofertado, Olivetto narrou a história que passamos a descrever agora:
Certa noite, num happy hour, alguns homens conversavam
animadamente enquanto bebiam seus drinques.
Nisso, entra um senhor, que se dirige ao bar e pede dois dry Martinis.
Mesmo notando que aquele senhor estava desacompanhado, o barman o
serve:
– Aqui estão seus dois dry Martinis.
– Obrigado – agradece o senhor.
Ele bebe um gole de um dos copos e no outro não mexe. Então tira de
um dos bolsos do casaco um pequeno piano e um pequeno microfone que
coloca sobre o balcão do bar. Enquanto o barman observa, ele tira do outro
bolso um pequeno macaquinho e uma pequena pombinha. Delicadamente,
põe o macaquinho sentado diante do piano e a pombinha na frente do
pequeno microfone.
Nisso, o macaquinho olha para o senhor, dá um sorriso e bebe um gole
do dry Martini, brindando. A seguir, ele abre o piano e, estalando os dedos, dá
o comando para a pombinha: é um, é dois, é três!
Para surpresa de todos os presentes, puxada pelas notas musicais tiradas
magistralmente do piano pelo macaquinho, a pombinha canta Hello, Dolly,
num tom anasalado, imitando Louis Armstrong. É divina a cena.
Surpreendente.
A plateia vai à loucura ao fim da música. Pede bis.
Enquanto todos aplaudem, um homem, muito bem-vestido e com ar de
muito rico, aproxima-se do senhor e pergunta:
– Quanto você quer pelo show? Eu compro os dois, compro o
macaquinho pianista e a pombinha cantora. Quanto você quer pelos dois? –
diz ele, já metendo a mão na carteira.
– Eu sinto muito, não posso vendê-los – diz o senhor, bebericando o
último gole do seu dry Martini.
– Dou um milhão de dólares – insiste o homem bem-vestido. – Um não,
dou dois. Dois milhões de dólares!
– Lamento. Não posso vendê-los.
E o homem bem-vestido insiste, tentando uma última contraproposta:
– Então três milhões de dólares, só pela pombinha que canta como o
Louis Armstrong! Três milhões de dólares!
– Não posso – responde o homem, guardando o macaquinho e a
pombinha no bolso e se levantando para ir embora.
– Mas são três milhões de dólares. Três milhões só pela pombinha que
canta. O senhor pode ficar com o macaquinho.
E o senhor explica, antes de sair pela porta:
– Não posso, amigo, porque, nesse caso, eu o estaria enganando: quem
canta, na verdade, é o macaquinho, que, além de pianista, é também
ventríloquo!
O que Washington Olivetto parece querer nos dizer com essa história é
que sempre existe um modo novo de se surpreender. Há sempre uma
maneira nova de se prender a atenção da plateia, fazendo-a perceber que o
final previsível que ela aguardava de previsível mesmo não tinha nada. Mas,
para isso, temos de inovar. Temos de ousar, arriscar e nos reinventar. Não
podemos nos conformar com o banal e o previsível. Temos, enfim, de ser
completamente novos e originais. Sempre.
Francesc Petit, que trabalhou com Washington durante quase duas
décadas nos tempos de DPZ, acredita que a importância de Olivetto para a
propaganda está exatamente nesse fato. Olivetto costuma sempre
surpreender o telespectador. Não se contenta com a solução fácil, com o
lugar-comum. Nunca se contentou. Em vez disso, procura sempre presentear
seu público telespectador com um desfecho inimaginável, na maioria das
vezes irreverente, engraçado ou mágico. Como na campanha que fizeram
juntos para a Olivetti, em que uma moça linda escrevia uma mensagem de
Natal numa máquina de escrever.
Só no final do comercial é que o telespectador percebia que aquele
texto, na verdade uma poesia, pertencia a Fernando Pessoa.
Nos tempos ainda de DPZ, Washington criou com Petit diversas outras
campanhas com outros ícones da nossa cultura, e seguiu criando comerciais
na W/GGK e na W/Brasil que divulgavam o popular, o folclore e o
imaginário do povo e traziam estrelas como o cantor Orlando Silva e o poeta
Vinicius de Moraes. Criou campanhas com músicas de Roberto Carlos, Noel
Rosa, Lulu Santos, Leandro & Leonardo, Skank, Jota Quest, Jorge Ben Jor,
Paralamas do Sucesso, Nelson Ned, Paula Toller e Tim Maia e criou várias
outras séries de comerciais com muitos outros artistas consagrados, como
Pelé, Ivete Sangalo, Marisa Orth, Renato Gaúcho, João Gilberto, o jogador de
futebol Sócrates, Gisele Bündchen e Kate Ly ra, entre outros tantos.
Além de tudo isso, as paródias a Pelé, Tiazinha, Fidel Castro, Sílvio
Santos, Charles Chaplin, Madonna, Bill Clinton, He-Man e uma constelação
impressionante de outros ícones que ainda hoje habitam o inconsciente
coletivo do brasileiro.
“Só me lembro”, finaliza Petit, “de um outro caso assim na propaganda,
o do inglês David Abbott, que criou um comercial clássico para a Volvo
usando um poema. O Washington acrescenta cultura à propaganda” (Morais,
2005, p. 159).
É Ry naldo Gondim 44 quem endossa o pensamento de Petit: “Olivetto é
o melhor redator de todos os tempos”.45 (Ver caderno de imagens, fotos 11 a
17).
Umberto Eco (apud Kientz, 1973, p. 56), que estudou a mecânica da
construção dos textos de Ian Fleming para as histórias de James Bond, acabou
descobrindo que o autor utilizava sempre uma mesma fórmula, que buscava
conquistar o sucesso de público: Bond ganhava sempre numa sequência de
oito lances. Os dribles e os malabarismos que o herói da espionagem dava em
seus adversários eram todos construídos em cima de uma mesma mecânica,
que envolvia sequências extraordinárias e sucessivas de uma ação repleta de
sensações e grandes surpresas no final.
Como se criam histórias assim, caro Washington Olivetto? Como você
cria as suas histórias e os seus personagens? Como é possível, por exemplo,
criar quase quatrocentas mensagens comerciais para o Garoto Bombril, ao
longo de quase quatro décadas de existência do personagem, sem se repetir
uma única vez a mensagem? Quais são os segredos da pertinência e da
originalidade na construção da mensagem publicitária que você veicula na
mídia? Seria possível, aliás, passar tais conhecimentos a alguém mais que
deseje fazer o mesmo num futuro próximo e, assim, escrever publicidade
como você escreve? Gostaríamos de saber.
E é justamente essa a melhor parte da história, que passamos a narrar a
partir de agora, pois Washington Olivetto se propôs a isso: revelar para nós
como desenvolve seus textos de anúncios e filmes, que surpreendem e
cativam o consumidor e o levam a memorizar a mensagem contida em sua
propaganda altamente sedutora, irreverente e preocupada em divulgar a
cultura nacional: “Prometo ser o mais colaboracionista possível”,46 nos disse
ele em pelo menos duas ocasiões – 13/10/2010 e 7/4/2011 –, na sede de sua
nova agência, WMcCann, no Rio de Janeiro.
E sob esse aspecto então, é bom que se diga, o nosso trabalho é
realmente inovador. Existem, sim, alguns muito bons livros que versam sobre
Washington Olivetto, mas a grande maioria deles, é importante frisar, é
meramente biográfica, revela sua trajetória vencedora e explica como se
deu tal processo de ascensão profissional, e outros discutem parte do seu
trabalho apenas, geralmente num contexto em que são analisados também os
anúncios, as peças de campanhas de outros publicitários também famosos
aleatoriamente.
Nenhuma dessas obras até agora havia enveredado pelo caminho da
análise profunda e exclusiva do trabalho criativo e redacional do conceituado
publicitário, desde o início de sua carreira até os dias de hoje.
Nossa pergunta é: que conhecimentos e quais técnicas precisamos
aprender para nos tornarmos aptos a atender a demanda dos anunciantes e
redigir textos realmente efetivos para as mais diversas mídias hoje existentes?
Nossa proposta é: o que é necessário saber para se desenvolver textos
publicitários persuasivos e vendedores? O que é necessário fazer para
atingirmos o objetivo da propaganda, que é criar a predisposição de compra
do produto anunciado?
E, já que o próprio autor acredita que no momento “a massa da
publicidade produzida no mundo é de baixa qualidade” (Olivetto, 2011, p. 76),
o que seria necessário mudar, perguntamo-nos agora, o que seria necessário
fazer para levar até o consumidor uma propaganda realmente de qualidade e
interessante, de modo a estimular sua participação e, consequentemente, a
predisposição de compra?
Como já foi dito antes, pretendemos nesta nossa pesquisa analisar
principalmente a retórica, o universo semântico e a construção do humor nos
textos de Washington Olivetto.
Como você faz isso, caro Washington Olivetto?
Como escreveu, por exemplo, o texto do anúncio – que analisaremos na
íntegra mais adiante – desenvolvido para a Embraer, que comunicava o
lançamento de quatro novos modelos de aviões da empresa e tinha o
metafórico título “Troca-se por uma vaquinha”? Como criou ainda o slogan
para essa campanha que comunicava: “Embraer. O dinheiro que você aplica
num avião volta voando” – como?
Haveria alguma técnica especial que o escritor e redator mais premiado
do país emprega na elaboração desses seus trabalhos geniais? E, se existe, que
técnicas são essas, caro Olivetto? Ou será, como já foi dito pelo próprio autor,
que escrever anúncios vencedores é mesmo apenas uma questão de
paciência, conhecimento, disciplina e força de vontade?
E, caso sua resposta seja positiva, uma nova pergunta se faz necessária:
seria possível ensinarmos alguém mais a se “adestrar” como você mesmo se
“adestrou” para tal?47
E aqui um novo e importante questionamento se faz necessário: se você
mesmo diz que não acredita em inspiração,48 como então se dá esse seu
processo criativo? Como se dá a criação e estruturação da mensagem nos
seus texto? Só poder ser, então, um processo de elaboração da mensagem
completamente racional, ou estamos errados?
E, se esse processo é racional, pode ser ensinado por você e aprendido
por nós, deduzimos. Ou será que não pode, caro Washington Olivetto?
São muitas as perguntas que precisam ser respondidas, como se pode
ver. E a aparentemente mais óbvia, que buscaremos formular agora, usando
de analogia, é: se um estudante de medicina pode aprender a ser um futuro
médico observando as lições dos mestres nas faculdades, se um estudante de
engenharia pode aprender a ser um futuro construtor de prédios e pontes
observando os ensinamentos dos mestres nas faculdades de engenharia, por
que não poderia aprender também o estudante de redação, observando os
ensinamentos dos mestres que hoje praticam a boa redação nas universidades
e no mercado profissional?
Como sabemos, o processo industrial gera tamanha similaridade entre os
produtos que a persuasão empregada por aquele que trabalha na confecção
do texto publicitário precisa lidar com elementos sutis da psicologia do
consumidor.
Perguntemos então ao analisado: afinal, o que é preciso saber sobre a
psicologia do consumidor para informar, diferenciar e persuadir esse
consumidor a adquirir o produto que você anuncia e não o do seu
concorrente?
Como bem afirmou Lucília H. do Carmo Garcez (Garcez, 2002, p. 11),
“um texto não é uma simples justaposição de frases corretas, uma após a
outra. Exige um entrelaçamento rigoroso das ideias que estão sendo
expostas”. Para se redigir uma redação, é necessário um mínimo
conhecimento científico sobre os mecanismos de coesão textual, coerência
lexical, funções de linguagem e registro linguístico.
É preciso ter um profundo conhecimento de ortografia, pontuação,
estruturação de parágrafos e frases, entre outros tantos recursos redacionais.
E, em especial, em se tratando da redação publicitária – que para muitos
estudiosos é uma espécie de pós-graduação da redação –, os níveis de
exigência desses conhecimentos são ainda mais altos, pois é preciso entender
também como se dão as etapas que levam um redator ao seu processo
criativo.
É preciso, enfim, experimentar, tentar novos caminhos e novas fórmulas
do ensino da redação, ousar, sair do lugar-comum da aprendizagem
tradicional, pois, como bem exemplificou Martin-Barbero, o computador tem
a ver com novos conhecimentos. Não é apenas para trabalhar, digitar e
passar a limpo. É também para pensar, para “analisar essas novas
linguagens49 que têm a ver com novos modos de conhecimento (...) porque
entra a questão do sistema educativo, que não leva em conta os meios e os
usa de maneira instrumental; usamos a televisão para ilustrar o que disse o
professor”.
O livro não é apenas para ser lido ou decorado, mas para ser pensado,
discutido, questionado. E é exatamente isso que pretendemos estudar a partir
de agora: as técnicas e a criatividade que Washington Olivetto emprega na
construção de suas mensagens publicitárias.
Como já foi dito anteriormente, podemos acreditar que o talento para
escrever anúncios é um dom e, portanto, reservado a poucos privilegiados.
Mas podemos também questionar tal afirmativa e nos perguntar se não seria
possível desenvolver tal talento por meio do conhecimento científico e do
exercício constante, baseado nos ensinamentos daqueles que
reconhecidamente sabem produzir grandes anúncios publicitários, como
Washington Olivetto.
Certa feita, ao criar um anúncio para um grande banco, ele escreveu
numa primeira página de jornal o seguinte título: “Até prova em contrário
todos os bancos são iguais”. E, a seguir, nos surpreendeu logo na página
seguinte, com o seguinte subtítulo do mesmo anúncio: “Prova em contrário”.
Por que não seguimos o exemplo desse seu trabalho e nos questionamos:
seria mesmo o talento para escrever anúncios um dom reservado a poucos?
Ou teríamos aqui também uma prova em contrário, que nos indicaria, assim,
ser possível aprender com ele como desenvolver tais técnicas e métodos
redacionais?
A pergunta que buscamos responder então é: como escreve o senhor
Washington Olivetto? Que recursos persuasivos emprega ele na confecção de
suas redações primorosas? Como se dá o start do processo criativo que o
levou a desenvolver algumas das peças mais premiadas e vendedoras de toda
a história da propaganda, como as campanhas do Casal Unibanco, do Garoto
Bombril, dos amortecedores Cofap, das sandálias Rider, das malhas Hering e
do Primeiro sutiã a gente nunca esquece?
Como escreveu anúncios iguais a esses e como deveríamos proceder
para ensinar alguém em sala de aula a criar anúncios tão persuasivos e
encantadores como os que ele criou?
Ao revisitarmos seu trabalho, como estamos procedendo agora, notamos
que trechos de músicas do cancioneiro popular, personagens históricos,
sátiras, paródias, ditados, citações e outros diversos recursos persuasivos que
versam sobre a cultura popular são encontrados com grande frequência em
sua obra.
Que importância teriam tais procedimentos retóricos na construção de
sua mensagem de vendas? Seria possível passarmos tais ensinamentos
àqueles que estão ingressando agora na arte de fazer o copy do anúncio?
Essas e muitas outras questões precisam ser respondidas sem demora,
pois, se queremos introduzir nas universidades a metodologia de escrita que os
grandes mestres da redação publicitária empregam em seu trabalho, nada
mais apropriado que irmos buscar na fonte tais informações: junto a seus
autores.
E aqui, que se deixe claro, Washington Olivetto, ao lado de Bill
Bernbach, de Bob Levinson e Ed McCabe, certamente é um deles.
Pensamos desse modo porque acreditamos que, se nos guiarmos pelos
ensinamentos dos grandes mestres da redação, teremos maiores chances de
entender como funcionam os mecanismos que transformam o ofício de
escrever publicidade num verdadeiro artesanato que ajuda a vender as
mercadorias.
Assim como Washington Olivetto, Ogilvy não acreditava apenas em
inspiração.50 Escrever bem não é ter lampejos criativos a toda hora. É
técnica, é estudo, é concentração. Pelo contrário, o escritor inglês acreditava
que, se você tem um talento razoável e interesse em adquirir as técnicas que
ajudam a construir os textos que fazem as mercadorias circularem nas
prateleiras, terá mais chances de se firmar na profissão.
Lembre-se de que o homem moderno, embora tenha a casa abarrotada
de mercadorias, parece estar sempre à procura de mais. O ato de ir às
compras é também válvula de escape, ato terapêutico contra a monotonia de
uma vida muitas vezes difícil e sem sentido.
O homem é um ser insaciável, dizia Erich Fromm, e mesmo quando a
fome, a sede e os desejos sexuais estão satisfeitos, ele parece querer mais
(Fromm, 1980a, p. 47).
Quantas pessoas você não conhece que têm dez, quinze pares de sapatos,
oito ou dez bolsas, vinte ou mais camisas, dez ou mais calças quando, na
verdade, só pode usar um par de sapatos, uma única bolsa, uma única camisa
e uma só calça de cada vez?
Que técnicas seriam essas que ajudam a formular melhor uma proposta
de venda, onde e com quem esses senhores que escrevem os textos que te
levam a comprar mais do que pode usar de uma só vez as aprenderam?
Com muita propriedade, Lucília Garcez (Garcez, 2002, p. 10)
desenvolveu estudos em que questionou a crença de que escrever é um dom
para poucos: existem os que já nascem sabendo e os que não vão escrever
bem jamais. Quantas vezes você já não ouviu isso? Embora muitos
continuem acreditando em tal assertiva, para a professora, existem técnicas
que podem levar ao aprendizado da elaboração e organização do bom texto, e
esse aprendizado pode ser oferecido pelos professores a seus alunos.
Inúmeros jovens crescem acreditando que nunca serão bons redatores,
que não sabem redigir e, embora se interessem pela redação e pela
publicidade, não têm aptidão para tal.
Isso não é verdade.
Como disse Washington Olivetto, um bom texto pode vir de um
Macintosh, de uma Lettera 32 ou mesmo de uma simples caneta. Os
“anunciantes, na verdade, querem e precisam de grandes ideias” (Olivetto,
2004, p. 172). E o mais curioso é que o próprio redator mais premiado do
mundo diz que a única coisa que escreve bem é publicidade, pois se adestrara
para isso.
Já que estamos falando em adestramento, por que não pensarmos em
Pavlov e Skinner? Ambos os pensadores pareciam acreditar que, embora
uma parte do comportamento humano seja herdada, a psicologia da
aprendizagem tem mostrado que ele também reage aos estímulos e ao
condicionamento.
Skinner, citando Plutarco, lembra-nos da história de um espartano que,
ao criar dois cãezinhos da mesma ninhada, viu um se transformar num bom
caçador, enquanto o outro preferia a comida no prato.
“Deem-me uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas, e o mundo
que eu especificar para criá-las, e garanto poder tomar qualquer uma ao
acaso e treiná-la para ser o especialista que se escolher – médico, advogado,
artista, gerente comercial e até mesmo mendigo ou ladrão,
independentemente de seus talentos, inclinações, tendências, habilidades,
vocações e da raça de seus ancestrais” (Skinner citando John B. Watson –
Pavlov & Skinner, 1980, p. 301, 310).
Teria Washington Olivetto lido também Skinner e Watson?
Pois se leu, sabe que o comportamento que é influenciado pelas
consequências é aquele que parece dirigir-se ao futuro: as aranhas tecem
suas teias para pegar moscas e o homem, que é um bom observador da
natureza, tece suas redes para pegar peixes.
O que é preciso saber e fazer para se adestrar na arte de escrever bem?
Questionemos esse mestre, então: como se faz isso, caro senhor Washington
Olivetto?
E foi pensando exatamente em descobrir as técnicas que levam à
perfeição da escrita e do raciocínio publicitário que damos início a esta obra.
O responsável pela introdução do coloquialismo na construção da
mensagem publicitária, com toda certeza, deve ter muito a nos revelar. Ele
também parece acreditar que o que nos distingue dos animais é a nossa
capacidade de criar cultura.51

Na minha atividade, por mais bem-sucedido que você seja, é


fundamental, de vez em quando, tomar um ônibus para ver se
as pessoas ainda estão falando: um passinho à frente, por favor.
– Washington Olivetto
Como surgiu a ideia de escrever sobre Washington Olivetto

Nós estávamos ainda terminando o trabalho que publicamos pela Editora


PUC-Rio em outubro de 2011,52 sobre David Ogilvy e seus gigantes (forma
carinhosa como Ogilvy denominava seus colegas de profissão – Claude
Hopkins, Leo Burnett, Ray mond Rubicam, Albert Lasker, Stanley Resor e Bill
Bernbach), quando surgiu a ideia de escrever um livro sobre Washington
Olivetto. Isso foi mais ou menos ainda no final de agosto ou início de
setembro de 2009.
Durante uma palestra na PUC, em que discutíamos o processo criativo
na mídia eletrônica, procurei o Marcelo Lobo,53 que era o palestrante e, na
época, diretor de arte da W/Brasil e amigo do Washington (e hoje exerce as
mesmas funções na WMcCann e continua amigo do Washington Olivetto), e o
sondei: “Acho que ele vai adorar”, foi a resposta que ouvi do Marcelo. Era
tudo o que eu queria ouvir naquele momento.
Naquela época, ainda existia a W/Brasil, embora os jornais já
comentassem sobre a possível fusão, como a matéria publicada no jornal O
Globo de 20 de fevereiro de 2010,54 que trazia a seguinte manchete:
Washington Olivetto negocia fusão da W com gigante americana McCann.
Embora já estivéssemos coletando dados para a nossa pesquisa e
escrevendo sobre o fundador da W/Brasil naqueles tempos, nosso projeto
ainda esperou mais um ano até que entrássemos em contato com o senhor
Washington Olivetto.
Exatamente um ano depois, lá estávamos eu e o professor Negreiro,
fazendo os primeiros contatos, conversando pessoalmente com o criador de
alguns dos anúncios mais premiados da propaganda contemporânea, agora na
sua nova agência, a WMcCann-Erickson, no escritório do Rio de Janeiro,55
situado num local privilegiado, na Praia de Botafogo, bem em frente à Baía
de Guanabara e ao Iate Clube do Rio de Janeiro, um dos cartões-postais da
Cidade Maravilhosa.
Washington Olivetto é uma lenda viva. E, embora concordemos, quem
afirma isso agora não somos nós, mas Alfredo Marcantonio, vice-presidente
da BBDO, de Londres, e um dos mais renomados publicitários ainda vivos,
que, sobre Olivetto, afirmou um dia: “Ele é o John Webster do Brasil”
(Morais, 2005, p. 380).
Levamos quase duas horas para explicar a ele o projeto que
pretendíamos pôr em prática em 2012: além do livro, tínhamos uma proposta
de fazer juntamente com a sua nova agência um seminário na PUC, em sua
homenagem, com participação de grandes nomes da publicidade vindos de
todos os cantos do mundo.
Queríamos discutir as ideias e os textos do publicitário mais premiado do
mundo, queríamos promover workshops com alunos, exibições de filmes
premiados e debates para entender como ele faz isso e se seria possível
reproduzir tal aprendizado posteriormente nas escolas para os nossos alunos.
O que pretendíamos analisar era: se a indústria da comunicação
influencia o consumidor nas suas atitudes e escolhas, se o jornalismo
consegue selecionar, principalmente por meio das chamadas, o público leitor
desejado, e para tal ambos empregam técnicas de convencimento e retórica,
por que para a publicidade haveria de ser diferente e não poderíamos
também fazer o mesmo, aplicando as mesmas técnicas que visam à
persuasão?
E aqui um adendo se faz necessário: é bom que se explique que, embora
eu redija estas linhas usando, em algumas passagens, a primeira pessoa do
singular, o trabalho não é apenas meu, mas também dos inúmeros colegas
que estão colaborando comigo, como Gilberto dos Reis, Renata Giese e
Ry naldo Gondim,56 que estão checando pacientemente comigo, página por
página, todos os dados, fichas técnicas, citações e nomes que fazem parte
desta obra e que, sem sombra de dúvidas, são muitos.
Esses amigos, que são experientes redatores publicitários, têm uma
contribuição inestimável na conclusão desta pesquisa, pois, ao prestarem tal
assessoria ao meu trabalho, dando sugestões de conteúdos, corrigindo
pequenos deslizes e fazendo críticas construtivas quanto à forma do texto
original, contribuíram para o engrandecimento da obra publicada.
Sem a ajuda desses amigos, este estudo jamais seria possível.
A todos eles e a todos que nos apoiaram desde o início, colaborando
conosco, registro desde já o nosso mais profundo carinho e reconhecimento.
No texto de agradecimento, foram acrescentados seus nomes aos dos
realizadores deste ambicioso projeto, explicitando o meu agradecimento a
cada um deles, mas não posso deixar de mencionar o apoio e incentivo que
tivemos, desde o início, incluindo o dos profesores Ernani Ferraz (pesquisador
do Núcleo de Estudo e Ação Sobre o Menor, NEAM), que tanto me ajudou no
tocante à análise de conteúdo, do velho amigo e também professor Carlos
Negreiros, da professora Cláudia Pereira, coordenadora de Comunicação da
PUC, da professora Angellucia, ex-diretora do Departamento de
Comunicação, e do professor César Romero, atual diretor do Departamento
de comunicação da PUC-Rio.
A bem da verdade, sem a ajuda deles e do Marcelo Lobo, da Ciça, do
Clube de Criação de São Paulo, do Ronaldo Conde, do Paulinho Peres e da
Daniela Romano – que é pessoa de confiança e fez a mediação entre nós e o
Washington Olivetto – nada disso seria possível.
Como o próprio Washington Olivetto frisou ao me apresentar à Dani,
“vou te colocar em contato com a mulher que manda na minha vida, que
manda em mim. Eu posso até não saber, às vezes, onde vou estar na semana
que vem, mas a Dani sabe”.
Obrigado Dani, obrigado Lobo. Obrigado, Olivetto.

A publicidade é a minha atividade, então, eu acabo pensando


nisso 25 horas por dia.
– Washington Olivetto

O primeiro encontro com Washington Olivetto

Em nosso primeiro encontro, logo após ouvir atentamente o que


tínhamos a dizer, Washington Olivetto se levantou e, com uma simplicidade
que nos impressionou, concordou, falando apenas quatro palavras: “Eu me
sinto honrado”. Num gesto simbólico, bebemos então mais um cafezinho e,
enquanto o senhor Washington Olivetto foi conferir os trabalhos em
andamento na sua agência, eu e o professor Negreiros voltamos para a PUC.
E aqui um fato interessante precisa ser destacado: para aqueles que
acreditam que o senhor Olivetto é um homem sisudo, esnobe e metido a
importante, em função da fama e por causa dos inúmeros prêmios que já
recebeu ao longo de sua carreira, uma má notícia. Muito pelo contrário,
pareceu-nos uma pessoa extremamente simples e bem-humorada. Para você
ter uma ideia, embora tenha o cargo de chairman da WMcCann (uma das dez
maiores agências de publicidade do mundo), vinha nos receber na porta que
ele mesmo abria e costumava beber seu cafezinho num copo comum de
vidro, desses em que se costuma beber água, que ele mesmo servia,
dispensando, aliás, não só a xícara de café e o pires como também o garçom
ou qualquer outra formalidade.
Faz lembrar Holden Caulfield, personagem do livro O Apanhador no
campo de centeio, de J. D. Salinger, que, certa feita, ao notar que um amigo,
com quem dividia o quarto na época, tinha umas malas dessas bem baratas e
vagabundas, escondeu as suas, que eram caras e feitas de couro de carneiro,
embaixo da cama, para não despertar complexo nele: “No fim, acabei
escondendo também as minhas malas debaixo da minha cama... para que o
Slagle não ficasse com complexo de inferioridade” (Salinger, 1951, p. 99).
Mas, pelo menos para o nosso entendimento, ao longo desses quase dois
anos de encontros, demonstrou ser uma pessoa simples, bem-humorada e
muito, mas muito educada.
Como ele mesmo costuma dizer: “A vida só faz sentido quando sabemos
para que servimos. (...) Sempre fui humilde. Modesto jamais. (...) Sei que sou
bom nisso, deixo as pessoas à vontade para me cobrarem desempenho e
resultados” (Olivetto, 2011, p. 98-140).
Na palestra que deu para nós lá na PUC, um ano depois, ele disse o
mesmo que viria, mais tarde, a escrever no seu mais recente livro, O que a
vida me ensinou: “Considero que poderia ser bom profissional de publicidade
em qualquer lugar do mundo. (...) Recebi convites de trabalho de agências
dos Estados Unidos e da Inglaterra. Recusei-os educadamente. Pensei: lá vou
ser bom, mas aqui eu posso ser melhor. Tenho paixão pela língua portuguesa
(...) É por meio dela que posso expor minhas melhores ideias” (idem, p. 54).
Longe de ser o prepotente que muitos ainda o julgam ser, pareceu-nos
uma pessoa humilde. Humilde até mesmo para admitir que foi melhorando
na profissão e na vida aos poucos, com treinamento e, como costuma dizer,
com adestramento.
“Não sou prepotente coisa nenhuma” (op. cit., p. 138), disse-nos ele
certa vez. Apesar de ter chegado ao topo, Olivetto parece ser alguém que
continua tentando se aprimorar todos os dias, que não se acomodou. Alguém
que ainda lê muito e gosta de estudar. Semiótica, física quântica, latim e
mitologia grega estão entre as disciplinas que o fascinam. Leitor voraz, cita
entre os autores que costuma devorar São Tomás de Aquino, Umberto Eco e
Abraham Moles. Quando fala sobre este último, se empolga: “O Moles era
engenheiro elétrico, físico, filósofo, sociólogo, psicólogo e mais um montão
de coisas. Tinha um jeito especial de espiar o mundo pelo buraco da
fechadura”.
O que ele parece querer nos dizer é que, se a matemática fosse mais
popular, seria aprendida por mais gente. Então, por tabela, tal raciocínio
parece servir para todas as demais ciências e disciplinas. Chatos são os que se
julgam detentores da exclusividade de algum saber. Para estes, Washington
Olivetto parece ter uma resposta na ponta da língua: “As coisas mais
elegantes nem sempre estão associadas a riqueza e dinheiro. Muitas vezes
dependem de cultura, de sensibilidade, de visões do mundo que saíram do
lugar-comum” (op. cit., p. 44).
Preocupado com o tempo, que cisma em passar depressa, Olivetto
sugere que todos devem se fazer a mesma pergunta que o Arnaldo Antunes e
o Seu Jorge fazem nos comerciais do Grupo Pão de açúcar: “O que faz você
feliz?”
Concordamos quando ele afirma ser humilde, jamais modesto.
“Travo diálogos com o empresário de sucesso, mas também bato altos
papos com o garçom ou com o guardador de carros” (op. cit., p. 120).
E nós tivemos oportunidade, ao longo do nosso estudo, de comprovar que
tal afirmação é absolutamente verdadeira.
Um fato ocorrido quando ele veio fazer uma palestra conosco, aqui na
PUC, confirma essa sua declaração. Foi na tarde de 19 de outubro de 2011
que o criador do Primeiro Valisere a gente nunca esquece esteve aqui.
Detalhe: como havia sido avisado pela Dani, ele veio de táxi, não veio de
carro particular, com motorista e seguranças.
Veio sozinho, sem comitiva de espécie alguma.
Nós havíamos marcado de pegá-lo lá embaixo, no piloti. Como
combinado, quando chegou, Washington Olivetto ligou. Atendi e desci para
encontrá-lo. Como não o estava vendo, retornei para o seu celular:
– Cadê você, Washington?
– Estou aqui, de preto.
– Onde? – eu insisti, já que não o estava vendo.
– Aqui – disse ele –, junto ao teatro.
A essa altura você já deve ter desconfiado: o Washington Olivetto não
estava na porta da PUC, mas sim no planetário – que fica a uns cinco minutos
a pé da PUC. Por isso eu não o estava vendo.
Por uma dessas engraçadas coincidências da vida, o taxista o havia
deixado equivocadamente diante do teatro do planetário, e não na
universidade. O curioso é que, durante o curto trajeto, enquanto
conversávamos, pude notar o quanto o Washington Olivetto é conhecido e
admirado. Ele conversou com o dono da banca de jornais, com um
segurança e alguns vários estudantes. Muitas pessoas o reconheceram. O
publicitário e escritor parecia uma celebridade. Todo mundo parece conhecer
Washington Olivetto.
A grande maioria apenas sorria e lhe acenava. Mas alguns vieram
abraçá-lo e, pelo menos dois alunos, lembro-me bem, já agora na porta da
PUC, disseram algo para ele como: Washington Olivetto?! Eu sou seu fã.
A palestra de Olivetto, que era para ter começado às seis e meia da
tarde, começou por volta das sete, porque, antes de entrar no teatro do RDC,
nós o encaminhamos para uma breve conversa com a professora Cláudia
Pereira (coordenadora da Publicidade da PUC) e o professor César Romero
(diretor do Departamento de Comunicação), no sexto andar do Prédio
Kennedy.
Ao contrário de muitas outras universidades, que têm aulas no período
noturno, a PUC não funciona à noite. Quer dizer, o Departamento de
Comunicação não funciona. Apenas pela manhã e tarde há aulas. Então,
muitos temiam que a palestra com Washington Olivetto tivesse poucos
participantes.
Para nossa grata surpresa, deu-se o contrário: o auditório do RDC estava
lotado de tal forma que muitos alunos e colegas professores que foram ouvi-
lo tiveram de assistir à sua palestra sentados nas escadas do auditório ou
mesmo em pé.
Havia uma fila imensa de gente que queria ainda entrar e o pessoal da
segurança não deixava, avisando educadamente que a lotação estava
literalmente esgotada.
Nos meus agora seis anos de PUC, eu nunca tinha visto aquele teatro tão
cheio. Principalmente naquele horário, em que as aulas do Departamento de
Comunicação estavam terminando e, geralmente, já cansados, os alunos
queriam ir mesmo é para casa ou sair para se divertir.
Aquela tarde – e início de noite – foi memorável.
Washington Olivetto conversou com os estudantes da PUC – e de outras
universidades, que também foram lá porque viram na mídia que o senhor
Olivetto faria tal palestra; saíra até uma nota na coluna do Anselmo Góis, no
jornal O Globo, na véspera, comunicando o encontro – até quase dez da noite.
Durante quase duas horas, pudemos rever alguns de seus antigos
trabalhos, que Washington Olivetto projetou num telão, como os comerciais
do Primeiro sutiã e da revista Época, e conhecer alguns dos novos trabalhos
desenvolvidos por ele e sua agência, como a campanha internacional do
presunto Navidul (que é uma marca espanhola conhecida mundialmente) e o
novo comercial para a General Motors, feito com o ator e compositor Seu
Jorge. Este último, na nossa opinião, forte candidato a ganhar grandes
prêmios em festivais publicitários.
Sempre prestativo e impressionantemente simpático, Washington
Olivetto respondeu a todas as perguntas que lhe foram dirigidas – até mesmo
a uma que tínhamos pedido para não ser feita, sobre o episódio que envolveu
o seu sequestro, alguns anos atrás.
– Eu respondo – disse ele. E explicou o ocorrido.
No final, para o desespero daqueles que ainda insistem que o senhor
Olivetto é uma pessoa pouco humilde, como ele mesmo costuma dizer: “Tem
gente que nem me conhece, mas parte do pressuposto de que sou prepotente.
E pronto. Não há Cristo que mude essa opinião”. Deu ainda três entrevistas:
uma para a TV PUC, a segunda para o Portal PUC-Rio Digital e a terceira
para um grupo de alunos que se aproximou, solicitando uma rápida entrevista.
Embora visivelmente cansado àquela hora, Washington Olivetto ainda
posou para fotos com inúmeros alunos, deu algumas dezenas de autógrafos
para os estudantes e conversou com funcionários da PUC.
Fomos caminhando ao seu lado até o ponto de táxi, na entrada da PUC,
junto ao bicicletário, e agradecemos pelo carinho com os estudantes. Foi
quando ouvimos o Washington Olivetto se despedir, dizendo: “Bem, agora eu
vou jantar!”.
Foi um grande dia aquele.
Sempre prestativo e preocupado com o bom andamento do nosso
trabalho, costumava me perguntar: tem conversado com a Dani, está tudo
direitinho?
O fato é que, diferentemente do trabalho anterior, quando escrevemos
um livro sobre David Ogilvy, dessa vez teríamos a possibilidade de conversar
com o autor, levantar questões e esclarecer eventuais dúvidas com o próprio
escritor. Não contaríamos apenas com o que já fora escrito sobre ele em
livros e artigos de revistas, material este que, muitas vezes, corre o risco de
ser distorcido por quem conta a sua versão da história.
Dessa vez, em caso de dúvidas, poderíamos ir direto à fonte e consultá-
lo: o que você pensa a respeito? Essa afirmação é mesmo sua, caro
Washington?
Se por um lado tal fato vinha a ser um facilitador de nosso trabalho, por
outro poderia nos criar dificuldades. Lembre-se de que o homem a ser
estudado encontra-se em plena atividade e, além de ainda trabalhar como
redator, exerce o cargo de chairman de uma das maiores agências de
publicidade do mundo, a McCann-Erickson, estando invariavelmente em
viagens que incluem negociações, apresentações de campanhas e palestras
não apenas Brasil afora, mas também pelo resto do mundo.
Embora tenha se comprometido a ser o “mais colaboracionista possível”
– palavras dele –, se há algo que alguém como ele não dispõe é de tempo
para tudo. Então, tivemos de pensar nisso também.
Por esse motivo, algumas das nossas entrevistas, combinaríamos mais
tarde, seriam feitas pessoalmente e, as outras, a grande maioria, como
viríamos a verificar mais tarde, acabariam acontecendo via internet, telefone
e torpedo.
Se podemos dispor hoje das ferramentas que as novas tecnologias da
comunicação colocam à nossa disposição, que podem facilitar o nosso dia a
dia, por que não as aproveitar?
É bom ressaltar aqui, mais uma vez, que nessa empreitada nos foi
fundamental a ajuda de uma antiga colaboradora de Washington Olivetto, a
Daniela Romano. “Meu tempo é uma loucura”, dissera ele. “Muitas vezes,
não sei onde vou estar amanhã. Vou te apresentar a mulher que manda em
mim. Vocês combinam com ela e, no dia, eu estou lá”, afirmou-nos o senhor
Washington Olivetto, ainda no nosso primeiro encontro.
E cumpriu, graças a Deus. Numa única entrevista, já no fim de
dezembro de 2010, em que chegou um pouco atrasado, por estar num almoço
de fim de ano com um cliente, presenteou-nos com quase duas horas de
maravilhosa conversa, na qual pudemos tirar inúmeras dúvidas a respeito de
sua vida e seu trabalho e beber inúmeros outros cafezinhos enquanto
conversávamos.
Um gentleman, o senhor Washington Olivetto.

As entrevistas e o processo de armazenamento de informações

O processo que então elaboramos para as entrevistas era simples e


funcional: na maioria das vezes, passávamos as perguntas à Dani (Daniela
Romano) que as repassava para o Washington e, em breve, tínhamos as
nossas respostas.
Na verdade, a Dani fazia uma espécie de filtro: como conhecia o
Washington Olivetto melhor que ninguém, em perguntas simples, ela mesma
respondia: acho que é isso. Vou consultá-lo e depois confirmo.
Invariavelmente, a Dani estava certa. A pergunta, por exemplo, sobre
por qual obra gostaria de ser lembrado foi feita pela internet. A resposta não
demorou a chegar. O Washington havia escrito: “ Gostaria de ser lembrado
pelo conjunto da obra”.
Nesse aspecto, é bom que se diga, tivemos todo o cuidado necessário
para não mexer em nenhuma vírgula sequer e manter as respostas
exatamente como nos foram passadas, até porque elas também serviam de
fonte de análise para nossa pesquisa.
Como já foi dito na apresentação deste trabalho, o senhor Washington
Olivetto parece ser alguém extremamente criterioso e exigente, o que, aliás,
nos deixou mais motivados e animados em tê-lo escolhido para o estudo que
ora se apresenta.
Tal fato contribuiu em muito para pensarmos: fizemos a escolha certa.
Lembre-se de que, por causa de um ponto-final que o cliente havia
tirado de um trabalho seu (um anúncio criado para a Souza Cruz), ele fez duas
viagens de avião entre o Rio e São Paulo apenas para exigir que tal ponto
fosse mantido.
É bom que se diga ainda que, visando confirmar dados, datas e
declarações importantes que foram prestadas por terceiros, mantivemos
contato com o Clube de Criação de São Paulo (CCSP), que nos ajudou a
chegar até os entrevistados.
Foram longas e inúmeras conversações que tivemos por telefone e
internet. Nós escrevíamos os textos e os enviávamos para aqueles que haviam
sido citados confirmarem se não havia algum equívoco ou imprecisão.
Uma vez conferidas as citações, elas nos eram devolvidas e nós
fazíamos os ajustes necessários para não haver nenhuma imprecisão quando
da publicação da nossa pesquisa.
Foi por meio do Clube de Criação de São Paulo – e da Ciça, que nos foi
apresentada pela Dani – que conseguimos realizar as entrevistas com Neil
Ferreira, Carlos Domingos, Fábio Fernandes e muitos outros grandes nomes
da propaganda, que, por sua vez, ajudaram a dar maior credibilidade ao
nosso trabalho e acrescentaram conteúdo às nossas pesquisas.
O Ronaldo Conde, velho amigo de profissão, foi outro que teve
importante participação no livro. Foi por intermédio dele que entramos em
contato com o Ercílio Tranjan.
O Ry naldo Gondim, aliás, já havia sugerido o mesmo antes: “Já
conversou com o Ercílio? O Ercílio, além de grande amigo do Olivetto, sabe
tudo sobre o início de carreira dele. Se eu fosse você, procurava o Ercílio
Tranjan”.57
A questão agora era: como chegar até o Ercílio?
Chegamos via Ronaldo Conde. O Ronaldo, que tem bem mais tempo de
estrada que eu e havia trabalhado com o Ercílio Tranjan quando este era
diretor de criação da Almap em São Paulo e dividiu o Hall da Fama com o
Olivetto no CCSP de 2002, acompanhou os quinze dias de licença que Ercílio
tirou para escrever os textos em que elogiaria o Olivetto por escrito, nas
páginas do Anuário do CCSP.
Quando ouvi o Ronaldo me contar o que havia acontecido, eu disse: você
não pode fazer por menos, tem de colocar isso no papel para a gente. Todo
mundo precisa conhecer essa história, que faz parte da história da
propaganda.
E o mais bacana é que o Conde se propôs a revelar como foi esse
acontecimento fantástico para nós: “O Ercílio levou tão a sério tal tarefa que
pediu para se licenciar e se afastou da criação da agência (Almap) por uns
quinze dias. Quando voltou, trazia aquele texto lindo que todos viram e que foi
publicado depois no Anuário do Clube em 2002”. 58
Mais à frente, é possível ler como foram esses quinze dias em que
Ercílio Tranjan se ausentou do trabalho para escrever os textos sobre seu
amigo Washington Olivetto. E que textos.
A todos esses amigos que colaboraram, o nosso muito obrigado.
Foram centenas de e-mails trocados entre nós, o Washington Olivetto e a
Dani ao longo desses mais de dois anos de trabalho. Todos eles foram
devidamente guardados em cinco pen drives e alguns DVDs, que reservamos
exclusivamente para a função de arquivo do material que nos ajudaria a
redigir o livro.
Por precaução, escrevia os textos – e deixava também armazenados em
diversas versões do livro, desde a primeira, escrita ainda em outubro de 2009
– num notebook que tenho no escritório e relia todos eles depois no laptop que
fica na sala.
No laptop eu só guardava a versão mais recente do livro. Apenas a
última.
Esses dois últimos anos foram uma loucura. Diversas vezes adormeci de
cansaço com a tela do computador ainda ligada e então, quando eu via, já era
hora de ir para as aulas.
Escrever sobre o mago da publicidade contemporânea foi uma grande,
exaustiva e agradável lição de aprendizagem. Aprendi muito e me diverti
ainda mais: quantas e quantas vezes não enviei textos para mim mesmo pela
internet ou os copiei num pen drive para serem reescritos, anotando um
recado para mim mesmo no rodapé da página, mais ou menos como fazia
Ogilvy consigo mesmo, que dizia: se eu fosse você, reescrevia esse trecho
todo.59
Na grande maioria das entrevistas com o Washington Olivetto, levei o
gravador de bolso. Mas não foi em todas. Em algumas delas, fiz exatamente
como fazia nos tempos em que trabalhava como redator em agências e tinha
de ir pegar um briefing com o cliente: prestava muita atenção e fazia
anotações num bloco de papel. Rabisquei quilômetros de papel enquanto
conversava com o Olivetto.
Dessa forma, após rabiscar os textos que íamos escrever, mais tarde
consultávamos a Dani e os próprios entrevistados, para ver se estava tudo
certinho, se as alegações batiam com a realidade. Depois de escrever os
novos capítulos, eu costumava tirar as dúvidas sobre dados e datas com a
Dani – e algumas vezes com o próprio Olivetto (por telefone ou enviando os
textos dos novos capítulos por e-mail).
Olhando para trás, vejo que tal metodologia ajudou e muito a agilizar
nossa pesquisa e liberou o próprio Washington Olivetto de reuniões
desnecessárias. Se você pode perguntar algo uma única vez, por que
incomodar o entrevistado, perguntando novamente?
Pensamos em recorrer à ferramenta Sky pe para agilizar as entrevistas,
mas isso não foi necessário, exceto por umas duas ou três vezes. A Dani, a
boa vontade do Washington Olivetto e dos entrevistados e a internet nos
ajudaram muito.
Para a delimitação do universo a ser pesquisado, selecionamos seis
obras escritas já publicadas pelo autor. A saber: Corinthians em preto e
branco, Corinthians X Outros, O primeiro a gente nunca esquece, Soy contra
(capas de revistas – 1001 anúncios de Bombril), Os piores textos de
Washington Olivetto, O que a vida me ensinou e Só os Patetas jantam mal na
Disney.
É basicamente nesses livros e na obra publicada pelo autor na TV, em
jornais, revistas e outros veículos de grande circulação da mídia que vamos
basear nossa pesquisa.
Esses anúncios, filmes e textos publicados por Washington Olivetto serão
estudados à exaustão, comparando-se estilos e técnicas empregadas pelo
pesquisado e por aqueles outros profissionais que possivelmente o
influenciaram em seu ofício de escrever.
Eles serão importantes para o nosso trabalho de análise de conteúdo e
para o bom entendimento de como se dá a formação do processo persuasivo
de Washington Olivetto.
Fora isso, uma imensa lista de livros – que está devidamente citada na
bibliografia – foi também analisada por nós ao longo dos estudos.
Entre eles, podemos destacar algumas obras importantíssimas, que nos
ajudaram a esclarecer dúvidas, como O apanhador no campo de centeio, de
J. D. Salinger, obra que a toda hora é citada pelo analisado, Dom Casmurro e
o conto “O homem célebre”, de Machado de Assis, que, pelo visto, foi um
dos mentores intelectuais da infância de Olivetto, e alguns outros livros
também importantes por terem, aparentemente, influenciado na sua
formação profissional, como a obra completa de Monteiro Lobato: “Quando
eu era garoto, li muito Monteiro Lobato. Eu devo muito a ele o fato de ter
adquirido o prazer pela leitura com cinco anos de idade. A história é a
seguinte: quando eu tinha cinco anos, tive uma febre muito alta. Naquele
período havia um surto de poliomielite. E o Sabin não tinha ainda inventado a
vacina para isso. Então, durante um ano, fiquei trancado num quarto, deitado
numa cama e me puseram para fazer fisioterapia. A tia Lígia, que cuidava de
mim nessa época, me ensinou a ler com as histórias de Lobato. Depois
aprendi e escrever e li Machado de Assis tresloucadamente. Mais tarde, li O
apanhador no campo de centeio, do J. D. Salinger, um livro que me marcou
muito, e li muito Garcia Marques e Borges também. Li muito F. Scott
Fitzgerald – sou releitor dele – e decorei Fernando Pessoa. E então nunca
mais parei de ler muito e escrever muito”.60
Curiosamente, aqui, Washington Olivetto afirma que deve muito a
Monteiro Lobato pelo fato de ter adquirido o prazer pela leitura. Quem prestar
atenção em Cartas escolhidas, de Monteiro Lobato, não vai deixar de notar
uma certa e curiosa semelhança: Lobato, ao escrever uma carta para a filha
de um amigo, que pretendia ser escritora, nos revela sua profunda admiração
por Machado de Assis. Diz ali o escritor paulista: “Se você pretende dedicar-
se à literatura, o meu conselho é que leia e releia Machado de Assis,
sobretudo nos contos (...). Leia-o atentamente para aprender. (...) Machado de
Assis, de todos os nossos escritores, merece ser lido” (Lobato, 1964, p. 68-69).
Assim, temos de levar em consideração também a coleção de 22
volumes (na verdade, aproximadamente metade de todos os livros é dedicada
à literatura infantil) escritos por Lobato, que Washington Olivetto devorou
ainda criança e que inclui alguns de seus personagens preferidos, como
Pedrinho, a boneca Emília, tia Nastácia e o Visconde de Sabugosa: “Hoje há
uma certa implicância com certas palavras que Lobato empregou. Mas acho
que isso deve ser analisado dentro do contexto da época em que ele vivia, que
era bem diferente dos dias de hoje” (Washington Olivetto, em entrevista na
WMcCann Rio de Janeiro, em 7/4/2011).61
E ainda alguns outros livros, como Mentiras íntimas, do original Intimate
lies, ABDR, 1995, uma profunda pesquisa biográfica sobre o escritor F. Scott
Fitzgerald, escrita por Robert Westbrook, no qual encontramos inúmeras e
importantes etapas do processo de identidade, como o hábito de rabiscar, a
caneta ou lápis, sublinhando determinadas páginas de livros, e de escrever
bilhetes, que Olivetto possui: “O Ricardo Freire, que é brilhante ex-publicitário
e atual brilhante turista escritor, tinha como intenção publicar um livro com os
meus bilhetes... Na verdade, desde os dezoito anos de idade, estou atrás de
uma coisa para escrever. Antes era a máquina, com fita... Mas resisto a
dispensar a mídia papel” (Olivetto, 2011, p. 123; Westbrook, 1995, p. 12-13 e
150).
Sobre Fitzgerald, aliás, Olivetto escreveu: “Devo também a Fitzgerald
meu hábito de dormir pouco... Fitzgerald influenciou também muitos dos
meus hábitos, como o gosto pela música, inicialmente pelo jazz e depois
particularmente por Cole Porter”.62

Grandes publicitários, normalmente, são intuitivos, têm um


intuitivo grande. Eu sou uma comitiva de mulheres.
– Washington Olivetto

A delimitação do universo a ser pesquisado e a metodologia empregada nos


estudos sobre Washington Olivetto

Além desse material, incluímos ainda na nossa pesquisa anúncios e


filmes criados pelo publicitário, disponibilizados na internet, entrevistas
concedidas anteriormente por ele e toda sorte de material que pudesse nos
ajudar a entender seu universo semântico e seu processo criativo/redacional.
Pesquisamos também inúmeros outros livros de autores citados por
Olivetto e que, por um motivo ou outro, parecem tê-lo influenciado em algum
momento da vida.
Dessa imensa relação de obras, podemos citar algumas: inicialmente, de
F. Scott Fitzgerald, lemos Suave é a noite e O grande Gatsby; de Salinger,
lemos O apanhador no campo de centeio. É impressionante, a princípio, a
semelhança de estilos entre os autores, e notamos agora que teremos mais
trabalho pela frente: teremos de analisar mais a fundo tal semelhança.
Quanto a Machado de Assis, começamos pelas pequenas histórias, como
Conto de escola e Um homem célebre, e passamos depois para os clássicos,
como Memórias póstumas de Brás Cubas, Helena e Dom Casmurro.
Lemos ainda alguns clássicos da literatura teórica, que nos ajudaram a
compreender o universo redacional de Olivetto, como Comunicação de
massa: análise de conteúdo, de Albert Kientz, Técnica de redação: o que é
preciso para bem escrever, de Lucília H. do Carmo Garcez, Publicidade: a
linguagem da sedução, de Nelly de Carvalho, Técnica de comunicação
humana, de José Whitaker Penteado, Redação empresarial, de João Bosco
Medeiros, Teoria e técnica de texto jornalístico, de Nilson Lages, Dos meios às
mediações, de Jesus Martin-Barbero, e Arte retórica de Alexandre e O chiste
e sua relação com o inconsciente, de Freud. Alguns artigos de jornais (O
Globo) e revistas (Nossa História, da Biblioteca Nacional, e Playboy) também
foram analisados e poderão ser identificados pelas notas no rodapé.
Uma vez definido o universo a ser pesquisado, decidimos escrever nosso
trabalho em cinco capítulos, pesquisando os temas que acreditamos ser os
mais interessantes academicamente falando sobre a obra do autor paulista.
Assim, após uma breve introdução, buscando explicar o porquê do livro
e a sua metodologia, analisaremos o trabalho de Washington Olivetto a partir
de cinco aspectos primordiais: os estudos sobre a linguagem, a argumentação
e a retórica, o processo da identificação e a construção do humor, quando
então concluiremos nosso trabalho, apresentando um breve resumo das
nossas pesquisas.
Acreditando que este nosso estudo será de grande utilidade na
aprendizagem da publicidade e da redação comercial nas universidades,
agora o iniciamos.
Esperamos que seja do seu agrado.

Quem disse que eu vou ficar velho?


– Washington Olivetto

Eu costumo dizer que eu tenho pouquíssimas qualidades. Umas


delas, que poderia ser considerada um defeito, é a curiosidade.
Eu sou um sujeito extremamente curioso e tenho um intuitivo
forte. Eu me abasteço da minha curiosidade. E só não abro
bolsa de mulher porque é falta de educação.
– Washington Olivetto

Em 1989, quando fundei a W, havia resquícios ainda dos


governos militares e as pessoas aqui no Brasil não tinham muito
orgulho de colocar o nome do país, os símbolos, a bandeira
junto ao nome da empresa. Nós fomos os pioneiros nisso e
então chamamos a nossa de W/Brasil.
– Washington Olivetto

33 O Globo, 20/5/2012.

34 A caixa alta na palavra essenciais é do autor.

35 Palestra na PUC-Rio, em 19/10/2011.

36 Fonte: Meio & Mensagem, 14/4/2011.

37 Desde 1968, o Big Mac é um dos sanduíches mais vendidos pela rede em mais
de 120 países onde está presente.

38 Em 1937 os irmãos Dick e Mac McDonald montaram um negócio, uma


barraca de vender cachorro-quente que depois se transformou num restaurante e
passou a vender também 25 outros itens, a maioria deles à base de churrasco, e
mais tarde se transformou no que é hoje a rede McDonald’s. E Courage é uma
tradicional marca de cerveja produzida na Inglaterra desde 1787.

39 O slogan criado por Olivetto para o produto era: “Guaraná Taí. Gostoso como
o primeiro beijo”.

40 Entrevista a Lázaro Ramos no programa Espelho, em que foi sabatinado ao


lado de Arthur Dapieve, exibido no Canal Brasil, em 28/2/2011.

41 Palestra dada na PUC-Rio, em 19/10/2011.


42 Washington Olivetto. Entrevista em 7/4/2011.

43 Facebook, 23/1/2012.

44 Em junho de 2012, o redator Ry naldo Gondim foi agraciado com um Leão de


Bronze em Cannes, pelo anúncio Supermarket (AlmapBBDO – VW Caminhões),
passando assim a colecionar, além dos diversos prêmios que já recebeu no
London Festival, D&D, Clio, FIAP, ABP e Colunistas, o mais cobiçado prêmio da
publicidade contemporânea.

45 Entrevista pela internet, em 9/2/2012.

46 Nossa intensa troca de correspondência, iniciada em 2010, fora as conversas


pessoais e os telefonemas, envolve, até agora, aproximadamente 83 e-mails
trocados em 2011 e outros 31 em 2010. Isso fora os mais de trezentos e-mails,
telefonemas e conversações mantidas via Sky pe, desde o início de 2012 até
outubro desse mesmo ano. Ou seja, um total de aproximadamente quinhentas
trocas de informações, consultas e entrevistas. Paramos de contabilizar tais trocas
de informações em outubro de 2012 – ano em que se intensificaram
principalmente as trocas de e-mails – pelo motivo de termos de entregar os
originais para a análise do Conselho Editorial da Editora PUC-Rio e as demais
partes envolvidas no processo de editoração da referida obra.

47 “Não é uma questão de talento. É uma questão de treino. Me adestrei para isso
desde os dezenove anos de idade” (abertura e justificativa do livro Os piores
textos de Washington Olivetto, p. 9).

48 Muito embora tenha assumido, na página 16 do livro O primeiro a gente nunca


esquece, que a ideia do comercial do sutiã surgiu da inspiração, palavra de que o
autor parece não gostar muito, Olivetto assim se pronunciou sobre a questão:
“Meu processo criativo está atrelado a tudo o que fiz e vivenciei antes. Depende
de saberes que fui armazenando em cada experiência... Não trabalho com esse
componente denominado inspiração” (O que a vida me ensinou, p. 63).

49 Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, p. 158-159, v. XXIII, nº 1,


janeiro/julho de 2000.

50 “Criar publicidade bem-sucedida é um artesanato, parte inspiração, mas


principalmente conhecimento e trabalho duro” (Ogilvy, 1963, p. 16).
51 “O que nos distingue do mundo dos animais é a nossa capacidade de criar
cultura” (Fromm, E. Grandezas e limitações do pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar, 1980, p. 84).

52 David Ogilvy: a origem da publicidade moderna.

53 Em fevereiro de 2012, Marcelo Lobo deixou a WMcCann e atualmente é


diretor de criação associado da DM9DDB em São Paulo.

54 Com R$ 237,6 milhões em compra e espaço publicitário, a W/Brasil ocupava


a 43ª colocação, em 2009, no ranking das agências brasileiras, enquanto a
McCann, no mesmo período, com investimentos de R$ 1,08 bilhão em mídia,
ocupava o 11º posto – Fonte: O Globo.

Nota II: a fusão entre as agências aparentemente fez bem às duas, pois já em
2011 a WMcCann aparecia como a sexta maior agência do país, atrás apenas de
Young & Rubiam, Ogilvy Brasil, Almap/BBDO, J. W. Thompson e
Borghierh/Lowe. A verba publicitária movimentada pela agência mais que
dobrou, saltando para R$ 720,8 milhões. Segundo relatóro do grupo Meio &
Mensagem. Fonte: O Globo, 28/5/2012.

55 Nosso primeiro encontro com Washington Olivetto ocorreu em 13/10/2010.

56 Gilberto dos Reis foi presidente do Clube de Criação de São Paulo, Renata
Guise trabalha com propaganda há mais de quarenta anos e Ry naldo Gondim por
duas vezes foi apontado pela ABP como o melhor redator do ano.

57 Em 11 de janeiro de 2012.

58 Ronaldo Conde pelo telefone e pela internet em 14 e 15 de fevereiro de 2012.

59 David Ogilvy (A publicidade segundo Ogilvy, 1985, p. 169), quando estava


ainda começando com sua empresa, durante um longo período acumulou dois
cargos de diretoria: o de diretor de criação e o de diretor de pesquisas. Nas tardes
de sexta-feira, ele escrevia relatórios, como diretor de pesquisas, com sugestões
de alterações em trabalhos de criação já executados e os enviava ao diretor de
criação (ele mesmo). Já nas manhãs de segunda-feira, trocava de papel e, agora
como diretor de criação, decidia o que fazer, muitas vezes divergindo do diretor
de pesquisas (ele mesmo). Em seu livro, Ogilvy confessa que se divertia muito
com isso: “A fase mais divertida foi o início das atividades da Ogilvy & Mather”.
E eu também confesso que me diverti muito repetindo o seu gesto.

60 Entrevista na WMcCann em 7/4/2011.

61 As primeiras histórias com a personagem Narizinho foram publicadas em


1920, com o título de A menina do narizinho arrebitado (Revista Nossa História,
ano 1, nº 4, fev. 2004). Nelas surgiam aventuras em que os personagens do Sítio
do Picapau Amarelo levavam as crianças a pensar sobre sentimentos como a
camaradagem, entusiasmo e curiosidade e faziam-nas questionar certas
convenções impostas pelos adultos.

62 Texto escrito por Olivetto para a orelha do livro Seis contos da era do jazz, de F.
Scott Fitzgerald (1995).
Capítulo I

Estudos sobre a construção da identidade


na obra de Washington Olivetto

A propaganda no Brasil: os anos 1950

Até a década de 1950, as agências de publicidade que predominavam no


mercado brasileiro de propaganda eram basicamente as mesmas que se
destacavam no mercado norte-americano: as grandes agências americanas.
É bem verdade que algumas delas haviam vindo para o país em meados
dos anos 1920, mas, como o mercado era ainda pequeno e as possibilidades
de negócios eram muito limitadas, as ditas grandes agências, como a
Thompson e a McCann-Erickson,63 só desembarcariam no Brasil quase uma
década depois.
O negócio da propaganda dos anos 1920, 1930 e 1940 era tímido, ainda
meio amador e, em função da proximidade da crise de 1929 e de duas
guerras mundiais (1914 a 1918 e 1939 a 1945), que haviam liquidado a
economia, extremamente arriscado.
Para se ter uma ideia, desde a inauguração da primeira agência no
Brasil, a Eclética, em 1914, até o início dos anos 1920, apenas cinco agências
de propaganda tinham aberto suas portas para atender clientes na Grande São
Paulo (Carrascoza, 1999, p. 81).
Nos anos 1950, elas já eram bem mais de cem e, entre elas,
destacavam-se então algumas agências brasileiras, como a Norton, fundada
em 1946, e a Alcântara Machado/Periscinoto, fundada em 1956.

A propaganda brasileira de então não tinha ainda uma cara própria, não
tinha uma identidade definida e, na maioria das vezes, o que se fazia no país
era simplesmente copiar o que a propaganda americana fazia de melhor.
O rádio era ainda o principal veículo de comunicação de massa e as
mensagens que vendiam xaropes, chapéus, produtos de higiene e outros
artigos eram inseridas durante os programas de auditório e as novelas ao vivo.
Nos anos 1950 o Brasil efervescia. Além da morte de Getúlio Vargas, da
importação do primeiro Fusca, da perda da Copa do Mundo para os uruguaios
em pleno Maracanã e do adeus a Carmen Miranda, aqueles eram também os
tempos de Oscar Niemey er, de Juscelino, da bossa-nova, dos topetes, da
brilhantina e do Rock around the clock, interpretado então em português por
Nora Ney.
O Brasil, que era até então um país predominantemente agrícola,
iniciava aos poucos seu processo de industrialização e tinha uma população de
apenas 54 milhões de habitantes (IBGE).
O segundo governo de Vargas havia gerado elevadas taxas de
crescimento econômico no país, mas o desequilíbrio orçamentário constante,
além de uma onda inflacionária, tinha trazido também a reboque a elevação
da dívida externa a patamares jamais vistos.
A classe média, que tanto trabalhara para reeleger Vargas, havia sido
relegada ao segundo plano e o aumento do custo de vida – 21% em 1952
(Skidmore, 2007, p. 152-154) –, somado à grande insatisfação popular,
acabaria contribuindo de forma significativa para uma drástica diminuição
tanto da produção industrial quanto do consumo interno nos anos seguintes.
Enquanto isso, a propaganda brasileira refletia as tendências da
economia, exibindo em seus altos e baixos, por um lado, a ampliação do
mercado de trabalho e, por outro, uma baixa qualificação profissional.
A propaganda dos anos 1950 era carente ainda de mão de obra
especializada em muitas áreas, tanto assim que, lembra Carlos Alberto
Vizeu,64 a McCann-Erickson teve de “importar vários deles para trabalhar
em criação, fotografia, produção de TV e até mesmo atendimento em
algumas de suas filiais brasileiras”.
Os anúncios de então tinham um corpo de texto meramente informativo
e longo, e as ilustrações artísticas predominavam nos layouts, que quase
nunca traziam fotografias.
Os argumentos de venda eram, de modo geral, ainda bastante
subjetivos: “Quando for a Nova York, voe com o conforto do Super-
Constelation” – dizia o anúncio da Varig. E, num comercial de Omo, a atriz
simpática afirmava para o telespectador que “Omo dá brilho à brancura!”
Com a necessidade de descrever as características dos produtos
ofertados, “muitos anúncios passaram a trazer um texto principal e vários
blocos de chamadas ou pequenos textos cercando as ilustrações ou as fotos”
(Carrascoza, 1999, p. 98).
Nos jornais, tais anúncios eram publicados ainda em preto e branco e,
nas revistas de grande circulação da época, como O Cruzeiro, Seleções e
Manchete, era comum encontrar carros, geladeiras, refrigerantes, picolés e
outros produtos alimentícios desenhados pelos artistas da época.
A propaganda dos anos 1950 era ainda ingênua e dispunha de poucos
recursos técnicos, mas já contribuía de forma significativa para o processo de
identificação.
Os governos, que sabiam disso melhor que ninguém, lançaram mão de
campanhas institucionais que resgatavam o orgulho nacional e ajudavam a
criar uma identidade nacional entre as populações locais.
Demorou um pouco mais para alguns países perceberem a força da
publicidade, mas, cedo ou tarde, eles descobriram a sua importância e
utilidade e passaram a veicular mensagens.
O conhecimento, como já alertara Lévi-Strauss, não chegou ao mesmo
tempo para todos os povos e, assim, o progresso da humanidade nunca foi
contínuo, como alguém que sobe uma escada e só dá o segundo passo após
ter dado o primeiro. Pelo contrário, ele “procede em saltos (...) o que
ganhamos num, arriscamo-nos a perdê-lo noutro e é só de tempos em tempos
que a história é cumulativa, isto é, que as somas se adicionam para formar
uma combinação favorável” (Lévi-Strauss, 1980, p. 62).
Muitos produtos e serviços deram sua contribuição nesse processo. A
Coca-Cola, que foi um deles, já nos anos 1950 veiculava um comercial no
Brasil, ainda em preto e branco, que mostrava um casal que se unia, enquanto
o locutor, em off, anunciava: “Saboreie os bons momentos da vida com Coca-
Cola, pura e saudável”.
Washington Olivetto, que nasceu no início dos anos 1950, quando a
propaganda no Brasil ainda engatinhava e a propaganda de Leite Moça
mostrava uma dona de casa que ouvia uma voz dizer “você faz maravilhas
com Leite Moça”, sabe a importância da identidade na formação do nosso
eu.
Ele acredita que os amigos sejam importantes nesse processo, pois nos
ajudam a dar um rumo na vida e contribuem na formação da nossa cultura.
Os amigos, os pais, os artistas e os professores estão entre os primeiros em
quem nos espelhamos.
E assim vamos aprendendo uns com os outros, num longo e complexo
processo de aprendizado em que, via de regra, as ideias são conflitantes.
Não devemos esquecer que mesmo as teorias de gênios como
Copérnico, Galileu e Freud, durante muito tempo, foram consideradas pouco
científicas e questionadas65 sob diversos aspectos.
O que parece óbvio hoje não era assim tão óbvio antigamente. Os testes
em que Claude Hopkins insistia, já em 1923 (Ciência da propaganda), e que
poderiam comprovar que as fotos são bem mais atraentes que ilustrações, só
seriam aplicados na propaganda décadas depois, quando alguns teóricos,
como David Ogilvy, conseguiram finalmente comprovar isso: “A pesquisa
tem demonstrado reiteradamente que fotografias vendem mais que desenhos.
Elas atraem mais leitores. Elas atraem mais appetite appeal [atração pelo
apetite]. Elas são melhor recordadas. Atraem mais cupons. E vendem mais
mercadorias” (Ogilvy, 1963, p. 135).
Na década de 1950, grandes autores também emprestavam seus nomes
para as reportagens e era comum vermos matérias assinadas por Carlos
Drummond de Andrade, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Fernando Sabino e
Nelson Rodrigues, entre outros tantos, que ajudavam a atrair o leitor para os
artigos e anúncios.
Enquanto isso, na TV, um dos maiores sucessos era o comercial da
Toddy, ainda em preto e branco, em que duas atrizes, imitando Carmen
Miranda, interagiam com o telespectador, perguntando no jingle, enquanto
cantavam: “Já tomou seu Toddy hoje?”.
Aqueles eram os tempos de Oscarito, Grande Otelo, Walter D’Ávila,
Anselmo Duarte, Virgínia Lane, Vicente Celestino, Walter Foster e de Zé
Trindade.
Esses eram alguns dos artistas e ídolos que encantavam e faziam sonhar
e sorrir nossos pais e avós.
Eram os tempos de Dercy Gonçalves, Ankito, Wilson Grey, das
chanchadas da Atlântida, da Herbert Richers, de Eliana, de Neide Aparecida
e das sátiras inteligentes da PRK-30 de Lauro Borges e Castro Barbosa, que
fariam escola e viriam a influenciar grandes nomes da propaganda, como
teremos a oportunidade de conferir mais adiante: “O humor que eu aprecio é
o humor do Chico Any sio, do Walter D’Ávila, do Marco Nanini. É o humor do
Jô [Soares], é o humor dos irmãos Marx. É o humor dos tempos da rádio, da
PRK-30. É o humor que eu sempre gostei” – viria a revelar Washington
Olivetto, mais de sessenta anos depois.66
A PRK-30, para quem não sabe, era um programa de humor que tinha
Castro Barbosa e Lauro Borges como apresentadores. Pouca gente acreditava
que apenas os dois (que eram imitadores) faziam as mais de vinte vozes de
personagens que desfilavam pelo programa, todos criados por eles próprios,
que incluíam desde gaiatos correspondentes internacionais a calouros e
cantores desafinados, além de contadores de piadas, fazedores de trocadilhos
e enroladíssimos apresentadores de notícias.
As paródias e sátiras à propaganda e às novelas da época criadas pelos
dois humoristas eram impagáveis e incluíam pérolas como: “Milharal,
milharal, é melhor e não faz mal (Café Milharal. Moído na cara do freguês)”
e “A, E, I, O Urso. O melhor calçado da praça”.
A PRK-30 permaneceu no ar por mais de vinte anos de sucesso: de 1944
a 196667 e, segundo algumas das maiores autoridades do assunto no país,
como Chico Any sio, Jô Soares, Renato Murce e o ex-vice presidente da Rede
Globo de Televisão, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, foi o melhor programa
de humor de todos os tempos.
Seu humor escrachado e inovador foi o embrião de todos os programas
de humor que viriam a ser desenvolvidos mais tarde, pelo rádio e pela
televisão no Brasil.
Os anos 1950 no Brasil eram os tempos dos programas de auditório e das
novelas de rádio e também dos comerciais ao vivo na TV, e, como não havia
ainda edição de imagens, uma das frases que se ouvia com maior frequência
era: “Desculpe a nossa falha”.
Foi ainda nos anos 1950 que a propaganda mostrou também que, além
de retratar épocas, podia contribuir para a cultura popular do país, criando
novos hábitos, costumes e mesmo novas palavras, contribuindo assim para o
desenvolvimento e o enriquecimento da língua nacional.
Exemplo disso é o primeiro anúncio da goma de mascar Adams,
publicado pela primeira vez na revista O Cruzeiro, nos anos 1950.
Os Chicletes Adams que você conhece foram uma novidade trazida
pelos soldados americanos que serviam em bases instaladas no nordeste do
país, durante a Segunda Guerra Mundial. Completamente desconhecidos até
então, os chicletes (ou chiclés) eram denominados naquela época goma de
mascar pela população local, que via aquele hábito americano com certa
estranheza.
Por que os soldados mascavam constantemente uma borrachinha? Que
gosto teria aquele estranho costume norte-americano? Por que ficavam o
tempo todo com uma goma na boca?
A curiosidade, muitas vezes, leva-nos à experiência. E foi o que
aconteceu a seguir. Primeiramente em Natal e nas principais capitais do
Nordeste, mas rapidamente o novo hábito se espalhou por todo o país. Já no
início dos anos 1950 não eram mais só James Dean e Marlon Brando que
usavam casacos de couro, cantavam rock e mascavam chicletes.
A febre da goma de mascar havia chegado para ficar.
A tradicional caixinha amarela que protege o produto e anuncia a marca
não mudou quase nada nos últimos sessenta anos. Surgiram novos sabores, é
verdade, e novas embalagens. Mas o hábito de mascar as tais borrachinhas
foi totalmente absorvido pela população brasileira e a nomenclatura chiclete,
após passar por uma longa evolução, que bem merecia um estudo
etimológico (chicles, chiclé, chiclet, chicletes) aprofundado, passou então a
fazer parte da língua e dos costumes do povo brasileiro.

Chicle. O látex da sapota. Matéria-prima da goma de


mascar. Por extensão, goma de mascar, chiclete. Chiclete. Chicle.
(Dicionário novo Aurélio da língua portuguesa. p. 318.)

Devo muito ao Monteiro Lobato. Foi com ele, aos cinco anos,
que adquiri o prazer pela leitura.
– Washington Olivetto

A propaganda no Brasil: os anos 1960


Foi na década seguinte, entre o final dos anos 1950 e o início dos anos
1960, que surgiu a propaganda de autor. Foi então que os títulos dos anúncios
começaram a ser estampados com ambiguidade e polissemia, as fotografias
passaram a dominar os layouts e surgiram grandes nomes, como os de Bill
Bernbach, David Ogilvy, Leo Burnett, Ray mond Rubicam e tantos outros.
Se a revolução criativa ocorrida na América, nos anos 1940 e 1950,
havia resultado em importantes mudanças conceituais na propaganda, a
revolução criativa dos anos 1960 trazia agora uma outra importante novidade:
a introdução da retórica como recurso de convencimento e de vendas.
E, se Ray mond Rubicam e Claude Hopkins, juntamente com a N. W.
Ay er, haviam sido os responsáveis pela primeira, Bill Bernbach, David
Ogilvy e Bob Levinson eram tidos agora como os precursores dessa nova
forma de anunciar, que não mais tentava impor o produto ao consumidor,
mas simplesmente o oferecia, ao argumentar.
“A aparição de fenômenos como David Ogilvy, Bill Bernbach e Bob
Levinson, que mudaram e inventaram a propaganda moderna, dando a ela
um toque mais coloquial, mais criativo, já não tão preocupados com a força
do título, mas com conceitos... Esses redatores foram verdadeiros pioneiros
da profissão” (Petit, 1992, p. 63-64).
Nos anos 1960, não foram só os cabelos que ficaram mais longos. Os
textos dos anúncios publicitários também cresceram. Tornaram-se mais
informativos, adjetivados e passaram a empregar os recursos retóricos. A
publicidade estava se reinventando.
Bill Bernbach, que Washington Olivetto tanto parece admirar, foi um dos
pioneiros a redigir anúncios com tais recursos persuasivos na publicidade. E a
ênfase na criatividade passou a ser a maior mudança notada no universo da
propaganda. Os argumentos subjetivos haviam sido substituídos pela reason
why (argumentação racional).
Segundo João Carrascoza (Carrascoza, 1999, p. 103-122), foi nessa
época também que começaram a ser eliminados os boxes e os splashs, tão
comuns à publicidade dos anos 1950. Eles poluíam os anúncios, dificultando o
bom entendimento da mensagem.
Exclamações, reticências e ponto e vírgula começaram a ser eliminados
também dos anúncios, passando a ser vistos apenas nas peças promocionais.
É nesse momento que a função conativa (que representa uma ordem,
um apelo ao consumo, enquanto busca o diálogo com o leitor) passa a ser
empregada pela publicidade com maior frequência. E a função fática
(recurso persuasivo que, segundo o professor Everardo Rocha em Magia e
capitalismo: um estudo antropológico da publicidade, 1990, glamoriza a
mercadoria, dando-lhe uma identidade, e estabelece um contato com o
interlocutor – o leitor –, atraindo a sua atenção) passa a integrar os textos dos
anúncios.
A retórica e a sua sistematização aristotélica estão agora presentes no
copy, que incorpora uma introdução, desenvolvimento e conclusão – ou
exórdio, narração, provas e peronação, se você preferir.
A redação publicitária ganha mais consistência e força persuasiva. Está
ainda mais vendedora e convincente. As figuras de linguagem estão mais
presentes que nunca, especialmente nos títulos da nova propaganda.
Aqueles eram tempos de importantes transformações. De Bardot, do
Vietnã e do Muro de Berlim. Os anos 1960 foram marcados pelos discursos e
pelas mortes de John Kennedy e de Martin Luther King. Eles tinham um
sonho. A propaganda brasileira buscava ainda uma identidade e Fittipaldi logo
seria campeão de Fórmula 1. Enquanto a esquerda se organizava, a direita,
assim como o Muro, começava a ruir.
Com setenta milhões de consumidores agora ligados na telinha, a TV
passa a ser o mais poderoso meio de comunicação com as massas. E a
publicidade com seus comerciais passa a ser um espetáculo a parte,
encantando o consumidor por meio do humor, da ironia e da criatividade.
E, com a tela ainda em preto e branco, os comerciais da Koly nos, Varig,
Fusca, Toddy, xampu Colorama, Caixa Econômica, US Top e Lewis faziam o
povo sonhar com seus astros e dias melhores.
Na virada entre os anos 1960 e os anos 1970, surgiram e desapareceram
inúmeras agências que tiveram importância fundamental para a publicidade
brasileira.
O mundo da publicidade é um mundo extremamente fascinante para
quem investe em comunicação. Lucrativo, divertido e também perigoso.
Viver perigosamente parece ser mais emocionante. Groucho Marx já havia
alertado sobre isso: dormir é perigoso, lembrava ele; a maioria das mortes
acontece quando se está dormindo.
A partir dali, os nomes de alguns redatores e diretores de arte
começaram a ter o mesmo peso, ou talvez até um peso maior que os nomes
das próprias agências para as quais eles trabalhavam.
Muitos já não comentavam mais o anúncio da Ogilvy & Mather, mas o
anúncio de David Ogilvy ; muitos não comentavam mais o anúncio da Young
& Rubicam, mas de Ray mond Rubicam; muitos não comentavam mais o
anúncio da DD&B, mas de Bill Bernbach.
Formado em literatura inglesa pela Universidade de Nova York e
profundo conhecedor de filosofia, Bill Bernbach era judeu e vinha de uma
família humilde. Seu primeiro emprego na propaganda não foi na redação,
mas na expedição.
Em pouco tempo, estava escrevendo discursos e depois anúncios. E,
graças a seus textos irretocáveis, pouco tempo depois já era um dos redatores
mais bem pagos da propaganda americana e, pouco depois, fundava sua
própria empresa: a DD&B.
Seu nome vinha por último, afirmava David Ogilvy, mas quem
mandava na agência era Bill.
Além de brilhante escritor, foi dos primeiros a utilizar em seus anúncios
fotos de judeus e negros – naqueles tempos, isso não era comum. E então Bill
perguntou: por que não?
Foi um dos primeiros redatores também a empregar a retórica como
argumentação de vendas (Ogilvy, 1985, p. 218) e um dos pais dessa nova
propaganda, que começava a se desenvolver.
Bill inspirava os novos redatores do mundo inteiro que queriam agora
escrever como ele, queriam ser iguais a ele e, aparentemente, viria a inspirar
Washington Olivetto também.
Num de seus anúncios mais expressivos, Bill convenceu o cliente a ousar
e surpreendeu o mundo ao colocar sobre a foto de um Volkswagen o seguinte
título: “Na hora de comprar um carro, é bom você pensar como vão ser as
coisas na hora de vendê-lo”.
E quando todo o mundo acreditava que Bill havia chegado ao limite, que
não havia mais como se superar em termos de originalidade, ele surpreendeu
de novo, publicando um novo anúncio do Fusca, ainda mais ousado, que trazia
pela primeira vez na história da propaganda a foto de um Fusca com o
paralama amassado e com uma das lanternas dianteiras quebradas. Nele, lia-
se o seguinte título:

Sooner or later, your wife Will drive home


One of the best reasons for owning a Volkswagen.

Bill Bernbach é um dos nomes citados por Washington Olivetto como


referência. Em seu livro Os piores textos de Washington Olivetto, ele já havia
prestado uma bela homenagem a Bernbach, ao comentar que gostava sim do
trabalho de Ogilvy, mas que preferia o de Bernbach.
No entanto, é logo a seguir, na página 210 da mesma obra, que ele nos
dá a proporção exata do tamanho dessa admiração.
Ela está registrada no texto em que expressa seu ponto de vista sobre
pensar diferente, think different. Ali podemos perceber um novo comentário
bastante elogioso ao B da DD&B. Ao falar sobre o também publicitário Jay
Chiat, sócio da Chiat/Day, mega-agência americana que tinha, entre outras,
contas do porte de uma Apple, Nike e uma Reebok, e que desenvolveu
campanhas criativas como I love New York, pilhas Energizer e Pizza Hut,
Olivetto assim escreveu: “Tive o privilégio de acompanhar de perto todas as
revoluções comandadas por esse homem, que promoveu no negócio da
propaganda saracoteios tão grandes quanto os feitos por Bill Bernbach e
David Ogilvy ”.
Muito embora para alguns estudiosos, como Jorge S. Martins (Martins,
1997, p. 33), não haja uma língua própria da publicidade (acreditamos que o
autor esteja falando em linguagem) e “sim determinadas habilidades e
técnicas linguísticas em uso nos anúncios e nos textos da propaganda,
rotulados de linguagem publicitária”, para outros, foi a partir de então que a
publicidade adquiriu uma linguagem própria, tornando-se mais persuasiva e
sedutora.
Se existe uma linguagem jurídica, uma linguagem médica e uma
linguagem jornalística, entre outras tantas – esses se perguntam –, por que
não haveria também uma linguagem publicitária?
“A linguagem da propaganda se distingue, por outro lado, como a
literária, pela criatividade, pela busca de recursos expressivos que chamem a
atenção do leitor, que o façam ler ou escutar a mensagem que lhe é dirigida”
(Sandmann, 1997).
Com a chegada dos anos 1960, a propaganda parecia perder a inocência
e os recursos retóricos que davam duplos sentidos às frases e às fotografias
em close, no lugar dos desenhos, conquistaram espaço imediatamente junto
ao grande consumidor, contribuindo de forma significativa para a expansão
do consumo.
A propaganda havia se tornado mais coloquial e bem-humorada e, entre
as inovações daqueles tempos, estava um anúncio revolucionário, que rompia
com as tradições e, ao anunciar um automóvel, pela primeira vez, parecia
brincar com o produto, em vez de elogiar as suas qualidades, e simplesmente
dizia: think small.
Enquanto isso, no Brasil, invariavelmente, continuava-se ainda a adaptar
o que a propaganda americana tinha de melhor.
É bem verdade que, no final da década de 1960, a propaganda deixaria
de ser a propaganda de autor para voltar a ser a propaganda da agência e que
a sociedade daqueles tempos era bem mais conservadora e ingênua que a
sociedade de hoje.
Mas, a partir dali, a propaganda nunca mais seria a mesma.

A propaganda no Brasil: os anos 1970

Foi só na década de 1970 que a revolução criativa ganhou força no


Brasil. E então as agências brasileiras pararam de simplesmente copiar ou
adaptar a propaganda americana, inventaram uma propaganda com
características próprias e passaram a fazer uma comunicação mais
sofisticada, que conversava com o consumidor, mais interessante,
descontraída e bem-humorada.
A propaganda brasileira tinha finalmente uma identidade.
Quem trouxe a publicidade criativa para o país, diria anos mais tarde
Carlos Domingos, “foram dois discípulos de Bernbach: Alex Periscinoto e
Júlio Cosi Jr.” (Domingos, 2003, p. 120). Periscinoto, que fora da Almap, e
Cosi Jr., que fora da Standard, “introduziram a propaganda criativa ao estilo
DD&B no Brasil” (idem, ibidem).
Essa mudança, nitidamente percebida pelo consumidor, deveu-se em
especial ao surgimento de alguns nomes que passaram a se destacar
posteriormente no mercado e, sem dúvida alguma, entre eles podemos citar o
de Washington Olivetto.
Narrando a evolução da publicidade brasileira, o professor Celso
Figueiredo assim definiu a importância de Olivetto: “Os criativos, os caras
que passaram a dizer o que era certo e errado, o que era in e out, deixaram
de ser meros prestadores de serviços para virar ícones sociais. (...) A
publicidade deixou de ser um mero acessório de vendas para pautar
comportamentos sociais. Puxadas por Washington Olivetto, o mais brilhante e
aparecido profissional de publicidade da época, hordas de publicitários
invadiram o cenário social e impuseram seus gostos, sua visão cosmopolita,
seu humor sofisticado, sua estética elegante e transformaram a atividade em
lançadora de tendências” (Figueiredo, 2006, p. 15).
É bem verdade que tal mudança de cenário na propaganda brasileira,
como já havia sido dito por inúmeros estudiosos do assunto – entre eles, pelo
próprio ilustre professor Figueiredo (idem, p. 13) e também por Carlos
Domingos (Domingos, 2003, p. 121) –, deu-se a partir do surgimento de uma
agência de publicidade que revolucionou a propaganda brasileira.
Essa agência, que deu origem a muitas outras agências, que seguiriam
seus passos posteriormente, como a Talent, a W/GGK, a DM9 e a F/Nazca,
em que teve início também a trajetória vencedora de Washington Olivetto, se
chamava DPZ.68
A DPZ é vista hoje como “a mãe das agências criativas no Brasil”
(idem, ibidem) e, juntamente com algumas outras agências da época, como a
MPM, a Norton, a Estrutural e a Denison, ajudou a formatar a publicidade
brasileira.
Expliquemos melhor como tudo aconteceu.
Nos anos 1970, os grandes criadores brasileiros perderam espaço para
os planejadores, que, em muitas agências, passaram a ser as pessoas mais
importantes da propaganda. Eles tinham agora os mais altos salários e davam
a última palavra nas reuniões.
Bem, isso até surgirem nomes como Washington Olivetto, Francesc
Petit, Roberto Dualibi, José Zaragoza, Neil Ferreira, Alex Periscinoto, Caio de
Alcântara Machado, Sérgio Graciotti, Júlio Ribeiro, Ercílio Tranjan, Líber
Matteucci, João Galhardo, Stalimir Vieira, Carlos Chieza, Cristina Carvalho
Pinto, Rui Lindenberg e, mais tarde, Nizan Guanaes, Fábio Fernandes,
Marcelo Serpa e tantos outros. Aí os homens de criação passaram não apenas
a ser os nomes fortes dentro das agências, como também a fundar suas
próprias agências.
A palavra agora voltava a ser criatividade. De certa forma, era como se
os bons tempos de Ogilvy, Bernbach e companhia estivessem de volta.
Foi nessa época que começaram a aparecer as superproduções
publicitárias: “Certos comerciais chegavam a custar quinhentos mil dólares –
e ninguém parecia se incomodar com isso” (Dammann, 27º Anuário do
Clube de Criação de São Paulo, 2002, p.78). “Fazia-se um anúncio legal, que
era veiculado na Veja e no Jornal Nacional e pronto: estava resolvida a
campanha. O resto é detalhe” (Raul Cruz Lima, idem, p. 78).
Aqueles eram os tempos do “Pra frente, Brasil”, os chamados anos de
chumbo, e do milagre brasileiro. Com os militares no poder, o gigante
adormecido finalmente havia acordado. Eram os tempos dos festivais de
música, das passeatas, do futebol e dos protestos nas ruas.
Nos anos 1970, com os jogos sendo transmitidos pela primeira vez em
cores, João Saldanha é demitido do cargo de treinador da seleção, por suas
opiniões políticas, e Zagalo entra em seu lugar. E, com Pelé, Rivelino, Gerson,
Jairzinho e Tostão, o Brasil é campeão do mundo, no México.
O progresso finalmente começa a chegar ao país, atraindo investimentos
e mão de obra qualificada. General Motors, Ford e Chry sler se instalam então
no país. A siderurgia e a indústria operam a todo o vapor, e as exportações
batem recordes sucessivos, colocando o Brasil em posição de destaque no
mundo.
O consumo interno cresce de forma espantosa, atraindo a publicidade
estrangeira para o país. Nos anos 1970, as agências americanas ainda
dominam o mercado e ditam as tendências.
Surgem então – e desaparecem pouco depois – importantes agências
brasileiras, como Denison, a MPM, a CBBA, a Salles Interamericana, a
Alcântara Machado e tantas outras que ajudaram a formar a memória da
nossa publicidade. Essas agências foram as pioneiras da moderna publicidade
brasileira.
Entre todas essas agências, uma se destacou: a DPZ. Na DPZ, no seu
departamento de criação, surgiram vários profissionais que, mais tarde,
viriam a abrir suas próprias agências, levando a publicidade brasileira a
ocupar o lugar de grande destaque que ocupa até hoje, no cenário da
propaganda mundial.
Mas tudo – é bom que fique bem claro – parece ter mesmo começado
ali, na DPZ, fundada em 1968, na Avenida Cidade Jardim, em São Paulo. A
grande percepção da DPZ, afirmam os estudiosos da propaganda, foi notar
que a comunicação havia mudado. Então, em vez de simplesmente oferecer
produtos e serviços ao consumidor, como todas as demais agências faziam na
época, a DPZ desenvolveu novos formatos de propaganda, repletos de
histórias com humor, ironia e emoção.
A DPZ reinventou a propaganda. Criou um selo nela em que agora se
lia: “Made in Brazil”.
Num dos primeiros comerciais criados pela empresa, para vender um
aspirador de pó da marca Walita,69 um vendedor apresenta o produto aos
possíveis compradores que estão reunidos em volta de uma grande mesa (na
verdade, a própria sala de reuniões da DPZ) e são simplesmente os donos e
criativos da agência recém-criada: Dualibi, Zaragoza, Petit, Neil Ferreira e,
evidentemente, Washington Olivetto.
É a metalinguagem ajudando a divulgar os benefícios que o produto
oferece ao consumidor.
A DPZ fez história. Foi a primeira agência brasileira a se destacar em
inúmeros festivais internacionais, recebendo inúmeros prêmios importantes
(como o Clio e o Leão de Cannes) e, com isso, acabou ajudando também a
divulgar o talento do profissional brasileiro, elevando a propaganda brasileira
a uma das mais criativas do mundo.
Alguns estudiosos da comunicação afirmam que o que a DD&B, de
Bernbach, havia feito na América a DPZ fazia agora no Brasil: apontava
novos caminhos criativos.
Quem não se lembra dos comerciais criados pela DPZ, como o do Leão
do Imposto de Renda e o do menino que ia do choro ao riso, em slow motion,
enquanto um locutor anunciava que, para não verem seus filhos tristes, os pais
tinham de beber com moderação?
O publicitário brasileiro havia aprendido a contar histórias com Ogilvy,
Bernbach, Rubicam, Leo Burnett e companhia. E agora seguia seu próprio
destino.
“Os contadores de histórias sempre ficaram famosos. Desde o império
romano, passando pela Grécia Antiga, Índia e China, as histórias sempre
encantaram reis, rainhas, nobres e cortesãos. O contador de histórias, desde
aquela época, até hoje tem grande valor” (Petit, 1992, p. 87).
E o que é Washington Olivetto, senão exatamente isto: um grande e
brilhante contador de histórias?
As novas técnicas de escrever anúncios como quem conta histórias
influenciaram grandes redatores brasileiros, que perceberam que o que faz
um produto como a água Perrier custar mais caro que as outras não é a água.
Essa sai de graça. O que você está pagando é a embalagem, a garrafa, a
marca, como dizia Ogilvy (Ogilvy, 1985, p. 15), é o que está escrito na
embalagem: Perrier.
Alguns produtos, como o uísque Jack Daniels, fazem o mesmo: o rótulo e
a publicidade transmitem uma imagem de honestidade. E o preço elevado
sugere qualidade superior.
Para Petit, não restam dúvidas: Ogilvy, Bernbach e Levinson mudaram
e inventaram a propaganda moderna (Petit, 1992, p. 63). E a partir de então
os anúncios passaram a ter textos mais longos e mais informativos, como
aconselhara Ogilvy : “The more facts you tell, the more you sell” (Ogilvy,
1963, p. 135).
A propaganda então não mais se resumia a frases de efeito e simples
jogos de palavras: trazia conceitos, acima de tudo. Tinha estratégia e
objetivos bem definidos – que levavam ao aumento da curva de vendas dos
produtos.
Quando chegaram os anos 1970, a publicidade incorporou novas
técnicas, novos conceitos e novas mídias. Foi nesse período que se
multiplicaram as publicações, as emissoras de TV e as rádios no país.
E foi nos anos 1970 que o Brasil ganhou ainda seu primeiro Código
Nacional de Autorregulamentação Publicitária (o Conar, criado em 1970),
que passou a disciplinar a profissão. A partir de então, era a própria
publicidade quem dizia não aos excessos.
Parafraseando Lasker (Lasker apud Ogilvy, 1985, p. 203), a história da
publicidade brasileira não poderia ser contada sem que o nome dos nossos
pioneiros estivesse em primeiro lugar.
Ela foi escrita com o sangue, o suor, a ousadia e a irreverência de
nomes como Neil Ferreira, José Zaragoza, Roberto Dualibi e Francesc Petit.
Sérgio Graciotti, Duda Mendonça, Gilberto dos Reis, Sy lvio Lima, Armando
Mihanovich, Ercílio Tranjan, Ênio Mainardi, Carlos Domingos e Washington
Olivetto. Alex Periscinoto, Alcides Fidalgo, Ronaldo Conde, Toninho Lima,
Bernardo Vilhena, Ay res Vinagre, Camila Franco, Rose Ferraz, Helga Miethke
e Hans Dammann. Adeir Rampazzo, Ana Carmen Longobardi, Chistina
Carvalho Pinto, Carlos Pedrosa, Gabriel Zellmeister, Paulo Ghiroti, João
Daniel e João Galhardo. Álvaro Gabriel, Júlio Xavier, Chico Abréia, Rodrigo
Sá Meneses, Mauro Salles, Mauro Matos, Márcio Moreira, Carlos Pedrosa,
Magy Imoberdorf e Raul Cruz Lima. Ruy Lindenberg, Luís Vieira, Luís
Gonzaga, Antônio Torres, Lula Vieira, Arthur de Negri, Hay le Gadelha, Liber
Mateucci, Vick Kirovsky, Clóvis Calia, Carlos Chagas e Júlio Ribeiro.
Repare que, entre os grandes nomes dos grandes publicitários que
fizeram a história recente da propaganda brasileira, há inúmeros deles que
vieram de uma mesma agência, a DPZ.
Sua importância foi tão grande na nossa história recente que muitos
estudiosos consideram que existem duas fases na história da propaganda no
Brasil: antes e depois da DPZ.
Na virada dos anos 1970 para os anos 1980, surgiu uma nova geração de
criativos geniais no Brasil. E, embora tivessem surgido novos copywriters
talentosos, a referência ainda eram os anúncios do Rolls-Roy ce, do Zippo, do
Marlboro e do Fusca, que os art directors traziam.
“You always come back to basics”, já dizia o antigo anúncio do uísque
Jim Bean.
Vieram então Nizan Guanaes, Fábio Fernandes, Alexandre Machado,
Eduardo Correa, Marcelo Serpa e Carlos Domingos. Renata Guiese, Adilson
Xavier, Eugênio Mohallen, Gustavo Bastos, Arnaldo Rozencwaig, Cássio
Zanata, Cláudio Pereira, Rogério Steinberg e João Bosco. Marcos Silveira,
Carlos Padilha, Vicente Nolasco, Sérgio Di Paula, Eduardo Martins e
Cristovão Martins. Rodolfo Sampaio, Marcelo Gianini e muitos outros
pioneiros que tiveram em Bernbach, Ogilvy, Rubicam, Leo Burnett e
companhia a inspiração para escrever algumas das mais belas, criativas e
originais páginas da nossa história.
Mas essa já é uma outra história e vai ficar para um outro livro.
“I can tell you what advertising is”, havia afirmado John E. Kennedy,
num pequeno bilhete endereçado a Albert Lasker; “Advertising is a
salesmanship-in-print” (Kennedy, 1992, prefácio).
Os nomes acima foram alguns dos salesmanship-in-print da propaganda
brasileira do século XX.
Pela DPZ, que foi fundada em 1968,70 no Jardim Europa, São Paulo,
além de Francesc Petit, Roberto Dualib e José Zaragoza, os três sócios
fundadores da empresa, passaram alguns publicitários que viriam a se
consagrar a seguir como alguns dos mais expressivos nomes da propaganda
brasileira de todos os tempos.
Entre esses, além de Washington Olivetto, Nizan Guanaes, Marcelo
Serpa, Camila Franco, Ruy Lindenberg e Paulo Ghirotti, não podemos deixar
de mencionar um nome em especial: o de Neil Ferreira.
Neil Ferreira nasceu no interior de São Paulo, no pequeno município de
Cerqueira César, em 18 de abril de 1943. De descendência árabe, vindo de
uma família de classe média baixa, é filho de Antônio Ferreira e Lília Lopes
Ferreira.
Formado em sociologia, entrou para a propaganda ainda nos anos 1960,
após se desligar da redação de um grande jornal (Folha de S. Paulo): “A
propaganda pagava o dobro que o jornal pagava, e eu precisava me
sustentar”.
Curiosamente, assim como Washington Olivetto e Nizan Guanaes, Neil
Ferreira também é ferrenho admirador de Monteiro Lobato e assume que
“foi encaminhado às letras pelas prosas lobatianas”.
As histórias do sítio, em especial as de Dona Benta e Emília, a boneca
questionadora – que muitos afirmam ser o alter ego de Lobato –, marcaram
profundamente sua infância (Craidy, 2007, p. 176).
Marcaram de tal forma, aliás, que Neil, que aprendeu a ler aos cinco
anos de idade, ouvindo seu pai ler História do mundo para crianças, de
Lobato, deu a seu filho mais velho – a filha mais nova se chama Juliana – o
mesmo nome do seu autor preferido, José Bento:71 “Eu aprendi a ler ouvindo
meu pai ler Monteiro Lobato. Ele lia para mim a História do mundo para
crianças. Meu pai se foi muito cedo, mas foi com ele e com os livro de
Lobato que aprendi o significado das palavras”.72
Lobato dedicou sua vida a escrever para as crianças porque sabia que a
literatura infantil, além de fundamental para a humanidade, é formadora de
identidade cultural. Deixou uma vasta e inovadora obra, que soma 22
volumes e encanta crianças e adultos até hoje. E, evidentemente, une-os por
meio das palavras, das ideias, dos personagens e da fantasia – ou dos sonhos.
Milhões de brasileiros cresceram e moldaram suas personalidades
ouvindo as histórias de Narizinho, Pedrinho, Visconde de Sabugosa, tia
Nastácia e os demais personagens do Sítio do Picapau Amarelo.73
Washington Olivetto e Neil Ferreira, pelo visto, foram alguns deles.
Se Washington Olivetto criou até um anúncio exacerbando sua paixão
por Lobato, anunciando a máquina de escrever Olivetti para o Dia das
Crianças, Neil, que aparentemente também possui uma profunda ligação
com a literatura (sua cunhada é Ruth Rocha, uma das mais conhecidas
autoras do gênero do país), e em especial com a infantil, parece ter feito o
mesmo, criando um anúncio memorável para a Pan Am, em que fazia
referência a uma das fábulas mais famosas de La Fontaine, A Formiguinha e
a Cigarra.
Como elogiosamente afirma a professora Craidy, Neil Ferreira é o
“turco” que, por meio das palavras, veio um dia a ter a mesma profissão de
seu avô e seus ancestrais: um artesão.
Trabalhou para algumas das maiores agências brasileiras, como a CIN
(hoje Leo Burnett), DPZ, Standard (hoje Ogilvy Brasil), Almap, Norton, SGB
e Salles Interamericana, entre outras.
Neil é considerado um gênio pelos profissionais mais experientes do
mercado. Talvez quem esteja entrando agora para a propaganda não saiba
dizer de primeira quem foi Neil Ferreira, mas, se você perguntar para o
pessoal mais antigo, certamente vai ouvir a resposta: ah, é aquele que criou o
anúncio da formiguinha para a Pan Am e as campanhas da Artex e da
Hering com o Zaragoza.
Profundo conhecedor da língua em que escreve, o português, seus
trabalhos são repletos das mais belas analogias e duplos sentidos. Mais que
simples frases de efeito, seus anúncios contêm raciocínios lógicos irretocáveis
e poderosa argumentação.
Escrever – parece ser a mensagem contida em seus textos – não é um
negócio para amadores ou principiantes. Como ele mesmo diz: “Escrever é a
arte de reescrever com certa arrogância”. (Entrevista por telefone em
28/3/2012.)
Extremamente simples e possuidor de um grande senso de humor, em
uma nova troca de ideias que mantivemos, Neil declarou: “Minha lata de lixo
sustenta muitas agências”.74
Quantos redatores que se tornaram bem-sucedidos já não pensaram, um
dia, em ser Neil Ferreira?
Nos anos 1970, ele era um semideus.
Além de ter criado o leão que é o símbolo do imposto de renda até
hoje,75 entre seus trabalhos mais conhecidos, estão A morte do orelhão, filme
que criou para a Telesp – Companhia Telefônica de São Paulo – e os
comerciais que introduziram um dos personagens mais simpáticos e
duradouros da publicidade brasileira: o Baixinho da Kaiser.
Fez ainda um anúncio, Os subversivos, que, publicado em plena ditadura
no Brasil, levou o diretor de redação da revista e ele próprio a passarem
algumas horas prestando depoimentos num órgão de repressão.
Autor de frases magistrais, certa feita, referindo-se ao publicitário que
só quer aparecer, ele disse: “O yuppie veste-se como um piloto de Fórmula 1:
cheio de marcas, grifes e logomarcas. A diferença é que o piloto ganha para
isso, e o yuppie paga.”
Brilhante redator, fez dupla com Zaragoza durante quase duas décadas
na DPZ76 e é um dos publicitários mais premiados em toda a história da
propaganda brasileira. Certa vez, referindo-se às premiações, declarou:
“Prêmio para mim é justo, para os outros é marmelada”.
Seus textos impecáveis, seu humor quase britânico e sua ousadia criativa
influenciaram toda uma geração de redatores que vieram depois dele, entre
eles, Washington Olivetto.
Aparentemente, Neil Ferreira foi a primeira pessoa em propaganda a
inspirar Washington Olivetto.
Nos anos 1970, quando este estava começando, estagiando ainda na
HGP Propaganda, soube pelos amigos que haveria uma palestra na USP com
um publicitário sobre quem ele já havia ouvido falar antes.
Esse publicitário que Washington Olivetto foi ouvir era Neil Ferreira.
Quando tocamos nesse assunto, aliás, com uma humildade
impressionante, Neil fez pouco caso, afirmando: “Como inspirei? Inspirei
nada, o Wash é corintiano doente, eu sou são-paulino doente. Inspirei meu
filho José Bento e minha filha Juliana, ambos tricolores de arquibancada”.77
Em Na toca dos leões, livro escrito por Fernando Morais que conta a
história de Washington Olivetto e como nasceu sua antiga agência, a W/Brasil,
há várias referências ao nome de Neil Ferreira.
Nas páginas 50 e 63 talvez estejam as mais significativas. Vejamos o
que diz a primeira: “Outro nome que chamou logo a sua atenção foi o do
redator Neil Ferreira, prodígio da propaganda que apareceu na FAAP para
fazer uma palestra. Washington ficou tão impressionado com a agilidade
mental e a articulação daquele sujeito magrinho, de calça jeans de veludo e
cabelos cacheados (...). ‘A lembrança do Neil era o que mais se aproximava
do que eu supunha ser um publicitário’”.
Note que a segunda frase é dita pelo próprio Washington Olivetto, como
que endossando o que havia sido dito anteriormente pelo escritor Fernando
Morais. O que Washington parece querer nos dizer é que Neil era a
referência, o rumo, o ideal que tinha para a profissão em que estava
iniciando, a propaganda.
E o que é uma referência senão um exemplo, algo ou alguém em quem
nos inspiramos e a quem desejamos ser iguais amanhã?

Referência. Do latim, referentia. Ato ou efeito de contar,


relatar. Menção, insinuação. Relação que existe entre certas
coisas (Dicionário novo Aurélio da língua portuguesa. p. 1.214).

O que parece estar nas entrelinhas é que, naquele momento, era em


Neil Ferreira que Washington Olivetto se inspirava. Provavelmente, pelo
menos naquele momento, queria ser um pouco Neil Ferreira, agir como ele,
escrever, fazer trabalhos e ter sucesso como Neil Ferreira. E o que é a
identidade senão exatamente isso: a construção de significado existencial da
pessoa?
Analisemos um pouco mais detalhadamente essa segunda passagem do
mesmo livro que cita Neil. É importante frisar aqui que tal passagem se deu
quando Olivetto, aconselhado pelo próprio dono da HGP, decidiu mostrar seus
trabalhos para uma agência maior, buscando assim um novo emprego. Eis o
que está registrado em livro a respeito do assunto: “O patrão jogou limpo:
‘Nesta agência não vai acontecer grande coisa... Faça uma pasta com os
anúncios que você criou aqui e vá atrás de uma agência grande, procure os
bons diretores de criação, mostre seu trabalho’”.
O problema é que, como Washington Olivetto estava iniciando sua
carreira na propaganda, naqueles tempos ele não era conhecido ainda pelo
mercado e também não conhecia ninguém. Não passava de um ilustre
desconhecido. Não era uma referência, como é hoje em dia, para milhares
de jovens que estão iniciando agora em publicidade.
E Fernando Morais (Morais, 2005, p. 63), com muita pertinência, assim
registrou aquele acontecimento: “Bons diretores de criação? Mas ele não
conhecia ninguém. Aliás, Washington não conhecia ninguém na profissão.
Publicitário para ele continuava sendo Neil Ferreira, que falara para os alunos
da faculdade”.
As citações ao nome de Neil, sempre elogiosas, ocorrem por diversas
vezes ao longo do livro Na toca dos leões. São muitas mesmo. Na página 64,
por exemplo, há uma nova menção ao redator. Vejamos o que ela diz:
“Washington ainda conseguiu mostrar a pasta para Neil Ferreira (que deixara
a Norton, como Hans, para trabalhar na Proeme, de Ênio Mainardi)”.78
Se prestarmos atenção nessa frase, percebemos que o seu significado, a
sua leitura, é: o hoje publicitário mais premiado de toda a história da
propaganda, tal qual um simples principiante em busca de uma oportunidade
melhor, havia ido mostrar seus primeiros trabalhos a alguém mais experiente,
que poderia lhe dar um novo emprego. Havia ido mostrar seus primeiros
trabalhos a alguém que, na página 208 de Na toca dos leões, é chamado
carinhosamente de astro ou estrela da propaganda, alguém que ocupa uma
posição superior, que está acima da média, é um ídolo para muita gente, uma
referência, afinal, o que é uma constelação senão a reunião, o agrupamento
de várias estrelas, de vários astros?
Confira atentamente a frase, na íntegra, e veja se não temos razão: “Nos
três andares da criação da DPZ, sob o comando dos três sócios, trabalhava
uma constelação composta por, entre outros, Washington Olivetto, Neil
Ferreira, Gabriel Zellmeister, Murilo Felisberto, Stalimir Vieira, Helga
Miehke, Kélio Rodrigues, Camila Franco, Nélio Pimentel, Ruy Lindenberg e
Paulo Ghirotti”.
O que teria achado Neil Ferreira desses primeiros trabalhos de Olivetto?
Ele nos respondeu por e-mail:79 “Levei um susto. Havia um anúncio de
uma série de TV, cujo herói era um cara gordo, feio, que parecia que nem
banho tomava, numa época em que os astros eram todos lindos e limpinhos; o
título era ‘Esse é o mocinho, imagine a cara dos bandidos’. Quando vi, falei
para mim mesmo: ‘Aí tem’”. E tinha.
São mesmo inúmeras, enfim, as citações a Neil contidas no livro citado,
que conta a história de Olivetto, e não vamos nos deter a todas, por motivos
óbvios. Mas tudo leva a crer que Neil Ferreira foi o primeiro profissional da
publicidade a influenciar Washington Olivetto.
O que não sabemos, ou não temos como demonstrar, pelo menos por
ora, é até onde vai essa influência. Numa entrevista que fizemos com ele na
W/Brasil do Rio de Janeiro, no final de 2010, falamos que íamos escrever
sobre isso. O que Washington Olivetto respondeu? Abriu um ligeiro sorriso,
como quem procura se lembrar de algo ou alguma coisa boa que agora
parece pertencer ao passado e nos disse: “É verdade”.
Neste capítulo, falaremos de gente como Neil Ferreira. Analisaremos as
pessoas que, de um modo ou de outro, parecem ter tido alguma influência na
construção da personalidade e da identidade de Washington Olivetto, levando-
o a ser o grande publicitário e redator que é hoje, pois, como se sabe, a
construção da identidade é a construção do significado da própria existência
da pessoa.
E o mais interessante, pelo que começamos a perceber agora, é que
essas pessoas não só parecem ter sido muitas, como também das mais
distintas áreas do saber. Todas elas, de um modo ou de outro, contribuíram no
exercício contínuo da construção da identidade daquele que é o motivo da
nossa pesquisa.
Então, o que buscaremos fazer a partir de agora é nos aprofundar na
explicação de como se dá tal processo de identificação nas pessoas e como e
por que ele aconteceu com Washington Olivetto, em relação a pessoas como
Neil Ferreira.
Maria da Graça Craidy (Craidy, 2007, p. 186) nos dá uma nova e
importante pista sobre esse processo de identificação, ao citar a receita de
Neil Ferreira para o sucesso em propaganda. Duas entre as palavras-chave
que o redator mais repete são exatamente as mesmas que Olivetto emprega
com maior frequência em seu discurso: trabalho e disciplina. Na receita que
dá para se obter o sucesso, por exemplo, ele assim escreveu: “O sucesso
sempre depende de disciplina, dedicação e algum talento” (Olivetto, 2011, p.
25).
Numa análise de conteúdo que fizemos com Washington Olivetto, em
que analisamos as mil palavras que o autor repete com maior frequência, e
que será revelada num capítulo posterior deste estudo, Olivetto repete
“trabalho” por incríveis 74 vezes. “Trabalho” nos parece ser uma das
palavras preferidas do universo semântico de Washington Olivetto e,
evidentemente, uma das coisas mais importantes do mundo para ele.80
Numa ordem decrescente, “trabalho” é a sexta palavra que a autor
repete com maior frequência em seu discurso, perdendo apenas para outras
palavras como “texto”, “publicidade”, “anúncio”, “dinheiro” e “escrever”.
Por ora, tracemos uma comparação entre os quesitos necessários para
se obter sucesso em propaganda, de acordo com Neil Ferreira e Washington
Olivetto. Tentemos entender melhor as congruências de pensamento entre
ambos e o possível processo de identidade que parece ligar esses dois
brilhantes redatores.
Vejamos primeiro o que Neil Ferreira diz a respeito de como fazer
sucesso em propaganda: “Você precisa apenas acordar um pouco mais cedo
que os outros e dormir um pouco mais tarde... e trabalhar doze, treze horas
por dia”.
E aqui se faz necessário um adendo: embora muitos não saibam, assim
como David Ogilvy, durante um longo período de sua vida, Neil também teve
dois empregos diferentes: quando o pai morreu, precisou sustentar a si próprio
e a mãe. Então trabalhava das oito da manhã às dezoito horas em propaganda
e das dezenove à meia-noite na redação do Jornal do Brasil, em São Paulo.
Quem sai de um trabalho à meia-noite para entrar no outro às oito da
manhã do dia seguinte merece mesmo ser admirado, não é verdade?

O trabalho compulsivo, a leitura, a busca pela perfeição e outros fatores da


construção da identidade entre os autores

Neil Ferreira teve muitos empregos e trabalhou muito a vida inteira.


Trabalhou na revista O Cruzeiro, no Diário da Noite e para a Folha de S.
Paulo. Foi redator, copydesk, revisor e repórter. E, escrevendo muito, acabou
aprendendo a escrever bem.
Ele programou-se para ser um grande criador de anúncios: “Quando eu
comecei a trabalhar em propaganda, havia três redatores supercobras. Eu
olhei para a minha maquininha e pensei: ‘Em dois anos eu vou construir o
quarto grande redator de propaganda’” (Craidy, 2007, p. 186).
Já Washington Olivetto, que também sempre trabalhou muito, e aqui é
evidente que há uma nova identificação de valores e objetivos de vida entre
os dois, parece optar por um outro verbo: o adestrar: “Tenho consciência de
que a única coisa que escrevo bem é a propaganda. Não é uma questão de
talento. É uma questão de treino. Eu me adestrei para isso desde os dezenove
anos de idade” (Olivetto, 2004, p. 9).
Assim como Neil Ferreira, Olivetto também dorme pouco e trabalha
muito. Quando não está em sua sala escrevendo ou em reuniões, está
cuidando de um discurso, de uma palestra ou de uma apresentação de
campanha.
Como ele costuma dizer, desde cedo, andou sempre muito ocupado
trabalhando muito: “Eu sempre dormi pouco, coisa que herdei de minha mãe
(...) Durmo umas cinco ou seis horas por dia (...). Desde os dezoito anos de
idade estou atrás de uma coisa que escreve (...) Não encontrei tempo para
grandes deslumbramentos” (Olivetto, 2011, p. 97-123; 141).
Quando perguntamos a ele quantas vezes refazia um mesmo texto,
respondeu objetivamente: “Ah, muitas”.
Para se ter uma ideia do quanto esse moço trabalha, relatamos a seguir
um fato ocorrido que despertou a nossa atenção para isso: no dia de seu
aniversário, em 2010, quando começamos a conversar sobre este livro,
enviamos um e-mail para ele, felicitando-o pela data. Acreditávamos que
Olivetto estivesse fazendo o que a maioria de nós gostaria de fazer no dia de
seu aniversário: comemorando com a família, passeando ou simplesmente
descansando.
Ledo engano. Sabe onde estava Washington Olivetto, já às dez da manhã
do dia 29 de setembro de 2010? Na Paraíba, numa reunião de trabalho com o
pessoal da General Motors.
Como sabemos disso? Pelo e-mail que ele nos retornou, agradecendo.
Nele estava escrito no rodapé da mensagem: “E-mail enviado de um
BlackBerry. João Pessoa, Paraíba”.
Stalimir Vieira, que é um outro brilhante redator e que trabalhou com os
dois na DPZ, nos anos 1970, por um longo período, parece ter encontrado
também algo em comum entre ambos, além do trabalho: uma constante
preocupação com a cultura.
A diferença que existe entre os dois, no que diz respeito ao uso da
cultura, Stalimir assim definiu: Neil optou pela mais erudita, enquanto Olivetto
optou pela cultura popular.
Sua preocupação em divulgar nossa cultura popular, nosso folclore e as
artes em geral vai muito além dos anúncios e filmes que faz para as revistas,
os jornais e a televisão. Certa feita, quando lhe perguntamos até onde ia essa
preocupação, Washington Olivetto assim nos respondeu: “Realmente
patrocinamos algumas coisas, como os filmes do Ugo Giorgetti a partir do
Boleiros. E produzimos discos como o Slow Motion Bossa-Nova”.81
É bom lembrar ainda que, quando se trata de identidade, não há apenas
identificações de pensamento, mas também divergências. Lembre-se de que
Washington Olivetto costuma dizer que levar trabalho para casa é sinal de
incompetência, mas quando o lembramos de que David Ogilvy, que ele
admira, só trabalhava em casa – escrevia cerca de 150 memorandos (Ogilvy,
1998, p. 91), cartas e anúncios nos fins de semana, começando a trabalhar
bem cedo, por volta ainda das cinco ou seis da manhã –, Olivetto, que
também acorda bem cedo, sorriu. E quando lembramos que ele próprio criou
o comercial dos bombons Garoto (Sonhos) durante um jantar em Nova York,
Olivetto saiu-se com um ligeiro sorriso e um monossilábico: “é”! 82
E se Washington Olivetto dorme pouco e trabalha muito, como o faziam
Neil Ferreira e David Ogilvy, lembre-se de que Nizan Guanaes faz o mesmo
e, assim como aquele a quem ele não cansa de dizer que admira, David
Ogilvy, só escreve a mão.
Numa entrevista que concedeu ao Multishow em 2007, Nizan Guanaes,
já famoso e vitorioso, viria a explicitar uma das mais belas declarações de
admiração por Washington Olivetto de que se tem notícia. Quando perguntado
pela entrevistadora sobre quem era o maior publicitário brasileiro, se existia
algum Pelé na propaganda brasileira, Nizan respondeu sem titubear:
“Washington Olivetto. É o maior publicitário de todos os tempos. Ninguém se
compara ao Washington Olivetto”.
Que outras semelhanças de pensamentos, que outras afinidades entre
esses senhores poderemos encontrar, se procurarmos mais atentamente?
Aliás, o que leva uma pessoa a querer ser como outra? O que leva um
profissional não só a admirar outro profissional que tenha surgido antes dele,
mas também a querer ser parecido com ele, a agir, se vestir, falar, escrever
e ser bem-sucedido como ele? Ou, em alguns casos, desejar até mesmo ser o
oposto desse alguém?
Lembre-se de que Edgar Morin, falando sobre a identificação, já
dissera: o homem das sociedades ocidentais busca cada vez mais o bem-
estar, o amor e a felicidade e “a cultura de massa fornece os mitos
condutores dessas aspirações” (Morin, 1984, p. 90).
E aqui os exemplos, como sempre, também são bem-vindos para
ilustrar nosso raciocínio. Vejamos um deles.
Certa feita, um redator, que estava ainda começando na carreira e viria
a ser mais tarde um dos mais prestigiados publicitários de todos os tempos, ao
encontrar-se pela primeira vez com Washington Olivetto, fez questão de ir até
ele só para cumprimentá-lo. A história é contada por esse próprio publicitário,
hoje muito famoso, e está registrada no livro Na toca dos leões (Morais, 2005,
p. 215).
Vejamos o que esse publicitário disse: “Eu era um jovem redator de
publicidade de Salvador... Um dia estou lá, dançando, quando vejo ele, ali na
minha frente. Fui lá, como até hoje fazem centenas de jovens fãs dele, e
disse que era um imenso prazer conhecê-lo de perto, que eu amava as coisas
que ele fazia na DPZ”.
Esse publicitário, como dissemos, na época um simples iniciante, que
havia vindo da Bahia a São Paulo para tentar a sorte, morava de favor na
casa de uma amiga, Célia Muy laert, segundo Fernando Morais, e “passava os
dias visitando as agências, com uma pasta nas mãos, atrás de emprego” era o
hoje todo-poderoso e reverenciado Nizan Guanaes – chairman do Grupo
ABC, holding que reúne, entre outras, três das maiores agências de
propaganda do país: a MPM, a África e a DM9, e que é o nono maior grupo
de comunicação e marketing de todo o mundo. São dezesseis empresas ao
todo, com uma receita próxima à casa do um bilhão de dólares (Morais,
2005, p. 214-215; O Globo, 3/8/2010).
Chico Abréia, no entanto, explica que não foi bem assim que tudo
aconteceu. Quando veio da Bahia, ainda no final dos anos 1970, por volta de
1979 ou 1980 – os dois tinham se conhecido na DM9 –, Nizan foi morar com
ele no Rio de Janeiro, em sua casa, na Tijuca – depois se mudariam para a
Barra –, onde Nizan durante um ano dividia o quarto com o filho mais velho
de Abréia, Caio.
Eles haviam sido apresentados em Salvador. Naqueles tempos, Nizan era
ainda um estagiário de redação da DM9, que nos anos 1980 era de Duda
Mendonça. Mais tarde, quando saiu da DM9, ele foi escrever textos para uma
rádio. Foi de lá, uns dois anos depois, da rádio em que ainda trabalhava, que
Nizan ligou para Chico Abréia perguntando se ele conhecia alguma agência
no Rio que estivesse precisando de um redator.
Chico, que já tinha visto alguns trabalhos do jovem Nizan e acreditava
que aquele rapaz ainda seria um grande nome da propaganda, tinha até
assistido a algumas palestras dele – Nizan Guanaes já era um bom orador
naqueles tempos –, e falou na hora: então você vem trabalhar comigo na
Artplan.
A relação dos dois, aliás, era tão boa que a primeira gravação de um
comercial que Nizan acompanhou foi a de um trabalho feito por Abréia, lá
mesmo na Bahia, para uma empresa de cacau. Chico ainda brincou com
Nizan porque a gravação foi à noite e ele, que havia trabalhado o dia todo,
dormiu a gravação inteira.
O passo seguinte foi convencer Dona Esmeralda, a mãe de Nizan, a
deixar o rapaz vir para o Rio de Janeiro. Chico, que era amigo da família de
longa data, teve de insistir. Então, Dona Esmeralda categoricamente colocou
uma única condição: “Só se for para ficar contigo”. E foi assim que Nizan
Guanaes foi morar durante um período com Chico Abréia.83
Na época, Abréia era RTVC da Artplan. Quando foi convidado para ser
diretor de criação de uma outra agência e saiu da Artplan, Chico levou com
ele outras três ou quatro pessoas para trabalhar na Flory, que era do
empresário Jorge Abelardo, um dos filhos de Abelardo Barbosa, o Chacrinha.
Uma dessas pessoas, evidentemente, era Nizan Guanaes.
Mas passados apenas dez dias, Roberto Medina o encontrou num avião
da ponte aérea Rio-São Paulo e, após uma breve e amigável conversa, o
convidou para voltar à Artplan, agora como diretor de criação da agência. E
Nizan voltou com ele mais uma vez.
Foi lá na Artplan, que na época era ainda na Lagoa, na Fonte da
Saudade, que Nizan criou a célebre série de comerciais para a Caixa
Econômica Federal, com o então pouco conhecido ator Luiz Fernando
Guimarães, campanha esta que seria eleita pela ABP como a melhor
campanha de 1983 e viraria, mais tarde, um dos cults da propaganda
brasileira.
Quem não se lembra da campanha da Caixa Econômica Federal em
que o ator Luiz Fernando Guimarães, pousando de garoto-propaganda da
Caixa, na calçada, como se fosse um repórter, de microfone na mão e tendo
ao fundo a bela vista da praia de Santos anuncia: “Em Santos a caderneta da
Caixa Econômica Federal, a maior do país, também está presente com sua
renda mensal e sua segurança sem limite. Aqui, todo mundo, mas todo
mundo mesmo, tem caderneta da Caixa Econômica Federal. Quer ver?
Vamos chamar uma pessoa aqui”.
Então o ator olha para um lado, olha para o outro e vê um cidadão
passando. É uma moça. Simpaticíssima, segundo Luiz Fernando. Dessas que
fazem jogging na praia, nos fins de semana.
Luiz Fernando Guimarães a chama e pergunta, orgulhoso: “A senhora
tem caderneta da Caixa Econômica Federal, não tem?” e, para sua surpresa,
a mulher responde: “Não”.
Enquanto a mulher vai embora, Luiz Fernando Guimarães sorri muito
sem jeito para a câmera. Que mancada. E encerra, tentando justificar: “Ela
não é daqui!”
Esse é apenas um dos quarenta filmes engraçadíssimos que Guanaes,
que na época fazia dupla com o diretor de arte Falcon, criou com Chico
Abréia para a Caixa Econômica Federal. E que você, graças às novas
tecnologias da comunicação, pode conferir agora, se acessar o YouTube.
Sejamos razoáveis: que agência de propaganda não se interessaria por
um redator que tem quarenta filmes desse tipo no seu portfólio?
É bem verdade que foi lá também, na Artplan, que Nizan fez outros
grandes trabalhos, como a campanha da cerveja Malt 90 e a polêmica
propaganda para os móveis Gelli, que tinha como garota-propaganda a então
também desconhecida atriz e modelo Roberta Close – o slogan era “Parece
mas não é”. Mas isso é uma outra história, que vamos contar mais adiante.
É Chico Abréia quem fala aqui: “Era para ser apenas um comercial.
Mas o filme fez tanto sucesso que foi crescendo e, no final, eram quarenta
comerciais. Uma loucura. Muitas vezes, eu estava em Teresópolis ou
Friburgo, gravando cenas de um comercial com o Luiz Fernando e a equipe
de gravação, e recebia do próprio Nizan, pelo telefone, o roteiro de um novo
filme para a Caixa de Petrópolis ou Niterói, que também queriam veicular a
sua mensagem na TV. Nessa altura, todas as agências da Caixa queriam ter
também a sua propaganda no ar. Foi a partir dali, eu acho, que a Caixa
Econômica Federal ganhou uma imagem mais simpática e popular, passou a
ser mais desejada pelo consumidor. A campanha da Caixa, criação do Nizan,
com direção de comerciais minha, ganhou todos os prêmios que se possa
imaginar. E projetou definitivamente, tanto o Nizan quanto a própria Artplan e
a mim mesmo no mercado publicitário”.
Nas conversas que mantivemos com Chico Abréia em 29 e 30 de
janeiro e em 5, 8, 9, 10 e 13 de fevereiro de 2012, Abréia nos revelou que,
com o sucesso da campanha da Caixa, da Artplan, Nizan foi direto para São
Paulo a convite de Washington Olivetto trabalhar na então W/GGK e, pouco
depois, como todos sabem, acabou abrindo sua própria agência, ou a primeira
delas, a DM9.
Para o lugar de Nizan, Abréia convidou um então jovem e brilhante
redator em ascensão, que o ajudou a ganhar inúmeros outros prêmios e
contas para a Artplan de Roberto Medina e, mais tarde, viria a ser sócio da
F/Nazca, Fábio Fernandes.
Como dissemos no início deste trabalho, o destino, a sorte, o acaso.
Lembrando Descartes mais uma vez, perguntamo-nos: é o destino que faz o
homem prudente ou é o homem prudente que faz seu próprio destino?
Nizan Guanaes, o jovem e então desconhecido redator que fizera
questão de cumprimentar Washington Olivetto numa boate, era agora
conhecido no Brasil inteiro. E, com apenas 28 anos de idade, um dos maiores
salários da propaganda também.
Sobre esse assunto, encontramos na revista Playboy número 135, de
outubro de 1986, p. 194, na coluna “Sucesso – Dicas de gente que chegou lá”,
uma matéria que dizia: “No dia de sua saída da DPZ, Washington Olivetto
anunciou o nome do primeiro colega que levaria consigo para a nova
agência, a W/GGK – era Nizan Guanaes, um publicitário baiano de 28 anos,
que há oito começou como redator da agência DM9, de Salvador (...)”.
Na cultura de massa, a vida não é apenas mais intensa, violenta e rica
em oportunidades. Ela é outra. E pode ser muito melhor para quem ousa e
não tem medo de se arriscar. Dentro desse contexto, Nizan é o espectador que
ganhou asas e virou semideus também. Lenda viva que vive hoje no Olimpo,
em algum lugar entre São Paulo e Nova York, e em quem milhares de jovens
hoje se inspiram: “quero ser Nizan Guanaes quando crescer”.
Projeção e identificação não se distribuem de modo racionalizado,
como acontece com os adultos (Morin, 1984, p. 117).
O destino ajuda quem cedo madruga e tem coragem para tentar mudar
o rumo de sua vida, não é, caro Nizan? Como você mesmo já disse, em
publicidade, dinheiro não traz felicidade. A felicidade é que traz o dinheiro.
E já que estamos falando de identidade, uma outra curiosidade: no
prefácio de Criação sem pistolão (2003), o livro que escreveu para Carlos
Domingos, Nizan Guanaes, elogiando o autor, declara seu amor à publicidade
e, buscando explicar o que é necessário para se obter sucesso em
propaganda, assim define o que pensa sobre Olivetto e a sua profissão:
“Publicidade é batente, trabalho duro. Repetição. É uma profissão estressante.
Na qual só alguns ganham excepcionalmente bem. E todos ganham tiques,
cabelos brancos, pontes de safena, quando não são sequestrados. Entretanto, é
uma bela profissão. (...) A publicidade constrói marcas, gera empregos (...).
Agora o segredo mesmo, depois de ler este livro, é praticar o que você leu.
Aos sábados, domingos e feriados. E, sobretudo, amar essa profissão, que
Petit, Washington Olivetto e Júlio Ribeiro tornaram tão respeitada”.
A morte e o início de carreira parecem ser duas das coisas mais
democráticas neste mundo: a primeira, cedo ou tarde, vem para todos, e a
segunda não distingue idade, sexo ou classe social: é igualmente difícil para
qualquer um.
E mesmo para eles, que hoje são semideuses, não haveria de ser
diferente.
Note que, assim como Washington Olivetto mostrou sua pasta para Neil
Ferreira, para Luís Bueno d’Horta (da Standard), para Sérgio Graciotti (da
Lince) e muitos outros, Nizan Guanaes também foi à Talent, à Fischer e a
muitas outras agências fazer o mesmo.
Só não procurou Washington para mostrar-lhe seus primeiros trabalhos
porque, segundo suas próprias palavras, “não se bate na porta da Seleção
Brasileira pedindo para jogar” (Morais, 2005, p. 215).
Aliás, o que deve pensar hoje o diretor de criação de uma dessas
agências que um dia viu a pasta de trabalhos de alguém como o Nizan, é bem
verdade ainda começando, mas não lhe deu a atenção merecida, não deu a
oportunidade que ele tanto procurava, não lhe deu a primeira chance, não o
contratou e, por consequência, não é hoje seu sócio e, provavelmente, nem
tão bem-sucedido quanto poderia ter sido, se abrisse as portas para aquele
rapaz que pedia apenas uma chance?
Dizem que um cantor, que depois ficaria muito famoso no mundo
inteiro, quando foi procurar também uma oportunidade, foi rejeitado por um
empresário que interrompeu sua apresentação aos berros:
– O que você fazia antes de cantar? – teria ele perguntado.
– Eu era motorista de caminhão – teria respondido o rapaz.
A conclusão do diálogo foi o empresário recomendando que o
pretendente a cantor voltasse à estrada, pois, para ele, o rapaz cantava mal e
se mexia muito (rebolava).
Esse cantor era Elvis Presley. E a história realmente aconteceu.
Arrependido, o empresário que havia lhe negado a primeira oportunidade
procurou por Elvis, mais tarde, inúmeras vezes, tentando contratá-lo para
shows, mas ouviu sempre a mesma resposta: para você, não.
As histórias de admiração e identidade são muitas e todo mundo
conhece pelo menos uma delas. O próprio Elvis começou imitando Little
Richard. Roberto Carlos admirava Little Richard, Elvis, Bob Nelson e João
Gilberto; Chico Any sio queria ser Ary Leite; John Lennon queria ser Elvis
Presley ; há quem veja em Lady Gaga muito de Madonna e Cy ndi Lauper, e
os Beatles disseram que Bob Dy lan lhes mostrara o caminho.
O Led Zeppelin, uma das bandas de maior sucesso de toda a história –
mais de trezentos milhões de discos vendidos –, originalmente se chamava
New Yardbirds, em homenagem a uma outra banda de sucesso, da qual
haviam saído Eric Clapton e Jeff Beck, e o Black Sabbath, em sua formação
original, mas já com Ozzy Osbourne, acredite, tocava no início covers de
Jimi Hendrix, do Cream e dos Beatles.
Fernanda Takai também começou fazendo cover de Nara Leão e repete,
para quem quiser ouvir, que continua admirando e reverenciando Nara como
no início e quem tem o privilégio de ouvi-la cantar Insensatez, de Tom e
Vinicius, diz: não para.
Ainda hoje há quem afirme que Tony Bennett canta parecido com Frank
Sinatra e que Michael Boblé, por sua vez, se parece muito com os dois ao
cantar.
Quem é que ainda não viu um pouco de Arthur Conan Doy le nas
histórias de suspense de Agatha Christie ou vice-versa? – muito embora
Conan Doy le tenha vindo primeiro. E quem é que ainda não viu um filme de
Brian De Palma sem dizer no final: mas lembra muito Hitchcock!
Lula e Fernando Henrique Cardoso, que eram amigos desde os tempos
em que lutavam juntos contra a ditadura, andaram se estranhando por causa
de votos – foram adversários em duas eleições. Mas, nas horas difíceis, estão
sempre juntos, como sempre estiveram nos tempos da ditadura. Como bem
define Caetano Veloso, “os dois são filhos da mesma rua, onde estudantes
enfrentavam a polícia, potegidos pelos intelectuais e trabalhadores”.84
Num comercial que Washington Olivetto fez para os bombons Garoto,
há uma cena em que um menino, extasiado, observa pelo binóculo uma
mulher mais velha tirando a roupa, que é uma linda e inspirada referência ao
filme A era do rádio, de Woody Allen, a quem Olivetto admira e reconhece
como um de seus mentores intelectuais. O próprio personagem Garoto
Bombril, uma de suas maiores criações ao lado de Francesc Petit, também é
uma referência ao humorista americano, como o próprio Olivetto reconhece.
Não é só o humor que habita o cérebro de um dos mais brilhantes
redatores da publicidade brasileira contemporânea.
Mas é bem verdade também que Olivetto foi um dos primeiros a criar
comerciais bem-humorados no Brasil – isso ainda em meados dos anos 1960,
quando todos ou quase todos diziam que o humor na publicidade não
funcionava e que depois dele, só depois dele, é que muitos outros redatores
começaram a fazer o mesmo e passaram a criar comerciais engraçados e
irreverentes para a TV e o cinema, como ele já fazia havia muito.
Bem depois de Washington Olivetto ter dado a cara a tapa à crítica, que,
muitas vezes, sem perceber a importância daquelas suas experimentações
retóricas para o processo persuasivo e de vendas, o repreendia, dizendo: quer
aparecer mais que o produto!
E isso não era verdade. Olivetto estava, isso sim, construindo o
significado da sua existência, construindo a sua identidade. Como já foi dito
por Hannah Arendt, se os homens não fossem tantos e, ao mesmo tempo, tão
iguais, não haveria a possibilidade de compreensão entre eles. Certos
princípios básicos não vão mudar nunca, afirmara Rosser Reeves: estamos
sempre aprendendo uns com os outros.
Ele era discípulo de Claude Hopkins e havia aprendido muito com ele. E
Ogilvy, que aprendera com Reeves e vivia citando Rubicam, Burnett,
Bernbach e muitos outros grandes redatores, fora discípulo de Hopkins
também (Higgins & McGraw-Hill, 2003, p. 109), com quem havia aprendido
o mesmo.
Identidades representam vínculos que temos com lugares, crenças,
tradições, símbolos, histórias, momentos e pessoas. Grosso modo, nós nos
identificamos com alguém que gosta dos mesmos livros que lemos, dos
mesmos filmes que vemos, dos mesmos atores de que gostamos, das mesmas
roupas que usamos, dos mesmos lugares que frequentamos, enfim, das
mesmas pessoas.
Tudo isso também é ser igual, identificação, identidade.
A identificação une as pessoas e, às vezes, também separa: já notou
como num estádio de futebol, por exemplo, a torcida de um time fica de um
lado e a do outro time fica do outro?
A palavra nação, que tem o sentido moderno de estado nação, vem de
comunidade local, um domicílio, uma condição de pertencimento (Hall,
2002, p. 58). Pertencer a uma nação é ter um vínculo com uma localidade,
com um domicílio comum, no caso, um país.
Os habitantes de um país se identificam, entre outras razões, porque têm
um vínculo comum, pertencem todos àquela mesma localidade.
Nizan, todos sabem, escreve a mão. Faz anúncios – maravilhosos –,
memorandos e até folhetos, tudo escrito a mão. Não escreve nada em
máquina de escrever nem em computador. E faz questão de dizer isso
também para quem quiser ouvir: “Não consigo escrever no computador” –
como aquele que sempre admirou e faz questão de dizer que continua
admirando David Ogilvy.
E olha que Nizan ainda hoje escreve muitos textos também. Quando
conversamos com André Pedroso, diretor de criação da DM9/DDB de São
Paulo, buscando confirmar dados e declarações que havíamos escrito sobre
ele neste trabalho, Pedroso assim o definiu: “Nizan é uma máquina. Um cara
fora do comum. Vou tentar falar com ele”. 85
Aprendemos uns com os outros e reproduzimos tal conhecimento,
posteriormente para terceiros, que, por sua vez ensinam tais conhecimentos a
outros, todos sabem disso.
A questão da identidade é muito complexa. O próprio conceito de
identidade é complexo demais. Não é prudente tecer afirmações conclusivas
ou tentar fazer julgamentos definitivos sobre as inúmeras teorias que existem
sobre essa questão. Elas são muitas e, sob alguns aspectos, extremamente
divergentes.
Mas alguns desses teóricos, no entanto, nos dizem que “as identidades
modernas estão entrando em colapso” (Hall, 2002, p. 9). Que as sociedades
modernas do final do século XX estão passando por grandes e importantes
mudanças estruturais, que estão fragmentando as nossas paisagens culturais
de classe, gênero, sexualidade, etnia e nacionalidade, que no passado eram
sólidas e estáveis.
O homem, até o final do século XIX, tinha uma identidade unificada,
estável. Essa identidade única, tudo indica, está se transformando em várias
identidades, algumas vezes contraditórias ou, como diria Stuart Hall, “não
resolvidas”.
Para o pensador jamaicano, o sujeito da pós-modernidade possui uma
identidade que não é fixa ou permanente. Assumimos identidades diferentes
em momentos diferentes de nossas vidas, pois essas identidades não são
unificadas ao redor de um “eu” único ou coerente. O “eu” centrado,
unificado, universal, idêntico e imutável que o Iluminismo acreditava existir,
muitas vezes, parece mais uma multidão de “eus”.
“O próprio processo de identificação, pelo qual nos projetamos em
nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e
problemático” (idem, p. 12).
Dentro de nós há várias identidades contraditórias que, dependendo do
momento ou da situação, parecem nos empurrar para direções diferentes.
Queremos ser muitos, queremos ser o que ainda não somos, queremos ser
nós mesmos e, muitas vezes, queremos ser outros.
Afinal, o que queremos?
“Gostaria de propor uma ideia: até que você possa encontrar uma
solução melhor, você deve copiar. (...) Eu também comecei copiando (...).
Depois, comecei a dar o meu recado”. A frase e o conselho acima não são
nossos, mas de David Ogilvy (1985, p. 94) e merecem ser discutidos.
Ele, que havia lido todos os livros sobre publicidade e, antes de fundar
sua própria agência na América, havia trabalhado na Mather & Crowther,
em Londres, recebia um serviço de recortes de publicações vindo de Chicago
que continha todas as novas campanhas publicitárias lançadas nos Estados
Unidos, de onde tirava algumas novas ideias para as suas novas campanhas:
“Eu copiava as melhores, nos mínimos detalhes, para meus clientes ingleses”
(Ogilvy, 1998, p. 42).
“Por que você não faz o mesmo, enquanto não tem suas próprias
ideias?” – ele parece nos sugerir.
O que Ogilvy parece querer nos dizer não é que devemos nos
transformar em plagiadores de ideias. Pelo contrário, Ogilvy condenava
abertamente o plágio: a publicidade, para ele, era um negócio de ideias e
palavras originais.
Por outro lado, nada impede que você se inspire em alguém e tente ser
igual ou ainda melhor. Se pararmos para pensar um pouco, vamos notar que
grande parte dos ídolos de hoje foram simples admiradores dos ídolos de
ontem.
O que Ogilvy parece querer nos dizer é que, quando se está iniciando,
não são muitos os que têm grandes ideias originais, e o mais comum então é
termos alguém como inspiração, um ídolo, um espelho no qual nos vemos e
nos refletimos: quero ser assim.
O próprio Washington Olivetto já disse mais de uma vez: “A inveja na
publicidade é algo saudável”. Ele, aliás, foi mais longe ainda ao afirmar:
“Morro de inveja de trabalhos feitos por colegas (...). Um anúncio que eu
adoro, por exemplo, foi criado por um amigo, o americano Ed McCabe, para
a Volvo (...) virou um clássico: ‘A Volvo descobriu: no vidro de trás também
chove’ (...). Também invejo as antigas campanhas da Antarctica feitas pela
Alcântara Machado, com o tema ‘Nós viemos aqui para beber ou para
conversar?’. Não dá para esquecer também o ‘Não é nenhuma Brastemp’,
campanha da Talent” (Olivetto, 2011, p. 77-80). (Ver caderno de imagens,
foto 18).
A receita de sucesso segundo Olivetto não envolve apenas talento, mas
também muita dedicação, disciplina, sorte e observação. Sua geração deve, e
muito, a alguns precursores da profissão, como o trio DPZ, ou seja, Roberto
Dualibi, Francesc Petit e José Zaragoza, além de outros, como o Júlio Ribeiro
(idem, p. 25).
Por que então não fazer o mesmo e tentar ser como esse nosso ídolo?
Se não existisse Newton, provavelmente não teríamos Einstein; se não
fosse Aristóteles, provavelmente não teríamos Darwin; se não existisse Santos
Dumont, muito provavelmente não teria existido Neil Armstrong.
Até mesmo os semideuses, de vez em quando, reverenciam outros
semideuses, que vieram antes deles e os influenciaram, como Beethoven,
que, sobre Handel, disse um vez: “Handel is the greatest composer who ever
lived”.
A história da humanidade é repleta de coincidências, questionamentos,
experimentações, contradições e avanços científicos capazes de deixar até os
deuses se perguntando: como eles conseguiram isso?
Não esqueça que os primeiros a fabricar um avião foram dois irmãos
que tinham os pés no chão, mas a mente na lua, e fabricavam simples
bicicletas. Você viajaria hoje num avião se soubesse que foi construído por
alguém que até pouco tempo atrás construía, na verdade, simples bicicletas?
Não se esqueça que foi observando as pirâmides do Antigo Egito que os
gregos aprenderam a trabalhar com pedras e que tinham orgulho de dizer:
aprendemos com eles.86
A identidade unificada, coerente e completa é uma utopia. Nossa
identidade está sempre sendo construída, nunca está completa. Nunca está
plenamente resolvida. Somos, na realidade, uma multiplicidade enorme de
identidades, com as quais, ao menos na teoria, podemos nos identificar
momentaneamente.
Ora somos ou queremos ser um, ora somos – ou queremos – ser outro.
Como diz o próprio Washington Olivetto, “na propaganda brasileira não
existe quem não foi cria do Ercílio [Tranjan], ajudado pelo Ercílio ou
influenciado pelo Ercílio. Um cara que só criou uma coisa em maior
quantidade do que bons publicitários: boa publicidade” (27º Anuário do CCSP,
2002).
Quem não pensou em ser Ercílio Tranjan um dia?
Tom Jobim, que admirava Ary Barroso, Chopin e Rachmaninoff e,
segundo Roberto Menescal, foi o grande arranjador da bossa-nova, uma vez
ligou para ele e disse: “Preciso falar com você”.
Ao perguntar se era urgente, ouviu o maestro dizer do outro lado da
linha: “É que eu fiz uma música sua, queria que você fosse o primeiro a
ouvir”.87 A identificação não se dá apenas na publicidade, obviamente, e em
vários outros ramos das artes temos sempre um caso para lembrar.
Carlos Ly ra, por exemplo, já confessou que escreveu Lobo bobo, um de
seus maiores sucessos, inspirado no tema de O gordo e o magro, heróis de sua
infância – já notou como os acordes são realmente semelhantes?
No início dos anos 1960, quando era ainda relativamente desconhecido,
Edu Lobo – que havia sido aluno de Roberto Menescal – recebeu um
telefonema de Olívia Hime. Ela avisava que Vinicius de Moraes estaria em
sua casa, em Petrópolis, no fim de semana. “Você não quer vir?”, perguntou
Olívia para o Edu Lobo. É claro que ele queria. Naquela noite, conta o próprio
Edu Lobo, surgiu uma oportunidade, e ele tocou algumas músicas para os
presentes.
Vinicius se aproximou e perguntou: “Você não tem nenhuma, de
preferência um sambinha, ainda sem letra?”
“Eu toquei então uma música e Vinicius ouviu atento. Naquele mesmo
dia ele voltou com a letra de ‘Só me fez bem’. No dia seguinte, eu acordei
parceiro de Vinicius de Moraes”.88
E quem é que nunca ouviu alguém dizer que Vinicius era o máximo e
“todo o mundo queria ser Vinicius quando crescesse” e que Tom Jobim, no
início da carreira, ao ligar para as pessoas, muitas vezes teve que dizer: “É o
Tom do Vinicius”, senão não o reconheciam e não o atendiam, ou que “a
bossa-nova tira alguns acordes do jazz” e, assim, não é por acaso que os
americanos a chamam de New Brazillian Jazz?89
Foi após ver o show dos Beatles no Ed Sullivan Show, em 1964, que um
outro cabeludo, Davy Jones, reuniu mais outros três cabeludos que tocavam
um instrumento e formou uma das bandas de maior sucesso da história da
música recente: o The Monkees, com mais de 65 milhões de discos vendidos
e que lembrava muito os próprios Beatles: “I thought I want to do that. I want
all those girls screaming for me”.90
O problema com as grandes descobertas, lembra o professor Menna
Barreto, é que toda vez que a ciência faz uma delas, enquanto os anjos se
reúnem para discutir a maneira mais adequada de usá-la, o diabo aproveita
tal indefinição para se apoderar dela” (Barreto, 1981, p. 152).

Quando Juvenal, o primeiro chefe de Washington Olivetto, o aconselhou


a procurar uma agência maior, onde teria chances de desenvolver melhor
seu trabalho, o indicou para Neil Ferreira, Ercílio Tranjan, Hans Dammann,
Sérgio Graciotti, Alex Periscinoto e Júlio Ribeiro (Morais, 2005, p. 64).
Qual é o publicitário que não pensou um dia em ser Neil Ferreira, Ercílio
Tranjan, Hans Dammann, Sérgio Graciotti, Alex Periscinoto ou Júlio Ribeiro?
O primeiro Leão que ganhou em Cannes tinha direção de criação de
Graciotti: “Graciotti era o mais respeitado criador de comerciais de TV
daqueles tempos. Quando cheguei junto a ele com o roteiro da Deca, tinha
uma cachoeira ao fundo, um rio e o mar. O Gracciotti pegou o papel das
minhas mãos, leu e disse: ‘Tira essas coisas todas. Deixa só o pingão caindo. E
depois sendo chupado para dentro da torneira’”.91
Quando ouviu falar de novo do filme, tomou um susto: havia ganhado o
Leão de Bronze de 1971. O primeiro de sua vida.
O primeiro Graciotti, ele viria ainda um dia a perceber, a gente nunca
esquece.
Washington Olivetto, que costuma repetir que é melhor ser coautor de
coisas brilhantes que o autor solitário de coisas medíocres, confessa em O que
a vida me ensinou que uma pessoa que sempre admirou, mas nunca
conheceu, foi o ator Marcello Mastroianni.
Numa entrevista com o Roberto D’Ávila, certa vez o ator afirmou:
“Deveríamos ter direito a duas vidas. Uma para ensaiar e a outra para
representar”.
Ídolos, diz Olivetto, são também resultado de um contexto.
Nelson Motta, que também conhece muitas histórias maravilhosas de
identidade, lembra que, no início dos Stones, Mick Jagger, ao ver alguém que
ele admirava entrar numa festa onde se encontrava, teria dito: “Viu quem
chegou? É John Lennon”.
Confira os vídeos postados no YouTube em que Lennon e Jagger
aparecem juntos e depois responda: você ainda duvida que houvesse mais
que uma grande admiração mútua entre os dois?
Quantos de nós já não fizeram o mesmo e fariam de novo, se tivessem a
oportunidade de se encontrar com aquele que tanto admira?
O jogador de futebol que está começando hoje quer ser Pelé, Ney mar,
Messi ou Cristiano Ronaldo. O empresário quer ser Bill Gates, Larry Page,
Sergey Brin, Steve Jobs ou Eike Batista. O publicitário quer ser Washington
Olivetto, Ed McCabe, Nizan Guanaes, John Webster ou Neil Ferreira.
Chico Any sio, um dos mestres na arte de fazer rir, admirado por
Olivetto, confessou certa vez que um dos humoristas que fizeram sua cabeça
foi Zé Vasconcelos: “Eu o conhecia da Rua Alice, do Cosme Velho. Fui criado
ali em Laranjeiras, Catete. E ele é meu ídolo até hoje”.92
Em Criação sem pistolão, Carlos Domingos, que também trabalhou com
Washington Olivetto por um longo tempo, ressalta a importância do antigo
mestre: “Em 1986 ocorreu um fato que dividiu a história da propaganda
brasileira em antes e depois: Washington Olivetto, redator responsável por
parte do sucesso da DPZ até então, resolveu deixar a agência e fundar a
própria, a W/GGK. (...) E em 1989, o mais importante redator da W, Nizan
Guanaes, seguiu o exemplo de Washington: resolveu deixar a agência e
lançar a DM9” (Domingos, 2003, p. 122, 124-125).
Brilhante redator, que depois virou também homem de negócios ao
montar sua própria agência, a Age, Domingos passou por outras grandes
empresas de propaganda, como a W/Brasil, a JW Thompson, a MPM Lintas e
a DM9DDB.
Carlos Domingos parece ter muito a nos contar sobre Washington
Olivetto e Nizan Guanaes. Talvez bem mais do que imaginava. Em análise de
conteúdo há uma máxima que diz que a leitura atenta da obra de um autor
pode nos revelar nuances de sua personalidade e de seu trabalho que, às
vezes, ele próprio desconhecia.
Ao realizar um profundo estudo sobre a vida e a obra de Freud, por
exemplo, o historiador e psicanalista Peter Gay nos trouxe novas e
importantes revelações sobre o processo da identidade do pai da psicanálise:
“Desde os primeiros dias – para começar pelas fantasias –, Freud estivera
rodeado de mulheres. Sua jovem mãe, bela e dominante, moldou-o mais do
que ele imaginava” (Gay, 1989, p. 456).
A imitação é uma das artes mais antigas que a humanidade conhece e a
ela devemos o avançado estágio de cultura e civilização em que nos
encontramos.
Nunca devemos nos esquecer que foi graças à vontade de imitar que o
homem das cavernas começou a cantar como os pássaros, a emitir o som dos
outros animais, dos rios, das tempestades e demais fenômenos naturais. E foi
graças a isso também que, mais tarde, ele aprendeu a falar, inventando a
linguagem que lhe possibilitou então o desenvolvimento da arte de se
comunicar.
Em seu livro A técnica da comunicação humana (1969), o professor José
Roberto Whitaker Penteado nos conta que os estudos sobre a origem da
linguagem tiveram início por volta de 1861 quando um antropólogo e médico
francês, Broca, apresentou à Sociedade de Antropologia de Paris estudos
sobre o cérebro de um homem de 51 anos que havia ficado mudo desde os
20.
Inúmeros estudos sucederam aquele até que o homem desenvolveu
finalmente uma teoria sobre a evolução da linguagem. Segundo Penteado
(Penteado, 1969, p. 32), tal evolução se deu de tal forma: inicialmente vieram
os grunhidos vocais reflexos; a seguir, o homem passou à vocalização silábica
(onomatopaica). Vieram então a vocalização socializada (ou simbólica) e a
emissão de sons matizados expressivos e, só então, após essa longa jornada, o
homem finalmente conseguiu expressar palavras compreensíveis e a
dominar a linguagem: “Na evolução do homem, surgiram primeiro os gestos
e depois a palavra (...). Pela Teoria Onomatopaica, as palavras teriam
nascido da imitação dos sons” (idem, p. 33).
Não se sabe ao certo como nem quando surgiu a linguagem, nem por
que razão os chimpanzés não falam, apenas o homem. A linguagem é uma
prerrogativa humana: “A grande maioria das palavras é adquirida por
imitação combinada com a associação entre coisa e palavra” (Russell, 1956,
p. 60).
O teatro ocidental, que tem suas origens nos festivais religiosos gregos
(século VI a.C.) em honra a Dionísio, nos mostra que, no início, os cânticos
eram entoados por um coro, conduzido por um solista (corifeu), e só a partir
do momento em que ele se destaca do coro e avança até a frente do palco é
que surge o primeiro ator, e temos então o registro do início do teatro tal qual
o conhecemos hoje.
Queremos todos ser um ator destacado do coro, ou não queremos?
Grosso modo, identidade cultural são as afinidades que se formam entre
o ator (da TV, do filme ou do comercial) com o espectador, são as
experiências comuns vividas por ambos.
Para Edgar Morin, a identificação suscita um desejo de imitação que
pode determinar mimetismos de detalhes – como a imitação de penteados,
vestimentas e gestos. E pode ainda constituir modelos de cultura e conduta
(Morin, 1984, p. 83).
A dialética da projeção-identificação abre as mais variadas e diferentes
possibilidades ao espectador: um homem que se identifica com o ator de um
filme, por exemplo, pode adotar o mesmo drinque que ele bebe, pode passar
a consumir os mesmos produtos e a se vestir do mesmo modo que o herói.
A=A e A se assemelha a A, já dizia Heidegger (Heidegger, 1984, p.
179). O idêntico, em latim idem, designa-se em grego tó auto, que, traduzido
para a nossa língua, significa “o mesmo”.
Schopenhauer, que serviu de inspiração para Nietzsche e muitos outros
grandes filósofos do nosso tempo, por sua vez, nutria imensa admiração por
Aristóteles.
Adivinha qual é a primeira palavra que ele escreve no primeiro capítulo
daquela que, para muitos, é a sua obra-prima, A arte de bem viver?
Aristóteles.
Quando entrou pela primeira vez, provavelmente trêmulo, na sala de
Ercílio Tranjan, que na época era diretor de criação da Denison, Washington
não precisou citar seu próprio nome: “Não precisa se apresentar, o Juvenal e
o Hans já me falaram de você. Deixa eu ver sua pasta” (Morais, 2005, p. 64).
A essa altura, Neil Ferreira, Ênio Mainardi, Luís Bueno D’Horta, Júlio
Ribeiro, Sergio Graciotti, Alex Periscinoto e alguns outros grandes nomes da
propaganda já tinham ouvido falar do nome daquele rapaz que estava apenas
começando e que, em pouco tempo, com a ajuda de Graciotti, estaria
ganhando o seu primeiro Leão.
Não foi só Neil que o elogiou. Tranjan saiu ligando para os amigos:
“Você tem que ver o trabalho desse garoto. É absolutamente fora de série”
(idem, ibidem).
Quem está acostumado a conversar com Washington Olivetto no dia a
dia talvez não tenha parado para se perguntar, mas já notou como ele
costuma usar a mesma expressão quando fala: estou absolutamente certo de
tal afirmação.
Como muito bem definiu Neil Ferreira, “ninguém é filho de chocadeira
nessa profissão” (Domingos, 2003, p. 206).
Se compreendermos o pensar como a característica do homem, dizia
Heidegger, refletiremos sobre um comum pertencer que se refere ao
homem (1984, p. 182). Ou seja, identidade é se identificar, ser/querer ser
semelhante a alguém. A identidade é importante em nossas vidas porque ela
ajuda a construir sentido para a nossa existência.
Carlos Moreno, ator que interpreta o Garoto Bombril nos comerciais de
Washington Olivetto, parece entender bem a identificação que o consumidor
tem com o seu personagem há mais de quarenta anos: “É uma campanha
muito premiada, tanto no Brasil quanto no exterior. Mas isso se deve não a
mim. Eu pego carona nessa história. O sucesso do personagem, eu creio, se
deve à criação, à produção, enfim, acho que todo mundo é premiado com
isso, inclusive a dona de casa que se diverte e se identifica com o comercial.
Então há muitas campanhas, algumas já muito antigas, que ficam na
memória do público”.
Como que se lembrando das histórias que viveu nas mais de 335
gravações do comercial, o ator completa: “Outra que também foi muito
marcante foi a da dupla Leandro & Leonardo, que tinha a música “Pense em
mim”, que tinha uma versão de três minutos, custava uma fortuna, mas ficou
tão legal que a Bombril topou colocar a campanha no ar. O personagem do
Garoto Bombril é muito simpático, muito amigável. É uma referência
nacional e internacional da propaganda que entrou para o Guiness book. De
todos os personagens que eu já fiz na vida, o da Bombril é o mais conhecido.
E eu me orgulho muito disso, eu tenho muito orgulho de fazer esse trabalho”.
A pergunta que nos fazemos então é: quantas gerações de donas de casa
não cresceram e envelheceram ligadas na mensagem do Garoto Bombril?
Quantas senhoras, que foram meninas um dia, não teriam ouvido suas mães
dizerem que Bombril tem mil e uma utilidades? Quantas delas não se
casaram, tiveram filhos e passaram tal mensagem a seus filhos, que por sua
vez, repassaram essa mesma mensagem a seus netos?
Esse importante papel da propaganda na divulgação de hábitos e
costumes saudáveis para a população, como a limpeza da cozinha e dos
utensílios de preparação dos alimentos, pode parecer um ato banal porque já
nos acostumamos com ele, mas não é.
É um ato educativo que, a princípio, deveria ser cumprido
exclusivamente pelo estado, mas, como sabemos, é reforçado também pela
iniciativa privada, que, quando da veiculação de suas mensagens de vendas,
acaba exercendo esse importante papel para a sociedade, o de divulgador de
bons hábitos e costumes.
Pelo que estamos constatando aqui, a propaganda é um negócio que
envolve bem mais que produtos e serviços.
Dados divulgados recentemente pelo Departamento de Saúde
americano revelam que, todo ano, milhares de cidadãos ainda morrem pela
transmissão de bactérias provenientes das pias de suas cozinhas. Embora não
tenhamos estatísticas no nosso país e tais dados não sejam divulgados, é bem
provável que tal situação seja semelhante ou ainda mais grave no Brasil.
Com o objetivo de ilustrar o caso, citamos um exemplo dos relevantes
serviços prestados pela publicidade à sociedade, dado pelo professor Roberto
Menna Barreto, que narra um fato ocorrido no início do século XX, no nosso
país. Em 1904, apenas 1,8% da população brasileira tinha o hábito de escovar
os dentes regularmente com pasta de dentes, após as refeições. O problema
não era só nosso: até 1920, os americanos também padeciam de mal
semelhante, e a cárie era um sério problema nacional a ser resolvido.
As pesquisas apontavam que as pessoas não escovavam os dentes por
terem medo de que a escovação enfraquecesse os dentes, estragando assim o
esmalte.
A única maneira encontrada pelas autoridades – tanto as brasileiras
como as americanas – para resolver o problema foi encomendar a uma
agência de publicidade uma ampla campanha que mostrasse os benefícios da
escovação para a população e, assim, a propaganda pôde finalmente mostrar
sua força como difusora de hábitos e costumes saudáveis.93
Foi Schopenhauer – que Machado de Assis tanto admirava e que Olivetto
admira ainda hoje – quem escreveu que “os homens amam às pressas, mas
detestam longamente”.94
É Miguel Reale, baseado em seus próprios estudos e nos estudos
realizados anteriormente por Sérgio Buarque de Holanda, Lúcia Miguel
Pereira, Afrânio Coutinho e Sílvio Romero, quem afirma: “em Machado de
Assis há muito de Schopenhauer, de Darwin e de Pascal” (Reale, 1982, p. 20,
43 e 45). Machado, afirma Reale, “não era um cético, mas antes de tudo,
irônico. Precursor dos existencialistas.” 95
Machado, que é inspiração para nós e este nosso trabalho, vivia a
afirmar: “Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o
nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o
encoberto (A semana, v. III, p. 772. In: Reale, p. 73).
Identificar-se com alguém não significa necessariamente concordar
com esse alguém em tudo e sempre.
Embora tendo criticado severamente algumas das teorias mais
relevantes de Kant, Schopenhauer escreveu: “Minha linha de pensamento,
por mais que seu conteúdo difira da kantiana, fica inteiramente sob a
influência dela (...) e reconheço que o melhor de meu desenvolvimento
próprio deve-se tanto à obra de Kant como aos escritos sagrados hindus e a
Platão” (Schopenhauer, 1980, p. 86).
Como explicar isso? É simples: como afirma a sabedoria popular, os
opostos também se atraem.
A vida imita a arte e as coincidências na vida de Olivetto parecem ser
muitas em relação aos principais personagens dos livros de que ele mais
gosta. Para ilustrar tal afirmativa, podemos citar dois livros de F. Scott
Fitzgerald entre os inúmeros que pesquisamos: Suave é a noite (1995) e Este
lado do paraíso (1948).
Assim como Amory, personagem de Este lado do paraíso, Washington
Olivetto é extremamente crítico e preocupado com os problemas sociais. Em
Este lado do paraíso, revoltado com os baixos salários que os trabalhadores
menos privilegiados recebiam na década de 1920, Amory assim se
pronuncia, na página 260: “Os homens não trabalharão em troca de fitas azuis
(...). Se tais pessoas não recebem um bom salário, seus filhos não poderão ser
educados e caímos, assim, num círculo vicioso. Eis aí o que é a grande classe
média!”.
E, se você está se perguntando agora qual a profissão do personagem,
nós respondemos: publicitário. “Dois dias depois, Amory bateu à porta do
presidente da agência de publicidade Bascome & Barlow. (...) ‘Queria apenas
dizer-lhe que estou deixando a firma’” (Fitzgerald, 1948, p. 196).
Por outro lado, Dick, personagem principal de Suave é a noite, também
apresenta inúmeras semelhanças com Washington Olivetto, como o fato de
gostar de viagens, dormir pouco, procurar misturar trabalho com prazer e ter
o uísque como bebida preferida: “‘Black & White com sifão’, disse Dick ao
garçom. ‘Não temos Black & White, só Johnny Walker’, respondeu ele”
(Fitzgerald, 1995, p. 312).
Já em relação ao criador de Amory e Dick, há inúmeras coincidências a
serem levadas em conta. Trabalhar muito (escrever) é uma delas, que já foi
comentada aqui. A outra, além – é claro – do gosto pelo jazz, pelas leituras e
pelas viagens, é o hábito de escrever bilhetes.
Em uma das mais completas biografias já escritas sobre o escritor
americano, Robert Westbrook, que não gosta de chamar seu trabalho de
biografia, mas prefere que seja visto como a “anatomia de um caso de
amor” – no caso, entre sua mãe, Sheilah Graham Westbrook, famosa
colunista social dos anos 1920, e Fitzgerald96 –, destacou a mania que
Fitzgerald tinha de rabiscar as páginas de texto que escrevia e dos livros, a
caneta ou lápis, e de escrever bilhetes: “Havia aproximadamente trezentos
volumes (...) todos marcados em diversos lugares a caneta ou lápis (...).
Frequentemente Fitzgerald invertia o i e o e do nome da minha mãe – Sheilah
(...) Scott escreveu para si mesmo um bilhete áspero na primeira página
manuscrita do Capítulo Um”.
Agora compare o que pensa Washington Olivetto sobre a mania que,
assim como Fitzgerald, ele também tem, de escrever bilhetes: “O Ricardo
Freire, que é um ex-brilhante-publicitário e atual brilhante-turista-escritor,
tinha como intenção publicar um livro com os meus bilhetes” (Olivetto, 2011,
p. 123).
E se o personagem que marcou a sua infância foi o Pedrinho, de
Monteiro Lobato, de O sítio do Picapau Amarelo, na adolescência, esse
personagem seria substituído por Holden Caulfield, de O apanhador no campo
de centeio: “O Caulfield foi o Pedrinho da minha adolescência”.97
Já em relação à publicidade, falando sobre as influências que teria
sofrido, ele assim escreveu, nas páginas 39 e 40 de Os piores textos de
Washington Olivetto: “Essa percepção de que o consumidor era capaz de se
encantar com publicidade talentosa foi a grande descoberta dos publicitários
ingleses (descaradamente imitada por mim a partir da metade dos anos 1970
e por outros brasileiros depois)”.
Tudo isso, é claro, pode não passar de uma grande e feliz coincidência.
Mas pode também ser muito mais que isso. Pode ser identidade.
Analisemos um pouco mais tal fenômeno. Lembremo-nos agora de um
outro autor que Washington Olivetto parece também admirar muito, Woody
Allen. Em Without featches, de 1972, que no Brasil recebeu o nome Sem
plumas e foi editado pelo Círculo do Livro, Woody Allen não apenas fez o
público rir convulsivamente mais uma vez com suas gags geniais como o fez
se perguntar de novo: como é que ele faz isso?
Judeu, assim como era também Bernbach, e filho de família pobre,
Woody Allen, cujo nome de batismo é Allan Stewart Konigsberg, nasceu em
Nova York, em 1º de dezembro de 1935, 24 anos depois de Bernbach (Allen,
1975, p. 237).
Tinha tudo para dar errado na vida, mas deu certo.
Quando Olivetto chegou a esse mundo, Allen já rabiscava suas
primeiras linhas. Precoce, aos quinze anos ele já escrevia textos de humor
para colunas de jornal, revistas e programas de rádio. Allen deu duro para
vencer na vida.
Descendente de imigrantes alemães, estudou em escolas públicas até
entrar na New York University, mas não completou o curso, tendo saído antes
de se formar em filosofia. Antes disso, Allen havia tentado muitas coisas
diferentes: pensou em ser mágico, jogador de basquete e espião. Fracassou
em todas elas e, da faculdade, além do diploma que não recebeu, restou
apenas a hipocondria que ele, intuitivamente, acabou passando para o papel.
Como diria mais tarde, “eu nunca estudei nada na escola. Os outros é que me
estudavam” (idem, p. 257-258).
Decidiu então abandonar tudo e investir na carreira de roteirista
(escrevia textos de humor para diversos comediantes da TV) e, pouco depois,
percebeu que podia ser também ator e diretor.
Aí as coisas começaram a mudar para ele. Algumas de suas gags,
principalmente as que ele próprio considerava as mais idiotas, fizeram tanto
sucesso que acabaram por torná-lo conhecido. Então, em vez dos 20 ou 25
dólares semanais que ganhava escrevendo, passou a receber bem mais para
escrever agora não só para a televisão como também para o cinema.
Já reparou como, quando você assiste a um comercial do Garoto
Bombril, você se lembra de alguém que também é assim, engraçado, meio
desajeitado, estabanado, parece uma pessoa extremamente frágil, é
simpático, carismático e completamente adorável? Já reparou como o ator
que interpreta o Garoto Bombril, o Carlos Moreno, tem muito em comum e,
às vezes, lembra um pouco alguém chamado Woody Allen? Seria mera
coincidência tal fato ou teria a ver com a idolatria que um dia Oilvetto, que
criou o personagem, juntamente com Francesc Petit, sentia por Allen?
No comercial Mágica, criado para a Bombril, Carlos Moreno é serrado
ao meio por um mágico, enquanto anuncia um novo produto: o Bombril
Júnior – que já vem “cortado ao meio”.
No final da propaganda, ao notar que o mágico está indo embora sem
desfazer o truque, Carlos Moreno chama por ele, numa gag ao melhor estilo
do humor sutil e inteligente de Woody Allen: “Senhor mágico, senhor
mágico!”. (Ver caderno de imagens, foto 19).
Reza a lenda que, em sua estreia na TV, Allen ficou tão nervoso que
perdeu a fala. O interessante é que todos acharam que fazia parte do show e
riram e aplaudiram de tal forma que, além de elevar a audiência do
programa, o levaram a conseguir um novo e ainda melhor contrato.
O nome Woody Allen agora era escrito nos cartazes em letras garrafais.
Play it again, Sam, em que fazia uma paródia do ator Humphrey Bogart e dos
filmes noir que ele tanto ama, foi um de seus primeiros sucessos na
Broadway. Aí vieram Bananas, Hannah e suas irmãs, Manhattan, Dirigindo no
escuro, e os sucessos de Allen não pararam mais de acontecer.
Quem lê Woody Allen percebe que sua obra, magistral, também é
salpicada de nonsense, paródias e citações, em especial, a Ingmar Bergman,
Chaplin, Buster Keaton, Federico Fellini, Cole Porter e os irmãos Marx, entre
outros tantos.
Pergunte agora se esses também não são os ídolos de um redator
publicitário e escritor brasileiro muito famoso chamado Washington Olivetto.
Reparou como até nos nomes esses gênios do humor têm algo em comum, o
primeiro nome começando por uma mesma letra, o W? Teria Washington
Olivetto criado o personagem do Garoto Bombril numa citação ou
homenagem especial ao humorista americano? “Precisamos eleger alguém
em quem possamos nos espelhar”, já havia dito o publicitário brasileiro
(Olivetto, 2004, p. 115).
Olivetto certamente não foi o único a buscar referências em seus antigos
ídolos.
Numa de suas mais famosas citações, em Annie Hall, produção de
1977, Allen, que no ano seguinte viria a lançar Interiores, sob nítida influência
de Ingmar Bergman – por quem nutre declarada e profunda admiração –,
parece ter ido buscar referências, dessa vez, no humor vaudeville de Os três
patetas (The tree stooges), dos anos 1930. A cena está disponível na internet e,
além de hilária, vale a pena ser revisitada.98
Na cena original, os três patetas99 acabaram de se levantar e estão se
arrumando para sair. Bem ao estilo comédia vaudeville, eles lavam os rostos
numa bacia velha e fazem a barba diante de um espelho que um deles segura
para os amigos. Como estão duros, como também estava a grande maioria da
população americana daqueles tempos, dividiam um pequeno quarto, um
mesmo banheiro e a mesma cama.
Então Moe traz um pote de talco, artigo bem raro e caro para aqueles
tempos da depressão americana, dizendo: “Olha só que beleza de talco,
Channel número 8”. Oba, gritam os dois amigos patetas. Aí Larry se
aproxima. Cheira o talco e... espirra, espalhando e acabando com o talco que
voa pela casa toda.
Aqueles eram ainda tempos mais ingênuos, e o que Allen parece fazer
em sua citação é atualizar a piada. O produto agora não é mais o talco, mas a
cocaína.
Quem não se lembra de cena semelhante de Woody Allen em Annie
Hall, conhecido no Brasil como Noivo neurótico, noiva nervosa, em que faz o
papel de um rapaz tímido e desajeitado que, numa festa reservada, é
apresentado, pela primeira vez, à cocaína?
Ele hesita em experimentar, alegando que é asmático, mas, como os
amigos insistem, para não bancar o do contra, o careta, Allen se aproxima e
dá uma cheirada no pratinho que está sobre a mesa, repleto de cocaína.
O resultado? É o mesmo da velha cena de Os três patetas,
evidentemente: Allen espirra, espalhando a cocaína, também rara e cara, por
toda a sala.
Parece haver muitos cineastas em um só Woody Allen. Diz Artur
Xexéo: “O sétimo selo é citado em Scoop: o grande futuro, Memórias é quase
uma refilmagem de Oito e meio e em Meia-noite em Paris (...) há uma
referência explícita a O anjo exterminador”. O que o jornalista e escritor
parece estar questionando é: estaria Woody Allen citando agora a si mesmo?
“Para que fazer Meia-noite em Paris, se ele já tinha feito A rosa púrpura do
Cairo?”.100
Como, via de regra, citamos aqueles que admiramos, é fácil perceber
que tal fenômeno tem a ver com a identidade.
Certamente, por isso, Allen é um pouco Bergman, um pouco Welles, um
pouco Fellini, um pouco Truffaut, um pouco Huston, um pouco Buñuel, um
pouco Kubrick e, pelo visto, muito ele próprio, é claro.
Já notou como em seus filmes, assim como nos filmes de Chaplin, não
há final feliz? Já notou também como em alguns filmes de Washington
Olivetto para a propaganda e, em especial, na série de comerciais do Garoto
Bombril há sempre uma referência, uma citação, um questionamento, uma
associação de ideias e, sob certos aspectos, esses trabalhos lembram muito os
personagens que Allen e outros grandes diretores criaram para o cinema? E
se os filmes de Woody Allen não se preocupam apenas em fazer rir, mas
principalmente em fazer pensar, o mesmo parece se dar com os comerciais
de Washington Olivetto.
Nos filmes de Allen, o social está sempre presente e nos comerciais de
Olivetto parece ocorrer o mesmo.
Num comercial inovador, até então, Olivetto colocou uma mulher
sentada numa cadeira, tendo atrás dela a marca da Bombril. Então, essa
mulher, bonita e já de meia-idade, começava a narrar o seguinte texto,
escrito por ele – e só então você percebia que aquela garota-propaganda era
paraplégica: “Oi. Nunca na história da propaganda brasileira chamaram uma
mulher em cadeira de rodas para anunciar algum produto. Só mesmo a
Bombril poderia colocar isso em pratos limpos. Eu posso fazer parte de uma
minoria. Mas quando chega a hora de escolher, eu vou com a maioria: e
escolho Bombril. Valorizar as minorias é mais uma das mil e uma utilidades
da Bombril”. (Ver caderno de imagens, foto 20).
A impressão que se tem é a de que, mais que simples vendedor de
produtos e um grande divulgador da cultura, Washington Olivetto tem
também uma preocupação imensa com o lado social do país, principalmente
com as desigualdades.
Em Os piores textos de Washington Olivetto, p. 120, tal preocupação fica
evidente quando, ao alertar para o problema do preconceito contra os obesos,
os homossexuais e todas as demais formas de preconceitos, ele cita seu
amigo Caetano, dizendo: “Outro dia na sua coluna d’O Globo, o Caetano
lembrou uma frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche que é um
verdadeiro bálsamo para quem não se conforma com esse tipo de
mediocridade: ‘É preciso defender os fortes contra os fracos’”.
O comercial Homem com mais de quarenta, criado por ele para o Conar,
que tinha o objetivo de denunciar o preconceito de idade, que existia na época
contra os homens de mais de quarenta anos, é uma outra evidência disso.
(Ver caderno de imagens, foto 21).
“Muitas opiniões são criadas a partir de interferências equivocadas. Isso
é ruim porque gera preconceito. “É uma pena”, diz o publicitário. “Se o cara
é gordo, deve ser bobo. Se o cara é bonitão, deve ser homossexual. Se a
mulher é gostosa, deve estar saindo com o chefe. Isso realmente é
lamentável. É triste” (Olivetto, 2004, p. 120).
Voltemos às citações e discutamos um pouco agora a preocupação de
Olivetto em divulgar a cultura popular. Numa dessas séries que fez para os
produtos Bombril, em 2007, Olivetto parece evidenciar mais uma vez sua
paixão pelo cinema: entre os seis filmes que compunham a campanha, que
trazia a participação do cantor Nelson Ned e do astro do futebol Pelé, o ator
Carlos Moreno fazia ainda imitações de Chaplin – é evidente que o tema da
campanha eram as imitações do produto, “Tudo passa, Bombril fica.
Ninguém fica sem Bombril” – era a mensagem ao consumidor. (Ver caderno
de imagens, foto 22).
A linguagem utilizada nessa série de filmes, dirigida brilhantemente por
Andrés Bukowinski (que havia dirigido também os já quase quatrocentos
filmes anteriores da Bombril), reproduzia cenas antológicas do cinema mudo,
como, por exemplo, de Em busca do ouro, e foram rodadas em preto e
branco e com textos em formato de letreiros, como nos filmes antigos.
Jacques Lacan, que havia estudado Freud, a quem admirava tanto,
acreditava que “aprendemos apenas gradualmente, parcialmente e com
grande dificuldade” (Lacan apud Hall, 2002, p. 37). Nosso eu (ou identidade)
é formado a partir de nossas relações com os outros e sua formação começa
ainda durante a primeira infância.
A identidade, afirma Lacan, se desenvolve por meio de “um complicado
processo de negociações psíquicas inconscientes e as fantasias que a criança
tem com as figuras paterna e materna”, durante aquela que o pensador
chamou de “fase do espelho”. Como nessa fase a criança não tem ainda uma
autoimagem como pessoa completa, ela se imagina refletida no olhar do
outro como uma pessoa inteira.
A identidade atrai as pessoas, as une.
John Webster, outro desses homens que Washington Olivetto parece
admirar muito, era um inglês simples que nasceu num subúrbio de Londres,
em 17 de dezembro de 1934, e, durante longos anos, fez algumas das
campanhas mais expressivas que a publicidade já conheceu.
Além de comerciais engraçados – a grande maioria –, também deixou
obras de arte para instituições beneficentes que cuidavam de causas como o
combate ao câncer de mama, por exemplo.
Seus anúncios retratavam a história do homem simples americano,
inglês, cidadão do mundo, do pós-crise de 1929, do pós-guerra: cheio de
problemas, quem não os tem? –, sem dinheiro, sem emprego, com apenas
alguns trocados no bolso. Sem ter o que dizer em casa ao chegar de mais um
longo dia de procura e não ter encontrado nada. Mas cheio de esperanças
para o amanhã. Amanhã é um outro dia, pensava esse cara para quem
Webster anunciava.
John, que havia sobrevivido às blitz nazistas quando Hitler tentou tomar a
Inglaterra, sabia bem o que dizia. E tinha credibilidade por isso.
E, para esse tipo de homem para quem ele anunciava, não era preciso
muito para viver e ser feliz: bastava um amigo ao lado, uma música, uma
garota e uma boa cerveja – melhor ainda se tudo isso fosse com uma boa
dose de Courage.
“Tudo que você precisa”, dizia a sua mensagem, “é Courage”. Comece
agora, dê o primeiro passo. Não pare, nunca desista. Talvez, o importante,
parecia dizer John Webster, nem seja mesmo acertar, mas tentar.
Com esses personagens simples, o público se identificava, se projetava e
consumia cada vez mais Courage. Era feliz. E talvez por isso Webster tenha se
tornado tão querido, uma lenda. Para o inglês comum, John Webster está para
a propaganda assim como Frank Capra e Billy Wilder estão para o cinema
americano. Mais que propaganda, Webster era esperança. O homem comum
não precisa de muito para ser feliz, apenas de um emprego, uma garota, um
amigo e uma boa cerveja.
John Webster, ao lado de David Abbott e Ed McCabe – sobre quem
falaremos mais detalhadamente adiante –, parece ter sido um dos nomes que
mais influenciaram Washington Olivetto em sua trajetória profissional.
Em várias entrevistas concedidas por Olivetto, e você pode conferir isso,
ele diz o mesmo: “John Webster provou que um grande criador podia ser
redator, diretor de arte e diretor de cinema ao mesmo tempo” (Olivetto,
2004, p. 41).
Quando, aliás, perguntado por nós, numa entrevista em sua agência,
sintetizou o que pensa a respeito de Webster: “O mais completo de todos”
(novembro de 2010). E completou seu raciocínio: “Seus trabalhos, como os
comerciais que fez para a cerveja Courage – todos gravados em preto e
branco –, são absolutamente geniais”.
E, por isso mesmo, entraram para a história da propaganda. Marcaram
época. Provavelmente por isso, também, marcaram a vida de Olivetto, que
um dia disse: “If I were to cite the name of only one american and one
englishman that influenced me, I would cite Ed McCabe and John
Webster”.101
David Abbott e Ed McCabe seriam citados também por Olivetto, nas
entrevistas que nos concedeu em 13/10/2010 e em 16/12/2010, em sua nova
agência, a WMcCann-Erickson, no Rio de Janeiro. Quando incluímos seus
nomes entre aqueles que, possivelmente, estariam entre os grandes da
publicidade a quem admirava, Olivetto respondeu com um sorriso e apenas
duas palavras objetivas: “Com certeza!”.
O premiado redator, que sabe escrever textos longos, também sabe ser
conciso quando deseja.
Por esse motivo, decidimos incluir seus nomes nessa imensa lista que
começamos a analisar agora. Porque, acreditamos, de uma forma ou de
outra, os dois contribuíram para construir a identidade, a personalidade, o eu
de Washington Olivetto, como tentaremos demonstrar adiante.
A identidade, como estamos vendo, não é algo nato. Pelo contrário, ela
está sempre em formação, em contínua construção e reconstrução. Para
alguns estudiosos, a identidade não tem a solidez de uma rocha nem é
garantida para o resto da vida, pois é negociável: “As decisões que tomamos,
as escolhas que fazemos, os caminhos que percorremos, tudo determina
quem somos em determinado momento e a qual grupo social pertencemos”
(Marilda Oliveira de Oliveira. Revista Alceu, v.7, nº 14, Departamento de
Comunicação Social PUC-Rio, jan.-jun. 2007, p. 162).
O humor de Washington Olivetto, por exemplo, em muitos aspectos
parece se assemelhar muito ao de Woody Allen, em especial, no que diz
respeito às paródias. Aquela que talvez tenha sido sua criação mais genial, a
série de comerciais criados para o Garoto Bombril, parece evidenciar isso.
Mais que simplesmente vender produtos, o Garoto Bombril, assim como
também fazem os filmes de Allen, divulga o folclore, o popular, trata de
histórias e lendas que unem as pessoas e as classes em torno de um mesmo
tema, a felicidade, e assim anuncia e vende também identidade.
Como afirmara Edgar Morin (Morin, 1984, p. 92 e 108), os astros do
cinema e da TV são semideuses da cultura de massa, com os quais o
consumidor se identifica e se projeta.
E, se o herói simpático dessa cultura de massa, como afirmara o
pensador, é o herói que o telespectador quer ser no íntimo, o Garoto Bombril
certamente é um desses semideuses com quem ele sonha também.
Assim como os personagens de Allen, que também são muitos, o Garoto
Bombril, mais que levar o público a desejar o produto ofertado, faz o
consumidor rir, às vezes, de seus próprios erros, de sua insegurança e da sua
insignificância.
Faz o consumidor refletir e ver o lado efêmero da vida, sentir-se de bem
consigo mesmo, de bem com os outros e com a própria vida, levando-o a
esquecer, ainda que por alguns momentos, das dificuldades e tristezas do dia a
dia.
Parece dizer ao consumidor: se a senhora não comprou Bombril dessa
vez, não tem problema. Passa um creminho nas mãos que elas param de
coçar e, na próxima, a senhora compra o produto certo: Bombril, é claro, que
limpa e dá brilho às suas panelas e não irrita e nem estraga a sua pele.
Como são poderosas as palavras.
Quando ainda jovem, Allen pensou em ser Buster Keaton ou Charles
Chaplin. Depois optou em ser como Robert Benchley ou Perelman, dois
monstros sagrados da literatura de humor americana (Allen, 1975, p. 239).
E, mais tarde, parece, quis ser os irmãos Marx também.
Em Hannah e suas irmãs, produção de 1975, isso fica evidenciado,
quando, já quase no final do filme, Allen explicita sua paixão pelo cinema e
pelos irmãos Marx: enquanto uma cena engraçada do filme roda na tela, ele
sonha com um mundo melhor e diz: “Não seria maravilhoso se a vida fosse
assim, sempre divertida, sem tristezas o tempo todo? A vida bem que podia
ser assim”.
E, em 1983, Allen foi ainda mais longe: fez Zelig, um filme genial, em
que o personagem principal, mais que se identificar com os outros que
admirava, se transformava, literalmente, nessas pessoas – e aqui, o mais
curioso, é que tal analogia já havia sido rodada anteriormente por Jerry
Lewis, que, em O bagunceiro arrumadinho, de 1963, vivia um enfermeiro
que tinha tendências a pegar as doenças de seus pacientes.
Teria Allen feito uma referência a Lewis?
Em O dorminhoco, produção de 1973, Allen, que já fez comerciais
vendendo a cidade de Nova York, nos presenteia com um belíssimo e raro
exemplar de merchandising benfeito no cinema.
Nesse filme ele faz um personagem que, após ter adormecido por
duzentos anos, acorda num futuro imaginário. O mundo agora é outro, tudo é
diferente. Mas espera: numa cena, ao lado de Diane Keaton, os dois entram
numa caverna. Lá, ao fundo, todo empoeirado, um carro do passado parece
adormecido também. Diane Keaton pergunta: “O que é isso?”. “Um Fusca”,
responde Woody Allen. Então, Allen entra no carro e vira a chave e,
surpreendentemente, ele pega. Allen diz: “Puxa, essas coisas eram feitas
mesmo para durar, hein?!”.
Belíssimo merchandising da Volkswagen, concorda?
Dois anos antes, em Bananas (produção de 1971), ele havia nos feito rir
com uma polêmica paródia aos comerciais de cigarros, que, na época, ainda
não eram proibidos.
A cena é a seguinte: a câmera mostra algumas pessoas comungando.
Então, quando chega a vez de um determinado homem, ele tosse. O padre
parece criticar: “É o cigarro!”. Mas, em vez disso, puxa do bolso uma outra
marca e oferece, dizendo: “Cigarros Novo Testamento. Eu fumo, ele fuma!”.
O personagem Holden Caulfield, de O apanhador no campo de centeio,
que, aparentemente, foi uma das referências de Washington Olivetto e era
otimista (p. 14), ligeiramente machista (p. 85) e fumava demais (p. 12), nos
remete a uma inevitável pergunta: será que, num futuro próximo, o uso do
cigarro será proibido também em romances e contos por estimular o vício?
Será que, num futuro próximo, será proibida também a simples menção ao
cigarro e ao álcool em textos de grandes escritores?
E quanto aos filmes de atores como Humphrey Bogart, James Dean,
John Way ne e tantos outros que eram fumantes inveterados e bebiam, serão
eles também proibidos de serem veiculados na TV ou simplesmente
colocaremos uma tarja preta sobre o cigarro e o copo com álcool para que
não apareçam em cena?
Ainda no mesmo Bananas, de 1971, Allen faz uma nova citação, que nos
remete às comédias dos tempos em que o cinema era ainda em preto e
branco, do vaudeville, dos filmes mudos, do início da história do cinema. A
cena é tão óbvia que nem dá para se pensar em plágio. É evidente que se
trata de uma citação, uma referência.
Quem é que não se lembra da cena do filme mudo – que você já deve
ter visto também em filmes dos três patetas, dos irmãos Marx e em tantos
outros – em que um homem vai escrever algo com uma caneta que não
escreve (aparentemente a tinta secou). E então, quando ele sacode a caneta,
a tinta espirra na camisa do homem em frente.
Pois é exatamente essa a cena que Woody Allen reproduz em Bananas:
um hóspede, ele próprio, vai assinar a ficha do hotel. Então, sem perceber,
ele sacode a caneta e a tinta espirra toda na camisa nova do homem atrás do
balcão.
Quem é que ainda não viu um pouco de Sam Peckinpah e Don Siegel
nos filmes de Clint Eastwood ? Quem é que não viu um pouco de Hitchcock
nos filmes de Brian De Palma?
Quem não pensou um dia em ser Clint Eastwood? Quem não pensou um
dia em ser Brian De Palma, Peckinpah, Don Siegel ou Hitchcock?
Queremos ser tantos e tanta coisa ao mesmo tempo, não é mesmo? Isso
é identidade. A identidade ajuda a construir sentido para as nossas vidas, dá
significado à nossa existência banal, nos faz querer ser algo na vida ou
alguém.
Washington Olivetto nasceu dezesseis anos apenas depois de Woody
Allen. Já notou como os nomes dos dois começam com uma mesma letra, o
W?
E aqui voltamos à questão debatida no início do livro mais uma vez: o
acaso, a sorte, o destino. Do outro lado do continente, no Brasil, um jovem
que havia nascido exatos dezesseis anos depois de Allen estava de olho em
seu trabalho. Seu nome, ainda pouco conhecido na época, era Washington
Olivetto. Fascinado com o humor inovador e irreverente do ator, diretor e
roteirista, anos depois ele viria a criar um dos personagens mais engraçados e
duradouros de toda a história da propaganda, o Garoto Bombril, que, mesmo
após quase quarenta anos em cartaz, pode ser visto ainda hoje nos comerciais
de TV e, principalmente, na internet.
A história do mundo sempre foi assim: repleta de referências e citações.
E mesmo os gênios parecem se inspirar em outros gênios que vieram
primeiro para nos ensinar depois e, em alguns casos, até mesmo
questionarem seus antigos mestres.
A história da vida, como diria Darwin, é uma constante evolução.
Lembre-se de que o teatro popular nasceu no circo e “é justamente essa
mistura de comicidade circense e drama popular que deu origem ao público
do rádio” (Martin-Barbero, 2003, p. 248).
Fica fácil imaginar de onde veio o humor da TV, não fica?
Martin-Barbero, citando Edgar Morin (Morin, 1984, p. 244), endossa a
teoria de que as massas não vão ao cinema apenas para se divertir: vão para
se ver e aprender. Porque no ator dos filmes as pessoas se reconhecem, se
identificam e com ele aprendem.
No comercial de propaganda, o ator tem igual função: não apenas
diverte, mas também educa, instrui. É um espelho no qual o telespectador se
projeta e se vê como se fosse o ator.
Quando olhamos para trás, percebemos que o automóvel nada mais é
que a versão moderna da carroça puxada a cavalos, o carro de combate não
passa de uma versão aperfeiçoada do elefante que Dario III arremeteu, pela
primeira vez, contra Alexandre, o Grande, em 331 a.C. e a lança de seis
metros que os cientistas de Alexandre inventaram a seguir para se proteger é
a versão primitiva do míssil balístico intercontinental e dos satélites espaciais.
Em A última noite de Boris Kruschenko, Woody Allen faz mais uma vez
aquele que parece ser seu papel preferido: o do homem ingênuo, tímido,
beirando mesmo a idiotice. Apaixonado, como sempre, por uma linda garota
e sendo rejeitado por ela, como na maioria das vezes, ele tenta impressioná-
la: durante as guerras napoleônicas, alista-se no exército russo e vai para a
frente de combate francesa. Sua missão? Eliminar Napoleão.
Nas muitas idas e vindas que o filme apresenta, ainda rejeitado pela
amada, ele se vê atraído agora por uma mulher mais velha, experiente e
muito atraente. Após uma noite de amor, a mulher confessa para ele,
elogiando: “Foi a melhor noite da minha vida. Você foi o melhor homem que
eu já tive”.
E Allen, com aquele jeito que só ele parece saber fazer, nos responde,
orgulhoso, como que revelando o segredo do seu brilhante desempenho na
cama: “É que eu treino muito quando estou sozinho”.
Agora, diante de Washington Olivetto, numa entrevista que fizemos com
ele, na W/MacCann do Rio de Janeiro, não resisto à curiosidade e, arriscando-
me a tomar um fora, falo sobre a identidade. É claro que ele sabe o que é
identidade. É um homem culto. Conto-lhe a história e pergunto: “O humor de
Woody Allen, em especial o da sua primeira fase, até o fim dos anos 1970,
quando parecia menos pretensioso, mais preocupado em divertir que em
instruir, não te lembra o humor do Garoto Bombril? Você concorda ou tudo
não passa de uma grande coincidência, apenas?
E Washington Olivetto responde, sem hesitar: “O bom de ser famoso é
que você vira amigo dos seus ídolos. Eu sempre gostei muito dos filmes do
Woody Allen, dos irmãos Marx e do Mel Brooks. Assim como também dos
filmes do Manga com Oscarito, do Grande Otelo e do Walter D’Ávila. Dou
um exemplo: aquele em que o Woody Allen afirma que ‘há coisas piores do
que a morte’. Em que ele diz: ‘Quem já passou uma noite inteira numa
solitária com um corretor de seguros sabe exatamente do que estou falando’,
acho que é Love & death, filme de 1975, é genial”.
Via de regra, aprendemos observando os outros, com os outros. Foi no
final da década de 1970 que Washington Olivetto criou o Garoto Bombril. E
ele segue explicando: “Eu percebi que o gosto feminino estava mudando. As
mulheres começavam a se interessar muito mais pelo humor de Woody
Allen, por exemplo, que pelos músculos do John Way ne. Então, em 1978,
criei o Garoto Bombril. É uma citação ao Woody Allen. Eu sempre gostei
dele. Já gostei mais, é verdade, mas esse é o tipo de humor que eu aprecio. É
o humor dos tempos do rádio, da PRK 30”. Nota: programa de rádio que teve
origem no Rádio Clube do Rio de Janeiro, não se sabe ao certo a data, ainda
na década de 1940, e que posteriormente reestreou em 1944, na também
extinta Rádio May rink Veiga. Satirizava a rádio de maior audiência da época,
a Rádio Nacional.
Devido ao sucesso, o programa passou a ser transmitido depois pela
própria Rádio Nacional, sempre às sextas-feiras, à noite. Nele, dois
humoristas, Lauro Borges e Castro Barbosa, interpretavam cerca de vinte
personagens diferentes, contavam piadas, cantavam, imitavam calouros,
brincavam com as notícias e faziam trocadilhos ao vivo. Além, é claro, de
fazerem paródias com as propagandas da época. Faziam um humor refinado,
sutil, inteligente, que deve ter servido de base para o humor adotado
posteriormente por Olivetto.
Num desses quadros, por exemplo, numa dessas paródias, Castro
imitava um português que se orgulhava de falar inglês em vários idiomas. Os
autores (Castro e Lauro) criavam seus personagens a partir do cotidiano. Do
dia a dia. Como faz a propaganda, muitas vezes.
Washington Olivetto tinha entre oito e dez anos quando começou a ouvir
a PRK 30. E só deixou de acompanhá-la quando tinha pouco mais de vinte e a
PKR 30 saiu do ar. Sua última transmissão foi em 1964. Era uma espécie de
rádio pirata e tinha uma enorme audiência em todo o país (transmitida do Rio
de Janeiro, chegou a ter 52,5% da audiência, em de 1947). Laurentino Borges
Saes, Lauro Borges, que era paulista, nasceu em 1901 e faleceu em 1967, e
Joaquim Silvério de Castro Barbosa, Castro Barbosa, que era mineiro, nasceu
em 1905 e faleceu em 1975. Fizeram escola.102 Quando pedimos para
explicar melhor, Olivetto concluiu seu raciocínio:
“Naquele tempo estava passando uma novela na Globo, Gabriela, em
que o Marco Nanini fazia um professor, magrinho, muito tímido e muito
engraçado. Eu queria encontrar um novo Marco Nanini, alguém que não
fosse ainda conhecido. E acho que encontrei isso no Carlos Moreno. O detalhe
é que o personagem que nós imaginamos tinha que ser frágil, pequeno. E o
Carlos Moreno tem quase um metro e noventa de altura. Então, a gente tinha
que dar uma encolhidinha no Carlinhos. Como é que a gente resolveu isso? O
Francesc Petit teve a brilhante ideia de colocar uma bancada mais alta atrás,
fazendo o Carlinhos parecer mais baixo na TV. Funcionou, como funciona
ainda agora, quarenta anos depois. O sucesso do Garoto Bombril tem várias
explicações. Uma delas está no ator, no Carlos Moreno, que tem a
capacidade de ser muitos [personagens], sem nunca deixar de ser ele
mesmo”.103
Olivetto que jamais pensou em ser artista, mas apenas um bom
vendedor, e parece admirar Allen, acha que “a publicidade não é arte.
Publicidade, diz ele, é vendas”. Mas parece mostrar com seu trabalho que,
mesmo a venda, às vezes, pode ser feita com arte.
Em O que a vida me ensinou, chega mesmo a afirmar que muitos bons
anúncios têm as mesmas características da anedota: “A boa piada tem uma
excelente arquitetura de ideias. É uma pequena história com um final
surpreendente. Muitos bons anúncios guardam as mesmas características (...).
No caso de boas piadas e bons temas publicitários, há outra característica
comum. Podem ser repetidos sem aborrecer. (...) O receptor já sabe o final,
mas ouve e ri novamente. (...) A diferença é que a maior parte das anedotas
de salão a gente esquece no dia seguinte. A mensagem do bom comercial, ao
contrário, permanece. É lembrada anos e anos depois da veiculação”
(Olivetto, 2011, p. 77-78).
A gente pode até não concordar muito com ele em alguns aspectos, mas
em um ponto ninguém discorda: Washington Olivetto é um gênio. Sua
propaganda não faz apenas o povo rir e vende produtos, ela divulga o folclore
nacional e trata do popular, alimenta o inconsciente coletivo e se alimenta
dele para contar suas histórias.
Sobre ele, aliás, Donald Gunn, gerente geral do escritório em Chicago da
Leo Burnett, afirmou: “Posso dizer em duas palavras por que a propaganda
brasileira é tão respeitada e admirada em todo o mundo: Washington Olivetto
(Morais, 2005, p. 381).
Citações, bem como o emprego de analogias, nonsense e paródias na
construção da estrutura redacional, tanto dos programas de humor quanto nos
roteiros dos comerciais de propaganda, são muito mais frequentes do que se
imagina.
A verdade é que, quando se trata de produzir textos com humor, a
publicidade parece beber nas mesmas fontes que o cinema, a TV e o teatro.
E aqui as anedotas e gags parecem ser sempre bem-vindas.
Para Washington Olivetto, a publicidade nunca representou a vanguarda.
Nunca. “A publicidade não é vanguarda. Ela simplesmente repete o que diz e
pensa essa vanguarda da sociedade, ampliando seu discurso na mídia, o que
leva a maioria a pensar que foi ela – a publicidade – quem disse o que a
vanguarda do povo já pensa”. E quando alguém pergunta se ele tem medo de
um dia ficar ultrapassado, de, assim como suas ideias, envelhecer, Olivetto
responde com uma nova pergunta: “Quem disse que eu vou envelhecer?”.
Talvez por isso Washington Olivetto faça tantas coisas ao mesmo tempo,
durma tão pouco e trabalhe tanto. Há muito ainda a ser feito, parece dizer o
publicitário, que, lembrando F. Scott Fitzgerald, um dia afirmou: “Fitzgerald
influenciou também outros dos meus hábitos, como o gosto pela música,
inicialmente pelo jazz e depois particularmente por Cole Porter, além de uma
predileção pelas boas maneiras e até uma certa frescura na escolha de
viagens, hotéis, drinques, cardápios e outros detalhes (...) Devo também a
Fitzgerald meu hábito de dormir pouco” (Olivetto, 2004, p. 126-127).
Em 1995, Olivetto foi convidado pela editora José Oly mpio a escrever a
orelha de uma reedição da obra de Fitzgerald, Seis contos da era do jazz. Mais
adiante, no capítulo deste trabalho que versa sobre a retórica, teremos a
oportunidade de analisar o texto que ele escreveu para o livro.
Ao longo do estudo que ora apresentamos, tivemos a oportunidade de
analisar também o fenômeno do chiste na construção das gags, em inúmeros
trabalhos não apenas de artistas do humor como de publicitários consagrados
e, adiante, analisaremos tal fenômeno mais detalhadamente.
Tentaremos por ora exemplificar e explicar um pouco mais o fenômeno
da citação ou referência, do nonsense e da paródia, visando assim concluir
este capítulo, sobre a construção da identidade na obra de Washington
Olivetto.
Em Copacabana, filme da United Artists, de 1947, Groucho Marx faz o
papel do hilariante e nada ingênuo empresário de Carmen Miranda.
Momentaneamente sem trabalho, os dois se encontram na maior pindaíba.
Não têm dinheiro nem para pagar o aluguel do quarto. Chega a hora do
almoço e eles dividem o único alimento do dia: um ovo cozido, que partem ao
meio. Lembre-se de que em Em busca do ouro Chaplin já havia gravado
cena parecida: a diferença é que, no lugar do ovo, havia um par de sapatos a
ser dividido por dois.
Num ato de desespero, Groucho comete um desatino: rouba o peixe de
um filhote de leão-marinho amestrado de circo. O golpe, evidentemente, não
dá certo e o amestrador do leão marinho, um sujeito enorme e muito do mal-
encarado, antes de pegar a refeição de seu pupilo, quase bate no frágil
Groucho Marx.
Se prestarmos atenção na construção dessa maravilhosa gag (recurso
retórico empregado em larga escala na construção do humor), vamos notar a
presença de um outro ingrediente ou recurso que também é encontrado com
bastante frequência nas tiradas de humor de Woody Allen e dos comerciais
da TV criados por Washington Olivetto.
Que ingrediente ou recurso é esse? O nonsense. Exemplifiquemos. Em
Examinando fenômenos psíquicos, texto também publicado no livro Sem
plumas (Allen, 1975, p. 13), Woody assim inicia uma crônica: “Não há dúvida
de que o além existe. O problema é saber a quantos quilômetros fica do
centro da cidade e até que horas fica aberto”.
É evidente que se pode acreditar ou não em vida após a morte. Mas, daí
a pensar ou se preocupar com o fato de até que horas o além fica aberto,
foge-se do raciocínio linear, do previsível. E, com isso, traz-se um novo
ingrediente à história, o absurdo, o inesperado, o inusual, o nonsense, que
Washington Olivetto também aproveita com mestria em seus anúncios.
Analisemos agora um comercial criado por Washington Olivetto para o
produto Bombril, que, de certa forma, contém em sua estrutura redacional tal
ingrediente ou recurso: diante de algumas embalagens de produtos da família
Bombril, Limpol, Mon Bijou, Pinho Brill e outros, o ator Carlos Moreno
anuncia para a dona de casa:
– Depois de aparecer com todos os garotos-propaganda do Brasil, eu
gostaria de chamar o garoto-propaganda que eu mais admiro...
Então Carlos Moreno dá um baita sorriso e chega-se mais para o canto
da tela, para permitir a entrada do garoto-propaganda anunciado: ele mesmo
– em desenho. Então os dois passam a dividir as atenções da dona de casa e
conversam, um elogiando o outro:
Carlos Moreno da vida real: é ele quem anuncia... a melhor esponja, o
melhor pinho, o melhor detergente, o melhor amaciante de roupas, a melhor
empresa. O Garoto Bombril.
Do outro lado da tela, o Garoto Bombril em desenho é só sorrisos. É só
alegria. E Carlos Moreno conclui o texto do comercial, elogiando:
– Ele não é o máximo?!
Ao que agora o garoto-propaganda Bombril, em animação, responde:
– Imagina! O máximo é você!
E, sobre o sorriso dos dois, um locutor em off encerra, dizendo:
– Produtos Bombril. São da Bombril!
É evidente aqui que os dois Garotos Bombril em cena (ambos
interpretados pelo ator Carlos Moreno) expressam palavras que vendem, na
verdade, bem mais que o produto: vendem simpatia para a marca, agregam
valor. E o público parece entender bem essa mensagem realizada por meio
do nonsense, da animação. (Ver caderno de imagens, foto 23).
Ao interagirem com as donas de casa, a quem é dirigida evidentemente
a mensagem, eles conquistam o consumidor, levando a propaganda a atingir
seus objetivos, que são a venda e a experimentação do produto ofertado.
O detalhe curioso desse filme é que em momento algum nenhum dos
dois atores fala em vendas e em momento algum recomendam o produto
anunciado, como era de se esperar num comercial. Em momento algum eles
dizem: compre Mon Bijou, experimente Pinho Bril ou, ainda, leve para casa
Bombril. Apenas, evidentemente, insinuam isso. O que fica subentendido
desse comercial é que, com os produtos da família Bombril, as mulheres
(donas de casa) vão ter em mãos (aqui num duplo sentido mesmo) os
melhores produtos que se possa imaginar. A estrutura desse comercial é
perfeita.
O fato é que o nonsense, aqui como fio condutor da história, da
narrativa, funcionou mais uma vez. Vendeu a mensagem da Bombril. O
nonsense, assim como as paródias e os comerciais que utilizam-se de músicas
para atrair a atenção do consumidor, parece funcionar não apenas nos
programas e filmes de humor, como também na publicidade.
Analisemos um pouco mais o caso.
Em Love & death, que Woody Allen escreveu, estrelou e dirigiu, há uma
cena em que, fazendo-se passar por representantes da corte espanhola, Allen
e Diane Keaton conversam no salão, quando é anunciada a chegada de Vossa
Alteza Imperial, o imperador Napoleão. Todos se calam. O imperador entra.
Aproxima-se do falso nobre espanhol e pergunta:
– Você é Dom Francisco?!
Diante da resposta afirmativa, o imperador, em reverência, sinal de
educação, curva-se ligeiramente, dizendo:
– É uma grande honra para mim.
Repetindo seu gesto, Allen também se curva, respondendo:
– Não, não, não, a honra é toda minha.
E o imperador, curvando-se de novo:
– A honra é minha.
Allen, Dom Francisco, insiste:
– É minha.
E o imperador:
– É minha.
Os dois se curvam e trocam gentilezas por mais duas ou três vezes, até
que, dando um tapinha, coisa que não se fazia na época, nas costas do
imperador, Allen encerra a disputa, concluindo:
– Ok. Talvez seja uma honra maior para você.
Essa cena é uma clara citação de Allen a uma outra cena, gravada
quase quatro décadas antes, pelos irmãos Marx. Ela se dava no filme Uma
noite na ópera: Groucho está numa mesa, cercado de amigos, bebendo e
conversando, quando entra um casal. A mulher é muito bonita. Em
reverência, Groucho se levanta da cadeira – naqueles tempos era sinal de
educação o homem levantar-se quando uma dama aparecia. Então todos em
volta se levantam também. O homem o cumprimenta e apresenta a mulher a
Marx, que, esticando a mão, diz:
– É um prazer.
– O prazer é nosso – diz o homem.
Todos se sentam. Mas antes que a mulher se sentasse, Marx se levanta,
obrigando todos os homens da mesa a se levantarem de novo, e repete:
– É um prazer.
O homem, que já ia se sentar, arrasta a cadeira e se levanta novamente.
E repete para Marx:
– O prazer é nosso.
E a cena se repete com Marx esticando a mão novamente, levando
todos a se levantarem de novo, dizendo:
– É um prazer.
Ao que o marido repete:
– O prazer é nosso.
E a cena se repete por mais duas ou três vezes, até que Groucho Marx
finalmente se senta à mesa. E então a conversa segue.
Ainda no genial Love & death, há uma cena que com certeza você já
viu em algum outro programa de TV, filme ou mesmo num comercial. Após
se envolver com uma mulher maravilhosa que tem um marido ciumento, o
personagem de Allen é desafiado para um duelo.
Como alguém como Woody Allen mataria alguém? Não mataria, não é
mesmo? Todos nós já sabemos disso de antemão. Durante o tal duelo, a
providência, o acaso o ajuda, como parece ajudar todos, ou quase todos, os
homens de boa vontade. E, então, o exímio atirador erra. Como duelam com
pistolas antigas, que só disparavam uma única bala – o filme se passa na
época da guerra de Napoleão contra a Rússia –, Allen tem direito de tirar a
vida do desafiante. Mas nós sabemos: ele não fará isso. Então, após fazer um
belo discurso em prol da vida e dos direitos humanos, ele dispara. Para o alto.
Arrependido e grato, o desafiante se aproxima de Allen, o abraça e diz:
– Você podia ter me matado. Não o fez. Poupou minha vida. De hoje
em diante sou um outro homem. Vou rezar, cantar. Não mato mais ninguém.
O que eu posso fazer por você?
E Woody responde, murmurando, como quem está sentindo dor:
– Pode sair de cima do meu pé.
Essa cena já havia sido mostrada nos anos 1960. A gag gravada num
episódio do Agente 86 (Get Smart), mostrava um sujeito que, após, ser
baleado inúmeras vezes, era socorrido pelo atrapalhado Agente 86, vivido
pelo ator Dom Adams. Com o sujeito ainda deitado no chão, Dom Adams se
aproximava para ajudar, puxava-o pelo paletó e perguntava:
– Quer ajuda? O que eu posso fazer por você?
Ao que o homem, quase morrendo, respondia, ofegante:
– Eu não consigo respirar. Sai de cima do meu peito.
Lembre-se de que Allen e Mel Brooks trabalharam juntos em vários
programas de TV e rádio nos anos 1960. Allen, segundo dados retirados do
livro Sem plumas (Allen, 1975, p. 238), chegou a escrever mais de mil gags,
ou piadas, num ano. Ele sempre foi verborrágico. E lembre-se também de
que o Agente 86 era escrito por Mel Brooks em parceria com o escritor Buck
Henri, e que os dois criaram o personagem inspirados em Dick Tracy. E que,
se você parar para pensar um pouco, vai perceber que todo o princípio do
celular está naquela doida e hilariante história, quando ainda não existiam os
smartphones, na qual um homem, toda vez que ia falar com o seu chefe,
tirava o sapato, puxava uma antena e conversava por um aparelho telefônico,
sem fios e sem muito nexo na época, que, para muitos, é o precursor do
celular de hoje.
Foi dessa forma, utilizando ora o nonsense, ora o jogo de palavras, que
eles construíram o chiste e o cômico em suas narrativas. Que muitas vezes
parodiavam ou mesmo faziam uma citação à obra do autor que,
aparentemente, eles admiravam. E agora, de quem é a piada, quem está
citando quem?
É melhor ser coautor de coisas brilhantes que
autor solitário de algo medíocre.
– Washington Olivetto

Quem já leu Homero sabe que algumas das melhores comédias, assim
como algumas das melhores tragédias já escritas, são bem mais antigas do
que imaginamos.
Assim como a própria história da humanidade já foi contada tantas e
tantas vezes por tantos e tantos autores diferentes ao longo do tempo, o que
vemos, na maioria das vezes, acaba sendo versões de uma mesma matriz.
Como já foi dito uma vez, o que importa nem sempre é o que você diz, mas
como você diz.
Ao longo das 239 páginas de Sem plumas, Woody Allen cita, entre
outros, Emily Dickinson (p. 11), Freud (p. 23), Norman Mailer (p. 41),
Bernard Shaw (p. 137), T. S. Eliot (p. 138 e 225), Joy ce (p. 138), Tennessee
Williams (p. 173) Nietzsche (p. 203), Cole Porter (p. 212), Shakespeare (p.
215), Francis Bacon (p. 216), Ben Jonson (idem), Lewis Carroll (p. 217), Kant
(p. 227), Sócrates (p. 190) e Jacke Dempsey (p. 253) e Nova York.
O discurso de Olivetto aqui não é muito diferente. Nas 230 páginas de Os
piores textos de Washington Olivetto, ele cita, entre outros: Machado de Assis
(Abertura e justificativa e p. 66), F. Scott Fitzgerald, idem e nas páginas 126
[quatro vezes], 127 [quatro vezes] e 128 [três vezes]), Lewis Carroll (p. 34),
Alfred Hitchcock (idem), Groucho Marx (p. 66), J. D. Salinger (p. 79, 81 e
126), Charlie Parker (p. 117), Cole Porter (p. 127), Picasso (p. 165), Guattari
e Deleuze (p. 164) e Nova York .
Mais que simples nomes ou lugares-comuns, falam sobretudo de
amenidades, coisas aparentemente banais que parecem trazer a felicidade ao
homem, como um sorriso, um sorvete ou um simples cachorro-quente e uma
Coca-Cola – quem sabe uma cerveja? Parecem estar procurando explicar o
sentido, ou a ausência de sentido, da vida. E brincam com isso, usam da
ironia, criticam nas entrelinhas a sociedade e o homem pós-moderno, como
bem o fazia aquele que parece ser o ídolo maior dos dois, Chaplin.
No final há sempre um final feliz ou no final há apenas o final da
história? – parecem perguntar os dois.
Se, em Sexo já, Olivetto, ao se referir às coisas mais importantes que fez
na vida, lista entre elas “já xinguei mãe de juiz, já tomei café da manhã em
padaria”, Allen, por sua vez, dá a entender que uma das coisas de que mais
gosta é fazer a barba enquanto toma café e “enquanto ouve pelo rádio a
transmissão de uma partida de xadrez” (Olivetto, 2004, p. 80; Allen, 1975, p.
39).
A análise de seus textos revela que ambos escrevem sobre temas
comuns: o cinema, a literatura e o jazz. Escrevem sobre viagens, gente e
lugares. E, como não podia deixar de ser, sobre Nova York. Se há algo que
eles amam é Nova York.
Talvez Woody Allen não tenha mais a mesma importância que teve uma
dia na vida de Olivetto. Vai ver, o menino que, inspirado um dia em Allen,
escreveu o Garoto Bombril tenha crescido também, e talvez a admiração e a
identificação não sejam mais as mesmas, nem tenham a mesma intensidade
– ele mesmo, aliás, disse-nos isso numa entrevista que fizemos em 2011.
Mas, fica evidente, por tudo o que vimos aqui, que elas existiram um dia.
Os anos que separam a data de nascimento dos dois, aparentemente, não
foram suficientes para afastá-los de alguns mesmos gostos e predileções,
como o jazz, a literatura e o humor e, evidentemente, a paixão que ambos
nutrem e explicitam por Nova York e a era do rádio.
Assim como o Pedrinho das fantásticas aventuras de Monteiro Lobato e
o pequeno Holden de O apanhador no campo de centeio, que ajudaram a
construir a identidade do criador do Garoto Bombril, Allen e Olivetto são
verborrágicos, extremamente criteriosos e parecem falar sobre seus ofícios e
ter ideias compulsivamente.
E que ideias.
Se, com Allen, Olivetto aprendeu que o humor é a melhor saída, com
Holden aprendeu que ganhar a vida também é fundamental: “Se a gente está
do lado dos bacanas, aí sim é um jogo [a vida]. Mas se a gente está do outro
lado, onde não tem nenhum cobrão, então que jogo é esse? Qual jogo que
nada” (Salinger, 1951, p. 15).
Ao contrário de J. D. Salinger, Allen e Olivetto são mais otimistas, mais
esperançosos. Parecem viver num hilariante mundo paralelo, repleto de
histórias, magia e fantasia, onde tudo é possível e nada é previsível.
Em A arte de bem viver, Schopenhauer, que os dois parecem apreciar
com idêntica intensidade, já havia lembrado: “Hay que tener paciencia”
(1983, p. 224).
E para você que, a essa altura, deve estar se perguntando: o que faz um
filósofo como Schopenhauer num livro de publicidade? O que tem a ver
Schopenhauer com um livro de propaganda? Nós respondemos: tudo. Mais
que pensar simplesmente nas ideias, até porque ideias são feitas de palavras,
expressas por meio de palavras, Schopenhauer pensou primeiramente, ou ao
mesmo tempo, nas palavras.
As palavras para Schopenhauer tinham a mesma importância que
Machado de Assis, que admirava Schopenhauer, lhes atribuía: “As palavras
têm sexo. Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas”, dizia
Machado, “é o que chamamos de estilo” (Velhas histórias, OC, v. II, p. 571.
In: Reale, 1982, p. 59)
Para o pensador alemão, o estilo de um escritor é a fisionomia da sua
mente. O estilo é a sua identidade: “Schopenhauer definiu o estilo como
‘fisionomia da mente’, e essa fisionomia pode captar-se melhor, examinando
o idioleto do autor, conservado nos seus escritos, numa forma mais ou menos
estilizada” (Ullmann, 1964, p. 49).104
Em outras palavras, isso significa que a averiguação da proporção de
verbos e adjetivos contidos frequentemente no texto de um determinado autor
pode nos dar uma ideia aproximada de quem é esse autor, o que pensa e, até
mesmo, o que procura esconder.
O que o eminente professor de Oxford parece querer nos dizer com isso
é que, nos estudos estilísticos, um dos métodos mais frequentes é a
investigação que tem por objetivo analisar quais palavras e com que
frequência um determinado escritor emprega em seus textos.
Com esse estudo é possível descobrir o que lhe é único, o que é pessoal
desse autor em seu manejo da língua.
Uma das mentes mais brilhantes que esse planeta já conheceu, por
exemplo, Einstein,105 que tinha um rico vocabulário e, embora falasse
fluentemente três idiomas (alemão, inglês e francês) preferia, por motivos
óbvios, comunicar-se em alemão, também costumava se expressar por meio
de metáforas.
Hábitos linguísticos são como hábitos do comportamento: perceptíveis a
olho nu.
Teriam Washington Olivetto, Neil Ferreira e Nizan Guanaes algo mais
em comum, além da admiração por Monteiro Lobato, o carinho pela cultura
popular e a paixão pelas palavras e a propaganda? Teriam eles algo em
comum também com Woody Allen, F. Scott Fitzgerald, Machado de Assis,
Schopenhauer e alguns outros grandes autores aqui mencionados?
Haveria mesmo alguma identidade perceptível entre esses autores? A
simples paixão pelas palavras, as ideias e a originalidade já seriam suficientes
para uni-los, de alguma forma, em torno de algo que se convencionou
chamar de identidade?
Em seu livro Criação sem pistolão, p. 206-207, Carlos Domingos, que é
um redator premiadíssimo, afirma que seu maior ídolo é Bernbach e nos
lembra de que muitos outros grandes ídolos, por sua vez, também tiveram um
dia os seus próprios ídolos: “Meu maior ídolo é Bill Bernbach. O ídolo de
Ay rton Senna era Fangio. O de Maurício de Souza é Will Eisner. O de Picasso
era Velazquez”.
Curiosamente, o nome que Domingos cita com maior frequência é o de
um outro redator, que também admira: Washington Olivetto.
São 26 menções ou citações ao nome de Bernbach – p. 116, 118 (três
vezes em cada página), 119 (também três vezes), 120 (três vezes), 121, 165,
172, 177, 206 (três vezes em cada página) e 226 (duas vezes), 231, 233 (três
vezes) e 235 (três vezes). E quarenta menções ou citações ao nome de
Olivetto – p. 122 (sete vezes), 123 (duas vezes), 139 (cinco vezes) e uma vez
nas páginas 146, 157, 162, 168, 173, 175, 176, 178, 183, 184, 185 e 204, 233 (3
vezes), 234 (duas vezes), 235 (três vezes) 236, 240 e 242 (três vezes) e 244.
Talvez aqui tenha acontecido com Carlos Domingos o mesmo que se deu
com Freud: a pessoa mais próxima, a que ele mais admirava, sua jovem
mãe, bela e dominadora, moldou-o mais do que ele mesmo imaginava –
afirmara Peter Gay (Gay, 1989, p. 456).
Teria o mesmo acontecido com Domingos em relação a Olivetto?
Talvez Carlos Domingos não tenha percebido algo curioso, mas, tudo
indica que ele parece pensar muito mais em Washington Olivetto do que
imagina. Talvez mais ainda que em Bill Bernbach.
Por que será?
É evidente que Carlos Domingos faz referências também a alguns outros
grandes nomes, como Nizan Guanaes (12 vezes), David Ogilvy (7 vezes),
Claude Hopkins (6 vezes) e Neil Ferreira (4 vezes), além de Júlio Ribeiro,
Fábio Fernandes, Eugênio Mohalem, Petit, Dualibi e Zagaroza, Júlio Cosi e
Alex Periscinoto, entre outros gênios da publicidade.
Mas não com a mesma frequência. A razão parece ter razões que a
própria razão desconhece.
Falando sobre a identidade, sabiamente o autor sugere que devemos agir
como Picasso, que primeiro aprendeu a desenhar e só depois aprendeu a
deformar. Ou seja: “Escolha também um ídolo”, aconselha Domingos, “entre
os bandeirantes da nossa profissão, os criativos que abriram caminho para
que a gente chegasse até aqui”.
O que vem a ser um pouco do mesmo que David Ogilvy havia também
sugerido, não é verdade? Em Édipo rei, Sófocles já havia percebido que não
somos o que somos, mas sim aquilo que queremos ser.
Pelo que pudemos observar, diversos redatores que são hoje grandes
nomes da propaganda seguiram esse mesmo caminho citado por Carlos
Domingos, buscando no início ser igual a alguém que admiravam. E, tendo
encontrado o seu próprio estilo, já não mais precisavam agir igual àquele que
havia servido de fonte de inspiração e identidade.
Como já disse Millôr Fernandes, não há nada mais velho que a
originalidade. Para Millôr, o que os gregos não produziram você encontra na
Bíblia. É só procurar com calma.
Finalizando, é oportuno ainda citarmos um conto de Machado de Assis,
que foi também alvo de pesquisas neste nosso estudo e que fala justamente
sobre a identificação entre os seres humanos: “Um homem célebre”.
Publicado inicialmente no periódico A Estação, em 1883, o conto foi
reeditado em 1896, no livro Várias histórias, e, mais tarde, adaptado para o
cinema, transformando-se num belo curta dirigido por Dainara Toffoli e
Diego Godoy, exibido em 1996 com o título Um homem sério.
Se na história original o personagem principal, Pestana, é um compositor
que briga com seu editor e consigo mesmo porque aquele só quer editar suas
músicas populares (as polcas), enquanto ele mesmo só deseja compor os
clássicos, na adaptação para o cinema Pestana passa a ser o ator cômico de
grande sucesso que não se conforma com isso e deseja ser reconhecido
como ator sério, de dramas.
E em todas as tentativas Pestana falha, pois, ao vê-lo em cena, o público
ri. Seu dom é fazer rir, mas o Pestana de Dainara Toffoli, que é mestre pela
PUC-RS, e Diego Godoy quer a todo custo ser identificado como um homem
sério.
Atormentado, sentindo-se fracassado por não ser levado a sério pelo seu
imenso público, que o identifica como o ator mais engraçado do Brasil,
Pestana se suicida.
O que Pestana parece não ter percebido é que as pessoas o admiravam
e amavam tanto por verem nele aquele que as fazia sorrir e esquecer, ainda
que por um breve período, as tristezas, as decepções e preocupações do dia a
dia. E, para elas, nisso estava a sua grandeza – que Pestana, na sua ânsia de
ser o que não era, queria a todo custo mudar: “Jocasta: Podemos lutar contra
o nosso destino? Contra as profecias do oráculo? Não estará nosso destino já
traçado? Édipo: Mas por que caiu sobre mim tão negra profecia? Jocasta:
Porque somos o que somos, Édipo, não o que queremos ser” (texto final de
Um homem sério, assinado por José Roberto Torero, que é fiel à estrutura
narrativa de Machado de Assis em “Um homem célebre”, mas acrescenta à
história, com muita propriedade, à história um diálogo que não existia no
original, e que é de Édipo rei, de Sófocles).
O conto de Machado de Assis, levado posteriormente ao cinema, serve
de alerta: é preciso tomar cuidado para não ter o mesmo fim de Pestana, que
morreu de bem com os homens, mas mal consigo mesmo. “Um homem
célebre” é uma parábola da existência humana.
Talvez a grande questão a ser respondida, então, seja esta: somos o que
somos ou somos como os outros nos veem, o que eles acreditam que nós
possamos ser?
Melhor sermos vistos como alguém parecido com um outro alguém
muito bom no que faz, ou melhor seria buscarmos ser diferentes, apenas pelo
fato de ser diferente?
O próprio Washington Olivetto parece ter nos dado a resposta, ao
afirmar que “é melhor ser coautor de ideias brilhantes que autor solitário de
ideias medíocres”.
Eis, enfim, a importância da identidade e, muito provavelmente,
também, de como se deu tal processo de identificação na vida e na obra de
Washington Olivetto, suas principais causas e implicações. Inteligente, original
e, acima de tudo, chistosa, essa identidade serviu para moldar também alguns
dos mais talentosos e geniais redatores publicitários que, por sua vez, nos
presentearam com algumas das mais originais, criativas e inteligentes
campanhas que a propaganda já viu em toda a sua história.
Um otimista, como afirmamos no início de nossos estudos, que parece
ter herdado esse seu otimismo, pelo menos em parte, ainda na infância,
quando, em seu quarto, não parava de ler as histórias de Monteiro Lobato e
em especial aquelas que narravam as aventuras de Pedrinho, que tanto
amava.
Em “O Saci”, no capítulo XIII de Novas discussões, Lobato que era
também paulista e criou inúmeros símbolos nacionais, como o Jeca Tatu,
explicita a sabedoria de Pedrinho, que deve ter enchido Washington Olivetto,
quando ainda menino.
Ao relatar as aventuras dos personagens do Sítio, o escritor relata um
diálogo de Pedrinho com o Saci, em que põe na boca do menino as seguintes
palavras: “Nós, homens, pomos o que sabemos nos livros... nós temos de
aprender com os nossos pais ou nos livros. Isso prova o nosso valor. Que
mérito há em nascer sabendo? Nenhum. Mas há muito mérito em não saber e
aprender pelo estudo” (Lobato, 1971, p. 55-57).
A identificação do publicitário com o personagem aqui é clara. Pedrinho
acompanharia Washington Olivetto até a puberdade, quando então este seria
finalmente substituído por outro menino alter ego, Holden Caulfield.
Como afirmara Lacan, essa formação do eu no olhar do outro é que
inicia a relação da criança com o mundo exterior e a introduz nos vários
sistemas de representação simbólica, “incluindo a língua, a cultura e a
diferença sexual” (Hall, 2002, p. 37-38).
Para encerrar este capítulo, gostaríamos de citar uma passagem contida
na Ilíada, de Homero, em que se encontra a primeira menção a identidade de
que se tem notícia, em toda a história da humanidade.
Nos cantos XXI a XXIV de sua epopeia, Homero nos presenteia com a
belíssima história de Aquiles, Heitor, Príamo, Helena, Agamenon e dos
deuses, que, no fundo, é a nossa própria história, a epopeia da humanidade.
Nela está contida a primeira noção de identidade que temos. Entre as páginas
411 e 488, o poeta descreve com detalhes como se deu a guerra de Troia,
tema do primeiro livro com o qual a civilização ocidental aprendeu a ler e
escrever. E, embora alguns estudiosos questionem ainda hoje alguns detalhes
importantes sobre tal poema e até mesmo sobre a sua autoria, é dessa
passagem que fazemos, a partir de agora, um pequeno resumo. Ei-la:
O ano era 1250 a.C.
Fazia já dez anos que Troia estava cercada pelas forças invasoras, dez
vezes superiores numericamente aos seus exércitos. Após inúmeros combates
sangrentos entre gregos e troianos, Aquiles desafia Heitor para uma luta e os
dois duelam, diante de suas tropas. Aquiles vence e mata Heitor.
No entanto, pouco antes de a lança atravessar sua garganta, o príncipe
implora por um último desejo: que seu corpo seja enterrado em Troia, onde
descansará em paz. Cruel, com o coração ainda tomado pelo ódio, Aquiles
nega seu último pedido. Amarra o corpo de Heitor em dois cavalos e os
chicoteia, para que eles o arrastem até o acampamento grego, desonrando
assim seu adversário.
Ao ver o corpo do filho mutilado, Príamo, pai de Heitor e rei de Troia,
implora pelo príncipe já falecido. Deseja levá-lo de volta e enterrá-lo em
Troia, junto aos seus. Príamo pede clemência pelo cadáver do filho. Aquiles
o ignora, nega seu pedido.
O rei se ajoelha e, diante de todos, não apenas implora mais uma vez,
mas chora. Beija as mãos do carrasco que levou seu filho e chora
convulsivamente. Diante disso, o insensível Aquiles se apieda. Percebendo o
absurdo da vida, reflete. Ninguém está destinado a existir para sempre e, em
breve, mesmo ele estará morto também. Sensibilizado, como que tomado
repentinamente por uma luz divina, Aquiles ouve Zeus. E decide então
devolver o cadáver de Heitor, sem nem mesmo aceitar o peso do adversário
em ouro, que o monarca havia lhe oferecido em troca. Ajoelha-se junto ao
rei e, arrependido, chora também ao seu lado.
Ali, naquele momento, juntos, os dois celebram um dos primeiros casos
de identidade da nossa história: a partir daquele instante, não conta mais
apenas a identidade nacional. Não são mais apenas grego e troiano, são muito
mais que isso. Têm muito mais em comum.
São dois iguais. São finalmente dois seres da espécie humana.106

J. D. Salinger e F. Scott Fitzgerald me ensinaram a


pensar, a ler e, talvez, até a escrever.
– Washington Olivetto

Ninguém compra de ninguém com quem não se identifica.


– Washington Olivetto

Devo a Monteiro Lobato tudo de bom que aconteceu na minha


vida.
Foi Monteiro Lobato que despertou em mim o prazer pela
leitura.
E foi graças à leitura que me transformei no que sou hoje em
dia.
– Washington Olivetto

63 A primeira em 1929 e a segunda em 1935.

64 VNews, VBlog – Intervalo, 30/3/2010.

65 “Wilhelm Fliess se queixara de que os sonhos estavam por demais cheios de


chistes, ao ler as provas de A interpretação dos sonhos no outono de 1899 (...)
podemos agora datá-lo, pois dispomos de uma carta em que Freud replicava à
queixa de Fliess” (Os chistes e suas relações com o inconsciente, tomo VIII, p.
13-14).

66 WMcCann, Rio de Janeiro, 13/10/2010.

67 Fonte: Blog Cantinho das Saudade PRK-30.

68 Antes de chegar à DPZ, Washington Olivetto já havia passado anteriormente


pelas agências HGP Propaganda e Lince Propaganda, que, mais tarde, viria a se
chamar Casabranca e, posteriormente, MPM/Casabranca, na qual recebeu o
primeiro Leão de sua vida, com o filme Gotas para o cliente Deca.
69 O comercial citado foi criado pela dupla Neil Ferreira e Zaragoza.

70 A DPZ anteriormente era um estúdio de design, fundado em 1962, e se


chamava Metro3.

71 O nome completo de Monteiro Lobato era José Bento Renato Monteiro


Lobato.

72 Entrevista pelo telefone, em 14/2/2012.

73 Nas primeiras histórias do escritor paulista, Pedrinho se chamava ainda


Joãozinho e sua prima, que mais tarde viria a se tornar irmã, chamava-se ainda
Nenê – só mais tarde viria a ser conhecida como Narizinho. A descoberta faz
parte da dissertação de mestrado da professora Carmen Lúcia de Azevedo, da
PUC-Rio. A professora Carmen Lúcia encontrou entre o vasto material que
pesquisava um caderno de anotações feitas a mão e rabiscado com algumas
alterações, que continham fragmentos de ideias do autor para seus contos e
livros. Era a primeira versão, ainda em estado bruto, dos personagens da sua rica
e instrutiva literatura (Revista Nossa História, ano 1, nº 4, fev. 2004, p. 50-53).

74 Em 28/3/2012.

75 Entre os significados do verbete “leão”, os dicionários Houaiss e Aurélio


registram “arrecadador de impostos”.

76 Foram duas passagens pela DPZ.

77 Entrevista de 28/3/2012.

78 Os parênteses aqui são do autor, Fernando Morais.

79 Em 28/3/2012.

80 O universo para tal pesquisa foi limitado à obra Os piores textos de Washington
Olivetto.
81 Entrevista realizada pela internet em 31/3/2011.

82 Entrevista na WMcCann, no Rio de Janeiro, em 13/10/2010.

83 Dados confirmados por telefone e internet em 29 e 30 de janeiro e também


em 5, 8, 9, 10 e 13 de fevereiro de 2012. Mantivemos uma longa e agradável
conversação ao longo de janeiro e fevereiro e foi durante ela que Chico Abréia
nos revelou essa bela história.

84 O Globo, 1/4/2012.

85 Conversações mantidas pela internet, em 8 e 12 de março de 2012.

86 Discovery Civilization, O rei das pirâmides, programa exibido em 2/1/2012.

87 Coisa mais linda: histórias e casos da bossa-nova, documentário de Paulo


Thiago, 2005.

88 Edu Lobo no programa Som do vinil, exibido no Canal Brasil, em 17/12/2011.

89 Joy ce e Arthur da Távalo (ver nota 25).

90 BBC News, 1/3/2012.

91 WMcCann Rio, 16/12/2010.

92 Entrevista concedida à revista Ele & Ela, nº 183, ago. 1984.

93 Barreto, 1981, p. 122-123; Discovery Civilization, Titã: Procter & Gamble,


programa exibido em 9/4/2012.

94 “É a essa altura que, na obra de Machado de Assis, Darwin se cruza com


Schopenhauer, como aconteceu com Nietzsche, seu contemporâneo, que funde
aquelas duas vertentes na fascinante teoria do super-homem. O nosso
romancista, para quem de todas as coisas humanas ‘a única que tem o seu fim
em si mesma é a arte’”(A semana, 29/9/1895, p. 261; Reale, M. A filosofia na obra
de Machado de Assis. São Paulo: Pioneira, 1982, p. 18).

95 “Não é de se estranhar, pois, que Machado de Assis, apesar de seus


entusiasmos por Montaigne ou Anatole France, não se considerasse propriamente
um cético, mas antes um pessimista sem angústia e sem desespero, inclinado a
ver as coisas do mundo com todas as gamas de ironia” (idem, p. 11) e “Precursor
dos existencialistas, Machado de Assis, que já foi apontado, com razão, como
precursor de Freud, não só pelo papel do sonho...” (idem, p. 16).

96 “O fantasma do amante de minha mãe preenchia o vazio, como uma figura


paterna para qualquer ocasião” (Mentiras íntimas, p. 13 e 377). No livro de
Westbrook, há várias reproduções de bilhetes do autor de Suave é a noite.

97 Washington Olivetto em entrevista realizada na WMcCann Rio, em


16/12/2010.

98 Never do cocaine with Woody Allen (disponível no YouTube).

99 Os três patetas, iniciaram suas atividades artísticas em 1922, em uma


apresentação de vaudeville intitulada Ted Healy and his stooges, em que faziam
escada para um comediante mais famoso na época, chamado Ted Healy, ou
seja, eram apenas coadjuvantes. A formação original era: Moe Howard, Larry
Fine e Shemp Howard – que era irmão de Moe.

100 Artur Xexéo, artigo publicado no jornal O Globo, de 6/7/2011.

101 A quick interview with AdFast 2010 Grand Jury President Washington
Olivetto, from Brazil. December, 2009.

102 Fonte: site Cantinho da Saudade PRK-30, e entrevista concedida por Chico
Any sio à revista Ele & Ela, nº 183, ago. 1984.

103 Entrevista na WMcCann do Rio de Janeiro, em 16/12/2010.

104 “Parece assim que o conceito de ‘idioleto’ pode prestar valiosos serviços ao
psicólogo e ao estudioso do estilo e ter o seu lugar em certos tipos de investigação
linguística, mas que, na esfera mais ampla da linguística geral, deveria haver um
certo cuidado em não obscurecer a distinção entre língua e fala pela introdução
de um terceiro termo entre ambas” (Stephan Ullman, op. cit., p. 50).

105 “A primeira bomba atômica não destruiu apenas a cidade de Hiroshima”


(Abraham Pais. A Ciência e a vida de Albert Einstein. Nova Fronteira, 1982, p.
562) e “As paixões políticas surgem em toda parte e reclamam suas vítimas”
(idem, p. 566).

106 “Aquiles: de mim tem piedade; pensa em teu pai, também velho; bem mais
infeliz sou do que ele, pois chego agora a fazer o que nunca mortal fez na terra:
beijo-te as mãos, estas mãos que a meus filhos a morte levaram (...) Grande
saudade do pai no Pelida o discurso despertara; toma das mãos do monarca,
afastando-o de si com brandura. Ambos choram; o velho, lembrando de Heitor
valoroso, num soluçar convulsivo, de Aquiles aos pés enrolado, que ora o pai
velho chorava, ora a perda do amigo dileto, Pátroclo; o choro dos dois pela tenda
benfeita ressoava (...) Teu filho, velho, tal como o queiras, já está resgatado; jaz
sobre o féretro. Podes revê-lo ao raiar-nos a aurora ou retirá-lo daqui” (Homero.
Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1968.
p. 480-482).
Capítulo II

Análise de conteúdo e estudos sobre a construção da linguagem e o universo


semântico na obra de Washington Olivetto

A cultura popular como elemento constitutivo


de uma linguagem

O interesse do homem pelas palavras não é um fenômeno recente. Pelo


contrário, desde há muito temos notícias de pioneiros que as estudaram e
tentaram compreendê-las melhor.
No século I a.C. Varrão já codificava a gramática latina, considerando a
etimologia, ao lado da morfologia e da sintaxe, uma das três principais
divisões dos estudos linguísticos (Ullmann, 1964, p. 7).
E foi por acreditar que as palavras têm importância fundamental no ato
de dar forma e consistência aos nossos pensamentos que, mais tarde, assim
como ele, inúmeros outros grandes pensadores também dedicariam suas
vidas aos estudos das palavras.
De Platão a Aristóteles, de Shakespeare a Saussure e Jakobson, passando
por Virgílio, Victor Hugo e Mallarmé, inúmeros pensadores nos ajudaram a
compreender a forma mais articulada e fascinante da expressão simbólica e,
muito provavelmente, a maior entre todas as invenções do homem, a
linguagem.
É o professor José Roberto Whitaker Penteado quem nos ajuda a
reforçar tal tese e explicar tal fato. Para o ilustre professor, a origem da
linguagem estaria na Gênese, no Velho Testamento (Penteado, 1969, p. 32).
A linguagem teria surgido quando Deus chamou Adão e pediu para que
ele desse um nome para cada animal sobre a Terra e também para os
pássaros que voavam no céu.
A primeira língua comum entre os homens muito provavelmente teria
sido o hebraico, que, mais tarde, com o advento da Torre de Babel, acabou se
diversificando e originando novas línguas, que se espalharam rapidamente
pelos quatro cantos do mundo107 (Penteado, 1969).
É a linguagem que modela nossos pensamentos. Foi a linguagem que
permitiu a compreensão entre os homens, a transmissão da mensagem e do
conhecimento e a sobrevivência da espécie.
Como dizia a mensagem publicitária de uma companhia de ônibus –
adaptada de um antigo ditado popular –, tudo na vida é passageiro, menos o
motorista e o trocador.
A maior invenção do homem não foi o fogo nem a roda, mas a palavra.
Foram as palavras que permitiram ao homem chegar ao fogo, à roda, à lua e
aonde mais ele quisesse chegar. As palavras são o princípio de tudo (Renha,
2011, p. 80).
As palavras são a razão da nossa existência até hoje.
A linguagem é o principal instrumento de que dispõem o indivíduo e o
grupo a que pertence para se comunicar.
Sem linguagem não há informação e sem informação não há
comunicação e, portanto, não há nada. Sem as duas não seria possível a nossa
sociedade. Como explicar a alguém, senão por meio da linguagem, algo tão
simples e tão formidavelmente complexo e importante ao mesmo tempo,
como, por exemplo, o que é preciso para se acender o fogo?
Como explicar para esse alguém, aliás, a importância do fogo? Como
explicar a invenção da roda, como explicar que a pele do animal abatido
pode ser aproveitada para fazer o casaco que vai nos proteger do rigor do
inverno e que a pedra lascada pode se transformar em faca afiada, que ajuda
a limpar o peixe, a cortar o mato e a afastar os inimigos?
Foi graças à linguagem que conseguimos transmitir todas essas e muitas
outras informações de uma geração a outra ao longo do tempo.
A invenção da linguagem separou o homem definitivamente dos
chimpanzés e dos demais animais. Os chimpanzés continuam ainda hoje a
catar frutas aleatoriamente para se alimentar, quando sentem fome; só o
homem planta e ensina às gerações futuras como e quando colher.
O homem moderno já não se arrisca mais em caçadas: quando tem
fome, vai ao supermercado ou à loja de conveniências da esquina e paga
suas compras com o cartão de crédito, que em algumas situações, nas
promoções, por exemplo, oferece descontos e o parcelamento do pagamento
das mercadorias adquiridas.
Como diz a mensagem da propaganda, certas coisas na vida não têm
preço. Para todas as outras, use o seu cartão de crédito (ou o Mastercard).
É ela, a linguagem, que permite à espécie humana a troca de dados, a
troca de experiências e de conhecimento. A importância da linguagem reside
também neste fato: é por meio dela que é transmitida toda e qualquer forma
de conhecimento de uma geração a outra.
De acordo com os estudiosos, a linguagem é uma atividade espontânea,
não organizada e tem, geralmente, caráter interpessoal. Para Franklin Feraing
(Feraing apud Cohn, 1975, p. 56), os seres humanos produzem e respondem
às mais diversas formas de comunicação: sinal de trânsito, fotografia, poema,
sinfonia, noticiário, sinais feitos com as mãos, uma voz, um mapa, a
propaganda.
Essas são apenas algumas das muitas formas possíveis de comunicação.
Elas são infinitas.
O aviso é uma forma de comunicação que ajudará o homem a
entender, no futuro, como foram as coisas, sua própria história, no passado.
Ele pode ser chamado também de anúncio. Anúncios, como você pode ver,
não passam de avisos e são uma forma de comunicação.
O anúncio feito por Washington Olivetto para a Bombril, que faz uma
paródia ao ex-presidente Itamar Franco, foi criado em janeiro de 1999. O
então governador de Minas Gerais tinha declarado a moratória do seu estado
e, com isso, provocou a maior crise internacional do governo Fernando
Henrique. O anúncio, publicado na revista Veja, criou uma grande crise de
risos nos leitores (“Não dê moratória pra sujeira”).
Viu como uma simples propaganda, muitas vezes, nos ajuda a entender
a história da nossa própria gente e a história do mundo em que vivemos?
Sem a comunicação, nenhuma atividade humana inteligente e, muito
provavelmente, a própria existência do homem não seriam possíveis. Sem
ela, não existiriam sociedade, cultura ou progresso. Não existiriam a arte, a
sabedoria, o planejamento e a dúvida – lembre-se de que é a dúvida que faz o
homem se mover em busca de respostas –, e as pessoas não teriam como
expressar prazer, alegria, tristeza, raiva, inveja ou admiração. Não
entenderiam o elogio ou a crítica. Não dividiriam emoções ou sentimentos de
espécie alguma, pois não teriam como expressá-los, como transmiti-los.
Eis, portanto, a importância da comunicação.
É a comunicação que torna possível os homens entenderem seu mundo
e se entenderem ao mesmo tempo.
Harold Lasswell (1948), que estudou o processo da comunicação
humana, chegou a uma maneira para se descrever um ato de comunicação,
que consiste em responder às seguintes perguntas: quem diz, diz o quê, em
que canal, para quem, com que efeito?
Para o pensador, o estudo científico do processo da comunicação tende
a se concentrar em uma ou outra área dessas questões, e os especialistas que
mantêm o foco dos estudos dirigido à resposta da segunda questão, “diz o
quê”, pesquisam a denominada análise de conteúdo (Cohn, 1975, p. 105).
Dentro desse contexto, uma ciência recentemente descoberta tem-se
mostrado extremamente importante para o estudo e o melhor entendimento
do processo da comunicação, a análise de conteúdo.
Por meio dela, afirma Edgar Morin, é possível traçar a evolução da
cultura de massa. Morin distinguiu três períodos principais dessa evolução: o
primeiro, que abrange o período entre 1900 e 1930, é marcado
principalmente pela diversão e evasão onírica. O segundo, que vai de 1930
até 1955, é marcado pelo apogeu do cinema e traz como principais propostas
ao homem e à sociedade os mitos da felicidade, da agressão e da aventura.
Por fim, temos o período atual, marcado, sobretudo, pelo surgimento de uma
“problematização da vida privada (os problemas do casal e da solidão) e pela
adaptação ao novo sistema de vida privada, centrada na célula doméstica (o
apartamento), com uma janela para o cosmo (a televisão), a barquinha sobre
rodas (o carro) e a alternação trabalho/casa/férias” (Kientz, 1973, p. 70).
O fenômeno da análise de conteúdo tem sido merecedor de estudos por
parte de renomados cientistas, como Lasswell, McLuhan, Quesnel, Baldwin,
Morin, McCundy, Berelson, Moles e Eco, entre outros tantos, com os mais
diversos fins, indo desde o comparativo entre a propaganda alemã e a inglesa
usadas durante a Segunda Guerra Mundial ao estudo do discurso político,
passando pela análise da estrutura linguística empregada no discurso literário,
as características de textos e autores, índices de legibilidade de textos, ao
conteúdo da própria mensagem e suas previsões de efeitos.
Por meio da análise de conteúdo, podemos identificar o que está além
da mensagem, descobrindo as intenções e a psicologia daquele que se
exprime. Com a análise de conteúdo, não podemos afirmar com certeza o
que é, mas podemos afirmar o que não é.
Foi analisando o conteúdo de centenas de cartas trocadas entre Vincent
van Gogh e seu irmão Theo que dois renomados escritores, Stevan Naifeh e
Gregory Smith (ganhadores do Prêmio Pulitzer de 1991 pelo livro Jackson
Pollock: an American saga), reconstruíram a história do mais famoso pintor
holandês e trouxeram à tona uma nova e interessante teoria, até então
inimaginada: teria mesmo o artista se suicidado? Ou teria sido assassinado? –
como parecem querer demonstrar os autores da mais inovadora e polêmica
biografia já escrita sobre Vincent van Gogh.
Em seu mais recente trabalho, Van Gogh: a vida, publicado no Brasil
pela Companhia das Letras, em 2012, os escritores nos revelam nuances no
mínimo intrigantes e bastante pertinentes: por que teria o pintor holandês ido
tão longe de sua residência para cometer o suicídio, se a maioria dos suicidas,
as estatísticas nos mostram, cometem tal ato insano geralmente próximos ou
mesmo dentro de suas próprias residências?108
Nas cartas deixadas pelos dois irmãos, em momento algum Vincent van
Gogh ou Theo empregam o termo “suicídio”. Não que Vincent nunca tivesse
pensado em suicídio, mas o conteúdo analisado nas cartas nos revela palavras
e termos empregados com frequência que parecem negar isso.
Escrevera afirmando achar o suicídio “um gesto de covardia moral”,
um “mal”, “um crime contra a beleza da vida”. Citara por diversas vezes a
frase de Milet sobre o suicídio: “Era o ato de um homem desonesto” (Naifeh
e Smith, 2012, p. 990).
O conteúdo das cartas trocadas entre os dois irmãos, aliás, revela-nos
que nem Vincent nem Theo tinham armas de fogo ou sabiam lidar com elas.
Onde Vincent teria arrumado aquela arma com a qual teria se suicidado?
Um levantamento realizado pela polícia nos mostra que, naquela época,
em toda Auvers, os revólveres eram muito raros e que apenas um deles havia
desaparecido, juntamente com o seu proprietário: René Secrétan e seu irmão
Gaston, filhos do farmacêutico da cidade, haviam deixado a cidade, levando
consigo uma pequena pistolinha 38 (idem, p. 994).
E o mais grave: a arma usada no crime jamais foi encontrada pela
polícia. Onde estaria ela agora?
A verdade é que não há evidências concretas, revelam os autores, nas
mais de mil páginas do seu mais recente livro, sobre a teoria do assassinato do
pintor pós- impressionista. O máximo que encontramos são as palavras de
Vincent, que, quando interrogado pelos policiais sobre o ferimento à bala no
abdome e perguntado se teria tentado cometer suicídio, respondeu com um
enigmático e não conclusivo: “Creio que sim” – “Je me suis blessé” 109
(idem, p. 988).
Mas, ao ser alertado de que tal ato era crime na Holanda, Vincent refez
seu depoimento, mudando sua narrativa para três simples e não
esclarecedoras palavras: “Não acusem ninguém”.
Estaria Van Gogh tentanto proteger alguém? – perguntam-nos os autores
da obra. Quem seria essa pessoa? Por que motivo teria atirado no artista?
Teria sido mesmo uma tentativa de assassinato ou um mero disparo acidental?
Inúmeros depoimentos colhidos na época indicam que nem mesmo em
relação ao local do crime, ocorrido em 27 de julho de 1890, parece existir
uma certeza: na maioria dos livros que foram publicados após a morte de Van
Gogh, afirma-se que foi junto a um trigal, próximo ao cemitério, e a cerca de
trinta quilômetros de Paris. Mas há quem diga que foi num terreno
abandonado, bem distante dali, que tudo aconteceu.
Os documentos analisados pelos autores – e foram necessários dez anos
de pesquisa para tal – nos revelam que, na autópsia de Van Gogh, o médico-
legista questiona o autor do disparo, alegando que o tiro não havia sido a
queima-roupa (pela ausência de vestígios de pólvora) e que a região
abdominal que continha o ferimento mortal dificilmente seria de acesso à
própria vítima, o que pode inidicar a presença de uma segunda pessoa no
acontecimento.110
Quem teria sido essa pessoa? Teria sido alguém próximo do pintor? Teria
sido esse, aliás, o motivo para Vincent van Gogh não a denunciar? Por que o
inquérito policial foi concluído tão rapidamente, mesmo tendo revelado
inúmeras perguntas que permanecem ainda hoje sem respostas
convincentes?
Como já foi dito, a análise de conteúdo pode não nos dizer precisamente
o que é, mas pode nos revelar o que não é. Pode abrir novas janelas à nossa
visão do mundo, dos fatos, das histórias e dos pensamentos das pessoas.
Na “Abertura e justificaiva” de seu livro Os piores textos de Washington
Olivetto, o publicitário escreveu: “Considero esses textos, na maioria,
irrelevantes ou mal escritos. Não é modéstia, é constatação. Tenho
consciência de que a única coisa que escrevo bem é propaganda. (...) Não é
questão de talento. É uma questão de treino. Eu me adestrei para isso desde os
dezenove anos de idade”.
O que será que o autor quis dizer com “não é questão de talento. Eu me
adestrei para isso desde os dezenove anos de idade”?
Estaria ele insinuando que, se ele foi capaz, qualquer um é também
capaz de fazê-lo e, assim, qualquer um que deseje muito ser um bom redator
publicitário poderia vir a ser esse bom redator, se se dedicar e treinar, se se
“adestrar”, como o autor afirma?
Será mesmo que qualquer um que se dedicar e se “adestrar” será capaz
um dia de fazer anúncios tão brilhantes como o feito por Washington Olivetto?
(Ver caderno de imagens, foto 24).
Como diz o ditado popular, você é aquilo que você diz. Você é aquilo que
você escreve, pois a personalidade de uma pessoa também se manifesta por
meio da linguagem.
Tentemos explicar isso um pouco melhor. Exemplifiquemos.
A admiração que Washington Olivetto parece ter, por exemplo, pelo
autor de Suave é a noite, O grande Gatsby e o Último magnata parece ser tão
grande que se evidencia na leitura atenta de uma única frase. Ao discorrer
sobre um de seus hábitos, o de dormir pouco, coisa que confessadamente o
publicitário atribui à identificação que tem com o escritor norte-americano,
que também dormia muito pouco, Olivetto afirma ter lido toda a sua obra (e
também a de J. D. Salinger) não apenas uma vez, mas várias. Palavra por
palavra, parágrafo por parágrafo, página por página.
Na verdade, é possível perceber aqui, por meio de uma da análise de
conteúdo do trabalho de Washington Olivetto, que ele parece querer nos dizer
que não é apenas um simples leitor de Fitzgerald, mas sim, como ele mesmo
escreveu, um “releitor” – ou seja, aquele que lê um determinado texto com
uma grande frequência: “Hoje sou seu releitor” (Olivetto, 2004, p. 126).
A análise de conteúdo, fica assim evidenciado, é um meio, não um fim.
E por isso merece a nossa atenção. Ela pode nos revelar, em palavras que
normalmente não prestamos atenção, a personalidade daquele que as
escreveu.
Visando entender melhor o que pensa Washington Olivetto, nós nos
debruçamos sobre um de seus livros, procurando analisar as palavras que
nele apareciam com maior frequência. A obra escolhida foi Os piores textos
de Washington Olivetto, com 230 páginas. Trata-se de um livro em que foram
republicados textos do consagrado publicitário (crônicas, ensaios, artigos) que
haviam sido anteriormente publicados em jornais e revistas de grande
circulação (como Veja, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e Playboy), sobre
os mais variados temas (como viagens, negócios, gente, pontos de vista do
autor e, evidentemente, a própria publicidade).
Uma vez definido o universo (Os piores textos de Washington Olivetto,
para os textos literários, e os comerciais e anúncios de mídia impressa para a
Bombril, para as peças de publicidade) e delimitadas as margens de erro
(5%),111 voltamo-nos para uma nova questão crucial, a quantificação do
universo a ser pesquisado (que, segundo o método de Berelson, envolve o
número de vezes que certas palavras aparecem nos discursos e a medição da
legibilidade das frases e das palavras utilizadas nos textos).
Como foi dito por Albert Kientz em sua obra Comunicação de massa:
análise de conteúdo, sobre a quantificação na análise de conteúdo, “Berelson
especifica, entretanto, que essa exigência não implica necessariamente que
se atribuam valores numéricos (...) Escreve ele: por vezes essa quantificação
adotará a forma de palavras como ‘mais’, ‘sempre’, ‘frequentemente’,
‘aumento’ etc.” (Kientz, 1973, p. 158).
Sabemos ainda que Flesch trouxe à análise de conteúdo instrumentos que
nos permitem hoje medir, com relativa precisão, a “legibilidade” e o
“interesse humano” de um texto. Então, com base nos estudos de Flesch,
Berelson e A. Moles, passaremos agora a pesquisar o conteúdo manifesto na
obra do citado autor, calculando o número de vezes que determinadas
palavras ou termos escritos por Washington Olivetto aparecem em seus
escritos e a real legibilidade da mensagem.
O motivo dessa pesquisa é tentar desvendar as técnicas de redação que
Washington Olivetto utiliza em seus textos e quais as palavras que aparecem
com maior frequência neles.
Como já havia sido demonstrado por alguns grandes teóricos da
comunicação, como Flesch e Richaudeau, quanto mais curta uma frase,
melhor a legibilidade: os trabalhos de Richaudeau estabeleceram que a
capacidade de memória imediata, o alcance, de um leitor oscila entre oito
palavras (leitor lento) e dezesseis palavras (leitor rápido).
É Kientz quem afirma: “Para assegurar uma boa penetração das
mensagens que difunde, maciçamente, o órgão de imprensa esforça-se por
manter palavras e frases as mais curtas possíveis” (idem, p. 92),
A pergunta que fazemos então é: estaria Washington Olivetto consciente
desses procedimentos e técnicas? Estaria ele, ao escrever suas mensagens
publicitárias, utilizando-se deles?
Qual seria o comprimento médio das frases de Washington Olivetto, na
propaganda e na literatura? Estariam elas dentro das especificações
recomendadas pelos grandes teóricos da comunição?
Analisemos o resultado de nossas pesquisas.
Inicialmente, há que se falar que, durante aproximadamente um ano,
pesquisamos o tamanho das frases escritas por Washington Olivetto e a
frequência com que certas palavras aparecem em seu universo semântico.
Para início de pesquisa, procuramos identificar aquelas que apareciam com
maior frequência.
A teoria da informação (idem, p. 93) nos ensina que a boa legibilidade de
uma mensagem exige certa redundância (repetição da mensagem) e que,
para que a compreensão dessa mensagem seja a mais adequada possível,
deve-se substituir palavras eruditas por palavras simples.
O universo semântico do analisado é repleto de palavras que parecem
ter sofrido tais interferências (ou modificações). A fim de comprovarmos tais
afirmações, analisemos um texto de Washington Olivetto. Escolhemos para
tal um comercial em que o ator Carlos Moreno anuncia o produto Limpol.
A câmera mostra o Garoto Bombril diante de uma pilha de produtos
similares que estão à venda nos supermercados.
Então o ator diz o seguinte texto:
“Aqui estão todos os detergentes que a senhora encontra por aí.
Todos são de ótima qualidade. O nosso é o Limpol. O Limpol lava louças
tão bem quanto qualquer outro.
Mas têm duas diferençazinhas: tem a marca Bombril e custa um
pouquinho menos.
É um pouquinho só, mas é menos”.
Então entra uma voz em off de locutor, que diz o slogan do fabricante:
“Limpol. O detergente da Bombril”.
Analisemos primeiro o universo semântico. Ele é composto por palavras
simples – exatamente como recomenda a teoria da informação: “Substitui-se
uma palavra erudita por palavras comuns” (Kientz, 1973, p. 94). Note que
não existe uma única palavra erudita ou rebuscada nesse texto. São todas
palavras simples, daquelas que o consumidor usa nas suas conversações do
dia a dia – como recomendava, aliás, David Ogilvy.
Repare nas palavras que Olivetto utiliza. São todas coloquiais. Estamos,
evidentemente, diante de um texto informal. Utiliza-se até o diminutivo –
“diferençazinha” –, característica própria do registro informal.
Washington Olivetto, há que se observar também, parece preferir nesse
texto o discurso deliberativo – que aconselha a uma ação futura, que é a
experimentação ou compra do produto ofertado –, em vez da função conativa
– que expressa uma ordem, um comando, do tipo “compre”, “experimente”.
Note que Olivetto parece aconselhar o consumidor (a dona de casa, a
quem a mensagem do Bombril era sempre dirigida) a experimentar o
produto (Limpol), mas não dirige nunca uma ordem a esse consumidor, não
escreve: compre agora, vá correndo comprar!
Os textos de Washington Olivetto, como demonstrado nesse comercial,
empregam o registro coloquial.
Meçamos agora o comprimento das frases. Estariam elas de acordo
com o que estabelece a teoria da comunicação?
“Aqui estão todos os detergentes que a senhora encontra por aí”.
Contou o número de palavras? São apenas onze. Dentro, portanto, do que
estabelecem Richaudeau e Flesch: “A capacidade de memória imediata, o
alcance de um leitor, oscila entre oito palavras (lento) e dezesseis palavras
(rápido)” (Kientz, 1973, p. 91).
Se você contar com atenção, vai notar que nenhuma das sete frases que
formam o texto ultrapassam o limite estabelecido pelos teóricos da
informação.
“Todos são de ótima qualidade”, a segunda frase, é formada por apenas
cinco palavras. “O nosso é o Limpol.” A frase seguinte, a terceira do texto, é
formada por apenas cinco palavras novamente.
Analisemos a quarta frase do texto de Olivetto. Eis a frase completa: “O
Limpol lava louças tão bem como qualquer outro”. São exatas nove palavras
– e, portanto, também dentro dos limites de palavras recomendados.
Sigamos agora para a frase seguinte dessa mensagem publicitária, a
quinta. Eis a frase completa: “Mas têm duas diferençazinhas”. São apenas
quatro palavras.
E a frase seguinte, a sexta, quantas palavras teria? Contemos:
“Tem a marca Bombril e custa um pouquinho menos”. São exatas nove
palavras, como na quarta frase, lembra-se? Até agora, elas são as mais
longas, logo a seguir da primeira que, curiosamente, até agora é a maior,
com onze palavras.
E a frase a seguir, a sétima e última frase: “É um pouquinho só, mas é
menos”. São sete palavras. Quer dizer, temos ainda o texto do locutor. O que
diz ele? Aqui está: “Limpol. O detergente da Bombril”. Cinco palavras,
apenas.
Agora atenção para as recomendações de um grande teórico da
propaganda. Um comercial, para ser entendido, assimilado pelo
telespectador, precisa ser simples, conter uma grande ideia e não deve ter
mais que noventa palavras, já dissera David Ogilvy.112 Esse que ora
analisamos é bem simples e tem bem menos que o limite máximo
recomendado por Ogilvy.
Então, agora que contamos o tamanho de cada uma das frases, façamos
as contas: esse comercial de Washington Olivetto é formado por apenas sete
frases ditas pelo ator Carlos Moreno e uma única dita pelo locutor (a locução
em off que traz a assinatura do anunciante).
Temos então um texto com oito frases. E quantas palavras foram ditas
ao todo? Contemos: foram onze palavras na primeira frase, mais cinco na
segunda, cinco palavras novamente na terceira, mais nove palavras na
quarta, mais quatro palavras na quinta, nove na sexta e sete palavras ditas na
sétima e última frase do Garoto Bombril.
São, portanto, cinquenta palavras ditas pelo Garoto Bombril, que,
somadas às outras cinco do locutor, nos dá o total de palavras que Washington
Olivetto escreveu nesse comercial: exatas 55 palavras.
Agora, levando-se em consideração que esse comercial tinha trinta
segundos de duração, chegamos à conclusão de que foram ditas menos de
duas palavras por segundo. É muito? Não nos parece. É bem menos que as 84
palavras – quase o dobro – que encontramos no comercial das Casas Bahia,
por exemplo, do Dia das Crianças de 2007, que anunciava celulares, ou ainda
um outro comercial do mesmo anunciante, da liquidação anual Casas Bahia,
que tinha 68 palavras, e há outros, evidentemente, com muito mais texto.
Mas há comerciais criados por Washington Olivetto que têm muito
menos palavras, como o comercial Um germe suicida (que mostra o ator
Carlos Moreno observando um possível germe que passa diante dele, de um
lado para o outro, então volta e abre a tampa do detergente anunciado. No
final, o germe entra pela tampinha no frasco do produto e se suicida).
São apenas três palavras ditas pelo ator Carlos Moreno e outras oito pelo
locutor em off, totalizando assim apenas onze palavras narradas durante toda a
exibição do comercial.
Essa média reforça a tese de que Washington Olivetto escreve de forma
coloquial, pois as pessoas, quando conversam, falam mais ou menos nessa
mesma velocidade, concorda?
Nem muito rápido, como os comerciais que anunciam promoções, nem
muito lentamente, como alguns comerciais que anunciam cursos de inglês ou
francês – e notamos que aquilo soa de forma falsa. As pessoas não costumam
falar assim, tão pausadamente.
A pergunta que se faz agora é: teria Washington Olivetto lido os teóricos
da informação? A resposta, ao que tudo indica, ele mesmo nos dá. Ela está na
página 137 de seu livro O que a vida me ensinou. Ali, discursando sobre a
comunicação, Olivetto diz acreditar que ela constitui uma malha de contato
entre os vários saberes humanos e nos revela que pelo menos um desses
teóricos ele leu – Abraham Moles.
Acompanhemos o que o autor escreveu sobre A. Moles: “Um exemplo
disso é o trabalho de Abraham Moles, que era engenheiro elétrico, físico,
sociólogo, psicólogo e mais um monte de coisas. Esse sujeito tinha um modo
especial de espiar o mundo pelo buraco da fechadura. Escreveu sobre a
teoria da informação e a percepção estática, por exemplo, estendendo o olhar
sobre um amplo campo da atuação humana”.
É fácil de ver que, além de admirar o trabalho deixado por Moles,
Olivetto leu também sua obra.
Mas não nos limitemos a apenas um comercial. Quais seriam as
palavras que Washington Olivetto repete com maior frequência em seus
textos?
Vamos separar então os nossos estudos, a partir de agora, em duas
frentes: os textos da propaganda (dos comerciais) e os textos que escreve
para a mídia em geral (artigos, crônicas, ensaios etc.).
Comecemos pelos textos que o autor escreve para os jornais e revistas
(são so textos que necessariamente não versam sobre a publicidade, mas,
muitas vezes, apenas sobre lugares, pessoas e amenidades). Nesse caso,
como foi dito anteriormente, o universo pesquisado foi o do livro Os piores
textos de Washington Olivetto. Nas 230 páginas da obra, as palavras que
Olivetto repetiu com maior frequência foram “texto” e “frase”.
A palavra “texto” apareceu por incríveis 216 vezes. Levando-se em
consideração que, além de empresário, Olivetto é também um redator em
atividade, é surpreendente o número de vezes que uma outra palavra, que
costuma preocupar muito os redatores, apareça apenas oito vezes: “título” .
Quando perguntamos sobre isso ao autor, ele sorriu e nos revelou o
motivo: “É verdade. Eu nunca sofri o pânico do título. Quando está difícil
fazer um título, escrevo primeiro o texto. E, do texto, eu tiro o título”.
Bom ouvir isso de Olivetto, porque a grande maioria dos grandes
redatores diz que você precisa fazer primeiro o título antes de redigir o texto.
Alguns diretores de criação, geralmente quando são da área de redação,
dizem que sem o título não adianta procurá-los, porque não vão ler seu
trabalho.
Durante o tempo em que trabalhei como redator, apenas dois desses
diretores de criação me disseram o mesmo que o Washington Olivetto: Mauro
Mattos e Bernardo Vilhena.
E agora, quem estaria com a razão?
Outras palavras que apareceram com grande frequência nos textos
desse livro de Olivetto foram “publicidade” e “publicitário”. Foram 172
ocorrências.
Faz sentido. Isso evidencia que a maior preocupação do analisado, o seu
principal foco de interesse, é a profissão (a publicidade). Washington Olivetto,
já teria alertado Alfredo Marcantonio, é uma pessoa “viciada em
propaganda”. (Marcantonio apud Morais, 2005, p. 380).
Note que as palavras que Washington Olivetto repete com maior
frequência não são “prêmio” ou mesmo “dinheiro”, como alguns poderiam
supor. As palavras que ele repete mais em seus textos literários são “texto” e
“frase” (216 vezes), seguidas por “publicidade” e “publicitário” (172 vezes).
A impressão que temos é que Olivetto deve acreditar que os prêmios e o
dinheiro sejam uma consequência de “textos” e de uma “publicidade”
benfeita.
Logo a seguir, na ordem decrescente de palavras que parecem constituir
o universo semântico de Olivetto, vieram duas palavras também relacionadas
ao seu negócio: “anúncio”, com 118 menções, e “agência”, com 97.
A palavra “anúncio” parece não sair de sua cabeça. Foram 118 citações
a ela (anúncio/campanha), o que denota a grande preocupação que
Washington Olivetto deve ter com os anúncios criados por ele e pelos demais
criativos que trabalham em sua agência.
“Anúncio”, como acabamos de ver, é a terceira palavra em ordem
decrescente que Olivetto repete com maior frequência em seus textos, no
livro em questão.
A essa altura, você deve estar se perguntando: mas e quanto a palavras
como “trabalho” e “dinheiro”? Será que Washington Olivetto não se preocupa
com trabalho e dinheiro?
Preocupa-se, sim. Elas são as palavras que ocupam, respectivamente, a
sétima e a oitava posições, entre as dez palavras que ele escreve com maior
frequência. São exatas 74 menções à palavra “trabalho” e 71 à palavra
“dinheiro”.
Antes delas, no entanto, vem uma outra palavra que se relaciona com o
seu ofício de redator: “escrever”. Washington Olivetto parece ser um homem
obcecado pela arte de escrever. Tanto na publicidade quanto na literatura.
Foram 75 menções a tal palavra.
Vejamos um desses textos em que o autor cita tal palavra. Ele está na
página 126, no capítulo “Seis contos da era do jazz”. Acompanhe a frase na
íntegra: “Um livro e uma obra influenciaram decisivamente minha vida: o
livro O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, e a obra, toda a
obra, de F. Scott Fitzgerald. O grande Gatsby, Suave é a noite, O último
magnata, Este lado do paraíso e, principalmente, Seis contos da era do jazz me
ensinaram a pensar, a ler e talvez até a escrever”.
Fizemos questão de reproduzir esse parágrafo inteiro para mostrar algo
muito importante. Além de linda, essa dedicatória a dois dos maiores autores
da literatura americana nos faz refletir que são grandes as possibilidades de
Washington Olivetto estar querendo dizer que, na verdade, aprendeu
publicidade aprendendo primeiro a ler e escrever literatura. Talvez por isso
ele tenha tamanha desenvoltura nos dois formatos de textos, que são muito
diferentes, tanto nos textos publicitários quanto nos textos ditos literários.
Na relação das dez palavras que pesquisamos em Os piores textos de
Washington Olivetto que o autor repete com maior frequência, ficaram
faltando agora citar apenas três.
Eis a relação completa (em ordem decrescente):
Na oitava posição, “conta” e “anunciante”. Foram 68 menções a elas.
Logo a seguir, ocupando portanto o nono lugar, a palavra “propaganda”.
São 56 menções a ela. Aparentemente, “propaganda” não é tudo na vida para
Washington Olivetto. Até porque ele cita muitas outras, como viagens, gente,
comidas e aperitivos, livros, filmes e até mesmo literatura.
Mas a propaganda é sim algo muito importante para ele. Tanto assim
que ocupou o nono lugar na relação de palavras que, conscientemente ou não,
repete com maior frequência.
Ficou faltando apenas revelar qual seria a décima palavra mais
recorrente em seu universo semântico. Foi a apalavra “negócio”, que foi
repetida 50 vezes ao longo das 230 páginas que compõem o seu livro.
Entre as mil palavras pesquisadas que foram repetidas mais vezes, seu
universo semântico é composto ainda por inúmeras outras, tais como
Corinthians (29 vezes), família (23), amigo (33 vezes), Deus (6 vezes), chefe
(37 vezes), ganhar (38 vezes), perder (6 vezes), sucesso (17), vender (31
vezes) e comprar (14 vezes).
No entanto, chama a atenção que o autor quase não fala em sorte
(apenas uma vez), fala muito pouco em prejuízo (apenas uma vez, também)
e não menciona sequer uma vez, ao longo de todos esses textos, duas
palavras: fracasso e azar. Quais seriam os motivos? Não nos limitemos ao
índice de frequência e à legibilidade das frases. Sigamos em nossa
investigação.
Nossos padrões de comportamentos e nossas características em geral
também se manifestam por meio de verbos, artigos, conjunções, palavras
que denotam emoções e repetições inconscientes.
Em 1987, os estudos realizados por um professor e psicólogo da
Universidade da Califórnia, Louis Gottshack, causaram estardalhaço e um
certo embaraço entre a comunidade científica e as autoridades.
De acordo com os resultados do trabalho do professor Gottshack, uma
análise linguística do discurso de um presidente americano demonstrou que
havia fortes indícios de que o presidente analisado estava sofrendo de sérios
distúrbios mentais.
A verdade veio à tona alguns anos depois: o eminente professor estava
certo em sua avaliação e o presidente em questão era Ronald Reagan, que,
como viríamos a saber depois, estava com Alzheimer (Revista Mente &
Cérebro, nº 202, Ediouro, nov. 2009).
Como podemos verificar, a análise do discurso nos ajuda a entender o
que pensam as pessoas e a sua aplicação é muito mais usual do que se
imagina.
Trazendo tal tema para a nossa realidade, temos dois estudos recentes
como um significativo exemplo das principais descobertas que a análise de
conteúdo é capaz de revelar sobre a mente de pessoas públicas.
Buscando averiguar as divergências entre o pensamento oficial e o que
proclamavam dois presidentes brasileiros, alguns respeitados jornalistas
traçaram uma análise do discurso do ex-presidente Lula e de Dilma Rousseff.
Os resultados, que foram publicados num jornal de grande circulação, O
Globo, serviram de apoio às nossas pesquisas e passam a partir de agora a ser
analisados.
No caso do ex-presidente Lula, desenvolveu-se um estudo mais
minucioso. O jornalista Ali Kamel publicou um livro, Dicionário Lula: um
presidente exposto por suas próprias palavras (e a reportagem sobre a sua
obra foi publicada no jornal O Globo, de 16 de agosto de 2009).
Quanto à análise do discurso da atual presidente, Dilma Rousseff, como
ainda era cedo para se desenvolver um estudo mais minucioso, duas
jornalistas, Eliane Oliveira e Cristiane Junglut, com o apoio de um
computador, optaram por fazê-lo sobre o discurso de posse da presidente.
A questão levantada por ambas era: chegou a hora de descobrir quem é
a Dilma presidente.
Tal matéria foi publicada no jornal O Globo – em quatro páginas – no
dia posterior à sua posse (manchete do jornal O Globo, 2/1/2011).
Analisemos ambos os casos.
Inicialmente há que se dizer que Lula, brilhante orador, foi o presidente
que passou mais tempo de mandato fazendo discursos: 52% a mais que seu
antecessor, Fernando Henrique Cardoso.113 Extremamente complexos, os
estudos realizados por Ali Kamel cobrem 1.770 discursos do ex-presidente.
Sua pesquisa nos mostra um Lula com uma intimidade tão grande com o
microfone que ele era capaz de fazer um discurso por dia, em média,
chegando em alguns casos a fazer cinco discursos em menos de 24 horas
(idem, p. 10).
Mas o que diz Lula, que chama mais atenção? Inicialmente o jornalista
nos revela que na maioria dos discursos a construção da oratória tinha um
mesmo ponto de partida: o ex-presidente começava falando sobre uma
experiência de dificuldade pessoal, emendava com uma metáfora (jogador
de futebol, terra ou pé de laranja), passava então para um de seus bordões
prediletos (Lula tinha vários, como, por exemplo, “governar é como uma
maratona”, “governar é plantar” e “presidente é como pote de água benta”)
e completava o seu raciocínio.
Lula empregava com frequência metáforas e linguagem simples, que
podia ser facilmente entendida pelo cidadão.
Segundo Ali Kamel, Lula abusava de gracinhas, palavrões, erros e
algumas impropriedades em seus discursos, mas o estilo Lula estava de tal
forma absorvido pelas plateias que ele obteve um salvo-conduto que os outros
políticos geralmente não têm.
O principal tema de Lula, revelaram as análises, era a sua própria
trajetória, e uma das maiores curiosidades que tais estudos desvendaram
foram as brincadeiras que Lula fazia com a sua própria ignorância. Lula
cometia gafes que eram rapidamente perdoadas pelos seus eleitores. Entre as
suas palavras preferidas estavam “companheiros” e “companheiras”. Em
seus oito anos de governo, Lula iniciou 2.264 discursos dirigindo-se aos
“companheiros” e “companheiras”.
Ao se dirigir aos seus ouvintes, Lula empregava a palavra “gente”. E ao
finalizar seus discursos, invariavelmente dizia: “Fiquem com Deus”.
Extremamente minucioso e elogiado pela crítica em geral, o trabalho de
Ali Kamel, editado pela Nova Fronteira, com 671 páginas, acompanhou um
longo período da vida do ex-presidente, os oito anos de seus dois mandatos
presidenciais e, por motivos óbvios, não nos estenderemos sobre ele no
momento. Não há espaço para tal e nem esse é o nosso objetivo. Tais estudos,
evidentemente, foram citados por motivos meramente ilustrativos.
Ali Kamel parece chegar à conclusão de que Lula dizia coisas que só
mesmo Lula poderia dizer, afinal, foi o presidente mais popular da nossa
história. E essa era uma de suas marcas registradas. Cometeu erros históricos,
como ao dizer que Napoleão esteve na China (isso nunca aconteceu) e
quando, num outro discurso, afirmou que Oswaldo Cruz havia descoberto a
vacina contra a febre amarela, quando, na verdade, o cientista brasileiro
apenas combateu o mosquito transmissor da doença. E fazia comentários,
geralmente de improviso, que só mesmo um presidente com o carisma e o
apoio popular que tinha poderia fazer. Dois exemplos: em maio de 2003 ele
falou: “Eu quero dizer isto para vocês: eu não tenho um diploma universitário,
mas este país vai ficar orgulhoso de ver como é que um torneiro mecânico,
formado no Senai, pode cuidar deste país melhor do que alguns doutores que
governaram o Brasil durante tantos anos”. E, em março de 2008, ao se dizer
um homem de sorte, falou: “Eu não tenho tempo para levantar de cara feia.
Eu sou um homem de muita sorte. Então, eu quero continuar, todos os dias,
tendo muita sorte. É o seguinte: tudo o que dá errado é culpa minha, tudo o
que dá certo é porque eu tenho sorte. Eu acho que o povo não vai votar num
azarado para ser presidente da República, nunca. Tampouco uma mulher vai
escolher um marido azarado”.
E quanto ao discurso da atual presidente Dilma Rousseff?
Segundo matéria publicada no jornal O Globo de 2 de janeiro de 2011, o
dia seguinte à posse da presidente, as palavras mais ouvidas em seu discurso
foram “Brasil” e “país”. A primeira foi repetida por 17 vezes e a segunda
teve 22 citações.
Em seguida veio um termo muito utilizado pelo também ex-presidente
da República e atual presidente do Senado, José Sarney, as palavras ou o
termo “brasileiras e brasileiros”. Foram 16 citações.
Sob muitos aspectos, o discurso de Dilma é diferente do discurso de
Lula. Se o ex-presidente tinha uma linguagem e escolha lexical mais
informais, a atual presidente parece optar por um discurso mais técnico,
menos informal; se o registro linguístico de Lula é quase sempre coloquial, o
de Dilma, via de regra, é culto, chegando a afirmar que “não haverá
discriminação ou compadrio”.114
Se Lula abusava do emprego das metáforas e de frases curtas, Dilma
parece optar por frases mais longas e pela exclusão das metáforas – seu
discurso é técnico. Se, por um lado, Lula parecia à vontade com as
improvisações – “quando fala de improviso, as palavras são sempre críticas à
mídia” 115 –, a atual presidente parece mais disciplinada, e sua opção quase
sempre é pelo discurso lido, afastando-se, assim, do improviso.
Para os jornalistas do jornal O Globo, houve um momento em que o
discurso da atual presidente e o do seu antecessor se aproximaram. Esse
momento se dá no final do discurso de Dilma Rousseff, quando ela faz uma
citação a Deus – lembre-se de que Lula invariavelmente terminava seus
discursos com uma citação parecida: “Fiquem com Deus”.
E o que disse Dilma? “Que Deus abençoe o Brasil e o povo
brasileiro”.116
Qualquer semelhança com o discurso do atual presidente americano,
Barack Obama, não é mera coincidência. Além do bordão “Yes, we can”, ele
é conhecido também por dizer algo muito parecido no final de seus
pronunciamentos: “God bless America” – algo como “Deus abençoe a
América”.
Outra palavra que as pesquisadoras descobriram que Dilma citou com
grande frequência foi “povo”. Foi repetida treze vezes.
Uma palavra de cunho afetivo, “carinho”, também fez parte do seu
discurso e foi ouvida por pelo menos quatro vezes, perdendo para a palavra
“coragem”, que apareceu cinco vezes.
A atual presidente parece ter os olhos voltados ainda para o
desenvolvimento e os investimentos. Foram nove citações para a primeira e
oito para segunda.
Uma das palavras que apareceram com maior frequência no discurso
de posse de Dilma foi a palavra “vida”. Ela foi repetida por catorze vezes.
Mais recentemente, a Fundação Casa de Jorge Amado, que cuida da
obra do escritor baiano, disponibilizou na internet cerca de 17 mil páginas
com textos de Jorge Amado – a grande maioria composta por rascunhos
datilografados, muito rasurados pelo próprio escritor – para consulta dos
interessados na literatura do autor de Tieta do Agreste, Gabriela Cravo e
Canela, Dona Flor e seus dois maridos e tantos outros clássicos, considerado
ainda hoje um dos maiores escritores brasileiros.
São 25 livros, escritos por alguém que amava o seu ofício, que escrevia
religiosamente todos os dias, trocando palavras e alterando parágrafos que
ainda não considerava perfeitos, e sabia escrever como poucos.
Uma análise apurada, realizada por especialistas nos rascunhos do
escritor baiano, revelou parte do seu processo criativo que nos mostra um
Jorge Amado extremamente exigente na construção de seus textos, capaz
mesmo de escrever e reescrever um mesmo trecho dezenas de vezes, até
alcançar o resultado esperado.
Para você ter uma ideia do nível de exigência de Jorge Amado consigo
mesmo, Tereza Batista cansada de guerra passou por quatro diferentes
versões antes de ir para as livrarias, transformando por fim o personagem
amante da personagem título, o capitão Justiniano Duarte da Rosa, num
homem violento, brigão e de maus instintos (Revista Veja, edição 2.166, maio
2010).
Tais estudos realizados sobre a obra de Jorge Amado, além de confirmar
o que todos já sabiam, que a esposa do autor e também escritora Zélia Gattai
simplesmente revisava os erros de português do marido e opinava também
nos destinos dos personagens, trouxeram à tona uma realidade que poucos
conheciam: as evidências são de que, para o escritor baiano, escrever era um
ato racional e não meramente de intuição, como muitos acreditavam até
então.
Washington Olivetto, como já foi visto aqui, também parece pensar
assim, que o ato de escrever nada tem de intuitivo: “Não trabalho com esse
componente denominado inspiração” (Olivetto, 2004, p. 63).
Comparando os conteúdos das mídias de épocas diferentes, podemos
traçar a evolução da cultura de massa. Utilizando a análise de conteúdo, por
exemplo, Violette Morin efetuou um longo estudo sobre France-Soir sob a
ótica do cômico, do chiste, descobrindo que, na maioria das vezes, esse
processo se dava por meio do emprego de um elemento polissêmico (palavra
com mais de um sentido) que causava uma reviravolta na história, levando-a
a uma inesperada e nova direção (Kientz, 1973, p. 43-56).
Num estudo mais recente, Carol Bolt (Bolt, 1975, p. 152) pesquisou os
vinte adjetivos encontrados com maior frequência na publicidade americana.
Note que tal estudo, pioneiro na época, deu-se há quase quarenta anos. E
acredite, amigo, o mais interessante é que eles são os mesmos que a
publicidade emprega com maior frequência ainda hoje, nos comerciais
televisivos.
Quantas vezes você já não viu um comercial de TV em que o locutor
anunciava palavras como: “é grátis”, “delicioso”, “refrescante”, “é leve” ou
ainda destacava a palavra “novo”?
Alguns desses adjetivos, aliás, já eram citados em Confessions of an
advertising man (1963), obra de Ogilvy que é anterior ao estudo da professora
Bolt. Note a semelhança. Ogilvy recomendava a utilização de adjetivos
como: “new”, “free”, “easy”, “fine”, “bright”, “sure”, “delicious”, “extra”,
“light”, “big”, “great”, “nice”, “special”, “wonderful”, “good”, “safe”,
“fresh”, “full”, “clean” e “crisp”, comprovando a velha teoria de Bernbach,
de que algumas coisas em publicidade não mudam jamais: “A natureza
humana não mudou em um bilhão de anos. Tampouco mudará no próximo
bilhão de anos. Só mudaram os aspectos superficiais” (Ogilvy, 1985, p. 219).
Carol Bolt estudou os adjetivos encontrados com maior frequência nos
anúncios da TV americana porque conhece bem o poder das palavras. Sabe
que o emprego de adjetivos, de verbos e da função poética pode ajudar
redatores a descrever melhor o produto, tecer comparações com os
concorrentes e intensificar sentidos.
Carol Bolt sabe que, na arte de escrever e persuadir, em especial na
propaganda, palavras aparentemente banais de banais nada têm. Tais
palavras, poderosas, na verdade, podem transformar automóveis e
apartamentos em símbolos de status e objeto de desejo, podem transformar
cosméticos e peças de vestuário em símbolos de prestígio e sedução e, talvez
o mais importante, impõem ao consumidor a necessidade da ação: compre,
experimente. Se eu fosse você, só usava Bombril.
Com certeza Carol Bolt leu Skinner, que ao publicar Contingências do
reforço (1975) nos ajudou a entender uma importante questão para a
propaganda, a percepção: “Os problemas da percepção têm a ver com o
controle de estímulo do comportamento. Estímulos distintos às vezes parecem
ter o mesmo efeito, e o mesmo estímulo às vezes parece ter efeitos distintos...
Olhar uma foto é diferente de vê-la. Pode-se olhar sem ver e ouvir sem
escutar, ou pelo menos antes de ver e escutar” (Skinner, 1975, p. 112-113).
Adjetivos são poderosos estímulos do comportamento humano, e a
propaganda, que há muito sabe bem disso, emprega-os criteriosamente hoje
em dia.
Decididos a investigar que adjetivos o publicitário Washington Olivetto
emprega com maior frequência em seus textos de comerciais, selecionamos
alguns de seus mais conhecidos trabalhos para a propaganda. Quais seriam
aqueles que aparecem com maior frequência nos seus anúncios?
Seriam os mesmos apontados pela pesquisadora Carol Bolt, em seu livro
O poder da linguagem?
Não se esqueça de que, embora o texto publicitário seja essencialmente
adjetivado, adjetivos são juízos de valor e, como tal, não são uma
unanimidade, podem ser contestados: o melhor, o mais barato, o mais
confortável. O que é o melhor? O que é confortável? O que é barato? O
melhor para você pode não ser o melhor para um amigo seu. O que é
confortável para você pode não ser suficientemente confortável para alguém
ao seu lado. O que é barato para você pode não ser barato para alguém de
poder aquisitivo menor que o seu.
Alguns estudiosos da comunicação acreditam que a propaganda é uma
ciência que estuda o processo da transmissão da mensagem (Tchakhotine,
1967) e asseguram que a manipulação científica é possível (Melo, 1998, p.
78).
Joseph Klapper, que escreveu, entre outras, a obra Os meios de
comunicação de massa e a persuasão, chegou a catalogar alguns princípios
gerais que orientam a ação persuasiva. Para o pensador, a persuasão se dá
mediante a apresentação planejada, ou não planejada, de conteúdo adequado
pelos meios de comunicação.
E, se a persuasão se dá por meio de uma ação planejada, essa
mensagem, no caso, do texto publicitário, virá então acompanhada de uma
conotação positiva que será realizada, principalmente, pelo emprego de
palavras e termos que contribuem para uma efetiva persuasão, como os
adjetivos.
A frase “um bairro pobre” não tem o mesmo sentido ou significado que
“um pobre bairro”. Assim como a frase “dê um par de meias para o seu
pai”, que já foi veiculada em diversos anúncios para o Dia dos Pais, ganhou
um novo sentido e uma força persuasiva muito mais intensa quando foi
publicada sobre a foto de duas meias garrafinhas de vodca. Mudanças de
palavras podem fazer grande diferença nas vendas do produto.
Balzac já afirmara: “Escrever é fácil, difícil é usar o adjetivo (Carvalho,
1996, p. 29). Decididos a investigar então quais seriam os adjetivos que o
publicitário Washington Olivetto emprega com maior frequência em seus
textos de comerciais para a TV, selecionamos, aleatoriamente, 41 deles, todos
da série Garoto Bombril, para análise.
Esse número, que nos parece bastante significativo, representa 10% dos
aproximadamente quatrocentos comerciais117 criados ao longo das quatro
décadas em que a série vem sendo exibida e, acreditamos, nos fornecerá
uma boa amostragem para os estudos que pretendemos realizar.
Para uma melhor compreensão da real dimensão destes nossos estudos,
listamos a seguir a relação completa dos comerciais a serem pesquisados.
São eles: Piada suja, Bombril 1001 personagens, Bombril é 10, Repentista,
Japas, Carlitos (Pãezinhos), Promoção Bombril quase de graça (com
Rogéria), Garoto Bombril com Nelson Ned, Garoto Bombril com Ronaldo
Fenômeno, Androide, Luxo, Mãe do Garoto Bombril, Estátua, Mágico, Garota
Marisa, Demitido e readmitido, Carlitos (Cinema falado), Índia, Bombril Eco 3,
Cacique e Outra vez. E mais: Promoção carrão de marajá, Quanto, Promoção
Roletrando Bombril, Pinho Bril com o personagem Bond Boca, Garoto Bombril
(Mon Bijou) com Fernandinho da US Top, Bombril quase de graça, Fernando
Henrique, Bombril quase de graça com Mary Alexandre, Bombril Copa do
Mundo 2002, Limpol (avô do Garoto Bombril), Limpol (Irmãzinha do Garoto
Bombril), Limpol (Sobrinho do Garoto Bombril), Bombril (Limpolzão),
Cunhado do Garoto Bombril, Bombril tudo, Bombril com Galinha Azul da
Maggi, Primo do Garoto Bombril, Quanto (Abuse e use C&A), Quanto
(Lavanderia do Yoshito), Bombril (Piano), Limpol (Natural) e Pinho Bril (Pense
em mim). (Ver caderno de imagens, fotos 25 a 33).
Uma vez tomada tal decisão, decidimos ir um pouco além da simples
análise dos adjetivos e incluímos também nessa nossa pesquisa duas novas e
importantes frentes de análises. A primeira delas diz respeito à inclusão de
uma nova categoria de palavras a serem estudadas, a dos verbos, pois, se os
adjetivos contribuem para intensificar sentidos e tecer comparações entre o
produto anunciado e seus concorrentes, os verbos servem para seduzir e
expressar ordens de comando, como o da aquisição do produto: “compre”,
“use”, “experimente”.
Quais seriam os verbos que Washington Olivetto emprega com maior
frequência nas suas redações?
Já o segundo acréscimo em nossas pesquisas tem por objetivo procurar
responder a uma pergunta para a qual muitos teóricos mantêm seus olhos
voltados ainda hoje: quantas vezes o nome do produto ou a marca deve
aparecer num comercial? Quantas vezes é necessário repetir o nome ou a
marca de um determinado produto para que o consumidor o memorize?
Visando encontrar tais respostas, desenvolvemos uma análise de
frequência, que vai nos revelar o número de vezes que a marca ou produto
(no caso de Quanto e Limpol, produtos da família Bombril) é citada em cada
um desses comerciais selecionados.
Em Confissões de um publicitário, p. 148-149, David Ogilvy sugeriu que
o nome do produto fosse repetido do início ao fim do comercial: “A
consumidora média, pobre coitada, é sujeita hoje a dez mil comerciais por
ano. Assegure-se de que ela reconheça o nome do produto que está sendo
anunciado no comercial. Repita-o ad nausean, do início ao fim”.118
Quantas vezes sugere Washington Olivetto que isso precise acontecer
para o comercial se tornar eficiente?
É surpreendente o que descobrimos. Nas redações de Washington
Olivetto parece não haver muito espaço para palavras como nice, special,
wonderful ou fresh. Nem para full, clean ou safe. Teria Washington Olivetto
criado um universo semântico próprio?
A verdade, como teremos a oportunidade de constatar a seguir, é que
algumas das palavras mais utilizadas pela propaganda que durante décadas
ditou as regras e apontou caminhos no mercado brasileiro de publicidade, a
americana, quase não aparecem nos textos de Olivetto.
As palavras “grande” (ou great) e “grátis” (free) – duas das mais
repetidas nos anúncios americanos – também aparecem bem poucas vezes. A
primeira surge, por exemplo, no comercial com o cantor Nelson Ned e é
fácil perceber que a palavra “grande” (elemento aqui nitidamente formador
de chiste, como teremos a oportunidade de analisar no capítulo posterior)
entra sob forma de recurso retórico, dita, aliás, pelo próprio cantor e ator:
“Grande Bombril”, diz ele, no final da mensagem.
Enquanto “grátis” aparece num tom nitidamente jocoso, como, por
exemplo, nos comerciais Bombril quase de graça (na paródia ao ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso e nos outros dois comerciais da série –
o primeiro com a atriz e modelo Mary Alexandre e o segundo com a
também atriz e apresentadora de TV Rogéria).
Nas três situações criadas pelo brilhante redator paulista, o consumidor,
mais que assistir a uma simples mensagem comercial, é presenteado com
uma situação cômica, divertida, que ajuda a levantar o seu astral diante da
telinha da TV.
A impressão que tivemos foi a de que Washington Olivetto conhece sim
o universo semântico dos comerciais americanos – tendência essa que se
espalhou e influenciou boa parte da propaganda contemporânea mundial – e,
numa metalinguagem, parece querer brincar com esse universo, provocando,
por meio dessa gozação publicitária, a surpresa e o riso no telespectador.
Tentemos explicar isso melhor. Analisemos seu trabalho.
O primeiro fato interessante que pudemos constatar em nossas pesquisas
foi que, entre os mais de quarenta comerciais da Bombril analisados por nós,
apenas dezesseis deles, pouco mais de 30% de todo o material pesquisado,
trazia aqueles adjetivos que estão entre os mais recorrentes nos comercias da
TV americana.
As exceções, ou seja, os comerciais de Washington Olivetto em que
encontramos os mesmos adjetivos que os redatores americanos costumam
usar com frequência e estão listados anteriormente, são bem poucas, e você
pode conferir isso nos seguintes comerciais: Promoção Bombril quase de
graça (“de graça” – duas vezes no comercial Fernando Henrique, três vezes
no comercial com Mary Alexandre e outras duas vezes no comercial com a
Rogéria) e Garoto Bombril com Nelson Ned (“grande”) e Mágica (“grande” e
“nova”, ou new). A lista dos adjetivos mais encontrados nos comerciais da TV
americana volta a aparecer em alguns outros comerciais de Washington
Olivetto, entre os quais estão os trabalhos em que o ator Carlos Moreno
aparece como Ronaldo Fenômeno e Pinho Bril com o personagem Bond
Boca (Cepacol) e Androide (“novo”, “fácil”, ou easy, “grande” e “novidade”,
ou new), no comercial Garoto Bombril com Fernandinho US Top também é
usado o adjetivo “bom”, ou good. Avô do Garoto Bombril (“bom”),
Roletrando (“bom”), Lavanderia (“bom”), Pinho Bril com Bond Boca
(“bom”), Outra vez, comercial da Volta do Garoto Bombril (“o maior”, ou
greatest), Pelé (“melhor”, ou best) e Che (“grande”).
Por outro lado, seu universo semântico parece ser sim polvilhado de
palavras que David Ogilvy recomendava inserir no título e corpo de texto do
anúncio, como as palavras “apresentamos”, “agora”, “mágico”, “incrível” e
“bom” (comerciais Mãe do Garoto Bombril, Mágico, Garota Marisa, Carlitos
– Cinema falado – e Promoção Roletrando).119
Os adjetivos encontrados com maior frequência nas mensagens
comerciais de Washington Olivetto, portanto, foram “bom”, “grande” e
“incomparável”. A palavra “bom” surge, via de regra, numa associação com
a palavra que designa a própria marca do anunciante, Bombril, como no
comercial Promoção Roletrando, em que o ator Carlos Moreno faz uma
paródia ao apresentador de TV Sílvio Santos, interagindo com a plateia.
Ao perguntar: “é bom, é...”, ouvimos a resposta da plateia, que responde
animadamente tal qual nos verdadeiros programas de auditório, falando o
nome do produto anunciado: “Bombril”.
Tal procedimento retórico nos faz lembrar um pouco de um outro
slogan, de um outro anunciante, que procurou seguir pelo mesmo caminho
(associativo) e parece ter conseguido alcançar seus objetivos. A Bay er.
Lembra do slogan da Bay er?
Era simplesmente genial: “Se é Bay er, é bom”! 120
Foi criado há mais de cem anos, sabia?
Quanto aos verbos, o mais curioso é que raramente Olivetto emprega
aqueles mais recorrentes na propaganda americana e que, aliás, a
propaganda brasileira também utiliza com grande frequência, como, por
exemplo, os verbos comprar (compre), usar (use) ou experimentar
(experimente), parecendo preferir em vez deles algo mais sugestivo e menos
imperativo, como os verbos recomendar, limpar, ganhar e brilhar ou dar
brilho.
“Se a senhora não quiser gastar essa diferença (o Garoto Bombril
acabara de dizer que o produto que anuncia, o Pinho Bril, é um pouquinho
mais caro), compra um outro. Depois a senhora dá um jeito na mão... passa
um creminho!”
É sutil a mensagem direcionada por Washington Olivetto ao consumidor.
Ela não impõe, aconselha apenas. Não é impregnada, como a maioira das
outras mensagens publicitárias, de verbos no imperativo.
A influência que Olivetto parece ter sofrido profissionalmente não vem
da propaganda americana, mas da inglesa. Ele mesmo assume isso em Os
piores textos de Washington Olivetto. Nas páginas 40 a 43, ele escreve que a
grande descoberta dos publicitários ingleses foi perceber que o consumidor
era capaz de se encantar com a publicidade talentosa e inteligente. E, então,
antes de ter seu próprio estilo, passou a adotar o estilo inglês de escrever
propaganda: “Descaradamente imitada por mim a partir dos anos 1970 e por
muitos outros brasileiros depois... Essa é a publicidade inglesa. Feita para
funcionar mesmo. Não apenas para inglês ver”.
Já quanto ao índice de frequência com que a marca ou nome do produto
anunciado aparece em comerciais, temos de confessar que o resultado foi
uma grande surpresa para nós também. Mais uma vez, Washington Olivetto
parece quebrar regras, inovando e indo em caminho inverso ao que é
recomendado pelos livros de comunicação.
Certamente sabe o que faz.
Primeiramente porque, ao contrário do que afirmava David Ogilvy
(pelo menos o de Confissões de um publicitário), na grande maioria dos
comerciais da Bombril, a marca ou o nome do produto aparecem bem
poucas vezes. Em alguns deles, aliás, acontece o fato inusitado de o nome
nem sequer aparecer, exceto por escrito ou no slogan, como no caso dos
comercias Carlitos, Estátua e Piano (Ver caderno de imagens, fotos 34 e 35).
Confira a seguir o número de vezes em que a marca Bombril é citada
em cada um desses comerciais:
Piada suja: quatro vezes; Bombril é 10: quatro vezes; Repentista: o nome
Bombril é citado uma única vez; Japas: são três referências ao nome Bombril
durante todo o comercial; Carlitos (comercial Pãezinhos): não há única
citação ao nome Bombril; Quase de graça (com Fernando Henrique): o nome
Bombril aparece três vezes; Comercial Nelson Ned: são quatro citações ao
nome Bombril; Ronaldo Fenômeno: uma única vez; Androides (lã de aço):
são cinco citações ao nome Bombril; Mãe do Garoto Bombril: o nome
Bombril é mencionado cinco vezes durante o comercial; Estátua: a marca
Bombril não é mencionada uma única vez; Mágica: são cinco citações ao
nome Bombril; Garota Marisa: quatro vezes o nome Bombril é mencionado
em cena; Demitido: o nome Bombril é citado uma única vez; Readmitido: o
nome Bombril é citado duas vezes; Carlitos (Cinema mudo) é um dos
comerciais em que a marca Bombril aparece mais vezes – são cinco citações
(todas por escrito, pois a curiosidade desse filme é que, sendo uma paródia
aos filmes mudos, o nome/marca Bombril não é citado uma única vez. O
comerial é literalmente mudo, sem palavras); Índia: uma única menção à
marca Bombril; Eco: Bombril é citado três vezes, e por fim o comercial
Outra vez, que tem duas versões, uma em trinta segundos de duração; e outra,
mais longa, de dois minutos. Na primeira, a marca Bombril é mencionada
três vezes; enquanto na segunda é repetida sete vezes. (Ver caderno de
imagens, fotos 36 a 38).
A breve análise de conteúdo que acabamos de realizar sobre o discurso
de Washington Olivetto nos comerciais de TV revela alguns fatos muito
interessantes acerca do publicitário e escritor.
Inicialmente, ela parece nos revelar uma total despreocupação do autor
em seguir tendências ou modismos redacionais. Washington Olivetto parece
utilizar um vocabulário próprio, diferente dos utilizados nos comerciais da TV
americana.
Além disso, é preciso estar atento também para um outro importante
fato: o de que seus aparentes conselhos, uma vez colocados no imperativo,
representam na verdade uma ordem para a dona de casa: “Este é o meu
último comercial para a Bombril. Eu estou parando. Não vamos ficar tristes
não, tá bom? Olha, toda vez que a senhora usar um produto Bombril, a
senhora vai lembrar um pouquinho de mim. Promete?! (trecho do comercial
Despedida – a segunda).
Note que esse “promete” está empregado no imperativo – que
representa uma ordem: “Função conativa ou imperativa. O ato comunicativo
externa forte apelo ao receptor, representa uma ordem, por exemplo,
‘continue lendo’” (Carrascoza, 1999, p. 38).
Tais fatos nos levam a crer que Washington Olivetto opera com um
universo semântico todo próprio que, na maioria das vezes, foge ao padrão da
linguagem comumente utilizada pela grande maioria dos outros redatores em
comerciais, optando assim por utilizar adjetivos como “único”, “insuperável”,
“barato”, “inimitável”, “melhor” e “fantástico”.
A conclusão a que se chega é a de que, ao contrário do que muitos outros
redatores de propaganda fazem hoje em dia, Olivetto parece não redigir seus
textos seguindo influências da propaganda americana, que, aliás, imperava na
propaganda brasileira, ditando tendência na mídia nacional.
Repare no anúncio do início dos anos 1940, publicado na revista O
Cruzeiro, que comunicava o lançamento de um automóvel, o Hudson 1941. O
título ainda não utilizava as figuras de linguagem que Olivetto utiliza em seus
anúncios e que ajudam a dar duplos sentidos às frases: “A vida parece mais
linda”.
Analisemos o texto deste anúncio antigo:

O novo Hudson 1941 foi feito com a preocupação de


proporcionar prazer. Num Hudson hoje a vida é mais amigável e
jovial. Um verdadeiro prodígio de esforço criador conseguiu
reunir no novo Hudson as características dos carros de alta classe
em beleza, luxo, técnica, segurança, aos tão combiçados
elementos de economia dos carros de baixo preço. O novo
Hudson é econômico, é forte, é belo, tem luxo e deslumbrante
aparência, sobressaindo na beleza de suas variadas cores a
cromagem brilhante. O novo Hudson é o carro ideal para o
campo e incomparável para a cidade. Torne mais linda a sua
vida, visite a exposição Hudson e peça uma demonstração.
Observe o fácil manejo e a perfeição do acabamento. Só vendo!

Agora repare na primeira frase do texto. Notou a palavra que está


escrita logo no início do anúncio e que viria a ser recomendada por David
Ogilvy pouco mais de vinte anos depois? Ela mesma, a palavra “novo”.
Repare então que a palavra “novo” aparece quatro vezes ao longo do
texto que anuncia o Hudson 1941. A repetição, aqui proposital, é uma das
inúmeras técnicas retóricas utilizadas pela propaganda que tem como
objetivo reforçar um nome ou especificação do produto ofertado. Facilita a
memorização desse detalhe que se quer realçar para o consumidor.
Voltemos agora à análise do trabalho de Olivetto. Comparemos os
estilos. Pelo contrário, Washington Olivetto parece ter encontrado um estilo
redacional próprio que, ao que tudo indica, passou a ser seguido pelos
redatores das novas gerações de publicitários brasileiros, principalmente a
partir dos anos 1970 e 1980, criando assim, como bem lembra o professor
Celso Figueiredo, uma nova escola de redação: “Puxadas por Washington
Olivetto, o mais brilhante e apreciado profissional de publicidade da época,
hordas de publicitários invadiram o cenário social e impuseram seus gostos,
sua visão cosmopolita, seu humor sofisticado, sua estética elegante e
transformaram a atividade em lançadora de tendências” (Figueiredo, 2006, p.
15). (Ver caderno de imagens, fotos 39 a 43).
Gostaríamos de finalizar voltando a falar sobre o número de vezes em
que Washington Olivetto cita a marca ou o produto anunciado, para
explicarmos o provável motivo que teria levado o redator a optar por tal
estratégia.
E aqui, voltamos a lembrar, também nos deparamos com uma nova e
interessante surpresa. Ao contrário do que imaginávamos, e do que
recomenda grande parte dos estudiosos da comunicação, como David Ogilvy,
por exemplo, Washington Olivetto não cita a marca anunciada nem o produto,
do início ao fim do comercial.
Na grande maioria das vezes, ele não repete o nome ou a marca que
está anunciando, provavelmente porque tenha percebido, por meio de
pesquisas de recall, que não era preciso fazer isso para o consumidor
memorizar o nome. Muito provavelmente porque já sabia que só de ver o
ator Carlos Moreno entrar em cena o consumidor já estaria pensando: lá vem
um comercial da Bombril.
As pesquisas e o bom-senso devem ter mostrado a Olivetto que o
consumidor, a essa altura do campeonato, já tinha associado a imagem de
Carlos Moreno, o Garoto Bombril, à marca Bombril e a toda a família de
produtos que a Bombril fabrica.
Vale ressaltar que, em alguns casos, aliás, Washington Olivetto sequer
cita o nome ou a marca – se bem que, é verdade, a marca estudada aparece
o tempo todo na tela, durante os trinta segundos – ou mais – do comercial,
pois, ao fundo, logo atrás do ator Carlos Moreno, permanece visível o tempo
todo para o telespectador um enorme logo com a marca Bombril.
Entre os comerciais analisados, o campeão absoluto de citações da
marca é o antigo comercial que virou cult e tinha a duração de três minutos.
Quem não se lembra do ator Carlos Moreno cantarolando um antigo sucesso
da dupla Leandro & Leonardo, Pense em mim? Pois durante os três minutos
de exibição do comercial o Garoto Bombril cita a marca Pinho Bril por
exatas quinze vezes e Bombril uma única vez.
Nos demais comerciais em que o texto faz referências ao nome do
produto ou marca anunciada, estes são mais alguns em que a marca Bombril
ou o nome do produto é citado com uma maior frequência. Confira a seguir:

Comercial Promoção Roletrando: 7 citações;


Comercial 1001 utilidades: 10 citações;
Comercial Sobrinho do Garoto Bombril: 7 citações;
Comercial Pinho Bril Bond Boca: 2 citações;
Comercial Carrinho marajá: apenas 1 citação;
Comercial Quase de graça com Rogéria: 4 citações;
Comercial Quase de graça com Mary Alexandre: 4 citações;
Comercial Irmã do Garoto Bombril: 5 citações;
Comercial Copa do Mundo 2002: nenhuma citação ao nome
ou à marca;
Comercial Cunhado do Garoto Bombril: 6 citações;
Comercial Primo do Garoto Bombril: 4 citações;
Comerecial Lavanderia do Yoshito: 5 citações;
Comercial Bombril piano: nenhuma citação à marca ou
nome do produto;
Comercial Mãe do Garoto Bombril: 5 citações;
Comercial Pelé: 5 citações;
Comercial Chaplin: 6 citações;
Comercial Chaplin (preto e branco): nenhuma citação
falada, mas há 5 por escrito – fora o logo enorme ao fundo;
Comercial Pense em mim: 15 citações ao nome ou marca;
Comercial Limpol natureba: 2 citações;
Comercial Avô do Garoto Bombril: 5 citações;
Comercial Bombril com Galinha Azul: apenas 1 citação;
Comercial Bombril com Fernandinho da US Top: 4 citações;
Comercial Bombril abuse & use C&A: 4 citações;
Comercial Despedida do Garoto Bombril: 5 citações;
Comercial Bombril cacique: 3 citações;
Comercial Bombril Índia: apenas 1 citação.

O universo semântico de Olivetto já há muito merecia um estudo


aprofundado como o que ora nos propomos a realizar. Estando ele entre os
quatro mais premiados redatores da propaganda de todos os tempos,
evidentemente precisávamos saber que palavras ele emprega em suas
redações, por que motivos as emprega e de que forma as escolhe.
Como acabamos de ver, os textos de Washington Olivetto são como suas
impressões digitais: únicos e nos revelam pistas do modo como o redator
opera, na hora de expressar suas ideias.
Certamente por isso o também redator e professor da ESPM Carlos
Domingos, definindo a importância de Olivetto para propaganda, assim tenha
escrito, em Criação sem pistolão: “A agência de Washington Olivetto
[W/Brasil] marcou época com comerciais impactantes, inteligentes e
emocionais como O primeiro sutiã, para a Valisere, Passeata, para a Staroup,
Hitler, para a Folha de S. Paulo, os comerciais do Posto São Paulo e vários
outros...Washington foi responsável pela corrida das agências por Leões em
Cannes. Num único ano, a W conquistou oito Leões em filmes” (2003, p.
122).
Após analisarmos todos esses textos criados por Olivetto para a Bombril,
ficamos inclinados a concordar com a afirmação de Carlos Domingos: A
história da propaganda brasileira pode ser dividida em duas fases: antes e
depois de Washington Olivetto.
Em seu estudo sobre semântica, Stephen Ullmann (1964, p. 49),
professor das universidades de Glasgow e Oxford, lembra que há uma
estreita ligação entre a língua e a personalidade do autor, que permite
estabelecer uma correlação estatística entre a proporção de verbos e
adjetivos e a estabilidade emocional de uma pessoa.
Um dos métodos mais frequentes nessa investigação é o estudo sobre as
palavras empregadas por um determinado escritor de modo a averiguar, nos
seus aforismos, o que é único e o que é idiossincrático no seu manejo da
língua.
Schopenhauer ia ainda mais longe, acreditando que o estilo de autor era
como a fisionomia de sua mente. Essa fisionomia, concluía o filósofo alemão,
pode ser capturada, examinando-se o estilo, que é conservado em seus
escritos. O que cada escritor redige, a forma como o faz, é único, como uma
impressão digital. Ao colocar suas mãos sobre o papel, o autor deixa a sua
marca.
Se colocássemos dois textos aqui, ambos de autores clássicos, um do
lado do outro, bastaria uma breve análise para saber qual pertence a
Shakespeare e qual pertence a Nietzsche. E uma leitura mais atenta
provavelmente nos revelaria nuances que, talvez, tenham passado
despercebidas quando da primeira leitura.
Os grandes textos, assim como os grandes segredos, parecem estar nos
detalhes.
Assim, torna-se possível, por meio de pistas e evidências deixadas por
aquele que redigiu as ideias, desvendar nas palavras a sua personalidade, o
que pretendia dizer naquele momento e o porquê.
Pelo tom bem-humorado e chistoso da maioria de seus escritos, tudo nos
leva a crer que encontramos um autor irreverente, alegre e despojado de
formalidades.
Como nos lembra Berelson, a análise de conteúdo é capaz de nos
fornecer pistas sobre a personalidade de um autor que talvez sejam
desconhecidas até por ele mesmo.
Sigamos, pois, em nossos estudos.
Tentemos desvendar as principais técnicas e os procedimentos de
rewriting adotados por Washington Olivetto. (Ver caderno de imagens, foto
44).

A força persuasiva do discurso de Washington Olivetto


na mensagem da Bombril na TV e o case O primeiro
sutiã a gente nunca esquece

A cena já virou corriqueira na vida de milhões de telespectadores de


todo o mundo: você está confortavelmente assistindo televisão, em casa,
quando, de repente, entra o break comercial, interrompendo a sua novela, o
seu noticiário ou o seu programa esportivo predileto.
Chato, não?
Nem sempre, responde a maioria dos telespectadores analisados pelas
pesquisas, pois o comercial que anuncia produtos e serviços é o mesmo que
instrui e diverte. Assim como os programas de maior audiência, o comercial
também é aguardado como um espetáculo à parte pelo telespectador, por isso
algumas agências anunciam nos jornais de domingo: “Não perca logo mais,
na abertura do Fantástico, o novo comercial da Valisere”. (Ver caderno de
imagens, foto 1).
Sobre esse verdadeiro fenômeno da comunicação, Washington Olivetto
assim comentaria alguns anos depois: “A verba destinada para a veiculação
era pequena, mas a empolgação era tanta que permitiu que eu propusesse
uma estratégia atrevida: por que não começar veiculando o filme três vezes
na sua versão de um minuto e meio – secundagem até então não utilizada nos
comerciais de televisão –, sendo uma inserção no Fantástico do domingo,
outra na novela das 8 da segunda-feira e outra no Jornal Nacional da terça?”
(2008, p. 23).
Anos mais tarde, aliás, e voltaremos a falar sobre isso, Washington
Olivetto inovaria novamente, lançando um comercial para a revista Época
com uma secundagem ousada e totalmente inusitada até então: três minutos
de duração.
O resultado de tais estratégias é sempre extremamente positivo para o
anunciante: o comercial do primeiro sutiã foi veiculado apenas três vezes na
Rede Globo, mas criou tamanho impacto que há quem jure que ele não
apenas passava a todo instante na TV como ainda passa hoje em dia, de vez
em quando.
A explicação que os teóricos da comunicação dão para o caso é simples
e convincente: como não é comum a inserção de propagandas de tão longa
duração na televisão, o comercial de um minuto e meio, que pega o
telespectador desavisado, faz esse telespectador tomar um susto e acreditar
que tal mensagem inserida na mídia fosse mais longa do que realmente era:
“você viu aquele comercial do ‘primeiro sutiã a gente nunca esquece’ na
TV?”, pergunta esse telespectador a um amigo. “Caramba, como era longo.
Devia ter quase cinco minutos!”
Não era tão longo assim.
Professores da PUC e da FGV, com vários livros publicados sobre
marketing, administração e propaganda, J. M. Campos Manzo e Walter Cunto
(Manzo e Cunto, 1975, p. 191), parecem concordar plenamente com tal
raciocínio. Para os dois professores, embora não haja ainda uma
comprovação para tal afirmativa, “os comerciais dentro do programa têm
muito mais probabilidade de serem vistos do que aqueles que se colocam
após o seu encerramento”, pois é mais comum do que se imagina o
consumidor deixar a sala ou parar de prestar atenção na mensagem que
passa na sua televisão, logo após o encerramento de seu programa.
É interessante notar que esse tipo de estratégia faz surgir também uma
das modalidades de propaganda mais desejadas pelos publicitários: a
propaganda gratuita, gerada pelos comentários dos consumidores e,
usualmente, denominada propaganda de “boca em boca”.
Em A publicidade segundo Ogilvy, p. 101, aliás, o publicitário da 5ª
Avenida já havia recomendado tal estratégia: “Vale a pena transformar o seu
anúncio em um escândalo visual”.
Lançado em 1987, o filme do primeiro sutiã ganhou todos os prêmios
imagináveis, gerou teses acadêmicas, milhares de artigos, matérias,
rejuvenesceu a marca e ainda rendeu um livro: O primeiro a gente nunca
esquece, em que se reuniram textos de autores como João Ubaldo Ribeiro,
Marina Colasanti, Zueni Ventura, Ancelmo Góis, Elio Gaspari e Arnaldo
Jabor, entre outros.
Virou um ícone da propaganda.
Como bem lembra o professor Rafael Sampaio, em seu livro
Propaganda de A a Z (Sampaio, 1997, p. 140), a campanha criada por
Olivetto para a Valisere, que, além do filme citado, trazia ainda dois outros – o
primeiro mostrava um menino que, ao espiar num banheiro de colégio, via o
primeiro sutiã de sua vida, e o segundo mostrava um homem que não
esquecia o último Valisere de sua vida ao sair de um encontro romântico na
casa da namorada –, não apenas possibilitou que a empresa pudesse vender
milhões de novas unidades de sutiãs, como também gerou para a tradicional
marca anunciante uma imagem altamente positiva entre as mulheres de
todas as idades.
A propaganda, que vende artigos de necessidade bem como futilidades,
também presta serviços relevantes à sociedade, divulgando campanhas de
vacinação em massa e campanhas beneficentes.
A falta de propósitos na vida, as frustrações do dia a dia, a ansiedade e a
solidão que levam as pessoas à bebida, ao jogo e ao vício, é a mesma que as
impulsiona a colar o rosto na tela da TV para simplesmente matar o tempo,
ter companhia e se distrair.
Se o rádio, as revistas e o horóscopo, como afirmara Edgar Morin, eram
o oráculo a ser consultado pelo cidadão no passado, hoje pode-se dizer o
mesmo da TV, da internet e dos celulares, que levam os filmes que queremos
ver para o lugar que quisermos, na hora que quisermos.
Menos mal assim, pois já não nos sentimos mais tão sós. Temos o Casal
Unibanco para conversar e o Garoto Bombril para nos fazer rir.
Contraditória, a nossa sociedade estimula a vida na coletividade, mas, ao
mesmo tempo, é na individualidade que o cidadão se destaca e tem seu valor
reconhecido. Quem ganha o jogo é o time, mas o herói que sai nas capas dos
jornais e das revistas é o artilheiro que fez o gol da vitória. A origem da
sociedade, já havia dito Hobbes, está no egoísmo.
Historicamente falando, percebemos que o individualismo sempre foi
enaltecido por ela. Quem descobriu a América? Cristóvão Colombo. Quem
inventou a lâmpada? Thomas Edson. Quem conquistou a Índia, o Egito, a
Síria, a Fenícia, a Arábia, a Babilônia e quase todo o mundo de sua época e
depois morreu aos 33 anos, de causa até hoje desconhecida? Alexandre, o
Grande.
Mas sozinhos? – perguntaria Brechet. Não havia mais ninguém com
eles?
E a pergunta que nos vem então à mente é: é a propaganda que estimula
a violência, a ostentação e a competitividade, ou é a própria sociedade que
premia apenas seus vencedores?
Para alguns estudiosos, a propaganda não cria valores e necessidades,
nem tampouco hábitos. Eles existem, e o que a propaganda faz é apenas
manipulá-los, reforçá-los, trazê-los à tona. Você não estaria precisando
comprar algo hoje?
Em Análise transacional da propaganda, o professor Roberto Menna
Barreto cita um importante trabalho realizado pela socióloga Zilda Knoploch,
intitulado Ideologia do publicitário. Segundo a tese da socióloga, “O
publicitário apenas manipula os valores, os hábitos, ansiedades firmadas nos
diferentes grupos. Ele não cria valores, ele reforça e aprofunda o que já
existe”. E, para Menna Barreto, esse o “que já existe” é que reforça a
manipulação (Barreto, 1981, p. 168),
Ao contrário do homem do século XIX, que era julgado por seu caráter,
hoje o que parecer ser levado em conta é o que possuímos, o que vestimos. A
produção em massa alterou a percepção do consumidor de tal forma que,
hoje, o dilema de Hamlet, personagem de Shakespeare, não seria mais “ser
ou não ser”, mas “ter ou não ter, eis a questão”.
Faz sentido.
Ninguém precisa dizer que, para se manter asseado, é bom você fazer a
barba todos os dias e tomar banho. Você sabe disso. Ninguém precisa dizer
que, para ser bem tratado, você precisa se vestir bem – você sabe disso,
também.
O que a propaganda faz então é lembrá-lo, colocando um sujeito
simpático que pergunta diante da câmera: “Já comprou o seu Prestobarba?”.
“Se eu fosse você, só usava Lux.”
Não esqueça que o mundo trata melhor quem se veste bem: use US Top.
E você, que é uma mulher bonita, compre Lux, e você, que é um homem
pragmático, compre o Prestobarba, e você, que quer ser bem tratado por
todos, compre as roupas parecidas com as do ator que anuncia aquela
determinada marca na TV.
As marcas não são importantes apenas porque agregam confiabilidade e
segurança. Elas agregam também valor, prestígio ao produto. Como dissera
Ogilvy, ninguém gosta de ser visto comprando produtos de segunda categoria.
É inocência acreditar que o homem vai renunciar aos prazeres materiais
em favor de uma existência mais espiritual. Não vai. O que ele vai querer é
sempre mais do que precisa.
O professor de história Watson Christopher, da Universidade de
Rochester, tem uma teoria bem interessante a respeito: se os homens fossem
movidos apenas pelos impulsos e interesses individuais, diz ele, ficariam
satisfeitos, como os outros animais (Christopher, 1986, p. 237).
O homem nunca está satisfeito, é verdade, e talvez por isso mesmo
procure consumir cada vez mais, ainda que, muitas vezes, nem desconfie.
Mas não é assim tão ingênuo a ponto de acreditar em qualquer mensagem e
nem tampouco essa mensagem é tão poderosa a ponto de levá-lo a acreditar
em tudo o que é anunciado.
Ingênuo não é o consumidor, mas quem assim pensa.
O consumidor rejeita a mensagem que não lhe interessa e, embora
muitos teóricos ainda discordem disso, o que determina se um produto é de
luxo ou artigo de primeira necessidade, lembra o professor Menna Barreto, é
o poder aquisitivo do consumidor.
Nos tempos da comunicação de massa, a TV veicula os sonhos da
sociedade, retrata-a. E, se a angústia e a solidão empurram o telespectador
para o consumo, é a TV então que lhe faz companhia e acena com a
possibilidade de um amanhã melhor, em que o happy end e a felicidade o
aguardam no final de cada história, de cada capítulo, de cada break
comercial.
“A felicidade que é cantada pelos media, a chantagem que eles
permanentemente exercem sobre a felicidade – a publicidade, em particular,
com a sua profusão de sorrisos aliciantes – é um produto híbrido... é a
aventura justificante da vida. Prestígio, status, conforto, bem-estar,
segurança, tornam-se os componentes principais da felicidade” (Morin, 1984;
Kientz, 1973, p. 66).
E, se McLuhan foi um dos primeiros a notar que o leitor saboreia os
anúncios com a mesma intensidade que saboreia as notícias, hoje há quem
afirme que a TV nem sempre interrompe a programação. Muitas vezes ela
dialoga com o telespectador e então pergunta: dá licença?
Dessa vez surge na sua tela um ator magrinho, carismático; a essa
altura, com ar de velho amigo. Ele é conhecido pelo grande público.
Interrompe o seu programa para anunciar um produto no horário nobre da
TV: Bombril.
Interpretando vários personagens diferentes, como vários alunos e uma
professora, ele nos narra uma história engraçada, que, na verdade, é quase
uma anedota e está devidamente enraizada no folclore brasileiro: a história de
Joãozinho, o garoto boca-suja que fala muito palavrão em sala de aula.
A situação é conhecida por todos; você quer ver então como ela vai se
desenrolar e qual o novo desfecho criado pela propaganda. Então, mesmo
sem perceber, você para tudo o que está fazendo e presta atenção na cena. O
nome do filme é Piada suja e foi criado por Washington Olivetto.
Analisemos tal roteiro.
O primeiro a surgir em cena é o Garoto Bombril. Carlos Moreno
antecipa a ação que veremos a seguir, que mostra vários alunos sendo
sabatinados pela professora. Joãozinho, como na piada, vai interromper
constantemente a professora, que, com medo de ouvir um palavrão do
menino, acaba sempre pedindo para a resposta ser dada por um outro aluno.
Eis os diálogos:

Garoto Bombril:
– Bombril limpa tudo. Quer ver? Sala de aula...
Corte. Vemos agora o interior da escola. A professora pergunta:
– Quem sabe uma rima para lambreta?
Joãozinho, sorriso maroto no rosto, evidentemente, levanta a mão.
– Eu sei! Eu sei! Eu sei!
“Lá vem besteira”, pensa a professora. Temerosa, ela interrompe:
– Você não, Joãozinho. Mariazinha, responda.
Mariazinha responde:
– Lambreta rima com caderneta.
Joãozinho fica desapontado. Não deixaram ele falar.
A professora sorri, orgulhosa:
– Muito bem. Agora uma rima para fruta.
E Joãozinho insiste:
– Eu sei! Eu sei! Eu sei!
A professora, mais uma vez receosa, interfere:
– Você não Joãozinho... Pedrinho.
E Pedrinho responde:
– Araruta.
A professora é um orgulho só:
– Correto.
Então, faz uma nova pergunta:
– Quem sabe uma rima para urubu?
E, é claro, Joãozinho levanta a mão:
– Eu sei! – grita ele.
A professora, desconfiada, diz:
– Você não, Joãozinho. Verinha, responda.
E Verinha responde:
– Tutu.
– Muito bem – diz a professora. – Agora, uma rima para avião.
O Joãozinho não levanta a mão. Está triste, sentindo-se rejeitado. Com
pena do aluno, a professora comete um erro: pede que ele responda.
E Joãozinho, com um sorriso imenso de menino sapeca nos lábios, diz:
– Avião rima com anão.
A professora se espanta: milagre. Joãozinho não disse um palavrão.
É o que ela pensa. Pois, logo a seguir, Joãozinho, usando agora um
sentido metafórico, completa a sua frase, mostrando nas mãos uma esponja
de Bombril. Ele diz:
– É. Anão. Mas é com um Bombril deste tamanho!
Enquanto Joãozinho sorri, o Garoto Bombril encerra, dizendo ao
telespectador:
– Viu, Bombril limpa tudo. Até piada suja.
Temos então um come-back (recurso técnico em que se faz uma volta
final ao comercial, que, aparentemente, já havia terminado) e vemos
Joãozinho anunciar:
– Eu tenho uma rima para Bombril!
E o ator Carlos Moreno faz o gesto típico de quem manda ele se calar:
psiuuu! (Ver caderno de imagens, foto 45).
É interessante notar que, na construção dessa narrativa, assim como na
de vários outros comerciais criados por Olivetto, há evidente emprego da
digressão – que nada mais é que o desvio de rumo ou de assunto.
Note que, em vez de começar o comercial já vendendo o produto, ou
seja, falando sobre as qualidades do Bombril, o redator optou por iniciá-lo
contando uma história (ou uma anedota). Buscou prender a atenção do
consumidor primeiro para só depois, já quase ao final do filme, revelar ao
telespectador que se trata sim de uma propaganda, e não apenas de uma gag
ou chamada para um programa humorístico veiculado na emissora. A
narrativa aqui não é linear. A digressão é um subterfúgio, um recurso
encontrado com frequência na literatura e no cinema. Os filmes de Woody
Allen, por exemplo, outro nome que o publicitário admite como mentor
intelectual de sua obra – e nós teremos a oportunidade de analisar tal
afirmativa mais adiante, no capítulo em que analisamos a linguagem e os
recursos retóricos que Olivetto emprega na construção de seus textos –,
também são repletos de digressões.
Em O apanhador no campo de centeio, o personagem principal, Holden
Caulfield, enaltece tal recurso estilístico. Defendendo um aluno que era
interrompido pelos colegas toda vez que digredia, aos berros de “digressão,
digressão”, Caulfield assim se manifesta: “O problema comigo é que eu gosto
quando um sujeito sai do assunto. É mais interessante... eu gostava dos
discursos dele mais do que de qualquer outro sujeito... e, se o sujeito sai um
pouquinho do assunto, todo mundo grita: ‘digressão!’” (Salinger, 1951, p. 160-
161).
A digressão é um recurso estilístico encontrado na propaganda com uma
frequência muito maior do que se imagina.
Quem não se lembra de um comercial do banco Itaú em que dois
executivos, ao saírem de um escritório para fazer um lanche rápido,
deparam-se com um vendedor de cachorro-quente muito simpático que,
enquanto prepara os seus sanduíches, narra suas teorias muito complexas
sobre investimentos financeiros, deixando tais executivos boquiabertos?
Na conclusão do filme, terminada a inteligente explicação de como
funciona o mercado, o vendedor, humildemente, encerra dizendo que, se eles
procuram mesmo uma boa dica de investimento, devem procurar o Itaú, pois
o seu ramo é mais salsicha, pãozinho e essas coisas mais simples.
A estrutura desse comercial foi toda montada sobre a técnica da
digressão. Note que o personagem começa falando sobre um assunto, foge
para um outro, que, aparentemente, não tem nada a ver com o tema tratado,
e então conclui, voltando ao assunto original.
Tal técnica serve para surpreender o telespectador, ao mesmo tempo
em que prende a sua atenção no tema tratado no comercial.
Isso é digressão. E, ao longo desse trabalho, tornaremos a comentar
propagandas que empregam a digressão como recurso retórico na construção
da mensagem, buscando ainda demonstrar a sua importância e também a
frequência com que ela aparece no trabalho de Olivetto.
Para Holden Caulfield, “muitas vezes, a gente só descobre o que
interessa na hora que começa a falar sobre uma coisa que não interessa
muito” (idem, p. 161). A digressão, afirmam alguns estudiosos, torna a vida
menos previsível e mais interessante.
Será que Washington Olivetto nos criticaria por essa pequena digressão?
Numa entrevista que tivemos com o autor na WMacCann do Rio, em
2011, ele lembrou que tal série de comerciais quase não foi para o ar. Quando
a primeira propaganda foi apresentada, ainda nos tempos de DPZ, alguns
representantes do cliente – a família Ferreira, que na época detinha a Marca
Bombril – acharam o personagem vivido pelo ator Carlos Moreno
completamente fora de tom.
Para eles, o personagem parecia delicado demais, quase afeminado.
Um personagem assim, na época, não era comum. Os galãs de então eram
mais ao estilo machão, estavam muito mais para John Way ne e Stallone que
para Carlos Moreno. As mensagens que a grande maioria dos publicitários
daquela época dirigiam às donas de casa pareciam ser preconceituosas, sob
certos aspectos.
Era como se os redatores escrevessem para uma dona de casa submissa
e sem opinião. Era como se o homem escolhesse pela mulher o produto que
ela tinha de usar em casa. Então, na maioria das vezes, autoritariamente, o
ator dos comerciais ordenava: olha, compre este produto que eu estou
anunciando e fim de conversa. Na maioria dos textos, o que havia era uma
ordem, e não um conselho, uma sugestão.
Woody Allen, com seu jeitinho engraçado e também delicado para a
época, já fazia sucesso nas telas, é verdade. Mas era na telona dos cinemas,
para um público mais sofisticado, não era nos comerciais de TV, feitos para o
grande público.
Francesc Petit, que criou a série de comerciais em dupla com
Washington Olivetto, teve dificuldades em convencer o cliente do contrário. O
problema era simples: todos temiam que o personagem fosse mal recebido
pelas donas de casa e o consumidor em geral. Se isso acontecesse, o produto
seria rejeitado nas prateleiras. Então para que correr riscos? Talvez o melhor
fosse mesmo recusar o comercial, reprovar a ideia, certo? Errado.
Se Petit e Washington não tivessem insistido com o cliente, e se não fosse
o apoio que eles receberam de Ronaldo Ferreira, um dos únicos que tinham
realmente poder de aprovação e acreditaram no sucesso da campanha, o
Garoto Bombril, um dos cases de maior sucesso em toda a história da
propaganda, não teria passado de mais uma ideia brilhante, como tantas
outras, que foram parar no lixo.
E já que estamos tratando de um tema delicado, talvez fosse bom
lembrar um episódio ocorrido durante os anos 1980, quando foi exibido o
comercial Demitido – que tratava da demissão do Garoto Bombril.
Num dos textos mais inteligentes que a propaganda já viu, Olivetto
consegue abordar um tema extremamente delicado para a época: o
homossexualismo, o preconceito existente contra os homossexuais que,
naquela época, era muito forte.
Ao se despedir da dona de casa, com quem, havia duas décadas,
conversava e orientava em termos de produtos de limpeza, recomendando,
evidentemente, sempre os produtos da linha Bombril, Carlos Moreno fala
para a dona de casa que aquele era o último comercial do Bombril que faria.
Que estava se despendindo do telespectador. Fora demitido. E então,
justificando os motivos da sua demissão, afirma que, na fábrica, disseram
que ele não estava sabendo vender bem o produto Bombril e que havia até
quem reclamasse dizendo que ele era meio assim... – e o ator faz gestos
como que demonstrando – afeminado.
Foi a primeira vez que alguém ousou tocar num tema tão difícil e
problemático para a época. Foi a primeira vez no Brasil que se falou, num
veículo de comunicação de massa, a TV, sobre a questão do
homossexualismo.
Repare na sutileza do texto que transcrevemos a seguir, na
coloquialidade, na criteriosa escolha lexical do redator que escreveu tal
roteiro:
Com ar triste, enquanto ia retirando o uniforme de vendedor da Bombril,
tirando o jalequinho branco que usou em todos os comerciais do produto, o
ator Carlos Moreno, mais conhecido pela dona de casa como o Garoto
Bombril, ia se despedindo das suas amigas, dizendo:

Esta é a última vez que a senhora me vê aqui, na televisão.


Perdi a boquinha. O pessoal lá da companhia disse que eu não fiz
a propaganda direito. Que eu não falei das mil e uma utilidades.
Que eu não disse que Bombril custa tão pouquinho que a senhora
pode usar mais de um por dia. E que, além de tudo, tinha gente
comentando que eu era meio assim – e que isso não pegava bem.
Adeus. Me desculpe alguma coisa.

E então, pela primeira vez na história da série de comerciais da Bombril,


não ouvíamos a voz do locutor (feliz e orgulhoso) anunciando que “Bombril
tem mil e uma utilidades”. Ouvíamos um silêncio profundo que permanecia,
como uma despedida, até a entrada do próximo programa ou comercial. (Ver
caderno de imagens, foto 46).
Houve um número tão grande de cartas, escritas por donas de casa que
pediam que o ator da Bombril não fosse demitido, endereçadas à agência
DPZ – que na época criava os comerciais – e à própria fábrica da Bombil
que, pouco depois, o ator Carlos Moreno estava de volta à telinha anunciando
os produtos que têm mil e uma utilidades, naquele comercial que se eternizou,
chamado A volta do Garoto Bombril.
A sutileza desse texto só viria a ser igualada quando, algumas décadas
depois, já no limiar dos anos 2000, aconteceu aquela que seria a derradeira
despedida do Garoto Bombril, em que, mais uma vez, Washington Olivetto e o
cliente ousariam abordar novamente a questão – ainda hoje polêmica – da
homossexualidade. Note no tom intimista e, novamente, na magistral
construção frasal do comercial. Com a idade chegando e a calvície teimando
em aparecer, o ator vem a público mais uma vez anunciar sua despedida.
Analisemos o texto para compará-lo ao texto anterior.
De paletó escuro, e não mais o jaleco branco que o caracterizava como
vendedor da Bombril, surge na tela o ator Carlos Moreno. Ele evidencia agora
uma ligeira calvície e o passar dos anos. O Garoto Bombril vai se despedir
das donas de casa. Essa é a segunda vez. E, tudo indica, a derradeira. O
momento é triste. Então o ator, com a voz embargada, quase chorando, diz o
seguinte texto:

Este é o meu último comercial para a Bombril. Eu estou


parando. Mas não vamos ficar tristes não, tá bom? Olha, toda vez
que a senhora usar um produto Bombril a senhora vai lembrar um
pouquinho de mim. Promete? Eu queria agradecer do fundo do
meu coração. Esse tempo todo que a gente passou juntos, a
Bombril se tornou a marca da maioria. E olha que eu faço parte
de uma minoria. É. A minoria dos garotos-propaganda tímidos.
Aliás, não era para eu contar, mas eu vou. A Bombril vai chamar
representantes de mil e uma minorias para continuar esta história.
E eu vou me juntar à senhora e à maioria e assistir tudo do meu
sofá, no meu pijaminha. Não vamos dizer adeus. A gente se
encontra por aí, nos supermercados da vida. Ah, perto da
prateleira da nossa querida Bombril. (Ver caderno de imagens,
foto 47).

Outro aspecto a ser analisado nesse comercial diz respeito à cultura


popular, visto que a preocupação com o tema é uma constante nos trabalhos
de Washington Olivetto. Falemos sobre mediação e cultura popular.
Sobre o tema, Martin-Barbero nos lembra que a audiência básica da TV
na América Latina ainda é a família. É para ela que são produzidos os
produtos da indústria cultural (Martin-Barbero, 2003, p. 305). Os comerciais
de Bombril, se é que você já notou, são todos assim: dirigidos à família,
dirigidos à dona de casa. E é interessante notar ainda que, apesar do tom
coloquial da mensagem, essa dona de casa é sempre chamada não de você,
mas de “a senhora”.
Falando ainda sobre mediação e cultura, logo a seguir, na página 306 da
mesma obra, Martin-Barbero afirma que, para passar a sua mensagem, a
televisão recorre a dois intermediários funcionais: um personagem retirado
do espetáculo popular, o animador ou apresentador, e um certo tom de
linguagem que fornece o clima exigido, o coloquial.
Esse apresentador – animador –, mais que servir para a simples
transmissão de informações, é na verdade um interlocutor, é aquele que
interpela a família, convertendo-a em seu interlocutor.
Na página 160 de O que a vida me ensinou, Olivetto discursa sobre a
importância do animador (seja ele o garoto do comercial ou o apresentador
do programa de auditório da TV). Ao emitir seu ponto de vista sobre a
televisão dos anos 1960, 1970 e 1980 no Brasil, o redator e escritor revela sua
opinião: “A televisão brasileira até aquele momento tinha sido muito
acadêmica. O telespectador era tratado como um ancião, como se a televisão
tivesse de pedir permissão para entrar nas casas das pessoas”.
Como isso mudou? Olivetto explica logo a seguir. Quando “um homem,
cujo nome era Abelardo Barbosa,121 decidiu fazer uma transmissão na qual,
no lugar da gravata, que todos os apresentadores usavam, vestia-se de formas
diferentes, uma mais excêntrica que a outra. E, em vez de usar uma
linguagem formal, utilizava uma linguagem completamente informal e tinha
capacidade de criar e transformar em palavras de uso comum expressões
que ninguém imaginava que fosse possível usar na televisão”.
É inquestionável que as novas tecnologias estão ajudando a formatar
novas formas de aprendizado e facilitando a divulgação imediata da
mensagem. Washington Olivetto parece ter sido um dos primeiros a perceber
isso no Brasil. Mas criar grandes e inovadoras campanhas usando essas
ferramentas não significa garantia de êxito. O que fazer então, como
proceder para se obter a efetivação da mensagem nos meios?
Olivetto mais uma vez parece ter a resposta. Como ele próprio já havia
afirmado (Olivetto, 2011, p. 83), muita gente ainda despreza o gênero
narrativo da propaganda, mas a verdade é que o ser humano adora sim uma
história da carochinha. O problema é que pouca gente parece saber contar
bem uma história.
Voltemos a Martin-Barbero. Na longa entrevista que concedeu a Cláudia
Barcellos, publicada posteriormente na Revista Brasileira de Ciências da
Comunicação, v. XXIII, nº 1, jun. 2000, o pensador espanhol, radicado na
Colômbia, fez importantes declarações sobre o tema, que parecem ir de
encontro ao que vem afirmando Washington Olivetto.
Primeiramente, teorizando sobre mudanças de comportamento,
principalmente entre os jovens, ele disse acreditar que a publicidade não só
tem importância fundamental nesse processo, como também está ajudando a
modernizar o país (a Colômbia, no caso) e a produzir cultura: “Acredito que a
mudança começou com a produção de cultura” (p. 156-157).
Mas o mais importante ainda estava por vir. Logo a seguir, na página
158, ao responder a uma pergunta sobre a recepção dos conteúdos, Martin-
Barbero veio a ratificar o pensamento de Olivetto sobre a importância do
apresentador de TV – recurso de comunicação inserido em todos os
comerciais da Bombril, por exemplo, por meio do personagem Garoto
Bombril.
Vejamos o que disse o pensador espanhol. Ao afirmar que a juventude
está vivendo uma ruptura muito grande e que essa ruptura não pode ser
entendida sem a presença das novas tecnologias e da publicidade, o autor
afirmou: “Muita gente, de pequenas cidades, sente-se mais próxima hoje do
apresentador de TV que do seu próprio vizinho”.
Ora, o que o Martin-Barbero quer dizer com isso é que muitos de nós
podemos não saber o nome ou profissão de um determinado vizinho,
podemos não saber nada da vida desse vizinho, que está tão próximo e ao
mesmo tempo tão distante, mas conhece a vida de um determinado
apresentador de programa de TV ou ator que interpreta um determinado
personagem de uma série de comercias.
Quem não conhece, por exemplo, aquele ator que faz o Garoto Bombril
da TV? Quem não se lembra – ou até mesmo sente saudades – do ator
baixinho que fazia o papel do sujeito simpático que era o herói dos comerciais
de uma determinada marca de cervejas, a Kaiser?122 Quem não se lembra
de Débora Bloch e Luiz Fernando Guimarães (depois Miguel Falabella)
interpretando o Casal Unibanco?
Como se pode ver na declaração de Washington Olivetto, na página 160
de O que a vida me ensinou, temos nitidamente exemplificados os dois
elementos básicos que, para Martin-Barbero, constituem a base com que são
confeccionados os produtos da indústria cultural dirigidos à audiência básica
da América Latina, a família: o apresentador de TV e o tom coloquial.
Ao notarmos então que tais ingredientes são encontrados com
frequência nos comerciais criados por Olivetto, e em especial na série do
Garoto Bombril, em que a interação se dá por meio do diálogo do
apresentador com a dona de casa (o consumidor do produto anunciado),
somos levados à pergunta: teria Washington Olivetto lido Martin-Barbero?
É bom lembrar que, em dois de seus livros mais consistentes, mais
maduros, Os piores textos de Washington Olivetto e O Que a vida me ensinou,
Washington Olivetto faz claras referências a teóricos da comunicação. Em Os
piores textos, Olivetto, ao falar sobre o tema anarquia, cita Guattari e
Deleuze: “Ultimamente alguns filósofos, como Felix Guattari e Gilles
Deleuze, têm falado disso” (p. 164).
A que outras teorias da informação teria ele tido acesso ao construir sua
obra de consumo de massa? Tentemos explicar melhor tais convergências de
ideias e os métodos utilizados por Washington Olivetto na elaboração de seus
textos publicitários.

Revolucionando a mensagem publicitária


na propaganda de TV

Num outro comercial daquela que é ainda hoje a série mais longa de
comerciais já registrada em toda da história da propaganda, o ator Carlos
Moreno surge em cena numa paródia de Che Guevara. Enquanto uma típica
música cubana tocava ao fundo, o telespectador via o ator caracterizado de
Guevara. Uniforme militar, boina na cabeça e um charuto na mão, ele sorri
para a câmera, em ligeiro tom de deboche, enquanto a música segue
tocando. Ele elogia, é claro o “comandante”. Então, apresentando a nova
embalagem de Limpol, Carlos Moreno, ou “Che”, começa a elogiar Limpol.
Em portunhol, é óbvio, para que o consumidor entenda que se trata de uma
paródia, mas também de um comercial do produto da família Bombril, ele
diz:
– Aqui está la claríssima, a verdadeira transparência de la querida
tendência do comandante Limpol. A senhora és la comandante de su lar. Hay
que endurecer contra la gordura, pero perder la ternura com suas manos,
jamais! Quer dizer: Limpol. Dureza contra a gordura. Suavidade para as suas
mãos. Viva Limpol. El comandante de la limpeza!
E então ele ordena:
– Avante, Limpol, a todos os lares de las compañeras, avante! Limpem
tudo! Viva Limpol, viva Limpol, viva Limpol!
E como se fossem soldados desfilando, diversas embalagens do produto
começam a desfilar diante de Carlos Moreno, passando de um lado da tela
para o outro.
Aí entrava um lettering com o texto: “Limpol. O comandante da
limpeza”. E o comercial encerrava. (Ver caderno de imagens, foto 24).
Premiadíssimo, o filme, que agradou em cheio o público, desagradou
tanto a esquerda radical quanto a direita. Ambas, além de protestarem,
parecem ter odiado a propaganda. A frase “Hay que endurecer, pero sin
perder la ternura”, que foi subvertida no comercial, recriada numa divertida
paródia, causou protestos da esquerda, que considerou aviltante a utilização de
Che Guevara num comercial de TV que pretendia vender produtos de
limpeza, e a direita, por sua vez, considerou a propaganda um incentivo a um
criminoso notório.

107 Para Santo Agostinho, esse nome dado às coisas por Adão constitui a “língua
comum da raça humana”, possivelmente o hebraico, o qual se diversificou e
confundiu mais tarde em decorrência do episódio da Torre de Babel. Hobbes
também acreditava nessa linguagem partida”.

108 Na página 1.009 do livro que escreveram, os autores assim descreveram a


distância que Vincent se encontrava do albergue em que residia: “Ele morreu
devido a um ferimento de bala que o atingiu na cidade de Auvers, ou em suas
cercanias, cerca de 36 quilômetros ao norte de Paris, em 27 de julho de 1890”.

109 Tradução: “eu me feri”.

110 “O ferimento logo abaixo das costelas de Vincent era mais ou menos do
tamanho de uma ervilha graúda. A arma fora empunhada baixo demais e
apontada para baixo, colocando o pequeno projétil numa posição perigosa, mas
longe do alvo pretendido. Parecia o ângulo imprevisto de um disparo acidental, e
não a trajetória estudada de um suicida... a arma fora disparada de uma distância
maior – ‘longe demais’, segundo o relatório do médico – talvez além do alcance
de Vincent” (idem, p. 993).
111 Nossa margem de erro nesta pesquisa é a mesma recomendada por David
Ogilvy, 5% – para mais ou para menos.

112 “A maioria dos comerciais atordoa o espectador, afogando-o em logorreia,


uma torrente de palavras. Aconselho que você se restrinja a noventa palavras por
minuto” (Ogilvy, 1963, p. 148).

113 O Globo, 168/2009, p. 10.

114 Frase dita no discurso de posse, O Globo, 2/1/2011, p. 8B.

115 A redação é do jornal O Globo, Caderno Especial Eleições 2010, de


2/11/2010.

116 Jornal O Globo, 2/1/2011, p. 12 B.

117 As pesquisas quanto ao número real de comerciais da série Garoto Bombril


nos fazem chegar a um número de aproximadamente quatrocentos comerciais.
Em entrevista por telefone, realizada em 5 de junho de 2012, o diretor de
comerciais Andrés Bukowinski, que dirigiu todos os comerciais da série, nos
apontou o número exato: 396 comerciais.

118 Essa afirmativa de Ogilvy seria questionada pelo próprio autor, numa
entrevista que concedeu à Advertising Age, aproximadamente um ano depois, e
que foi publicada no livro The art of writing advertising, de Denis Higgins.
Justificando tal mudança de raciocínio, Ogilvy nos lembra de que os primeiros
redatores a escrever comerciais para a TV eram os mesmos redatores que
escreviam os comerciais do rádio. Rádio, dizia Ogilvy, é feito de palavras, TV
não. Então, na página 90, David Ogilvy parece agora afirmar o contrário,
dizendo que o comercial de TV deve conter bem poucas palavras: “I sometimes
think that good commercial should only have two words in the beginning that say
simply: ‘Watch this’. Then show pictures so interesting, so persuasive that the
viewer would have to go out and buy the product”.

119 “Other words and phrases which work wonders are ‘how to’, ‘suddenly’,
‘now’, ‘anouncing’, ‘introducing, ‘it’s here’, ‘just arrived’, ‘important’,
‘development’, ‘improvement’, ‘sensational’, ‘remarkable’, ‘revolutionary’,
‘startling’, ‘miracle’, ‘magic’, ‘offer’, ‘quick, ‘easy’, ‘wanted’, ‘challenge’,
‘advice to’, ‘the truth about’, ‘compare’, ‘bargain’, ‘hurry’, ‘last chance’”
(Ogilvy, 1963, p. 131-132).

120 João Carrascoza, A evolução do texto publicitário, p. 78-80: “A partir de 1900


é a vez de artistas e poetas subirem ao palco e a propaganda começa a se tornar
uma constante nos diários... e mais adiante Bastos Tigre – que criou o famoso e
alternativo slogan ‘Se é Bay er, é bom’ –, inaugurando uma tendência que iria se
confirmar”.

121 Abelardo Barbosa era o apresentador de programas de auditório conhecido


como Chacrinha, ou Velho Guerreiro, e durante décadas (de 1950 a 1980) foi
líder de audiência na TV e no rádio, com programas de calouros e música, como
a Discoteca do Chacrinha, Buzina do Chacrinha e Cassino do Chacrinha.

122 O Baixinho da Kaiser era interpretado pelo ator José Velien Roy o.
Capítulo III

Estudos sobre a argumentação,


o processo persuasivo e a construção
da retórica na obra de Washington Olivetto

Afinal, para que serve o pensamento? Qual é a sua utilidade? A pergunta,


aparentemente banal, é complexa e não é nossa: é de Charles Sanders Peirce.
Ela está na página 44 de sua obra Três tipos de raciocínio (no Brasil, editada
pela Abril Cultural, Peirce, Frege & Os pensadores, 1980).
Para que serve o pensamento? Nos anos 1970, quando estava ainda na
universidade, ouvi esse questionamento de um professor que eu admirava
muito, durante uma conversa que tivemos no intervalo entre uma aula e
outra. Eduardo Neiva, que era um apaixonado por Peirce, não me deu a
resposta e, com isso, me obrigou a pensar. Perguntou-me simplesmente: para
o que serve o pensamento, afinal?
E, antes que eu pudesse rebater com uma nova pergunta ou apresentar-
lhe meu ponto de vista, retirou-se, levando-me mais tarde a pesquisar nas
páginas dos livros essa resposta. Levei anos para encontrá-la.
Aqueles que, aparentemente, não trazem respostas para tudo na ponta da
língua nos ensinam bem mais que os que dizem saber tudo, porque, agindo
desse modo, nos obrigam a pensar, em vez de decorar. Certezas, já dissera
Nietzsche, são cárceres.123
O mais original pensador americano, e criador do pragmatismo, que
também se afligia e se perguntava sobre a finalidade do pensamento, nos dá a
resposta nas páginas seguintes (46 a 49), dizendo que é o pensamento que nos
dá a possibilidade do conhecimento.
É ele, o pensamento, que nos diferencia dos demais animais e nos leva a
questionar – e o que é a dúvida senão o primeiro passo para o conhecimento?
Os químicos, lembra Peirce, raciocinavam de forma errada, imprecisa, até
que surgiu Lavoisier, que lhes mostrou como aplicar equilíbrio à verificação
de suas antigas teorias (Peirce, 1983, p. 133).
Louis Hjelmslev, da Universidade de Winscosin, que, ao lado de
Saussure, Jakobson e Chomsky, foi um dos maiores linguistas que o mundo já
conheceu e estudou principalmente os aspectos metodológicos da linguística,
em seus estudos sobre a teoria da linguagem nos ajuda a entender a questão.
Para o pensador, a linguagem é inseparável do homem. E é ela que modela
nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossas emoções. É por meio da
linguagem que influenciamos os outros e somos influenciados por eles: “A
ciência foi levada a ver na linguagem sequências de sons e movimentos
expressivos, suscetíveis de uma descrição exata, física e fisiológica, e cuja
disposição forma signos que traduzem os fatos da consciência” (Hjelmslev,
Louis Trolle. O pensadores, Abril Cultural, 1978, p. 179).
A linguagem, portanto, é instrumento para a argumentação, para o
convencimento, e o que é argumentar senão pensar? Pensar é aprender, é
crescer, é se repensar e repaginar. O pensar é que possibilita também receber
e transmitir mensagens, conhecimento. Ou seja: é por meio do pensamento,
da argumentação, que se dá o processo informativo e – por que não? –
persuasivo entre os homens. E este, evidentemente, é realizado em função do
adequado emprego da linguagem, que se dá por meio da retórica, pois
palavras e frases nada mais são que imagens concretas de conceitos e juízos
construídos pelo pensamento e emitidos pela linguagem.
É Hjelmslev quem afirma: “a linguagem deixou de ser um fim em si
mesma para tornar-se um meio: meio de se chegar ao conhecimento
transcendental” (Hjelmslev, 1978, p. 180).
Meu antigo mestre, Neiva, é um dos responsáveis por esse estudo que
ora desenvolvemos e que tem por objetivo questionar a finalidade e os
mecanismos pelos quais opera o pensamento na construção da retórica
publicitária. Assim como a própria teoria da linguagem, nosso interesse é por
textos e, também como a teoria da linguagem, nosso objetivo é indicar
procedimentos que permitam o reconhecimento de um dado texto – ou, no
caso, mais que a autoria, o modo como esses textos são produzidos –, pois
acreditamos que a averiguação desses textos poderá colaborar no
entendimento do pensamento daquele que os escreve.
Como tal fenômeno se dá na propaganda? Como ocorre tal processo na
construção do universo semântico daquele que é alvo dos estudos que ora
realizamos, Washington Olivetto? Que técnicas redacionais e procedimentos
persuasivos emprega esse escritor na elaboração de seus textos?
Pensemos então, a partir de agora, como ocorrem o processo persuasivo
e a construção da retórica na obra de Olivetto. Retórica é uma palavra que
vem do latim, rhetorica, do grego, rhêtoriké, e significa a arte ou técnica de
bem falar, de usar a linguagem para se comunicar com os outros.124
Os primeiros estudos de que se tem notícia sobre a arte da retórica
surgiram na Sicília, por volta do século V a.C., sendo tal arte posteriormente
introduzida em Atenas pelos sofistas (Górgias) visando persuadir as
audiências em praças públicas sobre os mais diversos assuntos. Segundo o
professor Penteado, a retórica é “um rebento da dialética e da política”; não
se trata de uma ciência, mas da arte de persuadir por meio das palavras
(Penteado, 1969, p. 251).
É celebre o embate filosófico que envolveu sofistas de um lado e
Sócrates – depois Aristóteles – do outro. O assunto é polêmico, pois, embora
muitos afirmem que os primeiros estudos sistematizados sobre o poder sejam
creditados a Empédocles (444 a.C.) e o primeiro livro de retórica tenha sido
creditado a Corax e seu discípulo Tísias, para o professor e muitos outros
estudiosos, a primeira obra de que se tem notícia sobre o assunto é a de
Aristóteles, 384 a 322 a.C. (idem, ibidem).
A retórica teria nascido quando os tiranos perceberam que, em vez da
espada, poderiam utilizar as palavras para convencer as massas e, ponto
pacífico, foi popularizada pelos mestre peripatéticos (os que caminhavam,
itinerantes), entre os quais se destacavam Protágoras, Górgias e Isócrates.
O discurso retórico adorna, embeleza e procura dar mais ritmo ao texto
e se distingue do poético. Enquanto este se apoia em faixas mínimas de
redundâncias e impõe um esforço interpretativo de quem ouve ou lê a
mensagem, aquele codifica esse tipo de informação e transmite apenas o que
se deseja, com o objetivo de persuadir.
Bem, isso pelo menos na teoria, porque na prática, muitas vezes, os dois
gêneros se misturam e são assim utilizados, com frequência, pelos que
escrevem textos tendo por objetivo a persuasão. Não é raro vermos um texto
poético que se utilize de recursos retóricos e vice-versa. No discurso
publicitário é comum encontrarmos, além de rimas, o discurso retórico, em
que as repetições propositais (redundâncias) agem como técnica que visa
ajudar na memorização do produto ofertado. “Quem bebe Grapete, repete.”
Ou, como escreveu Olivetto, “Bombons Garoto. Esses bombons ainda vão
ajudar você a realizar seus sonhos, meu garoto”.
O discurso retórico é um discurso fechado que não permite maiores
interpretações por parte do receptor. E a publicidade, que sabe bem disso, se
utiliza então dessa técnica persuasiva para vender seus produtos e serviços.
Quando a publicidade diz, por exemplo, que Bombril tem mil e uma
utilidades, ninguém questiona essa informação. Tal frase, na verdade, tem um
sentido simbólico, percebido pelo consumidor. Quem seria louco de tentar
listar todas elas?
A retórica tem por finalidade a adesão, a concordância racional daquele
a quem é dirigido o discurso, é uma técnica que visa arrastar o ouvinte a
aceitar e concordar integralmente com o que é afirmado na mensagem. No
capítulo VI de Arte retórica,125 Aristóteles escreveu: “Le plaisir lui aussi est
nécessairement um bien, car tous les êtres animés le recherchement
naturellement. En consequence, les choses agreables et belles sont
nécessaiment bonnes”.
Em um comercial do Unibanco, criado por Olivetto, dois atores
jogavam pingue-pongue na sala de sua casa. Enquanto um deles narrava as
vantagens de ter um Plin (um plano de capitalização que dava prêmios
mensais de até um milhão de reais), a mulher ponderava que rico não jogava
pingue-pongue, mas tênis, e o marido respondia que eles estavam, na
verdade, treinando para quando ficassem ricos e, num tom de ironia – que é
uma das formas de argumentação e também outro recurso retórico muito
utilizado pela publicidade –, perguntava, para o espanto da mulher, quando a
bola saía de quadro: “Ué, cadê o gandula? O menino não vai apanhar a
bola?”. (Ver caderno de imagens, foto 48).
Tal recurso retórico/persuasivo apresenta analogias com a lógica e está
relacionado, aliás, à dialética, que Aristóteles havia estudado e definido como
parte integrante da retórica, metodologia que estuda as estruturas do pensar
relacionadas à opinião e não à verdade. “A retórica estuda os procedimentos
com os quais os homens aconselham, acusam, defendem-se, elogiam (...) em
geral, não procedendo de conhecimentos científicos, mas de opiniões
prováveis” (Reale, 2007, p. 164-165).
Assim, quando Olivetto aconselha o consumidor a ter um plano de
capitalização do banco citado – e veja bem que estamos empregando o verbo
“aconselhar” e não o verbo “mandar” –, ele não parece estar fazendo tal
afirmativa de forma científica ou categórica, não parece endossar que, ao
fazer isso, o consumidor vai ficar rico: está apenas insinuando o que a cultura
popular tem por certo e verdadeiro: quem investe em busca de um futuro
melhor, geralmente encontra esse futuro melhor.
E, aqui, nunca é demais lembrar o que dizem dois dos maiores
estudiosos da comunicação contemporânea, Baran e Sweezy. Para eles, a
propaganda não cria valores; na verdade, reflete os valores já existentes,
destaca os pontos de vista dominantes, intensifica tais valores e contribui para
sua difusão: “Há acordo entre os peritos quanto ao insucesso de campanhas
que buscam mudar as atitudes das pessoas. Elas só obtêm êxito quando
conseguem manter correspondência com as atitudes vigentes” (Cohn, 1975,
p. 212).
Para Aristóteles, a retórica visa à persuasão, e tal persuasão é realizada
através da argumentação. Escreveu o filósofo: “Style écrit est le plus précis;
le style dês discussions est le plus dramatique” (Aristóteles, 1944, p. 367)
Aristóteles afirmava que o prazer está associado ao agradável, ao bom.
E o que faz a publicidade ao emitir sua mensagem, senão buscar exatamente
essa fórmula, de associar o produto anunciado ao agradável, de associar a
oferta ao bom, ao melhor para o consumidor? Vejamos um exemplo prático
de tal afirmação. No comercial que Olivetto fez para o Bril, o lava-louças da
Bombril, o ator Carlos Moreno, diante de um frasco de embalagem do
produto, anunciava ao telespectador:
“Existem vários lava-louças por aí. Todos maravilhosos. Lavam e
desengorduram mesmo. O que nós fabricamos é este aqui, o Bril. O Bril custa
um pouquinho mais caro. Porque ele é superconcentrado. E tem um negócio
na fórmula que não deixa estragar as suas mãos. Agora, se a senhora não
quiser gastar essa diferença, compra um outro. Depois a senhora dá um jeito
na mão. Passa um creminho.” (Ver caderno de imagens, foto 6).
O discurso que Olivetto emprega no texto que Carlos Moreno narra ao
telespectador não é outro senão o discurso argumentativo, que visa ao
convencimento não por meio da imposição, mas da explanação de sólidos
argumentos lógicos e emocionais.
A preocupação com um discurso argumentativo, convincente, levou
inúmeros estudiosos a formular teorias e estudar as formas apropriadas de se
estruturá-lo. O problema a ser resolvido agora não era meramente como
falar, mas como falar bem. E, se convencer o receptor era o objetivo, a
estruturação desse discurso era a questão primeira da pesquisa envolvendo a
retórica.
Uma das maiores autoridades no discurso aristotélico e, com certeza, o
maior biógrafo ainda vivo do filósofo grego, Giovanni Reale realizou um
profundo estudo sobre as tangências e divergências no pensamento de Platão
e Aristóteles, revelando-nos interessantes nuances principalmente no que diz
respeito à arte retórica. Platão, que havia condenado a retórica e,
posteriormente, tentou uma parcial recuperação dela, acreditava que ela não
tinha a tarefa de ensinar a verdade ou valores éticos, pois essa função é da
filosofia. Para o antigo mestre de Aristóteles, a função primeira da retórica –
que é uma espécie de metodologia da persuasão – é persuadir ou definir os
procedimentos que possibilitam a um homem convencer os outros (Reale,
2007, p. 164).
Por outro lado, para Umberto Eco, um dos principais teóricos da
comunicação, a retórica preocupa-se em como construir o discurso, de
forma a torná-lo convincente. E, para tal, explica o pensador, quanto mais o
anúncio violar o sistema das expectativas retóricas, as normas da
comunicação, mais atenção do espectador ele atrairá: “A técnica publicitária
parece basear-se no pressuposto de que um anúncio atrai mais a atração do
espectador quanto mais violar o sistema” (Bosco, 2003, p. 51).
Segundo Aristóteles, no capítulo II de Arte retórica, são três os gêneros
da retórica: deliberativo, jurídico e demonstrativo, ou apodítico. No primeiro,
aconselha-se ou desaconselha-se sobre um determinado tema; no segundo,
acusa-se ou defende-se; o terceiro envolve o elogio ou a censura de um
assunto ou matéria.
O gênero predominante no texto publicitário é o deliberativo. Nilson
Lage nos lembra que existem os discursos retóricos e os informativos. Este
predomina no texto jornalístico, enquanto aquele predomina no texto
publicitário (Lage, 2005, p. 13-14).
Repare como o anúncio de Washington Olivetto sobre o Oscar tenta
fazer exatamente isso, parece aconselhar o leitor a uma ação futura, que é a
experimentação, a aquisição do produto anunciado. Esse trabalho foi
publicado nos dias que antecederam a entrega do Oscar e, evidentemente, faz
alusões, uma paródia, ao prêmio máximo da Academia. Na foto – no layout,
como se diz em propaganda –, o ator Carlos Moreno, todo pintado de dourado,
reproduz a imagem do troféu entregue aos vencedores, o Oscar. O título do
anúncio era: “Bombril. 1001 indicações na categoria limpeza”. (Ver caderno
de imagens, foto 49).
Em Arte retórica, Aristóteles, que foi o primeiro a tentar uma definição
teórica, já advertira: “A retórica não tem a tarefa de ensinar ou admoestrar
sobre a verdade ou os valores ético-políticos em geral, essa é de fato tarefa
da filosofia... O objetivo da retórica é persuadir” (Reale, 2007, p. 164).
Diferentemente do discurso informativo, que é voltado essencialmente
para os fatos, o discurso retórico preocupa-se com as versões do fato.
Enquanto no jornalismo o redator preocupa-se em simplesmente relatar o
ocorrido, buscando assim ser imparcial na transmissão da mensagem, na
publicidade o redator procura sempre enaltecer o produto ofertado,
demonstrando parcialidade total ao escrever a sua mensagem.
Analisemos um anúncio que exemplifica bem tal afirmação e que
Washington Olivetto fez com seu antigo sócio, o diretor de arte Gabriel
Zellmeister, para a Itaú Seguros. Tal anúncio, que recebeu inúmeros prêmios,
entre eles o de melhor anúncio do Anuário do Clube de Criação de São Paulo
(CCSP) de 1986, foi criado quando da visita do papa ao Brasil, ocasião em
que, ao andar no meio da multidão – calculada em mais de um milhão de
pessoas –, Sua Santidade utilizou o veículo conhecido como “papamóvel”. É
evidente que, como se tratava de um encontro de grandes proporções, foi
necessária a assinatura de um convênio com uma seguradora de grande
porte, no caso, a Itaú Seguros.
A imagem (layout) era evidentemente a do papa, acenando para a
multidão, de dentro do veículo – que era blindado.
É Freud quem mais uma vez nos ajuda a entender a construção dessa
frase. Em Os chistes e sua relação com o inconsciente, na página 38, o pai da
psicanálise descreve uma das inúmeras técnicas de construção do chiste.
E o humor é um recurso retórico utilizado com frequência pela
publicidade, pois, ao atrair a simpatia do consumidor, valendo-se do humor,
traz empatia e facilita a ação da venda futura do produto ofertado.
O humor na propaganda é um recurso retórico que se assemalha muito
ao discurso deliberativo, aconselha em vez de impor, como a função
conativa. Ao aconselhar o consumidor, em vez de tentar impor algo a ele,
estamos nos aproximando, tornando-nos íntimos, amigos. Quem é que não
gosta de ouvir um bom conselho de vez em quando? Para que servem os
amigos, senão para nos aconselhar a comprar algo ou deixar de comprar,
como uma roupa, um novo celular, uma TV, um carro ou apartamento?
A função conativa, outra característica do texto publicitário, está
associada às funções da linguagem que uma mensagem pode desempenhar,
isolada ou conjuntamente.
Discurso deliberativo. Futuro – delibera, aconselhando ou
desaconselhando para uma ação futura.
É Freud quem fala aqui: “A técnica desse grupo de chistes pode ser
descrita como condensação acompanhada de leve modificação”. O que
Freud parece querer nos dizer é que Washington Olivetto aproveitou-se de um
antigo ditado popular – “está nas mãos de Deus” –, condensou a frase e,
acrescentando algumas poucas novas palavras, “Nem o papa”, aproveitou o
resto do ditado popular e realizou a quebra de expectativa que Freud
descreveu ser necessária para a construção do chiste, do engraçado, do
inusitado, do cômico. Ao reinventar o ditado popular com novas e poucas
palavras, Olivetto construiu uma frase calcada em outra já conhecida do
grande público, e que ficou assim: “Nem o papa deixa tudo nas mãos de
Deus”.
Repare como a frase, o título criado acima por Washington Olivetto,
insere-se na categoria, na descrição da técnica – ou uma delas – que Freud
descreve em sua obra sobre o chiste: “Há palavras que, usadas em certas
conexões, perdem seu sentido original, mas o recuperam em outras
conexões”. Como diria o próprio autor, “temos acima um chiste
diabolicamente engenhoso” (Freud, 1977, p. 48-49).
O exagero e as repetições propositais, acrescenta o professor Nilson
Lage (Lage, 2005, p. 13-14), são recursos retóricos utilizados com certa
frequência pela propaganda, pois ajudam a destacar certas nuances da
mensagem e a memorização da marca. E Washington Olivetto, que sabe bem
disso, parece empregar tais técnicas não apenas nos seus textos de
publicidade, mas também nos textos que escreve para os jornais e revistas e
em seus próprios livros.
Numa crônica escrita para a revista República, intitulada “Bobos”
(publicada em maio de 2002), há uma repetição proposital na construção
frasal – recurso persuasivo encontrado com frequência no discurso político,
assim como no religioso – de uma mesma palavra, “quase”, que nos chama a
atenção: nos 31 breves parágrafos escritos pelo redator, tal palavra é repetida
por impressionantes 46 vezes.
Seu trabalho, tanto na literatura quanto na publicidade, é tão apreciado
que até Caetano Veloso, que, por princípio, não permite que suas músicas
sejam utilizadas em peças publicitárias, cedeu gratuitamente uma de suas
mais belas composições, “Terra”, para servir de base a um comercial criado
por Olivetto para o Instituto Terra, ONG que cuida da reconstrução da mata
atlântica em Minas Gerais (Olivetto, 2004, p. 228).
Mais adiante, quando analisarmos alguns textos literários do escritor e
publicitário, tornaremos a falar sobre o assunto.
A ação da venda contida no texto publicitário está sempre voltada para o
futuro. Perceba que na mensagem da propaganda, via de regra, o verbo vem
no tempo futuro: “se eu fosse você, experimentava ainda hoje”, “a partir de
agora, você não vai querer saber de outro produto”, “compre logo antes que
acabe”. Para explicar tal fato, recorremos agora a uma das maiores
autoridades no texto publicitário: João Carrascoza. De acordo com o autor, o
emprego do discurso deliberativo no texto publicitário visa sempre a uma
ação futura – que é a compra ou a experimentação do produto ofertado – e
segue, via de regra, um esquema infalível: inicialmente, “elogia-se o produto,
louvam-se suas qualidades e seu fabricante, o que torna relevante também o
seu caráter epidítico” (Carrascoza, 1999, p. 17).
Um dos trabalhos mais significativos da propaganda brasileira sob esse
aspecto é, sem sombra de dúvidas, o comercial da Staroup. Acusado de fazer
apologia à violência, o filme de Washington Olivetto foi vaiado pelo público
durante sua exibição no Festival de Cannes. Mas os jurados não entenderam
assim e premiaram o filme com um Leão de Ouro, pela criatividade e
ousadia. Analisemos o filme em questão.
Primeiro as imagens: tendo como trilha sonora contos dos bosques de
Viena, de Strauss, ao fundo, o filme mostrava uma passeata de estudantes.
Eram cenas em que se viam jovens sendo segurados por policiais, correndo,
sendo arrastados, pulando muros e barricadas. Numa das cenas em que o
público presente mais vaiou, víamos jovens sendo atingidos por jatos d’água.
Sobre essas imagens, víamos o seguinte texto, narrado em off: “Staroup sofre
processo especial de lavagem. Staroup é resistente, tem caimento perfeito.
Staroup passa pelo mais rigoroso controle de qualidade e dá total liberdade a
seus movimentos. Staroup, o mais testado, o mais procurado”. E diante agora
de uma multidão de jovens protestando, gritando palavras de ordem diante da
polícia, ouvíamos a assinatura do comercial: “Se não for Staroup, proteste!”.
Antes de mais nada, devemos analisar a construção retórica do texto. E
ele é repleto de analogias, emprega o discurso deliberativo (aconselha uma
ação futura que, no caso, é a experimentação do produto). Os duplos sentidos
aqui empregados por Olivetto denotam um profundo conhecimento da língua.
Olivetto, sem sombra de dúvidas, é um profundo conhecedor e um
apaixonado pela língua portuguesa.126 Os duplos sentidos valorizam as
imagens mostradas pela câmera, ressaltam as palavras do texto. Despertam a
atenção do telespectador, que, ao perceber que há mais de um entendimento
para as frases, é levado a refletir e a pensar consigo mesmo: interessante
isso! (Ver caderno de imagens, foto 50).
Repare que, em vez de usar a palavra “reclame” ou a frase “se não for
Staroup, não o aceite”, Washington Olivetto se decidiu por uma outra palavra:
“proteste”, que é o que acontece na tela, o que acontecia nos anos 1960: os
jovens do comercial estão literalmente protestando. Olivetto recorre a um dos
recursos retóricos mais usados pela boa propaganda, a analogia, a
comparação semântica. Note que o texto do filme é repleto de analogias.
Repare, por exemplo, que, enquanto o locutor anuncia as vantagens do
produto, os benefícios que ele oferece, as imagens mostradas na tela são
análogas ao texto. Fazem o telespectador parar o que está fazendo e prestar
atenção no comercial. A narrativa aqui não é meramente descritiva, como na
grande maioria dos comerciais. Ela é metafórica.
Por exemplo, quando o locutor diz que Staroup passa pelo mais rigoroso
controle de qualidade, as imagens que vemos são de policiais segurando
jovens pelas calças (jeans), tentando prendê-los. A ação mostrada é brusca.
Mas o produto, que é resistente, não rasga. Quando o locutor diz que Staroup
dá total liberdade aos seus movimentos, vemos jovens pulando barricadas,
correndo, pulando muros para fugir da polícia. E o produto, mais uma vez
mostrado pela câmera, é resistente: não rasga. Quando o locutor diz que
Staroup é o mais testado, o mais procurado, as imagens que vemos é a de
jovens que vestem jeans sendo observados, sendo agarrados, literalmente
sendo arrastados pela polícia. E o produto, que é resistente, não rasga, não
descostura.
Tudo isso sem esquecer que, logo no início, quando o locutor afirma que
o jeans Staroup sofre processo especial de lavagem, a imagem que vemos na
tela é de jovens que vestem jeans – como vestia mesmo a grande maioria dos
jovens dos anos 1960, 1970 – levando jatos de água da polícia, que, no filme,
reprime o protesto estudantil, o protesto dos jovens por mais liberdade.
O curioso é que, embora esse seja na nossa opinião um dos mais
criativos e interessantes trabalhos de Washington Olivetto – ele na verdade
retrata uma época, os anos 1960, em que havia forte repressão das
autoridades em relação aos jovens, lembre-se do ano de 1968, quando uma
onda de passeatas varreu o mundo –, não foi bem recebido em Cannes.
Durante a sua exibição, o filme, que levou o Leão de Ouro daquele ano,
acusado de fazer apologia à violência, foi vaiado pela plateia.
Note que nesse filme Olivetto nos presenteia com mais que um bom
comercial sobre jeans. Presenteia-nos com o retrato de uma época, com
cultura – pena que o público não tenha percebido –, trazendo de volta à nossa
memória um tempo em que houve muita repressão à ideia de liberdade e ao
questionamento de valores pré-concebidos.
Grande parte, aliás, dos anúncios de Washington Olivetto acabou
entrando mais tarde para a cultura popular. Por meio de charges, cartoons e
esquetes, eles foram reproduzidos, na íntegra ou em parte, em programas de
humor, como TV Pirata (sobre isso voltaremos a falar mais adiante), como
na charge do Miguel Paiva, em que uma de suas personagens mais queridas
ao leitor, a Radical Chique, desabafa sobre sua primeira noite com o novo
namorado. Há semelhança com o tema do comercial mais conhecido de
Washington Olivetto, O primeiro sutiã a gente nunca esquece.
São muitos os casos em que trabalhos de Olivetto foram citados em
quadros de programas de humor. Veja o caso de O primeiro sutiã a gente
nunca esquece, parodiado pela TV Pirata, da Rede Globo, em 1987.
Dez anos depois, já no final dos anos 1990, quando os custos da mídia
televisiva tornaram quase impossível a presença do seu cliente Bombril na
TV, Washington Olivetto e sua equipe de criativos surgiram com uma nova
ideia, que, de certa forma, inovou a formatação da propaganda em jornais e
revistas. Eles apresentaram à Bombril uma série de anúncios para a mídia
impressa que era persuasiva e repleta de humor.
Essa nova maneira de anunciar vinha na forma de contracapas de
revistas que traziam o garoto-propaganda da Bombril, Carlos Moreno,
fazendo paródias de personagens da cultura brasileira e internacional, como o
ex-presidente Itamar Franco, Ronaldo Fenômeno, Xuxa, o lutador Popó, o ex-
presidente Fernando Henrique, o cantor Reginaldo Rossi, Chico Any sio, Padre
Marcelo, o repórter Gil Gomes, a apresentadora Adriane Galisteu, Sílvio
Santos, o cantor João Gilberto, Sandy e Júnior, Ana Maria Braga, Che
Guevara, o ex-presidente americano Bill Clinton e até mesmo sobre a entrega
do Oscar, entre outros – paródias que, mais tarde, seriam aproveitadas para o
jornal, obtendo elevados índices de recall (lembrança) entre os
consumidores.
Diz Washington Olivetto: “Esses anúncios abriram espaço para algo
novo. Primo da charge ou do cartoon, em que fatos, acontecimentos e
pessoas que se destacavam no dia a dia passaram a servir de inspiração para
novos anúncios” (Olivetto, 2000, p. 9). (Ver caderno de imagens, foto 51 a
54).
Essa nova formatação de campanha publicitária contribuiu muito para
colocar a marca Bombril definitivamente no imaginário do brasileiro e
ajudou a transformar as campanhas citadas em elementos da cultura popular.
As pesquisas que a então agência de Olivetto, W/Brasil, encomendou
demonstraram que, mais que os índices de vendas, o que subiu foram os
índices de afetividade do consumidor em relação à marca anunciada.
Anúncios como Novo Limpol Natureba e Limpol 1 litro, o único tamanho
família conseguiram aumentar os índices de identificação do consumidor em
relação ao produto.
Num ano em que a emissora de televisão de maior audiência do país, a
Rede Globo, veiculava uma novela que atingia índices elevadíssimos de
audiência, Terra nostra, Washington Olivetto teve a sensibilidade de veicular
um oportuno anúncio em que o ator Carlos Moreno parodiava os dois astros
principais da novela, trazendo o seguinte título – evidentemente, em alusão à
novela: Bombril. Limpeza mia. (Ver caderno de imagens, foto 54).
Por meio da análise que ora desenvolvemos, percebemos que o
processo persuasivo e a construção da retórica de Olivetto baseiam-se no
inusitado, no inesperado, no impactante, como já afirmara Francesc Petit.
Nem mesmo as brigas de casais famosos da época, como a do ex-prefeito
Celso Pitta, que, após se separar da mulher, foi denunciado por ela por
sonegação e desvio de recursos públicos, criando assim o que na ocasião se
denominou “Pittagate”, foram deixadas de lado.
Repare que o gancho criativo utilizado por Olivetto e sua equipe foi a
associação entre a sujeira praticada pelo ex-prefeito (no sentido figurado de
falcatrua) e a sujeira acumulada em casa (agora no sentido literal). (Ver
caderno de imagens, foto 55).
Washington Olivetto sabe o poder de persuasão que a opinião pública e o
boca a boca têm nesses casos: produto comentado nas ruas é produto vendido
nas gôndolas dos supermercados.
Interessante ainda analisar, nesse aspecto, a oposição da formatação
lexical dos textos de comerciais de Washington Olivetto para a TV e aqueles
destinados à mídia impressa.
Repare no comercial que analisamos e reproduzimos a seguir, para o
produto Bril, da Bombril, como o texto deste comercial traz um número bem
maior de palavras (72, incluindo o texto do locutor com o slogan do cliente)
que os cinco utilizados no anúncio que analisamos anteriormente. Mas ambos
mantêm um elemento importantíssimo em comum: a coloquialidade, a
informalidade com que empregam a linguagem. Os textos de Washington
Olivetto, pelo que pudemos observar até agora, são todos assim: coloquiais.
Repare na escolha lexical – palavras selecionadas a dedo, uma escolha
consciente, que denota o propósito do convencimento, da persuasão.
As palavras que compõem o universo semântico do analisado nos
revelam um determinado sistema de valor que tem por objetivo a adesão; são
palavras cuidadosamente selecionadas: repare que, em vez de usar o termo
“a senhora passa um creme depois nas suas mãos”, Olivetto faz a opção pelo
termo coloquial “creminho”, que busca uma intimidade com o telespectador.
Seu texto é repleto de sutilezas, de informalidade e bom humor, mas o tom é
respeitoso. Note que ele nunca chama a consumidora de você, mas sim de a
senhora.
Os textos de Washington Olivetto têm muito de David Abbott e Ed
McCabe, autores que ele admira. Nos textos desses senhores não há espaço
para o previsível, para o lugar-comum. O que eles parecem estar sempre
buscando – e geralmente encontram – é o inusitado. Pergunte para o Olivetto
se ele discorda disso.
“I am a compulsive reviser” – disse certa vez Abbott (Quercus Books,
Interview with David Abbott, 21/2/2011). Washington Olivetto é assim,
também. “Ando me lendo o tempo todo”, disse ele. “Se encontro uma falha,
tento me corrigir, me aperfeiçoar” (Olivetto, 2011, p. 95).
Compare agora o texto escrito – o do anúncio anterior que analisamos –
com o texto de um comercial antigo, criado por ele para um outro produto da
família Bombril, o Bril.

Comercial Washington Olivetto para o produto Bril, da Bombril

O Garoto Bombril, Carlos Moreno, veste um avental branco e está diante


de uma bancada, em que, bem ao centro, vemos uma embalagem de Bril.
Ele anuncia o produto:

Existem vários lava-louças por aí. Todos maravilhosos.


Lavam e desengorduram mesmo. O que nós fabricamos é
este aqui (agora exibindo o produto com carinho para o
telespectador), Bril.
O Brill custa um pouquinho mais caro. Porque ele é
superconcentrado e tem um negócio na fórmula que não deixa
estragar as suas mãos.
Agora, se a senhora não quiser gastar essa diferença,
compra um outro.
Depois a senhora dá um jeito nas mãos... passa um
creminho!
Então entra um lettering, uma cartela, com a seguinte locução, em off,
encerrando o comercial: “Bril. O lava-louças superconcentrado da Bombril”.
Se nos primeiros a construção é mais verborrágica – alguns comerciais
de Olivetto chegam a ter mais de 139 palavras127 – o mesmo não acontece
nos anúncios de revistas. Muito pelo contrário, estes são concisos, não
passando, em sua maioria, de uma ou duas frases, como, por exemplo, o
título: Bombril. Perfeito para limpar metais (anúncio que faz alusão aos jovens
punks dos anos 1980 e metaleiros dos anos 1990 – Olivetto, 2011, p. 31).
Observe que o referido anúncio tem um copy (texto) composto por apenas
cinco palavras.
Em outro anúncio, que parodiava a Globeleza do Carnaval da Rede
Globo, Olivetto utilizou novamente cinco palavras: “Olha a Bombrilbeleza aí,
gente!”. (Ver caderno de imagens, foto 56).
Analisemos agora dois textos literários de Washington Olivetto. Será que
o autor utiliza em sua literatura os mesmos recursos retóricos da propaganda?
Pelo que escreveu na orelha do livro do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo
Evaristo Arns, utiliza sim. Contemos primeiro as repetições propositais. Nas
três páginas que compõem o texto “Querido Dom Paulo” (Olivetto, 2004, p.
76-78), a expressão “o senhor” – que denota respeito – é repetida sete vezes.
Fato que evidencia também muito respeito por parte de Olivetto para com
Dom Paulo. Uma outra repetição proposital chama atenção. A palavra
“santo” ou “são” é repetida outras incríveis treze vezes, e a palavra
“Corinthians” – uma paixão do publicitário – aparece seis vezes.
Quanto ao comprimento das frases, são curtas, como são as frases de
Washington Olivetto na publicidade. A primeira delas, a frase incial do texto,
como diria David Ogilvy, tem apenas duas palavras: “Abençoados sejam”. A
frase seguinte, assim como quase todo o texto, é curta também. São apenas
sete palavras na segunda frase do texto: “o senhor, o livro e o Corinthians”.
Também na literatura, Washington evidencia que segue à risca sua
máxima: redação se reescreve. Com certeza Olivetto não escreveu tal texto
de primeira. Quantas vezes, aliás, teria reescrito-o, até o considerar pronto
para a publicação?
A maior de todas as frases é a décima sexta. Tem 41 palavras. Essa é
longa. A décima terceira frase também é longa: são exatas quarenta palavras.
“Querido Dom Paulo” é formado por 28 frases. Sendo que, com exceção das
que mencionamos e da última – que tem 29 palavras –, todas as demais são
breves. Têm em média entre oito e doze palavras. Lembre-se de que a teoria
da informação recomenda que as frases tenham entre oito e dezesseis
palavras. Portanto, Washington Olivetto está dentro desse limite, estabelecido
por teóricos como Flesch, Richaudeau e A. Moles.
Repare que o universo semântico de Washington Olivetto é o mesmo que
utiliza nos seus textos de publicidade: são palavras simples, como
“corintiano”, “povão”, “gol” e “esperança”, e o jogo de palavras, recurso
recorrente nos textos de propaganda, está presente também, como na
construção da frase em que associa o carinho e a admiração que tem pelo
arcebispo de São Paulo, chamando-o de “Dom Paulo, meu craque”.
Analisemos um outro texto literário de Olivetto. Peguemos, por
exemplo, aquele que está nas páginas 113 a 121 do livro O que a vida me
ensinou e se entitula “Pessoas, ídolos e exemplos”.
Temos inicialmente de mencionar que se trata de um texto mais longo –
são nove páginas, no total. Nós o selecionamos por um motivo que é
importante ressaltarmos: como a publicidade é constituída, em grande parte,
por minimalismos, a mensagem na propaganda deve ser breve – observe que
a maioria dos comerciais de TV têm apenas trinta segundos, e os textos de
propaganda normalmente são curtos. Não é comum vermos redatores
publicitários escreverem textos longos. Então, são duas modalidades de textos
completamente diferentes. Washington Olivetto parece mais uma vez ser
uma das exceções.
O texto que ora analisamos tem ao todo 36 parágrafos. Repare que
estamos falando em parágrafos e não em frases, como no texto
anteriormente analisado.
Vejamos as principais diferenças entre frase e parágrafo.
Quem nos ajuda a entender isso é Aristóteles. Na Poética, o filósofo nos
dá a definição exata de uma frase. “Frase é uma composição significativa de
sons. Algumas de suas partes têm significado próprio pois nem todas as frases
constituem-se de verbos e nomes; podem ocorrer frases sem verbo, mas
essas sempre terão uma parte com significado, como na definição do
homem” (Aristóteles, 2004, p. 63).
Aristóteles não nos deixou o significado de parágrafo. Então, visando
entender melhor as principais diferenças entre uma frase e um parágrafo,
recorremos inicialmente ao Dicionário novo Aurélio da língua portuguesa.

Frase. Do grego phrásis, “modo de falar”, pelo latim phrase.


Reunião de palavras que formam sentido completo, proposição,
oração, período. 128

Analisemos agora o significado da palavra “parágrafo”. Ela está na


página 1.042 do mesmo dicionário. Vamos a ela:

Parágrafo. Do grego parágraphos, pelo latim, paragrapho.


Seção do discurso ou do capítulo que forma sentido completo, e
que usualmente se inicia com a mudança de linha e entrada. 2.
Alínea. 3. Sinal que separa as orações.

O Superdicionário Globo de língua portuguesa, Editora Globo, 52ª


edição, traz uma boa e simples definição das principais diferenças entre
parágrafo e frase.129 Enquanto a frase contém um pensamento que se
relaciona com o anterior ou é completado pelo posterior, formando assim um
sentido completo, no parágrafo encontramos várias ideias diferentes que,
reunidas, formam uma ideia maior.
Enquanto uma frase é a reunião de palavras que formam um período
completo, uma sentença, um sentido, o parágrafo é uma pequena seção ou
capítulo do discurso. Simplificando, poderíamos dizer que um parágrafo
reúne mais de uma frase e um sentido completo.
Como estamos lidando com um tema extremamente técnico e
desejamos explicar, antes de mais nada, que, ao contrário do texto
anteriormente analisado quando discutimos as frases, estamos agora tentando
analisar os parágrafos escritos por Washington Olivetto. Assim, recorremos a
mais uma formulação teórica do assunto.
Vejamos o que Maria Margarida de Andrade (Andrade, 2000) tem a nos
dizer a respeito. A professora nos lembra que o parágrafo é um microtexto. O
parágrafo, ao contrário da frase, contém as três partes principais de um texto:
introdução, desenvolvimento e conclusão. Tendo isso em mente, voltemos à
análise do texto de Washington Olivetto.
Como já foi dito anteriormente, o texto reúne 34 parágrafos – ou 34
microtextos, com ideias que contêm um início, desenvolvimento e final de
uma mesma ideia. São 1.883 palavras. Bem mais que as 155 que costuma
utilizar em seus comerciais de TV e as cinco – ou, em muitos casos, apenas
duas – que emprega, em média, em seus anúncios para jornais e revistas.
Ou ainda nenhuma palavra falada, mas apenas escrita, como no caso do
comercial que criou para a Bombril intitulado Carlitos (Cinema mudo). Esse
filme, todo em preto e branco, trazia o ator Carlos Moreno interpretando
Carlitos – o mais célebre personagem criado pelo ator britânico Charlie
Chaplin.
O texto que reproduzimos a seguir contém apenas 33 palavras, todas
escritas, pois, para homenagear o personagem e emular o estilo do cinema
mudo, o comercial é inteiramente mudo.

Texto do Filme Cinema mudo (Carlitos)

“Imitação para lembrar que só Bombril é inimitável. Bombril é único.


Não risca e dura muito mais. Imitações não duram nada. Tudo passa. Só
Bombril fica. Ninguém passa sem Bombril. Bombril é genial.” (Ver caderno
de imagens, foto 30).
O raciocínio retórico que Washington Olivetto utiliza nesse texto busca o
convencimento do telespectador por meio dos mecanismos que mexem com
as suas emoções e, ao mesmo tempo, a razão. Junta argumentos e emoções
em uma mesma mensagem. O consumidor que está assistindo percebe que
se trata de uma paródia do inesquecível vagabundo que Chaplin imortalizou
nas telas, Carlitos. Então, ao ver os textos, que tratam de imitações, retém a
mensagem bem-humorada de que legítimos mesmo eram apenas dois: o
Carlitos de Chaplin e o Bombril.
Washington Olivetto se utiliza de recursos retóricos semelhantes aos que
emprega nos seus textos publicitários nos textos que produz para a mídia
impressa e para os seus próprios livros. Tentaremos demonstrar tal
observação.
Continuando a análise, observa-se que o primeiro deles, um dos mais
longos, reúne três frases e tem exatas 47 palavras, Perde apenas para alguns
outros, mais extensos, como o terceiro, que tem 61 palavras, distribuídas entre
cinco frases, o sétimo, que tem setenta palavras e seis frases, o nono, que
contém 85 palavras em sete frases curtas, o décimo primeiro, que possui 79
palavras e seis frases, o décimo quarto, que contém oitenta palavras divididas
em três longas frases, o décimo nono, que contém 84 palavras em quatro
frases, o vigésimo quinto, que contém 76 palavras em oito curtas frases, e o
último parágrafo, que contém 62 palavras e é composto por sete frases.
A análise retórica desse texto evidencia um fenômeno bem interessante:
Washington Olivetto parece brincar com as palavras, com as frases e as
orações. Parece um mestre do futebol a fazer embaixadinhas com as
vírgulas, os pontos e as divisões dos parágrafos que expressam as suas ideias.
Washington Olivetto demonstra uma técnica apurada na arte de
escrever, intercalando parágrafos extensos com parágrafos curtos, frases
longas com frases breves – com menos de quatro palavras –, como no último
parágrafo, em que uma frase é composta por apenas duas palavras: “Eu
não”.
Nesse longo texto, Washington Olivetto discursa sobre as pessoas que o
influenciaram profissionalmente, nos fala de suas raízes. Dos autores que
costuma ler e que o influenciaram, como Tom Wolf e Gay Talese (3º
parágrafo), de Gilberto Gil e Caetano Veloso, de quem era fã e depois virou
amigo (7º parágrafo), fala de como surgiu a música Alô, alô W/Brasil e da
amizade com Jorge Ben Jor (9º parágrafo), cita seus super-heróis, no caso,
Boni e André Midani, da Warner (8º parágrafo), fala ainda sobre suas
referências, Hemingway e James Joy ce (12º parágrafo) e Caetano
novamente (30º parágrafo), dá uma lição retórica de como se construir um
texto no qual o leitor põe os olhos e não os tira mais, até o ponto-final. A
estrutura do texto criado por Olivetto é persuasiva e convida gentilmente o
leitor a ir ao final da leitura.
Ao contrário do que afirmara, “Tenho consciência de que a única coisa
que escrevo bem é propaganda” (Olivetto, 2004, texto de abertura), somos, a
essa altura da nossa pesquisa, obrigados a discordar do autor. Seus outros
textos, aqueles destinados à sua outra paixão, a literatura, parecem
demonstrar nitidamente que Washington Olivetto escreve muito melhor que
imagina.
Para finalizar o capítulo sobre a argumentação e o processo persuasivo
na construção da retórica de Washington Olivetto, analisemos um último
trabalho do publicitário, comentando o anúncio que ele fez em alusão ao
programa do apresentador Sílvio Santos, em que o título, composto também
por apenas cinco palavras, dizia: Bombril. Topa tudo por limpeza.
Compare como os textos criados para a televisão são, geralmente, mais
extensos.

Comercial para Limpol (1978)

Diante de uma fileira de produtos concorrentes do Limpol, que é o


primeiro, o mais próximo à sua mão, o ator Carlos Moreno anuncia:

Aqui estão todos os detergentes que a senhora encontra por


aí. Todos de ótima qualidade. O nosso é o Limpol [mostrando o
produto para o telespectador]. O Limpol lava louça tão bem
quanto qualquer outro. Mas tem duas diferençazinhas: tem a
marca Bombril. E custa um pouquinho menos.
É um pouquinho só. Mas é menos!

Entra a lettering com a locução: “Limpol. O detergente da Bombril”. E


encerra.
Agora conte o número de palavras que Washington Olivetto emprega
nesse comercial. Contou? São exatas 54 palavras – contando com a locução, é
claro.
Considerando-se que o comercial tem trinta segundos de duração, temos
uma média de duas palavras por segundo. Não é muito, é verdade. Alguns
comerciais trazem um número muito maior de palavras. Mas é bem mais
que as cinco palavras utilizadas nos anúncios de revista que analisamos
acima, concorda?
Por que Washington Olivetto agiu dessa forma, colocando mensagens
com um texto mais longo, em média, nos seus comerciais de TV e um com
textos mais curtos na mídia impressa? Porque, muito provavelmente, conferiu
as pesquisas, que apontam que as pessoas hoje em dia não dedicam muito
tempo do seu dia para a leitura de anúncios de jornal, enquanto, na TV, estão
acostumadas a ver as pessoas falarem mais e então não se incomodam com
isso.
Como o próprio Olivetto já dissera, o publicitário tem de saber adequar a
mensagem ao meio. Se as pessoas leem rapidamente as revistas enquanto se
dirigem para o trabalho ou quando estão voltando para casa, por que haveria
você de tentar fazer explicações longas para esse leitor? Seria perda de
tempo, não é mesmo? – e de dinheiro do anunciante também.
A grande ideia, na maioria das vezes, não depende de genialidade ou
magia. Depende de conhecimento (Olivetto, 2011, p. 92).

A música como radar e recurso persuasivo no trabalho


de Washington Olivetto

Outro detalhe marcante nos trabalhos de Olivetto é a utilização da


música como recurso narrativo e persuasivo. Impossível não notar que ele o
utiliza e, muito acertadamente, com uma certa constância. Vejamos: você se
lembra do comercial que Olivetto fez para o Pinho Bril, com três minutos de
duração? Tinha uma música ao fundo. Da dupla Leandro & Leonardo.
Lembra-se do comercial que ele criou para o DDD da Embratel, com três
meninos simpáticos que cantavam, pedindo para você ligar, senão eles
chorariam?
E aquele para a Bombril, com o cantor Nelson Ned? Tinha música. E o
comercial A volta do Garoto Bombril, com música do Roberto Carlos ao
fundo? Também tinha música. A paródia que Olivetto e sua equipe fizeram
para a promoção “Bombril abalou”, com a cantora Ivete Sangalo, também
tinha música. O comercial Repentista também. E a versão Sujeira, que
parodiava um ex-prefeito denunciado pela ex-mulher, também tinha um
tango que tocava ao fundo.
Tem mais algum comercial de Olivetto com música? Tem, sim. O
comercial criado para divulgar, em parceria com a Maggi (Nestlé), o caldo
nobre da Galinha Azul.
E há outros. Muitos outros. Teve um comercial, dito cooperado (aqueles
em que duas empresas aparecem anunciando juntas), que anunciava o
elefante da Cica, que também tinha a música tradicional da Cica sendo
cantada durante sua exibição.
Mas esses não foram os únicos. Washington Olivetto e sua equipe de
criativos criaram ainda um outro comercial para a Cica, para o Natal, que,
além do elefante, trazia uma música, uma das versões mais conhecidas de
músicas de Natal, em que o Garoto Bombril e o garoto-propaganda da Cica –
o elefante – cantavam juntos.
Os comerciais com música criados por Olivetto são muito mais do que
se imagina. O comercial Carlitos, versão cinema em preto e branco, trazia
uma música bem no estilo dos tempos do cinema mudo, que fez muito
sucesso na época. E, se nesse comercial Carlos Moreno não dizia uma só
palavra, no outro comercial da série, gravado em cores e em que ele falava,
também tinha uma música, ao estilo do cinema mudo, ao fundo.
Lembra o comercial da Bombril que falava em ecologia e trazia uma
índia ao lado do Garoto Bombril? Também tinha uma música. Qual? Índia, é
claro. Com música também, Washington Olivetto fez um dos mais
memoráveis comerciais das malhas Hering de todos os tempos. Aquele em
que se via uma câmera instalada numa cabine de provador. E, ao longo de
sucessivos cortes rápidos, víamos várias personalidades, como Baby do
Brasil, Jorge Ben Jor, Ivo Pitanguy, o jogador de futebol e hoje técnico
Renato Gaúcho e o próprio Washington Olivetto (coisa rara), usando roupas
da coleção anunciada.
A música, como ele mesmo revelou numa entrevista, é “o seu
radar”.130 Foi com música também que Olivetto apresentou o comercial
Porquinho 2 para o cliente Globo.com.
O comercial que Olivetto desenvolveu para a Nova Montana da General
Motors tinha uma música também, lembra? Dispensável dizer que foi o maior
sucesso.
Mas a música na obra de Olivetto não para por aí. Lembra o filme que
ele fez para a Mastercard, em 2010, que trazia uma linda menininha que não
tinha um dentinho, sorrindo para o seu pai? Também tinha música ao fundo.
Lembra um filme criado para a Grendene que trazia Gisele Bündchen
apresentando a nova coleção de sandálias da empresa? Pergunta se tinha
música. É claro que tinha. Assim como o filme que ele criou para a General
Motors, com a atriz Fernanda Lima, Leve a vida num Chevrolet, que tinha o
Skank tocando um grande sucesso seu, Vou deixar a vida me levar.
E o que falar do comercial criado por ele para O Boticário, em que João
Gilberto cantava Coisa linda? E aquele, criado com o Nizan Guanaes, para os
postos de gasolina São Paulo? (Ver caderno de imagens, fotos 58 a 62).
E os comerciais que Olivetto fez para a Rider (com música de Lulu
Santos), Grendene (com música de Jota Quest), bombons Garoto (músicas de
Kid Abelha e Frank Sinatra). Todos eles tinham um recurso persuasivo em
comum: a música.
O outro comercial marcante de que falávamos tinha Tim Maia cantando
Como uma onda, de Lulu Santos, Nelson Motta e Vinicius de Moraes.
Impossível não exclamar: coisa de gênio! – Por quê?, eu pergunto.
Coisa de gênio, aliás, é colocar em filmes publicitários – como
Washington Olivetto faz – apenas atores selecionados a dedo para seus
comerciais. Repare na imensa lista de grandes nomes do nosso teatro e do
nosso cinema que Olivetto convidou para atuar nos seus trabalhos. Os nomes
vão desde Carlos Moreno e Luiz Fernando Guimarães a Seu Jorge e Débora
Bloch, passando por Marília Pera, Fernanda Montenegro, Ana Paula Arósio,
Fernanda Lima, Regina Duarte, Fernanda Torres e Camila Pitanga. O nível de
exigência do redator e escritor paulista parece ser tão alto que, para fazer um
comercial da GM, sobre segurança de trânsito, o ator indicado foi o cantor,
compositor e ator Seu Jorge.
Quem viu o filme com certeza disse o mesmo que nós: a escolha não
poderia ter sido mais acertada. A interpretação de Seu Jorge, num filme em
que as cenas são todas rodadas em preto e branco para dramatizar ainda mais
a mensagem publicitária, é impecável.
Impossível não comentar depois: viu o filme da General Motors com o
Seu Jorge?
O da Cofap (amortecedores) também tinha música (de Roberto Carlos).
E o da Hering também (de Noel Rosa).
Outro comercial que ele fez para o Credicard tinha uma música de
Odair José (Vou tirar você desse lugar), e o comercial que Olivetto fez para a
Natura trazia Gal Costa. O comercial que ele fez para a Mercedes-Benz, Fã,
tinha a música tema dos filmes da Disney ao fundo. (Ver caderno de
imagens, foto 63).
E a campanha que fez pela sua antiga agência, a W/Brasil, para os
Supermercados Zona Sul também tinha a belíssima música de Tito Madi,
Balanço Zona Sul, lembra? E o filme que fez para a revista Época, A semana,
que ganhou todos os prêmios no Brasil e no mundo, também foi inteiramente
construído em cima de uma boa música e de uma boa ideia.
Sem exagero algum, poderíamos afirmar que 50% ou mais da imensa
produção criativa de Washington Olivetto é calcada num mesmo e precioso
recurso persuasivo: a música. E o que é a música, a divulgação da música – e
estamos falando de música brasileira, porque em cerca de 90% dos
comerciais de Washington Olivetto a música que toca ao fundo é brasileira –,
em propaganda, senão a divulgação da nossa cultura popular?
O comercial que ele fez para o Chambinho, por exemplo, tinha uma
música de Pixinguinha, cantada pelas crianças que enalteciam o produto da
Nestlé. Qual era a música? Carinhoso. Aqui, como em inúmeras outras
ociasiões, Washington Olivetto não estava apenas ajudando a tornar o
Chambinho mais desejado pela nova geração. Estava apresentando a essa
nova geração um músico virtuoso que era da geração de seus pais e andava,
na época, meio esquecido.
É evidente que a garotada não perguntava apenas o nome do produto
anunciado – o Chambinho –, mas, por tabela, acabava aprendendo que aquela
música que todos agora cantavam havia sido composta há muito, muito
tempo, por um sujeito de nome esquisito que tocava um tipo de música ainda
mais esquisito, chamado chorinho, e que esse tal compositor, que era muito
simpático, se chamava Pixinguinha. (Ver caderno de imagens, fotos 64 e 65).
Ou isso não é cultura, divulgação de conhecimento?
Analisemos então o que se afirma agora. O problema, às vezes, na
divulgação do conhecimento pelas vias tradicionais, é que estamos tão
impregnados com o velho, com o tradicional, que nos esquecemos de que o
novo nos fornece mais possibilidades. Como o computador, por exemplo. Em
muitas escolas, o computador é usado apenas para se “passar os trabalhos a
limpo, só para digitar, não usam para pensar, para analisar essas novas
linguagens, que têm a ver com novos modos de conhecimento”.
A frase anterior é de Martin-Barbero. Nós apenas compartilhamos o
mesmo raciocínio. Quando começou a estudar a importância cultural da
novela, o conhecido pensador contemporâneo foi taxado por seus pares de
louco: “Meus companheiros, professores, ficaram loucos, disseram que eu
estava louco” (Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v. XXIII, nº 1,
jan./jun. 2000, p. 157-158).
O mais curioso é que aquele comercial, que divulgava a cultura popular
brasileira, foi integralmente apresentado e aprovado por telefone. É Avelar
Vasconcelos, ex-diretor de marketing da Nestlé e ex-presidente da ABA –
Associação Brasileira de Anunciantes – quem explica, aqui, como foi o
diálogo com Washington Olivetto, que, na época, via W/Brasil, atendia a conta
da Nestlé: “E foi numa dessas ‘desnecessidades’ que você me contou um novo
comercial para o Chambinho por telefone, que por telefone aprovei, que se
tornou uma obra-prima da propaganda brasileira, o comercial do Chambinho,
com o tema ‘Carinhoso’.131
E então, se ninguém mais duvida que novela é cultura, por analogia,
ousamos perguntar: quem disse que propaganda também não é cultura?
“Cultura não é só quando eu vou ao cinema ou ao teatro”, afirma o pensador
espanhol – lembre-se de que até pouco tempo o cinema era considerado arte,
mas a TV e o rádio, não –, “cultura é também convívio, é quando reproduzo
os costumes do meu avô ou do meu pai, a cultura está dentro da vida
cotidiana e há culturas diversas, por causa das regiões, por causa das
histórias”.
O computador, a internet, os video games e todas essas novas
ferramentas da comunicação que estão surgindo todos os dias não são apenas
novos aparelhos, são novas formas de perceber, de transmitir informação e
conhecimento.
A juventude está dedicando muito mais horas às revistas, ao rádio, à TV
e aos jogos do que nunca. Por que não passar então um pouco de cultura para
essa juventude por meio do comercial da TV, do anúncio de jornal ou da
revista ou da mensagem publicitária inserida no rádio ou na internet?
“A juventude está vivendo uma ruptura cultural grande hoje em dia. (...)
Não dá para entender essa ruptura sem a presença dos meios, sem a
presença da publicidade, sem a presença das novas tecnologias”.132 Note
que quem está falando, mais uma vez, sobre a importância da propaganda na
divulgação e na recepção da cultura não somos nós, mas Martin-Barbero.
O fato para o qual ele parece querer nos alertar é que estamos passando
a um outro nível de cultura. Estamos falando de mutações culturais e, para
tal, precisamos começar a olhar a cultura através do cinema, da dança, da
música, a partir da vida cotidiana, porque está tudo junto.
O recado parece ser: vivemos numa sociedade industrial em que a
máquina é sim importante, todos sabem disso, mas a mão de obra é muito
mais importante do que imaginávamos. De que adiantam as ferramentas se
não sabemos usá-las? O valioso, lembra Barbero, não são os músculos, mas o
conhecimento, o saber.
Atento às mudanças pelas quais o mundo passa a todo instante – tudo
muda o tempo todo133 –, Olivetto é um desses escritores que sabem que os
meios se tornaram ainda mais importantes com as novas tecnologias, e
entender a relação deles com as mediações é fundamental.
Washington Olivetto é o mago da construção da mensagem comercial
sob a plataforma da música. Ele sabe que conquistar cada um dos pontinhos
da audiência 134 é uma das tarefas mais difíceis e importantes da
propaganda, pois, cada pontinho representa mais de um milhão de
telespectadores assistindo o seu comercial.
Certamente por isso, quando criou, em 1993, o comercial para as
sandálias Rider, que mostrava jovens se divertindo e brincando durante as
férias de verão, fez questão de colocar ao fundo, como trilha sonora, Os
Paralamas do Sucesso, tocando País tropical, de Jorge Ben Jor.
Como diz o slogan que ele criou, “use Rider e dê férias para os seus
pés”. (Ver caderno de imagens, fotos 66 e 67).
Num mercado como o de publicidade no Brasil, que cresceu 8,8% em
2011, taxa três vezes maior que a da expansão do Produto Interno Bruto (PIB)
do país no mesmo período, e saltou de R$ 35,9 bilhões para R$ 39 bilhões,135
estar atento às novas tecnologias e às mudanças no comportamento do
consumidor pode representar novos e importantes clientes para a sua agência
e alguns milhões a mais na sua conta, no fim do ano.
Pesquisa publicada recentemente pelo Ibope (jornal O Globo, “Revista
da TV”, 20/5/2012) revela que 52% de toda a audiência da TV aberta no país
é formada por espectadores da classe C.
O Brasil é um país conservador, católico, brega e adora música.136 A
religiosa e a sertaneja foram as mais ouvidas em 2011: da lista das “Dez
mais” de 2011, os cinco primeiros nomes eram: Padre Marcelo Rossi (Ágape
musical), Paula Fernandes (Ao vivo), Paula Fernandes (Pássaro de fogo),
Luan Santana (Ao vivo no Rio) e Padre Robson (Nos braços de Deus).
Nunca é demais repetir um detalhe interessante: mais que simplesmente
vender produtos e serviços com seus comerciais com músicas ao fundo,
Olivetto está na verdade divulgando a cultura popular. Quantos comerciais
dele você já não viu que traziam a música de algum compositor que andava
um pouco esquecido na mídia ou no topo da moda e os comerciais de Olivetto
o levaram para dentro da sua casa?
Quem não cantou com eles, enquanto almoçava ou jantava, pelo menos
um trecho de Vamos fugir, com o Skank, Além do horizonte, com o Jota Quest,
Pense em mim, de Leandro & Leonardo, Eu vou tirar você desse lugar, de
Odair José, Coisa mais linda, cantada por João Gilberto ou não cantou pelo
menos o refrão de Alô, alô, W/Brasil, com Jorge Ben Jor, enquanto aguardava
no engarrafamento do trânsito ou bebericava um chopinho com os amigos?
(Ver caderno de imagens, fotos 68 a 72).
A propaganda de Washington Olivetto é bem mais que memorável, é
agradável, alegre e também cantável.
Certa vez, quando lecionava ainda na ESPM, por volta de 2003, exibi
alguns comerciais da Bombril para analisar depois com os alunos, em sala.
Qual não foi minha surpresa, quando coloquei o comercial Liga pra mim –
que tem música de Leandro & Leonardo – e vi a turma inteira, cerca de
quarenta alunos, levantando os braços e cantando junto com o ator Carlos
Moreno: “pense em mim, liga pra mim, não, não liga pra ele!”
Pergunte se esses meninos e meninas, futuros publicitários, não sabem
de cor e salteado a letra de Além do horizonte ou de Vamos fugir? Pergunte se
eles não conhecem também a letra de Carinhoso.
Eles sabem, sim. E sabem também as letras de canções como Coisa
linda, Eu vou tirar você desse lugar e até mesmo a letra de A volta, cantada
por Roberto Carlos em comercial da Bombril. Olivetto é um divulgador da
boa música brasileira.
Mais que simplesmente colocar a música na propaganda, Washington
Olivetto parece colocar a propaganda na música, inserindo o telespectador
numa deliciosa simbiose musical que cria simpatia pela marca anunciada e
faz o consumidor memorizá-la por muito mais tempo.
A música como opção persuasiva nos trabalhos de Olivetto é um capítulo
à parte que merece ser estudado mais detalhadamente num futuro não muito
distante. Que venham novos e mais aprofundados estudos sobre esse tema,
pois certamente ele é merecedor de mais atenção.
Gostaríamos de saber o que você pensa a respeito. Qual é a real
importância da música na propaganda, ou, seria correto perguntar: qual a
importância da propaganda para a música popular brasileira?
Por fim, antes de terminarmos este capítulo, tentaremos explicar como
se dá também a argumentação e o processo persuasivo de Washington
Olivetto nos anúncios de mídia impressa, analisando agora um texto antigo de
Washington Olivetto. Ele foi escrito a quatro mãos, ainda nos tempos de DPZ,
com a também redatora Marita T. Soares, e tinha direção de arte do então
dupla de Olivetto, Francesc Petit. Trata-se de um anúncio criado para a
Embraer, destinado a divulgar um dos quatro novos modelos de monomotores
produzidos pela empresa, Carioca, Corisco, Minuano e Sertanejo, e o título da
peça é: Troca-se por uma vaquinha.
Trata-se de um texto mais longo, o que ajuda a pôr por terra a velha tese
sustentada por muitos de que publicitário só escreve textos curtos. Não é bem
assim. Os textos curtos da propaganda são, no caso, uma opção. O argumento
mais plausível é: o consumidor de hoje não tem tempo a perder com textos
longos. Seria mesmo verdadeira tal afirmação?
A síntese é uma das características marcantes do texto publicitário, mas
escrever bem, contar uma história em poucas palavras, não é fácil. É
Washington Olivetto quem diz aqui: “A maior parte dos usuários do Twitter – e
por que não também do Facebook? – não sabe escrever comprido, que é mais
fácil. Acabam se enrolando quando precisam escrever alguma coisa curta,
com o máximo de 140 caracteres. Predomina o texto ruim. Vale a frase que
ora é atribuída a Oscar Wilde, ora é atribuída ao filósofo Pascal: ‘fiz esta
carta mais longa porque não tive tempo de fazê-la curta’” (Olivetto, 2011, p.
20).
Vamos ao anúncio.
O slogan do anúncio era: “Embraer (marca). O dinheiro que você aplica
num avião volta voando”.
Eis o texto na íntegra:

Vamos fazer uma vaquinha? Entramos eu, você e mais dois,


três ou quatro amigos. A gente corre até um revendedor Embraer
e escolhe o modelo de monomotor que nós vamos comprar. Pode
ser um Carioca, um Corisco, um Minuano ou um Sertanejo. Em
todos eles dá pra instalar piloto automático e IFR (equipamento
para voo por instrumentos).
Vemos o quanto custa o que a gente escolheu (não vai ser
mais que o preço de um carro importado).
Pegamos um financiamento de 48 meses e levamos o avião.
Quer apostar como (se nós formos os quatro) não vai ser mais
que 15 mil cruzeiros por mês para cada um?
Pois é. Agora é assim. Todo mundo pode entrar para a onda
da atualidade, a aeromania, usando um costume de antigamente:
a vaquinha. Mas o que é que a gente vai fazer com o avião?
Isso eu também explico. Vamos fazer os nossos negócios.
Com um avião nas mãos, não existe concorrente que chegue
primeiro que a gente.
Vamos parar de aguentar engarrafamentos, de andar a 80
por hora, de pagar pedágio, de enfrentar filas nos aeroportos.
Vamos usar o avião na fazenda, vamos impressionar um
bocado os nossos clientes (eles não sabem que ter um avião não é
mais coisa de milionário), vamos colocar os nossos negócios em
ascensão.
E vamos também usar o avião pra passear nos fins de
semana, que ninguém é de ferro.
Ah, uma outra coisinha: a gente pode se revezar como piloto.
Tirar um brevê demora só 40 horas e por isso nós quatro
podemos tirar (aliás, um dos brevês sai de graça pelo plano
Piloto-Embraer).
E podemos inclusive dividir o avião pelas semanas do mês:
uma semana pra cada um.
Como é? Vamos fazer uma vaquinha?

A primeira coisa que chama atenção nesse texto é a coloquialidade.


Note como ele é intimista, como conversa com o leitor, como que tentando
convencê-lo a chamar uns amigos e comprar um avião. Note como o texto
está repleto de palavras e frases simples, dessas que se usam nas
conversações do dia a dia, como “pra” – no lugar de para –, “pois é” e até
um suspiro, colocado sob forma de um “ah!”.
Note como o texto é escrito todo sob a forma argumentativa, é todo
escrito sob a forma de alguém que conversa ou aconselha um amigo. Note
como ele não emprega termos impositivos, e o imperativo é substituído pelo
discurso deliberativo – recurso retórico que visa aconselhar a uma ação
futura, que, obviamente, é a experimentação, a compra, do produto ofertado.
Então, finalizando, note a metáfora empregada no slogan: “o dinheiro
que você aplica num avião volta voando”.
Note que há uma segunda leitura na frase, note que há uma segunda
interpretação de sentido. Esse termo, “voando”, significa “rapidamente”, “a
jato”. Quer dizer que dinheiro investido em avião da Embraer traz um retorno
mais rápido que os demais investimentos, os quais você precisa esperar um
mês ou mais para ver seu dinheiro render.
Parece querer nos dizer que, ao comprar seu avião da Embraer, já no
próximo voo você pode fechar bons negócios e voltar para casa satisfeito
com o investimento que acabou de fazer.
O texto está nos dizendo, na verdade, que o dinheiro que você aplica
num avião da Embraer traz rendimentos imediatos. Seu lucro chega mais
rápido. Como o próprio texto diz, a jato. Grande analogia essa, não? Grande
texto.
Assim são os textos de Washington Olivetto. Coloquiais, deliberativos.
Aconselham, conversam, não ordenam. Textos de gente grande, de quem
sabe e gosta de escrever. Simplesmente geniais.

123 “As convicções são cárceres. Mais inimigas da verdade do que as próprias
mentiras” (Also sprach Zarathustra, 1883/1885).

124 Retórica. Do grego: rhêtoriké. Subentendendo-se téchne, a arte da retórica.


Eloquência. Oratória. Conjunto de regras relativas à eloquência. Oratória.
Tratado que encerra essas regras. Adorno empolado ou pomposo de um discurso.
Discurso de forma primorosa, porém vazio de conteúdo. Retórica, do verbo
retoricar (Dicionário Novo Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2010, p. 1.241).

125 Art rhétorique et art poétique. Paris: Garnier Fréres, 1957, p. 53.
126 “Tenho paixão pela língua portuguesa, convertida em língua brasileira. E
aprendi desde cedo que dependo muito da língua portuguesa. É por meio dela que
posso expor minhas ideias. Ela é o fio que me liga à cabeça e à alma das
pessoas” (Olivetto, 2011, p. 54).

127 O comercial Despedida do Garoto Bombril, com duração de 1 minuto, tem


exatas 139 palavras. Já alguns comerciais de Washington Olivetto como, por
exemplo, Roletrando Bombril, com duração de 30 segundos, tem exatas 99 e o
comercial Mon Bijou, antes da censura, também com duração de 30 segundos,
contém 95 palavras.

128 Novo Aurélio da língua portuguesa, p. 656.

129 Superdicionário Globo de língua portuguesa, p. C: “O período, a frase.


Contém um pensamento completo que, embora se relacionando com os
anteriores ou se ampliando nos posteriores, forma um sentido completo. O
parágrafo. A estrutura e a composição do parágrafo se relacionam com as ideias
que queremos expressar. Dentro do mesmo parágrafo podemos ter diferentes
ideias, desde que elas, reunidas, formem uma ideia maior”.

130 Entrevista à TV PUC, em 19/10/2011.

131 Artigo publicado em 9 de dezembro de 2003 e republicado em 16 de abril de


2012, no Portal da Propaganda. Texto escrito por Avelar Vasconcelos.

132 Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v. XXIII, nº 1, jan./jun. 2000,


p. 157-158.

133 Trecho da música Como uma onda, de Lulu Santos e Nelson Motta.

134 “Um pontinho de audiência significa 1,040 milhão de espectadores”


(Olivetto, 2004, p. 45).

135 O mercado brasileiro da propaganda movimentou 39 bilhões de reais em


2011, 2,7% segundo pesquisa do grupo Meio & Mensagem, publicada no jornal O
Globo, em 28/5/2012.
136 A Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) registrou um
crescimento de 8,47% em relação ao ano anterior e foram vendidos mais de 18
milhões de CDs e comercializados outros 6,7 milhões de DVDs e blu-ray s,
movimentando R$ 373,2 milhões em vendas. Dados de 21/3/2012.
Capítulo IV

Estudos sobre o humor e a construção


do chiste na obra de Washington Olivetto

Em 1905, já às vésperas de completar cinquenta anos de idade, um


renomado pensador e médico neurologista que estudava o comportamento
humano despertou mais uma vez a atenção da comunidade científica em toda
a Europa, ao publicar três livros ao mesmo tempo. Dois deles escritos
simultaneamente. Seu nome era Sigmund Freud.137
A idade, ele parecia querer dizer, não está relacionada à produtividade
do homem. Pelo menos, não do modo como a imaginamos.
O biógrafo oficial de Freud, Ernest Jones, acredita que tais publicações
devam ter antecedido o início de junho, pois a 4 de junho daquele mesmo ano
apareceu uma longa e favorável crítica à sua obra sobre o chiste no jornal
diário de Viena Die Zeit (Freud, 1977, p.16).
Os chistes e sua relação com o inconsciente é um dos trabalhos menos
conhecidos do pai da psicanálise, e sua publicação, a princípio, causou
estranheza: por que estaria um cientista como Freud perdendo tempo em
explicar uma coisa banal como o humor e o cômico? O que pretenderia o
eminente psicanalista ao estudar a linguagem, as piadas, os jogos de palavras,
a caricatura, o nonsense e as inversões de sentidos nas frases?
O que teria levado Sigmund Freud a estudar um tema tão distante,
aparentemente, da cientificidade, as anedotas, chegando mesmo a recortar
tiras de humor de jornais e revistas e a colecionar piadas (muitas delas
poderiam ser consideradas poltiticamente incorretas hoje em dia) que, mais
tarde, ele próprio reescreveria e usaria nas suas explicações acadêmicas
sobre o princípio do prazer e as relações do chiste com os sonhos e o
inconsciente?
É bem verdade que alguns escritores (Jean Paul Richter) e filósofos
(Theodor Visher, Kuno Fischer e Theodor Lipps) e mesmo Kant e outros
grandes pensadores já haviam feito o mesmo anteriormente.
Mas poucos deles, acreditava Freud, se aprofundaram nos problemas do
chiste. A grande maioria dos que haviam se aventurado por essa pesquisa
voltara sua investigação para “o problema mais amplo e aparente, o da
comicidade” (idem, p. 21).
Então, enquanto escrevia Três ensaios sobre a teoria da sexualidade,
inspirado no livro do filósofo alemão Theodor Lipps, Komik und humor, de
1898, Freud começou a redigir também um novo manuscrito – que colocou
numa mesa ao lado daquela em que escrevia seus estudos sobre a
sexualidade –, que viria a se entitular mais tarde como Os chistes e sua
relação com o inconsciente. Valeria a pena tanto trabalho – muitos se
perguntaram naquela época – dedicar-se aos estudos de algo, aparentemente,
menor?
O próprio Freud, aliás, se fizera a mesma pergunta, na página 28 do
livro. Ele escreveu: “Valerá tanto trabalho o tema do chiste? Pode haver,
creio eu, dúvida quanto a isso?”.
Evidentemente, a resposta foi sim, valeu a pena. Freud estava prestes a
perceber que o humor é uma das mais importantes criações do intelecto.
Algo muito importante para a nossa vida e para a nossa sociedade. Logo a
publicidade perceberia o mesmo que ele e nunca mais se separaria do
humor, inserindo sempre que possível cenas cômicas nas histórias que
ajudam a vender seus produtos e serviços.
O que ele buscava explicar era como funciona a mente humana
também em relação ao humor e ao prazer que ele proporciona ao homem.
Para isso, pesquisou a obra de Victor Hugo, Mark Twain, Shakespeare e
Cervantes, entre outros grandes escritores, para tentar demonstrar que são
várias as espécies de humor e que ele é, na verdade, um processo defensivo,
pelo qual nos afastamos da morte e da dor na mesma proporção que
procuramos a vida e o prazer. O homem gosta de sorrir e de se divertir; só os
masoquistas gostam de sofrer.
Tentando explicar como se constrói o chiste, Freud reproduziu anedotas
que colecionara ao longo de anos e que aprendera nos salões. Ele, que havia
dedicado parte de seu tempo ao estudo da linguística, sabia que, dependendo
do contexto, as palavras perdem e ganham sentidos.
Há técnicas que levam ao chiste, afirma Freud, que, num breve
sumário, assim as catalogou (Freud, 1981, p. 1.049).

I. Por condensação:
• Com formação de palavra composta;
• Com modificação.
II. Com múltiplo uso de um mesmo material:
• Como um todo e suas partes;
• Em ordem diferente;
• Com leve modificação;
• Com sentido pleno e sentido esvaziado.
III. Com a utilização dos duplos sentidos:
• Significado como um nome e como uma coisa;
• Siginificados metafóricos e literais;
• Com duplo sentido propriamente dito (ou jogo de palavras);
• Double entendre;
• Com duplo sentido com uma alusão.

Essas não são todas as formas de construção da técnica do chiste


existentes, afirmara ele. São as mais comuns, apenas.
Washington Olivetto, que também leu e admira Freud, lembra-nos que o
pai da psicanálise dividia as anedotas em dois tipos: as ingênuas e as
tendenciosas (Olivetto, 2011, p. 135). As primeiras incluem os jogos de
palavras, enquanto as segundas recorrem a um preconceito ou uma
referência erótica.
Quando nos aprofundarmos nas relações entre o chiste e a propaganda,
buscaremos explicar como a propaganda se utiliza da graça para construir
sua mensagem de vendas e que importância tem o humor para a sociedade.
Alguns humoristas dizem que, basicamente, existem sete piadas. O que
muda são os cenários, os personagens e as razões, completa seu raciocínio
Olivetto. Grande parte das piadas e anedotas que Freud analisa em sua obra
muito provavelmente seria considerada inapropriada hoje ou politicamente
incorreta. Ao analisar a construção do chiste, como se dá a atividade mental e
quais são as técnicas que permitem a sua elaboração, Freud nos conta, entre
outras, inúmeras anedotas sobre judeus (p. 48, 65, 66, 68, 97, 99, 132, 134,
136), professores alcoólatras (p. 69), mendigos (p. 73), filósofos (p. 44-46,
96), deficientes físicos (p. 39, 49, 50, 79, 80, 82, 83, 91, 125), nobres (p. 87,
91, 95), ignorantes (p. 40), médicos (p. 53, 54, 73, 91, 100), mulheres feias (p.
54, 80, 82, 83), mulheres impuras (p. 52), mulheres infiéis (p. 94), contexto
sexual (p. 75, 76, 94), rabinos (p. 81), padres (p. 106, 135), avarentos (p. 73,
133, 134) e políticos (p. 37, 38, 46). O mundo parece ter sido mais liberal no
passado.
Contar histórias de deficientes físicos, mulheres feias ou de cunho étnico
(judeus) não parece uma boa ideia nos dias de hoje. Elas estão proibidas por
lei. A anedota que Freud utiliza para explicar o humor, por exemplo, e que
envolve o imperador Napoleão, um francês, certamente provocaria protestos
e poderia vir até a ser censurada nos nossos dias138.
Aqueles eram outros tempos. Bem mais ingênuos, sem sombra de
dúvidas, e anedotas, via de regra, não levavam ninguém aos tribunais, como
levam hoje em dia. Freud, aliás, como que prevendo o questionamento,
escreveu sobre isso: “O humor não se preocupa com explicações”.139
Freud acreditava que a grande maioria dos chistes, em especial aqueles
produzidos em conexão com eventos do dia, circulam anonimamente na
sociedade. Quem é que não tem um amigo publicitário que criou, certa vez,
um comercial baseado num fato ou numa história engraçada que ouviu
alguém contar ou que ele mesmo presenciou? Numa campanha para a rede
de concessionárias de uma grande fábrica de automóveis, criada nos anos
1990, Marcelo Gianini, criativo que na época era vice-presidente de criação e
dirigia os criativos da Salles Interamericana no Rio de Janeiro, confidenciou-
me que criara um comercial dessa forma.
No roteiro, um casal saía de uma casa noturna. Era noite e chovia muito.
Então entrava em cena o guardador, que trazia as chaves do carro e um
guarda-chuva para os dois não se molharem. O manobrista colocava o casal
no carro e, evidentemente, se molhava todo. Em agradecimento, o sujeito
com pinta de bem-sucedido chegava junto ao guardador e, colocando algo no
bolso do seu casaco, dizia: “isso aqui é para você beber um uisquinho depois”.
“Oba”, pensou o guardador. Lá ia o casal embora no carro. E só então o
pobre coitado do guardador decidiu verificar quanto recebera: nada. Não
recebera nada, pois o “isso aqui é para você beber um uisquinho depois” era,
na verdade, uma pedra de gelo que o “malandro” colocara no seu bolso.
O Marcelo Gianini me confidenciou que criara toda a estrutura do
comercial com base em uma anedota que lera quando garoto, num gibizinho
vendido em bancas de jornais, e jamais esquecera.
A boa piada, ou anedota, como preferia chamar Freud, é inesquecível. A
gente ouve uma, duas, dez vezes, e ri em todas elas. Nunca se cansa de ouvir
e repetir tal anedota. Ela é como a boa propaganda: não cansa nunca.
Quantos comerciais, quantas campanhas já não devem ter sido criadas
assim, em cima de gags e piadas, que o povo conta todos os dias, nas ruas, nos
estádios de futebol, nas praias, nos salões e que lemos nas revistas populares e
ouvimos nos programas da TV e do rádio? Pelo visto, não foi só Freud que
andou lendo anedotas e colecionando piadas populares. A propaganda parece
beber na mesma fonte que o cinema, o teatro, a TV e o rádio, quando se trata
de humor: coleciona e depois reproduz só as melhores anedotas que o próprio
povo inventa.
A estrutura, a forma de construção do chiste, muitas vezes, como
estamos vendo, parece ser a mesma da propaganda: uma história curta, de
preferência com um final surpreendente ou uma quebra de expectativa. O
duplo sentido ou o jogo de palavras sempre ajudam nessa técnica. Muitas
vezes, alertara o pensador austríaco, o chiste está na pronúncia das palavras, é
fônico. O chiste é um juízo lúdico. Como no exemplo que mostramos a seguir.
Assim Freud narrou tal anedota sobre Napoleão:
O imperador, que acabara de conquistar a Itália e parte da Europa, entra
num salão, onde há uma festa em sua homenagem, e se depara com uma
linda dama italiana. Puxando assunto, Napoleão é rude, ao afirmar: “Tutti gli
italiani danzano si male”, ao que a jovem dama responde ironicamente: “Non
tutti, ma buona parte”.140
A brevidade, afirmara o poeta alemão Jean Paul – 1804, parte II,
parágrafo 42 –, é a “alma do chiste, sua própria essência”.
Freud adverte que, na verdade, simplesmente modificara o que já fora
dito anteriormente por Hamlet, personagem de Shakespeare: “Therefore,
since brevity is the soul of wit. And tediousness the limbs and outward
flourishes. I will be brief” 141 (Freud, 1977, p. 26).
Um novo breve exemplo. Freud emprega outra anedota retirada,
segundo ele, do anedotário popular para explicar tal processo: “Um médico,
afastando-se do leito de uma dama enferma, diz a seu marido: ‘Não gosto da
aparência dela!’. Ao que o marido responde, concordando: ‘Também não
gosto e já há muito tempo’” (Freud, 1977, p. 52-53).
É evidente a inversão de sentidos provocada pela frase, que deixa
margem a dupla interpretação. No caso, é claro que o médico se referia ao
estado de saúde da paciente, que não lhe agradava, preocupava, enquanto o
marido referia-se à aparência da mulher, que não lhe agradava mais.
A fim de compararmos a técnica empregada em ambos os casos,
vejamos agora um exemplo de propaganda em que a técnica utilizada
também foi o jogo de palavras. A quebra de expectativa. A inversão de
sentidos construída sobre uma mesma palavra que dá margem a duplo
sentido e um novo significado. Então, quando percebemos isso, naturalmente,
rimos. Achamos graça. Para isso, reproduziremos um anúncio de Washington
Olivetto para o cliente Bombril.
Em 1988, sua antiga agência, W/Brasil, veiculou nos principais jornais e
revistas do país um anúncio que comunicava o lançamento de um novo
produto, o Bombril em embalagem família, que tinha um litro, em vez dos
habituais 500 mL da embalagem tradicional. Para ilustrar tal mensagem, os
diretores de arte da W/Brasil usaram uma foto que mostrava o ator Carlos
Moreno caracterizado de diversos personagens de uma mesma família: a
mãe, o pai, e três irmãozinhos.
Aqui temos, obviamente, um jogo de palavras em cima da palavra
“família”, que remete o leitor a mais de uma mensagem, com sentidos e
significados diversos. “Família”, no universo semântico do marketing, tem o
significado de “maior”, “maior quantidade do produto”, enquanto para o
consumidor essa mesma palavra remete a seus parentes, como nos mostra o
layout (a foto) do referido anúncio. Houve, portanto, uma semelhança entre a
técnica citada por Freud na construção do chiste e a técnica empregada pela
propaganda para passar sua mensagem de vendas.
No que se refere às anedotas, principalmente aquelas que poderiam ser
interpretadas como que contendo em si uma certa dose de preconceito ou
algo do gênero, Freud parece ter percebido a gravidade. Certamente pensou
na possibilidade de algumas delas trazerem um certo desconforto, certa
irritação a algumas pessoas – lembre-se de que, embora contasse muitas
piadas sobre judeus e aleijados, Freud era judeu. No entanto, sua
preocupação não era simplesmente fazer graça, mas sim explicar como se
faz a graça. Então, mesmo sabendo do risco que corria, foi corajoso ao se
expor em nome da ciência e escreveu, como já foi dito anteriormente: “O
chiste não se preocupa com o justificável”.142
Freud parecia mais preocupado em provar que o chiste acontece
involuntariamente, que vem do inconsciente, enquanto o cômico surge do
racional (Freud, 1977, p. 56).
Por que perdera tampo estudando o chiste e a linguística? Por que se
aventurara em questões que ele sabia que lhe trariam problemas e
questionamentos? A resposta ele nos daria em breve: o chiste fascina e
encanta a nossa sociedade.143
Entre seus autores prediletos estavam nomes como Goethe,
Shakespeare, Agatha Christie e Mark Twain. Freud era eclético, curioso e
voltado para o humor: “Em 1907, respondendo a um questionário de seu
editor, Hugo Heller, que pedia uma lista de dez bons livros, Freud mencionou
(...) e Mark Twain. Mark Twain certamente era o mais irreverente dos
humoristas” (Gay, 1989, p. 164-165).
Quem disse que para ser respeitado você precisa ser sério ou triste?
Freud era divertido, assim como Einstein. Voltaire (1694-1778), uma das
figuras mais importantes do Iluminismo e escritor, ensaísta e filósofo, é
considerado ainda hoje um dos maiores pensadores que esse mundo já
conheceu, era um ferrenho crítico da sociedade, sim, mas fazia suas críticas
aos aproveitadores, aos corruptos e aos que insistiam em aumentar os
impostos para financiar as guerras do rei, mas utilizando-se sempre do humor
e da ironia; era um homem alegre, que escrevia textos sarcásticos e bem-
humorados. Foi preso duas vezes e, para não ser pego uma terceira vez,
refugiou-se na Inglaterra, mas mesmo assim não perdeu o humor. Era um
homem simples e, embora morasse num castelo em Cirey, na França, a oeste
da Córsega, costumava distrair seus convidados lendo peças que os faziam rir
às gargalhadas. No romance Candide, para muitos, sua obra-prima, o
Evangelho do pessimismo, pede aos homens que riam de suas próprias
desgraças e de sua estupidez. Não vale a pena ser triste, parece querer nos
dizer o filósofo.
É conhecida a história que se passou com ele, quando um dia foi visitado
por um jovem inglês caçador de celebridades. “Diga-lhe que estou
morrendo”, disse Voltaire ao criado, tentando afastar o intrometido. Mas o
inglês insistia em vê-lo. “Diga-lhe que estou morto”, disse dessa vez Voltaire.
Como o inglês insistia em ver o cadáver do filósofo, este mandou um recado
pelo criado: “Diga-lhe que fui enterrado e entregue ao diabo. Se ainda assim
quiser ver-me, diga-lhe que vá para o inferno”.144
Seus textos são um convite à meditação e ao riso.
Quais seriam as técnicas que levam à criação do chiste? – perguntava-se
ele agora. Como diria o vagabundo – como narra uma antiga anedota – que é
encaminhado à execução numa segunda-feira, “a semana está começando
otimamente”. O mesmo caso, segue explicando o célebre psicanalista, ocorre
quando o vagabundo, em seu caminho para a execução, pede um lenço para
cobrir a garganta de modo a não pegar um resfriado.
Freud foi um dos primeiros a levar a sério a blague e as anedotas
populares. Ele desconfiava que nelas reside a grandeza do humor, pois é por
meio dele que o homem se agarra a seu habitual, recusando tudo o que um
dia possa levá-lo ao desespero e a destruir seu eu – a morte.
E que são os títulos da propaganda senão exatamente isso?
Voltemos ao título que Olivetto criou quando da visita do papa João Paulo
VI ao Brasil. Sua Santidade estaria em contato com as massas de fiéis, que
corriam às praças, aos estádios de futebol e grandes locais públicos, como o
Aterro do Flamengo, no Rio, para recebê-lo.
É evidente que, para percorrer grandes distâncias como essas, mesmo
estando ainda em plena forma naqueles tempos, Sua Santidade o faria melhor
em um veículo, como o papamóvel, que servia de transporte ao papa e
carinhosamente foi apelidado pela população católica com esse nome.
Como todo grande evento, o encontro com o papa também tinha custos a
serem cobertos, como os deslocamentos, as hospedagens e a alimentação e,
obviamente, nessa hora, nada melhor do que poder contar com uma grande
seguradora – foi exatamente o que fizeram os organizadores. Buscaram o
apoio, entre outros, da Itaú Seguros.
Então, na véspera do encontro do papa João Paulo VI com a massa de
fiéis, Washington Olivetto escreveu um anúncio comemorativo do evento que
foi publicado nos principais jornais do país e trazia o seguinte título: “Nem o
papa deixa tudo nas mãos de Deus. Itaú Seguros. A seguradora do
papamóvel”.
O que buscava dizer esse brilhante anúncio era que ser previdente não
faz mal a ninguém. E o que buscava essa frase, ou título, senão a fórmula
descrita por Freud de construção do chiste, que envolve uma frase ou
sentença curta e um final surpreendente?
A verdade é que, diferentemente do modo como é retratado na maioria
das matérias e artigos que escrevem sobre ele, Freud era um sujeito
espirituoso, simples e muito bem-humorado. Que atraía as atenções das
plateias não apenas pela inteligência – Freud falava e escrevia fluentemente
em inglês e francês, além do alemão –, mas principalmente pelo bom humor.
Pintaram o homem errado. Esse não era Freud.
Nas páginas 158 e 159 de sua obra Freud: uma vida para o nosso tempo,
o biógrafo Peter Gay afirma que o criador da psicanálise, que era dotado de
uma memória inigualável, fazia palestras sempre aos sábados na
universidade, de improviso, por quase duas horas, sem usar sequer uma folha
de papel ou anotações, e encantava a plateia com seu raciocínio socrático –
costumava interromper suas exposições formais para fazer perguntas ou
pedir críticas –, suas citações de poetas e romancistas e suas anedotas
mordazes, principalmente as anedotas judaicas. Segundo Peter Gay, Witels
assim o descreveu: “Seu método de exposição era o de um humorista alemão
(...) Mesmo no discurso mais técnico, seu humor e informalidade
continuavam a despontar (...) Quando aproximavam-se as objeções, ele as
tratava de maneira espirituosa e convincente”.
Freud era mais que inteligente. Era coloquial, convincente, desprovido
de pompas e engraçado. Não era o único. Aristóteles também era assim:
espirituoso, e não apenas inteligente. Einstein, Darwin, Da Vinci e muitos
outros grandes nomes da nossa história também eram assim. Washington
Olivetto, que ora estudamos, também é assim. Engraçado, inteligente e, ao
contrário do que muitos imaginam, desprovido de pompas.
Nas três palestras em que o acompanhamos, falou durante cerca de
duas horas, de improviso, sem o auxílio de papéis ou anotações – usando
como único recurso técnico um rolo de filmes, que apresentou no telão ao
fundo –, demonstrando um conhecimento e bom humor contagiantes que
encantaram as plateias.
Freud havia se interessado em estudar o humor exatamente por ese
motivo. Ele se perguntara: qual seria a importância do humor para a
sociedade? Seria o humor ereditário? Dugas, que fora discípulo de Ribot, e
influenciou os estudos do pensador austríaco acerca do humor, lembra-nos
Freud, ao escrever La psychologie du rise, de 1902, assim expressou seu
pensamento a respeito: “Não há fato que seja mais lugar-comum ou que
tenha sido mais amplamente estudado que o riso. (...) Mas, ao mesmo tempo,
nada permanece mais inexplicado. Seria tentador dizer com os céticos que
deveríamos nos contentar em rir e não tentar saber por que rimos, já que a
reflexão pode matar o riso e seria assim uma contradição pensar que
pudéssemos descobrir suas causas” (Freud, 1977, p. 169).
A maioria dos grandes homens parece ter esse traço em comum: o bom
humor. Seria tal fato mera coincidência?
As técnicas que provocam o riso e eram usadas pelos primeiros
pensadores parecem ser as mesmas que a propaganda usa hoje em dia em
seus comerciais. A propaganda que você vê na TV e traz um chiste, uma
gracinha, uma anedota em que a mulher bonita diz que, comprando as roupas
numa determinada loja, você vai fazer os homens perderem a cabeça é a
mesma graça ou chiste que Victor Hugo havia escrito séculos atrás, sobre o
bandido que se envolvera numa conspiração contra o rei Carlos I da Espanha,
e que está no anedotário popular e todo mundo comenta e ri hoje em dia,
como ria antigamente. Ao cair em desgraça, réu de alta traição, prevê que
seu destino é perder a cabeça e então declara sua intenção de não abrir mão
de seus direitos, entre eles, o de manter-se coberto perante seu senhor real.
Ele então diz: “Nos têtes ont le droit de tomber couvertes devant de toi”.145
Faz sentido. A palavra humour (humor), que o inglês foi buscar sentido
no antigo francês, lembra-nos o professor Stephen Ullmann (Ullmann, 1964,
p. 397), das universidades da Califórnia e de Oxford, baseia-se em
concepções fisiológicas que “posteriormente foram esquecidas, e humour
transformou-se gradualmente num dos termos-chave do modo de vida
britânico”.

Humor. Do latim, humore. Líquido. Qualquer líquido contido


em um corpo organizado. (...) Veia cômica, graça, espirituoso.
“Todos riem de suas histórias; conte-as sempre com muito
humor.” Capacidade de perceber, apreciar ou expressar o que é
cômico ou divertido (Dicionário novo Aurélio da língua
portuguesa, p. 740).
Por que somos levados a contar a alguém o nosso chiste? – perguntava-
se o pai da psicanálise. Por que não nos bastamos nós mesmos com nossa
graça? Tentemos entender melhor a questão. E, para isso, seria melhor
primeiramente definirmos o que vem a ser chiste.
Afinal, o que é o chiste?
O Dicionário novo Aurélio da língua portuguesa,, p. 320, traz a definição
exata:

Chiste (do esp. chiste). Dito gracioso, facécia, piada, pilhéria,


gracejo. “Graças, chistes e facécias que movem o riso são para o
tablado da comédia e não para o púlpito” (pe. Manuel Bernardes,
Os últimos fins do homem, p. 376).
Chistoso. Adj. Que tem chiste, engraçado, espirituoso (cf.
xistoso).

O fato é que Freud havia notado, por exemplo, que a presença do humor
nas pessoas espirituosas era marcante. Então se perguntou ele: seria o chiste
hereditário? Outra pergunta que ele fez foi: qual a importância do chiste no
processo social? Existiriam técnicas pelas quais se processa o humor? E, se
elas existem, que técnicas são essas?
As respostas não tardariam a ser encontradas. A verdade, diria um dia
Freud, é que a humanidade não se contentou em desfrutar o cômico, mas
procurou também produzi-lo intencionalmente. Freud queria explicar como
se dá esse processo, por que formas linguísticas tal pensamento chistoso ou
cômico pode ser expresso. Para isso, o pensador austríaco não se limitou a
estudar em livros e passou a pesquisar também artigos de humor em jornais e
revistas e, assim, a colecionar anedotas, que mais tarde lhe serviriam de
material.
Em nossos estudos sobre o humor na propaganda e em especial nos
textos de Washington Olivetto, que ora iniciamos, pretendemos seguir a
orientação dada por Freud e, assim, além de livros, pesquisaremos também
os artigos de jornais e revistas e, evidentemente, comerciais da TV.
E Olivetto segue explicando: “No primeiro caso, o que gera o riso é a
surpresa com o inesperado ou com o coincidente. No segundo, o ‘engraçado’
se escora na oposição à diferença e na exposição exagerada ou ridícula de
estereótipos”.
E agora, nós nos perguntamos, com o que trabalha, com quais elementos
opera a publicidade, senão exatamente com estes: os estereótipos, o exagero,
a pilhéria e os jogos de palavras? Aliás, por que será que o próprio
Washington Olivetto utiliza tanto o recurso da paródia em seus comerciais? A
resposta a essa pergunta nos vem do próprio Freud: porque a paródia é uma
das formas de se produzir o cômico. O humor, dizia ele, não nos torna
ridículos ou desprezíveis, ele nos torna admirados.146
Olivetto tem toda a razão em afirmar que, sob certos aspectos, a
estrutura do comercial é parecida com a estrutura do chiste, até porque os
dois visam arrancar o riso do telespectador, da plateia.
É na palavra e pela palavra que o inconsciente encontra a sua
articulação essencial. E é também na palavra, muitas vezes, que a mensagem
publicitária aproxima o consumidor do produto ofertado, fazendo um gracejo,
um jogo de palavras ou uma anedota que o faça rir.
Os trocadilhos (ou jogos de palavras), que são uma forma pela qual o
chiste se apresenta, são baseados na polissemia. Segundo o professor Stephen
Ullmann, eles são mais interessantes por causa da sutileza, do novo sentido
que dão às frases. Quando Washington Olivetto, por exemplo, escreve em sua
mensagem uma polissemia, como a que vemos a seguir, criada para
anunciar o produto Bombril, numa época em que a modelo e atriz Suzana
Alves interpretava a personagem Tiazinha, criada pelo apresentador Luciano
Huck, agora da Globo, está utilizando esse recurso técnico persuasivo, o jogo
de palavras ou polissemia. Ele está, na verdade, provocando o chiste em sua
mensagem. Repare na sutileza do título, repare como há mais de uma leitura
contida nele (ver caderno de imagens, 53): “Compra Bombril, Tia, compra”.
A maioria dos trocadilhos – e quem volta a falar aqui é Stephen Ullmann
–, são na verdade súbitos e isolados lampejos de humor. Eles inserem o
humor no contexto.
O emprego da ambiguidade diz respeito aos aspectos estilísticos da
redação – contribui para a harmonia do texto – e é muito comum não apenas
na publicidade, mas também na própria literatura. Muitas vezes, a gente se vê
comentando sobre um determinado anúncio: “ah, isso é um joguinho de
palavras”, e, muitas vezes, comentamos num tom pejorativo. Até nos
surpreendermos, vendo que de simples mesmo o jogo de palavras (ou o
trocadilho ou a polissemia) não tem nada.
Muito pelo contrário, podemos notar ao longo da história que ele foi
usado com mestria por grandes escritores, como William Shakespeare e
Victor Hugo, por exemplo.
A melhor definição para essas proezas linguísticas, que tanto embelezam
e atraem atenção para o texto, o jogo de palavras ou o trocadilho, parece-nos
vir do professor Ullmann. Para ele, tais recursos linguísticos são na verdade
“acrobacias verbais”.
Shakespeare usava com frequência tal recurso estilístico, visando ao
humor. Em Love’s labour’s lost (Trabalhos de amor perdidos), uma de suas
primeiras comédias, escrita por volta de 1598, Shakespeare brinca com a
palavra light (“leve”, “luz”, “aceso”), dando-lhe por meio da construção
frasal um duplo sentido. Os diálogos entre Katharine e Rosaline certamente
foram escritos e reescritos inúmeras vezes até Shakespeare ter conseguido o
efeito desejado. Veja o que ele escreveu:

Katharine: (...) For a light heart lives long.


Rosaline: What’s y our dark meaning, mouse, of this light
word?
Katharine: A light condition in a beauty dark.
Rosaline: We need more light to find y our meaning out.
Katharine: You’ll mar the light by taking it in snuff; therefore
I’ll darkly end the argument.
Rosaline: Look what y ou do, y ou do it still i’ the dark.
Katherine: So do not y ou; for y ou are a light wench.
Rosaline: Indeed, I weigh not y ou; and therefore light” (ato
V, cena 2).147

Em seus estudos sobre o chiste, Freud nos dá exemplos da construção de


frases (do chiste) com o jogo de palavras, os duplos sentidos – ou polissemias
– e com a utilização do humor, muitas vezes mesmo do humor tosco, alerta
Freud, na obra de grandes escritores. Entres eles, gostaríamos de destacar
dois com a utilização de trocadilhos, e depois mais dois chistes desenvolvidos
em cima do humor (tosco, como diria Freud).
Iniciemos pelos trocadilhos, ou jogos de palavras. Eles estão nas páginas
62 e 63 do volume VIII do trabalho citado do autor sobre os chistes. Aqui
Freud cita Hevesi, que, ao escrever sobre um poeta italiano que, embora
contrário ao império, era obrigado a louvar o imperador alemão, teria dito:
“Já que não podia exterminar os Casaren [Césares], eliminou ao menos as
Casuren [Censuras]”.
Passemos ao segundo caso de jogo de palavras. Freud está citando o
poeta alemão Heinrich Heine. Eis a construção do jogo de palavras. Heine,
que se apresentou durante longo tempo como um príncipe indiano, descarta
finalmente o disfarce e confessa a uma senhora: “Madame, eu vos enganei...
Não estive em Kalkutta [Calcutá] mais que o Kallkuttenbraten [frango assado
à Califórnia] que comi no almoço de ontem”.
Agora vamos aos casos de humor que Freud analisou na obra de grandes
escritores. Apresentaremos a seguir dois novos exemplos dados pelo pai da
psicanálise. Ambos estão nas páginas 259-260 do trabalho citado. O primeiro
exemplo foi retirado da obra de Mark Twain. Freud explica que esse tipo de
construção que opera sobre a compaixão, uma das inúmeras técnicas de
construção do chiste, era comum nos textos de Twain. Eis o caso: Twain narra
que seu irmão construiu um abrigo subterrâneo, coberto com um grande
pedaço de vela e um furo no meio. Por meio deste, levou mais tarde uma
cama, uma mesa e uma lâmpada para o local. À noite, uma vaca que
pastava distraída caiu pela abertura, indo parar em cima da mesa e apagando
a vela. Pacientemente, seu irmão ajudou o animal a sair e consertou os
estragos. Na noite seguinte, narra Twain, repetiu-se a cena. E assim segue a
história, até que na quadragésima vez em que a vaca cai no abrigo, seu irmão
diz: “A coisa está começando a tornar-se monótona”.
O efeito do humor, explica Freud, é justamente este: em vez de nos
zangarmos, rimos.
No segundo caso de construção do chiste utilizando a técnica do humor,
Freud (idem, p. 259) cita uma nova história de Mark Twain. Descrevendo a
vida de seu irmão, o personagem nos conta que, certa feita, quando ele
trabalhava numa empresa de construção de estradas, foi vítima de um
acidente. A explosão de uma mina o fez parar bem longe de onde estivera
trabalhando. Com o desenvolvimento da história, somos levados a imaginar se
ele se machucou. Sentimos pena dele. E é então que ficamos sabendo que seu
irmão tivera descontado meio dia de trabalho por não ter sido visto no local.
O chiste fascina e desperta grande interesse na sociedade. As pessoas
repassam, afirmava Freud, o chiste umas às outras como se fosse uma notícia
importante.
O chiste, portanto, é sim muito importante para a sociedade.
Freud acreditava (idem, p. 21) que o chiste não vinha recebendo a
devida atenção por parte dos estudiosos. Para o pensador austríaco, o chiste
exerce um importante papel na nossa vida mental. Que papel é esse? É o que
pretendemos analisar a partir de agora.
Reza a lenda que, era uma vez um rapaz ainda muito jovem para ter o
seu próprio carro. Então, no dia do seu aniversário, seu pai lhe deu uma
bicicleta de presente. E a partir daí, todo feliz, o rapaz passou a levar as
meninas para passear à noite em sua bicicleta e, como não tinha carro, a
transar também com elas no banco de trás da sua bicicleta.
Essa gag já foi contada milhões de vezes pelo ator, diretor e roteirista
Woody Allen e repetida depois por milhões de outras pessoas no mundo
inteiro. A boa piada, já disse um publicitário famoso, é aquela de que o
receptor já sabe o final, mas ouve e ri de novo. O importante aqui não é só a
história, mas principalmente como ela é contada.
Quantas vezes você já não se viu, de repente, assistindo a um mesmo
filme que você já viu mais de uma dúzia de vezes, só porque tem aquela cena
engraçada que te fez rir várias vezes e que você sabe que vai te fazer rir mais
uma vez? Quantas vezes você não se pegou, de repente, lendo uma história
que você já lera várias vezes, mas está lendo de novo porque ela é
engraçada?
Quantas vezes você já não se viu assistindo a uma propaganda ou lendo
um anúncio que já vira antes, mas gostou tanto que não se incomodaria de
assistir ou ler novamente, porque ele é engraçado, original, divertido, como o
anúncio de Washington Olivetto que mostra duas garrafinhas de vodca
Viborova, cujo título diz: “Dê um Par de Meias Para o Seu Pai.” veiculado na
véspera do Dia dos Pais nas revistas de grande circulação e nos principais
jornais do país?
Estamos falando, é claro, de técnica. Os profissionais do humor e da
propaganda parecem não acreditar muito em intuição, inspiração. No bom
humor, assim como na boa propaganda, não há muito espaço para
improvisos. O caco pode funcionar, sim. Mas e se não funcionar?
Para não arriscar, os profissionais parecem seguir um mesmo roteiro: o
da exaustiva busca pela solução racional do problema. É para fazer um texto
engraçado? Vamos tentar fazer isso, dizem eles, uma, duas, dez, quantas vezes
for preciso.
As palavras, já dizia Freud, são um material de grande maleabilidade e
podem ser empregadas com mais de um sentido, sem a sua significação
original. Uma das técnicas da criação do chiste é exatamente esta: a
substituição de uma palavra por outra, pois uma pequena modificação na
palavra pode fazer com que ela adquira um novo sentido. Repare no título:
“Bombril. Topa Tudo por Limpeza”.
Notou como Washington Olivetto segue os procedimentos ditados por
Freud que, segundo o pensador austríaco, fazem surgir o chiste?148
O erro, o absurdo, a comparação, a sutileza, a paródia e as metáforas –
técnicas comumente empregadas também pela propaganda, como teremos
oportunidade de conferir mais adiante –, são recursos técnicos dos quais o
redator se utiliza para provocar o humor, o riso.
A gag que narramos anteriormente, tal qual a boa música e a boa
literatura, além disso tudo, e por se assemelhar muito à estrutura da boa
propaganda – que precisa ser enxuta e surpreendente para permitir a sua
repetição – serve ainda para ilustrar o novo capítulo de nossa pesquisa, que
passamos a desenvolver a partir de agora.
A boa piada é como a propaganda que passa na TV e que você já viu.
Mas, por ser engraçada, interessante, você se pega, de repente, parando tudo
o que estava fazendo naquele momento só para assisti-la de novo, dizendo
para si mesmo: “Ih, olha o comercial da Bombril de novo, que legal!”.
Estamos tratando do humor na propaganda, e essa teoria não é nossa: é
de Washington Olivetto (Olivetto, 2011, p. 75-84). Vamos analisá-la um pouco
mais detalhadamente.
O pensador austríaco acreditava que havia muito bons estudos até aquela
época sobre as relações do humor com o inconsciente e a importância do
humor para a sociedade, mas todos eles tinham um mesmo problema, na
opinião do psicanalista: todos haviam se preocupado com o problema do
cômico, deixando de lado a questão do chiste. O foco da investigação em
todos esses casos havia sido a investigação da formação do cômico. Por isso
Freud decidiu estudá-lo.
Para Freud, chiste e humor são coisas distintas. O primeiro está
relacionado ao inconsciente, o segundo, ao superego (idem, p. 2898-2930). O
chiste representa uma contribuição ao cômico oferecida pelo inconsciente,
enquanto o humor é a contribuição ao cômico oferecida pelo superego. Freud
acreditava que nem todos têm capacidade de fazer rir. Para o humor, é
preciso ter talento, e nem todos os seres têm esse dom. A importância do
humor, escreveria ele mais tarde, está no fato de que o humor provoca o
prazer, nos faz esquecer dos problemas do dia a dia da vida e do sofrimento.
O riso nos afasta do medo da morte.
Talvez por isso, desde o passado remoto até os dias de hoje, os homens
que sabem fazer rir sempre foram e são ainda tão bem tratados. E, muito
provavelmente por isso também, os comerciais que trazem humor em sua
estrutura são tão bem aceitos pelo consumidor em geral.
Mas o que é o humor, como se faz rir?, perguntamos agora.
Freud acreditava que, para explicar como se dá o processo do humor,
era necessário antes reproduzir anedotas e piadas que faziam parte da cultura
popular de sua época e só então explicá-lo, sobre os exemplos demonstrados.
Acreditamos que, em parte, seria de muito bom tom seguir as pistas
deixadas por aquele que, sabidamente, desenvolveu um dos melhores
trabalhos que existem até hoje acerca do assunto. Então, visando explicar o
processo da formação do humor nos textos publicitários, especialmente no
que diz respeito aos textos de Washington Olivetto, buscaremos fazer o
mesmo, ilustrando a nossa pesquisa com textos bem-humorados e anedotas,
visto que, muitas vezes, o texto de humor da propaganda nada mais é que
uma piada bem contada, em que o produto anunciado entra no final, como
herói da situação.
Washington Olivetto parece acreditar que o publicitário é, de certa
forma, um contador de histórias – e por que não também de piadas? Ele
próprio já afirmou que, de certa forma, a estrutura dos textos de propaganda
se assemelham muito à estrutura das boas piadas: “Existe também quem nos
compare aos inventores de anedotas. Existe alguma similaridade. A boa piada
tem uma excelente arquitetura de ideias. É uma pequena história com um
final surpreendente. Muitos bons anúncios guardam essas mesmas
características” (Olivetto, 2011, p. 77-78).
Falemos mais um pouco sobre Washington Olivetto.
Quando tinha apenas cinco anos de idade, um menino acordou certo dia
banhado em suor. Fervia em febre e sentia muito frio e dores no corpo todo.
Gritou pela mãe, que chamou um médico para examiná-lo. Os exames não
esclareceram o mistério e, na dúvida, os médicos diagnosticaram o caso
como poliovírus, causador da poliomielite, mais conhecida como paralisia
infantil. O fato se deu em 1955, seis anos antes de o cientista Albert Sabin
descobrir a gotinha milagrosa que viria a projetar seu nome no meio
científico e a salvar tantas vidas, em 1962.
Visando impedir que tal doença se propagasse também para a irmã, que
acabara de nascer, seus pais levaram o menino para morar com uma tia, que
durante os anos seguintes cuidaria do seu tratamento intensivo, que incluía
alimentação especial, muitos remédios e exercícios de fortalecimento dos
músculos.
Longe da família, privado da companhia das outras crianças da sua
idade, aquele menino desenvolveu um fantástico mundo mágico só seu, que o
ajudou a preencher o vazio dos dias que passava trancado no quarto. Ele já
não estava mais sozinho; agora brincava e se divertia na companhia de
bonecos de palha, jacarés que cuspiam fogo pelo nariz e nobres feitos de
sabugo de espiga de milho. E embora não pudesse nem andar – ficou quase
dois anos deitado numa cama –, em pensamento, corria pelos campos e
atravessava os rios de um sítio chamado Sítio do Picapau Amarelo. Foi ali
também e nessa época que aprendeu a ler e a escrever e, por meio das
palavras impressas nos inúmeros livros que lia, a conhecer lugares e viver
aventuras que dariam um novo sentido e um novo rumo à sua vida. A
aventura e o humor ajudaram a manter vivo aquele menino e incendiaram
sua imaginação.
“Esse episódio me ajudou a desenvolver métodos intuitivos de
autoaprendizado e, de certa forma, me lançou também no universo das ideias
e da comunicação. Foi um limão que transformei em boa limonada” – diria
ele, anos mais tarde. Essa história está registrada entre as páginas 35 e 37 do
livro O que a vida me ensinou.
Santo Agostinho, que David Ogilvy costumava citar com frequência,
disse certa vez: “A pressão está presente em todo o mundo, nas guerras, nos
sítios, nas preocupações do Estado. Todos conhecemos homens que não
aguentam essas pressões e se lastimam. São covardes, falta-lhes esplendor.
Mas existe outra espécie de homem que vive sob a mesma pressão e não se
lastima. Pois é a fricção que lhe dá polimento. É a pressão que os purifica e
os torna nobres” (Ogilvy, 1985, p. 54).
Washington Olivetto parece ser um desses homens que não se deixam
abater pela pressão. Ele sabe que o anúncio que ganhou prêmio ontem é o
papel de jornal ou revista velha que serve agora para embrulhar mercadorias
na feira ou embalar móveis em caminhões de mudança e que é preciso fazer
um outro anúncio ainda melhor hoje para ganhar um novo prêmio e
continuar no topo na publicidade.
O publicitário que vive de contar os filmes que fez no passado e os Leões
que ganhou em Cannes é como o sujeito que ainda se orgulha de ser
carvoeiro, vendedor de garrafas ou trocador de ônibus elétrico: não percebeu
que algumas profissões tradicionais estão acabando e ele está com os seus
dias contados.
Olivetto sabe que a pressão faz parte do negócio e o sucesso depende de
muita disciplina, de muita dedicação e algum talento: “Conheço gente
talentosíssima, com ideias maravilhosas, mas que não tem disciplina, não
respeita regras, prazos e limites... A publicidade bem feita não é
necessariamente obra de superdotados. Aliás, entre os melhores publicitários,
e eu me enquadro nesse grupo, não tem nenhum gênio” (Olivetto, 2011, p.
89).
Endossando o pensamento de Washington Olivetto, um dos maiores
humoristas brasileiros, Chico Any sio, certa feita, quando perguntado se
acreditava na inspiração, assim respondeu: “Inspiração é lenda. Se ficar
esperando por ela, morro de fome. Se eu for a Nova York, a primeira coisa
que faço é botar na mala a minha máquina de escrever” (Revista Playboy, nº
148, novembro de 1987, p. 60).
Chico, que era 149 visionário, um gênio que chegou a criar 209
personagens diferentes (fonte: Agência do Estado de São Paulo), devia saber
que trabalhar apenas na base da intuição e contando com a sorte não ia
funcionar. Seu trabalho devia ser baseado em muita concentração e esforço:
é a repetição que leva à perfeição. Chico era tão brilhante que outro astro do
humor brasileiro, Jô Soares, disse sobre ele: “É o maior artista do Brasil”
(idem, p. 43).
Um amigo nosso, Ay res Vinagre, é um desses redatores publicitários que
um dia decidiu enveredar pelo caminho do escritor de humor. Juntou-se a
Chico Any sio e durante mais de três décadas dividiu seu tempo entre a
propaganda e os programas humorísticos. Entre outros, foi e é ainda roteirista
e redator final de programas como Zorra Total, Escolinha do Professor
Ray mundo, Chico City, Chico Total, Armação Ilimitada e Os Trapalhões.
Ay res Vinagre escreveu vários programas para a Globo e a extinta
Manchete. Durantes anos, foi um dos colaboradores mais próximos de Chico
Any sio. Quando perguntamos a ele se era mais difícil escrever publicidade
do que programas de humor, respondeu: “Não tem mais difícil nem mais
fácil. É tudo igual. Um bom redator sabe disso. Agora, é aquele negócio: para
um mau amante, até as calças atrapalham, não é mesmo?”.
Alexandre Machado (Minha nada mole vida, Os aspones, Os normais e
Macho Man, entre outros), Bernardo Vilhena (que além de programas para a
Globo é autor de músicas gravadas por Lobão, Ritchie e Blitz) e Nico Rezende
(que compôs clássicos da música brasileira para cantores como Zizi Possi,
Marina Lima, Jorge Vercillo e Ana Carolina) são alguns dos publicitários que
seguiram o mesmo caminho e hoje são mais conhecidos como escritores de
humor, compositores ou roteiristas. Outro exemplo de redator que também
emprestou seus talentos para a publicidade um dia, decidiu-se por outros
caminhos e hoje brilha em outras áreas é Antônio Torres, consagrado
escritor, com quase duas dezenas de romances publicados em mais de onze
línguas.
É bom que se diga, no entanto, que tal fenômeno não é novo. O fato de
grandes artistas emprestarem seu nomes e talentos à propaganda é algo que
já vem de longa data.
Assim, se hoje nos deliciamos ao ouvir Gilberto Gil cantando ao fundo
de um comercial do Itaú, Caetano Veloso emprestando sua voz ao comercial
da ONG Terra ou Os Paralamas do Sucesso cantando País tropical de Jorge
Ben Jor num comercial de sandálias (Rider), se não nos desligamos da TV
durante o intervalo comercial para assistir a propaganda que traz Lulu Santos
cantando Descobridor dos sete mares – de Tim Maia – ou o próprio Tim Maia
cantantando Como uma onda de Lulu Santos e Nelson Motta é exatamente por
isto: o horário comercial é salpicado de artistas famosos.
Esses artistas, que fazem o espetáculo durante o “plim-plim”, não
emprestam seus talentos e nomes à propaganda apenas em função dos altos
cachês que recebem dos anunciantes. É muito mais que isso. Emprestam
porque sabem que o horário comercial dá audiência e é exatamente essa
audiência que os mantém no topo de suas carreiras, vendendo seus discos e
shows.
Lulu Santos, como teremos a oportunidade de ver na íntegra, no texto
que você vai ler no capítulo seguinte, redigiu uma belíssima homenagem a
Washington Olivetto, lembrando que foi graças ao comercial da Rider, que
fez para a antiga agência de Olivetto, que voltou ao topo e passou a ser
convidado para fazer shows novamente. E Jorge Ben Jor, você deve ter lido
no primeiro capítulo deste livro, também declarou à imprensa que foi graças
a música Alô, alô W/Brasil que o mesmo se deu com ele, voltou a fazer shows
como antigamente e, de quebra, ainda vendeu mais de um milhão de discos
naquele ano.
A propaganda, como estamos vendo agora, não apenas vende produtos e
serviços, mas ajuda também a divulgar artistas famosos. E, se hoje temos
João Gilberto, Seu Jorge, Zeca Pagodinho, Pelé, Wagner Moura, Lázaro
Ramos, Selton Mello, Ivete Sangalo e até o próprio Washington Olivetto
anunciando produtos no break comercial, no passado a propaganda também
contou com grandes nomes para entreter o consumidor, como Manuel
Bandeira, Vinicius de Moraes, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de
Andrade, Tom Jobim, Olavo Bilac, Tônia Carrero, Grande Otelo, Roberto
Carlos e muitos outros.150
As celebridades sempre ajudaram a propaganda a tornar os produtos
ainda mais famosos. A propaganda, costuma dizer Washington Olivetto, não é
arte. Mas, pelo que estamos vendo, as duas coisas parecem caminhar bem
próximas, não é mesmo?
O humor é um grande aliado da persuasão. Uma arma poderosa que,
dependendo do uso ou de quem a emprega, pode ajudar a construir a
imagem de produtos, serviços, empresas e até pessoas, como ainda destruí-la.
E Chico Any sio certamente sabia disso, também.
René Armand Dreifuss, em seu livro 1964: a conquista do estado (1981),
fala sobre o assunto. Para o autor, o golpe que derrubou o presidente João
Goulart começou muito antes de 1964. Em 1962, elites militares e civis
procuravam humoristas da TV e do rádio com o intuito de ridicularizar
políticos e importantes funcionários do governo, entre eles, evidentemente,
Goulart.
Uma piada bem dita, repetida diversas vezes para o público televisivo ou
do rádio por atores que o público admira, com o quais se identifica, sabia ele,
pode associar uma determinada pessoa pública à imagem de um homem
bem-sucedido, um conquistador, um sujeito de sorte, ou mesmo à de um
ladrão, um incompetente ou um mau presidente. E era exatamente isso que
queriam fazer com Jango, e ele percebeu a tempo.
Queriam tornar o presidente um homem risível, um bobalhão.
Chico Any sio foi um dos poucos que, ao perceber a estratégia
maquiavélica para desestabilizar o então presidente, recusou-se a criar
quadros de humor com esse propósito. E, justamente por ter tido a coragem
de se negar a colaborar no processo de arruinar a imagem do então
presidente, foi colocado na geladeira por um longo período151 (Dreifuss,
1981, p. 233 e 248).
Um outro profissional, citado pelo autor, que também se recusou a
colaborar dessa forma, o jornalista Arapuã, do jornal A Última Hora, foi
obrigado a se demitir do jornal em que trabalhava: “Uma piada contra um
político provocaria um dano enorme... O rádio era um poderoso meio de
doutrinação geral e um valioso foco para se montar ações contra o Executivo,
principalmente em um país com massas de pessoas pobres, sem condições de
terem televisões” (Dreifuss, 1981, p. 248-249).
Qualquer semelhança com o macartismo não é mera coincidência.
Infelizmente, tal fato aconteceu de verdade em nosso país e está registrado
nas páginas do livro citado.
O humor se assemelha à lâmina afiada de uma faca, que, nas mãos de
um cirurgião, pode salvar vidas, mas, nas mãos de um assassino, pode matar.
Assim como na propaganda, é preciso escrever muitos roteiros e jogar vários
deles fora para, no fim, ter um ou dois bons, que vão para o ar: “Mas, dos
oitenta textos que chegam às minhas mãos, sobram 35. Ninguém é gênio toda
hora, nem gozado o dia inteiro” (Revista Playboy, nº 148, p. 44).
Uma coisa é certa: o humor é indispensável à vida do homem moderno.
Ele ajuda a elevar a autoestima, é um forte aliado no controle da ansiedade
causada pela constante competitividade a que somos expostos e funciona
como válvula de escape para o estresse. Rir, diz a sabedoria popular, ainda é
o melhor remédio: “Os pequenos rasgos de humor que produzimos, às vezes,
em nossas vidas, surgem por causa da irritação; nós os produzimos em vez de
nos enfadarmos”.152
A importância do humor para a sociedade é tão grande, apontam as
pesquisas, que alguns jornais americanos estão alterando drasticamente seus
conteúdos: para alguns desses periódicos, o fundamental já não é mais
informar seus leitores, mas divertir. O que as pesquisas apontam é que muitos
leitores já não compram mais os jornais nas bancas exclusivamente para se
informar. Para se informar, simplesmente, podem assistir à TV ou acessar a
internet. Compram para ler o horóscopo, os quadrinhos, as anedotas e
histórias engraçadas inseridas em meio às notícias.
O mundo está mesmo mudando, e o mundo das notícias não fica para
trás, apenas ficou mais rápido e preciso. Está evoluindo, tornando-se cada dia
mais descartável, afirmam alguns.
Quando Nova Orleans, em 1812, resistiu heroicamente ao ataque dos
ingleses que então tentavam manter a América como colônia, a notícia da
vitória se espalhou rapidamente pelas cidades vizinhas. Mas, para chegar até
Nova York, tal notícia levou um mês (Peterson et al., 1966, p. 88).
A notícia então corria a cavalo, de barco, e mesmo a pé.
Tivesse tal fato ocorrido hoje, quanto tempo você acredita que seria
preciso para um jovem saber, por meio do seu smartphone ou laptop? A nova
pergunta que surge então é: o que estaria levando os periódicos a
promoverem essa significativa alteração de conteúdos? A resposta, os
próprios autores tratam de nos fornecer: “Na verdade, os elementos de
divertimento dão aos jornais o mais forte contingente de leitores. O Liberal
Post, de Washington, comprou e absorveu o conservador Times-Herald em
1954. Os leitores do Times-Herald ficaram um tanto desanimados, à primeira
vista. Mas, como se verifica, (...) quando o Post incorporou as suas histórias
em quadrinhos, os seus repórteres esportivos e os seus colunistas prediletos,
quase não perceberam mudança alguma (...) no que me consta, trata-se
ainda do Times-Herald” (Peterson et al., 1966, p. 295-296).
Alguém duvida que o mesmo esteja ocorrendo no Brasil e no resto do
mundo? Com certeza não se trata de um fenômeno localizado. No mundo
globalizado em que vivemos, onde as notícias da deposição de um ditador no
Egito ou na Síria correm o mundo com a mesma velocidade que a notícia de
uma vitória de Lewis Hamilton ou de uma conquista de título do Real Madrid
ou do Manchester, mesmo os fenômenos locais se tornaram fenômenos
globais.
As câmeras dos fotógrafos e as câmeras de segurança mostram tudo:
hoje em dia todo mundo sabe sobre a vida de todo mundo. Num mundo que
se tornou um grande programa de TV, com 7 bilhões de telespectadores, o
“Big Brother Planet”, os periódicos estão promovendo essa grande alteração
por um motivo muito simples: o gosto dos leitores mudou. O que eles
procuram é divertimento: “Como se verifica, estavam pensando nos
quadrinhos e na seção de esportes, e não tanto nos editoriais” (idem, ibidem).
O divertimento é um atrativo a mais. Vender nunca foi tão importante
quanto agora. E o humor, as pesquisas apontam, ajuda a persuadir, ajuda a
convencer, ajuda a vender. Talvez, por isso, se possa afirmar: nunca se viu
tanta mensagem comercial com humor na mídia quanto se vê agora.
Talvez por isso se possa reproduzir aqui uma frase que um amigo, ao se
referir a Washington Olivetto, cunhou no Facebook: “Washington é a capital
da propaganda brasileira”.153
Em um estudo que realizou entre 1927 e 1928, intitulado El humor, Freud
assim resumiu a importância do humor para a sociedade: é por meio dele que
o homem rechaça o sofrimento.154
Para o pensador, o humor representa a vitória do princípio do prazer
sobre as adversidades e as circunstâncias reais da vida. O chiste e o cômico
são formas de o homem obter prazer mediante atividade intelectual (Freud,
1981, p. 2998).
Os cientistas ainda não sabem exatamente que tipos de benefícios o
humor provoca no ser humano, nem mesmo como eles ocorrem ou com que
intensidade e frequência. Mas sabem que tais benefícios existem e que rir faz
bem à saúde e, por isso mesmo, recomendam: rir ainda é o melhor remédio.
O bordão que, com o tempo, se transformou num chavão é levado hoje ao pé
da letra pela publicidade, que coloca no ar cada vez mais mensagens bem-
humoradas dirigidas ao consumidor, que, aparentemente, agradece.
O comercial bem-humorado, como aquele que Washington Olivetto
costuma criar para comunicar a mensagem de vendas dos produtos que
anuncia, parece ser o gênero preferido entre os telespectadores.
Em A publicidade segundo Ogilvy, o rei da Madison Avenue, que resistiu
durante anos em criar comerciais desse tipo – bem-humorados –, dedicou um
capítulo inteiro à arte de como fazer comerciais vendedores passando pelos
mais diversos formatos, que vão dos testemunhais aos comerciais
demonstrativos do produto e com apresentadores. Adivinha qual foi o gênero
que, segundo as pesquisas, é apontado como aquele que mais atrai a atenção
do consumidor? Se você respondeu o comercial com humor, acertou em
cheio. “As últimas análises fatoriais mostraram que o humor se tornou um
fator de vendas” (Ogilvy, 1985, p. 111) .
O interesse pelo assunto é tão antigo que Aristóteles já via no riso um
grande valor terapêutico e, por isso mesmo, além de recomendar a seus
pupilos que estudassem, dizia para eles também: sempre que puderem,
sorriam. Séculos depois, outro gênio da humanidade, Kant, viria a endossar as
palavras de Aristóteles, afirmando que apenas três coisas podem fortalecer o
homem neste mundo: a esperança, o sono e o riso. Alguém duvida?
Criticado inicialmente pelos principais teóricos da propaganda – houve
até quem dissesse que vender é coisa séria e o negócio da propaganda é
vender produtos e não buscar aplausos –, o humor tem ajudado o público
telespectador a se divertir durante a transmissão do horário comercial e tem
ajudado a publicidade a vender produtos e serviços como nunca.
Publicidade com humor, além de aliviar as tensões do dia a dia, é
receita de felicidade para o anunciante. Rir, afirmam os especialistas, ajuda o
homem a suportar as perdas, as crises e as frustrações da vida. E, pelo visto,
ajuda a vender produtos e serviços. Então, se o humor nas telas dos cinemas é
garantia de bilheteria, na propaganda ele parece aumentar a probabilidade de
memorização da marca e das vendas.
Desde os tempos do cinema mudo, o riso tem ajudado a levar multidões
de telespectadores aos cinemas e de donas de casa aos supermercados.
Muitos bons anúncios, dizem os estudiosos do assunto, guardam as mesmas
características das histórias de humor, das gags e das anedotas: podem ser
repetidos no dia seguinte que não incomodam ninguém.
Quem não se lembra de uma cena em que W. C. Fields, interpretando
um beberrão inveterado, ao ser perguntado por que não largava o álcool e
voltava a beber água, responde: porque os peixes fazem coisas horríveis na
água.
Quem não se lembra de um anúncio, estrategicamente colocado ao lado
da lista dos aprovados no vestibular, em que se via a foto de três garotos com
as cabeças raspadas e o corpo pintado e lia-se: “Breve aqui, xampu
Johnson’s”.
A estrutura de certos comerciais, caro Washington Olivetto, em certos
aspectos, nos lembra muito a estrutura das anedotas e das piadas de salão.
Mas o que é humor? Como se constrói o humor? Qual a sua finalidade para a
sociedade e o homem? Em Komik und Humor, editado em 1898, o filósofo
alemão Theodor Lipps assim o definiu: “É aquela comicidade que nós
fazemos surgir que nosotros hacemos surgir, que reside en nuestros actos
como tales, y con respecto a la cual nuestra posición es la del sujeto que se
halla por encima de ella y nunca la de objeto, ni siquiera voluntario.”
Tentemos nos aprofundar mais nesse assunto.
Entre os inúmeros motivos que levaram Freud a estudar as relações do
humor com a mente humana, ele destaca: “Debese también tener en cuenta
el singular y casi fascinador encanto que el chiste posee en nuestra sociedad.
Um nuevo chiste se considera casi como un acontecimiento de interés general
y pasa de boca en boca como la noticia de una recentíssima victoria” (Freud,
1981, p. 1.033).
O pensador austríaco foi um dos primeiros a perceber o que a
publicidade só viria a perceber bem depois: o humor fascina o homem e a
sociedade de tal forma que um novo chiste, uma nova gag criada é
retransmitida imediatamente por todos, de boca em boca, com a mesma
euforia que traz a notícia de uma vitória, criando assim o que mais tarde os
teóricos da comunicação chamariam de “bordão” ou “mote”.
Fenômeno relativamente recente na história da publicidade – as
primeiras mensagens comerciais humoradas surgiram apenas por volta da
segunda metade do século XX –, o humor tem ajudado inúmeros criativos a
se tornarem famosos exatamente por abordar suas mensagens dessa forma:
parodiando o produto ofertado, em vez de enaltecer suas qualidades, fazendo
aquilo que era inimaginável um século e meio atrás: graça.
John Hegarty, David Abbott e Ed McCabe, que Washington Olivetto
admira, John Webster, os irmãos Charles e Maurice Saatchi, Alfredo
Marcantonio, Jerry Fermina, Bob Scarpelli e tantos outros que o mesmo
Olivetto considera fonte de inspiração para a sua carreira fizeram
exatamente isso em seus trabalhos: graça. Venderam produtos e serviços e
ficaram famosos fazendo aquilo que ninguém mais havia feito até então:
humor na propaganda.
Imagine então uma cena: um jovem redator acaba de criar um roteiro
de comercial para vender um produto, imaginemos que seja um novo
detergente para lavar as roupas, chamado Quanto. Nesse roteiro, um
apresentador vai comunicar ao telespectador que, para ele ter certeza de que
Quanto é mesmo o mais recomendado para lavar roupas em casa, trouxe
uma autoridade no assunto: o dono de uma lavanderia, que é japonês e se
chama Yoshito. Lembre-se de que a publicidade lida com estereótipos o
tempo todo.
Então, com a embalagem do produto na mão, ele pergunta ao senhor
Yoshito que produto ele recomendaria à dona de casa para lavar suas roupas.
Para surpresa de todos, o senhor Yoshito não recomenda o produto anunciado,
mas sim a sua própria lavanderia:
– Eu recomendo a lavanderia do Yoshito!
– Mas o senhor não recomenda Quanto? – pergunta, sem jeito, o
apresentador.
– Quanto é muito bom – diz o japonês simpático, levantando uma placa
de madeira em que se lê o número do telefone da sua loja. – Mas a
lavanderia do Yoshito é ainda melhor!
A descrição anterior diz respeito a um brilhante e ousado comercial de
Washington Olivetto para o sabão em pó Quanto, da Bombril. Algo que
ninguém havia tentado até então. Corajoso por parte de quem o criou e,
evidentemente, por parte do cliente também, que o aprovou.
O comercial foi exibido nos anos 1990 e ajudou a Bombril a colocar seu
produto entre as marcas líderes de mercado, usando a hoje já batida, mas
ainda extremamente funcional, fórmula de vendas da propaganda: o
comercial com humor. (Ver caderno de imagens, foto 73).
Mas imagina o que teria acontecido ao redator que ousou criar tal
mensagem, se tivesse ele criado tal propaganda ainda nos anos 1930, 1940 ou
1950 e apresentado esse roteiro ao cliente? Muito provavelmente teria sido
ridicularizado por seus pares, teria perdido o seu emprego e ainda teria sido
taxado de louco, fora do juízo, concorda? “Como alguém pode recomendar
uma lavanderia em vez de Quanto, na minha propaganda, e eu pedir ainda
para o cliente (a Bombril) que pague pelos trinta segundos que essa
mensagem vai ao ar na TV?”
Philippe Petit, que não é o Petit que fez dupla durante muitos anos com
Olivetto e é ainda hoje sócio da DPZ, juntamente com Dualibi e Zaragoza,
mas um artista francês que foi o primeiro e único homem a atravessar de
uma das Torres Gêmeas do World Trade Center à outra numa corda de aço,
em 1974, a mais de quinhentos metros de altura e sem rede de proteção,
parece tratar do mesmo assunto: o desafio, o inusitado. No filme Man on
wire,155 que é uma metáfora da vida, ao ser detido declarou à imprensa o
porquê de seu ato: “Você tem que tentar, arriscar, ir além, pois é isso que nos
faz ver que estamos vivos: correr atrás de um sonho, ver que é possível. Fiz
isso não para morrer, mas para sentir que estou vivo”. Antes de ser detido,
Petit atravessou, durante 45 minutos, por 8 vezes de um lado para o outro das
Torres Gêmeas. E então declarou: “Eu não estava jogando com a minha vida,
estava fazendo algo muito mais bonito: estava indo um pouco mais além”.
A conquista de Petit é importante porque não foi uma conquista só dele:
foi de toda a espécie humana – agora nós sabemos que isso também é
possível. Cada vez que um de nós vence, muitos outros vêm atrás, pelo
mesmo caminho trilhado.
No Brasil podemos citar inúmeros redatores que estão entre os pioneiros
dessa nova abordagem de vendas e se tornaram especialistas na mensagem
bem-humorada: de Nizan Guanaes a Petit e Zaragoza, de Fábio Fernandes a
Alexandre Machado e Alexandre Gama, de Carlos Domingos a Eugênio
Mohallen e Ruy Lindemberg, de Camila Franco a Marcelo Serpa e Neil
Ferreira. Mas, entre todos eles, um nome merece nossa atenção especial: o
de Washington Olivetto.
Quando vê um comercial engraçado na TV, muitas vezes o
telespectador já pensa no nome de Washington Olivetto, embora aquela
mensagem possa não ter sido criada por ele, mas por um outro redator.
Como explicar tal fenômeno?
Washington Olivetto, pelo visto, virou sinônimo de propaganda
engraçada e de bom humor. E o curioso é que muitas de suas melhores
propagandas nem são engraçadas. Algumas, aliás, como o comercial Homem
de 30, Hitler, criada em parceria com Nizan Guanaes, e o anúncio a seguir
são mais emotivas. Na verdade, não têm nada de engraçadas. Confira:

Fernando Pessoa escreveu seu primeiro poema aos sete anos


de idade. Monteiro Lobato publicou um jornalzinho aos catorze.
Jorge Luis Borges fez um resumo da mitologia grega aos sete.
James Joy ce escreveu um panfleto contra os traidores do líder
irlandês Parmel aos nove.
No Dia da Criança dê uma Olivetti portátil para o seu filho.

Por que será então que grande parte dos consumidores associa a
imagem e o nome de Olivetto a comercial engraçado? Tentemos entender
por que isso acontece. Analisemos, pois, o humor na propaganda e o humor
de Washington Olivetto na construção da mensagem publicitária.
Comparando a estruturação frasal do analisado e os recursos técnicos
que ele emprega com maior frequência na construção da sua mensagem
bem-humorada aos textos publicados por Freud, talvez possamos explicar
melhor como se dá tal construção chistosa na redação de Washington
Olivetto.
Para isso, evidentemente, são importantes os exemplos, como escrevera
o próprio pai da psicanálise, ao explicar a existência de tantas anedotas e gags
em seu trabalho Os chistes e sua relação com o inconsciente: “Os trabalhos
anteriores traziam pouca quantidade de exemplos reconhecidamente
chistosos sobre o assunto e, assim mesmo, todos pareciam tomar por base em
seus trabalhos os mesmos exemplos utilizados por seus antecessores (...) se
nos propomos a abordar um novo material (...) Tomaremos como objeto da
nossa investigação aqueles exemplos chistosos que tenham nos causado a
maior impressão e provocado mais intensamente em nós a hilaridade”
(Freud, 1981, p. 1033).
Passemos então a tais estudos.
Certas palavras, quando utilizadas num determinado contexto, chegam
mesmo a perder completamente seus significados originais, ganhando novas
interpretações. Assim, uma mesma palavra pode ter significações diferentes,
de acordo com a construção frasal.
A publicidade há muito entendeu isso e as utiliza com mestria na
confecção de seus textos persuasivos, nos quais o duplo sentido e as metáforas
são uma constante. E, aqui, Washington Olivetto é um mestre. Títulos como
Compra Bombril, compra, Tia (parodiando a personagem Tiazinha) e a
campanha para o Unibanco É melhor ir se preparando para ser rico são bons
exemplos.
De acordo com o dicionário, a palavra texto vem do latin: textus,
“tecido”. E significa as próprias palavras de um autor, livro ou escrito.
Palavras citadas para demonstrar alguma coisa. Palavras bíblicas que o
orador cita, fazendo-as tema de sermão (Dicionário novo Aurélio da língua
portuguesa, p. 1.386). Texto significa tecido. Escrever um texto nada mais que
organizar um discurso, uma ideia, composta de um tecido de palavras.
Palavras são significações que se despertam emoções. Algumas nos fazem
rir, enquanto outras fazem chorar.
O humor e as palavras têm despertado o interesse científico de inúmeros
grandes pensadores, ao longo dos tempos. Filósofos, filólogos, linguistas e
poetas já escreveram obras maravilhosas sobre o tema. O pai da psicanálise
foi um desses pensadores que se dedicaram ao estudo do chiste.
Sabedor disso, Sigmund Freud dedicou anos de sua vida aos estudos da
significação das palavras, tentando explicar-nos de que formas é possível
fazer rir. Quem está acostumado à imagem de um Freud sério certamente vai
estranhar o Freud que escreveu Os chistes e sua relação com o inconsciente.
É que para tentar explicar o chiste ele emprega anedotas...
Um cego se encontra com um paralítico. Provocativo, este pergunta
àquele: como tens andado? Ao que o paralítico responde: como você vê
(Freud, 1981, p. 1045).
Essa anedota, que parece ter sido extraída de um programa popular de
humor, foi, na verdade, reproduzida por Sigmund Freud em seu estudo sobre
o chiste.
Com 49 anos completos, o pai da psicanálise era um homem maduro,
que sabia muito bem o que procurava: a verdade. Como dissera Marx, é
preciso destruir as ilusões para mudar circunstâncias que exigem ilusões
(Fromm, 1980b, p. 8).
Embora o chiste represente um importante papel na nossa vida, apenas
uma minoria de pensadores se ocupou de estudá-lo seriamente até hoje.
Essas palavras não são nossas, mas de Freud, e podem ser encontradas entre
o primeiro e o segundo parágrafo de Os chistes e sua relação com o
inconsciente (Freud, 1981, p. 1.029).
De acordo ainda com Freud, não é possível tratar do chiste senão em sua
relação com o tema da comicidade. Sua investigação, com certeza, provocou
espécie entre seus pares. Naqueles tempos, 1905, não era comum um
pensador respeitado dedicar parte de sua vida aos estudos de algo,
aparentemente, tão óbvio quanto o humor. Freud tinha razão: o humor não é
algo assim tão óbvio.
Para explicar como se dá o processo da construção do chiste, Freud
utilizou anedotas como exemplos. Algumas delas – a grande maioria, na
verdade – era constituída de discussões sobre valores e instituições
estabelecidas, como a família, o judaísmo, o médico e até mesmo as
autoridades (na página 1.044, por exemplo, narra uma envolvendo
Napoleão). Algumas, com forte conotação sexual, devem ter abalado os
alicerces da sociedade da época.
Sem sombra de dúvidas, Freud foi corajoso. Em nome da ciência e em
busca da verdade, parece ter relegado sua vida pessoal a um segundo plano.
Deve ter tido sérios problemas com tal opção. Na sociedade vitoriana em que
vivia, de antes ainda da Primeira Guerra Mundial, homens como ele não
eram vistos com bons olhos. Um cientista sério não perderia seu tempo
deliberando sobre questões fúteis e banais como o humor. Seria mesmo o
humor um tema banal? Como teria reagido a comunidade científica judia da
época? O mínimo que se pode dizer é que, com certeza, tal escolha provocou
indignação entre os semitas.
Além das piadas de judeus, Freud acrescentou ainda inúmeras outras
anedotas de cunho dito preconceituoso. Como deve ter sofrido por isso. Se
professores, hoje em dia, recomendam que o livro do grande escritor
brasileiro Monteiro Lobato não seja mais utilizado nas escolas públicas, por
conter possível passagem racista (em Caçadas de Pedrinho, publicado em
1933, o autor escreve sobre a personagem tia Nastácia, que é negra:
“esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca
de carvão pelo mastro de São Paulo acima”). Por outro lado, há quem o
defenda, lembrando que o autor já em 1918 havia publicado uma outra obra,
Negrinha, em que, ao narrar a curta vida de uma filha de escravos, tiranizada
e espancada pela patroa, denunciava a sociedade escravagista de então.
Diante disso, o que pensar do eminente pensador austríaco que,
aparentemente, ironiza judeus e deficientes? O que muitos não veem,
infelizmente, é que ao que tudo indica, o pensador apenas reproduzia parte do
folclore popular para ilustrar seus pensamentos, sem emitir sentidos de valor
em seu textos.
Versando sobre o tema, aliás, Erich Fromm nos dá uma ideia mais
aproximada do que deve ter ocorrido, lembrando que Freud já foi taxado de
não ser científico:156 “Tornou-se hoje de bom tom dizer – e os psicólogos de
vários ramos da psicologia acadêmica são particularmente propensos a
sublinhar esse ponto – que a teoria de Freud “não é científica” (Fromm,
1980b, p. 16).
Como o próprio Fromm escreve mais adiante, tal julgamento depende
do que se entende por “método científico” (idem, ibidem).
Segundo Theodor Lipps (1898), o chiste é a comicidade privativamente
subjetiva, isto é, aquela comicidade que nós fazemos surgir e que reside em
nossos atos; está relacionado com o inesperado, com o humor. O Dicionário
novo Aurélo da língua portuguesa traz a definição exata da palavra chiste:
“Do espanhol, chiste. Sinônimo de gracioso, piada, pilhéria, gracejo. Graças,
chistes, e facécias que promovem o riso, são para o tablado da comédia e não
para o púlpito” (Bernardes, 2010, p. 320). Baseando sua investigação
principalmente nos estudos de três filósofos alemães, Theodor Lipps,
Theodore Vischer e Kuno Fischer e do poeta Jena Paul Richter, Freud tentou
explicar como se forma o processo do chiste.
Para Freud, existe uma fórmula de edificação do chiste, do humor.
Visando entender tal processo e de que formas o texto publicitário, em
especial o de Washington Olivetto absorve tais procedimentos chistosos na
construção de seus textos, buscaremos analisar a partir de agora essas
relações. Segundo Freud (Freud, 1981, p. 1.029), Kuno Fischer (Über den
Witz, 1889) acreditava que a relação do chiste com o cômico se dá por
intermédio da caricatura. O feio, em qualquer de suas manifestações, é
objeto da comicidade. Ele nasce da caricatura. No entanto, mais adiante,
poderemos verificar que existem várias outras formas de construção do
chiste, sugeridas por eminentes pensadores, tais como as analogias, as
associações verbais e os contrastes. Kant, segundo Freud (idem, p. 1.031),
afirmara que uma qualidade singular do cômico é a que podemos nos
enganar por um instante. O que Freud parece querer nos dizer com isso é que
o processo psicológico que o dito chistoso provoca em nosso cérebro é que faz
surgir o sentimento de comicidade e que este consiste, via de regra, em
concebermos uma sequência lógica em que, inicialmente, damos ao dito, ao
conteúdo da mensagem, um sentido que, logo a seguir, percebemos ser
impossível e, nos surpreendendo então, acabamos por descobrir o verdadeiro
conteúdo das palavras. Theodor Lipps acreditava que a comicidade resulta do
término posto de forma singular na formação verbal: ao percebermos a dupla
significação da palavra, notamos que falta sentido nela e, após o espanto,
descobrimos sua real significação (idem, p. 1.032).
No final de 1999, durante a sua apresentação na inauguração do
Credicard Hall, a então mais nova casa de espetáculos de São Paulo, o cantor
João Gilberto reclamou com a direção da casa, alegando que o som estava
fazendo eco. Com base em tal fato, em menos de 24 horas a W/Brasil, ex-
agência de Olivetto, criou, aprovou junto ao cliente, produziu e depois
veiculou o anúncio a seguir, que trazia o ator Carlos Moreno parodiando o
famoso cantor baiano. Analisemos aqui a construção de um título de
Washington Olivetto que emprega esse recurso do chiste: Não dê eco pra
sujeira.
Em O humor, que retoma o tema já tratado vinte e três anos antes, em
Os chistes e sua relação com o inconsciente, Freud diz ter chegado à
conclusão de que o humor é uma forma de se obter prazer mediante uma
atividade intelectual (idem, p. 3000).
Para Freud, a importância do humor reside exatamente no fato de ele
ser um raro e valioso talento que nos protege do sofrimento. Ele, o humor, é
uma forma de superação da realidade, é a vitória do eu sobre a situação real,
triunfamos por meio dele sobre as adversidades e as circunstâncias da vida
que nos causam medo e apreensão.
Rir afugenta o medo. E, se o chiste representa uma contribuição ao
cômico oferecida pelo inconsciente, o humor é a contribuição ao cômico
oferecida pelo superego.
O homem parece ser o único animal que sorri conscientemente.
Pelo que foi demonstrado até aqui em nossos estudos, Washington
Olivetto é um desses seres que possuem o raro talento de fazer rir.
Terminemos, pois, esta última parte de nossa pesquisa prestando uma
justa homenagem ao redator que, por meio de seus textos chistosos,
irreverentes e engraçados, tão maravilhosamente nos tem divertido ao longo
de mais de quatro décadas, publicando dois de seus mais divertidos e
brilhantes comerciais.
Por meio da leitura desses textos, você perceberá que, apesar de toda a
tecnologia e dos inúmeros recursos de edição e computação gráfica que
envolvem a publicidade atual, nada substitui a simples e original boa ideia.
Bom proveito.
Vamos ao primeiro caso. Num comercial antigo, Limpol mais natural, o
ator Carlos Moreno aparece atrás do balcão, onde normalmente anuncia os
produtos da família Bombril. O detalhe que o telespectador nota logo de cara
é que o Garoto Bombril, que na verdade só aparece neste filme da cintura
para cima, esconde-se timidamente atrás do produto ofertado, pois está como
veio ao mundo: pelado.
Pela primeira vez em toda a história de comerciais da Bombril, e
acreditamos na história da própria propaganda, vemos alguém nu na tela
fazendo comercial de um produto. Então Carlos Moreno conversa com a
dona de casa, explicando por que está sem roupa. Ele diz:
“Sabe por que eu estou assim, ao natural? Pra apresentar o novo Limpol.
O novo Limpol é mais natural. Tem glocopon, um negócio de nome
complicado, mas que simplifica tudo. Ele é mais natural pra senhora e pro
meio-ambiente. Ele só não faz bem mesmo é pra gordura (risinhos). Agora
eu posso estar ao natural, mas como não sou assim, transparentinho que nem
ele, não vou sair daqui de trás, não.”
O interessante também neste comercial é que Olivetto parece ter
inovado mais uma vez. Quando todo mundo esperava uma locução
tradicional, que comunicasse as vantagens do produto, Olivetto nos
surpreendeu de novo, colocando dessa vez a mensagem escrita na tela. Nos
segundinhos finais do comercial, entrava então o seguinte texto, que corria na
tela: “Novo Limpol natural. O natureba”. (Ver caderno de imagens, foto 74).
Analisemos agora o segundo comercial. Trata-se de um comercial para
o próprio Bombril. Enquanto uma música toca ao fundo, o telespectador
percebe que uma mão começa a desembaçar, a limpar um vidro ou uma
janela. O locutor, em off (aquele que não vemos em cena, mas ouvimos),
anuncia: “Para limpar e dar brilho, não apareceu ainda nada melhor do que
Bombril”. (Ver caderno de imagens, foto 75).
Só então o telespectador percebe que se trata de Carlos Moreno, o
Garoto Bombril, que está com uma palhinha de aço, o próprio produto,
limpando uma janela ou um vidro, através do qual, agora, nós o observamos.
Ele está sorrindo, feliz da vida. Como se nos mostrasse ou quisesse dizer:
limpar com Bombril não dá o menor trabalho, não exige o menor esforço.
Sobre o sorriso do ator, ouvimos o locutor então encerrar a mensagem
comercial, dizendo: “Bombril tem mil e uma utilidades” – frase que é
repetida na tela da televisão.
Note que o ator, o Garoto Bombril, sequer faz menção ao nome do
produto – o ator nesse filme não diz uma só palavra. E o nome ou marca
Bombril é repetido apenas duas vezes, pelo locutor, durante os trinta segundos
de comercial.
Washington Olivetto, sem sombra de dúvidas, é um dos redatores que
sabem surpreender o telespectador neste país.

137 Freud publicou três importantes trabalhos em 1905: a história clínica de


“Dora”, que apareceu no outono, embora em sua maior parte estivesse escrito
quatro anos antes, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e Os chistes e sua
relação com o inconsciente. Trabalhou nesses dois últimos livros
simultaneamente (Freud, 1977, p.15).
138 “Dois judeus encontram-se num vagão de trem em uma estação na Galícia.
‘Onde vai?’ perguntou um deles. ‘À Cracóvia’ foi a resposta. ‘Como você é
mentiroso’, não se conteve o outro. ‘Se você dissesse que estava indo à Cracóvia,
você queria fazer-me acreditar que estava indo a Luxemburgo. Mas sei que, de
fato, você vai à Croácia. Portanto, por que você está mentindo para mim?’”.
(Idem, p. 136) e “‘Como você anda?’ – perguntou um cego a um coxo. ‘Como
você vê’ – respondeu o coxo ao cego” (Idem, p. 49). “Esta garota me lembra
Drey fus. O exército inteiro não acredita em sua inocência” (idem, p. 56). “Dois
judeus se encontram nas vizinhanças de um balneário. ‘Você tomou um banho?’
pergunta um deles. ‘O quê?’ retrucou o outro, ‘há um faltando?’ (Idem, p. 65).
Para finalizar, “Uma dama italiana dizia ter-se vingado de um comentário sem
tato do primeiro Napoleão com um chiste que utilizava a mesma técnica de duplo
sentido de uma palavra. Em um baile da corte, ele lhe disse, apontando para o
par e conterrâneo dela: ‘Tutti gli italiani danzano si male’. Diante do que ela
desferiu rápido contragole: ‘Non tutti, ma buona parte’” (Idem, p. 46). Obs.: não
estamos sugerindo que Freud fosse preconceituoso. Pelo contrário, porque ele
alerta que vai reproduzir anedotas do cotidiano das pessoas de sua época,
anedotas que foram retiradas de tiras de jornais que ele colecionava para estudar
depois e de piadas que ele ouvia atentamente nos salões e reproduzia depois.
Freud até menciona em seus estudos que uma das fontes do chistes são os
defeitos físicos das pessoas. Mas ele escreve sobre o assunto apenas
tecnicamente, não está emitindo sua opinião, está apenas demonstrando como se
constrói o humor na sociedade.

139 “A denominação era engenhosa e, sem dúvida, constituía um chiste; não


posso dizer se justificável. Mas os chistes, em regra, pouco indagam quanto a
isso” (Freud, 1977, p. 34).

140 Napoleão: “Todos os italianos dançam mal”. A dama: “Nem todos, só boa
parte” (Freud, 1977, p. 52-53).

141 “Já que a brevidade é a alma do engenho. É o tédio seu corpo e externo
ornato. Serei breve” (Shakespeare, Hamlet, II, 2).

142 “Terei o direito de fazer isso? Pelo menos não cheguei ao conhecimento
destes chistes através de alguma indiscrição. São de domínio público nesta cidade
(Viena), achando-se na boca de qualquer pessoa. Freud Idem, Vol VIII, p. 36 e
192.

143 Sobre Freud: “Finalmente, pelo menos parte da atenção acumulada por
Freud não era tão solene, e sim divertida” (Peter Gay, Freud: uma vida para o
nosso tempo, p. 417), “Seu repertório de piadas, principalmente mordazes
anedotas judaicas, e sua inigualável memória para oportunas citações... Seu
método de exposição era o de um humorista alemão” (Idem, p.158). Sobre
Eisntein: “Em 1943 assinou um contrato com o Departamento de Material da
Marinha dos Estados Unidos como consultor eventual... A contribuição mais
memorável desse período talvez tenha sido a frase: ‘Estou na Marinha, mas não
me exigiram que cortasse o cabelo a marinheiro’” (Abraham Pais, Albert
Einstein, A ciência e a vida de, p. 12).

144 Thomas, H.; Thomas, D. L. Vidas de grandes filósofos. São Paulo: Globo,
1960, p. 145-146.

145 Hernani, de Victor Hugo. “Nossas cabeças têm o direito de tombar cobertas
diante de ti”. Freud, Idem, Obras completas, vol. VIII, p. 258.

146 “Mas há ainda outros meios de tornar as coisas cômicas. (...) Entre eles, por
exemplo, está a mímica, (...) a caricatura, a paródia” (Freud, 1977, p. 226).

147 “K: (…) pois um coração leve dura muito tempo. R: Que significado obscuro
dás tu a essa palavra luminosa? K: Uma condição luminosa numa beleza escura.
R: precisamos de mais luz para perceber o que tu dizes. K: apagarás a luz se lhe
soprares; por isso, terminarei o argumento por uma forma obscura. R: Repara
que tudo o que fazes é na sombra. K: Não podes dizer o mesmo; pois tu és bem
acesa. R: Na verdade, peso menos do que tu; por isso sou leve (Semântica,
Stephen Ullmann, Fundação Caloustre Gulbenkian, Lisboa, 1964, p. 381 e 382).”

148 “También existen palabras que pueden ser empleadas en más de un sentido,
despojando las de su primitiva significación” (Freud, 1981, p. 1.045). “Las
metaforas chistosas solo raras vez provocan la explosión que confirma a un buen
chiste” (idem, p. 1.073).

149 Chico Any sio faleceu em 23/3/2012.

150 “Os escritores, os primeiros freelancers da publicidade brasileira, são


chamados para redigir anúncios por encomenda e, dessa forma, inserem as
figuras retóricas nos anúncios, sobretudo a rima, que facilita a memorização por
parte do público” (Carrascoza, 1999, p. 77).

151 Tal como foi o caso do humorista Chico Any sio, sagaz observador da
realidade social. Outra vítima desse tipo de pressão foi Arapuã, o colunista
amplamente lido da Última Hora. Ele foi forçado a deixar o jornal em 1962.

152 “Los pequeños rasgos humorísticos que producimos a vezes em nuestra vida
cotidiana surgen realmente em mosotros a costa de la irritacion; lós producimos
em lugar de enfadarmos” (Freud, El chiste y su relation com ló incosciente, Tomo
I, p. 1164).

153 Luis Guto de Paula é redator publicitário e postou tal frase no Facebook em
6/3/2012.

154 “En que consiste, pues, la actitude humorística que nos permite rechazar el
sofrimiento, afirmar la insuperebilidad del yo por el mundo real, sustentar
triunfalmente el principio del placer, y todo ello sin abandonar, como ocurre em los
otros processos de idêntico designio, en terreno de la salud psíquica, aunque este
precio pareceria ser ineludible?” (Freud, 1981, p. 2998).

155 Documentário Man on wire (O equilibrista), James Marsh, 2008. Oscar de


melhor documentário em 2009.

156 Sobre esse assunto há inúmeras referências registradas na correspondência


entre Freud e Fliess, como algumas queixas que o pai da psicanálise faz ao amigo
em função de suas primeiras teorias não terem sido bem recebidas pela
comunidade científica da época. Entre elas, citamos três: a primeira, datada de
26 de abril de 1896, registrada nas páginas 184-185, fala sobre a palestra que
Freud proferiu na Sociedade de Psiquiatria de Viena. Lá Freud desabafa ao
amigo, afirmando: “Desisti de reclamar. Uma palestra sobre a etiologia da
histeria feita na Sociedade de Psiquiatria teve uma recepção gélida por parte
daqueles imbecis e recebeu uma estranha avaliação de Krafft-Ething: ‘Parece
um conto de fadas científico’”. A segunda, anotada na página 186 do mesmo
livro, nos traz uma importante revelação de Anna Freud. Ela diz acreditar que “o
pai nunca mais compareceu a outra reunião da sociedade”. E a terceira e última
referência diz respeito a uma carta de Fliess, na qual ele pergunta a Freud sobre o
andamento da obra que estava escrevendo. Pergunta ele: “A propósito, voce já
terminou o Chiste, para o qual me mostrou o material há exatamente um ano?”
(Freud. A correspondência completa de Sigmund Freud para William Fliess,
Imago, 1985, p. 463). Já em Freud: uma vida para o nosso tempo, Peter Gay
também chama atenção para o assunto em diversas ocasiões. Citamos as
contidas nas páginas 129, 145, 309, 415 e 419. Na 145, Peter Gay lembra que
Freud havia sido ridicularizado por um conhecido psiquiatra inglês, Henry
Maudsley, quanto à teoria do instinto de procriação. Na 415, o autor escreve que,
embora Freud tivesse sido contemplado em 1909 com o título de Doutor
Honorário pela Universidade Clark: “... continuavam a se ouvir comentários de
que Freud não passava de um charlatão”. E, finalmente, na página 419 o biógrafo
de Freud lembra a fase do reconhecimento: em 1926, por ocasião do
septuagésimo aniversário do pai da psicanálise, o New York Times e inúmeros
outros periódicos de diversos países registraram o acontecimento. O New York
Times escreveu: “... com a possível exceção de Einstein, talvez o mais
comentado dos cientistas hoje vivos”. Mas na página 129 Gay afirma que, em
carta enviada a Fliess, o próprio Freud diz ter encontrado inúmeros equívocos que
comprometem sua obra A interpretação dos sonhos, 2.467 erros ao todo.
Capítulo V

Washington Olivetto por... e por ele mesmo

A ideia deste capítulo surgiu meio que por acaso. Poderíamos até dizer o
contrário, afirmando que foi tudo planejado, que nós percebemos o quanto
era importante ter em nosso livro um capítulo assim, com amigos e pessoas
que trabalharam com o Olivetto falando sobre ele e o seu trabalho. Ficaria
mais bonito, mais chique, passaria um ar mais intelectual. Só que isso não
seria verdade. As coisas não aconteceram desse modo. Assim como grande
parte das grandes descobertas, tudo aconteceu meio que por acaso.
Eu explico. Na verdade, tudo começou quando estávamos conversando
com um colega pelo Facebook, o Guto, e um outro velho amigo, o Ronaldo
Conde, mandou uma mensagem para mim. Nela o Ronaldo – que foi redator
da antiga MPM e depois diretor de criação e gerente geral da Almap do Rio
de Janeiro – dizia que havia lido o que eu escrevera. Educadamente, ele pedia
desculpas e alertava para o fato de eu estar escrevendo as mensagens em
aberto, o que me deixava vulnerável, pois qualquer pessoa, entre os milhões
de internautas que navegam pelo Face diariamente, podia ter acesso aos
meus pensamentos e às minhas palavras. Segundo a Folha de S. Paulo,157
são 1 bilhão de usuários ativos em todo o mundo, com aproximadamente 2,7
bilhões de “curti”, 300 milhões de fotos e outros 2,5 bilhões de atualizações de
status todos os dias.
Números realmente impressionantes. O Brasil é o quinto maior mercado
do Facebook, ficando atrás apenas, em termos quantitativos, de Índia,
Indonésia, México e Estados Unidos.
O fato é que o Ronaldo se oferecia para me ajudar. Ele havia visto que
eu procurava um jeito de chegar no Ercílio Tranjan – que eu só conhecia de
nome – e, como havia trabalhado com ele nos tempos de Q, estava se
oferecendo para fazer a ponte entre nós dois. É evidente que agradeci e
aceitei na hora a sua ajuda. Foi então que o Ronaldo narrou um fato curioso
que eu passo a contar agora. Quer dizer, parte dessa história, porque os
detalhes você vai ouvir, ou melhor, ler e saber pelo próprio Ronaldo Conde.
Quando o Ercílio e o Washington Olivetto dividiram a indicação para o
Hall da Fama do CCSP, em 2002, ficou acertado que cada um deles
escreveria um texto sobre o outro, que seria publicado mais tarde no anuário
do clube.
Que responsabilidade.
“Se você quiser, Renha”, disse o Ronaldo para mim, “posso até escrever
como foi isso. Eu estava lá naqueles tempos e presenciei tudo”. É evidente
que falei: “Cara, você tem que contar para as pessoas essa história que
acabou de me contar, porque ela é maravilhosa”. Dá um capítulo de livro,
pensei na hora. Ou, quem sabe, um livro inteiro.
E foi então que, mais tarde, ao ver o texto que o Ercílio tinha publicado
sobre o Washington Olivetto, texto este que a Ciça, via Clube de Criação de
São Paulo, tão gentilmente encaminhou para o nosso e-mail – e que você vai
ter o privilégio de ler a seguir –, pensei: puxa, isso não é apenas um novo
texto, é mesmo um novo capítulo do nosso livro.
Liguei então para o Ronaldo e conversamos. Dessa nossa conversa
surgiu a ideia do capítulo especial que você tem agora em mãos. Este
pequeno texto que você começa a ler agora é uma apresentação ao texto de
Ercílio Tranjan, em que o redator que um dia inspirou Washington Olivetto
presta uma homenagem ao publicitário hoje mais premiado do país.
Logo a seguir vem uma série de outros textos que foram escritos por
alguns dos mais brilhantes e talentosos redatores publicitários, músicos,
artistas, empresários e intelectuais que este país já conheceu. Sem exagero,
metade dos Leões que o Brasil já ganhou em Cannes devem estar aqui
presentes. Se somarmos os cerca de 50 Leões do Fábio Fernandes com os
outros 25 do Andrés Bukowinski, os mais de 40 do João Daniel, os quase 100
do Marcelo Serpa e sua agência e os 53 do próprio Washington Olivetto (todos
na categoria cinema, porque ele nunca inscreveu nada em outra categoria),
vamos ter aproximadamente 300 Leões de Cannes.
Nem na África você vê tantos leões juntos num mesmo lugar.
Aliás, você vai ler também, a seguir, um depoimento do próprio Garoto
Bombril – o ator Carlos Moreno, que durante quase quarenta anos deu vida ao
personagem, também escreveu algumas linhas para nós.
É bom que se diga que todos esses escrevinhadores, como diriam Ercílio
Tranjan e Washington Olivetto, foram extremamente generosos, porque não
receberam um tostão sequer por tal trabalho, mas somente o nosso muito
obrigado como reconhecimento. Todos esses textos têm em comum, é claro,
um mesmo tema: Washington Olivetto, a cultura popular brasileira e a
propaganda.
A todos esses amigos generosos que se deram ao trabalho de deixar de
lado momentaneamente seus afazeres, seus palcos e entrevistas para redigir
tais textos para nós, o nosso muito obrigado. Sem sombra de dúvidas, vocês
engrandeceram muito a nossa obra. E para você, que tem em mãos essas
preciosidades da narrativa escrita, desejamos uma muito boa e agradável
leitura.
Aqui vão os textos.
Washington Olivetto (e Ercílio Tranjan) por Ronaldo Conde

Lembro-me bem. Era uma sexta-feira qualquer. Estávamos, como


sempre, na agência. Tensos, mas felizes porque o final de semana se
aproximava.
Ercílio chega na minha sala e dispara:
– Fui convidado pelo Clube de Criação de São Paulo para fazer um texto
sobre o Washington Olivetto, para o Hall da Fama do anuário. E ele vai
escrever sobre mim.
Nada mais falou e saiu. Cada um com as suas responsabilidades, vida
que segue, não nos falamos mais, pelo menos sobre esse fato.
No final desse mesmo dia, naquele papo descontraído, ele anunciou:
– Vou tirar uns dias para pesquisar e fazer o texto do Washington.
Cuidadoso com as palavras, o que, para mim, o inibe de produzir mais e
mais textos memoráveis, vi que a sua preocupação era fazer desse momento
algo que estivesse a altura do homem e do personagem.
O que me chamou mais atenção, aqui, era o fato de um profissional da
envergadura do Ercílio, humana e profissional, transformar essa tarefa numa
cerimômia tão importante que não pudesse acontecer ao mesmo tempo em
que se dedicava ao dia a dia, na agência.
Claro, não era insegurança. Claro que não seria falta de tempo, porque
isso, para quem tabalha nessa área do comportamento humano, a gente
sempre encontra. Coloquei a atitude dele no meu escaninho particular de
admiração. Mais uma, entendam bem.
Respeito à tarefa e ao profissional.
Não sei por quanto tempo ele ficou ausente da agência. Mas, claro, não
foi muito e não produziu nenhum problema mais sério. Ercílio volta e, creio,
fui um dos primeiros a ter o privilégio de ler o texto sobre o Washington
Olivetto.
Lembro que, estupefato com o carinho, com a dimensão que ele deu,
merecida, ao Washington Olivetto, só consegui soltar um palavrão e
perguntar:
– Ercílio, por que você não escreve mais? Por que você não produz mais
textos?
Silêncio no salão. No fundo, ele sabia que tinha feito um texto primoroso,
até porque se dedicara a isso como se escrevesse sobre ele mesmo.
Logo ele, o rei do sarcasmo e do mau humor, produziu palavras
sublimes sobre um companheiro de profissão.
Profissão essa que, até hoje e principalmente hoje, ele critica.
Convido todos a lerem esse texto com a mesma dedicação e a mesma
religião que o Ercílio quando o escreveu. E digam se eu não tenho razão.

Ronaldo Conde,
Diretor Associado do Grupo Casa da Criação
Washington Olivetto Por Ercílio Tranjan

Texto extraído do XXX Anuário de Criação do Clube de Criação de São


Paulo, 2002

O Washington inventou alguns dos personagens mais memoráveis da


propaganda brasileira. De todos, um é insuperável: o Washington é a melhor
criação do Washington.
Não procure aqui nenhuma relação com Jekill e Hy de, que não se
inventaram e nem podiam – o bem e o mal – suportar um ao outro.
Longe disso. Nessa história, autor e personagem convivem numa paz
infinita. Tornaram-se inseparáveis, indivisíveis, indistinguíveis.
O Washington se autoescreveu, há muito tempo. O Hall da Fama de hoje
é mera constatação. Eu diria, até, redundância.

I Anuário – GM

“O pai da minha primeira namorada tinha um Chevrolet” – Vinicius de


Moraes.
Era uma vez um menino que soube nascer antes do seu tempo.
A primeira vez que eu vi o trabalho do Washington, levei um susto.
Além da pasta na mão e da bolsa a tiracolo, trazia com ele muita leitura
de Bernbach, Hans, Alex, Armando, Sérgios. Sem falar do Apanhador, e tudo.
E tudo isso dava para ver em cada anúncio que ele me mostrava,
acreditem, tímido.
Estava escrito.
II Anuário – Itaú Seguros

Estava ficando quase rico. Deixou a família quase pobre.


O Washington cria definições a um tempo precisas e paradoxais.
Um dia, ele disse a meu respeito: é a pessoa com o melhor senso de
mau humor que eu conheço. Só me resta o esforço para fazer jus.
Tivemos brigas nem um pouco memoráveis. Quero dizer, de ninguém
lembrar qual era a posição de um, a do outro, e sobre o quê.
Uma delas, recordo vagamente que era sobre música popular brasileira,
ficou tão séria que terminou com ele de pé, dedo em riste, aos berros: você é
um moleque.
Devo ter dito alguma coisa grave, alguma ironia rasteira, na falta de
bons argumentos para defender a causa, qualquer que fosse ela. Como,
nessas ocasiões, nós dois costumamos estar aliados a causas perdidas, o mais
provável é que estivéssemos do mesmo lado.

III Anuário – Itaú (Concurso Hípico)

“Venha ver os ricos caírem do cavalo.”


Sutil, o Washington sabe ser o campeão do escracho.
Sofisticado, não tem o menor pudor de recorrer ao brega.
Irônico, debochado, saiu da agência dele o momento de maior
delicadeza da propaganda brasileira, o filme que eu gostaria de ter feito: o
primeiro sutiã.
Em resumo: o Washington se despiu de todo preconceito.
Ele entendeu o verdadeiro sentido da palavra comunicação.
E vive isso intensamente, e ri disso intensamente.

IV Anuário – Bombril (TV)


“O Bril custa um pouco mais caro porque ele tem um negócio na
fórmula que não deixa estragar suas mãos. Agora, se a senhora não pode
pagar essa diferença, compra outro, depois a senhora dá um jeito na mão.
Passa um creminho.”
O Washington é um grande contador de histórias. E acho que ninguém
sabe, nem ele mesmo, quando está inventando. Não faz a menor diferença,
ou melhor, faz toda: acrescenta sabor. É tênue o limite entre ficção e
realidade.
Agora, um conselho para quem estiver ouvindo: duvide sempre. Não da
história, mas de você mesmo, da sua percepção. O Washington sabe, como
ninguém, transformar a fantasia em realidade.
E, por surpreendente que possa parecer, a maior qualidade do
Washington não é a de falar, é a de ouvir. É um radar, de percepção
extrassensorial: capta tudo o que está à sua volta. Só isso explica a capacidade
incrível de criar personagens tão íntimos, tão verdadeiros, tão familiares, tão
vivos no imaginário coletivo.

V Anuário – Carbonell

“A Carbonell foi pro vinagre.”


O Washington não tem medo do popular. Ao contrário, é o que ele
persegue.
Afinal, uma vez, não se sabe quando, ele criou um de seus maiores
mitos: que era corintiano.
Prestem atenção no sobrenome. Lá no fundo deve habitar um
palmeirense histórico. Ou sou eu que acho que nós dois não devíamos estar
separados na arquibancada.
De qualquer forma, ele acreditou tanto no mito que alucinou. Relato,
para a posteridade, o que vi, já que não havia câmeras de TV, nem ao menos
um solerte repórter para registrar o acontecimento.
O ano não lembro com precisão, sei que era o auge da democracia
corintiana, que tinha no Washington um líder e seguidor.
Estávamos em Atibaia, num encontro entre diretores de criação e
clientes que o clube de criação promovia. Numa hora de lazer, marcamos
um jogo contra. De futebol, é claro, tentativamente amistoso.
A partida seguia equilibrada, até que o Washington recebe um
lançamento pela esquerda, os zagueiros (mais de três) fecham nele para
evitar o chute, ele dá o chamado passe antológico, de calcanhar, e deixa o
Calia livre para fazer o gol.
No seu completo desvario corintiano, ele inventou, naquele segundo, que
era o Sócrates.
E foi, meninos, eu vi.

VI Anuário – Minalba

“Vende que nem água.”


O Washington nunca se conforma com a primeira ideia, mas nunca a
joga fora. Ele não foge do óbvio.
Tanto que, um belo dia, não se sabe quando, decidiu que ia ser
empresário.
Tinha que criar uma agência de propaganda, tinha que ter o nome dele,
tinha que ter a cara dele, que, afinal, era uma criação bem anterior.
E assim foi, e assim é: uma agência divertida, irreverente, que se
reinventa todo dia. Resumindo: uma agência moleque.
E tinha que transcender a propaganda, fazer parte da cultura popular
brasileira. Uma agência que, como o seu criador, virasse letra de música.
Virou.
E, mais que tudo: uma agência com caráter. A W é do jeito que o
Washington gosta. Ela é a prova de que se deve misturar trabalho com
divertimento. É possível, é bom, é desejável.
Como o seu criador, quando ela não está à frente da corrente, ela está
contra a corrente.
Não opõe a ideia de felicidade à de eficiência.
Sabe que a palavra ética não é apenas uma rima de estética.
O Washington é um dos últimos herdeiros do legado de Leo Burnett: se
um dia vocês se preocuparem mais em ganhar dinheiro do que em fazer boa
propaganda, por favor tirem meu nome da porta. Acho que foi mais ou
menos isso o que o Leo Burnett disse, tenho certeza de que é isso o que o
Washington sente.

VII Anuário – Banco Itaú, exposição agropecuária


“Itaúúúúúú.”
A entrevista do Washington na TV, esse ano, depois de tudo o que passou,
expõe claramente a diferença entre ele e o comum dos mortais.
Nunca vi recuperação tão rápida, força tamanha, presença de espírito,
senso de humor.
É o que explica aquela pasta do menino, a superação da timidez que ele
ainda carrega no sorriso, a capacidade de vencer os medos, e até o passe de
calcanhar.
Esse é o Washington que se criou, que deixou muito para trás as
fronteiras do Parque São Jorge, mas que insiste em se segurar dentro delas.
Um contido no outro, resulta um produto final maravilhoso, fiel às suas
origens e às suas eleições afetivas, que só consegue ser universal porque é
paroquial, um ser humano absolutamente amável.
O Washington tem escrúpulo, aquela desagradável pedrinha no sapato,
que insiste em fazer doer quando se vai pisar em alguém, que faz a gente
voltar atrás, refletir, respeitar o outro. E da qual, infelizmente, muita gente de
talento se livrou durante o caminho.

VIII Anuário – Shampoo Johnson & Johnson

“O seu cabelo não nega.”


Fiz esse pequeno trabalho de arqueologia para facilitar o acesso dos mais
novos ao Washington. Para vocês verem que o Washington não é de hoje. Daí
em diante, o trabalho dele e da W está mais fresco na cabeça de todos nós.
Faz trinta anos que o Washington não sai do Hall da Fama.
E está mais vivo e mais íntegro do que nunca.
E, já que não fiz nenhuma grande revelação sobre ele, faço uma sobre
mim: uma das poucas frustrações que tenho nessa profissão é nunca ter
trabalhado com o Washington.
Dá para entender.

IX Anuário – Atari
“Atari, o melhor inimigo do homem.”
Washington, você é um moleque.

Ercílio Tranjan

Washington Olivetto Por Neil Ferreira

– Espelho, espelho meu, existe algum publicitário mais famoso do que eu?

Claro que existe, é o Washington Olivetto. É mais famoso do que eu, do


que você, do que o Petit, Zaragoza, Alex Periscinoto, os Júlios Cosi, Xavier e
Ribeiro, Nizan, Marcelo Serpa, Maggy, Helga, Dualibi, vai falando os nomes
dos gigantes da publicidade que você admira, nenhum deles chega nem perto
da centimetragem que o Washington obteve nos jornais e revistas e no tempo
de exibição nas tevês.
O Washington ficou mais famoso do que a maioria das campanhas que
fez, algumas com milhões de dólares em veiculação. Você passa na rua e na
hora reconhece o Washington; nem sempre reconhece o comercial.
É ousado. Você desce no Aeroporto Internacional de Guarulhos, pega o
carro para ir para casa e se depara com um imenso outdoor da WMcCann-
Erickson, com o título: “Visite as belezas de São Paulo”, com três ilustrações;
uma é o monumento de Brecheret, o “Vê se não empurra”, no Parque do
Ibirapuera, a outra esqueci e a terceira é nada mais nada menos do que a
cara do Wahington, não a do Brad Pitt nem do George Clooney. O preço da
glória é a cara de pau, sabe-se.
Falei dólares porque as nossas carreiras assistiram os cortes de uns
quinze zeros na moeda oficial, a verdadeira era o dólar “no paralelo”; nem
lembro mais os nomes que tinham, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado
novo, URV, real, sei lá o que mais. Pago um unblended malt duplo, 18 anos, do
puro, do legítimo, do escocês para quem lembrar o que URV queria dizer e
quanto valia uma, se é que valia alguma coisa; mas o nome do Washington,
amarcord, eu me lembro. Eu e a torcida do Flamengo.
Não falo “torcida do Corinthians” porque o termo “Corinthians” está
vetado nos meus textos, embora o Washington seja corintiano doente.
Eu costumava dar um palpite: “Se você quiser aparecer na mídia tanto
quanto o Washington, só pulando de um viaduto bem alto, abraçado na
Jennifer Aniston, a “Rachel” da série Friends, que passa até hoje na tevê; até
hoje dou risada com as piadas da Rachel, Phoebe, Monica, Ross, Chandler e
Joey, que já vi umas vinte vezes e continuo vendo. Ou então, se não rolar o
lance com a Aniston, vá para o plano B; faça o impossível, faça as
campanhas que ele fez, umas três ou quatro por dia. Aqui a deixa para o seu
cúmplice entrar em cena, o Petit.
Mesmo que eu tenha me apelidado de “arquivo morto da publicidade”,
não há espaço na minha memória de não sei quantos gigas para abrigar o que
Wahington e Petit fizeram juntos; nem me lembro de tudo o que eu e o
Zaragoza fizemos em uns vinte anos de parceria, mas sei que algumas das
suas campanhas entraram para a história da publicidade, outras, inúmeras,
fizeram a história da publicidade. As minhas e do Zaragoza também,
modestamente.
Eu e o Zaragoza trabalhávamos no 6º andar da DPZ, o Washington e o
Petit, no 5º; às vezes éramos bons vizinhos. Outras, parecíamos dois estados
soberanos e independentes, sem assento na ONU, beligerantes, armados até
os dentes, beirando um conflito nuclear. Lenda urbana, com ampla aceitação
no meio publicitário, plantada por nós mesmos para nos divertir.
Quando a peta voltava para casa, com a indagação feita à meia boca,
com ar cúmplice por algum concorrente: “Como é, tá quebrando muito o pau
por lá?” Não deixávamos barato: “Tá, sim, olha meu olho inchado”.
Dualibi ria, qual Tio Patinhas nadando na sua banheira cheia de moedas,
apreciava o volume crescente do conteúdo do cofre, o olho do dono engorda
o boi, cujas chaves ficavam sob a guarda do Negrini, o cérbero daquela mina
produtora de pepitas de ouro e pedras de diamantes. Burra cheia, famiglia
feliz.
Partilhando a mesa de uísque e pasteizinhos na happy hour do Pandoro,
Washington cochichava, para os outros bebuns não escutarem: “O meu
espanhol hoje estava o demônio, e o teu?” O meu também estava, mas eu
queria fingir que levava vida mais mansa (levava nada); respondia: “O meu
tá mais maneiro...”. Estava nada.
Acontece que eu e o Washington vivíamos perigosamente, nas beiradas
das crateras de dois vulcões em permanente ebulição, jorrando ideias
incandescentes, derramando lavas de talento pela publicidade, artes plásticas,
fotografia, direção de comerciais (o Z escreveu e dirigiu longas), reuniões de
apresentação de campanhas, palestras, entrevistas e happy hours que em
geral duravam happy three or four hours. O Departamento de Comércio
Exterior da Escócia agradecia por escrito.
Eu lotaria este livro com minhas lembranças do Washington & Cia. bela,
perguntam-me por que não as escrevo, respondo: “Não sei escrever isso, só
anúncios”, então resolvi matar este texto com “morte súbita”, dividindo com
você a minha opinião científica sobre o Washington.
Sua inteligência é tão brilhante que o cérebro deveria ser doado para
estudos depois da morte – o cérebro e o fígado (o meu jogou a toalha há
muito tempo).

P.S.: Nada falei sobre o sequestro porque estou com o mestre Álvaro
Morey ra: “As amargas não...”. Nada falei sobre as estagiárias porque “as
doces demais...” também não, são comprometedoras. Nada falei sobre os
prêmios nacionais e internacionais que ganhou porque este espaço é pequeno
demais.

Neil Ferreira, redator, amigo e admirador

Washington Olivetto por Lulu Santos

Noves fora o genial da sacada da canção certa para o comercial


específico, nesse caso, o golpe de mestre, o que de fato diferencia a mera
utilização de uma música para lá de conhecida do público num comercial de
TV (prática corrente desde os anos 1960 na publicidade americana para TV...
talvez um duplo pleonasmo, aqui) é a carambolada, explico: não só minha
gravação de O descobridor dos sete mares, anteriormente popularizada por
Tim Maia, foi um retumbante sucesso de rádio e vendas, catapultando minha
própria carreira a novos patamares, e, certamente, adoçando a imagem do
combalido chinelão, a “resposta” no ano seguinte com o próprio Tim
emprestando seu vozeirão à minha composição, e de Nelson Motta, Como
uma onda, para o mesmo produto, vai além da esfera publicitária e
estabelece um diálogo, antes tênue, entre os dois criadores de MPB.
Foi por conta desse comercial criado por Washington que passei a
receber os afamados e peculiares telefonemas de Dom Tim, nos horários
mais diversos, sob os mais estapafúrdios pretextos, mas isso é uma outra
história, que fica para uma próxima vez.

£’

Washington Olivetto por Marcelo Serpa

Washington é o pai de todos.


O Washington criou na DPZ o que seria a principal receita da moderna
propaganda brasileira.
A sofisticação da escola europeia da direção de arte do Petit e Zaragoza
misturada com o melhor da inteligência e sabedoria da MPB. A
malandragem-popular-brasileira.
Na DPZ ou W/Brasil, seus filmes para o Itaú, com Rodolfo e Anita, o
primeiro sutiã, Staroup, o filme épico da revista Época ou todos de Bombril
são trabalhos populares de linguagem fácil e direta.
E todos eles executados com uma precisão incrível, sem o maneirismo
tão em moda hoje em dia.
Ele e seu trabalho criaram o cenário perfeito para que outros criativos
pudessem seguir os seus passos e assumir as rédeas do negócio. Serem donos
de seus talentos.
Nizan, Loducca, Fábio Fernandes, Fischer… todos nós dessa geração
deveríamos acender uma vela todos os dias para o santo Washington, cujo
único pecado conhecido é ser corintiano.

Washington Olivetto por Fábio Fernandes

O Washington tem um monte de defeitos: é esnobe, é metido, fala para


cacete, repete a mesma coisa um monte de vezes e repete a mesma coisa
um monte de vezes. Mas ele não tem alguns defeitos que seriam muito mais
fundamentais. O Washington nunca fez nenhum tipo de mal à propaganda
brasileira, muito pelo contrário. Nunca optou pelo ruim em detrimento do
bom, do excelente. Nunca disseminou na cabeça dos mais jovens que
propaganda boa é a repetitiva, enfadonha, muquirana, mesmerenta. Nunca
jogou sujo. Nunca foi indigno da profissão cuja boa reputação ele próprio
ajudou a construir.
E, mesmo antes de sermos amigos, nunca falou qualquer coisa ruim
sobre mim, mesmo eu tendo mais defeitos do que as incontáveis qualidades
dele.

Fábio Fernandes
F/Nazca Saatchi & Saatchi (Agency of the Year 1999,
2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2011)
Washington Olivetto por Boni:
O primeiro Olivetto a gente nunca esquece

No livro do Washington Olivetto, em que ele relata a criação do


comercial O primeiro sutiã, eu escrevi: “Eu concordo que a publicidade é
uma forma de arte, especialmente na área da criação. E a arte só se torna
completa quando é percebida, compreendida e consagrada. Às vezes demora
séculos. Já a publicidade exige rapidez. Além de ser compreendida, precisa
convencer e vender. E se isso não é fácil, mais difícil ainda é conseguir uma
ideia que penetre no inconsciente coletivo, que seja incorporada à cultura
popular e que, não sendo descartável, se torne emblemática. No rádio, na
televisão e na publicidade, passei minha vida perseguindo esse grau de
comunicação e posso, por isso mesmo, festejar quem o consegue. O
Washington Olivetto, com talento nato, sensibilidade e competência,
conseguiu essa proeza várias vezes. Lembro-me de que a peça para televisão
O primeiro sutiã... tinha um estranho formato de noventa segundos, um
espaço quase nunca usado no veículo TV. Tem mais: para lançar a
campanha, o Washington queria um intervalo exclusivo no Fantástico. O
departamento comercial da Globo transferiu para mim a decisão. Eu quis ver
o comercial e, ao assisti-lo, percebi que estava diante de um desses casos
raros de acerto total. Apaixonei-me não só pela ideia, mas pela realização,
pelo modelo e sutileza da direção. Tinha acabado de ver o filme quando
recebi um telefonema do Washington, pedindo-me encarecidamente que
abrisse uma exceção e concedesse o intervalo e o espaço necessários para
exibir o filme da forma como ele o havia concebido. Claro que atendi,
vibrando como publicitário e feliz como amigo. Embora eu já admirasse o
Washington por outros sucessos, era o primeiro pedido que ele me fazia. E o
primeiro Olivetto a gente nunca esquece. Aliás, não dá para esquecer o
Washington Olivetto como publicitário, personalidade e amigo. Sua cabecinha
fervilhante está sempre nos proporcionando um bom papo, estimulante e
renovador. O Washington é uma espécie de moto-perpétuo de ideias e ações.
Não saia de perto, amigo Washington, senão nós morreremos de inanição
mental.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho – Boni

Washington Olivetto por André Midani


Nossa relação tem algo de bíblico. Ela se desenvolveu de tal maneira
que alternadamente sou seu irmão maior ou irmão caçula... depende. Outras
vezes, sou seu pai ou ele pode até ser o meu, mas, de qualquer maneira,
somos sempre profundos amigos. Admiro muito o menino Washington, com
seu talento a tiracolo.
A.

Washington Olivetto por Nicolas Brien

Here is my personal and honest pov.


Washington is a creative genius, driven by his relentless intellectual
curiosity and deep courage to challenge the status quo. I have never met a
conceptual thinker who stimulates such vigorous debate and unorthodox views
across all aspects of business, culture, sport and life.
At the same time, Washington is extremely proud of his country and
passionate for its people, never dwelling on negative experiences, rather
promoting positive opportunities and attractive outcomes for all.
It is a privilege to call Washington my friend and an honor to work with
him as a fellow leader of our global company.

Nicolas Brien,
Chairman & CEO
McCann Worldgroup

Washington Olivetto por Jeff Goodby

To me, Washington Olivetto is important, not just as an advertising


luminary, but as a guy who expands the human spirit for all of us.
Throughout the past few decades, Washington has of course been at the
center of a revolution in advertising in Brazil. Almost out of thin air, Brazilian
advertising and design have risen to be among the finest on Earth. In many
other countries, this kind of success has come about through the mimicking of
other cultures – in other words, by becoming something other than what the
native culture might suggest.
Washington’s success, however, is uniquely Brazilian and celebrates Brazil
in every way. Though he is a truly urbane and international character, his work
has centered upon a deep love of the Brazilian sense of humor, Brazilian music,
Brazilian emotion, and Brazilian sport. His pride in his country has enabled him
to see the best in the people around him, and to bring that unique culture to the
rest of the world.
Experiencing Washington in person is no less exhilarating. He is an
expansive, funny, naughty character who never fails to make one feel good
about life, laughing, and possibility.
I guess, in a way, this is a thank you for Washington – as an advertising
guy, a writer, a lover of music and football, and as a glowing personality I am
always happy to see. There is no one like him.

Jeff Goodby,
Cofundador e Co-Chairman da Goodby, Silverstein & Partners

Washington Olivetto por João Daniel

Um roteiro sobre W.
Tela escura. Som estridente de um telefone tocando. Ruídos
desencontrados de resmungos, copo caindo em carpete, objetos se batendo,
lençóis se agitando, até minha mão encontrar o telefone berrante em que se
escuta:
– Bommmm dia! Está na hora de tomar o café da manhã no Majestic...!
Você está descendo, João?
Acendo o abajur da mesinha de cabeceira revirada pelo susto do
despertar. Eu, na cama revirada, resmungo:
– Porra, Washington, ainda são sete horas, e fomos dormir às quatro!
Quero dormir!
– Hora de levantar, João! Estamos trabalhando... né?
– Cacete, Washington... dormir duas ou três horas por noite a semana
toda não dá...
– Imagina, João, você é um garoto... (risos) encontro você daqui a vinte
minutos, ok?
Corta.
Mesa de café no hotel Majestic, em frente à piscina, em Cannes. Meus
óculos escuros tentam disfarçar os olhos vermelhos e as olheiras. Washington,
todo agitado, cumprimenta membros de delegação de outros países e me
apresenta a um americano. Vejo o crachá pendurado no seu pescoço: júri.
Tento ser simpático... apesar de tanto sono!
Fico pensando: mais um dia de Festival de Cannes. Estamos em 1987 e,
neste ano, combinei de ir a Cannes com o Washington, que combinou fazer
uma “dupla” para que eu aprendesse mais um pouco de Cannes e soubesse
aproveitar tudo o que o festival tinha a oferecer para um profissional. Cara,
ele não dorme, mas segue com uma energia absurda! Incansável.
Aprendo com ele a aproveitar cada instante, para conhecer ou
aprofundar relações com os mais notáveis profissionais de outros países. Ele
sempre dizia: “Só os bobos vêm a Cannes para encontrar os profissionais do
seu país. Viajar onze horas de avião, pagar uma fortuna de hotel e refeição,
para fazer o que poderia ser feito sem sair de casa!”
Flashback.
Em 1986, Washington introduziu uma nova forma de aproveitar o evento
de Cannes para anunciar sua grande mudança: sair da DPZ e montar sua
própria agência com os suíços: a W/GGK. Isso passaria a ser uma regra para
todos os publicitários nos anos seguintes, quando teriam que anunciar
mudanças ou associações. Washington também criou um modelo novo de
agência, em que o criador era o presidente e dono, dando o tom de que
criação era o mais importante, mas não se esquecendo de ter ao lado um
sócio que tocaria a gestão e a administração. Ele nunca deixaria de ser o
elemento criativo, das ideias e dos conceitos, para surpreender, conquistar
clientes e fazer acontecer (peço licença ao Júlio Ribeiro de usar essa sua
expressão...).
Fim do flashback.
Volto a pensar em outra frase dele, depois que assistiu um comercial que
dirigi para ele, que não gostou. Fiquei abalado. Ele vira para mim e diz: “Que
bom! Agora estou tranquilo, pois sei que os próximos dez filmes que você vai
fazer para mim ficarão incríveis!”
Corta.
Jantar em São Paulo, no Freddy. Meia-noite e meia. E, como sempre, ao
final, mais um café e mais uma Fernet Branca Menta. Apenas ele era capaz
de tomar e apreciar aquela bebida intragável! E outro café, mais uma
Fernet... os garçons já colocando as cadeiras vazias em cima das mesas e
nossa conversa cada vez mais animada, e os garçons cada vez mais
desanimados. Sempre somos os últimos a sair!
Corta.
Dois anos depois, em Cannes, a W/Brasil torna-se a agência brasileira
recordista em Leões, e eu, como diretor e produtor, também. Estamos em
1989, e continuava existindo apenas uma única categoria: Filmes! Fizemos
uma grande festa! Fomos jantar no Treze, que todo ano frequentávamos e
cujos donos eram um casal gay de meia-idade. Local muito divertido,
decorado com flores e comida caseira muito saborosa. Ao final, na despedida
aos donos, eles perguntaram se estava bom. Eu, antecipando-me com meu
francês impecável, respondo: “Oui! Comme sampre, comme sampre!”.
Para olhares estupefatos dos franceses e muita gargalhada do Washington.
Descemos a ladeira até o hotel sem parar de rir...
Lembro-me de algumas frases de Washington: um bom roteiro de
comercial não pode ter mais que cinco linhas para contar uma ideia, senão
não tem ideia. Roteiro decupado é coisa para diretor do filme, não para
criador de agência, que não precisa saber escrever roteiros, e sim criar
ideias, únicas e ousadas, textos incríveis, ou sinalizar diálogos hilários. Alguns
clientes reclamavam de custos de produção e juntos escrevemos uma frase
que acabou virando um anúncio da minha antiga Jodaf: só existe um filme
caro, o filme ruim.
Corta.
Várias cenas que vivenciamos juntos dão o tom de turbilhão de
lembranças, numa espécie de caleidoscópio: Nova York, comendo
hambúrguer, ouvindo jazz, passar o réveillon tomando champanhe em taça de
plástico (indesculpável, segundo André Midani), Londres no Blakes Hotel, que
era insuperável. Paris, onde fomos a todas as galerias de arte e descobrimos a
roupa de Issey Miy ake. Filmando cerveja Bavária na Côte D’Azur, o filme
Casinha no morro, filmando Unibanco e Cerveja Antarctica em Londres, e
assim por diante. Tudo muito intenso. Fade out.
Corta.
Estamos em 1990. Numa auto-route, sigo um carro que acelera e freia
em vários momentos, para desespero de Javier, que, sentado no banco de
trás, resmunga: “Pô, Washington, você não se acostuma com carro
automático! Na primeira parada de ‘pipi-stop’, Javier pula para o meu carro,
aliviado! E seguimos nos dois carros para Turim, para assistir ao jogo Brasil x
Argentina, nas oitavas de final da Copa do Mundo. Voltamos para Cannes
tristes pelo 1 x 0 que levamos da Argentina, mas Washington ficou
maravilhado com a genialidade de Maradona.
Corta.
Pouco depois, estou morando em Barcelona, Espanha. Com os prêmios,
fui muito assediado e não resisti a convites para montar a Jodaf na Espanha e
poder trabalhar para vários países com diversos profissionais de agências e
com vários fotógrafos, montadores, diretores de arte consagrados na Europa,
numa experiência profissional incrível. Patrícia Viotti, minha sócia na época,
me acompanhou nessa aventura profissional e empresarial. Eu fui com
minha mulher, filhos e coragem. Segui dirigindo alguns comerciais para o
Washington, desde Barcelona, e também para o mercado espanhol e europeu.
Eram dezenas de filmes, que rodamos na Espanha, Inglaterra, Suécia,
França, uma experiência incrível! Washington acaba montando sua
W/Espanha e com isso faz a ponte aérea São Paulo/Barcelona/São Paulo com
frequência.
Corta.
Dois anos depois, estou de volta ao Brasil. Retomo forte a parceria com
Washington e fazemos vários filmes para seus clientes. Com Rider, usando
músicas como País tropical, regravada pelos Paralamas do Sucesso, e Como
uma onda no mar, com Tim Maia, ganhamos mais um Profissional do Ano da
Rede Globo. Várias estrelas do Anuário do Clube de Criação de São Paulo.
Fiat, Unibanco, BMW, O Boticário, Antarctica, etc.
Fade in.
Estamos em meu apartamento, na mesa do terraço, comendo um
delicioso “fideua” que Zaíra, minha mulher, aprendeu a fazer em Barcelona.
Corta.
Close meu: esboço um sorriso. Estou em 2012, em São Paulo. Já dirigi
um longa, produzi várias séries de televisão, sigo dirigindo alguns comerciais
que me atraiam, e a Jodaf foi transformada em Mixer. E a W em WMcCann.
Cada um seguiu seu caminho, mas lembro essas e tantas outras passagens que
por mais de dez anos tivemos, numa parceria intensa e fantástica. Sabíamos
misturar o profissional com o pessoal numa química incrível! Tanto viajamos
trabalhando como nos divertindo, em finais de semana memoráveis em
diferentes cidades, hotéis, restaurantes, com nossas esposas (Patrícia já
casada com Washington). Comerciais que nos orgulhamos de ter feito. Foram
anos dourados... de Leões... do Golden Boy, como era chamado, e de uma
verdadeira amizade.
Fade out.
Deveria entrar o letreiro “The end”, mas isso não vai acontecer, pois
essa palavra não existe para Washington Olivetto, que sempre ressurge, vivo
como nunca, quando ninguém mais espera!

João Daniel Tikhomiroff,


cineasta

Washington Olivetto por Andrés Bukowinski:


Washington – 39 anos de parceria

Trinta e nove anos de parceria, isso deve ser um Guiness de


relacionamento profissional na publicidade.
Lembro quando, em 1973, a gente se encontrou e começou a bolar os
trabalhos juntos. Tudo era muito ágil, arriscado, inovador, prazeroso e com
resultados muito bons.
A parceria com Washington Olivetto foi-se aperfeiçoando com o tempo,
resultando em muitos prêmios, confiança mútua e amizade.
Tudo começou com um filme para o banco Itaú, Madrugada, depois
vieram outros.
Washington tinha escrito da peça, para a Mídia Gráfica, do Homem com
mais de 40 anos, falando sobre o preconceito de empregar homens mais
velhos, e, a partir desse texto, desenvolvemos o filme.
Foi o primeiro Leão de Ouro conquistado em 1975 pelo Brasil. No ano
seguinte, Washington escreveu para a campanha de trânsito com a atriz Irene
Ravache, para o banco Bamerindus. Usou o pseudônimo George Remington e
ganhamos o segundo Leão de Ouro para o Brasil.
Em 1978, junto com Petit, fizemos os primeiros filmes de Bombril com
o ator Carlos Moreno, que virou sucesso e recorde no Guiness book. Hoje são
396 filmes, muitos prêmios e seguramente a mais longa campanha
publicitária do mundo com o mesmo ator, criativo e diretor.
Quando, após uma rápida reunião – as reuniões com Washington sempre
são curtas e consistentes – sobre o filme Pense em mim para a Bombril, ele se
levantou e disse: “E se filmarmos os três minutos completos da canção, em
vez dos trinta segundos clássicos?”.
Uma vez, voltando de carro, após um trabalho, e matutando o comercial
de máquinas Olivetti para o Natal, calculamos os golpes das teclas para
coincidir com a música da canção Noite feliz e faltava apenas um golpe para
a sincronia perfeita. Então, Washington disse com um sorriso: “Basta por o
ponto-final!”.
Grande Washington.
Ele não queria ninguém da agência nem o cliente nas filmagens. A
confiança no diretor e uma boa reunião de pré-produção eram o suficiente,
deixando uma grande liberdade para o realizador.
De Bombril pode-se falar por horas, são 34 anos.
Temos filmes como a Lavanderia Yoshito, do sabão em pó Quanto, Mon
Bijou com a clássica comparação entre o concorrente Comfort com um
Capuz no final do segundo filme, com a frase “Ficou protestando então não
vai aparecer mais na televisão”.
Tem o filme com o Che Guevara, Piada suja, Clinton e Monica
Lewinsky, todos os filmes com personagens interpretados pelo genial Carlos
Moreno.
Tem a clássica campanha em que o Garoto Bombril é despedido e em
outro filme, logo na sequência, é readmitido, agradecendo a todas as donas de
casa. Tem o Carlos com o Pelé e também interpretando o Charlie Chaplin,
todos ícones da publicidade brasileira.
O jornal Folha de S. Paulo é outro capítulo de sucesso de Washington.
Filmes como Os presidentes, O mundo, Collor e principalmente Hitler, que foi
considerado um dos quarenta melhores filmes do mundo do século passado,
somando mais de 35 filmes produzidos para a Folha, com a nossa parceria.
Washington sempre acreditou em campanhas com muitos filmes. Se
criava um grande impacto na televisão e era um bom custo-benefício para o
cliente.
Assim, fizemos campanhas como Pode entrar que a casa é sua para o
banco Itaú, com mais de cinquenta filmes, todos filmados em diferentes
bairros de São Paulo e Rio de Janeiro. Washington escreveu pessoalmente os
textos da locução após as filmagens.
Teve a campanha para a Cica, com o produto Pomarola, em que
fizemos 39 filmes. A campanha da Rider, Dê férias para os seus pés, é
composta de catorze filmes com diferentes personalidades brasileiras.
Para a Bombril, teve a séria com 12 filmes, cada uma com um signo do
zodíaco, filmados todos em apenas um dia. Para a Credicard, foram 118
filmes, cada um com a duração de dez segundos, filmados em onze dias, para
serem veiculados durante os intervalos do Jornal Nacional, da Rede Globo.
Temos também as grandes campanhas para a Arno, Rede Zacharias,
Unibanco, O Boticário e Johnson & Johnson.
Washington cria, cria conceitos, cria frases publicitárias que entram no
inconsciente popular. É típico dele soltar uma frase brilhante, seja qual for o
assunto, política, futebol ou personalidade. Essas observações são adoráveis e
sempre originais. Nunca são frases gastas e entediantes.
Washington é um vendedor extremamente convincente.
Um dia, apresentando uma campanha, o cliente duvidou dele e disse:
“Como você garante que isso vai vender?”. E, na terceira vez que o cliente
duvidou, Washington pegou dois cinzeiros da mesa e disse: “Vamos para a rua
e vamos ver quem vende estes cinzeiros mais rápido, eu ou você?”.
Fim de papo, a campanha foi aprovada.
Eu adoro minha profissão. São mais de cinquenta anos como diretor. Dos
mais de 2.500 filmes que dirigi, mais de 1.100 são em parceria com
Washington. Dos 25 Leões de Cannes que tenho, quinze são também em
parceria com ele, além de outros prêmios, como os nove Profissionais do
Ano, da Globo.
Quem não gostaria de trabalhar com Washington Olivetto?
W/Brasil já foi escolhida como o melhor lugar para se trabalhar na
publicidade.
Washington sempre soube escolher e reunir os melhores talentos do
mercado como seus colaboradores, que trabalharam e continuam a trabalhar
com ele, os maiores criativos da publicidade brasileira.
Que sorte a minha.
E para terminar, os três Washingtons que eu conheço:
– O Washington talento, esse vulcão de ideias;
– O Washington trabalhador, que acorda cedo com incansável obsessão;
– O Washington ético, com esse grande respeito pelo próximo.
Longa vida a Dom Wash. São os desejos de seu amigo Andrés.

Washington Olivetto por Alexandre Machado


De quantos ex-chefes você ficou amigo? Nenhum, acredito. Pois eu
fiquei amigo do Washington. E olha que eu definitivamente não sou de muitos
amigos. De quase nenhum, para falar a verdade. Não que eu seja beligerante
ou persecutório, pelo contrário, mas eu sou esquisitamente “na minha”. E o
Washington também é, esquisitamente, “na dele”. Trabalhamos por sete anos
a poucos metros um do outro e nunca vi ele reclamar de nada. Washington
tem a capacidade rara de ver apenas o melhor das coisas e das pessoas. Não
o encontro muito, ultimamente, mas creio que ainda deva estar o mesmo.
Extremamente inteligente, doce, genuíno e determinado. Uma reunião de
apresentação com o Washington era sempre um show de sitdown comedy, e
participei de muitas. Eu e Fernanda devemos muito a ele, em nosso início de
vida paulistana. Aprendemos a amar São Paulo por meio do Washington. Mas
vou parar por aqui, antes que esse texto vire coisa de viado.

Alexandre Machado

Washington Olivetto Por Adilson Xavier: Platônico

Final dos anos 1980. Lembro que era manhã, fazia sol e estávamos na
fase pós-resultado do Festival de Cannes, sábado ou domingo, quando todos
relaxam (exceto os estressados crônicos), preparando bagagens e espírito
para voltar ao Brasil ou esticar viagem pela Europa. Éramos cerca de uma
dúzia de brasileiros recém-esbarrados na Croisette e decididos a tomar um
café, Perrier ou refrigerante, mais pelo pretexto para bater um papo do que
por real necessidade de matar a sede ou jogar cafeína extra no sangue.
Ocupamos duas mesas no terraço do Carlton e adicionamos outras
cadeiras ao redor, incrementando o ambiente chique do hotel com um jeitão
de boteco. Mais do que conversar, ríamos de montão, e alto, numa época em
que nem se sonhava que o Brasil chegaria à invejável posição internacional
que ostenta hoje. Não creio que tenham nos percebido como latinos
inconvenientes, talvez um pouco excêntricos, e certamente muito divertidos.
Brincando sem maiores pretensões, contagiamos a solenidade clássica
daquele lugar, e os frequentadores pareciam gratos por isso.
Quem lê esse início de descrição pode imaginar que a palavra circulava
com fluidez entre nós, sendo distribuída em fatias de tempo equivalentes pelos
integrantes do grupo. Nada disso. Havia um personagem que concentrava as
atenções, transformando todos os demais em tietes coadjuvantes. Tudo o que
ele dizia, independente do que fosse, tornava-se mais interessante e mais
engraçado, só porque tinha sido dito por ele. Salvo honrosas exceções, apenas
a voz dele era ouvida, o que não significava nada além de sua natural
capacidade de contar bem as histórias de seu inesgotável repertório.
Na mesa vizinha, um grupo de senhoras turistas ria junto com a gente
mesmo sem entender nada de português, pura osmose. Quando me levantei
para ir ao toilette, uma delas me abordou, perguntando se aquele homem que
nos entretia era um artista. Na verdade era. Mas preferi explicar da maneira
mais racional, prática e leiga que me ocorreu: “Não, senhora. Somos todos
publicitários brasileiros, ele é o mais famoso do país, e um dos mais
premiados do mundo. Para nós, é uma espécie de popstar”.
Festivaleiro de primeira viagem, participar daquele momento fechava
minha semana na Côte D’Azur com chave de ouro. O sujeito era meu ídolo.
Só o conhecia de palco e júris, vendo-o passar o rodo em tudo que era troféu,
medalha e diploma. E logo na minha estreia, imagina só, eu havia assistido a
duas categorias inteiras de filmes ao lado dele, com direito a troca de
impressões, informações de bastidores e coisas do gênero. Muita sorte
começar daquele jeito.
Relembrando a cena agora, tomo um susto ao enxergar ali alguém que
parece não combinar com o universo publicitário. Refiro-me a Platão.
Calma! Não estou surtando. Raciocine comigo:

a) Platão era um grande mestre frequentemente cercado de seguidores


ávidos por alguma fração do seu conhecimento, certo? Bem parecido com o
que vivíamos ao redor daquela e sabe-se lá de quantas outras mesas ao longo
da carreira do Washington (é a primeira vez que o nome dele aparece neste
texto. Obviamente desnecessário, mas ajudou no ritmo da frase).
b) Platão desenvolveu a Teoria das Ideias. Sem pretensões acadêmicas,
o fenômeno W.O. no mercado publicitário brasileiro alterou
significativamente a vida dos profissionais de criação e abriu os olhos dos
anunciantes para o valor de nossas ideias. Se uma teoria a respeito não
chegou a ser escrita, não tenho dúvidas de que na prática a coisa aconteceu
de forma tão convincente que dispensou o blá-blá-blá teórico.
c) Platão e Washington, cada um a seu tempo e jeito, foram muito
próximos de Sócrates. A diferença, em prejuízo de Platão, é que o Sócrates
dele não teve nenhuma influência na histórica formulação da democracia
corintiana.

Ok, talvez tenha viajado demais. Na verdade, o principal motivo que me


fez embarcar nesse tema platônico foi algo bem menos cabeçudo do que a
explicação costurada nos três tópicos anteriores. Indo direto ao ponto: nunca
trabalhei com ele, sempre o admirei a distância e, mesmo correndo por fora
e observando de longe, aprendi um bocado com o cara. Simplinho assim.
Daquele evento no Carlton em diante, estive com o Washington em
diversas ocasiões, mas nunca cheguei a comentar o efeito Valisere que a
primeira risadaria olivettiana à francesa produziu em mim. Nossa
permanência no café do hotel não chegou a duas horas, mas foi mais do que
suficiente. Como já dizia Platão, “você pode descobrir mais sobre uma
pessoa em uma hora de brincadeira do que em um ano de conversa”.

Adilson Xavier

Washington Olivetto por Seu Jorge

Todo o sucesso nessa vida tem um ponto de partida...


Na publicidade brasileira, esse ponto de partida se chama Washington
Olivetto.
Seu Jorge

Washington Olivetto por Arnaldo Antunes

O talento, a criatividade e inteligência de Washington Olivetto nos dão


uma prova viva de que nem só de repetição vive o inconsciente coletivo. Suas
campanhas mostram que é possível conciliar uma surpreendente
inventividade à comunicação de massas, chegando mesmo a subverter o
papel comumente efêmero da publicidade e cravar em nossa memória
várias de suas antológicas criações – como a série da Bombril com Carlos
Moreno, o anúncio do primeiro sutiã da Valisere, o da Folha com a imagem
de Hitler, entre outras. Além disso, Washington se tornou uma presença
marcante e original na cultura brasileira, por seus livros, comentários,
intuições e realizações em várias áreas. Só posso repetir o que o poeta já
disse: “A cabeça do Olivetto é uma cabeça de negro, muito QI e TNT do lado
esquerdo”.

Arnaldo Antunes
Washington Olivetto por Andrucha Waddington

A primeira vez que entrei na W/Brasil foi como assistente de direção do


João Moreira Sales, em 1991. O senso de humor do Washington foi o que
primeiro me seduziu na figura dele, além da habilidade de conduzir uma
campanha e o respeito pelo diretor.
Anos depois, comecei a dirigir comerciais para a W/Brasil. Sempre me
senti honrado de ser chamado por ele. O alto nível das campanhas, além da
relação direta, inteligente e humorada com que o Washington conduz a W,
tem um valor imenso para mim e para a Conspiração.
Existe sempre uma tensão na publicidade, entre cliente, agência e
produtora. Washington, por conduzir o processo do início ao fim, de forma
pessoal, sempre tem a palavra final, responsabilizando-se e, com elegância e
clareza, chamando a responsabilidade para si.
Aprendi muito com ele, cresci com ele e fiquei mal acostumado com
ele. Washington está sempre a frente do seu tempo, inovando, reinventado a
maneira de pensar a propaganda, unindo arte e publicidade.
Que venham muitos trabalhos com o Washington. Afinal de contas, o
primeiro sutiã a gente nunca esquece.

Andrucha Waddington

Washington Olivetto por Carlos Moreno

A primeira campanha com o personagem Garoto Bombril foi veiculada


em 1978. Há trinta e tantos anos atrás – e, de certa forma, até hoje –, todo
mundo que aparecia em publicidade tinha que ser lindo, maravilhoso,
perfeito. E, de repente, apareceu um cara normal, tímido, travado, falível,
humilde, falando bem dos concorrentes, numa linguagem coloquial,
respeitando a consumidora e deixando a decisão final de compra para ela. As
pessoas se identificaram com o personagem e criou-se, assim, uma
cumplicidade imediata.
Essa primeira campanha era composta de apenas quatro filmes. E
ponto-final. Nenhum de nós imaginou que o personagem iria durar tanto
tempo. Mas, assim que foi veiculada, ela teve uma repercussão tão acima da
expectativa que me propuseram assinar um contrato de exclusividade com a
Bombril. E, até hoje, esse contrato vem sendo renovado.
Eu só fui conhecer o Washington um tempo depois desse “evento
histórico”. Ele raramente esteve presente no estúdio durante as filmagens de
campanhas da Bombril. E eu, por outro lado, nunca participei da criação
dessas campanhas. Isso sempre ficou por conta do seu talento e de seus
parceiros de criação, tanto nos tempos em que ele estava na DPZ, como
depois, quando teve sua própria agência, a W/Brasil, e, agora, WMcCann.
Coube a mim, como ator, apenas sugerir e discutir alternativas de
interpretação para o roteiro, junto com o Andrés Bukowinski, diretor dos
filmes até hoje. A parceria entre estes três mosqueteiros – Washington,
Andrés e eu – sempre funcionou de uma maneira harmoniosa: Washington
abriu espaço e confiou que Andrés e eu poderíamos contribuir para obter o
melhor resultado de sua ideia inicial. Tenho certeza de que essa atitude
generosa do Washington foi uma das razões para o sucesso duradouro das
campanhas da Bombril.
Se a criação original do personagem foi do Washington e do Francesc
Petit, o mérito pela sua longevidade se deve, sem dúvida alguma, ao talento
do Washington. Com sua intuição e sabedoria natas, ele soube administrar a
existência do Garoto Bombril e mantê-lo sempre revitalizado e conectado
com os fatos relevantes do cotidiano. Quase uma campanha institucional, em
que foi possível estabelecer um vínculo de credibilidade, simpatia e afeto do
personagem com o consumidor, sem a necessidade imperiosa de se falar dos
atributos do produto. Ele conseguiu transformar o personagem num ícone da
cultura popular brasileira. A qual, aliás, ele tanto preza e valoriza: com seu
trabalho, o Washington leva o brasileiro a se enxergar melhor e sentir orgulho
de ser brasileiro.
Essa longevidade do Garoto Bombril foi muito benéfica para mim, tanto
do ponto de vista pessoal como profissional. É um privilégio, e motivo de
orgulho, fazer parte de uma campanha que representa um marco na história
da propaganda brasileira, capaz de permanecer no ar por mais de trinta anos
com a mesma equipe e, principalmente, mantendo o mesmo padrão de
qualidade.
Admito que, nesse tempo todo, eu estive presente apenas nos intervalos
dos programas televisivos. Mas, fazendo exatamente o que me dá prazer na
vida: exercendo meu ofício de ator, com a tranquilidade de estar amparado
por um texto inteligente e cercado de uma produção bem cuidada, condições
estas que não necessariamente estariam garantidas, se eu participasse dos
próprios programas...
Quando, eventualmente, sou reconhecido em público como o Garoto
Bombril, as pessoas me abordam de uma forma muito simpática, agradável e
afetuosa. Claro que o carisma é dele. E é claro que eu gosto...
Além disso, pelo meu vínculo contratual com a Bombril, minha
sobrevivência básica esteve garantida, e assim eu sempre tive a liberdade
para continuar meu trabalho como ator, envolvendo-me em projetos teatrais
nos quais eu realmente acredito, sem que a preocupação primeira seja o
retorno financeiro, mas sim a experimentação artística.
A esta altura da vida, dou-me o direito de ser sentimental... Eu já disse
para o Washington uma vez, pessoalmente, e aproveito aqui a chance para
dizer publicamente: ele é o responsável pela maioria das coisas boas que a
vida me proporcionou. O Garoto Bombril, esse personagem criado por ele e
com o qual o acaso me presenteou, definiu os rumos da minha vida e tem me
acompanhado nesse percurso desde então. E eu serei eternamente grato ao
Washington por esse encontro.

Carlos Moreno
Agosto de 2012

Washington Olivetto por ele mesmo

Acredito, sinceramente, que todo mundo nasce com algum talento para
fazer alguma coisa na vida, mas são poucos os que têm a sorte de descobrir
qual é essa coisa. Por isso, são poucos os felizes e bem-sucedidos em seus
trabalhos.
Sou um daqueles caras que teve a sorte de descobrir para que servia
bem jovem, e isso certamente explica a minha alegria de viver. Também tive
a sorte de começar num momento em que a geração anterior já havia
profissionalizado a minha atividade, abrindo o caminho para o surgimento de
um profissional com as minhas ambições. A partir desses dois fatores de
sorte, o resto foi e continua sendo trabalho. Muito trabalho.
Escrevo estas linhas a pedido do autor deste livro sem ter conhecimento
do seu conteúdo. Sei que o livro é a meu respeito e, pelo carinho com que o
autor me trata, acredito que o conteúdo seja elogioso. Sendo assim, é claro
que vou ficar feliz. Mas, mesmo que alguns desses elogios sejam até
merecidos, garanto que não vou me deslumbrar.
Gosto que me levem a sério, mas eu não me levo a sério. E aprendi
ainda bem jovem a rir de mim mesmo. Aliás, é essa postura que permite,
depois de tudo o que me aconteceu na vida, manter-me um sujeito normal.
Mais ou menos normal.

Washington Olivetto

157 Folha de S. Paulo, Téc, 5/10/2012, reproduzindo reportagem da revista


Bloomberg Businessweek.
Conclusão

Os estudos sobre a sociedade – todos eles, incluindo nesse rol aqueles


sobre temas aparentemente menos importantes, como, por exempo, a
publicidade – sempre foram fundamentais porque é por meio deles que
podemos entender as condições econômicas, geográficas, culturais e mesmo
históricas que permitiram a sua formação e o seu desenvolvimento.
É o estudo – e a observação – desse universo que possibilita ao homem a
reprodução do conhecimento e, posteriormente, a produção em série de
coisas aparentemente simples, porém de extrema importância, como mais e
melhores artigos a preços mais justos para cada vez mais pessoas.
E nessa cadeia produtiva, é claro, a publicidade tem fundamental
importância. Como haviam dito J. M. Campos Manzo e Walter Cunto (Manzo
e Cunto, 1975, p. 20-21), é dessa constante busca pela satisfação dos desejos e
das necessidades humanas de se alimentar, vestir, locomover, residir e se
divertir que nasce o círculo virtuoso da economia.
A publicidade e o marketing desempenham sim um importante papel na
criação dos nossos hábitos de consumo: “O que deve ser notado aqui é que
todo o esforço de marketing é conscientizar o consumidor de certas
necessidades (de status social, de atualização de participação etc.). Isto é:
transformar certas necessidades em desejos para gerar motivos de compra
de produtos e serviços. É um mecanismo normal destinado a estender e
expandir o mercado” (idem, p. 107).
A civilização depende do trabalho sistemático e metódico, e o homem
em sociedade é avaliado pela sua capacidade de produzir bens que possam
vir a trazer bem-estar e melhorar as condições sociais da maioria.
O homem moderno é, a um mesmo tempo, vendedor e mercadoria.
(Fromm, 1980a, p. 69).
Do momento em que os primeiros hominídeos decidiram viver em
grupo e não mais isolados, e mais tarde a andar também de pé, passando
pelos primeiros núcleos de habitações organizadas até chegar aos dias de
hoje, foi uma longa e tortuosa caminhada. Entre 1 milhão e 1,8 milhão de
anos, para ser mais preciso.158
A evolução do homem foi bem mais demorada que o comercial da
sessão da tarde nos mostra na TV, durante o seu programa predileto, com
música grandiosa ao fundo e belas cenas em slow motion.
Nesses primeiros tempos, não se faziam ainda reclames de conjuntos de
ferramentas que podem ser pagas em até 24 vezes, sem juros, no cartão e
com descontos atraentes nas compras à vista, mas o homem já trabalhava
com engenhosos utensílios feitos de pedra e possuía uma capacidade cerebral
que o destacava dos demais animais. Em breve todos viriam a saber: o novo
leão do pedaço andava ereto e tinha um nome estranho: homem.
Ele era o único que vivia em bandos numa sociedade organizada.
Produzia bens para o próprio consumo, marcava a passagem do tempo em
calendários e se comunicava por meio de uma nova forma de comunicação,
agora bem mais avançada e complexa, que envolvia não mais apenas os
gestos e a emissão de grunhidos que imitavam os sons de outros animais e da
natureza, mas lhe era todo próprio e se chamava “palavra”.
As palavras mudaram o curso da história do homem e a história do
próprio mundo em que vivemos. Quem poderia imaginar que, com uma
única palavra, o homem viria um dia a se declarar proprietário do planeta e
anunciar a sua venda, ou pelo menos de parte dele, escrevendo simplesmente
num pedaço de madeira ou anúncio de classificados de jornal: vende-se.
Durante muito tempo acreditou-se, e muitos cientistas acreditam ainda
hoje, que a linguagem teve uma única origem, a África. Mas a questão é
controversa e alguns linguistas já não parecem mais ter tanta certeza sobre
isso como antigamente.
A questão é: são os fonemas que devem ser levados em consideração ou
as palavras? Bala, bola, sola. Mudando-se apenas uma letrinha, como
podemos obeservar, muda-se todo o som que dá significado a uma
comunicação e consequentemente todo o sentido de uma palavra.
O pesquisador e biólogo da Universidade de Auckland, na Nova
Zelândia, dr. Atkson,159 acredita que se deva observar não as palavras, mas
os fonemas. As consoantes, as vogais e tons são, todos sabem, os elementos
mais básicos da linguagem.
O homem aprendeu a se comunicar (emitir sons) há mais de cinquenta
mil anos, a falar, há nove mil anos (as primeiras línguas de que se tem
notícia, da família indo-europeia, datam desse período), mas só há cerca de
pouco mais de três mil aprendeu a escrever.
Escrever é uma outra história. Ainda mais complicada. Talvez por isso
Washington Olivetto, que escreve tão bem em sua língua nativa, o português,
não tenha aceitado o convite para se associar a uma grande empresa de
propaganda e ir escrever anúncios nos Estados Unidos.
Ele sabe que muito provavelmente não daria certo. “Ainda jovem,
recebi convites de trabalhos de agências dos Estados Unidos e da Inglaterra.
Recusei-os educadamente. Não foi por medo, não. Foi por opção. Foram
decisões conscientes. Pensei: lá eu vou ser bom, mas aqui eu posso ser
melhor” (Olivetto, 2011, p. 54).
Washington Olivetto sabe que aprendemos lendo, contando histórias.
Assim como aprenderam e transmitiram conhecimentos também os nossos
antepassados.160
Diferentemente do homem moderno, estressado e repleto de recalques
que o levam a consumir mais que o necessário para satisfazer seus desejos,
nossos antepassados, que organizavam ainda as primeiras células do que viria
a ser uma sociedade, tinham um cérebro 40% menor que o nosso, eram bem
mais baixos (aproximadamente 1,5 metro de altura) e talvez mais felizes.
Não tinham TV por assinatura com mais de duzentos canais, não tinham
o Facebook para conversar com amigos distantes, nem tinham BlackBerries
para vigiar seus filhos, mas sabiam sim aproveitar a vida.
Qual seria o programa de domingo predileto do homem das cavernas?
Fizemos de nós mesmos deuses, criamos um mundo novo repleto de
bugigangas que deveriam nos tornar mais felizes e, ainda assim, apesar de
tanta ciência, entretenimento e tecnologia, não somos totalmente felizes.
O que nos falta para ser felizes de verdade? Liberdade é uma calça
velha, azul e desbotada, como no antigo jingle de uma marca de jeans, ou é
ainda mais que isso?
Herbert Marcuse (Marcuse, 1978, p. 98-99) nos lembra de que é em
troca de artigos que enriquecem nossas vidas que adquirimos mercadorias
aos quilos e cedemos assim não apenas nosso trabalho como também nosso
tempo livre a quem nos paga para produzir e deixar de pensar. Acumulamos
então televisores de plasma, aparelhos de micro-ondas, aparelhos de DVDs,
smartphones, automóveis que, muitas vezes, mal tiramos da garagem, e
milhares de outras quinquilharias que sequer usamos mais de uma única vez.
Seria mesmo a propaganda a vilã dessa história? A verdade parece ser
outra.
Ingênuos. Pobres de nós, como diria Ogilvy. Não percebemos que
poderíamos trabalhar menos e determinar nós mesmos nossas necessidades e
satisfações. Nosso dilema então é: o que fazer com o tempo ocioso? Talvez
por esse motivo os comercias da TV façam tanto sucesso e existam
anunciantes dispostos a pagar até três milhões de dólares para inserir apenas
por trinta segundos suas mensagens nos intervalos de uma partida de futebol e
mais de um bilhão de telespectadores dispostos a assistir a tais mensagens.161
(durante o break comercial).
Pelo que se procurou demonstrar neste estudo que estamos em vias de
finalizar, pudemos observar que a propaganda é um importante instrumento
para a propagação de novos hábitos de consumo, além de forte aliada dos
mecanismos que possibilitam o desenvolvimento da economia e a geração de
bem-estar a seus integrantes.
A propaganda, como bem afirma Washington Olivetto, gera sentidos e
significados para as pessoas e contribui também na divulgação da cultura
popular, como pudemos observar nos estudos que realizamos sobre seus
anúncios, como é o caso da peça Homem de 40 – que denunciava o
preconceito de idade no trabalho –, do comercial de despedida do Garoto
Bombril – que fazia o mesmo em relação ao preconceito contra a
homossexualidade –, do comercial Piada suja – que fazia uma paródia ao
personagem do folclore nacional, o Joãozinho, menino que vive falando
palavrões a toda hora – e também do anúncio de jornal Para um Brasil
limpinho, vote Bombril, que foi veiculado em época de eleições (1987).
A publicidade é muito mais antiga do que se supõe. Tem a idade da
civilização. Na Antiguidade já era possível encontrar flyers, aqueles pequenos
folhetos comunicativos que anunciam produtos, lançamentos imobiliários e
candidatos políticos. “Noutra margem do Mediterrâneo, os evoluídos egípcios
também usavam pedaços de papiro para divulgar a venda de produtos”
(Olivetto, 2011, p. 93).
Nem todos os hábitos do homem são bons ou saudáveis, e alguns são
questionáveis, é verdade, mas o fato é que a força comunicativa da
propaganda é usada não apenas para divertir ou persuadir mas também para
instruir, como foi o caso da campanha veiculada pela WMcCann em 2010,
em que o ator Carlos Moreno parodiava os candidatos à Presidência da
República – Dilma Rousseff, José Serra, Marina Lima e Plínio Salgado – e
anunciava: “Sujeira, não. Bombril é a solução. Para um Brasil limpinho, vote
Bombril”.
Marcuse acreditava que sem a propaganda o homem teria finalmente
condições de pensar e conhecer a si mesmo. Seria ele nessas condições mais
feliz que nós somos agora?
Anúncios não servem apenas para divulgar marcas e produtos, como
acabamos de ver, mas também para estudarmos o comportamento de uma
sociedade num determinado período de tempo. Por meio do seu estudo,
podemos compreender melhor as mudanças sociais e as consequências que
essas mudanças ocasionam numa determinada sociedade.
É Albert Kientz aqui quem nos ajuda a entender melhor essa questão: “A
análise de conteúdo da mensagem feita pelos média permite traçar a
evolução da cultura de massa” (Kientz, 1973, p. 70).
O consumo é um fato social relevante e como tal precisa ser
profundamente analisado, levando-se em conta principalmente as
identificações que ele constrói e os valores que gera nas mentes dos
integrantes da nossa sociedade. “Se eu fosse você, só usava Valisere”, “se eu
fosse você, experimentava Bombril, que tem mil e uma utilidades”: são as
mensagens que permanecem na mente do consumidor, mesmo depois de a
mensagem já ter sido retirada do ar.
Seria o consumidor a quem tal mensagem é dirigida um rei ou apenas
um mero objeto, como acreditava Theodor Adorno (Adorno apud Cohn,
1975, p. 286)?
Como bem definiu o professor Everardo Rocha, anúncios são reflexos
de um momento da nossa realidade (Rocha, 2007, p. 16).
E, dentro desse contexto, mais que nunca é necessário estudarmos os
instrumentos que possibilitam a compreensão e a massificação dessa
mensagem comercial, a argumentação. Por tudo o que aqui foi visto, é por
meio da argumentação – que Washington Olivetto demonstra dominar como
poucos – que a retórica publicitária dissemina sua mensagem de vendas.
O texto de Washington Olivetto, conforme acabamos de verificar, é
extremamente argumentativo, original e persuasivo. Não apenas irreverente,
mas, acima de tudo, ousado:
“Limpol é um pouco mais caro”, diz o Garoto Bombril, “mas se a
senhora não quiser pagar essa pequena diferença, compra os outros. São
todos muito bons, também. Depois a senhora dá um jeito nas suas mãos,
compra um creminho...”.
“Compra Bombril, Tia, compra” – diz essa sua retórica convincente.
Olivetto, que é um leitor voraz e que leu também Platão, sabe que, por
meio da argumentação, é possível tornar grande o pequeno e pequeno o
grande. É possível tornar desejado o indesejado, o mesmo em outro e o outro
em o mesmo.
A argumentação transforma o semelhante em dessemelhante, o belo em
feio e o feio em belo, perpetuamente (Platão, 1983, p. 184.)
A propaganda pode não ser arte, para muitos, mas é a arte da
argumentação, alguém ainda duvida disso? Comprar o produto que está na
moda, diz a mensagem publicitária, é comprar o sucesso para ser aceito pelas
massas. E quem não quer ser aceito? Se o homem importante é o que se veste
bem, tem um carro do ano e mora num belo apartamento na Barra da Tijuca
ou nos Jardins e você se considera importante também, é bom seguir a
tendência da sociedade e ter tudo isso logo.
A propaganda não inventou o narcisismo ou o exibicionismo; ela não
inventou a competitividade, nem a agressividade, nem os demais valores que
impusionam as sociedades de consumo de massa.
A verdade é que esses valores todos já existiam muito antes de ela
aparecer. A propaganda apenas estimula tais desejos e necessidades
existentes, perguntando na sua mensagem comercial: não estaria na hora de
você trocar de carro ou de apartamento? Não estaria na hora de você rever
seus conceitos?
O problema com a argumentação, já nos mostrou a história, é que, nas
mãos erradas ou na boca e nos cérebros errados, é capaz de levar as massas
a cometerem atrocidades inimagináveis.
Você não compra um jornal ou uma revista apenas para se informar
sobre o que anda acontecemdo à sua volta. Ninguém faz isso. Compra, na
verdade, um exemplar da Veja, do Globo, do New York Times ou do Le
Express para as pessoas à sua volta verem o que você anda lendo e quão
importante você é. Vejam, é um homem culto! Puxa, ele lê em inglês. Puxa,
ele fala francês.
Se Marcuse, em Eros e civilização, questionou a possibilidade do mundo
sem a propaganda, afirmando que, sem ela e os demais meios de informação
e diversão, o indivíduo seria lançado num vazio traumático tão grande que
teria de reaprender o próprio á-bê-cê, David Ogilvy foi mais pragmático,
lembrando as palavras de Winston Churchill, para quem a propaganda tem
seu lado bom: “A publicidade alimenta o poder de consumo do homem. Ela
coloca diante de um homem o objetivo de uma casa melhor, de roupas
melhores, de comida melhor para si e sua família. Ela estimula o esforço
individual e a produção” (Ogilvy, 1963, p.170).
Sigamos analisando a propaganda.
Em Propaganda: teoria, técnica e prática (3ª edição, Pioneira, 1981),
um dos livros mais indicados nas universidades que ensinam o ofício da
publicidade e propaganda, no capítulo “Conclusões sobre a prática da
publicidade”, p. 245 a 249, o professor e escritor Armando Santanna faz uma
afirmação interessante. Ao comentar sobre como são criados os anúncios nas
agências, ele afirma que a boa propaganda é fruto da intuição, que é a
intuição, na maioria das vezes, a responsável pelos anúncios: “É quase
sempre a intuição que desempenha o papel principal”.
Sem sombra de dúvidas, o assunto é polêmico.
O escritor vai ainda mais longe, ao afirmar que não é possível criar
“nenhum anúncio com nenhuma técnica que tenha a matemática como
base”.
Gostaríamos de discutir um pouco mais tal ponto de vista, até porque
alguns outros autores também consagrados, entre eles Washington Olivetto,
parecem não concordar muito com tal raciocínio.
Para Armando Santanna, a elaboração da maioria das campanhas
publicitárias é feita desse modo, quase sempre na base da intuição, porque
“quando entra em jogo a forma como vão atuar os seres humanos, são
poucas as decisões que podem tomar-se com base em estatísticas” (idem, p.
245).
Como acredita que todo anúncio é apenas sedução, e é mais fácil seduzir
do que transmitir uma informação, o autor do livro mencionado nos diz então
que o anúncio criado pode ser de bom ou mau gosto, pode tanto dar resultados
como resultar num estrondoso fracasso. Mas a lógica não interfere e a
eficácia do anúncio não pode ser medida de imediato.162
Aqui nos vemos obrigados a repetir uma pergunta: seria mesmo
verdadeira tal afirmativa? Será que, apesar de todas as novas ferramentas da
tecnologia que surgiram recentemente e apesar de todas as novas técnicas de
pesquisas e acompanhamento de resultados dos comerciais veiculados, será
que apesar de todas as evoluções pelas quais passou e passa ainda o
admirável mundo novo da comunicação, ainda não é possível medir os
resultados de uma campanha antes do seu lançamento?
O que pode parecer uma discussão tola e fora de hora talvez não seja
uma questão assim tão tola. Imagine o quão apavorante deve ser para o
anunciante saber que todo o trabalho feito para ele e seus produtos, que
envolve muitas vezes investimentos da ordem de milhões de dólares, são
feitos pelas agências dessa forma, na base da mera intuição.
O anunciante investe muito dinheiro nesse negócio, esperando que a
curva de vendas da sua empresa se eleve no fim do mês ou ao fim da
veiculação da sua campanha publicitária. Lembre-se de que a finalidade de
todo negócio é sempre a mesma: o lucro. Em publicidade, as fotografias
custam caro, a autorização para usar a música conhecida, com aquele artista
famoso, é cara, a contratação de artistas famosos que endossam a mensagem
do cliente é cara, a produção das peças de propaganda é cara, e a veiculação
da mensagem na mídia custa uma fortuna. Trinta segundos da mensagem
comercial durante a exibição do Super Bowl, segundo a revista Exame, de 5
de fevereiro de 2012, podem custar até 3,5 milhões de dólares.
Em publicidade tudo é caro para o cliente, e o que ele menos pode
esperar ou desejar é que a sua agência de publicidade trabalhe assim, na base
da mera intuição. Por que não utilizar a propaganda de que Claude Hopkins
tanto falava, a propaganda científica?
Em 1923, quando publicou pela primeira vez A ciência da propaganda,
Hopkins – que David Ogilvy afirmara ser o pai da propaganda moderna, o
“mestre supremo!” (Ogilvy, 1963, p. 130) – já alertara sobre isso: “Antes de
anunciar-se um creme de barbear, mil homens foram consultados para
saber-se o que desejavam num creme de barbear” (Hopkins, 1966, p. 78).
O produto por si só deve ser seu melhor vendedor, já afirmara o próprio
Hopkins, que acreditava também no emprego de amostras grátis, dos testes,
na força da própria palavra “grátis”. Claude Hopkins (Hopkins, 1966, p. 46)
costumava dizer que a propaganda moderna é técnica, não é palpite.163
Antes de se desenvolver os textos de uma campanha publicitária,
anunciando-se um produto, aconselhava Claude Hopkins, deve-se empregar
130 homens durante semanas para entrevistar toda sorte de consumidor,
deve-se enviar cartas para 1.200 especialistas na área, deve-se levantar o
modo como o produto é consumido, deve-se levantar ainda o número de
residências e em que quantidades tal produto é consumido, deve-se consultar
artigos e mesmo anúncios de concorrentes sobre a matéria (o produto) a ser
anunciado, deve-se buscar a porcentagem de leitores a quem o produto atrai.
Um redator, para ter uma possibilidade de sucesso, deve procurar obter
informações completas sobre o produto a ser anunciado. Deve ter em mente
que existem sim princípios comuns da técnica de escrever anúncios. Porque
as pessoas podem ser persuadidas a experimentar o produto que você
anuncia, mas não podem ser levadas a comprar o seu produto à força.
Hopkins parecia acreditar que abordagens diferentes atraíam
porcentagens diferentes de leitores e que nessas chamadas devia-se
empregar a técnica, não o palpite. O pai da propaganda moderna parecia
acreditar na propaganda racional e não na propaganda intuitiva. Se não,
vejamos: “O autor deste capítulo perde mais tempo nos títulos que nos textos.
Perde às vezes horas inteiras para redigir uma única chamada” (Hopkins,
1966, p 45).
Será que só Hopkins agia dessa forma? Será que nenhum outro redator
faz o mesmo hoje em dia? Será mesmo que todos os redatores trabalham
utilizando apenas a sua intuição criativa?
Ora, nós nos perguntamos agora, se Claude Hopkins acreditasse na
intuição, no palpite, por que então haveria de perder tanto tempo na
confecção de seus títulos para os anúncios? Para Claude Hopkins, quando
estiver planejando o texto de um anúncio, você deve ter os olhos voltados
para um comprador típico, deve pensar em cada leitor como se o seu anúncio
fosse dirigido exclusivamente a ele, e não às massas de leitores.
A propaganda afirmava ele, que antes era um jogo, uma especulação
das mais temerárias, se tornou uma ciência, uma técnica comprovada que
gera resultados para os anunciantes, reduzindo custos de operações.
Chamadas, textos, ilustrações de anúncios e argumentos devem e podem ser
comparados para se saber quais os mais eficientes vendedores.
Hopkins acreditava que as únicas incertezas da propaganda moderna
dizem respeito às pessoas e aos produtos, não mais aos métodos. Porque essa
é a base da propaganda científica na qual ele acreditava. E só ela é séria, só
ela gera lucros, só ela é científica. Hopkins afirmava ainda que há sempre
uma maneira de se conseguir os mesmos resultados por uma fração do custo
(Hopkins, 1966, p. 94).
Será que nós, hoje em dia, já não acreditamos mais nisso?
Só para você ter uma ideia do custo da propaganda no Brasil os dois
maiores anunciantes brasileiros – Casas Bahia e Unilever – investiram juntos
quase 3 bilhões de reais em propaganda no ano de 2011 (Casas Bahia 1,6
bilhão e Unilever 1,2). Somados, o terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo
maiores anunciantes brasileiros investiram outros quase 3 bilhões de reais em
publicidade – Ambev, 677 milhões; Reckitt Benckiser, 624 milhões; Hy undai
CAOA, 519 milhões; Cervejaria Petrópolis, 484 milhões; e Caixa Econômica
Federal, 473 milhões de reais.164
Agora some a isso tudo o fato de que oito entre dez produtos novos
morrem nos mercados-teste, segundo David Ogilvy (Ogilvy, 1963, p. 59).
A essa altura você deve estar se perguntando: e quanto será que investe
em propaganda um grande anunciante americano, como a General Motors,
que fabrica automóveis e caminhões, ou uma Procter & Gamble, para
vender seus xampus, sabonetes e outros produtos de higiene? Nós
respondemos: o primeiro gastou 2,1 bilhões de dólares em 1999, e o segundo,
1,7 bilhão de dólares no mesmo período.165
A publicidade, como você pode ver, é um negócio que envolve o risco,
mas é também extremamente rentável. Cerca de 96% de toda a receita
global anual do Google, aproximadamente treze bilhões de dólares, por
exemplo, provém de um mesmo lugar: da publicidade. Por isso mesmo, o
Google investiu cerca de 2 bilhões de dólares em 2011 em propaganda e
promoções. E a Amazon, outro gigante da mídia e da internet, outros cerca de
1,4 bilhão de dólares no mesmo período.166
O mercado americano de propaganda, um dos mais importantes do
mundo, movimentou de maneira direta ou indireta, com shows, rodeios,
exposições, campanhas publicitárias, campanhas políticas, beneficentes,
eventos esportivos, vendas pelo correio, promoções etc., aproximadamente
5,5 trilhões de dólares em 2010 da economia norte-americana e gerou 630
mil empregos diretos, que acabaram por produzir 19 milhões de empregos no
país. Só com a compra de espaço publicitário na mídia foram
impressionantes 278 bilhões de dólares.167
Ou, se você preferir, o equivalente a um pouco menos que 560 bilhões
de reais. O que é mais ou menos equivalente a quase cinco vezes a fortuna de
um dos homens mais ricos do mundo, Bill Gates (que tem aproximadamente
61 bilhões de dólares) ou a quase sete vezes a fortuna de um outro bilionário
muito conhecido, Warren Buffett (que possui 44 bilhões), ou ainda a quase
quatro vezes a fortuna do homem eleito o mais rico do mundo em 2011/2012,
Carlos Slim (que possui 69 bilhões de dólares).168
Quantos milhões de empregos a propaganda não deve gerar também no
Brasil e no resto do mundo todo? Será mesmo que um empresário que investe
tanto dinheiro em seu negócio ia investir em publicidade, se soubesse de
antemão que a agência que cuida da sua propaganda o faz na base da mera
intuição?
Imagine ir a um médico, que lhe recomenda uma cirurgia delicada e
urgente e saber que aquele profissional, que está agora lhe aconselhando um
tratamento caro e delicado, trabalha apenas na base da intuição e da
experiência acumulada ao longo da vida, sem estudos e sem exames
complementares, apenas na base da velha e boa intuição.
Imagine o que se passa na cabeça de um empresário que investiu todo o
rendimento do trabalho de toda uma vida num banco ou numa corretora e, de
repente, descobre que aquele banco ou aquela corretora aplica os seus
preciosos investimentos na base da pura intuição e da especulação, trocando
simplesmente papéis aleatoriamente, sem bases científicas, sem estudos de
mercado, sem planejamentos ou procedimentos mais sérios de qualquer
espécie?
Se fosse você essse empresário, conseguiria dormir tranquilo,
conseguiria achar que a sua empresa e os produtos que ela produz estão em
boas mãos, nas mãos de profissionais sérios, qualificados e competentes? Será
que a boa publicidade é mesmo feita, na maioria das vezes, na base da
intuição, como afirma o ilustre professor?
Para responder a essa pergunta, decidimos consultar alguns outros
especialistas no assunto. Vejamos o que eles dizem. Preliminarmente
consultamos a também professora Nelly de Carvalho, autora de Publicidade:
a linguagem da sedução. Para a autora, a mensagem publicitária é “o braço
direito da tecnologia moderna” e se caracteriza pelo reforço do
individualismo. A publicidade busca inspiração, muitas vezes, nos provébios
populares, na cultura popular. Toda a estrutura publicitária, segue informando
a professora Nelly, sustenta uma argumentação icônico-linguística que leva o
consumidor a se convencer, consciente ou inconscientemente.
Há cerca de um século ou um pouco mais, o papel da propaganda era
lembrar ao consumidor que numa determinada loja de uma determinada rua
havia uma determinada mercadoria à venda por um determinado preço.
Adotando hoje uma lógica e uma linguagem própria, a publicidade passou a
ser muito mais sedutora e persuasiva do que meramente informativa
(Carvalho, 1996, p. 11).
Note que Nelly de Carvalho fala em uma “lógica própria”. E o que vem
a ser a lógica senão o raciocínio?

Lógica. (Do grego logiké, pelo latim logica). Na tradição


clássica, aristotélico-tomista, conjunto de estudos que visam a
determinar os processos intelectuais que são condição geral do
conhecimento verdadeiro. (...) Coerência de raciocínio de ideias.
(...) sequência coerente, regular e necessária de acontecimentos
de coisas169.

Diante do afirmado, nós nos perguntamos: seria possível mesmo criar


boa propaganda apenas na base da intuição, e não baseado na lógica? Não nos
parece ter sido isso o afirmado acima pela professora Nelly de Carvalho.
Mas não nos limitemos aos pontos de vista de apenas dois autores.
Tentemos nos aprofundar um pouco mais no assunto, que é rico e certamente
merecedor de um estudo. Consultemos alguns outros autores.
Teríamos nós, aliás, compreendido mal o raciocínio do professor
Armando Santanna? Teria ele na verdade dito algo que não aquilo que
compreendemos em relação à elaboração dos anúncios nas agências de
publicidade? Teria ele dito algo diferente e não que, na maioria das vezes, é a
intuição que desempenha o papel principal na propaganda?
Não nos parece ter ocorrido isso. Na verdade, ao longo do texto, o
próprio autor parece reforçar a ideia, que ora discutimos, de que na
propaganda, na maioria das vezes, é a intuição que desempenha o papel
principal. É ele quem afirma: “Não existem fórmulas para se produzir
propaganda (...) Na maioria dos casos a criação é uma concepção
inconsciente, pois em geral é muito raro que, no ato de criar, seja percebida a
verdadeira direção do pensamento e descoberto aquele que motiva a
inspiração” (Armando Santanna, 1981, p. 188.)
E o mais curioso é que Armando Santanna não está sozinho. Um outro
escritor que também admiramos muito, Jorge S. Martins, afirma algo muito
parecido: “Apesar de saber que não há receitas, nem fórmulas prontas para
alguém se tornar criativo, não se pode negar que as sementes da capacidade
criadora são lançadas na infância e na juventude e é preciso fazê-las
germinar para que frutifiquem” (Martins, 1997, p. 63).
Seria mesmo correta tal afirmação? Será que não existem receitas ou
fórmulas para se criar boa propaganda? Será que não existem caminhos
criativos que, uma vez trilhados, possam ser racionalmente e novamente
percorridos? Será que a criação de anúncios em propaganda é mesmo algo
que diz respeito apenas ao insight e à intuição?
O que diria Washington Olivetto a respeito, gostaríamos de saber. Afinal,
teria o anúncio criado por ele para a Bombril surgido de uma mera ideia
associativa vinda da intuição ou teria sido fruto de exaustivo trabalho de
escrever e reescrever inúmeras e racionais vezes até que o resultado
desejado fosse encontrado e, portanto, um exercício da razão?
Para quem deseja saber essa resposta, aqui vai uma dica: ela se
encontra nas páginas 25, 50, 63 e 92 de O que a vida me ensinou. Ali,
discursando sobre o processo criativo, Washington Olivetto se pergunta:
“Afinal, o que é preciso para se criar uma boa peça?”.
A resposta está numa simples palavra: disciplina. Sem disciplina, diz
Olivetto, não se consegue nada em propaganda. Muito menos boas ideias ou
boas campanhas. É claro que você deve conhecer o produto, o target e ter
algum talento. Mas, para ele, em propaganda talento não é tudo.
É Washington Olivetto que afirma aqui: “A publicidade benfeita não é
necessariamente obra de superdotados. Aliás, entre os melhores publicitários,
e eu me enquadro nesse grupo, não tem nenhum. (...) A missão é
compreender esses códigos e produzir uma linguagem de sedução, que
desperte no receptor o interesse pela coisa oferecida no mercado. (...) A
grande ideia não depende de genialidade ou magia. Ela depende de
conhecimento profundo do produto, do mercado e das ferramentas de
comunicação. Ela depende de uma atitude disciplinada e de ‘adestramento’
(Olivetto, 2011, p. 89-93).
Para o publicitário e escritor, só é capaz de criar uma boa propaganda
aquele que tem disciplina e sabe que a persuasão depende de conhecimento.
E aqui, Jorge S. Martins concorda com Olivetto: os verdadeiros criativos, diz
ele, não aprendem a capacidade criativa, mas as técnicas para desenvolvê-la:
“A técnica é a matriz da arte” (Martins, 1997, p. 64).
Então uma nova pergunta se faz necessária: a técnica, afinal, o seu
aprendizado, é fruto de intuição ou do raciocínio? É fruto do esforço
intelectual, do exercício e desenvolvimento lógico ou da mera especulação
cerebral, da intuição?
Jorge Martins acredita que a criatividade pode ser estimulada e, assim
como o publicitário mais premiado do mundo, acredita que leituras,
experiências e conhecimento é que abrem as portas para a originalidade e a
criatividade.
Estaria então o autor aqui afirmando que o processo criativo na
publicidade é feito por meio da razão e não da intuição? Ou estaria ele
tentando nos dizer que tal processo pode se dar das duas formas? Estaria Jorge
Martins tentando nos dizer que quando o criativo inventa um trabalho novo,
baseado na intuição, na verdade, antes de chegar a essa solução, muitas
vezes, percorreu primeiro o caminho do raciocínio e da razão?
Estaria a busca de soluções criativas relacionada, na verdade, com as
etapas dessa mesma busca, quando feita de forma racional? Vejamos o que
diz o escritor de Redação publicitária: “Em publicidade, quando já se tentou
de tudo na busca da solução para um problema, convém remexer e buscar no
inconsciente uma boa ideia, que pode estar adormecida. Por meio de
associações, ou por caminhos laterais e desviados do tema, pode-se descobrir
ou fazer afluir ao consciente a chave tão procurada de um problema” (idem,
p. 65).
Segue o autor explicando as etapas do processso criativo. Elas são três: a
primeira delas é o estágio do consciente – em que há a retenção e a evocação
de informações e ideias. No estágio seguinte, o do inconsciente, ocorre a
incubação das ideias e a criação. E, por fim, no último estágio, o do
consciente, ocorre a avaliação e adaptação das ideias obtidas no processo.
Então, o que Jorge Martins parece querer nos dizer é que o processo
criativo envolve, na realidade, tanto a intuição quanto a razão. Nesse caso,
mesmo o insight, ou os insights (lampejos criativos), seria calcado no
exercício do raciocínio, visto que é somente depois de ter sido dado para a
evolução das ideias, do pensamento, que o nosso cérebro começa a
funcionar, e isso é feito apenas depois de lermos as informações sobre o
produto ou serviço a ser anunciado. Ou, como bem lembra Jorge Martins,
terceiro estágio. Avaliação e adequação: “A atividade dessa fase é consciente
e racional para descobrir como melhor funcionará a ideia achada... O
resultado de adequação da solução ao problema deverá aparecer nas diversas
formas de peças da campanha, ou seja, ilustrações, cartazes, textos, músicas
etc.” (idem, p. 67).
Luiz Vieira, que durante muitos anos foi vice-presidente de criação
nacional da Standard, Ogilvy & Mather e da DPZ, parece acreditar que criar
é um misto de lógica com intuição. Quando perguntamos a ele o que pensava
sobre o assunto, Vieira respondeu: “Acho que criação em propaganda
depende de inspiração, informação e cultura. Com o tanque cheio dessas
coisas a gente vai a qualquer lugar. A lógica vai até o briefing. Daí em diante,
é puro instinto municiado por todo o repertório que a gente coleciona e
absorve. E às vezes basta uma palavra do briefing para disparar a fagulha e
produzir o fogo do que encanta e surpreende”.170
Tudo leva a crer que Luiz Vieira esteja se referindo aqui ao brainstorm –
aquelas sessões (às vezes reuniões, também) em que se debatem as ideias e
se pesquisa visando a encontrar alguma ideia nova, que venha a solucionar o
problema do cliente.
E isso faz sentido, pois nas sessões de brainstorm é proibido censurar.
Nelas, os participantes vão tendo ideias, uma após a outra, sem se preocupar
se as ideias siniciais são aproveitáveis ou não. Isso será feito numa segunda
etapa, quando tiverem encerrado o processo de brainstorm.
Então, como afirma Luiz Vieira, o principal elemento presente no ato
criativo deve ser mesmo o instinto, pois o lado racional dos participantes, que
ajudará a selecionar as melhores ideias, as mais adequadas, só será acionado
mais tarde, quando essa fase for encerrada.
Sobre o brainstorm, Jorge Martins assim escreveu: “Essas reuniões são
chamadas de brainstorm pois são verdadeiras agitações cerebrais em grupo.
Nelas não podem ser feitas críticas às ideias mais disparatadas, tudo deve ser
aceito” (idem, p. 84-86).
O que o professor Jorge Martins pretende dizer com isso é que, para
termos boas ideias, precisamos estar com a mente livre, sem nos importar se
aquelas ideias iniciais que estão surgindo são boas ou ruins, porque o processo
criativo é assim mesmo: as primeiras ideias liberadas é que vão permitir que
novas ideias comecem a surgir e, assim, uma ideia conduz a outra, que
conduz a outra, até que uma delas possa ser realmente útil.
Uma boa ideia.
E Luiz Vieira parece concordar com isso: “Lembro de um comentário
que surgiu de alguém de fora sobre um brainstorming: ‘cara, vocês estão aí
brincando, contando piada, perdendo tempo... ninguém vai trabalhar?’. Esse é
o trabalho. Muitas vezes é dessa sessão bobeira que vem a ideia soltinha. O
desafio é, depois, fazê-la crescer como um bolo, sem deixar solar”.171
Então começamos a perceber que alguns criativos parecem acreditar
que criar anúncios é uma tarefa racional, enquanto outros acreditam que a
intuição é a base da criatividade e, portanto, da propaganda. E, por
conseguinte, o professor Armando Santanna não está sozinho.
Estudemos um pouco mais a fundo a questão. Busquemos compreendê-
la melhor.
E é Washington Olivetto quem volta a falar agora. Para ele, só consegue
obter bons resultados o profissional que conhece os elementos sutis da
psicologia do consumidor. Num primeiro instante, lembra Olivetto, bastava a
propaganda anunciar: essa é a minha água mineral da Fonte Saúde. Aí, com
os processos industriais, tudo ficou muito parecido, e esse anunciante teve de
mudar sua mensagem. Agora ele anuncia: “Esta é a minha água mineral da
Fonte Saúde, tratada antes do engarrafamento”.
Só que aí todos começaram a dizer o mesmo e a propaganda teve de se
reinventar novamente. Foi então que surgiu um novo elemento de persuasão
que visava à diferenciação, a promoção: a propaganda passou a anunciar:
“Esta é a minha água mineral da Fonte Saúde, tratada antes do
engarrafamento. É a melhor do mercado e ainda oferece copinhos
descartáveis”.
Como acabamos de ver, existem sim fórmulas de se fazer uma boa
propaganda; pelo menos Washington Olivetto parece acreditar nisso. E nós
também. Olivetto não parece acreditar que a criação, ou o ato criativo, seja
uma concepção do inconsciente, pois segundo ele, a grande ideia vem, muito
pelo contrário, do consciente, do racional. E nós estamos começando a pensar
da mesma forma.
Embora não pareça gostar muito da palavra intuição, o escritor e
publicitário mais premiado do mundo acredita que o insight, o lampejo
criativo, surge de um misto de razão e intuição.
Uma campanha de sucesso, capaz de transmitir eficientemente a
mensagem desejada, explica Olivetto, depende de conhecimento e da
observação. O publicitário que deseja fazer sucesso na carreira precisa estar
atento às demandas, aos receios e às tendências do mercado e do consumidor.
Então começamos a acreditar que nem sempre é a intuição que
desempenha o papel principal na propaganda, como parece alegar o
professor Armando Santanna.
Como acabamos de ver, pelo menos para Washington Olivetto, é a
razão, a observação e o conhecimento que determinam os caminhos criativos
de uma campanha. Para Olivetto, a criação não é uma concepção
inconsciente. Muito pelo contrário, é um ato racional e consciente. Quando
perguntamos como surgiu a ideia do brilhante anúncio que ele e sua equipe de
criativos fizeram para a Bombril, numa paródia ao mágico Mister M, que na
época estava presente nas principais emissoras de TV do país, Washington
Olivetto respondeu direta e objetivamente, como sempre: “Meu processo
criativo está atrelado a tudo o que fiz e vivenciei antes. Não trabalho com
inspiração”.
Estaria Washington Olivetto com a razão? Seria mesmo o processo
criativo fruto do consciente, como ele afirma, e não da intuição, como
afirmam alguns outros profissionais? O que pensam os demais autores da
propaganda a respeito dessa questão? O curioso é que o também professor
Celso Figueiredo, autor de Redação publicitária, sedução pela palavra, parece
pensar exatamente como Washington Olivetto.
Vejamos o que ele diz. Logo no início de seu livro, ao analisar o texto
publicitário e as ideias criativas, no capítulo intitulado “Palavras sedutoras”,
Celso Figueiredo afirma que para uma campanha publicitária obter bons
resultados é necessário haver sinergia entre as peças: “Cada uma delas deve
ser facilmente reconhecida como parte de um todo” (Figueiredo, 2005, p. 3).
Ora, se isso é verdade, e tudo indica que seja mesmo, como poderia um
criativo, um redator ou diretor de arte criar toda uma campanha, composta
de várias peças, apenas com base na intuição, ou seja, baseado em palpites,
em feelings, como se diz, sendo que todas elas precisam ter algo em comum,
todas elas precisam ser imediatamente identificadas pelo consumidor (o
leitor) como sendo parte integrante de uma mesma campanha?
Pela mera intuição, parece, não seria possível obter tais resultados.
Seria?
Então, voltamos a nos perguntar: seria possível mesmo criar campanhas
publicitárias unicamente na base da intuição?
Verdade seja dita, é até plausível que para alguns profissionais da
propaganda seja possível, esporadicamente, criar um ou outro trabalho dessa
forma, baseado apenas na intuição, mas será que a propaganda cria todas as
suas campanhas dessa forma, como parece afirmar o professor Armando
Santanna, ou a grande maioria delas, apenas na base da intuição?
Precisamos discutir esse assunto mais detalhadamente.
A pergunta que nos fazemos é: não seria mais razoável acreditar que tais
campanhas publicitárias foram criadas não por meio da intuição, mas do
raciocínio, de muito raciocínio? Ou seria o oposto do que se afirma agora?
Embora sempre tenha gostado do que o autor de Propaganda: teoria,
técnica e prática escreve, se há algo com o que nunca concordei muito é
exatamente isso. Nesse ponto acho que estamos em lados opostos. Eu tenho
dúvidas. Tento explicar melhor.
Lembro-me de que Schopenhauer já havia passado pelo mesmo. Ele,
que discordara tanto das ideias de Kant em seus livros, escreveu sobre ele,
certa vez: “O que tenciono neste apêndice à minha obra é, propriamente,
apenas uma justificação da doutrina por mim exposta nela, na medida em
que não concorda em muitos pontos com a filosofia kantiana e mesmo a
contradiz. Uma discussão sobre isso, porém, é necessária, pois,
manifestamente, minha linha de pensamento, por mais que seu conteúdo
difira da kantiana, fica inteiramente sob a influência dela” (Schopenhauer,
1980, p. 86).
Gostar do trabalho de alguém nem sempre é concordar com tudo o que
esse alguém afirma ou escreve.
Então decidi colocar tal questão no papel e perguntar a alguns colegas de
profissão e a mim mesmo: afinal, publicidade é uma atividade exercida pela
intuição ou pela razão?
O primeiro profissional que consultei, evidentemente, foi Claude
Hopkins. O que teria ele a nos dizer? Na página 102 de a Ciência da
propaganda, aparentemente encontrei a primeira resposta. Vejamos o que
Hopkins diz: “Antigamente, os anunciantes arriscavam suas próprias opiniões.
Uns poucos conjecturavam acertadamente, a maioria errava. Eram os
tempos de desastres propagandísticos... Hoje, fazemos com que milhares
decidam o que milhões irão fazer... Sabemos nosso custo, sabemos nossa
venda, conhecemos nosso lucro ou prejuízo”.
Hopkins aqui não parece concordar muito com a afirmação feita por
Armando Santanna. Para tirarmos tal dúvida, decidimos pesquisar um pouco
mais na obra do escritor que David Ogilvy tanto admirava.
A verdade é que a afirmação feita anteriormente parece estar mais
ligada à área criativa da publicidade. Talvez o que se afirmava é que a
criatividade em publicidade é feita mais na base da intuição. Será? – nós nos
perguntamos mais uma vez.
Tentemos analisar a questão sob este novo ângulo agora, o da
criatividade – aquele que é responsável pelos anúncios e filmes que vemos e
assistimos nos jornais, nas revistas e na TV.
O curioso é que, também sobre esse aspecto, Claude Hopkins parece não
concordar novamente. Na página 46 de Ciência da propaganda, ao discursar
sobre chamadas (os títulos, capítulo V de seu livro), Hopkins nos dá um
depoimento interessante. Afirma ele que dedica muito mais tempo do seu
trabalho à elaboração dos títulos (chamadas, como ele mesmo diz) do que aos
textos do anúncio. Vejamos o que ele afirma: “O autor deste capítulo perde
mais tempo nos títulos que no texto. Perde às vezes horas inteiras para redigir
uma única chamada. Frequentemente, dezenas de títulos são jogados fora
antes de o certo ser selecionado. Pois todo o retorno de um anúncio depende
de ele atrair o tipo certo de leitores”.
Ora, o que Claude Hopkins parece estar querendo nos dizer é que criar
título não é uma atividade intuitiva, mas sim racional. Não fosse assim, por
que perderia ele horas inteiras pensando em títulos? Bastaria escrever o
primeiro ou segundo que surgisse na base do insight e o anúncio estaria
pronto. Mas tudo indica que, para Hopkins, não é assim que as coisas
funcionam na propaganda. Seria mesmo? Tentemos entender um pouco
melhor a questão.
O que diria Hopkins sobre o trabalho do redator, aquele que escreve os
textos dos anúncios? A resposta está na página 77 de Ciência da propaganda.
Ali, o autor afirma que para escrever anúncios o redator precisa, antes
de mais nada, se informar sobre o assunto que deseja escrever. Mas,
voltamos a nos perguntar, se a publicidade é mesmo feita na base da intuição,
para que então ler informações sobre o que se vai escrever?
Se a publicidade é feita na base da intuição, então basta ao redator ir
escrevendo anúncios, títulos, um após o outro, até acertar. Ou seja, se ele
utilizar o método largamente utilizado em outros campos de pesquisa, da
tentativa e erro, mais cedo ou mais tarde vai acabar acertando, certo? Pelo
visto, Hopkins não pensava assim. Muito pelo contrário, Hopkins afirmava
que, para obter sucesso em publicidade, é preciso primeiro obter informações
completas sobre o assunto.
Para endossar tal raciocínio, ele nos dá o depoimento do que aconteceu
com ele durante o período em que criava um anúncio em sua agência, para
vender uma determinada marca de pó de café: “O autor desse livro terminou
de ler uma quantidade enorme de material médico e não médico sobre café.
Isso para anunciar um café sem cafeína. Um artigo científico, um dos
milhares examinados, deu-lhe a tônica para essa campanha”.
Hopkins parecia acreditar que escrever é pesquisar antes. E ambas as
atividade por ele mencionadas, pesquisar e redigir, têm relações com a
atividade cerebral do homem e não a intuitiva, certo?
Os exemplos de Hopkins se sucedem ao longo do livro e todos eles
parecem endossar nosso raciocínio: publicidade não é uma atividade intuitiva,
mas racional – científica, como diria Hopkins. É ele quem afirma: “A
genialidade é a arte de sofrer. O publicitário que economiza o óleo de sua
caldeira não vai muito longe” (Hopkins, 1966, p. 78.)
O curioso é que, quando trabalhava como redator, vi muitos colegas
alegarem o mesmo: a propaganda é feita na base da intuição, do insight. Eu
sempre questionei isso. Seria mesmo?
Vejamos mais uma vez o que se afirma na página 245 do livro
Propaganda: teoria, técnica e prática: “Resumindo tudo o que foi dito até
aqui, apresentamos as considerações finais, de modo que a compreensão do
aspecto psicológico da propaganda seja sempre o ponto de partida para a
elaboração de uma campanha publicitária. Quando entra em jogo a forma
como vão atuar os seres humanos, são poucas as decisões que podem tomar-
se com base em estatísticas. Quase sempre é a intuição que desempenha o
papel principal. (...) Não existem linhas objetivas com as quais se pode medir
de antemão a eficácia de um anúncio”.
Se perguntado sobre o assunto, muito provavelmente Claude Hopkins não
concordaria. Afinal, foi Hopkins quem afirmou: “Quase todas as perguntas
podem ser respondidas pronta, econômica e definitivamente por uma
campanha teste” (Hopkins, 1966, p. 101).
J. M. Campos Manzo e Walter Cunto, professores da FV e da PUC, têm
um pensamento alinhado com o raciocínio de Hopkins. Eles explicam que as
empresas precisam da propaganda para falar sobre os seus produtos aos seus
consumidores, que, por sua vez, também precisam da propaganda para
aprender os modos de uso dos novos produtos.
J. M Campos Manzo e Walter Cunto acreditam que o processo criativo
começa e termina no consumidor. Ele tem início quando um grupo de
representantes da agência e do anunciante se reúnem para trocar
informações sobre o produto a ser anunciado. Então são definidas as
informações que precisam ser transmitidas ao público-alvo a respeito do
produto, os veículos nos quais as mensagens vão ser inseridas e a forma desse
conteúdo (Manzo e Cunto, 1975, p. 166-167).
Tal mensagem deve ser dirigida às massas como se fosse dirigida a uma
única pessoa. Então, para se chegar ao tema da campanha, os criativos –
pessoas responsáveis pela ideias que serão expostas – devem fazer uso de
pesquisas, análises do produto e só então surgem tais soluções, que são
obtidas, segundo os autores, por meio de “muita transpiração” (idem, ibidem).
Ora, aqui os autores de Marketing para executivos parecem estar
concordando com o raciocínio de Claude Hopkins, de que a publicidade é
uma atividade racional e não intuitiva, como afirma o professor Armando
Santanna. Quem estaria com a razão?
Visando esclarecer o assunto, partimos em busca de novos pontos de
vista. Em Curso de propaganda: do anúncio à comunicação integrada, de José
Predebon e outros, p. 116, encontramos alguns.
Ali, analisando o processo da criação da mensagem, buscamos
encontrar algumas novas evidências sobre o assunto. Vejamos o que foi
encontrado.
Na primeira delas, é exposto que na elaboração do processo criativo é
comum aos profissionais da área abandonar a argumentação lógica
complexa, substituindo-a pelo humor, a beleza, a ambiguidade e outros
recursos. Mas Freud mesmo afirmou que o humor é fruto também de
processo racional e exemplificou, analisando seu emprego na obra de
escritores consagrados, como Mark Twain e Victor Hugo (Freud, 1977, p.
258).
Todas as técnicas usadas para preparar as mensagens da propaganda,
afirmam os autores de Curso de propaganda, “depois de ter passado pelos
estágios de chamar a atenção e argumentar/seduzir, confluem para a última
etapa de uma comunicação bem-sucedida: a memorização, na cabeça do
público visado” (Predebon et al., 2004, p. 116).
Note que em momento algum se questionou se a atividade publicitária,
especificamente a de criação, é calcada em inspiração ou transpiração.
Rosser Reeves, autor da teoria da USP (Unique Selling Proposition),
parece concordar também com Hopkins, ao afirmar que as pessoas só
comprarão o produto ofertado se houver uma proposição de vendas bem
definida. Reeves exemplifica, lembrando um comercial que fez para a TV,
vendendo uma determinada marca de pasta de dentes (no caso, a Colgate):
“Purifica o seu hálito enquanto purifica os seus dentes” (Peterson et al., 1966,
p. 285).
Ora, tal proposição de vendas proposta pelo publicitário da Battes, de
intuitiva não tem nada. Ela é puramente racional, como podemos observar.
Como uma das funções primordiais da propaganda é o reforço dos desejos do
homem, nos vemos diante de uma pergunta inevitável: mas, afinal, essa
mensagem é criada de forma racional ou intuitiva?
Em Teses sobre a propaganda (Cohn, 1975, p. 210), Paul A. Baran e Paul
M. Sweezy nos dão uma importante pista sobre essa resposta. Para os autores,
“a propaganda ajuda o consumidor a racionalizar retrospectivamente (ex-
post) o seu comportamento em determinados pontos”.
Note que a palavra empregada pelos autores foi “racionalizar”. E o que
significa o termo racionalizar? Nós demos uma conferida no Dicionário novo
Aurélio da língua portuguesa (p. 1.191). Vejamos agora o que ele diz a
respeito:

Racionalizar. Tornar racional. Tornar reflexivo, inclinar à


reflexão: racionalizar o espírito. Tornar mais eficientes os
processos de (o trabalho industrial, agrícola etc...). Elaborar
(raciocínio) sobre falsas razões, racionalizar um erro.

Racionalizemos então também a respeito.


Na campanha publicitária de Lula para a presidência em 2002, Duda
Mendonça e sua equipe – quem assistir ao belíssimo e instrutivo documentário
de João Moreira Salles, Entreatos, que revela os bastidores da campanha,
pode confirmar isso – já mostravam os diversos segmentos da sociedade
selecionados pelos pesquisadores que atuavam, acompanhavam e debatiam
no mesmo momento em que acontecia o debate ao vivo na TV e davam a
direção e o tom que Lula deveria adotar naquele debate ao vivo na TV Globo.
Ou seja, dependendo do que pensavam e diziam aquelas pessoas que
compunham os diversos segmentos dos grupos de pesquisa qualitativa, Lula
era orientado a mudar o foco do seu discurso e comportamento diante da TV.
Era orientado, por exemplo, a sorrir mais (ser mais simpático), ficar mais
sério, gesticular menos (demonstrar tranquilidade) ou até mesmo mais
(demonstrar firmeza), ignorar as acusações de determinado candidato ou
rebater na hora (caso os integrantes do grupo de pesquisa assim achassem
melhor). Como no ditado da propaganda, o cliente (ou, no caso, o eleitorado)
tem sempre razão, não é verdade?
Ou propaganda política não é propaganda?
Será que em propaganda é tudo mesmo na base da intuição e do
improviso? Da emoção, apenas, e não da razão? Será que não existem ainda
métodos científicos que comprovadamente apontem pelo menos direções a
serem seguidas em campanhas publicitárias?
Tentemos analisar um pouco mais a questão. Vejamos o que pensam
alguns outros especialistas e teóricos sobre o assunto.
Washington Olivetto certamente não concordaria com tal afirmação.
Por tudo o que vimos até agora, por tudo o que foi exposto, não é bem assim
que as coisas funcionam na propaganda. Para o redator e escritor Washington
Olivetto, a propaganda pode ser muita coisa, menos intuição: “Pelo que me
toca, considero que não é bem assim que funciona. Meu processo criativo
está atrelado a tudo o que fiz e vivenciei antes. Depende de saberes que fui
armazenando em cada experiência... não trabalho com esse componente
denominado inspiração” (Olivetto, 2011, p. 63).
Propaganda é técnica, disciplina, treinamento, dedicação; não parece
ser apenas fruto da intuição.
Olivetto acredita que para criar bons anúncios é necessário balizar bem
o fluxo criativo e prestar muita atenção nas pesquisas (idem, p. 19).
Como ele mesmo diz, quando um comercial que você fez vai passar
para dez ou cinquenta milhões de possíveis consumidores, consultar um grupo
seleto de quinze telespectadores pode não compor uma amostra muito
confiável, mas ainda assim é melhor do que nada.
O poeta, que trabalha dessa forma, na base da intuição, na base da
inspiração, não trabalha com prazos de entrega de seus textos. Já o redator
publicitário, sim. Ele tem prazos a cumprir, dados a divulgar e fatos para
explicar. O que fazer quando a inspiração faltar?
Propaganda, para o criador de O primeiro sutiã a gente nunca esquece,
parece ser justamente o contrário do que afirma o professor Armando
Santanna. Como Olivetto mesmo explica, o publicitário não é um poeta, que
pode se dar ao luxo de esperar a intuição surgir para então desenvolver seus
textos.
Demonstrando acreditar muito mais no exercício, no adestramento
intelectual, Olivetto nos revelou que gerar projetos de campanha (anúncios) é
fruto de treinamento: “Como criador de conteúdo publicitário, sou
adestradamente profissional. Procuro sempre uma resposta possível a cada
demanda do anunciante” (idem, ibidem).
Olivetto parece querer nos dizer que o ato de criar depende muito mais
do esforço intelectual daquele que redige do que meramente de uma frase de
sorte vinda da inspiração, do acaso.
Um outro especialista em propaganda que provavelmente não
concordaria com tal afirmação é David Ogilvy. Ele parecia ter um ponto de
vista bem definido em relação a isso: “Quando você se sentar para escrever o
texto, finja que está conversando com a mulher ao seu lado, num jantar. Ela
lhe perguntou: ‘Estou pensando em comprar um carro novo, qual você me
recomendaria?’” (Ogilvy, 1963, p. 124-125).
Como seria possível fazer tal recomendação apenas intuitivamente?
Seria possível alguém fazer uma recomendação a outra pessoa que deseja
comprar um produto apenas na base da intuição, sem usar de argumentos
racionais e diferenciais técnicos?
Bem, você pode argumentar que é possível, sim. Mas note que, nesse
caso, estamos falando de um mero palpite, e não em técnicas de vendas, que
vêm a ser a propaganda ou o texto publicitário.
Na página 38, aliás, da mesma obra, David Ogilvy nos explica mais
uma vez o seu pensamento sobre o que é a propaganda e a argumentação
publicitária. Ali a palavra chave que Ogilvy emprega para explicar o
processo criativo, como ele se dá, é outra: a razão. Para Ogilvy, a propaganda
não é feita de intuição e lampejos criativos, mas sim de raciocínio e da
repetição sistemática em busca do aprimoramento das ideias que ela vende.
Acompanhe o raciocínio de David Ogilvy sobre o assunto. Disse ele
certa feita: “Os títulos mais eficazes são os que prometem ao leitor algum
benefício – como lavagem mais branca, maior quilometragem por litro de
combustível, pele sem manchas, menos cáries etc. (...) Títulos que oferecem
ao leitor infomações úteis, do gênero ‘como fazer amigos e influenciar
pessoas’, atraem índices de leitura acima da média” (Ogilvy, 1985, p. 76).
Note que aqui David Ogilvy falou algo muito parecido com o que havia
dito Washington Olivetto: o processo criativo depende de informações e
racionalidade, pois benefícios são os ganhos que o consumidor recebe em
optar por comprar o produto que você está anunciando em detrimento de um
outro similar, também à venda pelo concocrrente. E apresentar benefícios
num corpo de texto ou no título de um anúncio não nos parece muito uma
atividade que possa ser efetuada por meio de lampejos criativos, de intuição.
Ainda em A publicidade segundo Ogilvy, ao falar sobre os tipos de
comerciais de TV que costumam registrar altos índices de mudança de
preferência no consumidor, Ogilvy nos dá outra pista importante sobre o que
pensa a respeito da intuição criativa e a razão. Ele afirma com todas as letras:
“Comerciais que fornecem ao consumidor uma razão racional pela qual ele
deva comprar o seu produto estão ligeiramente acima da média” (op. cit., p.
115).
Voltemos os nossos olhos por mais alguns segundos para algumas frases
que Ogilvy escreveu na introdução de Ciência da propaganda, de Claude
Hopkins, de 1966. Ali, comentando a dificuldade que é redigir um bom
anúncio, mesmo para autores do gabarito de um Claude Hopkins, Ogilvy nos
explica como é realizado o processo de criação: “Como a maioria dos bons
redatores, Hopkins não tinha muita facilidade para escrever. Mais de uma vez,
sua esposa o encontrou sentado num banco de jardim de sua casa, no meio da
noite, arrasado e em desespero após dias de malogro no criar uma ideia que
julgasse suficientemente forte para vender” (Hopkins, 1966, p. 16-17).
Em um anúncio famoso que escreveu para o Reader’s Digest, Ogilvy
confessa logo na primeira linha do texto de onde vem sua fonte de inspiração:
da leitura, do aprendizado. Ogilvy, que, aparentemente, foi uma das pessoas
que inspiraram Washington Olivetto, também lia como Olivetto: muito.
Veja o que ele disse neste texto: “I read 34 magazines every month. I like
them all, but the one I admire most is Reader’s Digest” (Ogilvy, 1985, p. 41).
Quantas revistas lê Washington Olivetto toda semana ou todos os meses?
O único período de sua vida em que confessadamente trabalhou usando
apenas de intuição, revela Washington Olivetto, foi no início da carreira,
quando era jovem e trabalhava ainda na HGP. A técnica e o emprego dos
recursos persuasivos ele aprendeu mais tarde, com os colegas mais
experientes. E, depois que aprendeu isso, nunca mais deixou de usá-los em
suas criações.
Com quem teria Washington Olivetto, aliás, aprendido tais técnicas
redacionais? Teria ele aprendido isso com Neil Ferreira, com Ercílio Tranjan,
com Hans Dammann, com Sérgio Graciotti ou com Júlio Ribeiro? Ou teria
aprendido um pouco com cada um desses antigos mestres? (Morais, 2005, p.
63-66).
Quem escreve apenas na base da intuição não costuma reescrever
várias vezes o que escrevera, certo? Porque, a partir do momento em que
você reescreve um texto, o método que se está utilizando deixou de ser pura
intuição e passou a ser o da experimentação – que é racional.
Lembre-se de que muitas das grandes descobertas do homem também
foram feitas desse modo: por meio da técnica da experimentação, do erro e
acerto, até dar certo.
Sobre intuição, pontos de vista, aliás, Hopkins é bem enfático quando a
condena, afirmando que a intuição foi a responsável pela quebra da maioria
das empresas e dos anunciantes que se basearam em opiniões, em
subjetividade, e não em pesquisas e dados concretos.
O que Hopkins parece querer nos dizer com isso é que a propaganda
deve ser feita numa base científica e não na base da intuição: “antigamente
os anunciantes arriscavam suas próprias opiniões. Uns poucos conjecturavam
acertadamente, a maioria errava. Eram os tempos de desastres
propagandísticos. Mesmo os que tinham sucesso chegavam à beira do abismo
antes de a maré mudar. (...) Hoje fazemos com que milhares decidam por
milhões. (...) Sabemos nosso custo, sabemos nossa venda, conhecemos nosso
lucro ou prejuízo” (Hopkins, 1966, p. 102).
E para quem a esta hora está pensando “ah, mas Hopkins fala da
propaganda genericamente e não em termos de criação, de títulos e textos”,
uma má notícia: não está, não. Hopkins está, na verdade, falando que a
criação de anúncios também é feita na base do raciocínio, da reflexão, e não
da intuição.
Acompanhe conosco o raciocínio de Hopkins e veja como ele fala em
cientificidade e não em lampejos criativos baseados em intuição: “O autor
deste capítulo perde mais tempo nos títulos que no texto. Perde, às vezes,
horas inteiras para redigir uma única chamada. Frequentemente, dezenas de
títulos são jogados fora antes de o certo ser selecionado. (...) Não é incomum
uma mudança de título de um anúncio aumentar de cinco a dez vezes os
retornos. (...) Dessa forma aprendemos que tipo de chamada oferece atrativo
mais amplo” (idem, p. 45-46).
Ou seja, caro leitor, não estamos falando em palpite, em intuição, mas
em técnicas, em reflexão, em lógica e raciocínio.
O próprio Washington Olivetto ilustra tal raciocínio em seu livro Os
piores textos de Washington Olivetto, nas páginas 38 a 43, ao descrever a
originalidade e sabedoria da propaganda inglesa. Ali Olivetto nos conta que,
certa feita, quando em viagem por Londres, não pôde deixar de perceber o
fino humor britânico que permeia a propaganda e a destaca da propaganda
feita no resto do mundo.
Ao caminhar por uma praça famosa de Londres, a Victoria Square,
nome dado em homenagem à rainha Vitória, Olivetto notou o grande volume
de obras que prejudicava o passeio dos transeuntes e tumultuava o trânsito.
Sem perder o senso de humor, a agência de propaganda encarregada em
comunicar que as obras trariam melhorias para todos escreveu, num outdoor
que trazia uma foto da rainha, a seguinte brilhante mensagem: “Desculpe o
incomodo, mas, para o bem de todos, estamos fazendo uma plástica nesta
velha senhora”.
Será que o publicitário que criou tal frase a escreveu de primeira,
baseado apenas na sua intuição? Será mesmo?
Para a educadora Maria Margarida de Andrade, o texto publicitário,
visando atingir seu objetivo, que é o de persuadir, emprega muitos recursos
retóricos. Que recursos são esses? Ela mesma os enumera, em seu livro Guia
prático de redação: “A comparação, a ironia, a mensagem em forma de
versos, o jogo de palavras, a música. Sem contar com o apelo visual, o
gestual, tão frequentes, principalmente na televisão” (Andrade, 2000, p. 24).
Note que, para a professora, redigir um texto é uma atividade artística
que requer “um grande domínio do pensamento sobre as palavras. É preciso
capturá-las, escolhê-las adequadamente, dominá-las para ordená-las em
frases e parágrafos, como quem monta uma espécie de quebra-cabeças”
(idem, p. 13).
Maria Margarida de Andrade, aliás, parece concordar com algo que
Washington Olivetto também descreve como essencial para quem pretende
escrever bem. Segundo a autora, na criação ou produção do texto, “existe
uma bagagem de conhecimento e experiência de vida pessoal e
intransferível, no nível consciente, subconsciente ou até mesmo no nível das
que fazem parte do inconsciente coletivo. Todos esses elementos definem a
maneira de ser de um indivíduo, sua visão de mundo”.
Na página 246 da mesma obra, a autora define as etapas do processo de
redação. Para ela são cinco as fases: a apreensão, quando o redator coleta os
dados a serem descritos no texto, a preparação, quando germinam as ideias, a
incubação, o estágio em que as ideias são amadurecidas pelo inconsciente, a
iluminação, etapa que a autora curiosamente denomina inspiração, e a
realização, o momento em que se concretiza o ato artístico e, por meio da
“verificação da experiência científica”, ocorre a elaboração da redação.
Visto isso, nos perguntamos objetivamente: seria mesmo possível
alguém fazer uma redação, pulando todas as etapas descritas pela eminente
professora, unicamente na base da intuição, como afirma o autor de
Propaganda: teoria, técnica e prática? Sempre?
Curiosamente, Propaganda: teoria, técnica e prática é um clássico, um
dos livros mais vendidos no país e um dos mais consultados nas universidades,
e tal teoria, contida no livro, parece ser acolhida por alguns colegas que
trabalham em propaganda. E, como já foi dito, afirma exatamente o
contrário: publicidade é intuição. Quem estaria com a razão?
Quando tive oportunidade de lecionar na Universidade Gama Filho, esse
era um dos livros recomendados pelos meus colegas para os seus alunos. E o
mesmo aconteceu quando lecionei tanto na Universidade Estácio de Sá
quanto na ESPM. Em todas as bibliotecas dessas universidades, tanto nas
bibliotecas da Barra da Tijuca quanto na do Centro, tanto na biblioteca da
Piedade quanto na de Petrópolis, podia-se encontrar exemplares de
Propaganda: teoria, técnica e prática para consultas.
Como explicar tal fato? Eu arriscaria um palpite: ou Washington Olivetto
nunca leu Armando Santanna ou Armando Santanna nunca leu ou levou em
consideração o que pensam Washington Olivetto e alguns outros consagrados
redatores publicitários que parecem pensar exatamente o contrário.
E o mais curioso é que Washington Olivetto, como conferimos, não está
sozinho nesse raciocínio. Claude Hopkins também parecia acreditar que
publicidade é o exercício constante do raciocínio e não o da intuição. Logo no
início de sua obra-prima, Ciência da propaganda, Hopkins deixa isso bem
claro ao afirmar: “Praticamente todas as questões de vendas que surgem nos
negócios são respondidas com precisão por muitas experiências (...) a
propaganda e a mercadologia (merchandising) se tornaram ciências exatas
(...) compara-se um anúncio com outro, um método com outro. Comparam-
se chamadas, textos, tamanhos, argumentos, ilustrações” (Hopkins, 1966, p.
20-21).
Mas se você acreditar que, aqui, Hopkins está falando genericamente
sobre publicidade e não sobre criação, sobre a confecção de textos – lembre-
se de que Claude Hopkins era um redator, um dos mais brilhantes que o
mundo já viu –, damos então mais três exemplos dos procedimentos adotados
por esses senhores, começando pelo depoimento daquele que foi o mestre de
David Ogilvy em que ele diz o que pensava a respeito de intuição e
raciocínio. Vamos a eles.
Inicialmente, logo na página 77, Hopkins afirma: “Um redator de
propaganda, para ter uma possibilidade de sucesso, deve obter informações
completas sobre o seu assunto. A biblioteca de uma agência de propaganda
deveria ter livros sobre todos os campos que exigissem pesquisas. Um
homem de propaganda meticuloso lerá, frequentemente, semanas a fio, a
respeito de algum problema que surja. (...) O autor deste livro terminou de ler
uma quantidade enorme de material médico e não médico sobre café. Isso
para anunciar um café sem cafeína”.
A segunda menção sobre o assunto, em que Hopkins nos dá uma pista de
como procedia ao escrever seus textos, está na página 80 de Ciência da
propaganda. Ali, Claude Hopkins nos dá pistas de que usava os neurônios e
não a intuição e a sorte para escrever seus textos. Vejamos o que dizia o autor
preferido de Ogilvy : “Assim uma campanha de propaganda é habitualmente
procedida de um grande volume de dados. Mesmo uma campanha
experimental, pois experimentos efetivos custam boa soma de trabalho e
tempo. (...) Por exemplo, uma certa bebida é conhecida pelo seu grande
valor nutritivo. Essa afirmação simples não é muito convincente. Pelo que
mandamos a bebida a um laboratório e descobrimos que seu valor nutritivo é
de 425 calorias por cada 0,47 litro. Isso equivale a seis ovos em calorias de
nutrição. A alegação causa grande impressão”.
Ora, se Hopkins afirma com todas as letras que a alegação causa grande
impressão, é porque sabe que as palavras, quando escolhidas a dedo, têm
efeitos persuasivos diferentes. E palavras escolhidas a dedo nos indicam que o
método de trabalho de Claude Hopkins era então racional, como o de
Washington Olietto, e não intuitivo, como afirma o professor Armando
Santanna.
Outra importante pista deixada por Claude Hopkins acerca do assunto
está registrada na página 61 de Ciência da propaganda. Ali Hopkins afirma o
mesmo que Washington Olivetto: “Seja qual for a alegação que você use para
chamar a atenção, o anúncio deve contar uma história razoavelmente
completa”.
Hopkins chega mesmo a lembrar, na página 63 do mesmo livro, que,
embora muitos acreditem que as pessoas não tenham o hábito de ler os textos
dos anúncios,172 a verdade parece mostrar o contrário: as pessoas não
apenas leem os textos longos de anúncios, como ainda escrevem pedindo
mais informações sobre o produto ofertado.
Ora, nós nos perguntamos, como poderia alguém contar uma história
apenas na base da intuição? Seria mesmo possível escrever um anúncio que
fale sobre dados como os da venda de um apartamento ou de um automóvel
– como número de quartos ou portas, formas de pagamento e demais
vantagens na aquisição do bem –, apenas utilizando-se da intuição, sem
raciocinar?
A resposta parece ser clara: não! Isso não parece possível. Talvez um
título ou uma bela frase acabe mesmo saindo na base do improviso, na base
da intuição, como procedem os poetas, mas o texto todo, nos parece, é fruto
do raciocínio, do esforço mental que faz o redator ao escrever seus títulos e
textos para a mensagem comercial – a propaganda.
Agora lembremos o que afirma Washington Olivetto sobre o assunto, o
improviso, a intuição: “As coisas vão mudando o tempo todo e precisam ser
acompanhadas. De um misto de razão e intuição surge o insight futuro. Uma
campanha de sucesso, capaz de transmitir a mensagem desejada, depende
desse conhecimento” (Olivetto, 2011, p. 50).
Comparemos o que afirmam os dois com o que diz Francesc Petit, que
trabalhou com Olivetto durante mais de duas décadas. Vejamos se ele
também não pensa igual aos dois, pois, o que Petit parece querer nos dizer é
que os contadores de história sempre tiveram um lugar privilegiado ao longo
do tempo em todas as sociedades: “Os contadores de histórias sempre
ficaram famosos. O fascínio da pessoa que sabe contar coisas, fatos, lendas,
anedotas, com talento. Eles sempre tiveram um lugar privilegiado nos velhos
impérios, reinados, encantando reis e rainhas e cortesãos” (Petit, 1992, p. 87).
Petit sabe o que diz. Tem razão quando diz também que criatividade não
se vende em farmácias ou salões de beleza.
No nosso ponto de vista, criar parece ser uma tarefa muito mais racional
do que intuitiva e, assim, não nos parece correta a afirmação de que é a
intuição que desempenha o papel principal no ato criativo, de que é ela o
aspecto mais importante da propaganda. Até porque, temos de lembrar, a
criação de um anúncio ou de uma campanha, via de regra, obedece a um
briefing, que é repleto de informações imprescindíveis.
Para o professor e escritor Rafael Sampaio, a propaganda “não é apenas
uma forma de arte, não chega a ser uma ciência, mas é mais que uma
simples técnica” (Sampaio, 1997, p. 9).
O ilustre professor parece acreditar que para a propaganda funcionar é
necessário que sejam elaborados, antes de mais nada, um bom planejamento
e um bom briefing. Que tipo de informações deve conter esse briefing, nos
perguntamos então?
E o próprio Rafael Sampaio nos responde, nas páginas 205 e 211 de seu
livro Propaganda de A a Z. Ali o professor revela, de forma sintética, que
extraiu as informações essenciais que precisam constar em um briefing de
um texto preparado pela ISBA – que vem a ser a Associação Inglesa de
Anunciantes. Entre os inúmeros quesitos constantes de tal documento,
destacamos alguns, para que o leitor possa ter uma noção aproximada da
quantidade de informações que um briefing deve trazer. São eles:

• Informações sobre o produto ou serviço a ser anunciado;


• Informações sobre o mercado;
• Informações sobre os consumidores;
• Informações sobre os objetivos a serem atingidos;
• Informações sobre a estratégia básica da campanha.

São tantas, mas tantas as informações que necessariamente precisam


estar num briefing que o autor citado precisou de cinco páginas para
mencioná-las, sem entrar nos detalhes técnicos. Tais informações vão desde o
nome, as principais propriedades, a aparência física, a embalagem, o preço e
a frequência de uso do produto, até o tamanho do mercado, como se dá a
distribuição do produto a ser anunciado e a dos concorrentes, nível de
escolaridade e renda mensal dos possíveis compradores e dos compradores
do produto ofertado pela concorrência, informações sobre a estratégia básica
(que envolve não apenas as peças sugeridas, como ainda o conteúdo básico a
ser inserido em tais peças), os veículos a serem utilizados na divulgação da
campanha, o target a que esta será dirigida, o montante da verba disponível e
os objetivos de marketing (share-of-market, ampliação de mercado, volume,
valor e rentabilidade desejada ou esperada).
Então, diante dessa gama imensa de informações que o redator, na
maioria das vezes, precisa seguir, com as quais ele tem de lidar ao se sentar
para escrever um anúncio, nos perguntamos: como pode alguém redigir uma
mensagem publicitária, um texto de anúncio ou filme, baseado apenas na
intuição?
É bem provável que não possa, não é mesmo? Acreditamos que,
ocasionalmente, uma vez ou outra, possa sim surgir uma ideia vinda da
inspiração, da intuição, não estamos negando que isso aconteça durante a
criação de anúncios e campanhas de propaganda, mas o que estamos
questionando é se estaria correta a afirmação do escritor Armando Santanna.
Para o autor do referido clássico, a elaboração da maioria das
campanhas publicitárias é feita desse modo porque “quando entra em jogo a
forma como vão atuar os seres humanos, são poucas as decisões que podem
tomar-se com base em estatísticas” (Reale, 2007, p. 245).
Por tudo que se procurou demonstrar aqui, há divergências de opinião.
Ogilvy, Hopkins e Olivetto certamente não concordariam com esse seu ponto
de vista.
O que começamos a perceber é que esse diálogo ainda vai render muita
discussão acalorada e debates apaixonados pela frente. Um tema rico e
importante como esse merece mesmo muita atenção e estudos mais
aprofundados, pois, se o objetivo principal do anúncio não é apenas ser visto,
lido e ouvido, mas também levar informações que possam provocar
mudanças de comportamento e hábitos, precisamos sim entender como
opera tal fenômeno da comunicação e como ele é construído pelos
profissionais que atuam nas agências de propaganda.
Pelo que pudemos observar, há os que acreditam que a publicidade é
mesmo feita na base da mera intuição e, por outro lado, vimos também que
existe uma outra corrente de pensamento que parece pensar exatamente o
contrário: propaganda é raciocínio e estudos.
Até porque o que vem a ser meramente racional e o que vem a ser pura
intuição?
Daniel Kahneman, que ao combinar a economia com a psicologia
cognitiva foi o primeiro psicólogo a ganhar o Prêmio Nobel de Economia (o
de 2011), acredita que o pensamento intuitivo não é necessariamente
irracional. “Um indivíduo completamente racional não seria influenciado se
você descrevesse uma carne como sendo 10% apenas de gordura ou sendo
90% livre de gordura. Mas as pessoas preferem muito mais que seja 90%
livre de gordura do que uma que tenha apenas 10% de gordura”.173
Quem estaria com a razão? – nós nos perguntamos mais uma vez.
Na realidade, não tínhamos a menor intenção de esgotar o assunto,
dando uma resposta definitiva à questão. Nunca tivemos tal intenção. O que
pretendíamos, de fato, pois achamos oportuno, era trazer de volta ao centro
do debate tal questionamento. Ele é muito importante, acreditamos.
É triste quando estamos em sala de aula, tentando ensinar um pouco das
técnicas de redação aos jovens – e acredite, tais técnicas existem mesmo – e
alguns deles nos questionam, lembrando que leram em livros de autores
consagrados que publicidade é mera criatividade e intuição.
Fosse isso verdade, as escolas e universidades, os cursinhos, as editoras,
os livros e os manuais de redação publicitária não fariam o menor sentido.
Para que estudar teorias e técnicas de um ofício que requer exclusivamente
criatividade e intuição?
Roberto Dualibi, o D da prestigiada agência DPZ, um dos mais
premiados e bem-sucedidos publicitários de nosso tempo, não parece pensar
desse modo. No belíssimo texto que escreveu para o prefácio da obra
Redação publicitária, estudos sobre a retórica, do professor João Carrascoza,
Dualibi afirma que títulos não são simples propostas, mas textos elaborados,
trabalhos que dependem da economia de palavras, austeridade na
adjetivação e de uma escultura frasal que também está presente na boa
literatura.
Seria mesmo possível alguém fazer bons títulos apenas na base da mera
intuição? Sempre na base da intuição?
Dualibi nos lembra que no texto publicitário, por ser uma peça retórica
que busca o convencimento, as palavras são agrupadas para adquirir
cumplicidade, levando o interlocutor a uma ação real, que inclui obviamente
a compra.
O que Dualibi parece querer nos dizer é que publicidade é uma técnica
que exige raciocínio, exercício e aprendizado, não é um ofício que pode ser
executado apenas na base da subjetividade e da intuição.
Será mesmo que Fábio Fernandes, Nizan Guanaes, Marcelo Serpa,
Camila Franco, Carlos Domingos, Eugênio Mohallem, Cássio Zanata, Cristina
Carvalho Pinto, Paulo Ghirotti, Neil Ferreira, Alexandre Gama, Alexandre
Machado, Ruy Lindenberg, Victor Santanna, Ry naldo Gondim e todos os
demais grandes redatores e criativos da publicidade brasileira, o que inclui,
logicamente, Washington Olivetto, fizeram todos os seus grandes títulos assim
e escreveram todos os seus belos textos meramente na base da intuição,
inspirados apenas na sorte e paciência, até surgir um bom título?
Ou será que utilizaram-se de técnicas como, por exemplo, a associação
de palavras, as rimas, as repetições propositais, as figuras de linguagem e a
métrica para alcançarem seus objetivos, fazendo uso do raciocínio lógico e
não da mera especulação criativa que é a intuição?
Dualibi parece ter a resposta mais uma vez. Ele nos lembra de que os
velhos profissionais sempre acreditaram mais na simples vocação do que na
preparação técnica do publicitário. E questiona isso: “Inspiração, no fundo, é
a informação armazenada na mente e na alma. Estou convencido de que um
jovem talentoso, que tenha vocação para a profissão, terá muito mais êxito se
frequentar um bom curso” (Carrascoza, 2003, p. 10).
Tânia Hoff e Lourdes Gabrielli (Hoff e Gabrielli, 2004, p. 2-3)
endossam seu raciocínio, lembrando que, para vender seus produtos e
serviços, a publicidade precisa seduzir o consumidor. Para isso, a mensagem
de vendas precisa ser dirigida aos mais diversos grupos específicos (públicos-
alvo), que têm, obviamente, necessidades e tendências diversas. Então tal
mensagem, lembram as professoras, precisa ser construída levando-se
também em consideração uma imensa gama de informações. Tânia Hoff e
Lourdes Gabrielli afirmam que os aspectos que servem para chamar a
atenção do consumidor “são fruto de um estudo que abrange vários saberes,
como marketing, estatística, psicologia do consumidor, design, produção
gráfica e estillística, entre outros”.
Note que elas não falam em subjetividade ou intuição. Muito pelo
contrário, mais adiante, ao explicarem como se constrói o texto publicitário
(idem, p. 90-91), as autoras teorizam afirmando que, entre os elementos que
norteiam a construção do texto encontramos a contextualização, referências,
uma estrutura básica e aspectos estéticos, sendo que são três os principais
tipos de texto: a narrativa, a descrição e a dissertação.
Perguntamo-nos então uma vez mais: seria mesmo possível a alguém
criar mensagens de vendas com todos esses elementos na base da mera
intuição?
Washington Olivetto, que nesse aspecto parece concordar com Dualibi,
costuma dizer que, nos próximos anos, a maior ameaça ao crescimento do
Brasil é a escassez de mão de obra especializada. Em sua opinião, essa é a
grande questão nacional, pois a formação adequada resolveria os problemas
de muitas empresas. Olivetto parece crer que a inteligência pode ser moldada
e que, enquanto faculdade de compreender e aprender, pode sim ser elevada
(Olivetto, 2011, p. 140-141).
Não temos a menor dúvida sobre isso. Aprendemos com Skinner que o
comportamento é em parte herdado, mas pode ser moldado, influindo assim
no aprendizado: o homem imita o comportamento da aranha tecendo teias
(redes) não para pegar insetos, mas peixes (Pavlov e Skinner, 1980, p. 317).
Acreditamos, como acredita também Olivetto, que a grande ideia na
propaganda não depende de genialidade ou magia, mas de conhecimento. De
conhecimento do produto, do mercado e das ferramentas da comunicação.
Depende de disciplina e de muito treinamento. Publicidade é técnica, não é
um campo para aventureiros e homens preguiçosos, como afirmara Claude
Hopkins (Hopkins, 1966, p. 76; 81).
Em sua obra-prima, a Ciência da propaganda, ele escreveu: “Os
desinformados ficariam estarrecidos ao saber a soma de trabalho que um
simples anúncio implica... Tatear no escuro, neste campo, já custou
provavelmente dinheiro suficiente para pagar a dívida nacional. É o que tem
abarrotado os cemitérios da propaganda. (...) É o que tem desencorajado
milhares de pessoas que poderiam ter obtido êxito nessa atividade” (idem, p.
37).
Foi observando, e nos baseando nos resultados das pesquisas, que
aprendemos que comerciais que anunciam produtos de beleza vendem mais
quando se baseiam no narcisismo, em vez de falar sobre os benefícios que o
produto oferece ao consumidor. Quem lê sabe mais – já havia dito Mauro
Matos num antigo anúncio dos Classificados do Globo. E quem estuda, por
analogia, sabe muito mais.
É Hopkins quem alerta aqui mais uma vez. Existem dois tipos de
propaganda. A meramente teórica e a propaganda comprovada. A segunda é
muito mais segura e rentável (Hopkins, 1966, p.76).
Passar esses dois últimos dois anos, como nós passamos, debruçados sob
o trabalho de um dos mais importantes redatores e divulgadores da cultura
popular brasileira foi uma experiência enriquecedora e extremamente
agradável sob todos os aspectos.
Por tudo o que pudemos observar ao longo destes estudos, chegamos à
conclusão de que não existe um Washington Olivetto apenas, mas vários. Um,
o Olivetto que tem os olhos voltados quase que exclusivamente para a
publicidade, aquele que acorda cedo e dorme tarde e passa o tempo todo
pensando em como fazer mais e melhores anúncios e negócios. E o outro, ou
os outros, o Olivetto que tem a mente ainda mais adiante, voltada para a
literatura, as artes, a gastronomia, as viagens e os problemas socioculturais do
nosso país e do nosso povo.
Como ousou dizer Ercílio Tranjan, que o conhece há muito mais tempo
que nós, existem vários Washingtons Olivettos. O Washington Olivetto redator
e o Washington Olivetto empresário e dono de agência, o Washington Olivetto
escritor e o Washington Olivetto produtor cultural, o Washington Olivetto
gourmet e o Washington Olivetto bon vivant, que sabe aproveitar seu tempo e
a vida.
No prefácio deste livro, Ivan Zurita já havia nos alertado que não ia ser
fácil dissecar a retórica de Washington Olivetto, pois o Washington é seu
próprio texto.
Você não estava errado, caro Zurita.
As evidências nos mostram que, além disso tudo, Washington Olivetto foi
ainda um dos precursores da introdução da coloquialidade no texto e da
propaganda com humor no país. Washington Olivetto foi, ao lado de
profissionais como Neil Ferreira, Ercílio Tranjan, Júlio Ribeiro, Sérgio
Graciotti, Alex Periscinoto, Mauro Salles, Cristina Carvalho Pinto, Maggy
Imoberdoff, Walter Longo, Sérgio Roberto Dias, Roberto Dualibi, Francesc
Petit, José Zaragoza e outros tantos importantes, um dos responsáveis pela
valorização e qualificação da profissão de publicitário.
Se hoje as universidades se encontram tomadas de estudantes que
desejam aprender o ofício da propaganda, parte dessa mudança de
preferência deve ser creditada a Washington Olivetto e aos pioneiros da nossa
publicidade, que ajudaram a transformar uma profissão que, até os anos
1970, era vista com certa desconfiança e distanciamento numa atividade
admirada, respeitada e, acima de tudo, desejada por milhares.
A importância de sua obra para a publicidade e o mercado brasileiro da
propaganda são imensas. Seu trabalho, suas ideias e seus textos inovadores,
ousados e extremamente conceituais abriram novos horizontes, levando ao
consumidor uma retórica muito mais coloquial, divertida e inteligente.
Olivetto, pelo que se pode observar, é hoje uma referência. Tanto assim
que seu nome é citado por grande parte dos grandes autores que escrevem
sobre a propaganda no país, como José Roberto Whitaker Penteado, Carlos
Domingos, Celso Figueiredo, Tânia Hoff, Lourdes Garielli, Nelly Carvalho,
Francesc Petit, Júlio Ribeiro, J. M. Campos Manzo, Walter Cunto, entre outros.
Sobre Olivetto e sua importância para a cutlura, o mercado e a
propaganda brasileira, na introdução de Redação publicitária: para cursos de
comunicação, publicidade e propaganda, as autoras Tânia Hoff e Lourdes
Gabrielli assim esceveram: “Há peças ou campanhas publicitárias que nos
emocionam. Outras que nos mostram uma outra dimensão da realidade. Há
ainda as que revelam a condição humana e permanecem na memória: a
cena do sofá da Brastemp, a fala meiga do garoto-propaganda da Bombril”.
Ercílio Tranjan já havia dito: “Washington Olivetto inventou alguns dos
personagens mais memoráveis da propaganda brasileira. De todos, um é
insuperável: o Washington Olivetto é a melhor criação de Washington
Olivetto” (anuário do CCSP, 2003).
De onde vêm esses vários Washingtons que convivem num mesmo
Olivetto? – somos levados a nos perguntar. As evidências nos levam a crer
que todos eles são oriundos de um mesmo fenômeno, da identidade, da
identificação que o aproximou dos vários autores que o influenciaram ao
longo da vida. E entre esses autores, Machado de Assis, Monteiro Lobato,
Fernando Pessoa, Luis Fernando Veríssimo, Millôr Fernandes, J. D. Salinger,
Ernest Hemingway, Gay Talese, James Joy ce e, especialmente, F. Scott
Fitzgerald.
Fitzgerald conheceu o sucesso e o fracasso ainda em vida e virou lenda
após a morte. Seis anos antes, em 1935, o autor, que obtivera toda a glória que
alguém poderia desejar, tanto com os seus livros quanto com os seus roteiros
de cinema, estava na maior penúria. Morava sozinho num pequeno quarto
alugado em Henderson, na Califórnia, e mal tinha o que comer.
Os tempos de festas, falta de preocupação com os gastos e celebridade
haviam ficado para trás. Zelda, sua companheira, que havia tentado o
suicídio, tivera sucessivos problemas de saúde e estava internada num
sanatório, na Carolina do Norte.
A única pessoa com quem o autor de Suave é a noite, Contos da era do
jazz, Belos e malditos, O grande Gatsby e tantos outros sucessos podia contar
nesse momento era consigo mesmo. Tinha uma única camisa, que ele
mesmo lavava e passava todos os dias. Bebia e escrevia compulsivamente.
Era previsível: diante de tanta dificuldade, por duas vezes tentou o suicídio.
Arriscou sua última cartada: começou a escrever um novo livro que lhe
traria mais uma vez a fama e o dinheiro, O último magnata. Mas não o
terminou. O escritor, que chegara a produzir 49 histórias e uma dúzia de
artigos entre 1926 e 1934, concluíra dessa vez apenas seis capítulos do seu
novo.
Assim como o publicitário Washington Olivetto, F. Scott Fitzgerald
trabalhava compulsivamente: em 1923 chegou a escrever onze contos e
artigos em apenas seis meses, durante o inverno.174
Fitzgerald era um escritor profissional que escrevia de tudo: contos,
romances, roteiros para a TV e cinema, pensamentos e ensaios e, para pagar
as dívidas que havia contraído, obedecia prazos. Até mesmo história medieval
Fitzgerald escreveu (O conde das trevas, publicado em capítulos na revista
americana Redbook).
Suas histórias eram autobiográficas e a última delas que o autor viu
publicada, Suave é a noite, foi a mais triste de todas: vendeu apenas treze mil
exemplares. Pobre grande Fitzgerald.
A essa altura, nem mais o contrato com a Metro-Goldwy n-May er,
assinado em 1936, o salvaria do álcool e da depressão. Bem que tentou ainda,
iniciando O último magnata, um balanço, no fundo, de sua própria e
tumultuada vida, dizem alguns.
A vida literalmente já não era mais uma festa. Teria tido ele consciência
de que o fim estava próximo? O Último Magnata, todos sabem, foi concluído
por seu amigo Edmund Wilson, e então Fitzgerald teve seu nome de novo
alçado à lista dos mais vendidos.
Fitzgerald, o escritor que fora o autor mais bem pago de seu tempo, foi
certamente uma das mais fortes fontes de inspiração para Washington
Olivetto, conforme demonstrou nosso estudo.
Todos nós temos de ter ídolos. Alguém, como ele mesmo diria, em
quem possamos nos espelhar (Olivetto, 2011, p 125).
O menino que aprendera a ler ouvindo a tia narrar histórias de Lobato,
que crescera fascinado com o personagem Holden, de O apanhador do
campo de centeio e amadurecera relendo todos esses e muitos outros autores,
nunca mais tiraria Fitzgerald da mente.
Se Scott Fitzgerald desejara ser o maior escritor de todos os tempos,
Washington Olivetto desejara o mesmo em relação à publicidade: não
bastava ser apenas mais um, Olivetto queria ser o maior de todos.175
Lembre-se de que ele mesmo assim escreveu, em Seis contos da era do
jazz: “Um livro e uma obra influenciaram decisivamente minha vida. O livro
O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, e a obra de F. Scott
Fitzgerald. O grande Gatsby, Suave é a noite, O último magnata, Este lado do
paraíso e, principalmente, Seis contos da era do jazz me ensinaram a pensar,
a ler e talvez até a escrever. Li Seis contos da era do jazz no primeiro
semestre de 1964, aos doze anos de idade” (Olivetto, 2004, p. 126).
O redator, que sobre Fitzgerald um dia disse: “Hoje sou seu releitor”
(idem, p. 127) confessadamente afirmou também que deve ao autor seu gosto
pela música, pelo jazz, pelas viagens, pelos drinks, pelos cardápios, pelos
hotéis, a boa vida, enfim, detalhes que para outras pessoas são supérfluos,
mas que para ele são essenciais.
Se a vida é sofrimento, já dissera Schopenhauer, viver bem é a melhor
vingança.
São mesmo impressionantes as coincidências que parecem existir entre
Washington Olivetto e F. Scott Fitzgerald.
Assim como F. Scott Fitzgerald não era só romances, não era só contos,
não era só roteiros para o cinema, Washington Olivetto não é também só
propaganda.
Ambos são muito mais que isso.
Talvez esteja aí a explicação do porquê de Washington Olivetto, que
sempre o admirou, trabalhar tanto e escrever tanto ainda hoje. Quem o
conhece bem fica imaginando se em Washington Olivetto não há muito mais
de Scott Fitzgerald do que o próprio Olivetto talvez possa acreditar.
Por tudo o que foi visto aqui, não é difícil imaginar que, um dia, muito
provavelmente, alguém ainda venha a escrever sobre Washington Olivetto o
mesmo que escreveram sobre o seu grande ídolo, quando Fitzgerald se foi:
Ele era ainda melhor do que imaginava.176

158 Embora tenham sido encontrados fósseis de uma espécia arcaica de Homo
Habilis mais antigos, datados de cerca de 1,6 e 2,5 milhões de anos atrás, segundo
artigo publicado no Independent e posteriormente no jornal O Globo, Ciência,
9/9/2009.

159 Artigo publicado no The New York Times e posteriormente no jornal O Globo,
Ciência, 15/4/2011.

160 O caráter vago das palavras e a diversidade de empregos que estas podem
ter é encontrado pela primeira vez na Ilíada (XX, VV. 248-2499): “Volúvel é a
linguagem dos mortais; as palavras têm muitos e variados sentidos” (Ullmann,
1964, p. 11).

161 Jornal O Globo, Esportes, p. 27, fev. 2010.

162 “Não existem linhas objetivas com as quais se pode medir de antemão a
eficácia do anúncio” (idem, p. 245).

163 “A enorme diferença nas chamadas é demonstrada pelos retornos


controlados. O mesmo anúncio publicado com diferentes chamadas difere
enormemente nos seus retornos. Não é incomum uma mudança de título de um
anúncio aumentar de cinco a dez vezes os retornos”.

164 Revista Meio & Mensagem, 22/7/2011.

165 Diário do Grande ABC, 31/3/1999.

166 Meio & Mensagem, 29/6/ 2012.

167 Meio & Mensagem, 14/4/2011.

168 Revista Forbes, 9/3/2011.

169 Dicionário novo Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2010. p. 855.

170 Entrevista em 10 e 11 de maio de 2012, via telefone e internet.


171 Idem (ver nota anterior).

172 A expressão mais comum que se ouve em publicidade é a de que as pessoas


não leem muito. No entanto, boa parte da publicidade mais bem paga mostra que
as pessoas leem muito. E chegam a escrever pedindo talvez um folheto – para
maiores informações”.

173 Jornal O Globo, Ciência, p. 32, 2/8/2012.

174 Em 1926, Fitzgerald havia tentado o sucesso no teatro, na Broadway. Não


conseguiu. Sua peça O vegetal ou De presidente a carteiro foi um fracasso tão
grande que o escritor perdeu tudo o que tinha e ainda teve de trabalhar muito
para sobreviver: em apenas seis meses, escreveu onze contos e artigos
(Fitzgerald, 1995, p. 8-9).

175 “Washington, você continua querendo ser o melhor publicitário do mundo?”


(pergunta dirigida por Gabriel Zellmeister a Washington Olivetto. Morais, 2005, p.
147).

176 “As a The New York Times editorial stated after his death: ‘He was better than
he knew, for in fact and in a literary sense he invented a ‘generation’” 22/12/1941.
The New York Times, dez/1940
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Foto 1:
O primeiro Valisere a gente nunca esquece — Exibido
inicialmente no Fantástico, foi o primeiro comercial de um
minuto e meio de duração veiculado na televisão brasileira.
Filme ganhador do Leão de Ouro de Cannes de 1987.
Foto 2:
Hitler — Um dos filmes mais premiados da história da
propaganda. Criado para o jornal Folha de S. Paulo em 1989,
está entre os cem melhores comerciais de todos os tempos.
Foto 3:
Meninos do DDD — Criado em 1999 para a Embratel, este
comercial fez grande sucesso na época. Apresentava três
simpáticos garotos que cantavam enquanto anunciavam o novo
serviço e pareciam ser trigêmeos, mas nem irmãos eram.
Foto 4:
Descobridor dos sete mares — Comercial de 1995 para as
sandálias Rider. A música, imortalizada por Tim Maia, tinha uma
nova interpretação na voz de Lulu Santos.
Foto 5:
Bill Gates — Neste comercial criado por Olivetto e sua equipe
em 2000, o então homem mais rico do mundo e presidente da
Microsoft, Bill Gates, aparecia como garoto-propaganda do
Home Banking Unibanco. Bem humorado, ele perguntava: “Por
que o meu banco não pensou nisso antes?”.
Foto 6:
Comercial para Bombril “Brill Creminho” — Carlos Moreno, em
comercial de 1978, lembrava a dona de casa que o Brill era um
pouquinho mais caro porque era superconcentrado e não
estragava as suas mãos. E encerrava dizendo: “Agora se a
senhora não quiser gastar essa diferença, compra um outro.
Depois a senhora dá um jeito na mão: passa um creminho”.
Foto 7:
Washington Olivetto, ainda em início de carreira, quase
irreconhecível: de cabelos longos, barba e bigode, bem aos
moldes da moda hippie típica dos anos 1970.
Foto 8:
Washington Olivetto, agora nos anos 80, já sem a característica
barba e os cabelos longos, que marcaram sua imagem na
década anterior.
Fotos 9 e 10
Comercial “Sonhos” para bombons Garoto — Com trilha de
Frank Sinatra e três minutos de duração, o comercial “Sonhos”,
criação de 1995, reproduzia o clima nostálgico dos filmes dos
anos 1960. As belas cenas mostrando as primeiras sensações de
garotos com mulheres rapidamente transformaram a peça num
dos clássicos da propaganda brasileira.
Foto 11:
Comercial “Coisa Linda” para O Boticário — A direção é de
Júlio Xavier e a trilha ao fundo é cantada por João Gilberto.
Comercial primoroso com Ana Paula Arósio que mostrava as
belezas naturais da mulher brasileira.
Foto 12:
Comercial Ipanema “Gisele Bündchen Tattoos” — Comprovando
sua máxima de que “só existem dois tipos de propaganda: a boa
e a ruim”, Washington Olivetto criou este comercial utilizando a
grife Gisele Bündchen para o produto sandálias Ipanema. A
música, “Slow Motion Bossa Nova”, de Celso Fonseca e Ronaldo
Bastos, é interpretada por Celso Fonseca.
Foto 13:
Comercial “O Brasil é Básico” para a Hering — A cultura
popular tem lugar especial na propaganda de Olivetto: neste
comercial para as malhas Hering, por exemplo, Erasmo Carlos
ajudava a apresentar a nova linha de produtos, enquanto
Gilberto Gil cantava “Com que roupa” de
Noel Rosa.
Foto 14:
Comercial para o Instituto Terra — Raridade no mundo da
propaganda: trinta segundos de alerta sobre a preservação do
planeta, tendo como pano de fundo música de Caetano Veloso.
Foto 15:
Slogan conceitual do comercial para as malhas Hering — A
propaganda repleta de estrelas que desfilavam a nova coleção
da Hering trazia uma mensagem básica: de um jeito ou de
outro, todo mundo usa Hering.
Foto 16:
Comercial Rider — As campanhas criadas para as
sandálias Rider tinham um denominador em comum: gente
bonita, sol, boa música e alegria contagiante.
Foto 17:
Comercial Postos São Paulo – Frentistas — Dois frentistas de um
pequeno posto de gasolina, pouco conhecido ainda, recebem a
visita do primeiro cliente. “Disfarça”, diz um deles pro outro,
“finge que não está emocionado”. Em vez de gasolina ou outro
serviço qualquer, o cliente pede uma informação e vai embora.
“Quem não é o maior em tamanho, tem que ser o maior em
alguma coisa”, dizia o slogan da campanha revolucionária do
Posto São Paulo – a maior rede em simpatia.
Foto 18:
Comercial da Volvo — Uma das campanhas mais criativas para
a marca Volvo.
Foto 19:
Comercial “Mágica” para a Bombril — Para anunciar a chegada
de um novo produto, Bombril Júnior, que já vinha cortado ao
meio, o ator Carlos Moreno era cerrado também ao meio diante
das câmeras por um mágico. O truque funcionou e aumentou as
vendas da palha de aço que tem mil e uma utilidades.
Foto 20:
Comercial Bombril “Cadeira de Rodas” — Nunca antes na
história da propaganda um comercial havia mostrado um
deficiente físico anunciando um produto. Bombril, que tem mil e
uma utilidades, inovou mais uma vez, mostrando que, além de
deixar a cozinha limpinha, também oferecia oportunidades de
empregos para portadores de deficiências.
Foto 21:
Comercial “Homem com mais de 40” — O primeiro Leão de
Ouro do Brasil em Cannes veio com este filme: “Homem com
mais de 40”. A produção é de 1975 e a direção de André
Bukowinski. Você já ouviu falar que um homem depois dos 40
anos fica ultrapassado? Neste comercial, Washington Olivetto
nos mostra que isso não é verdade.
Foto 22:
Comercial “Grande Bombril” com Nelson Ned — A analogia
entre as imitações e o verdadeiro Bombril foi o fio condutor
deste comercial veiculado em 2007: tudo passa, só Bombril fica.
Durante as gravações, nos revela Olivetto, o cantor e ator
Nelson Ned, na foto ao lado de Carlos Moreno, foi um dos que
mais se divertiram.
Foto 23:
Comercial Garoto Bombril com ele mesmo.
Foto 24:
Comercial Limpol
“O Comandante da limpeza” — Quem poderia imaginar que o
líder revolucionário Che Guevara viria um dia a fazer um
comercial para um produto capitalista como o Bombril? Pois em
1998 o camarada Che apareceu na TV anunciando um produto
de limpeza e dizendo: “Hay que endurecer com la gordura, pero
sin perder la ternura com su manos, jamás!”.
Foto 25:
Comercial Bombril “Androide” — No futuro todos os produtos de
limpeza serão assim: não poluentes, práticos, econômicos. Mas
hoje em dia, parecia dizer o Garoto Bombril do século XXI,
apenas Bombril é assim. Bombril. O produto ideal para a
limpeza da cozinha no passado, no presente e em todos os
tempos.
Foto 26:
Comercial Mon Bijou “Censurado” — Considerado por muitos
como um dos comerciais mais criativos da TV, este filme para a
Mon Bijou, na verdade, eram dois. O que o telespectador não
notou é que, além do capuz na segunda propaganda, logo após a
primeira ter sido censurada, o texto era o mesmo. A diferença
estava em onze palavrinhas agora pronunciadas pelo Garoto
Bombril: “Só que andou reclamando, agora não vai aparecer
mais na televisão”.
Foto 27:
Comercial Ronaldo “Fenômeno” — Nas Copas do Mundo de
1994 e 1998, o Brasil tinha um fenômeno em campo. E outro na
cozinha, Bombril, o produto que todas as donas de casa
convocavam para a limpeza do lar. Este comercial foi mais um
fenômeno de vendas e de recall de Washington Olivetto e sua
equipe de criação.
Foto 28:
Comercial “Japas” para Bombril — Em 1999, a Bombril
apresentou um novo super herói da limpeza: Bombril Multiuso, o
produto que encarava os vilões da sujeira a La Quentin
Tarantino.
No tapa.
Foto 29:
Comercial Bombril “Caldo da Galinha Azul” — Foi em 1991 que
a Bombril apresentou uma nova receita de bons pratos para a
dona de casa, associando sua imagem à imagem de um outro
grande fabricante, a Maggi. Em animação, o Garoto Bombril
anunciava: os pratos que você prepara com Maggi depois você
limpa com Bombril! Delícia de comercial.
Foto 30:
Comercial “Chaplin, Cinema Mudo” para a Bombril — Todo
gravado em preto e branco, com textos e música ao fundo que
faziam lembrar os tempos do cinema mudo, o filme afirmava:
imitações não duram nada. Tudo passa.
Só Bombril fica.
Foto 31:
Comercial “Piada Suja” para Bombril —
A versatilidade do ator Carlos Moreno, que aqui interpreta cinco
diferentes personagens além dele mesmo, contribuiu para o
sucesso deste comercial. Quem sabe uma rima para Bombril,
levanta o dedo.
Foto 32:
Comercial Garoto Bombril “Readmitido” — Depois de ter sido
demitido por não estar vendendo direito o produto “Bombril”,
ele estava de volta. Alegre, feliz da vida, agradecendo a todas as
donas de casa que tinham escrito cartinhas pedindo a sua volta.
E foram milhares delas. A interação entre a propaganda e o
telespectador havia sido comprovada. Isso ocorreu em 1981,
quando ainda não havia a internet no Brasil e as pesquisas eram
o único meio possível de comprovar a eficiência da mensagem
publicitária veiculada na TV. O filme levou ainda o Leão de
Cannes e inúmeros outros prêmios.
Foto 33:
Comercial Bombril “A volta” — Depois de estar afastado da
mídia por um bom tempo, em 2007 o eterno garoto-propaganda
da Bombril estava de volta. E para marcar sua volta em grande
estilo, Olivetto e sua equipe de criativos utilizaram mais uma vez
uma música grandiosa e memorável: “A volta”, de Roberto e
Erasmo Carlos. Em dois minutos de veiculação, Carlos Moreno
cantarolava para a dona de casa: “Você foi o maior dos meus
casos. De todos
os abraços. O que eu nunca esqueci”.
Foto 34:
Comercial Bombril “Estátua” — Nessa obra-prima da
propaganda moderna, Olivetto confirma a máxima de que uma
imagem vale por mil palavras e nos traz um comercial sem
uma única palavra. Nem mesmo o nome da marca Bombril é
citado uma única vez. Pergunta se o consumidor lembra do
filme ainda hoje?
Foto 35:
Comercial “Pianista” — Bombril tem mil e uma utilidades,
todos sabem disso. Então, para reforçar tal tese, a propaganda
mostra um pianista em cena. Aplaudido, ele agradece e inicia o
concerto clássico. Mas algo dá errado: o piano parece
desafinado. Que desagradável. O que fazer? Nada de pânico. O
pedaço de Bombril que ele tira do bolso e esfrega nas teclas
resolve o problema. Bombril. Na antena da TV, Bombril no
conserto e no concerto de música. Bombril é música para os
seus ouvidos.
Foto 36:
Comercial Bombril “Garota Marisa” — Imagina a Garota
Marisa fazendo propaganda da Bombril na TV? Foi exatamente
isso que Washington Olivetto e sua equipe bolaram em 1990.
Colocaram a Garota Marisa dizendo que as garotas da loja onde
trabalha também só usam Bombril. O Garoto Bombril ficou sem
palavras dessa vez. Por quê? Ora, porque a Garota Marisa
afirmou que o Bombril é igual ao Carlinhos, é demais!
Foto 37:
Comercial Bombril “Quase de Graça FHC” — Nem presidente
da República escapou das paródias do Garoto Bombril. Neste
divertido filme, o então presidente Fernando Henrique e sua
esposa, dona Ruth, discutiam o orçamento caseiro, enquanto
FHC anunciava as vantagens do pacote da “Promoção Bombril
quase de graça”.
Tá explicado por que a peça foi, democraticamente, eleita uma
das mais criativas do ano.
Foto 38:
Comercial Bombril “Eco” —
O momento em que a sociedade começou a falar em ecologia
serviu de gancho criativo para mostrar as qualidades ecológicas
do Bombril: ele já nasceu ecológico. Sabe por quê? Porque é
feito de aço. Era o Carlinhos, o garoto-propaganda da Bombril,
quem anunciava: “depois que a senhora usa o Bombril, ele
enferruja, vira pó e some. Quanto a maioria dos outros produtos,
bem, a senhora já sabe, né?”
Foto 39:
Comercial “Carrão de Marajá” Bombril — Em 1990, Carlos
Moreno entrava em cena com o apresentador Fausto Silva.
Juntos eles anunciavam um novo comercial de TV para a
Bombril. Era a “Promoção Carrão de Marajá” que distribuía
mil e um prêmios.
“Ô, lôco, meu!” Choveu cartas pra Caixa Postal do Programa
do Faustão, é claro.
Foto 40:
Comercial Bombril “Carlitos Pãezinhos” — Em 2007, foi a vez
de Carlitos voltar a anunciar Bombril. A originalidade do filme
estava nos dois pedaços de esponjas de aço que entravam em
cena substituindo os pãezinhos do celebrado roteiro criado pelo
gênio do cinema mudo. Era impossível o telespectador
permanecer diante da TV como o filme, mudo.
Foto 41:
Comercial Bombril “Quase de Graça Com Rogéria” — Não é
todo dia que se assiste a um comercial de TV com um garoto-
propaganda quase mulher ou quase homem anunciando um
produto. Por um preço, claro, que era também quase de graça.
O resultado da promoção foi divulgado pela própria Rogéria:
Abalou!
Foto 42:
Comercial Bombril “Com Pelé” — No início dos anos 1990, a
Bombril entrava em campo com um novo garoto-propaganda
atuando ao lado do ator Carlos Moreno: Pelé. Em cena, a
tabelinha do dois rendeu um golaço de
comercial. Foi dez.
Foto 43:
Comercial “Roletrando Bombril” — Rá, rái!!! Adivinha quem
era parodiado nesta promoção? Muito bem, as coleguinhas de
auditório estão absolutamente certas! Era ele mesmo, um dos
maiores apresentadores que a TV brasileira já conheceu.
Roletrando Bombril, um comercial de Washington Olivetto e sua
equipe criativa, trazia mil e um prêmios para as donas de casa.
“Se é bom, se é bom é da...” – puxava uma resposta o
apresentador. Ao que todos respondiam: “…é da Bombril!”.
Foto 44:
Comercial Bombril “Cacique” — E para falar de ecologia, a
mensagem publicitária agora apresentava um cacique que,
conversando com o garoto-propaganda da Bombril, reclamava:
cacique pescou um peixe estranho. Peixe estranho não serve pra
nada, não desmancha e estraga o rio. Claro que o produto não
era um Bombril, que não polui a natureza, porque enferruja,
desmancha e some. Só Bombril é amigo da sua casa, da
natureza, da sua saúde e tem mil e uma utilidades.
Foto 45:
Detalhe do comercial “Piada Suja”
Foto 46 e 47:
Comercial “Outra Vez” — Em 1981, o Garoto Bombril se
despediu das donas de casa e saiu do ar. O que ninguém sabia é
que aquilo era tudo planejado. A sua volta já estava acertada e
estava sendo gravada. Ela aconteceu em grande estilo, com o
ator Carlos Moreno cantarolando num memorável comercial
que tinha música de Roberto e Erasmo Carlos. “Você foi o
maior dos meus casos. De todos os abraços. O que eu nunca
esqueci”. E o Brasil inteiro cantou com ele a mais linda história
de limpeza que alguém já escreveu.
Foto 48:
Comercial “Plin Unibanco”
Foto 49:
Anúncio “1001 indicações na categoria limpeza” — Na véspera
da entrega do prêmio máximo do cinema, a Bombril pega uma
carona na propaganda de Washington Olivetto para fixar sua
imagem na mente da dona de casa. E o Oscar da criatividade,
evidentemente, foi para os criadores da peça.
Foto 50:
Comercial “Passeata” para a Staroup — Em plena época da
repressão no país, a Staroup apresentava um comercial em que
jovens, perseguidos pela polícia, protestavam diante das
câmeras. Leão de Ouro em Cannes, o filme tinha algo inédito na
ficha técnica: a direção de comercial do próprio Washington
Olivetto.
Foto 51:
Anúncio Bombril “Não dê Eco” — No final de 1999, o cantor
João Gilberto havia feito uma apresentação numa conhecida
casa de shows em São Paulo, onde havia reclamado da acústica.
Aproveitando a oportunidade, ainda no dia seguinte, a Bombril
estampava anúncio nas principais revistas do país, onde
parodiava o consagrado ator: “Não dê eco pra sujeira”.
Foto 52:
Anúncio “Com Bombril a sujeira perde sempre” — Em março de
2000, a manchete na mídia era o então piloto de Fórmula 1
Rubens Barrichelo. Aproveitando a coincidência da cor de sua
escuderia ser a mesma da Bombril (vermelha), Olivetto
parodiou o famoso piloto, correndo.
Foto 53:
Anúncio “Compra Bombril Tia, Compra” — Não, essa aí da foto
não é a tiazinha. É o ator Carlos Moreno em mais uma de suas
memoráveis paródias. A bola da vez era a “mandona”
apresentadora que dividia o espaço na TV com um outro muito
conhecido apresentador. De chicotinho e tudo nas mãos, ela
insinuava: “Compra Bombril, Tia, compra”.
Foto 54:
Anúncio Bombril “Limpeza Mia” — Em 1999, a novela “Terra
Nostra” fazia imenso sucesso em todo o país. E Olivetto e sua
equipe aproveitaram para parodiar o casal mais famoso da TV.
Com direito a sotaque italiano na mensagem publicitária de
vendas, eles diziam: “Bombril, Limpeza Mia”.
Foto 55:
Comercial “Pinho Brill acaba com a sujeira” — Em tempos de
globalização, até briga de casal vira notícia. E depois vira
anúncio de sucesso. Foi o que aconteceu com a briguinha de um
famoso par romântico em que ele era Prefeito de São Paulo.
“Tem sujeira”, denunciava a mulher. Ao que ele esclarecia de
imediato: “Mas tem Pinho Brill que acaba com a sujeira!”
Foto 56:
Comercial Bombril “Olha a Bombrileza aí” — Foi em 1999 que a
musa do Carnaval – e do Hans Donner – ganhou as páginas dos
anúncios das revistas e voltou ao horário nobre da TV. A
divertida paródia foi criada você sabe por quem.
Foto 57:
Detalhe do comercial “Carlitos – Pãezinhos”.
Foto 58:
Comercial Rider “Vamos Fugir” — Um clipão anunciava as
sandálias Rider nesta propaganda de três minutos e meio. A
música de Gilberto Gil aqui era interpretada pelo Skank.
Pergunta se fez muito sucesso, pergunta?
Foto 59 e 60
Comercial “Coisa Linda para O Boticário” — O mago dos
comerciais, Julinho Xavier, assinava mais esta verdadeira obra-
prima da propaganda televisiva. Um monte de mulheres lindas
fazia caretas diante das câmeras, enquanto experimentava
produtos da marca O Boticário. Ao fundo, João Gilberto cantava
“Coisa mais bonita é você... você é mais bonita que a flor”. Tem
coisa mais linda de se ver?
Foto 61:
Comercial Rider “Felicidade foi-se embora” — Foi em 1993 que
Rita Lee emprestou seu imenso talento para as campanhas de
Rider. Enquanto ela catava o clássico de Lupicínio Rodrigues, as
imagens faziam o contraponto, mostrando que apara quem tem
os olhos mais adiante e os pés num Rider, a felicidade é
eterna… Não vai embora nunca.
Foto 62:
Comercial “Balanço Zona Sul” para o Supermercado Zona Sul —
Foi em pleno auge da Bossa Nova que Tito Madi criou este
clássico do cancioneiro brasileiro. Inesquecível. Na versão
original, fez sucesso cantada por Wilson Simonal. O que
Washington Olivetto fez foi trazê-lo de volta ao sucesso num belo
comercial para o Zona Sul, em pleno verão de 2007, agora na
voz de seu filho, Wilson Simoninha. Claro que você notou a
semelhança, não notou? A mensagem era:
“Do Leme até o Leblon, tem Zona Sul. Vem”.
Foto 63:
Comercial “Mercedes-Benz, Fã” — Um dos mais belos e
criativos comerciais da propaganda brasileira. Narra a relação,
a paixão que o brasileiro tem por automóveis. E ela é imensa. A
música ao fundo, em clima de sonho, é a dos filmes de Disney e
as cenas, bem, só mesmo vendo para relembrar. Pura emoção
do primeiro ao último segundo da mensagem comercial.
Foto 64 e 65:
Comercial “Chambinho – Carinhoso” — Foi em 1984 que a
Chambourcy aprovou este belo comercial. Enquanto crianças
declaravam seu amor ao produto, ouvíamos algumas delas
cantarem “Carinhoso”, um dos clássicos de Pixinguinha. Grande
comercial que arrebatou não apenas todos os prêmios, mas
também ajudou a divulgar a cultura popular brasileira e a tornar
o Chambinho ainda mais conhecido da garotada.
Foto 66 e 67:
Comercial “Rider país tropical” — O sucesso de Jorge Ben Jor
estava de volta às paradas, agora na voz dos Paralamas do
Sucesso. Que ano se deu tal fato? Foi em 1993. Foram dois
minutos de comercial que mostravam que a Rider by Grendene
tinha se transformado numa preferência nacional. Quem mora
num país tropical, abençoado por Deus, tem que ter mesmo um
Rider nos pés.
Foto 68:
Comercial Pinho Brill “Pense em mim” — Dessa vez Leandro e
Leonardo não cantavam mais sozinhos. Tinham agora a
companhia do garoto-propaganda da Bombril e de milhões de
telespectadores que acompanhavam o até então maior sucesso
da dupla. Os anos 1990, pode-se dizer, foram os anos do “pense
em mim, liga pra mim, não chore por ele”. Aplausos para
o Pinho Brill.
Foto 69:
Comercial Credicard “Eu vou tirar você desse lugar” — Quem
não se lembra do grande sucesso dos anos 70 que foi “Eu vou
tirar você desse lugar”, na voz do cantor Odair José? Pois ele
estava agora de volta com uma mensagem para quem não
aguentava mais ficar ralando e chegava sempre ao fim do mês
sem dinheiro no bolso. Num cenário simples que caracterizava
um show musical, com apenas um violão nos braços e sentado
num banquinho, Odair José passava a mensagem de Washington
Olivetto, repleta de bom humor para o telespectador: “eu vou
tirar você desse lugar! Credicard. A melhor saída para quem
estava literalmente no buraco”.
Foto 70:
Detalhe do comercial Rider “Como uma onda”.
Foto 71:
Detalhe do comercial garoto-bombril “A volta”.
Foto 72:
Comercial “A volta do cachorrinho” — Roberto e Erasmo Carlos
embalavam mais uma vez a propaganda de Washington
Olivetto. Dessa vez, quem estava em cena era o cachorrinho dos
amortecedores da Cofap, o melhor amigo do homem. A música
era a antológica “A volta”. Impossível não se emocionar diante
das cenas, impossível não cantarolar a letra.
Foto 73:
Comercial Quanto “Lavanderia do senhor Yoshito” —
“Senhor Yoshito”, perguntava o Garoto Bombril, para o dono de
uma lavanderia – evidentemente uma sumidade em lavagem de
roupas – “que produto o senhor recomenda para as donas de
casa?” E para surpresa geral, em vez de Quanto, da Bombril, o
simpático japonês respondia: “eu recomendo a lavanderia do
Yoshito!”. Outro exemplo de que, quando memorável, uma
propaganda nunca envelhece.
Foto 74:
Comercial “Natureba” — Imagina o garoto-propaganda de um
determinado produto aparecer em cena completamente pelado,
anunciando a marca? Pois foi isso o que aconteceu quando
Carlos Moreno lançou a propaganda do produto que você vê
acima.
O impacto foi imediato. Milhões de telespectadores deram boas
gargalhadas ao ver o Garoto Bombril se escondendo atrás da
embalagem de Bombril. Mas ninguém reclamou.
Foto 75:
Foto do comercial “Bombril tem mil e uma utilidades” — Trata-
se de um comercial antigo em que o Carlinhos está limpando
uma vidraça, até que vemos o seu rosto. Não tem texto o filme.
Apenas aparece no final em lettering: “Bombril tem mil e uma
utilidades”.
Índice
CAPA
Ficha Técnica
Dedicatória
Agradecimentos
Prefácio
Introdução
Justificativa
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Conclusão
Referências bibliográficas

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