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A Propaganda Brasileira Depois de Washington Olivetto
A Propaganda Brasileira Depois de Washington Olivetto
Sobre a obra:
Sobre nós:
Bibliografia
ISBN 9788580447743
Editora PUC-Rio
Rua Marquês de S. Vicente, 225, casa Editora PUC-Rio/Projeto Comunicar
22451-900 Rio de Janeiro, RJ
Tel.: (21)3527-1760/1838
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www.puc-rio.br/editorapucrio
Conselho Editorial
Augusto Sampaio, Cesar Romero Jacob, Fernando Sá, Hilton Augusto Koch,
José Ricardo Bergmann, Luiz Alencar Reis da Silva Mello, Luiz Roberto
Cunha, Miguel Pereira e Paulo Fernando Carneiro de Andrade.
2013
Todos os direitos reservados a
TEXTO EDITORES LTDA.
[Uma editora do Grupo Ley a]
Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86
01248-010 – Pacaembu – São Paulo – SP – Brasil
www.ley a.com.br
Dedicatória
O autor
Ivan Zurita
Introdução4
Aos dezenove anos ele ia para a universidade – uma das duas que
cursava na época – quando, de repente, o pneu do carro estourou. O que para
muitos podia ser um sinal de azar, má sorte ou contratempo, para ele não era.
Ou podia não ser só isso. Quando se é otimista, mesmo as dificuldades podem
se transformar em oportunidades. E, se há algo que ele sempre foi, é
exatamente isso: um otimista.
Talvez houvesse algum motivo para aquilo ter acontecido, pensou,
enquanto observava o pneu arriado.
Por coincidência, tal fato se deu bem em frente a uma agência de
publicidade – ele é que ainda não havia percebido –, e, dividido entre o
jornalismo, a propaganda e a psicologia, não sabia ao certo o que fazer da
vida.
Para a família e os amigos mais próximos, ele podia vir a ser muita
coisa. Mas, tendo nascido no Brasil e com aquele nome, Washington, talvez
viesse a ser mesmo um médico, músico, jogador de futebol ou presidente,
quem sabe?
Aqueles eram os anos 1970 e a cidade era a grande São Paulo. Fazia um
calor imenso em Higienópolis e, para variar, ele estava em cima da hora.
Quem faz muitas coisas ao mesmo tempo não costuma ter muito tempo
para ficar pensando muito no que vai fazer – faz logo alguma coisa ou não faz
aquilo nunca mais.
Por isso mesmo o jovem saltou do Karmann Ghia vermelho que havia
ganhado de presente da tia e observou atentamente o que estava escrito
naquela placa da casa, agora diante dele: HGP Propaganda.
Santa coincidência. A sorte havia decidido por ele dessa vez. Seu futuro,
que já estava escrito há muito nas estrelas, parecia estar começando agora.
Era como se alguém ou alguma coisa lhe mostrasse o caminho, chamando:
venha, é por aqui!
Carlos Drummond de Andrade já havia alertado sobre esse fenômeno.
Certa vez, quando entrevistado sobre como escrevia textos tão belos,
respondeu: “Acho que são anjos que vêm ao meu ouvido e falam: escreva
assim”.5
Então ele olhou mais uma vez para o carro e depois para a placa. Como
não levava muito jeito para trocar pneus, decidiu arriscar um emprego sério.
O primeiro de sua vida. Chamou o dono da agência e pediu uma chance:
“Olha, moço – disse ele –, não sei se o senhor acredita em destino, mas o
pneu do meu carro acabou de estourar. Ele não vai estourar duas vezes na
mesma rua. Não diante da sua agência. Pode ser coincidência, mas eu acho
que levo o maior jeito para publicidade. Estou procurando um emprego, está
bem, pode ser um estágio, e acho que alguém ou alguma coisa está me
dizendo para começar aqui. E agora. Se o senhor não me der essa chance, eu
e o senhor vamos perder uma grande oportunidade, eu aposto”.
Juvenal Azevedo, que era um homem experiente e um dos donos da
HGP, coçou a cabeça. Não estava acostumado a ouvir propostas como essa,
nem a ouvir tanta franqueza assim de uma só vez. Não todos os dias. Parou
um pouco, pensou. E, logo a seguir, talvez levado também pela intuição,
concordou: “Pode começar hoje mesmo, se você acertar, o emprego é
seu”.6
Como diria Holden Coulfield,7 personagem do livro de J. D. Salinger que
ele tanto ama, foi desse modo que tudo começou.
Numa entrevista, aliás, que tivemos a oportunidade de realizar quarenta
anos depois, como que endossando tudo o que foi dito aqui, ele próprio nos
responderia: “Se acredito em destino? Em livre-arbítrio? É claro que
acredito”.8
A descoberta da penicilina, da fotografia e do raio-x, a cura da
tuberculose, a invenção do telefone e do micro-ondas e algumas das mais
expressivas descobertas da humanidade também aconteceram assim: meio
que por acaso, embora existencialistas como Schopenhauer, Heidegger e
Nietzsche tenham afirmado que não é bem assim, pois, para quem não sabe
para onde vai, todos os caminhos levam a lugar algum: “De onde então a
crença de que somente em artistas, oradores e filósofos há gênio? De que
somente eles têm intuição?”.9
Talvez aquele jovem já soubesse sim o que queria e para onde iria.
Talvez não soubesse ainda exatamente como chegar lá. Talvez o destino tenha
lhe dado, na verdade, um empurrãozinho. Afinal, o destino não depende de
nós – ou só depende de nós?
Alguns pensadores acreditam que as coisas boas, assim como também
as ruins, só acontecem de verdade quando, de certa forma, já estamos
procurando por elas. Seria mesmo?
Voltaire, como veremos a seguir, desenvolveu um longo estudo sobre o
assunto. É na Ilíada, de Homero, que – afirma o pensador francês – “pela
primeira vez, achamos a noção de destino”, e de que ele é senhor do mundo.
Tudo obedece a leis imutáveis, tudo é interdependente, tudo tem um efeito
necessário. Não há como escapar do destino.
Mas Voltaire, em sua imensa sabedoria, também questionou-o e,
escrevendo sobre a prudência, se perguntou: o homem prudente cria o seu
próprio destino ou é também o destino que faz prudentes os homens?
A pergunta que nos vem então à mente é: teria o futuro daquele jovem
sido mesmo determinado meramente pelo destino, apenas? Ou estaria ele em
busca desse algo ou alguma coisa sem o qual, afirmam os existencialistas,
tudo dá em nada e a fatalidade decide tudo?
Teria o acaso sido extremamente generoso com ele, abrindo-lhe, desse
modo, as portas de um futuro feliz, próspero e afortunado? Teria tido aquele
jovem apenas muita sorte, como quem acerta numa loteria e nada mais? Até
onde, aliás, a sorte e o acaso podem decidir o futuro de alguém? Até onde?
E aqui uma nova questão precisa ser respondida: quais teriam sido as
consequências desse evento se, em vez de uma agência de publicidade, um
pneu de seu carro tivesse furado na porta de uma escola, de uma clínica
médica, de uma delegacia ou de uma empresa de engenharia? Teriam o
Brasil e o mundo perdido para sempre um de seus mais geniais e talentosos
publicitários de todos os tempos?
Quando dirigimos tal pergunta a Olivetto,11 obtivemos como resposta
um sorriso enigmático, como quem responde com uma nova pergunta: quem
sabe? Tivéssemos nós insistido e teríamos certamente ouvido uma sugestão:
por que não pergunta isso ao destino?
O acaso, a sorte, o destino. Como explicar isso razoavelmente?
François Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido como Voltaire,
parece ter a resposta: “Os acontecimentos estão encadeados uns nos outros
por uma fatalidade invencível”.12
Nada é gratuito. Não há um átomo, por menor que seja, que não tenha
influído na situação atual do mundo inteiro e mesmo o mais insignificante dos
acidentes parece estar sempre ligado à cadeia do destino. Não há efeito sem
causa. Entre Deus e o homem há o infinito.
Para o filósofo francês, o futuro nasce do presente e o passado é quem
faz nascer o presente. Tudo é roldana, mola de uma mesma engrenagem
colossal que se estende de um lado a outro do universo.
E assim não há como fugir do destino: ele está acima até mesmo dos
deuses. Mesmo Zeus, que tentou iludir o Destino uma vez, não pôde livrar seu
filho Sarpédon de morrer na data fixada, pois o destino de toda a Terra
dependia de sua morte e “Zeus em vão tentou salvar Heitor (...) logo fica a
saber que o troiano há de ser infalivelmente morto pelo grego; não poderá
evitá-lo e, desde esse momento, Apolo, o gênio guardião de Heitor, é
obrigado a abandoná-lo”.13
Seria mesmo verdadeira tal afirmativa? Estariam contidas nela as
respostas para as perguntas que o homem se faz há séculos e para as quais,
parece, ainda restam muitas dúvidas? Seria tudo meramente fruto do acaso,
da sorte, do destino? Estaria mesmo o destino dos homens traçado ainda antes
do seu nascimento?
Ao tentar explicar o pensamento de Freud, Erich Fromm (Fromm,
1980b, p. 7) definiu a questão fundamental da humanidade.
E ela é a busca pela verdade.
De Sócrates a Spinoza, passando por Buda, Hegel e Marx, todos os
grandes pensadores estiveram envolvidos com uma mesma questão: a busca
pela verdade.
“Se examinarmos as situações de todos os povos, vamos reparar que
elas estabeleceram-se, desse modo, numa sucessão de fatos que parecem
não depender de nada e, em verdade, são consequência de tudo”.14
O que Voltaire parece querer nos mostrar com isso é que um camponês
pode até acreditar que foi por acaso que caiu granizo na sua seara, mas o
filósofo sabe que o acaso não existe.
Seria mesmo?
Voltando agora no tempo, percebemos que aquele tinha tudo para ser
mais um acontecimento banal, sem importância alguma. Simplesmente mais
um acontecimento, como são todos os outros: banais. E que, com o tempo,
tudo se assentaria, tudo seria esquecido, tudo seria nada de novo. Mas não foi
bem assim que tudo aconteceu. Será que, na verdade, não há nada de banal
em acontecimento algum, como afirmara Voltaire?
O certo é que logo num dos primeiros trabalhos, ainda na fase de
experimentação, seu talento já vinha à tona. Ao criar um anúncio para
vender aparelhos de TV para o Dia das Mães, ao lado da foto de uma
velhinha simpática, ele havia escrito o seguinte título: “Dê um televisor ABC
para a primeira mulher da sua vida”.
Aquela não parecia ideia de estagiário, mas de um grande redator. E foi
exatamente isso que o dono da HGP disse para ele: “Meu filho, você ainda
vai ser um grande redator”.15
Pouco depois, trabalhando então na Lince Propaganda, ao fazer uma
chamada para uma série policial da TV, notou que o ator principal era
gordinho, baixinho e feio. Era o contrário do protótipo dos heróis atléticos,
como Magnum, James Bond e tantos outros, que os seriados da época
apresentavam. Pegou então a pior foto que tinha do detetive Cannon (vivido
no filme pelo ator William Conrad), em que ele aparecia com a barba ainda
por fazer e cara de quem não dormia há alguns dias, e embaixo da foto
acrescentou o seguinte título: “Esse é o mocinho do filme que o 13 apresenta
hoje à noite. Imagine a cara do bandido”.16
Passado menos de um ano, a previsão do primeiro patrão, o dono da
HGP, se concretizava e, com um comercial para a Deca, o jovem cabeludo
de apenas vinte anos, que até alguns meses antes recebia um pouco mais que
o salário mínimo, ganhava seu primeiro de uma série de muitos e muitos
outros Leões de Cannes.
Como ele mesmo escreveria no slogan que ainda viria a criar um dia, “o
primeiro Leão a gente nunca esquece”.
E foi a partir de então que as propostas de trabalho, de melhor
remuneração e os prêmios não pararam mais de acontecer em sua vida. “O
bom de ser famoso é que você vira amigo dos seus ídolos” – viria a dizer,
também, aquele mesmo jovem.
Esse foi o início da carreira de um dos mais premiados, aclamados e
brilhantes publicitários que o mundo já viu: Washington Olivetto, cujo nome
completo, Washington Luiz Olivetto, foi dado pelo avô em homenagem a um
ex-presidente brasileiro.
Redator, empresário, cronista, letrista e apaixonado pelo futebol, em
especial pelo Corinthians, pelos lugares e pelas viagens, Washington Olivetto é
um ser múltiplo que parece estar sempre em busca da perfeição.
Extremamente criterioso, ele costuma implicar com seus próprios
textos, muitas vezes acreditando que podiam ter ficado ainda melhores
(Olivetto, 2004, p. 9, 67, 103, 121 e 128).
Seria mesmo?
Paulista, nascido em 29 de setembro de 1951, Olivetto é filho de Virso e
Antônia Olivetto e é mais lembrado pelos filmes e anúncios que faz para a
propaganda, a maioria deles absolutamente genial.
Já foi capa ou matéria de Veja, Playboy, Archive, Advertising Age,
Exame, Mondomix, El Pais, Vogue, Der Spiegel, New Yorker e muitas outras
publicações famosas e é conhecido no mundo inteiro.
Entrou para o Hall of Fame em 2009 (para o Hall da Fama brasileiro,
em 2002) e hoje é sócio de uma das maiores e mais tradicionais agências que
a publicidade já conheceu, a McCann-Erickson – empresa subsidiária da
Interpublic Group of Companies –, fundada em 1912, e, com a sua chegada,
em toda a América Latina e Caribe, passou a se chamar WMcCann-Erickson.
Agência esta que, em menos de um ano de existência, e com R$ 687
milhões de faturamento, já é a maior agência do Rio de Janeiro e a quarta
maior do país em faturamento, atrás apenas da Young & Rubicam, Almap
BBDO e Thompson.17
Mas existe um outro Olivetto que poucos conhecem. Admirador de F.
Scott Fitzgerald, Machado de Assis, Monteiro Lobato, J. D. Salinger, Groucho
Marx, Mel Brooks, Woody Allen e Neil Simon, entre outros tantos, Washington
é um leitor voraz que nas horas de folga escreve artigos, crônicas e resenhas
para grandes jornais e revistas, além de textos para os seus próprios livros.
Tem sete até agora.18
Washington Olivetto é multifacetado e eclético: além de músicas (letra)
em parceria com Tom Zé, como Amor de estrada, que na verdade era um
jingle criado para um comercial da General Motors, o briefing, pode-se dizer,
de Alô, alô, W/Brasil, foi ele quem passou para o Jorge Ben Jor.
A ideia surgiu de uma noite de festas na sua antiga agência (os outros
dois sócios eram Gabriel Zellmeister e Javier Llussá Ciuret) em que o
convidado era o cantor Jorge Ben Jor. Tal fato ocorreu em 1990. Enquanto
conversavam animadamente sobre a W/Brasil ter entrado para a lista das dez
maiores agências brasileiras, falaram também sobre futebol, política e Tim
Maia. Jorge Ben ouviu tudo atentamente. “Pouco tempo depois”, revela
Olivetto, “que o Jorge Ben veio aqui, voltou com essa canção e disse: ‘Olha o
que eu compus para vocês’.” 19
“Legal demais ligar o rádio do carro e ouvir ‘Alô, alô, W/Brasil’. Vale
mais que mil troféus”, completa o raciocínio o redator e escritor (Olivetto,
2011, p. 115).
Adivinha qual era a música que tocava ao fundo, enquanto você
aguardava alguém ao telefone, nos tempos de W/Brasil?
Mais que um muito bom redator, Washington Olivetto tem mais da
metade de sua vasta produção de mensagens comerciais calcada num
mesmo recurso retórico: a música popular brasileira.
Em grande parte de seus comerciais encontramos como fio condutor da
história a ser narrada músicas do Skank, Paralamas do Sucesso, Jorge Ben Jor,
Tim Maia, Nelson Ned, Roberto e Erasmo Carlos, João Gilberto, Kid Abelha,
Seu Jorge, Lulu Santos, Odair José, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Sandy,
Leandro e Leonardo, Tito Madi e mil e um outros grandes nomes da música
brasileira.
Em seus comerciais o elenco é estelar e encontramos de Luiz Fernando
Guimarães a Fernanda Montenegro, de Seu Jorge a Débora Bloch, de Gisele
Bündchen a Ana Paula Arósio, de Xuxa a Marcelo Madureira, de Leonardo a
Luma de Oliveira, de Renato Gaúcho a Patrícia Lucchesi, de Baby do Brasil
a Jorge Ben Jor, de Carlos Moreno a Ivo Pitanguy, Bill Gates e ele próprio.
Mais que um muito bom redator publicitário, Washington Olivetto é um
divulgador da cultura popular brasileira.
Modesto, não se considera um mito. Lenda para ele era David Ogilvy :
“No mundo inteiro, alguns publicitários bem-sucedidos se consideram uma
lenda. David Ogilvy não se considerava. Ele é” (Olivetto, 2004, p. 33). E
acredita que a única pessoa que considera seus textos absolutamente
impecáveis é a própria mãe, que é sua fã número um (Olivetto, 2004,
dedicatória).
Precoce, aprendeu a ler quando tinha entre quatro e cinco anos de idade
e, depois que tomou gosto pela escrita, nunca mais parou de ler e escrever
muito. Daí para a faculdade de Comunicação e a publicidade foi um salto: a
admiração que sentia pelo pai era tão grande que decidiu seguir os mesmos
passos, tornando-se também um brilhante vendedor.
Com o que já recebeu da propaganda, podia ter aposentado a caneta já
há muito. Mas escrever anúncios é sua vida e, talvez, por isso mesmo
continue ainda hoje chegando cedo ao escritório e saindo de lá apenas quando
quase todos já foram embora. “Tenho consciência de que a única coisa que
escrevo bem é propaganda... Não é talento. É uma questão de treino. Me
adestrei para isso desde os dezenove anos de idade” (Olivetto, 2004,
abertura). Seria mesmo, caro Washington? Será que os textos da propaganda
são mesmo os únicos que você escreve bem?
Sua luta contra as ditas campanhas fantasmas, aquelas que não foram
veiculadas na grande mídia, não obedecem a um briefing e foram criadas
apenas para ser inscritas em premiações, visando à visibilidade, é antiga.
Durante anos, enquanto esteve a frente de sua antiga agência, a
W/Brasil, recusou-se a inscrever peças em festivais e chegou a declarar a
respeito: “Você vê o anúncio e não sabe se é para vender o produto ou o
publicitário” (Morais, 2005, p. 350).
A verdade é que, embora muitos não saibam, muitas peças são
premiadas assim, como o clássico comercial que vendia uma determinada
marca de cola doméstica e ganhou o Grand Prix de Cannes em 1994.
A história, realmente original, mostrava uma madre superiora que, ao
mexer nos órgãos íntimos de uma estátua masculina que ela estava polindo, o
quebrava. Sem saber o que fazer, ela consultava então uma outra madre, que
lhe apresentava uma determinada marca de cola. Apressada, a madre
superiora voltava junto à estátua e colava então o seu órgão no lugar.
O detalhe: sem perceber, levantado para cima. Esse comercial, segundo
Olivetto, além de genial, era também absolutamente fantasma: um amigo seu
(Luís Casadevall) tivera a ideia e, como não tinha o cliente, inventou não
apenas o roteiro do filme como também um nome para o produto e inscreveu
o filme em Cannes.
Competir contra peças assim, para Washington Olivetto (Olivetto, 2004,
p. 110), é como participar de uma corrida de cavalos, na qual um dos
concorrentes corre pilotando uma motocicleta. Não é justo.
Idealista, ao longo dos mais de quarenta anos em que trabalha com
publicidade, Washington Olivetto deixou de ganhar algumas fortunas por se
recusar a fazer campanhas políticas e atender a contas governamentais: “Não
faço campanhas políticas, nem aceito contas de governo” e “políticos não
sustentam o meu negócio” (Morais, 2005, p. 220; Olivetto, 2011, p. 103-104).
Coincidentemente, outro grande publicitário, David Ogilvy também
afirmava o mesmo: “Sempre que minha agência é convidada para fazer
publicidade para um político, ou para um partido político, recusamos o
convite... Usar publicidade para vender estadistas é o cúmulo da vulgaridade”
(Ogilvy, 1963, p. 179).
Até onde vai tal coincidência?
Na verdade, não foi só ele quem perdeu dinheiro por sua insistência em
não trabalhar com tal tipo de cliente: nos anos 1980, a DPZ deixou de ganhar
a conta dos chocolates Lacta porque o Washington havia se recusado a fazer a
campanha do filho do ex-governador Adhemar de Barros, que pretendia se
candidatar ao Governo do Estado de São Paulo e era o dono da fábrica de
chocolates (Morais, 2005, p. 182).
Depois que ele negou os apelos do candidato, este respondeu com a
mesma palavra quando Roberto Dualibi (um dos donos da agência DPZ)
solicitou a conta: não.
Determinado, abriu mão de inúmeras contas, incluindo a de um dos
maiores fabricantes de brinquedos do país, porque o anunciante mexia em
quase todos os anúncios que ele criava e, como era contrário à comunicação
exposta pelo cliente na mídia, colocou um anúncio polido e respeitoso de
página inteira no dia seguinte, que dizia mais ou menos o seguinte: a W/GGK
não atende mais a conta da Estrela.
Quantos fariam o mesmo hoje em dia?
Admirado pela maioria dos grandes profissionais que compõem a sua
classe, ao dividir o Hall da Fama da publicidade brasileira em 2002 com
Ercílio Tranjan, recebeu dele o seguinte elogio por escrito: “O Washington
Olivetto é um dos últimos herdeiros do legado de Leo Burnett: se um dia
vocês se preocuparem mais em ganhar dinheiro do que em fazer boa
propaganda, por favor, tirem o meu nome da porta. Acho que foi mais ou
menos isso que o Leo Burnett disse, tenho certeza que é isso que o Washington
sente”.20
A melhor definição de Washington Olivetto, aliás, parece vir do próprio
Tranjan, brilhante redator que Olivetto procurou quando estava ainda
começando e usava barba e cabelos compridos: “O Washington inventou
alguns dos personagens mais memoráveis da propaganda brasileira. De todos,
um é insuperável: o Washington é a melhor criação do Washington... Ele se
autoescreveu há muito tempo.” 21
Autor de algumas das mais premiadas campanhas de toda a história da
propaganda, eleito Publicitário do Século, detentor de mais de mil prêmios,
incluindo 53 Leões e, ao lado de Francesc Petit – sua ex-dupla dos tempos de
DPZ –, do comercial, segundo o Guiness book, que por mais tempo foi
veiculado na mídia (Garoto da Bombril – dezesseis anos no ar, com mais de
340 filmes),22 e de dois comerciais incluídos na lista dos cem maiores
comerciais de todos os tempos (O primeiro sutiã a gente nunca esquece, em
parceria com Camila Franco e Rose Ferraz, e Hitler, criado em parceria com
Nizan Guanaes), Olivetto é um escritor fértil que parece discordar quando
alguém lhe chama de workaholic: “Trabalho como a formiga, mas me divirto
como a cigarra”, costuma dizer aos mais íntimos. (Ver caderno de imagens,
fotos 1 e 2).
Trabalho para ele é diversão, passatempo. O que faz mal ao homem não
é ter muito trabalho, é não ter nenhum.
Seguidor da teoria de Domenico De Masi – sociólogo italiano –, de
quem, aliás, é amigo, Washington acredita que o ócio alimenta a criatividade.
“As grandes ideias, afirma o publicitário, também surgem quando,
aparentemente, não se está pensando em nada”.
Admirador de Voltaire, Olivetto deve saber que foi durante seus
momentos de lazer que o sábio francês traduziu os Princípios de Newton e a
Eneida, de Virgílio.
Quem disse que os momentos de descanso não podem ser também
produtivos e lucrativos? Foi durante um jantar em Nova York que, ao ouvir
uma música cantada por Frank Sinatra, rabiscou num guardanapo algumas
linhas que, mais tarde, se transformariam num dos mais brilhantes e
memoráveis comerciais para os bombons Garoto – Sonhos.
Entre os ídolos, nomes famosos como Bill Bernbach, talvez sua
influência maior, Bob Levinson e Alfredo Marcantonio – que sobre ele, certa
feita, disse: “Algumas pessoas preferem álcool. Ou drogas. Washington
Olivetto é viciado em propaganda” (Morais, 2005, p. 380).
Isso além de David Abbott, Ed McCabe e John Webster – que ele
considera o melhor de todos, o mais brilhante: “John Webster provou que um
grande criador podia ser redator, diretor de arte e diretor de cinema ao
mesmo tempo, criando e produzindo sozinho... influenciou publicitários do
mundo inteiro com sua capacidade de pensar simples” (Olivetto, 2004, p. 41).
Sua vida é um e-book aberto: além dos inúmeros blogs e sites para os
quais contribui com matérias, comentários e artigos, alguns de seus livros,
como Corinthians X Outros, estiveram por quase três anos na lista dos dez
mais vendidos, segundo dados da revista Veja.
Só há um fato que ele nega veementemente: os textos postados no
Twitter, com mais de quarenta mil seguidores em seu nome, não são seus,
alguém anda usando seu nome indevidamente: “Depois do que me aconteceu
recentemente, não quero mais ninguém me seguindo”.23
Os números são impressionantes: alguns de seus comerciais exibidos no
YouTube, como uma seleção de filmes que mostra o ator Carlos Moreno em
alguns de seus melhores momentos para o produto Bombril, já foram
visitados por quase 150 mil internautas (147.334), sendo que o do DDD tem
157 mil e os do Primeiro Valisere a gente nunca esquece, só nas duas versões
mais antigas exibidas na internet, têm quase meio milhão de acessos (309 mil
a postada em 2007 e 151.214 a postada em 2008). (Ver caderno de imagens,
foto 3).
Um outro para o Mon Bijou, que foi censurado, tem mais de 350 mil
(245.917 exibições para o filme antes da censura e 105.691 para o filme já
censurado) e o campeão absoluto de visitas, o bordão criado para divulgar o
comercial da Valisere, O primeiro sutiã a gente nunca esquece, tem mais de
2,18 milhões de citações adaptadas no Google.24
Segundo o escritor Fernando Morais, em Na toca dos leões, só em 2001
Washington Olivetto e o pessoal da sua antiga agência, a W/Brasil, produziram
anúncios suficientes para preencher 621 páginas de revistas e outras 195
páginas inteiras de jornais.
Sem sombra de dúvidas, o publicitário que virou sonho de consumo do
empresariado brasileiro é o que se chama de uma máquina de escrever.
Washington Olivetto é um dos publicitários mais requisitados também no
mundo virtual.25 O comercial da Bombril que faz uma paródia de Che
Guevara tem 147.334 acessos, o dos bombons Garoto, quase cinquenta mil
(31.047 o Sonhos Garoto e 14.807 exibições o comercial Retorno), Rider,
descobridor dos sete mares tem 28.477 e o comercial Hitler quase 220 mil
(75.881 exibições na versão postada em 2008, outras 22.122 exibições na
versão postada em 2009 e 120.770 uma outra, postada em 2007). (Ver
caderno de imagens, foto 4).
No horário nobre da TV a audiência é ainda maior: uma única inserção
de trinta segundos do comercial é capaz de atingir mais de setenta milhões de
telespectadores em todo o país, 162 milhões durante a final do Super Bowl
americano, 350 milhões durante uma corrida de Fórmula 1 exibida em todo o
mundo, mais de dois bilhões de pessoas em transmissões de grande porte
como as Olimpíadas (Pequim, 2008) e mais de 2,6 bilhões de telespectadores
durante uma Copa do Mundo (Alemanha, 2006 – segundo a Fifa), com
transmissão para 214 países ao mesmo tempo.
A propaganda é um espetáculo grandioso26 em que uma emissora (a
NBC) é capaz de pagar até US$ 1,2 bilhão para transmitir com exclusividade
uma Olimpíada (a do Rio de Janeiro de 2016) e nomes como Madonna, Ozzy
Osbourne, Justin Bieber, Michael Jordan, Britney Spears, Shakira, Michael
Schumacher, Tina Turner, Bill Gates, Mel Gibson, Julia Roberts, Stephen
King, Rod Stewart, Michael Douglas, Nicole Kidman e Bruce Willis
aparecem anunciando produtos e serviços em filmes dirigidos por renomados
cineastas, como Martin Scorsese, Ridley Scott, Tony Scott, Fernando
Meirelles, Walter Salles, George Lucas, Steven Spielberg, Fellini, Orson
Welles, Woody Allen e Alan Parker. (Ver caderno de imagens, foto 5).
Uma audiência dessas, além de custar uma fortuna 27 – por trinta
segundos de publicidade durante o Super Bowl, o anunciante chega a
desembolsar 2,2 milhões de euros (aproximadamente R$ 6 milhões) –, pode
tornar alguém celebridade da noite para o dia, fazendo esse alguém
conhecido não apenas em seu país, mas em todo o mundo.
Reza a lenda que, certa feita, quando jantava num restaurante de Nova
York, um frequentador que havia ficado em dúvida sobre quem era a
personalidade à mesa, ao lado, perguntou ao garçom o seu nome. Ao notar
que ele havia apontado para a mesa errada, ele teria dito: aquele ali, não, o
outro, o que está ao lado do Washington Olivetto, quem é?
Quantas pessoas no mundo inteiro já não teriam visto os seus
comerciais, assistido a suas entrevistas e lido os seus livros e artigos?
Washington Olivetto é um fenômeno da comunicação e, como tal, há
muito já deveria ter sido merecedor de um estudo como o que agora se
inicia.
Autodidata, a primeira vez que pensou em escrever um anúncio foi
depois de ver um comercial ruim na TV. Como queria escrever para todas as
mídias, imaginou: “Posso fazer melhor que isso”. Rabiscou então um pedaço
de papel e fez. E, desde então, nunca mais parou de fazer mais e melhores
comerciais.
Para o autor, a maioria das grandes ideias não surge da inspiração, mas
do resultado de pesquisas, planejamento e diferentes caminhos criativos
exaustivamente discutidos (Olivetto et al., 2008, p. 17).
Deve ter sido em um desses momentos que ele criou o anúncio “Agora
que você já cresceu e não apanha mais do seu pai, dê um cinto pra ele. – Mas
bem que você merece apanhar se o cinto não for Fasolo”. Como é que ele
chega a essas ideias? Que caminhos criativos são esses aos quais Olivetto se
refere? Precisamos entender isso.
Extremamente ético, ainda em nosso primeiro encontro, quando
anunciamos que pretendíamos analisar seus trabalhos, ele alertou: “Temos
que ver isso com cuidado, pois algumas peças não são minhas”.
É sobre esse talentoso e obsessivo criador – que um dia falou que um dos
problemas com a propaganda atual é que “hoje em dia há muito mais
publicitários famosos que anúncios famosos” 28 –, seus trabalhos, suas ideias
e, principalmente, seus textos que passaremos a comentar a partir de agora.
Buscamos explicar sua obra, seus pontos de vistas e principais teorias. E
elas são muitas e, por vezes, polêmicas.
Para o autor, assim como as peças de mídia impressa, os comerciais de
TV deveriam ser assinados pelas agências, com o que não concordam muitos
outros grandes nomes da propaganda brasileira, como Roberto Dualibi,
Petrônio Correia Filho e boa parte do próprio pessoal da Rede Globo.
Para o diretor comercial da emissora, Antônio Athay de, é como se você
veiculasse a sua mensagem vendendo dois anunciantes ao mesmo tempo, e
só pagasse por um. É como se você dissesse: “Pegue o seu Fusca e venha
comer um delicioso sanduíche no McDonald’s” (Morais, 2005, p. 358).
Seria mesmo?
Enquanto Olivetto observa que a prática é comum nos Estados Unidos e
na grande maioria dos países da Europa, Dualibi (sócio da DPZ) ataca a
ideia, afirmando que ela pode “confundir o telespectador, desviando sua
atenção da mensagem do anunciante... O espaço é do cliente, não da
agência” (idem, p. 357).
O assunto é polêmico.
A própria Globo, aliás, recentemente enviou um comunicado a seus
anunciantes, em que alertava sobre a proibição da superposição de marcas
nos comerciais, alegando que algumas empresas estavam colocando em seus
anúncios endereços do Twitter e Facebook – que também são marcas.
A propaganda mundial passa não por uma, mas por três crises
que são primas-irmãs. Existe uma crise criativa, existe uma
crise negocial e existe uma crise de autoestima. Já se ganhou
mais dinheiro com a propaganda, já se respeitou mais a
publicidade e já não se fazem trabalhos tão brilhantes quanto se
fazia nos anos 1980. Mas isso é cíclico, passa.
– Washington Olivetto
5 “Quando nasci um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: vai, Carlos,
ser gauche na vida” – “Poema de sete faces”.
16 Idem.
19 Na lista das cem músicas mais executadas em todo o país em 1991, Top Hits,
Alô, alô W/Brasil foi a 12ª mais tocada, superando, entre outras, clássicos
consagrados, como Paz na cama (Leandro & Leonardo – 19º lugar), Someday
(Mariah Carey – 33º), Justify my love (Madonna – 42º) e Não aprendi dizer adeus
(Leandro & Leonardo – 70º lugar). Segundo a Folha Online, o CD com a música
vendeu mais de 1 milhão de cópias só naquele ano.
26 O Globo, 8/6/2011.
28 Entrevista em 16/12/2010.
29 Jornal O Globo, 13/6/2011.
33 O Globo, 20/5/2012.
37 Desde 1968, o Big Mac é um dos sanduíches mais vendidos pela rede em mais
de 120 países onde está presente.
39 O slogan criado por Olivetto para o produto era: “Guaraná Taí. Gostoso como
o primeiro beijo”.
43 Facebook, 23/1/2012.
47 “Não é uma questão de talento. É uma questão de treino. Me adestrei para isso
desde os dezenove anos de idade” (abertura e justificativa do livro Os piores
textos de Washington Olivetto, p. 9).
Nota II: a fusão entre as agências aparentemente fez bem às duas, pois já em
2011 a WMcCann aparecia como a sexta maior agência do país, atrás apenas de
Young & Rubiam, Ogilvy Brasil, Almap/BBDO, J. W. Thompson e
Borghierh/Lowe. A verba publicitária movimentada pela agência mais que
dobrou, saltando para R$ 720,8 milhões. Segundo relatóro do grupo Meio &
Mensagem. Fonte: O Globo, 28/5/2012.
56 Gilberto dos Reis foi presidente do Clube de Criação de São Paulo, Renata
Guise trabalha com propaganda há mais de quarenta anos e Ry naldo Gondim por
duas vezes foi apontado pela ABP como o melhor redator do ano.
57 Em 11 de janeiro de 2012.
62 Texto escrito por Olivetto para a orelha do livro Seis contos da era do jazz, de F.
Scott Fitzgerald (1995).
Capítulo I
A propaganda brasileira de então não tinha ainda uma cara própria, não
tinha uma identidade definida e, na maioria das vezes, o que se fazia no país
era simplesmente copiar o que a propaganda americana fazia de melhor.
O rádio era ainda o principal veículo de comunicação de massa e as
mensagens que vendiam xaropes, chapéus, produtos de higiene e outros
artigos eram inseridas durante os programas de auditório e as novelas ao vivo.
Nos anos 1950 o Brasil efervescia. Além da morte de Getúlio Vargas, da
importação do primeiro Fusca, da perda da Copa do Mundo para os uruguaios
em pleno Maracanã e do adeus a Carmen Miranda, aqueles eram também os
tempos de Oscar Niemey er, de Juscelino, da bossa-nova, dos topetes, da
brilhantina e do Rock around the clock, interpretado então em português por
Nora Ney.
O Brasil, que era até então um país predominantemente agrícola,
iniciava aos poucos seu processo de industrialização e tinha uma população de
apenas 54 milhões de habitantes (IBGE).
O segundo governo de Vargas havia gerado elevadas taxas de
crescimento econômico no país, mas o desequilíbrio orçamentário constante,
além de uma onda inflacionária, tinha trazido também a reboque a elevação
da dívida externa a patamares jamais vistos.
A classe média, que tanto trabalhara para reeleger Vargas, havia sido
relegada ao segundo plano e o aumento do custo de vida – 21% em 1952
(Skidmore, 2007, p. 152-154) –, somado à grande insatisfação popular,
acabaria contribuindo de forma significativa para uma drástica diminuição
tanto da produção industrial quanto do consumo interno nos anos seguintes.
Enquanto isso, a propaganda brasileira refletia as tendências da
economia, exibindo em seus altos e baixos, por um lado, a ampliação do
mercado de trabalho e, por outro, uma baixa qualificação profissional.
A propaganda dos anos 1950 era carente ainda de mão de obra
especializada em muitas áreas, tanto assim que, lembra Carlos Alberto
Vizeu,64 a McCann-Erickson teve de “importar vários deles para trabalhar
em criação, fotografia, produção de TV e até mesmo atendimento em
algumas de suas filiais brasileiras”.
Os anúncios de então tinham um corpo de texto meramente informativo
e longo, e as ilustrações artísticas predominavam nos layouts, que quase
nunca traziam fotografias.
Os argumentos de venda eram, de modo geral, ainda bastante
subjetivos: “Quando for a Nova York, voe com o conforto do Super-
Constelation” – dizia o anúncio da Varig. E, num comercial de Omo, a atriz
simpática afirmava para o telespectador que “Omo dá brilho à brancura!”
Com a necessidade de descrever as características dos produtos
ofertados, “muitos anúncios passaram a trazer um texto principal e vários
blocos de chamadas ou pequenos textos cercando as ilustrações ou as fotos”
(Carrascoza, 1999, p. 98).
Nos jornais, tais anúncios eram publicados ainda em preto e branco e,
nas revistas de grande circulação da época, como O Cruzeiro, Seleções e
Manchete, era comum encontrar carros, geladeiras, refrigerantes, picolés e
outros produtos alimentícios desenhados pelos artistas da época.
A propaganda dos anos 1950 era ainda ingênua e dispunha de poucos
recursos técnicos, mas já contribuía de forma significativa para o processo de
identificação.
Os governos, que sabiam disso melhor que ninguém, lançaram mão de
campanhas institucionais que resgatavam o orgulho nacional e ajudavam a
criar uma identidade nacional entre as populações locais.
Demorou um pouco mais para alguns países perceberem a força da
publicidade, mas, cedo ou tarde, eles descobriram a sua importância e
utilidade e passaram a veicular mensagens.
O conhecimento, como já alertara Lévi-Strauss, não chegou ao mesmo
tempo para todos os povos e, assim, o progresso da humanidade nunca foi
contínuo, como alguém que sobe uma escada e só dá o segundo passo após
ter dado o primeiro. Pelo contrário, ele “procede em saltos (...) o que
ganhamos num, arriscamo-nos a perdê-lo noutro e é só de tempos em tempos
que a história é cumulativa, isto é, que as somas se adicionam para formar
uma combinação favorável” (Lévi-Strauss, 1980, p. 62).
Muitos produtos e serviços deram sua contribuição nesse processo. A
Coca-Cola, que foi um deles, já nos anos 1950 veiculava um comercial no
Brasil, ainda em preto e branco, que mostrava um casal que se unia, enquanto
o locutor, em off, anunciava: “Saboreie os bons momentos da vida com Coca-
Cola, pura e saudável”.
Washington Olivetto, que nasceu no início dos anos 1950, quando a
propaganda no Brasil ainda engatinhava e a propaganda de Leite Moça
mostrava uma dona de casa que ouvia uma voz dizer “você faz maravilhas
com Leite Moça”, sabe a importância da identidade na formação do nosso
eu.
Ele acredita que os amigos sejam importantes nesse processo, pois nos
ajudam a dar um rumo na vida e contribuem na formação da nossa cultura.
Os amigos, os pais, os artistas e os professores estão entre os primeiros em
quem nos espelhamos.
E assim vamos aprendendo uns com os outros, num longo e complexo
processo de aprendizado em que, via de regra, as ideias são conflitantes.
Não devemos esquecer que mesmo as teorias de gênios como
Copérnico, Galileu e Freud, durante muito tempo, foram consideradas pouco
científicas e questionadas65 sob diversos aspectos.
O que parece óbvio hoje não era assim tão óbvio antigamente. Os testes
em que Claude Hopkins insistia, já em 1923 (Ciência da propaganda), e que
poderiam comprovar que as fotos são bem mais atraentes que ilustrações, só
seriam aplicados na propaganda décadas depois, quando alguns teóricos,
como David Ogilvy, conseguiram finalmente comprovar isso: “A pesquisa
tem demonstrado reiteradamente que fotografias vendem mais que desenhos.
Elas atraem mais leitores. Elas atraem mais appetite appeal [atração pelo
apetite]. Elas são melhor recordadas. Atraem mais cupons. E vendem mais
mercadorias” (Ogilvy, 1963, p. 135).
Na década de 1950, grandes autores também emprestavam seus nomes
para as reportagens e era comum vermos matérias assinadas por Carlos
Drummond de Andrade, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Fernando Sabino e
Nelson Rodrigues, entre outros tantos, que ajudavam a atrair o leitor para os
artigos e anúncios.
Enquanto isso, na TV, um dos maiores sucessos era o comercial da
Toddy, ainda em preto e branco, em que duas atrizes, imitando Carmen
Miranda, interagiam com o telespectador, perguntando no jingle, enquanto
cantavam: “Já tomou seu Toddy hoje?”.
Aqueles eram os tempos de Oscarito, Grande Otelo, Walter D’Ávila,
Anselmo Duarte, Virgínia Lane, Vicente Celestino, Walter Foster e de Zé
Trindade.
Esses eram alguns dos artistas e ídolos que encantavam e faziam sonhar
e sorrir nossos pais e avós.
Eram os tempos de Dercy Gonçalves, Ankito, Wilson Grey, das
chanchadas da Atlântida, da Herbert Richers, de Eliana, de Neide Aparecida
e das sátiras inteligentes da PRK-30 de Lauro Borges e Castro Barbosa, que
fariam escola e viriam a influenciar grandes nomes da propaganda, como
teremos a oportunidade de conferir mais adiante: “O humor que eu aprecio é
o humor do Chico Any sio, do Walter D’Ávila, do Marco Nanini. É o humor do
Jô [Soares], é o humor dos irmãos Marx. É o humor dos tempos da rádio, da
PRK-30. É o humor que eu sempre gostei” – viria a revelar Washington
Olivetto, mais de sessenta anos depois.66
A PRK-30, para quem não sabe, era um programa de humor que tinha
Castro Barbosa e Lauro Borges como apresentadores. Pouca gente acreditava
que apenas os dois (que eram imitadores) faziam as mais de vinte vozes de
personagens que desfilavam pelo programa, todos criados por eles próprios,
que incluíam desde gaiatos correspondentes internacionais a calouros e
cantores desafinados, além de contadores de piadas, fazedores de trocadilhos
e enroladíssimos apresentadores de notícias.
As paródias e sátiras à propaganda e às novelas da época criadas pelos
dois humoristas eram impagáveis e incluíam pérolas como: “Milharal,
milharal, é melhor e não faz mal (Café Milharal. Moído na cara do freguês)”
e “A, E, I, O Urso. O melhor calçado da praça”.
A PRK-30 permaneceu no ar por mais de vinte anos de sucesso: de 1944
a 196667 e, segundo algumas das maiores autoridades do assunto no país,
como Chico Any sio, Jô Soares, Renato Murce e o ex-vice presidente da Rede
Globo de Televisão, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, foi o melhor programa
de humor de todos os tempos.
Seu humor escrachado e inovador foi o embrião de todos os programas
de humor que viriam a ser desenvolvidos mais tarde, pelo rádio e pela
televisão no Brasil.
Os anos 1950 no Brasil eram os tempos dos programas de auditório e das
novelas de rádio e também dos comerciais ao vivo na TV, e, como não havia
ainda edição de imagens, uma das frases que se ouvia com maior frequência
era: “Desculpe a nossa falha”.
Foi ainda nos anos 1950 que a propaganda mostrou também que, além
de retratar épocas, podia contribuir para a cultura popular do país, criando
novos hábitos, costumes e mesmo novas palavras, contribuindo assim para o
desenvolvimento e o enriquecimento da língua nacional.
Exemplo disso é o primeiro anúncio da goma de mascar Adams,
publicado pela primeira vez na revista O Cruzeiro, nos anos 1950.
Os Chicletes Adams que você conhece foram uma novidade trazida
pelos soldados americanos que serviam em bases instaladas no nordeste do
país, durante a Segunda Guerra Mundial. Completamente desconhecidos até
então, os chicletes (ou chiclés) eram denominados naquela época goma de
mascar pela população local, que via aquele hábito americano com certa
estranheza.
Por que os soldados mascavam constantemente uma borrachinha? Que
gosto teria aquele estranho costume norte-americano? Por que ficavam o
tempo todo com uma goma na boca?
A curiosidade, muitas vezes, leva-nos à experiência. E foi o que
aconteceu a seguir. Primeiramente em Natal e nas principais capitais do
Nordeste, mas rapidamente o novo hábito se espalhou por todo o país. Já no
início dos anos 1950 não eram mais só James Dean e Marlon Brando que
usavam casacos de couro, cantavam rock e mascavam chicletes.
A febre da goma de mascar havia chegado para ficar.
A tradicional caixinha amarela que protege o produto e anuncia a marca
não mudou quase nada nos últimos sessenta anos. Surgiram novos sabores, é
verdade, e novas embalagens. Mas o hábito de mascar as tais borrachinhas
foi totalmente absorvido pela população brasileira e a nomenclatura chiclete,
após passar por uma longa evolução, que bem merecia um estudo
etimológico (chicles, chiclé, chiclet, chicletes) aprofundado, passou então a
fazer parte da língua e dos costumes do povo brasileiro.
Devo muito ao Monteiro Lobato. Foi com ele, aos cinco anos,
que adquiri o prazer pela leitura.
– Washington Olivetto
Quem já leu Homero sabe que algumas das melhores comédias, assim
como algumas das melhores tragédias já escritas, são bem mais antigas do
que imaginamos.
Assim como a própria história da humanidade já foi contada tantas e
tantas vezes por tantos e tantos autores diferentes ao longo do tempo, o que
vemos, na maioria das vezes, acaba sendo versões de uma mesma matriz.
Como já foi dito uma vez, o que importa nem sempre é o que você diz, mas
como você diz.
Ao longo das 239 páginas de Sem plumas, Woody Allen cita, entre
outros, Emily Dickinson (p. 11), Freud (p. 23), Norman Mailer (p. 41),
Bernard Shaw (p. 137), T. S. Eliot (p. 138 e 225), Joy ce (p. 138), Tennessee
Williams (p. 173) Nietzsche (p. 203), Cole Porter (p. 212), Shakespeare (p.
215), Francis Bacon (p. 216), Ben Jonson (idem), Lewis Carroll (p. 217), Kant
(p. 227), Sócrates (p. 190) e Jacke Dempsey (p. 253) e Nova York.
O discurso de Olivetto aqui não é muito diferente. Nas 230 páginas de Os
piores textos de Washington Olivetto, ele cita, entre outros: Machado de Assis
(Abertura e justificativa e p. 66), F. Scott Fitzgerald, idem e nas páginas 126
[quatro vezes], 127 [quatro vezes] e 128 [três vezes]), Lewis Carroll (p. 34),
Alfred Hitchcock (idem), Groucho Marx (p. 66), J. D. Salinger (p. 79, 81 e
126), Charlie Parker (p. 117), Cole Porter (p. 127), Picasso (p. 165), Guattari
e Deleuze (p. 164) e Nova York .
Mais que simples nomes ou lugares-comuns, falam sobretudo de
amenidades, coisas aparentemente banais que parecem trazer a felicidade ao
homem, como um sorriso, um sorvete ou um simples cachorro-quente e uma
Coca-Cola – quem sabe uma cerveja? Parecem estar procurando explicar o
sentido, ou a ausência de sentido, da vida. E brincam com isso, usam da
ironia, criticam nas entrelinhas a sociedade e o homem pós-moderno, como
bem o fazia aquele que parece ser o ídolo maior dos dois, Chaplin.
No final há sempre um final feliz ou no final há apenas o final da
história? – parecem perguntar os dois.
Se, em Sexo já, Olivetto, ao se referir às coisas mais importantes que fez
na vida, lista entre elas “já xinguei mãe de juiz, já tomei café da manhã em
padaria”, Allen, por sua vez, dá a entender que uma das coisas de que mais
gosta é fazer a barba enquanto toma café e “enquanto ouve pelo rádio a
transmissão de uma partida de xadrez” (Olivetto, 2004, p. 80; Allen, 1975, p.
39).
A análise de seus textos revela que ambos escrevem sobre temas
comuns: o cinema, a literatura e o jazz. Escrevem sobre viagens, gente e
lugares. E, como não podia deixar de ser, sobre Nova York. Se há algo que
eles amam é Nova York.
Talvez Woody Allen não tenha mais a mesma importância que teve uma
dia na vida de Olivetto. Vai ver, o menino que, inspirado um dia em Allen,
escreveu o Garoto Bombril tenha crescido também, e talvez a admiração e a
identificação não sejam mais as mesmas, nem tenham a mesma intensidade
– ele mesmo, aliás, disse-nos isso numa entrevista que fizemos em 2011.
Mas, fica evidente, por tudo o que vimos aqui, que elas existiram um dia.
Os anos que separam a data de nascimento dos dois, aparentemente, não
foram suficientes para afastá-los de alguns mesmos gostos e predileções,
como o jazz, a literatura e o humor e, evidentemente, a paixão que ambos
nutrem e explicitam por Nova York e a era do rádio.
Assim como o Pedrinho das fantásticas aventuras de Monteiro Lobato e
o pequeno Holden de O apanhador no campo de centeio, que ajudaram a
construir a identidade do criador do Garoto Bombril, Allen e Olivetto são
verborrágicos, extremamente criteriosos e parecem falar sobre seus ofícios e
ter ideias compulsivamente.
E que ideias.
Se, com Allen, Olivetto aprendeu que o humor é a melhor saída, com
Holden aprendeu que ganhar a vida também é fundamental: “Se a gente está
do lado dos bacanas, aí sim é um jogo [a vida]. Mas se a gente está do outro
lado, onde não tem nenhum cobrão, então que jogo é esse? Qual jogo que
nada” (Salinger, 1951, p. 15).
Ao contrário de J. D. Salinger, Allen e Olivetto são mais otimistas, mais
esperançosos. Parecem viver num hilariante mundo paralelo, repleto de
histórias, magia e fantasia, onde tudo é possível e nada é previsível.
Em A arte de bem viver, Schopenhauer, que os dois parecem apreciar
com idêntica intensidade, já havia lembrado: “Hay que tener paciencia”
(1983, p. 224).
E para você que, a essa altura, deve estar se perguntando: o que faz um
filósofo como Schopenhauer num livro de publicidade? O que tem a ver
Schopenhauer com um livro de propaganda? Nós respondemos: tudo. Mais
que pensar simplesmente nas ideias, até porque ideias são feitas de palavras,
expressas por meio de palavras, Schopenhauer pensou primeiramente, ou ao
mesmo tempo, nas palavras.
As palavras para Schopenhauer tinham a mesma importância que
Machado de Assis, que admirava Schopenhauer, lhes atribuía: “As palavras
têm sexo. Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas”, dizia
Machado, “é o que chamamos de estilo” (Velhas histórias, OC, v. II, p. 571.
In: Reale, 1982, p. 59)
Para o pensador alemão, o estilo de um escritor é a fisionomia da sua
mente. O estilo é a sua identidade: “Schopenhauer definiu o estilo como
‘fisionomia da mente’, e essa fisionomia pode captar-se melhor, examinando
o idioleto do autor, conservado nos seus escritos, numa forma mais ou menos
estilizada” (Ullmann, 1964, p. 49).104
Em outras palavras, isso significa que a averiguação da proporção de
verbos e adjetivos contidos frequentemente no texto de um determinado autor
pode nos dar uma ideia aproximada de quem é esse autor, o que pensa e, até
mesmo, o que procura esconder.
O que o eminente professor de Oxford parece querer nos dizer com isso
é que, nos estudos estilísticos, um dos métodos mais frequentes é a
investigação que tem por objetivo analisar quais palavras e com que
frequência um determinado escritor emprega em seus textos.
Com esse estudo é possível descobrir o que lhe é único, o que é pessoal
desse autor em seu manejo da língua.
Uma das mentes mais brilhantes que esse planeta já conheceu, por
exemplo, Einstein,105 que tinha um rico vocabulário e, embora falasse
fluentemente três idiomas (alemão, inglês e francês) preferia, por motivos
óbvios, comunicar-se em alemão, também costumava se expressar por meio
de metáforas.
Hábitos linguísticos são como hábitos do comportamento: perceptíveis a
olho nu.
Teriam Washington Olivetto, Neil Ferreira e Nizan Guanaes algo mais
em comum, além da admiração por Monteiro Lobato, o carinho pela cultura
popular e a paixão pelas palavras e a propaganda? Teriam eles algo em
comum também com Woody Allen, F. Scott Fitzgerald, Machado de Assis,
Schopenhauer e alguns outros grandes autores aqui mencionados?
Haveria mesmo alguma identidade perceptível entre esses autores? A
simples paixão pelas palavras, as ideias e a originalidade já seriam suficientes
para uni-los, de alguma forma, em torno de algo que se convencionou
chamar de identidade?
Em seu livro Criação sem pistolão, p. 206-207, Carlos Domingos, que é
um redator premiadíssimo, afirma que seu maior ídolo é Bernbach e nos
lembra de que muitos outros grandes ídolos, por sua vez, também tiveram um
dia os seus próprios ídolos: “Meu maior ídolo é Bill Bernbach. O ídolo de
Ay rton Senna era Fangio. O de Maurício de Souza é Will Eisner. O de Picasso
era Velazquez”.
Curiosamente, o nome que Domingos cita com maior frequência é o de
um outro redator, que também admira: Washington Olivetto.
São 26 menções ou citações ao nome de Bernbach – p. 116, 118 (três
vezes em cada página), 119 (também três vezes), 120 (três vezes), 121, 165,
172, 177, 206 (três vezes em cada página) e 226 (duas vezes), 231, 233 (três
vezes) e 235 (três vezes). E quarenta menções ou citações ao nome de
Olivetto – p. 122 (sete vezes), 123 (duas vezes), 139 (cinco vezes) e uma vez
nas páginas 146, 157, 162, 168, 173, 175, 176, 178, 183, 184, 185 e 204, 233 (3
vezes), 234 (duas vezes), 235 (três vezes) 236, 240 e 242 (três vezes) e 244.
Talvez aqui tenha acontecido com Carlos Domingos o mesmo que se deu
com Freud: a pessoa mais próxima, a que ele mais admirava, sua jovem
mãe, bela e dominadora, moldou-o mais do que ele mesmo imaginava –
afirmara Peter Gay (Gay, 1989, p. 456).
Teria o mesmo acontecido com Domingos em relação a Olivetto?
Talvez Carlos Domingos não tenha percebido algo curioso, mas, tudo
indica que ele parece pensar muito mais em Washington Olivetto do que
imagina. Talvez mais ainda que em Bill Bernbach.
Por que será?
É evidente que Carlos Domingos faz referências também a alguns outros
grandes nomes, como Nizan Guanaes (12 vezes), David Ogilvy (7 vezes),
Claude Hopkins (6 vezes) e Neil Ferreira (4 vezes), além de Júlio Ribeiro,
Fábio Fernandes, Eugênio Mohalem, Petit, Dualibi e Zagaroza, Júlio Cosi e
Alex Periscinoto, entre outros gênios da publicidade.
Mas não com a mesma frequência. A razão parece ter razões que a
própria razão desconhece.
Falando sobre a identidade, sabiamente o autor sugere que devemos agir
como Picasso, que primeiro aprendeu a desenhar e só depois aprendeu a
deformar. Ou seja: “Escolha também um ídolo”, aconselha Domingos, “entre
os bandeirantes da nossa profissão, os criativos que abriram caminho para
que a gente chegasse até aqui”.
O que vem a ser um pouco do mesmo que David Ogilvy havia também
sugerido, não é verdade? Em Édipo rei, Sófocles já havia percebido que não
somos o que somos, mas sim aquilo que queremos ser.
Pelo que pudemos observar, diversos redatores que são hoje grandes
nomes da propaganda seguiram esse mesmo caminho citado por Carlos
Domingos, buscando no início ser igual a alguém que admiravam. E, tendo
encontrado o seu próprio estilo, já não mais precisavam agir igual àquele que
havia servido de fonte de inspiração e identidade.
Como já disse Millôr Fernandes, não há nada mais velho que a
originalidade. Para Millôr, o que os gregos não produziram você encontra na
Bíblia. É só procurar com calma.
Finalizando, é oportuno ainda citarmos um conto de Machado de Assis,
que foi também alvo de pesquisas neste nosso estudo e que fala justamente
sobre a identificação entre os seres humanos: “Um homem célebre”.
Publicado inicialmente no periódico A Estação, em 1883, o conto foi
reeditado em 1896, no livro Várias histórias, e, mais tarde, adaptado para o
cinema, transformando-se num belo curta dirigido por Dainara Toffoli e
Diego Godoy, exibido em 1996 com o título Um homem sério.
Se na história original o personagem principal, Pestana, é um compositor
que briga com seu editor e consigo mesmo porque aquele só quer editar suas
músicas populares (as polcas), enquanto ele mesmo só deseja compor os
clássicos, na adaptação para o cinema Pestana passa a ser o ator cômico de
grande sucesso que não se conforma com isso e deseja ser reconhecido
como ator sério, de dramas.
E em todas as tentativas Pestana falha, pois, ao vê-lo em cena, o público
ri. Seu dom é fazer rir, mas o Pestana de Dainara Toffoli, que é mestre pela
PUC-RS, e Diego Godoy quer a todo custo ser identificado como um homem
sério.
Atormentado, sentindo-se fracassado por não ser levado a sério pelo seu
imenso público, que o identifica como o ator mais engraçado do Brasil,
Pestana se suicida.
O que Pestana parece não ter percebido é que as pessoas o admiravam
e amavam tanto por verem nele aquele que as fazia sorrir e esquecer, ainda
que por um breve período, as tristezas, as decepções e preocupações do dia a
dia. E, para elas, nisso estava a sua grandeza – que Pestana, na sua ânsia de
ser o que não era, queria a todo custo mudar: “Jocasta: Podemos lutar contra
o nosso destino? Contra as profecias do oráculo? Não estará nosso destino já
traçado? Édipo: Mas por que caiu sobre mim tão negra profecia? Jocasta:
Porque somos o que somos, Édipo, não o que queremos ser” (texto final de
Um homem sério, assinado por José Roberto Torero, que é fiel à estrutura
narrativa de Machado de Assis em “Um homem célebre”, mas acrescenta à
história, com muita propriedade, à história um diálogo que não existia no
original, e que é de Édipo rei, de Sófocles).
O conto de Machado de Assis, levado posteriormente ao cinema, serve
de alerta: é preciso tomar cuidado para não ter o mesmo fim de Pestana, que
morreu de bem com os homens, mas mal consigo mesmo. “Um homem
célebre” é uma parábola da existência humana.
Talvez a grande questão a ser respondida, então, seja esta: somos o que
somos ou somos como os outros nos veem, o que eles acreditam que nós
possamos ser?
Melhor sermos vistos como alguém parecido com um outro alguém
muito bom no que faz, ou melhor seria buscarmos ser diferentes, apenas pelo
fato de ser diferente?
O próprio Washington Olivetto parece ter nos dado a resposta, ao
afirmar que “é melhor ser coautor de ideias brilhantes que autor solitário de
ideias medíocres”.
Eis, enfim, a importância da identidade e, muito provavelmente,
também, de como se deu tal processo de identificação na vida e na obra de
Washington Olivetto, suas principais causas e implicações. Inteligente, original
e, acima de tudo, chistosa, essa identidade serviu para moldar também alguns
dos mais talentosos e geniais redatores publicitários que, por sua vez, nos
presentearam com algumas das mais originais, criativas e inteligentes
campanhas que a propaganda já viu em toda a sua história.
Um otimista, como afirmamos no início de nossos estudos, que parece
ter herdado esse seu otimismo, pelo menos em parte, ainda na infância,
quando, em seu quarto, não parava de ler as histórias de Monteiro Lobato e
em especial aquelas que narravam as aventuras de Pedrinho, que tanto
amava.
Em “O Saci”, no capítulo XIII de Novas discussões, Lobato que era
também paulista e criou inúmeros símbolos nacionais, como o Jeca Tatu,
explicita a sabedoria de Pedrinho, que deve ter enchido Washington Olivetto,
quando ainda menino.
Ao relatar as aventuras dos personagens do Sítio, o escritor relata um
diálogo de Pedrinho com o Saci, em que põe na boca do menino as seguintes
palavras: “Nós, homens, pomos o que sabemos nos livros... nós temos de
aprender com os nossos pais ou nos livros. Isso prova o nosso valor. Que
mérito há em nascer sabendo? Nenhum. Mas há muito mérito em não saber e
aprender pelo estudo” (Lobato, 1971, p. 55-57).
A identificação do publicitário com o personagem aqui é clara. Pedrinho
acompanharia Washington Olivetto até a puberdade, quando então este seria
finalmente substituído por outro menino alter ego, Holden Caulfield.
Como afirmara Lacan, essa formação do eu no olhar do outro é que
inicia a relação da criança com o mundo exterior e a introduz nos vários
sistemas de representação simbólica, “incluindo a língua, a cultura e a
diferença sexual” (Hall, 2002, p. 37-38).
Para encerrar este capítulo, gostaríamos de citar uma passagem contida
na Ilíada, de Homero, em que se encontra a primeira menção a identidade de
que se tem notícia, em toda a história da humanidade.
Nos cantos XXI a XXIV de sua epopeia, Homero nos presenteia com a
belíssima história de Aquiles, Heitor, Príamo, Helena, Agamenon e dos
deuses, que, no fundo, é a nossa própria história, a epopeia da humanidade.
Nela está contida a primeira noção de identidade que temos. Entre as páginas
411 e 488, o poeta descreve com detalhes como se deu a guerra de Troia,
tema do primeiro livro com o qual a civilização ocidental aprendeu a ler e
escrever. E, embora alguns estudiosos questionem ainda hoje alguns detalhes
importantes sobre tal poema e até mesmo sobre a sua autoria, é dessa
passagem que fazemos, a partir de agora, um pequeno resumo. Ei-la:
O ano era 1250 a.C.
Fazia já dez anos que Troia estava cercada pelas forças invasoras, dez
vezes superiores numericamente aos seus exércitos. Após inúmeros combates
sangrentos entre gregos e troianos, Aquiles desafia Heitor para uma luta e os
dois duelam, diante de suas tropas. Aquiles vence e mata Heitor.
No entanto, pouco antes de a lança atravessar sua garganta, o príncipe
implora por um último desejo: que seu corpo seja enterrado em Troia, onde
descansará em paz. Cruel, com o coração ainda tomado pelo ódio, Aquiles
nega seu último pedido. Amarra o corpo de Heitor em dois cavalos e os
chicoteia, para que eles o arrastem até o acampamento grego, desonrando
assim seu adversário.
Ao ver o corpo do filho mutilado, Príamo, pai de Heitor e rei de Troia,
implora pelo príncipe já falecido. Deseja levá-lo de volta e enterrá-lo em
Troia, junto aos seus. Príamo pede clemência pelo cadáver do filho. Aquiles
o ignora, nega seu pedido.
O rei se ajoelha e, diante de todos, não apenas implora mais uma vez,
mas chora. Beija as mãos do carrasco que levou seu filho e chora
convulsivamente. Diante disso, o insensível Aquiles se apieda. Percebendo o
absurdo da vida, reflete. Ninguém está destinado a existir para sempre e, em
breve, mesmo ele estará morto também. Sensibilizado, como que tomado
repentinamente por uma luz divina, Aquiles ouve Zeus. E decide então
devolver o cadáver de Heitor, sem nem mesmo aceitar o peso do adversário
em ouro, que o monarca havia lhe oferecido em troca. Ajoelha-se junto ao
rei e, arrependido, chora também ao seu lado.
Ali, naquele momento, juntos, os dois celebram um dos primeiros casos
de identidade da nossa história: a partir daquele instante, não conta mais
apenas a identidade nacional. Não são mais apenas grego e troiano, são muito
mais que isso. Têm muito mais em comum.
São dois iguais. São finalmente dois seres da espécie humana.106
74 Em 28/3/2012.
77 Entrevista de 28/3/2012.
79 Em 28/3/2012.
80 O universo para tal pesquisa foi limitado à obra Os piores textos de Washington
Olivetto.
81 Entrevista realizada pela internet em 31/3/2011.
84 O Globo, 1/4/2012.
101 A quick interview with AdFast 2010 Grand Jury President Washington
Olivetto, from Brazil. December, 2009.
102 Fonte: site Cantinho da Saudade PRK-30, e entrevista concedida por Chico
Any sio à revista Ele & Ela, nº 183, ago. 1984.
104 “Parece assim que o conceito de ‘idioleto’ pode prestar valiosos serviços ao
psicólogo e ao estudioso do estilo e ter o seu lugar em certos tipos de investigação
linguística, mas que, na esfera mais ampla da linguística geral, deveria haver um
certo cuidado em não obscurecer a distinção entre língua e fala pela introdução
de um terceiro termo entre ambas” (Stephan Ullman, op. cit., p. 50).
106 “Aquiles: de mim tem piedade; pensa em teu pai, também velho; bem mais
infeliz sou do que ele, pois chego agora a fazer o que nunca mortal fez na terra:
beijo-te as mãos, estas mãos que a meus filhos a morte levaram (...) Grande
saudade do pai no Pelida o discurso despertara; toma das mãos do monarca,
afastando-o de si com brandura. Ambos choram; o velho, lembrando de Heitor
valoroso, num soluçar convulsivo, de Aquiles aos pés enrolado, que ora o pai
velho chorava, ora a perda do amigo dileto, Pátroclo; o choro dos dois pela tenda
benfeita ressoava (...) Teu filho, velho, tal como o queiras, já está resgatado; jaz
sobre o féretro. Podes revê-lo ao raiar-nos a aurora ou retirá-lo daqui” (Homero.
Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1968.
p. 480-482).
Capítulo II
Garoto Bombril:
– Bombril limpa tudo. Quer ver? Sala de aula...
Corte. Vemos agora o interior da escola. A professora pergunta:
– Quem sabe uma rima para lambreta?
Joãozinho, sorriso maroto no rosto, evidentemente, levanta a mão.
– Eu sei! Eu sei! Eu sei!
“Lá vem besteira”, pensa a professora. Temerosa, ela interrompe:
– Você não, Joãozinho. Mariazinha, responda.
Mariazinha responde:
– Lambreta rima com caderneta.
Joãozinho fica desapontado. Não deixaram ele falar.
A professora sorri, orgulhosa:
– Muito bem. Agora uma rima para fruta.
E Joãozinho insiste:
– Eu sei! Eu sei! Eu sei!
A professora, mais uma vez receosa, interfere:
– Você não Joãozinho... Pedrinho.
E Pedrinho responde:
– Araruta.
A professora é um orgulho só:
– Correto.
Então, faz uma nova pergunta:
– Quem sabe uma rima para urubu?
E, é claro, Joãozinho levanta a mão:
– Eu sei! – grita ele.
A professora, desconfiada, diz:
– Você não, Joãozinho. Verinha, responda.
E Verinha responde:
– Tutu.
– Muito bem – diz a professora. – Agora, uma rima para avião.
O Joãozinho não levanta a mão. Está triste, sentindo-se rejeitado. Com
pena do aluno, a professora comete um erro: pede que ele responda.
E Joãozinho, com um sorriso imenso de menino sapeca nos lábios, diz:
– Avião rima com anão.
A professora se espanta: milagre. Joãozinho não disse um palavrão.
É o que ela pensa. Pois, logo a seguir, Joãozinho, usando agora um
sentido metafórico, completa a sua frase, mostrando nas mãos uma esponja
de Bombril. Ele diz:
– É. Anão. Mas é com um Bombril deste tamanho!
Enquanto Joãozinho sorri, o Garoto Bombril encerra, dizendo ao
telespectador:
– Viu, Bombril limpa tudo. Até piada suja.
Temos então um come-back (recurso técnico em que se faz uma volta
final ao comercial, que, aparentemente, já havia terminado) e vemos
Joãozinho anunciar:
– Eu tenho uma rima para Bombril!
E o ator Carlos Moreno faz o gesto típico de quem manda ele se calar:
psiuuu! (Ver caderno de imagens, foto 45).
É interessante notar que, na construção dessa narrativa, assim como na
de vários outros comerciais criados por Olivetto, há evidente emprego da
digressão – que nada mais é que o desvio de rumo ou de assunto.
Note que, em vez de começar o comercial já vendendo o produto, ou
seja, falando sobre as qualidades do Bombril, o redator optou por iniciá-lo
contando uma história (ou uma anedota). Buscou prender a atenção do
consumidor primeiro para só depois, já quase ao final do filme, revelar ao
telespectador que se trata sim de uma propaganda, e não apenas de uma gag
ou chamada para um programa humorístico veiculado na emissora. A
narrativa aqui não é linear. A digressão é um subterfúgio, um recurso
encontrado com frequência na literatura e no cinema. Os filmes de Woody
Allen, por exemplo, outro nome que o publicitário admite como mentor
intelectual de sua obra – e nós teremos a oportunidade de analisar tal
afirmativa mais adiante, no capítulo em que analisamos a linguagem e os
recursos retóricos que Olivetto emprega na construção de seus textos –,
também são repletos de digressões.
Em O apanhador no campo de centeio, o personagem principal, Holden
Caulfield, enaltece tal recurso estilístico. Defendendo um aluno que era
interrompido pelos colegas toda vez que digredia, aos berros de “digressão,
digressão”, Caulfield assim se manifesta: “O problema comigo é que eu gosto
quando um sujeito sai do assunto. É mais interessante... eu gostava dos
discursos dele mais do que de qualquer outro sujeito... e, se o sujeito sai um
pouquinho do assunto, todo mundo grita: ‘digressão!’” (Salinger, 1951, p. 160-
161).
A digressão é um recurso estilístico encontrado na propaganda com uma
frequência muito maior do que se imagina.
Quem não se lembra de um comercial do banco Itaú em que dois
executivos, ao saírem de um escritório para fazer um lanche rápido,
deparam-se com um vendedor de cachorro-quente muito simpático que,
enquanto prepara os seus sanduíches, narra suas teorias muito complexas
sobre investimentos financeiros, deixando tais executivos boquiabertos?
Na conclusão do filme, terminada a inteligente explicação de como
funciona o mercado, o vendedor, humildemente, encerra dizendo que, se eles
procuram mesmo uma boa dica de investimento, devem procurar o Itaú, pois
o seu ramo é mais salsicha, pãozinho e essas coisas mais simples.
A estrutura desse comercial foi toda montada sobre a técnica da
digressão. Note que o personagem começa falando sobre um assunto, foge
para um outro, que, aparentemente, não tem nada a ver com o tema tratado,
e então conclui, voltando ao assunto original.
Tal técnica serve para surpreender o telespectador, ao mesmo tempo
em que prende a sua atenção no tema tratado no comercial.
Isso é digressão. E, ao longo desse trabalho, tornaremos a comentar
propagandas que empregam a digressão como recurso retórico na construção
da mensagem, buscando ainda demonstrar a sua importância e também a
frequência com que ela aparece no trabalho de Olivetto.
Para Holden Caulfield, “muitas vezes, a gente só descobre o que
interessa na hora que começa a falar sobre uma coisa que não interessa
muito” (idem, p. 161). A digressão, afirmam alguns estudiosos, torna a vida
menos previsível e mais interessante.
Será que Washington Olivetto nos criticaria por essa pequena digressão?
Numa entrevista que tivemos com o autor na WMacCann do Rio, em
2011, ele lembrou que tal série de comerciais quase não foi para o ar. Quando
a primeira propaganda foi apresentada, ainda nos tempos de DPZ, alguns
representantes do cliente – a família Ferreira, que na época detinha a Marca
Bombril – acharam o personagem vivido pelo ator Carlos Moreno
completamente fora de tom.
Para eles, o personagem parecia delicado demais, quase afeminado.
Um personagem assim, na época, não era comum. Os galãs de então eram
mais ao estilo machão, estavam muito mais para John Way ne e Stallone que
para Carlos Moreno. As mensagens que a grande maioria dos publicitários
daquela época dirigiam às donas de casa pareciam ser preconceituosas, sob
certos aspectos.
Era como se os redatores escrevessem para uma dona de casa submissa
e sem opinião. Era como se o homem escolhesse pela mulher o produto que
ela tinha de usar em casa. Então, na maioria das vezes, autoritariamente, o
ator dos comerciais ordenava: olha, compre este produto que eu estou
anunciando e fim de conversa. Na maioria dos textos, o que havia era uma
ordem, e não um conselho, uma sugestão.
Woody Allen, com seu jeitinho engraçado e também delicado para a
época, já fazia sucesso nas telas, é verdade. Mas era na telona dos cinemas,
para um público mais sofisticado, não era nos comerciais de TV, feitos para o
grande público.
Francesc Petit, que criou a série de comerciais em dupla com
Washington Olivetto, teve dificuldades em convencer o cliente do contrário. O
problema era simples: todos temiam que o personagem fosse mal recebido
pelas donas de casa e o consumidor em geral. Se isso acontecesse, o produto
seria rejeitado nas prateleiras. Então para que correr riscos? Talvez o melhor
fosse mesmo recusar o comercial, reprovar a ideia, certo? Errado.
Se Petit e Washington não tivessem insistido com o cliente, e se não fosse
o apoio que eles receberam de Ronaldo Ferreira, um dos únicos que tinham
realmente poder de aprovação e acreditaram no sucesso da campanha, o
Garoto Bombril, um dos cases de maior sucesso em toda a história da
propaganda, não teria passado de mais uma ideia brilhante, como tantas
outras, que foram parar no lixo.
E já que estamos tratando de um tema delicado, talvez fosse bom
lembrar um episódio ocorrido durante os anos 1980, quando foi exibido o
comercial Demitido – que tratava da demissão do Garoto Bombril.
Num dos textos mais inteligentes que a propaganda já viu, Olivetto
consegue abordar um tema extremamente delicado para a época: o
homossexualismo, o preconceito existente contra os homossexuais que,
naquela época, era muito forte.
Ao se despedir da dona de casa, com quem, havia duas décadas,
conversava e orientava em termos de produtos de limpeza, recomendando,
evidentemente, sempre os produtos da linha Bombril, Carlos Moreno fala
para a dona de casa que aquele era o último comercial do Bombril que faria.
Que estava se despendindo do telespectador. Fora demitido. E então,
justificando os motivos da sua demissão, afirma que, na fábrica, disseram
que ele não estava sabendo vender bem o produto Bombril e que havia até
quem reclamasse dizendo que ele era meio assim... – e o ator faz gestos
como que demonstrando – afeminado.
Foi a primeira vez que alguém ousou tocar num tema tão difícil e
problemático para a época. Foi a primeira vez no Brasil que se falou, num
veículo de comunicação de massa, a TV, sobre a questão do
homossexualismo.
Repare na sutileza do texto que transcrevemos a seguir, na
coloquialidade, na criteriosa escolha lexical do redator que escreveu tal
roteiro:
Com ar triste, enquanto ia retirando o uniforme de vendedor da Bombril,
tirando o jalequinho branco que usou em todos os comerciais do produto, o
ator Carlos Moreno, mais conhecido pela dona de casa como o Garoto
Bombril, ia se despedindo das suas amigas, dizendo:
Num outro comercial daquela que é ainda hoje a série mais longa de
comerciais já registrada em toda da história da propaganda, o ator Carlos
Moreno surge em cena numa paródia de Che Guevara. Enquanto uma típica
música cubana tocava ao fundo, o telespectador via o ator caracterizado de
Guevara. Uniforme militar, boina na cabeça e um charuto na mão, ele sorri
para a câmera, em ligeiro tom de deboche, enquanto a música segue
tocando. Ele elogia, é claro o “comandante”. Então, apresentando a nova
embalagem de Limpol, Carlos Moreno, ou “Che”, começa a elogiar Limpol.
Em portunhol, é óbvio, para que o consumidor entenda que se trata de uma
paródia, mas também de um comercial do produto da família Bombril, ele
diz:
– Aqui está la claríssima, a verdadeira transparência de la querida
tendência do comandante Limpol. A senhora és la comandante de su lar. Hay
que endurecer contra la gordura, pero perder la ternura com suas manos,
jamais! Quer dizer: Limpol. Dureza contra a gordura. Suavidade para as suas
mãos. Viva Limpol. El comandante de la limpeza!
E então ele ordena:
– Avante, Limpol, a todos os lares de las compañeras, avante! Limpem
tudo! Viva Limpol, viva Limpol, viva Limpol!
E como se fossem soldados desfilando, diversas embalagens do produto
começam a desfilar diante de Carlos Moreno, passando de um lado da tela
para o outro.
Aí entrava um lettering com o texto: “Limpol. O comandante da
limpeza”. E o comercial encerrava. (Ver caderno de imagens, foto 24).
Premiadíssimo, o filme, que agradou em cheio o público, desagradou
tanto a esquerda radical quanto a direita. Ambas, além de protestarem,
parecem ter odiado a propaganda. A frase “Hay que endurecer, pero sin
perder la ternura”, que foi subvertida no comercial, recriada numa divertida
paródia, causou protestos da esquerda, que considerou aviltante a utilização de
Che Guevara num comercial de TV que pretendia vender produtos de
limpeza, e a direita, por sua vez, considerou a propaganda um incentivo a um
criminoso notório.
107 Para Santo Agostinho, esse nome dado às coisas por Adão constitui a “língua
comum da raça humana”, possivelmente o hebraico, o qual se diversificou e
confundiu mais tarde em decorrência do episódio da Torre de Babel. Hobbes
também acreditava nessa linguagem partida”.
110 “O ferimento logo abaixo das costelas de Vincent era mais ou menos do
tamanho de uma ervilha graúda. A arma fora empunhada baixo demais e
apontada para baixo, colocando o pequeno projétil numa posição perigosa, mas
longe do alvo pretendido. Parecia o ângulo imprevisto de um disparo acidental, e
não a trajetória estudada de um suicida... a arma fora disparada de uma distância
maior – ‘longe demais’, segundo o relatório do médico – talvez além do alcance
de Vincent” (idem, p. 993).
111 Nossa margem de erro nesta pesquisa é a mesma recomendada por David
Ogilvy, 5% – para mais ou para menos.
118 Essa afirmativa de Ogilvy seria questionada pelo próprio autor, numa
entrevista que concedeu à Advertising Age, aproximadamente um ano depois, e
que foi publicada no livro The art of writing advertising, de Denis Higgins.
Justificando tal mudança de raciocínio, Ogilvy nos lembra de que os primeiros
redatores a escrever comerciais para a TV eram os mesmos redatores que
escreviam os comerciais do rádio. Rádio, dizia Ogilvy, é feito de palavras, TV
não. Então, na página 90, David Ogilvy parece agora afirmar o contrário,
dizendo que o comercial de TV deve conter bem poucas palavras: “I sometimes
think that good commercial should only have two words in the beginning that say
simply: ‘Watch this’. Then show pictures so interesting, so persuasive that the
viewer would have to go out and buy the product”.
119 “Other words and phrases which work wonders are ‘how to’, ‘suddenly’,
‘now’, ‘anouncing’, ‘introducing, ‘it’s here’, ‘just arrived’, ‘important’,
‘development’, ‘improvement’, ‘sensational’, ‘remarkable’, ‘revolutionary’,
‘startling’, ‘miracle’, ‘magic’, ‘offer’, ‘quick, ‘easy’, ‘wanted’, ‘challenge’,
‘advice to’, ‘the truth about’, ‘compare’, ‘bargain’, ‘hurry’, ‘last chance’”
(Ogilvy, 1963, p. 131-132).
122 O Baixinho da Kaiser era interpretado pelo ator José Velien Roy o.
Capítulo III
123 “As convicções são cárceres. Mais inimigas da verdade do que as próprias
mentiras” (Also sprach Zarathustra, 1883/1885).
125 Art rhétorique et art poétique. Paris: Garnier Fréres, 1957, p. 53.
126 “Tenho paixão pela língua portuguesa, convertida em língua brasileira. E
aprendi desde cedo que dependo muito da língua portuguesa. É por meio dela que
posso expor minhas ideias. Ela é o fio que me liga à cabeça e à alma das
pessoas” (Olivetto, 2011, p. 54).
133 Trecho da música Como uma onda, de Lulu Santos e Nelson Motta.
I. Por condensação:
• Com formação de palavra composta;
• Com modificação.
II. Com múltiplo uso de um mesmo material:
• Como um todo e suas partes;
• Em ordem diferente;
• Com leve modificação;
• Com sentido pleno e sentido esvaziado.
III. Com a utilização dos duplos sentidos:
• Significado como um nome e como uma coisa;
• Siginificados metafóricos e literais;
• Com duplo sentido propriamente dito (ou jogo de palavras);
• Double entendre;
• Com duplo sentido com uma alusão.
O fato é que Freud havia notado, por exemplo, que a presença do humor
nas pessoas espirituosas era marcante. Então se perguntou ele: seria o chiste
hereditário? Outra pergunta que ele fez foi: qual a importância do chiste no
processo social? Existiriam técnicas pelas quais se processa o humor? E, se
elas existem, que técnicas são essas?
As respostas não tardariam a ser encontradas. A verdade, diria um dia
Freud, é que a humanidade não se contentou em desfrutar o cômico, mas
procurou também produzi-lo intencionalmente. Freud queria explicar como
se dá esse processo, por que formas linguísticas tal pensamento chistoso ou
cômico pode ser expresso. Para isso, o pensador austríaco não se limitou a
estudar em livros e passou a pesquisar também artigos de humor em jornais e
revistas e, assim, a colecionar anedotas, que mais tarde lhe serviriam de
material.
Em nossos estudos sobre o humor na propaganda e em especial nos
textos de Washington Olivetto, que ora iniciamos, pretendemos seguir a
orientação dada por Freud e, assim, além de livros, pesquisaremos também
os artigos de jornais e revistas e, evidentemente, comerciais da TV.
E Olivetto segue explicando: “No primeiro caso, o que gera o riso é a
surpresa com o inesperado ou com o coincidente. No segundo, o ‘engraçado’
se escora na oposição à diferença e na exposição exagerada ou ridícula de
estereótipos”.
E agora, nós nos perguntamos, com o que trabalha, com quais elementos
opera a publicidade, senão exatamente com estes: os estereótipos, o exagero,
a pilhéria e os jogos de palavras? Aliás, por que será que o próprio
Washington Olivetto utiliza tanto o recurso da paródia em seus comerciais? A
resposta a essa pergunta nos vem do próprio Freud: porque a paródia é uma
das formas de se produzir o cômico. O humor, dizia ele, não nos torna
ridículos ou desprezíveis, ele nos torna admirados.146
Olivetto tem toda a razão em afirmar que, sob certos aspectos, a
estrutura do comercial é parecida com a estrutura do chiste, até porque os
dois visam arrancar o riso do telespectador, da plateia.
É na palavra e pela palavra que o inconsciente encontra a sua
articulação essencial. E é também na palavra, muitas vezes, que a mensagem
publicitária aproxima o consumidor do produto ofertado, fazendo um gracejo,
um jogo de palavras ou uma anedota que o faça rir.
Os trocadilhos (ou jogos de palavras), que são uma forma pela qual o
chiste se apresenta, são baseados na polissemia. Segundo o professor Stephen
Ullmann, eles são mais interessantes por causa da sutileza, do novo sentido
que dão às frases. Quando Washington Olivetto, por exemplo, escreve em sua
mensagem uma polissemia, como a que vemos a seguir, criada para
anunciar o produto Bombril, numa época em que a modelo e atriz Suzana
Alves interpretava a personagem Tiazinha, criada pelo apresentador Luciano
Huck, agora da Globo, está utilizando esse recurso técnico persuasivo, o jogo
de palavras ou polissemia. Ele está, na verdade, provocando o chiste em sua
mensagem. Repare na sutileza do título, repare como há mais de uma leitura
contida nele (ver caderno de imagens, 53): “Compra Bombril, Tia, compra”.
A maioria dos trocadilhos – e quem volta a falar aqui é Stephen Ullmann
–, são na verdade súbitos e isolados lampejos de humor. Eles inserem o
humor no contexto.
O emprego da ambiguidade diz respeito aos aspectos estilísticos da
redação – contribui para a harmonia do texto – e é muito comum não apenas
na publicidade, mas também na própria literatura. Muitas vezes, a gente se vê
comentando sobre um determinado anúncio: “ah, isso é um joguinho de
palavras”, e, muitas vezes, comentamos num tom pejorativo. Até nos
surpreendermos, vendo que de simples mesmo o jogo de palavras (ou o
trocadilho ou a polissemia) não tem nada.
Muito pelo contrário, podemos notar ao longo da história que ele foi
usado com mestria por grandes escritores, como William Shakespeare e
Victor Hugo, por exemplo.
A melhor definição para essas proezas linguísticas, que tanto embelezam
e atraem atenção para o texto, o jogo de palavras ou o trocadilho, parece-nos
vir do professor Ullmann. Para ele, tais recursos linguísticos são na verdade
“acrobacias verbais”.
Shakespeare usava com frequência tal recurso estilístico, visando ao
humor. Em Love’s labour’s lost (Trabalhos de amor perdidos), uma de suas
primeiras comédias, escrita por volta de 1598, Shakespeare brinca com a
palavra light (“leve”, “luz”, “aceso”), dando-lhe por meio da construção
frasal um duplo sentido. Os diálogos entre Katharine e Rosaline certamente
foram escritos e reescritos inúmeras vezes até Shakespeare ter conseguido o
efeito desejado. Veja o que ele escreveu:
Por que será então que grande parte dos consumidores associa a
imagem e o nome de Olivetto a comercial engraçado? Tentemos entender
por que isso acontece. Analisemos, pois, o humor na propaganda e o humor
de Washington Olivetto na construção da mensagem publicitária.
Comparando a estruturação frasal do analisado e os recursos técnicos
que ele emprega com maior frequência na construção da sua mensagem
bem-humorada aos textos publicados por Freud, talvez possamos explicar
melhor como se dá tal construção chistosa na redação de Washington
Olivetto.
Para isso, evidentemente, são importantes os exemplos, como escrevera
o próprio pai da psicanálise, ao explicar a existência de tantas anedotas e gags
em seu trabalho Os chistes e sua relação com o inconsciente: “Os trabalhos
anteriores traziam pouca quantidade de exemplos reconhecidamente
chistosos sobre o assunto e, assim mesmo, todos pareciam tomar por base em
seus trabalhos os mesmos exemplos utilizados por seus antecessores (...) se
nos propomos a abordar um novo material (...) Tomaremos como objeto da
nossa investigação aqueles exemplos chistosos que tenham nos causado a
maior impressão e provocado mais intensamente em nós a hilaridade”
(Freud, 1981, p. 1033).
Passemos então a tais estudos.
Certas palavras, quando utilizadas num determinado contexto, chegam
mesmo a perder completamente seus significados originais, ganhando novas
interpretações. Assim, uma mesma palavra pode ter significações diferentes,
de acordo com a construção frasal.
A publicidade há muito entendeu isso e as utiliza com mestria na
confecção de seus textos persuasivos, nos quais o duplo sentido e as metáforas
são uma constante. E, aqui, Washington Olivetto é um mestre. Títulos como
Compra Bombril, compra, Tia (parodiando a personagem Tiazinha) e a
campanha para o Unibanco É melhor ir se preparando para ser rico são bons
exemplos.
De acordo com o dicionário, a palavra texto vem do latin: textus,
“tecido”. E significa as próprias palavras de um autor, livro ou escrito.
Palavras citadas para demonstrar alguma coisa. Palavras bíblicas que o
orador cita, fazendo-as tema de sermão (Dicionário novo Aurélio da língua
portuguesa, p. 1.386). Texto significa tecido. Escrever um texto nada mais que
organizar um discurso, uma ideia, composta de um tecido de palavras.
Palavras são significações que se despertam emoções. Algumas nos fazem
rir, enquanto outras fazem chorar.
O humor e as palavras têm despertado o interesse científico de inúmeros
grandes pensadores, ao longo dos tempos. Filósofos, filólogos, linguistas e
poetas já escreveram obras maravilhosas sobre o tema. O pai da psicanálise
foi um desses pensadores que se dedicaram ao estudo do chiste.
Sabedor disso, Sigmund Freud dedicou anos de sua vida aos estudos da
significação das palavras, tentando explicar-nos de que formas é possível
fazer rir. Quem está acostumado à imagem de um Freud sério certamente vai
estranhar o Freud que escreveu Os chistes e sua relação com o inconsciente.
É que para tentar explicar o chiste ele emprega anedotas...
Um cego se encontra com um paralítico. Provocativo, este pergunta
àquele: como tens andado? Ao que o paralítico responde: como você vê
(Freud, 1981, p. 1045).
Essa anedota, que parece ter sido extraída de um programa popular de
humor, foi, na verdade, reproduzida por Sigmund Freud em seu estudo sobre
o chiste.
Com 49 anos completos, o pai da psicanálise era um homem maduro,
que sabia muito bem o que procurava: a verdade. Como dissera Marx, é
preciso destruir as ilusões para mudar circunstâncias que exigem ilusões
(Fromm, 1980b, p. 8).
Embora o chiste represente um importante papel na nossa vida, apenas
uma minoria de pensadores se ocupou de estudá-lo seriamente até hoje.
Essas palavras não são nossas, mas de Freud, e podem ser encontradas entre
o primeiro e o segundo parágrafo de Os chistes e sua relação com o
inconsciente (Freud, 1981, p. 1.029).
De acordo ainda com Freud, não é possível tratar do chiste senão em sua
relação com o tema da comicidade. Sua investigação, com certeza, provocou
espécie entre seus pares. Naqueles tempos, 1905, não era comum um
pensador respeitado dedicar parte de sua vida aos estudos de algo,
aparentemente, tão óbvio quanto o humor. Freud tinha razão: o humor não é
algo assim tão óbvio.
Para explicar como se dá o processo da construção do chiste, Freud
utilizou anedotas como exemplos. Algumas delas – a grande maioria, na
verdade – era constituída de discussões sobre valores e instituições
estabelecidas, como a família, o judaísmo, o médico e até mesmo as
autoridades (na página 1.044, por exemplo, narra uma envolvendo
Napoleão). Algumas, com forte conotação sexual, devem ter abalado os
alicerces da sociedade da época.
Sem sombra de dúvidas, Freud foi corajoso. Em nome da ciência e em
busca da verdade, parece ter relegado sua vida pessoal a um segundo plano.
Deve ter tido sérios problemas com tal opção. Na sociedade vitoriana em que
vivia, de antes ainda da Primeira Guerra Mundial, homens como ele não
eram vistos com bons olhos. Um cientista sério não perderia seu tempo
deliberando sobre questões fúteis e banais como o humor. Seria mesmo o
humor um tema banal? Como teria reagido a comunidade científica judia da
época? O mínimo que se pode dizer é que, com certeza, tal escolha provocou
indignação entre os semitas.
Além das piadas de judeus, Freud acrescentou ainda inúmeras outras
anedotas de cunho dito preconceituoso. Como deve ter sofrido por isso. Se
professores, hoje em dia, recomendam que o livro do grande escritor
brasileiro Monteiro Lobato não seja mais utilizado nas escolas públicas, por
conter possível passagem racista (em Caçadas de Pedrinho, publicado em
1933, o autor escreve sobre a personagem tia Nastácia, que é negra:
“esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca
de carvão pelo mastro de São Paulo acima”). Por outro lado, há quem o
defenda, lembrando que o autor já em 1918 havia publicado uma outra obra,
Negrinha, em que, ao narrar a curta vida de uma filha de escravos, tiranizada
e espancada pela patroa, denunciava a sociedade escravagista de então.
Diante disso, o que pensar do eminente pensador austríaco que,
aparentemente, ironiza judeus e deficientes? O que muitos não veem,
infelizmente, é que ao que tudo indica, o pensador apenas reproduzia parte do
folclore popular para ilustrar seus pensamentos, sem emitir sentidos de valor
em seu textos.
Versando sobre o tema, aliás, Erich Fromm nos dá uma ideia mais
aproximada do que deve ter ocorrido, lembrando que Freud já foi taxado de
não ser científico:156 “Tornou-se hoje de bom tom dizer – e os psicólogos de
vários ramos da psicologia acadêmica são particularmente propensos a
sublinhar esse ponto – que a teoria de Freud “não é científica” (Fromm,
1980b, p. 16).
Como o próprio Fromm escreve mais adiante, tal julgamento depende
do que se entende por “método científico” (idem, ibidem).
Segundo Theodor Lipps (1898), o chiste é a comicidade privativamente
subjetiva, isto é, aquela comicidade que nós fazemos surgir e que reside em
nossos atos; está relacionado com o inesperado, com o humor. O Dicionário
novo Aurélo da língua portuguesa traz a definição exata da palavra chiste:
“Do espanhol, chiste. Sinônimo de gracioso, piada, pilhéria, gracejo. Graças,
chistes, e facécias que promovem o riso, são para o tablado da comédia e não
para o púlpito” (Bernardes, 2010, p. 320). Baseando sua investigação
principalmente nos estudos de três filósofos alemães, Theodor Lipps,
Theodore Vischer e Kuno Fischer e do poeta Jena Paul Richter, Freud tentou
explicar como se forma o processo do chiste.
Para Freud, existe uma fórmula de edificação do chiste, do humor.
Visando entender tal processo e de que formas o texto publicitário, em
especial o de Washington Olivetto absorve tais procedimentos chistosos na
construção de seus textos, buscaremos analisar a partir de agora essas
relações. Segundo Freud (Freud, 1981, p. 1.029), Kuno Fischer (Über den
Witz, 1889) acreditava que a relação do chiste com o cômico se dá por
intermédio da caricatura. O feio, em qualquer de suas manifestações, é
objeto da comicidade. Ele nasce da caricatura. No entanto, mais adiante,
poderemos verificar que existem várias outras formas de construção do
chiste, sugeridas por eminentes pensadores, tais como as analogias, as
associações verbais e os contrastes. Kant, segundo Freud (idem, p. 1.031),
afirmara que uma qualidade singular do cômico é a que podemos nos
enganar por um instante. O que Freud parece querer nos dizer com isso é que
o processo psicológico que o dito chistoso provoca em nosso cérebro é que faz
surgir o sentimento de comicidade e que este consiste, via de regra, em
concebermos uma sequência lógica em que, inicialmente, damos ao dito, ao
conteúdo da mensagem, um sentido que, logo a seguir, percebemos ser
impossível e, nos surpreendendo então, acabamos por descobrir o verdadeiro
conteúdo das palavras. Theodor Lipps acreditava que a comicidade resulta do
término posto de forma singular na formação verbal: ao percebermos a dupla
significação da palavra, notamos que falta sentido nela e, após o espanto,
descobrimos sua real significação (idem, p. 1.032).
No final de 1999, durante a sua apresentação na inauguração do
Credicard Hall, a então mais nova casa de espetáculos de São Paulo, o cantor
João Gilberto reclamou com a direção da casa, alegando que o som estava
fazendo eco. Com base em tal fato, em menos de 24 horas a W/Brasil, ex-
agência de Olivetto, criou, aprovou junto ao cliente, produziu e depois
veiculou o anúncio a seguir, que trazia o ator Carlos Moreno parodiando o
famoso cantor baiano. Analisemos aqui a construção de um título de
Washington Olivetto que emprega esse recurso do chiste: Não dê eco pra
sujeira.
Em O humor, que retoma o tema já tratado vinte e três anos antes, em
Os chistes e sua relação com o inconsciente, Freud diz ter chegado à
conclusão de que o humor é uma forma de se obter prazer mediante uma
atividade intelectual (idem, p. 3000).
Para Freud, a importância do humor reside exatamente no fato de ele
ser um raro e valioso talento que nos protege do sofrimento. Ele, o humor, é
uma forma de superação da realidade, é a vitória do eu sobre a situação real,
triunfamos por meio dele sobre as adversidades e as circunstâncias da vida
que nos causam medo e apreensão.
Rir afugenta o medo. E, se o chiste representa uma contribuição ao
cômico oferecida pelo inconsciente, o humor é a contribuição ao cômico
oferecida pelo superego.
O homem parece ser o único animal que sorri conscientemente.
Pelo que foi demonstrado até aqui em nossos estudos, Washington
Olivetto é um desses seres que possuem o raro talento de fazer rir.
Terminemos, pois, esta última parte de nossa pesquisa prestando uma
justa homenagem ao redator que, por meio de seus textos chistosos,
irreverentes e engraçados, tão maravilhosamente nos tem divertido ao longo
de mais de quatro décadas, publicando dois de seus mais divertidos e
brilhantes comerciais.
Por meio da leitura desses textos, você perceberá que, apesar de toda a
tecnologia e dos inúmeros recursos de edição e computação gráfica que
envolvem a publicidade atual, nada substitui a simples e original boa ideia.
Bom proveito.
Vamos ao primeiro caso. Num comercial antigo, Limpol mais natural, o
ator Carlos Moreno aparece atrás do balcão, onde normalmente anuncia os
produtos da família Bombril. O detalhe que o telespectador nota logo de cara
é que o Garoto Bombril, que na verdade só aparece neste filme da cintura
para cima, esconde-se timidamente atrás do produto ofertado, pois está como
veio ao mundo: pelado.
Pela primeira vez em toda a história de comerciais da Bombril, e
acreditamos na história da própria propaganda, vemos alguém nu na tela
fazendo comercial de um produto. Então Carlos Moreno conversa com a
dona de casa, explicando por que está sem roupa. Ele diz:
“Sabe por que eu estou assim, ao natural? Pra apresentar o novo Limpol.
O novo Limpol é mais natural. Tem glocopon, um negócio de nome
complicado, mas que simplifica tudo. Ele é mais natural pra senhora e pro
meio-ambiente. Ele só não faz bem mesmo é pra gordura (risinhos). Agora
eu posso estar ao natural, mas como não sou assim, transparentinho que nem
ele, não vou sair daqui de trás, não.”
O interessante também neste comercial é que Olivetto parece ter
inovado mais uma vez. Quando todo mundo esperava uma locução
tradicional, que comunicasse as vantagens do produto, Olivetto nos
surpreendeu de novo, colocando dessa vez a mensagem escrita na tela. Nos
segundinhos finais do comercial, entrava então o seguinte texto, que corria na
tela: “Novo Limpol natural. O natureba”. (Ver caderno de imagens, foto 74).
Analisemos agora o segundo comercial. Trata-se de um comercial para
o próprio Bombril. Enquanto uma música toca ao fundo, o telespectador
percebe que uma mão começa a desembaçar, a limpar um vidro ou uma
janela. O locutor, em off (aquele que não vemos em cena, mas ouvimos),
anuncia: “Para limpar e dar brilho, não apareceu ainda nada melhor do que
Bombril”. (Ver caderno de imagens, foto 75).
Só então o telespectador percebe que se trata de Carlos Moreno, o
Garoto Bombril, que está com uma palhinha de aço, o próprio produto,
limpando uma janela ou um vidro, através do qual, agora, nós o observamos.
Ele está sorrindo, feliz da vida. Como se nos mostrasse ou quisesse dizer:
limpar com Bombril não dá o menor trabalho, não exige o menor esforço.
Sobre o sorriso do ator, ouvimos o locutor então encerrar a mensagem
comercial, dizendo: “Bombril tem mil e uma utilidades” – frase que é
repetida na tela da televisão.
Note que o ator, o Garoto Bombril, sequer faz menção ao nome do
produto – o ator nesse filme não diz uma só palavra. E o nome ou marca
Bombril é repetido apenas duas vezes, pelo locutor, durante os trinta segundos
de comercial.
Washington Olivetto, sem sombra de dúvidas, é um dos redatores que
sabem surpreender o telespectador neste país.
140 Napoleão: “Todos os italianos dançam mal”. A dama: “Nem todos, só boa
parte” (Freud, 1977, p. 52-53).
141 “Já que a brevidade é a alma do engenho. É o tédio seu corpo e externo
ornato. Serei breve” (Shakespeare, Hamlet, II, 2).
142 “Terei o direito de fazer isso? Pelo menos não cheguei ao conhecimento
destes chistes através de alguma indiscrição. São de domínio público nesta cidade
(Viena), achando-se na boca de qualquer pessoa. Freud Idem, Vol VIII, p. 36 e
192.
143 Sobre Freud: “Finalmente, pelo menos parte da atenção acumulada por
Freud não era tão solene, e sim divertida” (Peter Gay, Freud: uma vida para o
nosso tempo, p. 417), “Seu repertório de piadas, principalmente mordazes
anedotas judaicas, e sua inigualável memória para oportunas citações... Seu
método de exposição era o de um humorista alemão” (Idem, p.158). Sobre
Eisntein: “Em 1943 assinou um contrato com o Departamento de Material da
Marinha dos Estados Unidos como consultor eventual... A contribuição mais
memorável desse período talvez tenha sido a frase: ‘Estou na Marinha, mas não
me exigiram que cortasse o cabelo a marinheiro’” (Abraham Pais, Albert
Einstein, A ciência e a vida de, p. 12).
144 Thomas, H.; Thomas, D. L. Vidas de grandes filósofos. São Paulo: Globo,
1960, p. 145-146.
145 Hernani, de Victor Hugo. “Nossas cabeças têm o direito de tombar cobertas
diante de ti”. Freud, Idem, Obras completas, vol. VIII, p. 258.
146 “Mas há ainda outros meios de tornar as coisas cômicas. (...) Entre eles, por
exemplo, está a mímica, (...) a caricatura, a paródia” (Freud, 1977, p. 226).
147 “K: (…) pois um coração leve dura muito tempo. R: Que significado obscuro
dás tu a essa palavra luminosa? K: Uma condição luminosa numa beleza escura.
R: precisamos de mais luz para perceber o que tu dizes. K: apagarás a luz se lhe
soprares; por isso, terminarei o argumento por uma forma obscura. R: Repara
que tudo o que fazes é na sombra. K: Não podes dizer o mesmo; pois tu és bem
acesa. R: Na verdade, peso menos do que tu; por isso sou leve (Semântica,
Stephen Ullmann, Fundação Caloustre Gulbenkian, Lisboa, 1964, p. 381 e 382).”
148 “También existen palabras que pueden ser empleadas en más de un sentido,
despojando las de su primitiva significación” (Freud, 1981, p. 1.045). “Las
metaforas chistosas solo raras vez provocan la explosión que confirma a un buen
chiste” (idem, p. 1.073).
151 Tal como foi o caso do humorista Chico Any sio, sagaz observador da
realidade social. Outra vítima desse tipo de pressão foi Arapuã, o colunista
amplamente lido da Última Hora. Ele foi forçado a deixar o jornal em 1962.
152 “Los pequeños rasgos humorísticos que producimos a vezes em nuestra vida
cotidiana surgen realmente em mosotros a costa de la irritacion; lós producimos
em lugar de enfadarmos” (Freud, El chiste y su relation com ló incosciente, Tomo
I, p. 1164).
153 Luis Guto de Paula é redator publicitário e postou tal frase no Facebook em
6/3/2012.
154 “En que consiste, pues, la actitude humorística que nos permite rechazar el
sofrimiento, afirmar la insuperebilidad del yo por el mundo real, sustentar
triunfalmente el principio del placer, y todo ello sin abandonar, como ocurre em los
otros processos de idêntico designio, en terreno de la salud psíquica, aunque este
precio pareceria ser ineludible?” (Freud, 1981, p. 2998).
A ideia deste capítulo surgiu meio que por acaso. Poderíamos até dizer o
contrário, afirmando que foi tudo planejado, que nós percebemos o quanto
era importante ter em nosso livro um capítulo assim, com amigos e pessoas
que trabalharam com o Olivetto falando sobre ele e o seu trabalho. Ficaria
mais bonito, mais chique, passaria um ar mais intelectual. Só que isso não
seria verdade. As coisas não aconteceram desse modo. Assim como grande
parte das grandes descobertas, tudo aconteceu meio que por acaso.
Eu explico. Na verdade, tudo começou quando estávamos conversando
com um colega pelo Facebook, o Guto, e um outro velho amigo, o Ronaldo
Conde, mandou uma mensagem para mim. Nela o Ronaldo – que foi redator
da antiga MPM e depois diretor de criação e gerente geral da Almap do Rio
de Janeiro – dizia que havia lido o que eu escrevera. Educadamente, ele pedia
desculpas e alertava para o fato de eu estar escrevendo as mensagens em
aberto, o que me deixava vulnerável, pois qualquer pessoa, entre os milhões
de internautas que navegam pelo Face diariamente, podia ter acesso aos
meus pensamentos e às minhas palavras. Segundo a Folha de S. Paulo,157
são 1 bilhão de usuários ativos em todo o mundo, com aproximadamente 2,7
bilhões de “curti”, 300 milhões de fotos e outros 2,5 bilhões de atualizações de
status todos os dias.
Números realmente impressionantes. O Brasil é o quinto maior mercado
do Facebook, ficando atrás apenas, em termos quantitativos, de Índia,
Indonésia, México e Estados Unidos.
O fato é que o Ronaldo se oferecia para me ajudar. Ele havia visto que
eu procurava um jeito de chegar no Ercílio Tranjan – que eu só conhecia de
nome – e, como havia trabalhado com ele nos tempos de Q, estava se
oferecendo para fazer a ponte entre nós dois. É evidente que agradeci e
aceitei na hora a sua ajuda. Foi então que o Ronaldo narrou um fato curioso
que eu passo a contar agora. Quer dizer, parte dessa história, porque os
detalhes você vai ouvir, ou melhor, ler e saber pelo próprio Ronaldo Conde.
Quando o Ercílio e o Washington Olivetto dividiram a indicação para o
Hall da Fama do CCSP, em 2002, ficou acertado que cada um deles
escreveria um texto sobre o outro, que seria publicado mais tarde no anuário
do clube.
Que responsabilidade.
“Se você quiser, Renha”, disse o Ronaldo para mim, “posso até escrever
como foi isso. Eu estava lá naqueles tempos e presenciei tudo”. É evidente
que falei: “Cara, você tem que contar para as pessoas essa história que
acabou de me contar, porque ela é maravilhosa”. Dá um capítulo de livro,
pensei na hora. Ou, quem sabe, um livro inteiro.
E foi então que, mais tarde, ao ver o texto que o Ercílio tinha publicado
sobre o Washington Olivetto, texto este que a Ciça, via Clube de Criação de
São Paulo, tão gentilmente encaminhou para o nosso e-mail – e que você vai
ter o privilégio de ler a seguir –, pensei: puxa, isso não é apenas um novo
texto, é mesmo um novo capítulo do nosso livro.
Liguei então para o Ronaldo e conversamos. Dessa nossa conversa
surgiu a ideia do capítulo especial que você tem agora em mãos. Este
pequeno texto que você começa a ler agora é uma apresentação ao texto de
Ercílio Tranjan, em que o redator que um dia inspirou Washington Olivetto
presta uma homenagem ao publicitário hoje mais premiado do país.
Logo a seguir vem uma série de outros textos que foram escritos por
alguns dos mais brilhantes e talentosos redatores publicitários, músicos,
artistas, empresários e intelectuais que este país já conheceu. Sem exagero,
metade dos Leões que o Brasil já ganhou em Cannes devem estar aqui
presentes. Se somarmos os cerca de 50 Leões do Fábio Fernandes com os
outros 25 do Andrés Bukowinski, os mais de 40 do João Daniel, os quase 100
do Marcelo Serpa e sua agência e os 53 do próprio Washington Olivetto (todos
na categoria cinema, porque ele nunca inscreveu nada em outra categoria),
vamos ter aproximadamente 300 Leões de Cannes.
Nem na África você vê tantos leões juntos num mesmo lugar.
Aliás, você vai ler também, a seguir, um depoimento do próprio Garoto
Bombril – o ator Carlos Moreno, que durante quase quarenta anos deu vida ao
personagem, também escreveu algumas linhas para nós.
É bom que se diga que todos esses escrevinhadores, como diriam Ercílio
Tranjan e Washington Olivetto, foram extremamente generosos, porque não
receberam um tostão sequer por tal trabalho, mas somente o nosso muito
obrigado como reconhecimento. Todos esses textos têm em comum, é claro,
um mesmo tema: Washington Olivetto, a cultura popular brasileira e a
propaganda.
A todos esses amigos generosos que se deram ao trabalho de deixar de
lado momentaneamente seus afazeres, seus palcos e entrevistas para redigir
tais textos para nós, o nosso muito obrigado. Sem sombra de dúvidas, vocês
engrandeceram muito a nossa obra. E para você, que tem em mãos essas
preciosidades da narrativa escrita, desejamos uma muito boa e agradável
leitura.
Aqui vão os textos.
Washington Olivetto (e Ercílio Tranjan) por Ronaldo Conde
Ronaldo Conde,
Diretor Associado do Grupo Casa da Criação
Washington Olivetto Por Ercílio Tranjan
I Anuário – GM
V Anuário – Carbonell
VI Anuário – Minalba
IX Anuário – Atari
“Atari, o melhor inimigo do homem.”
Washington, você é um moleque.
Ercílio Tranjan
– Espelho, espelho meu, existe algum publicitário mais famoso do que eu?
P.S.: Nada falei sobre o sequestro porque estou com o mestre Álvaro
Morey ra: “As amargas não...”. Nada falei sobre as estagiárias porque “as
doces demais...” também não, são comprometedoras. Nada falei sobre os
prêmios nacionais e internacionais que ganhou porque este espaço é pequeno
demais.
£’
Fábio Fernandes
F/Nazca Saatchi & Saatchi (Agency of the Year 1999,
2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2011)
Washington Olivetto por Boni:
O primeiro Olivetto a gente nunca esquece
Nicolas Brien,
Chairman & CEO
McCann Worldgroup
Jeff Goodby,
Cofundador e Co-Chairman da Goodby, Silverstein & Partners
Um roteiro sobre W.
Tela escura. Som estridente de um telefone tocando. Ruídos
desencontrados de resmungos, copo caindo em carpete, objetos se batendo,
lençóis se agitando, até minha mão encontrar o telefone berrante em que se
escuta:
– Bommmm dia! Está na hora de tomar o café da manhã no Majestic...!
Você está descendo, João?
Acendo o abajur da mesinha de cabeceira revirada pelo susto do
despertar. Eu, na cama revirada, resmungo:
– Porra, Washington, ainda são sete horas, e fomos dormir às quatro!
Quero dormir!
– Hora de levantar, João! Estamos trabalhando... né?
– Cacete, Washington... dormir duas ou três horas por noite a semana
toda não dá...
– Imagina, João, você é um garoto... (risos) encontro você daqui a vinte
minutos, ok?
Corta.
Mesa de café no hotel Majestic, em frente à piscina, em Cannes. Meus
óculos escuros tentam disfarçar os olhos vermelhos e as olheiras. Washington,
todo agitado, cumprimenta membros de delegação de outros países e me
apresenta a um americano. Vejo o crachá pendurado no seu pescoço: júri.
Tento ser simpático... apesar de tanto sono!
Fico pensando: mais um dia de Festival de Cannes. Estamos em 1987 e,
neste ano, combinei de ir a Cannes com o Washington, que combinou fazer
uma “dupla” para que eu aprendesse mais um pouco de Cannes e soubesse
aproveitar tudo o que o festival tinha a oferecer para um profissional. Cara,
ele não dorme, mas segue com uma energia absurda! Incansável.
Aprendo com ele a aproveitar cada instante, para conhecer ou
aprofundar relações com os mais notáveis profissionais de outros países. Ele
sempre dizia: “Só os bobos vêm a Cannes para encontrar os profissionais do
seu país. Viajar onze horas de avião, pagar uma fortuna de hotel e refeição,
para fazer o que poderia ser feito sem sair de casa!”
Flashback.
Em 1986, Washington introduziu uma nova forma de aproveitar o evento
de Cannes para anunciar sua grande mudança: sair da DPZ e montar sua
própria agência com os suíços: a W/GGK. Isso passaria a ser uma regra para
todos os publicitários nos anos seguintes, quando teriam que anunciar
mudanças ou associações. Washington também criou um modelo novo de
agência, em que o criador era o presidente e dono, dando o tom de que
criação era o mais importante, mas não se esquecendo de ter ao lado um
sócio que tocaria a gestão e a administração. Ele nunca deixaria de ser o
elemento criativo, das ideias e dos conceitos, para surpreender, conquistar
clientes e fazer acontecer (peço licença ao Júlio Ribeiro de usar essa sua
expressão...).
Fim do flashback.
Volto a pensar em outra frase dele, depois que assistiu um comercial que
dirigi para ele, que não gostou. Fiquei abalado. Ele vira para mim e diz: “Que
bom! Agora estou tranquilo, pois sei que os próximos dez filmes que você vai
fazer para mim ficarão incríveis!”
Corta.
Jantar em São Paulo, no Freddy. Meia-noite e meia. E, como sempre, ao
final, mais um café e mais uma Fernet Branca Menta. Apenas ele era capaz
de tomar e apreciar aquela bebida intragável! E outro café, mais uma
Fernet... os garçons já colocando as cadeiras vazias em cima das mesas e
nossa conversa cada vez mais animada, e os garçons cada vez mais
desanimados. Sempre somos os últimos a sair!
Corta.
Dois anos depois, em Cannes, a W/Brasil torna-se a agência brasileira
recordista em Leões, e eu, como diretor e produtor, também. Estamos em
1989, e continuava existindo apenas uma única categoria: Filmes! Fizemos
uma grande festa! Fomos jantar no Treze, que todo ano frequentávamos e
cujos donos eram um casal gay de meia-idade. Local muito divertido,
decorado com flores e comida caseira muito saborosa. Ao final, na despedida
aos donos, eles perguntaram se estava bom. Eu, antecipando-me com meu
francês impecável, respondo: “Oui! Comme sampre, comme sampre!”.
Para olhares estupefatos dos franceses e muita gargalhada do Washington.
Descemos a ladeira até o hotel sem parar de rir...
Lembro-me de algumas frases de Washington: um bom roteiro de
comercial não pode ter mais que cinco linhas para contar uma ideia, senão
não tem ideia. Roteiro decupado é coisa para diretor do filme, não para
criador de agência, que não precisa saber escrever roteiros, e sim criar
ideias, únicas e ousadas, textos incríveis, ou sinalizar diálogos hilários. Alguns
clientes reclamavam de custos de produção e juntos escrevemos uma frase
que acabou virando um anúncio da minha antiga Jodaf: só existe um filme
caro, o filme ruim.
Corta.
Várias cenas que vivenciamos juntos dão o tom de turbilhão de
lembranças, numa espécie de caleidoscópio: Nova York, comendo
hambúrguer, ouvindo jazz, passar o réveillon tomando champanhe em taça de
plástico (indesculpável, segundo André Midani), Londres no Blakes Hotel, que
era insuperável. Paris, onde fomos a todas as galerias de arte e descobrimos a
roupa de Issey Miy ake. Filmando cerveja Bavária na Côte D’Azur, o filme
Casinha no morro, filmando Unibanco e Cerveja Antarctica em Londres, e
assim por diante. Tudo muito intenso. Fade out.
Corta.
Estamos em 1990. Numa auto-route, sigo um carro que acelera e freia
em vários momentos, para desespero de Javier, que, sentado no banco de
trás, resmunga: “Pô, Washington, você não se acostuma com carro
automático! Na primeira parada de ‘pipi-stop’, Javier pula para o meu carro,
aliviado! E seguimos nos dois carros para Turim, para assistir ao jogo Brasil x
Argentina, nas oitavas de final da Copa do Mundo. Voltamos para Cannes
tristes pelo 1 x 0 que levamos da Argentina, mas Washington ficou
maravilhado com a genialidade de Maradona.
Corta.
Pouco depois, estou morando em Barcelona, Espanha. Com os prêmios,
fui muito assediado e não resisti a convites para montar a Jodaf na Espanha e
poder trabalhar para vários países com diversos profissionais de agências e
com vários fotógrafos, montadores, diretores de arte consagrados na Europa,
numa experiência profissional incrível. Patrícia Viotti, minha sócia na época,
me acompanhou nessa aventura profissional e empresarial. Eu fui com
minha mulher, filhos e coragem. Segui dirigindo alguns comerciais para o
Washington, desde Barcelona, e também para o mercado espanhol e europeu.
Eram dezenas de filmes, que rodamos na Espanha, Inglaterra, Suécia,
França, uma experiência incrível! Washington acaba montando sua
W/Espanha e com isso faz a ponte aérea São Paulo/Barcelona/São Paulo com
frequência.
Corta.
Dois anos depois, estou de volta ao Brasil. Retomo forte a parceria com
Washington e fazemos vários filmes para seus clientes. Com Rider, usando
músicas como País tropical, regravada pelos Paralamas do Sucesso, e Como
uma onda no mar, com Tim Maia, ganhamos mais um Profissional do Ano da
Rede Globo. Várias estrelas do Anuário do Clube de Criação de São Paulo.
Fiat, Unibanco, BMW, O Boticário, Antarctica, etc.
Fade in.
Estamos em meu apartamento, na mesa do terraço, comendo um
delicioso “fideua” que Zaíra, minha mulher, aprendeu a fazer em Barcelona.
Corta.
Close meu: esboço um sorriso. Estou em 2012, em São Paulo. Já dirigi
um longa, produzi várias séries de televisão, sigo dirigindo alguns comerciais
que me atraiam, e a Jodaf foi transformada em Mixer. E a W em WMcCann.
Cada um seguiu seu caminho, mas lembro essas e tantas outras passagens que
por mais de dez anos tivemos, numa parceria intensa e fantástica. Sabíamos
misturar o profissional com o pessoal numa química incrível! Tanto viajamos
trabalhando como nos divertindo, em finais de semana memoráveis em
diferentes cidades, hotéis, restaurantes, com nossas esposas (Patrícia já
casada com Washington). Comerciais que nos orgulhamos de ter feito. Foram
anos dourados... de Leões... do Golden Boy, como era chamado, e de uma
verdadeira amizade.
Fade out.
Deveria entrar o letreiro “The end”, mas isso não vai acontecer, pois
essa palavra não existe para Washington Olivetto, que sempre ressurge, vivo
como nunca, quando ninguém mais espera!
Alexandre Machado
Final dos anos 1980. Lembro que era manhã, fazia sol e estávamos na
fase pós-resultado do Festival de Cannes, sábado ou domingo, quando todos
relaxam (exceto os estressados crônicos), preparando bagagens e espírito
para voltar ao Brasil ou esticar viagem pela Europa. Éramos cerca de uma
dúzia de brasileiros recém-esbarrados na Croisette e decididos a tomar um
café, Perrier ou refrigerante, mais pelo pretexto para bater um papo do que
por real necessidade de matar a sede ou jogar cafeína extra no sangue.
Ocupamos duas mesas no terraço do Carlton e adicionamos outras
cadeiras ao redor, incrementando o ambiente chique do hotel com um jeitão
de boteco. Mais do que conversar, ríamos de montão, e alto, numa época em
que nem se sonhava que o Brasil chegaria à invejável posição internacional
que ostenta hoje. Não creio que tenham nos percebido como latinos
inconvenientes, talvez um pouco excêntricos, e certamente muito divertidos.
Brincando sem maiores pretensões, contagiamos a solenidade clássica
daquele lugar, e os frequentadores pareciam gratos por isso.
Quem lê esse início de descrição pode imaginar que a palavra circulava
com fluidez entre nós, sendo distribuída em fatias de tempo equivalentes pelos
integrantes do grupo. Nada disso. Havia um personagem que concentrava as
atenções, transformando todos os demais em tietes coadjuvantes. Tudo o que
ele dizia, independente do que fosse, tornava-se mais interessante e mais
engraçado, só porque tinha sido dito por ele. Salvo honrosas exceções, apenas
a voz dele era ouvida, o que não significava nada além de sua natural
capacidade de contar bem as histórias de seu inesgotável repertório.
Na mesa vizinha, um grupo de senhoras turistas ria junto com a gente
mesmo sem entender nada de português, pura osmose. Quando me levantei
para ir ao toilette, uma delas me abordou, perguntando se aquele homem que
nos entretia era um artista. Na verdade era. Mas preferi explicar da maneira
mais racional, prática e leiga que me ocorreu: “Não, senhora. Somos todos
publicitários brasileiros, ele é o mais famoso do país, e um dos mais
premiados do mundo. Para nós, é uma espécie de popstar”.
Festivaleiro de primeira viagem, participar daquele momento fechava
minha semana na Côte D’Azur com chave de ouro. O sujeito era meu ídolo.
Só o conhecia de palco e júris, vendo-o passar o rodo em tudo que era troféu,
medalha e diploma. E logo na minha estreia, imagina só, eu havia assistido a
duas categorias inteiras de filmes ao lado dele, com direito a troca de
impressões, informações de bastidores e coisas do gênero. Muita sorte
começar daquele jeito.
Relembrando a cena agora, tomo um susto ao enxergar ali alguém que
parece não combinar com o universo publicitário. Refiro-me a Platão.
Calma! Não estou surtando. Raciocine comigo:
Adilson Xavier
Arnaldo Antunes
Washington Olivetto por Andrucha Waddington
Andrucha Waddington
Carlos Moreno
Agosto de 2012
Acredito, sinceramente, que todo mundo nasce com algum talento para
fazer alguma coisa na vida, mas são poucos os que têm a sorte de descobrir
qual é essa coisa. Por isso, são poucos os felizes e bem-sucedidos em seus
trabalhos.
Sou um daqueles caras que teve a sorte de descobrir para que servia
bem jovem, e isso certamente explica a minha alegria de viver. Também tive
a sorte de começar num momento em que a geração anterior já havia
profissionalizado a minha atividade, abrindo o caminho para o surgimento de
um profissional com as minhas ambições. A partir desses dois fatores de
sorte, o resto foi e continua sendo trabalho. Muito trabalho.
Escrevo estas linhas a pedido do autor deste livro sem ter conhecimento
do seu conteúdo. Sei que o livro é a meu respeito e, pelo carinho com que o
autor me trata, acredito que o conteúdo seja elogioso. Sendo assim, é claro
que vou ficar feliz. Mas, mesmo que alguns desses elogios sejam até
merecidos, garanto que não vou me deslumbrar.
Gosto que me levem a sério, mas eu não me levo a sério. E aprendi
ainda bem jovem a rir de mim mesmo. Aliás, é essa postura que permite,
depois de tudo o que me aconteceu na vida, manter-me um sujeito normal.
Mais ou menos normal.
Washington Olivetto
158 Embora tenham sido encontrados fósseis de uma espécia arcaica de Homo
Habilis mais antigos, datados de cerca de 1,6 e 2,5 milhões de anos atrás, segundo
artigo publicado no Independent e posteriormente no jornal O Globo, Ciência,
9/9/2009.
159 Artigo publicado no The New York Times e posteriormente no jornal O Globo,
Ciência, 15/4/2011.
160 O caráter vago das palavras e a diversidade de empregos que estas podem
ter é encontrado pela primeira vez na Ilíada (XX, VV. 248-2499): “Volúvel é a
linguagem dos mortais; as palavras têm muitos e variados sentidos” (Ullmann,
1964, p. 11).
162 “Não existem linhas objetivas com as quais se pode medir de antemão a
eficácia do anúncio” (idem, p. 245).
176 “As a The New York Times editorial stated after his death: ‘He was better than
he knew, for in fact and in a literary sense he invented a ‘generation’” 22/12/1941.
The New York Times, dez/1940
Referências bibliográficas