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LETÍCIA MORGANA MÜLLER

(ORGANIZADORA)

estudo e valorizaÇÃo do Patrimônio


arqueológico do vale do rio Pelotas, sc:
a contribuiÇÃo da uHe barra grande

Florianópolis, 2011
rio pElotas, sc:
ORGANIZAÇÃO: LETÍCIA MORGANA MÜLLER

ADELSON ANDRÉ BRÜGGEMANN


AUTORES: ANA LUCIA HERBERTS
ELAINE ARNOLD
FELIPE MATOS
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

LETÍCIA MORGANA MÜLLER


SIRLEI ELAINE HOELTZ

COORDENAÇÃO: DRA. SOLANGE BEZERRA CALDARELLI

REVISORES: DRA. SOLANGE BEZERRA CALDARELLI


ME. RODRIGO LAVINA
ME. ENEIDA MALERBI
uHE barra grandE

REVISÃO ORTOGRÁFICA: CRISTIANE MAERKER

PATROCÍNIO: BARRA GRANDE ENERGÉTICA S.A - BAESA

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL –


APOIO: IPHAN 11º SR
a contribuição da

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS

REALIZAÇÃO: SCIENTIA CONSULTORIA CIENTÍFICA

PROJETO GRÁFICO
Estudo

DIAGRAMAÇÃO E CAPA: DANIELA BOTELHO

FICHA CATALOGRÁFICA
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC: a contribuição
da UHE Barra Grande. / Letícia Morgana Müller (organizadora); autores: Adelson André
Brüggemann, Ana Lucia Herberts... [et al].
Florianópolis - SC, 2011.

214 p.: Ilustrado.

1.Arqueologia. 2. Patrimônio Arqueológico. 3. Educação Patrimonial. I. Müller, Letícia Morgana.


II. Brüggemann, Adelson André. III. Herberts, Ana Lucia. IV. Título

SCIENTIA CONSULTORIA CIENTÍFICA


Rua 23 de Março, 536 - Itaguaçu
Florianópolis – SC – CEP 88.085-440
FONE: (48) 3248-8450. E-mail: scientia.sul@terra.com.br
Palavra do empreendedor

A publicação do livro Estudo e Valorização do Patrimônio


Arqueológico do Vale do Rio Rio Pelotas, SC: a contribuição
da UHE Barra Grande consolida com sucesso o programa
de resgate e preservação do patrimônio arqueológico na área de abrangên-
cia da Usina Hidrelétrica Barra Grande, realizado entre os anos de 2002 e
2008. Por suas revelações e sua didática, trata-se de uma obra oportuna e
relevante, pois além de abordar um tema pouco difundido, suas páginas reúnem
informações consistentes para compreensão da história, dos costumes e da
organização social dos primeiros povos que habitaram as Serras Catarinense
e Gaúcha.
O apoio da BAESA – Energética Barra Grande S.A. ao inédito pro-
grama de resgate e preservação do patrimônio arqueológico no entorno da
Usina Hidrelétrica Barra Grande é mais uma comprovação de que o empreen-
dimento gera benefícios que vão além da energia elétrica. O presente livro é
o resultado mais perceptível – mas não o único – de um trabalho que gerou
ciência e conhecimento, além de importantes descobertas sobre os antigos
habitantes das Serras Catarinense e Gaúcha. Soma-se a essa bela obra cientí-
fica, outros documentos de extremo valor, como o livro Oficinas de Educação
Patrimonial na Usina Hidrelétrica Barra Grande, a cartilha Uma casa muito
diferente: conhecendo o patrimônio arqueológico do planalto sul-brasileiro e
o vídeo Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra Grande, constituindo-se em
um acervo sobre o passado da região e também em um legado para as futuras
gerações.
A linguagem acessível, as imagens e as ilustrações conferem ao
livro Estudo e Valorização do Patrimônio Arqueológico do Vale do Rio
Pelotas, SC: a contribuição da UHE Barra Grande uma didática que
permite a compreensão do tema e sua devida valorização. Mas sua maior
contribuição é mostrar que a arqueologia pode e deve ser difundida entre a
população. A segunda parte da obra se encarrega justamente dessa tarefa, ao
descrever as diversas ações que a Scientia Consultoria Científica promoveu com
centenas de professores e alunos dos municípios da área de abrangência da
Usina. Atividades como oficinas de educação patrimonial, visitas a sítios
arqueológicos e simulação de escavações despertaram nos participantes o
interesse em estudar e conhecer o patrimônio arqueológico da região. Todo
esse envolvimento motivou a BAESA a adquirir uma área com 100 mil
metros quadrados, localizada no município gaúcho de Pinhal da Serra, onde
será implantado Parque Arqueológico Homem do Planalto das Araucárias,
em parceria com a prefeitura, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional) e a FAURGS (Fundação de Apoio da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul). Trata-se de um local adequado para salva-
guardar artefatos arqueológicos, preservar a história e valorizar a arqueologia.

Carlos Alberto Bezerra de Miranda


Diretor Superintendente e de
Relações com Investidores
4
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande
Agradecimentos

D urante a execução dos projetos da UHE Barra Grande sempre


estavam conosco delicadas flores e lindos pássaros, que torna-
vam mais fácil o caminhar pela estrada chamada “Arqueolo-
gia”. Por isso, gostaria de agradecer algumas pessoas que foram como nossos
pássaros e as lindas flores, desde a primeira etapa de pesquisa em campo da
UHE Barra Grande até a finalização do projeto no ano de 2008, entre eles:
Os auxiliares de campo, pessoas de jeito simples e com grandes
corações, que nos dias mais frios nos receberam em suas casas, oferecen-
do uma bebida quente ou um cantinho ao lado do fogão a lenha: Seu Adair,
Sandra, Roberto, Eder, Lori, Preto, Silvio, Paulo, Gordo, Argeu e Seu Ari.
Agradecemos a disposição para o trabalho pesado, as piadas que não deixavam
ninguém desanimar, as conversas, o carinho... Em especial Dona Carolina,
que fazia uma “quirera” maravilhosa e Dona Ilma, com seus feijões mágicos...
Há também aqueles que nos deixaram entrar, caminhar, fotografar e
escavar em suas propriedades, que nos mostraram os sítios arqueológicos e
estavam sempre dispostos a colaborar, entre eles o Sr. Júlio, o Sr. Euclides
Granzotto (in memoriam), a família Zaparolli e o Sr. Cláudio.
Durante as etapas de campo também passaram pelas escavações muitos
sonhos de iniciantes e estagiários. Parte destes sonhos se concretizou, e hoje
se tem bons profissionais; mas para a maioria, o sonho se transformou e o que
ficou foi a lembrança de uma profissão pesada e difícil. Entre os sonhadores,
um agradecimento especial à Cibele Stanga, meiga e sempre com boas pala-
vras.
Agradecimentos à equipe da BAESA, contratante, que sempre foi
muito cordial, tratando a equipe de arqueologia com respeito e seriedade.
À equipe da Scientia Consultoria, Daniella Alves Talarico, Edmara
Schuch, Felipe Matos, Silvano Silveira da Costa e Yan Sant’Ana Soares pelas
conversas, descontração, por segurar firme nos dias de frio em campo; ao
Rodrigo Lavina e Eneida Malerbi, revisores, pela leitura crítica dos capítulos
de arqueologia e Educação Patrimonial, respectivamente, cujos comentários
foram sempre valiosos e pertinentes.
À equipe do Núcleo de Arqueologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul que não mediu esforços para o bom desenvolvimento do pro-
jeto, e em especial a Dra Silvia Copé, que contribuiu com sugestões e críticas
ao fazer uma leitura da primeira parte deste livro.
À Daniela Botelho e Lilian Panachuk, que realizaram a diagramação,
tratamento das imagens, montagem de gráficos e todo o planejamento para
que este livro tivesse este belo formato e a Gabriela Oppitz que separou as
imagens e acompanhou atenciosamente todas as revisões.
Agradecimento especial e carinhoso à arqueóloga Tânia Andrade Lima
pelas conversas e ensinamentos sobre a delicada questão das atribuições
etnográficas na arqueologia; e à arqueóloga Sheila Maria Ferraz Mendonça de
Souza sempre generosa ao mostrar os caminhos da análise de sepultamentos.
Agradecimento à coordenadora do projeto, Dra Solange Caldarelli e
Rio Pelotas, SC:
demais diretores da Scientia, pela confiança depositada em seus pesquisadores
e pelo incentivo à profissionalização.
E aos autores deste livro, Adelson André Brüggemann, Ana Lucia
Herberts, Elaine Arnold, Felipe Matos e Sirlei Elaine Hoeltz que contribuíram
com seu conhecimento para a realização desta obra.
Sem estas flores e pássaros, com certeza esta caminhada não seria
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

possível!

Letícia Morgana Müller


Janeiro de 2011
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo

6
Sumário

Apresentação 9

Introdução 11
PARTE I
ARQUEOLOGIA DO VALE DO RIO PELOTAS:
O ESTUDO DA MARGEM CATARINENSE

1. Pré-história do planalto sul brasileiro: histórico e


problemática das pesquisas.
17
2. O Planalto das Araucárias como cenário: os recursos
ambientais.
33
3. Os sítios arqueológicos no vale do rio Pelotas 36
4. Análise integrada: o vale do Rio Pelotas no período
pré-colonial 99

PARTE II
VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
5. Valorização do Patrimônio Cultural: histórico das
atividades e conceituações
127
6. As Oficinas de Educação Patrimonial:docentes
como transformadores
136
7. Os materiais educativos 172
8. Avaliação dos resultados e as repercussões 190
Referências Bibliográficas 202
Anexos 209
8
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande
APRESENTAÇÃO

Solange Bezerra Caldarelli1

A s atividades realizadas na área de implantação do UHE Barra


Grande foram objeto de grande dedicação por parte da equipe
da Scientia locada na Unidade Florianópolis, responsável pela
execução tanto das pesquisas arqueológicas no trecho catarinense quanto pelo
conjunto das atividades de Educação Patrimonial, em ambas as margens do
rio Pelotas.
Quando se percorre o conjunto da primeira parte, dedicada às
pesquisas arqueológicas, torna-se claro o comprometimento com a qualidade
das análises feitas em laboratório, em consonância com os trabalhos desen-
volvidos em campo, tendo ambos os aspectos sido sempre encarados como
as duas faces de uma mesma moeda, cujo valor e significado só podem ser
apreciados em conjunto.
Tendo sempre o rio Pelotas como fundo, os capítulos nos levam ao seu
final, onde se buscou integrar os dados, contestar soluções fáceis de determi-
nação étnica a partir de cultura material e fornecer sugestões para pesquisas
futuras. 9
A segunda parte, por sua vez, vem complementar e expandir as
atividades já relatadas no livro que antecedeu a atual publicação, em
2008, intitulada Oficinas de Educação Patrimonial na Usina Hidrelétrica
Barra Grande, apresentando as mesmas qualidades e a mesma dedicação
demonstradas nas pesquisas arqueológicas.
É importante, aqui, deixar claro que tanto as atividades científicas,
quanto as educativas, foram resultado do esforço e extremo interesse da equipe
da Scientia Florianópolis, cabendo-me apenas o fácil papel de ocasionalmente
revisar um ou outro relatório de arqueologia e a Eneida Malerbi a revisão dos
relatórios de Educação Patrimonial. Grata tarefa esta, portanto, que pouco nos
deixou a fazer!
Com a publicação deste livro, consideramos encerradas todas as
etapas do projeto de arqueologia preventiva desenvolvido em Barra Grande,
que abrangeu, além das atividades de valorização patrimonial, prospecções
arqueológicas e resgates, tanto na área do canteiro de obras quanto na área do
reservatório.

1
Doutora em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo - USP, sócia-diretora da
Scientia Consultoria Científica e coordenadora geral do Projeto de Levantamento Arqueológi-
co na Área de Inundação e Salvamento Arqueológico no Canteiro de Obras da UHE Barra
Grande, SC/RS e do Projeto de Arqueologia Compensatória UHE Barra Grande.
Rio Pelotas, SC:
Sobre esse projeto, nos cabe ressaltar que, apesar de alguns pequenos
percalços, se desenvolveu em meio ao melhor clima possível, não só entre
os elementos da equipe, mas também entre a equipe e o empreendedor, o
que acabou sendo gratificante, esperamos, para todos. Rendeu dissertações
de Mestrado, prêmios e várias comunicações e artigos, além de contribuir
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

decisivamente para o amadurecimento profissional e científico das pessoas


nele envolvidas.
Por tudo isso, quero aproveitar e deixar expresso, aqui, meu agradeci-
mento e meu reconhecimento pelo entusiasmado empenho da equipe que foi
realmente responsável pela condução deste projeto ao melhor termo possível,
dentro dos recursos disponíveis.
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo

10
Introdução

A
Usina Hidrelétrica Barra Grande está implantada no vale do rio
Pelotas, entre os municípios de Anita Garibaldi (SC) e Pinhal
da Serra (RS). Como parte dos programas para o licenciamento
ambiental, os projetos Levantamento arqueológico na área de inundação e
salvamento arqueológico no canteiro de obras da UHE Barra Grande, SC/RS
e Salvamento dos sítios arqueológicos identificados na área de inundação da
UHE Barra Grande (SC/RS)1 iniciaram-se no ano de 2001, com o objetivo de
conhecer e valorizar o patrimônio cultural e pré-histórico da região. Para isto
foram realizadas escavações dos sítios localizados dentro da área de impacto
direto do canteiro de obras e do reservatório, além de cadastros de outros no-
vos sítios fora da área de impacto direto.
Durante a realização dos projetos acima citados também foi
desenvolvido o Subprojeto de Valorização do Patrimônio Cultural, onde
o principal objetivo era a divulgação da arqueologia, da pré-história e do
patrimônio cultural regional aos professores dos nove municípios impactados 11
pela obra, através de oficinas temáticas realizadas nos dois Estados. Como
resultado destas oficinas verificou-se a necessidade de criação de material de
apoio aos professores em sala de aula, visto a grande dificuldade de se encon-
trar recursos didáticos que abordassem tais temas.
Com a destruição involuntária de alguns sítios no canteiro de obras,
foi sugerida, como medida compensatória, a elaboração de dois projetos, um
em cada margem. O projeto desenvolvido na margem catarinense chama-se
Arqueologia Compensatória UHE Barra Grande, SC e tinha como objetivo
aprofundar o conhecimento sobre a pré-história regional e difundir estes
conhecimentos através da elaboração e distribuição de materiais didáticos,
solicitados pelos professores durante as oficinas de valorização do patrimônio
(realizadas durante a primeira etapa). Desta forma, os materiais Uma casa
muito diferente, Oficinas de Educação Patrimonial na Usina Hidrelétrica
Barra Grande e o vídeo Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra Grande
foram elaborados, contendo, em linguagem acessível a professores e a alunos,
os resultados das pesquisas realizadas na área.
1
Para não ficar repetindo os nomes dos projetos Levantamento Arqueológico na área de
inundação e salvamento arqueológico no canteiro de obras da UHE Barra Grande, SC/RS e
Salvamento dos sítios arqueológicos identificados na área de inundação da UHE Barra Grande
(SC/RS) eles serão referidos durante o texto apenas como “primeira etapa”.
Rio Pelotas, SC:
Com objetivo de conhecer e valorizar o patrimônio arqueológico, o
projeto compensatório desenvolvido na margem sul-rio-grandense contava
com a escavação de seis sítios arqueológicos e a criação de um parque, opor-
tunizando aos visitantes a difusão do conhecimento da pré-história local e
do meio ambiente. Os dados deste projeto e das pesquisas realizadas nesta
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

margem do rio não serão abordados neste livro, ficando disponíveis para uma
próxima publicação.
Se, por um lado, a construção da barragem trouxe possíveis danos
ambientais, por outro, oportunizou a escavação dos sítios arqueológicos e
o estudo dos artefatos. Estes estudos contribuíram para o conhecimento e a
construção de uma história dos grupos que ocuparam o território antes dos
UHE Barra Grande

colonizadores, uma história iniciada há vários séculos antes da fundação do


primeiro município: a ocupação do território por grupos indígenas.
Abordando estas temáticas, este livro foi dividido em duas partes. À
primeira, com quatro capítulos, foi reservada para discorrer e discutir sobre
os habitantes que estavam na região antes da chegada dos primeiros coloni-
zadores e tropeiros, com base nos resultados das pesquisas arqueológicas. No
a contribuição da

primeiro capítulo, intitulado Pré-história do planalto sul brasileiro: histórico


e problemática das pesquisas, foi realizado um breve histórico das pesquisas
desenvolvidas na região, e através delas, buscou-se delimitar e construir as
Estudo

problemáticas norteadoras deste trabalho. Velhas questões, como as tradições


Pronapianas2 e as nomenclaturas para sítios com buracos no solo foram
retomadas, criando um ambiente para as discussões dos próximos capítulos.
O segundo capítulo, O Planalto das Araucárias como cenário: os re-
12 cursos ambientais, tem o objetivo apresentar o planalto como um cenário onde
se desenvolveram diferentes culturas por milhares de anos. Foram apresenta-
dos os recursos minerais, vegetais e animais, bem como detalhada a formação
geológica do vale do rio Pelotas. Com certeza este capítulo não foi elaborado
pensando em relações entre cultura e adaptação, mas na interação entre gru-
pos culturais e meio ambiente, verificando as matérias primas que existia à
disposição destes grupos, e quais foram as suas escolhas.
O terceiro capítulo, Os sítios arqueológicos no vale do rio Pelotas é
de longe o mais ilustrado, porém, também é o mais descritivo. Nele são apre-
sentados, um a um, os sítios estudados na margem catarinense do rio, junto
com os resultados de análise laboratorial. Para que a leitura não ficasse muito
densa, cheia de números e detalhes, neste capítulo foram inseridas algumas
“ilhas” interpretativas entre os sítios, cujas idéias são mais desenvolvidas e

2
Um grande programa, chamado Programa Nacional de Pesquisa Arqueológica –
PRONAPA – foi desenvolvido no Brasil na década de 1960. Com seminários e orientações
teóricas dos arqueólogos norte-americanos Betty Meggers e Clifford Evans, com a colaboração
do IPHAN e Smithsonian Institution, de Washington, Estados Unidos, objetivava-se elaborar
um quadro geral das culturas arqueológicas existentes no território brasileiro. Desta forma,
foram realizadas prospecções entre os anos 1965 e 1971, que resultou no registro e conhe-
cimento de milhares de sítios arqueológicos. Além desse cadastro, foram feitas comparações
entre os artefatos recuperados e, com base em semelhanças, agrupamentos em diversas fases e
tradições. As implicações deste programa serão desenvolvidas no primeiro capítulo deste livro.
Introdução
discutidas no próximo capítulo.
Por fim, o último capítulo da primeira parte traz ao leitor interpreta-
ções sobre os sítios estudados ao longo do projeto, bem como as relações
entre eles. Neste capítulo, Análise integrada: o vale do Rio Pelotas no perío-
do pré-colonial, poderão ser encontradas interpretações sobre a variedade de
habitações, tecnologias para confecção de artefatos e cosmologia. Também
não se deixaram de fora discussões acerca da etnicidade dos grupos humanos
pretéritos, visto que este tema vem sendo tão amplamente discutido na
arqueologia.
Para a segunda parte do livro foram descritos e discutidos os resultados
das atividades relativas a valorização do patrimônio e educação, desenvolvi-
das tanto na primeira etapa do projeto (2001 e 2002) quanto na segunda (2007
e 2008), juntamente com a apresentação dos materiais produzidos. Esta parte
também contém quatro capítulos, que seguem a numeração dos capítulos do
livro. O primeiro deles (quinto capítulo do livro), Valorização do Patrimônio
Cultural: considerações iniciais, conceituações e histórico das atividades,
apresenta uma retomada das questões legais relativas ao patrimônio cultural
no Brasil e à prática da educação, seja formal ou informal, na formação de
cidadãos críticos. Apresenta-se o patrimônio cultural como excelente instru-
mento de trabalho, na medida em que ele faz parte das múltiplas histórias e
memórias de crianças e adultos.
No capítulo seguinte, As Oficinas de Educação Patrimonial: docen-
tes como transformadores, descreve-se como foram pensadas e executadas
as oficinas de educação patrimonial nas duas fases. Podem ser encontrados
neste capítulo também o perfil dos professores e a descrição de uma pequena 13
experiência com crianças de uma escola dos arredores de um sítio arqueológi-
co.
Ao sétimo capítulo, Os materiais educativos, coube a descrição e
avaliação dos materiais educativos produzidos durante o projeto: o vídeo, o
livro para professores e o gibi. Foi realizada uma autocrítica, apontando erros
e acertos na confecção dos materiais e descrevendo, passo a passo, o processo
de elaboração do material.
Outra informação importante neste capítulo são as avaliações destes
materiais realizadas pelos docentes participantes das oficinas. Questões como
a aplicabilidade destes materiais em sala de aula e o conteúdo dos mesmos
foram abordados.
Por fim, o último capítulo, sob o título Avaliação dos resultados e
repercussões, faz uma revisão da importância de ações educativas e as reper-
cussões que o projeto alcançou. Ainda apresenta, como caráter inovador, a
necessidade de se pensar em criar materiais educativos adaptados ao público
com necessidades especiais, seja motora, visual ou auditiva, com a finalidade
de incluí-los nas atividades em sala de aula.
PARTE I

Arqueologia do Vale do Rio Pelotas:


o estudo da margem catarinense
16
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande
do planalto sul brasilEiro:
Histórico E problEmática das pEsquisas
1

Pré-História do Planalto sul brasileiro:


Histórico e Problemática das Pesquisas

1. pré-História
A
s paisagens do Planalto das Araucárias são resultantes de
sucessivas ocupações humanas, desde aproximadamente
8.500 anos até o presente. Inicialmente grupos caçadores-
coletores, mais tarde grupos de horticultores que construíram depressões no
solo foram, aos poucos, humanizando o ambiente. Alterações neste contexto
arqueológico pré-histórico acontecem desde o início da colonização luso-
brasileira, quando, em meados di século XVIII, tropas transportando gado
e mercadorias começaram a cortar esse território. Neste período, as popula-
ções que habitavam este cenário e ali deixavam o seu registro arqueológico
são pressionadas por tropeiros e colonizadores, sendo que o desfecho deste
encontro, conforme os documentos da época, foi o conflito e o deslocamento
dos grupos nativos para regiões mais a oeste do Planalto (CALDARELLI;
HERBERTS, 2002).
Com uma cultura fundamentalmente distinta dos grupos indígenas
existentes na região, estas populações recém-chegadas - formadas por
homens responsáveis por conduzir tropas de gado, escravos, construtores
17
de taipas, comerciantes, administradores, estancieiros e suas famílias - são
responsáveis por mudanças no contexto arqueológico e na paisagem, pois,
com sua passagem e permanência no local, novos tipos de estruturas foram
construídas: aparecem as taipas dos corredores de gado, as mangueiras, as
sedes de fazendas e os locais de cobrança de impostos.

Figura 01: Corredor de tropas


sobre coxilhas de Lages (SC)
formado por muros de pedras
conhecidos localmente como taipas.
Rio Pelotas, SC:
Mais tarde, com o assentamento de vilas e cidades e com o
conseqüente advento da pecuária e da agricultura, este registro arqueológico,
tanto pré-histórico quanto histórico, novamente é transformado, e em parte,
destruído. O arado costuma revolver o contexto da cultura material depositada
próxima da superfície, as estruturas escavadas geralmente são aterradas para
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

o gado não cair, casas são erguidas, ruas abertas e taipas são demolidas e/ou
reaproveitadas, tudo isto fazendo parte do inevitável processo de modificação
da paisagem e do contexto arqueológico pela ação humana.

Histórico das Pesquisas

A arqueologia atua com o objetivo principal de construir uma história


UHE Barra Grande

dos grupos humanos que participaram desta série de eventos, tendo como
base sua produção material; e, através desta, conhecer a cultura, as práticas
sociais e cosmológicas, a organização social destes grupos. O planalto do
Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, vem sendo pesquisado desde
a década de 1960 e, conforme La Salvia (1968, p. 103), “a partir de 1966,
a contribuição da

esta área ficou sob atuação do Instituto Anchietano de Pesquisas, tendo seu
diretor, P. I. Schmitz, percorrido vários municípios e prospectado alguns
sítios”. Pouco tempo depois, pesquisadores como La Salvia também
começaram a atuar fortemente na região.
Estudo

Estas ações, em sua maioria, seguiam os objetivos do Programa


Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), que era elaborar um
amplo quadro das culturas pré-históricas brasileiras, notadamente as cera-
mistas. No bojo deste grande projeto, toda a cultura material encontrada foi
18
comparada com outras de mesma área ou áreas próximas, sendo agrupadas
em fases1 e tradições arqueológicas2, de acordo com as características da sua
cultura material3.
No território do planalto sulbrasileiro, o PRONAPA estabeleceu três
tradições arqueológicas ceramistas e duas pré-ceramistas. As tradições
ceramistas - Taquara, Itararé e Casa de Pedra - foram criadas de acordo
com as semelhanças e diferenças dos atributos de confecção e decora-
ção, formas e tamanhos dos vasilhames cerâmicos. Porém, atualmente esta
diferenciação tem sido criticada, visto que na cerâmica recuperada se
verificam mais semelhanças que diferenças. Caso fosse mantido este modelo
para o planalto sulbrasileiro, todas se encaixariam em apenas uma tradição,
1
Qualquer complexo de cerâmica, lítico, padrões de habitação, etc., relacionado no tempo e no
espaço, num ou mais sítios (CHMYZ, 1976, p. 131).
2
Grupos de elementos ou técnicas, com persistência temporal. (CHMYZ, 1976, p. 145).
3
De acordo com Araújo (2007, p. 11) no início das atividades do PRONAPA, as fases e as
tradições deveriam servir apenas como ferramentas para sistematizar os conhecimentos
provenientes de uma “terra incógnita”, destituídos de qualquer significado etnológico. Mais
tarde, a definição de fases e tradições nos achados acabou se tornando “um fim em si (...) muitas
delas baseadas em um ou dois sítios”. Logo depois, “talvez por uma influência tardia da New
Archaeology e da necessidade de se chegar a resultados antropológicos”, os pesquisadores
começaram a comparar as fases e as tradições à unidades autônomas e semi-autônomas, ou
tribos e nações.
do planalto sul brasileiro:
histórico e problemática das pesquisas
com suas pequenas diferenças regionais terminando por serem descritas por
meio do conceito de fase (ARAÚJO, 2007, p. 16). Para os grupos pré-ceramis-
tas foram definidas duas tradições líticas, a mais antiga, denominada tradição
Umbu, caracterizando-se por indústrias especializadas na produção de pon-
tas de projétil bifaciais; e a tradição Humaitá, pela produção de artefatos
bifaciais de grande porte. No entanto, também neste caso há controvérsias,
pois trabalhos recentes têm contestado a veracidade sobre a existência da
tradição Humaitá (DIAS, 2003, 2006; HOELTZ, 2005, 2007).

1. Pré-história
Após os trabalhos do PRONAPA, entre os anos de 1974 e 1976,
Maria José Reis (2007 [1980]) realizou um estudo das estruturas escavadas4 na
região dos Campos de Lages, procurando contribuir para o entendimento das
ocupações e da organização destes assentamentos pré-históricos. Neste projeto,
foram cadastrados 86 sítios arqueológicos, tanto de estruturas escavadas quanto
de elevação, popularmente conhecidas como casas subterrâneas e montículos.
Para a autora, estas estruturas escavadas, além de servirem para habitação, tam-
bém poderiam ser utilizadas para realização de rituais e para o armazenamento
de alimentos. Já os montículos poderiam ser utilizados para práticas funerárias,
apesar de não ter encontrado remanescentes ósseos em suas escavações.
Durante a década de 1980, o rio Pelotas foi apontado como local
de grande potencial para a geração de energia elétrica, com a consequente
instalação de usinas hidrelétricas no seu vale. Na primeira metade da década,
as pesquisas ligadas à UHE Machadinho evidenciaram, na área de inunda-
ção do reservatório, 57 sítios arqueológicos, 44 deles classificados como
cerâmicos e 13 como pré-cerâmicos, e foram divididos em quatro tradições
arqueológicas distintas: Umbu, Humaitá, Taquara e Tupigurani (GOULART,
19
1997). Neste mesmo período, a área da Usina Hidrelétrica Barra Grande foi
pesquisada pela equipe do arqueólogo Arno A. Kern, que realizou um levan-
tamento arqueológico na margem esquerda do rio Pelotas, entre os municípios
riograndenses de Vacaria e Bom Jesus (KERN et al., 1989). Na época, sua
equipe registrou 15 sítios arqueológicos, sendo a maioria deles localiza-
dos fora da área de inundação da barragem. Estes sítios, caracterizados por
estruturas escavadas, sítios lito-cerâmicos de superfície e sítios de obtenção
de matéria-prima, foram todos associados a uma mesma cultura ceramista, a
tradição Taquara.
Também na década de 1980, na localidade de Pinhal da Serra, então
distrito do município de Esmeralda, Ribeiro e Ribeiro (1985) realizaram tra-
balho de levantamento arqueológico que resultou no registro de 77 sítios ar-
queológicos, sendo 27 deles caracterizados como sítios em superfície, três
estruturas construídas sobre o solo (estruturas anelares)5, 39 conjuntos de
estruturas escavadas, somando 135 estruturas individuais, três galerias
subterrâneas, dois abrigos-sob-rocha e três cavernas com vestígios de ocu-
4
O primeiro pesquisador a chamar atenção as estas estruturas foi Allan Brian, na década de
1960, no município de Caxias do Sul, RS (SCHMITZ, 1988). Tratam-se de grandes ou peque-
nas depressões escavadas no solo e utilizadas por grupos indígenas.
5
Sítios de estruturas anelares são sítios onde há um (ou mais) montículo circundado por uma
taipa de terra.
Rio Pelotas, SC:
pação. A maior parte das estruturas escavadas possuía entre 6 e 10 metros de
diâmetro, dispostas tanto individualmente como em conjuntos, com até 23
estruturas agrupadas. A partir da análise de Carbono-14 foram obtidas quatro
datações e estas forneceram idades entre 355+50 e 650+55 anos A.P.6. Os
sítios pesquisados foram relacionados às duas tradições pré-ceramistas Umbu
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

e Humaitá e à tradição ceramista Taquara.


Já no final da década de 1990, a região do Planalto das Araucárias, no
território do Rio Grande do Sul, foi cenário de novas pesquisas sob coordena-
ção da professora Silvia M. Copé, vinculada à Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Com o objetivo de estudar as paisagens arqueológicas nos
municípios de Bom Jesus e São José dos Ausentes, a pesquisa buscou explicar
a utilização do espaço físico e social por parte das populações humanas que
UHE Barra Grande

ali viveram (COPÉ, 2000).


A partir da década de 1980, com a publicação da Resolução do
CONAMA nº 001/86, e das portarias do SPHAN nº 007/88 e IPHAN
nº 230/02, tornou-se obrigatória a realização de pesquisas arqueológicas em
áreas afetadas por empreendimentos desenvolvimentistas, condicionantes
a contribuição da

à emissão das licenças ambientais expedidas pelos órgãos licenciadores,


tanto federais quanto estaduais. Desta forma, para a realização do empreen-
dimento hidrelétrico UHE Barra Grande, o consórcio responsável pelas
obras contratou empresas para executarem o Projeto de Levantamento
Estudo

Arqueológico na Área de Inundação e Salvamento Arqueológico no Can-


teiro de Obras da UHE Barra Grande, SC/RS (CALDARELLI, Org., 2001)
e o Projeto de Salvamento dos sítios arqueológicos identificados na área
de inundação da UHE Barra Grande (SC/RS) (CALDARELLI, 2003a). Na
20
margem direita ficaram responsáveis pela pesquisa as empresas Itaconsult
e Scientia Ambiental e, na margem esquerda, o Núcleo de Arqueologia e
Etnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NUPArq – UFRGS),
instituição responsável também pela guarda do material arqueológico
recuperado na pesquisa. Estes projetos, iniciados em 2001, foram finalizados
em 2003, com o cadastro de 36 sítios arqueológicos na margem direita e 18 na
margem esquerda, dos quais 22 foram resgatados na margem direita e 18 na
margem esquerda. (CALDARELLI, Org., 2002a, 2002b e 2003).
Concomitante a este projeto, foi desenvolvido o levantamento e resgate
arqueológico dos sítios identificados na área da UHE Campos Novos, situada
em território catarinense, a poucos quilômetros de distância da UHE Barra
Grande. Nesta pesquisa, desenvolvida pela Universidade do Sul de Santa
Catarina (UNISUL) sob a coordenação do arqueólogo Marco Aurélio N. de
Masi, foram pesquisados mais sítios do tipo estruturas anelares e estruturas
escavadas, trazendo mais dados para compreensão da ocupação do planalto
(DE MASI, 2006).

6
A.P. significa “antes do presente”. O presente representa o ano de 1950, período em que foi
desenvolvida a datação através da análise do carbono 14. Desta forma, sempre que uma datação
for apresentada da seguinte forma: 300 A.P., deve-se diminuir 300 de 1950, ou seja, o sítio
pertence ao período de 1650 d.C.
do planalto sul brasileiro:
histórico e problemática das pesquisas
No ano de 2006, dois projetos tiveram início nos municípios atingidos
pela instalação da UHE Barra Grande, um na margem catarinense e outro
na margem rio-grandense deste empreendimento, como forma de compen-
sar o impacto causado pelas obras no patrimônio arqueológico da região. O
primeiro destes, intitulado Arqueologia compensatória UHE Barra Grande,
foi realizado pela empresa Scientia Consultoria Científica, com o objetivo
principal de aprofundar o conhecimento científico da pré-história regional e
auxiliar na valorização do patrimônio cultural regional (SCIENTIA, 2005).

1. Pré-história
Neste projeto, foram escolhidos quatro sítios arqueológicos para serem
escavados7, sendo três deles de estruturas anelares e um, de estrutura subter-
rânea. Além disso, durante os trabalhos, foram cadastrados 13 novos sítios
arqueológicos. Objetivando a valorização do patrimônio, foi elaborado
material de apoio para os professores dos municípios atingidos pela barragem,
com as temáticas “Patrimônio Cultural” e “Pré-história regional”, visando a
sua utilização em sala de aula.
O segundo projeto, desenvolvido na margem rio-grandense, foi
denominado Escavações em sítios arqueológicos do entorno da UHE Barra
Grande, Pinhal da Serra, SC, com objetivos semelhantes ao projeto anterior,
porém prevendo a escavação de seis sítios (três de estruturas anelares e três
sítios de estruturas escavadas) e a criação de um parque arqueológico8.
Além destes, outras pesquisas de menor âmbito foram realizadas,
inseridas no bojo destes projetos em andamento, como por exemplo,
levantamentos arqueológicos para aberturas ou alargamentos de estradas
de acesso ao canteiro de obras, que resultaram no estudo de outros sítios.
Neste livro, serão abordados apenas os resultados das pesquisas na margem
21
catarinense dos projetos Projeto de Levantamento Arqueológico na Área de
Inundação e Salvamento Arqueológico no Canteiro de Obras da UHE Barra
Grande, SC/RS, Projeto de Salvamento dos sítios arqueológicos identificados
na área de inundação da UHE Barra Grande (SC/RS) e Arqueologia com-
pensatória UHE Barra Grande, já que os demais serão descritos em outra
publicação.

O vale do Rio Pelotas pré-colonial

Conforme observado anteriormente, o Planalto das Araucárias tem


sido objeto de pesquisas desde a década de 1960, o que proporcionou um
quadro geral da ocupação humana regional e conseqüentemente, gerou
questionamentos sobre as populações que ali habitavam. Neste quadro, o
PRONAPA teve um importante papel, classificando os sítios arqueológicos
registrados em fases e tradições e proporcionando uma primeira síntese da
7
Com o levantamento arqueológico realizado para a construção da estrada que liga o centro do
município de Anita Garibaldi, foi cadastrado um sítio lito-cerâmico de superfície em sua área
de impacto direto, e por essa razão foi solicitada a sua escavação. Desta forma, aumentou em
um o número de sítios escavados durante a realização do projeto.
8
Para este projeto também está prevista a publicação de um livro com os respectivos resultado
e, por isso, os dados relativos a estas escavações não foram incluídos neste trabalho.
rio pElotas, sc:
arqueologia da região. As características destas tradições encontram-se
descritas resumidamente a seguir.

tradição umbu
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

É caracterizada por sítios de caçadores-coletores distribuídos


amplamente na América meridional, deste o norte do Estado do Paraná até o
Estreito de Magalhães, desde o litoral sul brasileiro até o Paraguai e algumas
províncias argentinas, como Missiones, Entre Rios e Corrientes (HOELTZ,
2005, p. 32). Pelas datas obtidas até o momento, a chegada dos primeiros
grupos humanos, possuidores de uma tecnologia de lascamento de pedra e de
produção de pontas de projétil9, teria ocorrido por volta de 9.430 anos A.P10,
uHE barra grandE

durante o início do período geológico atual, conhecido como Holoceno (DIAS,


2003 in HOELTZ, 2005), tendo esta tecnologia subsistido, com base em data-
ções obtidas nos três Estados sulbrasileiros, até alguns séculos atrás. Basean-
do-se nas datações e na dispersão espacial das pontas lascadas bifaciais, foram
cadastradas 22 fases pertencentes a esta tradição. Para Schmitz (1981, p. 12),
a contribuição da

esta tradição pode representar uma


adaptação de grupos coletores-
caçadores às áreas de mata mista
ou de campo (SCHMITZ, 1978 in
Estudo

GOULART, 1997).
Esta tradição pré-cerâmica é
caracterizada por uma indústria de
instrumentos produzidos tanto sobre
22
pedra quanto sobre ossos e conchas.
Sobre estes últimos, destacam-se
furadores, pontas duplas, espátulas,
anzóis, agulhas, retocadores, raspa-
dores e ornamentos. A matéria-
prima para confecção dos artefatos
líticos é variada (sílex, calcedô-
Fonte: Ribeiro, 1997, p. 127.

nia, arenito silicificado, basalto e


quartzo, entre outros), variando de
acordo com a disponibilidade local
e com os artefatos que seriam pro-
duzidos. Lascados sobre blocos ou
seixos, os artefatos desta indústria
Figura 02: Artefatos líticos associados à Tradição são caracterizados por um fino re-
Umbu: a-o, q-s) pontas de projétil; p) raspador
pedunculado; t, u) furadores.
toque. Seus artefatos líticos carac-
terísticos são as pontas de projétil11
9
“Extremidade de uma lança ou flecha, destinada a perfurar o alvo; pode ser de pedra, osso ou
madeira”. (PROUS, 2006, p. 137)
10
Datação obtida em pesquisas em sítios no vale dos rios Taquari e Antas, no Estado do Rio
Grande do Sul.
11
Considerados os artefatos-guia desta tradição arqueológica.
do planalto sul brasilEiro:
Histórico E problEmática das pEsquisas
(pedunculadas com aletas, triangulares e foliáceas), “seguidas de inúmeras
lascas, raras lâminas, facas bifaciais12, raspadores médios ou pequenos, fu-
radores, folhas bifaciais, pequenos bifaces, percutores” entre outros menos
freqüentes (HOELTZ, 2005, p. 34).
Sítios desta tradição podem ser encontrados sob a forma de acampa-
mentos a céu-aberto ou em abrigos-sob-rocha, compreendendo este último
tipo tanto áreas de ocupação como locais de sepultamento.
Segundo Goulart (1997), a tradição Umbu possivelmente é uma

1. pré-História
continuidade da tradição Paleoindígena, que corresponderia aos sítios mais
antigos, com datações entre 12.770 e 10.400 anos A.P., caracterizando-se por
instrumentos lascados por percussão e retocados por pressão, podendo ou
não apresentar pontas de projétil e associação à fauna pleistocênica extinta;
porém, devido ao pequeno número de sítios com estas características, estes
geralmente terminam por serem associados à tradição Umbu.

tradição Humaitá

A literatura clássica indica que a tradição Humaitá teve uma abrangência


temporal que variou entre 1.040 e 8.640 anos A.P. e suas populações ocuparam
as áreas florestadas em regiões como
as encostas do planalto sul, vales dos
rios Uruguai, Pelotas, Jacuí e Paraná,
as áreas de planalto e o extremo oeste
do sul do Brasil (HOELTZ, 2005,
p. 36). Embora os sítios associados 23
a esta tradição possam ser do tipo
estruturas escavadas13 ou abrigos-
sob-rocha (GOULART, 1997, p. 11),
a maioria apresenta-se como sítios a
céu-aberto, com profundidade da
camada arqueológica variando entre
Fonte: Schmitz, 1991, p. 28.

20 e 30 cm e dimensões entre 400 e


10.000 m².
A característica principal
desta tradição é a produção de uma
indústria lítica que se compõe prin-
cipalmente de artefatos bifaciais de
grande porte e que têm como maté-
rias-primas preferenciais as rochas
vulcânicas, a exemplo dos basaltos.
Destas produções resultaram objetos Figura 03: líticos da tradição Humaitá.
que lhe são típicos, como espessos
12
Artefatos bifaciais são objetos que apresentam lascamento em duas faces e a partir de uma
mesma borda.
13
Identificada por Piazza (1969, in GOULART, 1997).
Rio Pelotas, SC:
artefatos bifaciais, retos ou curvos (peças “bumerangoides”), choppers, chop-
ping tools, raspadores plano-convexos e mãos-de-pilão.
O cotidiano destes grupos seria baseado na caça e na coleta, sempre
em contínuo deslocamento pelo território, até que a introdução da cerâmica,
possivelmente trazida por grupos humanos chegados do Brasil Central ou da
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Amazônia, teria provocado mudanças nos modos de produção de suas indús-


trias líticas. Estes grupos praticavam ainda a caça generalista de animais como
antas, veados, capivaras, porcos-do-mato, macacos, lontras e tatu, entre outros
representantes da fauna do planalto, além da coleta de frutos, sementes, raízes,
larvas e insetos e, certamente, abasteciam-se também da pesca.
Destaca-se que nesta última década algumas pesquisas no sul
UHE Barra Grande

do Brasil têm atribuído a grupos ceramistas os objetos líticos que


caracterizariam a tradição Humaitá (DIAS, 2003, 2006; HOELTZ, 2007),
ou mesmo sugerindo que estes poderiam também compor, num período
mais avançado, as indústrias líticas dos caçadores-coletores da tradição
Umbu (HOELTZ, 2005). Assim, tem-se estabelecido um debate em torno da
veracidade desta tradição, que, conforme os autores, poderia ter sido criada
a contribuição da

artificialmente, a partir da interpretação errônea de sítios arqueológicos de


atividades específicas de outras tradições. Acrescenta-se que esta discussão
também se encontra inserida nesta pesquisa, ao longo do capítulo 5 desta
Estudo

primeira parte, quando apresentadas as análises dos objetos líticos lascados


resgatados nos sítios ceramistas da tradição Taquara.

Tradição Taquara-Itararé
24
As pesquisas atuais têm apontado para um grande movimento
migratório de populações humanas da planície do Brasil central em direção ao
sul. Tais deslocamentos teriam ocorrido por volta de 1.800 anos A.P. e teriam
dado origem à tradição Taquara/Itararé. Goulart (1997) sugere tratar-se de
uma cultura de coletores-caçadores e cultivadores em transição, adaptada aos
campos de altitude, às matas mistas com araucária e, possivelmente, também
à floresta atlântica. à floresta atlântica.
A cerâmica desta tradição, que englobaria as antigas tradições Taquara
e Itararé14, é caracterizada pela presença de pequenos vasilhames de cerâmi-
14
A tradição hoje denominada Taquara/Itararé foi originalmente dividida em três tradições
distintas. “A tradição Taquara corresponderia às fases cerâmicas definidas para o Rio Grande
do Sul e sul de Santa Catarina, a tradição Itararé englobaria as fases cerâmicas do Paraná e
região central e litorânea de Santa Catarina, e por fim, a tradição Casa de Pedra agregaria a
fases cerâmicas definidas para o sul do Paraná e parte do planalto Catarinense” (HOELTZ,
2005, p. 42). Schmitz, em comunicação de trabalho científico no V Encontro da Sociedade de
Arqueologia Brasileira SAB/Sul, realizado em novembro de 2008 na cidade de Tubarão, SC,
afirmou que a principal diferença entre a cerâmica Taquara e a Itararé é que a primeira possui
uma forma menos sinuosa, com pouco pescoço e bordas diretas. Já a cerâmica Itararé tem bor-
das com tendências extrovertidas e os lábios com freqüente reforço, parecido a uma “cabeça
de cobra”. Apesar destas diferenças, a cultura material destes sítios é muito semelhante e por
isso convencionou-se utilizar o termo Taquara/Itararé para se referir aos sítios cerâmicos não
Guarani desta região.
do planalto sul brasilEiro:
Histórico E problEmática das pEsquisas
ca pouco espessos, finamente alisados, às
vezes apresentando tratamento de superfície
brunido15 brilhante. Como decoração plásti-
ca apresentam padrões incisos, ungulados,
impressos com cestaria e carimbados, entre
outros. As formas dos vasilhames são tigelas
em meia calota, potes cônicos, cilíndricos e

1. pré-História
ovóides.
Sua indústria lítica é composta
por lascas, artefatos lascados unifaciais e
bifaciais, lascas utilizadas com ou
Fonte: Schmitz, 2002, p. 26 e Costa; Schimitt, sem retoque, lâminas de machado poli-
2004, p. 28-29.
das, mãos de pilão polidas e virotes16
Figura 04: Vasilhames cerâmicos
polidos. Sobre rochas como basalto, riolito e
da tradição Taquara.
arenito silicificado, frequentemente ocorrem
artefatos de grande porte, feitos com técnica
de percussão direta. Identifica-se também a
utilização do quartzo e das calcedônias para a
produção de pequenos artefatos e, em geral, a
partir da técnica de lascamento bipolar17.

25

a) b) c)
Fonte: Kern, 1998 e Prous, 1992.
Fonte: Schmitz et al., 1988, p. 62.
Figura 06: a) lâmina de machado, b) mão de
Figura 05: Formas dos vasilhames pilão e c) virote , todos objetos apresentam
da tradição Taquara no planalto superfícies polidas.

Estes grupos seriam horticultores que já dominariam as técnicas de


plantio do milho, de cabaças e de outras espécies vegetais, e que teriam
15
Revestimento da superfície do pote, após a queima, quando ainda está quente, com cera e
fuligem. Este revestimento proporciona a cor negra brilhante (PROUS, 1992, p. 92).
16
Segundo Souza (1997, p. 136) virote é um “objeto de pedra polida, com um corpo longo,
regular, bicônico, lastreado na parte superior por uma larga excrescência circular”. Este instru-
mento podia ser utilizado para derrubar aves, sem o ferimento que uma ponta de flecha causaria.
17
Segundo Rütschilling (1989, p. 47 in SCIENTIA, 2008) o lascamento bipolar conta com um
apoio (bigorna) no momento da percussão. O termo bipolaridade dá-se em função dos dois po-
los de força em ação no processo de produção de lascas. O golpe no plano de percussão direta
produz uma contra-força no ponto de apoio (plano de percussão indireto), gerando dois polos
de força em oposição linear, cuja ação acarreta a ruptura do núcleo.
rio pElotas, sc:
também um importante complemento alimentar com a coleta do pinhão.
Também praticariam a pesca, a caça e a coleta de mel, larvas e insetos. Suas
datas situam-se, segundo Prous (1992), entre 475 A.D. e 1790 anos A.D.
Esta tradição também se caracterizaria por sítios com grandes
movimentações de terras, sejam elas para a construção das estruturas
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

escavadas ou para a construção das estruturas anelares. Contudo, é comum


encontrar sítios desta tradição associados a abrigos-sob-rocha, a aldeias a céu-
aberto ou ainda, ocupando a superfície de sambaquis (SCHMITZ; BECKER,
1992).
As estruturas escavadas po-
dem ser encontradas em unidades
uHE barra grandE

isoladas, com dimensões variando


entre 2 e 22 metros de diâmetro ou em
concentrações, podendo chegar a
várias dezenas de unidades em um
mesmo sítio, embora não neces-
sariamente contemporâneas. Geral-
a contribuição da

mente são descritas como escavações


em forma cônica ou com as paredes
verticais. Para estas estruturas, é
Estudo

comum encontrar na literatura a atri-


buição de habitações adaptadas ao
frio do planalto, visto que se concen-
tram principalmente neste comparti-
26 mento topográfico.
Os montículos isolados e as
estruturas de aterro circulares
com montículos no interior foram
freqüentemente interpretados como
construções para sepultamento de
Fonte: Reis, 2002, apud La Salvia, 1987, p. 19-23.
mortos (RIBEIRO; RIBEIRO, 1985)
Figura 07: Reconstituição artística de uma e terreiros de antigas aldeias, respec-
“casa subterrânea”.
tivamente. Os montículos podem
ser encontrados isolados ou junto a
agrupamentos de estruturas escavadas, podendo chegar até quarenta em um
mesmo sítio. Escavações em alguns destes montículos revelaram a existência
de carvão, objetos líticos lascados e fragmentos de cerâmica análoga à encon-
trada dentro das casas subterrâneas (LA SALVIA, 1968, p. 105) ou vasos de
barro não cozidos (ROHR, 1967, p. 22). Nestas pesquisas, estes autores não
encontraram remanescentes ósseos que confirmassem sua utilização funerária.
Já as estruturas de aterros circulares, também denominadas por estrutu-
ras anelares, são conhecidas desde a década de 1950, quando Menghin (1956)
relacionou à cultura Eldoradense um conjunto com cinco anéis de terra,
encontrados na província de Missiones, na Argentina. O maior destes
anéis apresentou no seu interior um montículo de terra, que o autor interpre-
do planalto sul brasileiro:
histórico e problemática das pesquisas
tou como sendo um local sagrado, em que o círculo seria vestígio de uma
paliçada e o montículo central, um monumento sepulcral. No Brasil, nas
décadas seguintes, sítios com as mesmas feições foram cadastrados e algu-
mas vezes, escavados. Apesar de não terem sido encontrados ossos humanos
nem nas estruturas da Argentina nem nas brasileiras até a década de 1990,
alguns autores continuaram afirmando tratar-se de estruturas com finalidade
sepulcral.

1. Pré-história
No início da década de 1970, João A. Rohr também pesquisou
sítios desta natureza no Estado de Santa Catarina, escavando alguns deles.
Diferentemente de Menghin (1956), por não ter encontrado remanescentes
ósseos, Rohr concluiu

que aqueles supostos terreiros de dança dos bugres [assim chamados


pela população local], na realidade, são terreiros de antigas aldeias.
Achavam-se localizadas em pontos altos e estratégicos e estavam
guarnecidas por uma paliçada protetora, que se manifesta, ainda
hoje, pela coroa de terra circular ao redor do topo do morro. (ROHR,
1971, p. 19).

O problema de atribuição das atividades desenvolvidas nestas


estruturas permaneceu sem outros desdobramentos até 2001, quando pes-
quisas desenvolvidas nas áreas da UHE Barra Grande e da UHE Campos
Novos revelaram a existência de sepultamentos em algumas destas estruturas,
colocando novos problemas para pesquisa, que serão discutidos no capítulo
seguinte.
27
Outro problema relacionado à tradição Taquara diz respeito a sua
atribuição étnica. Alguns pesquisadores relacionam estas populações aos
grupos indígenas de tradição lingüística Jê (históricos), que seriam respon-
sáveis por esta tradição cerâmica regional. Para estes, a tradição Taquara teria
surgido no primeiro milênio da nossa era e teria continuidade nos grupos indí-
genas Kaingang (no planalto) e Xokleng (na encosta e no litoral sulbrasileiros).
Estas questões serão discutidas nas páginas seguintes.

O contexto etnográfico: o que se conhece dos


grupos indígenas que habitaram a região em
tempos de contato?

Além das pesquisas em sítios arqueológicos datados do período anterior


ao contato, outro modo de se ter acesso ao cotidiano das populações indígenas
deste período é por meio dos registros etnográficos produzidos por viajantes,
militares, engenheiros e naturalistas que tiveram contato com estes grupos,
em períodos mais ou menos longos. Porém, um problema surge: ao mesmo
tempo que estes documentos oferecem um precioso quadro das práticas cult-
urais dos grupos indígenas, eles também são produções de seu tempo, encon-
trando-se imbuídos de preconceitos, suposições e interpretações por parte dos
Rio Pelotas, SC:
observadores.
Nestes documentos também nota-se a variedade de nomes utilizados
para definir os indígenas da encosta e do planalto meridional brasileiro18, que
através de estudos antropológicos e arqueológicos foram associados a dois
grupos distintos: os Kaingang e os Xokleng.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Dentre os documentos que descrevem a cultura Kaingang, talvez o que


apresenta maior riqueza de detalhes é o diário do engenheiro belga George B.
Mabilde. Contratado para construir uma estrada ligando o litoral ao interior do
Rio Grande do Sul, o autor teve contato com um grupo Coroado19 em meados
do século XIX (1836-1866), o que lhe rendeu, na época, grande conhecimento
sobre a cultura deste grupo.
UHE Barra Grande

Neste diário, publicado em 1983, Mabilde descreveu as característi-


cas do grupo, desde sua alimentação e sua organização social até a forma de
enterrar os mortos e as diferenças hierárquicas entre os indivíduos. Segundo
ele, a chefia baseava-se em um cacique principal, que comandava todas as
subtribos, por sua vez lideradas por sub-caciques. Cada subtribo detinha um
espaço delimitado para realizarem a caça e a coleta do pinhão. Este espaço
a contribuição da

era demarcado através de símbolos em pinheirais, que identificavam cada


sub-tribo (MABILDE, 1983, p. 127).
O autor apresenta, ainda, que para cada um destes estágios da
Estudo

hierarquia, o rito funerário se diferenciava, ou seja, quando ocorria a morte


de um indivíduo, os procedimentos com o sepultamento eram condizentes
com a posição do falecido dentro da tribo à qual pertencia. De acordo com o
engenheiro:
28
No dia seguinte ao enterro do cacique principal e deste dia em di-
ante, todos os moços das tribos subordinadas voltam ao lugar da
sepultura do cacique e sobre ele amontoam terra, até formar um
túmulo circular, de não menos de vinte e cinco palmos de diâmetro
(e às vezes mais), com seis palmos de altura.
O túmulo é perfeitamente circular e com as dimensões referidas.
A parte lateral faz ângulo reto com o solo e com a superfície supe-
rior que é perfeitamente horizontal. Ao redor do túmulo, limpam o
terreno, tirando-lhe toda a vegetação, numa extensão de oito a dez
palmos, mais ou menos. Calcam bem com os pés a terra dessa orla
circular e então está o trabalho concluído. (MABILDE, 1983, p. 96)

18
De acordo com Basile Becker (1991 in RIBEIRO, 2000, p. 41) a área de dispersão
da tradição Taquara, incluindo a província argentina de Missiones, coincide com a dos
antigos Guayaná do tronco lingüístico Macro Gê. “Eram conhecidos pelos nomes de Botocudo,
Aweikoma, Xókleng, Aweikoma-Kaingang, Coroado, Bugre, entre outros”. Outras denomi-
nações foram Kamé, Bate, Chova, Pinaré, Kaigua ou Caágua, Bugre, Schokleng, Xocrém e
Lakranó (LAVINA, 1994).
19
Mabilde (1983), assim como muitos outros, chama o grupo de Coroado devido ao padrão de
corte de cabelo. Hoje estes grupos são relacionados à etnia Kaingang.
do planalto sul brasileiro:
histórico e problemática das pesquisas
Outros relatos etnográficos disponíveis para grupos associados aos
Kaingang são os de Frei Luiz de Cimitile (apud VEIGA, 2000, p. 165),
Horta Barbosa (1913); Borba (1908) e Ambroseti (1984), todos datados entre
o final do século XIX e início do XX. Nestes relatos, destaca-se a semelhança
nas formas de sepultamento descritas por Borba, Cimitile e Mabilde, onde
sobre o corpo é erguido um montículo que pode alcançar altura e diâmetro
consideráveis.

1. Pré-história
Contrastando as belezas naturais da Ilha de Santa Catarina, o sol e o
verde “da folhagem espessa das matas virgens que vestem a Serra do Mar”
com a ação de uma companhia de 16 homens que atacaram um acampamento
de botocudos (Xokleng) na mata do continente contíguo, matando homens e
mulheres, deixando “crianças estremunhadas e chorando de medo”, Tavares
(1910, p. 277) inicia seu artigo, onde apresenta valiosas contribuições acerca
da cultura deste grupo. Tavares não foi exceção. Vasconcellos (1912) também
inicia seu texto discorrendo sobre os conflitos entre botocudos e a sociedade
branca. Para ele, estes índios que habitavam a Serra do Mar eram “indomes-
ticáveis, segundo os meios ordinários; traiçoeiros, dotados de uma feroci-
dade igual á do tigre, inclinados ao roubo, sendo o seu maior prazer matar os
brancos” (VASCONCELLOS, 1912, p. 19). A maioria dos registros sobre os
grupos que viviam na encosta e bordas do planalto descrevem ataques destes
grupos indígenas aos colonizadores, destacando conflitos e matanças.
Tavares não conviveu em meio a um grupo, como aconteceu com
Manizer ou Mabilde entre os Kaingang, mas registrou aspectos da orga-
nização social, como a existência de caciques, sua forma nômade de viver, e
muito brevemente, sua forma de enterrar. Para este último, escreve apenas 29
uma frase: “quando morre alguém, enterram o cadáver e queimam tudo
quanto lhe pertencia” (TAVARES, 1910, p. 283). A prática da cremação do
cadáver também foi descrita em outros relatos, como o de Boiteux (1911),
Vasconcelos (1912), Paula (1924), Kempf (1947) e Vamblé, transcrito por
Henry (1964 apud LAVINA, 1994, p. 66). Este último detalha:

(...) o morto era envolvido em um cobertor, com seu arco e


flechas próximos. O encordoamento do arco é cortado este, junta-
mente com as flechas, é quebrado e o conjunto é amarrado com os
restos do encordoamento. Em um local preparado, são empilhados
pedaços de madeira até a altura da cintura de um homem e sobre
esta estrutura é depositado o cadáver com seus objetos pessoais.
O morto é orientado com a cabeça para oeste e em suas mãos
são postas oferendas de mel e carne assada. A seguir o cadáver é
recoberto com madeira até a pilha alcançar a altura de um homem,
sendo o conjunto escorado com estacas para não desmoronar. Após
acender a pira com um bambu incandescente, as pessoas se retiram,
voltando um dia depois. Caso o cadáver não esteja completamente
cremado, o processo é repetido. Quando os ossos estão calcina-
dos, são recolhidos em um cesto forrado com folhas de xaxim e
transportado em uma padiola para o local de enterramento, que
Rio Pelotas, SC:
consiste em uma área limpa de vegetação com uma cova em seu
centro. Os cestos com os restos da cremação são ali depositados
e enterrados. Sobre este local o cônjuge sobrevivente constrói um
pequeno abrigo.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Após o enterro, segundo Vasconcellos (1912) e Kempf (1947), era


erguido sobre as cinzas ou sobre o sepultamento um monte com a forma de
um cone truncado, com altura entre 50 e 60 centímetros.
Kempf (1947), baseado no testemunho de duas pessoas que teriam
convivido com os Xokleng durante oito anos20, descreve que os indivíduos
que constituíam cada tribo viviam separados, nômades, e que se reuniam para
realizar um saque ou para celebrar uma festa. Descreve que existia hierarquia,
UHE Barra Grande

com um cacique para cada grupo de aproximadamente oito a dez famílias.


Estes relatos apresentam duas formas diferentes de domínio do espaço,
duas formas de organização social. Enquanto uma está mais relacionada à
fixação do grupo em um determinada área, demarcando, inclusive, os pinhei-
rais pertencentes a cada grupo dentro do grande grupo cultural (Kaingang);
a contribuição da

o outro vive de forma nômade, em pequenos bandos, se encontrando em


determinados momentos do ano para realizarem os rituais (Xokleng). Outra
diferença está com relação aos rituais de enterramento: enquanto que uns
Estudo

enterram seus mortos e sobre a cova erguem um montículo (Kaingang),


outros cremam o corpo e sobre as cinzas ou sobre os ossos constroem um
montículo. Sobre este montículo era comum a construção de uma pequena
casa de madeira que lembra uma habitação (Xokleng).
30 Diante destes relatos - e da comparação entre a cultura material destes
grupos e a encontrada nos sítios arqueológicos - freqüentemente surgem
tentativas de atribuição étnica aos sítios pesquisados. Seja ao relacionar a
localização do sítio à ocupação da área relatada etnograficamente, ou ao
comparar o tipo de sítio ao que foi registrado, verifica-se uma tendência a
relacionar sítios da tradição Taquara/Itararé aos grupos Kaingang (SCHMITZ;
BECKER, 1991; SILVA, 2001), e sítios líticos da encosta a grupos Xokleng.
Aliado a estas associações há a memória de alguns grupos. Silva (2001)
em sua tese de doutorado registra a existência, na memória de integrantes
Kaingang do Aldeamento de Nonoai (RS) de lembranças sobre a construção
e ocupação das estruturas escavadas. De acordo com o interlocutor de Silva:

Meu avô, tio da minha mãe, era de Tenente Portela. Ele viveu cento
e poucos anos. Ele contava como se protegia: faziam uma cava-
ção grande para ser coberta. Ele contando, mostrava como é que
ela era, tudo o que tinha que ser feito. Ele contava que ele gos-
taria de voltar àquela época. Ele chegou a ver, viver junto com os
pais numa casa destas. É uma escavação redonda, uma cava re-
donda, e as cobertas, ele mostrava, elas quase encostavam no chão
pra não entrar vento. Faziam uma valeta em roda pra água não
20
Antes da década de 1940, no vale do Itajaí do Norte. “Como nômades, cruzavam outrora as
plagas de Santa Catarina da foz do Itajaí ao planalto de Lajes e Palmas” (KEMPF, 1947, p. 25).
do planalto sul brasileiro:
histórico e problemática das pesquisas
entrar. Eram colocadas umas pedras em cima, do lado, ao redor,
pro vento não estragar. Do fundo, sobe tipo uma escadinha, na
parede, pra subir, volteadinha. Ali, tu saía pra fora. De noite, cobre
com palha. No meio tem um tronco, tipo esteio, até uma alturinha
pra fazer coberta. Aqui, é também feito fogo, dentro da casa. Só
que em cima ... tem um chapeuzinho de capim. Quando faz fogo,
tiram. A fumaça sobe. Quando chove, botam em cima. A folha de
palmeira era a cama (interlocutor de Nonoai, apud SILVA, 2001, p.

1. Pré-história
41)21.

O fato é que, com a possibilidade de aliar a cultura material à memória22,


as associações entre a tradição Taquara/Itararé e etnia Kaingang são feitas
pelos pesquisadores23.
Porém, com ideias opostas a este aparente uniformismo e linearidade
Taquara/Kaingang está Silva (1999), quando realiza um estudo comparativo
entre os registros históricos e etnográficos sobre a confecção dos vasilhames
cerâmicos dos grupos Kaingang e Xokleng, traçando um perfil dos estilos
tecnológicos24 destes grupos, e esboçando algumas sugestões de análise. Para
ela não existem diferenças significativas entre os dois conjuntos cerâmicos,
tanto na forma como na confecção, que permita diferenciar o que pertence a
uma ou a outra cultura:

Este é um dado muito relevante na medida em que alguns


estudos etnoarqueológicos têm demonstrado que os processos de
produção cerâmica são muito condicionados culturalmente, pois
resultam de longos períodos de aprendizagem e interação dos ce- 31
ramistas dentro das comunidades. Por esta razão, são os mais difí-
ceis de serem modificados ao longo do tempo, gerando verdadeiras
tradições tecnológicas locais (SILVA, 1999, p. 66).
21
Datações obtidas através de escavação de duas casas subterrâneas no município catarinense
de Ipuaçu revelaram a ocupação bem recente para as mesmas, pertencendo ao século XIX. As
autoras explicam que o movimento de expansão da sociedade brasileira em direção ao interior
do Estado fez com que os grupos indígenas fossem cada vez mais para o oeste, podendo estar lá
as datações mais recentes para casas subterrâneas (CALDARELLI; HERBERTS, 2002).
22
Cabe anotar aqui uma crítica à utilização da memória como fonte de informação, pois sabe-
se que a memória pode ser falha ou seletiva, podendo ainda estar relacionada com lembranças
individuais ou grupais (quando são passadas de geração para geração), e que mesmo estas po-
dem sofrer alterações ao longo do tempo, dentro da dicotomia lembrar/esquecer ou re-significar
(PORTELLI, 1996). Desta forma, o fato de permanecer na memória de alguns indivíduos a
construção e ocupação destas estruturas, ela pode não estar, necessariamente, relacionada com
sua ocupação de fato, mas sim que este indivíduo atribuiu a elas esta utilização, seja por contato
com estas estruturas ou por ter escutado alguma explicação dada sobre elas, seja dentro do
grupo ou mesmo por agentes externos.
23
O que inclui as estruturas escavadas, as estruturas anelares e sítios lito-cerâmicos de
superfície.
24
Para conceituar tecnologia Silva utiliza Dobres e Hoffman (1994, p. 211), onde a apresenta
como, não “apenas o meio material de fazer artefatos, mas um fenômeno cultural dinâmico
atrelado à ação social, à visão de mundo e à reprodução social” (in SILVA, 1999, p. 67).
Rio Pelotas, SC:
Desta forma, nota-se que semelhanças na cultura material não indi-
cam necessariamente um mesmo grupo humano, podendo estas semelhanças
estar relacionadas a uma tecnologia partilhada por diferentes grupos étnicos.
É neste sentido que alguns pesquisadores preferem utilizar o termo “genéri-
co” Gê ao relacionar etnograficamente os sítios pesquisados, sem entrar na
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

problemática Kaingang e Xokleng (NOELLI, 2004; GOULART, 1997).


No capítulo quatro retornar-se-á a esta questão de atribuição étnica, ao
analisarem-se as pesquisas na área da UHE Barra Grande.
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo

32
como cenário:
os recursos ambientais
2

Araucárias
O Planalto das Araucárias como cenário:

das
os recursos ambientais

2. O Planalto
C
om nascentes situadas no planalto dos Estados de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul, o rio Pelotas é um importante
elemento paisagístico e cultural para as comunidades que vivem
em suas margens. Além de servir como divisão política entre os dois Estados
do sul do Brasil, o rio define a paisagem local e se insere no cotidiano de toda
a população. E assim tem sido desde a pré-história, quando grupos indígenas
que viviam da caça, da pesca, da coleta ou do plantio obtiveram sua subsistên-
cia e desenvolveram suas culturas em suas proximidades, nelas adquirindo
rochas para a produção de instrumentos líticos, coletando argilas para a fabri-
cação de potes e panelas e servindo-se dos recursos da pesca.
Geologicamente, o rio abrange o domínio dos terrenos da Bacia do
Paraná, na região geomorfológica do Planalto das Araucárias. Nesta área,
uma grande sequência de erupções vulcânicas, que se iniciou há mais de 100 33
milhões de anos, cobriu praticamente toda a região, com exceção de pequenos
trechos cobertos por sedimentos depositados pelo rio, ao longo de sua calha de
escoamento. O fluxo dos rios sobre as falhas existentes nas rochas basálticas
formadas pelo resfriamento das lavas, criou uma paisagem de cânions profun-
dos e vertentes íngremes. Do mesmo modo, os paredões verticais conhecidos
na região como peraus, foram formados pela erosão, que também causa o
alargamento progressivo do vale do rio. De modo geral, todos os cursos de
água desta bacia têm grande declividade, percorrendo vales muito encaixados,
estreitos e profundos, com solos pouco espessos e permeáveis.

Figura 08: Vale do rio Pelotas.


Rio Pelotas, SC:
Enquanto a geologia ajuda a compreender como se formou a paisagem
atual da região, o clima é um dos agentes mais importantes neste processo
de transformação, além de influenciar em diversos aspectos o funcionamen-
to do ecossistema regional. Nesta região do planalto, não existe um período
exclusivamente seco, sendo as médias mensais de chuva acima de 80 mm e as
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

máximas acima de 140 mm, com o total anual de chuvas superior a 1300 mm.
Estas chuvas são distribuídas regularmente ao longo do ano, com uma média
que varia entre 110 e 120 dias de chuva por ano (ENGEVIX, 1998).
A média das temperaturas anuais é baixa em todos os municípios que
formam o vale do Pelotas, não ultrapassando a 20ºC. Na primavera e no verão,
entre novembro e março, as temperaturas são mais elevadas, se aproximan-
UHE Barra Grande

do, embora raramente, dos 40ºC. De maio a agosto as temperaturas médias


mensais caem, com constantes entradas de frentes frias que caracterizam o
inverno, trazendo fortes chuvas, dias mais curtos e noites mais longas. As tem-
peraturas abaixo ou muito próximas de zero grau centígrado ocorrem, quase
sempre, logo após a passagem de uma frente fria e geralmente pouco antes do
amanhecer. Essas noites frias se repetem de 10 a 15 vezes ao ano, ocorrendo
a contribuição da

geadas entre 20 a 30 vezes por ano. A neve pode ocorrer mais raramente, em
média três dias por ano, apresentando uma camada fina que costuma derreter
aos primeiros raios de sol.
Estudo

A vegetação da região é conhecida pelas grandes florestas de araucária


(pinheiro do Paraná), que deram nome à unidade geológica onde se situa.
Antes da colonização européia, grande parte da região era coberta pelas
florestas de araucárias, entremeadas por pequenos trechos de campo nativo.
34 Atualmente, a área de estudo apresenta quatro tipos de vegetação em
sua superfície. Na margem sul-rio-grandense, predominam os chamados
Campos de Cima da Serra, e na margem catarinense, ocorrem as florestas de
araucária da bacia Pelotas-Canoas, a floresta de araucária do extremo-oeste e os
campos nativos. As florestas de araucária da bacia Pelotas-Canoas ocorrem
entre as nascentes do rio Pelotas até o encontro com o rio Pelotinhas, sendo
as principais espécies de árvores o pinheiro-do-paraná, a canela-lageana, a
canela-fogo, o guaraperê, o pessegueiro do mato e a canela-pururuca. As
florestas de araucária do extremo oeste ocorrem a partir do rio Pelotinhas e
predominantemente ao longo do rio Uruguai até o extremo oeste de Santa
Catarina. Nela predominam a grápia, o angico, a guajuvira e diversas espé-
cies de canela. Os campos nativos ocorrem afastados do canal principal do
rio Pelotas, apresentando áreas abertas de pastagem nativa com capões de
araucárias e outras espécies associadas. Nestas diferentes formações vegetais
ocorrem diversas espécies que podem servir de alimentos, tanto para popula-
ções humanas quanto para a fauna regional. Além do pinhão, abundante entre
os meses de abril e junho, ocorrem frutas como o tucum, o araçá, a pitanga,
a cereja-do-mato, e o araticum, entre outros. Há também outras espécies que
servem como fonte de alimento para os animais, como a urtiga, o araçá-do-
mato e a murta. Também a palmeira gerivá pode fornecer os frutos e as suas
amêndoas para a alimentação humana.
como cenário:
os recursos ambientais
A fauna que existe nestes diferentes tipos de mata é muito rica, prin-
cipalmente na época da frutificação do pinhão, que serve como atrativo aos
herbívoros. Nelas podem ser encontrados gambás, cuícas, tatus, tamanduás,
bugios e micos, guarás, graxains, coatis, mão-peladas, iraras, furões, lontras,

Araucárias
ariranhas, gatos-do-mato, pumas, jaguatiricas, onças, antas, porcos-do-mato,
veados, ouriços-cacheiros, preás, capivaras, pacas, cutias e tapitis.
Pensando na disponibilidade e potencial para a caça, Dias (2004)

das
dividiu as espécies de mamíferos em dois grupos. Um grupo diz respeito

2. O Planalto
aos animais com maior potencial para a caça, e o segundo grupo às demais
espécies, que também poderiam ser caçadas conforme as necessidades das
populações ali existentes. Para o primeiro grupo, foram listadas as seguintes
espécies: gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris, que pode pesar até
2,75 Kg), o tatu-galinha (Dasypus novemcinctus, até 8 Kg), o tatu-peludo
(Euphractus sexcinctus, 5 Kg), o bugio (Alouatta guariba, seu peso varia
entre 7 e 9 Kg), a anta (Tapirus terrestris, 300 Kg), porcos-do-mato
(o queixada – Tayassu pecari, com peso aproximado de 30 Kg e o cateto –
Pecari tajacu, com aproximadamente 20 Kg), as espécies de veados (mateiro
– Mazama americana, 16 Kg; o veado virá – Mazama gouazoubira, 23 Kg; e
o campeiro – Ozotocerus bezoarticus, com peso variando entre 30 e 40 Kg),
a capivara (Hydrochaeris hydrochaeris, maior roedor do mundo, que pode
chegar até 50 Kg) e por último a paca (Agouti paca, pesando até 10 Kg). O se-
gundo grupo, composto por animais que habitam a região e que são possíveis de
serem caçados são os tamanduás (bandeira – Myrmecophaga tridactyla que pesa
entre 18 e 23 Kg; e o mirim - Tamanduá tetradactyla, com cerca de 6 Kg), os
micos (Cebus apella, com peso entre 2 e 4 Kg), o graxaim-do-mato 35
(Cerdocyon thous, 5 Kg), o mão-pelada (Procyon cancrivorus, 8 Kg), o
puma (Puma concolor, 60 Kg), a jaguatirica (Leopardus pardalis, com peso
entre 7 e 15 Kg), os gatos-do-mato (Leopardus tigrina e Leopardus Wiedii,
ambos podendo pesar até 3 Kg), entre outros. As aves estão representadas por
macucos, inhambus, jaós, perdizes, codornas, urubus, gaviões, falcões e
carcarás, aracuãs, jacus, saracuras, frangos-d’água, seriemas, jaçanãs, quero-
queros, periquitos e papagaios, tucanos, gralhas e outras de menor porte.
Os peixes que ocorrem no rio Pelotas e em seus afluentes são princi-
palmente espécies de pequeno porte, com comprimento padrão inferior a 30
mm, como os lambaris, os carás, as joaninhas e diversas espécies de jundiás,
mandis e cascudos. Eventualmente podem ser pescadas espécies maiores,
como a piava, que chega a alcançar até 4 quilos. É no verão que ocorrem
em maior quantidade, quando se verifica também o fenômeno da piracema,
quando os peixes sobem os cursos d’água para desovar.
É neste contexto geológico e ambiental que estão inseridas as pesquisas
apresentadas e discutidas nos capítulos seguintes.
Rio Pelotas, SC:
3
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Os sítios arqueológicos no
vale do rio Pelotas

A
UHE Barra Grande

o iniciar as pesquisas no ano de 2001, parte dos sítios


arqueológicos da margem sul-rio-grandense já eram conheci-
dos25 e, por extensão, indicavam os tipos de sítios possíveis
de se encontrar na margem catarinense. Era necessário, todavia, aprofundar
o conhecimento sobre as populações que viveram no vale do rio Pelotas e
contribuir com as discussões em andamento sobre estas culturas.
a contribuição da

Na área do empreendimento foram cadastrados mais de 50 sítios e estes


foram classificados como áreas de atividades diferenciadas e que representam
duas ou mais identidades étnicas. Estas áreas correspondiam a assentamentos
Estudo

habitacionais, de captação e aproveitamento de matéria-prima para confecção


de artefatos líticos, sítios oficinas, sítios cerimoniais para sepultamentos,
sítios acampamentos (para execução de atividades temporárias), em locais a
céu aberto, em estruturas escavadas ou abrigos-sob-rocha (ver anexo 1).
36
Sítios líticos de superfície

Os sítios líticos de superfície compreendem locais a céu aberto onde


foram identificados vestígios de atividades humanas caracterizadas somente
por artefatos produzidos em rocha, sejam elas lascadas ou polidas. Tais
sítios podem ser relacionados tanto a assentamentos26 de grupos
pré-históricos ceramistas, representando locais de aquisições e/ou produção
inicial de artefatos, quanto de grupos de caçadores-coletores. Além dos
instrumentos, do ponto de vista funcional, o próprio processo de manufatura,
manutenção e descarte do instrumento pode fornecer importantes indicações
sobre os padrões de utilização do espaço, na medida em que seja possível
reconstituir, num dado local, as etapas de produção de artefatos que ali ocor-
reram. Estas atividades de produção podem ser organizadas em função da
aquisição da matéria-prima, da redução inicial ou preparação dos núcleos,
da modificação inicial ou primária das peças, da modificação secundária ou
25
Conforme pesquisas de Ribeiro e Ribeiro (1985) e Kern et al (1989)
26
Ao longo deste livro a palavra assentamento será tomada seguindo a definição de Chang
(1968, apud SILVA et al, 1990, p. 15), entendida como “o local físico ou conjunto de locais
onde os membros de uma comunidade viveram, garantiram sua subsistência e exerceram suas
funções sociais em um dado período de tempo”.
Pelotas
refinamento de artefatos e da modificação ou manutenção das peças desgasta-
das pelo uso (COLLINS, 1975, p. 25).

sítios arqueológicos no vale do rio


Durante a realização dos três27 projetos na UHE Barra Grande, foram
identificadas diversas áreas com objetos líticos em superfície, porém apenas
as áreas que continham mais de 20 peças foram cadastradas como sítios
arqueológicos, o que totalizou 14 sítios (dos quais 13 foram escavados), com
diferentes características e densidade de material.

Armínio Frigotto (SC-AG-101)

O sítio lítico a céu aberto Armino Frigotto está localizado sobre


uma área de relevo suave, próxima à encosta de uma colina, distante 200

3. Os
metros de um lajeado e a 4,5 km do rio Pelotas. O terreno apresenta diversos
afloramentos basálticos e um solo argiloso de pouca profundidade. Tais rochas
misturam-se a alguns artefatos líticos, que se encontram dispersos por uma
área de aproximadamente 20.000 m². Nesta área verificou-se a presença de
duas concentrações de material arqueológico, ainda que esta componha uma
indústria de baixa densidade.
O conjunto lítico deste sítio é composto por 49 peças que estão
representadas, na sua maioria, por lascas bipolares (28%) e núcleos unipo-
lares (24%). O restante da indústria se compõe, em proporções menores, por
artefatos bifaciais e unifacias (20%), fragmentos de núcleos (18%), lascas
unipolares (6%) e detritos (4%).
Quanto às estratégias de obtenção da matéria-prima, constata-se que os
artesãos selecionaram, preferencialmente, o basalto (65%) para a produção 37
da indústria. Trata-se de rochas amplamente disponíveis na região, ao alcance
no local de assentamento ou mesmo nas áreas próximas ao sítio. Todavia, em
menores proporções, constata-se também a presença de calcedônias (35%).
Correlacionando os tipos de formas básicas com a matéria-prima, é
notório que as lascas bipolares foram produzidas exclusivamente em calcedô-
nia. Ao contrário, os núcleos são predominantemente de basalto e unipolares
- há poucas evidências de núcleos bipolares. Quanto às lascas unipolares estas
são de preparação, com talões lisos28 (67%) e facetados29 (33%) e não apre-
sentam redução dorsal30 .

27
Estes três projetos se referem ao resgate no canteiro de obras, ao resgate na área diretamente
afetada pelo reservatório e pelo projeto de arqueologia compensatória realizado na margem
catarinense.
28
Talão é a superfície sobre o qual se deu o golpe e destacou a lasca de seu núcleo. Caracteriza-
se por liso quando apresenta superfície plana, regular, com negativo de apenas um lascamento.
29
O talão é facetado quando apresenta superfície irregular, com negativos de dois ou mais
lascamentos.
30
É o canto externo do plano de percussão. Segundo Laming-Emperaire “é aquele que, antes
da debitagem, constituía a borda do plano de percussão do núcleo” (LAMING-EMPERAIRE,
1967, p. 51). Este canto pode ser preparado para a retirada da lasca, recebendo vários golpes e
ficando reduzido
rio pElotas, sc:
Apesar dos artefatos bifaciais e unifaciais terem baixa representativi-
dade (reúnem apenas 20% do conjunto), eles apresentam suportes diversos
(entre blocos, seixos e placas) e podem ser classificados em três tipos: 1)
com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma
lateral) e uma extremidade em ponta (compreendem 70% da amostra); 2) com
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma lateral)


e sem terminação em ponta (20%); e 3) com retiradas periféricas unifaciais
em todo o contorno (ou apenas em uma lateral) e uma terminação em ponta
(10%). As peças do segundo tipo encontram-se, a maioria (86%), revestidas
por somente 1/3 de córtex; os outros tipos de artefatos foram menos reduzidos
do que este e, assim, apresentam uma zona cortical que recobre as peças em
uHE barra grandE

torno de 50%.

adair vingla iii (sc-ag-07)

Este sítio lítico estava localizado a 200 m de um riacho, em área de


declividade suave e coberta por vegetação rasteira. Foi escavada uma área de
a contribuição da

80 m² (8 x 10 m), onde foram encontradas 20 peças líticas. Além da escava-


ção, foram coletados em uma área um pouco mais afastada e em superfície
(SC-AG-07/08) outros 39 objetos líticos (núcleos, lascas e instrumentos).
Estudo

38

Figura 09: Sítio já escavado. A pouca espessura do sítio limitou as escavações


até 10 cm de profundidade.

Das 20 peças coletadas neste sítio, 12 são lascas unipolares de


preparação31, correspondendo, portanto, à segunda etapa de produção de
Collins. Relativo à quantidade de superfície natural, mais da metade (82%)
destas lascas encontram-se desprovidas ou possuem até 1/3 de córtex.

31
Lascas de preparação são lascas retiradas após o primeiro lascamento de uma massa de
matéria-prima. Apresentam no seu dorso marcas dos lascamentos precedentes ou até restos
de córtex (LAMING-EMPERAIRE, 1967, p. 36). Também são denominadas, segundo Leroi-
Gourhan (1966 apud LAMING-EMPERAIRE, 1967, p. 36), lascas de descorticamento; ou,
segundo Prous (1986/90, p. 18), lascas secundárias.
pElotas
Destaca-se a ausência de núcleos no conjunto. Os artefatos bifaciais, assim
como as lascas, não apresentam variações em seus tipos tecnológicos, pois se

sítios arquEológicos no valE do rio


caracterizam unicamente por peças sobre blocos de basalto, com percentuais
de córtex variados e retiradas periféricas que definem uma extremidade pon-
tiaguda.

3. os
Figura 10: Lasca de preparação em Figura 11: Artefato bifacial sobre bloco de
basalto e superfície natural cobrindo basalto com retiradas periféricas definindo
2/3 da peça e com retoques nas partes uma ponta em uma extremidade e superfície
mesial e distal. natural cobrindo ½ das faces 1 e 2.

sc-ag-07/08

A indústria lítica do sítio SC- 39


AG-07/08 é formada por 39 peças
caracterizadas por lascas unipolares,
núcleos, fragmentos de lascas, frag-
mentos de núcleos, detritos, termó-
foros, artefatos unifaciais e artefatos
bifaciais.
Assim como no sítio anterior,
todas as lascas unipolares são do tipo
de preparação. Dentre elas, a maioria
(67%) apresenta até 1/3 de superfície
natural. O conjunto compõe-se por
Figuras 12 e 13: Mesmo sendo um grande
poucos núcleos (7 peças) e estes são, artefato bifacial (27 cm de comprimento)
na maioria, unipolares (71%) e semi- esta peça está completamente desprovida de
corticais. Os artefatos bifaciais e uni- superfície natural e apresenta apenas uma
faciais foram produzidos sobre blocos, extremidade em ponta. Há evidências de
apresentam quantidade de córtex vari- intensa redução em ambas as laterais,
sugerindo apreensão ( faces 1 e 2).
ada e classificam-se em apenas dois
tipos: 1) com retiradas periféricas definindo uma ponta em uma extremidade
(67%); e 2) com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas
em uma lateral) e sem terminação em ponta (33%).
rio pElotas, sc:
adair vingla iv (sc-ag-08)

O sítio lítico Adair Vingla IV está localizado a 50 metros do sítio Adair


Vingla III e ocupa uma área de 40 m² (8 x 5 m). Encontra-se sobre uma área de
inclinação suave, com diversas rochas dispersas na superfície, como basaltos,
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

calcedônias, ágatas e quartzos. Sua indústria compõe-se por lascas unipolares


(80%), núcleos (3%), fragmentos de lascas (3%), fragmentos de núcleos (3%),
artefatos unifaciais e artefatos bifaciais (11%).
uHE barra grandE
a contribuição da
Estudo

Figura 14: Vista geral da superfície escavada à profundidade de 10 cm.

Como nos dois sítios anteriores, as lascas unipolares são todas do


tipo de preparação, acorticais (43%) e semi-corticais e tem-se apenas um
40 núcleo unipolar semi-cortical. Quanto aos artefatos unifaciais e bifaciais,
identificam-se 2 tipos: 1)suporte sobre bloco ou placa de basalto, com
retiradas periféricas bifaciais, parte proximal cortical e terminação em ponta;
e 2) suporte sobre bloco de basalto, com retiradas periféricas bifaciais em todo
o contorno (ou em uma lateral) e terminação em ponta.

15 16 17 18

Figuras 15 e 16: Artefato bifacial sobre placa de basalto com retiradas bifaciais em uma
extremidade apenas definindo uma ponta (faces 1 e 2).
Figuras 17 e 18: Artefato bifacial sobre bloco de basalto com superfície natural cobrindo 1/3
da peça na parte proximal e terminação em ponta. Porém, esta peça caracteriza-se como atípica,
pois apresenta 3 faces, onde uma fratura natural da rocha em uma das laterais foi aproveitada
também como plano de percussão, com retiradas unifaciais (faces 1 e 2).
pElotas
adair vingla vii (sc-ag-11)

sítios arquEológicos no valE do rio


Trata-se de um sítio lítico a céu aberto que se localiza em média
vertente de uma colina e próximo a um afloramento rochoso. Os objetos desta
indústria compõem-se de 56 peças, divididas entre: lascas unipolares (50%),
lascas bipolares (14%), núcleos (13%), fragmentos de lascas (18%) e detritos
(5%).
As lascas unipolares são, na maioria, acorticais (75%) e de preparação
(96%), apenas algumas lascas são de biface32 (4%). Há poucos núcleos uni-
polares (7 peças) e nenhum artefato unifacial ou bifacial foi encontrado. Visto
tal composição, parece provável que nesta área eram realizadas atividades de
debitagem e os instrumentos, finalizados ou não, foram transportados para

3. os
outros locais – áreas de assentamento permanente ou temporárias (mas onde
seriam utilizados).

Figura 19: Lasca de basalto Figura 20: Núcleos de basalto unipolares com
unipolar com retoque nas partes várias plataformas em outras posições 41
mesial e distal.

etelvino antunes corrêa i (sc-ag-13)

Trata-se de um sítio superficial com área estimada de 1.600 m² (40 x 40


m) e que apresenta uma indústria lítica composta por 27 objetos. Dentre estes
têm-se: lascas unipolares (33%), núcleos (7%), fragmentos de lascas (7%) e
artefatos bifaciais e unifaciais (53%).
Como a maioria das indústrias líticas estudadas nesta região, todas as
lascas unipolares são de preparação e semi-corticais (56% com ½ de córtex).
Os núcleos (2 peças) são unipolares e também semi-corticais. Quanto aos
artefatos bifaciais e unifaciais, todos foram produzidos sobre blocos de
basalto e identificam-se os seguintes tipos: 1) com retiradas periféricas bifa-
ciais em todo o contorno (ou em uma lateral) e terminação em ponta (64%);
2) com retiradas periféricas bifaciais, parte proximal cortical e terminação

32
As lascas bifaciais são delgadas, com perfil longitudinal e, geralmente, curvo. Apresentam
o plano de percussão estreito e, por vezes, formando lábio no canto ventral. Correspondem ao
produto de uma retirada posterior à de preparação, sendo mais característica da finalização e
acabamento dos instrumentos, podendo ser, inclusive, o produto de lascamentos de retoque.
Rio Pelotas, SC:
em ponta (29%); e 3) com retiradas bifaciais em apenas uma extremidade e
terminação em ponta (7%).

Milton Freski I (SC-AG-14)


e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

O sítio Milton Freski I localiza-se sobre uma área de encosta suave e


coberta por vegetação do tipo capoeira. Apresenta uma área estimada de 900
m² (30 x 30 m) e sua indústria lítica compõe 28 peças que se classificam como:
lascas unipolares (28%), lascas bipolares (4%), núcleos (4%), fragmentos de
lascas (14%), fragmentos de núcleos (7%), detritos (4%), termóforos (4%) e
artefatos unifaciais e bifaciais (35%).
UHE Barra Grande

As lascas unipolares são de preparação e, a maioria, acorticais (62,5%).


Os núcleos são unipolares e semi-corticais. Quanto aos artefatos bifaciais e
unifaciais, reúnem-se os seguintes tipos: 1) peças sobre blocos e com retiradas
periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma lateral) e termi-
nação em ponta (80%); e 2) peças sobre lascas, com retiradas unifaciais em
apenas uma extremidades e terminação em ponta.
a contribuição da

Milton Freski II (SC-AG-15)


Estudo

O sítio lítico Milton Freski situa-se na estrada Linha São Roque, em


um platô no alto de um morro coberto por capoeira. A área do sítio foi esti-
mada em 900 m² (30 x 30 m) e sua indústria reúne 72 peças líticas lascadas
e uma lâmina de machado polida. Dentre as peças lascadas, identificam-se
42 lascas unipolares (47%), lascas bipolares (22%), núcleos (7%), fragmentos de
lascas (1%), fragmentos de núcleos (3%), detritos (1%), artefatos unifaciais e
bifaciais (15%) e artefatos brutos (3%).
As lascas unipolares são predominantemente de preparação (94%).
O restante corresponde a lâminas33 (6%) – tais lascas são acorticais (62%)
ou semi-corticais. Os artefatos bifaciais e unifaciais foram produzidos sobre
blocos de basalto e diversificam-se entre os tipos: 1) com retiradas periféricas
bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma lateral) e terminação em
ponta (46%), estas podem ser acorticais ou semi-corticais; 2) com retiradas
periféricas bifaciais, parte proximal cortical e terminação em ponta (27%); 3)
com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou em uma lateral) e
sem terminação em ponta (18%); e 4) com retiradas bifaciais em apenas uma
extremidade e terminação em ponta – estes 3 últimos tipos compõem peças
semi-corticais.
A indústria compõe-se ainda de uma lâmina de machado polida,
medindo 25,3 cm de comprimento, e de dois percutores multifuncionais sobre
seixos de basalto. Destaca-se que instrumentos polidos não fazem parte das
outras indústrias até aqui estudadas.

33
Lascas do tipo lâmina são peças que apresentam o comprimento igual ou superior a duas
vezes a largura (BRÉZILLON, 1977, p. 99).
pElotas
nereu freski i (sc-ag-35)

sítios arquEológicos no valE do rio


O sítio lítico Nereu Freski I localiza-se na parte oeste do canteiro de
obras da UHE Barra Grande, em área de declividade média, a cerca de 30 m
do topo de um morro e apresenta uma área estimada de 2.500 m² (50 x 50 m).
A indústria compõe 23 peças que estão classificadas como: lascas unipolares
(17%), núcleos (17%), fragmentos de núcleos (4%), artefatos unifaciais e
bifaciais (62%).
As lascas unipolares são, predominantemente, de preparação (75%
entre peças acorticais e semi-corticais) e, o restante delas, cortical. Os
núcleos são também unipolares e dividem-se entre peças com e sem córtex
(50% cada). Os artefatos bifaciais e unifaciais, idênticos à maioria das outras

3. os
indústrias, foram produzidos sobre blocos de basalto e classificam-se entre os
tipos: 1) com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou em uma
lateral) e sem terminação em ponta; 2) com retiradas periféricas bifaciais em
todo o contorno (ou apenas em uma lateral) e terminação em ponta (ambos
os tipos com 36%); e 3) com retiradas periféricas bifaciais, parte proximal
cortical e terminação em ponta (28%).

43

Figura 21: Artefato bifacial sobre Figura 22: Artefato bifacial sobre
seixo de basalto com superfície natu- bloco de basalto com superfície
ral cobrindo 1/3 da peça na sua parte natural cobrindo 1/3 da peça na sua
proximal. parte proximal.

nereu freski ii (sc-ag-36)

O sítio lítico a céu aberto Nereu Freski II localiza-se a cerca de 200


m do Lajeado da Gralha, sobre um morro de vertente íngreme. No local,
afloramentos de basalto ficam expostos em meio a nódulos de calcedônia e
ágata.
A indústria deste sítio compõe 28 peças que compreendem: lascas uni-
polares (25%), núcleos (4%), artefatos bifaciais e unifaciais (71%). Assim
rio pElotas, sc:
como verificado em algumas das indústrias
estudadas, todas as lascas deste sítio são unipo-
lares de preparação, acorticais (57%) ou semi-
corticais (43%) e apenas um núcleo unipolar e
semi-cortical faz parte do conjunto. Os artefa-
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

tos bifaciais e unifacias, todos semi-corticais,


dividem-se entre os tipos: 1) com retiradas peri-
féricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas
em uma lateral) e terminação em ponta (50%) -
seus suportes podem ser blocos, seixo, lascas ou
placas de basalto; 2) com retiradas periféricas
uHE barra grandE

bifaciais em todo o contorno (ou em uma lat-


eral) e sem terminação em ponta (30%) - seus
suportes são blocos de basalto; 3) com retiradas
periféricas bifaciais, parte proximal cortical e
Figura 23: Artefato bifacial terminação em ponta (15%) - seus suportes são
sobre seixo de basalto com
placas de basalto; e 4) com retiradas unifaciais
a contribuição da

retiradas periféricas em todo o


contorno, terminação em ponta e em apenas uma extremidade e terminação em
1/3 de superfície natural. ponta (5%) – seus suportes são lascas de ba-
salto.
Estudo

laurentino antunes corrêa (sc-ag-38)

Este sítio SC-AG-38 localiza-se sobre uma área com forte


44 declive (em torno de 45º), voltada para um riacho tributário do rio Pelotas e
compreendendo 2.500 m² (50 x 50 m). Sua indústria lítica totaliza 22 peças
que correspondem a: lascas unipolares (27%), núcleos (23%), fragmentos de
núcleo (5%), detritos (18%), artefatos bifaciais e unifaciais (27%).
As lascas unipolares são de preparação (83% acorticais) e corticais
(17%) e os núcleos, também, unipolares, dividem-se entre peças acorticais
e semi-corticais. Os artefatos bifaciais e unifaciais dividem-se entre os tipos:
1) com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma
lateral) e terminação em ponta (66%) – seus suportes são blocos de basalto; 2)
com retiradas unifaciais em apenas uma extremidade e terminação em ponta
(17%) – seus suportes são lascas de basalto; e 3) com retiradas periféricas
bifaciais, parte proximal cortical e terminação em ponta (17%).

ari fernandes i (sc-ag-94)

O sítio lítico Ari Fernandes I localiza-se sobre um terreno de


declive suave e apresenta baixa densidade de material (30 peças). Sua indús-
tria compõe-se por lascas unipolares (70%), núcleos (17%), detritos (3%),
fragmentos de lasca (7%) e artefatos bifaciais (3%).
As lascas unipolares são de preparação (95%) e corticais (5%) e os
núcleos, também unipolares, dividem-se entre peças semi-corticais (60%) e
Pelotas
acorticais. O conjunto compõe-se ainda por apenas uma peça bifacial sobre
bloco de basalto e que apresenta retiradas periféricas bifaciais, parte proximal

sítios arqueológicos no vale do rio


cortical e terminação em ponta.

João Roque Vingla VI (SC-AG-97 A e B)

O sítio lítico João Roque Vingla encontra-se 300 m a nordeste do sítio


SC-BG-96 e sobre uma vertente de declive suave. Está limitado ao sul por um
riacho que deságua em frente à caverna onde se localiza o sítio SC-AG-24, ou
seja, a uma distância de mais ou menos 600 m. Sua indústria lítica é numerosa,
totalizando 497 objetos, sendo que estes foram encontrados dispersos por toda
a superfície do terreno.
Durante a coleta de superfície, no setor A1, sobre uma área de 160 m²

3. Os
(16 x 10 m), foi identificada uma alta concentração de material lascado de
pequenas dimensões, principalmente lascas e microlascas, que destoavam do
material arqueológico localizado no restante do sítio, caracterizado, princi-
palmente, por objetos líticos de grande porte. Parte desta área foi escavada,
revelando uma estrutura de intenso lascamento, onde a grande quantidade de
vestígios líticos caracteriza todas as etapas de produção de instrumentos. Por
conta dessa diferença, a área do sítio foi subdividida em duas áreas menores:
a área 97A, onde se distribuíam os artefatos de grande porte em superfície e a
área 97B, onde se encontrava uma alta quantidade de peças de pequeno porte
em superfície e em profundidade.
O material arqueológico coletado na área 97A soma 497 objetos
líticos, representados por lascas unipolares (42%), lascas bipolares (4%), 45
núcleos (12%), fragmentos de lascas (5%), detritos (10%), artefatos bifaciais
e unifaciais (25%) e artefatos brutos (2%). O material lítico polido não chega
a contabilizar 1% do total do conjunto.
Na área 97B, os objetos contabilizam 3.019 peças e foram classificadas
como: lascas unipolares (51%), lascas bipolares (2%), núcleos (1%), fragmen-
tos de lascas (14%), fragmentos de núcleos (2%), detritos (30%), e artefatos
brutos (2%). Os artefatos bifaciais e unifaciais não chegam a contabilizar 1%.
Quanto às dimensões das peças destas indústrias, de um modo geral,
o conjunto lítico do sítio SC-AG-97B possui peças relativamente pequenas,
com dimensões que variam entre 3 e 7 cm, enquanto que o sítio SC-AG-97A
é constituído predominantemente por peças de grande porte, com dimensões
que variam entre 5 e 14 cm.
Em ambos os sítios, as técnicas de produção utilizadas pelos artesãos
foram tanto o lascamento unipolar quanto o bipolar. Verificou-se o predomínio
do lascamento unipolar em basaltos e metalamitos e do lascamento bipolar em
calcedônias e quartzos. Quanto aos tipos de lascas unipolares, em ambas as
áreas, as lascas de preparação predominam. Seguem, em ordem decrescente
de popularidade, as lascas corticais, as lascas de biface, as lascas de retoque e
as lascas tipo lâmina, conforme o quadro abaixo:
Rio Pelotas, SC:
Quadro 01: Tipos de lascas e sua incidência nas áreas 97A e 97B.
SC-AG-97A SC-AG-97B
Lasca de preparação 198 1028
Lasca cortical 10 187
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Lasca de biface - 66
Lasca de retoque - 18
Lâmina - 5

Quanto à quantidade de córtex presente nas lascas, a área 97A se


diferencia da área 97B. Enquanto que na primeira as lascas são predominante-
mente acorticais ou com até 1/3 da superfície recoberta por córtex, na segunda,
UHE Barra Grande

as lascas acorticais têm uma frequência de 37,5%, as com córtex em até 1/3
da superfície têm frequência de 29,8% e as corticais diminuem para 14,3%.

Desenho: Adelson André Brüggmann.


a contribuição da
Estudo

Figura 24: Lasca unipolar


com retoque e 1/3 de super-
fície cortical (face 1, perfil e
face 2).

46 Comparada com as outras indústrias, esta maior variabilidade


observada nos atributos que caracterizaram as lascas unipolares na indústria
SC-AG-97B, talvez seja devida a sua alta concentração (1.304 lascas uni-
polares). A alta frequência, tanto de lascas (e suas variações), quanto de
fragmentos de lascas, detritos, lascas bipolares e fragmentos de núcleos,
aliada à ausência de artefatos bifaciais, artefatos unifaciais, artefatos brutos
e polidos, sugere que este sítio corresponde a um local de intensa atividade
de lascamento, denominado na literatura como sítio oficina (PROUS, 1992,
p. 31). O fato deste conjunto também apresentar altas porcentagens de lascas
com cantos reduzidos, atesta que os artesãos preparavam as plataformas antes
de percutí-las, na intenção de obter lascas predeterminadas. Ressalta-se que os
metalamitos utilizados neste sítio correspondem a uma matéria-prima de alta
qualidade de lascamento. Além disso, tais rochas encontravam-se disponíveis
in situ, de modo que não houve a necessidade de deslocamento dos grupos
para adquirí-las. Tais estratégias, aliadas à eficiência técnica destes artesãos,
permitiram uma produção controlada e de alto investimento.
Ao contrário desta indústria 97B, o sítio SC-AG-97A
caracteriza-se pela alta frequência de artefatos bifaciais e unifaciais, totali-
zando 121 instrumentos. Todavia, seus tipos de artefatos bifaciais e unifaciais
mais populares também são os tipos mais frequentes nos sítios já descritos,
pois compreendem peças produzidas sobre blocos de basalto, semi-corticais e:
pElotas
1) com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma
lateral) e terminação em ponta (57%); e 2) com retiradas periféricas bifaciais,

sítios arquEológicos no valE do rio


parte proximal cortical e terminação em ponta (21,4%).
O sítio SC-AG-97B apresenta apenas uma única e pequena peça bi-
facial, sendo esta produzida sobre lasca e com retiradas periféricas bifaciais
em todo o contorno (ou em uma lateral) e sem terminação em ponta. Chama
a atenção que este instrumento não seja de basalto, como todos os outros,
mas de metalamito que corresponde à matéria-prima de todos os objetos desta
indústria.

25 26 27

3. os
28

47
Figuras 27 e 28: Artefatos bifaciais
Figuras 25 e 26: Grande artefato bifacial (26,5 cm sobre lasca de basalto com retiradas
de comp.), desprovido de córtex e com retiradas peri- periféricas definindo ponta em uma
féricas definindo pontas em ambas as extremidades das extremidades, com córtex cobrin-
(faces 1 e 2). do até 1/3 da peça (face 1 e perfil).

No sítio SC-AG-97A comple-


tam a indústria os artefatos brutos e
polidos e estes estão representados
por quatro percutores, três percu-
tores multifuncionais, três seixos
sem modificações e um fragmento
de mão-de-pilão.
Em ambas as indústrias as
peças modificadas são compostas
por lascas unipolares, com retoques Figura 29: Artefatos brutos (percutores) sobre
seixos de basalto (SC AG-97 A).
dispostos preferencialmente na parte
distal do instrumento.
rio pElotas, sc:
Quadro 02: Comparação do número de peças modificadas recolhidas nos dois
sítios estudados
Quantidade de peças modificadas.
SC-AG-97A 31
SC-AG-97B 16
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do
uHE barra grandE

Figura 30: Grande lasca de preparação


(12,5cm de comprimento) em basalto,
apresentando retoques em sua parte distal
(SC AG-97 A).
a contribuição da

Quanto ao sítio SC-AG-97A, é inevitável pensar na possibilidade


da associação entre este e os sítios líticos acima citados, não somente em
função da proximidade existente entre eles, mas, principalmente, pela
Estudo

semelhança morfológica e técnica observada entre os seus artefatos bifaciais


e unifaciais. Segundo a literatura arqueológica tradicional, este conjunto lítico
seria, certamente, correlacionado aos grupos de caçadores-coletores associa-
dos à tradição Humaitá (ver primeiro capítulo). Porém, conforme salientam
48 Dias e Hoeltz (2002), é preciso reorientar as estratégias de análise de sítios
líticos associadas a sistemas de assentamentos de grupos ceramistas, a fim
de verificar a veracidade das definições aceitas atualmente para os grupos de
caçadores-coletores do sul do Brasil.
Deste modo, considerando-se a quantidade e a especificidade dos
artefatos presentes na indústria 97A, majoritariamente de artefatos bifaciais
com retiradas periféricas em todo o contorno e terminação em ponta, esta
parece correlacionar-se a um sítio cujos artesãos desempenhavam atividades
específicas, possivelmente vinculadas às populações ceramistas dos sítios
SC-AG-40 e SC-AG-47 (citados mais adiante). No entanto, é difícil definir
o(s) tipo(s) de atividade(s) exercida(s) no local, pois a funcionalidade destes
grandes artefatos bifaciais (encontrados em quase todo o sul do Brasil) ainda
é uma incógnita. Entre outras possibilidades, podem ter sido utilizados para
derrubar árvores, trabalhar a madeira ou cavar a terra.
Com relação ao sítio SC-AG-97B, esta associação com os demais
sítios líticos e cerâmicos estudados na região não pode ser feita, pois se
constatam claras diferenças em relação às estratégias adotadas na produção de
suas indústrias, que diferem desde a captação da matéria-prima até o modo de
lascamento. Este sítio se aproxima mais das características identificadas em
sítios da tradição Umbu (ver primeiro capítulo), apesar de não ter sido encon-
trada na indústria nenhuma ponta-de-projétil.
Pelotas
Os sítios de estruturas escavadas

sítios arqueológicos no vale do rio


Popularmente conhecido como sítio de “casas subterrâneas”, este
tipo de construção é caracterizado por depressões no solo escavadas inten-
cionalmente por populações passadas. Estas depressões podem apresentar
dimensões diferenciadas, variando desde dois metros de diâmetro até mais
de vinte metros, podendo apresentar-se tanto isoladas como formando agru-
pamentos com até 40 unidades. A profundidade destas depressões também é
variável, ocorrendo desde estruturas com 20 cm até 6 m de profundidade. Esta
variedade de tamanho e de número fez com que os arqueólogos questionassem
a própria denominação de tais estruturas e o seu uso. O termo “subterrânea”,
por exemplo, largamente utilizado, já não explica mais este tipo de construção,
pois há depressões muito rasas. Assim, também, o termo “casa” pode sugerir

3. Os
uma função, a de moradia, o que talvez não defina a função de todas estas
estruturas. Para evitar pré-julgamentos, convencionou-se aqui chamar estes
sítios arqueológicos de “estruturas escavadas”, ou seja, sem especificar sua
função ou a variação de profundidade.
Contudo, a utilização de diferentes abordagens teóricas gerou inter-
pretações diferenciadas, como, por exemplo, com relação a sua construção e
utilização. Para alguns pesquisadores, a diferença entre o tamanho das estru-
turas poderia estar relacionada ao seu uso: as de tamanho mediano serviriam
para moradias familiares, as pequenas serviriam para armazenamento e as
grandes, para realizações de rituais coletivos, ou para habitação e atividades
domésticas, sem questionar o tamanho e profundidade, conforme Schmitz
e Becker (1991). Outras sugestões, como defesa e segregação cerimonial 49
(REIS, 2002) também foram sugeridas.
Por estarem situadas principalmente em locais de grande altitude no
planalto, onde o inverno é rigoroso, estas construções são tradicionalmente
associadas a “adaptações ao frio hibernal e aos solos compactos” (SCHMITZ
et al., 1988). Segundo este autor, o abrigo em uma depressão, com cobertura
de palha e fogo central, com temperatura interna mais elevada que a externa,
seria um local agradável para enfrentar longos invernos. O problema deste
tipo de interpretação, segundo Alberione Reis (2002), é que pouco considera
as premissas de um processo adaptativo (REIS, 2002). Para o autor,

Frio, casa, homem podem não dançar uma ciranda que festeje adap-
tação. (...) Nem sempre as decisões e escolhas de um grupo humano
perante o clima são reduzidas a soluções técnicas. Estas não são
independentes de uma organização social integrada a operações
tecnológicas. Respostas materiais, quer sejam por edificações, ves-
tuário ou localizações, empregadas para proteção ao clima podem
ser socialmente determinadas. (REIS, 2002, p. 43-44).
Rio Pelotas, SC:
Por isso, a habitação é um fenômeno cultural, que traduz um estilo de
vida, não somente uma adaptação ao clima.
Estes tipos de sítios não são exclusividade da região do planalto
meridional brasileiro, podendo ser encontrados em certas partes da Europa e
da Ásia, bem como nos Estados Unidos da América e no Peru (REIS, 2007).
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Porém, apesar desta abrangência espacial, Reis (2007, p. 13) aponta para uma
“disparidade nos dados disponíveis, quantitativamente e qualitativamente”.
Para a autora, que desenvolveu sua pesquisa na década de 1970, para as
estruturas norte-americanas existem informações detalhadas sobre as
características e modificações ao longo do tempo, bem como para o seu
contexto cultural, enquanto que no Brasil “as informações são dispersas
UHE Barra Grande

e fragmentárias, provenientes, na sua maioria, da descrição sumária de sí-


tios, muitas vezes tomados de passagem e sem referências cronológicas”
(REIS, 2007, p. 13). É evidente que desde então surgiram novos dados e inter-
pretações sobre estas estruturas, o que não invalida o debate a respeito deste
tema, principalmente com relação à identidade cultural do(s) grupo(s) que
construíram estas estruturas.
a contribuição da

Durante as etapas de campo, foram registrados seis sítios, com


números de três a onze estruturas em cada sítio, totalizando 32 depressões na
margem catarinense. Destes, durante o desenvolvimento dos três projetos34
Estudo

foi escavado apenas um sítio: o sítio Euclides Granzoto (SC-AG-107).

Euclides Granzoto (SC-AG-107)

50 Este sítio é formado por nove estruturas escavadas alinhadas no sentido


norte/sul, salvo duas, uma mais a leste e outra mais a oeste, ocupando uma
área de aproximadamente 400 m², próximo a um patamar, em meia vertente.
À época do registro, as estruturas apresentaram dimensões medianas, com três
a cinco metros de diâmetro e profundidade entre 0,30 e 1,40 m.
Todas as estruturas pertencentes ao conjunto sofreram alguma
espécie de intervenção arqueológica, caracterizadas por cortes com orienta-
ção norte/sul ou leste/oeste (trincheiras) e/ou quadras demarcadas sobre 1/4 da
estrutura. Durante os trabalhos, foram coletados 485 fragmentos de cerâmica,
posteriormente remontados e agrupados em 143 conjuntos e 227 peças
líticas, além da evidenciação dos níveis de ocupação do sítio, representados
por sucessivas áreas de combustão percebidas dentro das estruturas.
A análise dos fragmentos de cerâmica e das peças líticas foi feita
buscando identificar diferenças e semelhanças entre a cultura material encon-
trada dentro das estruturas e as encontradas nas áreas externas das mesmas.
Aplicando esta metodologia, verificou-se que não existem diferenças signifi-
cativas na cultura material das ocupações mais antigas e das mais recentes, ou
entre o material encontrado dentro das estruturas e o recuperado no exterior
das mesmas.

34
Anteriormente apresentados.
Pelotas
sítios arqueológicos no vale do rio
3. Os
51

Figura 31: Planta baixa do sítio


Euclides Granzoto com suas áreas
de intervenção.
Rio Pelotas, SC:
Na cerâmica, a maioria dos vasilhames apresentam bordas extroverti-
das, diretas verticais e expandidas, além de grande número de bordas com re-
forço na face externa (constatado em mais de 50% dos fragmentos de borda).

Desenho: Letícia Müller


e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Desenho: Letícia Morgana Müller


UHE Barra Grande

Figura 32: Perfis das bordas.


a contribuição da

A intensidade da queima35, constatada na maior parte dos fragmentos


Estudo

foi baixa, caracterizada como redutora em 28% dos fragmentos e oxidação


externa e interna com presença de núcleo interno em 41%, não havendo dife-
renciação entre os níveis mais antigos e os mais recentes das estruturas. Mes-
mo nestes fragmentos onde há oxidação externa e interna, ela acontece de for-
52 ma tão rápida que raramente ultrapassa 1 mm de espessura. Quanto à técnica
de confecção, 58% dos fragmentos são modelados e apenas 3% roletados36.
Devido ao estado de conservação e fragmentação, não foi possível definir a
técnica de confecção de 39% dos fragmentos.
A espessura dos fragmentos permaneceu dentro das características
conhecidas para a cerâmica dos sítios do planalto sul-brasileiro: a grande

35
Segundo Prous (1992), Orton et al (1993) e Chmyz (1966) a queima da cerâmica é o processo
físico-químico que consiste em transformar a argila em cerâmica, por meio de elevação de
temperatura. O resultado do processo de queima da argila depende de uma série de variáveis,
como o tipo de fogueira, o tipo de combustível e temperatura, o tempo da queima e o tratamento
pós-queima. O grau de queima pode ser em parte inferido através dos diferentes tons de cor de
um fragmento cerâmico, a serem percebidos de duas formas: 1) Núcleo, parte central do perfil
e 2) Margens interna e externa. Uma superfície apresentando uma coloração em tons claros
de maneira homogênea pode indicar que as condições de queima foram suficientes para que o
vasilhame alcançasse um equilíbrio. No caso de uma superfície heterogênea (cores distintas –
cinza/preto e tons mais claros) pode indicar uma queima breve, não suficiente para uma queima
total do vasilhame. Em geral, queimas em meio oxidante, ou seja, com a presença de oxigênio,
as cores dos vasilhames podem variar de branco, amarelo, marrom claro e escuro até vermelho.
Já em meio redutor as cores podem variar de azul, cinza e roxo.
36
A técnica de confecção da cerâmica por meios de rolete consiste na superposição helicoidal
de roletes de argila com comprimento variável, partindo da base ou de uma porção de barro
modelado para tal fim, até construir a parede do vaso. Já o modelado caracteriza-se pela técnica
de manufatura, à mão livre, a partir de massa informe, até atingir a forma desejada.
pElotas
maioria apresenta espessura menor que 9 mm, com predominância entre 6 e 9
mm (71%). Não foi constatado nenhum padrão de distribuição das diferentes

sítios arquEológicos no valE do rio


espessuras dentro do sítio, ocorrendo de forma semelhante em todas as estru-
turas.
O grupo que produziu estes recipientes cerâmicos utilizava pouco
a decoração em seus vasilhames, visto que em apenas 2% da amostra (3
fragmentos) percebe-se decoração plástica, classificada como ponteado,
ponteado-arrastado e um terceiro padrão indefinido devido ao mau estado de
conservação. Verifica-se a presença de barbotina em seis fragmentos, aplicada
tanto na face interna quanto na externa.
Mesmo apresentando um mau estado de conservação, é possível obser-
var em mais da metade dos fragmentos marcas relacionadas ao seu uso. Es-

3. os
tas marcas estão principalmente relacionadas ao uso em fogo, predominante-
mente do tipo queima interna com vestígios de alimentação carbonizados no
interior dos fragmentos, formando grossas camadas agregadas ao fundo das
bases e bojos inferiores. Relacionados a estes vestígios carbonizados, tam-
bém se percebe, em alguns fragmentos, sulcos e desgaste na parte interna
dos recipientes, apresentando direcionamento da boca à base. Estes sulcos
foram produzidos depois da queima, muito provavelmente durante a limpe-
za pós-utilização, com o emprego de instrumento semelhante à espátula ou
colher, para desagregar da parede restos de alimento.

53

Figura 33: Fragmentos de cerâmica de uma


vasilha com alimentos carbonizados no interior e
marcas de desgaste interno, no sentido boca-base, Figura 34: Fragmento com marca
por abrasão de um instrumento para misturar ou interna de uso e abrasão vertical
limpar. produzida por instrumento.

35 36 Figuras 35 e 36: Fu-


ligem de uso na face
interna e externa,
respectivamente.
rio pElotas, sc:
Os grupos que ocuparam este sítio não produziram vasilhas de grandes
dimensões, sendo que a maior apresentou diâmetro de 16 cm e o volume
estimado dos recipientes permanecia entre um e três litros. Isto talvez demon-
stre que a confecção de vasilhas estava relacionada à cocção de alimento para
poucas pessoas, como uma unidade familiar, por exemplo.
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

37 38 39

Desenho: Letícia Morgana Müller


uHE barra grandE

Figuras 37, 38 e 39: Vasilhame remontado.

40 41 42

Desenho: Letícia Morgana Müller


a contribuição da
Estudo

54
Figuras 40, 41 e 42: Vasilhame remontado.

Não foram encontradas estruturas de combustão para preparação de


alimentos ou queima de vasilhames cerâmicos nas áreas externas às estrutu-
ras escavadas. Talvez estas atividades fossem desenvolvidas na parte plana
localizada a leste do sítio, onde foram encontrados materiais líticos e
cerâmicos esparsos.
O material lítico é composto de lascas unipolares, lascas bipolares,
fragmentos de lascas, núcleos, fragmentos de núcleos, termóforos, detritos de
lascamentos e blocos naturais. A matéria-prima predominantemente utilizada
foi o basalto (68%), em menores percentuais aparecem calcedônias (14%),
metalamitos (14%) e quartzos (4%) - todavia, trata-se de rochas abundantes e
disponíveis na região em estudo.
As intervenções realizadas nas estruturas evidenciaram uma dispari-
dade entre o número de peças líticas dentro de cada uma delas, variando entre
uma e 18 peças, ou entre 25 e 33 peças (as estruturas “C”, “G” e “H” possuem
o maior número de peças no sítio, respectivamente 33, 25 e 32).
É interessante notar que entre um total de 227 peças líticas coletadas
neste sítio, apenas uma apresenta marcas de uso. Trata-se de um núcleo bruto
de calcedônia de pequenas dimensões com retoques na porção mesial e distal.
pElotas
sítios arquEológicos no valE do rio
43 44

Figuras 43 e 44: Núcleo de calcedônia com retoque e marcas de uso (faces 1 e 2).

3. os
Assim como na cerâmica, não se observam diferenças entre as
peças líticas coletadas nas diferentes estruturas ou nos diferentes níveis de
uma mesma estrutura. Em todo o sítio, as lascas unipolares são as peças
mais frequentes, podendo ser de preparação ou de biface, e assim como
nos sítios líticos de superfície, o tipo de lascamento parece depender da
matéria-prima utilizada: o basalto apresenta lascamento do tipo unipolar e a
calcedônia, preferencialmente, lascamento do tipo bipolar.
Ainda que a área escavada neste sítio seja maior do que nos outros
sítios resgatados, a indústria não apresenta nenhuma categoria de objetos
distinta dos outros assentamentos. As diferenças ficam por conta unica-
mente da frequência destes objetos. O baixo percentual de peças corticais e
semi-corticais indicam que a confecção inicial dos objetos ocorreu em áreas
extra-sítio, sendo transportados pré-formatados para o sítio. A indústria 55
lítica é representada por poucos artefatos, em contraposição às lascas residuais
unipolares (34%) e aos fragmentos de lascas (31%) que representam a
maior parte da indústria. Em menor proporção, foram também identificados
detritos de lascamento (11%), fragmentos de núcleos (7%), termóforos (7%),
núcleos (6%), lascas bipolares (3%) e blocos naturais (1%). Em razão do baixo
percentual de instrumentos e de resíduos de lascamento, pode-se sugerir que
a produção e a utilização dos objetos líticos não ocorreram dentro da área do
sítio, mas em locais externos e não identificados nas escavações.
Parece razoável supor que a área no interior e no entorno das estru-
turas escavadas compreendiam espaços de ocupação onde a dinâmica dos
ocupantes não se relacionava à intensa produção e utilização de instrumentos
líticos e cerâmicos. Todavia, a presença, ainda que escassa, de lascas, detritos,
núcleos e percutores demonstra que ao menos algumas tarefas relacionadas ao
instrumental lítico eram executadas nestes locais.
rio pElotas, sc:
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

Figura 45: Lascas bipolares de Figura 46: Lascas unipolares de metalamito.


calcedônia.
uHE barra grandE

Com relação à forma das paredes das estruturas escavadas em outras


pesquisas no planalto, é comum encontrar nas publicações descrições de
paredes inclinadas em direção ao centro da estrutura, como meia calota (ou
ovóide); paredes verticais em relação ao nível do piso das estruturas ou ainda a
combinação entre elas: de um lado parede vertical e o outro, em forma de meia
a contribuição da

calota (CALDARELLI; HERBERTS, 2002). Destas formas, apenas uma foi


percebida no sítio SC-AG-107, caracterizada pela inclinação da parede oeste
em direção ao centro da estrutura, enquanto que a parede leste se apresentava
Estudo

verticalmente em relação ao piso (estrutura “B”).


As demais estruturas apresentaram um formato diferente do que até
então era descrito na literatura arqueológica: as paredes se inclinavam em
direção ao centro e posteriormente avançavam novamente sobre o solo estéril,
56 assumindo a forma de uma ampulheta. La Salvia (1987, p. 18) descreveu um
caso parecido, que relacionou a depósitos, presentes em algumas estruturas
por ele pesquisadas. Conforme este autor, “não é um elemento comum e a
ocorrência é limitada; em poucas habitações encontramos sua presença. (...)
Sua forma parabólica só nos leva a considerar como depósito, assim como
sua altura”. Nos casos descritos por este autor, estas inserções na parede das
estruturas eram nichos que ocupavam apenas um lado e não toda a circun-
ferência da estrutura, como foi verificado nas estruturas do sítio SC-AG-107.
Na estrutura “G”, esta inclinação da parede em direção ao solo estéril chegou
a apresentar, na base, medidas próximas ao diâmetro de boca, estimado em
4,5 m. O solo apresentou-se muito friável, destoando do solo estéril externo
à cavidade, compacto e argiloso, com coloração homogênea, como pode ser
observado na figura 48. Estes nichos apresentaram alturas variando entre 40
cm a 1 m, desde a base da estrutura.
As estruturas apresentaram profundidades variadas, porém, todas
ultrapassando 1,50 m. A maioria alcançou 2,40 m, altura suficiente para
abrigar confortavelmente uma pessoa em pé. Algumas estruturas eram ainda
mais profundas, como a “G”, que alcançou 3,10 m desde a superfície. Apesar
da profundidade, não foi percebida nenhuma evidência de escada ou rampa de
acesso ao interior da estrutura, talvez localizada na área não escavada.
Ao construírem as estruturas, a terra retirada foi depositada em sua
Pelotas
borda oeste, de maneira a corrigir o desnível do terreno, mais baixo que a
borda leste. Esta correção pode ser observada tanto na superfície quanto no

sítios arqueológicos no vale do rio


perfil da quadra escavada no setor 2.

Solo estéril entre


as duas estruturas

Estrutura “F” Estrutura “G”

3. Os
Figura 48: Detalhe do perfil estratigrá-
Figura 47: Croqui da parede de uma fico das estruturas “F” (esquerda) e “G”
estrutura apresentado por La Salvia (1987, (direita), mostrando o aprofundamento
p. 17). formando nicho.

Em algumas estruturas observou-se um movimento de reocupação


do sítio. Na estrutura “I”, situada ao sul do conjunto, foi evidenciado o que
pode ser uma adequação da casa para uma nova ocupação. Na quadrícula B1,
localizada no espaço central da estrutura, a até 160 cm de profundidade o
solo é escuro e com presença de grânulos de carvão e material arqueológi-
co. Entre 160 até 190 cm o solo se apresentou bastante argiloso, compacto e
estéril, semelhante ao solo que forma os perfis das outras estruturas. A
partir de 190 cm, o sedimento torna-se friável novamente, apresentando em 57
sua matriz material lítico e carvão vegetal. Aparentemente esta camada de
solo argiloso foi colocada propositalmente pelos construtores como contra-
piso para uma nova ocupação.
Para buscar melhor compreender os possíveis processos de reocupação
do sítio, o material cerâmico e lítico foi ordenado em gráficos, de acordo com
o nível coletado, dentro de cada uma das estruturas. Esta estratégia permitiu
verificar que o sítio foi ocupado diversas vezes e que, entre estas ocupações,
aconteceram transformações na sua área, seja pela construção de novas estru-
turas, seja pelo aterramento de outras, nem sempre caracterizando a utilização
de todas as estruturas ao mesmo tempo.
Com esta disposição da cultura material em gráficos pode-se
perceber evidências de reocupação nas estruturas “A”, “B”, “C”, “F”, “G” e
“H”, além de vestígios do que poderia ter sido outra estrutura aterrada, que
não apresentava sinais visíveis em superfície. Esta estrutura foi percebida
durante a escavação de uma quadra em uma área plana ao lado de duas
outras estruturas (setor 5, localizado ao lado das quadras E e F – ver figura
31). Nesta quadra, no nível 50-60 cm, surgiu uma camada de solo friável,
idêntico ao encontrado nas demais estruturas, que aumentava de diâmetro
conforme a profundidade. Nela foram coletados fragmentos de cerâmi-
ca e objetos líticos associados a grânulos de carvão vegetal. Esta estrutura
rio pElotas, sc:
alcançou o nível 160-170 cm e a partir da comparação com as estruturas
próximas, foi interpretada como uma estrutura mais antiga, que no processo
de reocupação do sítio, por algum motivo, foi soterrada para a construção
de outras. Esta nova estrutura foi denominada de “J” e apresentou material
arqueológico em quatro níveis diferentes, conforme o gráfico abaixo:
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do
uHE barra grandE

Gráfico 01: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “J”.
a contribuição da

A estrutura “A”, localizada mais ao norte do sítio, teve seu piso identifi-
cado à profundidade de 1,60 m, onde foi coletado material lítico. Pela análise
Estudo

da estratigrafia chegou-se à conclusão de que esta estrutura teve um período


de abandono após a ocupação inicial, representado por um nível estéril. Mais
tarde, foi reocupada, representada por um nível arqueológico com material
cerâmico e lítico; e seguido por outro período de abandono representado por
58 uma camada estéril. Por fim, uma terceira ocupação percebida a 50 cm de
profundidade, com a presença de material arqueológico até a superfície. As-
sim, os sucessivos estratos percebidos indicam que esta estrutura teria sido
ocupada por, pelo menos, três vezes (ver gráfico 02).

Gráfico 02: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “A”.

Na estrutura “B”, o piso de ocupação foi identificado na profundi-


dade de 1,70 m, percebendo-se também nesta estrutura uma sequência de
pelo menos três estratos com presença de material arqueológico que indi-
cariam períodos de ocupação, intercalados por estratos estéreis que sugerem
episódios de abandono da estrutura (gráfico 03).
pElotas
sítios arquEológicos no valE do rio
Gráfico 03: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “B”.

3. os
Outra estrutura com elementos que sugerem a reocupação do espaço é
a estrutura “C”. Nela foi observada a sobreposição de quatro fogueiras bem
definidas, com a primeira delas, de maior dimensão, instalada sobre o piso
da primeira ocupação, a 2,40 m de profundidade, sucedida pelas demais, que
mediram cerca de 50 cm de diâmetro. A distribuição do material arqueológico
por níveis desde o piso original da estrutura sugere que o processo de reocupa-
ção foi mais extenso, com até seis ocupações separadas por intervalos estéreis
de 10 a 30 cm de espessura, conforme gráfico abaixo:

59

Gráfico 04: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “C”.

Nesta estrutura, enquanto a cerâmica ocorre nos níveis mais antigos,


o material lítico pode ser encontrado desde os níveis mais antigos até os
mais recentes. Foi coletado carvão vegetal para datação, sendo que as duas
datas obtidas confirmam a reocupação da estrutura. Outras quatro datas foram
obtidas, uma na estrutura “G”, duas na “I” e uma na sondagem “B” (estrutura
“C”), todas pelo Laboratório Beta Analytic Inc. (EUA).
rio pElotas, sc:
Quadro 03: Datações obtidas em diferentes estruturas e níveis.
Quadra/
Setor Estrutura Nível Resultado Calibrado
trincheira
980-1210 AD
1 TB C 200-210 970+-60BP (970-740 BP)
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

1210-1320 AD
1 TB C 140-150 720+-60BP (740-630 BP)
1020-1270 AD
1 Sond. B C 190-200 880+-70BP (930-680BP)
1410-1640AD
2 C4 G 50-60 420+-60BP (540-310BP)
1220-1290AD
uHE barra grandE

8 B1 I 250-260 750+-40BP (730-660BP)


1330-1340AD
8 B1 I 30-40 510+-40BP (620-610BP)

O resultado das datas do setor 8 confere com a hipótese de duas ocu-


pações, no mínimo, para a estrutura “I”. Uma destas datações provém de
a contribuição da

amostra retirada abaixo do estrato formado por solo compacto, argiloso e


estéril que ocorreu entre 160 e 190 cm, e a outra, mais superficial, da camada
arqueológica situada acima deste estrato estéril. Porém, cabe dizer que a
Estudo

datação do nível mais profundo da casa pode não condizer com a da sua
construção, pois o carvão analisado não foi coletado sobre o piso original da
casa, situado a 260 cm de profundidade.

60

Gráfico 05: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “I”.

Além destas estruturas apresentadas acima, outras como a “G”, a “F”


e a “H” apresentaram configuração de espaços de ocupação semelhantes.
Não obstante a existência destes níveis sem cultura material no interior das
estruturas, os dados não são suficientes para uma conclusão definitiva a
respeito do número de reocupações que cada estrutura apresentou. Como
nenhuma foi totalmente escavada, os dados baseados na presença de vestígios
arqueológicos são parciais. Outro fator a considerar é que uma possível
sequência de ocupações seguidas por curtos períodos de abandono não
apresentariam camadas estéreis intermediárias identificáveis, dadas as
condições locais do registro arqueológico. Contudo, é inegável que ocorreram
movimentos – ocupações e abandonos da área - de grupos com uma mesma
Pelotas
técnica de confecção de cerâmica e de artefatos líticos durante mais de 500
anos, o que foi comprovado, sobretudo, pelas datações..

sítios arqueológicos no vale do rio


Sítios lito-cerâmicos de superfície

Menos presentes nas publicações arqueológicas, porém, tão


representativos nos sistemas de assentamentos de grupos pré-históricos
quanto as estruturas escavadas, os sítios lito-cerâmicos de superfície
relacionados à tradição Taquara/Itararé podem ser encontrados desde o oeste
da região sul do Brasil até o litoral atlântico. Podem estar próximos às estrutu-
ras escavadas do planalto e/ou sobre sambaquis na costa litorânea.
Os sítios lito-cerâmicos de superfície são aqueles locais onde se
encontram artefatos líticos e cerâmicos na superfície do solo ou à pequena

3. Os
profundidade, remanescentes de um período de ocupação. Comparado ao
estudo de estruturas escavadas, existem poucas publicações sobre o estudo
de sítios lito-cerâmicos de superfície, na maioria das vezes apresentado no
bojo da problemática das estruturas escavadas, ou relacionando a cerâmica às
fases, no período do PRONAPA (ver primeiro capítulo).
Na margem catarinense da UHE Barra Grande foram escavados três
sítios lito-cerâmicos com material em superfície e em pequena profundidade
(SC-AG-40, SC-AG-47 e SC-AG-105). Destes, um possuía maiores dimen-
sões e grande densidade de material arqueológico (SC-AG-40), sendo que os
demais apresentaram baixa densidade de material, conforme descrito a seguir:

João Roque Vingla IV (SC-AG-40)37


61
O sítio João Roque Vingla
IV localiza-se em meia vertente de
pequena inclinação. O sítio possui
uma área de 1.020 m² (34 x 30 m),
e os materiais arqueológicos encon-
travam-se dispersos em superfície
e em profundidade, formando uma
camada arqueológica de 30 cm.
Foram escavados 25% desta área,
o que resultou na coleta de 789 Figura 49: Vista geral do resgate arqueológico
peças líticas e 3.462 fragmentos de (25% das quadrículas demarcada no sítio foram
escavadas).
cerâmica.
Por conta do grande número de fragmentos, a análise da cerâmi-
ca foi realizada por amostragem, tendo sido selecionadas as peças as mais
significativas para análise de todos os atributos. Os fragmentos analisados
compunham-se de bordas, bases e bojos decorados, tendo sido excluída a
categoria bojos simples, que foi somente contabilizada, a fim de tabular a sua
representação real na amostra, que era de 80,78%.
A maioria dos vasilhames deste sítio, assim como observado no sítio
37
O texto sobre a análise de cerâmica dos sítios SC-AG-40, SC-AG-47, SC-AG-98 foram
adaptados de Herberts (In: CALDARELLI, Org., 2003).
rio pElotas, sc:
de estrutura escavada (Euclides Granzoto), foi confeccionada com a técnica
modelada (51,47%), seguida pelos fragmentos acordelados (24,70%) e
indefinidos (23,83%). A queima, no entanto, foi de qualidade superior, com
a maior parte dos fragmentos (44,73%) totalmente oxidada. Isto indica que o
processo de queima deu-se em atmosfera com entrada prolongada de oxigênio,
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

pois a pasta estava clara em toda a sua espessura. A queima redutora parcial,
ou seja, com oxidação parcial, onde o perfil do fragmento apresenta um miolo
escuro com faixas claras em uma ou ambas as faces, representou 34,89%. Os
fragmentos que apresentaram queima redutora total somaram 20,38%.
Assim como no sítio de estruturas escavadas, os recipientes são, em sua
maioria, finos, com espessura variando de 0,3 cm a 1,4 cm, estando o maior
uHE barra grandE

número de fragmentos entre a faixa de 0,5 cm e 0,7 cm. As bases possuíam,


em geral, espessura maior que os bojos.
Como tratamento da superfície, identifica-se banho com barbotina,
brunidura e alisamento. A brunidura foi constatada em 17,96% dos frag-
mentos, tanto na face externa (7,77%) e interna (9,5%) quanto em ambas as
faces (0,69%). Em alguns casos, quando o fragmento formava parte de um
a contribuição da

perfil completo, foi possível verificar que a brunidura não era homogênea,
mas que havia lacunas onde não apresentava o aspecto de cor preta lustrosa,
característica deste tipo de tratamento. A aplicação de barbotina parece ter
Estudo

sido recorrente, pois foi identificado em mais de 98% dos fragmentos. Talvez a
totalidade dos fragmentos apresentasse barbotina; no entanto, este atributo não
pôde ser avaliado nos fragmentos com a superfície desagregada pela erosão.
Marcas de uso foram constatadas na superfície de 35,41% dos fragmen-
62 tos, caracterizadas por queima em ambas as faces, fuligem na face externa,
fuligem na face interna e restos de alimentos carbonizados no interior.

Figura 51: Restos de


alimentos carbonizados na
Figura 50: Marcas de queima na face interna dos fragmentos.
superfície externa dos fragmentos.

Apenas 6,2% dos fragmentos apresentaram decoração plástica, com


uma grande variedade de formas, representados, pelas combinações de inciso,
ungulado, ponteado, carimbado, pinçado e estocado.
Pelotas
sítios arqueológicos no vale do rio
3. Os
Desenho: Ana Lucia Herberts.
63

Figura 52: Decorações plásticas em fragmentos cerâmicos do sítios SC-AG-40.

Poucos fragmentos puderam fornecer informações quanto à distri-


buição da decoração na vasilha, pois em 57,69% das peças a decoração cobriu
toda a superfície do fragmento, o que não significa que estes fragmentos não
possam ter pertencido a vasilhas com decoração zonal. Porém, em 42,31%
dos fragmentos a decoração é claramente zonal, ou seja, não cobre toda a
superfície do pote.
As ceramistas desta população confeccionavam seus potes com bor-
das, preferencialmente, diretas, na forma vertical (31,59%), inclinada externa
(30,77%) ou inclinada interna (0,27%). Bordas extrovertidas somaram apenas
5% e em 32,42% dos fragmentos não foi possível identificar o tipo de borda.
Quase todos os fragmentos de borda (96,43%) não apresentaram reforço, seja
externo ou interno. Em somente 0,27% foi identificado reforço externo, porém
duvidoso. O lábio, por sua morfologia, apresentou-se, arredondado (55,77%),
rio pElotas, sc:
plano (17,86%) e apontado (21,98%)
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

Figura 53: Perfil de bordas: direta vertical (a-c), dire-


ta inclinada externa (d–e) e direta vertical com reforço
de borda externo (f).
Desenho: Ana Lucia Herberts.
uHE barra grandE
a contribuição da

Em algumas bordas, identifica-se um acabamento diferenciado. Elas


são levemente onduladas, conforme figuras 54 e 55. Em um estudo sobre a
tecnologia ceramista dos Kaingang paulistas, Miller (1978) documentou
Estudo

duas vasilhas com bordas onduladas semelhantes às encontradas no sítio


SC-AG-40, que o autor associou a “produto de aculturação” (MILLER, 1978,
p. 15). Como no sítio SC-AG-40 não foi encontrado nenhum indício de conta-
to, talvez a presença de bordas com acabamento ondulado, embora não sejam
64 comuns nas vasilhas relacionadas à tradição Taquara, podem ocorrer espora-
dicamente, sem que sejam necessariamente prova de contato. Deve ser salien-
tado que este sítio foi datado pelo método de carbono 14, fornecendo uma data
calibrada de 1.640 AD, antes, portanto, da ocupação luso-brasileira da região.

54 55
Desenho: Ana Lucia Herberts.

Figuras 54 e 55: Vasilha reconstruída


graficamente com borda ondulada.
pElotas
Outra borda com características diferenciadas foi encontrada neste
sítio. Ela possui um furo a 1,8 cm de distância da boca. O furo tem forma

sítios arquEológicos no valE do rio


circular, com dimensões de 1,1 cm na face externa e 0,7 cm na face interna.
Foi confeccionado após a queima da cerâmica, através do desgaste provocado
por objeto pontiagudo, no sentido da face externa em direção a face interna da
vasilha. O objetivo deste furo nos recipientes cerâmicos é discutido entre os
arqueólogos. Para alguns serviria para suspender a vasilha sobre o fogo. No
furo era amarrado algum tipo de cordão, que ligava ao lado oposto na vasilha,
onde provavelmente teria outro furo. Porém, esta hipótese é contestada atual-
mente por outros pesquisadores, que afirmam servir estes furos para remendo
de vasilhames rachados, evitando a sua quebra definitiva. Desta forma, seriam
feitos furos nas duas laterais da rachadura, depois amarrados com um cordão38.

3. os
Desenho: Ana Lucia Herberts.

Figuras 56 e 57: Fragmento de borda com orifício.

Das 18 vasilhas reconstruídas graficamente, 89% possuem contorno


simples e 11% infletido. A forma das vasilhas reconstruídas são meia esfera,
cônica, elipsóide, meia calota, semi-ovóide e cilíndrica. Analisando as repre-
sentações gráficas das vasilhas, observa-se que estão representados todos os 65
tipos de formas características da tradição Taquara, desde grandes e profundos
vasilhames até vasilhames menores e mais rasos, com volumes variando entre
35 ml e 5.927 ml.
Desenho: Ana Lucia Herberts.

Figura 58: Formas das vasilhas


reconstituídas graficamente.

Além dos vasilhames, neste sítio o material cerâmico também apre-


sentou sete tortuais de fuso. Caracterizam-se por peças de cerâmica de forma
discoidal ou circular, com um orifício central. Foram confeccionadas a partir
do reaproveitamento de fragmentos cerâmicos de vasilhas quebradas, o que
38
O pontilhado ao redor do furo no desenho representa o desgaste ocorrido provocando dimen-
sões maiores na face externa em relação à interna.
rio pElotas, sc:
pode ser percebido pelos vestígios de alisamento nas laterais e pela inclina-
ção da parede. A técnica empregada foi o polimento do fragmento cerâmi-
co até obter a forma desejada, arredondando a periferia. O furo poderia ser
realizado com picoteamento, e em alguns fragmentos, estes sinais de
picoteamento foram observados na superfície, para iniciar a perfuração da
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

peça.
59 60
uHE barra grandE

Figuras 59 e 60: Face externa e interna (respectivamente) dos tortuais de fuso.

Estes sete tortuais permitiram reconstruir a cadeia de confecção destes


a contribuição da

artefatos, pois todas as fases de produção estão representadas. O tortual


inferior esquerdo encontra-se em primeira fase de confecção, caracterizada
pelo desgaste das extremidades por polimento, buscando produzir uma forma
Estudo

arredondada. A peça ao seu lado também está em processo de confecção. A


forma já é praticamente circular e o furo foi iniciado na face externa, mas não
concluído, da mesma maneira que na peça seguinte que, no entanto, ainda não
apresenta os furos concluídos.
66 Já o tortual de fuso que está na linha inferior à direita está no último
estágio de confecção, apresentando forma completamente circular. No entan-
to, o furo está incompleto, pois em ambas as faces a perfuração foi apenas
iniciada. Nas peças da linha superior, o processo de confecção foi concluído
e, por isso, poderiam ter sido utilizados. O tortual é parte de um instrumento
denominado fuso, descrito por Ribeiro (1987, p. 352):

A fiação do algodão exige o uso de um implemento: o fuso.


Consta de uma vareta afinada em sentido póstero-anterior e
castão, com incisão, saliência chanfrada ou gancho na ponta,
para prender o fio. A aproximadamente 10 cm da extremidade da
haste é adaptado o tortual, que pode ser de cerâmica, pedra, osso,
casco de tatu, jabuti, etc. Quando de cerâmica, o disco do fuso é
geralmente feito pela mulher
(...)
Tortual do fuso - Dispositivo adaptado à parte inferior da
vareta do fuso destinado a imprimir-lhe movimento rotatitvo e, ao
mesmo tempo, impedir o resvalo da linha bobinada (idem,
p. 392).
pElotas
A presença destes instrumentos indica a fabricação de cordéis e o uso
de fibras têxteis vegetais. Não foram encontrados vestígios têxteis ou fibras

sítios arquEológicos no valE do rio


vegetais nas escavações, assim como materiais fito-faunísticos, o que não quer
dizer que não tenha havido aproveitamento destes recursos, por parte destas
populações, já que as condições naturais não permitiram a preservação destes
vestígios.
Tão abundantes e ricos quanto o material cerâmico neste sítio foram
os objetos líticos, com 789 peças. O conjunto de objetos líticos encontrados
é composto de lascas unipolares (26%), lascas bipolares (34%), bloco natural
(3%), fragmentos de lasca (18%), peças brutas (1%), fragmento de núcleo
(1%), termóforo (menos de 1%), detritos de lascamento (14%), núcleos (3%)
e artefatos bifaciais e unifaciais (3%).

3. os
Neste sítio, os artesãos empregaram tanto o lascamento unipolar quanto
o bipolar para a produção de seus artefatos. Ao comparar estas duas técnicas
de percussão com os tipos de matérias-primas empregadas novamente, o que
se observa é uma nítida associação entre a técnica de percussão e a matéria-
prima, ou seja, entre o lascamento unipolar e o basalto, e o lascamento bipolar
e a calcedônia. Esta correlação ainda não está muito clara na bibliografia, mas
o fato das calcedônias apresentarem-se naturalmente sob a forma de pequenos
geodos, faz com que a técnica bipolar seja a mais adequada para o lascamento
deste tipo de matéria prima.

67

Figura 61: Lascas bipolares de calcedônia


e quartzo hialino. Figura 62: Lascas bipolares em calcedônia.

Quanto aos tipos de


lascas unipolares, observam-
se altas frequências de lascas
de preparação, seguidas por
lascas corticais e lascas do
tipo lâmina, com predominân-
cia de planos de percussão Desenho: Adelson Brüggmann.
lisos. Assim como no sítio Figura 63: Bloco natural de calcedônia, com retoque em
SC-AG-107, as lascas são, ambas as faces e 1/2 da superfície apresentando córtex.
preferencialmente,sem
córtex, ou então, apresentam córtex em apenas 1/3 da sua superfície. Tais
características sugerem que o início das atividades de lascamento ocorreu fora
rio pElotas, sc:
do sítio, de modo que os blocos de partida foram transportados para o sítio
parcialmente preparados.
No sítio SC-AG-40, os artefatos bifaciais e unifaciais estão representa-
dos por 23 peças. A maior parte dessas apresenta retiradas periféricas bifaciais
em todo o contorno (ou apenas em uma lateral) e uma terminação em ponta
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

(34,7%); outras possuem retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno


(ou apenas em uma lateral), e sem terminação em ponta (30,4%) e, há também
peças com retiradas periféricas bifaciais, na parte proximal cortical e termi-
nação em ponta (26%). As peças apresentaram-se com córtex em até 1/3 da
sua superfície (60,8%) ou em até 2/3 (26%). Indistintamente, estes artefatos
foram, preferencialmente, produzidos sobre blocos.
uHE barra grandE

64
a contribuição da
Estudo

65

Desenho: Adelson Brüggmann.

Figura 66: Artefato bifacial, sobre bloco, com


68 1/3 de superfície cortical.

Figuras 64 e 65: Artefato bifacial


sobre bloco de calcedônia, coberta
por mais de 2/3 de córtex e sem
terminação em ponta, de modo
a conferir-lhe um formato oval
(faces 1 e 2).

Apesar da alta frequência de


lascas e detritos de lascamento, os artefa-
tos brutos e polidos estão também repre-
sentados nesta indústria, por um percutor
multifuncional e cinco alisadores de Figura 67: Alisadores de cerâmica.
cerâmica.
Com a análise da cultura material do sítio SC-AG-40, sugere-se a
possibilidade de que este sítio represente um assentamento permanente (sítio
habitação), considerando-se a alta frequência de lascas bipolares (utilizadas
em atividades específicas), a recorrência de artefatos bifaciais e unifaciais,
a presença de artefatos brutos, como os alisadores de cerâmica, e as evidên-
cias de locais de combustão (fogueiras). Segundo Kooyman (2000, p. 129),
pElotas
sítios habitação apresentam, provavelmente, diferentes tipos de instrumentos,
devido à variedade de atividades que são executadas no local. O autor argu-

sítios arquEológicos no valE do rio


menta que pode haver também a produção de muitos detritos, em função da
confecção e reparo de instrumentos, devido ao longo tempo de permanência
do grupo. Podem, inclusive, apresentar núcleos e blocos preparados (blanks)
de matérias-primas trazidas de outros locais. Por outro lado, sítios especializa-
dos (onde são realizadas tarefas específicas) apresentariam uma variabilidade
restrita de instrumentos, com os instrumentos presentes refletindo a atividade
empreendida no sítio (por exemplo, pontas-de-projétil para caça). O autor
acrescenta que “o aspecto mais óbvio desta área de estudo é que os processos
de manufatura de instrumentos líticos se fazem através de vários estágios, e
somente estágios particulares ou conjunto de estágios poderiam evidenciar

3. os
um tipo particular de sítio” (Ibid.), o que confirmaria a hipótese deste sítio
representar um assentamento permanente.

João maria fernandes viii (sc-ag-47)

O sítio lito-cerâmico João Maria Fernandes VIII localiza-se em meia


encosta, às margens da estrada geral que leva ao eixo da barragem da UHE
Barra Grande. Durante a escavação foram coletados 84 fragmentos cerâmicos
e 955 objetos líticos.
Diferentemente dos sítios anteriores, a análise do modo de produção
dos vasilhames cerâmicos mostrou uma provável predominância da técnica
acordelada (43,21% dos fragmentos), com o modelado representando uma
pequena parte do conjunto. Porém, devido ao alto índice de fragmentos onde 69
a forma de confecção não pode ser identificada (55,56%), estes números
podem não refletir a realidade.
Quanto à queima, a cerâmica é semelhante à do sítio SC-AG-40, apre-
sentando uma proporção maior de queima oxidante (54,32%). Os demais
fragmentos apresentam oxidação externa e interna com presença de núcleo
(3,70%), oxidação externa com núcleo interno (12,35%), oxidação interna
com núcleo externo (2,47%) e queima redutora (27,16%).
A cerâmica também se apresenta fina, com espessura variando entre
0,4 a 0,9 cm, ficando a maioria dos fragmentos ente 0,4 e 0,7 cm. Quanto
ao acabamento da superfície, não foi identificada brunidura, enquanto que o
uso de barbotina ocorreu na superfície de todos os fragmentos, nas seguintes
proporções: 95,06% em ambas as faces, 2,47% na face externa e 2,47% na
face interna. É provável que a barbotina estivesse
presente em ambas as faces de todos os fragmen-
tos cerâmicos, mas em virtude de processos de
erosão, tenha sido eliminada.
Os fragmentos simples (não decorados) Desenho: Ana Lucia Herberts.
representam a maior parte do material cerâmico Figura 68: Fragmento deco-
(95,06%) e a decoração plástica na superfície é rado com inciso zig-zag.
observada em 3,70%, ou seja, em três fragmen-
rio pElotas, sc:
tos. Estes apresentam os seguintes motivos: ungulado vertical, inciso zig-zag
e inciso losangulado.
Apenas 16% do total apresentam marcas de uso, caracterizadas por
fuligem na superfície externa, queima na face interna e restos de alimento
carbonizados no interior.
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

Entre as bordas, as de forma direta são maioria neste sítio, di-


vididas entre vertical e inclinada externa. Não se observou nenhum
fragmento com reforço na borda, porém, em 37,50% não foi possível identi-
ficar a existência deste atributo, devido às péssimas condições de conserva-
ção do material. As formas dos lábios são dos tipos arredondado (37,50%),
apontado (12,50), plano (12,50%) e não identificado em 37,50% das peças.
uHE barra grandE

Nenhum fragmento de base foi encontrado.


A indústria lítica deste sítio é composta pelas seguintes formas
básicas: lascas unipolares (58%), lascas bipolares (2%), núcleos (1%),
fragmentos de lasca (20%), fragmentos de núcleo (20%) e detritos (18%).
Artefatos unifaciais, bifaciais e termóferos totalizam menos de 1%.
Quanto à técnica de lascamento, novamente observa-se uma associa-
a contribuição da

ção entre a técnica de lascamento unipolar e a rocha basáltica e a técnica de


lascamento bipolar e a calcedônia. As lascas unipolares são, na maioria, de
preparação e acorticais (68%), e completam o conjunto lascas corticais e
Estudo

lâminas.

70

Figura 69: Lascas bipolares em Figura 70: Lascas unipolares em


calcedônia. basalto.

Nesta indústria, os artefatos bifaciais foram produzidos sobre blocos


de basalto, são semi-corticais e estão representados por apenas dois tipos: três
peças com retiradas periféricas bifaciais, parte proximal cortical e terminação
em ponta, e uma peça com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno
(ou em uma lateral) e sem terminação em ponta.

Figura 71: Artefato sobre bloco de basalto com retiradas peri-


féricas em todo o contorno e uma terminação em ponta, com
aproximadamente 2/3 de córtex remanescente em sua superfície.
Pelotas
Considerando-se a proximidade geográfica e as semelhanças verifica-
das entre suas indústrias líticas e os fragmentos cerâmicos, pode-se sugerir

sítios arqueológicos no vale do rio


que os sítios SC-AG-40 e SC-AG-47 estão relacionados. A cerâmica neles
recuperadas, segundo a literatura, classifica-se como pertencente à tradição
Taquara e quanto ao tipo de assentamento, parece que o sítio SC-AG-40 repre-
senta um local de ocupação permanente (sítio habitação) e o sítio SC-AG-47,
uma extensão deste, porém, onde os habitantes desempenhavam atividades
específicas, como a de lascamento.

Ivo José de Melo (SC-AG-105)

O último sítio lito-cerâmico escavado foi o SC-AG-105. Este se

3. Os
localiza sobre um platô próximo ao sítio de sepultamento SC-AG-100 e em
frente a outro sítio de sepultamento, o sítio SC-AG-98. Apresentava seu mate-
rial arqueológico disperso em uma área de aproximadamente 50 x 25 m, com
40 cm de profundidade máxima. O material arqueológico mostrou-se muito
fragmentado e fora do contexto original de deposição, em razão de a área
ter sido utilizada para agricultura e, portanto, constantemente revolvida pelo
arado.
Os mesmos fatores antrópicos responsáveis pela descontextualiza-
ção e destruição das estruturas arqueológicas neste sítio também agiram
sobre os fragmentos cerâmicos, provocando uma grande fragmentação e má
conservação. No total foram coletados 124 fragmentos, sendo que apenas
onze puderam ser remontados.
Dos fragmentos coletados, 27 apresentam técnica de 71
confecção modelada. Entretanto, devido às pequenas dimensões, na
maioria não foi possível definir tais técnicas. Diferentemente dos demais sítios
lito-cerâmicos de superfície, neste não foi observado o uso da técnica acorde-
lada para a produção dos vasilhames.
O tipo de queima predominante foi a oxidação total (37%), seguido por
oxidação externa com núcleo interno (22%) e em menor número, a oxida-
ção externa e interna com presença de núcleo redutor e oxidação interna com
núcleo externo (18% e 16%, respectivamente). A redução total foi verificada
em oito fragmentos, ou seja, em 7% das coletas.
A espessura dos fragmentos permaneceu dentro da média dos
demais sítios estudados, ou seja, entre 0,4 e 0,9 cm. Destes, apenas três
foram identificados como bordas, todas de pequenas dimensões, diretas e sem
reforço.

c
a b

Desenho: Letícia Morgana Müller.


Figura 72: Perfis de bordas diretas.
rio pElotas, sc:
Neste sítio, coletou-se um fragmento que apresenta um orifício
confeccionado propositalmente. Foi identificado como um fragmento de bojo
de pequenas dimensões, partido verticalmente no centro do orifício. Este
orifício foi confeccionado após a queima através do desgaste da superfície
com o auxílio de um objeto pontiagudo, sentido da face externa em direção a
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

face interna da vasilha, semelhante à borda com furo encontrada no sítio João
Roque Vingla IV (SC-AG-40).
uHE barra grandE

Desenho: Letícia Morgana Müller.

Figura 73: Fragmento cerâmico com furo.


a contribuição da

No caso deste fragmento, o estado de conservação, as pequenas dimen-


sões e o fato de pertencer ao bojo do vasilhame impedem a interpretação da
finalidade do orifício, se para suspensão do vasilhame ou para o conserto de
Estudo

uma eventual rachadura.


No tratamento dado a superfície dos recipientes, verificou-se a presença
de engobo em dois fragmentos, um com barbotina na face interna, um na face
externa e um com barbotina em ambas as faces. Também coletou-se um frag-
72 mento com aparentes resquícios de brunidura, não confirmada devido ao mau
estado de conservação.
A decoração plástica está presente em nove fragmentos (8,1%), sendo
que em 45% dos fragmentos esta não pôde ser definida em razão do péssimo
estado de conservação. Entre os decorados, foram identificadas as decorações
do tipo ponteado (1 fragmento), losangulado (4) e corrugado (1), este último
pouco comum em sítios associados à tradição Taquara.

Desenho: Letícia Morgana Müller.

Figura 74: Tipos de decoração: a) corrugado, b-e) inciso losangulado, f) ponteado.

Marcas de uso foram identificadas em 12 fragmentos cerâmicos,


caracterizados por vestígios de queima interna (10) e vestígios de queima
externa (2).
A indústria lítica deste sítio totalizou 65 peças e é composta, princi-
palmente, por objetos de calcedônia (89%), cuja matéria-prima encontrava-
Pelotas
se dispersa sobre a superfície e arredores do sítio sob a forma de geodos.
Em menores frequências ocorrem peças de basalto. Novamente observa-se a

sítios arqueológicos no vale do rio


relação lascamento bipolar x calcedônias e lascamento unipolar x basaltos,
pois não se identifica nenhuma peça bipolar sobre basalto (embora ocor-
ram peças unipolares de calcedônia). As lascas unipolares são de preparação
(69%), de biface (23%) e retoque (8%), tendo a calcedônia como a matéria-
prima predominante.
Dentre os objetos produzidos, as lascas bipolares de calcedônia (28
peças) são as mais freqüentes em todos os níveis, exceto na superfície.
Seguem os fragmentos de lascas (15), as lascas unipolares (13), os termófo-
ros (4), os fragmentos de núcleos (3) e os detritos (2). Embora não se tenha
observado uma alta frequência de peças semi-corticais (35%), a disponibi-

3. Os
lidade de geodos silicosos na área e a alta popularidade das peças bipolares
sugerem que os artesãos tenham transportado tais matérias-primas até o
sítio, para então darem início às produções. Considerando-se que a indústria
compõe-se principalmente por lascas, é provável que estas fossem utilizadas
dentro da área do sítio e empregadas em atividades domésticas, que envolves-
sem poucos esforços – como raladores de alimentos, perfuradores de couro,
etc.
As transformações provocadas pelo intenso uso do solo para agricul-
tura provocaram a completa descontextualização e a forte fragmentação dos
artefatos, dificultando assim uma interpretação mais aprofundada deste sítio.
Apesar desta fragmentação, a comparação entre estes materiais e os encontra-
dos nos outros dois sítios lito-cerâmicos (acima expostos), sugere-se que este
sítio faça parte do sistema de assentamento dos dois primeiros sítios, apesar de 73
não se dispor de datações que comprovem tal hipótese. Porém, a larga utiliza-
ção da calcedônia com lascamentos bipolares, a cerâmica predominantemente
oxidada e a existência de um fragmento com furo sustentam tal suposição,
na medida em que estes dados caracterizam também os materiais do sítio
SC-AG-40.

Sítios cerimoniais

Além da produção de artefatos e do local de habitação, há outros


espaços que estão relacionados ao dia-a-dia e, principalmente, à cosmologia
das populações ceramistas que habitaram a região. Trata-se dos locais cerimo-
niais e de sepultamento. Estas estruturas, apresentando ou não montículos no
interior de “cordões” de terra em relevo, foram documentados desde a década
de 1950, por Menghin, em Misiones (Argentina) e posteriormente, por Rohr
(1971), Chmyz e Sauer (1973), Ribeiro e Ribeiro (1985) nos três Estados do
sul do Brasil. A bibliografia oscila, em suas interpretações, entre “danceiros”
e estruturas funerárias (ou ambos associados, sendo as danças parte do ritual
funerário), já que até aquele momento não haviam sido encontrados ossos no
interior das estruturas pesquisadas.
Rio Pelotas, SC:
Esta associação se dava principalmente pela interpretação de
dados da literatura etnohistórica, onde locais de sepultamentos e de habita-
ção são descritos para os grupos da encosta e planalto sul. Nestes relatos, é
comum encontrar registros da construção de montículos sobre o sepultamento,
tanto de grupos atribuídos aos Kaingang (MABILDE, 1983; BORBA, 1908;
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

CIMITILLE apud VEIGA, 2000) quanto aos Xokleng (TAVARES, 1910;


BOITEUX, 1911; VASCONCELOS, 1912; PAULA, 1924; KEMPF, 1947 e
HENRY, 1964). A diferença entre os relatos destes dois grupos é a presença
da cremação para os Xokleng. Para Copé (2007, p. 20), além da literatura
etnohistórica, há também um uso generalizado, por parte dos arqueólogos,
do termo “montículo” para “depósitos de tierra, para los terraplene y para los
UHE Barra Grande

montículos propriamente dichos, ocasionando problemas de comunicación e


interpretación entre los profesionales. (...) los arqueólogos consideraron todas
las elevaciones como montículos funerarios, lo que no es el caso”.
Durante o desenvolvimento dos projetos foram escavados quatro
sítios de estrutura anelar na margem catarinense, além do cadastro de mais
seis sítios. Os materiais arqueológicos recuperados nas escavações destes
a contribuição da

quatro sítios são semelhantes, tanto no que diz respeito aos objetos líticos
quanto à cerâmica. Todavia, em relação ao modo de sepultamento, algumas
diferenças foram observadas, como por exemplo, a forma de deposição e o
Estudo

acompanhamento. Por outro lado, não há dúvidas que todos são frutos de
ritual de cremação.

João Roque Vingla VII (SC-AG-98)


74
O sítio é caracterizado como uma estrutura de aterro com forma circu-
lar, com um montículo no centro. Está localizado às margens da estrada, no
topo de uma colina, próximo de outro sítio semelhante (SC-AG-100) e de dois
sítios lito-cerâmico a céu aberto (SC-AG-40 e SC-AG-105).
As escavações no montículo central evidenciaram duas concentrações
distintas de ossos e de carvão. Na primeira delas, no nível 10-20 cm, a estru-
tura media 80 cm de diâmetro, e associados aos ossos e ao carvão ocorreram
fragmentos de cerâmica. A segunda concentração, entre os níveis 50-70 cm,
estava situada ao lado da primeira, e possuía uma forma ovalada alongada e
extensão maior, com dimensões máximas de 1,5 m e 0,5 m. Nela foram iden-
tificadas pequenas concentrações de ossos totalmente desagregados. Na base
da estrutura havia também argila solidificada pelo calor da fogueira. A quanti-
dade de carvão era grande, alguns fragmentos com mais de 10 cm de diâmetro,
tendo sido identificados fragmentos de nó de pinho.
Figura 75: Croqui do sítio SC-AG-98.

3. Os sítios arqueológicos no vale do rio Pelotas


75
rio pElotas, sc:
O material cerâmico deste sítio totaliza 55 fragmentos que, remontados,
reduzem-se a 14 fragmentos e 2 vasilhas praticamente completas (ver figura
76 as vasilhas reconstituídas e no quadro 04 suas características). Destes, a
técnica de confecção constatada é modelado (dois fragmentos), acordelado
(três fragmentos) e indefinido (11 fragmentos). Os tipos de queima predomi-
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

nantes, assim como os das cerâmicas dos sítios lito-cerâmicos de superfície já


expostos, foram oxidação total (sete fragmentos) e oxidação externa e interna
com presença de núcleo (seis fragmentos). Apenas três fragmentos apresen-
tam queima redutora total.
uHE barra grandE

a Figura 76: Formas das vasilhas:


esférica (a) e meia calota (b).
a contribuição da

b
Estudo

A espessura máxima da parede dos fragmentos cerâmicos varia entre


0,5 cm e 0,8 cm e foi constatada marca de uso em apenas um fragmento, do
76 tipo fuligem externa. Foi identificado apenas um fragmento com decoração
plástica, caracterizada por linhas incisas. A forma da borda foi direta verti-
cal (dois fragmentos) e não identificável (um fragmentos), sendo ausente o
reforço de borda. O lábio foi do tipo arredondado (um fragmentos), apontado
(um fragmentos) e não identificável (um fragmentos).

Quadro 04: Sítio SC-AG-98 - Informações básicas das vasilhas

ATRIBUTOS

N º de catálogo 05 08
Diâmetro da boca 7 cm 12 cm
Altura máxima 8,3 cm 4 cm
Largura máxima 7,5 cm 12 cm
Espessura máxima 6 cm 6 cm
Técnica de confecção Modelado Modelado
Oxidação externa e Oxidação externa e
Queima interna com presença de interna com presença de
núcleo núcleo
pElotas
Ambas as faces
Estado de conservação Não erodido
parcialmente erodidas

sítios arquEológicos no valE do rio


Alisamento em ambas as
Tratamento de faces Barbotina em ambas as
superfície Barbotina em ambas as faces
faces

Decoração Simples Simples


Extrovertida inclinada Direta inclinada
Forma da borda
externa externa
Abertura Não restringida Não restringida

3. os
Reforço de borda Ausente Ausente
Forma do lábio Arredondado Arredondado
Forma da base Arredondada Arredondada
Forma do ombro Convexo Simples
Forma do pescoço Côncavo Retilíneo
Forma da vasilha Esférica Meia calota
Contorno Inflectido Simples
Volume 284 ml 218 ml

Além das vasilhas, foi coletado junto aos ossos da primeira


estrutura um tortual de fuso fragmentado com as mesmas características
daqueles descritos para o sítio SC-AG-40. Possui dimensões de 2,9 x 2,4 cm, 77
furo de 0,5 cm de largura e espessura máxima da parede 0,65 cm.
Desenho: Ana Lúcia Herberts

Figura 77: Tortual de fuso (fragmentado).

Foram coletadas 15 peças líticas no sítio SC-AG-98. Trata-se de uma


indústria composta de lascas e detritos de basalto e de calcedônia. Entre as
lascas unipolares analisadas, 82% são de preparação e 18% são corticais. As
lascas de preparação não apresentam superfície natural. Não foi encontrado
qualquer artefato com marcas de uso.
Os remanescentes ósseos da estrutura 2, mais profunda, eram com-
postos por 487 fragmentos de ossos humanos cremados, onde apenas 24%
possuíam mais de 10 mm. Destes, 87% possuíam entre 10 e 19 mm, o que
mostra a grande fragmentação e dificuldade em identificação dos ossos e do
sexo do indivíduo. Não obstante, foi possível verificar que todas as partes do
corpo estão representadas, desde o crânio até a cintura pélvica.
Rio Pelotas, SC:
Quadro 05: Representatividade dos ossos na estrutura 2, em quantidade e porcentagem
Identificação Quant. %
Identificados 6 5
Vértebras 2 2
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Costelas 26 22
Ossos longos 32 27
Epífises 7 6
Crânio 37 32
Não Identificado 7 6
UHE Barra Grande

Nesta estrutura, a área onde estavam depositados os ossos foi


utilizada para cremar o corpo de um indivíduo adulto, diagnosticado pelas
suturas do crânio em obliteração (PEREIRA e ALVIN, 1979) e pela união
da epífise do úmero à sua diáfise, encerrando o período de crescimento. Este
indivíduo possuía sinais de hiperostose porótica, que é uma transformação
na tábula craniana dada pelo espessamento da parte esponjosa, causada pela
a contribuição da

falta de algum elemento no sangue, como o ferro (causando a anemia). Esta


transformação dá ao osso grande porosidade na face externa.
No ritual de sepultamento, a cremação foi comprovada pela
Estudo

concentração de carvão junto aos ossos e confirmada em laboratório, com a


análise dos mesmos. A queima foi intensa, pois a maior parte dos fragmentos
possui coloração branca, ou seja, ultimo estágio da cremação, quando o osso
se torna calcinado. Para a queima, entre outros combustíveis, foi identificado
78 o uso de nó-de-pinho, importante fonte calórica, abundante na região. Sobre
esta área de cremação foi construído um montículo, com terra retirada tanto
da área entre o anel e o montículo como também de áreas externas à estrutura.
A colocação dos ossos da estrutura 1 provavelmente se deu após o
montículo pronto, quando foi revisitado para ser realizado um novo enterra-
mento de ossos cremados. O material osteológico encontrado nesta estrutura
(nível 10-30 cm), compõe-se de 1.257 fragmentos de ossos, nenhum deles
apresentando um grau de integridade maior de 50%. Deste total, apenas 835
ossos possuíam dimensões maiores que 10 mm, sendo que destes, 72% pos-
suíam até 20 mm. O elevado grau de fragmentação apresentado pode ser
decorrente da ação do fogo, mas principalmente resultado da ação tafonômica.
Durante a escavação foram observados ossos longos penetrados por raízes
e terra, ocasionando a fragmentação, muitas vezes, nas fissuras ocasionadas
pela queima. Desta forma, ossos longos, como o rádio, tíbia e fêmur, estavam
possivelmente inteiros na época da deposição.
Com esta fragmentação, a identificação dos ossos ficou prejudicada,
sendo possível classificar apenas 150 fragmentos. Os demais foram ordenados
quanto ao tipo de osso, considerando suas características físicas, sendo utiliza-
pElotas
das as categorias chato, ossos do crânio39, vértebras e corticais40, conforme o
gráfico abaixo.

sítios arquEológicos no valE do rio


3. os
Gráfico 06: Identificação dos fragmentos em porcentagem.

Com a identificação dos ossos, verificou-se que nesta estrutura havia


dois indivíduos adultos (também confirmado por meio da obliteração das
suturas cranianas), identificados devido à duplicidade da porção petrosa
direita e das cabeças de mandíbula esquerda. A cremação aconteceu em outro
lugar, pois a estrutura de onde foram recolhidos possuía menos de 80 cm de
diâmetro, área definitivamente pequena para cremar dois corpos de indivíduos
adultos.

78 79 79

Figura 78 e 79: Fragmentos de crânio com quase completa obliteração


das suturas, face externa (esquerda) e face interna (direita).

As marcas nos ossos causadas pelo fogo indicam que a cremação


ocorreu quando ainda havia partes moles aderidas aos ossos, o que pode ser
evidenciado pelas deformações nos ossos longos41 (ver figuras 80 e 81) e pelas
fissuras transversais curvas42. A queima também foi intensa, produzindo na
39
Os ossos do crânio também são chatos, porém nesta classificação estão enquadrados os que
possuem alguma característica que os identifiquem como pertencentes ao crânio, como suturas,
sulcos de veias e artérias.
40
Quando se referem aos fragmentos de ossos longos ou alongados não identificados.
41
Ao serem consumidas pelo fogo, estas partes se contraem, oferecendo tensão ao osso, que
se deforma, podendo, às vezes, se romper.
42
As fissuras transversais curvas com relação ao eixo do osso são indicativos de cremação com
rio pElotas, sc:
maioria dos ossos coloração branca e som metálico quando percutidos.
80 81
Figura 80 e 81: Fragmentos de
ossos corticais com torção e encur-
vamento de uma borda sob outra.
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

Associado a este sepultamento havia um tortual de cerâmica, que é um


artefato relacionado às atividades femininas. Assim sendo, é possível que se
trate do enterro de uma mulher, embora os ossos não ofereçam elementos para
estimar o tipo de sexo. Como patologias, identifica-se hiperostose porótica em
25% dos fragmentos de crânio. E, por fim, constata-se porosidade na diáfase
uHE barra grandE

de dois ossos corticais e numa cavidade do osso etmóide. Todavia, as análises


destes ossos ficaram prejudicadas, devido às pequenas dimensões dos frag-
mentos.
83
82
a contribuição da
Estudo

Figura 82 e 83: Fragmentos de crânio com hiperostose


porótica.

80
Por conter abundante carvão vegetal, foram realizadas coletas na estru-
tura 2 e posteriormente enviadas para obtenção de datações no Laboratório
Beta Analytic Inc. (EUA). O resultado aponta para a construção do sítio no
período entre os anos de 1300-1440 d.C. (BETA - 175188).

Figura 84: Fragmentos de rádio Figura 85: Fragmentos de tíbias remontados.


esquerdo remontados.

carne, enquanto que as fissuras longitudinais são mais freqüentes em cremações sem carne. Este
padrão acontece quando o tecido orgânico que reveste o osso vai se encolhendo devido ao calor,
expondo gradativamente o osso ao fogo.
Pelotas
Silvio Fernandes I (SC-AG- 99)

sítios arqueológicos no vale do rio


O sítio Silvio Fernandes (SC-AG-99) caracteriza-se por uma estrutura
anelar em alto relevo, com três montículos em seu interior. Ele está situado
em um patamar em alta vertente, com vista para a margem esquerda do rio
Pelotas. Foram realizadas 150 coletas, entre artefatos líticos e fragmentos de
cerâmica.

3. Os
81

Figura 86: Croqui do sítio SC-AG-99.

A ocorrência de fragmentos cerâmicos é de baixa densidade, com cacos


fragmentados e mal conservados. No total, foram coletados 91 fragmentos,
sendo que destes, apenas oito foram remontados.
Para a confecção dos vasilhames cerâmicos, a técnica mais utilizada foi
a modelagem, embora três fragmentos apresentem a técnica roletada/acorde-
lada. A queima em estrutura de combustão com presença de oxigênio foi a
Rio Pelotas, SC:
mais recorrente, apresentando o miolo totalmente oxidado (76%). Apenas
3% dos fragmentos apresentam o chamado “coração negro”, ou seja, oxida-
ção externa e interna com presença de núcleo interno de cor negra. Em nove
fragmentos, ou seja, em 11% da amostra, a queima foi redutora, pois as peças
encontram-se totalmente negras.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Quanto à espessura da parede, a maioria (45 fragmentos) dos fragmen-


tos foi classificada como finos, ou seja, com menos de 0,5 cm. Apenas dois
ultrapassaram 1,1 cm e 34 apresentavam espessuras entre 0,6 e 1,0 cm.
No acabamento de superfície, três fragmentos apresentam barbotina na
face interna e três em ambas as faces. Nenhum fragmento apresenta brunidura
ou engobo em sua superfície. De toda a coleção, poucos são os fragmentos
UHE Barra Grande

que apresentam alguma marca de uso. Três apresentam vestígios de queima


interna e somente um, vestígios de alimento carbonizado no interior.
O estado de conservação dos fragmentos foi o grande responsável pela
perda da informação e pela falta de identificação dos tipos de decoração. Em
toda a coleção, apenas dez fragmentos puderam ser classificados quanto à
presença ou ausência de decoração, sendo oito classificados como simples e
a contribuição da

dois como decorados. No restante, não foi possível identificar o tratamento de


superfície/decoração, devido ao grau de desgaste que apresentavam
Estudo

Figura 87: Decoração plástica da cerâmica:


a) inciso oblíquo; b) inciso zig-zag.
a
a bb
82 Desenho: Ana Lucia Herberts.

Assim como nos demais sítios, as bordas diretas são as predominantes,


além de não constar nenhum tipo de reforço. Todos os lábios se apresentam
arredondados.
Desenho: Letícia Morgana Müller.

Figura 88: Bordas diretas.


b

Os vestígios líticos são também pouco numerosos, somam apenas 59


peças. As principais matérias-primas empregadas são os blocos de rochas
basálticas que se encontram à disposição, inclusive na forma de afloramentos,
nas proximidades do sítio. O elevado percentual de peças acorticais (45,7%)
e semi-corticais demonstra que as matérias-primas foram processadas inicial-
mente fora da área dessas estruturas. Dentre as peças produzidas, as lascas
de preparação de basalto (28 peças) são as peças mais frequentes. Seguem os
pElotas
fragmentos de lascas (14), os núcleos
de basalto (5) e de calcedônia (1). O

sítios arquEológicos no valE do rio


restante do conjunto é formado por
lascas bipolares e detritos. Compa-
rando-se as dimensões dos núcleos e
das lascas é possível que estas sejam
o produto das explorações destes nú-
cleos.
Figura 89: Lascas bipolares de calcedônia.
Apesar da forma diferenciada
do sítio SC-AG-98, o sítio SC-AG-99
também se caracteriza como estrutura anelar com montículo, porém não foi
possível definir a posição do montículo em relação à estrutura anelar, se ocorre

3. os
no interior ou no exterior da estrutura. Em uma primeira etapa de campo, em
2002, o sítio foi desenhado como sendo duas estruturas em semi-círculo uni-
das com três montículos no interior, sendo dois deles geminados. Em nova
etapa, 2006, este sítio foi redesenhado e teve sua planta-baixa alterada. Verif-
icou-se que aparentemente se trata de um conjunto de dois círculos incomple-
tos e distintos.
A escavação de trincheiras nos três montículos não evidenciou a ocor-
rência de vestígios ósseos humanos, tampouco de áreas de cremação ou
manchas escuras no solo com fragmentos de carvão. Porém, não terem sido
encontrados ossos são significa que a estrutura não tenha abrigado um sepul-
tamento no passado. Talvez a metodologia de escavação, cujo objetivo não era
a exaustão do sítio, mas conhecer seu pacote arqueológico, não tenha eviden-
ciado nenhum enterramento por este se localizar em uma área não escavada. 83
Outra possibilidade para explicar a ausência de ossos é a acidez do solo, que
age fortemente contra a conservação de ossos sepultados sem a cremação.
Caso fosse um sepultamento primário, ele teria desaparecido ao longo do
tempo. Menos provável é a hipótese desta estrutura não ter sido construída
para enterramento, mas para uma finalidade não conhecida.

João roque vingla viii (sc-ag-100)

O sítio SC-AG-100, apesar de sua função claramente funerária, apre-


sentou características que destoaram do padrão, pois possuía um anel aberto
em forma de “U”, dentro do qual foi possível verificar a presença de quatro
montículos: um ao norte, dois geminados, situados ao centro, e outro ao sul.
Estes montículos não eram muito altos; o primeiro apresentou altura máxima
de 40 cm, enquanto que os geminados apresentaram 50 cm e o montículo
situado ao sul, 30 cm. A forma atual da estrutura pode estar relacionada com
a construção da estrada que corta o sítio na sua porção norte, no sentido leste-
oeste e que pode ter alterado sua forma original.
84
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande

Figura 90: Croqui do sítio SC-AG-100.


pElotas
O número de vestígios arqueológicos coletados neste sítio foi pequeno.
Os fragmentos cerâmicos provêm, principalmente, da trincheira B, que corta

sítios arquEológicos no valE do rio


os montículos geminados no sentido leste-oeste, e das quadras subjacentes.
Estes estavam associados diretamente a uma estrutura de enterramento hu-
mano. Foram coletados no total 38 fragmentos, sendo que destes, 21 puderam
ser remontados.
Somente nos fragmentos maiores é possível observar a técnica de
confecção, identificada como modelada. Assim como os demais sítios de
estrutura anelar e nos sítios lito-cerâmicos de superfície, a maioria dos frag-
mentos sofreu queima oxidante (11 fragmentos), seguida por oxidação externa
com núcleo interno (3) e redutora (2).
O acabamento de superfície (barbotina, engobo, brunidura, etc.) não foi

3. os
observado em qualquer fragmento. Não foram encontrados fragmentos com
decoração plástica nem tampouco ocorreu reforço nas bordas, que se apresen-
tam nas formas direta/vertical e extrovertida, com lábios arredondados.
Foi possível remontar dois vasilhames. Estes foram encontrados na trin-
cheira B, escavada no montículo central. Na vasilha “A” observam-se marcas
de uso, caracterizada como queima interna. Esta vasilha tem 8 cm de altura,
6,8 cm de largura máxima no bojo e 6,4 cm de diâmetro de boca. Conforme
o cálculo efetuado para a sua capacidade, o volume interno seria de 200 ml.
Possui forma ovóide, alem de lábio e base arredondados. O tipo de queima é
oxidação total. A técnica de confecção é modelada com superfície simples.

85

Desenho Ana Lucia Herberts


3D: Letícia Morgana Müller.

Figura 91: Vasilha “A”, sítio SC-AG-100.

Próximo ao centro do montículo central, ainda na trincheira B, junto à


estrutura contendo ossos carbonizados e carvão, foram retirados 17 fragmen-
tos cerâmicos de uma mesma vasilha denominada Vasilha “B”. Ela possui 9,5
cm de altura; 8,1cm de largura máxima do bojo e 8,4 cm de diâmetro de boca.
Sua forma é elipsóide, com base e lábio arredondado. A queima é redutora e
a técnica de confecção modelada. Esta vasilha apresenta um volume aproxi-
mado de 600 ml. Sua superfície é alisada, simples.
rio pElotas, sc:
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

Desenho Ana Lucia Herberts


3D: Letícia Morgana Müller.
uHE barra grandE

Figura 92: Vasilha “B”, sítio SC-AG-100.

Quadro 06: Informações básicas das vasilhas

ATRIBUTOS
a contribuição da

N º de catálogo 38 06
Diâmetro da boca 6,4 cm 8,4 cm
Estudo

Altura máxima 8 cm 9,5 cm


Largura máxima 6,8 cm 8,1 cm
Técnica de confecção Modelado Modelado
86 Queima Oxidação total Redutora
Ambas as faces Ambas as faces
Estado de conservação
parcialmente erodidas parcialmente erodidas
Marcas de uso Queima interna -
Decoração Simples Simples
Forma da borda Extrovertida Direta vertical
Abertura Restringida Não restringida
Reforço de borda Ausente Ausente
Forma do lábio Arredondado Arredondado
Forma da base Arredondada Arredondada
Forma do ombro Simples Simples
Forma do pescoço Côncavo Retilíneo
Forma da vasilha Ovóide Elipsóide vertical
Contorno Simples Simples
Volume 236 ml 635 ml

Os objetos líticos identificados nestas estruturas totalizam 26 peças.


Embora compreenda uma indústria menor que a do sítio SC-AG-99, as peças,
em termos de categorias, não diferem. As matérias-primas preferenciais
dividem-se entre os blocos de rochas basálticas (15 peças) e os geodos de
pElotas
calcedônias (10 peças) que se encontram à disposição nas proximidades
do sítio. Com uma baixa quantidade de núcleos e um alto percentual de

sítios arquEológicos no valE do rio


lascas acorticais (77%) e semi-corticais, é provável que os artesãos tenham
elaborado essas lascas em locais fora desta estrutura e as transportado em
seguida para o seu interior. Dentre as peças produzidas, as lascas de prepara-
ção de basalto (11), de calcedônia (2) e de metalamito (1) são as peças mais
freqüentes. Seguem os fragmentos de lascas (6) e os núcleos de basalto (1) e
de calcedônia (3). O restante do conjunto é formado por lascas bipolares. Não
fosse pela maior presença de peças em calcedônia neste sítio, dir-se-ia que
esta indústria lítica é idêntica a do sítio SC-AG-99.

3. os
Figura 93: Núcleo de basalto. Figura 94: Lascas bipolares de calcedônia.

O material osteológico deste sítio foi recuperado em uma única


concentração, que apresentou diâmetro aproximado de 120 cm a 40 cm de
profundidade. Comparada às demais estruturas, esta foi a que apresentou
menor número de fragmentos de ossos e o pior estado de conservação dos 87
mesmos. Em contrapartida, foi a estrutura com maiores dimensões e que mais
apresentou vestígios de carvão vegetal.
O material ósseo totaliza 31 fragmentos, sendo que apenas 35% destes
possuem mais de 10 mm (11 fragmentos). Destes, apenas um tem as dimen-
sões maiores que 20 mm, e 80% possuem entre 10 e 12 mm. Apenas três
ossos desta estrutura foram identificados, sendo duas falanges e um processo
estilóide da ulna. O restante foi identificado apenas quanto ao tipo de osso,
(chato ou diáfise):

Quadro 07: Identificação dos ossos.


Osso Nº de fragmentos
Osso chato 1
Diáfise com crista 2
Diáfise (falange) 2
Diáfise simples 5
Processo estilóide da ulna 1
Rio Pelotas, SC:
Em nenhum osso havia sinais de deformação causada pelo fogo ou
patologias. Tampouco foi possível indicar o sexo. A análise dos ossos apon-
ta para a existência de apenas um indivíduo na estrutura e de acordo com o
tamanho do processo estilóide da ulna, não se trata de uma criança.
Apesar do seu pequeno diâmetro, aproximadamente 1,2 m, é possível
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

que tenha ocorrido a cremação do corpo inteiro no local, o que é indicado pela
presença de todos os ossos e pela quantidade de carvão existente na estrutura.
Para isso, o corpo deveria estar fortemente flexionado, com os membros infe-
riores amarrados junto aos membros superiores e ao tórax, e com o conjunto
depositado em posição vertical em relação ao solo, em posição sentada. Nesta
posição, a área da fogueira seria menor e a alta temperatura proporcionada pela
UHE Barra Grande

queima das vísceras contribuiria para uma queima mais intensa dos mem-
bros. Os ossos encontravam-se, em sua maioria, no centro da fogueira e o
único fragmento de osso chato estava cercado por corticais. Este pode ser
o resultado da cremação do corpo na posição descrita acima, onde os ossos
chatos – crânio, escápula e púbis – tenderiam a se depositar em um mesmo
eixo, transversal ao solo, enquanto que os ossos longos, pertencentes aos
a contribuição da

membros superiores e inferiores, tenderiam a se depositar em um semicírculo


ao redor, pois, apesar de fletidos, tenderiam a desarticular com a queima.
A coloração branca nos ossos indica que a pira pode ter ultrapassado
Estudo

800ºC, uma vez que se encontram quase completamente calcinados. Além


disso, não foi identificado nenhum osso correspondente às regiões do tórax
e do abdome, o que de acordo com a literatura, é comum nestes casos. Por
serem ossos menos espessos, localizados em áreas onde o fogo tende a atingir
88 temperaturas mais elevadas por causa do alto valor calorífico das gorduras e
vísceras, tendem a desaparecer.
Outro fator que influencia na cremação do corpo e que pode fornecer
indícios da posição deste é o relacionado ao esfriamento da fogueira, que
ocorre desde a extremidade em direção ao centro, além da possível mudança
de direção das chamas devido ao vento e do desmonte da pira. Quando o
corpo é cremado inteiro, em posição estendida, os ossos localizados em áreas
marginais da estrutura, como os membros inferiores, tendem a apresentar uma
cremação menos completa, pelos motivos acima expostos. Assim, os ossos
corticais encontrados nesta estrutura com queima completa, ou quase comple-
ta, e sua localização no centro da pira reforçam a hipótese da posição fletida e
vertical do corpo no momento da cremação.
Com a análise da estratigrafia do solo, verificou-se que o nível
da fogueira é próximo ao nível do solo atual, o que permite propor que a
fogueira foi feita sobre o terreno, sendo o montículo construído sobre ela
após a cremação, utilizando solo retirado das áreas próximas. Esse montículo
encontrava-se geminado a outro, que não apresentou nenhum vestígio de
sepultamento, apesar de apresentar um vasilhame quase completo a 80 cm de
profundidade. Nos outros dois montículos não foi percebido nenhum indício
macroscópico de sepultamento; entretanto, a pequena extensão da escavação
não permitiu descartar a sua utilização para este fim.
Pelotas
As datações obtidas com a análise do carvão vegetal recolhido nesta
estrutura, realizadas pelo laboratório Beta Analytic Inc. (EUA), situaram sua

sítios arqueológicos no vale do rio


construção entre os anos de 1.440 e 1.650 d.C. (BETA - 226124)

Murchão (SC-AG-108)

O sítio Murchão (SC-AG-108) é caracterizado por duas estruturas


anelares localizadas em topo de morro, uma ao lado da outra, com apenas um
montículo no interior de cada anel. A quantidade de material arqueológico
coletado foi muito pequena, o que é comum para este tipo de sítio.

3. Os
89

Figura 95: Croqui do sítio SC-AG-108.


Rio Pelotas, SC:
No total, foram encontrados 34 fragmentos de cerâmica, sendo apenas
um na estrutura anelar 2. Destes, apenas dois puderam ser remontados. Assim
como nos outros sítios descritos, a principal técnica de confecção empregada
foi o modelado, totalizando 28 fragmentos. Em quatro fragmentos, o grau de
conservação não permitiu a identificação da técnica empregada na produção.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Foram identificados quatro tipos de queima distintos, sendo a oxidação total a


mais utilizada, seguida por oxidação externa e interna com presença de núcleo
redutor.
Poucos fragmentos alcançam 1,0 cm de espessura. A maioria é com-
posta por fragmentos finos, com menos de 0,5 cm de espessura (78%). Apenas
22% dos fragmentos são identificados como bordas, todas do tipo direta verti-
UHE Barra Grande

cal e sem reforço.

c
a
a contribuição da

Desenho: Letícia Morgana Müller. d


Estudo

Figura 96: Perfil das bordas

Em nenhum fragmento observam-se indícios de engobo, barbo-


tina ou brunidura. Dois fragmentos apresentam decoração plástica. Esta se
90 caracterizada por ser do tipo incisa paralela vertical e imbricada. Com relação
às marcas de utilização, em cinco fragmentos foi possível constatar fuligem
na superfície externa.

Desenho: Letícia Morgana Müller.

Figura 97: Decoração dos fragmentos: a) imbricado;


b) inciso paralelo vertical.

Este sítio de sepultamento apresenta uma indústria lítica um pouco mais


numerosa, porém idêntica à do sítio SC-AG-100, localizado a cerca de 7 km
de distância. As coletas somam 40 peças e, predominantemente, de calcedônia
(21) e de basalto (17). Tem-se apenas uma peça de quartzo e uma de metalami-
to. Ambas as matérias-primas encontram-se disponíveis tanto na área como no
entorno do sítio, facilitando, deste modo, as estratégias de procura e aquisição
de matérias-primas. De qualquer modo, as etapas iniciais de lascamento
parecem ter ocorrido fora da área das estruturas, já que 62,5% das peças são
pElotas
acorticais. Dentre as peças produzidas, os fragmentos de lasca (19) e as lascas
unipolares (12) são as mais populares, seguidas pelos fragmentos de núcleo

sítios arquEológicos no valE do rio


(5), pelas lascas bipolares (2) e pelos detritos (2). Como é recorrente neste tipo
de sítio, nenhum artefato unifacial ou bifacial foi encontrado

Figura 98: Lascas unipolares de basalto.

3. os
No centro do montículo do anel 1 foi encontrada uma
concentração de ossos e carvão entre 20 e 30 cm de profundidade, formando
uma estrutura que se estendeu até o nível 40 cm, denominada estrutura 1. Esta
estrutura apresentou em seu interior 1.121 fragmentos de ossos, dos quais
43% (485) possuem mais de 10 mm, e destes, 87% possuem entre 10 mm e
19 mm.
Comparado às demais estruturas, o estado de conservação destes frag-
mentos é bem melhor, possibilitando, assim, maior índice de identificação. Do
total analisado, 21% puderam ser identificados quanto ao osso e 70% quanto
ao tipo, conforme quadro abaixo: 91
Quadro 08: Identificação dos fragmentos da estrutura 1.
Ossos Quant. Representatividade
Identificados 105 21%
Não identificados 45 9%
Corticais 141 28%
Crânio 167 35%
Chato 15 3%
Vértebras 12 2%
Costelas 10 2%

Figura 99: Falanges da estrutura 1. Figura 100: Úmero esquerdo fragmentado.


rio pElotas, sc:
Não fossem as raízes da araucária
que cresceram sobre o montículo, cau-
sando transformações tafonômicas im-
portantes no enterramento, como fratu-
ras, principalmente nos ossos longos,
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

o número de ossos identificados seria


maior. Outro fator tafonômico respon-
sável pela grande fragmentação foi a
pressão exercida pelo pisoteio do gado
sobre os ossos. Durante os trabalhos Figuras 101 e 102: Fragmento de mandíbula
de escavação observou-se que origi- (vista frontal e perfil).
uHE barra grandE

nalmente os crânios foram depositados


parcialmente inteiros na estrutura, mas com a compactação do solo e pelo pi-
soteio dos animais, acabaram se partindo, resultando em ossos de uma lateral
do crânio sobre a outra. A tafonomia também foi um dos fatores que ocasionou
a deformação em uma lateral direita da mandíbula. Um fragmento quebrou e
agregou à face lingual, junto com sedimento, enquanto que a borda do lado
a contribuição da

direito se voltou para fora (ver figuras 102 e 103).


A análise dos ossos revelou a existência de
pelo menos dois indivíduos na estrutura, identifi-
Estudo

cados principalmente pela repetição do processo


odontóide e pela porção mentoniana da mandíbu-
la. A observação das suturas endocraniais permi-
tiu a definição de uma idade mínima para estes
92 dois indivíduos, fixada em 17 anos, idade em que
inicia o processo de obliteração destas suturas.
Figura 103: Fragmento de crânio
Não foi possível estimar o sexo devido à grande com hiperostose porótica, visto
fragmentação dos ossos e à ausência de ossos com o auxilia de lupa binocular.
diagnósticos para comparação.
Foram analisados 196 ossos chatos de
crânio, entre os identificados e não identificados na estrutura 1. Deste total,
22% apresentam porosidade característica da hiperostose porótica, enquanto
que 12% apresentam leve alteração
na superfície, caracterizado por po-
rosidade.
Um fragmento de mandíbu-
la apresenta um orifício na raiz
do canino esquerdo, bastante
arredondado. Trata-se de uma fístu-
la, causada por processos patológi-
cos compatíveis com abscessos,
granuloma, processos periapicais
Figura 104: Fragmentos de ossos corticais com e periodontais, entre outros, que
diversos graus de queima. causam a perfuração da tábula
óssea.
Pelotas
Quando analisadas as características de queima, os ossos apresentam
de forma quase absoluta a coloração branca, salvo alguns poucos fragmentos

sítios arqueológicos no vale do rio


que apresentam combinações entre branco, cinza e negro. Assim como nas
demais estruturas, esta característica confirma uma cremação intensa e com
altas temperaturas. Ainda com relação à coloração, observou-se que muitos
ossos possuem a área central interior variando de cinza a negra, enquanto que
as áreas corticais são brancas. Este fenômeno parece ter ocorrido durante o
processo de queima, quando o osso se rompeu e o calor terminou penetrando
pelo canal medular.
As fissuras encontradas são de todos os tipos, mas a presença de trans-
versais curvas em ossos longos sugere que a cremação ocorreu quando ainda
existia cobertura de tecido mole, pouco tempo depois da morte. A presença de

3. Os
ossos com deformações (torção e encurvamento) contribuem para esta inter-
pretação.
Diferentemente do sítio SC-AG-100, onde os ossos estavam no
centro da fogueira e o carvão nas extremidades, nesta o carvão não era abun-
dante, mas estava distribuído na mesma área dos ossos. Durante a escavação,
percebeu-se que os ossos estavam organizados em duas concentrações, o que
se confirmou na análise de laboratório: uma destas concentrações era formada
por ossos longos e a outra, por ossos do crânio, separados por um grande
fragmento de madeira semicarbonizado. A estrutura terminava logo abaixo
deste fragmento de madeira, sem apresentar mais ossos. Observou-se que os
ossos dos dois indivíduos estavam dispostos com relativa ordem anatômica,
sugerindo a posição dos cadáveres durante o ritual. Eles estavam dispostos
flexionados, deitados um frente ao o outro, de maneira que os membros de 93
um ficassem sobrepostos aos do outro, com os crânios voltados para o leste
e os pés para o oeste. No lado leste da estrutura, ainda dentro do montículo,
foi localizado um amontoado intencional de blocos de rochas basálticas sem
sinais de fogo ou lascamento.
A escavação deste sítio permitiu uma visão do processo de construção
do montículo e do anel. A base da estrutura, formada por carvão e ossos,
estava a 40 cm de profundidade, apresentando variação de nível menor de 10
cm com relação ao solo no exterior do anel. Isto sugere que a estrutura está em
um nível próximo ao do solo original, tendo a pira sido realizada sobre o solo
e posteriormente encoberta pelo montículo, construído da mesma forma que
o anel, ou seja, com o solo retirado do espaço existente entre estas estruturas,
o que ocasionou o rebaixamento de 20 cm na área interna do anel. Vindo ao
encontro desta conclusão, o montículo e o anel apresentam um pequeno
desnível em relação ao nível do solo fora da estrutura, possuindo o primeiro
50 cm e o segundo 15 - 20 cm.
Esta estrutura foi datada e o resultado aponta para sua construção entre
os anos de 1460-1660 d.C. (BETA – 226125).
A estrutura “2”, situada a 10 m de distância da estrutura “1”, apresen-
tou um anel com 15 m de diâmetro e um montículo com 5,2 m. de diâmetro
O corte realizado sobre o montículo apresentou uma estrutura caracterizada
rio pElotas, sc:
como uma pequena concentração de ossos e um fragmento de carvão, situa-
dos a 40 cm de profundidade. Com apenas 15 cm de espessura e menos de 50
cm de diâmetro, esta estrutura se localizava ao sul do montículo. A escavação
recuperou um maxilar depositado com os dentes voltados para baixo, com a
mandíbula e um fragmento de costela sobre ele, confirmando o sepultamento
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

de ossos desarticulados. Assim como na estrutura “1”, nesta também havia um


amontoado de blocos rochosos, porém depositados abaixo do enterramento.
Elas não apresentaram vestígios de fogo e tampouco marcas de trabalho ou de
uso intencional.
Dos 234 fragmentos de ossos coletados, apenas 92 possuíam dimensões
maiores de 10 mm, e destes, 82% estão no intervalo 10 e 19 mm. Por conta
uHE barra grandE

deste alto índice de fragmentação, 19 puderam ser identificados, sendo os


demais separados apenas quanto ao tipo e conjunto.
Nesta estrutura havia cinco dentes que não tiveram suas raízes destruí-
das pelo calor, por ainda estarem fixos no momento da cremação. Os dentes,
identificados como 1º, 2º molares (esquerdo e direito) e um canino (esquerdo),
estavam no maxilar, com coroa e raízes apresentando cor negra. O canino não
a contribuição da

apresentava mais a coroa, e a raiz estava oca, ainda presa ao maxilar.


Este indivíduo também passou por um ritual envolvendo cremação,
porém, pela disposição dos ossos, pelas pequenas dimensões da estrutura e
Estudo

pela ausência de carvão, é possível afirmar ter sido a cremação realizada em


outro local. Possivelmente os ossos foram cremados com tecidos moles, visto
o encurvamento característico apresentado por uma costela. A cremação tam-
bém foi intensa, com a maioria dos fragmentos apresentando cor branca. A
94 análise paleopatológica também evidenciou a existência de porosidade após
o terceiro molar, que prossegue em direção ao ramo da mandíbula, possivel-
mente relacionada com processos inflamatórios, como periostite ou reações
do organismo a uma lesão.

105 106

107

Figuras 105, 106 e 107: Fragmento


e mandíbula com periostose após o
alvéolo do terceiro molar direito.
Pelotas
O corpo não estava completamente representado nesta estrutura, que
apresentava ossos em bom estado de conservação, apesar da fragmentação.

sítios arqueológicos no vale do rio


Tratava-se de um indivíduo de idade adulta, com idade e sexo não identifi-
cados, devido à pequena quantidade de ossos e à baixa representatividade do
corpo.
Esta estrutura não foi datada, por ter sido recuperado apenas um diminu-
to fragmento de carvão. Porém, com as datações obtidas nas demais estrutu-
ras, e sua semelhança, sugere-se que esta seja contemporânea das demais.

Sítios em abrigos-sob-rocha

Cadastro, prospecções e escavações em abrigos-sob-rocha também têm

3. Os
sido realizados desde a década de 1960 nos Estados do Rio Grande do Sul
e Santa Catarina. É comum encontrar para este tipo de sítio duas associa-
ções culturais diferenciadas: a caçadores-coletores Umbu ou a horticultores
Taquara/Itararé. Os abrigos associados a esta última tradição geralmente pos-
suem sepultamentos no seu interior, conforme as pesquisas de Piazza (1966),
Schmitz (1988) e Miller (1971).
Para Schmitz (1988), em duas fases da tradição Taquara no Rio Grande
do Sul, os grupos sepultavam seus mortos em abrigos sob rocha: a Taquara
e a Guatambu, de acordo com os abrigos escavados. Um abrigo estudado
pertencente à fase Guatambu é a “Gruta do Matemático”, pesquisado por
Miller na década de 1960, no Rio Grande do Sul. Naquela época, já havia
sofrido perturbações e depredação por parte de animais e moradores próxi-
mos. Porém, segundo Miller (1971 apud SCHMITZ, 1988, p. 80), “as evidên- 95
cias foram suficientes para constatar-se que eram do tipo aterro, entrando na
sua formação, terra e restos de xaxim, folhas de taquara e capim. Pequenos
blocos de pedra circundavam os aterros que eram alongados (...) e baixos’”.
Neste abrigo foram encontrados fragmentos de cerâmica, cascas de pinhão,
fragmentos de ossos e dentes humanos.
Na fase Taquara, localizada na encosta leste do planalto, Miller

encontrou abrigos sob rocha ocupados como cemitérios.


As evidências são de poucos sepultamentos de indivíduos in-
fantis e adultos, que estão dispersos pela superfície e a 25 cm
de profundidade. Os sedimentos apresentam restos de poucas
lentes de cinzas e grânulos de carvão. Os artefatos associados
compõem-se de restos de cordas, sacolas, alças de cestos, fura-
dores de osso, contas de colar, peças líticas polidas e fusiformes,
polidores em arenito e raros talhadores lascados. Outros abrigos
podem ter sido usados simplesmente como acampamento de caça
(SCHMITZ, 1988, p. 82).
Rio Pelotas, SC:
Para Dias (2004), as formas de enterrar utilizadas pelos grupos Taquara/
Itararé se caracterizam pela utilização de abrigos-sob-rocha, existentes tanto
na encosta quanto no topo do planalto; as estruturas anelares teriam sido uma
alternativa, na falta dos abrigos.
Em outras pesquisas, a ocupação dos abrigos foi associada a gru-
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

pos que não confeccionavam cerâmica. Em Santa Catarina, Piazza (1974)


pesquisou a área do Planalto de Canoinhas, onde registrou vestígios de grupos
pré-ceramistas (fase Itaió, tradição Umbu) em abrigos-sob-rocha em arenito,
situados ao longo dos cursos de água.
Na década seguinte, Ribeiro et al. (1989), ao escavarem entre os vales
dos rios Taquari e Caí, na encosta do planalto rio-grandense, encontraram
UHE Barra Grande

vestígios da ocupação Umbu, classificados como três sítios em campo aberto,


três apresentando inscrições rupestres e oito abrigos-sob-rocha (um deles com
inscrições rupestres). Após os estudos, concluíram que os abrigos sob rocha, à
exceção de um, foram ocupados pelos grupos da tradição Umbu. Uma datação
de 8.000 A.P. foi obtida no abrigo RS-TQ-58, que apresentou vestígios de três
fases distintas: Batinga, Umbu e Itapuí, todas da tradição Umbu.
a contribuição da

É no bojo destas ocupações pré-ceramistas que está inserido o abrigo


escavado no projeto UHE Barra Grande, margem catarinense, e descrito a
seguir:
Estudo

João Roque Vingla I (SC-AG-24)

O sítio João Roque Vingla I foi identificado em uma gruta com largura
96 de 17,44 m, profundidade de 12,90 m e altura de 4,25 m (medidas máximas).
A gruta é de basalto e apresenta uma queda d’água, formando uma cortina em
sua boca. A abertura está orientada para sudoeste, tendo pouca iluminação no
seu interior. Além da falta de insolação, é bastante úmida e insalubre para ser
habitada.

Figura 108: Vista geral da avaliação arqueológica sendo realizada no interior


da cavidade.
pElotas
O sítio é bastante raso, com concentração de material lítico lascado na
parte frontal e, principalmente, no centro da entrada (próximo à zona de go-

sítios arquEológicos no valE do rio


teira) onde é mais bem iluminado. À medida que se aproxima do interior da
gruta, o material lítico desaparece. Não foram encontrados quaisquer vestígios
de habitação, como carvão, fogueiras, restos de alimentação ou cerâmica.
A matéria-prima utilizada nos artefatos não é proveniente da gruta e
nem do entorno imediato. Trata-se de um basalto de alta qualidade de las-
camento, quase vítreo e de coloração avermelhada, diferente do encontrado
dentro da gruta, que possui uma coloração cinza. O sítio foi ocupado por curto
espaço de tempo, talvez como abrigo das intempéries, tendo sido aproveitado
para a atividade específica de fabricação de artefatos líticos.
As formas básicas do sítio são lascas unipolares (43%), lascas bipolares

3. os
(15%), núcleos (1%), fragmentos de lascas (11%), detritos (29%) e termóforo
(1%). Quanto às dimensões das peças, de todas as indústrias líticas estudadas
no projeto, de um modo geral, o conjunto lítico do sítio SC-AG-24 é o que
apresenta peças com menores dimensões (em média entre 1 cm e 4 cm).
Quanto às técnicas de produção, os artesãos empregaram tanto o las-
camento unipolar quanto o bipolar. Conforme comentado anteriormente, ao
comparar estas duas técnicas de percussão com os tipos de matéria-prima
empregados, o que se observa é uma nítida associação entre unipolaridade e
basalto e bipolaridade e calcedônia.
Quanto aos tipos de lascas unipolares, ocorre uma forte predominância
das lascas de preparação (86%). Seguem em ordem decrescente de populari-
dade as lascas de biface (4%), as lascas corticais (3%) e em menor número,
as lascas de retoque e as lâminas. No que se refere à quantidade de superfí- 97
cie natural presente nas lascas, também se verifica uma semelhança entre os
outros conjuntos. São lascas predominantemente acorticais, ou então, cobertas
em até 1/3 da superfície

Figura 109: Lascas unipolares de Figura 110: Lascas bipolares de


metalamito. calcedônia.

O sítio SC-AG-24 não apresentou artefatos bifaciais e unifaciais;


porém, foi identificada uma pequena ponta-de-projétil, medindo 3,6 cm de
comprimento; 2,0 cm de largura e 0,5 cm de espessura. Trata-se de uma ponta
pedunculada confeccionada em basalto (vítreo), sobre uma lasca (suporte).
Suas bordas apresentam-se finamente retocadas, principalmente no lado
dorsal. Esta ponta-de-projétil, de acordo com a literatura, representa o artefato
típico dos caçadores-coletores da tradição Umbu.
98
Estudo E valorização do patrimônio arquEológico do valE do rio pElotas, sc:
a contribuição da uHE barra grandE

Figuras 111 e 112: Ponta-de-projétil (fotografia e desenho).


Desenho: Adelson Brüggmann.
no
período pré-colonial
4

Rio Pelotas
análise integrada: o vale do
Análise integrada: o vale do Rio
Pelotas no período pré-colonial

A
o final dos trabalhos de salvamento arqueológico no canteiro

4.
de obras da UHE Barra Grande, ficou clara a complexidade
arqueológica da área de estudo. A região compreende um
ambiente cuja formação se iniciou há mais de 100 milhões de anos a
partir do derramamento de lavas vulcânicas. Assim, afloramentos basálticos
são numerosos e geodos de quartzo e calcedônia tornam-se recorrentes em
meio a estas rochas ígneas. Apresenta solo ácido coberto por campos e por
floresta ombrófila mista, onde a araucária se destaca. Este cenário foi o palco
do cotidiano de, ao menos, duas populações culturalmente distintas.
As datações mais antigas apontam para a presença humana na região sul
do Brasil desde 10.000 anos A.P., em um cenário diferente do que conhecemos
hoje. Naquele período o ambiente era seco e frio, consequência da última
glaciação. A temperatura média seria em torno de 5º mais baixa que a média 99
de hoje, os rios teriam pouca água e a fisionomia da paisagem seria de forte
aridez (SCHMITZ, 1991). Para além da paisagem, alguns animais também se
diferenciavam dos atuais, considerando-se que a megafauna ainda não estaria
totalmente extinta. Segundo Jacobus (1991) estes animais possuíam grande
estatura e peso, e eram adaptados a um clima mais frio. Através do estudo
dos fósseis, são conhecidos 18 megamamíferos do período que possivelmente
conviveram com grupos humanos. Não se sabe, ao certo, quando foram extin-
tos, porém acredita-se que sua extinção possivelmente esteja relacionada ao
aumento da temperatura e à passagem para um período mais úmido, ocorrido
a partir de 9.000 A.P. Estes animais eram parecidos com os tatus, preguiças,
hipopótamos, camelídeos e elefantes de hoje, porém de estaturas maiores
(ver figura 114).
A paisagem e a temperatura atual apenas se definiram no começo da
chamada era cristã, marcando um aumento populacional dos grupos humanos
e relativo sedentarismo. Este período também é caracterizado pela introdução
da cerâmica e da horticultura, por populações pertencentes às tradições
arqueológicas Taquara e Tupiguarani. Esta última, vinda através de diversas
frentes migratórias desde a região da Amazônia, ocupou o extremo oeste dos
Estados sulinos, além do litoral, entretanto, não se tem conhecimento de sua
permanência ou passagem na área desta pesquisa.
rio pElotas, sc:
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

1.Lesdodonte; 2. Glossotério; 3.Selidotério; 4. Megatério; 5. Notrotério.


uHE barra grandE
a contribuição da
Estudo

1. Gliptodonte; 2. Panecto; 3. Pampatério; 4. Dedicure; 5. Haptomastodonte.

100

1.Hippidion bonaerensis; 2. Equus (Amerhippus) neogaeu; 3. Estegomastodonte.

Figura 113: Animais da


mega fauna existente no sul
do Brasil há aproximada-
mente 10.000 anos.
Fonte: Jacobus, 1991.

1. Macrauquenia; 2. Paleolhama; 3. Morenelafo; 4. Toxodonte; 5. Esmilodonte.


no
período pré-colonial
As migrações: de onde vieram os grupos que

Rio Pelotas
habitaram o vale do Rio Pelotas?

A ocupação do território está intimamente relacionada aos processos

análise integrada: o vale do


migratórios, o que, de acordo com Anthony (1990) tem sido largamente igno-
rado pelos arqueólogos desde a década de 1970, e, deste modo, tem-se “jogado
fora o bebê com a água do banho”. Para este autor “abordagens arqueológicas
tradicionais para a migração faltam porque uma metodologia para o exame
de migrações pré-históricas deve ser dependente de uma compreensão da
estrutura geral da migração como um comportamento humano padronizado”
(1990, p. 895). Se a estrutura do processo de migração é entendida, as
migrações pré-históricas podem ser reconhecidas pela padronização que

4.
produzem, mesmo nos casos nos quais as causas da migração permanecem
desconhecidas.
Neste livro não se fará uma crítica aos modelos de migrações ou
uma grande explanação sobre o assunto, tampouco se discutirá a interpre-
tação de Anthony (1990) apresentando os contrapontos da arqueologia
pós-processual43; contudo, pode-se concordar com ele quando argumenta que
culturas não migram, mas grupos, com um objetivo orientado. Não são grupos
que seguem andando, “perdidos” pelo território, mas possuem um motivo,
seja ele ambiental, cultural ou social, entre outros.
Por meio das diversas pesquisas desenvolvidas no planalto, é possível
apontar a presença de pelo menos dois grandes grupos com tecnologia de
confecção de artefatos e estilos de vidas diferentes: um ceramista (a tradição
Taquara/Itararé) e outro não-ceramista (a tradição Umbu), apresentados no 101
primeiro capítulo.
Provavelmente vindos do norte da América, os primeiros grupos
humanos a chegarem ao planalto seriam nômades e, de acordo com seu
instrumental lítico, composto por artefatos líticos bem elaborados, como raspa-
dores e pontas de flecha, tinham sua economia baseada na caça e na coleta de
vegetais. Os poucos sítios estudados até agora “deixam claro que, entre 10.000
e 6.000 anos, a população era extremamente rarefeita e vivia em pequenos
grupos familiares que vagavam pelo território, acampando à beira de córregos
ou em abrigos rochosos da borda do planalto” (SCHMITZ, 1991, p. 13). Tais
populações nômades foram denominadas de tradição Umbu.
Estes grupos poderiam ter convivido com os animais da megafauna,
porém não há indícios de que a caça destes animais fizesse parte de sua econo-
mia. O que se encontrou em sítios arqueológicos foram vestígios de animais
de pequeno porte, como tatus, veados, graxaim, gato-do-mato, lontra, preá,
cateto, anta e bugio, entre outros (JACOBUS, 1991).
No início da era cristã, novas construções começam a surgir no
planalto, caracterizando uma nova cultura (material), denominada na arqueo-
logia de tradição Taquara. Para Schmitz e Becker (1991), uma característica
43
A arqueologia pós-processual defende que cada sociedade tem suas leis específicas, e não
como cumpridoras de padrões previstos em leis gerais (RIBEIRO, 2007, p. 90).
Rio Pelotas, SC:
marcante da tradição Taquara é a construção de estruturas escavadas, que
para estes autores, certamente eram moradias. O acesso ao interior destas
estruturas deveria ser por uma escada de madeira, e nas mais rasas, através
de rampas, degraus ou pedras embutidas na parede. Estes grupos fabricavam
recipientes cerâmicos pequenos e praticavam a horticultura. Entre seus instru-
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

mentos estavam grandes artefatos para trabalhar com a terra e com o corte de
madeira. Não possuíam pontas de flecha lascadas.
A origem desta cultura ainda é discutida. Para Schmitz e Becker
(1991) o aparecimento das estruturas escavadas poderia ser uma evolução
regional autóctone, uma vez que pode ser observada uma possível
continuidade das indústrias líticas Umbu-Humaitá-Taquara no Rio Grande
UHE Barra Grande

do Sul, além de ali ocorrerem as estruturas escavadas mais antigas.


Estes grupos seriam, portanto, descendentes dos primeiros caçadores-
coletores habitantes das terras altas (COPÉ, 2008c). Esta hipótese, porém, é
contra-argumentada por Araújo (2007, p. 18), ao afirmar que essa maior
antiguidade “resulta de uma simples relação entre tamanho de amostra e
diversidade”, pois para aquele Estado há 38 datações radiocarbônicas, nove
a contribuição da

para Santa Catarina, onze para o Paraná e seis para São Paulo. Este autor
aponta também problemas na teoria da continuidade da indústria lítica e apre-
senta que as formas da cerâmica no sul do Brasil já estão em avançado está-
Estudo

gio de elaboração tecnológica, e por este motivo não devem ter surgido ali.
Considerando as semelhanças entre a cerâmica associada à tradição Una e a
possibilidade de relação com o tronco linguístico Macro-Gê, Araújo (2007)
defende a hipótese de a tradição Taquara/Itararé ser uma continuidade da
102 primeira tradição, com origem em algum local do norte de São Paulo. Porém,
esta hipótese precisa ser aprofundada através de maiores pesquisas na área e
de um maior número de datações radiocarbônicas.

Os povos na área da UHE Barra Grande

A cultura material certamente não traduz toda a cultura de determina-


dos grupos na forma de objetos, pelo contrário, ela não tem a capacidade de
agrupar o universo de significados que uma cultura possui. As crenças, os
fazeres, o dia-a-dia, as relações de parentesco, os ritos, a língua, todos estes
são elementos culturais que caracterizam grupos, mas que não deixam marcas
materiais. Neste universo, questões mais complexas, como as trocas de obje-
tos entre os grupos, podem tornar ainda mais difícil a interpretação da cultura
material, e consequentemente, dos indivíduos que a produziram.
Entretanto, se por um lado a análise da identidade étnica das popula-
ções fica prejudicada, por outro a cultura material pode revelar muito sobre o
modo de vida dos grupos, entre outros aspectos, as formas de apropriação e
apreensão do ambiente, a organização dos espaços habitacionais e cerimoniais
e as estratégias adotadas na produção dos artefatos líticos e cerâmicos.
O estudo dos sítios arqueológicos na área da UHE Barra Grande
confirmou a ocupação do espaço pelas duas tradições culturais acima indica-
no
período pré-colonial
das, tradições Umbu e Taquara, e estas foram caracterizadas em sítios líticos

Rio Pelotas
de superfície e em gruta, em lito-cerâmicos, em sítios de estruturas escavadas
e em sítios de estruturas anelares.

análise integrada: o vale do


O material lítico

A análise dos materiais líticos atesta inicialmente as estraté-


gias adotadas por estas populações na captação de matérias-primas, na
medida em que os grupos percorriam o espaço geográfico a fim de
explorar as diversas fontes existentes. Na maioria das indústrias, o que se
observa é a predominância das rochas basálticas, seguidas pelas calcedônias e
pelos cristais de quartzo. Exceções a esta ordem ocorrem apenas em três

4.
sítios (SC-AG-97B, SC-AG-40 e SC-AG-105), ressaltando-se que no sítio
SC-AG-97B a preferência ocorreu por uma rocha metamórfica, denomina-
da de metalamito, e nos outros dois, a preferência deu-se pelas calcedônias.
Entretanto, constatou-se que na região afloram com abundância
rochas basálticas associadas a calcedônias e a quartzos, o que demonstra que a
disponibilidade e a abundância de tais rochas foram fatores que auxiliaram a
determinar as estratégias adotadas pelos artesãos na aquisição destas matérias-
primas. Em relação às formas disponíveis do basalto, os grupos optaram pe-
los blocos ao invés dos seixos e das placas; opção esta talvez relacionada à
proximidade dos assentamentos aos afloramentos basálticos que, quando não
in situ, não ultrapassam 1 km. Idêntica observação pode ser feita sobre o sítio
SC-AG-97B, pois a matéria-prima predominante é o metalamito, e este se
encontra em afloramentos, disponível na forma de pequenos blocos rolados. 103
Porém, ressalta-se que, ao contrário dos basaltos, estes metalamitos não se
encontram em abundância, e raramente podem ser avistados disponíveis na
região.
Mas tem-se também a qualidade das matérias-primas, que parece ter
sido outro fator de influência nestas escolhas. Andrefski Jr. (1994) relaciona
a abundância e a qualidade da matéria-prima lítica à produção de instrumen-
tos formais e informais, e tal afirmativa enquadra-se também nesta pesquisa.
Constata-se que qualidades de matérias-primas distintas resultaram em
diferentes indústrias líticas, caso dos sítios SC-AG-24 e SC-AG-97B,
cujos conjuntos líticos diferenciam-se dos outros sítios por apresentarem
matérias-primas que oferecem alta qualidade de lascamento. No sítio
SC-AG-24, a escolha também recaiu em uma rocha basáltica, mas sua textura
(vítrea) favorece o lascamento, diferente, portanto, dos basaltos utilizados na
maioria dos outros sítios. E quanto à sua composição, a indústria reúne peque-
nas lascas unipolares e bipolares e uma ponta-de-projétil (bem elaborada).
No sítio SC-AG-97B, o metalamito, que é uma rocha de excelente qualidade,
resultou também em inúmeras pequenas lascas unipolares e uma pequena peça
bifacial bem elaborada sobre lasca. Destaca-se que nenhuma destas indústrias
compõe–se de artefatos bifaciais de grande porte.
Rio Pelotas, SC:
Diante destas escolhas, pode-se argumentar que a seleção e a aquisição
das matérias-primas estavam diretamente ligadas não somente à disponibi-
lidade, abundância e facilidade de acesso a estas fontes, mas igualmente à
funcionalidade dos sítios e, não menos importante, à tradição cultural do grupo.
Dependendo da indústria lítica analisada, identificam-se
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

ambas as técnicas de percussão – unipolar e bipolar. As lascas bipolares


destacam-se por sua representatividade em seis sítios: SC-AG-11,
SC-AG-15, SC-AG-24, SC-AG-40, SC-AG-98 e SC-AG-105. Em
todos estes sítios verifica-se uma relação direta entre o tipo de matéria-
prima (calcedônia) e a técnica de lascamento (bipolar). Lascas unipolares
são predominantemente de basalto e lascas bipolares de calcedônia. Esta
UHE Barra Grande

correlação ainda não está muito clara na bibliografia, mas o fato da calcedô-
nia se apresentar naturalmente sob a forma de geodos, faz com que a técnica
bipolar seja a mais adequada para o lascamento de pequenos blocos de rocha.
No que diz respeito aos tipos das lascas unipolares, observa-se a
predominância, e em todos os sítios, das lascas de preparação em detrimento
das lascas corticais, das lascas de biface, das lascas de retoque e das lâminas
a contribuição da

(de um sítio a outro estas peças apresentam uma pequena variação percen-
tual). Quanto à quantidade de córtex, também as indústrias se assemelham, os
objetos são preferencialmente acorticais ou semi-corticais (recobertos em até
Estudo

1/3). Essa ausência de lascas corticais em quase todas as indústrias revela que
os blocos de partida foram previamente lascados e então transportados para
os locais de assentamento. Tal procedimento parece coerente, na medida em
que a produção das peças bifaciais e unifaciais de grande porte, recorrentes
104 nas indústrias, exigiam blocos de partida volumosos; deste modo, para evitar
gastos de energia, os artesãos os transportavam já pré-formatados até o sítio.
Exceção a esta característica ocorre no sítio lítico SC-AG-97B, pois
o percentual de lascas corticais é mais significativo, de 14,3%. Trata-se de
um sítio-oficina e, portanto, o alto percentual de lascas corticais se justifi-
ca. Porém, sítios com características diferenciadas revelam que as diferen-
ças não se resumem somente aos tipos de tarefas executadas, mas também à
tradição cultural dos grupos. É o caso dos sítios SC-AG-97B e SC-AG-24, por
exemplo. Conforme observado, o sítio SC-AG-97B representa um
sítio-oficina - área de intenso lascamento -, dado que sua indústria apresen-
ta altos percentuais de lascas residuais, fragmentos de núcleos e detritos e
escassez de artefatos bifaciais e unifaciais de grande porte, artefatos brutos
e polidos. E o sítio lítico SC-AG-24, localizado em uma gruta, apresenta na
sua indústria características semelhantes ao sítio SC-AG-97B, inclusive por
compor matérias-primas de alta qualidade de lascamento (embora de tipos
distintos) e artefatos bem elaborados, com uma ponta de projétil (SC-AG-24).
A diferença mais significativa entre eles resume-se somente à quantidade
total de peças. Também o fato da indústria SC-AG-97B apresentar um per-
centual maior de lascas com redução, atesta que estes artesãos preparavam as
plataformas antes de percutí-las, na intenção de obterem boas lascas e,
provavelmente, suportes adequados para produzirem instrumentos específicos
no
período pré-colonial
e bem elaborados, como o caso da pequena peça bifacial. A explicação para a

Rio Pelotas
diferença quantitativa entre estes dois sítios talvez esteja no tempo de permanên-
cia do grupo no local (até mesmo de reocupações), na quantidade de pessoas e,
talvez, na diferença de proximidade das fontes das matérias-primas utilizadas.

análise integrada: o vale do


Mesmo com estes dois sítios de peças pequenas, são as peças bifaciais
e unifaciais de grande porte que se destacam na maioria das indústrias estuda-
das. Entre elas, a indústria do sítio SC-AG-97A é, de longe, a que apresenta os
maiores percentuais, com 25% do total do conjunto (121 peças). Não obstante,
seus tipos mais populares são comuns a todas as indústrias que os compõem.
Tais tipos têm blocos como suportes e correspondem, em ordem decrescen-
te de frequência, às peças: 1) com retiradas periféricas bifaciais em todo o
contorno (ou apenas em uma lateral) e uma terminação em ponta; 2) com

4.
retiradas periféricas bifaciais, parte proximal cortical e terminação em
ponta; e 3) com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou
apenas uma lateral) e sem terminação em ponta. Chama atenção a recorrência
de resíduo cortical em todos os tipos destes instrumentos, não raras vezes, reco-
brindo-os em até 2/3, demonstrando que se trata de produções que envolveram
baixos investimentos. Além disso, levando-se em conta que foram produzidos
em basaltos que oferecem baixa qualidade para lascamento, é provável que
estes instrumentos tenham sido produzidos para uso imediato (peças expe-
ditivas ou informais). Outro argumento possível é que a disponibilidade e
a abundância destes basaltos possibilitavam o descarte imediato das peças,
levando os artesãos a produzirem novas peças somente quando necessário –
considerando-se ainda que era baixo o investimento que
exigiam. A diferença observada no peso destes artefatos certamente era 105
intencional e estava relacionada ao tipo de tarefa. As peças mais pesadas, por
exemplo, sugerem que o material trabalhado exigia instrumentos resis-
tentes, como no caso do trabalho em troncos de madeira e na remoção
de terra para a construção das estruturas escavadas e anelares. Nestes
casos, o próprio peso do artefato compensava o menor refino da lâmina,
pois, provocando maior pressão sobre o gume, aumentava a sua eficiência.
Outras peças comuns a algumas destas indústrias compostas por
instrumentos de grande porte, dentre elas, as dos sítios SC-AG-15, SC-AG-40
e SC-AG-97A, são as peças que caracterizam populações de horticultores,
como alisadores de cerâmica, machados polidos e percutores multifuncionais.
Nos sítios de estrutura anelar e de estruturas escavadas, tanto os
instrumentos bifaciais quanto todas as outras peças finalizadas e recor-
rentes na maioria dos sítios não fazem parte de suas indústrias. Predomi-
nam, ao contrário, lascas residuais de basalto e de calcedônia. A baixa
frequência de núcleos e de lascas corticais sugere que estas lascas foram
transportadas ao sítio e não produzidas in situ. Todavia, não está clara
qual a representação destas lascas, pois não apresentam nenhum vestígio
visível (ao menos a olho nu) de modificação (retoques ou usos) e
tampouco formam uma sequência operacional parcial ou completa de lasca-
mento. Diante dos escassos dados, as interpretações se abreviam, mas parece
Rio Pelotas, SC:
claro que dentro destas estruturas a utilização de objetos líticos era restrita.
Situação semelhante foi constatada no município de Vacaria
(RS) (SCHMITZ et al., 2002), onde 21 sítios com estruturas escavadas,
contendo material lítico e cerâmico associados, foram localizados nas
proximidades de estruturas anelares. Em algumas destas estruturas, a
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

quantidade de artefatos líticos ultrapassou 100 peças, mas, na maioria, os


conjuntos se apresentaram menores, não excedendo 10 peças. As indús-
trias mais numerosas apresentaram predominantemente lascas unipolares e
bipolares, fragmentos de lascas e núcleos. Os artefatos unifaciais e bifaciais
(talhadores e raspadores) eram pouco frequentes, com proporções menores
que 5%. Nos montículos, foram resgatadas poucas peças: lascas unipolares
UHE Barra Grande

e bipolares, núcleos, fragmentos de lascas e termóforos. Assim como nas


indústrias na área da UHE Barra Grande, as matérias-primas preferencial-
mente utilizadas foram rochas basálticas, calcedônia e quartzo. Outro exem-
plo da baixa frequência de instrumentos em estruturas escavadas pode ser
constatado no planalto sul-rio-grandense, no município de Bom Jesus, onde
uma destas estruturas apresentou um conjunto lítico formado por 134 peças,
a contribuição da

principalmente lascas, fragmentos de lasca, termóforos e núcleos. Os artefa-


tos representaram menos de 10% da amostra (COPÉ et al., 2002, p. 112).
Estes exemplos revelam que no planalto sul-brasileiro é recor-
Estudo

rente a escassez de instrumentos dentro das estruturas escavadas e das


estruturas anelares. Uma das explicações se baseia no fato de as
estruturas escavadas se constituírem em locais de descanso e/ou estocagem
de alimento e, deste modo, as atividades cotidianas seriam realizadas no
106 lado de fora. Do mesmo modo, parece coerente afirmar que locais escolhidos
para ritual e sepultamento não se relacionariam à produção de objetos líti-
cos e tampouco a locais onde estes objetos fossem intensamente utilizados.
A análise das indústrias líticas demonstrou que alguns dos sítios
exclusivamente líticos têm claras relações com estas estruturas escavadas e
anelares, reforçando a importância de que sejam aprofundados os estudos
relacionados às indústrias líticas de populações ceramistas. Considerando-
se unicamente a literatura tradicional, tais sítios líticos compostos pelas
peças bifaciais de grande porte seriam, indiscutivelmente, atribuídos a caça-
dores-coletores da tradição Humaitá; entretanto, estudos mais recentes têm
questionado a veracidade da existência dessa tradição pré-cerâmica ao a
presentarem dados que a contestam veementemente (DIAS; HOELTZ, 2002;
HOELTZ, 2005). Esta pesquisa, portanto, vem somar-se a esses estudos e
ratifica o posicionamento dos pesquisadores, pois se sugere que a área de
estudo compõe um sistema de assentamento de populações ceramistas cujos
sítios líticos de peças de grande porte representam apenas uma fração do todo.

O material cerâmico

Do total de sítios estudados, apenas oito apresentam fragmentos


cerâmicos associados a material lítico. Tais peças estão representadas nos três
no
período pré-colonial
sítios lito-cerâmicos de superfície, no conjunto de estruturas escavadas e nas

Rio Pelotas
quatro estruturas anelares. Destes, apenas os sítios SC-AG-40 (lito-cerâmico
de superfície) e o SC-AG-107 (estruturas escavadas) apresentam uma quan-
tidade razoável de fragmentos (3.462 e 485 fragmentos, respectivamente).

análise integrada: o vale do


No sítio SC-AG-40, com maior número de fragmentos de cerâmica,
diversas formas de vasilhames, que representariam um sítio de moradia, pu-
deram ser reconstituídas. Dentre estas, têm-se as formas esféricas, com pescoço
pronunciado e mais estreito que o bojo, que é ideal para conter líquido, arma-
zenar alimentos e levar ao fogo. E as formas de meia calota, em formato típico
de tigela, “cuja altura é igual ou menor do que o diâmetro máximo, geral-
mente não é restringida e o diâmetro maior se encontra na abertura superior”
(BROCHADO, 1977 In: PROUS, 1992, p. 95), que é ideal para servir alimen-

4.
tos.
Comparado aos demais sítios, este também apresentou grande varie-
dade de decorações plásticas nos fragmentos, chegando a 6% da amostra.
O restante foi caracterizado como simples (sem decoração plástica) e
não identificado. É necessário, porém, considerar que o alto índice de
fragmentos simples não necessariamente significa a predominância
de vasilhames sem tratamento de superfície, pois a decoração plástica
geralmente incide somente sobre uma pequena faixa zonal, cerca de
25% da superfície, e geralmente na porção do bojo inferior. A técnica de
ornamentação plástica dos vasilhames cerâmicos, principalmente dos tipos
incisos, caracterizados por linhas finas, estreitas e em muitos casos equidistan-
tes próximos, foi realizada em pasta seca, pois, segundo Prous (1992, p. 94):
107
As incisões feitas com pasta ainda úmida são largas e têm um
corte transversal em U, com leves saliências laterais. Já as incisões
feitas na pasta seca, com um buril, formam linhas mais irregula-
res, com perfil em V, demonstrando a resistência da matéria. As in-
cisões em pasta fresca podem ser feitas uma a uma, ou com um
pente (por exemplo, uma lasca de bambu com várias incisões),
o que provoca a formação de pequeno grupo de linhas paralelas.

Um elemento pouco recorrente nos vasilhames cerâmicos estuda-


dos é a presença de furos próximos a bordas. Estes podem ocorrer isolados
ou aos pares. Alguns pesquisadores relacionam estes furos a um meio de
suspender a vasilha sobre a fogueira, e estes foram encontrados em material
da fase Guatambu, “cordas que seguravam as vasilhas por meio de um nó feito
no interior” (PROUS, 1992, p. 324). Um fragmento de borda com furo foi
identificado no sítio SC-AG-40 e outro fragmento, porém de bojo com furo,
foi identificado no sítio SC-AG-105 – nestes os materiais líticos e cerâmicos
se assemelham.
Caso estes recipientes fossem suspensos através de cordas sobre as
fogueiras, certamente haveria um atrito entre a corda e a superfície logo
superior ao furo, principalmente quando o recipiente estivesse cheio e pesado.
rio pElotas, sc:
Este atrito certamente deixaria marcas na face externa, ou na face interna, caso
a corda fosse amarrada pelo lado interno, ou ainda na superfície do nó, o que
não parece ser o caso.
Como contraponto à idéia do furo como meio de suspensão, em pes-
quisa realizada no sítio Justino, em Sergipe, Dantas e Lima (2006, p. 135)
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

analisaram um recipiente cerâmico inteiro, que tinha dois orifícios na lateral,


feito através do picoteamento. Tratava-se “[...] de um vasilhame rachado no
bojo, no qual foram feitos furos laterais para amarração, de modo a permitir
seu reaproveitamento, possivelmente para armazenagens” (Ibid.). Os orifícios
se assemelham bastante aos encontrados em Barra Grande, e talvez esta seja a
explicação mais plausível para eles.
uHE barra grandE

Fonte: Dantas e Lima, 2006.

Fonte: Dantas e Lima, 2006.


a contribuição da
Estudo

Figura 114: Vasilha estudada por Dantas e Lima


(2006) com furo para reaproveitamento (superior
esquerda e detalhe dos furos na direita) e frag-
mentos de cerâmica com furo encontrados nos
108
sítios SC-AG-40 e SC-AG-105, respectivamente
(inferior).

Além dos fragmentos de vasilhames cerâmicos, outros objetos foram


encontrados nos sítios SC-AG-40 e SC-AG-98: são os tortuais de fuso. Estas
rodelas foram feitas a partir do reaproveitamento de fragmentos cerâmicos
de vasilhas, que tiveram suas extremidades desgastadas até adquirirem forma
arredondada, apresentando um furo no centro. O tamanho médio é de 3,5 cm
de diâmetro e espessura entre 6 e 8 mm. A existência destes tortuais indica que
estes grupos conheciam a técnica de manufatura de fios vegetais (o algodão ou
a urtiga, por exemplo) e a confecção de mantas através da tecelagem.
A cerâmica encontrada nos três sítios lito-cerâmicos de super-
fície é muito semelhante, sendo a principal diferença a quantidade de
fragmentos encontrados em cada sítio. Enquanto que no SC-AG-40 o total
ultrapassou 3.000 fragmentos, no SC-AG-48 este número não chegou a 100 e
no SC-AG-105, somou pouco mais que isso. Estas diferenças, porém, podem
estar relacionadas às diferentes funções dos espaços ocupados, não às diferen-
ças culturais.
no
período pré-colonial
Com base nas semelhanças entre a cultura material e considerando

Rio Pelotas
a pesquisa realizada por Copé et al. (2002) na área impactada pela mesma
hidrelétrica, porém na margem riograndense44, sugere-se que o sítio
SC-AG-105 corresponda a uma área ligada ao ritual de enterramen-

análise integrada: o vale do


to constatado no sítio SC-AG-98 (localizados um em frente ao outro, a
uma distância de 10 m). Infelizmente, o uso da área para a agricultura
descontextualizou o material arqueológico, destruindo qualquer estrutura
que possibilitasse a obtenção de datação que confirmasse ou refutasse esta
interpretação.
Com relação aos outros dois sítios lito-cerâmicos, acredita-se que, com
a produção em larga escala de vasilhames cerâmicos muito bem queimados
e ornamentados, associados à presença de tortuais de fuso, indicativo de

4.
atividades têxteis, o sítio SC-AG-40 corresponda a um sítio-habitação, e o
sítio AC-AG-47, a uma área de atividade do grupo.
A cerâmica encontrada nas estruturas anelares apresenta-se uni-
forme em seus principais aspectos. Não obstante a pequena quantidade de
fragmentos recuperados, estes são, na sua maioria, provenientes de
vasilhas com paredes pouco espessas, com menos de 0,7 cm. Em dois sítios de
sepultamentos (SC-AG-98 e SC-AG-100) foi possível reconstituir quatro
vasilhas de pequenas dimensões (duas em cada sítio), em geral, com capa-
cidade volumétrica abaixo de 500 ml. A produção dos recipientes parece
ser idêntica em todos os sítios de estrutura anelar, apresentando recipientes
modelados, com queima predominantemente oxidante, pouca decoração,
bordas majoritariamente diretas e sem reforço, e com lábio arredondado.
Poucos foram os fragmentos que apresentam queima redutora ou com oxida- 109
ção externa e interna com núcleo reduzido.
Enquanto os materiais líticos e cerâmicos sugerem um alto grau de
similaridade entre as estruturas anelares e os sítios lito-cerâmicos de super-
fície, isso aparentemente não ocorre quando comparada a cerâmica destes
sítios à cerâmica do sítio SC-AG-107, de estruturas escavadas. Este último
(SC-AG-107), localizado a 130 m de distância do sítio SC-AG-108, de
estrutura anelar, apresentou datações compatíveis à estrutura de sepultamen-
to; porém, a cerâmica encontrada nestes dois sítios apresenta características
distintas.
Entretanto, a cerâmica do sítio SC-AG-107 de estruturas
escavadas é diferente da encontrada nestes sítios lito-cerâmicos e de estruturas
anelares. Nas estruturas escavadas, ditas “casas subterrâneas”, foi observada
uma uniformidade entre as peças encontradas nos níveis mais profundos até
as recuperadas nos níveis mais recentes, já que todas foram produzidas com
técnica modelada e queima predominante oxidação externa e interna, com
presença de núcleo (41%). A presença de reforço em mais de 80% das bordas

44
O estudo da área sítio de estrutura anelar com sepultamento RS-OS-21 revelou que foi iden-
tificado um espaço próximo que os autores relacionaram com atividades rituais, onde foram
encontrados roletes de argila queimada e fragmentos de cerâmica semelhantes aos encontrados
na estrutura (COPÉ et al., 2002).
Rio Pelotas, SC:
e o baixíssimo número de fragmentos com decoração plástica (apenas 2%),
contrasta com a cerâmica encontrada nas estruturas anelares e nos sítios lito-
cerâmicos de superfície.
Baseando-se unicamente na análise dos fragmentos cerâmicos e igno-
rando, em um primeiro momento, a função dos recipientes nos sítios – sejam
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

eles cerimoniais, de habitação ou locais de acampamento rápido - pareceria


que os construtores dos montículos não fossem os mesmos que construíram
e ocuparam as estruturas escavadas. Caso seja utilizada a classificação
estabelecida na década de 1960 pelo PRONAPA, a cerâmica recuperada nas
estruturas anelares e nos sítios lito-cerâmicos de superfície estariam relacio-
nadas à tradição Taquara e a das estruturas construídas, à tradição Itararé.
UHE Barra Grande

Segundo Chmyz (1969), as características que definem a tradição Itararé são a


presença de grande porcentagem de reforços de borda e de bordas expandidas,
associadas à pequena porcentagem de fragmentos com decoração, enquanto
que a tradição Taquara é definida por uma alta porcentagem de bordas diretas
e sem reforço e pela maior incidência de exemplares decorados.
Este modelo elaborado pelo PRONAPA, que propunha a criação de
a contribuição da

fases e tradições culturais baseadas na presença de determinados artefatos,


considerados como “fósseis-guia”, vem sendo criticado atualmente, principal-
mente por não levar em consideração evidências relacionadas com as técnicas
Estudo

de lascamento, padrões de assentamento e relações etnohistóricas, para citar


algumas. Ainda que não seja o objetivo desta pesquisa contribuir para esta
discussão, utilizou-se este modelo para enfatizar as diferenças entre a
cerâmica encontrada nos dois sistemas habitacionais (sítio lito-cerâmico de
110 superfície [SC-AG-40] e estruturas construídas [SC-AG-107]. Para as formas
das bordas, ver quadros nas páginas 52 e 64).
Esta diferença encontrada entre a quantidade de fragmentos de cerâmi-
ca em sítios lito-cerâmicos de superfície e estruturas escavadas também foi
verificada na área de influência direta da UHE Quebra Queixo45, porém de
maneira inversa ao encontrado entre os sítios cerâmicos da margem
catarinense da Barra Grande. Na área da UHE Quebra Queixo, a cerâmi-
ca recuperada nos sítios de superfície é pouco expressiva, sendo raras as
que possuem decoração plástica, o que, segundo a autora, indica que “as
atividades domésticas ligadas à confecção de cerâmica eram pouco desen-
volvidas, e que as atividades de processamento de alimentos pela cocção em
vasilhas eram reduzidas” (CALDARELLI, 2002b, p. 270-271). Já as estrutu-
ras escavadas apresentaram um maior número de fragmentos de cerâmica com
maior variedade de decoração plástica, “o que indica um assentamento em que
a estocagem e o preparo de alimentos para consumo constituíam atividades
mais importantes do que nos sítios a céu aberto”.
Diante destes resultados, é possível identificar quatro diferentes
estratégias de organização tecnológica para uso do espaço: sítios a céu aberto,
abrigos-sob-rocha, estruturas anelares e estruturas escavadas; de modo que
estes grupos pré-históricos correspondem ou a três tradições culturais
45
Área localizada no noroeste do Estado de Santa Catarina.
no
período pré-colonial
distintas, ou duas ocupações (uma pré-ceramista e outra ceramista), porém

Rio Pelotas
com cultura material diferenciada dentro dos sítios cerâmicos.
Os sítios SC-AG-24 e SC-AG-97B, por apresentarem uma indústria líti-
ca completamente distinta das outras indústrias - desde a escolha da matéria-

análise integrada: o vale do


prima até o modo de confecção dos artefatos e local de assentamento - foram
relacionados aos caçadores-coletores da tradição Umbu. De acordo com an-
literatura clássica, tais populações se estabeleceram em diversas regiões do
sul do Brasil, especialmente nas áreas de vegetação não muito fechadas e sua
indústria lítica compõe peças de pequenas dimensões e bem elaboradas, como
raspadores, facas bifaciais, furadores e principalmente pontas-de-projétil (seu
artefato típico). Embora as indústrias em estudo não componham muitos
instrumentos, ambos os conjuntos podem facilmente ser relacionados a esta

4.
população pré-cerâmica.
Os sítios SC-AG-40, SC-AG-47, SC-AG-105 e SC-AG-97A, por sua
vez, parecem interligados. Esta hipótese sustenta-se pela proximidade geográ-
fica que apresentam, pela semelhança de suas indústrias líticas e de seus
fragmentos cerâmicos (os três primeiros, que são lito-cerâmicos). A cerâmica
destes três sítios apresenta elementos característicos, segundo a literatura, da
tradição Taquara.
Todavia, o sítio SC-AG-40 apresenta características de um
sítio-habitação, ou seja, local de permanência do grupo; já os sítios
SC-AG-47 e SC-AG-105 correspondem a extensões daquele, mas apre-
sentam características de locais voltados a atividades de lascamento ou à
organização do ritual de sepultamento. Do mesmo modo, o sítio SC-AG-97A,
embora exclusivamente lítico, parece corresponder a um local de tarefas ainda 111
mais especializadas do que os outros dois, dado o alto percentual de peças
bifaciais. Embora a funcionalidade destas peças bifaciais de grande porte
ainda mereçam estudos mais detalhados, parece que o local restringia-se à
utilização daqueles artefatos.
Os outros sítios líticos restantes, situados na periferia dos anteriores,
por apresentarem similaridades entre seus conjuntos líticos e os dos sítios
SC-AG-40, SC-AG-47, SC-AG-105 e SC-AG-97A, provavelmente fazem
parte da mesma tradição ceramista. Seriam assentamentos-satélite, menores,
com atividades mais voltadas para o lascamento, como observado no sítio
SC-AG-47. Somente no sítio SC-AG-15, que apresenta um conjunto lítico
mais diversificado do que o dos outros sítios, os seus artesãos talvez tives-
sem exercido atividades domésticas, sugerindo corresponder também (como
o sítio SC-AG-40) a um sítio-habitação. Todos estes sítios parecem formar um
grande sistema de assentamento de populações da tradição ceramista Taquara/
Itararé e, interligados, compreendiam locais de assentamento permanente
(habitação) e locais de ocupação temporária, onde seus habitantes realizavam
tarefas diárias e expeditivas
rio pElotas, sc:
o sítio de estruturas escavadas e suas características
peculiares

O sítio SC-AG-107, único sítio de estruturas escavadas pesquisado na


margem catarinense, apresenta uma série de especificidades, observadas na
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

forma de construção das paredes das estruturas e nas características de sua


cultura material. Durante a etapa de campo já se vislumbrava a possibilidade
da ocorrência de sucessivos processos de reocupação e transformação do
espaço, sugeridos pela presença de estratos argilosos estéreis separando níveis
de cultura material dentro da estrutura “I”, pelas sucessivas estruturas de com-
bustão observadas dentro da estrutura “C” e pela evidenciação de uma estru-
uHE barra grandE

tura intencionalmente soterrada denominada estrutura “J”. Entretanto, foram


as datações obtidas que sustentaram ainda mais esta hipótese.
Somando as datações obtidas em dois sítios da primeira fase do pro-
jeto, foram realizadas dez datações radiocarbônicas em diferentes tipos de
sítios: três estruturas anelares (sítios SC-AG-98, SC-AG-100 e SC-AG-108),
um lito-cerâmico de superfície (SC-AG-40) e seis datações em diferentes es-
a contribuição da

truturas escavadas do sítio SC-AG-107. Projetando em gráfico comparativo os


períodos prováveis de construção, tem-se a configuração abaixo:
Estudo

112

Gráfico 07: Resultado das análises de C14 em diferentes estruturas pesquisadas


no Projeto Barra Grande, margens catarinense46 e riograndense47 e no Projeto
UHE Campos Novos48. No eixo Y os nomes dos sítios, no eixo X faixa de ano
provável para sua construção (A.D.).

Com estes resultados, verificou-se que, com exceção das estruturas


de sepultamento SC-AG-98 e RS-PS-29A, todas as demais podem ter sido
construídas em uma mesma época, o que explicaria as semelhanças
observadas na forma de sepultar. Já quando se comparam as datações das
estruturas anelares com o sítio de estruturas escavadas, percebe-se que o
sítio SC-AG-107 (estruturas escavadas) apresenta dois períodos de ocupação
46
Sítios SC-AG-40, SC-AG-98, SC-AG-100, SC-AG-107 e SC-AG-108.
47
Sítios de estrutura anelar RS-PS-21 e RS-PS-29 (COPÉ et. al., 2008a).
48
Sítio de estrutura anelar SC-AG-12 (DE MASI, 2003).
no
período pré-colonial
que podem ser contemporâneos ao período da construção da estrutura anelar

Rio Pelotas
SC-AG-98, apesar da diferença encontrada na cultura material. A última
ocupação do sítio de estruturas escavadas ainda pode coincidir com o período
onde as estruturas anelares são mais populares, ou seja, entre os séculos XV

análise integrada: o vale do


e XVII. O problema que se aponta é que a calibração fornecida pelo labo-
ratório apresenta uma margem de aproximadamente 200 anos, correspondente
a quatro gerações, o que pode indicar que, apesar da aparente coincidência
de datações, os sítios de estruturas anelares não tenham sido construídos no
mesmo período em que as estruturas escavadas foram ocupadas.
De acordo com estas datações, a construção e a ocupação das estru-
turas escavadas teriam iniciado no final do primeiro milênio, se estendendo
até a metade do século XVII. Apesar do longo processo de reocupação, que

4.
ocorreu durante aproximadamente 500 anos, não havia vestígios de cul-
tura material significativos dentro das estruturas e nas áreas imediatamente
fora delas. Talvez as áreas de lixeiras, de fabricação de instrumentos e de
atividades domésticas estivessem ainda mais afastadas, nas áreas aplainadas
existentes nos arredores do sítio. Outra possibilidade pode ser relacionar aos
tipos de atividades desenvolvidas no local e que podem não estar relaciona-
das à moradia, mas a outras funções ainda indefinidas, que não exigiriam a
confecção constante de artefatos líticos e a produção e/ou utilização de
recipientes cerâmicos.
O sítio SC-AG-40, que apresentou maiores variações cronológicas,
continua uma incógnita, pois pode tanto pertencer ao mesmo período das
estruturas anelares, o que é reforçado pela semelhança existente na cultura
material recuperada, como também pode ser mais recente, apesar de não 113
apresentar características de contato com a sociedade luso-brasileira
(CALDARELLI, Org., 2003).
Outro fator que deve ser considerado é o formato das estruturas
escavadas no sítio SC-AG-107 que apresentava, em sua base, um ressalto em
forma de ampulheta, conforme apresentado no capítulo 3. Essa forma nunca
havia sido descrita na literatura arqueológica, podendo ser, neste caso, uma
variação local dos grupos construtores de estruturas escavadas. Esse estilo
de construção também se apresenta como um complicador na tentativa de
relacionar estas estruturas com as demais escavadas no planalto, visto que, em
outras pesquisas, as estruturas apresentam formas ovais ou com paredes retas,
sendo atribuída a elas a função de moradia (SCHMITZ et al., 2002).
Considerando as diferenças apontadas entre os sítios de estrutura
anelar, os sítios lito-cerâmico de superfície (SC-AG-40 e SC-AG-105) e as
estruturas escavadas, torna-se difícil definir uma única linha interpretativa.
Seria interessante que outras pesquisas fossem realizadas em sítios com estru-
turas escavadas da região, buscando ampliar os dados e datações disponíveis,
contribuindo assim com a construção da pré-história do planalto. Mas,
partindo do pressuposto de que um dado grupo cultural constrói espaços
de acordo com as suas necessidades, a cultura material, por consequência,
também poderia se diferenciar nesses espaços. Deste modo, o material
Rio Pelotas, SC:
identificado no interior de um espaço habitacional, seria diferente do
encontrado em um sítio cerimonial, por exemplo. A função dos objetos, assim,
pode modificar-se em cada sítio. Se na habitação um recipiente cerâmico foi
utilizado para cozer e consumir alimentos, no espaço de rituais ele pode servir
como acompanhamento funerário ou conter substâncias úteis para a travessia
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

que o morto vai realizar, segundo a cosmologia do grupo. Também diferen-


ças entre tamanho e forma dos recipientes cerâmicos geralmente podem ser
verificadas em sítios arqueológicos ocupados por uma mesma cultura. Esta
diferença entre a cultura material produzida de acordo com as especificidades
de cada sítio ainda poderia ser percebida nos sítios-habitação de superfície e
nas estruturas escavadas que, apesar de popularmente serem assim conheci-
UHE Barra Grande

das, poderiam não exercer a função de moradia fixa, mas estarem relacionadas
a ocupações sazonais, por curtos espaços de tempo.
Desta forma, a produção de diferentes artefatos de acordo com os
diferentes usos nos sítios poderia ser uma explicação para as diferenças
encontradas entre a cultura material dos sítios-habitação, das estruturas esca-
vadas e das estruturas anelares. Uma crítica a essa hipótese é a de que, apesar
a contribuição da

de os espaços para atividades diferenciadas serem diferentes, o estilo ou a


tecnologia empregada para produzir um determinado objeto não neces-
sariamente precisa mudar, ou seja, se vasilhas com bordas diretas e sem
Estudo

reforço foram utilizadas em um sítio-habitação a céu aberto, seus habitantes


não necessitariam produzir um recipiente com bordas extrovertidas, com re-
forço e expandidas para utilização nas estruturas escavadas.
Outra hipótese relaciona-se à possibilidade da existência de dois
114 grupos culturalmente distintos que viveram em épocas comuns. Separan-
do a cultura material pelas suas diferenças, um destes grupos habitaria as
encostas de morros, se abrigaria em cabanas ao céu aberto e teria construído as
estruturas anelares para sepultar seus mortos. O outro grupo, que construiu as
estruturas escavadas, possuiria uma forma diferente de confeccionar a cerâmi-
ca.
Contudo, o problema reside na proximidade destes sítios e nas datações
coincidentes. Haveria a possibilidade de dois grupos culturalmente diferentes
ocuparem áreas tão próximas em um mesmo período de tempo? Perguntas que
ainda não nos arriscamos a responder.

Os sepultamentos

Muitas das práticas que compõem o ritual funerário não deixam marcas
no registro arqueológico, como a relação entre público e privado, individual
e coletivo, as danças, o luto, as pinturas corporais e os materiais perecíveis
utilizados. Desta forma, além do estudo da estrutura física dos sítios de
sepultamento, há de se considerar o caráter simbólico que possuem, visto que
o achado arqueológico é apenas uma parcela de todo o ritual que sucede a
morte, sobre cuja totalidade nunca poderemos falar. Este ritual encena o acon-
tecimento social que é a morte, pois neste momento, ocorre a reunião dos
no
período pré-colonial
membros do grupo, discussões, tomada de decisões e o estabelecimento de

Rio Pelotas
uma nova ordem, não necessariamente expressa, mas que está no bojo das
tradições culturais do grupo. Por estas razões, a morte é um acontecimento
mais público que privado (ELIAS, 2001).

análise integrada: o vale do


Considerando Renfrew e Bahn (1998) para análise dos rituais de sepul-
tamento, alguns indicadores arqueológicos devem ser observados:

1) os rituais podem ser realizados em lugares com características


geográficas específicas;
2) os rituais podem situar-se em construções feitas especificamente para
eles;
3) a área “sagrada” é provavelmente rica em símbolos repetitivos;

4.
4) o ritual envolve gestos, luto, danças;
5) comida e bebida podem ser depositadas ou queimadas; e
6) outros materiais podem ser utilizados no ritual, como vasilhames
cerâmicos.

Ao pontuar estes elementos nas estruturas anelares da área da UHE


Barra Grande, verifica-se uma acentuada semelhança entre as estruturas.
Todas foram construídas em locais altos e planos, preferencialmente em topos
de morros. As estruturas, como objetos simbólicos, são repetitivas, pois em
cada sítio verifica-se a mesma forma, caracterizada pelo anel de terra com
montículos no interior. Há pequenas variações, como o número de montículos
e a forma do anel, mas a idéia construtiva é a mesma.
Já com relação às estruturas, não há dúvida de que elas foram construí- 115
das para abrigar o sepultamento, visto que não há mais nenhum indício mate-
rial nos sítios que se relacionem a habitação ou outra atividade. Além disso,
quando possui uma estrutura de cremação a mesma está na base do montículo,
deixando evidente que a construção do montículo se deu após a cremação.
A semelhança verificada entre os artefatos líticos e cerâmicos nas dife-
rentes estruturas anelares parece também ocorrer na forma de sepultar os
mortos. A análise dos ossos das estruturas apontou para um padrão de ritual
em que o corpo era amarrado de forma fletida e submetido a uma intensa
cremação com altas temperaturas que acontecia quando o corpo ainda estava
revestido de tecidos moles. Nas estruturas de sepultamentos pesquisadas,
somente foram encontrados ossos de indivíduos adultos, e por isso não se pode
afirmar que este tratamento era utilizado em todos os indivíduos do grupo ou
em uma parcela específica (adultos, de determinado sexo). Pela disposição
das estruturas no local de assentamento, poderiam se tratar de cemitérios
familiares. Esta uniformidade parece indicar que a prática se manteve durante
muitos anos sem consideráveis modificações. Embora sem intenção de es-
tabelecer aqui uma identidade etnográfica49, são conhecidos diversos relatos
49
Entende-se aqui que identidade étnica é mais auto-reconhecimento e sentimento de per-
tencer a um determinado meio do que mera atribuição de acordo com algumas semelhanças
observáveis na cultura material. Para Renfrew e Bahn (1998, p. 177) “no debe confundirse
la etnicidad com la raza, que, em tanto exista será um atributo físico, no social. La etnia, el
Rio Pelotas, SC:
sobre o ritual de cremação e sepultamento dos Xokleng de Santa Catarina.
Um deles é o de Kempf (1947), que se baseia no testemunho de duas pessoas
que teriam convivido com os Xokleng durante oito anos50. Este autor descreve
que:
Depois da morte põem o cadáver de cócoras, atando-o com cipós de
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

todos os lados. Em seguida colocam-no com seu arco quebrado e


outros utensílios (as flechas também se queimam junto com o corpo.
Se o ferro da ponta não se dissolver no fogo é enterrado assim mes-
mo com a cinza) que lhe pertenciam sobre uma pira para cremação.
Se o falecido já foi padrinho, o afilhado é que acende a fogueira.
Mas logo todos se afastam. Numa distância de talvez 40 m. toda
a gente está ao redor do fogo, quase não falando, mas chorando o
UHE Barra Grande

morto. Depois voltam para recolher as cinzas. Por último, toda a


cinza é depositada numa cova, sobre a qual levantam uma grande
bola de barro (KEMPF, 1947, p. 33).

Outro relato com detalhes sobre o ritual de cremação e sepultamen-


to Xokleng é o do índio Vamblé, transcrito pelo antropólogo Jules Henry
a contribuição da

(HENRY, 1964 apud LAVINA, 1994, p. 66), que relata:

[...] os pertences do morto são colocados próximo ao corpo, e em um


Estudo

local preparado, são empilhados pedaços de madeira até a altura da


cintura de um homem e sobre esta estrutura é depositado o cadáver
com seus objetos pessoais. O morto é orientado com a cabeça para
oeste e em suas mãos são postas oferendas de mel e carne assada.
116 A seguir o cadáver é recoberto com madeira até a pilha alcançar a
altura de um homem, sendo o conjunto escorado com estacas para
não desmoronar. Após acender a pira com um bambu incandescente,
as pessoas se retiram, voltando um dia depois. Caso o cadáver não
esteja completamente cremado, o processo é repetido. Quando os
ossos estão calcinados, são recolhidos em um cesto forrado com
folhas de xaxim e transportado em uma padiola para o local de en-
terramento, que consiste em uma área limpa de vegetação com uma
cova em seu centro. Os cestos com os restos da cremação são ali
depositados e enterrados. Sobre este local o cônjuge sobrevivente
constrói um pequeno abrigo.

grupo étnico, puede ser definida como ‘um conjunto estable de personas estabelecidas histori-
camente en um território dado, que comparten peculiaridades culturales y lingüísticas relati-
vamente estables y que, además, reconocem su unidad y diferencias expresadas en un nombre
autoimpuesto (etnónimo)’ (DRAGADZE, 1980, p. 162)”. Há críticas a este conceito, como por
exemplo com relação ao território. Hoje há culturas e grupos que partilham da mesma cultura
em diferentes lugares do mundo, como os judeus. Apesar das críticas, a utilização aqui se dá
principalmente por concordar que a atribuição etnográfica parte da autoatribuição e do senti-
mento de pertencimento ao grupo cultural.
50
Antes da década de 1940, no vale do Itajaí do Norte
no
período pré-colonial
Nestas duas descrições verifica-se uma forte semelhança entre os

Rio Pelotas
rituais de enterro deste grupo indígena e os reconstituídos nas estruturas
anelares, como a posição dos corpos (amarrados de forma fletida), o tempo
de exposição/grau de queima dos ossos e a existência do montículo sobre a

análise integrada: o vale do


área de cremação ou sobre o sepultamento de ossos cremados em outro lugar.
O padrão de queima verificado na análise dos ossos, aliado às descrições
etnográficas, sugere que o ritual de sepultamento tinha uma série de critérios
e períodos de tempo a serem obedecidos. Por exemplo: a) o período decorrido
entre a morte e a cremação não seria muito prolongado, pois a cremação se
deu ainda com presença de tecidos moles; b) a uniformidade do estado dos
ossos após a cremação sugere que os indivíduos esperavam um dado resul-
tado, e, caso a fogueira se apagasse sem que os ossos tivessem alcançado o

4.
estado ideal, o processo era repetido (MÜLLER, 2008b).
Tratando do simbólico, os objetos que poderiam ter um dado
significado na vida diária de um determinado grupo, ao ser colocado em outro
contexto, pode tomar outro significado. As vasilhas, por exemplo, se no
dia-a-dia possuem a função de cozer alimentos e armazenar líquidos, ao
serem colocadas junto aos corpos, nos sepultamentos, podem ser relacionadas
ao medo, a crenças em além-túmulo, por exemplo. Assim, o tortual de fuso,
apesar de seu uso diário ser feito por uma mulher, a colocação deste
artefato junto ao sepultamento não indica tratar, necessariamente, de
um enterramento feminino, já que estes elementos podem assumir
significados diferentes em diferentes contextos (RIBEIRO, 2007, p. 101).
Por isso, mesmo, encontrando um tortual junto aos ossos da estrutura 1 do
sítio SC-AG-98, não se pode afirmar categoricamente tratar-se de uma mulher, 117
pois os ossos estavam muito fragmentados, não permitindo a identificação.
O relato de Vamblé fala também da oferenda de alimentos e mel, o
que vem ao encontro da proposta de Renfrew e Bahn (1998). Nas estruturas
anelares, foram evidenciados recipientes de pequenas dimensões associados
aos sepultamentos, apresentando marcas de uso e vestígios carbonizados no
interior, que talvez se relacionassem com rituais semelhantes. Também a
presença das poucas e pequenas lascas residuais, poderia estar relacionada a
tarefas ligadas à preparação ou corte de alimentos.
As escavações sobre o anel não evidenciaram nenhum indício de
existência de uma paliçada ou estruturas semelhantes, diferentemente do
observado por Rohr (1971). Ao contrário, o solo que formava o anel era
idêntico ao solo da área interna do círculo. No entanto, pode ocorrer o
total desaparecimento das evidências de estacas devido ao solo ácido
(p.H variando entre 4,3 e 5, 351).

51
Para maiores informações sobre o tipo de solo do planalto e suas características ver: Levan-
tamento de reconhecimento dos solos do Estado de Santa Catarina (EMBRAPA, 1998)
Rio Pelotas, SC:
Padrões de assentamento

Com a escavação de diferentes sítios implantados em uma mesma pais-


agem, verificou-se que poderia haver relações entre diversos deles, configu-
rando sistemas de assentamento. Por não haver datações para todos os sítios,
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Saldanha (2005) partiu do pressuposto que todos os sítios relacionados a gru-


pos ceramistas encontrados na margem sul-riograndense são contemporâneos,
reconhecidos pelos membros do grupo como seus ou de seus antepassados.
A partir deste pressuposto, o autor analisou a localização das estruturas es-
cavadas e dos sítios de estruturas anelares, verificando que estes sítios não
foram construídos de forma aleatória, mas que apresentam uma organização
UHE Barra Grande

espacial.
Quando considerado o compartimento geográfico em que predomi-
nantemente foram construídas as estruturas anelares, nota-se uma preferência
por áreas altas, como topos de morro que, conforme Saldanha (2005), podem
ser vistas de outros sítios de moradia ou acampamento. Para o arqueólogo,
os sítios com as maiores casas subterrâneas e grandes áreas entaipadas, “pelo
a contribuição da

esforço coordenativo e cooperativo que demandam, ultrapassando certamente


um trabalho ao nível de grupo doméstico, sugerem um local central, de gru-
pos com uma certa centralização sócio-política”, indicando um povoamento
Estudo

estável de uma população que já tinha superado o nível de bando e alcançado


o de tribo (SALDANHA, 2005, p.129).
Interpretando a área a partir de linhas de deslocamento que interligam
os sítios, Saldanha apresenta um modelo no qual as estruturas escavadas es-
118 tão dispostas ao longo dos caminhos que permitem deslocamento mais fácil,
agrupados em locais que classificou como distritos. As estruturas anelares, por
outro lado, estão dispostas exatamente sobre locais de convergência destes
caminhos, sobre pontos nodais do trânsito na paisagem, ou seja, áreas que
necessariamente o caminhante tem que cruzar ao se deslocar de um conjunto
a outro. Segundo o autor:

Ao movimentar-se na região, indo de um agrupamento de sítios


para o outro, o primeiro tipo de sítio a se encontrar seria uma área
entaipada, pois estas se inseriam sobre os pontos nodais,
localizados sempre na intersecção das unidades fisiográficas meno-
res, territórios de agrupamentos de sítios. Assim, eles podem ser en-
tendidos como marcadores territoriais dos agrupamentos de sítios,
indicando àquele que está se movimentando o sentido que percorre:
se está saindo ou entrando em um território de sítio. (SALDANHA,
2005, p. 146).

Com esta localização, as estruturas de sepultamento estariam trans-


mitindo uma mensagem, seja a de um local sagrado, onde estão sepultados
seus ancestrais, seja de limites de unidades territoriais. Assim, o enterro do
corpo é a culminação direta e proposital de um comportamento consciente,
no
período pré-colonial
muito mais que seu resíduo in-

Rio Pelotas
cidental.
Associado ao caráter
simbólico do sepultamento,

análise integrada: o vale do


a partir desta proposta de
Saldanha, a construção do
montículo e do seu anel (tai-
pa, na nomenclatura do autor)
fazem parte do sistema de
códigos do grupo e nestes
lugares se encerraria o ritual
de sepultamento. Ainda com

4.
relação ao espaço, percebe-se
que há uma preferência pela
área por parte do grupo, confir-
mada pela existência de sepul-
tamentos cremados em outro
local. Os símbolos (montículo
no centro de cordões de terra)
se repetem em grande número,
sugerindo sua função de iden-
Fonte: SALDANHA, 2005, p.139.
tificação.
Figura 115: Linhas de trânsito com menor dificuldade A partir destas associa-
de locomoção entre as estruturas escavadas, no contexto ções, Saldanha (2005) e Copé
arqueológico de Pinhal da Serra (RS). Verifica-se que
exatamente nos pontos nodais estão localizadas as estru-
(2007) verificaram que para a 119
turas anelares. região estudada para a implan-
tação do mesmo empreendi-
mento hidrelétrico, porém na margem do Estado do Rio Grande do Sul, há duas
formas de domínio e ocupação da área. Além das estruturas anelares se
localizarem em pontos nodais, a paisagem arqueológica da microrregião
de Pinhal da Serra está organizada de forma à apropriação de espaços
menores pelos grupos ceramistas, definidos por áreas domésticas. Em cada
área determinada, uma parcialidade da mesma cultura desempenharia suas
atividades cotidianas e enterraria seus mortos (SALDANHA, 2005).
Esta apropriação do espaço não parece corresponder com a
microrregião vizinha, de Bom Jesus, onde segundo Copé, a paisagem
arqueológica está orientada para apropriação e domínio de amplos espaços,
delimitados por divisores de águas. Nestes espaços,

[...] las pequeñas elevaciones en el entorno de las grandes


estructuras pueden ser atribuídas al sepultamiento de los grandes
jefes residentes em las unidades residenciales y tambien en las uni-
dades comunitario-ceremoniales, mientras que los demás individuos
serían depositados en grutas como la del Matemático, donde fueron
registrados más de 65 individuos (COPÉ, 2007, p. 25)
Rio Pelotas, SC:
Neste sistema, os abrigos rochosos seriam propriedade de vários grupos
domésticos.
Na margem catarinense, o abrigo sob-rocha não parece ter servido ao
uso dos grupos ceramistas, que preferiram as estruturas anelares para sepultar
seus mortos. Por isso, o sistema de assentamento talvez se aproximasse mais
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

do verificado em Pinhal da Serra.

Atribuições etnográficas: das possibilidades


aos problemas

A utilização dos relatos etnográficos para entender as práticas


UHE Barra Grande

sociais, o sistema material e comportamental das sociedades passadas é muito


frequente na arqueologia, já que a riqueza dos detalhes contidos nestes
trabalhos pode dar ao arqueólogo maior domínio ao interpretar o contexto
arqueológico. Assim, a procura nos textos etnográficos de informações
sobre a cultura material e a dinâmica cultural dos povos habitantes do planalto
meridional pode ser feita com o intuito de abrir possibilidades de entendi-
a contribuição da

mento dos sítios arqueológicos e trazer novos problemas e alternativas para as


pesquisas de campo. Porém, um cuidado deve ser tomado:
Estudo

[...] trata-se da incerteza que a analogia marca: mesmo que


as coisas e sociedades no presente e no passado apresentam
características similares para certos aspectos, isto não
significa que em outros esta mesma similaridade aconteça. Não é
120 possível estabelecer relações positivas, formais entre um
presente e um passado sem o risco de se enredar na trama da
“incerteza” (REIS, 1997, p. 41).

Apesar de apresentar no primeiro capítulo trechos de documentos


etnohistóricos e etnográficos que descrevem características de grupos
que ocupavam o território até o período do contato, reforça-se a crítica ao
estabelecimento de relações entre identidade étnica de grupos atuais à cultura
material de períodos passados.
Atribuindo traços de cultura material semelhantes às manifestações de
grupos que compartilham os mesmos valores e normas, por muito tempo foi
assumida “uma correlação simplista entre culturas arqueológicas e grupos
étnicos”, considerando-os homogêneos, e historicamente contínuos,
agrupando acriticamente cultura, território e língua (LIMA, 2007, p. 15).
No Brasil, talvez por influência das escolas tradicionais e processualis-
tas, existe atualmente uma tendência a associar a tradição cerâmica Taquara/
Itararé aos antepassados do grupo indígena Kaingang, e a tradição lítica
Umbu, da encosta do planalto e sítios de sepultamento associados a sistemas
de assentamento no vale do rio Canoas, aos Xokleng (DE MASI, Org., 2006).
Esta associação se dá pela comparação da cultura material e, principalmente,
pelo fato de os sítios estarem localizados na mesma região para as quais há
no
pEríodo pré-colonial
relatos etnográficos a respeito daqueles grupos históricos.

rio pElotas
análisE intEgrada: o valE do
4.
Fonte: Noelli, 2004, p. 41.

Figura 116: Concentração dos povos Jê no Brasil meridional, no início


do século XVI.
121
Nesses relatos pode ser observada uma grande variedade de nomes
atribuídos para os grupos indígenas locais, denominados, muitas vezes,
pelo preconceito do olhar do viajante ou pessoa que os estava descrevendo.
Desta forma, grupos hoje aceitos como Xokleng podem estar denominados,
na literatura etnohistórica, como Bugre, Botocudo, Aweikoma, Schokleng,
Xocrém, Xokleng, Lakranó e Kaingang (LAVINA, 1994, p. 46). Os relatos
etnográficos sobre grupos Kaingang não são diferentes, podem ser chama-
dos de Guayaná, Aweikoma-Kaingang, Coroado, Kamé, Bate, Chova, Pinaré,
Kaigua ou Caágua.
Deixada em segundo plano pelos processualistas, a relação entre
identidade étnica foi retomada com críticas pelos pós-processualistas, que
passaram a considerar também as discussões teóricas desenvolvidas no campo
da antropologia. Barth, a partir de 1969, apresenta em vários artigos o que
seria uma transformação com relação a estudos de grupos étnicos, e a partir
dele, outras construções têm sido feitas. Para Barth, o grupo étnico é uma
forma de organização social, onde a principal característica é a auto-atribuição
e o reconhecimento, tanto por parte do grupo quanto pelos outros. Está rela-
cionado ao sentimento de pertencer, que sobressai ao contato com o estranho,
com o diferente.
Rio Pelotas, SC:
A execução de ritual funerário, por exemplo, é por excelência um ato
de identidade étnica, pois ou a pessoa se identifica com o ato, participa dele,
sente e lê os símbolos ou ele não fará sentido. Para Elias (2001) a resposta à
pergunta sobre a natureza da morte é específica segundo os grupos,
podendo mudar durante o seu desenvolvimento social. Idéias e ritos comuns
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

unem pessoas; no caso de serem divergentes, separam grupos52. Porém, os


restos materiais que um ritual funerário deixa não podem ser assumidos como
objetificação da cultura, pois, conforme Barth (2000), a etnicidade passa pela
autoatribuição. O artefato não pode ser visto como a etnia objetificada, reflexo
de uma cultura. Pelo contrário, ela não é capaz de representar os processos de
reprodução social e identidades culturais. A cultura material pode expressar
UHE Barra Grande

etnicidade, mas ela não está necessariamente ali representada.


Para Barth (2000), pertencer a uma etnia é mais do que fazer um
recipiente cerâmico com determinados traços. Em 1969, o antropólogo
iniciou o que seria uma transformação com relação a estudos de grupos
étnicos, conceituando grupo étnico como uma forma de organização social,
onde a principal característica é a auto-atribuição e o reconhecimento, tanto
a contribuição da

por parte do grupo quanto pelos outros. A mobilidade entre os grupos étnicos
mantém diferenças culturais por meio do reconhecimento da cultura por parte
dos grupos e da sensação de pertencimento, mesmo quando novos elemen-
Estudo

tos são inseridos53. Pertencer a uma etnia remete, enfim, ao sentimento de


pertencer, e quem o confere é o próprio indivíduo.
Nestas condições, apenas com base na cultura material, acredita-se não
ser possível, de forma não leviana, assegurar a existência de relações entre
122 cultura material e determinadas etnias, no que concerne os sítios estudados
no planalto catarinense. Mais importante que rotular é tentar entender como
estes grupos ocuparam o espaço e como viviam; sua alimentação, tecnologia
e representações, sem a preocupação de relacioná-los com grupos atuais, que
se auto-consideram pertencentes a determinadas etnias, independentemente
de seu real parentesco étnico.

52
Para Elias (2001, p. 63), o “conceito de sentido não pode ser compreendido por referência a
um ser humano isolado ou a um universal derivado dele. O que chamamos de ‘sentido’ é consti-
tuído por pessoas em grupos mutuamente dependentes de uma forma ou de outra, e que podem
comunicar-se entre si. O ‘sentido’ é uma categoria social; o sujeito que lhe corresponde é uma
pluralidade de pessoas interconectadas. Em suas relações, sinais que trocam entre si - que po-
dem ser diferentes para cada grupo- assumem um sentido, um sentido comunal, para começar”.
53
Para Barth (2000, p. 54), o problema se torna ainda mais complexo: “Apesar desses proces-
sos, um rótulo étnico subsume várias características simultâneas que sem dúvida nenhuma se
apresentam agrupadas em termos estatísticos, sem se tornarem interdependentes e conecta-
das de forma absoluta. Assim, haverá variações entre membros, alguns mostrando muitas das
características próprias ao grupo e outras poucas. Especialmente nos casos em que há mudanças
nas identidades das pessoas, isso cria ambigüidades, pois nesses casos o pertencimento étnico é
tanto uma questão de origem quanto de identidade atual”.
no
período pré-colonial
Questões para o futuro

Rio Pelotas
A ciência não é construída por novidade.
Novos sistemas não aparecem com cada nova tese de

análise integrada: o vale do


doutorado, ao contrário, o progresso é o processo de
construir sobre o que já foi aprendido. Robert C. Dunnell

As possibilidades de estudo das populações passadas nunca chegarão


ao fim, visto que as leituras e as abordagens para construção do conhecimen-
to sobre o passado estão em constante revisão. Há sempre novas perguntas,
novas teorias, novas idéias, e esta pesquisa na área de abrangência da UHE
Barra Grande veio a contribuir para esta construção.

4.
Ao término deste trabalho, acreditamos que o objetivo de colaborar para
as discussões e conhecimento dos grupos que habitaram o planalto em perío-
dos anteriores ao contato com a sociedade européia foi alcançado, porém,
nenhum tema foi esgotado. Por isso, algumas questões serão colocadas,
buscando serem respondidas em futuros trabalhos, seja no vale do rio Pelotas
ou nas áreas do planalto dos Estados do sul do Brasil.
A primeira delas diz respeito à forma das estruturas escavadas encon-
tradas neste projeto, até o momento não descrita na arqueologia brasileira.
Tradicionalmente estas estruturas foram apresentadas como possuindo
paredes retas ou inclinadas em direção ao centro, características não
observadas na maioria das estruturas do sítio SC-AG-107. Neste sítio, as
estruturas apresentaram formato de ampulheta, com as paredes progressiva-
mente inclinadas em direção ao centro e a partir daí, alargando-se em direção 123
à base. Talvez esta forma esteja relacionada a uma variação regional; porém
novas pesquisas poderão apresentar outras interpretações.
Outra questão que se coloca é com relação à tradição lítica Humaitá,
caracterizada por grandes artefatos bifaciais. A existência desta tradição lítica
já vem sofrendo críticas em estudos como o de Dias e Hoeltz (2002), que veri-
ficaram que sítios exclusivamente líticos, onde foram identificadas estas peças
típicas, provavelmente faziam parte de sistemas de assentamento ceramistas,
já que peças idênticas também foram encontradas em sítios lito-cerâmicos
de superfície, não deixando dúvidas quanto à sua associação temporal aos
fragmentos de cerâmica. Desta forma, será que existe uma tradição exclusi-
vamente lítica denominada Humaitá, ou os sítios que a caracterizam estariam
relacionados a outros grupos ceramistas (Taquara/Itararé e Tupiguarani)?
Por fim, uma última questão a ser esclarecida em futuros trabalhos é
a da filiação das estruturas anelares. Pelas características apontadas, o ma-
terial nelas recolhido se assemelha ao dos sítios lito-cerâmicos de superfí-
cie, e o conjunto formado por sítios líticos, lito-cerâmicos de superfície e
estruturas anelares não parecem pertencer à mesma cultura material
recuperada nas estruturas escavadas. Porém, se for considerada a hipótese de
dois grupos culturalmente distintos terem ocupado a área, e que a diferença de
função dos espaços (moradia e sepultura) pudesse ter ocasionado a produção
Rio Pelotas, SC:
de diferentes tipos de vasilhames, quem construiu as estruturas anelares e
sepultou seus mortos? O grupo que construiu as estruturas escavadas ou o que
vivia em habitações a céu aberto?
Estas questões implicam em novas pesquisas, tanto em sítios
arqueológicos do planalto como em áreas intermediárias, na encosta da
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Serra Geral, para entender melhor a dinâmica destes grupos no espaço, suas
construções, simbolismos e práticas cosmológicas.
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo

124
PARTE II

Valorização do Patrimônio Cultural

125
126
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande
Patrimônio Cultural:
histórico das atividades e conceituações
5

Valorização do Patrimônio Cultural:


histórico das atividades e
conceituações

do
5. Valorização
V
alorizar um patrimônio cultural é selecionar e apropriar-se
de um patrimônio que é, antes de tudo, local. Diz respeito às
pessoas que vivem ou viveram em determinada localidade
e às formas com que se relacionaram entre si e com outros grupos, com a
materialidade ao seu redor, com a imaterialidade e suas percepções de mundo.
Não há sentido em valorizar-se um patrimônio que não seja ele reconhecido
por aqueles que vivem ao seu redor. Assim, as noções de patrimônio cultural
habitualmente mantêm-se vinculadas às de lembrança e de memória e são
preservados em função dos sentidos que despertam e dos vínculos que man-
têm com as identidades culturais das comunidades em que estão inseridos.
Nas memórias residem aspectos que a população de uma dada
localidade reconhece como elementos próprios da sua história, do espaço
onde vivem, das paisagens naturais ou construídas. Vínculo entre as gera-
ções humanas e o tempo histórico que as acompanha, as ações de valorização
de um patrimônio reforçam os elos afetivos que possibilitam aos cidadãos 127
perceberem-se como “sujeitos da história”, plenos de direitos e deveres,
conscientes dos embates sociais que envolvem lugares, a própria paisagem, os
espaços de produção e a cultura.
A partir do momento em que uma comunidade se dispõe a preservar e
divulgar os seus bens culturais dá-se início a um processo de construção de
sua cidadania, de uma identidade cultural, um ethos cultural que tangencia
tudo aquilo que distingue a existência dos grupos sociais no interior de uma
sociedade (LE GOFF, 1997).
No âmbito do patrimônio, ao valorizarmos o conhecimento que uma
sociedade tem de si mesma, sobre o meio material em que vive e sobre
sua própria existência acaba-se ampliando o conceito de cultura ao abarcar
também as maneiras do ser humano existir, pensar e se expressar, bem como
as manifestações simbólicas dos seus saberes, práticas artísticas e cerimoniais,
sistemas de valores e tradições.
É nesta chave de conceituação do patrimônio como campo de ações
comunitárias de apropriação, defesa e utilização do patrimônio histórico-
cultural capazes de gerar interatividades com as comunidades que se
inserem as atividades de valorização do patrimônio cultural desenvolvidas
pela Scientia Consultoria Científica na área de abrangência da Usina Hidrelé-
trica Barra Grande.
Rio Pelotas, SC:
Se a noção de patrimônio cultural busca contemplar as mais diversas
formas de expressão dos bens da humanidade, tradicionalmente o referido
conceito continua sendo apresentado de maneira fragmentada, associado às
distintas áreas do conhecimento científico que o definem como patrimônio
cultural, natural, paisagístico, arqueológico e assim por diante. Como as
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

atividades desenvolvidas pela Scientia Consultoria Científica relacionam-se


diretamente aos projetos de pesquisas arqueológicas, este foi o motivo pelo
qual o enfoque principal dos subprojetos de Educação Patrimonial foi dado à
valorização e reconhecimento deste tipo de patrimônio.
A primeira fase das pesquisas arqueológicas na região da Usina
Hidrelétrica Barra Grande foi realizada a partir do ano de 2002 e as ações
UHE Barra Grande

de Educação Patrimonial ocorreram com a execução do Subprojeto de


Valorização do Patrimônio Cultural (SCIENTIA, 2002), cujo objetivo prin-
cipal foi a divulgação da arqueologia e do patrimônio arqueológico existente
na região através da realização de oficinas temáticas para professores de
nove municípios54 da área de influência do empreendimento, e do estudo de
percepção da população local a respeito do patrimônio cultural.
a contribuição da

Entre os anos de 2006 e 2009, durante o Projeto de Arqueologia


Compensatória UHE Barra Grande, deu-se continuidade ao
subprojeto anterior, visto que ao final da primeira fase das ações educativas
Estudo

percebeu-se a necessidade da elaboração de materiais de apoio às temáticas


abordadas nas oficinas, para dar suporte às práticas educativas em sala de aula.
Desta forma, foi sugerida a produção de materiais direcionados ao público
discente e docente, além de outros materiais para o público em geral.
128 Nesta segunda etapa, além da produção dos materiais educativos
(livro para professores, história em quadrinhos para os alunos, folder e vídeo),
foram realizados encontros com os docentes dos municípios envolvidos no
projeto, apresentando e discutindo a aplicabilidade destes materiais na prática
de ensino.
No entanto, essas etapas não devem ser pensadas de forma isolada, pois
todas as atividades desenvolvidas pelas Scientia Consultoria Científica nos
distintos períodos de sua execução buscaram traçar estratégias que contem-
plassem a produção e a recepção das atividades de incentivo à preservação do
patrimônio, bem como proporcionar mecanismos de sociabilidade regionais
que evidenciassem o poder de ação da sociedade na transformação de seu
patrimônio histórico-cultural e/ou natural, em ferramenta de desenvolvimento
cultural, social e econômico.

O patrimônio cultural e o ato de ensinar: valorizar


e preservar

O patrimônio cultural que, num primeiro momento, pode ser identifi-


54
Os municípios abrangidos pela UHE Barra Grande foram: a) Anita Garibaldi, Capão Alto,
Cerro Negro, Campo Belo do Sul e Lages, no Estado de Santa Catarina; b) Vacaria, Esmeralda,
Pinhal da Serra e Bom Jesus, no Estado do Rio Grande do Sul.
Patrimônio Cultural:
histórico das atividades e conceituações
cado pela comunidade local como uma casa antiga, a prefeitura, a igreja ou
a praça, ao ser tratado na sua forma mais ampla, como a memória, a história
e o patrimônio natural de sua região, torna-se um importante suporte para a
construção de uma identidade. A educadora Evelina Grunberg (2000,
p. 167-168), referindo-se ao patrimônio ou aos bens culturais afirma que:

do
Eles servem como fonte primária de observação aberta à explora-

5. Valorização
ção. Neles se condensa um amplo leque de manifestações e relações
humanas, tanto existidas como existentes. Sendo assim, [...] os bens
culturais funcionam como um recurso que pode se transformar num
instrumento no processo de ensino.

Reafirma-se, assim, a necessidade de trabalhar a temática do patrimônio


cultural nas escolas, pois sua discussão em sala de aula fortalece a relação das
pessoas com suas heranças culturais, ressaltando sua responsabilidade pela
valorização e preservação do patrimônio, além de fortalecer a vivência real
com a cidadania, num processo de inclusão social.
Torna-se necesário ultrapassar a barreira construída ao longo dos anos
por um conceito limitador de patrimônio, que o colocou como um tema
distante, que diz respeito a sujeitos e objetos elevados, elitizados, relacionado
a bens materiais de valor monetário e que contaminou o sentido do termo
como algo privado e restrito a poucos. A importância do estímulo à discussão
do patrimônio cultural local em sala de aula constitui-se num vetor essencial
para a quebra deste paradigma. A ação das instituições escolares apresenta-se
como um ponto chave para o estímulo à reflexão e a implantação de ações 129
práticas que tornem o patrimônio cultural parte do cotidiano das pessoas.
Mas, afinal, o que constitui o patrimônio cultural? Há algum tempo,
no Brasil, ele já foi chamado de Patrimônio Histórico e Artístico e, desta
forma, possuía uma definição bem mais restrita do que atualmente. Com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, constata-se no artigo 216 um
conceito mais amplo de patrimônio cultural. Este é apresentado como os bens de
natureza material e imaterial portadores de referência à identidade e à memória
dos distintos grupos que compõem a sociedade brasileira.
Com efeito, a amplitude da definição constitucional sobre patrimônio
cultural possibilita salvaguardar as motivações identitárias, históricas e
culturais que levam os diversos grupos sociais a agir em prol da defesa, da
valorização e da promoção dos bens patrimoniais que lhes sobressaem como
signos portadores de significados representativos de tempos, fatos, persona-
gens, lugares, saberes, técnicas e artefatos (OLIVEIRA-REIS, 2007).
A distância existente entre os conteúdos do ensino formal e o patrimônio
cultural regional pode ser vencida por meio da apropriação dos bens culturais
para o ensino/aprendizagem, ação que além de estimular o desenvolvimento
de indivíduos envolvidos no sentimento de pertencimento e de valorização do
seu patrimônio, certamente despertará ações em prol da salvaguarda destes
bens para as gerações futuras.
Rio Pelotas, SC:
As leis de preservação do patrimônio cultural no
Brasil

O Brasil, país de proporções continentais, é formado pelo


multiculturalismo, onde convivem distintas etnias, diferentes memórias e
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

muitas histórias. Desta forma, os bens identificados e reconhecidos por alguns


indivíduos como parte de sua vida e de sua história podem não ser os mesmos
para outros, dificultando a sua preservação.
Além deste reconhecimento, há de se acrescentar outros riscos que
acarretam na destruição do patrimônio cultural, como os relacionados ao
desenvolvimento econômico nacional. Num país que enfrenta profundas
UHE Barra Grande

desigualdades sociais como a fome, a violência e o desemprego, o patrimônio


cultural acaba por ocupar um lugar muito distante na ordem de prioridade e
importância nas políticas nacionais.
Uma das ações que buscam garantir e salvaguardar a preservação
da memória e da história de um povo é o sistema normativo de legislações
específicas em prol da preservação do patrimônio cultural e particularmente
a contribuição da

do patrimônio arqueológico em vigor no Brasil.


O Decreto-Lei nº. 25/37 organizou a proteção do patrimônio histórico
e artístico nacional e criou o SPHAN55. Neste decreto, o patrimônio históri-
Estudo

co e artístico nacional – naquele momento entendido pelo conjunto dos bens


móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação fosse de interesse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil,
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
130 artístico – deveriam ser preservados após serem registrados em um de seus
quatro Livros do Tombo56.
Com a Constituição Federal de 1988, através de seu artigo 216, houve
uma ampliação do conceito de bens de direito coletivos portadores de referên-
cia cultural em geral:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza mate-


rial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, porta-
dores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
55
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, criado em 1937, no governo de Getúlio
Vargas através do Decreto Lei número 25 de 30 de novembro de 1937. Hoje denominado de
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
56
Os quatro livros de tombos são: a) Arqueológico, etnográfico e paisagístico; b) Histórico; c)
Belas Artes; e d) Artes aplicadas.
Patrimônio Cultural:
histórico das atividades e conceituações
Para assegurar a preservação do patrimônio imaterial, ou seja, o
relacionado aos fazeres e aos saberes - tais como a culinária, o artesanato
e as crenças, religiosas ou não - foi publicado o Decreto nº. 3.551, de 04 de
agosto de 2000. Entre outras providências, este decreto institui o registro de
bens culturais de natureza imaterial que constituem o patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial.

do
Os sítios arqueológicos, tomados como parte da cultura material, são

5. Valorização
entendidos pelo ICOMOS/ICAHM (1990)57 como a porção do patrimônio
material para a qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos
primários, ou seja, é o patrimônio que engloba todos os vestígios remanescen-
tes da existência humana, estruturas e vestígios de todos tipos, na superfície,
no subsolo ou submersos, bem como o contexto a eles associados. Tais vestí-
gios são considerados Bens da União pela Constituição Federal do Brasil de
1988 (Artigos 215 e 216).
Além da Constituição Federal, estes bens são protegidos por lei espe-
cífica desde 1961, a Lei nº. 3.924, de 26 de julho de 1961, que dispõe sobre
os monumentos arqueológicos e pré-históricos e prevê, em parágrafo único,
que “a propriedade da superfície, regida pelo direito comum, não inclui a
das jazidas arqueológicas ou pré-históricas”. Esta norma considera todos os
sítios arqueológicos brasileiros como Bens da União. Legisla sobre a
permissão da realização de escavações arqueológicas, sobre os achados
fortuitos, a proteção de sítios e as coleções arqueológicas, sobre a remessa
para o exterior de bens arqueológicos, além de considerar como crime federal
a destruição de qualquer patrimônio arqueológico, prevendo, em seus disposi-
tivos, multas aos infratores. 131
Com a promulgação da Lei nº. 9.605 de 1998 (seção IV, artigos 62 a 65),
que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, a proteção ao patrimônio arqueológico
foi amparada por uma normativa que prevê a responsabilidade civil, adminis-
trativa e penal contra o infrator, e a punição aos crimes contra o Ordenamento
Urbano e o Patrimônio Cultural.
No entanto, a preservação do patrimônio ultrapassa as ações pontuais e
insuficientes de fiscalização. Em conjunto com a legislação existente, deve-se
estimular a realização de Programas de Educação Patrimonial que busquem
a valorização coletiva do bem cultural e suas estratégias de preservação.
Os aportes legais que corroboram com a realização de programas educati-
vos a partir de pesquisas arqueológicas estão pautados na legislação vigente,
especialmente os constantes nas Portarias do IPHAN nº. 07/1988 e
nº. 230/2002, além de documentos internacionais, como a Carta de Lausanne
(ICOMOS/ICAHM, 1990).
57
O ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) é uma organização
internacional não-governamental dedicada à conservação dos monumentos e sítios históricos
do mundo. A organização foi fundada em 1965, em consequência da adoção internacional da
Declaração para a Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios em Veneza lançada no
ano anterior (“Carta” de Veneza). Hoje a organização tem Comitês Nacionais em 87 países.
Endereço eletrônico: www.icomos.org.br.
Rio Pelotas, SC:
Esta última, considerada como documento para a proteção e gestão
do patrimônio arqueológico, em seu Artigo 7º, trata dos aspectos de
apresentação, informação e reconstituição desses bens:

A apresentação do patrimônio arqueológico ao grande público é um


e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

meio essencial de fazê-lo ascender ao conhecimento das origens e


do desenvolvimento das sociedades modernas. Ao mesmo tempo,
constitui o meio mais importante para fazê-lo compreender a neces-
sidade de proteger esse patrimônio.

A apresentação ao grande público deve consistir na popularização do


estado corrente do conhecimento científico, devendo ser atualizada freqüente-
UHE Barra Grande

mente. Para permitir o entendimento do passado, deve considerar múltiplas


abordagens.
A Portaria nº. 07, de 01 de dezembro de 1988, estabelece os procedi-
mentos necessários à comunicação prévia, às permissões e às autorizações
para pesquisas e escavações arqueológicas em sítios arqueológicos. No seu
a contribuição da

art. 5º-IV, alíneas 5-6, a portaria determina que o plano de trabalho científico
contenha “proposta preliminar de utilização futura do material produzido para
fins científicos, culturais e educacionais” e “meios de divulgação das informa-
ções científicas obtidas”.
Estudo

No seu art. 6º, parágrafo único, a portaria diz que a decisão para pedidos
de permissão e autorização caberá ao IPHAN, que “considerará os critérios
adotados para a valorização do sítio arqueológico e de todos os elementos que
132 nele se encontrem do seu potencial científico, cultural e educacional”.
No art. 11-II e VII, designa que os relatórios técnicos devem ser
entregues ao IPHAN acompanhados das seguintes informações:

II – meios utilizados durante os trabalhos, medidas adotadas para a


proteção e conservação e descrição do material arqueológico, indi-
cando a instituição responsável pela guarda e como será assegurado
o desenvolvimento da proposta de valorização do potencial cientí-
fico, cultural e educacional;
[...]
VII – indicação dos meios de divulgação dos resultados.

A Portaria nº. 230, de 17 de dezembro de 2002, estabelece os


procedimentos necessários para obtenção das licenças ambientais, em
urgência ou não, referentes à apreciação e acompanhamento das pesquisas
arqueológicas no país. No artigo 6º, parágrafo 7º, resolve que em todas as
fases de desenvolvimento de estudos arqueológicos há de se fazer os trabalhos
de laboratório e gabinete (limpeza, triagem, registro, análise, interpretação,
acondicionamento adequado do material coletado em campo), e Programas
de Educação Patrimonial, que já devem estar previstos em contratos com o
empreendedor.
Patrimônio Cultural:
histórico das atividades e conceituações
Desta forma, as atividades de produção do conhecimento por parte
dos arqueólogos devem prever a divulgação e a socialização dos resultados
alcançados à comunidade em geral e, especialmente, à comunidade
escolar, visto que muitas vezes os livros didáticos utilizados nas escolas são
deficitários sobre a pré-história e história regional, abordando muito pouco ou
nada sobre sociedades pretéritas locais.

do
Além de um dever, previsto na legislação brasileira e nas conven-

5. Valorização
ções internacionais, tais atividades – tanto educativas quanto de divulgação
- devem ser uma obrigação consciente dos pesquisadores, um dever inerente
ao exercício da profissão, pois é papel do pesquisador construir conhecimento
e permitir a apropriação do mesmo pela sociedade.

Educação Patrimonial e Arqueologia Pública no


Brasil: breve histórico

A trajetória das práticas educativas vinculadas ao patrimônio é longa


e está associada à preocupação pela preservação e valorização do patrimônio
cultural. Neste percurso, as ações educativas foram desenvolvidas de modo
assistemático por diversos agentes, nos mais variados espaços - tanto da
educação formal quanto não-formal (FERNANDES, 2007; TARGINO, 2007).
Durante a década de 1980, houve a adaptação realizada pela museóloga
Maria de Lourdes Parreiras Horta58 ao aplicar no Brasil a prática educativa
realizada em museus da Inglaterra, chamada de Heritage Education, e tradu-
zida para o português pelo termo “Educação Patrimonial”.
Com a publicação do Guia de Educação Patrimonial (HORTA 133
et al., 1999) pelo IPHAN, tal prática recebeu o status de metodologia59 como
forma de promover uma ação educativa mais direcionada, possibilitando
ampliar a atuação para além dos espaços musealizados, onde já era ampla-
mente desenvolvida. Assim, a Educação Patrimonial no contexto brasileiro
teve por objetivo servir como instrumento de “alfabetização cultural”
(HORTA et al., 1999), propiciando ao sujeito fazer a leitura do mun-
do, apropriar-se dele, (re)conhecer a si e ao grupo que pertence, de
maneira a identificar o que o constitui como indivíduo. Nessa perspectiva, a
proposta abrange todos os tipos de patrimônios, desde o material até o
imaterial, incluindo, por conseguinte, o patrimônio arqueológico.
58
Os estudos realizados pela museóloga direcionaram a prática educativa vinculada ao
patrimônio, tendo como premissa os princípios da “[...] psicologia do aprendizado e da
percepção” (HORTA, 1984), envolvendo as etapas metodológicas de observação, de registro e
de participação criativa.
59
Desde a inserção das práticas educativas e da introdução do termo no Brasil, há muitos pesqui-
sadores que empregaram a proposta inicial (ITAQUI, 1998; HAIGERT, 2006; FERNANDES,
2007; GRUMBERG, 2007; TARGINO, 2007; HERBERTS et al., 2008; SOARES; KLAMT,
2008), assim como aqueles que a criticaram (GRINSPUM, 2000; CAMPOS, 2005), afirmando
que esta proposta não é uma metodologia, mas sim uma orientação, um conjunto de práticas, e
desta maneira, acabaram auxiliando para o aprimoramento do conceito da Educação Patrimo-
nial, assim como das práticas educativas no âmbito do patrimônio (SCHWENGBER, 2005).
Rio Pelotas, SC:
A trajetória da prática educativa vinculada à arqueologia
percorreu caminho paralelo ao da valorização do patrimônio, vinculado
à “profissionalização” do arqueólogo e ao seu compromisso ético com
a sociedade (FERNANDES, 2007). As práticas envolvendo o público fora
do círculo acadêmico estiveram vinculadas muito mais à divulgação e
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

extroversão do conhecimento produzido pelas pesquisas


arqueológicas, do que à Educação Patrimonial propriamente dita. De acordo
com a arqueóloga Tatiana Fernandes (2007, p. 70) a inserção da Educação
Patrimonial na Arqueologia “[...] representou um movimento importante em
direção a novas perspectivas do diálogo de arqueólogos com o público [...]”.
Com a consolidação da arqueologia por contrato vinculada ao licen-
UHE Barra Grande

ciamento ambiental - a partir da emissão da Portaria IPHAN nº. 230/2002


- as práticas ligadas à Educação Patrimonial que envolvem o patrimônio
arqueológico tomaram uma dimensão conceitual complexa, capaz de
suscitar inúmeros questionamentos que estiveram presentes durante o
desenvolvimento dos projetos voltados à área de influência da Usina
Hidrelétrica Barra Grande: até que ponto faz-se Educação Patrimonial
a contribuição da

voltada à arqueologia ou uma ação de Arqueologia Pública60? Em que medida


esses caminhos se cruzam e se distanciam? Considerando a característica do
trabalho educativo vinculado à arqueologia de contrato, até que ponto a
Estudo

Educação Patrimonial pode realmente contemplar o objetivo de ser um “[...]


processo permanente e sistemático de trabalho educativo [...]” (GRUMBERG,
2007, p. 2). Como promovê-lo? Quais os caminhos possíveis?
Sem uma concepção clara sobre o conceito de Arqueologia Pública
134 no Brasil, algumas práticas educativas, de valorização e de divulgação são
tidas como sinônimos de atividades de Arqueologia Pública. Ademais, as
atividades de Educação Patrimonial são atividades de cunho pedagógico, com
intencionalidades educativas e com objetivos claros: aproximar o sujeito do
patrimônio cultural e proporcionar a interação e a experimentação.
As atividades de Educação Patrimonial não podem ser equiparadas às
de extroversão do conhecimento científico produzido por meio da entrega de
folhetos e da realização de palestras ao público em geral ou à comunidade
científica. Estas devem fazer parte do programa, mas não podem ser a sua
finalidade, pois esta é apenas uma das faces da Arqueologia Pública.
A adoção do termo “Educação Patrimonial” na Portaria IPHAN
nº. 230/2002 reforça a possível confusão sobre tais questões. Por uma lógica
atrelada à especificidade desta portaria, crê-se neste contexto que o Programa
de Educação Patrimonial está vinculado somente ao patrimônio arqueológi-
co. Aliado a isso, a falta de parâmetros para a realização de Programas de
60
Arqueologia Pública é desenvolvida no Brasil há aproximadamente duas décadas por pro-
fissionais que se dividem entre dois enfoques: processualista e pós-processualista. Fernandes
(2007, p. 31) defende que a arqueologia é por si pública, já que “[...] todas as coisas que os
arqueólogos fazem, de escavações à visitação de [pessoas a sítios], do preparo de relatórios
até palestras a graduandos e congressos abertos, [...] faz parte da Arqueologia Pública”. Além
disso, a Arqueologia Pública tem como objetivo problematizar e investigar os significados que
a sociedade atribui aos materiais arqueológicos provenientes das pesquisas.
Patrimônio Cultural:
histórico das atividades e conceituações
Educação Patrimonial contribui para o conflito, já que o IPHAN não dispõe
de diretrizes ou parâmetros específicos para a execução de ações educativas
nas pesquisas arqueológicas vinculadas ao licenciamento ambiental (COS-
TA; COMERLATO, 2007). Há somente recomendações constantes no Guia
de Educação Patrimonial (GRUNBERG, 1999) e no Manual de Atividades
Práticas de Educação Patrimonial (GRUNBERG, 2007).

do
Diante disso, concorda-se com Costa e Comerlato (2007) quando

5. Valorização
discutem a problemática e sugerem parâmetros para trabalhos educativos
vinculados à arqueologia de contrato, respeitando proporcionalmente o
tamanho do empreendimento e da pesquisa arqueológica, pois a portaria
do IPHAN não esclarece quais são as atividades, nem prevê o enfoque e
tampouco as exigências mínimas para tais ações.
Neste contexto de ausência de critérios a respeito das ações educati-
vas na Portaria nº. 230/2002, há propostas que fazem apenas a divulgação
(sem intencionalidade educativa) acreditando contemplar o disposto na
portaria, enquanto há profissionais que elaboram Programas de Educação
Patrimonial. Nesse sentido, todas as atividades desenvolvidas ao longo dos
projetos arqueológicos realizados na área do empreendimento da UHE Barra
Grande tiveram o enfoque e foram nomeadas como pertencentes às atividades
de Educação Patrimonial, pois estavam permeadas pela intencionalidade
educativa, na formação de agentes multiplicadores, no envolvimento da
comunidade e na vivência direta com o patrimônio cultural.

135
Rio Pelotas, SC:
6

As Oficinas de Educação Patrimonial:


e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

docentes como transformadores

A
s ações de Educação Patrimonial realizadas pela equipe de
pesquisadores da Scientia Consultoria Científica sempre
UHE Barra Grande

destacaram o importante papel dos professores no processo de


aprendizagem. Para além da tradicional seleção de conteúdos, sua organiza-
ção e sistematização didática e a interação estabelecida pelos docentes com
os alunos em sala de aula tornam o profissional da educação peça-chave no
processo de vulgarização do conhecimento científico, em especial, neste caso,
a contribuição da

do conhecimento científico produzido pelas pesquisas arqueológicas.


Ao desenvolver as Oficinas de Educação Patrimonial voltadas ao
público docente, entendeu-se que estes profissionais auxiliam no processo
Estudo

de (re)conhecimento e apropriação do patrimônio cultural regional, e na


“alfabetização cultural” (HORTA et al., 1999) dos sujeitos discentes.
Apropriando-se do conceito atual de alfabetização e letramento no campo da
educação (SOARES, 1999; 2003), entende-se a “alfabetização cultural” como
136 a busca pelo “letramento” dos sujeitos, para que eles possam compreender e
relacionar-se com o patrimônio ao seu redor, codificá-lo, apropriarem-se dele
e o reconhecerem como seu, possibilitando intervir em seu cotidiano de forma
reflexiva e crítica. A intenção é propiciar, através do contato com o patrimônio
local, uma transformação na maneira como cada indivíduo percebe seu
entorno e que este é produto da atividade e do conhecimento humano marcado
social e culturalmente.
Ao trabalhar com os docentes se aposta ainda no efeito multiplicador
que eles representam, pois, conforme Horta et al. (1999, p. 46),

para alcançar a multiplicação das idéias e conceitos propostos no


campo da educação sobre o patrimônio cultural é importante que se
faça um treinamento com os agentes que irão desenvolver este trab-
alho nas escolas, nas associações de bairros, ou em qualquer espaço
ou grupo social que se pretenda sensibilizar.

Para o desenvolvimento das propostas de Educação Patrimonial,


tanto na primeira quanto na segunda etapa dos trabalhos optou-se por dar
preferência aos docentes da rede pública de ensino, tanto municipal quan-
to estadual, dos nove municípios abrangidos pelo empreendimento. Em
ambas as etapas, as propostas educativas desenvolvidas nas pesquisas
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
arqueológicas na Usina Hidrelétrica Barra Grande proporcionaram aos
docentes situações de contato com o conteúdo científico produzido por estas
pesquisas, já que os docentes são personagens fundamentais no processo de
assimilação e aprendizagem da produção científica por parte de seus alunos.
As atividades práticas das oficinas da primeira etapa tiveram como
objetivo aproximar os docentes da pesquisa arqueológica, desmitificando a
arqueologia e ensejando situações de vivência e inserção de temas relaciona-

de
6.As Oficinas
dos ao patrimônio cultural em sala de aula.
Na segunda etapa, a proposta colocada em prática considerou a
atuação dos docentes não apenas como multiplicadores, mas principalmente
como formadores, sendo uma das peças-chave para efetivar a mediação com
o patrimônio. Neste momento, as oficinas buscaram dar continuidade às ações
iniciadas na etapa anterior e propiciaram a oportunidade de verificar o alcance
obtido com as ações realizadas em 2002.

Atividades da primeira etapa (2002)

O Estudo acerca da Percepção do Patrimônio


Cultural na UHE Barra Grande

Um dos primeiros aspectos a ser levado em conta no trabalho


multidisciplinar refere-se ao conhecimento da realidade da comunidade onde o
Programa de Educação Patrimonial será realizado. Portanto, antes de trabalhar
questões relativas ao patrimônio, faz-se necessário verificar e compreender
137
como essa comunidade se organiza política e economicamente, quais os
valores que a constituem e o que considera como seu patrimônio cultural para
que seja possível, a partir da situação constatada, estabelecer os objetivos e
planejar as ações educativas futuras.
O Subprojeto de Valorização do Patrimônio Cultural foi concebido
como parte integrante do projeto de resgate arqueológico do canteiro de obras
da UHE Barra Grande. Na oportunidade foi realizado um vasto levantamento
do patrimônio cultural reconhecido pelos próprios moradores e a partir deste
levantamento deu-se início o planejamento do conteúdo para as oficinas para
docentes.
O estudo de percepção do patrimônio cultural objetivou saber como
o patrimônio cultural local é espontaneamente identificado pela população
regional e como este é valorizado. Para realizar este levantamento, foi
selecionada uma cidade de grande porte e uma de pequeno porte em cada
margem do rio Pelotas como alvo da pesquisa: Anita Garibaldi (SC) e
Pinhal da Serra (RS), municípios de menor porte, e Lages (SC) e Vacaria (RS),
cidades de maior porte.
A metodologia utilizada para o estudo de percepção do patrimônio
cultural foi a entrevista aberta, elaborando-se para tanto uma Ficha de
Rio Pelotas, SC:
Entrevista acerca da Percepção do Patrimônio Cultural61. Esta ficha foi o
instrumento norteador da entrevista e sistematizador das informações obtidas
junto aos entrevistados.
Durante a realização das entrevistas não foi utilizado gravador em razão
do efeito inibidor que poderia provocar no entrevistado. Outra razão para a
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

não utilização deste recurso era a possibilidade da entrevista estender-se muito


além do tempo de gravação que uma fita cassete suportaria, acarretando a
troca freqüente das fitas e a quebra na continuidade do diálogodesenvolvido.
Sempre que possível,realizou-se o registro fotográfico do objeto indicado co-
mopatrimônio na comunidade pelos entrevistados.
Para a seleção dosentrevistados foi realizado um levantamento do uni-
UHE Barra Grande

verso escolar dos quatro municípios escolhidos. Os entrevistados (familiares


dos estudantes) foram selecionados através de um sorteio, a partir da lista
geral dos alunos das escolas da zona urbana e rural. Ao todo, foram realizadas
36 entrevistas, assim distribuídas: seis em Anita Garibaldi, seis em Pinhal da
Serra, doze em Lages e doze em Vacaria.
Inicialmente, buscou-se saber neste estudo se os moradores da área
a contribuição da

de influência do empreendimento percebiam os bens materiais ou imateriais


locais como patrimônio cultural e formadores da identidade regional.
Na sequência, a partir de resposta positiva à questão inicial, realizou-
Estudo

se uma listagem e classificação dos bens mencionados, utilizando a tipologia


apresentada no gráfico 8.
A análise das entrevistas revelou que é indubitável a existência de
percepção do patrimônio cultural na área de influência do empreendi-
138 mento. Apenas uma das pessoas entrevistadas deixou de evidenciar aquela
percepção, indicando que 97% dos entrevistados reconheceram bens materiais
e imateriais como incluídos no patrimônio cultural da área de abrangência do
projeto. Essa percepção, no entanto, distribui-se desigualmente pelos bens que
constituem o patrimônio cultural em apreço.
No que diz respeito ao conhecimento da história regional, 54% dos
entrevistados afirmaram desconhecê-la, sendo que os 46% que dela sabiam
algo jamais relacionaram os episódios narrados às características locais apon-
tadas como bens materiais ou imateriais regionais.
Quanto aos bens materiais naturais, tais como a Gruta Nossa Senhora
de Lourdes, localizada no município de Anita Garibaldi (RS), e a Cascata do
Lajeado, em Pinhal da Serra (RS), apenas 25% dos entrevistados estabelece-
ram alguma relação entre aqueles lugares e as identidades locais e a regional.
O patrimônio cultural edificado é, também, pouco relacionado com
as identidades locais e a regional. Tal como ocorreu com os bens materiais
naturais, apenas 25% dos entrevistados elegeram algum exemplar do
patrimônio cultural edificado para evocar as identidades locais e a regional,
sendo notável o caso da Catedral de Vacaria (RS), mencionada por 41% dos
entrevistados naquele município.
Por outro lado, as festas locais foram identificadas como portado-
61
Esta ficha foi elaborada por Carlos Eduardo Caldarelli e encontra-se no anexo 2.
Educação patrimonial:
docEntEs como transformadorEs
ras de referências às identidades por 45% dos entrevistados. Mais ainda, as
culinárias locais e a regional foram mencionadas da mesma forma por 88%
dos entrevistados, destacando-se o chimarrão que, além de ser uma bebida, faz
parte de um ritual diário, cujo desenrolar estende-se desde a sua preparação
até o seu consumo coletivo.
Depreende-se da análise do conteúdo das entrevistas que,

dE
prioritariamente, os bens considerados “portadores de referência à identidade,

6.as oficinas
à ação e à memória” locais e à regional são as festas, a culinária e o ritual
ligado ao chimarrão. Isto fica ainda mais fortemente caracterizado, quando
se consideram as referências esparsas ao fato de serem narrados “causos” nas
reuniões provocadas pelas festas e pelo consumo coletivo de comida e do
chimarrão. Dessa forma, é possível afirmar que a percepção do patrimônio
cultural local, apesar de existente, é voltada, principalmente, para os bens de
natureza imaterial
Registra-se também o fato da percepção destes últimos bens carecerem
de maiores referências históricas, sendo relacionados, de um modo vago, a
costumes e tradições míticos. Esta última característica da percepção do pat-
rimônio cultural local e regional coaduna-se com o teor das brevíssimas nar-
rativas históricas coletadas, as quais só muito raramente referem-se a fatos
concretos ocorridos. Estas narrativas, ademais, raramente incluem referên-
cias, ainda que breves, às origens das tradições e costumes nos grupos sociais
formadores da sociedade regional atual.
Vale observar, ainda, no que diz respeito àqueles grupos, que
são vistos de forma estanque, como se tivessem sucedido índios,
madeireiros e agricultores, na região, sem exercer qualquer influência uns so- 139
bre os outros.

Gráfico 08: Manifestações culturais mencionadas nas entrevistas (X) em porcentagem (Y).

A carência de menções a fatos históricos, por outro lado,


exclui, por si só, qualquer percepção da eventual ligação entre estes fatos e
os elementos materiais das culturas locais e regional, os quais, aliás, são par-
camente considerados como portadores de referência à identidade regional,
rio pElotas, sc:
sendo mais apreciados pelos seus aspec-
tos utilitários.
Em suma, o encaminhamento das
ações desenvolvidas com o fito de valo-
rizar o patrimônio cultural da área de in-
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

fluência do empreendimento considerou


estas características observadas da sua
percepção, dirigindo-se aos aspectos em
que foi identificado como deficiente, de
modo que se fez necessário enfatizar as
ligações entre os bens materiais do pat-
uHE barra grandE

rimônio cultural - tais como os bens do


patrimônio edificado e sítios e ma- Figura 117: Fórum de Anita Garibaldi, local
indicado como importante no município.
teriais naturais, etnográficos e
arqueológicos - e fatos históricos e
traços regionais concretos, além de
tornar perceptível a contribuição dos
a contribuição da

vários grupos formadores da sociedade


regional para a sua configuração atual.
Estudo

oficinas de educaÇÃo
Patrimonial – Primeira eta-
Pa (2002)

140 As oficinas da primeira etapa, de-


Figura 118: Fruto típico do planalto:
senvolvidas durante os meses de agosto Pinhão. Indicado pelos entrevistados como o
e novembro de 2002, com professores que não se deve deixar de comer.
dos nove municípios abrangidos pelo
empreendimento, foram organizadas e
estruturadas tendo como eixo norteador
a perspectiva construtivista62 (SCIEN-
TIA, 2003).
Para tanto, a propos-
ta das oficinas foi apresentada às
Secretarias de Educação dos municípios
para que fosse possível a participação
conjunta e a construção das oficinas
de modo coletivo, diante das necessi-
dades a pontadas pelas secretarias e das
carências apontadas no estudo acerca da Figura 119: Catedral Nossa Senhora dos
62 Prazeres, em Lages. Local que não se deve
A perspectiva construtivista, adotada pe-
deixar de ver.
los coordenadores das atividades nesta etapa,
está relacionada com a concepção de “aprender
fazendo”, pela “construção do conhecimen-
to”. Não está vinculada a nenhum teórico
específico.
Educação patrimonial:
docEntEs como transformadorEs
percepção do patrimônio cultural.
Após as reuniões de planejamento,
foi definida a realização de quatro oficinas
em cada Estado, com a disponibilização
de 100 vagas para os municípios abran-
gidos pelo empreendimento (50 em cada

dE
Estado). Nesse sentido, a distribuição

6.as oficinas
das vagas para cada município respeitou
a quantidade proporcional ao número de
professores no cômputo geral de cada
cidade. As Oficinas de Educação Patri-
Figura 120: Represa d’água desativada em monial foram dirigidas aos professores
Pinhal da Serra. Local indicado que não se da rede escolar pública, tanto municipal
deve deixar de visitar. quanto estadual, dos municípios atingi-
dos pelo empreendimento. Prioritari-
amente, recomendou-se a participação
de professores dos níveis médio e fun-
damental de ensino, da área de estudos
sociais (História e Geografia), de escolas
localizadas em comunidades atingidas
pelo empreendimento.
O objetivo destas oficinas foi
promover a formação de uma consciên-
cia crítica e participativa em relação às
questões que envolvem o patrimônio 141
Figura 121: Pomar de maçã em Vacaria,
cultural, além de municiar o docente no
local indicado como importante de se ver. que tange à pré-história da região e ao re-
sultado das pesquisas arqueológicas.
Estipulou-se uma carga horária to-
tal de 32 horas/aula, divididas em quatro
módulos, sendo cada um com seis horas
em sala de aula e duas horas de atividades
extraclasse. As Oficinas de Educação
Patrimonial foram planejadas para que
ocorressem na modalidade presencial,
em encontros mensais, de modo que se
obtivesse uma continuidade no processo
educativo, e em atividades “extraclasse”.
Estas atividades consistiram na realiza-
Figura 122: Outdoor da Festa do Pinhão ção de ações pelos participantes em seus
em Lages, da qual não se deve deixar de municípios de origem, envolvendo os
participar. grupos, a comunidade ou seus próprios
alunos. Tais atividades corresponderam à
aplicação dos temas desenvolvidos
em cada um dos módulos oferecidos,
Rio Pelotas, SC:
tendo como foco a prática e a reflexão sobre a mesma, por meio da orga-
nização de seminários no encerramento de cada módulo. Os seminários de
avaliação eram compostos pela extroversão das atividades desenvolvidas
e pela análise do caminho didático percorrido, de modo a identificar possi-
bilidades de aperfeiçoamento e sucessos nas práticas, de acordo com cada
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

intencionalidade educativa proposta.


As Oficinas de Educação Patrimonial objetivaram o embasamento
teórico, abordando os conceitos e definições relacionados ao patrimônio
cultural, proporcionando momentos de discussão e reflexão. Para tanto,
buscou-se conciliar a base teórica e situações práticas, de modo que
possibilitassem o aprendizado e a interiorização a partir da proposta de
UHE Barra Grande

“aprender - fazendo”, ou seja, vivenciar experiências concretas de ensino/


aprendizagem.
As quatro oficinas foram organizadas de modo integrado e
complementar, em que os assuntos pudessem ser trabalhados de forma
gradativa. Outro aspecto da integração dos módulos foi a realização das
oficinas, uma em cada município. Dessa forma, os docentes, além de conhe-
a contribuição da

cerem o patrimônio de seu município, ampliaram a percepção ao conhecerem


as cidades vizinhas, formando uma visão mais ampla a respeito do patrimônio
cultural da região.
Estudo

As oficinas foram planejadas e organizadas com temáticas de trabalho


específicas e com o seguinte encadeamento de conteúdos:

• A Valorização do Patrimônio Cultural;


142 • Introdução à Arqueologia;
• Pré-História e Etnohistória do planalto;
• Arqueologia, História e Patrimônio Cultural.

Entre as atividades que serviram como recursos de ensino/


aprendizagem podem-se relacionar: aplicação de jogos e atividades lúdicas;
confecção de folhas didáticas com sugestões de atividades para sala de aula
ou extraclasse; organização de roteiros e materiais de apoio para estudos de
casos ou visitas fora do ambiente escolar; seleção de textos sobre o patrimônio
cultural; uso de kit pedagógico de material arqueológico; atividades de
criação e exploração (maquetes, fotografias, dramatização, etc.); pesquisa em
jornais, revistas, livros e documentos; recursos audiovisuais (vídeos, música,
slides, fotografias, lâminas); visita guiada a sítios arqueológicos; simulação de
escavação, entre outros.

Perfil dos participantes das oficinas

Para o planejamento das oficinas buscou-se considerar o perfil dos


participantes, ou seja, verificar qual a área de atuação, a formação acadêmica,
a idade dos participantes, enfim, informações que pudessem dar uma breve
caracterização do dia-a-dia destes profissionais. Estas informações foram
Educação patrimonial:
docEntEs como transformadorEs
colhidas através das fichas de inscrição.
A maioria dos inscritos (87%) era constituída pelo sexo feminino,
enquanto que apenas 13% eram do sexo masculino. Já com relação à faixa
etária, verificou-se que eram professores de meia-idade, já que apenas 20%
tinham menos de 30 anos.

dE
6.as oficinas
Gráfico 09: Faixa etária dos
participantes das oficinas da
primeira etapa.

O grau de instrução dos professores, em sua maioria, não era deficitário,


visto que apenas 10% não possuíam ensino superior completo. Este número é
bem menor do que os que já possuíam um curso de pós-graduação, seja stricto
sensu ou lato sensu. Possivelmente a grande oferta destes cursos na modali-
dade “à distância” seja um dos responsáveis pelo alto índice de professores
com graduação e pós-graduação concluídas.

Gráfico 10: Nível de escolari-


dade dos participantes das ofici- 143
nas da primeira etapa.

Conforme já mencionado, a proposta inicial era que as vagas fos-


sem destinadas aos professores da rede pública de ensino, e caso sobrassem
vagas, então fossem destinadas a professores da rede privada. Isto explica
o alto índice de participação de professores da rede pública, seja municipal
(52%) ou estadual (22%).

Gráfico 11: Local de atuação


dos participantes das oficinas
da primeira etapa.

Observando-se os próximos gráficos, é possível identificar as áreas


de atuação dos participantes das oficinas, sendo a maioria (76%) professo-
rio pElotas, sc:
res que atuam nas áreas do Ensino Médio, Fundamental ou em ambos. Os
demais se compõem de pessoas ligadas a outras atividades escolares, tais como
diretores, coordenadores e supervisores pedagógicos, além de ocupantes de
cargos administrativos ligados às Secretarias Municipais de Educação e Cul-
tura e às coordenadorias regionais de ensino. O outro grupo é composto por
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

pessoas que exercem suas funções em instituições de cultura, como museus e


bibliotecas.

Gráfico 12: Área de atuação


dos participantes das oficinas
uHE barra grandE

da primeira etapa.
a contribuição da

Gráfico 13: Área de atuação


Estudo

dos participantes das oficinas


da primeira etapa.

144

Por fim, verificou-se que a maioria dos professores que atuam em sala
de aula, principalmente nos ensinos fundamental e médio, lecionavam as
disciplinas de História, Geografia, e Sociologia, concentradas no gráfico a
seguir pelo tema geral, como Estudos Sociais.

Gráfico 14: Disciplinas que


os participantes das oficinas da
primeira etapa lecionam.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
Estudo de Percepção Acerca do Patrimônio Cultural com os
Participantes das Oficinas

No início da primeira oficina, foi aplicada a Ficha do Estudo de


Percepção acerca do Patrimônio Cultural, adaptada para os participantes.
Esta ficha é semelhante à aplicada no estudo de valorização do patrimônio,

de
descrito no item anterior.

6.As Oficinas
Quanto aos resultados obtidos com os participantes das oficinas, cabe
ressaltar a similaridade entre eles e os moradores pesquisados na área de
influência do empreendimento, no que diz respeito ao que lhes chama a
atenção no patrimônio cultural regional: para 42% dos participantes das ofici-
nas, é o chimarrão que mais evoca sua identidade, sendo que o churrasco que,
a exemplo do chimarrão, além de uma iguaria é um ritual, aparece da mesma
forma para 34%. Em seguida vem a Festa do Pinhão, mencionada por 15%
dos participantes.
Por outro lado, o item individualizado de cultura material regional
lembrado com mais freqüência (7%) é a Catedral Nossa Senhora de Oliveira,
em Vacaria. Os outros bens mencionados têm freqüências diminutas.
Assim, vale para os participantes das oficinas a mesma observação feita
em relação aos moradores pesquisados na área de influência do empreendi-
mento: a sua percepção do próprio patrimônio cultural é voltada também,
principalmente, para os bens de natureza imaterial.
É de notar, no entanto, que a percepção acerca da existência de um
patrimônio cultural regional é menos intensa entre os participantes das
oficinas: no que diz respeito a lugares importantes, houve predominância 145
(52%) entre eles de respostas genéricas ou referentes a locais que não perten-
cem à região.
Entre os participantes das oficinas, o interesse pelos bens que
constituem o patrimônio cultural regional é repartido quase que igualmente
com o despertado pela cultura de massa, representada, nas entrevistas, por
atrações e atividades de lazer e entretenimento.
Grosso modo, concluiu-se da análise dos dados obtidos nas entrevistas
com os participantes das oficinas e nas entrevistas obtidas junto aos pesqui-
sados na área de influência do empreendimento a pertinência e a necessidade
de se estabelecer ligações entre os bens materiais do patrimônio cultural e a
identidade regional.

Os encontros com os professores

A primeira oficina teve como tema a Valorização do Patrimônio


Cultural nos municípios de Campo Belo do Sul (SC) e Esmeralda (RS).
Propôs-se aos professores/alunos uma discussão acerca dos principais con-
ceitos de Educação Patrimonial, buscando compreender e questionar o papel
do professor do ensino fundamental e médio na matéria e elaborar práticas
de dinâmicas de grupo próprias para as realidades de abrangência do projeto.
Rio Pelotas, SC:
Nesta oficina buscou-se problematizar ainda os conceitos de Educa-
ção Patrimonial e patrimônio cultural, a inter-relação entre cultura material e
cultura imaterial, assim como a abordagem dos tipos de patrimônio. Além
desses pontos, o conteúdo programático abordou a diversidade cultural, a
identidade e a legislação que protege o patrimônio arqueológico.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Para a execução dessa primeira oficina foi escolhida a análise de


trechos de textos sobre os seguintes temas:

• Memória, objeto e sentimento;


• Princípios da Educação Patrimonial;
• Massificação da Cultura; e,
UHE Barra Grande

• Tipos de Patrimônio.

Para o estudo destes sub-temas, foi elaborada uma dinâmica de grupo


onde os professores/alunos, divididos em quatro equipes, desenvolveram,
através de atividades lúdicas, cênicas, motoras e interpretativas, questões im-
portantes para os recursos teóricos necessários à prática docente amparada
a contribuição da

pela valorização do patrimônio cultural. Tais atividades propunham temas


geradores para a discussão de questões elencadas no conteúdo programático.
Estudo

146

Figura 123: Montagem de quebra- Figura 124: Apresentação do painel


cabeças com imagens de patrimônios com o tema “Conceitos de Educação
regionais para a formação de grupos de Patrimonial”.
trabalho.

No segundo módulo, o tema da oficina foi Introdução à


Arqueologia, ministrada nos municípios de Lages (SC) e Vacaria (RS). Nes-
ta oficina propôs-se reconhecer a arqueologia como ciência, que emprega
procedimentos e técnicas específicas e desmistificar a imagem do arqueólogo,
profissional por vezes distante do cotidiano dos alunos. Procurou-se ampliar a
percepção dos participantes a respeito das múltiplas atividades que envolvem
a pesquisa arqueológica, modificando a noção habitual que reduz a profissão
apenas ao trabalho de campo.
As atividades deste módulo visaram demonstrar, por meio de atividades
práticas, como a arqueologia trabalha, assim como indicar formas de aborda-
gem do tema em sala de aula e, ainda, reconhecer a arqueologia como ciência
que emprega procedimentos e técnicas específicas para estudar sistematica-
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
mente os remanescentes materiais de sociedades pretéritas, buscando com-
preender como viviam e se organizavam.
Para tanto, foram abordados os tipos de sítios arqueológicos presentes
no sul do Brasil, assim como a apresentação dos vídeos: Um foco na Arqueo-
logia (SEVERO, 1995) e Cartilha das Escavações: História da Arqueologia
(Produção: NG). Nesta oficina foi articulada uma série de atividades práticas

de
buscando aproximar o conteúdo da prática em sala de aula.

6.As Oficinas
Figura 125: Descoberta de um sítio Figura 126: Interpretando o contexto,
arqueológico - escavação simulada com significado e função dos objetos numa
professores. atividade prática.

O terceiro módulo compreendeu a abordagem do tema Pré-história e


Etnohistória do planalto, ministrada nos municípios de Anita Garibaldi (SC)
e em Bom Jesus (RS). Nesta oficina, foi apresentada uma visão panorâmica da
pré-história e etnohistória do planalto, desde os primeiros habitantes até a con-
quista do território pelo colonizador europeu e as relações de conflito, domi- 147
nação e resistência. Outro aspecto apontado foi a importância dos achados
arqueológicos nas pesquisas realizadas durante o projeto de arqueologia na
área do empreendimento, para a compreensão da pré-história do Rio Grande
do Sul e de Santa Catarina.
Como atividade prática foi
realizada uma visita guiada às es-
cavações arqueológicas que estavam
sendo executadas e a sítios arqueológi-
cos identificados na região: a) sítio
de estruturas escavadas (RS-AN-03)
localizado no Parque Leotídia, em
Bom Jesus (RS); e b) sítio de estruturas
escavadas (Alcides Lima I), lito-
cerâmico (Alcides Lima II) e estru-
Figura 127: Visita a um sítio
arqueológico caracterizado por uma
tura anelar (Silvio Fernandes I), no
estrutura escavada, em Bom Jesus. Município de Anita Garibaldi (SC).
Num segundo momento, a
oficina dedicou-se à arqueologia experimental e propôs uma vivência do
experimento em arqueologia através da observação das técnicas de lascamen-
to de pedra e da manufatura da cerâmica.
Rio Pelotas, SC:
Inicialmente, foram expostas
diversas técnicas de lascamento por
meio de uma atividade prática que pôde
ser observada de perto pelos profes-
sores. Na sequência, deu-se a oficina
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

de cerâmica, que proporcionou aos


participantes um contato manual com a
arqueologia experimental. Após a
observação dos objetos cerâmicos
Figura 128: Visita ao sítio arqueológico da exposição, os professores/alunos
de estrutura anelar (SC-AG-99) em Anita foram convidados a confeccionar obje-
Garibaldi. Detalhe de uma quadrícula tos de argila com a técnica dos roletes
UHE Barra Grande

escavada.
(acordelado), sobrepostos e contínuos,
e a técnica de modelado, reproduzindo alguns padrões decorativos.
A quarta e última oficina se propôs a trabalhar o tema Arqueologia,
História e Patrimônio Cultural. Essa oficina foi realizada nos municípios de
Lages (SC) e Pinhal da Serra (RS) e seus objetivos foram avaliar a contri-
a contribuição da

buição da arqueologia histórica na reconstrução do passado e perceber a im-


portância da preservação do patrimônio cultural, analisando as possibilidades
de aplicação destes conhecimentos na prática pedagógica.
Estudo

Assim como as oficinas anteriores, as atividades desenvolvidas durante


este módulo abrangeram teoria e prática, sendo a primeira voltada à definição
da Arqueologia Histórica, sua importância e a relação desta com a História; e
a segunda, consistiu num exercício de classificação e catalogação de artefatos
148 arqueológicos históricos63, despertando nos participantes a noção básica com
relação à classificação deste tipo de material e sua contribuição para a com-
preensão da História (SCIENTIA, 2003, p. 53).

Figura 129: Desenvolvimento da atividade Figura 130: Grupos de professores


prática sobre louça com os professores, analisando material arqueológico histórico
com a elaboração de critérios de classifica- na Oficina de Louça.
ção do material arqueológico histórico.

63
Material arqueológico histórico de referência proveniente do Forte Santana (Florianópolis,
SC), compostos por fragmentos de louças.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
Atividades extraclasse: fazendo a diferença

Como forma complementar às oficinas, foram desenvolvidas atividades


denominadas “extraclasse”. Tais atividades convidavam os participantes a de-
senvolverem em seu próprio município alguma atividade envolvendo a comu-
nidade local, escolar ou não. As atividades extraclasse foram elaboradas com
o objetivo de servir como elemento fixador das temáticas desenvolvidas no

de
6.As Oficinas
decorrer das oficinas e como ferramenta para proporcionar ao professor/aluno
a oportunidade de aplicar, na prática, os temas abordados e assim obter um
aproveitamento imediato dos conceitos relativos à valorização do patrimônio
cultural
Os conjuntos de atividades eram entregues aos participantes a cada
encerramento de oficina, sendo avaliados os resultados no encontro seguinte,
por meio de seminários de discussão e apresentação dos trabalhos realizados.
O resultado destas atividades elucidou que o caminho escolhido no
planejamento da oficina havia sido o mais acertado. No Município de Pinhal
da Serra (RS), duas professoras realizaram um conjunto de atividades, ini-
ciado pela confecção e apresentação aos alunos, de um painel com a seguinte
indagação: “O que representam estas gravuras para você?”. As imagens fixa-
das no painel correspondiam a um punhado de soja, um gaiteiro, uma casa de
madeira, ditados populares, foto de uma escola, um rebanho ovino, um baile,
um cavalo, um santuário e uma cascata (SCIENTIA, 2003, p. 59).
Além da observação do painel, os alunos foram convidados a incluírem
imagens relacionadas às existentes. As sugestões realizadas demonstraram
a ampla dimensão que é possível atingir, quando se dá voz ao (re)conheci- 149
mento e sentido ao patrimônio. Nesse caso, os alunos apresentaram imagens
como: Morro Agudo, Hospital, APAE, Boates, Cemitério, Museu, Pinheiro de
Araucária, Casa do Povo, Praça, Prédios, Rodoviária, Cachaça no Borrachão,
rio Carazinho, asilo, rádio, bares, imagens da natureza, entre outras sugestões.
As professoras solicitaram, após esta atividade, que os alunos levassem
à escola objetos de sua família. Dentre diversos objetos, escolheram a “bomba
de chimarrão”64 para um estudo em grupo. Da discussão sobre “o que a bomba
de chimarrão faz lembrar”, alguns aspectos foram identificados (SCIENTIA,
2003, p. 60):

A Bomba lembra:
Chimarrão: amargo, quente, mate doce, gaúcho;
Cultura: passado, tradição, museu, revoluções;
Rio Grande do Sul: Felipão, frio, agropecuária, Grêmio;
União familiar: afeto, carinho, amor;
Água: bebida, chuva, poluição;
Indústria: emprego, desemprego, poluição e
Erva: droga, natural, agricultura.

64
Bomba de Chimarrão: espécie de canudo com um crivo em uma das extremidades. Este crivo
é mergulhado na cuia - onde também é colocado a erva e a água – para sorver/beber Chimarrão.
Rio Pelotas, SC:
A impressão registrada pelas professoras revelou que:

Para alguns alunos estes objetos não possuem valor, apenas ocupam
em suas casas um lugar ou servem para guardar na estante como
enfeite.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Para outros, eles são utilizados no interior do município, lembram


o passado e as dificuldades pelas quais as pessoas passaram. Perce-
beu-se que hoje temos uma grande vantagem sobre elas e que nem
sempre sabemos aproveitar. Surgiu também a comparação entre
as modernas máquinas (tratores) que temos hoje e o problema do
desemprego que essas máquinas ocasionaram (Idem., p. 60-61).
UHE Barra Grande

Outra experiência que merece destaque foi a “construção” de um sítio


arqueológico para observação. A partir da experiência proposta por Morley
(1992) e adaptada por Herberts e Tedesco (2008, p. 62-63), os alunos, orienta-
dos por professoras de Vacaria (RS), enterraram diversos materiais, das mais
variadas origens (madeira, papel, metal, plástico fibras orgânica, etc.) em uma
bacia de areia. Uma das alunas envolvidas relata o experimento:
a contribuição da

No dia 18 de setembro [de 2002] nós montamos o nosso sítio


arqueológico. Pegamos uma bacia e colocamos areia dentro. Depois
Estudo

enterramos os seguintes materiais: chiclete, bonequinho, pedra, cas-


ca de banana, plástico, couro e giz. Deixamos um mês, colocando
água de dois em dois dias. Hoje, dia 23 de outubro, vamos esca-
var desenterrando os materiais. O chiclete está igual, o bonequinho
150 está igual, a casca de banana está preta, a sacola plástica está igual,
o couro está igual, o giz era inteiro e está quebrado e ficou verde
forte... Chegamos à conclusão que o lixo orgânico se decompõe e o
lixo seco não... (SCIENTIA, 2003, p. 66).

Um grupo de professores, do mesmo município, também desenvolveu a


atividade e a análise que fizeram após a experiência foi que:

Este exercício é muito interessante para demonstrar aos alunos


como é o trabalho da arqueologia: demorado, difícil, surpreendente,
revelador, importantíssimo para a descoberta dos usos, costumes
e cultura de um povo, e às vezes, até decepcionante... Podemos
observar alguns fatores naturais que influenciam na preservação
ou não de materiais que ficam jogados na natureza; da importância
da reciclagem e da arqueologia do futuro... Sabemos que artefatos
feitos de pedra... tem longa duração e são capazes de explicar vários
aspectos sobre a forma de vida de um povo, mas por outro lado,
nem sempre o arqueólogo pode fazer um serviço completo pois
a própria natureza decompõe materiais orgânicos, dificultando a
obtenção e o esclarecimento de maiores detalhes nas suas pesqui-
sas... (SCIENTIA, 2003, p. 67).
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
As experiências vivenciadas e trazidas como resultado pelos docentes
mostraram que é possível realizar atividades no espaço escolar, colocando em
prática o princípio vigotiskiano de que a partir do conhecimento que se tem,
é possível elevar e auxiliar o indivíduo a chegar em níveis mais complexos e
que a mediação realizada pelo professor é primordial nesse processo.

de
Avaliação das oficinas

6.As Oficinas
Com o intuito de avaliar as oficinas e recolher sugestões de melhoria
e de continuidade das mesmas, elaborou-se uma ficha de avaliação aplicada
no final do último encontro. Os participantes foram solicitados a darem suas
opiniões através da atribuição de conceitos que variavam de 1 (pior conceito)
a 5 (melhor conceito) com relação aos seguintes quesitos:

• Grau de satisfação em relação às oficinas realizadas;


• Conteúdos programáticos;
• Recursos pedagógicos (atividades práticas, jogos, brincadeiras,
etc.);
• Recursos audiovisuais (retroprojetor, projetor de slides, vídeo-
cassete, televisão, etc.);
• Atuação dos instrutores;
• Infraestrutura dos locais de realização das oficinas;
• Atividades extraclasse propostas;
• Planejamento das oficinas (carga horária dos módulos, datas,
locais, número de vagas, etc.); e 151
• Atividades desenvolvidas como sugestões para uso em sala de
aula.

Na segunda parte, propuseram-se questões descritivas para os seguintes


questionamentos:

• Aponte pontos positivos das Oficinas de Educação Patrimonial;


• Aponte pontos negativos das Oficinas de Educação
Patrimonial;
• Comente a importância de ter participado do Projeto de Valori-
zação do Patrimônio Cultural através das Oficinas de Educação
Patrimonial;
• Sugestões para melhoria das Oficinas de Educação
Patrimonial; e
• Sugestões para continuidade do Projeto de Valorização do
Patrimônio Cultural.

A partir do registro, verificou-se que quando questionados sobre a


satisfação em relação às oficinas, a maioria dos participantes (73% no
Estado de Santa Catarina e 55% no Estado do Rio Grande do Sul) disseram que
Rio Pelotas, SC:
acharam muito bom (conceito 5), e nenhum classificou como muito ruim
(conceito 1). Com relação ao conteúdo programático e aos recursos pedagógi-
cos, as avaliações seguiram semelhantes ao primeiro questionamento (67% e
68% em Santa Catarina e 57% e 66% no Rio Grande do Sul).
A partir do registro, verificou-se que quando questionados sobre a
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

satisfação em relação às oficinas, a maioria dos participantes (73% no Estado


de Santa Catarina e 55% no Estado do Rio Grande do Sul) disseram que acha-
ram muito bom (conceito 5), e nenhum classificou como muito ruim (conceito
1). Com relação ao conteúdo programático e aos recursos pedagógicos, as
avaliações seguiram semelhantes ao primeiro questionamento (67% e 68% em
Santa Catarina e 57% e 66% no Rio Grande do Sul).
UHE Barra Grande

Os recursos audiovisuais não superaram a expectativa da maioria dos


participantes das oficinas do Rio Grande do Sul, permanecendo uma média
de 46% de respostas com o conceito 5. Já entre os participantes de Santa
Catarina, a maioria (67%) os classificou como muito bons.
Com relação à atuação dos instrutores, a maioria dos participantes dos
dois Estados conceituou como muito boa, em todas as oficinas. Já com rela-
a contribuição da

ção à infra-estrutura, a maioria dos participantes apontou como boa (conceito


4) para a última oficina, enquanto que para as demais, o conceito foi 5.
Quando questionados sobre as atividades extraclasse, apenas 3% dos
Estudo

participantes do Rio Grande do Sul apontaram como ruim e 15 % como regu-


lar, sendo que os demais participantes, dos dois Estados, acharam boas ou
muito boas.
Quanto ao planejamento das oficinas, novamente no Estado do Rio
152 Grande do Sul, 3% conceituou como muito ruim, 3% como ruim e 21% como
regular. Os demais professores dos dois Estados conceituaram as oficinas
como boas (73% no RS e 24% em SC) ou muito boas (64% em SC).
As atividades desenvolvidas durantes as oficinas e dadas como
sugestões a serem trabalhadas em sala de aula foram consideradas muito boas
ou boas pela maioria dos participantes, sendo que apenas 3% dos participantes
da primeira, segunda e quarta oficinas no Rio Grande do Sul consideraram as
atividades muito ruins.
Alguns pontos das avaliações negativas das oficinas foram esclarecidos
quando os participantes foram solicitados a escrever os aspectos negativos,
positivos e as sugestões de melhoria. Como resultado obteve-se:

Pontos positivos apresentados pelos participantes65


(nas palavras dos participantes)

Opinião dos participantes de Santa Catarina:


• As visitas aos sítios arqueológicos e as aulas práticas.
O entrosamento do grupo também foi de muita importância.
65
Para os aspectos positivos e negativos de ambos os Estados foram observadas algumas
respostas parecidas, ou com o mesmo conteúdo. Por este motivo foram selecionadas algumas
que representassem o que foi mencionado pelos demais participantes.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
• Valorização do Patrimônio Cultural e desenvolvimento das
atividades educativas com alunos.
• As atividades propostas foram bem trabalhadas, os ministrantes
conduziram bem as atividades; as datas intercaladas facilitaram
minha participação nos encontros.
• Contribuiu para acordarmos para a importância do patrimônio

de
cultural. Despertarmos, a partir deste curso para outra realidade:

6.As Oficinas
a consciência e a importância da conservação, principalmente
uma consciência mais crítica.
• A forma como foi ministrado, com dinamismo.
• Todas as oficinas podem ser usadas em sala de aula.
• Metodologias e técnicas de aplicação de resgate Histórico
Cultural, confecção de materiais didáticos pedagógicos, nova
visão sobre a importância do resgate Histórico Cultural.
• Desenvolvimento do interesse pela Educação Patrimonial
regional.
• Valorização de Patrimônio Histórico em nossa e em outras
regiões.
• Conscientização do grupo em relação às atividades
pedagógicas realizadas com nossos alunos.

Opinião dos participantes do Rio Grande do Sul:


• A diversidade nos recursos foi excelente, pois o aprendiza-
do foi grande. Os materiais, as sugestões e, principalmente, o
entusiasmo dos palestrantes em ensinar nos motivam a aprender 153
mais.
• Novidade do assunto; desmistificação, integração das diversas
áreas de estudo; troca de experiências, visitas aos sítios.
• Foram tantos, mas destaco a participação de todos e o
envolvimento das pessoas.
• A importância de valorizarmos nosso patrimônio cultural;
compreensão da própria história, relacionando a vida de ontem
e de hoje.
• Foi bem esclarecido o que é um patrimônio arqueológico;
professores legais.
• Práticas em sala de aula; consciência de patrimônio e
preservação.
• Ter uma melhor visão do Patrimônio Cultural, entender a
necessidade de conservá-lo.
• Trabalhos em grupo, visualizações, contatos diretos e práticos
com a atividade; capacitação e disponibilidade dos professores.
• De saber que qualquer coisa (objeto, arte, música, costume...)
também é um patrimônio cultural.
Rio Pelotas, SC:
Aspectos negativos apontados pelos participantes

Opinião dos participantes de Santa Catarina:


• A chuva que prejudicava as visitas aos sítios (arqueológicos) e
a dificuldade de acesso.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

• Não consegui detectar nenhum ponto negativo, pois o


mesmo trouxe uma bagagem de conhecimento que jamais vimos
anteriormente.
• Negativos da parte dos organizadores, sinceramente não houve.
O que lamentamos foi o comportamento de certos participantes.
• Pouco espaço de tempo.
UHE Barra Grande

• Falta de cumprimento das atividades propostas, tempo, atitudes


de alguns profissionais (reclamações).

Opinião dos participantes do Rio Grande do Sul:


• Que as atividades extraclasses fossem mais exploradas junto
ao grupo.
a contribuição da

• Um pouco cansativo para quem trabalha a semana toda, mas


valeu a pena; pouco tempo para conhecermos os trabalhos à
longa distância.
Estudo

• Algumas tarefas impossíveis de realizar (oficina número três),


tempo curto para a palestra.
• Muito tempo sentado, assuntos com pouca qualidade com a
disciplina de História.
154 • Cansativa e desinteresse por parte de muitos participantes.
• Poucas idéias para sala de aula, pouco material didático, pouco
tempo.
• Os contratempos, atrasos e as pessoas que desistiram e não
avisaram para serem substituídas.
• O tempo (muito frio no primeiro encontro), locais pouco
adequados para ficar muito tempo sentado.
• Um pouco cansativo nas explicações devido aos longos tempos
de apresentação.
• Dificuldades enfrentadas para desenvolvimento de
atividades extraclasses. Não receber cópias das lâminas
apresentadas nas oficinas.
• Pouco aproveitamento do que foi visto para a sala de aula.
• Sem aproveitamento.
• Realização dos cursos aos sábados.

Quando questionados sobre a importância de ter participado do


Projeto de Valorização do Patrimônio Cultural através das Oficinas de
Educação Patrimonial, os participantes deram respostas semelhantes aos pontos
positivos da oficina, ou seja, adquirir conhecimentos históricos para trabalhar
com os alunos, a valorização do patrimônio cultural, o incentivo a Educação
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
Patrimonial, contribuição na formação do professor, o conhecimento dos
objetos encontrados nos sítios arqueológicos e o próprio reconhecimento do
sítio arqueológico, além de conhecer o trabalho que os arqueólogos desen-
volvem na região. Apenas um professor comentou que o aproveitamento nas
oficinas foi pouco, sem justificá-la.
As sugestões dadas para a melhoria das oficinas foi com relação aos
dias dos encontros, que poderiam ser quinzenais, mais sugestões de ativi-

de
6.As Oficinas
dades para se trabalhar com os alunos, mais visitas a campo, mais atividades
práticas, abordar mais o tema da preservação em pequenos museus e maior
contato com pessoas que tenham mais experiência no convívio e formação de
comunidades.

Atividades da segunda etapa (2008)

Crianças no sítio arqueológico

Durante as atividades de escavação arqueológica foram desenvolvidas


ações voltadas ao público infantil para tornar pública a pesquisa arqueológica
em execução. O sítio estava localizado na comunidade Vila Petry, em Anita
Garibaldi (SC). Foi uma ação pontual e até certo ponto experimental, pois
estas crianças nunca haviam tido o contato com um sítio arqueológico através
da explicação científica, embora muitas delas possuírem em terras de seus
familiares sítios como estruturas escavadas e estruturas anelares.
Esta atividade estava vinculada ao Projeto de Arqueologia
Compensatória da UHE Barra Grande, desenvolvido a partir de 2006, na 155
segunda etapa da pesquisa. Tais atividades visavam envolver as crianças
num ambiente de escavação, apresentando a elas o cotidiano de uma pesqui-
sa arqueológica de campo e ao mesmo tempo, favorecer o conhecimento a
respeito dos sítios existentes na própria localidade.
Para isso, foi organizada uma visita guiada ao sítio de estruturas
escavadas Euclides Granzoto (SC-AG-107) e ao sítio de estrutura anelar
Murchão (SC-AG-108), seguida de uma experiência de escavação simulada e
de atividades de fixação por meio de folhas de atividades (SCIENTIA, 2009,
p. 18); essas ações tiveram como objetivo mediar a relação dos discentes com
a arqueologia, fazendo com que os alunos percebessem a vida dos objetos,
entendessem e sentissem que os objetos expressam traços culturais (RAMOS,
2004, p. 32). Sob a perspectiva construtivista, a atividade prática realizada
em equipe objetivou a fixação e experimentação do cotidiano de trabalho do
arqueólogo numa escavação.
O local do sítio arqueológico foi preparado antecipadamente para
receber a visita dos alunos. A trilha que dava acesso ao sítio em escavação
foi adaptada, para que o traçado ficasse ainda mais longo e que pudesse
atuar como elemento surpresa, durante a visita da escola. Outra adaptação
realizada foi no espaço destinado à escavação simulada. Nele foi realizado um
Rio Pelotas, SC:
“quadriculamento” (4m²) onde objetos da coleção de referência66 foram
dispostos e cobertos por terra, criando um sítio arqueológico fictício.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
UHE Barra Grande

Figura 131: Visita dos alunos ao sítio de Figura 132: Realização de atividade práti-
estruturas escavadas (SC-AG-107) em Ani- ca em escavação simulada de um sítio com
ta Garibaldi. os alunos.

O sítio que estava sendo pesquisado (SC-AG-108) ficava distante


cerca de 130 metros da estrada e, entre eles havia outro sítio, de estruturas
a contribuição da

escavadas (SC-AG-107). Neste sítio, a turma composta por treze alunos, dois
professores, a orientadora pedagógica e o motorista do ônibus67 fizeram a
primeira parada. Inicialmente ouviram explicações acerca das características
Estudo

construtivas deste sítio e do grupo indígena que o construiu. Além disso, os


alunos foram convidados a realizar uma experiência em relação a esse sítio ao
entrarem e sentarem na base das estruturas escavadas (casas subterrâneas),
para que percebessem a diferença na sensação térmica dentro e fora dela,
156 assim como a profundidade e a forma das mesmas.
Quando finalmente chegaram ao sítio de estrutura anelar (SC-AG-108),
as crianças puderam observar in loco o que era uma escavação arqueológica,
através dos equipamentos e procedimentos utilizados na pesquisa. Tiveram
contato com artefatos retirados da escavação, podendo observar, entre outros
materiais, ossos humanos que haviam sido evidenciados num enterramento.
Após terem conhecido os procedimentos de campo, realizou-se a
atividade prática de escavação simulada nas quadrículas dispostas numa área
previamente preparada para esta atividade. Na área que simulava um sítio,
havia diversos artefatos arqueológicos como lâminas de machados, pontas de
projétil, líticos lascados, fragmentos de cerâmicas e pequenas rochas. Foram
fornecidos equipamentos de trabalho às crianças, tais como pincéis, pazinhas
e baldes, a fim de que a escavação fosse feita seguindo uma metodologia de
pesquisa próxima da realidade, com o cuidado de que nenhuma informação
fosse perdida.
Durante o peneiramento do solo, uma lasca foi escondida dentro de

66
Foram utilizados materiais da coleção de referência, que em grande parte são provenientes
de acervos particulares sem contextualização científica, doadas à empresa durante trabalhos de
campo.
67
O transporte das crianças foi disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação do mu-
nicípio de Anita Garibaldi (SC).
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
um balde para que eles percebessem a importância do processo de triagem do
material na peneira.

de
6.As Oficinas
Figuras 133 e 134: Exemplos das folhas de atividades desenvolvidas pelos alunos
em sala de aula após a visita ao sítio.

Além da escavação prática in loco, foram oferecidas duas outras


atividades aos professores, para que trabalhassem com os alunos em sala
de aula, proporcionando uma fixação e uma apreensão ainda maior sobre
o assunto. Foram entregues duas folhas de atividades, uma contendo um 157
“caça-palavras”, uma atividade direcionada à motricidade, chamada “ligue os
pontinhos” e outra com um espaço para desenhar o que o aluno havia obser-
vado durante a visita ao sítio arqueológico.
Dois dias depois da atividade, um membro da equipe de arqueologia foi
conhecer o trabalho desenvolvido pelos alunos em sala e pode-se constatar
que o aprendizado havia sido superior ao esperado.

O reencontro com os professores da primeira


etapa: as Oficinas de Educação Patrimonial

Em 2008 houve uma oportunidade de reencontro com os professores


que haviam participado das oficinas da primeira etapa (2002). As oficinas
foram planejadas de forma que os professores pudessem participar sem ter que
se deslocar a outra localidade. Desta forma, os módulos das oficinas foram
iguais em todos os municípios.
Aliada à proposta de ampliação na percepção do docente como peça-
chave na relação entre patrimônio e discentes, a expectativa da equipe
de Educação Patrimonial em contemplar a solicitação realizada por esses
professores em 2002 - de se fazer mais encontros e elaboração de materiais de
apoio didático - foi o que motivou a organização e a estruturação das oficinas
Rio Pelotas, SC:
nessa etapa.
Nessa perspectiva, considerou-
se, na formulação da proposta, o com-
promisso com a formação continuada
dos docentes, iniciada em 2002 e que
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

de acordo com Marin (2008), pode


ser considerada como uma “ajuda
constante”, onde os professores
são assessorados para trabalharem
assuntos nos quais por vezes pos-
sam ter dificuldades, por algum Fonte: Instituto Rodrigo Mendes, 2008.
UHE Barra Grande

tipo de desconhecimento ou falta de Figura 135: Esquema do percurso


proposto nas oficinas.
material adequado.
A intencionalidade educativa nessa etapa foi delineada a partir de um
enfoque humanista68. Portanto, a equipe de Educação Patrimonial atuou como
facilitadora e as ações foram norteadas para atividades realizadas a partir da
experiência pessoal/subjetiva e profissional, sem atividades pré-estabelecidas
a contribuição da

e delimitações quanto aos resultados. Nessa perspectiva propôs-se que os


professores envolvidos fossem motivados a desenvolverem seus próprios
planos de trabalho, focados em seus interesses particulares. Para isso, a
Estudo

dinâmica sugerida visou reforçar uma postura reflexiva e provocativa diante


do material que lhes foi entregue, no caso o gibi, o livro de apoio ao docente
e o vídeo.
O objetivo das oficinas, portanto, não foi dizer como e porque usar
158 os materiais que estavam sendo apresentados. A equipe de Educação Pat-
rimonial não estava lá como técnica, apontando qual o caminho a seguir,
mas ao oferecer o que havia sido desenvolvido e por meio da formulação
subjetiva, desenvolvida de forma conjunta, seria possível observar qual o
uso que os professores planejavam dar ao material educativo oferecido.
Durante as oficinas buscou-se saber ainda qual a impressão que eles tinham
desse material e como fariam para relacioná-lo ao que reconheciam (e se re-
conheciam) como patrimônio cultural de sua região.
Outro propósito das atividades das oficinas foi proporcionar aos docen-
tes a possibilidade de pensar de maneira interdisciplinar a utilização de todos
os materiais desenvolvidos. Buscou-se, como afirma Capra (apud ZORTEA,
1995, p. 538),

Transformar a arqueologia num projeto interdisciplinar [na] tenta-


tiva de aproximar a pesquisa da escola, fazendo com que a ciência
estabeleça um elo com o binômio possibilidade/necessidade social.
E criar condições objetivas para a superação de um paradigma base-
ado numa orientação holística.

68
Assim como na proposta elaborada em 2002, esta abordagem foi implementada de maneira
generalista, tendo como base os fundamentos desta corrente teórico-pedagógica.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
A proposta foi apoiada, também, na idéia de percurso,
trabalhando com a dimensão de tempo e levando em conta o registro, a
memória e a reflexão sobre o processo, durante o seu andamento. Como pro-
cesso, esta atividade não visou encerrar-se com a execução das oficinas em
2008 e nesse sentido, vislumbrou-se a possibilidade de continuidade, percor-
rendo os seguintes passos:

de
6.As Oficinas
Colocando a mão na massa: a realização das oficinas

Com o apoio das Secretarias de Educação e Cultura dos municípios


abrangidos pelo empreendimento, foram realizadas ações direcionadas aos
docentes das escolas públicas e privadas dos municípios catarinenses de Anita
Garibaldi, Campo Belo do Sul e Lages69; e nos municípios rio-grandenses de
Bom Jesus, Esmeralda, Pinhal da Serra e Vacaria.
O diálogo com as secretarias municipais foi fundamental para o
desenvolvimento das oficinas, pois tais órgãos foram responsáveis pelo
auxílio na seleção, inscrição dos professores, divulgação das atividades e
distribuição dos materiais para as bibliotecas das escolas da região.
Tendo em vista a necessidade
de aumentar o alcance dessa atividade,
as vagas ofertadas diferiram do crité-
rio utilizado para as oficinas de 2002
(SCIENTIA, 2003), ampliando-se seu
número. Foi realizado um encontro de
oito horas em cada município, e nos 159
dois maiores, dois encontros de oito
horas, para dobrar o número de partic-
ipantes. Ao todo foram oferecidas 330
Figura 136: Projeção do vídeo, em Pinhal vagas, 60 vagas para os municípios de
da Serra (RS). Lages (SC) e Vacaria (RS) e 30 vagas
para cada um dos demais municípios
de pequeno porte. A realização das oficinas com os professores de sete dos
nove municípios, contou com 152 participações efetivas, correspondendo a
61% do total de inscritos.
Novamente a oficina foi planejada tendo como eixo norteador
atividades que pudessem motivar os docentes no desenvolvimento de ações
com seus alunos, partindo de sua subjetividade e interesse. Para tanto, foi
planejada em dois módulos, com atividades envolvendo explanação teórica
sobre os resultados das pesquisas até então realizadas, a apresentação do ma-
terial, a avaliação dos mesmos e uma atividade prática.
No primeiro módulo, a primeira atividade intitulada Patrimônio na
69
Nos municípios de Capão Alto e Cerro Negro não foi possível realizar as oficinas com
professores por motivos específicos. Em Capão Alto (SC) o poder público local não pode
apoiar a realização das atividades, sem mencionar justificativa relevante e em Cerro Negro (SC)
houve apenas seis interessados a participar e tais participantes foram inseridos na oficina que
aconteceu no município vizinho, Campo Belo do Sul (SC).
Rio Pelotas, SC:
Memória buscou saber, dentre outras coisas, qual a relação dos docentes em
sentido particular e profissional com o tema “patrimônio cultural” e do mesmo
modo, perceber qual a idéia de patrimônio que esses sujeitos constroem, se
abordam tal temática e de que maneira o fazem em sua prática pedagógica.
Algumas perguntas abertas foram realizadas aos participantes por meio
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

de um questionário, e após sua aplicação foi feita uma dinâmica oral para
saber quais as suas respostas referentes à questão: “Quando você lê ou ouve o
termo ‘Patrimônio Cultural’, o que vem a sua mente?”.
As respostas demonstram que o conhecimento a respeito do
conceito de patrimônio cultural é bastante claro. No entanto, percebeu-se que,
em alguns casos, isso não é o suficiente para motivá-los a trabalhar o tema
UHE Barra Grande

em sala. As razões são, sobretudo, as relacionadas com a falta de material de


apoio didático e que, sem estes, os professores não se sentiam seguros para
falar sobre o tema em sala de aula, principalmente com relação ao patrimônio
arqueológico.
A partir do que foi comentado, aproveitou-se para realizar uma
breve exposição teórica sobre os conceitos a respeito dos diversos tipos de
a contribuição da

patrimônio, incluindo o patrimônio de ordem material, objeto de pesquisa da


arqueologia.
Para os municípios de Vacaria (RS) e Pinhal da Serra (RS) a atividade
Estudo

foi desenvolvida de modo diferenciado, sem a aplicação do questionário,


primando-se pela resposta oral à questão central, sobre o que cada
participante pensa quando lê ou ouve a expressão Patrimônio Cultural
(BAUER; GASKELL, 2002).
160 Esta atividade consistiu na distribuição de papéis, todos com a
expressão “Patrimônio Cultural” e cada um dos participantes escolhia um
papel, sem saber o que continha nele. A cada participante foi solicitado que
dissesse o que havia pensado quando leu a expressão escrita no papel, revelan-
do somente seu pensamento e não o que estava escrito. Após as contribuições
foi revelado que todos haviam retirado a mesma expressão, passando, então, à
abordagem dos conceitos a respeito de Patrimônio Cultural.
Em seguida, foi realizada uma explanação teórica cujo tema abordou
os resultados dos projetos desenvolvidos na área de influência da UHE Barra
Grande, além de informações sobre a arqueologia e sua prática. Na sequência
foi projetado o vídeo Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra Grande e real-
izada a sua avaliação. Por fim, houve a entrega e avaliação do gibi e do folheto
informativo, através de um formulário com espaço para registrar a opinião a
respeito destes, apontando os “aspectos positivos”, os “aspectos negativos” e
registrar as sugestões.
No segundo módulo foi realizada a entrega do livro
Oficina de Educação Patrimonial na Usina Hidrelétrica Barra Grande
(HERBERTS, Org., 2008), direcionado aos professores, e a aplicação de outra
atividade prática visando a utilização de todos os materiais.
Como objetivo central da atividade prática desse módulo,
intitulada Criando uma possibilidade, propôs-se que os professores envolvi-
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
dos fossem motivados a desenvolverem seus próprios planos de trabalho e não
somente as atividades constantes no material oferecido. Para isso, a dinâmica
sugerida visou reforçar uma postura subjetiva, reflexiva e provocativa diante
do material que lhes foi entregue.
Como reflexo da prática docente, os participantes preferiram o trabalho
em equipe, formando grupos que variaram de dois a dez participantes, inclu-

de
indo professores de diversas áreas e que atuavam em diferentes séries/anos.

6.As Oficinas
Para tanto foram elaboradas, ao todo, 25 propostas de plano de trabalho.
Estas se revelaram ótimas iniciativas e que quando efetivamente apli-
cadas serão de grande importância para a inserção dos temas “Arqueologia” e
“Patrimônio” em sala de aula.

161

Figura 137: Exemplo de proposta construída por professores durante a ativi-


dade “Criando uma possibilidade” em Bom Jesus (RS).

Ao realizar a análise das propostas construídas pelos professores per-


cebeu-se que, por mais que a oficina tivesse dado maior abordagem ao pat-
rimônio arqueológico, grande parte delas estava relacionada ao patrimônio
histórico cultural em geral. Como exemplos, podem ser citadas as propos-
tas de trabalho de alguns grupos: a) de Vacaria (RS), cujo título é Valori-
zando o Patrimônio Histórico e que tem como objetivo o reconhecimento
do Patrimônio Cultural a partir do Morro Agudo (ponto mais alto do mu-
nicípio), área utilizada por tropeiros e viajantes; b) de Bom Jesus, intitulada
Resgate Histórico da Cultura Local, que promove a sensibilização para o
conhecimento da história local através da história oral, palestras com pes-
soas idosas, excursões a locais históricos, produção de textos, maquete e dra-
matização; c) de Campo Belo do Sul, Resgatando nosso patrimônio, que visa
trabalhar com o patrimônio através de fotos antigas, objetos de família,
relatos; e d) de Lages, que tem como objetivo o levantamento de símbolos
religiosos do século XIX nos cemitérios da região de Lages com alunos do
Rio Pelotas, SC:
Ensino Médio; e Onde está a nossa História, levantamento do patrimônio
histórico municipal, pesquisa sobre a arquitetura lageana, além de atividades
como construção de maquetes, visitas a museus e casas de cultura.

Permanecendo conectados: o uso de espaço virtual


e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Outro objetivo que foi


traçado para essa oficina e que
representa um desafio, tratando-se
de Educação Patrimonial ligada à
arqueologia de contrato, é o con-
UHE Barra Grande

tato contínuo com os professores.


Para isso, foi oferecido um supor-
te permanente, visando auxiliar os
professores em sala, ampliando a
ação pontual e possibilitando aos
docentes apoio com materiais,
a contribuição da

indicações de leitura, jogos, etc.


De acordo com a possi-
bilidade de acompanhamento das
Estudo

propostas realizadas, pretende-se


seguir o percurso demonstrado
anteriormente, contribuindo ao Figura 138: Página principal do espaço virtual
mesmo tempo para a forma- destinado aos professores.
162 ção continuada e para a prática
docente, assim como para as ações de Educação Patrimonial envolvendo esse
público.
Nessa perspectiva, o suporte oferecido aos professores, posterior à
execução das oficinas, busca auxiliar a resolução de problemas na prática
docente, relacionados ao tema “Arqueologia” e “Patrimônio”. Para tanto, após
levantamento do público que possui acesso a Internet, foi criado um espaço
virtual que possibilita o acesso irrestrito dos (as) professores (as) aos materiais
solicitados70. O espaço virtual opera como um site de relacionamentos, onde
as pessoas podem criar seu perfil e postar dúvidas, sugestões, solicitações de
materiais de apoio didático, textos científicos, fazer downloads de artigos,
vídeos, etc. Este espaço é temporário, e seu uso será feito até a completa cria-
ção do espaço de Educação Patrimonial no site da Scientia Consultoria.
Ao mesmo tempo, tal ferramenta oferece uma possibilidade de se-
quência do trabalho iniciado, ampliando espaço para a auto-avaliação dos
trabalhos de educação relacionados à arqueologia de contrato, influenciando
nas diretrizes adotadas em futuras ações.

70
As informações e os materiais estão temporariamente disponíveis em http://scientiaep.ning.
com.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
Perfil dos professores que participaram da oficina

O perfil dos professores71 foi analisado através de duas questões pre-


sentes no questionário mencionado anteriormente: “formação” e “tempo de
atuação na área da educação”.
Para isso, foi considerado o número total de professores em cada

de
município, obtendo-se o cálculo da representatividade da amostra

6.As Oficinas
coletada. A tabela abaixo apresenta as informações de cada um dos municípios
pesquisados, recenseado pelo Ministério da Educação em 2007, consideran-
do os docentes que atuam nos ensinos pré-escolar, fundamental e médio, das
redes federal, estaduais, municipais e particulares.

Quadro 09: Número total de professores da rede de ensino nos municípios72


Nº de professores
Município (Redes: Federal, Estadual, Municipal e privada) (1)
Anita Garibaldi 102
Lages 1.943
Campo Belo do Sul 133
Pinhal da Serra 85
Bom Jesus 163
Esmeralda 58
Vacaria 729
Total 3.213
163
Quadro 10: Número de pesquisados e amostra percentual correspondente73.

Nº de Respostas Percentual cor-


Nº de questionários correspon- respondente à
Município questionários recolhidos dentes à população total
distribuídos população de docentes no
aferida (%) município (%)
Anita Garibaldi 31 22 21% 22%
Lages 15 13 12% 1%
Campo Belo do Sul 27 27 25% 20%
Bom Jesus 20 20 19% 12%
Esmeralda 24(4) 24 23% 41%
Total 116 106 100% -

71
Os dados apresentados indicam que a amostra coletada através do questionário Patrimônio
na memória não pode ser considerada representativa para o município de Lages (SC), em
relação à caracterização do perfil geral do docente naquele município. No entanto, as demais
amostras podem contribuir para o perfil docente de cada cidade pesquisada.
72
Dados informados pelas Secretarias de Educação Municipal.
73
Foi recolhido um questionário a mais do que o número total de participantes - supõe-se que
algum participante não tenha assinado a lista de presença e tenha participado das atividades no
02/10/08.
rio pElotas, sc:
Apenas 7% dos docentes participantes das oficinas
possuíam escolaridade em nível técnico, e 91% dos pesquisados possuem
nível superior, sendo que 66% deles possuem especialização e 25%
graduação. Em comparação com os dados levantados nas oficinas de 2002
(SCIENTIA, 2003) o público daquela ocasião foi alvo de levantamento simi-
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

lar e apresentou 55% dos pesquisados com graduação e 33% com pós-gradua-
ção (especialização, mestrado, etc.), o que indica um novo panorama referente
ao nível de escolaridade. Este rápido crescimento no nível escolar pode estar
relacionado com a expansão das universidades e a facilidade de se fazer cur-
sos de pós-graduação na modalidade “à distância” ou com aulas presenciais
durante os finais de semana.
uHE barra grandE

No gráfico a seguir, é possível identificar a maior frequência obtida em


relação à área cursada durante a graduação, tendo como os três maiores índi-
ces as áreas de Geografia, Pedagogia e História, respectivamente.
Já em relação à especialização, a maior frequência observada corre-
sponde às áreas de Pedagogia e Educação, seguida pela área de História. No
gráfico abaixo estão apresentados tais dados:
a contribuição da
Estudo

Gráfico 16: Áreas de


formação dos docentes que
participaram das oficinas –
área de especialização.

164

As informações contidas nos gráficos apresentados demonstram um


crescimento na busca pela formação continuada, em comparação com os
dados levantados em 2002. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
– LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) ter regulamentado a obriga-
toriedade da formação acadêmica obrigatória de professores, a realização de
qualquer tipo de pós-graduação não aparece como impositiva.
A outra informação considerada relevante para a caracterização do per-
fil docente foi o tempo de atuação na área da educação. Observa-se que as
três maiores freqüências são a de docentes que têm entre 1 e 10 anos de atu-
ação, representando 38% do total; seguida dos profissionais situados entre 10
e 20 anos (30%) e dos que atuam de 20 a 30 anos na área (22%). Além disso,
percebe-se que profissionais com mais de 30 anos de atuação ainda estão em
exercício, representando 5% dos pesquisados.
Educação patrimonial:
docEntEs como transformadorEs
Quadro 11: Tempo de atuação na área da educação.
Tempo / Anos Frequência Percentagem
01 |---------- 10 41 38%
10 |---------- 20 32 30%
20 |---------- 30 23 22%
30 |---------- 40 5 5%

dE
6.as oficinas
Não respondeu 5 5%
Total 106 100%

A aplicação dos temas “Arqueologia”, “Patrimônio Cultural” e


“Pré-história Regional” em sala de aula foi outra informação levantada. O
gráfico 17 mostra que 56% dos docentes já desenvolveram alguma atividade
com alunos e 44% não o fizeram74 . É importante destacar que, mesmo sendo
inferior ao primeiro índice, o número de docentes que nunca trabalhou pelo
menos um dos temas é bastante elevado, já que assuntos como patrimônio
cultural ou sociocultural são recomendados nos Parâmetros Curriculares
Nacionais de 1997 (BRASIL, 1997), assim como nas propostas curriculares
estaduais.

Gráfico 17: Quadro geral a


respeito da aplicação dos temas
“Arqueologia”, “Patrimônio Cul-
tural” e “Pré-história regional”
em sala de aula. 165

Através dos dados apresentados acima, se buscou perceber a existên-


cia de alguma relação favorável ou desfavorável, entre o tempo de atuação
e a aplicação dos temas relacionados ao patrimônio em sala de aula. Uma
das hipóteses levantadas a respeito do desenvolvimento ou não de atividades
envolvendo os temas citados, é a de que o número de professores com mais
tempo de atuação na educação está mais propenso a não abordar o tema em
sala, se comparado aos docentes com menor tempo de docência. Essa hipótese
foi fundamentada a partir das pesquisas realizadas por Maurice Tardif (2000)
sobre a prática docente, onde identifica aspectos que “cristalizam” a atuação
dos professores com maior experiência, em relação à adoção de novos temas
e recursos pedagógicos.
As informações analisadas não confirmaram tal hipótese em sua totali-
dade, já que foram considerados professores com menos tempo de atuação
74
Mesmo tendo claro que alguns professores já haviam participado das oficinas em 2002, esse
percentual não é relevante para modificar o que foi identificado, assim como não garante que
os professores que participaram da primeira etapa realmente aplicaram os conhecimentos e
desenvolveram atividades na área.
rio pElotas, sc:
os com até 10 anos de prática e, acima disso, os mais experientes. No en-
tanto, o índice de professores com 20 e 30 anos de atuação na profissão, que
não abordam os temas em sala, é proporcionalmente maior, de acordo com a
amostragem.
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

Gráfico 18: Aplicação


dos temas “Arqueologia”,
“Patrimônio Cultural” e “Pré-
história regional” em relação
ao tempo de atuação na área da
educação75 .
uHE barra grandE

Ainda com vistas a identificar quais os motivos que engendram a


aplicação ou não dos temas em sala, foi realizada a análise do discurso
(BARDIN, 1994; ORLANDI, 2002), cujo corpus foi constituído pelas respos-
tas a 106 questionários aplicados durante a atividade Patrimônio na Memória
(ver anexo 3). A primeira questão analisada foi a seguinte: “Quando você lê
a contribuição da

ou ouve as palavras “Patrimônio Cultural”, o que vem a sua mente?” (quarta


pergunta do questionário).
É necessário esclarecer que o conceito de Patrimônio Cultural que
Estudo

embasa o olhar da análise corresponde ao que está presente na Constituição


Federal de 1988 (Art. 216, incisos de I – V) e que, portanto, pode ser
considerado como “[...] a produção dos homens nos seus aspectos emocional,
intelectual e material e todas as coisas que existem na natureza. Tudo que
166 permite ao homem conhecer a si mesmo e ao mundo que o rodeia pode ser
chamado de bem cultural.” (ATAÍDES et al., 1997, p. 11).
O primeiro aspecto observado foi a presença de pronomes possessivos
que poderiam indicar qual a relação do pesquisado com o patrimônio cultural,
ou com qualquer uma das palavras “patrimônio” e/ou “cultural” e/ou “cul-
tura”. Para tanto, foram observadas as presenças de tais pronomes na 1ª pessoa
do singular (“meu”), na 1ª pessoa do plural (“nosso”) e na 3ª pessoa do singu-
lar, ou ainda, frases sem sujeito, consideradas como “impessoalidade”. Existe
uma diferenciação a respeito do grau máximo e o mínimo sobre a inclusão do
“eu” como pessoa, quando da utilização de pronomes num discurso. Lopes
(2008, p. 65) demonstra que se utiliza “[...] o pronome ‘nós’ para se referir
a ele mesmo e mais o interlocutor (eu+você) ou a ‘não-pessoa’ (eu+outros)
[...]”.
Portanto, ao utilizar o “nós” em seu texto, o emissor (pesquisado)
não inclui apenas a si, mas a qualquer um, que não ele especificamente e,
nesta análise, este elemento foi considerado como um possível distancia-
mento em relação ao significado que o “Patrimônio Cultural” tem em sentido
particular para este indivíduo. A utilização dos pronomes em 3ª pes-
soa do singular ou ausência de sujeito foi identificada como um grau de
distanciamento ainda maior; e a utilização do pronome em 1ª pessoa do
75
Foram contabilizadas 106 respostas, a partir do formulário “Patrimônio na Memória”.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
singular “meu” foi considerada como uma apropriação próxima, completa,
de inclusão do “eu”.
Nessa perspectiva, defende-se que quão menor for a apropriação a res-
peito do patrimônio cultural, menor será o envolvimento do indivíduo e, por
conseguinte, no caso dos docentes, menor também é a identificação deste e a
propensão à aplicação de temas correlatos em sala de aula.

de
Tais afirmações levam em consideração as possibilidades de

6.As Oficinas
discursos que tendem a usar o pronome em 1ª pessoa do plural como uma
forma “democrática”, próprios de discursos pedagógicos, que incluem a
coletividade, outros interessados, co-responsáveis, co-participantes, etc.
Entende-se que, mesmo diante disso, um nível de distanciamento está
caracterizado.
Após a devida análise, observou-se que o emprego da 3ª pessoa do
singular foi o mais presente nas respostas (69%), seguida do emprego da 1ª
pessoa do plural “nosso” (28%). Apenas 2% utilizaram o pronome em 1ª pes-
soa do singular “meu”.
Outro aspecto identificado na análise das respostas é que os pesqui-
sados apresentam, em sua totalidade, uma noção conceitual a respeito do
patrimônio cultural, que corresponde ao que está presente na Constituição de
1988 e ao que foi exposto sobre o assunto. Basta, portanto, tentar identificar os
“entraves” para a sua utilização em sala, já que o grau de importância dado a
esta aplicação ultrapassa aquela dada à importância para sua vida. Nesse sen-
tido, retoma-se a inferência inicial a respeito da necessidade de internalização
desse conceito, transformado em vivência, em experiência.
A segunda questão analisada de modo análogo corresponde à oitava 167
pergunta presente no questionário, a saber: “Como você avalia o grau de
importância desses temas [Arqueologia, Patrimônio Cultural e Pré-História
Regional] para a sua vida? Por quê?”.
Se comparada à pergunta analisada anteriormente, observa-se um
aumento na utilização dos pronomes em 1ª pessoa do singular “meu” de
2% para 11%, assim como a utilização do pronome em 1ª pessoa do plural
“nosso”, que apareceu na questão anterior com 28%, e nesta apresentou 47%.
Já o emprego do pronome em 3ª pessoa do singular foi observado em 39% das
respostas, representado um decréscimo.
Esta pergunta buscava uma resposta subjetiva do pesquisado e estava
vinculada à importância dos temas mencionados com relação a sua vida.
Neste caso, quando do emprego do pronome em 3ª pessoa do plural ou ausên-
cia de sujeito, ficou confirmado que existe uma estreita relação entre o profis-
sional que trabalha com interações humanas (professor) e sua subjetividade,
conforme Maurice Tardif (2000, p. 265) identificou em suas pesquisas, onde
“[...] a personalidade do trabalhador é absorvida no processo de trabalho [...]”.
Exemplos de respostas que apresentam tal relação:

- “Muito. O passado, o que está em extinção é necessário passar


para os alunos, para se conscientizarem e ter responsabilidade com
rio pElotas, sc:
o presente e futuro” (Esmeralda, RS).
- “Muito importante conhecer o passado para melhor trabalhar com
os alunos fatos do presente” (Bom Jesus, RS).

Ao confrontar apenas as ocorrências de docentes que usaram o


E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

pronome possessivo “meu” em relação à aplicação de temas em sala,


observou-se um índice 50% maior em relação ao número de docentes que não
abordaram o tema.
A seguir, o gráfico 19 mostra a relação entre a avaliação realizada pelos
docentes a respeito dos temas para sua vida e a importância dos mesmos para
aplicação em sala de aula:
Embora as análises das questões demonstrem um distanciamento
uHE barra grandE

presente no discurso, conclui-se que tal fato não pode ser vinculado direta-
mente à não aplicação de temas em sala, como sendo sua única causa. No
entanto, essa hipótese precisa ser refutada por completo após a aplicação de
outros instrumentos e análises, tendo em vista o alto número de docentes que
usou pronomes evidenciando um distanciamento e nunca aplicou nenhum
a contribuição da

tema em suas aulas (37%).


Estudo

Gráfico 19: Relação entre a avaliação


sobre a importância de aplicação dos
temas em sala e a importância para a
vida do pesquisado.

168

Mesmo que nos enunciados as questões sugerissem uma “importância”


a ser atribuída ao patrimônio, a análise demonstrou que através da estrutura do
texto, o distanciamento pôde ser identificado.
Dentre os outros fatos relevantes, que devem ser considerados para tal
análise estão: a existência de um “currículo oficial” e de temas obrigatórios,
com prazos a serem cumpridos; a transformação da prática docente em apenas
“aplicacionista”76; e as ações de Educação Patrimonial em arqueologia de con-
trato envolvendo a formação continuada de docentes.
Docentes de Esmeralda (RS) e Anita Garibaldi (SC) relataram respec-
tivamente que “trabalhamos o tema patrimônio em sala de aula, menos do que
gostaríamos, pois não há tempo e material adequado”77 e “[...] não temos um
embasamento para tratar deste assunto”78.
76
O modelo aplicacionista está baseado apenas em disciplinas de conhecimentos proposicio-
nais (didática, psicologia, etc.) mesmo que não se apliquem bem na ação cotidiana, separando
a pesquisa, a formação e a prática em três pólos distintos, criando grupos de agentes distintos:
pesquisadores, formadores e professores, quando na realidade, essa separação não deveria
existir (WIDEEN et al, 1998 apud TARDIF, 2000).
77
Registro realizado em diário de campo.
78
Retirado da resposta de um questionário.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
A partir dessas falas percebe-se que não são apenas o tempo ou o
material disponível os responsáveis pela ausência da abordagem dos temas
ligados ao patrimônio arqueológico, mas a compreensão, a apropriação do
docente a respeito do objeto de estudo: arqueologia, patrimônio cultural e
pré-história regional. O fato da prática pedagógica ter tomado um caráter
essencialmente propositivo (TARDIF, 2000) faz com que os professores

de
se preocupem com a ação, com a prática em si e não com o conhecimento

6.As Oficinas
necessário para sua execução.
Uma das maneiras para se superar esta situação de inibição dos profes-
sores com a temática do patrimônio em sala de aula seria justamente a aposta
nesta formação continuada proposta pelas oficinas. Possibilitar aos professo-
res um acompanhamento regular das suas atividades, manter aberto um canal
de diálogo, críticas, sugestões, trocas de bibliografia, dar suporte nas articula-
ções teóricas que serão postas em prática pelos docentes em sala de aula em
suas atividades vivenciais, são ações que findam por diminuir a distância e a
insegurança dos professores com a temática.
Sob essa mesma perspectiva, atenuar a distância entre os
professores e o patrimônio local - em especial o patrimônio arqueológico,
ignorado e desprezado pelos materiais educativos habitualmente disponíveis
- é estimular a formação de sujeitos com uma percepção integrada de si, do
mundo e do seu patrimônio. No caso específico do patrimônio arqueológico,
reitera-se o apelo para que as diferentes equipes envolvidas em ações de
Educação Patrimonial, vinculadas à arqueologia de contrato, trabalhem de
modo integrado e contínuo, favorecendo esse tipo de formação e contri-
buindo de forma ampla para a valorização e (re)conhecimento do patrimônio 169
arqueológico.

Avaliação das oficinas

Assim como aconteceu na primeira fase do Programa de Educação


Patrimonial, para a avaliação das oficinas desta segunda fase optou-se pela
aplicação de um questionário-avaliação a todos os participantes. O formulário,
além de informações pessoais e profissionais (abertas), continha questões
fechadas, objetivando verificar qual a opinião/satisfação dos participantes,
em relação às variáveis, a saber: a) atendimento à expectativa; b) palestra;
c) forma de apresentação; d) conteúdo da oficina; e) assuntos abordados;
f) material usado no curso; g) carga horária; e h) atividades práticas. As
escalas de gradação apresentadas, como opções para respostas foram:
a) ótimo/ótima; b) bom/boa; c) regular e d) ruim.
Neste processo de avaliação buscou-se ouvir inclusive as Secretarias
Municipais de Educação, sendo entregue a esses órgãos uma ficha semelhante
à ofertada aos docentes durante a oficina; e, obedecendo ao mesmo critério,
foram acrescidas questões sobre o material de divulgação (fornecido antes das
oficinas) e a organização das mesmas.
Durante as oficinas foram aplicadas 152 avaliações, tendo 114
Rio Pelotas, SC:
respostas, o que representa 75% do total da população aferida e 4% da
população total de professores dos sete municípios. O quadro 12 apresenta o
número de avaliações aplicadas e o respectivo retorno destas, com os dados
individualizados por município.
No entanto, apesar do questionário-avaliação aplicado fornecer dados
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

iniciais sobre a percepção dos professores acerca da oficina que participa-


ram, é necessário esclarecer que há dificuldades em saber a real opinião dos
participantes, pois, como afirmam Wada e Vieira (1998, p.18) “[...] muitas
pessoas respondem, quando perguntadas, o que se espera delas, ou o que
lhes parece mais adequado, [...] ou o que lhes parece conveniente”. Nesse
sentido, as desvantagens da aplicação de avaliações como a aqui utilizada,
UHE Barra Grande

podem ser minimizadas ou equilibradas pela apresentação, na mesma pes-


quisa, de questões abertas. É igualmente importante ressaltar que a avaliação
entregue pelos pesquisados não foi considerada isoladamente; as impressões
registradas pelos mediadores (ministrantes) são consideradas de forma
conjunta com as respostas da avaliação, complementando e afirmando o que
foi aferido.
a contribuição da

Quadro 12: Número de avaliações distribuídas e recolhidas em cada município.


Nº de avaliações Nº de avaliações
Município
Estudo

distribuídas recolhidas
Anita Garibaldi 31 17
Lages 15 9
Campo Belo do Sul 27 23
170
Pinhal da Serra 7 6
Bom Jesus 20 14
Esmeralda 23 20
Vacaria 29 25
Total 152 114

De todo modo, o mais importante nesta ação é possibilitar aos partici-


pantes um meio de expressar sua opinião de modo formal e à equipe um meio
de conhecê-la.
Com relação à expectativa ao assunto abordado nas oficinas, a maioria
dos participantes de todos os municípios respondeu que atendeu ou que ficou
acima do esperado. Apenas 7% das respostas de Bom Jesus, 5% de Esmeralda
e 4% de Campo Belo do Sul foram para o item “atendeu em parte”.
Quando solicitados para que avaliassem a oficina, todas as respostas
dadas nos municípios ora foi “ótima” ora foi “boa”, respostas que permanece-
ram para a questão sobre a forma utilizada para a apresentação nas oficinas e
avaliação do conteúdo das oficinas.
A carga horária foi o que deixou alguns participantes insatisfeitos,
principalmente em Lages, onde 11% responderam como “ruim”. Nos demais
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
municípios as respostas foram “ótima”, “boa” e “regular”.
A avaliação das atividades práticas propostas oscilou entre “ótima” e
“boa”. Apenas em alguns participantes de Anita Garibaldi (6%), Campo Belo
do Sul (4%) e Esmeralda (5%) classificaram como “regular”.
De acordo com as respostas das avaliações, os municípios pesquisados
apresentaram um equilíbrio proporcional à aprovação em relação aos itens
pesquisados, mas há variações em alguns níveis de aprovação. Dentre eles

de
6.As Oficinas
estão os itens “atividades práticas” e “carga horária”.
Embora o grau de satisfação entre o “ótimo” e “bom” seja tênue, a
variação foi significativa na comparação entre os municípios, indicando a
necessidade de incluir outras variáveis para que a necessidade seja de fato
identificada, tornando conhecida a necessidade dos participantes.
A variação identificada em relação ao item “carga horária” deverá
conter opções que possibilitem aferir se o pesquisado considera a carga
horária oferecida como suficiente ou insuficiente, já que em algumas respostas
foi mencionado que o tempo destinado foi curto e em outras respostas, que o
tempo da oficina foi longo.
Na avaliação da equipe (ministrantes), a oficina apresentou pontos
altos em sua execução que foram: a dinâmica Patrimônio na Memória, a
apresentação e avaliação do material e a palestra com informações sobre
a arqueologia; e como ponto mais crítico, a última atividade Criando uma
possibilidade, pois em alguns municípios foi possível perceber a falta de
motivação para a execução de tal proposta. Em relação a isso, se pode
afirmar que por ser o planejamento de ações educativas uma prática inerente
à profissão docente, o envolvimento pode ter sido prejudicado, com base na 171
expectativa de atividades diferentes das que os participantes desenvolvem no
dia-a-dia.
É importante ressaltar que o objetivo proposto pela equipe de Educa-
ção Patrimonial foi alcançado em sua totalidade e que o fator descrito acima
não dificultou o processo desenvolvido nas oficinas. No entanto, será possível
avaliar essa questão de maneira mais aprofundada, a partir do acompanha-
mento das atividades e verificação do engajamento dos docentes e se tal ativi-
dade lhes despertou para a execução de alguma ação educativa envolvendo o
patrimônio.
Rio Pelotas, SC:
7
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Os materiais educativos
UHE Barra Grande
a contribuição da

U
Estudo

ma das grandes barreiras para a vulgarização do saber científico


acerca do patrimônio arqueológico é conseguir vencer a longa
distância entre a produção científica e as obras destinadas a
pôr ao alcance de todos as noções ou conhecimentos que são, habitualmente,
172
o apanágio de grupos limitados de especialistas. O conhecimento produzido
dentro de um campo científico, aqui especificamente o arqueológico, para que
possa ser ensinado, precisa passar por transformações que o tornem assimi-
lável ao público em geral.
Neste sentido, um dos grandes desafios enfrentados pelos professores
em sala de aula é a carência de materiais de apoio didático nas mais diver-
sas áreas. Por mais que exista uma grande variedade de materiais didáticos e
para-didáticos, estes geralmente compõem-se de abordagens generalistas ou
trabalham com temas de outras regiões. Neste sentido, como trabalhar questões
mais específicas, como a pré-história local, em sala de aula?
Durante as Oficinas de Educação Patrimonial, realizadas em 2002,
os professores apontaram a necessidade de um material específico, que
versasse sobre arqueologia regional e que pudesse ser utilizado por eles em
sua prática pedagógica. Como primeira sugestão, os professores indicaram a
organização do conteúdo das oficinas em formato de apostilas. No entanto,
com a continuidade do projeto a partir de 2006, tal sugestão foi ampliada,
objetivando que o material educativo não fosse destinado somente aos pro-
fessores, mas que também fosse elaborado materiais para os alunos, que
pudessem ser utilizados como suporte para a abordagem dos temas ligados à
arqueologia e ao patrimônio cultural.
materiais educativos
Para tanto, foram estruturados três materiais que pudessem ser utiliza-
dos de maneira integrada: o livro com o conteúdo abordado durante as quatro
oficinas da primeira etapa e as atividades desenvolvidas pelos professores
durante as ações daquele período; uma história em quadrinhos, voltada ao
público infantil, de sete a onze anos de idade; e, como recurso midiático, um

7. Os
vídeo com a proposta de introduzir o público no universo da arqueologia, e de
divulgar as pesquisas realizadas na região da Usina Hidrelétrica Barra Grande.
Durante a elaboração destes materiais educativos discutiu-se a respeito
das transformações sofridas pelo saber arqueológico desde o momento de
sua criação, nas etapas de campo e laboratório, até a sua transformação em
conteúdo escolar. Se o saber científico é validado por parâmetros internos da
ciência e é apresentado ao meio científico através da publicação em forma de
artigos, teses, relatórios ou livros, esse conteúdo precisa passar por um con-
junto de adaptações que permitam sua utilização como material de ensino e
aprendizagem nos níveis Fundamental e Médio.
Nesta imbricação entre Arqueologia e Pedagogia, a intenção foi
realizar a transposição didática do saber científico gerado pelos estudos
arqueológicos realizados no vale do rio Pelotas em saber ensinado, que é o
resultado do ato pedagógico dos professores em sala de aula. Acredita-se que
assim, dá-se um passo decisivo, ainda que incipiente, para encurtar a distância
entre o saber a ensinar e o saber ensinado, aproximando a arqueologia e o
patrimônio arqueológico regional do cotidiano escolar.

Gravando... Corta! A produção do vídeo


173
Um dos materiais elaborados para serem utilizados pelos docentes e
comunidade em geral é o vídeo Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra
Grande. Com duração de pouco mais de oito minutos, apresenta de forma sin-
tetizada características dos grupos indígenas que viveram na região antes do
contato com os primeiros colonizadores e sobre o patrimônio cultural local. O
vídeo também apresenta a forma com que se chegou até estes conhecimentos,
ou seja, o desenvolvimento dos estudos arqueológicos, desde as etapas de
campo até os procedimentos em laboratório, e das atividades de valorização
do patrimônio cultural, ambas executadas pela Scientia Consultoria Científica
na região de abrangência da UHE Barra Grande.
Inicialmente o projeto do vídeo resultaria em um documentário, no
entanto, para que fosse possível alcançar os objetivos centrais do projeto,
fornecendo materiais de apoio que estivessem integrados, o audiovisual
ganhou caráter introdutório, para que pudesse auxiliar na abordagem inicial
do tema em sala de aula.
rio pElotas, sc:
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

Figura 139: Capa do vídeo


“Arqueologia na Usina
Hidrelétrica Barra Grande”.
uHE barra grandE

O processo de produção do vídeo mostrou-se como uma rica oportuni-


dade de aprendizado para a equipe de Educação Patrimonial, pois diante das
características desse tipo de produção, perceberam-se necessidades e cuidados
essenciais para tal tarefa. A intenção aqui é refletir sobre a produção deste
material e oferecer a quem se aventurar em uma produção audiovisual,
a contribuição da

algumas orientações para tentar dirimir as dificuldades.


Por questões particulares à coordenação dos trabalhos, o vídeo foi
produzido após o fechamento das pesquisas de campo, com um acervo
Estudo

imagético que se pensava ser suficiente. No entanto, após a definição do


roteiro e da proposta que daria corpo ao vídeo, foram analisadas as ima-
gens que compunham o acervo e, mesmo com um bom leque de opções, não
havia imagens adequadas às informações que constavam no roteiro e que
174 mostravam ser fundamentais. Nesse sentido, apresenta-se como essencial,
diante desta experiência, a execução de um roteiro definido antes de qualquer
captação ou definição dos elementos visuais e sonoros que irão compor tal
produção.
A principal dificuldade encontrada pela equipe na construção do
roteiro foi a adequação da escrita científica para a linguagem visual. Fez-se
necessário sair do academicismo e buscar uma fala que fosse coloquial, aces-
sível, que facilitasse a compreensão do espectador sem, no entanto, ser sim-
plista nesta transposição ou perder a força do seu conteúdo. O diálogo com os
profissionais da produção, roteirista e diretor de arte norteou o caminho a ser
seguido em busca da transposição didática do conteúdo científico para uma
mídia audiovisual.
Um ponto a ser readequado em produções futuras foi a sentida ausên-
cia da participação da comunidade que fará uso desse material, no caso, os
professores da região. O vídeo poderia, por exemplo, partir dos seus diferentes
olhares sobre a arqueologia e dos seus conhecimentos adquiridos, científico
ou não, para se obter como resultado um enfoque de produção e um roteiro
mais aplicável e dentro das suas expectativas. O material poderia ter um maior
reconhecimento por parte destes profissionais, e conseqüentemente, maiores
possibilidades de uso.
materiais educativos
A seguir apresenta-se um quadro com sugestões que podem auxiliar na
produção de um audiovisual.

Quadro 13: Sugestões para produção de vídeo no âmbito da arqueologia


Itens Sugestões

7. Os
Número de cópias, estimativa de valores sobre a captação
de imagens interna e externa, tempo de produção, locução,
Orçamento
audiodescrição, legenda, página de abertura, impressão da
arte em mídia (DVD), embalagem (capa plástica – DVD).
Roteiro Sintetizado, linguagem coloquial (menos acadêmica).
Com o roteiro pronto, planejar a captação de imagens.
Verificar necessidade de captação de imagens internas
e externas – representam diferenças significativas nos
custos.
Utilização de câmeras para captação de imagens da
pesquisa em campo.
É possível a utilização de imagens captadas por câmeras
simples, depois editadas pela produção de vídeo.
Caso não seja possível a contratação de cinegrafista,
Captação de cenas
verificar enquadramento e a iluminação.
Elaborar check list com cada aspecto importante a ser
captado durante as cenas respeitando sua seqüência e
cuidados essenciais como o uso de material de proteção
(E.P.I.) para a manipulação de produtos durante a cena
(Ex.: Consolidação de material ósseo: mostrar manipula-
ção do líquido e procedimento de secagem com uso de 175
máscara e luva adequada).

Escolha por trilha inédita representa custo elevado.


Utilização de músicas cujo domínio não é público, neces-
sita autorização e pagamento de direitos autorais.
Trilha sonora Há possibilidade de utilização de trilha sonora a partir de
um conjunto de trilhas disponíveis em banco de dados
correspondente.

Preparação através da apresentação do projeto e das etapas


que compreendem uma pesquisa arqueológica;
Equipe de produção Acompanhamento das pesquisas de campo (escavação)
e/ou captação de não só para captação das imagens, mas para compreender
imagens (não como são realizados os estudos;
arqueólogos) A preparação deve ser contínua, não podendo ser realizada
como ação pontual.

Contrato com Contrato formulado, possibilitando o uso das imagens


equipes de produção captadas e a reprodução sem exigências financeiras ou
terceirizadas legais.
Rio Pelotas, SC:
Contemplar versões e linguagens para inclusão de pes-
Acessibilidade soas com deficiência, como a visual (Audiodescrição) e
auditiva (LIBRAS, Closed Caption ou legenda).
Realizar pré-teste do vídeo com o público focal, com ob-
jetivo de verificar a compreensão das informações (lin-
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

guagem fácil ou difícil), rapidez da locução, velocidade


Pré-teste
das imagens e relação com as informações, apreensão do
conhecimento. É importante salientar que o pré-teste não
deve ser feito apenas com a equipe envolvida.
UHE Barra Grande
a contribuição da

Figuras 140 e 141: Captação de cenas de atividades para o vídeo no


Estudo

laboratório da Scientia.

Esse material foi distribuído para as escolas e instituições culturais dos


nove municípios abrangidos pelo empreendimento, assim como instituições
176 nacionais e foi disponibilizado na grande rede de computadores (Internet)79
nos sítios YouTube® (http://br.youtube.com/watch?v=C1s35isO3pA) e
Vimeo (http://www.vimeo.com/1994881).
Para a primeira edição foram produzidas 50 cópias do DVD e
distribuídas às Secretarias de Educação dos nove municípios do projeto e
instituições regionais, como museus e bibliotecas públicas. No ano seguinte,
2009, foi confeccionada a segunda edição do vídeo, com mais 120 cópias.
Estes exemplares foram distribuídos no XV Congresso da Sociedade de
Arqueologia Brasileira (que aconteceu no mês de setembro em Belém – PA)
e no II Encontro Cidades Novas – A construção de políticas patrimoniais (que
ocorreu no mês de outubro em Londrina – PR). Também foi encaminhado
a pesquisadores, instituições e museus que trabalham com arqueologia no
Brasil.

Livro de apoio aos professores para o trabalho em


sala: uma necessidade apontada

Mesmo com a breve abordagem que há sobre a pré-história nos


livros didáticos, ainda existe uma lacuna a respeito das informações sobre a
79
A qualidade de imagem do vídeo disponibilizado na Internet foi afetada pelo formato
necessário para sua visualização.
materiais educativos
pré-história regional, que por questões de formatação e abrangência não são
incluídas. Essa realidade, constatada por diversos pesquisadores em diversas
ocasiões (TENÓRIO; FRANCO, 1994) é, por vezes, modificada com algu-
mas ações de pesquisadores da área arqueológica, que na busca por sanar esta
lacuna, formulam materiais como vídeos (BEZERRA, 2001; KERN, 1998)

7. Os
e publicações impressas (HERBERTS; COMERLATO, 2003), fazendo com
que as informações cheguem até o público da educação formal de modo que
se possa aproximá-los da história da região.
Conforme já mencionado, durante as oficinas realizadas na primeira
etapa das pesquisas na UHE Barra Grande, a necessidade de se criar ma-
teriais de apoio didático que trabalhem a pré-história local e o patrimônio
cultural foi apontada pelos docentes que participaram do evento. Na ocasião,
assinalaram, ainda, o desejo de que as atividades desenvolvidas durante as
oficinas estivessem num livro ou apostila que compilasse as atividades
com outras sugestões de trabalhados em sala de aula. Assim, volta-
do aos docentes, foi elaborado o livro de apoio intitulado Oficinas de
Educação Patrimonial na Usina Hidrelétrica Barra Grande.

177

Figura 142: Capa do livro produzido pela Scientia e


dirigido aos professores. Figura 143: Página com
sugestões de atividades que podem
ser desenvolvidas em sala de aula.

Os textos de cada capítulo foram elaborados pelos próprios ministran-


tes, apresentando as sugestões de atividades propostas e desenvolvidas duran-
te as oficinas, assim como sugestões de leitura e sites para consulta. Portanto,
está organizado em quatro capítulos com temáticas de trabalho específicas, no
qual cada capítulo corresponde a uma das quatro oficinas realizadas.
O capítulo 1 - “A Valorização do Patrimônio Cultural” - aborda os
tipos de patrimônio, a legislação de proteção ao patrimônio arqueológico, a
definição e conceituação de Educação Patrimonial, um histórico de experiên-
cias de Educação Patrimonial em arqueologia, e discussões que suscitassem
o debate entre uma educação para o patrimônio e sua responsabilidade social.
No capítulo 2 -“Introdução à Arqueologia” - são apresentados: o
Rio Pelotas, SC:
conceito de arqueologia e os tipos de arqueologia; os sítios arqueológicos; os
procedimentos da pesquisa arqueológica, do campo ao laboratório; os resul-
tados das pesquisas realizadas na área da Usina Hidrelétrica Barra Grande,
os tipos de sítios arqueológicos encontrados no planalto meridional, além de
textos complementares sobre o assunto.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo

Figura 144: Página inicial do capítulo 1 Figura 145: Página inicial do capítulo 2
(HERBERTS, Org, 2008, p. 15). (HERBERTS, Org, 2008, p. 39).

178 O capítulo 3, “Pré-História do Rio Grande do Sul” e “Pré-História


e Etnohistória do Planalto” apresenta as diferentes ondas migratórias que
povoaram o sul do Brasil, os dados pré-históricos e etnohistóricos referentes
ao Planalto das Araucárias.

Figura 146: Página inicial do capítulo 1 Figura 147: Página inicial do capítulo 2
(HERBERTS, Org, 2008, p. 15). (HERBERTS, Org, 2008, p. 39).
materiais educativos
O capítulo 4, intitulado “Arqueologia Histórica e a Preservação do
Patrimônio Arqueológico” aborda a importância da arqueologia históri-
ca, os sítios arqueológicos históricos na região e a proteção do patrimônio
arqueológico.
A tiragem deste material foi de 2.000 exemplares, distribuídos gratuita-
mente aos professores participantes das oficinas e para a biblioteca de todas

7. Os
as escolas dos nove municípios. Além desta distribuição regional, também
foram enviados para pesquisadores e instituições no âmbito da arqueologia de
diferentes Estados brasileiros.

Como chegar lá

Os caminhos percorridos para a produção do livro “Oficinas de Educa-


ção Patrimonial na Usina Hidrelétrica Barra Grande” seguiram os seguintes
passos:

- Elaboração do texto pelos autores Ana Lucia Herberts, Marcos


Anderson Tedesco, Elaine Arnold, Silvia Moehlecke Copé e Fabiana
Comerlato, pesquisadores envolvidos nas pesquisas arqueológicas.
- Contratação do profissional diagramador.
- Tratamento das imagens.
- Acompanhamento do processo de criação com reuniões periódicas para
ajuste e orientação.
- Controle das alterações e novas versões a cada atualização.
- Registro dos direitos autorais da obra texto junto à Biblioteca Nacional. 179
- Revisão periódica.
- Ficha catalográfica realizada por profissional da área da Biblioteconomia.
- Impressão da versão teste, para aferir a coloração, a qualidade do papel, etc.
- Revisão final.
- Impressão na gráfica.

Embora o material produzido esteja disponível para reprodução e


download80, o texto do livro foi registrado junto à Biblioteca Nacional.

Divertindo e auxiliando na formação de


conceitos: a história em quadrinhos

O ano de 1879 é considerado como a data do surgimento da História


em Quadrinhos (HQ) no Brasil (CALAZANS, 2004, p. 18), porém seu
uso como “transmissor” de conhecimento específico data do século XX
(OLIVEIRA, 2008). Flávio Calazans (2004) menciona na obra História em
quadrinhos na escola diversos exemplos de HQs criadas com fins especifi-
camente educativos e informativos, semelhante ao que foi projetado para o
80
Disponível no site http: //scientiaep.ning.com/arquivos-1 até a finalização da página de
Educação Patrimonial no site da Scientia Consultoria.
Rio Pelotas, SC:
material desenvolvido para o público infanto-juvenil durante as pesquisas
da Usina Hidrelétrica Barra Grande, intitulado Uma casa muito diferente:
conhecendo o patrimônio arqueológico sul-brasileiro (HERBERTS; COM-
ERLATO, 2008).
Serpa e Alencar (apud Calazans, 2004, p. 10) afirmam que, em pes-
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

quisa realizada com o público discente, é unânime o gosto pela leitura de


quadrinhos, mais do que qualquer outro tipo de produção. Em entrevista
à Revista Ler & Cia81, Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica,
reforça a importância que a HQ tem na alfabetização das crianças, pois
crianças que lêem mais têm mais facilidade no aprendizado. Porém,
acrescenta-se que as HQs não devem substituir outras leituras nem o papel da
UHE Barra Grande

escola e dos pais no processo educativo.


Embora a história em quadrinhos esteja presente nos Parâmetros Cur-
riculares Nacionais (PCNs) de 1998 somente nos cadernos de artes e língua
estrangeira do 4º e 5º ciclos (6º a 9º anos), a utilização deste tipo de linguagem
aparece evidenciada na proposta estadual de Santa Catarina82.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1998) abordam a
a contribuição da

importância da inclusão de história em quadrinhos como recurso pedagógico,


especificamente em algumas disciplinas. Já a Proposta Curricular de Santa
Catarina é mais específica e a considera como recurso pedagógico importante
Estudo

para qualquer disciplina, principalmente no desenvolvimento de trabalhos


com jovens alunos (SANTA CATARINA, 2005, p. 107).
As histórias em quadrinhos ao associar imagem e texto, motivando a
leitura e a criatividade do aluno, servem como recurso visual para o apoio
180 de qualquer disciplina. Neste sentido, as autoras, ao elaborarem o roteiro,
buscaram tornar o livreto final um instrumento para a construção de saberes
históricos ao estreitar os laços entre o conhecimento produzido no âmbito da
arqueologia e a instigação ao questionamento e à curiosidade do leitor.

Dando vida à história

O processo de produção de uma história em quadrinhos com objetivos


científicos requer muita atenção aos detalhes, assim como muito diálogo, prin-
cipalmente em relação à equipe de profissionais responsável pela arte gráfica.
Geralmente estes desconhecem as especificidades e o rigor de uma pesquisa
científica, e por isso necessitam de todo o apoio e esclarecimentos a respeito
dos detalhes e dos procedimentos utilizados em uma pesquisa arqueológica,
para que as informações não apareçam de forma equivocada e contraditória.
O ilustrador Joe Wallace, que deu vida à história criada pelas
arqueólogas Ana Lucia Herberts e Fabiana Comerlato, já havia participado
da criação de outra publicação do mesmo gênero em projeto anterior83, o que
81
Revista de divulgação da Livrarias do Grupo Curitiba. Edição de outubro de 2008.
82
A proposta curricular do Estado do Rio Grande do Sul não pôde ser consultada, já que o
Estado não a disponibiliza digitalmente e tampouco a enviou quando foi solicitada.
83
Projeto desenvolvido para Eletrosul, intitulado Arqueologia: uma viagem ao passado.
materiais educativos
representou, em princípio, uma vantagem em relação à linguagem e ao cui-
dado necessário a esse tipo de produção. No entanto, por tratar-se de tipos de
sítios arqueológicos distintos, assim como a paisagem a ser representada, o
processo de aprendizado mútuo foi estabelecido, tanto da equipe de Educação
Patrimonial quanto do ilustrador, que necessitou de orientações específicas.

7. Os
Ao dar forma aos personagens, tomou-se cuidado em não passar uma
visão estereotipada do profissional da arqueologia, seja nos trabalhos de
campo ou laboratório. O objetivo era usar o caráter lúdico da linguagem de
HQs, mas com a representação do real. Percebe-se a necessidade do cuida-
do na perpetuação de alguns preconceitos em relação às questões de gênero.
Da mesma forma, ao inserir a figura do professor, profissão historicamente
construída como essencialmente feminina, tentou-se romper com tal represen-
tação assim como a personagem da arqueóloga, em detrimento do estereótipo
do profissional da arqueologia em sua maioria ser atribuída ao sexo masculino
e a uma pessoa mais velha.
Levantamento de imagens da flora e fauna da região foi
providenciado para embasar os desenhos criados pelo ilustrador, que respeitou
de forma criteriosa a representação destes, de maneira a representá-los de
modo mais próximo ao natural, sem estilizações. Tal cuidado foi importante
para a possibilidade de utilização do material de forma interdisciplinar nas
escolas, servindo como base para conhecimentos dos animais da região.
A linguagem utilizada na produção recebeu atenção, para torná-la
acessível e ao mesmo tempo mais regionalizada. Também foram inseridos
jogos no final do gibi, tendo como pressuposto a sua importância para a
concretização do aprendizado, internalizando conceitos e excedendo o 181
plano cognitivo (SANTA CATARINA, 2005). Estes jogos trabalhavam com a
imaginação (quando se propõem relacionar um objeto a sua sombra) e com o
aprendizado sobre o tema abordado na HQ (nos caça-palavras, cruzadinha e
jogo dos sete erros).

A elaboração e montagem do gibi como aprendizado

Ao acompanhar os primeiros esboços do gibi, percebe-se que na formu-


lação de materiais com intencionalidade pedagógica, envolvendo um conheci-
mento científico e voltado ao público infantil ou infanto-juvenil, é de extrema
importância que haja profissionais da área para que tal trabalho corresponda
ao critério científico e não perpetue informações e conceitos equivocados. Em
muitos aspectos, durante o estudo das imagens e da criação da HQ fomos
surpreendidos pela dúvida entre a ludicidade e a arte de HQ (num mundo de
ficção) e a representação do real, em forma de arte.
Outro ponto importante identificado nos primeiros esboços
realizados pelo ilustrador, é que poderiam provocar confusões ou má in-
terpretação na representação de instrumentos e vestígios arqueológicos, de
modo a corroborar com uma visão estereotipada da representação gráfica. Por
(HERBERTS; COMERLATO, 2002).
rio pElotas, sc:
exemplo, os fragmentos de ossos apareciam como os usados indiscrimina-
damente em desenhos animados, como ossos de cachorro ou instrumentos
usados na pesquisa arqueológica desenhados em locais em que não seria
possível utilizá-los, como por exemplo, na página 10, onde a peneira encon-
trava-se dentro da trincheira de escavação. São pequenos detalhes, mas que,
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

por tratar-se de um material com objetivos científicos, devem ser observados


e suprimidos na versão final.
uHE barra grandE
a contribuição da
Estudo

182 Figuras 148 e 149: Esboço inicial da capa do gibi e arte final.

Figuras 150 e 151: Esboços iniciais da página 10 do gibi e arte final.


materiais educativos
Uma receita que pode dar vários resultados:

Os caminhos percorridos para a produção do gibi Uma casa muito diferente


respeitaram os seguintes passos:

7. Os
- Elaboração do texto pelas autoras Ana Lucia Herberts e Fabiana Comerlato.
- Contratação do ilustrador profissional.
- Acompanhamento do processo de criação com reuniões periódicas
(preferência semanais) para ajuste e orientação.
- Controle das alterações e novas versões a cada atualização.
- Revisão das autoras a cada realização de alterações.
- Registro dos direitos autorais da obra texto junto à Biblioteca Nacional.
- Revisão periódica.
- Revisão final por profissional da área de Letras.
- Ficha catalográfica realizada por profissional da área da Biblioteconomia.
- Impressão da versão teste, para aferir a coloração, qualidade do papel, etc.
- Impressão na gráfica.

Embora o material produzido esteja disponível para reprodução


ou download, o texto do gibi foi registrado junto à Biblioteca Nacional. A
tiragem da HQ foi de 6.000 exemplares, e assim como os livros, foram
distribuídos gratuitamente aos professores participantes das oficinas e para
as bibliotecas de todas as escolas dos nove municípios, além de instituições
culturais (museus, arquivos, etc.) e universidades regionais. Além desta
distribuição regional, também foram enviados para pesquisadores e 183
instituições com pesquisa arqueológica de diferentes Estados brasileiros.

Produção de folheto informativo

Com intuito de divulgar as pesquisas arqueológicas realizadas na região


e abordar a importância da preservação do patrimônio arqueológico, foi
produzido um folheto, em linguagem acessível, para distribuição ao público
da região durante as oficinas e às instituições regionais e nacionais.
O folheto foi impresso em papel couché, formato folha A4 com
impressão frente e verso, colorido e dobradura em três partes, com uma
tiragem de 5.000 exemplares.
O material produzido, intitulado Arqueologia na área do AHE
Barra Grande, apresenta conceitos de patrimônio arqueológico e arqueo-
logia, explica o porquê da necessidade de pesquisas arqueológicas para a
instalação de empreendimentos, a legislação de proteção dos sítios
arqueológicos, além de um glossário explicativo.
Este material foi distribuído às escolas e instituições culturais da região,
em eventos científicos e durante as oficinas para os professores nos sete
municípios.
Rio Pelotas, SC:
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
UHE Barra Grande

Figura 152: Folheto informativo entregue durante as oficinas.


a contribuição da

A avaliação dos docentes – quem usa deve e


precisa avaliar
Estudo

Durante as oficinas executadas em 2008, foram realizadas avaliações


dos materiais educativos elaborados. Nesse sentido, tais produções foram
apresentadas e analisadas, para que fosse possível se obter um resultado das
184 ponderações.
As avaliações trouxeram elementos importantes que contribuíram para
o amadurecimento do trabalho da equipe e para repensar alguns procedimen-
tos e processos, que por vezes não são pensados durante a execução de um
projeto de Educação Patrimonial, principalmente quando estão vinculados
à arqueologia de contrato, por questões que envolvem tempo de execução
e recursos financeiros. Estas avaliações não são importantes somente para a
equipe que desenvolveu os materiais, mas também a quem tem interesse em
incluir nas propostas de Educação Patrimonial a produção de materiais educa-
tivos. Desta forma, decidiu-se incluir neste espaço as críticas, os elogios e as
sugestões para convidar o leitor a fazer uma reflexão conjunta, considerando
os acertos e as possibilidades de melhorar nos próximos trabalhos.

Avaliando o vídeo

A avaliação da produção audiovisual foi realizada pelos docentes


e, de modo geral, as impressões colhidas nos municípios abrangidos pelo
empreendimento demonstraram que este material representa um recurso
didático importante para os professores. Além disso, auxilia na abordagem do
tema “Arqueologia” em sala de aula, contemplando o objetivo proposto pela
equipe.
materiais educativos
No geral, os professores se mostraram satisfeitos com o resultado do
vídeo. Disseram que apresentava uma boa dinâmica, com boas imagens e
texto de fácil entendimento. Comentaram, ainda, que possui um bom tempo
de duração (oito minutos), já que há dificuldades em se manter a atenção de
grupos infantis por períodos prolongados. No entanto, houve descontenta-

7. Os
mento de alguns docentes, quando o classificaram como superficial, pois o
vídeo não aborda questões históricas e discussões mais profundas. Acha-
ram um bom material para crianças, mas muito infantilizado para jovens e
adultos. Alguns professores também disseram que o vídeo era muito curto,
sendo difícil trabalhá-lo em sala de aula.
Sobre tais avaliações negativas a respeito do vídeo, que o considera-
ram superficial ou curto demais, é importante esclarecer que a proposta do
vídeo foi a de oferecer uma introdução ao tema “Arqueologia”, sem pretender
esgotar o assunto. Ao mesmo tempo, ao ser formulado com uma propos-
ta didática, a intenção era que em apenas uma aula (o correspondente a,
aproximadamente quarenta e cinco minutos), o professor pudesse iniciar o
tema e discutir sobre seu conteúdo e, caso fosse possível e necessário, daria
continuidade à abordagem em outro encontro, com outros materiais.

Avaliando o livro

A avaliação do livro destinado aos docentes demonstrou uma rica


forma de diálogo. Do mesmo modo, apresentou questões que por vezes
passam despercebidas durante a execução desse tipo de publicação no âmbito
da arqueologia empresarial. Tais avaliações elucidam pontos que precisam ser 185
esclarecidos e outros aspectos melhorados em futuras produções.
Percebe-se, nesse caso, que as avaliações realizadas pelos professores
a respeito do livro demonstraram os acertos com relação: a) ao apoio teórico
de que necessitam, contemplado nos textos; e b) as sugestões de atividades,
permitindo que sejam auxiliados na aplicação do tema em sala de aula. Por
outro lado alguns equívocos foram apontados: mesmo ao assumir o compro-
misso com uma atuação crítica e reflexiva, o material foi avaliado por alguns
professores como insatisfatório ao não abordar diretamente alguns aspectos
diretamente relacionados aos impactos de obras de grande porte, sejam eles
ambientais, culturais ou econômicos. A questão apontada elucida a neces-
sidade de atenção para questões tão importantes como essa e que, inclusive,
fazem com que a empresa financiadora da publicação seja beneficiada com o
exercício da transparência em sua gestão (ETHOS, 1998), tornando explícito
e público esse compromisso. É possível dizer, portanto, que tal falha pode
prejudicar mais a imagem institucional, do que beneficiá-la.

Como aspectos positivos os professores indicaram:

a) linguagem clara, assim como muito bem ilustrado, com boas


imagens e textos de apoio;
Rio Pelotas, SC:
b) boas sugestões de atividades para serem desenvolvidas em sala de
aula, a redação dos textos e os textos de apoio relacionados à arqueologia; e
c) a boa aplicabilidade do livro em sala de aula e a possibilidade de
utilização em diversas disciplinas.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Aspectos negativos e sugestões mencionadas:

a) Alguns professores solicitaram que o índice do livro fosse mais


detalhado, para facilitar o acesso rápido às atividades. Esta demanda pode
ser incluída se houver uma nova edição ou observada para futuras produções.
b) Um grupo de professores considerou que a publicação não cumpre
UHE Barra Grande

com os anseios das comunidades atingidas por grandes empreendimentos.


Consideraram como aspecto negativo a ausência de um texto ou atividade
que abordasse ou problematizasse os outros patrimônios atingidos por grandes
obras, como o patrimônio natural, por exemplo. No entanto, um professor
ressaltou não se tratar de incluir textos que tratem de modo polêmico ou que
incitem a não realização de grandes empreendimentos, mas sim de levar em
a contribuição da

conta os sentimentos dos sujeitos que vêem seu patrimônio serem impactados,
problematizando, assim, a questão.
Tendo o compromisso com uma educação problematizadora e liberta-
Estudo

dora (FREIRE, 1984, 1987, 1996) percebe-se que as inferências dos profes-
sores são pertinentes e precisam ser contempladas em futuros trabalhos, de
modo que seja possível analisar de maneira crítica os benefícios e as perdas
que são inerentes a qualquer área que receba empreendimentos que causem
186 algum impacto ao meio ambiente.
c) Questionou-se a presença de um capítulo específico relativo à
pré-história do Rio Grande do Sul e à ausência de um análogo para Santa
Catarina. Uma das características dessa publicação é que esta é resultante
das oficinas que ocorreram em 2002 e, portanto, representam cada módulo
desenvolvido naquela ocasião. Por este motivo o terceiro capítulo recebeu o
título homônimo ao da oficina: Pré-História e Etnohistória do Rio Grande do
Sul. Além disso, cada capítulo respeita a redação do(s) autor(es). É impor-
tante ressaltar que as informações contidas nesse capítulo se aplicam à região
do planalto, sem delimitações geopolíticas, já que no período da pré-história
não havia tal divisão. Porém, algumas informações são efetivamente mais de-
talhadas para o Rio Grande do Sul do que as do segundo capítulo, que teve a
pretensão de abranger a arqueologia e o patrimônio arqueológico catarinense.
Por este motivo, a revisão e as inserções necessárias poderão ser consideradas
caso haja uma nova edição.
d) Também foi feita a solicitação da inclusão de textos históricos
sobre a colonização e as questões contemporâneas a respeito da região e
suas necessidades, problemas e discussões sobre o patrimônio local nos dias
atuais. Esse tópico corrobora o anterior e também pode ser considerado em
futura edição. Contudo, cabe registrar que este tema deve ser abrangido mais
especificamente pelo programa relativo ao patrimônio histórico e paisagístico
materiais educativos
desenvolvido neste empreendimento; e
e) A inserção de um glossário foi solicitada, pois segundo os profes-
sores, alguns termos clássicos da arqueologia não fazem parte do vocabulário
dos alunos e mesmo dos professores, sugerindo, ao final da obra, uma página
de glossário ou o simples destaque das palavras ao longo do texto, com um

7. Os
espaço nos cantos das páginas contendo a explicação correspondente.

Avaliando o Gibi

Ao todo, foram recolhidas 131 avaliações dos gibis durante as ofici-


nas. Em um formulário próprio, os (as) docentes poderiam registrar “aspectos
positivos”, “aspectos negativos” e “sugestões”.
Para o primeiro item, os aspectos foram organizados e agrupados por
palavras sinônimas e expressões repetidas (BARDIN, 1994). As palavras que
identificavam os aspectos positivos foram:

a) Material – os aspectos referentes a essa característica estavam


relacionados à durabilidade, a qualidade do material, incluindo a qualidade de
impressão e do papel.
b) Informação - relacionada ao acesso ao conhecimento científico, à
presença de dicas de preservação e sugestões bibliográficas.
c) Atividades - propostas no material, como os jogos interessantes e
diversificados.
d) Linguagem - classificada de fácil entendimento para os alunos e
vocabulário acessível. 187
e) Ilustrações - com qualidade nas imagens e no colorido.

Para o segundo item, que corresponde aos “aspectos negativos”, as


informações foram tratadas de modo distinto às dos “aspectos positivos”, pois
estas se apresentaram muito heterogêneas. Muitos não responderam, outros
disseram que não há aspectos negativos. Mas, para aqueles que responderam,
os aspectos negativos apontados foram:

a) Poucos exemplares para um universo tão grande de alunos.


b) “Jogo das sombras – dificuldade de compreensão e identificação”:

Embora as sombras tenham sido projetadas considerando uma ilumi-


nação transversal ao vasilhame, e nesse caso, existe uma distorção proposital,
deve-se aprimorar o tamanho da sombra em relação ao tamanho da vasilha. A
luz não parece ser a mesma sobre todo o vasilhame, o que causa a confusão
mencionada. A imagem da vasilha “2”, cuja sombra corresponde à “F” foi de-
stacada como problemática por uma professora de matemática. (Figura 148);
rio pElotas, sc:

c) “Fala muito pouco sobre os


índios”.
d) “Na história, os professores
deveriam estar junto com os alunos”–
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

acompanhando os alunos durante


a atividade no hotel-fazenda, pois
quando as turmas saem para realiza-
rem trabalhos na rua, os alunos não
ficam sozinhos.
e) “Ausência da localização
uHE barra grandE

das pesquisas na história – identifica-


ção dos locais onde foram realizadas
as pesquisas”.
f) “Faltou explicar o que é
arqueologia”.
Figura 153: Jogo das sombras (HERBERTS;
a contribuição da

COMERLATO, 2007, p. 24).


Estudo

De fato o gibi não conceitua “Arqueologia” de


forma explícita, mencionando a palavra. No entanto, explica sua prática e
todos os procedimentos da pesquisa de campo nessa área. Nesse caso, a ausência
pode ser aproveitada pelo professor como um aspecto a ser descoberto. Porém,
188 é possível incluir, numa próxima edição, na fala entre a arqueóloga e um dos
alunos (HERBERTS; COMERLATO, 2007, p. 20) a palavra “arqueológi-
cas”, no seguinte diálogo: “É isto mesmo, somente através das pesquisas
arqueológicas podemos recolher informações para depois analisar tudo”. Além
disso, poderá ser incluído o conceito sobre arqueologia em um dos jogos.
g) “Erros de português e digitação nas páginas 13, 14 e 22”:
A identificação refere-se ao erro da palavra “construíam” na página 13.
O “Porque” aparece separado na resposta dada pela arqueóloga e neste caso
trata-se de uma conjunção explicativa, por isso deveria aparecer unida. Na
página 22 há supressão do “s” na palavra “Primeiros” da sugestão de leitura
Os Primeiros Habitantes do Brasil de Norberto Guarinello. Todos os erros de
grafia ou digitação serão corrigidos numa próxima edição.
Alguns registros realizados no campo destinados aos “aspectos nega-
tivos” foram aqui considerados como sugestões para o aperfeiçoamento de
futuras produções, pois foram escritas na forma de ações que poderão ser
implementadas. Abaixo, estão listadas as sugestões identificadas nas avalia-
ções, suprimindo-se as repetições:
a) “Passatempos e figuras com fundo branco para que as crianças
possam colorir e fotocopiar.”
b) “Material restrito para séries do Ensino Fundamental – material para
adolescentes e adultos, de quinta à oitava série, onde estes temas são mais
materiais educativos
trabalhados.”
c) “Inserir data para que se possa localizar no tempo.”
d) “Distribuição para todos os alunos.”
e) “Conter alguma informação sobre os benefícios para a população e
o impacto ambiental.”

7. Os
f) “Substituição do termo índio ou indígena por outro, uma vez que
ainda não se chegou à exata definição desses antigos habitantes de nossa
região.”
g) “O caça-palavras poderia possuir mais palavras.”
h) “Criação de novos gibis, que abordem temáticas referentes a flora e
fauna de locais pesquisados atualmente.”
i) “Passar as atividades [do gibi] para CD ROM.”
j) “Atividades para trabalho em sala de informática.”
k) “Passatempo para cópias.”
l) “Gibi para ensino médio.”
m) “Página na internet.”
n) “História animada em quadrinhos.” – desenho animado com a
história em quadrinhos.
o) “Explicar como eram utilizados os alimentos (carne de caça, cru,
cozida, assada, era utilizado sal).”
p) “Incluir uma parte referente à legislação (conseqüências aos danos
causados pela ação humana nos sítios arqueológicos).”
q) “Respostas [das atividades] somente no gibi do professor.”

Diante das críticas e sugestões feitas pelos professores aos três materiais 189
apresentados, vê-se a importância da participação dos docentes na elaboração
dos mesmos, incorporando as sugestões no corpo do trabalho e fornecendo
materiais mais completos e que atendam as suas reais necessidades. Não basta
apenas oferecer saberes prontos e construídos, dizer-lhes o que é importante
ser mediado em sala de aula e não considerar suas memórias, histórias e per-
das.
Rio Pelotas, SC:
8
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Avaliação dos resultados e


as repercussões
UHE Barra Grande
a contribuição da

C
Estudo

om a finalização da parte prática de desenvolvimento dos


projetos se inicia outra etapa: a de reflexão acerca dos trabalhos
realizados, de crítica ao que se construiu, de avaliação sobre a
190 receptividade do público e de pensar acerca do caminho percorrido.
Durante as atividades de Educação Patrimonial desenvolvidas nas duas
fases do projeto de pesquisa para o licenciamento da UHE Barra Grande, uma
questão sempre esteve presente: ensinamos ou auxiliamos no reconhecimento
do patrimônio? Em outras palavras: estamos compelindo a identificação entre
o cidadão e o patrimônio local, ou auxiliando na prática de valorização do
patrimônio reconhecido por aqueles indivíduos?
Tais questões são válidas, pois partindo do pressuposto apontado
por Baron (2004, p. 134), uma das preocupações ao realizar trabalhos com
educadores populares está na “[...] falta de consciência [...] de como sua
própria subjetividade contribui decisivamente para a cultura das aulas,
reuniões, campanhas e dos movimentos que coordenam [...]”. Diante dessa
perspectiva deve-se perceber que não adianta “munir” o professor de boas
práticas, nem considerá-lo multiplicador, caso este não esteja envolvido
afetivamente, completa e integralmente com o assunto a ser abordado. Caso
não faça parte de seu repertório pessoal, como reconhecer-se como sujeito
que pode se apropriar do patrimônio? Nesta situação, sua prática (seja ele qual
for) em direção ao patrimônio será nula e dificilmente atingirá seus objetivos.
Ao longo do processo de criação e execução das oficinas, um ponto
essencial que deve ser destacado foi o apoio oferecido pelas Secretarias
Municipais de Educação à sua execução e influência no envolvimento dos
dos resultados e
as repercussões
docentes. Em todos os municípios que se mostraram interessados, notou-se
uma postura de comprometimento com as atividades em relação aos docentes.
Percebe-se que em muitos casos, os problemas atrelados à
escola e à docência, não estão relacionados somente a esse espaço e a esses
profissionais, mas também ao reconhecimento e ao comprometimento do

8. Avaliação
órgão responsável pela educação. Como cobrar uma educação de qualidade
de professores que não possuem apoio de suas Secretarias de Educação?
Como alegar que há falta de preparo, por parte do docente, se a ele são nega-
dos os acessos a cursos e palestras pelo órgão que o representa? Isso não retira
nossa responsabilidade do trabalho em atingir esses professores, mas consta-
ta-se a existência de problemas estruturais, por mais que se queira realizar um
trabalho de qualidade e oferecê-lo gratuitamente aos docentes de cada
município.
Outra questão delicada e que deve ser alvo de análise é averiguar
quais os reais objetivos quando são formulados Programas de Educação
Patrimonial vinculados à arqueologia. É apenas perpetuar o discurso da
importância da arqueologia e da preservação dos sítios ou vai além desse
propósito inicial, fazendo com que o indivíduo pense em si como sujeito
histórico e agente transformador? Qual conceito de arqueologia estamos (re)
produzindo? Estamos conscientes dessa intencionalidade? Permite-se a cada
indivíduo fazer suas próprias formulações a esse respeito, permitindo que seja
possível dar um sentido subjetivo ao resultado das pesquisas?
De modo amplo e conjunto, as propostas das oficinas realizadas pela
Scientia Consultoria Científica ao longo dos projetos de Educação Patri-
monial realizados na área da UHE Barra Grande, mesmo que tenham sido 191
desenvolvidas com um espaço de tempo considerável (seis anos), foram
tratadas como continuidade, não como ações pontuais e herméticas, que
começavam e terminavam em si mesmas. As ações educativas foram um
processo continuado de Educação Patrimonial, o que demonstra que é
possível o exercício de ações semelhantes, que privilegiem a continuidade e a
libertação do educando (SOARES, 2008).
Por outro lado, ao se elaborar os materiais didáticos solicitados pelos
professores durante as primeiras oficinas sem a sua participação, institui-se um
ato unilateral. Não se considerou o indivíduo como completo sujeito histórico
e agente transformador, pois apenas foi oferecido algo pronto e acabado. Não
foi permitido aos professores fazerem suas próprias formulações, dando um
sentido subjetivo ao resultado das pesquisas, equívoco percebido no reencon-
tro com os professores quando lhes foi solicitado uma avaliação dos materiais
educativos produzidos.
Percebeu-se, ainda, que os bens que constituem o patrimônio cultural
regional, assinalados no estudo de percepção acerca do patrimônio cultural
realizado com os participantes das oficinas da primeira fase, pouco foram
explorados nos materiais, mesmo após o estudo ter apontado, na época, a
pertinência e a necessidade de se estabelecer ligações entre os bens materiais
do patrimônio cultural e a identidade regional.
Rio Pelotas, SC:
Com certeza, momentos de crescimento como este não são o bastante
para o desmerecimento dos trabalhos e seus conteúdos – que certamente serão
aplicados em sala de aula - mas, sobretudo, servirão para pensar os projetos
futuros.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Públicos especiais: necessidade de mudanças e


adaptações

A partir da confecção dos materiais de Educação Patrimonial e da


apresentação para os professores, que refletiram criticamente acerca do uso
dos mesmos no seu contexto diário, percebeu-se a necessidade de se for-
UHE Barra Grande

mular materiais com vistas a incluir pessoas portadoras de necessidade


especiais (deficiência auditiva, visual, etc.), já que esta é uma realidade em
algumas salas de aula. Ademais, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes
de Bases da Educação (LDB) em 1996, a inclusão de crianças com neces-
sidades especiais em escolas públicas de ensino regular passou a ser uma das
metas a ser alcançada.
a contribuição da

Diante desta necessidade de inclusão, faz-se necessária a utilização de


materiais pedagógicos e de acessibilidade para a realização do atendimen-
to educacional especializado complementar ou suplementar à escolarização
Estudo

dos discentes portadores de necessidades especiais. Ao longo das oficinas da


segunda etapa levantaram-se quais as necessidades dos professores para tal
questão e a partir dessa experiência, novas diretrizes no trabalho com Edu-
cação Patrimonial devem surgir, incluindo o desenvolvimento de materiais
192 alternativos, principalmente para projetos que vislumbram o trabalho com o
ensino formal.
A adaptação dos materiais educativos seria uma alternativa para se
atender a esta demanda. As pesquisas para a adaptação desses materiais ainda
não foram concluídas, porém algumas alternativas já estão sendo desenvolvi-
das e outras em fase de teste. Uma das adaptações seria a transcrição literal da
história em quadrinhos em Braille, para que alunos cegos tenham acesso aos
diálogos e possam lê-los, da mesma forma que os videntes. Outra forma de
acessibilidade aos deficientes visuais é a adaptação da história para a leitura
em ambiente virtual, através de sintetizador de voz (ex.: Dosvox).
Para os alunos que têm baixa visão (comprometimento parcial da visão
em que há perda do foco), ampliações e limpeza das cenas devem ser pensadas
de modo que apenas os detalhes principais sejam mantidos. Sabe-se que nesse
tipo de deficiência, o ideal é verificar qual a necessidade individual de cada
aluno, para que, caso exista visão residual, esta não seja prejudicada por uma
ampliação desnecessária. No entanto, no caso específico da HQ, prima-se pela
adaptação dos traçados, a escolha de elementos essenciais, a ampliação da
letra para tamanho 28, a retirada de cor das cenas e o uso do contraste preto e
amarelo, que facilita a visualização.
dos resultados e
as repercussões
Para o vídeo, há uma alternativa econômica e simples de torná-lo
acessível aos surdos: a colocação de legendas escritas ou em libras. Estas
legendas devem ser incluídas no momento da confecção do vídeo, e o seu
uso não atrapalha as demais imagens. Estes materiais adaptados ainda não
estão disponíveis ao público, visto que foram necessidades percebidas durante

8. Avaliação
as oficinas de apresentação dos materiais aos professores e que devem ser
contempladas em próximos projetos.

Repercussões

Avaliar e refletir sobre as repercussões de uma pesquisa requer distan-


ciamento do pesquisador com relação a sua produção, e a passagem de tempo
necessária para serem reconhecidos os acertos, os erros e se fazer a análise
crítica das ações empreendidas. E para quem está diretamente envolvido
no processo, este olhar distanciado do objeto é um processo difícil, embora
necessário. Portanto, este olhar é limitado e subjetivo às circunstâncias do
momento presente.
Primeiramente se poderiam abordar as repercussões do projeto
na própria empresa. Na Scientia Consultoria Científica os programas de
Educação Patrimonial desenvolvidos no âmbito da UHE Barra Grande são
um marco na história da empresa. O projeto de Valorização do Patrimônio
Cultural foi pioneiro na trajetória dos Programas de Educação Patrimonial,
pois foi o primeiro projeto voltado exclusivamente para a sensibilização de
comunidades nas quais se realizavam as pesquisas arqueológicas.
Em termos de repercussões para a própria equipe representou um 193
grande aprendizado e crescimento profissional nesse processo. No início não
havia um amadurecimento teórico acerca das ações educativas no contexto
arqueológico, mas sim a preocupação com o envolvimento das comunidades
locais com a pesquisa arqueológica, e a crença dos resultados destas ações
na preservação do patrimônio arqueológico. Atualmente se almeja muito
mais que somente a socialização dos resultados das pesquisas arqueológicas.
Como já mencionamos anteriormente, busca-se contribuir na formação de
indivíduos conscientes de seu papel social e que estes sujeitos
estejam preparados a garantir a salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro
(BEZERRA, 2002, p. 155).
O processo de intercâmbio dinâmico entre o público alvo e a equipe
técnica envolvida no Programa de Educação Patrimonial é o outro aspecto
importante a ser mencionado, apesar das limitações naturais implícitas à
arqueologia empresarial (efemeridade, custos, prazos, etc.) e da necessidade
de continuidade dos projetos, e da ausência de avaliações dos resultados a
médio e longo prazo. Contudo, acredita-se que os programas desenvolvi-
dos criaram as condições necessárias para que a valorização patrimonial
continuasse através da educação, e os agentes locais seguissem seus próprios
passos após o encerramento do projeto.
Como feedback das ações, seria interessante manter o contato com
Rio Pelotas, SC:
os professores e permanecer contribuindo com sua prática letiva, mesmo
depois do término do contrato. Soluções sem custo, como a manutenção de
um espaço virtual proposta durante as oficinas seria uma boa alternativa84 .
Entre outras repercussões que ecoaram do Subprojeto de
Valorização do Patrimônio Cultural (2001-2003) e do Programa de
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Educação Patrimonial (2006-2008) pode-se, ainda, destacar pelo menos três


aspectos: o Prêmio Empresa Cidadã 2008, a classificação regional no Prêmio
Rodrigo Melo Franco de Andrade 2009 e a publicação de artigos e trabalhos
acadêmicos em conseqüência destes projetos.

Prêmio Empresa Cidadã 2008


UHE Barra Grande

O Prêmio Empresa Cidadã é promovido pela Associação dos Dirigentes


de Vendas e Marketing do Brasil da Seccional Santa Catarina (ADVB/SC) em
edições anuais. Destaca os projetos de organizações empresariais catarinenses
nas seguintes categorias: Preservação Ambiental, Participação Comunitária e
Desenvolvimento Cultural. Os cases que concorrem à premiação são aqueles
a contribuição da

desenvolvidos por empresas, fundações e associações de iniciativa pública ou


privada.
Segundo a ADVB, o objetivo da premiação é reconhecer as empresas
Estudo

catarinenses que “fazem do trabalho diário seu melhor exemplo de respon-


sabilidade social, refletindo, dessa forma, no produto e no resultado oferecido
aos seus clientes e sociedade”.
A Barra Grande Energética S/A. – BAESA recebeu em 25/10/2008
194 o Prêmio Empresa Cidadã 2008, na categoria Desenvolvimento Cultural,
em cerimônia realizada no município de Jaraguá do Sul (SC), pelo case
do Projeto de Resgate e Preservação do Patrimônio Arqueológico que
apresenta as ações relativas à arqueologia desenvolvidas na área de
abrangência da Usina Hidrelétrica Barra Grande.
Na ocasião, o diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da
BAESA, Edson Schiavotelo, que recebeu o troféu, destacou a importância da
atuação da empresa: “É mais um reconhecimento público que atesta as boas
ações que vêm sendo realizadas”.

Classificação Regional ao Prêmio Rodrigo Melo Franco de


Andrade

O Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade é um prêmio instituído


pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) do
Ministério da Cultura (MINC) desde 1987. É uma premiação de caráter
nacional, com edições anuais, cujo nome é uma homenagem ao primeiro
dirigente do IPHAN85 .

84
Espaço apresentado no capítulo 6.
85
Rodrigo Melo Franco de Andrade foi o criador do IPHAN e seu presidente por 30 anos.
dos resultados e
as repercussões
8. Avaliação
Figura 154: Folder do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade 2009.

A premiação objetiva promover o “reconhecimento a ações de


preservação do patrimônio cultural brasileiro que, em razão da sua originali-
dade, vulto ou caráter exemplar, façam-se dignas de registro, divulgação e
reconhecimento público” (Edital 01/2009 – Prêmio Rodrigo Melo Franco de
Andrade – edição 2009, p. 2), além de incentivar a participação social na
proteção dos bens culturais do Brasil e na criação da consciência da preserva-
ção do patrimônio cultural brasileiro. “As ações preservacionistas deverão ter
relevância para a memória e a cultura nacionais, podendo abranger qualquer
área de atividades patrimoniais, em toda a pluralidade de seus objetos” (ibid.).
A premiação é atribuída a sete categorias: Apoio Institucional e/ou 195
Financeiro, Divulgação, Educação Patrimonial, Pesquisa e Inventário de
Acervos, Preservação de Bens Móveis e Imóveis, Proteção do Patrimônio
Natural e Arqueológico e Salvaguarda de Bens de Natureza Imaterial.
Deste concurso podem participar pessoas físicas ou jurídicas, públicas
ou privadas (instituições públicas federais, estaduais e municipais, agentes
sociais ou institucionais, entidades civis, empresas, instituições educativas e
culturais e outros) que tenham desenvolvido, ou estejam desenvolvendo, ações
voltadas para a preservação do patrimônio cultural brasileiro, em qualquer
lugar do território nacional, que tenham tido ao menos uma de suas etapas
concluídas no ano anterior ao da premiação.
Na 22ª edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade em
2009, a Scientia Consultoria Científica foi classificada em nível regional na
categoria “Divulgação”, com a proposta “Divulgando a Arqueologia do
Planalto Sul-Brasileiro”. Em 2009 foram 67 participantes, classificados nas
etapas regionais, que concorreram a sete categorias de premiação na etapa
nacional.
Esta classificação, ainda que em caráter regional dentro do âmbito de
atuação da 11ª Superintendência Regional do IPHAN em Santa Catarina,
reconheceu a relevância dos materiais educativos produzidos, ou seja, o
livro dos professores Oficinas de Educação Patrimonial na Usina Hidrelétri-
Rio Pelotas, SC:
ca Barra Grande, o gibi Uma casa muito diferente: conhecendo o patrimônio
arqueológico do planalto sul-brasileiro, o folheto informativo Arqueologia
no AHE Barra Grande e o vídeo Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra
Grande.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo

Figura 155: Certificado de participação e classificação em nível regional


para o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade 2009.

196
Divulgação Científica

A Scientia Consultoria Científica tem seguido uma nova estratégia


para viabilizar a apresentação de trabalhos científicos em eventos regionais e
nacionais, inserindo em seus contratos os respectivos custos com congressos,
incentivando o reconhecimento, por parte dos empreendedores, dos resultados
dessas ações.
A seguir, a relação cronológica dos trabalhos resultantes dos desdobra-
mentos das atividades de Educação Patrimonial e dos estudos arqueológicos
realizados no âmbito da UHE Barra Grande:

• Participação em eventos e apresentação de trabalhos:

• XI Cidade Revelada – Preservando Identidades Culturais,


Itajaí (SC), 2009, 25 a 27/11. Apresentação da conferência: “A Valorização
do Patrimônio Cultural no Vale do rio Pelotas (SC/RS): o projeto UHE Barra
Grande”, de autoria de Ana Lucia Herberts.
• II Encontro Cidades Novas – A construção de políticas
patrimoniais: mostra de ações preservacionistas de Londrina, Região
Norte do Paraná e Sul do País e da XXIII Semana de Pedagogia.
dos resultados e
as repercussões
Centro Universitário Filadélfia, Londrina (PR), 2009, 16 a 16/10. Apresen-
tação da comunicação: “Vídeo: Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra
Grande: algumas reflexões sobre a sua produção” de autoria de Ana Lucia
Herberts e Elaine Arnold. Apresentação de vídeo: Arqueologia na Usina
Hidrelétrica Barra Grande.

8. Avaliação
• XV Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira.
Arqueologia e compromisso social: construindo arqueologias
multiculturais e multivocais. Hotel Sagres, Belém (PA), 2009, 20 a 23/09.
Apresentação das comunicações: Vídeo: “Arqueologia na Usina Hidrelétrica
Barra Grande”: algumas reflexões sobre a sua produção de autoria de Ana
Lucia Herberts e Elaine Arnold; e “Pré-História do planalto catarinense: o
projeto UHE Barra Grande”, de autoria de Letícia Morgana Müller e Sirlei
Elaine Hoeltz. Mostra de vídeo: Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra
Grande.
• I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial:
Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social, Pelotas (RS), 2008, 12
a 17/05. UFPel – LEPAARQ – ICH. Apresentação das comunicações: a)
“Vídeo: Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra Grande”; b) “Vídeo: Arque-
ologia na Usina Hidrelétrica Barra Grande: reflexões sobre a sua produção”,
ambos de autoria de Ana Lucia Herberts e Elaine Arnold. Apresentação do
pôster: “Educação Patrimonial na área da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó,
SC/RS”, de autoria de Ana Lucia Herberts e Elaine Arnold.
• X Cidade Revelada – Encontro sobre Patrimônio Cultural - e
II Fórum Nacional de Conselhos de Patrimônio Cultural, Itajaí (SC),
2007, 17 a 19/10. Apresentação da comunicação: A produção de materiais 197
educativos sobre a arqueologia regional para a área da UHE Barra Grande, de
autoria de Ana Lucia Herberts e Fabiana Comerlato.
• I Congresso Internacional da SAB “Arqueologia Transatlânti-
ca”, XIV Congresso da SAB “Arqueologia, Etnicidade e Território”, III
Encontro do IPHAN e Arqueólogos, Florianópolis (SC), 2007, 30/09
a 04/10. Apresentação do pôster: Elaboração de materiais de divulgação
para os projetos “Arqueologia Compensatória UHE Barra Grande – SC” e
“Arqueologia Preventiva no AHE Foz do Chapecó, SC/RS”, de autoria de
Ana Lucia Herberts e Elaine Arnold. Apresentação das comunicações: “Casas
Subterrâneas do Planalto Catarinense: Estudo de Caso do Sítio SC-AG-107”,
de autoria de Letícia Morgana Müller; e “Os sítios funerários do Projeto Ar-
queologia Compensatória UHE Barra Grande SC”, de autoria de Ana Lucia
Herberts e Letícia Morgana Müller.
• II Encontro sobre Cemitérios Brasileiros, Porto Alegre, 2006.
Apresentação de comunicação: “Práticas de enterramento e sítios funerários
pré-históricos no Vale do Rio Pelotas”, de autoria de Ana Lucia Herberts e
Letícia Morgana Müller.
• XIX Encontro do Núcleo de Estudos Museológicos – NEMU, Ca-
çador (SC), 2003, 19 a 21/03. Apresentação do trabalho: O Subprojeto de
Valorização do Patrimônio Cultural: Oficinas de Educação Patrimonial, de
Rio Pelotas, SC:
autoria de Ana Lucia Herberts e Marcos Anderson Tedesco.
• XII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira – SAB,
São Paulo (SP), 2003, 21 a 25/09. Apresentação dos trabalhos: “Subprojeto
de Valorização do Patrimônio Cultural na UHE Barra Grande: a experiência
das Oficinas de Educação Patrimonial”, de autoria de Ana Lucia Herberts e
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Marcos Anderson Tedesco; “Educação Patrimonial na arqueologia de con-


trato: as experiências da UHE Barra Grande e LT Joinville-São Francisco do
Sul”, de autoria de Ana Lucia Herberts; “Análise do material lítico na UHE
Barra Grande/SC”, de autoria de Adelson André Brüggemann e Sirlei Elaine
Hoeltz; e “Estudo do material cerâmico resgatado na UHE Barra Grande, SC”,
de autoria de Ana Lucia Herberts e Livim Monteiro Hoffmann.
UHE Barra Grande

• 51º Congreso Internacional de Americanistas, Santiago de Chile


(Chile), 2003, 14 a 18/07. Apresentação do trabalho: Oficinas de Educação
Patrimonial: a experiência na UHE Barra Grande no Simpósio Educação
Patrimonial no Contexto Arqueológico, de autoria de Ana Lucia Herberts.
• XVI Encontro do Núcleo de Estudos Museológicos – NEMU,
Corupá (SC), 2002, 08 a 10/04. Apresentação do trabalho: Programa de
a contribuição da

Valorização do Patrimônio Cultural: uma proposta para a UHE Barra Grande,


de autoria de Ana Lucia Herberts e Marcos Anderson Tedesco.
Estudo

• Publicação de artigos:

• HERBERTS, A. L.; COMERLATO, F. A produção de materiais


educativos sobre a arqueologia regional para a área da UHE Barra
198 Grande. X Cidade Revelada – Encontro sobre Patrimônio Cultural - e II Fórum
Nacional de Conselhos de Patrimônio Cultural. Anais… Itajaí, edição CD-
ROM, 2007, 14 p.
• ARNOLD, E.; HERBERTS, A. L. Elaboração de materiais de divul-
gação para os projetos “Arqueologia Compensatória UHE Barra Grande
– SC” e “Arqueologia Preventiva no AHE Foz do Chapecó, SC/RS”.
I Congresso Internacional da SAB “Arqueologia Transatlântica”. Anais…
Erechim, Ed. Habilis, edição CD-ROM, 2007, 9 p.
• HERBERTS, A. L. ; MÜLLER, L. M. Os sítios funerários do Pro-
jeto Arqueologia Compensatória UHE Barra Grande SC. I Congresso
Internacional da SAB “Arqueologia Transatlântica”. Anais… Erechim, Ed.
Habilis, edição CD-ROM, 2007.
• MÜLLER, L. M. Casas Subterrâneas do Planalto Catarinense:
Estudo de Caso do Sítio SC-AG-107. I Congresso Internacional da SAB
“Arqueologia Transatlântica”. Anais… Erechim, Ed. Habilis, edição
CD-ROM, 2007.
• HERBERTS, A. L. Educação Patrimonial na Arqueologia de
Contrato: as experiências na UHE Barra Grande e LT Joinville - São
Francisco do Sul. XII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira.
Arqueologias da América Latina. Anais… São Paulo, 2003, edição CD-ROM.
• HERBERTS, A. L. Subprojeto de Valorização do Patrimônio
dos resultados e
as repercussões
Cultural na UHE Barra Grande: a experiência das Oficinas de Educa-
ção Patrimonial. XII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira.
Arqueologias da América Latina. Anais… São Paulo, 2003, edição CD-ROM.
• HERBERTS, A. L.; HOFFMANN, L. M. Estudo do material cerâmi-
co resgatado na UHE Barra Grande, SC. XII Congresso da Sociedade de

8. Avaliação
Arqueologia Brasileira. Arqueologias da América Latina. Anais… São Paulo,
2003, edição CD-ROM.
• BRÜGGEMANN, A. A. ; HOELTZ, S. Análise do material lítico
na UHE Barra Grande/SC. XII Congresso da Sociedade de Arqueologia
Brasileira. Arqueologias da América Latina. Anais… São Paulo, 2003, edição
CD-ROM.
• HERBERTS, A. L.; HOELTZ, S. E.; BRÜGGEMANN, A. A.;
CALDARELLI, S. B. O sítio lito-cerâmico SC-AG-40: mais uma peça do
quebra-cabeça Kaingang no sul do Brasil. Cadernos do CEOM (UNOESC),
Chapecó, v. 18, p. 151-182, 2003.

• Pesquisas acadêmicas:

• MÜLLER, L. M. Sobre Índios e Ossos: Estudo dos sítios arqueológi-


cos construídos para enterramento por populações que habitavam o vale do
rio Pelotas no período pré-contato. Dissertação (Mestrado em História). Porto
Alegre: PUC/RS, 2008.

Últimas palavras
199
Ao longo da realização dos projetos e da confecção dos materiais aqui
descritos, fortaleceu-se a noção de que a vulgarização do conhecimento é
etapa essencial, indispensável e inerente a qualquer atividade científica. O
exercício da Educação Patrimonial e transposição didática do conhecimento a
respeito da arqueologia é ferramenta fundamental deste processo, assim como
os projetos de valorização do patrimônio cultural.
Retomando a questão apontada pelo educador Jorge Najjar (2003), no
XIII Congresso da SAB, pode-se delinear alguns caminhos para a reflexão
acerca da relação entre arqueologia e educação. Para Najjar,

[...] os arqueólogos – mesmo que não tenham qualquer


pretensão a desenvolverem atividades educativas
sistematizadas, mesmo que se neguem a se auto identificar como
educadores, mesmo que pessoalmente abominem o contato com
o público – educam. Educam ao darem respaldo científico a
determinadas noções acerca dos homens e de suas culturas; edu-
cam ao trazerem para a luz artefatos culturais que podem servir
como marcos simbólicos de afirmação de certos grupos; edu-
cam, também, pela forma como interferem, no próprio decor-
rer de trabalho de pesquisa, com o cotidiano das populações
Rio Pelotas, SC:
que hoje habitam as cercanias dos sítios (NAJJAR, 2001). São
assim, quer queiram quer não, educadores. Educam porque, com
seu trabalho, interferem no mundo e, a partir desta interferência,
tecem relações com outros homens. (NAJJAR, 2003, p. 5).
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

Partindo desta análise, aqueles que assumem o papel de educadores


nos projetos de pesquisa arqueológica devem estar atentos à responsabilidade
social do seu trabalho, à medida que interferem no mundo e, por consequên-
cia, educam (NAJJAR, 2003, p. 6). É necessário ter a plena noção “do QUÊ e
do COMO educar, mas, antes de qualquer coisa, há de ter a discussão do POR
QUÊ e do PARA QUEM educar, pois educar é – para muito além da técnica –
UHE Barra Grande

uma tarefa política e ideológica”.


Com relação à produção dos materiais educativos cabe ressaltar que
os projetos de Educação Patrimonial são uma das poucas oportunidades para
se pensar e socializar o debate acerca da importância social do trabalho dos
arqueólogos e do próprio campo da arqueologia como ciência. Deve-se,
sempre que possível, desenvolver ações que possam contribuir para a preser-
a contribuição da

vação dos bens arqueológicos e, sobretudo, objetivar um engajamento social


da disciplina arqueológica (OLIVEIRA, 2001).
A partir desta noção, o arqueólogo, de forma multidisciplinar e
Estudo

estabelecendo e respeitando diálogos com profissionais de outras áreas do


saber, como a Pedagogia, deve assumir o seu papel de educador, preocupa-
do com o fortalecimento de uma cidadania popular, coletiva, para além das
academias e dos laboratórios particulares.
200 Neste sentido é importante refletir sobre qual o papel, ou os papéis,
que os arqueólogos assumem como educadores e qual o papel da arqueologia
no contexto atual. Recorrendo ainda a Najjar, uma resposta possível a estes
questionamentos seria:

Mostrar a riqueza do passado daqueles que tiveram seu


passado negado; dar visibilidade às manifestações culturais
que não costumam ser rotuladas de cultura; negar a idéia de
harmonia que muitas vezes nos é passada e mostrar, pelos vestí-
gios materiais pesquisados, que a história do Brasil é plural e
conflituosa; demonstrar, em cada ruína trabalhada, em cada
artefato recolhido, que a história humana não foi forjada
somente pela ação das elites, mas também pelo suor e pela cria-
tividade de incontáveis homens e mulheres: talvez seja este o
papel da arqueologia na luta contra a barbárie e, portanto, seja
este o sentido educativo maior que a ação dos arqueólogos pode
ter (NAJJAR, 2003, p. 8).

Faz-se necessário desenvolver ações educativas concretas pautadas


na formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, oportuniza-
dos pela efetiva participação nos Programas de Educação Patrimonial. Em
dos resultados e
as repercussões
nosso entendimento, a ciência não pode alhear-se da sociedade, as ações de
Educação Patrimonial devem estar coadunadas com os interesses sociais e os
programas de valorização do patrimônio não podem eximir-se da responsabi-
lidade de aquilatar, sobretudo, os valores regionais, locais, que despertam os
sentidos dos segmentos sociais que serão diretamente impactados.

8. Avaliação
Isto só aumenta o desafio de quem trabalha com o patrimônio
arqueológico, especialmente o patrimônio arqueológico pré-histórico.
Acreditamos que há um distanciamento entre as comunidades e o seu
patrimônio arqueológico regional que deva ser sanado, ou ao menos, que
devemos trabalhar para encurtar essa distância. Neste sentido, a Arqueolo-
gia, apresentada no seio da comunidade escolar de forma multidisciplinar e
transdisciplinar nos conteúdos curriculares, ou em projetos de Educação e
Valorização Patrimonial, é uma alternativa viável na aproximação das
comunidades com o seu patrimônio. Almeja-se assim mostrar através da
arqueologia que o Brasil foi formado pelo aspecto multicultural e plural de
seu povo, e isso deve ser respeitado e valorizado.

201
Rio Pelotas, SC:
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e valorização do patrimônio arqueológico do vale do

VEIGA, J. Cosmologia e práticas rituais Kaingang. Campinas. Tese


Doutorado em Antropologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Faculdade de São Paulo, 2000.
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo

208
ANEXO I

Localização Situação Qdade


Sítio Reservatório Canteiro de Fora de Tipo de sítio Qdade lítico cerâmica
Escavado Sondagem Registro
Obras Impacto
SC-AG-07 X Lítico X 20 0
SC-AG-07/08 X Lítico X 39 0
SC-AG-08 X Lítico X 29 0
SC-AG-11 X Lítico X 56 0
SC-AG-13 X Lítico X 27 0
SC-AG-14 X Lítico X 28 0
SC-AG-15 X Lítico X 72 0
SC-AG-24 X Abrigo-sob-rocha X 374 0
SC-AG-35 X Lítico X 23 0
SC-AG-36 X Lítico X 28 0
SC-AG-38 X Lítico X 22 0
SC-AG-40 X Lito-cerâmico X 789 3462
SC-AG-47 X Lito- cerâmico X 955 84
SC-AG-101 X Lítico X 0
SC-AG-94 X Lítico X 30 0
SC-AG-95 X Estrutura anelar X NE NE
SC-AG-96 X Lítico X NE NE
SC-AG-97A X Lítico X 497 0
SC-AG-97B X Lítico X 3019 0
SC-AG-98 X Estrutura anelar X 15 55

anexo i
209
210
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande

SC-AG-99 X Estrutura anelar X 59 91


SC-AG-100 X Estrutura anelar X 26 38
SC-AG-102 X Lito- cerâmico X NE NE
SC-AG-103 X Estrutura anelar X NE NE
SC-AG-104 X Estrutura escavada X NE NE
SC-AG-105 X Lito- cerâmico X 65 124
SC-AG-106 X Lito- cerâmico X ne ne
SC-AG-107 X Estrutura escavada X 227 485
SC-AG-108 X Estrutura anelar X 40 34
SC-AG-109 X Estrutura escavada X NE NE
SC-AG-110 X Estrutura escavada X NE NE
SC-AG-111 X Estrutura escavada X NE NE
SC-AG-112 X Estrutura anelar X NE NE
SC-AG-113 X Estrutura escavada X NE NE
SC-AG-114 X Estrutura anelar X NE NE
SC-AG-115 X Estrutura anelar X NE NE
SC-AG-116 X Estrutura anelar X NE NE
SC-AG-117 X Lito- cerâmico X NE NE

Obs.: NE= Não escavado


anExo ii
ANEXO II

BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Projeto de Levantamento Arqueológico na Área de Inundação e


Salvamento Arqueológico no Canteiro de Obras da UHE Barra Grande,
SC/RS.
Subprojeto de Valorização do Patrimônio Cultural.

FICHA DE PERCEPÇÃO CULTURAL.


Ficha: 01
Município: Anita Garibaldi – SC.
Nome do Entrevistado: XXXXXXXXXXX.
PARTE I:
Obs.: Todas as informações desta parte deverão ser registradas tal como infor-
madas pelo entrevistado.
Descrição da Região onde vive: É um lugar tranqüilo para morar, com pes-
soas humildes e acolhedoras, e que está com tendência ao crescimento por
motivo da vinda das Usinas Hidrelétricas.
História da Região onde vive: Durante muito tempo a região foi habitada
pelos índios. Há, próximo daqui, muitas “casas de bugre”. Quando chegaram
os imigrantes em busca de madeira, estes índios foram sendo expulsos. Ainda
hoje podemos encontrar pessoas que são netas destes indígenas.
Um lugar importante: As escolas e o Centro Cívico da cidade. 211
Razão: É nas escolas que nossos filhos vão aprender coisas importantes para
ter um bom emprego futuramente. Já o Centro Cívico é responsável pelas
benfeitorias na cidade.
Onde não se deve deixar de ir: Na igreja e na casa dos parentes e amigos.
Razão: Na igreja vamos agradecer a Deus e ouvir os sermões do padre que
traz ensinamentos importantes para o nosso dia-a-dia. Também é importante ir
à casa dos parentes e amigos por que eles estão sempre conosco e fazem parte
de nossas raízes.
O que não se deve deixar de ver: A Gruta de Nossa Senhora de Lurdes.
Razão: É o cartão postal da cidade. Além de ter uma beleza visual e ser um
lugar onde podemos manifestar nossa religiosidade, ela abastece a cidade com
água.
O que não se deve deixar de participar: Da Festa do Colono.
Razão: A Festa, que acontece no verão, é um evento onde o povo mostra suas
tradições. Faz a gente recordar dos tempos antigos.
O que não se deve deixar de comer/beber: A polenta com galinha caipira e
o Chimarrão.
Razão: É um costume de infância, que me faz lembrar de meus pais. O
Chimarrão é a primeira coisa que eu bebo assim que amanhece.
rio pElotas, sc:

BAESA SCIENTIA AMBIENTAL


E valorização do patrimônio arquEológico do valE do

PARTE II:
Grau de Parentesco com o aluno selecionado: Pai
Nome do Aluno selecionado/Idade: XXXXXXXXXXX
Escola: Escola de Educação Básica Padre Antônio Vieira.
Sexo do Entrevistado: Masculino.
Faixa etária: 30 anos.
uHE barra grandE

Endereço: XXXXXXXXXXX
Características do Local onde mora: É um local com muita concentração
populacional para a cidade, com casas simples e ruas sem calcamento. Mora a
15 anos no local em uma casa pequena a um quilômetro da escola.
Posição familiar do entrevistado: Principal mantenedor.
Renda familiar e P.E.A. na Família: Somente o pai possui renda.
a contribuição da

Grau de Escolaridade: Segundo grau completo.


Profissão e local de trabalho: Motorista do ônibus que faz o transporte dos
empregados que trabalham na UHE Barra Grande.
Estudo

Data: 16.04.2002.
Entrevistador: Marcos Anderson Tedesco.

212
anexo iii
ANEXO III

Oficina “Possibilidades: utilizando materiais de Educação Patrimonial


em ações educativas”

Dinâmica: Patrimônio na Memória

1. Nome (opcional) _____________________________________________

2. Formação:
( ) Técnico/Médio ( ) Graduação – Qual? ____________________________
( ) Especialização/Pós-Graduação – Qual? ___________________________

3. Quanto tempo atua na área da educação? __________________________

4. Quando você lê ou ouve as palavras “Patrimônio Cultural”, o que vem à


sua mente?

213
5. Quais lembranças essas palavras lhe trazem?

6. Em sua atividade profissional, você já desenvolveu trabalhos sobre os


temas: “Patrimônio Cultural”, “Arqueologia”, “Pré-história regional”?

7. Como você avalia a aplicação desses temas em sala de aula? Por quê?

8. Como você avalia o grau de importância desses temas para sua vida? Por
quê?
Rio Pelotas, SC:
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo

214

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