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(ORGANIZADORA)
Florianópolis, 2011
rio pElotas, sc:
ORGANIZAÇÃO: LETÍCIA MORGANA MÜLLER
PROJETO GRÁFICO
Estudo
FICHA CATALOGRÁFICA
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC: a contribuição
da UHE Barra Grande. / Letícia Morgana Müller (organizadora); autores: Adelson André
Brüggemann, Ana Lucia Herberts... [et al].
Florianópolis - SC, 2011.
possível!
6
Sumário
Apresentação 9
Introdução 11
PARTE I
ARQUEOLOGIA DO VALE DO RIO PELOTAS:
O ESTUDO DA MARGEM CATARINENSE
PARTE II
VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
5. Valorização do Patrimônio Cultural: histórico das
atividades e conceituações
127
6. As Oficinas de Educação Patrimonial:docentes
como transformadores
136
7. Os materiais educativos 172
8. Avaliação dos resultados e as repercussões 190
Referências Bibliográficas 202
Anexos 209
8
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande
APRESENTAÇÃO
1
Doutora em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo - USP, sócia-diretora da
Scientia Consultoria Científica e coordenadora geral do Projeto de Levantamento Arqueológi-
co na Área de Inundação e Salvamento Arqueológico no Canteiro de Obras da UHE Barra
Grande, SC/RS e do Projeto de Arqueologia Compensatória UHE Barra Grande.
Rio Pelotas, SC:
Sobre esse projeto, nos cabe ressaltar que, apesar de alguns pequenos
percalços, se desenvolveu em meio ao melhor clima possível, não só entre
os elementos da equipe, mas também entre a equipe e o empreendedor, o
que acabou sendo gratificante, esperamos, para todos. Rendeu dissertações
de Mestrado, prêmios e várias comunicações e artigos, além de contribuir
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
10
Introdução
A
Usina Hidrelétrica Barra Grande está implantada no vale do rio
Pelotas, entre os municípios de Anita Garibaldi (SC) e Pinhal
da Serra (RS). Como parte dos programas para o licenciamento
ambiental, os projetos Levantamento arqueológico na área de inundação e
salvamento arqueológico no canteiro de obras da UHE Barra Grande, SC/RS
e Salvamento dos sítios arqueológicos identificados na área de inundação da
UHE Barra Grande (SC/RS)1 iniciaram-se no ano de 2001, com o objetivo de
conhecer e valorizar o patrimônio cultural e pré-histórico da região. Para isto
foram realizadas escavações dos sítios localizados dentro da área de impacto
direto do canteiro de obras e do reservatório, além de cadastros de outros no-
vos sítios fora da área de impacto direto.
Durante a realização dos projetos acima citados também foi
desenvolvido o Subprojeto de Valorização do Patrimônio Cultural, onde
o principal objetivo era a divulgação da arqueologia, da pré-história e do
patrimônio cultural regional aos professores dos nove municípios impactados 11
pela obra, através de oficinas temáticas realizadas nos dois Estados. Como
resultado destas oficinas verificou-se a necessidade de criação de material de
apoio aos professores em sala de aula, visto a grande dificuldade de se encon-
trar recursos didáticos que abordassem tais temas.
Com a destruição involuntária de alguns sítios no canteiro de obras,
foi sugerida, como medida compensatória, a elaboração de dois projetos, um
em cada margem. O projeto desenvolvido na margem catarinense chama-se
Arqueologia Compensatória UHE Barra Grande, SC e tinha como objetivo
aprofundar o conhecimento sobre a pré-história regional e difundir estes
conhecimentos através da elaboração e distribuição de materiais didáticos,
solicitados pelos professores durante as oficinas de valorização do patrimônio
(realizadas durante a primeira etapa). Desta forma, os materiais Uma casa
muito diferente, Oficinas de Educação Patrimonial na Usina Hidrelétrica
Barra Grande e o vídeo Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra Grande
foram elaborados, contendo, em linguagem acessível a professores e a alunos,
os resultados das pesquisas realizadas na área.
1
Para não ficar repetindo os nomes dos projetos Levantamento Arqueológico na área de
inundação e salvamento arqueológico no canteiro de obras da UHE Barra Grande, SC/RS e
Salvamento dos sítios arqueológicos identificados na área de inundação da UHE Barra Grande
(SC/RS) eles serão referidos durante o texto apenas como “primeira etapa”.
Rio Pelotas, SC:
Com objetivo de conhecer e valorizar o patrimônio arqueológico, o
projeto compensatório desenvolvido na margem sul-rio-grandense contava
com a escavação de seis sítios arqueológicos e a criação de um parque, opor-
tunizando aos visitantes a difusão do conhecimento da pré-história local e
do meio ambiente. Os dados deste projeto e das pesquisas realizadas nesta
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
margem do rio não serão abordados neste livro, ficando disponíveis para uma
próxima publicação.
Se, por um lado, a construção da barragem trouxe possíveis danos
ambientais, por outro, oportunizou a escavação dos sítios arqueológicos e
o estudo dos artefatos. Estes estudos contribuíram para o conhecimento e a
construção de uma história dos grupos que ocuparam o território antes dos
UHE Barra Grande
2
Um grande programa, chamado Programa Nacional de Pesquisa Arqueológica –
PRONAPA – foi desenvolvido no Brasil na década de 1960. Com seminários e orientações
teóricas dos arqueólogos norte-americanos Betty Meggers e Clifford Evans, com a colaboração
do IPHAN e Smithsonian Institution, de Washington, Estados Unidos, objetivava-se elaborar
um quadro geral das culturas arqueológicas existentes no território brasileiro. Desta forma,
foram realizadas prospecções entre os anos 1965 e 1971, que resultou no registro e conhe-
cimento de milhares de sítios arqueológicos. Além desse cadastro, foram feitas comparações
entre os artefatos recuperados e, com base em semelhanças, agrupamentos em diversas fases e
tradições. As implicações deste programa serão desenvolvidas no primeiro capítulo deste livro.
Introdução
discutidas no próximo capítulo.
Por fim, o último capítulo da primeira parte traz ao leitor interpreta-
ções sobre os sítios estudados ao longo do projeto, bem como as relações
entre eles. Neste capítulo, Análise integrada: o vale do Rio Pelotas no perío-
do pré-colonial, poderão ser encontradas interpretações sobre a variedade de
habitações, tecnologias para confecção de artefatos e cosmologia. Também
não se deixaram de fora discussões acerca da etnicidade dos grupos humanos
pretéritos, visto que este tema vem sendo tão amplamente discutido na
arqueologia.
Para a segunda parte do livro foram descritos e discutidos os resultados
das atividades relativas a valorização do patrimônio e educação, desenvolvi-
das tanto na primeira etapa do projeto (2001 e 2002) quanto na segunda (2007
e 2008), juntamente com a apresentação dos materiais produzidos. Esta parte
também contém quatro capítulos, que seguem a numeração dos capítulos do
livro. O primeiro deles (quinto capítulo do livro), Valorização do Patrimônio
Cultural: considerações iniciais, conceituações e histórico das atividades,
apresenta uma retomada das questões legais relativas ao patrimônio cultural
no Brasil e à prática da educação, seja formal ou informal, na formação de
cidadãos críticos. Apresenta-se o patrimônio cultural como excelente instru-
mento de trabalho, na medida em que ele faz parte das múltiplas histórias e
memórias de crianças e adultos.
No capítulo seguinte, As Oficinas de Educação Patrimonial: docen-
tes como transformadores, descreve-se como foram pensadas e executadas
as oficinas de educação patrimonial nas duas fases. Podem ser encontrados
neste capítulo também o perfil dos professores e a descrição de uma pequena 13
experiência com crianças de uma escola dos arredores de um sítio arqueológi-
co.
Ao sétimo capítulo, Os materiais educativos, coube a descrição e
avaliação dos materiais educativos produzidos durante o projeto: o vídeo, o
livro para professores e o gibi. Foi realizada uma autocrítica, apontando erros
e acertos na confecção dos materiais e descrevendo, passo a passo, o processo
de elaboração do material.
Outra informação importante neste capítulo são as avaliações destes
materiais realizadas pelos docentes participantes das oficinas. Questões como
a aplicabilidade destes materiais em sala de aula e o conteúdo dos mesmos
foram abordados.
Por fim, o último capítulo, sob o título Avaliação dos resultados e
repercussões, faz uma revisão da importância de ações educativas e as reper-
cussões que o projeto alcançou. Ainda apresenta, como caráter inovador, a
necessidade de se pensar em criar materiais educativos adaptados ao público
com necessidades especiais, seja motora, visual ou auditiva, com a finalidade
de incluí-los nas atividades em sala de aula.
PARTE I
1. pré-História
A
s paisagens do Planalto das Araucárias são resultantes de
sucessivas ocupações humanas, desde aproximadamente
8.500 anos até o presente. Inicialmente grupos caçadores-
coletores, mais tarde grupos de horticultores que construíram depressões no
solo foram, aos poucos, humanizando o ambiente. Alterações neste contexto
arqueológico pré-histórico acontecem desde o início da colonização luso-
brasileira, quando, em meados di século XVIII, tropas transportando gado
e mercadorias começaram a cortar esse território. Neste período, as popula-
ções que habitavam este cenário e ali deixavam o seu registro arqueológico
são pressionadas por tropeiros e colonizadores, sendo que o desfecho deste
encontro, conforme os documentos da época, foi o conflito e o deslocamento
dos grupos nativos para regiões mais a oeste do Planalto (CALDARELLI;
HERBERTS, 2002).
Com uma cultura fundamentalmente distinta dos grupos indígenas
existentes na região, estas populações recém-chegadas - formadas por
homens responsáveis por conduzir tropas de gado, escravos, construtores
17
de taipas, comerciantes, administradores, estancieiros e suas famílias - são
responsáveis por mudanças no contexto arqueológico e na paisagem, pois,
com sua passagem e permanência no local, novos tipos de estruturas foram
construídas: aparecem as taipas dos corredores de gado, as mangueiras, as
sedes de fazendas e os locais de cobrança de impostos.
o gado não cair, casas são erguidas, ruas abertas e taipas são demolidas e/ou
reaproveitadas, tudo isto fazendo parte do inevitável processo de modificação
da paisagem e do contexto arqueológico pela ação humana.
dos grupos humanos que participaram desta série de eventos, tendo como
base sua produção material; e, através desta, conhecer a cultura, as práticas
sociais e cosmológicas, a organização social destes grupos. O planalto do
Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, vem sendo pesquisado desde
a década de 1960 e, conforme La Salvia (1968, p. 103), “a partir de 1966,
a contribuição da
esta área ficou sob atuação do Instituto Anchietano de Pesquisas, tendo seu
diretor, P. I. Schmitz, percorrido vários municípios e prospectado alguns
sítios”. Pouco tempo depois, pesquisadores como La Salvia também
começaram a atuar fortemente na região.
Estudo
1. Pré-história
Após os trabalhos do PRONAPA, entre os anos de 1974 e 1976,
Maria José Reis (2007 [1980]) realizou um estudo das estruturas escavadas4 na
região dos Campos de Lages, procurando contribuir para o entendimento das
ocupações e da organização destes assentamentos pré-históricos. Neste projeto,
foram cadastrados 86 sítios arqueológicos, tanto de estruturas escavadas quanto
de elevação, popularmente conhecidas como casas subterrâneas e montículos.
Para a autora, estas estruturas escavadas, além de servirem para habitação, tam-
bém poderiam ser utilizadas para realização de rituais e para o armazenamento
de alimentos. Já os montículos poderiam ser utilizados para práticas funerárias,
apesar de não ter encontrado remanescentes ósseos em suas escavações.
Durante a década de 1980, o rio Pelotas foi apontado como local
de grande potencial para a geração de energia elétrica, com a consequente
instalação de usinas hidrelétricas no seu vale. Na primeira metade da década,
as pesquisas ligadas à UHE Machadinho evidenciaram, na área de inunda-
ção do reservatório, 57 sítios arqueológicos, 44 deles classificados como
cerâmicos e 13 como pré-cerâmicos, e foram divididos em quatro tradições
arqueológicas distintas: Umbu, Humaitá, Taquara e Tupigurani (GOULART,
19
1997). Neste mesmo período, a área da Usina Hidrelétrica Barra Grande foi
pesquisada pela equipe do arqueólogo Arno A. Kern, que realizou um levan-
tamento arqueológico na margem esquerda do rio Pelotas, entre os municípios
riograndenses de Vacaria e Bom Jesus (KERN et al., 1989). Na época, sua
equipe registrou 15 sítios arqueológicos, sendo a maioria deles localiza-
dos fora da área de inundação da barragem. Estes sítios, caracterizados por
estruturas escavadas, sítios lito-cerâmicos de superfície e sítios de obtenção
de matéria-prima, foram todos associados a uma mesma cultura ceramista, a
tradição Taquara.
Também na década de 1980, na localidade de Pinhal da Serra, então
distrito do município de Esmeralda, Ribeiro e Ribeiro (1985) realizaram tra-
balho de levantamento arqueológico que resultou no registro de 77 sítios ar-
queológicos, sendo 27 deles caracterizados como sítios em superfície, três
estruturas construídas sobre o solo (estruturas anelares)5, 39 conjuntos de
estruturas escavadas, somando 135 estruturas individuais, três galerias
subterrâneas, dois abrigos-sob-rocha e três cavernas com vestígios de ocu-
4
O primeiro pesquisador a chamar atenção as estas estruturas foi Allan Brian, na década de
1960, no município de Caxias do Sul, RS (SCHMITZ, 1988). Tratam-se de grandes ou peque-
nas depressões escavadas no solo e utilizadas por grupos indígenas.
5
Sítios de estruturas anelares são sítios onde há um (ou mais) montículo circundado por uma
taipa de terra.
Rio Pelotas, SC:
pação. A maior parte das estruturas escavadas possuía entre 6 e 10 metros de
diâmetro, dispostas tanto individualmente como em conjuntos, com até 23
estruturas agrupadas. A partir da análise de Carbono-14 foram obtidas quatro
datações e estas forneceram idades entre 355+50 e 650+55 anos A.P.6. Os
sítios pesquisados foram relacionados às duas tradições pré-ceramistas Umbu
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
6
A.P. significa “antes do presente”. O presente representa o ano de 1950, período em que foi
desenvolvida a datação através da análise do carbono 14. Desta forma, sempre que uma datação
for apresentada da seguinte forma: 300 A.P., deve-se diminuir 300 de 1950, ou seja, o sítio
pertence ao período de 1650 d.C.
do planalto sul brasileiro:
histórico e problemática das pesquisas
No ano de 2006, dois projetos tiveram início nos municípios atingidos
pela instalação da UHE Barra Grande, um na margem catarinense e outro
na margem rio-grandense deste empreendimento, como forma de compen-
sar o impacto causado pelas obras no patrimônio arqueológico da região. O
primeiro destes, intitulado Arqueologia compensatória UHE Barra Grande,
foi realizado pela empresa Scientia Consultoria Científica, com o objetivo
principal de aprofundar o conhecimento científico da pré-história regional e
auxiliar na valorização do patrimônio cultural regional (SCIENTIA, 2005).
1. Pré-história
Neste projeto, foram escolhidos quatro sítios arqueológicos para serem
escavados7, sendo três deles de estruturas anelares e um, de estrutura subter-
rânea. Além disso, durante os trabalhos, foram cadastrados 13 novos sítios
arqueológicos. Objetivando a valorização do patrimônio, foi elaborado
material de apoio para os professores dos municípios atingidos pela barragem,
com as temáticas “Patrimônio Cultural” e “Pré-história regional”, visando a
sua utilização em sala de aula.
O segundo projeto, desenvolvido na margem rio-grandense, foi
denominado Escavações em sítios arqueológicos do entorno da UHE Barra
Grande, Pinhal da Serra, SC, com objetivos semelhantes ao projeto anterior,
porém prevendo a escavação de seis sítios (três de estruturas anelares e três
sítios de estruturas escavadas) e a criação de um parque arqueológico8.
Além destes, outras pesquisas de menor âmbito foram realizadas,
inseridas no bojo destes projetos em andamento, como por exemplo,
levantamentos arqueológicos para aberturas ou alargamentos de estradas
de acesso ao canteiro de obras, que resultaram no estudo de outros sítios.
Neste livro, serão abordados apenas os resultados das pesquisas na margem
21
catarinense dos projetos Projeto de Levantamento Arqueológico na Área de
Inundação e Salvamento Arqueológico no Canteiro de Obras da UHE Barra
Grande, SC/RS, Projeto de Salvamento dos sítios arqueológicos identificados
na área de inundação da UHE Barra Grande (SC/RS) e Arqueologia com-
pensatória UHE Barra Grande, já que os demais serão descritos em outra
publicação.
tradição umbu
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do
GOULART, 1997).
Esta tradição pré-cerâmica é
caracterizada por uma indústria de
instrumentos produzidos tanto sobre
22
pedra quanto sobre ossos e conchas.
Sobre estes últimos, destacam-se
furadores, pontas duplas, espátulas,
anzóis, agulhas, retocadores, raspa-
dores e ornamentos. A matéria-
prima para confecção dos artefatos
líticos é variada (sílex, calcedô-
Fonte: Ribeiro, 1997, p. 127.
1. pré-História
continuidade da tradição Paleoindígena, que corresponderia aos sítios mais
antigos, com datações entre 12.770 e 10.400 anos A.P., caracterizando-se por
instrumentos lascados por percussão e retocados por pressão, podendo ou
não apresentar pontas de projétil e associação à fauna pleistocênica extinta;
porém, devido ao pequeno número de sítios com estas características, estes
geralmente terminam por serem associados à tradição Umbu.
tradição Humaitá
Tradição Taquara-Itararé
24
As pesquisas atuais têm apontado para um grande movimento
migratório de populações humanas da planície do Brasil central em direção ao
sul. Tais deslocamentos teriam ocorrido por volta de 1.800 anos A.P. e teriam
dado origem à tradição Taquara/Itararé. Goulart (1997) sugere tratar-se de
uma cultura de coletores-caçadores e cultivadores em transição, adaptada aos
campos de altitude, às matas mistas com araucária e, possivelmente, também
à floresta atlântica. à floresta atlântica.
A cerâmica desta tradição, que englobaria as antigas tradições Taquara
e Itararé14, é caracterizada pela presença de pequenos vasilhames de cerâmi-
14
A tradição hoje denominada Taquara/Itararé foi originalmente dividida em três tradições
distintas. “A tradição Taquara corresponderia às fases cerâmicas definidas para o Rio Grande
do Sul e sul de Santa Catarina, a tradição Itararé englobaria as fases cerâmicas do Paraná e
região central e litorânea de Santa Catarina, e por fim, a tradição Casa de Pedra agregaria a
fases cerâmicas definidas para o sul do Paraná e parte do planalto Catarinense” (HOELTZ,
2005, p. 42). Schmitz, em comunicação de trabalho científico no V Encontro da Sociedade de
Arqueologia Brasileira SAB/Sul, realizado em novembro de 2008 na cidade de Tubarão, SC,
afirmou que a principal diferença entre a cerâmica Taquara e a Itararé é que a primeira possui
uma forma menos sinuosa, com pouco pescoço e bordas diretas. Já a cerâmica Itararé tem bor-
das com tendências extrovertidas e os lábios com freqüente reforço, parecido a uma “cabeça
de cobra”. Apesar destas diferenças, a cultura material destes sítios é muito semelhante e por
isso convencionou-se utilizar o termo Taquara/Itararé para se referir aos sítios cerâmicos não
Guarani desta região.
do planalto sul brasilEiro:
Histórico E problEmática das pEsquisas
ca pouco espessos, finamente alisados, às
vezes apresentando tratamento de superfície
brunido15 brilhante. Como decoração plásti-
ca apresentam padrões incisos, ungulados,
impressos com cestaria e carimbados, entre
outros. As formas dos vasilhames são tigelas
em meia calota, potes cônicos, cilíndricos e
1. pré-História
ovóides.
Sua indústria lítica é composta
por lascas, artefatos lascados unifaciais e
bifaciais, lascas utilizadas com ou
Fonte: Schmitz, 2002, p. 26 e Costa; Schimitt, sem retoque, lâminas de machado poli-
2004, p. 28-29.
das, mãos de pilão polidas e virotes16
Figura 04: Vasilhames cerâmicos
polidos. Sobre rochas como basalto, riolito e
da tradição Taquara.
arenito silicificado, frequentemente ocorrem
artefatos de grande porte, feitos com técnica
de percussão direta. Identifica-se também a
utilização do quartzo e das calcedônias para a
produção de pequenos artefatos e, em geral, a
partir da técnica de lascamento bipolar17.
25
a) b) c)
Fonte: Kern, 1998 e Prous, 1992.
Fonte: Schmitz et al., 1988, p. 62.
Figura 06: a) lâmina de machado, b) mão de
Figura 05: Formas dos vasilhames pilão e c) virote , todos objetos apresentam
da tradição Taquara no planalto superfícies polidas.
1. Pré-história
No início da década de 1970, João A. Rohr também pesquisou
sítios desta natureza no Estado de Santa Catarina, escavando alguns deles.
Diferentemente de Menghin (1956), por não ter encontrado remanescentes
ósseos, Rohr concluiu
18
De acordo com Basile Becker (1991 in RIBEIRO, 2000, p. 41) a área de dispersão
da tradição Taquara, incluindo a província argentina de Missiones, coincide com a dos
antigos Guayaná do tronco lingüístico Macro Gê. “Eram conhecidos pelos nomes de Botocudo,
Aweikoma, Xókleng, Aweikoma-Kaingang, Coroado, Bugre, entre outros”. Outras denomi-
nações foram Kamé, Bate, Chova, Pinaré, Kaigua ou Caágua, Bugre, Schokleng, Xocrém e
Lakranó (LAVINA, 1994).
19
Mabilde (1983), assim como muitos outros, chama o grupo de Coroado devido ao padrão de
corte de cabelo. Hoje estes grupos são relacionados à etnia Kaingang.
do planalto sul brasileiro:
histórico e problemática das pesquisas
Outros relatos etnográficos disponíveis para grupos associados aos
Kaingang são os de Frei Luiz de Cimitile (apud VEIGA, 2000, p. 165),
Horta Barbosa (1913); Borba (1908) e Ambroseti (1984), todos datados entre
o final do século XIX e início do XX. Nestes relatos, destaca-se a semelhança
nas formas de sepultamento descritas por Borba, Cimitile e Mabilde, onde
sobre o corpo é erguido um montículo que pode alcançar altura e diâmetro
consideráveis.
1. Pré-história
Contrastando as belezas naturais da Ilha de Santa Catarina, o sol e o
verde “da folhagem espessa das matas virgens que vestem a Serra do Mar”
com a ação de uma companhia de 16 homens que atacaram um acampamento
de botocudos (Xokleng) na mata do continente contíguo, matando homens e
mulheres, deixando “crianças estremunhadas e chorando de medo”, Tavares
(1910, p. 277) inicia seu artigo, onde apresenta valiosas contribuições acerca
da cultura deste grupo. Tavares não foi exceção. Vasconcellos (1912) também
inicia seu texto discorrendo sobre os conflitos entre botocudos e a sociedade
branca. Para ele, estes índios que habitavam a Serra do Mar eram “indomes-
ticáveis, segundo os meios ordinários; traiçoeiros, dotados de uma feroci-
dade igual á do tigre, inclinados ao roubo, sendo o seu maior prazer matar os
brancos” (VASCONCELLOS, 1912, p. 19). A maioria dos registros sobre os
grupos que viviam na encosta e bordas do planalto descrevem ataques destes
grupos indígenas aos colonizadores, destacando conflitos e matanças.
Tavares não conviveu em meio a um grupo, como aconteceu com
Manizer ou Mabilde entre os Kaingang, mas registrou aspectos da orga-
nização social, como a existência de caciques, sua forma nômade de viver, e
muito brevemente, sua forma de enterrar. Para este último, escreve apenas 29
uma frase: “quando morre alguém, enterram o cadáver e queimam tudo
quanto lhe pertencia” (TAVARES, 1910, p. 283). A prática da cremação do
cadáver também foi descrita em outros relatos, como o de Boiteux (1911),
Vasconcelos (1912), Paula (1924), Kempf (1947) e Vamblé, transcrito por
Henry (1964 apud LAVINA, 1994, p. 66). Este último detalha:
Meu avô, tio da minha mãe, era de Tenente Portela. Ele viveu cento
e poucos anos. Ele contava como se protegia: faziam uma cava-
ção grande para ser coberta. Ele contando, mostrava como é que
ela era, tudo o que tinha que ser feito. Ele contava que ele gos-
taria de voltar àquela época. Ele chegou a ver, viver junto com os
pais numa casa destas. É uma escavação redonda, uma cava re-
donda, e as cobertas, ele mostrava, elas quase encostavam no chão
pra não entrar vento. Faziam uma valeta em roda pra água não
20
Antes da década de 1940, no vale do Itajaí do Norte. “Como nômades, cruzavam outrora as
plagas de Santa Catarina da foz do Itajaí ao planalto de Lajes e Palmas” (KEMPF, 1947, p. 25).
do planalto sul brasileiro:
histórico e problemática das pesquisas
entrar. Eram colocadas umas pedras em cima, do lado, ao redor,
pro vento não estragar. Do fundo, sobe tipo uma escadinha, na
parede, pra subir, volteadinha. Ali, tu saía pra fora. De noite, cobre
com palha. No meio tem um tronco, tipo esteio, até uma alturinha
pra fazer coberta. Aqui, é também feito fogo, dentro da casa. Só
que em cima ... tem um chapeuzinho de capim. Quando faz fogo,
tiram. A fumaça sobe. Quando chove, botam em cima. A folha de
palmeira era a cama (interlocutor de Nonoai, apud SILVA, 2001, p.
1. Pré-história
41)21.
32
como cenário:
os recursos ambientais
2
Araucárias
O Planalto das Araucárias como cenário:
das
os recursos ambientais
2. O Planalto
C
om nascentes situadas no planalto dos Estados de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul, o rio Pelotas é um importante
elemento paisagístico e cultural para as comunidades que vivem
em suas margens. Além de servir como divisão política entre os dois Estados
do sul do Brasil, o rio define a paisagem local e se insere no cotidiano de toda
a população. E assim tem sido desde a pré-história, quando grupos indígenas
que viviam da caça, da pesca, da coleta ou do plantio obtiveram sua subsistên-
cia e desenvolveram suas culturas em suas proximidades, nelas adquirindo
rochas para a produção de instrumentos líticos, coletando argilas para a fabri-
cação de potes e panelas e servindo-se dos recursos da pesca.
Geologicamente, o rio abrange o domínio dos terrenos da Bacia do
Paraná, na região geomorfológica do Planalto das Araucárias. Nesta área,
uma grande sequência de erupções vulcânicas, que se iniciou há mais de 100 33
milhões de anos, cobriu praticamente toda a região, com exceção de pequenos
trechos cobertos por sedimentos depositados pelo rio, ao longo de sua calha de
escoamento. O fluxo dos rios sobre as falhas existentes nas rochas basálticas
formadas pelo resfriamento das lavas, criou uma paisagem de cânions profun-
dos e vertentes íngremes. Do mesmo modo, os paredões verticais conhecidos
na região como peraus, foram formados pela erosão, que também causa o
alargamento progressivo do vale do rio. De modo geral, todos os cursos de
água desta bacia têm grande declividade, percorrendo vales muito encaixados,
estreitos e profundos, com solos pouco espessos e permeáveis.
máximas acima de 140 mm, com o total anual de chuvas superior a 1300 mm.
Estas chuvas são distribuídas regularmente ao longo do ano, com uma média
que varia entre 110 e 120 dias de chuva por ano (ENGEVIX, 1998).
A média das temperaturas anuais é baixa em todos os municípios que
formam o vale do Pelotas, não ultrapassando a 20ºC. Na primavera e no verão,
entre novembro e março, as temperaturas são mais elevadas, se aproximan-
UHE Barra Grande
geadas entre 20 a 30 vezes por ano. A neve pode ocorrer mais raramente, em
média três dias por ano, apresentando uma camada fina que costuma derreter
aos primeiros raios de sol.
Estudo
Araucárias
ariranhas, gatos-do-mato, pumas, jaguatiricas, onças, antas, porcos-do-mato,
veados, ouriços-cacheiros, preás, capivaras, pacas, cutias e tapitis.
Pensando na disponibilidade e potencial para a caça, Dias (2004)
das
dividiu as espécies de mamíferos em dois grupos. Um grupo diz respeito
2. O Planalto
aos animais com maior potencial para a caça, e o segundo grupo às demais
espécies, que também poderiam ser caçadas conforme as necessidades das
populações ali existentes. Para o primeiro grupo, foram listadas as seguintes
espécies: gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris, que pode pesar até
2,75 Kg), o tatu-galinha (Dasypus novemcinctus, até 8 Kg), o tatu-peludo
(Euphractus sexcinctus, 5 Kg), o bugio (Alouatta guariba, seu peso varia
entre 7 e 9 Kg), a anta (Tapirus terrestris, 300 Kg), porcos-do-mato
(o queixada – Tayassu pecari, com peso aproximado de 30 Kg e o cateto –
Pecari tajacu, com aproximadamente 20 Kg), as espécies de veados (mateiro
– Mazama americana, 16 Kg; o veado virá – Mazama gouazoubira, 23 Kg; e
o campeiro – Ozotocerus bezoarticus, com peso variando entre 30 e 40 Kg),
a capivara (Hydrochaeris hydrochaeris, maior roedor do mundo, que pode
chegar até 50 Kg) e por último a paca (Agouti paca, pesando até 10 Kg). O se-
gundo grupo, composto por animais que habitam a região e que são possíveis de
serem caçados são os tamanduás (bandeira – Myrmecophaga tridactyla que pesa
entre 18 e 23 Kg; e o mirim - Tamanduá tetradactyla, com cerca de 6 Kg), os
micos (Cebus apella, com peso entre 2 e 4 Kg), o graxaim-do-mato 35
(Cerdocyon thous, 5 Kg), o mão-pelada (Procyon cancrivorus, 8 Kg), o
puma (Puma concolor, 60 Kg), a jaguatirica (Leopardus pardalis, com peso
entre 7 e 15 Kg), os gatos-do-mato (Leopardus tigrina e Leopardus Wiedii,
ambos podendo pesar até 3 Kg), entre outros. As aves estão representadas por
macucos, inhambus, jaós, perdizes, codornas, urubus, gaviões, falcões e
carcarás, aracuãs, jacus, saracuras, frangos-d’água, seriemas, jaçanãs, quero-
queros, periquitos e papagaios, tucanos, gralhas e outras de menor porte.
Os peixes que ocorrem no rio Pelotas e em seus afluentes são princi-
palmente espécies de pequeno porte, com comprimento padrão inferior a 30
mm, como os lambaris, os carás, as joaninhas e diversas espécies de jundiás,
mandis e cascudos. Eventualmente podem ser pescadas espécies maiores,
como a piava, que chega a alcançar até 4 quilos. É no verão que ocorrem
em maior quantidade, quando se verifica também o fenômeno da piracema,
quando os peixes sobem os cursos d’água para desovar.
É neste contexto geológico e ambiental que estão inseridas as pesquisas
apresentadas e discutidas nos capítulos seguintes.
Rio Pelotas, SC:
3
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
Os sítios arqueológicos no
vale do rio Pelotas
A
UHE Barra Grande
3. Os
metros de um lajeado e a 4,5 km do rio Pelotas. O terreno apresenta diversos
afloramentos basálticos e um solo argiloso de pouca profundidade. Tais rochas
misturam-se a alguns artefatos líticos, que se encontram dispersos por uma
área de aproximadamente 20.000 m². Nesta área verificou-se a presença de
duas concentrações de material arqueológico, ainda que esta componha uma
indústria de baixa densidade.
O conjunto lítico deste sítio é composto por 49 peças que estão
representadas, na sua maioria, por lascas bipolares (28%) e núcleos unipo-
lares (24%). O restante da indústria se compõe, em proporções menores, por
artefatos bifaciais e unifacias (20%), fragmentos de núcleos (18%), lascas
unipolares (6%) e detritos (4%).
Quanto às estratégias de obtenção da matéria-prima, constata-se que os
artesãos selecionaram, preferencialmente, o basalto (65%) para a produção 37
da indústria. Trata-se de rochas amplamente disponíveis na região, ao alcance
no local de assentamento ou mesmo nas áreas próximas ao sítio. Todavia, em
menores proporções, constata-se também a presença de calcedônias (35%).
Correlacionando os tipos de formas básicas com a matéria-prima, é
notório que as lascas bipolares foram produzidas exclusivamente em calcedô-
nia. Ao contrário, os núcleos são predominantemente de basalto e unipolares
- há poucas evidências de núcleos bipolares. Quanto às lascas unipolares estas
são de preparação, com talões lisos28 (67%) e facetados29 (33%) e não apre-
sentam redução dorsal30 .
27
Estes três projetos se referem ao resgate no canteiro de obras, ao resgate na área diretamente
afetada pelo reservatório e pelo projeto de arqueologia compensatória realizado na margem
catarinense.
28
Talão é a superfície sobre o qual se deu o golpe e destacou a lasca de seu núcleo. Caracteriza-
se por liso quando apresenta superfície plana, regular, com negativo de apenas um lascamento.
29
O talão é facetado quando apresenta superfície irregular, com negativos de dois ou mais
lascamentos.
30
É o canto externo do plano de percussão. Segundo Laming-Emperaire “é aquele que, antes
da debitagem, constituía a borda do plano de percussão do núcleo” (LAMING-EMPERAIRE,
1967, p. 51). Este canto pode ser preparado para a retirada da lasca, recebendo vários golpes e
ficando reduzido
rio pElotas, sc:
Apesar dos artefatos bifaciais e unifaciais terem baixa representativi-
dade (reúnem apenas 20% do conjunto), eles apresentam suportes diversos
(entre blocos, seixos e placas) e podem ser classificados em três tipos: 1)
com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma
lateral) e uma extremidade em ponta (compreendem 70% da amostra); 2) com
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do
torno de 50%.
38
31
Lascas de preparação são lascas retiradas após o primeiro lascamento de uma massa de
matéria-prima. Apresentam no seu dorso marcas dos lascamentos precedentes ou até restos
de córtex (LAMING-EMPERAIRE, 1967, p. 36). Também são denominadas, segundo Leroi-
Gourhan (1966 apud LAMING-EMPERAIRE, 1967, p. 36), lascas de descorticamento; ou,
segundo Prous (1986/90, p. 18), lascas secundárias.
pElotas
Destaca-se a ausência de núcleos no conjunto. Os artefatos bifaciais, assim
como as lascas, não apresentam variações em seus tipos tecnológicos, pois se
3. os
Figura 10: Lasca de preparação em Figura 11: Artefato bifacial sobre bloco de
basalto e superfície natural cobrindo basalto com retiradas periféricas definindo
2/3 da peça e com retoques nas partes uma ponta em uma extremidade e superfície
mesial e distal. natural cobrindo ½ das faces 1 e 2.
sc-ag-07/08
15 16 17 18
Figuras 15 e 16: Artefato bifacial sobre placa de basalto com retiradas bifaciais em uma
extremidade apenas definindo uma ponta (faces 1 e 2).
Figuras 17 e 18: Artefato bifacial sobre bloco de basalto com superfície natural cobrindo 1/3
da peça na parte proximal e terminação em ponta. Porém, esta peça caracteriza-se como atípica,
pois apresenta 3 faces, onde uma fratura natural da rocha em uma das laterais foi aproveitada
também como plano de percussão, com retiradas unifaciais (faces 1 e 2).
pElotas
adair vingla vii (sc-ag-11)
3. os
outros locais – áreas de assentamento permanente ou temporárias (mas onde
seriam utilizados).
Figura 19: Lasca de basalto Figura 20: Núcleos de basalto unipolares com
unipolar com retoque nas partes várias plataformas em outras posições 41
mesial e distal.
32
As lascas bifaciais são delgadas, com perfil longitudinal e, geralmente, curvo. Apresentam
o plano de percussão estreito e, por vezes, formando lábio no canto ventral. Correspondem ao
produto de uma retirada posterior à de preparação, sendo mais característica da finalização e
acabamento dos instrumentos, podendo ser, inclusive, o produto de lascamentos de retoque.
Rio Pelotas, SC:
em ponta (29%); e 3) com retiradas bifaciais em apenas uma extremidade e
terminação em ponta (7%).
33
Lascas do tipo lâmina são peças que apresentam o comprimento igual ou superior a duas
vezes a largura (BRÉZILLON, 1977, p. 99).
pElotas
nereu freski i (sc-ag-35)
3. os
indústrias, foram produzidos sobre blocos de basalto e classificam-se entre os
tipos: 1) com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou em uma
lateral) e sem terminação em ponta; 2) com retiradas periféricas bifaciais em
todo o contorno (ou apenas em uma lateral) e terminação em ponta (ambos
os tipos com 36%); e 3) com retiradas periféricas bifaciais, parte proximal
cortical e terminação em ponta (28%).
43
Figura 21: Artefato bifacial sobre Figura 22: Artefato bifacial sobre
seixo de basalto com superfície natu- bloco de basalto com superfície
ral cobrindo 1/3 da peça na sua parte natural cobrindo 1/3 da peça na sua
proximal. parte proximal.
3. Os
(16 x 10 m), foi identificada uma alta concentração de material lascado de
pequenas dimensões, principalmente lascas e microlascas, que destoavam do
material arqueológico localizado no restante do sítio, caracterizado, princi-
palmente, por objetos líticos de grande porte. Parte desta área foi escavada,
revelando uma estrutura de intenso lascamento, onde a grande quantidade de
vestígios líticos caracteriza todas as etapas de produção de instrumentos. Por
conta dessa diferença, a área do sítio foi subdividida em duas áreas menores:
a área 97A, onde se distribuíam os artefatos de grande porte em superfície e a
área 97B, onde se encontrava uma alta quantidade de peças de pequeno porte
em superfície e em profundidade.
O material arqueológico coletado na área 97A soma 497 objetos
líticos, representados por lascas unipolares (42%), lascas bipolares (4%), 45
núcleos (12%), fragmentos de lascas (5%), detritos (10%), artefatos bifaciais
e unifaciais (25%) e artefatos brutos (2%). O material lítico polido não chega
a contabilizar 1% do total do conjunto.
Na área 97B, os objetos contabilizam 3.019 peças e foram classificadas
como: lascas unipolares (51%), lascas bipolares (2%), núcleos (1%), fragmen-
tos de lascas (14%), fragmentos de núcleos (2%), detritos (30%), e artefatos
brutos (2%). Os artefatos bifaciais e unifaciais não chegam a contabilizar 1%.
Quanto às dimensões das peças destas indústrias, de um modo geral,
o conjunto lítico do sítio SC-AG-97B possui peças relativamente pequenas,
com dimensões que variam entre 3 e 7 cm, enquanto que o sítio SC-AG-97A
é constituído predominantemente por peças de grande porte, com dimensões
que variam entre 5 e 14 cm.
Em ambos os sítios, as técnicas de produção utilizadas pelos artesãos
foram tanto o lascamento unipolar quanto o bipolar. Verificou-se o predomínio
do lascamento unipolar em basaltos e metalamitos e do lascamento bipolar em
calcedônias e quartzos. Quanto aos tipos de lascas unipolares, em ambas as
áreas, as lascas de preparação predominam. Seguem, em ordem decrescente
de popularidade, as lascas corticais, as lascas de biface, as lascas de retoque e
as lascas tipo lâmina, conforme o quadro abaixo:
Rio Pelotas, SC:
Quadro 01: Tipos de lascas e sua incidência nas áreas 97A e 97B.
SC-AG-97A SC-AG-97B
Lasca de preparação 198 1028
Lasca cortical 10 187
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
Lasca de biface - 66
Lasca de retoque - 18
Lâmina - 5
as lascas acorticais têm uma frequência de 37,5%, as com córtex em até 1/3
da superfície têm frequência de 29,8% e as corticais diminuem para 14,3%.
25 26 27
3. os
28
47
Figuras 27 e 28: Artefatos bifaciais
Figuras 25 e 26: Grande artefato bifacial (26,5 cm sobre lasca de basalto com retiradas
de comp.), desprovido de córtex e com retiradas peri- periféricas definindo ponta em uma
féricas definindo pontas em ambas as extremidades das extremidades, com córtex cobrin-
(faces 1 e 2). do até 1/3 da peça (face 1 e perfil).
3. Os
uma função, a de moradia, o que talvez não defina a função de todas estas
estruturas. Para evitar pré-julgamentos, convencionou-se aqui chamar estes
sítios arqueológicos de “estruturas escavadas”, ou seja, sem especificar sua
função ou a variação de profundidade.
Contudo, a utilização de diferentes abordagens teóricas gerou inter-
pretações diferenciadas, como, por exemplo, com relação a sua construção e
utilização. Para alguns pesquisadores, a diferença entre o tamanho das estru-
turas poderia estar relacionada ao seu uso: as de tamanho mediano serviriam
para moradias familiares, as pequenas serviriam para armazenamento e as
grandes, para realizações de rituais coletivos, ou para habitação e atividades
domésticas, sem questionar o tamanho e profundidade, conforme Schmitz
e Becker (1991). Outras sugestões, como defesa e segregação cerimonial 49
(REIS, 2002) também foram sugeridas.
Por estarem situadas principalmente em locais de grande altitude no
planalto, onde o inverno é rigoroso, estas construções são tradicionalmente
associadas a “adaptações ao frio hibernal e aos solos compactos” (SCHMITZ
et al., 1988). Segundo este autor, o abrigo em uma depressão, com cobertura
de palha e fogo central, com temperatura interna mais elevada que a externa,
seria um local agradável para enfrentar longos invernos. O problema deste
tipo de interpretação, segundo Alberione Reis (2002), é que pouco considera
as premissas de um processo adaptativo (REIS, 2002). Para o autor,
Frio, casa, homem podem não dançar uma ciranda que festeje adap-
tação. (...) Nem sempre as decisões e escolhas de um grupo humano
perante o clima são reduzidas a soluções técnicas. Estas não são
independentes de uma organização social integrada a operações
tecnológicas. Respostas materiais, quer sejam por edificações, ves-
tuário ou localizações, empregadas para proteção ao clima podem
ser socialmente determinadas. (REIS, 2002, p. 43-44).
Rio Pelotas, SC:
Por isso, a habitação é um fenômeno cultural, que traduz um estilo de
vida, não somente uma adaptação ao clima.
Estes tipos de sítios não são exclusividade da região do planalto
meridional brasileiro, podendo ser encontrados em certas partes da Europa e
da Ásia, bem como nos Estados Unidos da América e no Peru (REIS, 2007).
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
Porém, apesar desta abrangência espacial, Reis (2007, p. 13) aponta para uma
“disparidade nos dados disponíveis, quantitativamente e qualitativamente”.
Para a autora, que desenvolveu sua pesquisa na década de 1970, para as
estruturas norte-americanas existem informações detalhadas sobre as
características e modificações ao longo do tempo, bem como para o seu
contexto cultural, enquanto que no Brasil “as informações são dispersas
UHE Barra Grande
34
Anteriormente apresentados.
Pelotas
sítios arqueológicos no vale do rio
3. Os
51
35
Segundo Prous (1992), Orton et al (1993) e Chmyz (1966) a queima da cerâmica é o processo
físico-químico que consiste em transformar a argila em cerâmica, por meio de elevação de
temperatura. O resultado do processo de queima da argila depende de uma série de variáveis,
como o tipo de fogueira, o tipo de combustível e temperatura, o tempo da queima e o tratamento
pós-queima. O grau de queima pode ser em parte inferido através dos diferentes tons de cor de
um fragmento cerâmico, a serem percebidos de duas formas: 1) Núcleo, parte central do perfil
e 2) Margens interna e externa. Uma superfície apresentando uma coloração em tons claros
de maneira homogênea pode indicar que as condições de queima foram suficientes para que o
vasilhame alcançasse um equilíbrio. No caso de uma superfície heterogênea (cores distintas –
cinza/preto e tons mais claros) pode indicar uma queima breve, não suficiente para uma queima
total do vasilhame. Em geral, queimas em meio oxidante, ou seja, com a presença de oxigênio,
as cores dos vasilhames podem variar de branco, amarelo, marrom claro e escuro até vermelho.
Já em meio redutor as cores podem variar de azul, cinza e roxo.
36
A técnica de confecção da cerâmica por meios de rolete consiste na superposição helicoidal
de roletes de argila com comprimento variável, partindo da base ou de uma porção de barro
modelado para tal fim, até construir a parede do vaso. Já o modelado caracteriza-se pela técnica
de manufatura, à mão livre, a partir de massa informe, até atingir a forma desejada.
pElotas
maioria apresenta espessura menor que 9 mm, com predominância entre 6 e 9
mm (71%). Não foi constatado nenhum padrão de distribuição das diferentes
3. os
tas marcas estão principalmente relacionadas ao uso em fogo, predominante-
mente do tipo queima interna com vestígios de alimentação carbonizados no
interior dos fragmentos, formando grossas camadas agregadas ao fundo das
bases e bojos inferiores. Relacionados a estes vestígios carbonizados, tam-
bém se percebe, em alguns fragmentos, sulcos e desgaste na parte interna
dos recipientes, apresentando direcionamento da boca à base. Estes sulcos
foram produzidos depois da queima, muito provavelmente durante a limpe-
za pós-utilização, com o emprego de instrumento semelhante à espátula ou
colher, para desagregar da parede restos de alimento.
53
37 38 39
40 41 42
54
Figuras 40, 41 e 42: Vasilhame remontado.
Figuras 43 e 44: Núcleo de calcedônia com retoque e marcas de uso (faces 1 e 2).
3. os
Assim como na cerâmica, não se observam diferenças entre as
peças líticas coletadas nas diferentes estruturas ou nos diferentes níveis de
uma mesma estrutura. Em todo o sítio, as lascas unipolares são as peças
mais frequentes, podendo ser de preparação ou de biface, e assim como
nos sítios líticos de superfície, o tipo de lascamento parece depender da
matéria-prima utilizada: o basalto apresenta lascamento do tipo unipolar e a
calcedônia, preferencialmente, lascamento do tipo bipolar.
Ainda que a área escavada neste sítio seja maior do que nos outros
sítios resgatados, a indústria não apresenta nenhuma categoria de objetos
distinta dos outros assentamentos. As diferenças ficam por conta unica-
mente da frequência destes objetos. O baixo percentual de peças corticais e
semi-corticais indicam que a confecção inicial dos objetos ocorreu em áreas
extra-sítio, sendo transportados pré-formatados para o sítio. A indústria 55
lítica é representada por poucos artefatos, em contraposição às lascas residuais
unipolares (34%) e aos fragmentos de lascas (31%) que representam a
maior parte da indústria. Em menor proporção, foram também identificados
detritos de lascamento (11%), fragmentos de núcleos (7%), termóforos (7%),
núcleos (6%), lascas bipolares (3%) e blocos naturais (1%). Em razão do baixo
percentual de instrumentos e de resíduos de lascamento, pode-se sugerir que
a produção e a utilização dos objetos líticos não ocorreram dentro da área do
sítio, mas em locais externos e não identificados nas escavações.
Parece razoável supor que a área no interior e no entorno das estru-
turas escavadas compreendiam espaços de ocupação onde a dinâmica dos
ocupantes não se relacionava à intensa produção e utilização de instrumentos
líticos e cerâmicos. Todavia, a presença, ainda que escassa, de lascas, detritos,
núcleos e percutores demonstra que ao menos algumas tarefas relacionadas ao
instrumental lítico eram executadas nestes locais.
rio pElotas, sc:
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do
3. Os
Figura 48: Detalhe do perfil estratigrá-
Figura 47: Croqui da parede de uma fico das estruturas “F” (esquerda) e “G”
estrutura apresentado por La Salvia (1987, (direita), mostrando o aprofundamento
p. 17). formando nicho.
Gráfico 01: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “J”.
a contribuição da
A estrutura “A”, localizada mais ao norte do sítio, teve seu piso identifi-
cado à profundidade de 1,60 m, onde foi coletado material lítico. Pela análise
Estudo
Gráfico 02: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “A”.
3. os
Outra estrutura com elementos que sugerem a reocupação do espaço é
a estrutura “C”. Nela foi observada a sobreposição de quatro fogueiras bem
definidas, com a primeira delas, de maior dimensão, instalada sobre o piso
da primeira ocupação, a 2,40 m de profundidade, sucedida pelas demais, que
mediram cerca de 50 cm de diâmetro. A distribuição do material arqueológico
por níveis desde o piso original da estrutura sugere que o processo de reocupa-
ção foi mais extenso, com até seis ocupações separadas por intervalos estéreis
de 10 a 30 cm de espessura, conforme gráfico abaixo:
59
Gráfico 04: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “C”.
1210-1320 AD
1 TB C 140-150 720+-60BP (740-630 BP)
1020-1270 AD
1 Sond. B C 190-200 880+-70BP (930-680BP)
1410-1640AD
2 C4 G 50-60 420+-60BP (540-310BP)
1220-1290AD
uHE barra grandE
datação do nível mais profundo da casa pode não condizer com a da sua
construção, pois o carvão analisado não foi coletado sobre o piso original da
casa, situado a 260 cm de profundidade.
60
Gráfico 05: Apresentação do material cerâmico e lítico nos níveis da estrutura “I”.
3. Os
profundidade, remanescentes de um período de ocupação. Comparado ao
estudo de estruturas escavadas, existem poucas publicações sobre o estudo
de sítios lito-cerâmicos de superfície, na maioria das vezes apresentado no
bojo da problemática das estruturas escavadas, ou relacionando a cerâmica às
fases, no período do PRONAPA (ver primeiro capítulo).
Na margem catarinense da UHE Barra Grande foram escavados três
sítios lito-cerâmicos com material em superfície e em pequena profundidade
(SC-AG-40, SC-AG-47 e SC-AG-105). Destes, um possuía maiores dimen-
sões e grande densidade de material arqueológico (SC-AG-40), sendo que os
demais apresentaram baixa densidade de material, conforme descrito a seguir:
pois a pasta estava clara em toda a sua espessura. A queima redutora parcial,
ou seja, com oxidação parcial, onde o perfil do fragmento apresenta um miolo
escuro com faixas claras em uma ou ambas as faces, representou 34,89%. Os
fragmentos que apresentaram queima redutora total somaram 20,38%.
Assim como no sítio de estruturas escavadas, os recipientes são, em sua
maioria, finos, com espessura variando de 0,3 cm a 1,4 cm, estando o maior
uHE barra grandE
perfil completo, foi possível verificar que a brunidura não era homogênea,
mas que havia lacunas onde não apresentava o aspecto de cor preta lustrosa,
característica deste tipo de tratamento. A aplicação de barbotina parece ter
Estudo
sido recorrente, pois foi identificado em mais de 98% dos fragmentos. Talvez a
totalidade dos fragmentos apresentasse barbotina; no entanto, este atributo não
pôde ser avaliado nos fragmentos com a superfície desagregada pela erosão.
Marcas de uso foram constatadas na superfície de 35,41% dos fragmen-
62 tos, caracterizadas por queima em ambas as faces, fuligem na face externa,
fuligem na face interna e restos de alimentos carbonizados no interior.
54 55
Desenho: Ana Lucia Herberts.
3. os
Desenho: Ana Lucia Herberts.
peça.
59 60
uHE barra grandE
3. os
Neste sítio, os artesãos empregaram tanto o lascamento unipolar quanto
o bipolar para a produção de seus artefatos. Ao comparar estas duas técnicas
de percussão com os tipos de matérias-primas empregadas novamente, o que
se observa é uma nítida associação entre a técnica de percussão e a matéria-
prima, ou seja, entre o lascamento unipolar e o basalto, e o lascamento bipolar
e a calcedônia. Esta correlação ainda não está muito clara na bibliografia, mas
o fato das calcedônias apresentarem-se naturalmente sob a forma de pequenos
geodos, faz com que a técnica bipolar seja a mais adequada para o lascamento
deste tipo de matéria prima.
67
64
a contribuição da
Estudo
65
3. os
um tipo particular de sítio” (Ibid.), o que confirmaria a hipótese deste sítio
representar um assentamento permanente.
lâminas.
70
3. Os
localiza sobre um platô próximo ao sítio de sepultamento SC-AG-100 e em
frente a outro sítio de sepultamento, o sítio SC-AG-98. Apresentava seu mate-
rial arqueológico disperso em uma área de aproximadamente 50 x 25 m, com
40 cm de profundidade máxima. O material arqueológico mostrou-se muito
fragmentado e fora do contexto original de deposição, em razão de a área
ter sido utilizada para agricultura e, portanto, constantemente revolvida pelo
arado.
Os mesmos fatores antrópicos responsáveis pela descontextualiza-
ção e destruição das estruturas arqueológicas neste sítio também agiram
sobre os fragmentos cerâmicos, provocando uma grande fragmentação e má
conservação. No total foram coletados 124 fragmentos, sendo que apenas
onze puderam ser remontados.
Dos fragmentos coletados, 27 apresentam técnica de 71
confecção modelada. Entretanto, devido às pequenas dimensões, na
maioria não foi possível definir tais técnicas. Diferentemente dos demais sítios
lito-cerâmicos de superfície, neste não foi observado o uso da técnica acorde-
lada para a produção dos vasilhames.
O tipo de queima predominante foi a oxidação total (37%), seguido por
oxidação externa com núcleo interno (22%) e em menor número, a oxida-
ção externa e interna com presença de núcleo redutor e oxidação interna com
núcleo externo (18% e 16%, respectivamente). A redução total foi verificada
em oito fragmentos, ou seja, em 7% das coletas.
A espessura dos fragmentos permaneceu dentro da média dos
demais sítios estudados, ou seja, entre 0,4 e 0,9 cm. Destes, apenas três
foram identificados como bordas, todas de pequenas dimensões, diretas e sem
reforço.
c
a b
face interna da vasilha, semelhante à borda com furo encontrada no sítio João
Roque Vingla IV (SC-AG-40).
uHE barra grandE
3. Os
lidade de geodos silicosos na área e a alta popularidade das peças bipolares
sugerem que os artesãos tenham transportado tais matérias-primas até o
sítio, para então darem início às produções. Considerando-se que a indústria
compõe-se principalmente por lascas, é provável que estas fossem utilizadas
dentro da área do sítio e empregadas em atividades domésticas, que envolves-
sem poucos esforços – como raladores de alimentos, perfuradores de couro,
etc.
As transformações provocadas pelo intenso uso do solo para agricul-
tura provocaram a completa descontextualização e a forte fragmentação dos
artefatos, dificultando assim uma interpretação mais aprofundada deste sítio.
Apesar desta fragmentação, a comparação entre estes materiais e os encontra-
dos nos outros dois sítios lito-cerâmicos (acima expostos), sugere-se que este
sítio faça parte do sistema de assentamento dos dois primeiros sítios, apesar de 73
não se dispor de datações que comprovem tal hipótese. Porém, a larga utiliza-
ção da calcedônia com lascamentos bipolares, a cerâmica predominantemente
oxidada e a existência de um fragmento com furo sustentam tal suposição,
na medida em que estes dados caracterizam também os materiais do sítio
SC-AG-40.
Sítios cerimoniais
quatro sítios são semelhantes, tanto no que diz respeito aos objetos líticos
quanto à cerâmica. Todavia, em relação ao modo de sepultamento, algumas
diferenças foram observadas, como por exemplo, a forma de deposição e o
Estudo
acompanhamento. Por outro lado, não há dúvidas que todos são frutos de
ritual de cremação.
b
Estudo
ATRIBUTOS
N º de catálogo 05 08
Diâmetro da boca 7 cm 12 cm
Altura máxima 8,3 cm 4 cm
Largura máxima 7,5 cm 12 cm
Espessura máxima 6 cm 6 cm
Técnica de confecção Modelado Modelado
Oxidação externa e Oxidação externa e
Queima interna com presença de interna com presença de
núcleo núcleo
pElotas
Ambas as faces
Estado de conservação Não erodido
parcialmente erodidas
3. os
Reforço de borda Ausente Ausente
Forma do lábio Arredondado Arredondado
Forma da base Arredondada Arredondada
Forma do ombro Convexo Simples
Forma do pescoço Côncavo Retilíneo
Forma da vasilha Esférica Meia calota
Contorno Inflectido Simples
Volume 284 ml 218 ml
Costelas 26 22
Ossos longos 32 27
Epífises 7 6
Crânio 37 32
Não Identificado 7 6
UHE Barra Grande
78 79 79
80
Por conter abundante carvão vegetal, foram realizadas coletas na estru-
tura 2 e posteriormente enviadas para obtenção de datações no Laboratório
Beta Analytic Inc. (EUA). O resultado aponta para a construção do sítio no
período entre os anos de 1300-1440 d.C. (BETA - 175188).
carne, enquanto que as fissuras longitudinais são mais freqüentes em cremações sem carne. Este
padrão acontece quando o tecido orgânico que reveste o osso vai se encolhendo devido ao calor,
expondo gradativamente o osso ao fogo.
Pelotas
Silvio Fernandes I (SC-AG- 99)
3. Os
81
3. os
no interior ou no exterior da estrutura. Em uma primeira etapa de campo, em
2002, o sítio foi desenhado como sendo duas estruturas em semi-círculo uni-
das com três montículos no interior, sendo dois deles geminados. Em nova
etapa, 2006, este sítio foi redesenhado e teve sua planta-baixa alterada. Verif-
icou-se que aparentemente se trata de um conjunto de dois círculos incomple-
tos e distintos.
A escavação de trincheiras nos três montículos não evidenciou a ocor-
rência de vestígios ósseos humanos, tampouco de áreas de cremação ou
manchas escuras no solo com fragmentos de carvão. Porém, não terem sido
encontrados ossos são significa que a estrutura não tenha abrigado um sepul-
tamento no passado. Talvez a metodologia de escavação, cujo objetivo não era
a exaustão do sítio, mas conhecer seu pacote arqueológico, não tenha eviden-
ciado nenhum enterramento por este se localizar em uma área não escavada. 83
Outra possibilidade para explicar a ausência de ossos é a acidez do solo, que
age fortemente contra a conservação de ossos sepultados sem a cremação.
Caso fosse um sepultamento primário, ele teria desaparecido ao longo do
tempo. Menos provável é a hipótese desta estrutura não ter sido construída
para enterramento, mas para uma finalidade não conhecida.
3. os
observado em qualquer fragmento. Não foram encontrados fragmentos com
decoração plástica nem tampouco ocorreu reforço nas bordas, que se apresen-
tam nas formas direta/vertical e extrovertida, com lábios arredondados.
Foi possível remontar dois vasilhames. Estes foram encontrados na trin-
cheira B, escavada no montículo central. Na vasilha “A” observam-se marcas
de uso, caracterizada como queima interna. Esta vasilha tem 8 cm de altura,
6,8 cm de largura máxima no bojo e 6,4 cm de diâmetro de boca. Conforme
o cálculo efetuado para a sua capacidade, o volume interno seria de 200 ml.
Possui forma ovóide, alem de lábio e base arredondados. O tipo de queima é
oxidação total. A técnica de confecção é modelada com superfície simples.
85
ATRIBUTOS
a contribuição da
N º de catálogo 38 06
Diâmetro da boca 6,4 cm 8,4 cm
Estudo
3. os
Figura 93: Núcleo de basalto. Figura 94: Lascas bipolares de calcedônia.
que tenha ocorrido a cremação do corpo inteiro no local, o que é indicado pela
presença de todos os ossos e pela quantidade de carvão existente na estrutura.
Para isso, o corpo deveria estar fortemente flexionado, com os membros infe-
riores amarrados junto aos membros superiores e ao tórax, e com o conjunto
depositado em posição vertical em relação ao solo, em posição sentada. Nesta
posição, a área da fogueira seria menor e a alta temperatura proporcionada pela
UHE Barra Grande
queima das vísceras contribuiria para uma queima mais intensa dos mem-
bros. Os ossos encontravam-se, em sua maioria, no centro da fogueira e o
único fragmento de osso chato estava cercado por corticais. Este pode ser
o resultado da cremação do corpo na posição descrita acima, onde os ossos
chatos – crânio, escápula e púbis – tenderiam a se depositar em um mesmo
eixo, transversal ao solo, enquanto que os ossos longos, pertencentes aos
a contribuição da
Murchão (SC-AG-108)
3. Os
89
c
a
a contribuição da
3. os
No centro do montículo do anel 1 foi encontrada uma
concentração de ossos e carvão entre 20 e 30 cm de profundidade, formando
uma estrutura que se estendeu até o nível 40 cm, denominada estrutura 1. Esta
estrutura apresentou em seu interior 1.121 fragmentos de ossos, dos quais
43% (485) possuem mais de 10 mm, e destes, 87% possuem entre 10 mm e
19 mm.
Comparado às demais estruturas, o estado de conservação destes frag-
mentos é bem melhor, possibilitando, assim, maior índice de identificação. Do
total analisado, 21% puderam ser identificados quanto ao osso e 70% quanto
ao tipo, conforme quadro abaixo: 91
Quadro 08: Identificação dos fragmentos da estrutura 1.
Ossos Quant. Representatividade
Identificados 105 21%
Não identificados 45 9%
Corticais 141 28%
Crânio 167 35%
Chato 15 3%
Vértebras 12 2%
Costelas 10 2%
3. Os
ossos com deformações (torção e encurvamento) contribuem para esta inter-
pretação.
Diferentemente do sítio SC-AG-100, onde os ossos estavam no
centro da fogueira e o carvão nas extremidades, nesta o carvão não era abun-
dante, mas estava distribuído na mesma área dos ossos. Durante a escavação,
percebeu-se que os ossos estavam organizados em duas concentrações, o que
se confirmou na análise de laboratório: uma destas concentrações era formada
por ossos longos e a outra, por ossos do crânio, separados por um grande
fragmento de madeira semicarbonizado. A estrutura terminava logo abaixo
deste fragmento de madeira, sem apresentar mais ossos. Observou-se que os
ossos dos dois indivíduos estavam dispostos com relativa ordem anatômica,
sugerindo a posição dos cadáveres durante o ritual. Eles estavam dispostos
flexionados, deitados um frente ao o outro, de maneira que os membros de 93
um ficassem sobrepostos aos do outro, com os crânios voltados para o leste
e os pés para o oeste. No lado leste da estrutura, ainda dentro do montículo,
foi localizado um amontoado intencional de blocos de rochas basálticas sem
sinais de fogo ou lascamento.
A escavação deste sítio permitiu uma visão do processo de construção
do montículo e do anel. A base da estrutura, formada por carvão e ossos,
estava a 40 cm de profundidade, apresentando variação de nível menor de 10
cm com relação ao solo no exterior do anel. Isto sugere que a estrutura está em
um nível próximo ao do solo original, tendo a pira sido realizada sobre o solo
e posteriormente encoberta pelo montículo, construído da mesma forma que
o anel, ou seja, com o solo retirado do espaço existente entre estas estruturas,
o que ocasionou o rebaixamento de 20 cm na área interna do anel. Vindo ao
encontro desta conclusão, o montículo e o anel apresentam um pequeno
desnível em relação ao nível do solo fora da estrutura, possuindo o primeiro
50 cm e o segundo 15 - 20 cm.
Esta estrutura foi datada e o resultado aponta para sua construção entre
os anos de 1460-1660 d.C. (BETA – 226125).
A estrutura “2”, situada a 10 m de distância da estrutura “1”, apresen-
tou um anel com 15 m de diâmetro e um montículo com 5,2 m. de diâmetro
O corte realizado sobre o montículo apresentou uma estrutura caracterizada
rio pElotas, sc:
como uma pequena concentração de ossos e um fragmento de carvão, situa-
dos a 40 cm de profundidade. Com apenas 15 cm de espessura e menos de 50
cm de diâmetro, esta estrutura se localizava ao sul do montículo. A escavação
recuperou um maxilar depositado com os dentes voltados para baixo, com a
mandíbula e um fragmento de costela sobre ele, confirmando o sepultamento
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do
105 106
107
Sítios em abrigos-sob-rocha
3. Os
sido realizados desde a década de 1960 nos Estados do Rio Grande do Sul
e Santa Catarina. É comum encontrar para este tipo de sítio duas associa-
ções culturais diferenciadas: a caçadores-coletores Umbu ou a horticultores
Taquara/Itararé. Os abrigos associados a esta última tradição geralmente pos-
suem sepultamentos no seu interior, conforme as pesquisas de Piazza (1966),
Schmitz (1988) e Miller (1971).
Para Schmitz (1988), em duas fases da tradição Taquara no Rio Grande
do Sul, os grupos sepultavam seus mortos em abrigos sob rocha: a Taquara
e a Guatambu, de acordo com os abrigos escavados. Um abrigo estudado
pertencente à fase Guatambu é a “Gruta do Matemático”, pesquisado por
Miller na década de 1960, no Rio Grande do Sul. Naquela época, já havia
sofrido perturbações e depredação por parte de animais e moradores próxi-
mos. Porém, segundo Miller (1971 apud SCHMITZ, 1988, p. 80), “as evidên- 95
cias foram suficientes para constatar-se que eram do tipo aterro, entrando na
sua formação, terra e restos de xaxim, folhas de taquara e capim. Pequenos
blocos de pedra circundavam os aterros que eram alongados (...) e baixos’”.
Neste abrigo foram encontrados fragmentos de cerâmica, cascas de pinhão,
fragmentos de ossos e dentes humanos.
Na fase Taquara, localizada na encosta leste do planalto, Miller
O sítio João Roque Vingla I foi identificado em uma gruta com largura
96 de 17,44 m, profundidade de 12,90 m e altura de 4,25 m (medidas máximas).
A gruta é de basalto e apresenta uma queda d’água, formando uma cortina em
sua boca. A abertura está orientada para sudoeste, tendo pouca iluminação no
seu interior. Além da falta de insolação, é bastante úmida e insalubre para ser
habitada.
3. os
(15%), núcleos (1%), fragmentos de lascas (11%), detritos (29%) e termóforo
(1%). Quanto às dimensões das peças, de todas as indústrias líticas estudadas
no projeto, de um modo geral, o conjunto lítico do sítio SC-AG-24 é o que
apresenta peças com menores dimensões (em média entre 1 cm e 4 cm).
Quanto às técnicas de produção, os artesãos empregaram tanto o las-
camento unipolar quanto o bipolar. Conforme comentado anteriormente, ao
comparar estas duas técnicas de percussão com os tipos de matéria-prima
empregados, o que se observa é uma nítida associação entre unipolaridade e
basalto e bipolaridade e calcedônia.
Quanto aos tipos de lascas unipolares, ocorre uma forte predominância
das lascas de preparação (86%). Seguem em ordem decrescente de populari-
dade as lascas de biface (4%), as lascas corticais (3%) e em menor número,
as lascas de retoque e as lâminas. No que se refere à quantidade de superfí- 97
cie natural presente nas lascas, também se verifica uma semelhança entre os
outros conjuntos. São lascas predominantemente acorticais, ou então, cobertas
em até 1/3 da superfície
Rio Pelotas
análise integrada: o vale do
Análise integrada: o vale do Rio
Pelotas no período pré-colonial
A
o final dos trabalhos de salvamento arqueológico no canteiro
4.
de obras da UHE Barra Grande, ficou clara a complexidade
arqueológica da área de estudo. A região compreende um
ambiente cuja formação se iniciou há mais de 100 milhões de anos a
partir do derramamento de lavas vulcânicas. Assim, afloramentos basálticos
são numerosos e geodos de quartzo e calcedônia tornam-se recorrentes em
meio a estas rochas ígneas. Apresenta solo ácido coberto por campos e por
floresta ombrófila mista, onde a araucária se destaca. Este cenário foi o palco
do cotidiano de, ao menos, duas populações culturalmente distintas.
As datações mais antigas apontam para a presença humana na região sul
do Brasil desde 10.000 anos A.P., em um cenário diferente do que conhecemos
hoje. Naquele período o ambiente era seco e frio, consequência da última
glaciação. A temperatura média seria em torno de 5º mais baixa que a média 99
de hoje, os rios teriam pouca água e a fisionomia da paisagem seria de forte
aridez (SCHMITZ, 1991). Para além da paisagem, alguns animais também se
diferenciavam dos atuais, considerando-se que a megafauna ainda não estaria
totalmente extinta. Segundo Jacobus (1991) estes animais possuíam grande
estatura e peso, e eram adaptados a um clima mais frio. Através do estudo
dos fósseis, são conhecidos 18 megamamíferos do período que possivelmente
conviveram com grupos humanos. Não se sabe, ao certo, quando foram extin-
tos, porém acredita-se que sua extinção possivelmente esteja relacionada ao
aumento da temperatura e à passagem para um período mais úmido, ocorrido
a partir de 9.000 A.P. Estes animais eram parecidos com os tatus, preguiças,
hipopótamos, camelídeos e elefantes de hoje, porém de estaturas maiores
(ver figura 114).
A paisagem e a temperatura atual apenas se definiram no começo da
chamada era cristã, marcando um aumento populacional dos grupos humanos
e relativo sedentarismo. Este período também é caracterizado pela introdução
da cerâmica e da horticultura, por populações pertencentes às tradições
arqueológicas Taquara e Tupiguarani. Esta última, vinda através de diversas
frentes migratórias desde a região da Amazônia, ocupou o extremo oeste dos
Estados sulinos, além do litoral, entretanto, não se tem conhecimento de sua
permanência ou passagem na área desta pesquisa.
rio pElotas, sc:
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do
100
Rio Pelotas
habitaram o vale do Rio Pelotas?
4.
produzem, mesmo nos casos nos quais as causas da migração permanecem
desconhecidas.
Neste livro não se fará uma crítica aos modelos de migrações ou
uma grande explanação sobre o assunto, tampouco se discutirá a interpre-
tação de Anthony (1990) apresentando os contrapontos da arqueologia
pós-processual43; contudo, pode-se concordar com ele quando argumenta que
culturas não migram, mas grupos, com um objetivo orientado. Não são grupos
que seguem andando, “perdidos” pelo território, mas possuem um motivo,
seja ele ambiental, cultural ou social, entre outros.
Por meio das diversas pesquisas desenvolvidas no planalto, é possível
apontar a presença de pelo menos dois grandes grupos com tecnologia de
confecção de artefatos e estilos de vidas diferentes: um ceramista (a tradição
Taquara/Itararé) e outro não-ceramista (a tradição Umbu), apresentados no 101
primeiro capítulo.
Provavelmente vindos do norte da América, os primeiros grupos
humanos a chegarem ao planalto seriam nômades e, de acordo com seu
instrumental lítico, composto por artefatos líticos bem elaborados, como raspa-
dores e pontas de flecha, tinham sua economia baseada na caça e na coleta de
vegetais. Os poucos sítios estudados até agora “deixam claro que, entre 10.000
e 6.000 anos, a população era extremamente rarefeita e vivia em pequenos
grupos familiares que vagavam pelo território, acampando à beira de córregos
ou em abrigos rochosos da borda do planalto” (SCHMITZ, 1991, p. 13). Tais
populações nômades foram denominadas de tradição Umbu.
Estes grupos poderiam ter convivido com os animais da megafauna,
porém não há indícios de que a caça destes animais fizesse parte de sua econo-
mia. O que se encontrou em sítios arqueológicos foram vestígios de animais
de pequeno porte, como tatus, veados, graxaim, gato-do-mato, lontra, preá,
cateto, anta e bugio, entre outros (JACOBUS, 1991).
No início da era cristã, novas construções começam a surgir no
planalto, caracterizando uma nova cultura (material), denominada na arqueo-
logia de tradição Taquara. Para Schmitz e Becker (1991), uma característica
43
A arqueologia pós-processual defende que cada sociedade tem suas leis específicas, e não
como cumpridoras de padrões previstos em leis gerais (RIBEIRO, 2007, p. 90).
Rio Pelotas, SC:
marcante da tradição Taquara é a construção de estruturas escavadas, que
para estes autores, certamente eram moradias. O acesso ao interior destas
estruturas deveria ser por uma escada de madeira, e nas mais rasas, através
de rampas, degraus ou pedras embutidas na parede. Estes grupos fabricavam
recipientes cerâmicos pequenos e praticavam a horticultura. Entre seus instru-
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
mentos estavam grandes artefatos para trabalhar com a terra e com o corte de
madeira. Não possuíam pontas de flecha lascadas.
A origem desta cultura ainda é discutida. Para Schmitz e Becker
(1991) o aparecimento das estruturas escavadas poderia ser uma evolução
regional autóctone, uma vez que pode ser observada uma possível
continuidade das indústrias líticas Umbu-Humaitá-Taquara no Rio Grande
UHE Barra Grande
para Santa Catarina, onze para o Paraná e seis para São Paulo. Este autor
aponta também problemas na teoria da continuidade da indústria lítica e apre-
senta que as formas da cerâmica no sul do Brasil já estão em avançado está-
Estudo
gio de elaboração tecnológica, e por este motivo não devem ter surgido ali.
Considerando as semelhanças entre a cerâmica associada à tradição Una e a
possibilidade de relação com o tronco linguístico Macro-Gê, Araújo (2007)
defende a hipótese de a tradição Taquara/Itararé ser uma continuidade da
102 primeira tradição, com origem em algum local do norte de São Paulo. Porém,
esta hipótese precisa ser aprofundada através de maiores pesquisas na área e
de um maior número de datações radiocarbônicas.
Rio Pelotas
de superfície e em gruta, em lito-cerâmicos, em sítios de estruturas escavadas
e em sítios de estruturas anelares.
4.
sítios (SC-AG-97B, SC-AG-40 e SC-AG-105), ressaltando-se que no sítio
SC-AG-97B a preferência ocorreu por uma rocha metamórfica, denomina-
da de metalamito, e nos outros dois, a preferência deu-se pelas calcedônias.
Entretanto, constatou-se que na região afloram com abundância
rochas basálticas associadas a calcedônias e a quartzos, o que demonstra que a
disponibilidade e a abundância de tais rochas foram fatores que auxiliaram a
determinar as estratégias adotadas pelos artesãos na aquisição destas matérias-
primas. Em relação às formas disponíveis do basalto, os grupos optaram pe-
los blocos ao invés dos seixos e das placas; opção esta talvez relacionada à
proximidade dos assentamentos aos afloramentos basálticos que, quando não
in situ, não ultrapassam 1 km. Idêntica observação pode ser feita sobre o sítio
SC-AG-97B, pois a matéria-prima predominante é o metalamito, e este se
encontra em afloramentos, disponível na forma de pequenos blocos rolados. 103
Porém, ressalta-se que, ao contrário dos basaltos, estes metalamitos não se
encontram em abundância, e raramente podem ser avistados disponíveis na
região.
Mas tem-se também a qualidade das matérias-primas, que parece ter
sido outro fator de influência nestas escolhas. Andrefski Jr. (1994) relaciona
a abundância e a qualidade da matéria-prima lítica à produção de instrumen-
tos formais e informais, e tal afirmativa enquadra-se também nesta pesquisa.
Constata-se que qualidades de matérias-primas distintas resultaram em
diferentes indústrias líticas, caso dos sítios SC-AG-24 e SC-AG-97B,
cujos conjuntos líticos diferenciam-se dos outros sítios por apresentarem
matérias-primas que oferecem alta qualidade de lascamento. No sítio
SC-AG-24, a escolha também recaiu em uma rocha basáltica, mas sua textura
(vítrea) favorece o lascamento, diferente, portanto, dos basaltos utilizados na
maioria dos outros sítios. E quanto à sua composição, a indústria reúne peque-
nas lascas unipolares e bipolares e uma ponta-de-projétil (bem elaborada).
No sítio SC-AG-97B, o metalamito, que é uma rocha de excelente qualidade,
resultou também em inúmeras pequenas lascas unipolares e uma pequena peça
bifacial bem elaborada sobre lasca. Destaca-se que nenhuma destas indústrias
compõe–se de artefatos bifaciais de grande porte.
Rio Pelotas, SC:
Diante destas escolhas, pode-se argumentar que a seleção e a aquisição
das matérias-primas estavam diretamente ligadas não somente à disponibi-
lidade, abundância e facilidade de acesso a estas fontes, mas igualmente à
funcionalidade dos sítios e, não menos importante, à tradição cultural do grupo.
Dependendo da indústria lítica analisada, identificam-se
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
correlação ainda não está muito clara na bibliografia, mas o fato da calcedô-
nia se apresentar naturalmente sob a forma de geodos, faz com que a técnica
bipolar seja a mais adequada para o lascamento de pequenos blocos de rocha.
No que diz respeito aos tipos das lascas unipolares, observa-se a
predominância, e em todos os sítios, das lascas de preparação em detrimento
das lascas corticais, das lascas de biface, das lascas de retoque e das lâminas
a contribuição da
(de um sítio a outro estas peças apresentam uma pequena variação percen-
tual). Quanto à quantidade de córtex, também as indústrias se assemelham, os
objetos são preferencialmente acorticais ou semi-corticais (recobertos em até
Estudo
1/3). Essa ausência de lascas corticais em quase todas as indústrias revela que
os blocos de partida foram previamente lascados e então transportados para
os locais de assentamento. Tal procedimento parece coerente, na medida em
que a produção das peças bifaciais e unifaciais de grande porte, recorrentes
104 nas indústrias, exigiam blocos de partida volumosos; deste modo, para evitar
gastos de energia, os artesãos os transportavam já pré-formatados até o sítio.
Exceção a esta característica ocorre no sítio lítico SC-AG-97B, pois
o percentual de lascas corticais é mais significativo, de 14,3%. Trata-se de
um sítio-oficina e, portanto, o alto percentual de lascas corticais se justifi-
ca. Porém, sítios com características diferenciadas revelam que as diferen-
ças não se resumem somente aos tipos de tarefas executadas, mas também à
tradição cultural dos grupos. É o caso dos sítios SC-AG-97B e SC-AG-24, por
exemplo. Conforme observado, o sítio SC-AG-97B representa um
sítio-oficina - área de intenso lascamento -, dado que sua indústria apresen-
ta altos percentuais de lascas residuais, fragmentos de núcleos e detritos e
escassez de artefatos bifaciais e unifaciais de grande porte, artefatos brutos
e polidos. E o sítio lítico SC-AG-24, localizado em uma gruta, apresenta na
sua indústria características semelhantes ao sítio SC-AG-97B, inclusive por
compor matérias-primas de alta qualidade de lascamento (embora de tipos
distintos) e artefatos bem elaborados, com uma ponta de projétil (SC-AG-24).
A diferença mais significativa entre eles resume-se somente à quantidade
total de peças. Também o fato da indústria SC-AG-97B apresentar um per-
centual maior de lascas com redução, atesta que estes artesãos preparavam as
plataformas antes de percutí-las, na intenção de obterem boas lascas e,
provavelmente, suportes adequados para produzirem instrumentos específicos
no
período pré-colonial
e bem elaborados, como o caso da pequena peça bifacial. A explicação para a
Rio Pelotas
diferença quantitativa entre estes dois sítios talvez esteja no tempo de permanên-
cia do grupo no local (até mesmo de reocupações), na quantidade de pessoas e,
talvez, na diferença de proximidade das fontes das matérias-primas utilizadas.
4.
retiradas periféricas bifaciais, parte proximal cortical e terminação em
ponta; e 3) com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou
apenas uma lateral) e sem terminação em ponta. Chama atenção a recorrência
de resíduo cortical em todos os tipos destes instrumentos, não raras vezes, reco-
brindo-os em até 2/3, demonstrando que se trata de produções que envolveram
baixos investimentos. Além disso, levando-se em conta que foram produzidos
em basaltos que oferecem baixa qualidade para lascamento, é provável que
estes instrumentos tenham sido produzidos para uso imediato (peças expe-
ditivas ou informais). Outro argumento possível é que a disponibilidade e
a abundância destes basaltos possibilitavam o descarte imediato das peças,
levando os artesãos a produzirem novas peças somente quando necessário –
considerando-se ainda que era baixo o investimento que
exigiam. A diferença observada no peso destes artefatos certamente era 105
intencional e estava relacionada ao tipo de tarefa. As peças mais pesadas, por
exemplo, sugerem que o material trabalhado exigia instrumentos resis-
tentes, como no caso do trabalho em troncos de madeira e na remoção
de terra para a construção das estruturas escavadas e anelares. Nestes
casos, o próprio peso do artefato compensava o menor refino da lâmina,
pois, provocando maior pressão sobre o gume, aumentava a sua eficiência.
Outras peças comuns a algumas destas indústrias compostas por
instrumentos de grande porte, dentre elas, as dos sítios SC-AG-15, SC-AG-40
e SC-AG-97A, são as peças que caracterizam populações de horticultores,
como alisadores de cerâmica, machados polidos e percutores multifuncionais.
Nos sítios de estrutura anelar e de estruturas escavadas, tanto os
instrumentos bifaciais quanto todas as outras peças finalizadas e recor-
rentes na maioria dos sítios não fazem parte de suas indústrias. Predomi-
nam, ao contrário, lascas residuais de basalto e de calcedônia. A baixa
frequência de núcleos e de lascas corticais sugere que estas lascas foram
transportadas ao sítio e não produzidas in situ. Todavia, não está clara
qual a representação destas lascas, pois não apresentam nenhum vestígio
visível (ao menos a olho nu) de modificação (retoques ou usos) e
tampouco formam uma sequência operacional parcial ou completa de lasca-
mento. Diante dos escassos dados, as interpretações se abreviam, mas parece
Rio Pelotas, SC:
claro que dentro destas estruturas a utilização de objetos líticos era restrita.
Situação semelhante foi constatada no município de Vacaria
(RS) (SCHMITZ et al., 2002), onde 21 sítios com estruturas escavadas,
contendo material lítico e cerâmico associados, foram localizados nas
proximidades de estruturas anelares. Em algumas destas estruturas, a
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
O material cerâmico
Rio Pelotas
quatro estruturas anelares. Destes, apenas os sítios SC-AG-40 (lito-cerâmico
de superfície) e o SC-AG-107 (estruturas escavadas) apresentam uma quan-
tidade razoável de fragmentos (3.462 e 485 fragmentos, respectivamente).
4.
tos.
Comparado aos demais sítios, este também apresentou grande varie-
dade de decorações plásticas nos fragmentos, chegando a 6% da amostra.
O restante foi caracterizado como simples (sem decoração plástica) e
não identificado. É necessário, porém, considerar que o alto índice de
fragmentos simples não necessariamente significa a predominância
de vasilhames sem tratamento de superfície, pois a decoração plástica
geralmente incide somente sobre uma pequena faixa zonal, cerca de
25% da superfície, e geralmente na porção do bojo inferior. A técnica de
ornamentação plástica dos vasilhames cerâmicos, principalmente dos tipos
incisos, caracterizados por linhas finas, estreitas e em muitos casos equidistan-
tes próximos, foi realizada em pasta seca, pois, segundo Prous (1992, p. 94):
107
As incisões feitas com pasta ainda úmida são largas e têm um
corte transversal em U, com leves saliências laterais. Já as incisões
feitas na pasta seca, com um buril, formam linhas mais irregula-
res, com perfil em V, demonstrando a resistência da matéria. As in-
cisões em pasta fresca podem ser feitas uma a uma, ou com um
pente (por exemplo, uma lasca de bambu com várias incisões),
o que provoca a formação de pequeno grupo de linhas paralelas.
Rio Pelotas
a pesquisa realizada por Copé et al. (2002) na área impactada pela mesma
hidrelétrica, porém na margem riograndense44, sugere-se que o sítio
SC-AG-105 corresponda a uma área ligada ao ritual de enterramen-
4.
atividades têxteis, o sítio SC-AG-40 corresponda a um sítio-habitação, e o
sítio AC-AG-47, a uma área de atividade do grupo.
A cerâmica encontrada nas estruturas anelares apresenta-se uni-
forme em seus principais aspectos. Não obstante a pequena quantidade de
fragmentos recuperados, estes são, na sua maioria, provenientes de
vasilhas com paredes pouco espessas, com menos de 0,7 cm. Em dois sítios de
sepultamentos (SC-AG-98 e SC-AG-100) foi possível reconstituir quatro
vasilhas de pequenas dimensões (duas em cada sítio), em geral, com capa-
cidade volumétrica abaixo de 500 ml. A produção dos recipientes parece
ser idêntica em todos os sítios de estrutura anelar, apresentando recipientes
modelados, com queima predominantemente oxidante, pouca decoração,
bordas majoritariamente diretas e sem reforço, e com lábio arredondado.
Poucos foram os fragmentos que apresentam queima redutora ou com oxida- 109
ção externa e interna com núcleo reduzido.
Enquanto os materiais líticos e cerâmicos sugerem um alto grau de
similaridade entre as estruturas anelares e os sítios lito-cerâmicos de super-
fície, isso aparentemente não ocorre quando comparada a cerâmica destes
sítios à cerâmica do sítio SC-AG-107, de estruturas escavadas. Este último
(SC-AG-107), localizado a 130 m de distância do sítio SC-AG-108, de
estrutura anelar, apresentou datações compatíveis à estrutura de sepultamen-
to; porém, a cerâmica encontrada nestes dois sítios apresenta características
distintas.
Entretanto, a cerâmica do sítio SC-AG-107 de estruturas
escavadas é diferente da encontrada nestes sítios lito-cerâmicos e de estruturas
anelares. Nas estruturas escavadas, ditas “casas subterrâneas”, foi observada
uma uniformidade entre as peças encontradas nos níveis mais profundos até
as recuperadas nos níveis mais recentes, já que todas foram produzidas com
técnica modelada e queima predominante oxidação externa e interna, com
presença de núcleo (41%). A presença de reforço em mais de 80% das bordas
44
O estudo da área sítio de estrutura anelar com sepultamento RS-OS-21 revelou que foi iden-
tificado um espaço próximo que os autores relacionaram com atividades rituais, onde foram
encontrados roletes de argila queimada e fragmentos de cerâmica semelhantes aos encontrados
na estrutura (COPÉ et al., 2002).
Rio Pelotas, SC:
e o baixíssimo número de fragmentos com decoração plástica (apenas 2%),
contrasta com a cerâmica encontrada nas estruturas anelares e nos sítios lito-
cerâmicos de superfície.
Baseando-se unicamente na análise dos fragmentos cerâmicos e igno-
rando, em um primeiro momento, a função dos recipientes nos sítios – sejam
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
Rio Pelotas
com cultura material diferenciada dentro dos sítios cerâmicos.
Os sítios SC-AG-24 e SC-AG-97B, por apresentarem uma indústria líti-
ca completamente distinta das outras indústrias - desde a escolha da matéria-
4.
população pré-cerâmica.
Os sítios SC-AG-40, SC-AG-47, SC-AG-105 e SC-AG-97A, por sua
vez, parecem interligados. Esta hipótese sustenta-se pela proximidade geográ-
fica que apresentam, pela semelhança de suas indústrias líticas e de seus
fragmentos cerâmicos (os três primeiros, que são lito-cerâmicos). A cerâmica
destes três sítios apresenta elementos característicos, segundo a literatura, da
tradição Taquara.
Todavia, o sítio SC-AG-40 apresenta características de um
sítio-habitação, ou seja, local de permanência do grupo; já os sítios
SC-AG-47 e SC-AG-105 correspondem a extensões daquele, mas apre-
sentam características de locais voltados a atividades de lascamento ou à
organização do ritual de sepultamento. Do mesmo modo, o sítio SC-AG-97A,
embora exclusivamente lítico, parece corresponder a um local de tarefas ainda 111
mais especializadas do que os outros dois, dado o alto percentual de peças
bifaciais. Embora a funcionalidade destas peças bifaciais de grande porte
ainda mereçam estudos mais detalhados, parece que o local restringia-se à
utilização daqueles artefatos.
Os outros sítios líticos restantes, situados na periferia dos anteriores,
por apresentarem similaridades entre seus conjuntos líticos e os dos sítios
SC-AG-40, SC-AG-47, SC-AG-105 e SC-AG-97A, provavelmente fazem
parte da mesma tradição ceramista. Seriam assentamentos-satélite, menores,
com atividades mais voltadas para o lascamento, como observado no sítio
SC-AG-47. Somente no sítio SC-AG-15, que apresenta um conjunto lítico
mais diversificado do que o dos outros sítios, os seus artesãos talvez tives-
sem exercido atividades domésticas, sugerindo corresponder também (como
o sítio SC-AG-40) a um sítio-habitação. Todos estes sítios parecem formar um
grande sistema de assentamento de populações da tradição ceramista Taquara/
Itararé e, interligados, compreendiam locais de assentamento permanente
(habitação) e locais de ocupação temporária, onde seus habitantes realizavam
tarefas diárias e expeditivas
rio pElotas, sc:
o sítio de estruturas escavadas e suas características
peculiares
112
Rio Pelotas
SC-AG-98, apesar da diferença encontrada na cultura material. A última
ocupação do sítio de estruturas escavadas ainda pode coincidir com o período
onde as estruturas anelares são mais populares, ou seja, entre os séculos XV
4.
ocorreu durante aproximadamente 500 anos, não havia vestígios de cul-
tura material significativos dentro das estruturas e nas áreas imediatamente
fora delas. Talvez as áreas de lixeiras, de fabricação de instrumentos e de
atividades domésticas estivessem ainda mais afastadas, nas áreas aplainadas
existentes nos arredores do sítio. Outra possibilidade pode ser relacionar aos
tipos de atividades desenvolvidas no local e que podem não estar relaciona-
das à moradia, mas a outras funções ainda indefinidas, que não exigiriam a
confecção constante de artefatos líticos e a produção e/ou utilização de
recipientes cerâmicos.
O sítio SC-AG-40, que apresentou maiores variações cronológicas,
continua uma incógnita, pois pode tanto pertencer ao mesmo período das
estruturas anelares, o que é reforçado pela semelhança existente na cultura
material recuperada, como também pode ser mais recente, apesar de não 113
apresentar características de contato com a sociedade luso-brasileira
(CALDARELLI, Org., 2003).
Outro fator que deve ser considerado é o formato das estruturas
escavadas no sítio SC-AG-107 que apresentava, em sua base, um ressalto em
forma de ampulheta, conforme apresentado no capítulo 3. Essa forma nunca
havia sido descrita na literatura arqueológica, podendo ser, neste caso, uma
variação local dos grupos construtores de estruturas escavadas. Esse estilo
de construção também se apresenta como um complicador na tentativa de
relacionar estas estruturas com as demais escavadas no planalto, visto que, em
outras pesquisas, as estruturas apresentam formas ovais ou com paredes retas,
sendo atribuída a elas a função de moradia (SCHMITZ et al., 2002).
Considerando as diferenças apontadas entre os sítios de estrutura
anelar, os sítios lito-cerâmico de superfície (SC-AG-40 e SC-AG-105) e as
estruturas escavadas, torna-se difícil definir uma única linha interpretativa.
Seria interessante que outras pesquisas fossem realizadas em sítios com estru-
turas escavadas da região, buscando ampliar os dados e datações disponíveis,
contribuindo assim com a construção da pré-história do planalto. Mas,
partindo do pressuposto de que um dado grupo cultural constrói espaços
de acordo com as suas necessidades, a cultura material, por consequência,
também poderia se diferenciar nesses espaços. Deste modo, o material
Rio Pelotas, SC:
identificado no interior de um espaço habitacional, seria diferente do
encontrado em um sítio cerimonial, por exemplo. A função dos objetos, assim,
pode modificar-se em cada sítio. Se na habitação um recipiente cerâmico foi
utilizado para cozer e consumir alimentos, no espaço de rituais ele pode servir
como acompanhamento funerário ou conter substâncias úteis para a travessia
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
das, poderiam não exercer a função de moradia fixa, mas estarem relacionadas
a ocupações sazonais, por curtos espaços de tempo.
Desta forma, a produção de diferentes artefatos de acordo com os
diferentes usos nos sítios poderia ser uma explicação para as diferenças
encontradas entre a cultura material dos sítios-habitação, das estruturas esca-
vadas e das estruturas anelares. Uma crítica a essa hipótese é a de que, apesar
a contribuição da
Os sepultamentos
Muitas das práticas que compõem o ritual funerário não deixam marcas
no registro arqueológico, como a relação entre público e privado, individual
e coletivo, as danças, o luto, as pinturas corporais e os materiais perecíveis
utilizados. Desta forma, além do estudo da estrutura física dos sítios de
sepultamento, há de se considerar o caráter simbólico que possuem, visto que
o achado arqueológico é apenas uma parcela de todo o ritual que sucede a
morte, sobre cuja totalidade nunca poderemos falar. Este ritual encena o acon-
tecimento social que é a morte, pois neste momento, ocorre a reunião dos
no
período pré-colonial
membros do grupo, discussões, tomada de decisões e o estabelecimento de
Rio Pelotas
uma nova ordem, não necessariamente expressa, mas que está no bojo das
tradições culturais do grupo. Por estas razões, a morte é um acontecimento
mais público que privado (ELIAS, 2001).
4.
4) o ritual envolve gestos, luto, danças;
5) comida e bebida podem ser depositadas ou queimadas; e
6) outros materiais podem ser utilizados no ritual, como vasilhames
cerâmicos.
grupo étnico, puede ser definida como ‘um conjunto estable de personas estabelecidas histori-
camente en um território dado, que comparten peculiaridades culturales y lingüísticas relati-
vamente estables y que, además, reconocem su unidad y diferencias expresadas en un nombre
autoimpuesto (etnónimo)’ (DRAGADZE, 1980, p. 162)”. Há críticas a este conceito, como por
exemplo com relação ao território. Hoje há culturas e grupos que partilham da mesma cultura
em diferentes lugares do mundo, como os judeus. Apesar das críticas, a utilização aqui se dá
principalmente por concordar que a atribuição etnográfica parte da autoatribuição e do senti-
mento de pertencimento ao grupo cultural.
50
Antes da década de 1940, no vale do Itajaí do Norte
no
período pré-colonial
Nestas duas descrições verifica-se uma forte semelhança entre os
Rio Pelotas
rituais de enterro deste grupo indígena e os reconstituídos nas estruturas
anelares, como a posição dos corpos (amarrados de forma fletida), o tempo
de exposição/grau de queima dos ossos e a existência do montículo sobre a
4.
estado ideal, o processo era repetido (MÜLLER, 2008b).
Tratando do simbólico, os objetos que poderiam ter um dado
significado na vida diária de um determinado grupo, ao ser colocado em outro
contexto, pode tomar outro significado. As vasilhas, por exemplo, se no
dia-a-dia possuem a função de cozer alimentos e armazenar líquidos, ao
serem colocadas junto aos corpos, nos sepultamentos, podem ser relacionadas
ao medo, a crenças em além-túmulo, por exemplo. Assim, o tortual de fuso,
apesar de seu uso diário ser feito por uma mulher, a colocação deste
artefato junto ao sepultamento não indica tratar, necessariamente, de
um enterramento feminino, já que estes elementos podem assumir
significados diferentes em diferentes contextos (RIBEIRO, 2007, p. 101).
Por isso, mesmo, encontrando um tortual junto aos ossos da estrutura 1 do
sítio SC-AG-98, não se pode afirmar categoricamente tratar-se de uma mulher, 117
pois os ossos estavam muito fragmentados, não permitindo a identificação.
O relato de Vamblé fala também da oferenda de alimentos e mel, o
que vem ao encontro da proposta de Renfrew e Bahn (1998). Nas estruturas
anelares, foram evidenciados recipientes de pequenas dimensões associados
aos sepultamentos, apresentando marcas de uso e vestígios carbonizados no
interior, que talvez se relacionassem com rituais semelhantes. Também a
presença das poucas e pequenas lascas residuais, poderia estar relacionada a
tarefas ligadas à preparação ou corte de alimentos.
As escavações sobre o anel não evidenciaram nenhum indício de
existência de uma paliçada ou estruturas semelhantes, diferentemente do
observado por Rohr (1971). Ao contrário, o solo que formava o anel era
idêntico ao solo da área interna do círculo. No entanto, pode ocorrer o
total desaparecimento das evidências de estacas devido ao solo ácido
(p.H variando entre 4,3 e 5, 351).
51
Para maiores informações sobre o tipo de solo do planalto e suas características ver: Levan-
tamento de reconhecimento dos solos do Estado de Santa Catarina (EMBRAPA, 1998)
Rio Pelotas, SC:
Padrões de assentamento
espacial.
Quando considerado o compartimento geográfico em que predomi-
nantemente foram construídas as estruturas anelares, nota-se uma preferência
por áreas altas, como topos de morro que, conforme Saldanha (2005), podem
ser vistas de outros sítios de moradia ou acampamento. Para o arqueólogo,
os sítios com as maiores casas subterrâneas e grandes áreas entaipadas, “pelo
a contribuição da
Rio Pelotas
cidental.
Associado ao caráter
simbólico do sepultamento,
4.
relação ao espaço, percebe-se
que há uma preferência pela
área por parte do grupo, confir-
mada pela existência de sepul-
tamentos cremados em outro
local. Os símbolos (montículo
no centro de cordões de terra)
se repetem em grande número,
sugerindo sua função de iden-
Fonte: SALDANHA, 2005, p.139.
tificação.
Figura 115: Linhas de trânsito com menor dificuldade A partir destas associa-
de locomoção entre as estruturas escavadas, no contexto ções, Saldanha (2005) e Copé
arqueológico de Pinhal da Serra (RS). Verifica-se que
exatamente nos pontos nodais estão localizadas as estru-
(2007) verificaram que para a 119
turas anelares. região estudada para a implan-
tação do mesmo empreendi-
mento hidrelétrico, porém na margem do Estado do Rio Grande do Sul, há duas
formas de domínio e ocupação da área. Além das estruturas anelares se
localizarem em pontos nodais, a paisagem arqueológica da microrregião
de Pinhal da Serra está organizada de forma à apropriação de espaços
menores pelos grupos ceramistas, definidos por áreas domésticas. Em cada
área determinada, uma parcialidade da mesma cultura desempenharia suas
atividades cotidianas e enterraria seus mortos (SALDANHA, 2005).
Esta apropriação do espaço não parece corresponder com a
microrregião vizinha, de Bom Jesus, onde segundo Copé, a paisagem
arqueológica está orientada para apropriação e domínio de amplos espaços,
delimitados por divisores de águas. Nestes espaços,
rio pElotas
análisE intEgrada: o valE do
4.
Fonte: Noelli, 2004, p. 41.
por parte do grupo quanto pelos outros. A mobilidade entre os grupos étnicos
mantém diferenças culturais por meio do reconhecimento da cultura por parte
dos grupos e da sensação de pertencimento, mesmo quando novos elemen-
Estudo
52
Para Elias (2001, p. 63), o “conceito de sentido não pode ser compreendido por referência a
um ser humano isolado ou a um universal derivado dele. O que chamamos de ‘sentido’ é consti-
tuído por pessoas em grupos mutuamente dependentes de uma forma ou de outra, e que podem
comunicar-se entre si. O ‘sentido’ é uma categoria social; o sujeito que lhe corresponde é uma
pluralidade de pessoas interconectadas. Em suas relações, sinais que trocam entre si - que po-
dem ser diferentes para cada grupo- assumem um sentido, um sentido comunal, para começar”.
53
Para Barth (2000, p. 54), o problema se torna ainda mais complexo: “Apesar desses proces-
sos, um rótulo étnico subsume várias características simultâneas que sem dúvida nenhuma se
apresentam agrupadas em termos estatísticos, sem se tornarem interdependentes e conecta-
das de forma absoluta. Assim, haverá variações entre membros, alguns mostrando muitas das
características próprias ao grupo e outras poucas. Especialmente nos casos em que há mudanças
nas identidades das pessoas, isso cria ambigüidades, pois nesses casos o pertencimento étnico é
tanto uma questão de origem quanto de identidade atual”.
no
período pré-colonial
Questões para o futuro
Rio Pelotas
A ciência não é construída por novidade.
Novos sistemas não aparecem com cada nova tese de
4.
Ao término deste trabalho, acreditamos que o objetivo de colaborar para
as discussões e conhecimento dos grupos que habitaram o planalto em perío-
dos anteriores ao contato com a sociedade européia foi alcançado, porém,
nenhum tema foi esgotado. Por isso, algumas questões serão colocadas,
buscando serem respondidas em futuros trabalhos, seja no vale do rio Pelotas
ou nas áreas do planalto dos Estados do sul do Brasil.
A primeira delas diz respeito à forma das estruturas escavadas encon-
tradas neste projeto, até o momento não descrita na arqueologia brasileira.
Tradicionalmente estas estruturas foram apresentadas como possuindo
paredes retas ou inclinadas em direção ao centro, características não
observadas na maioria das estruturas do sítio SC-AG-107. Neste sítio, as
estruturas apresentaram formato de ampulheta, com as paredes progressiva-
mente inclinadas em direção ao centro e a partir daí, alargando-se em direção 123
à base. Talvez esta forma esteja relacionada a uma variação regional; porém
novas pesquisas poderão apresentar outras interpretações.
Outra questão que se coloca é com relação à tradição lítica Humaitá,
caracterizada por grandes artefatos bifaciais. A existência desta tradição lítica
já vem sofrendo críticas em estudos como o de Dias e Hoeltz (2002), que veri-
ficaram que sítios exclusivamente líticos, onde foram identificadas estas peças
típicas, provavelmente faziam parte de sistemas de assentamento ceramistas,
já que peças idênticas também foram encontradas em sítios lito-cerâmicos
de superfície, não deixando dúvidas quanto à sua associação temporal aos
fragmentos de cerâmica. Desta forma, será que existe uma tradição exclusi-
vamente lítica denominada Humaitá, ou os sítios que a caracterizam estariam
relacionados a outros grupos ceramistas (Taquara/Itararé e Tupiguarani)?
Por fim, uma última questão a ser esclarecida em futuros trabalhos é
a da filiação das estruturas anelares. Pelas características apontadas, o ma-
terial nelas recolhido se assemelha ao dos sítios lito-cerâmicos de superfí-
cie, e o conjunto formado por sítios líticos, lito-cerâmicos de superfície e
estruturas anelares não parecem pertencer à mesma cultura material
recuperada nas estruturas escavadas. Porém, se for considerada a hipótese de
dois grupos culturalmente distintos terem ocupado a área, e que a diferença de
função dos espaços (moradia e sepultura) pudesse ter ocasionado a produção
Rio Pelotas, SC:
de diferentes tipos de vasilhames, quem construiu as estruturas anelares e
sepultou seus mortos? O grupo que construiu as estruturas escavadas ou o que
vivia em habitações a céu aberto?
Estas questões implicam em novas pesquisas, tanto em sítios
arqueológicos do planalto como em áreas intermediárias, na encosta da
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
Serra Geral, para entender melhor a dinâmica destes grupos no espaço, suas
construções, simbolismos e práticas cosmológicas.
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo
124
PARTE II
125
126
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande
Patrimônio Cultural:
histórico das atividades e conceituações
5
do
5. Valorização
V
alorizar um patrimônio cultural é selecionar e apropriar-se
de um patrimônio que é, antes de tudo, local. Diz respeito às
pessoas que vivem ou viveram em determinada localidade
e às formas com que se relacionaram entre si e com outros grupos, com a
materialidade ao seu redor, com a imaterialidade e suas percepções de mundo.
Não há sentido em valorizar-se um patrimônio que não seja ele reconhecido
por aqueles que vivem ao seu redor. Assim, as noções de patrimônio cultural
habitualmente mantêm-se vinculadas às de lembrança e de memória e são
preservados em função dos sentidos que despertam e dos vínculos que man-
têm com as identidades culturais das comunidades em que estão inseridos.
Nas memórias residem aspectos que a população de uma dada
localidade reconhece como elementos próprios da sua história, do espaço
onde vivem, das paisagens naturais ou construídas. Vínculo entre as gera-
ções humanas e o tempo histórico que as acompanha, as ações de valorização
de um patrimônio reforçam os elos afetivos que possibilitam aos cidadãos 127
perceberem-se como “sujeitos da história”, plenos de direitos e deveres,
conscientes dos embates sociais que envolvem lugares, a própria paisagem, os
espaços de produção e a cultura.
A partir do momento em que uma comunidade se dispõe a preservar e
divulgar os seus bens culturais dá-se início a um processo de construção de
sua cidadania, de uma identidade cultural, um ethos cultural que tangencia
tudo aquilo que distingue a existência dos grupos sociais no interior de uma
sociedade (LE GOFF, 1997).
No âmbito do patrimônio, ao valorizarmos o conhecimento que uma
sociedade tem de si mesma, sobre o meio material em que vive e sobre
sua própria existência acaba-se ampliando o conceito de cultura ao abarcar
também as maneiras do ser humano existir, pensar e se expressar, bem como
as manifestações simbólicas dos seus saberes, práticas artísticas e cerimoniais,
sistemas de valores e tradições.
É nesta chave de conceituação do patrimônio como campo de ações
comunitárias de apropriação, defesa e utilização do patrimônio histórico-
cultural capazes de gerar interatividades com as comunidades que se
inserem as atividades de valorização do patrimônio cultural desenvolvidas
pela Scientia Consultoria Científica na área de abrangência da Usina Hidrelé-
trica Barra Grande.
Rio Pelotas, SC:
Se a noção de patrimônio cultural busca contemplar as mais diversas
formas de expressão dos bens da humanidade, tradicionalmente o referido
conceito continua sendo apresentado de maneira fragmentada, associado às
distintas áreas do conhecimento científico que o definem como patrimônio
cultural, natural, paisagístico, arqueológico e assim por diante. Como as
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
do
Eles servem como fonte primária de observação aberta à explora-
5. Valorização
ção. Neles se condensa um amplo leque de manifestações e relações
humanas, tanto existidas como existentes. Sendo assim, [...] os bens
culturais funcionam como um recurso que pode se transformar num
instrumento no processo de ensino.
do
Os sítios arqueológicos, tomados como parte da cultura material, são
5. Valorização
entendidos pelo ICOMOS/ICAHM (1990)57 como a porção do patrimônio
material para a qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos
primários, ou seja, é o patrimônio que engloba todos os vestígios remanescen-
tes da existência humana, estruturas e vestígios de todos tipos, na superfície,
no subsolo ou submersos, bem como o contexto a eles associados. Tais vestí-
gios são considerados Bens da União pela Constituição Federal do Brasil de
1988 (Artigos 215 e 216).
Além da Constituição Federal, estes bens são protegidos por lei espe-
cífica desde 1961, a Lei nº. 3.924, de 26 de julho de 1961, que dispõe sobre
os monumentos arqueológicos e pré-históricos e prevê, em parágrafo único,
que “a propriedade da superfície, regida pelo direito comum, não inclui a
das jazidas arqueológicas ou pré-históricas”. Esta norma considera todos os
sítios arqueológicos brasileiros como Bens da União. Legisla sobre a
permissão da realização de escavações arqueológicas, sobre os achados
fortuitos, a proteção de sítios e as coleções arqueológicas, sobre a remessa
para o exterior de bens arqueológicos, além de considerar como crime federal
a destruição de qualquer patrimônio arqueológico, prevendo, em seus disposi-
tivos, multas aos infratores. 131
Com a promulgação da Lei nº. 9.605 de 1998 (seção IV, artigos 62 a 65),
que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, a proteção ao patrimônio arqueológico
foi amparada por uma normativa que prevê a responsabilidade civil, adminis-
trativa e penal contra o infrator, e a punição aos crimes contra o Ordenamento
Urbano e o Patrimônio Cultural.
No entanto, a preservação do patrimônio ultrapassa as ações pontuais e
insuficientes de fiscalização. Em conjunto com a legislação existente, deve-se
estimular a realização de Programas de Educação Patrimonial que busquem
a valorização coletiva do bem cultural e suas estratégias de preservação.
Os aportes legais que corroboram com a realização de programas educati-
vos a partir de pesquisas arqueológicas estão pautados na legislação vigente,
especialmente os constantes nas Portarias do IPHAN nº. 07/1988 e
nº. 230/2002, além de documentos internacionais, como a Carta de Lausanne
(ICOMOS/ICAHM, 1990).
57
O ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) é uma organização
internacional não-governamental dedicada à conservação dos monumentos e sítios históricos
do mundo. A organização foi fundada em 1965, em consequência da adoção internacional da
Declaração para a Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios em Veneza lançada no
ano anterior (“Carta” de Veneza). Hoje a organização tem Comitês Nacionais em 87 países.
Endereço eletrônico: www.icomos.org.br.
Rio Pelotas, SC:
Esta última, considerada como documento para a proteção e gestão
do patrimônio arqueológico, em seu Artigo 7º, trata dos aspectos de
apresentação, informação e reconstituição desses bens:
art. 5º-IV, alíneas 5-6, a portaria determina que o plano de trabalho científico
contenha “proposta preliminar de utilização futura do material produzido para
fins científicos, culturais e educacionais” e “meios de divulgação das informa-
ções científicas obtidas”.
Estudo
No seu art. 6º, parágrafo único, a portaria diz que a decisão para pedidos
de permissão e autorização caberá ao IPHAN, que “considerará os critérios
adotados para a valorização do sítio arqueológico e de todos os elementos que
132 nele se encontrem do seu potencial científico, cultural e educacional”.
No art. 11-II e VII, designa que os relatórios técnicos devem ser
entregues ao IPHAN acompanhados das seguintes informações:
do
Além de um dever, previsto na legislação brasileira e nas conven-
5. Valorização
ções internacionais, tais atividades – tanto educativas quanto de divulgação
- devem ser uma obrigação consciente dos pesquisadores, um dever inerente
ao exercício da profissão, pois é papel do pesquisador construir conhecimento
e permitir a apropriação do mesmo pela sociedade.
do
Diante disso, concorda-se com Costa e Comerlato (2007) quando
5. Valorização
discutem a problemática e sugerem parâmetros para trabalhos educativos
vinculados à arqueologia de contrato, respeitando proporcionalmente o
tamanho do empreendimento e da pesquisa arqueológica, pois a portaria
do IPHAN não esclarece quais são as atividades, nem prevê o enfoque e
tampouco as exigências mínimas para tais ações.
Neste contexto de ausência de critérios a respeito das ações educati-
vas na Portaria nº. 230/2002, há propostas que fazem apenas a divulgação
(sem intencionalidade educativa) acreditando contemplar o disposto na
portaria, enquanto há profissionais que elaboram Programas de Educação
Patrimonial. Nesse sentido, todas as atividades desenvolvidas ao longo dos
projetos arqueológicos realizados na área do empreendimento da UHE Barra
Grande tiveram o enfoque e foram nomeadas como pertencentes às atividades
de Educação Patrimonial, pois estavam permeadas pela intencionalidade
educativa, na formação de agentes multiplicadores, no envolvimento da
comunidade e na vivência direta com o patrimônio cultural.
135
Rio Pelotas, SC:
6
A
s ações de Educação Patrimonial realizadas pela equipe de
pesquisadores da Scientia Consultoria Científica sempre
UHE Barra Grande
de
6.As Oficinas
dos ao patrimônio cultural em sala de aula.
Na segunda etapa, a proposta colocada em prática considerou a
atuação dos docentes não apenas como multiplicadores, mas principalmente
como formadores, sendo uma das peças-chave para efetivar a mediação com
o patrimônio. Neste momento, as oficinas buscaram dar continuidade às ações
iniciadas na etapa anterior e propiciaram a oportunidade de verificar o alcance
obtido com as ações realizadas em 2002.
dE
prioritariamente, os bens considerados “portadores de referência à identidade,
6.as oficinas
à ação e à memória” locais e à regional são as festas, a culinária e o ritual
ligado ao chimarrão. Isto fica ainda mais fortemente caracterizado, quando
se consideram as referências esparsas ao fato de serem narrados “causos” nas
reuniões provocadas pelas festas e pelo consumo coletivo de comida e do
chimarrão. Dessa forma, é possível afirmar que a percepção do patrimônio
cultural local, apesar de existente, é voltada, principalmente, para os bens de
natureza imaterial
Registra-se também o fato da percepção destes últimos bens carecerem
de maiores referências históricas, sendo relacionados, de um modo vago, a
costumes e tradições míticos. Esta última característica da percepção do pat-
rimônio cultural local e regional coaduna-se com o teor das brevíssimas nar-
rativas históricas coletadas, as quais só muito raramente referem-se a fatos
concretos ocorridos. Estas narrativas, ademais, raramente incluem referên-
cias, ainda que breves, às origens das tradições e costumes nos grupos sociais
formadores da sociedade regional atual.
Vale observar, ainda, no que diz respeito àqueles grupos, que
são vistos de forma estanque, como se tivessem sucedido índios,
madeireiros e agricultores, na região, sem exercer qualquer influência uns so- 139
bre os outros.
Gráfico 08: Manifestações culturais mencionadas nas entrevistas (X) em porcentagem (Y).
oficinas de educaÇÃo
Patrimonial – Primeira eta-
Pa (2002)
dE
Estado). Nesse sentido, a distribuição
6.as oficinas
das vagas para cada município respeitou
a quantidade proporcional ao número de
professores no cômputo geral de cada
cidade. As Oficinas de Educação Patri-
Figura 120: Represa d’água desativada em monial foram dirigidas aos professores
Pinhal da Serra. Local indicado que não se da rede escolar pública, tanto municipal
deve deixar de visitar. quanto estadual, dos municípios atingi-
dos pelo empreendimento. Prioritari-
amente, recomendou-se a participação
de professores dos níveis médio e fun-
damental de ensino, da área de estudos
sociais (História e Geografia), de escolas
localizadas em comunidades atingidas
pelo empreendimento.
O objetivo destas oficinas foi
promover a formação de uma consciên-
cia crítica e participativa em relação às
questões que envolvem o patrimônio 141
Figura 121: Pomar de maçã em Vacaria,
cultural, além de municiar o docente no
local indicado como importante de se ver. que tange à pré-história da região e ao re-
sultado das pesquisas arqueológicas.
Estipulou-se uma carga horária to-
tal de 32 horas/aula, divididas em quatro
módulos, sendo cada um com seis horas
em sala de aula e duas horas de atividades
extraclasse. As Oficinas de Educação
Patrimonial foram planejadas para que
ocorressem na modalidade presencial,
em encontros mensais, de modo que se
obtivesse uma continuidade no processo
educativo, e em atividades “extraclasse”.
Estas atividades consistiram na realiza-
Figura 122: Outdoor da Festa do Pinhão ção de ações pelos participantes em seus
em Lages, da qual não se deve deixar de municípios de origem, envolvendo os
participar. grupos, a comunidade ou seus próprios
alunos. Tais atividades corresponderam à
aplicação dos temas desenvolvidos
em cada um dos módulos oferecidos,
Rio Pelotas, SC:
tendo como foco a prática e a reflexão sobre a mesma, por meio da orga-
nização de seminários no encerramento de cada módulo. Os seminários de
avaliação eram compostos pela extroversão das atividades desenvolvidas
e pela análise do caminho didático percorrido, de modo a identificar possi-
bilidades de aperfeiçoamento e sucessos nas práticas, de acordo com cada
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
dE
6.as oficinas
Gráfico 09: Faixa etária dos
participantes das oficinas da
primeira etapa.
da primeira etapa.
a contribuição da
144
Por fim, verificou-se que a maioria dos professores que atuam em sala
de aula, principalmente nos ensinos fundamental e médio, lecionavam as
disciplinas de História, Geografia, e Sociologia, concentradas no gráfico a
seguir pelo tema geral, como Estudos Sociais.
de
descrito no item anterior.
6.As Oficinas
Quanto aos resultados obtidos com os participantes das oficinas, cabe
ressaltar a similaridade entre eles e os moradores pesquisados na área de
influência do empreendimento, no que diz respeito ao que lhes chama a
atenção no patrimônio cultural regional: para 42% dos participantes das ofici-
nas, é o chimarrão que mais evoca sua identidade, sendo que o churrasco que,
a exemplo do chimarrão, além de uma iguaria é um ritual, aparece da mesma
forma para 34%. Em seguida vem a Festa do Pinhão, mencionada por 15%
dos participantes.
Por outro lado, o item individualizado de cultura material regional
lembrado com mais freqüência (7%) é a Catedral Nossa Senhora de Oliveira,
em Vacaria. Os outros bens mencionados têm freqüências diminutas.
Assim, vale para os participantes das oficinas a mesma observação feita
em relação aos moradores pesquisados na área de influência do empreendi-
mento: a sua percepção do próprio patrimônio cultural é voltada também,
principalmente, para os bens de natureza imaterial.
É de notar, no entanto, que a percepção acerca da existência de um
patrimônio cultural regional é menos intensa entre os participantes das
oficinas: no que diz respeito a lugares importantes, houve predominância 145
(52%) entre eles de respostas genéricas ou referentes a locais que não perten-
cem à região.
Entre os participantes das oficinas, o interesse pelos bens que
constituem o patrimônio cultural regional é repartido quase que igualmente
com o despertado pela cultura de massa, representada, nas entrevistas, por
atrações e atividades de lazer e entretenimento.
Grosso modo, concluiu-se da análise dos dados obtidos nas entrevistas
com os participantes das oficinas e nas entrevistas obtidas junto aos pesqui-
sados na área de influência do empreendimento a pertinência e a necessidade
de se estabelecer ligações entre os bens materiais do patrimônio cultural e a
identidade regional.
• Tipos de Patrimônio.
146
de
buscando aproximar o conteúdo da prática em sala de aula.
6.As Oficinas
Figura 125: Descoberta de um sítio Figura 126: Interpretando o contexto,
arqueológico - escavação simulada com significado e função dos objetos numa
professores. atividade prática.
escavada.
(acordelado), sobrepostos e contínuos,
e a técnica de modelado, reproduzindo alguns padrões decorativos.
A quarta e última oficina se propôs a trabalhar o tema Arqueologia,
História e Patrimônio Cultural. Essa oficina foi realizada nos municípios de
Lages (SC) e Pinhal da Serra (RS) e seus objetivos foram avaliar a contri-
a contribuição da
63
Material arqueológico histórico de referência proveniente do Forte Santana (Florianópolis,
SC), compostos por fragmentos de louças.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
Atividades extraclasse: fazendo a diferença
de
6.As Oficinas
decorrer das oficinas e como ferramenta para proporcionar ao professor/aluno
a oportunidade de aplicar, na prática, os temas abordados e assim obter um
aproveitamento imediato dos conceitos relativos à valorização do patrimônio
cultural
Os conjuntos de atividades eram entregues aos participantes a cada
encerramento de oficina, sendo avaliados os resultados no encontro seguinte,
por meio de seminários de discussão e apresentação dos trabalhos realizados.
O resultado destas atividades elucidou que o caminho escolhido no
planejamento da oficina havia sido o mais acertado. No Município de Pinhal
da Serra (RS), duas professoras realizaram um conjunto de atividades, ini-
ciado pela confecção e apresentação aos alunos, de um painel com a seguinte
indagação: “O que representam estas gravuras para você?”. As imagens fixa-
das no painel correspondiam a um punhado de soja, um gaiteiro, uma casa de
madeira, ditados populares, foto de uma escola, um rebanho ovino, um baile,
um cavalo, um santuário e uma cascata (SCIENTIA, 2003, p. 59).
Além da observação do painel, os alunos foram convidados a incluírem
imagens relacionadas às existentes. As sugestões realizadas demonstraram
a ampla dimensão que é possível atingir, quando se dá voz ao (re)conheci- 149
mento e sentido ao patrimônio. Nesse caso, os alunos apresentaram imagens
como: Morro Agudo, Hospital, APAE, Boates, Cemitério, Museu, Pinheiro de
Araucária, Casa do Povo, Praça, Prédios, Rodoviária, Cachaça no Borrachão,
rio Carazinho, asilo, rádio, bares, imagens da natureza, entre outras sugestões.
As professoras solicitaram, após esta atividade, que os alunos levassem
à escola objetos de sua família. Dentre diversos objetos, escolheram a “bomba
de chimarrão”64 para um estudo em grupo. Da discussão sobre “o que a bomba
de chimarrão faz lembrar”, alguns aspectos foram identificados (SCIENTIA,
2003, p. 60):
A Bomba lembra:
Chimarrão: amargo, quente, mate doce, gaúcho;
Cultura: passado, tradição, museu, revoluções;
Rio Grande do Sul: Felipão, frio, agropecuária, Grêmio;
União familiar: afeto, carinho, amor;
Água: bebida, chuva, poluição;
Indústria: emprego, desemprego, poluição e
Erva: droga, natural, agricultura.
64
Bomba de Chimarrão: espécie de canudo com um crivo em uma das extremidades. Este crivo
é mergulhado na cuia - onde também é colocado a erva e a água – para sorver/beber Chimarrão.
Rio Pelotas, SC:
A impressão registrada pelas professoras revelou que:
Para alguns alunos estes objetos não possuem valor, apenas ocupam
em suas casas um lugar ou servem para guardar na estante como
enfeite.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
de
Avaliação das oficinas
6.As Oficinas
Com o intuito de avaliar as oficinas e recolher sugestões de melhoria
e de continuidade das mesmas, elaborou-se uma ficha de avaliação aplicada
no final do último encontro. Os participantes foram solicitados a darem suas
opiniões através da atribuição de conceitos que variavam de 1 (pior conceito)
a 5 (melhor conceito) com relação aos seguintes quesitos:
de
cultural. Despertarmos, a partir deste curso para outra realidade:
6.As Oficinas
a consciência e a importância da conservação, principalmente
uma consciência mais crítica.
• A forma como foi ministrado, com dinamismo.
• Todas as oficinas podem ser usadas em sala de aula.
• Metodologias e técnicas de aplicação de resgate Histórico
Cultural, confecção de materiais didáticos pedagógicos, nova
visão sobre a importância do resgate Histórico Cultural.
• Desenvolvimento do interesse pela Educação Patrimonial
regional.
• Valorização de Patrimônio Histórico em nossa e em outras
regiões.
• Conscientização do grupo em relação às atividades
pedagógicas realizadas com nossos alunos.
de
6.As Oficinas
dades para se trabalhar com os alunos, mais visitas a campo, mais atividades
práticas, abordar mais o tema da preservação em pequenos museus e maior
contato com pessoas que tenham mais experiência no convívio e formação de
comunidades.
Figura 131: Visita dos alunos ao sítio de Figura 132: Realização de atividade práti-
estruturas escavadas (SC-AG-107) em Ani- ca em escavação simulada de um sítio com
ta Garibaldi. os alunos.
escavadas (SC-AG-107). Neste sítio, a turma composta por treze alunos, dois
professores, a orientadora pedagógica e o motorista do ônibus67 fizeram a
primeira parada. Inicialmente ouviram explicações acerca das características
Estudo
66
Foram utilizados materiais da coleção de referência, que em grande parte são provenientes
de acervos particulares sem contextualização científica, doadas à empresa durante trabalhos de
campo.
67
O transporte das crianças foi disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação do mu-
nicípio de Anita Garibaldi (SC).
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
um balde para que eles percebessem a importância do processo de triagem do
material na peneira.
de
6.As Oficinas
Figuras 133 e 134: Exemplos das folhas de atividades desenvolvidas pelos alunos
em sala de aula após a visita ao sítio.
68
Assim como na proposta elaborada em 2002, esta abordagem foi implementada de maneira
generalista, tendo como base os fundamentos desta corrente teórico-pedagógica.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
A proposta foi apoiada, também, na idéia de percurso,
trabalhando com a dimensão de tempo e levando em conta o registro, a
memória e a reflexão sobre o processo, durante o seu andamento. Como pro-
cesso, esta atividade não visou encerrar-se com a execução das oficinas em
2008 e nesse sentido, vislumbrou-se a possibilidade de continuidade, percor-
rendo os seguintes passos:
de
6.As Oficinas
Colocando a mão na massa: a realização das oficinas
de um questionário, e após sua aplicação foi feita uma dinâmica oral para
saber quais as suas respostas referentes à questão: “Quando você lê ou ouve o
termo ‘Patrimônio Cultural’, o que vem a sua mente?”.
As respostas demonstram que o conhecimento a respeito do
conceito de patrimônio cultural é bastante claro. No entanto, percebeu-se que,
em alguns casos, isso não é o suficiente para motivá-los a trabalhar o tema
UHE Barra Grande
de
indo professores de diversas áreas e que atuavam em diferentes séries/anos.
6.As Oficinas
Para tanto foram elaboradas, ao todo, 25 propostas de plano de trabalho.
Estas se revelaram ótimas iniciativas e que quando efetivamente apli-
cadas serão de grande importância para a inserção dos temas “Arqueologia” e
“Patrimônio” em sala de aula.
161
70
As informações e os materiais estão temporariamente disponíveis em http://scientiaep.ning.
com.
Educação Patrimonial:
docentes como transformadores
Perfil dos professores que participaram da oficina
de
município, obtendo-se o cálculo da representatividade da amostra
6.As Oficinas
coletada. A tabela abaixo apresenta as informações de cada um dos municípios
pesquisados, recenseado pelo Ministério da Educação em 2007, consideran-
do os docentes que atuam nos ensinos pré-escolar, fundamental e médio, das
redes federal, estaduais, municipais e particulares.
71
Os dados apresentados indicam que a amostra coletada através do questionário Patrimônio
na memória não pode ser considerada representativa para o município de Lages (SC), em
relação à caracterização do perfil geral do docente naquele município. No entanto, as demais
amostras podem contribuir para o perfil docente de cada cidade pesquisada.
72
Dados informados pelas Secretarias de Educação Municipal.
73
Foi recolhido um questionário a mais do que o número total de participantes - supõe-se que
algum participante não tenha assinado a lista de presença e tenha participado das atividades no
02/10/08.
rio pElotas, sc:
Apenas 7% dos docentes participantes das oficinas
possuíam escolaridade em nível técnico, e 91% dos pesquisados possuem
nível superior, sendo que 66% deles possuem especialização e 25%
graduação. Em comparação com os dados levantados nas oficinas de 2002
(SCIENTIA, 2003) o público daquela ocasião foi alvo de levantamento simi-
E valorização do patrimônio arquEológico do valE do
lar e apresentou 55% dos pesquisados com graduação e 33% com pós-gradua-
ção (especialização, mestrado, etc.), o que indica um novo panorama referente
ao nível de escolaridade. Este rápido crescimento no nível escolar pode estar
relacionado com a expansão das universidades e a facilidade de se fazer cur-
sos de pós-graduação na modalidade “à distância” ou com aulas presenciais
durante os finais de semana.
uHE barra grandE
164
dE
6.as oficinas
Não respondeu 5 5%
Total 106 100%
de
Tais afirmações levam em consideração as possibilidades de
6.As Oficinas
discursos que tendem a usar o pronome em 1ª pessoa do plural como uma
forma “democrática”, próprios de discursos pedagógicos, que incluem a
coletividade, outros interessados, co-responsáveis, co-participantes, etc.
Entende-se que, mesmo diante disso, um nível de distanciamento está
caracterizado.
Após a devida análise, observou-se que o emprego da 3ª pessoa do
singular foi o mais presente nas respostas (69%), seguida do emprego da 1ª
pessoa do plural “nosso” (28%). Apenas 2% utilizaram o pronome em 1ª pes-
soa do singular “meu”.
Outro aspecto identificado na análise das respostas é que os pesqui-
sados apresentam, em sua totalidade, uma noção conceitual a respeito do
patrimônio cultural, que corresponde ao que está presente na Constituição de
1988 e ao que foi exposto sobre o assunto. Basta, portanto, tentar identificar os
“entraves” para a sua utilização em sala, já que o grau de importância dado a
esta aplicação ultrapassa aquela dada à importância para sua vida. Nesse sen-
tido, retoma-se a inferência inicial a respeito da necessidade de internalização
desse conceito, transformado em vivência, em experiência.
A segunda questão analisada de modo análogo corresponde à oitava 167
pergunta presente no questionário, a saber: “Como você avalia o grau de
importância desses temas [Arqueologia, Patrimônio Cultural e Pré-História
Regional] para a sua vida? Por quê?”.
Se comparada à pergunta analisada anteriormente, observa-se um
aumento na utilização dos pronomes em 1ª pessoa do singular “meu” de
2% para 11%, assim como a utilização do pronome em 1ª pessoa do plural
“nosso”, que apareceu na questão anterior com 28%, e nesta apresentou 47%.
Já o emprego do pronome em 3ª pessoa do singular foi observado em 39% das
respostas, representado um decréscimo.
Esta pergunta buscava uma resposta subjetiva do pesquisado e estava
vinculada à importância dos temas mencionados com relação a sua vida.
Neste caso, quando do emprego do pronome em 3ª pessoa do plural ou ausên-
cia de sujeito, ficou confirmado que existe uma estreita relação entre o profis-
sional que trabalha com interações humanas (professor) e sua subjetividade,
conforme Maurice Tardif (2000, p. 265) identificou em suas pesquisas, onde
“[...] a personalidade do trabalhador é absorvida no processo de trabalho [...]”.
Exemplos de respostas que apresentam tal relação:
presente no discurso, conclui-se que tal fato não pode ser vinculado direta-
mente à não aplicação de temas em sala, como sendo sua única causa. No
entanto, essa hipótese precisa ser refutada por completo após a aplicação de
outros instrumentos e análises, tendo em vista o alto número de docentes que
usou pronomes evidenciando um distanciamento e nunca aplicou nenhum
a contribuição da
168
de
se preocupem com a ação, com a prática em si e não com o conhecimento
6.As Oficinas
necessário para sua execução.
Uma das maneiras para se superar esta situação de inibição dos profes-
sores com a temática do patrimônio em sala de aula seria justamente a aposta
nesta formação continuada proposta pelas oficinas. Possibilitar aos professo-
res um acompanhamento regular das suas atividades, manter aberto um canal
de diálogo, críticas, sugestões, trocas de bibliografia, dar suporte nas articula-
ções teóricas que serão postas em prática pelos docentes em sala de aula em
suas atividades vivenciais, são ações que findam por diminuir a distância e a
insegurança dos professores com a temática.
Sob essa mesma perspectiva, atenuar a distância entre os
professores e o patrimônio local - em especial o patrimônio arqueológico,
ignorado e desprezado pelos materiais educativos habitualmente disponíveis
- é estimular a formação de sujeitos com uma percepção integrada de si, do
mundo e do seu patrimônio. No caso específico do patrimônio arqueológico,
reitera-se o apelo para que as diferentes equipes envolvidas em ações de
Educação Patrimonial, vinculadas à arqueologia de contrato, trabalhem de
modo integrado e contínuo, favorecendo esse tipo de formação e contri-
buindo de forma ampla para a valorização e (re)conhecimento do patrimônio 169
arqueológico.
distribuídas recolhidas
Anita Garibaldi 31 17
Lages 15 9
Campo Belo do Sul 27 23
170
Pinhal da Serra 7 6
Bom Jesus 20 14
Esmeralda 23 20
Vacaria 29 25
Total 152 114
de
6.As Oficinas
estão os itens “atividades práticas” e “carga horária”.
Embora o grau de satisfação entre o “ótimo” e “bom” seja tênue, a
variação foi significativa na comparação entre os municípios, indicando a
necessidade de incluir outras variáveis para que a necessidade seja de fato
identificada, tornando conhecida a necessidade dos participantes.
A variação identificada em relação ao item “carga horária” deverá
conter opções que possibilitem aferir se o pesquisado considera a carga
horária oferecida como suficiente ou insuficiente, já que em algumas respostas
foi mencionado que o tempo destinado foi curto e em outras respostas, que o
tempo da oficina foi longo.
Na avaliação da equipe (ministrantes), a oficina apresentou pontos
altos em sua execução que foram: a dinâmica Patrimônio na Memória, a
apresentação e avaliação do material e a palestra com informações sobre
a arqueologia; e como ponto mais crítico, a última atividade Criando uma
possibilidade, pois em alguns municípios foi possível perceber a falta de
motivação para a execução de tal proposta. Em relação a isso, se pode
afirmar que por ser o planejamento de ações educativas uma prática inerente
à profissão docente, o envolvimento pode ter sido prejudicado, com base na 171
expectativa de atividades diferentes das que os participantes desenvolvem no
dia-a-dia.
É importante ressaltar que o objetivo proposto pela equipe de Educa-
ção Patrimonial foi alcançado em sua totalidade e que o fator descrito acima
não dificultou o processo desenvolvido nas oficinas. No entanto, será possível
avaliar essa questão de maneira mais aprofundada, a partir do acompanha-
mento das atividades e verificação do engajamento dos docentes e se tal ativi-
dade lhes despertou para a execução de alguma ação educativa envolvendo o
patrimônio.
Rio Pelotas, SC:
7
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
Os materiais educativos
UHE Barra Grande
a contribuição da
U
Estudo
7. Os
vídeo com a proposta de introduzir o público no universo da arqueologia, e de
divulgar as pesquisas realizadas na região da Usina Hidrelétrica Barra Grande.
Durante a elaboração destes materiais educativos discutiu-se a respeito
das transformações sofridas pelo saber arqueológico desde o momento de
sua criação, nas etapas de campo e laboratório, até a sua transformação em
conteúdo escolar. Se o saber científico é validado por parâmetros internos da
ciência e é apresentado ao meio científico através da publicação em forma de
artigos, teses, relatórios ou livros, esse conteúdo precisa passar por um con-
junto de adaptações que permitam sua utilização como material de ensino e
aprendizagem nos níveis Fundamental e Médio.
Nesta imbricação entre Arqueologia e Pedagogia, a intenção foi
realizar a transposição didática do saber científico gerado pelos estudos
arqueológicos realizados no vale do rio Pelotas em saber ensinado, que é o
resultado do ato pedagógico dos professores em sala de aula. Acredita-se que
assim, dá-se um passo decisivo, ainda que incipiente, para encurtar a distância
entre o saber a ensinar e o saber ensinado, aproximando a arqueologia e o
patrimônio arqueológico regional do cotidiano escolar.
7. Os
Número de cópias, estimativa de valores sobre a captação
de imagens interna e externa, tempo de produção, locução,
Orçamento
audiodescrição, legenda, página de abertura, impressão da
arte em mídia (DVD), embalagem (capa plástica – DVD).
Roteiro Sintetizado, linguagem coloquial (menos acadêmica).
Com o roteiro pronto, planejar a captação de imagens.
Verificar necessidade de captação de imagens internas
e externas – representam diferenças significativas nos
custos.
Utilização de câmeras para captação de imagens da
pesquisa em campo.
É possível a utilização de imagens captadas por câmeras
simples, depois editadas pela produção de vídeo.
Caso não seja possível a contratação de cinegrafista,
Captação de cenas
verificar enquadramento e a iluminação.
Elaborar check list com cada aspecto importante a ser
captado durante as cenas respeitando sua seqüência e
cuidados essenciais como o uso de material de proteção
(E.P.I.) para a manipulação de produtos durante a cena
(Ex.: Consolidação de material ósseo: mostrar manipula-
ção do líquido e procedimento de secagem com uso de 175
máscara e luva adequada).
laboratório da Scientia.
7. Os
e publicações impressas (HERBERTS; COMERLATO, 2003), fazendo com
que as informações cheguem até o público da educação formal de modo que
se possa aproximá-los da história da região.
Conforme já mencionado, durante as oficinas realizadas na primeira
etapa das pesquisas na UHE Barra Grande, a necessidade de se criar ma-
teriais de apoio didático que trabalhem a pré-história local e o patrimônio
cultural foi apontada pelos docentes que participaram do evento. Na ocasião,
assinalaram, ainda, o desejo de que as atividades desenvolvidas durante as
oficinas estivessem num livro ou apostila que compilasse as atividades
com outras sugestões de trabalhados em sala de aula. Assim, volta-
do aos docentes, foi elaborado o livro de apoio intitulado Oficinas de
Educação Patrimonial na Usina Hidrelétrica Barra Grande.
177
Figura 144: Página inicial do capítulo 1 Figura 145: Página inicial do capítulo 2
(HERBERTS, Org, 2008, p. 15). (HERBERTS, Org, 2008, p. 39).
Figura 146: Página inicial do capítulo 1 Figura 147: Página inicial do capítulo 2
(HERBERTS, Org, 2008, p. 15). (HERBERTS, Org, 2008, p. 39).
materiais educativos
O capítulo 4, intitulado “Arqueologia Histórica e a Preservação do
Patrimônio Arqueológico” aborda a importância da arqueologia históri-
ca, os sítios arqueológicos históricos na região e a proteção do patrimônio
arqueológico.
A tiragem deste material foi de 2.000 exemplares, distribuídos gratuita-
mente aos professores participantes das oficinas e para a biblioteca de todas
7. Os
as escolas dos nove municípios. Além desta distribuição regional, também
foram enviados para pesquisadores e instituições no âmbito da arqueologia de
diferentes Estados brasileiros.
Como chegar lá
7. Os
Ao dar forma aos personagens, tomou-se cuidado em não passar uma
visão estereotipada do profissional da arqueologia, seja nos trabalhos de
campo ou laboratório. O objetivo era usar o caráter lúdico da linguagem de
HQs, mas com a representação do real. Percebe-se a necessidade do cuida-
do na perpetuação de alguns preconceitos em relação às questões de gênero.
Da mesma forma, ao inserir a figura do professor, profissão historicamente
construída como essencialmente feminina, tentou-se romper com tal represen-
tação assim como a personagem da arqueóloga, em detrimento do estereótipo
do profissional da arqueologia em sua maioria ser atribuída ao sexo masculino
e a uma pessoa mais velha.
Levantamento de imagens da flora e fauna da região foi
providenciado para embasar os desenhos criados pelo ilustrador, que respeitou
de forma criteriosa a representação destes, de maneira a representá-los de
modo mais próximo ao natural, sem estilizações. Tal cuidado foi importante
para a possibilidade de utilização do material de forma interdisciplinar nas
escolas, servindo como base para conhecimentos dos animais da região.
A linguagem utilizada na produção recebeu atenção, para torná-la
acessível e ao mesmo tempo mais regionalizada. Também foram inseridos
jogos no final do gibi, tendo como pressuposto a sua importância para a
concretização do aprendizado, internalizando conceitos e excedendo o 181
plano cognitivo (SANTA CATARINA, 2005). Estes jogos trabalhavam com a
imaginação (quando se propõem relacionar um objeto a sua sombra) e com o
aprendizado sobre o tema abordado na HQ (nos caça-palavras, cruzadinha e
jogo dos sete erros).
182 Figuras 148 e 149: Esboço inicial da capa do gibi e arte final.
7. Os
- Elaboração do texto pelas autoras Ana Lucia Herberts e Fabiana Comerlato.
- Contratação do ilustrador profissional.
- Acompanhamento do processo de criação com reuniões periódicas
(preferência semanais) para ajuste e orientação.
- Controle das alterações e novas versões a cada atualização.
- Revisão das autoras a cada realização de alterações.
- Registro dos direitos autorais da obra texto junto à Biblioteca Nacional.
- Revisão periódica.
- Revisão final por profissional da área de Letras.
- Ficha catalográfica realizada por profissional da área da Biblioteconomia.
- Impressão da versão teste, para aferir a coloração, qualidade do papel, etc.
- Impressão na gráfica.
Avaliando o vídeo
7. Os
mento de alguns docentes, quando o classificaram como superficial, pois o
vídeo não aborda questões históricas e discussões mais profundas. Acha-
ram um bom material para crianças, mas muito infantilizado para jovens e
adultos. Alguns professores também disseram que o vídeo era muito curto,
sendo difícil trabalhá-lo em sala de aula.
Sobre tais avaliações negativas a respeito do vídeo, que o considera-
ram superficial ou curto demais, é importante esclarecer que a proposta do
vídeo foi a de oferecer uma introdução ao tema “Arqueologia”, sem pretender
esgotar o assunto. Ao mesmo tempo, ao ser formulado com uma propos-
ta didática, a intenção era que em apenas uma aula (o correspondente a,
aproximadamente quarenta e cinco minutos), o professor pudesse iniciar o
tema e discutir sobre seu conteúdo e, caso fosse possível e necessário, daria
continuidade à abordagem em outro encontro, com outros materiais.
Avaliando o livro
conta os sentimentos dos sujeitos que vêem seu patrimônio serem impactados,
problematizando, assim, a questão.
Tendo o compromisso com uma educação problematizadora e liberta-
Estudo
dora (FREIRE, 1984, 1987, 1996) percebe-se que as inferências dos profes-
sores são pertinentes e precisam ser contempladas em futuros trabalhos, de
modo que seja possível analisar de maneira crítica os benefícios e as perdas
que são inerentes a qualquer área que receba empreendimentos que causem
186 algum impacto ao meio ambiente.
c) Questionou-se a presença de um capítulo específico relativo à
pré-história do Rio Grande do Sul e à ausência de um análogo para Santa
Catarina. Uma das características dessa publicação é que esta é resultante
das oficinas que ocorreram em 2002 e, portanto, representam cada módulo
desenvolvido naquela ocasião. Por este motivo o terceiro capítulo recebeu o
título homônimo ao da oficina: Pré-História e Etnohistória do Rio Grande do
Sul. Além disso, cada capítulo respeita a redação do(s) autor(es). É impor-
tante ressaltar que as informações contidas nesse capítulo se aplicam à região
do planalto, sem delimitações geopolíticas, já que no período da pré-história
não havia tal divisão. Porém, algumas informações são efetivamente mais de-
talhadas para o Rio Grande do Sul do que as do segundo capítulo, que teve a
pretensão de abranger a arqueologia e o patrimônio arqueológico catarinense.
Por este motivo, a revisão e as inserções necessárias poderão ser consideradas
caso haja uma nova edição.
d) Também foi feita a solicitação da inclusão de textos históricos
sobre a colonização e as questões contemporâneas a respeito da região e
suas necessidades, problemas e discussões sobre o patrimônio local nos dias
atuais. Esse tópico corrobora o anterior e também pode ser considerado em
futura edição. Contudo, cabe registrar que este tema deve ser abrangido mais
especificamente pelo programa relativo ao patrimônio histórico e paisagístico
materiais educativos
desenvolvido neste empreendimento; e
e) A inserção de um glossário foi solicitada, pois segundo os profes-
sores, alguns termos clássicos da arqueologia não fazem parte do vocabulário
dos alunos e mesmo dos professores, sugerindo, ao final da obra, uma página
de glossário ou o simples destaque das palavras ao longo do texto, com um
7. Os
espaço nos cantos das páginas contendo a explicação correspondente.
Avaliando o Gibi
7. Os
f) “Substituição do termo índio ou indígena por outro, uma vez que
ainda não se chegou à exata definição desses antigos habitantes de nossa
região.”
g) “O caça-palavras poderia possuir mais palavras.”
h) “Criação de novos gibis, que abordem temáticas referentes a flora e
fauna de locais pesquisados atualmente.”
i) “Passar as atividades [do gibi] para CD ROM.”
j) “Atividades para trabalho em sala de informática.”
k) “Passatempo para cópias.”
l) “Gibi para ensino médio.”
m) “Página na internet.”
n) “História animada em quadrinhos.” – desenho animado com a
história em quadrinhos.
o) “Explicar como eram utilizados os alimentos (carne de caça, cru,
cozida, assada, era utilizado sal).”
p) “Incluir uma parte referente à legislação (conseqüências aos danos
causados pela ação humana nos sítios arqueológicos).”
q) “Respostas [das atividades] somente no gibi do professor.”
Diante das críticas e sugestões feitas pelos professores aos três materiais 189
apresentados, vê-se a importância da participação dos docentes na elaboração
dos mesmos, incorporando as sugestões no corpo do trabalho e fornecendo
materiais mais completos e que atendam as suas reais necessidades. Não basta
apenas oferecer saberes prontos e construídos, dizer-lhes o que é importante
ser mediado em sala de aula e não considerar suas memórias, histórias e per-
das.
Rio Pelotas, SC:
8
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
C
Estudo
8. Avaliação
órgão responsável pela educação. Como cobrar uma educação de qualidade
de professores que não possuem apoio de suas Secretarias de Educação?
Como alegar que há falta de preparo, por parte do docente, se a ele são nega-
dos os acessos a cursos e palestras pelo órgão que o representa? Isso não retira
nossa responsabilidade do trabalho em atingir esses professores, mas consta-
ta-se a existência de problemas estruturais, por mais que se queira realizar um
trabalho de qualidade e oferecê-lo gratuitamente aos docentes de cada
município.
Outra questão delicada e que deve ser alvo de análise é averiguar
quais os reais objetivos quando são formulados Programas de Educação
Patrimonial vinculados à arqueologia. É apenas perpetuar o discurso da
importância da arqueologia e da preservação dos sítios ou vai além desse
propósito inicial, fazendo com que o indivíduo pense em si como sujeito
histórico e agente transformador? Qual conceito de arqueologia estamos (re)
produzindo? Estamos conscientes dessa intencionalidade? Permite-se a cada
indivíduo fazer suas próprias formulações a esse respeito, permitindo que seja
possível dar um sentido subjetivo ao resultado das pesquisas?
De modo amplo e conjunto, as propostas das oficinas realizadas pela
Scientia Consultoria Científica ao longo dos projetos de Educação Patri-
monial realizados na área da UHE Barra Grande, mesmo que tenham sido 191
desenvolvidas com um espaço de tempo considerável (seis anos), foram
tratadas como continuidade, não como ações pontuais e herméticas, que
começavam e terminavam em si mesmas. As ações educativas foram um
processo continuado de Educação Patrimonial, o que demonstra que é
possível o exercício de ações semelhantes, que privilegiem a continuidade e a
libertação do educando (SOARES, 2008).
Por outro lado, ao se elaborar os materiais didáticos solicitados pelos
professores durante as primeiras oficinas sem a sua participação, institui-se um
ato unilateral. Não se considerou o indivíduo como completo sujeito histórico
e agente transformador, pois apenas foi oferecido algo pronto e acabado. Não
foi permitido aos professores fazerem suas próprias formulações, dando um
sentido subjetivo ao resultado das pesquisas, equívoco percebido no reencon-
tro com os professores quando lhes foi solicitado uma avaliação dos materiais
educativos produzidos.
Percebeu-se, ainda, que os bens que constituem o patrimônio cultural
regional, assinalados no estudo de percepção acerca do patrimônio cultural
realizado com os participantes das oficinas da primeira fase, pouco foram
explorados nos materiais, mesmo após o estudo ter apontado, na época, a
pertinência e a necessidade de se estabelecer ligações entre os bens materiais
do patrimônio cultural e a identidade regional.
Rio Pelotas, SC:
Com certeza, momentos de crescimento como este não são o bastante
para o desmerecimento dos trabalhos e seus conteúdos – que certamente serão
aplicados em sala de aula - mas, sobretudo, servirão para pensar os projetos
futuros.
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
8. Avaliação
as oficinas de apresentação dos materiais aos professores e que devem ser
contempladas em próximos projetos.
Repercussões
84
Espaço apresentado no capítulo 6.
85
Rodrigo Melo Franco de Andrade foi o criador do IPHAN e seu presidente por 30 anos.
dos resultados e
as repercussões
8. Avaliação
Figura 154: Folder do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade 2009.
196
Divulgação Científica
8. Avaliação
• XV Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira.
Arqueologia e compromisso social: construindo arqueologias
multiculturais e multivocais. Hotel Sagres, Belém (PA), 2009, 20 a 23/09.
Apresentação das comunicações: Vídeo: “Arqueologia na Usina Hidrelétrica
Barra Grande”: algumas reflexões sobre a sua produção de autoria de Ana
Lucia Herberts e Elaine Arnold; e “Pré-História do planalto catarinense: o
projeto UHE Barra Grande”, de autoria de Letícia Morgana Müller e Sirlei
Elaine Hoeltz. Mostra de vídeo: Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra
Grande.
• I Fórum Latino-Americano de Educação Patrimonial:
Arqueologia, Museus e Responsabilidade Social, Pelotas (RS), 2008, 12
a 17/05. UFPel – LEPAARQ – ICH. Apresentação das comunicações: a)
“Vídeo: Arqueologia na Usina Hidrelétrica Barra Grande”; b) “Vídeo: Arque-
ologia na Usina Hidrelétrica Barra Grande: reflexões sobre a sua produção”,
ambos de autoria de Ana Lucia Herberts e Elaine Arnold. Apresentação do
pôster: “Educação Patrimonial na área da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó,
SC/RS”, de autoria de Ana Lucia Herberts e Elaine Arnold.
• X Cidade Revelada – Encontro sobre Patrimônio Cultural - e
II Fórum Nacional de Conselhos de Patrimônio Cultural, Itajaí (SC),
2007, 17 a 19/10. Apresentação da comunicação: A produção de materiais 197
educativos sobre a arqueologia regional para a área da UHE Barra Grande, de
autoria de Ana Lucia Herberts e Fabiana Comerlato.
• I Congresso Internacional da SAB “Arqueologia Transatlânti-
ca”, XIV Congresso da SAB “Arqueologia, Etnicidade e Território”, III
Encontro do IPHAN e Arqueólogos, Florianópolis (SC), 2007, 30/09
a 04/10. Apresentação do pôster: Elaboração de materiais de divulgação
para os projetos “Arqueologia Compensatória UHE Barra Grande – SC” e
“Arqueologia Preventiva no AHE Foz do Chapecó, SC/RS”, de autoria de
Ana Lucia Herberts e Elaine Arnold. Apresentação das comunicações: “Casas
Subterrâneas do Planalto Catarinense: Estudo de Caso do Sítio SC-AG-107”,
de autoria de Letícia Morgana Müller; e “Os sítios funerários do Projeto Ar-
queologia Compensatória UHE Barra Grande SC”, de autoria de Ana Lucia
Herberts e Letícia Morgana Müller.
• II Encontro sobre Cemitérios Brasileiros, Porto Alegre, 2006.
Apresentação de comunicação: “Práticas de enterramento e sítios funerários
pré-históricos no Vale do Rio Pelotas”, de autoria de Ana Lucia Herberts e
Letícia Morgana Müller.
• XIX Encontro do Núcleo de Estudos Museológicos – NEMU, Ca-
çador (SC), 2003, 19 a 21/03. Apresentação do trabalho: O Subprojeto de
Valorização do Patrimônio Cultural: Oficinas de Educação Patrimonial, de
Rio Pelotas, SC:
autoria de Ana Lucia Herberts e Marcos Anderson Tedesco.
• XII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira – SAB,
São Paulo (SP), 2003, 21 a 25/09. Apresentação dos trabalhos: “Subprojeto
de Valorização do Patrimônio Cultural na UHE Barra Grande: a experiência
das Oficinas de Educação Patrimonial”, de autoria de Ana Lucia Herberts e
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
• Publicação de artigos:
8. Avaliação
Arqueologia Brasileira. Arqueologias da América Latina. Anais… São Paulo,
2003, edição CD-ROM.
• BRÜGGEMANN, A. A. ; HOELTZ, S. Análise do material lítico
na UHE Barra Grande/SC. XII Congresso da Sociedade de Arqueologia
Brasileira. Arqueologias da América Latina. Anais… São Paulo, 2003, edição
CD-ROM.
• HERBERTS, A. L.; HOELTZ, S. E.; BRÜGGEMANN, A. A.;
CALDARELLI, S. B. O sítio lito-cerâmico SC-AG-40: mais uma peça do
quebra-cabeça Kaingang no sul do Brasil. Cadernos do CEOM (UNOESC),
Chapecó, v. 18, p. 151-182, 2003.
• Pesquisas acadêmicas:
Últimas palavras
199
Ao longo da realização dos projetos e da confecção dos materiais aqui
descritos, fortaleceu-se a noção de que a vulgarização do conhecimento é
etapa essencial, indispensável e inerente a qualquer atividade científica. O
exercício da Educação Patrimonial e transposição didática do conhecimento a
respeito da arqueologia é ferramenta fundamental deste processo, assim como
os projetos de valorização do patrimônio cultural.
Retomando a questão apontada pelo educador Jorge Najjar (2003), no
XIII Congresso da SAB, pode-se delinear alguns caminhos para a reflexão
acerca da relação entre arqueologia e educação. Para Najjar,
8. Avaliação
Isto só aumenta o desafio de quem trabalha com o patrimônio
arqueológico, especialmente o patrimônio arqueológico pré-histórico.
Acreditamos que há um distanciamento entre as comunidades e o seu
patrimônio arqueológico regional que deva ser sanado, ou ao menos, que
devemos trabalhar para encurtar essa distância. Neste sentido, a Arqueolo-
gia, apresentada no seio da comunidade escolar de forma multidisciplinar e
transdisciplinar nos conteúdos curriculares, ou em projetos de Educação e
Valorização Patrimonial, é uma alternativa viável na aproximação das
comunidades com o seu patrimônio. Almeja-se assim mostrar através da
arqueologia que o Brasil foi formado pelo aspecto multicultural e plural de
seu povo, e isso deve ser respeitado e valorizado.
201
Rio Pelotas, SC:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
Brasil. In: Revista de Arqueologia. Nº20. São Paulo: SAB, 2007, p.9-38.
_________. Estilo tecnológico e as indústrias líticas do alto vale do rio dos Sinos:
variabilidade artefatual entre sistemas de assentamentos pré-coloniais no sul do
Brasil, 2006.
ELIAS, N. A solidão dos Moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
HENRY, J. Jungle People. A Kaingang Tribe of the Highland of Brazil. New York,
Estudo
1964.
MILLER JR, Tom. Tecnologia cerâmica dos Caingang paulistas. Arquivos do Museu
Paranaense. N o. 2, 1978, p. 3-51.
1924, p. 117-137.
Publicações avulsas, nº 13. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, 1969. p. 63-74.
__________. O Brasil antes dos brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
SILVA, S. B. et al. Escavações arqueológicas do PE. João Alfredo Rohr, S.J. O sítio
arqueológico da praia da Tapera: um assentamento Itararé e Tupiguarani. Pesquisas.
Antropologia, nº 45. São Leopoldo: IAP, 1990.
208
ANEXO I
anexo i
209
210
Estudo e valorização do patrimônio arqueológico do vale do Rio Pelotas, SC:
a contribuição da UHE Barra Grande
PARTE II:
Grau de Parentesco com o aluno selecionado: Pai
Nome do Aluno selecionado/Idade: XXXXXXXXXXX
Escola: Escola de Educação Básica Padre Antônio Vieira.
Sexo do Entrevistado: Masculino.
Faixa etária: 30 anos.
uHE barra grandE
Endereço: XXXXXXXXXXX
Características do Local onde mora: É um local com muita concentração
populacional para a cidade, com casas simples e ruas sem calcamento. Mora a
15 anos no local em uma casa pequena a um quilômetro da escola.
Posição familiar do entrevistado: Principal mantenedor.
Renda familiar e P.E.A. na Família: Somente o pai possui renda.
a contribuição da
Data: 16.04.2002.
Entrevistador: Marcos Anderson Tedesco.
212
anexo iii
ANEXO III
2. Formação:
( ) Técnico/Médio ( ) Graduação – Qual? ____________________________
( ) Especialização/Pós-Graduação – Qual? ___________________________
213
5. Quais lembranças essas palavras lhe trazem?
7. Como você avalia a aplicação desses temas em sala de aula? Por quê?
8. Como você avalia o grau de importância desses temas para sua vida? Por
quê?
Rio Pelotas, SC:
e valorização do patrimônio arqueológico do vale do
UHE Barra Grande
a contribuição da
Estudo
214
Impresso no Brasil