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Inevitável

AS 12
FORÇAS
TECNOLÓGICAS
QUE MUDARÃO
NOSSO
MUNDO

Kevin Kelly
Tradução:
Cristina Yamagami
Uma publicação da
PREFÁCIO À
EDIÇÃO BRASILEIRA
LU I S R A S Q U I L H A*

O F UT UR O É UM A CA I X A P R E TA ?

N
unca se falou tanto de futuro como agora. Nunca a sociedade e
o mundo ficaram tão atentos e preocupados com o que está por
vir como agora. Não só futuristas, mas também professores, con-
sultores, profissionais das mais variadas áreas, dedicam-se ao estudo
das mudanças que surgirão e não se limitando a identificar os padrões;
eles sobretudo buscam mapear os cenários da transformação no futuro.
A velocidade em que o planeta gira tem subido drasticamente nos
últimos anos. Alguns já chamam estes tempos de “a era exponencial“,
tal é a celeridade com que as mudanças ocorrem e as evoluções acon-
tecem. Temos uma ideia do que estamos vivenciando quando lembra-
mos que o telefone levou 75 anos para chegar a 50 milhões de pessoas,
a rádio, 38 anos, a televisão, 13, a internet, 4, o iPhone (que completou
10 anos no início de 2017), apenas 3 e, mais recentemente, o Instagram,
2 anos, o Angry Birds, 35 dias e o Pokémon Go, apenas 15 dias.
O que aconteceu para que tudo tenha mudado de repente? (Na histó-
ria da humanidade, pouco mais de uma década é de repente.) Já pensou
que em apenas 15 ou 20 anos deixamos de enviar carta por correio, fax,
telex, fitas K-7? Encostamos nossas fitas VHS, nossos computadores
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desktop com conexão dial-up (por linha telefônica), nossos disquetes


de 1,44 mb, os celulares analógicos, os discos de vinil,as câmeras foto-
gráficas de filme e aposentamos tantas outras coisas que faziam parte
da rotina diária da geração dos anos 1990. Qual fenômeno nos tem feito
vivenciar a maior transformação da história da humanidade?
O ano de 2016 já ficou conhecido em um certo meio como o da
Quarta Revolução Industrial, a revolução das máquinas, baseada no
uso de sistemas físicos cibernéticos (cyber physical systems – CPS) onde
fenômenos como IoT (ou internet das coisas, na sigla em inglês), im-
pressão 3D, big data, realidade aumentada ou inteligência artificial,
para citar apenas alguns, deixaram o caminho da ficção para se afirma-
rem decisivamente como realidade.
A geração futura (nascida após 2010) dificilmente saberá o que é
um boleto, um cartão de crédito, um carro, ou mesmo uma sala de
aula. Nem saberá como consultar um dicionário ou atlas! (Por acaso,
você sabe? Ainda se lembra?). Estamos diante da mudança inevitável
do mundo, que está abandonando sua linearidade para assumir sua
exponencialidade. E isso é simplesmente maravilhoso.
Faith Popcorn, futurista e “marketeer” norte-americana, lançou no
final dos anos 1970 o Porcorn Report em que, com metodologias pros-
pectivas, previa e enumerava os fatores de mudança que na virada do
milênio influenciariam o mundo, e descrevia quais as grandes tendên-
cias que as empresas (e as pessoas) deveriam observar.
Popcorn foi a primeira pessoa a levantar a possibilidade de que o
futuro não é uma caixa-preta. Foi criticada por sua ousadia de prever o
depois de amanhã – o que mudou quando o “juiz” tempo provou que
ela acertara cerca 95% das previsões feitas para a mudança do século
em áreas tão diferentes como casa, emprego, carreira, relações pessoais,
comportamento digital etc. – praticamente 30 anos antes.
Por tudo isso, a desatualização é cada vez maior. Algo hoje de su-
cesso pode não o ser amanhã, porque algo não controlável mudou. E as
empresas não estão preparadas para mudar na velocidade que os mer-
cados exigem. Olhando a lista das 500 maiores empresas do mundo em
2000 e a mesma lista em 2017, vemos alterações antes inimagináveis:
em uma década, gigantes sumiram e outras surgiram do nada!
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A discrepância do ranking empresarial é ainda maior se olharmos


os últimos 50 anos: arrisco dizer que 50% das maiores empresas há 30
anos hoje não existem mais. Não se trata de encolhimento; elas sim-
plesmente desapareceram. Vivemos a época implacável da relevância
(ou da falta dela) das empresas para os mercados. E está difícil enxer-
gar. Para as que enxergam, está difícil atuar e reverter a tendência.
Compram-se estudos. Contratam-se consultorias. Desenvolvem-se
equipes multidisciplinares de projeto. Montam-se metodologias, mé-
tricas e processos. Investem-se em treinamentos nacionais e interna-
cionais – nas melhores universidades e em cursos in-company, com os
melhores professores. Faz-se tudo para ajustar a empresa e preparar os
profissionais para o futuro.
Então, onde está o erro? Por que está tão difícil? Acredito que mui-
tos profissionais em toda a linha da hierarquia o sabem: por conta da
cultura das empresas atualmente, ainda mais centrada em métodos
e processos puramente analíticos e ultrapassados, em detrimento do
mais importante – inovação, tecnologia e criatividade.
Não que os processos analíticos não sejam necessários e relevantes.
São. Mas não bastam. Falta serem complementados pelas dimensões ino-
vadoras, criativas e emocionais, ainda afastadas da cultura das empresas.
Parece estranho falar de cultura, mas deve-se considerar que a cul-
tura empresarial existente em uma organização é composta por práti-
cas, símbolos, hábitos, comportamentos, valores éticos e morais, além
de princípios, crenças, políticas internas e externas, sistemas, jargão e
clima organizacional – tudo isso influencia a forma como a empresa
desenvolve sua atividade.
A cultura influencia todos os membros dessa organização, determi-
nando as diretrizes e as premissas para guiar comportamentos e men-
talidades. E hoje as empresas ainda não contemplam, na cultura, a ur-
gente necessidade de olhar para frente, para o futuro. Para o inevitável,
o tema deste livro.
Kevin Kelly tem certeza, e eu também, de que nada será como antes.
A maneira como fazíamos negócios e gerenciávamos empresas mudou
radicalmente na última década e mudará mais ainda na próxima. O fu-
turo está aí e é descrito como o intervalo de tempo que se inicia após o
presente e não tem um fim delimitado. Pela definição de Patrick Dixon
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sobre futuro (ele montou o acrônimo FUTURE) entendemos os seis ei-


xos que compõem o futuro. São eles:

• Fast (futuro veloz): a velocidade com que as coisas acontecem será


bem maior. Para entendermos isso, basta ver, hoje, a evolução das
crianças ou da tecnologia, por exemplo, e compará-las com 10 ou
15 anos atrás. E a previsão é continuar assim. A velocidade das
coisas e a dificuldade de processar essa realidade rápida só ten-
dem a aumentar.
• Urban (futuro urbano): o crescimento desmesurado das cidades
no mundo tem alterado o conceito de metrópole para megalópole.
Cada vez mais, as cidades concentrarão mais oportunidades, mais
empresas, mais concorrência, mais poder de compra, mais oferta
e mais desafios; por isso, as pessoas tendem a se mudar cada vez
mais para as cidades, abandonando os campos e lugares meno-
res, transformando as megalópoles em autênticos aglomerados
de prédios, carros e pessoas, influenciando decisivamente a quali-
dade de vida de todos.
• Tribal (futuro em tribos): para entender os consumidores, será (já
é) necessário abandonar a tradicional segmentação geográfica ou
psicográfica e focar os comportamentos tribais e estereotipados.
As tribos e os grupos polissociais assumem relevância quando
queremos entender quem pode ser o nosso cliente ou qual a di-
mensão do nosso mercado potencial.
• Universal (futuro globalizado): a beleza do mundo conectado será
aproximar culturas e pessoas, globalizar, universalizar. Hoje o
que acontece em um lugar já é imediatamente conhecido do outro
lado do mundo, não é? Fruto da conectividade permanente. Por
isso é cada vez mais importante entender as culturas e conhecer
outros países e povos para encontrar os pontos de contato e de
universalidade, tornando mais fácil entender o futuro.
• Radical (futuro de extremos): o radicalismo positivo significará
ter coragem para desafiar o estado atual das coisas, pensar fora da
caixa, arriscar, sonhar e conseguir olhar com outros olhos e pontos
de vista a realidade atual e o futuro que se aproxima.
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• Ethical (futuro ético): é e será o eixo que tempera a atuação geral no


mercado, pois não mais é um vale-tudo. Precisaremos inovar, ser
criativos e disruptivos, mas respeitando as pessoas, o planeta e os
vários agentes no mercado.

Essa definição simples de futuro deixa-nos algumas reflexões:


Estamos prontos para ele? O que temos feito para preparar nossas em-
presas, nossas carreiras e – por que não dizer – nossas vidas para esse
futuro? Estamos preparados para a disrupção? Conseguimos fazê-la?
Clayton Christensen, professor da Harvard Business School, diz
que as empresas não conseguem fazer a própria disrupção porque se
encontram inertes – e deixam que novos entrantes mudem os mercados
em que atuam. E se analisarmos os fenômenos Uber, Airbnb, Netflix e
Spotify – apenas para enumerar alguns –, vemos que esses novos en-
trantes foram de fato os responsáveis pelas maiores mudanças em seus
respectivos segmentos, deixando quem estava nesses mercados em si-
tuações de total incapacidade para lidar com a mudança.
Os motivos para a inércia dessas empresas daria outro livro. Mas
existe um sinal claro de por que isso ocorre. Como diz meu amigo
Fernando Rodrigues (da ICN Agency), essas empresas estariam sob a
influência da “Quarta Lei de Newton – o princípio da estabilidade regu-
lar”, que diz: “um corpo em repouso continuará em repouso se a cama
estiver quentinha”. Empresas em camas quentinhas, mesmo que vis-
lumbrem o futuro, têm sempre grande dificuldade em se movimentar
em direção a ele, deixando para aquelas, que sem cama, sofá ou pufe,
que acabaram de chegar o ônus (e o bônus) da mudança inevitável.
Escrever o prefácio de um livro como este, além de ser um orgulho
e uma responsabilidade, me dá a oportunidade única de expressar o
meu sentimento face ao momento que vivemos, momento de transfor-
mação global. Mas preciso falar sobre o Brasil, país em que moro por
convicção. Será que nosso País está preparado para esta avalanche de
mudanças descrita por Kevin Kelly?
Sou um convicto entusiasta do potencial do Brasil e do seu povo
como agente de mudança, apesar do tamanho da avalanche a caminho
e dos enormes desafios e transformações presentes, em termos políti-
cos, econômicos, sociais e pessoais. O Brasil é dos poucos países que se
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pode afirmar pelo trinômio escala–maturidade–necessidade (um dos


maiores mercados potenciais do mundo, iniciante em muitos quesitos
e com inúmeras oportunidades). Sendo assim, acredito que nossas pes-
soas e organizações podem, sim, preparar-se para a avalanche , e este
livro é um excelente apoio para quem quer começar a fazê-lo hoje.
O futuro acontece para todos, independentemente do país, da profis-
são, do mercado, das crenças, das convicções ou das certezas. Temos a
convicção inevitável a respeito do que está sendo analisado e mapeado
para o futuro. Porém, não sabemos quando, nem em que intensidade.
Mas a mudança é mesmo, como diz Kelly, inevitável, e o maior de-
safio já enfrentado pela humanidade até agora é o de nos prepararmos
para esse futuro novo – e na velocidade dele, não na nossa.
Como dizia o Agente Smith, no primeiro filme Matrix, quando em
determinada altura segura o herói Neo em uma linha de trem com ob-
jetivo de eliminá-lo: “Está escutando? Este é o som da inevitabilidade”.
O futuro é assim: uma inevitabilidade. Prepare-se para ela e aproveite
tudo o que nos proporcionará.

*Luís Rasquilha é futurista, CEO da Inova Consulting e da Inova Business


School, professor da FIA-USP, colunista da rádio CBN e coolhunter.
SUMÁRIO

I N T R O D U Ç ÃO 03

1. TO R N A R - S E 13

2. COGNIFICAR 33

3. F LU I R 67

4. V I S UA L I Z A R 91

5. AC E S S A R 117

6. C O M PA R T I L H A R 145

7. F I LT R A R 177

8. R E M I X A R 207

9. I N T E R A G I R 227

1 0. R A S T R E A R 255

1 1. Q U E S T I O N A R 289

1 2 . C O M EÇ A R 311

AG R A D E C I M E N TO S 319

N O TA S 321

Í N D I C E R E M I S S I VO 339
INTRODUÇÃO

Q
uando eu tinha 13 anos, meu pai me levou para visitar uma feira
de informática em Atlantic City, Nova Jersey. Era o ano de 1965
e ele estava muito empolgado com aquelas máquinas do tama-
nho de uma sala produzidas pelas corporações mais competentes dos
Estados Unidos, como a IBM. Meu pai acreditava no progresso e aque-
les primeiríssimos computadores eram vislumbres do futuro imaginado
por ele. No entanto, eu, adolescente típico que fui, não me impressio-
nei. Os computadores que enchiam o cavernoso galpão de exposições
eram uma chatice. Não havia nada para ver lá, exceto alguns hectares
de gabinetes de metal retangulares e estáticos. Nem um único monitor
cintilante à vista. Os computadores não entendiam a fala e muito me-
nos falavam. A única coisa que aquelas máquinas conseguiam fazer era
imprimir linhas e mais linhas de números acinzentados em um longo
papel dobrado. Eu era um ávido fã de livros de ficção científica, por-
tanto sabia muito sobre computadores. E, de acordo com todo o meu
conhecimento, aquelas máquinas não eram computadores de verdade.
Em 1981, tive a chance de usar um computador Apple II em um
laboratório de ciências da University of Georgia, onde trabalhava na
época. O equipamento tinha um minúsculo monitor preto capaz de exi-
bir textos em letras e números verdes, mas aquela tecnologia também
não me impressionou. Até dava para digitar melhor do que em uma
máquina de escrever, e a máquina se provava genial na representação
gráfica de números e no monitoramento de dados. Contudo, ainda não
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era um computador de verdade. Aquela tecnologia não estava fazendo


nada para modificar minha vida.
Mudei totalmente de ideia alguns meses depois, quando usei um
modem para conectar aquele mesmo Apple II a uma linha telefô-
nica. Tudo se transformou. Um novo universo mostrou-se para mim
no outro lado da linha – um universo colossal, quase infinito. De
repente, eu me vi com acesso a quadros de avisos online, telecon-
ferências experimentais e àquele lugar repleto de maravilhas cha-
mado internet. O portal aberto por meio da linha telefônica me des-
vendou algo vasto e, ao mesmo tempo, de escala humana. Parecia
um mundo orgânico e fabuloso, ligando pessoas e máquinas de ma-
neira singular. Senti que minha vida saltava para um nível comple-
tamente distinto.
Olhando para trás agora, acho que a era do computador na ver-
dade só começou naquele momento, quando os equipamentos se
fundiram com o telefone. Isoladamente, os computadores eram ina-
dequados. Todas as duradouras consequências da computação só
começaram no início dos anos 1980, naquele momento em que, com-
binados, o computador e o telefone se entrelaçaram para formar um
híbrido robusto.
Nas três décadas seguintes, essa convergência tecnológica entre
informática e comunicação difundiu-se, acelerou, floresceu e evoluiu.
O sistema internet/web/mobile saiu das margens da sociedade (em
1981, era praticamente ignorado) para ocupar o centro do palco da vida
moderna. Nos últimos 30 anos, a economia social baseada nessa tecno-
logia teve seus altos e baixos e viu seus heróis surgirem e desaparece-
rem, mas já está bem claro que a evolução foi orientada por algumas
amplas tendências.
Essas tendências históricas de grande escala são cruciais. As condi-
ções básicas que lhes deram origem ainda estão ativas e em evolução,
o que sugere que continuarão a se intensificar e a se expandir. Nada
indica que vão perder o vigor. Até forças que, como seria de esperar,
poderiam solapar tais tendências – como a criminalidade, a guerra ou
nossos próprios excessos – também estão a reboque delas. Neste livro,
descrevo doze forças tecnológicas inevitáveis que​​ prometem moldar
nosso mundo nos próximos 30 anos.
INTRODUÇÃO | 5

“Inevitável” é um termo forte. Algumas pessoas desaprovam seu


uso, argumentando que nada é inevitável. Sua alegação é a de que a
força de vontade e o senso de propósito do ser humano podem – e de-
vem! – rechaçar, dominar e controlar qualquer tendência mecanicista. Na
opinião delas, a “inevitabilidade” não passa de uma desculpa à qual nos
rendemos de boa vontade. Quando a noção do inevitável é vinculada
a uma tecnologia sofisticada, como faço aqui, as objeções a um destino
predeterminado são ainda mais ferozes e passionais. Uma definição de
“inevitável” é o resultado final do clássico experimento mental da rebo-
binagem. Se pudéssemos rebobinar a fita da história até o início dos tem-
pos e reprisar a trajetória de nossa civilização repetidas vezes, uma ver-
são robusta da inevitabilidade diria que, independentemente de quantas
vezes a aventura humana fosse reproduzida, acabaríamos sempre com
adolescentes tuitando a cada cinco minutos na atualidade. Entretanto,
não é isso que quero dizer quando me refiro a “inevitabilidade”.
Uso a palavra “inevitável” com um sentido diferente. A natureza
da tecnologia tem um viés que a orienta para determinadas direções.
Se todos os outros fatores permanecerem inalterados, as leis da física
e da matemática, que regem a dinâmica da tecnologia, tenderão a fa-
vorecer certos comportamentos. Essas tendências se fazem presentes
sobretudo nas forças coletivas que estabelecem os contornos gerais das
formas tecnológicas e não casos específicos. Por exemplo, o formato da
internet – uma rede de redes englobando o planeta inteiro – era inevi-
tável; o tipo específico de internet pelo qual optamos, não. A internet
poderia ter sido essencialmente comercial, em vez de sem fins lucrati-
vos; configurar-se como um sistema nacional, em vez de internacional.
Ou, ainda, poderia ter se mantido fechada, secreta, em vez de pública.
A telefonia – mensagens de voz convertidas em energia elétrica e trans-
mitidas em longa distância – era inevitável; o iPhone, não. O formato
genérico de um veículo de quatro rodas era inevitável, mas não as ca-
minhonetes. As mensagens instantâneas eram inevitáveis; tuitar a cada
cinco minutos, não.
Tuitar a cada cinco minutos não era inevitável também em outro
sentido. Estamos nos transformando com tamanha rapidez, que nossa
capacidade de inventar coisas é maior do que a velocidade com que
conseguimos “civilizá-las”. Atualmente, levamos uma década após o
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surgimento de uma tecnologia para chegar a um consenso social a res-


peito das implicações dela, estabelecendo quais normas de comporta-
mento são necessárias para domá-la. Daqui a cinco anos, vamos criar
regras de etiqueta para os tuítes, assim como descobrimos o que fazer
para evitar a algazarra dos celulares tocando por toda parte (usar o
modo silencioso/vibração). Seja qual for o caso, a consequência inicial
da tecnologia desaparece rapidamente conforme a “civilizamos” e en-
tão vemos que ela nunca foi essencial nem inevitável.
O tipo de inevitabilidade ao qual me refiro aqui, no âmbito do
mundo digital, é o resultado de uma dinâmica – a dinâmica de uma
mudança tecnológica constante. As fortes marés que moldaram as tec-
nologias digitais nos últimos 30 anos vão continuar a se expandir e a se
fortalecer nos próximos 30. Esse princípio vale não só para a América
do Norte, mas para o mundo todo. Ao longo deste livro, uso exemplos
dos Estados Unidos, porém, para cada um deles, poderia facilmente ter
encontrado um caso parecido na Índia, em Mali, no Peru ou na Estônia.
Os verdadeiros líderes do campo do dinheiro digital, por exemplo, es-
tão na África e no Afeganistão, onde o e-money, não raro, é a única
moeda corrente. A China está muito à frente de todos os outros países
no desenvolvimento de aplicativos de compartilhamento no celular.
Culturas locais podem até promover ou retardar as expressões da tec-
nologia, mas as forças básicas são universais.
Depois de viver online nas últimas três décadas – primeiro, como
pioneiro em um território relativamente selvagem e desabitado; mais
tarde, como desenvolvedor que construiu partes desse novo conti-
nente –, minha confiança na inevitabilidade baseia-se na profundi-
dade dessas mudanças tecnológicas. O esplendor diário das novi-
dades da alta tecnologia navega em correntezas lentas. As raízes do
mundo digital estão ancoradas nas necessidades físicas e nas tendên-
cias naturais de bits, informações e redes. Não importa em qual locali-
zação geográfica, não importam quais empresas, não importam quais
políticas, esses ingredientes fundamentais de bits e redes levarão a
resultados semelhantes, vez após vez. Tal inevitabilidade resulta de
sua física básica. Neste livro, busco expor essas raízes da tecnologia
digital, porque é delas que se erguerão as tendências mais duradou-
ras dos próximos 30 anos.
INTRODUÇÃO | 7

Nem todas as mudanças serão bem-vindas. Setores consolidados


cairão por terra a partir da perda de eficácia de seus obsoletos mode-
los de negócio. Categorias profissionais inteiras vão desaparecer, bem
como o ganha-pão de algumas pessoas. Novas ocupações nascerão,
devendo prosperar de maneira desigual, o que semeará inveja e desi-
gualdade. A continuidade e a extensão das tendências que esboço neste
livro contestarão os pressupostos legais vigentes e farão incursões nos
limites da ilegalidade, criando um obstáculo para os cidadãos cum-
pridores da lei. Por sua própria natureza, a tecnologia de rede digital
desestabiliza as fronteiras internacionais pelo simples fato de desco-
nhecer quaisquer fronteiras. Os maravilhosos benefícios serão acom-
panhados de dor, conflito e confusão.
Confrontados com as transformações radicais impostas pelo
avanço da tecnologia no âmbito digital, nossa primeira reação pode
ser tentar barrar o progresso – impedi-lo, proibi-lo, negá-lo ou, pelo
menos, dificultar que ele seja usufruido pelas pessoas. (A título de
exemplo, quando a internet facilitou a cópia de músicas e filmes,
Hollywood e a indústria fonográfica fizeram de tudo para impedir.
Em vão. A única coisa que conseguiram foi transformar os clientes em
inimigos.) Tentar conter o inevitável, em geral, acaba sendo um tiro
pela culatra. Na melhor das hipóteses, a proibição é temporária e, em
longo prazo, contraproducente.
Uma adoção criteriosa, executada com os olhos bem abertos, cos-
tuma ser mais eficaz. Minha intenção neste livro é revelar as raízes da
mudança digital para que a recebamos de braços abertos. Uma vez que
essas raízes se revelem a nossos olhos, poderemos trabalhar com base
no entendimento de sua natureza, em vez de lutar contra elas. As có-
pias em massa chegaram para ficar. O monitoramento em massa e a
vigilância total chegaram para ficar. O conceito de propriedade está se
esvaindo. A realidade virtual vem se tornando real. Não temos como
impedir que a inteligência artificial e os robôs se desenvolvam, criem
oportunidades de negócio e tomem nossos empregos atuais. Pode não
ser nossa reação inicial, mas deveríamos acolher de bom grado a remixa-
gem perpétua dessas tecnologias. Trabalhar com elas, em vez de tentar
combatê-las, é o caminho para que possamos nos beneficiar do melhor
que têm a oferecer. Não proponho aqui uma atitude passiva. Temos de
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administrar as novas invenções para impedir danos reais (e não apenas


hipotéticos), valendo-nos de recursos tanto legais como tecnológicos.
Precisamos civilizar e domar as novas invenções em suas especificida-
des. No entanto, só podemos fazer isso por meio de um envolvimento
profundo, de uma experiência prática e de uma aceitação vigilante.
Podemos e devemos regulamentar os serviços de táxi ao estilo do Uber,
por exemplo, mas não podemos nem devemos tentar banir a inevitável
descentralização dos serviços. Essas tecnologias não vão desaparecer.
A mudança é inevitável. Hoje sabemos que tudo é mutável e tudo
evolui, apesar de grande parte dessa mudança ser imperceptível. As
montanhas mais altas estão aos poucos se desgastando sob nossos pés,
enquanto todas as espécies animais e vegetais do planeta evoluem para
algo diferente em câmera ultralenta. Até o Sol, sempre brilhando no céu,
vem se apagando de acordo com um cronograma astronômico (mas,
quando isso acontecer, nós já não estaremos na face da Terra há um bom
tempo). A cultura humana, bem como nossos fatores biológicos, faz parte
dessa transformação imperceptível em direção a algo novo.
Hoje, no cerne de toda grande e importante mudança em nossa
vida, encontra-se uma tecnologia de algum tipo. A tecnologia é o ace-
lerador da humanidade. Por causa dela, tudo o que fazemos está sem-
pre em processo de transformação. Cada tipo de coisa está se tornando
algo diferente, percorrendo o caminho entre o “poderia ser” e o “é”, ou
seja, entre a possibilidade e o fato. Tudo está em fluxo. Nada está con-
cluído. Nada está feito. Essa mudança sem fim constitui o eixo central
do mundo moderno.
Esse fluxo constante não implica simplesmente que “as coisas serão
diferentes”, e sim que os processos – os impulsionadores do fluxo – são
hoje mais importantes do que os produtos. Nossa maior invenção nos
últimos 200 anos não foi um dispositivo ou uma ferramenta em particu-
lar, mas a criação do próprio processo científico. Uma vez que inventa-
mos a metodologia para a ciência, pudemos começar imediatamente a
criar milhares de outras coisas incríveis que jamais teríamos descoberto
de outro modo. Esse processo metódico de constante mudança e me-
lhoria revelou-se um milhão de vezes mais transformador do que a in-
venção de qualquer produto específico: desde sua criação, ao longo dos
séculos, gerou milhões de produtos. Basta calibrar o processo contínuo
INTRODUÇÃO | 9

para ele permanecer gerando benefícios constantes. Nesta nossa nova


era, o processo é mais relevante do que os produtos.
Esse novo olhar para os processos também significa que a mudança
incessante é o destino de tudo o que fazemos. Estamos nos distan-
ciando do mundo dos substantivos fixos na mesma medida em que
nos avizinhamos do mundo dos verbos fluidos. Nos próximos 30 anos,
vamos continuar a pegar objetos sólidos – um carro, um par de sapatos
– e transformá-los em verbos intangíveis: os produtos se converterão
em serviços e processos. Vitaminado por altas doses de tecnologia, um
automóvel se torna um serviço de transporte, uma sequência sempre
atualizada de bens físicos que se adapta com rapidez ao uso do cliente,
ao feedback, à concorrência, às inovações e ao desgaste. Você pode ter
um carro autônomo, sem motorista, ou dirigir o próprio veículo, mas,
de qualquer maneira, esse serviço de transporte inclui flexibilidade,
personalização, upgrades, conexões e novos benefícios. Um par de sa-
patos também deixa de ser um produto acabado e passa a ser um pro-
cesso sem fim, que envolve reimaginar essa extensão dos pés, talvez
com coberturas descartáveis, sandálias que se transformam à medida
que você anda, solas mutáveis ou dispositivos que interagem com os
pisos. “Sapatar” torna-se um serviço, uma ação, um verbo, no lugar do
substantivo “sapato”. No mundo digital intangível, nada é estático ou
fixo. Tudo está em processo de vir a ser.
Todas as rupturas da modernidade dependem dessa mudança ine-
xorável. Estudei a miríade de forças tecnológicas que emergem no pre-
sente momento e classifiquei as mudanças em 12 verbos, como acessar,
monitorar e compartilhar, transmitindo a ideia de ação – mais especifica-
mente, de ação em andamento. Essas forças são ações aceleradoras.
Cada uma das 12 ações contínuas constitui uma tendência em
curso, que tem tudo para se manter por pelo menos mais três décadas.
Considero tais metatendências “inevitáveis” por terem raízes na natu-
reza da tecnologia e não na da sociedade. O caráter dos verbos segue
um viés que todas as novas tecnologias têm em comum. Apesar de nós,
os criadores, termos muito poder de escolha e responsabilidade pelo
direcionamento das tecnologias, estas também envolvem muitos fato-
res que estão fora de nosso controle. Processos tecnológicos específi-
cos favorecerão inerentemente determinados resultados. Por exemplo,
10 | I N E V I T Á V E L

processos industriais (como motores a vapor, fábricas de produtos


químicos, barragens) favorecem pressões e temperaturas fora da zona
de conforto do ser humano. Processos digitais (computadores, inter-
net, apps) favorecem a duplicação ubíqua e barata. A tendência à alta
pressão/alta temperatura, no caso dos processos industriais, afasta os
locais de manufatura do ser humano e os configura como unidades
centralizadas e de grande escala, não importando a cultura, o perfil ou
a política. O viés na direção de cópias ubíquas e baratas nos processos
digitais independe da nacionalidade, da conjuntura econômica ou do
desejo humano e orienta a tecnologia na direção da ubiquidade social.
Em outras palavras, esse viés está incorporado à natureza dos bits di-
gitais. Nesses dois exemplos, poderemos nos beneficiar ao máximo das
tecnologias se formos capazes de “ouvir” o direcionamento natural de-
las, flexibilizando nossas expectativas, regras e produtos conforme as
tendências fundamentais que nos forem apresentadas. Teremos mais
facilidade de gerenciar as complexidades, otimizar os benefícios e re-
duzir os danos de tecnologias específicas quando alinharmos nossos
usos às tendências de sua trajetória. O objetivo deste livro é reunir as
tendências que hoje se refletem nas mais recentes tecnologias e projetar
as trajetórias que se estendem diante de nós, em direção ao futuro.
Esses verbos organizadores representam as metamudanças de
nossa cultura no futuro imediato previsível. Trata-se de amplas ten-
dências que já atuam no mundo de hoje. Não tenho a pretensão de
prever quais produtos continuarão em uso no próximo ano ou na pró-
xima década, muito menos dizer quais empresas vão triunfar. Essas
especificidades são definidas por caprichos, moda ou comércio, reve-
lando-se totalmente imprevisíveis. Por sua vez, as tendências gerais re-
lativas a produtos e serviços daqui a 30 anos podem ser vislumbradas
desde agora. Suas formas básicas estão enraizadas nos direcionamen-
tos das tecnologias atualmente emergentes que estão a caminho da ubi-
quidade. Esse amplo e veloz sistema afeta a cultura de maneira sutil,
porém constante, de modo a amplificar as seguintes forças: tornar-se,
cognificar, fluir, visualizar, acessar, compartilhar, filtrar, remixar, intera-
gir, rastrear, questionar e começar.
Embora eu dedique um capítulo a cada uma dessas forças, elas não
são verbos distintos atuando de maneira independente. Ao contrário,
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estão sobrepostas, cada uma dependendo das demais e todas se acele-


rando mutuamente. Chega a ser difícil falar de uma sem fazer referên-
cia às outras. A força do compartilhar intensifica a (na mesma medida
em que depende da) força do fluir. O neologismo “cognificar” [codifica-
ção cognitiva] implica rastrear. Visualizar telas é inseparável de interagir
digitalmente. Os verbos em si são remixados e todas essas ações cons-
tituem variantes do processo de tornar-se. Juntas, formam um campo
unificado de movimento.
Essas forças são trajetórias, não destinos. Elas não nos dão maneiras
de prever onde vamos acabar. Só informam que, no futuro próximo,
inevitavelmente seguiremos essas direções.
1
TORNAR-SE

D
emorou 60 anos, mas finalmente tive uma epifania: tudo, sem
exceção, requer ordem e energia adicionais para se manter. Eu
já sabia disso em termos abstratos, com base na famosa segunda
lei da termodinâmica, que afirma que tudo está se desfazendo lenta-
mente. Essa percepção não se deve só à lamúria de um homem enve-
lhecendo. Aprendi há muito tempo que até as coisas mais inanimadas
que conhecemos – rochas, colunas de ferro, tubos de cobre, estradas de
cascalho, folhas de papel – não duram muito sem atenção, conserto e
o dedicação extra. A existência, ao que parece, é em grande parte uma
questão de manutenção.
O que me surpreendeu recentemente foi perceber a extensão em que
até o intangível é instável. Manter um site na internet ou um programa
de computador em operação é como manter um barco flutuando. É um
buraco negro que não para de sugar nossa atenção. Consigo entender
por que um dispositivo mecânico como a bomba-d’água quebra depois
de um tempo: à medida que a umidade enferruja o metal, o ar oxida
as peças ou os lubrificantes evaporam – eis o motivo de todo esse sis-
tema requerer manutenção. No entanto, não imaginava que o mundo
imaterial dos bits também pode se degradar. O que há para quebrar?
Aparentemente, tudo.
Computadores novinhos em folha vão se ossificar. Apps enfraque-
cem com o uso. Códigos se corroem. Um software que acabou de ser
lançado começa imediatamente a se degenerar. Tudo por conta própria,
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sem precisarmos fazer nada. Quanto mais complexo o equipamento,


mais (e não menos) atenção ele vai demandar. A inclinação natural
para a mudança é inevitável, mesmo para as entidades mais abstratas
que conhecemos: os bits.
E ainda temos o ataque do cenário digital em evolução. Quando
tudo a nosso redor está em processo de atualização, o sistema digital
é pressionado e requer manutenção. Podemos nem querer fazer o tal
upgrade, mas acabamos forçados a isso, uma vez que todo mundo está
fazendo. É uma verdadeira corrida armamentista do upgrade.
Eu costumava atualizar meus equipamentos a contragosto (para
que fazer se ainda está funcionando bem?) e no último momento
possível. Você sabe como é: basta atualizar isto e, de repente, você
se dá conta de que precisa atualizar também aquilo, o que dispara
a necessidade de upgrades por toda parte. Passava anos adiando a
tarefa, porque já tive experiências com um “minúsculo” upgrade de
uma pequena parte do sistema desestabilizando toda a minha vida no
trabalho. Entretanto, à medida que nossa tecnologia pessoal fica cada
vez mais complexa, mais codependente de periféricos, mais parecida
com um ecossistema vivo, a decisão de adiar acaba criando ainda mais
problemas. Se você deixa de fazer os pequenos upgrades, a mudança
se acumula até um ponto em que, quando finalmente decidir fazer
a grande atualização, a coisa atinge proporções traumáticas. Diante
disso, hoje vejo os upgrades como uma espécie de higiene: nós os
fazemos regularmente para manter nossa tecnologia saudável. Por
se mostrarem tão cruciais para os sistemas tecnológicos, as atualiza-
ções contínuas hoje em dia são automáticas nos principais sistemas
operacionais de computadores e alguns aplicativos. As máquinas se
atualizam nos bastidores, lentamente mudando suas características
com o tempo. Isso acontece de maneira gradual, de modo que não
percebemos o que eles estão “se tornando”.
Encaramos essa evolução como algo normal.
A vida tecnológica no futuro será uma série interminável de up-
grades. E a velocidade dessas progressões graduais vem aumentando.
Funcionalidades mudam, padrões desaparecem, menus se transfor-
mam. Eu abro um programa que não uso todo dia esperando ver certas
opções e descubro que menus inteiros desapareceram.

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