Você está na página 1de 14

A interdisciplinaridade do método exegético bíblico

Cremildo Anacleto da Silva


Professor da Universidade Metodista de Porto Alegre. E-mail: cremildo_anacleto@uol.com.br

Resumo

O artigo tem como objetivo mostrar a interdisciplinaridade existente no método exegético


bíblico. Os vários campos do conhecimento como História, Sociologia, Teologia, Linguística
e outros, se combinam no método exegético dando um caráter interdisciplinar e ao mesmo
tempo garantindo a existência dessa ferramenta de análise bíblica, uma vez que, somente
fazendo uso de apenas uma das áreas ficaria difícil o aprofundamento da pesquisa.

Palavras-chave: Método exegético bíblico. Interdisciplinaridade.

The interdisciplinary method of biblical exegetic

Abstract

The article aims to show the interdisciplinary method exegetic in the Bible. The various fields
of knowledge such as History, Sociology, Theology, Linguistics and others are combined in
the method exegetic giving an interdisciplinary character, while ensuring the existence of
biblical analysis tool, since only making use of only one of the areas would difficult to further
research.

Keywords: Method exegetic in the Bible. Interdisciplinary.

INTRODUÇÃO

A nossa intenção é mostrar como a interdisciplinaridade contribui para a compreensão e


análise dos textos bíblicos. Para demonstrar isso, procuraremos observar que na aplicação do
método exegético histórico crítico e do método sociológico, o processo da
interdisciplinaridade já se encontra presente na aplicação destes métodos.

A relevância destes métodos, no estudo da Bíblia, reside no fato de não estarmos


contribuindo para uma leitura, conservadora, fundamentalista (MENDONÇA, 1990, p. 139-
140).1 O fundamentalismo se tornou conhecido, quando, por volta de 1910-1915, produziu

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 6
uma série de textos e os distribuiu, principalmente nos Estados Unidos, sob o título de The
Fundamentals: a testimony to the thruth. “O termo fundamentalista apareceu primeiro em
1920 para descrever aqueles que subscreveram os “fundamentos” da fé cristã, especialmente
as doutrinas promulgadas em 12 volumes intituladas como “Os Fundamentos.” (COOGAN;
METZGERR, 1993, p. 236). De acordo com esse movimento, esses textos continham

[...] as doutrinas fundamentais sobre as quais a fé tradicional não deveria


permitir dúvidas, são elas: a total inspiração da Escritura como palavra de
Deus, a divindade de Cristo; sua concepção virginal, seus milagres; sua
morte expiadora; sua ressurreição do corpo e sua volta futura; a realidade do
pecado e da salvação por fé; o poder da oração e o dever da evangelização.
(LATOURELLE; FISCHELA, 1994, p. 331).

Há quem resuma estes pontos em apenas cinco:

1. a infabilidade total e inspiração verbal da Bíblia; 2. o nascimento virginal e a divindade de


Jesus; 3. a expiação substutória; 4. a ressurreição física e a volta corpórea de Jesus; 5. a
historicidade dos milagres (COOGAN; METZGERR, 1993, p. 236; DA SILVA, 1989, p. 3).

A leitura feita pelo fundamentalismo entende que a Bíblia é intérprete de si mesma,


sendo assim, não é possível haver contradição no texto bíblico. Aquilo que parece ser
contraditório pode ser explicado por outro texto. No entanto, mesmo os fundamentalistas
também fazem uso de outras ciências com a finalidade de comprovar a “inerrância bíblica.”
Isso pode ser observado no uso freqüente da Arqueologia e mais precisamente no livro de
Werner Keller (1978), ... E a Bíblia Tinha Razão. Esta é uma obra um tanto contraditória
porque ao mesmo tempo que traz contribuições sérias também busca desvendar os mistérios
do dilúvio, torre de babel etc. Dizemos isso porque essas histórias não devem ser entendidas
como fatos, mas como histórias que foram formuladas a partir de um gênero literário [mito].
Por isso, não há como recuperar evidências históricas. Para essa linha conservadora, ciência e
Bíblia devem entrar em acordo e nunca em conflito.

A interdisciplinaridade se torna importante também porque assim descobrimos os


limites do nosso conhecimento e ao mesmo tempo buscamos uma unidade do saber; além do
mais nos ajuda a fugir do dogmatismo próprio de cada ciência. O contato com outras ciências
cria um processo de conscientização, na medida em que mantemos um contato com outras
formas de interpretar a realidade. Mas, antes de entrarmos no assunto, propriamente dito, é
necessário que saibamos o que significa interdisciplinaridade.

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 7
INTERDISCIPLINARIDADE E O DIÁLOGO COM A BÍBLIA

O conceito ainda não está muito claro, chegando até mesmo a se confundir com outros
termos como multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade. Poderíamos dizer que
interdisciplinaridade é o diálogo entre as várias ciências com a finalidade de melhor conhecer
um outro objeto de estudo. No nosso caso, o objeto de estudo, o texto bíblico, precisa ser
compreendido da maneira mais ampla possível.

Os métodos exegéticos mais usados são o histórico crítico e sociológico. Mas isso não
quer dizer que esses são os únicos métodos. O método é apenas um caminho para se chegar a
um resultado. Na análise dos métodos propostos (histórico crítico e sociológico),
verificaremos que o próprio método já contém em si várias divisões que fazem uso de outros
campos de conhecimentos. O método é um conjunto de técnicas. Portanto, a
interdisciplinaridade já existe no próprio método exegético que utilizamos. Ao traduzirmos
texto bíblico, a análise de uma simples palavra pode envolver conhecimento semântico,
conhecimento filológico e de forma mais ampla, na parte hermenêutica, a contribuição da
História e da Sociologia se tornam indispensáveis. Portanto, no primeiro passo exegético
[crítica textual] já é possível percebermos a importância da interdisciplinaridade, porque os
métodos exegéticos “[...] são conjuntos de ferramentas para compreender um texto com a
maior quantidade possível de elementos: o texto como uma unidade, a história desse texto,
sua origem e sua formação, sua forma, sua linguagem, suas idéias e conceitos, sua
mensagem.” (KRÜGER; CROATTO, 1996, p. 11).

Desta forma, percebemos que a especialização prejudica a visão ampla. A


especialização nos leva a conhecer só em parte e por isso o conhecimento fica inacabado. Mas
se o objeto de estudo se subdivide em várias partes ou em diversas áreas, sendo possível
analisá-lo sob diversos enfoques, então superaremos essa visão restrita, pois nenhuma fonte
de conhecimento é completa em si mesma.

A pesquisa interdisciplinar requer, na verdade, um grupo de pessoas que abordarão


determinado tema a partir de várias áreas (Sociologia, História, Psicologia, Teologia, etc.) e
que se juntam para compartilhar suas descobertas. Essa é a nossa primeira impressão, no
entanto, esse tipo de análise não se encaixa no conceito de interdisciplinaridade e sim no de

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 8
pluridisciplinaridade. Portanto, pluridisciplinaridade seria a análise de um tema aplicando à
metodologia de cada ciência.

No nosso caso, se quisermos aplicar o método interdisciplinar de fato, não poderemos


abordar sozinho ou isolado qualquer que seja o tema, porque para isso teríamos de conhecer
várias áreas e seus métodos de análises. Sendo assim, o que é possível fazer é: mostrar como
pode haver uma integração interdisciplinar na abordagem do texto bíblico, mas de nenhuma
maneira será possível uma integração de métodos, ou melhor, será difícil para um só
pesquisador dominar todos os métodos presente nas diversas ciências, pois, só “[...] quando há
uma integração dos métodos, temos o direito de falar de pesquisa interdisciplinar
propriamente dita.” (JAPIASSU, 1976, p. 121).

Na verdade, na maioria das vezes, temos apenas o assunto, o objeto de estudo, mas não
estamos inseridos num grupo de estudo e pesquisa, por isso, só apontaremos aspectos que
poderão ser abordados e aprofundados por outras ciências, sendo assim, geralmente usamos o
conhecimentos de outras áreas de forma muito superficial. De acordo com Hilton Japiassu
(1976, p. 125-134), para que o método interdisciplinar seja realmente aplicado é necessário
seguirmos alguns passos: 1. constituição de uma equipe de trabalho; 2. estabelecimento de
conceitos-chaves; 3. estabelecimento da problemática da pesquisa; 4. repartição das tarefas; 5.
colocar em comum todos os dados ou resultados parciais coletados pelos diferentes
especialistas. Se esses procedimentos não forem tomados, não teremos uma pesquisa
interdiciplinar, porque um pesquisador não terá a pretensão nem se aventurará em atuar em
todas as áreas.

O espírito interdisciplinar consiste exatamente em estar aberto para acolher o que as


outras disciplinas podem trazer para enriquecer a área de cada um. Esta é uma maneira de
aplicar o método interdisciplinar de forma mais ampla e diríamos, a partir de grupos de
estudos específicos, no entanto, é possível também aplicarmos o método apenas com o
conhecimento que temos de outras áreas, mesmo que de forma superficial. Nesse sentido, não
teríamos um diálogo entre os métodos e sim o uso de conhecimentos genéricos a respeito de
várias áreas, ou seja, dominamos alguns conceitos básicos e com esses conceitos podemos
realizar um diálogo com algumas disciplinas. Isto é o que geralmente fazemos.

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 9
INTERDISCIPLINARIDADE E O MÉTODO HISTÓRICO CRÍTICO

Como já foi dito, a análise dos textos bíblicos hoje, reconhece o método histórico crítico
e sociológico, como os instrumentos mais usados para se aprofundar na interpretação bíblica.

Talvez, fique mais fácil de entender a importância da interdisciplinaridade no método


exegético se dissermos o que este vem a ser. O método de análise chamado histórico- crítico
tem esse nome porque parte sempre do texto bíblico e segue as exigências da historiografia,
ou seja, procura descobrir a história da formação do texto e na identificação do sentido. A
reconstrução do contexto histórico não foi suficiente para responder todas as questões, mas
naquele momento, foi um passo decisivo para impulsionar o estudo científico dos textos
bíblicos, no entanto, a história continuava sendo a história dos vencedores, das figuras
importantes, dos homens, dos poderosos. O método sociológico pretende consertar essa visão,
na medida em que assume uma leitura a partir do pobre.

Na verdade, o método é composto de vários instrumentos que juntos fornecem não só


uma melhor compreensão, mas, também, uma compreensão mais ampla. Portanto, o método
histórico crítico, já é uma tentativa de aplicar, no estudo do texto, a interdisciplinaridade, pois
entende o texto bíblico como sendo documento histórico.

A pesquisa histórico crítica é, pois, uma tentativa de adaptar a hermenêutica


bíblica aos moldes científicos da época [...] Tal análise histórica só é
possível, se for crítica, ou seja, se partir para uma avaliação dos livros
bíblicos sem premissas dogmáticas que condicionem as conclusões.
(VOLKMANN, 1992, p. 32).

O método histórico crítico espelha as mudanças no pensamento filosófico e científico da


época (final do século XVIII), isto é, a visão de mundo deixa de ser determinada pela Igreja,
pela sua tradição, sua ortodoxia, por um pequeno grupo, passando a ser orientado agora pela
razão, pela autonomia do pesquisador. A razão é o critério de avaliação. Ao mesmo tempo, o
próprio método dá mais seriedade ao estudo da Bíblia, pelo fato de se propor analisá-la
cientificamente como conjunto de documentos históricos, tendo como fundamento o
questionamento, a não aceitação de respostas pré-fabricadas e de certezas que, muitas vezes,
estão em contradição com os fatos.

A interdisciplinaridade deste método se apresenta exatamente nas várias etapas que


precisam ser percorridas para o melhor entendimento do texto. Se se aplica apenas uma fase2

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 10
do método histórico crítico não é possível compreender de forma mais ampla o texto. Se
realizarmos só o primeiro passo [crítica textual], reconstruindo o texto que consideramos mais
original, e se pararmos aí, que valor tem isso? Para a compreensão ampla do texto, nenhum.
Pois uma fase está comprometida com a outra. No entanto, há quem faça uso de apenas uma
das fases com o objetivo de descobrir, por exemplo, as tradições que estão por trás de
determinados assuntos. É o caso de DODD (1986); ele estuda as tradições que deram origem
ao querígma da Igreja e para isso ele aplica o método redacional.

Vejamos: o primeiro passo do método é a crítica textual que se preocupará em


reconstruir o texto a partir de várias cópias existentes e de inúmeras variantes. O estudo da
Filologia [estudo dos idiomas] é fundamental nessa etapa. Toda análise de um texto bíblico,
de forma mais profunda, deve passar necessariamente pela tradução. As traduções muitas
vezes não refletem a diversidade de sentidos de algumas palavras, além do que muitas dessas
traduções estão comprometidas com seus pensamentos teológicos e isso tem conseqüências na
hora em o pesquisador decide qual palavra melhor traduz determinadas expressões. Por isso, o
conhecimento da língua, principalmente grego e hebraico, consequentemente o conhecimento
gramatical, a análise semântica e de forma mais ampla a análise do discurso, dará mais
fundamentação para a etapa seguinte.

Na análise do discurso, o pesquisador se preocupará com a colocação, o sentido de uma


palavra, o lugar a partir do qual o discurso foi elaborado bem como os papéis que cada
personagem desempenha nesse discurso, a condição de produção do discurso, a ideologia, as
condições de recepção, o contexto sócio-econômico-político, a intencionalidade, etc. Por isso,
esse conhecimento é de fundamental importância para a interpretação do texto.

Mas, mesmo na área da Linguística3, já existem subdivisões que permitem um diálogo


interdisciplinar, uma vez que na análise do discurso pode haver interesses variados
proporcionando assim uma aproximação com a História, Psicologia, etc. “A análise do
discurso nasceu tendo como base a interdisciplinaridade, pois ela era preocupação não só de
linguistas como de historiadores e de alguns psicólogos.” (BRANDÃO, 2001, p. 17). Num
trabalho interdisciplinar, na divisão de tarefas para dar início à pesquisa, o conhecimento do
pesquisador que trabalha com esta área literária, área da Linguística, não deveria faltar.

Para termos uma idéia da importância da linguística, no estudo do texto, basta


analisarmos a obra de Wilhelm Egger (1994) em que propõe juntar ao método histórico crítico

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 11
a outros setores da ciência Linguística como método estruturalista [busca o sentido do texto
no próprio texto, porque o texto é entendido como um complexo de relações], Semântica
[ciência que estuda os significados dos signos e suas combinações] e Pragmática [estuda a
função do texto, ou seja, com que objetivo foi escrito tal texto]. “O texto é considerado antes
de tudo sob o aspecto sincrônico, como uma estrutura [quantidade ordenada de elementos] e
como parte de uma complexa situação de comunicação, de ação e de vida.” (EGGER, 1994).

O segundo passo desse método é a crítica literária. A crítica literária investiga a


delimitação do texto, observa se é um único texto ou é composto de várias unidades. Se tem
várias unidades, onde termina e onde começa? Verifica se o texto foi formado a partir de
outro, se tem dependência literária, preocupa-se com a utilização, na formação do texto, de
fontes escritas ou orais.

O terceiro passo é a crítica das formas, “[...] começa sua problemática perguntado
pelas formas literárias e pré-literárias em sua evolução histórica.” (ZILMMERMANN, 1969,
p. 132). Além disso, procura determinar o gênero literário e a forma que está sendo usado.
Parte-se do pressuposto de que os escritos bíblicos contém vários gêneros literários e por trás
desses gêneros há comunidades específicas que também possuem histórias específicas. Estes
são os três pilares básicos que constituem fundamentalmente o método histórico crítico.

Cremos que este deve ter sido o ponta-pé inicial para uma comunicação e nova
interpretação dos textos bíblicos em diálogo com outras ciências. Antes disso, os textos
bíblicos estavam amparados, protegidos pelo dogma e pela interpretação da própria Igreja
Católica e depois Protestantes. Portanto, qualquer interpretação que viesse pôr em dúvida as
verdades da Igreja seria rechaçada. O método histórico crítico rompe com essa tradição.

A INTERDISCIPLINARIDADE E O MÉTODO SOCIOLÓGICO

Não é nosso objetivo explicar o método sociológico,4 mas apenas mostrar aspectos
desse método e constatar em que momento a interdisciplinaridade é ser utilizada e como as
várias ciências se complementam no estudo do texto bíblico.

O método sociológico é também conhecido como leitura dos quatro lados, porque tem
como suporte fundamental de análise os aspectos: 1. econômico, 2. político, 3. social e 4.

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 12
ideológico. Esse método, como o anterior, procura em outras ciências a cooperação na análise
dos textos bíblicos. Sociologia e História são fundamentais para o desenvolvimento do
conhecimento e interpretação bíblica.

Os dois métodos [histórico crítico e sociológico] se complementam e se aprofundam


cada vez mais na interpretação porque, também, a cada passo, outras ciências vão se juntando
na análise dos textos. Porém, assim como no método anterior, o teólogo não domina todas as
ciências e seus métodos (História, Economia, Sociologia, etc.) por isso, a aplicação do método
e o aprofundamento na interpretação do texto será muitas vezes superficial. O ideal seria, se
quiséssemos aplicar o método interdisciplinar definido por Japiassu (1976) que, aspectos do
texto ligado a cada ciência fosse analisado por cada área e, só então, de posse desses
resultados, teríamos uma análise mais completa. Mas isso não invalida o método sociológico,
pelo contrário, indica que estamos no caminho certo. O diálogo com outras ciências seja qual
for a área é sempre bem indicado. Além disso, o método sociológico também faz uso de
outras leituras ou hermenêuticas do ponto de vista negra, índia, feminista, etc. Como vemos,
ao mesmo tempo em que o método é enriquecido com as várias contribuições também vai se
tornando cada vez mais complexo, fugindo, portanto, do domínio de uma pessoa só.

Quando, o método sociológico analisa os aspectos econômicos, pergunta pela produção,


sua comercialização, divisão do trabalho, os meios de produção, a distribuição de renda,
consumo da produção. Na área das relações sociais, a preocupação é pelas relações de classes,
grupos e como eles se apresentam. Já na política, o método indaga pelo poder, as instituições,
como o poder é exercido. E, finalmente, no aspecto ideológico, pergunta-se pela legitimação
dos valores, das instituições, das classes, da religião, ou seja, que argumentos os grupos usam
para legitimar seu poder, seu grupo, sua posição.

Importante, também, é saber a partir de quem a história está sendo contada. Quando
analisamos sociologicamente um texto não estamos aplicando um método específico de cada
área, ou seja, quando analisamos a economia não estamos aplicando os métodos da economia
para extrair o máximo possível desse texto. Na verdade, trabalhamos com informações gerais
que estão presentes na maioria dos livros de história quando descreve a situação social ou
características daquele período ou sociedade.

A interdisciplinaridade, no método sociológico, se torna visível não por causa dos


quatros aspectos, mas também por causa da forte presença histórica e até mesmo filosófica. O

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 13
método usa expressões como: classes sociais, modo de produção, ideologia, estrutura de
dominação. Além do mais, está preocupado com os conflitos que ocorrem no interior do texto,
por isso será relevante descobrir a partir de onde o texto foi produzido. Será importante
estudar o mundo contemporâneo do Antigo e Novo Testamento. Assim, percebemos o quanto
é importante o conhecimento da História, da Sociologia e mesmo da Filosofia. Como
dissemos, a história bíblica se desenvolve em contextos específicos como: o Oriente, e, mais
especificamente, o contexto das grandes dominações, como a Babilônica, a cultura grega, a
romana, etc. Portanto, investigar a história e a literatura antiga é uma obrigação. Nesse
sentido, os métodos empregados para análise dos textos bíblicos são os mesmos que se
aplicam à outros textos antigos.

INTERDISCIPLINARIDADE: INTEGRAÇÃO DE MÉTODOS OU DOMÍNIO DE


CONCEITOS?

Temos duas maneiras diferentes de aplicar a interdisciplinaridade. Há quem entenda que


só é possível falar de interdisciplinaridade, se houver integração de métodos e há quem ache
que para haver interdisciplinaridade o domínio de conceitos básicos ou fundamentais de
algumas ciências ou disciplinas aponta para uma integração interdisciplinar. Concordamos
com a professora Evani Catarina Arantes Fazenda (1992) ao caracterizar a
interdisciplinaridade

[...] pela intensidade das trocas entre os especialistas e pela integração das
disciplinas num mesmo projeto de pesquisa. Em termos de
interdisciplinaridade ter-se-ia uma relação de reciprocidade, de mutualidade,
ou melhor dizendo, um regime de co-propriedade, de interação, que irá
possibilitar o diálogo entre os interessados [...]. A interdisciplinaridade
depende então, basicamente, de uma mudança de atitude perante o problema
do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária pela
unitária do ser humano. (FAZENDA, 1992, p. 31).

O uso de métodos implica em uma opção. Não há neutralidade no estudo científico. O


método sociológico também não acredita na neutralidade científica, por isso faz uma opção de
leitura a partir do oprimido, do pobre ou das classes sociologicamente inferiorizadas. Nesse
sentido, o método já faz uma delimitação de conceitos na medida em que também “[...] faz
uso de categorias e conceitos do materialismo histórico [...].” (WEGNER, 1993, p. 26)
especialmente conceitos marxistas. A intenção do método não é interpretar o mundo mas

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 14
transformá-lo. Portanto, o método sociológico delimita alguns conceitos e a partir daí a
pesquisa se desenvolve. É natural que isso aconteça porque se não fosse assim não haveria
como avançar na pesquisa já que os conceitos variam muito.

Entendemos que é possível termos interdisciplinaridade das duas formas: através da


integração de métodos, como propõe Japiassu (1976), e através do domínio de conceitos
básicos. Aliás, um dos passos da metodologia proposta por Japiassu (1976) é exatamente o
estabelecimento de conceitos chaves. Uma vez que fique claro com quais conceitos estamos
trabalhando, é possível a interdisciplinaridade. Nadir Domingues Mendonça (1994) propõe
essa metodologia no estudo de história. Logicamente, muitas outras possíveis definições
ficam de fora, mas, se isso não for feito, é impossível qualquer tipo de pesquisa.

O estudo dos textos bíblicos se torna complicado porque não existe uma metodologia
especificamente bíblica. “A exegese é uma disciplina teológica, não pelo seu método, mas
pelo seu objeto.” (STENGER, 1990, p. 14). Cada parte do método exegético se constitui numa
ciência independente, mas ao mesmo tempo interrelacionada, pois, isoladas não conseguem
explicar o texto de forma completa. Portanto, quando fazemos exegese aplicamos métodos.

A crítica textual, por exemplo, é um método que não se aplica só na exegese


bíblica. Todas as ciências que se dedicam ao estudo da literatura se acham
ante o problema de achar o texto original autêntico, e por isso estão
familiarizadas com o conceito da crítica textual. Ademais, quando em nossas
reflexões sobre o problema da tradução utilizamos os conceitos de sintaxes,
semântica e pragmática, essas expressões estão tomadas da terminologia
especializada da lingüística e da filologia. (STENGER, 1990, p. 47).

CONCLUSÃO

Interdisciplinaridade é um tipo de “globalização do conhecimento”; é integração de


métodos e é também conhecimento variado de outras áreas que possam dar maior suporte e
aprofundamento à nossa área de conhecimento. Isso significa que é necessário sairmos do
nosso mundo especializado e abrir-nos para a contribuição de outras ciências. Fazendo isso,
não só a nossa visão de mundo é ampliada como também nossa capacidade crítica. O uso,
principalmente, de ciências como Arqueologia, Sociologia, Filosofia, História e Filologia não
podem ser dispensadas na análise dos textos bíblicos, e elas, inclusive, já se encontram
presentes nos métodos histórico crítico e sociológico. Os métodos exegéticos, histórico crítico
e sociológico, já são, por natureza, interdisciplinares, tanto em nível de domínio de conceitos
quanto de integração de métodos, pois um não invalida o outro.

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 15
Interdisciplinaridade pode se dar tanto na integração de métodos quanto no domínio de
alguns conceitos básicos de outras ciências. “Talvez fosse mais adequado dizer que as
ciências têm algum tipo de relação umas com as outras, por força de recortes que, ao longo
dos tempos, são feitos sobre a realidade física e social, no sentido de melhor conhecer o todo e
mesmo as partes.” (BOCHNIAK, 1998, p. 37).

O conhecimento fragmentado da realidade decorre de uma visão “cientificista” de tudo


que ocorre, isto é, tudo deve passar pelo crivo da objetividade, quantificação, neutralidade,
regularidade, previsibilidade, universalidade e fragmentação. Essas são em termos gerais as
normas que identificam uma ciência. É dessa idéia de fragmentação, ou seja, de dividir em
partes para constituir o todo que surge a necessidade da especialização. Acontece que a
especialização não deu conta de juntar as partes para formar o todo, ficando, portanto, cada
especialista trabalhando de forma isolada. Esse procedimento tem início com René Descartes
que já recomendava ao cientista dividir cada uma das dificuldades, que examinasse em tantas
parcelas quantas possíveis e que ordenasse os seus pensamentos, começando pelos mais
simples e mais fáceis até os mais complexos.

A professora Regina Bochniak na palestra proferida no Sindicato dos Estabelecimentos


de Ensino no Estado do Paraná (SINEP), resume bem tudo o que falamos sobre
interdisciplinaridade ao se referir à interdisciplinaridade como meio para superação dessa
fragmentação do conhecimento que ela chama de individualismo.

A interdisciplinaridade, portanto, se apresenta na sociedade atual como uma


proposta de procedimento que busca levar os homens, através do trabalho
em parceria, a dividirem suas dúvidas, suas angústias, suas descobertas, em
benefício de um todo. A exigência interdisciplinar impõe a cada especialista
que transcenda sua própria especialidade, tomando consciência de seus
próprios limites, para acolher as contribuições das outras disciplinas.
(BOCHNIAK, 1998, p. 37).

Trabalhar interdisciplinarmente é uma forma de perceber o mundo de maneira diferente.


Afinal, há assuntos que não pertencem à área nenhuma ou não é de domínio específico de
nenhuma disciplina. Por exemplo, a Ecologia pode ser objeto de análise tanto de geógrafos,
como de agrônomos, biólogos, etc. Assim como, outros assuntos como: a fome, a miséria
pode envolver várias áreas e nenhuma pode reivindicar para si como sendo objeto exclusivo
de sua área.

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 16
NOTAS

1
De acordo com o professor Antonio Gouvêa Mendonça em: Introdução ao Prostestantismo
no Brasil, São Paulo: Loyola/IEPGCR, 1990, p. 139-140, o objetivo do fundamentalismo é
preservar as bases da fé cristã contra novas formas de pensamento. Surgiu como reação ao
liberalismo do século XIX. Em relação à Bíblia assume posições radicais: inerrância quanto
aos manuscritos originais, está fora de cogitação qualquer forma de contextualização da
Bíblia, reage ao movimento do Jesus histórico ou qualquer outra afirmação que tenha como
ponto de partida a humanidade de Cristo, Deus está sempre intervindo na história mas
sempre através de atos sobrenaturais.

2
As principais fases do método histórico crítico de acordo com Heinrich Zimmermann. Los
métodos histórico críticos en el Nuevo Testamento. Biblioteca de autores cristianos, Madrid,
1969, são os seguintes: crítica textual, crítica literária, história das formas e história da
redação. Já Severino Croatto e René Krüger, op. cit. p.14, apresentam outra ordem: critica
textual, filologia, crítica literária, crítica e história das formas, crítica e história das tradições,
Crítica, história da redação e análises, exegese ou leitura sociológica.
3
Entendemos que a linguística tem como estudo o conjunto de estruturas fonológicas,
morfológicas e sintáxicas.
4
Para quem deseja conhecer o método sociológico recomendamos os trabalhos de: Uwe
Weger. A leitura bíblica por meio do método sociológico. Mosaicos da Bíblia, São Paulo, n.
12, 1993.

REFERÊNCIAS

ANDERSON, Ana Flora; GORGULHO, Gilberto. A leitura sociológica da Bíblia. Estudos


Bíblicos, v. 2, 1984.

BOCHNIAK, Regina. Questionar o conhecimento: a interdisciplinaridade na escola. São


Paulo: Loyola, 1998.

BRANDÃO, Helena H. Naganine. Introdução à análise do discurso. São Paulo:


UNICAMP, 2001

COOGAN, Michael D.; METZGER, Bruce M. The Oxford Companion to the Bible.
Oxford: Oxford University Press, 1993.

CROATTO, J. Severino; KRÜGER, René. Métodos exegéticos. Buenos Aires: EDUCAB,


1996.

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 17
DA SILVA, César Camargo. A força político-sacralizadora do fundamentalismo EUA
(1880-1930). 1989. f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião)- Instituto Ecumênico
de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Instituto Metodista de Ensino Superior, São
Bernardo do Campo, 1989.

DODD, C.H. Segundo as escrituras, estrutura fundamental do Novo Testamento. São


Paulo: Paulinas, 1986.

EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1994.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no ensino


brasileiro: efetividade ou ideologia? São Paulo: Loyola, 1992. (Coleção realidade
educacional, 4).

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago,


1976.

KELLER, Werner. ...E a Bíblia tinha razão. São Paulo: Círculo do Livro, 1978.

KRÜGER, René; CROATTO, Severino. Métodos exegéticos. Buenos Aires: Publicaciones


EDUCAB, ISEDET. 1996.

LATOURELLE, René; FISCHELLA, Rino. Dicionário de Teologia fundamental,


Petrópolis: Vozes/Santuário, 1994.

LINDERMANN, A.; CONZELMANN, H. Interpreting the New Testament: an


introduction to the principles and methods of N. T. Exegesis. Massachusetts: Hendrickson,
1988.

LUCH, Heloisa. Pedagogia interdisciplina: fundamentos teórico metodológico. Petrópolis:


Vozes, 1994.

MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo:


Loyola/IEPG, 1990.

MENDONÇA, Nadir Domingues. O uso dos conceitos: uma questão de interdisciplinaridade.


Petrópolis: Vozes, 1994.

ROTEIRO para exegese do Novo Testamento. Apostila distribuída no curso de Exegese do


NT da EST. São Leopoldo, 1987.

SILVA, Ailton José da. Leitura sociológica da Bíblia. Estudos Bíblicos, v. 32, 1992.

STENGER, Werner. Los métodos de la exégesis bíblica. Barcelona: Herder, 1990.

VOLKMANN, Martin. Origem do método histórico crítico. São Paulo: CEDI, 1992.
(Leituras da Bíblia, 4).

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 18
VOLKMANN, Martin; DOBBERAHN, Friederich Erich; CÉSAR, Ely Éser Barreto. Método
histórico crítico. São Paulo: CEDI, 1992.

WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia: São Leopoldo:


Sinodal; São Paulo: Paulus, 1998.

WEGNER, Uwe. A leitura bíblica por meio do método sociológico. São Paulo: CEDI,
1993. (Mosaicos da Bíblia, 12).

VVAA. Exegese cristã hoje. Petrópolis: Vozes, 1996.

______. Exégesis: problemas de método y ejercicios de lectura. Buenos Aires: La Aurora,


1978.

ZIMMERMANN, H. Los métodos histórico críticos en el Nuevo Testamento. Madrid:


Biblioteca de autores cristianos, 1969.

Artigo recebido em 04/06/2007 e aceito para publicação em 30/06/2008.

Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 2/3, p. 6-19, maio 2007/dez. 2008 19

Você também pode gostar