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A intervenção penal apenas é legítima se ocorrer como a ultima ratio, a última instância formal de

controle da sociedade. Intervindo na coletividade somente quando necessário, e na medida desta


necessidade, o instituto realiza uma proteção subsidiária, condicionada à gravidade ou importância do
prejuízo efetivamente causado.
A subsidiariedade do Direito Penal exprime-se no "Princípio da Intervenção Mínima". Este ramo do
Direito apenas deve intervir quando os outros ramos estiverem ausentes, falharem ou forem insuficientes
para prevenir ou punir uma conduta ilícita e socialmente reprovável. O Direito Penal deve ser o último
recurso, assim, a proteção que oferece aos bens jurídicos é subsidiária. A intervenção do Direito Penal é
requisitada apenas numa maior necessidade de proteger a coletividade, a pena deve estar reservada ao
momento em que é o único meio de proteger a ordem social dos crimes e possui caráter excepcional. Além
do mais, a sanção estabelecida para cada delito deve ser adequada a ele, na medida da necessidade para a
reprovação e prevenção do crime. Não se admitem o excesso e o desnecessário de punição a um delito, a
aplicação da pena exige sua proporcionalidade com o crime cometido.
O Direito Penal é fragmentário, não existe para proteger a totalidade de bens jurídicos, mas sim
aqueles considerados indispensáveis à vida em sociedade, como o direito à vida, ao patrimônio ou à honra.

1. PRINCIPIO DA RESERVA LEGAL


Como preleciona o Prof. Damásio Evangelista de Jesus: “O Princípio da Legalidade (ou de reserva
legal) tem significado político, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a
garantia fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que
a lei permite. À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade
legítima. Esta é a condição de segurança e liberdade individual. Não haveria, com efeito, segurança ou
liberdade se a lei atingisse, para os punir, condutas lícitas quando praticadas, e se os juízes pudessem punir os
fatos ainda não incriminados pelo legislador”
No Direito penal, o princípio da legalidade se desdobra em outros dois: princípio da anterioridade
da lei penal e princípio da reserva legal. Por anterioridade da lei penal, entende-se que não se pode impor
uma pena a um fato praticado antes da edição desta lei, exceto se for em benefício do réu. Já a reserva legal,
estabelece não existir delito fora da definição da norma escrita.
O princípio nullum crimen nulla poena sine lege é cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988
(art. 5°, XXXIX; c/c o inciso IV do § 4º do art. 60) e fundamento do Direito penal brasileiro, figurando no
art. 1° do Código penal.
Corolários do princípio da legalidade em matéria penal
• Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta, significa a proibição da fundamentação ou do
agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário (costumeiro);
• Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta, significa a proibição da fundamentação ou do
agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem);
• Nullum crimen, nulla poena sine lege certa, significa a proibição da edição de leis penais
indeterminadas ou do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores genéricos, vazios,
imprecisos, dubios. claro que com conceitos legais dentro do proprio meio juridico com quaisquer que seja
as duvidas pendentes serao breviamente respondidas dentro dos preceitos legais.

2. PRINCIPIO DA INTERVENCAO MINIMA


O Direito Penal é extremamente violento, restritivo. Ao impor penas invasivas, afeta os direitos
individuais. A restrição da liberdade física é uma grave suspensão desses direitos. Surge então a idéia da
Intervenção Penal Mínima como uma corrente a ser aplicada.
Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 11) afirma que o princípio da intervenção mínima é aquele que orienta e
limita o poder penal violento do Estado. Para que este último seja aplicado faz-se necessário o esgotamento
de todos os meios extrapenais de controle social existentes. A fragmentariedade e a subsidiariedade são duas
características do Direito Penal que se relacionam com o princípio da intervenção mínima.
Cezar Roberto Bitencourt explica sobre a primeira característica:Nem todas as ações que lesionam bens
jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, como nem todos os bens jurídicos são por ele protegidos. O
Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes,
decorrendo daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos
protegidos pela ordem jurídica (BITENCOURT, 2003, p. 12).Muñoz Conde (apud BITENCOURT, 2003, p.
13) alude que o caráter fragmentário do Direito Penal apresenta-se sob três aspectos: primeiramente defende
o bem jurídico, mas apenas contra ataques de especial gravidade; posteriormente, só tipifica parte das
condutas que outras ramificações do Direito consideram anti-jurídicas; e, por último, deixa sem punir em
princípio, ações que podem ser consideradas meramente imorais como mentira e homossexualidade.
Nilo Batista (2001, p. 85) explica que a subsidiariedade introduz o debate sobre a natureza do Direito Penal
e sua autonomia. A subsidiariedade determina que o Direito Penal deve ser aplicado apenas quando falham
as defesas do bem jurídico predispostas por outros ramos do Direito. Obtendo-se o mesmo resultado através
de um recurso mais suave, torna-se desnecessária a aplicação de um recurso mais grave, que é o Direito
Penal.
Damásio de Jesus (2001, p. 10) dá a mesma explicação para o Princípio da intervenção mínima, entendido
como aquele que procura restringir ou impedir o arbítrio do legislador. Isto para que sejam evitadas a
desnecessária definição de crimes e a conseqüente imposição de penas injustas, desumanas e cruéis. O
Estado só deve intervir por meio do Direito Penal quando os outros ramos do Direito não conseguem
prevenir a conduta ilícita, sendo que a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade.
No mesmo sentido afirma Dotti (2005, p. 35) que o Movimento do Direito Penal Mínimo propõe a restrita
utilização do sistema penal na luta contra os delitos mais graves, sendo que o Estado só deve utilizar a pena
criminal quando no ordenamento positivo não existir meios adequados para prevenir ou reprimir o ilícito.
Ensina Dotti:O princípio da intervenção penal mínima foi recepcionado pela Constituição através da
cláusula geral prevista pelo § 2° do art. 5°: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte” (DOTTI, 2005, p. 36).
De acordo com Dotti (2005, p. 37), há casos em que não é justificável a intervenção penal mesmo que a
lesão seja considerável. Isto quando o ilícito pode ser privado por sanções civis ou administrativas. O
princípio da intervenção mínima visa diminuir o número de normas incriminadoras se vinculando mais ao
legislador, sendo que neste caso é aplicada uma sanção extrapenal.
Explica Alberto Silva Franco:Na própria Constituição Federal, de 1988, o modelo garantístico e o princípio
da intervenção penal mínima, que são, sem dúvida, dados caracterizadores do Estado Democrático de
Direito, não o foram acolhidos em sua inteireza, admitindo nocivas interferências. Como entender que possa
em consonância com o paradigma constitucional uma figura como a do ‘crime hediondo’ (FRANCO apud
ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p. 10).Alberto Silva Franco (apud ZAFFARONI e PIRANGELI,
2004, p. 11) salienta que atualmente no Brasil o discurso de intervenção mínima não encontra nenhum
respaldo na realidade legislativa. Ao contrário de soluções de conflitos sociais ou da aplicação de um
processo abrandador de penas renunciando formalmente ao controle penal, na prática do legislativo
brasileiro vê-se um processo de criminalização com o emprego da via penal, ainda que o caráter punitivo
tenha como fim apenas o simbolismo. Exemplo é a Lei 9.099/95 que parecia caminhar contra a tendência
criminalizadora. Tal lei proporcionou a suspensão condicional do processo e a exigência da representação
em alguns tipos delitivos, além da transação para delitos de pequeno potencial ofensivo. No entanto, na
transação vulnera-se o princípio da culpabilidade na medida em que se deixa de lado o fato do agente ser ou
não responsável pela infração. Pela transação o indivíduo pode receber uma pena restritiva de direito
transformando-se em restritiva de liberdade, caso não cumpra a primeira adequadamente. Estaria, então, se
impondo uma pena sem o devido processo penal e à margem do princípio da culpabilidade sem serem
obedecidas as garantias de um processo justo em um Estado Democrático de Direito . Embora argumente-se
que descongestiona o aparelho judiciário, cria-se a inexistência de uma relação efetiva de equilíbrio entre
acusação, a qual dispõe de um poder real, efetivo, sendo quase um juiz, onde o infrator acaba renunciando à
possibilidade de se defender para não por em risco a aplicação de uma pena maior. O Minimalismo se opõe
às tendências de transação penal, porque ofende a estes princípios fundamentais, afetando os direitos
individuais.

3. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE (CF/88, art. 5°, XXXIX; Código Penal, art. 13, caput)

O princípio em análise ensina que somente a conduta que ingressar na esfera de interesses de outra pessoa
deverá ser criminalizada. Não haverá punição enquanto os efeitos permanecerem na esfera de interesses da
própria pessoa.

Trazendo esse princípio para a prática, tem-se que o mesmo é o fundamento para a não punição das
chamadas condutas desviadas, como a prostituição, a homossexualidade, etc. Aos olhos da modernidade
pode soar absurdo, mas tais condutas foram criminalizadas durante muito tempo em vários rincões da
Europa medieval.

4. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

“O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como
instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de
expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza
subsidiária e fragmentária do direito penal.”
O princípio da insignificância, auxiliado pelo princípio da intervenção mínima, almeja, pois,
desafogar a máquina judiciária, onde processos sem o menor potencial jurídico de importância, ocupam
tempo e despesas processuais, de outros que, por comoverem bem mais a sociedade, deveriam andar mais
celeremente.
CRITICA:Vejamos a crítica dos defensores da inaplicabilidade desse princípio, pensamento de Vani
Bemfica (Da Teoria do Crime, Saraiva, pág. 72):
“O princípio é muito liberal e procura esvaziar o direito penal. E, afinal, não é fácil medir a
valorização do bem, para dar-lhe proteção jurídica. E sua adoção seria perigosa, mormente porque, à medida
que se restringe o conceito de moral, mais fraco se torna o direito penal, que nem sempre deve acompanhar
as mutações da vida social, infelizmente para pior, mas detê-las, quando nocivas”.
Existe uma corrente doutrinária e jurisprudencial que não reconhece a insignificância como
excludente da tipicidade penal. É uma corrente conservadora, que resiste em acatar os novos rumos do
Direito Penal moderno, e vem perdendo prestígio. Seu argumento baseia-se na lei penal não fazer referência
à quantidade de lesão necessária para configurar-se um delito. Não seria possível auferir o que é, realmente,
insignificante, medindo o valor do bem para dar-lhe proteção jurídica. Logo, o princípio seria muito liberal e
esvazia o Direito Penal (12). É uma concepção clássica, ultrapassada, na medida em que considera apenas a
tipicidade formal de uma conduta para qualificá-la de delituosa, além de não enxergar além da prescrição da
norma penal. O Direito deve estar, no entanto, aberto a inovações que aperfeiçoem a sua aplicação.

5. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL


Welzel foi o primeiro penalista a perceber a impossibilidade de se considerar como delituosa uma
conduta aceita ou tolerada pela sociedade, mesmo que se enquadre em uma descrição típica. Logo, se um
comportamento, em determinadas circunstâncias, não recebe juízo de reprovação social, não pode constituir
um crime. Surgiu, então, o Princípio da Adequação Social. Como observa Mir Puig (4), "não se pode
castigar aquilo que a sociedade considera correto".
De acordo com o seu introdutor no Direito Penal, seria um princípio geral de hermenêutica (5). O
tipo penal não pode alcançar condutas lícitas, que se realizam dentro de uma esfera da normalidade social.
Um exemplo de condutas formalmente típicas que, no entanto, tem a tipicidade excluída devido à
Adequação Social, seria a circuncisão, realizada na religião judaica. Outro exemplo seriam as lesões
corporais causadas em partidas de futebol. São ações destituídas de tipicidade material, pois são
coletivamente permitidas. É importante ressaltar que, todavia, a sociedade deve tolerar tais condutas,
portanto, este princípio não abarca ações excessivas, que enquadrem-se fora dos limites da normalidade.

6. PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE
Assim, a gravidade da sanção deverá estar ligada ao grau de culpabilidade, e não em relação a
uma idéia de prevenção (como pretendem as modernas teorias da culpabilidade).
A culpabilidade deve ser vista como fundamento e como limite da própria pena, onde a sanção
imposta ao indivíduo deve guardar adequada proporção à gravidade de sua ação delituosa. Diante deste
pressuposto, estabeleceu-se que responsabilidade penal é subjetiva, ao passo que através dela, o agente, para
sofrer a conseqüência jurídica do delito, imprescindível que concorra para a realização do fato com culpa no
seu sentido lato. O estudo desenvolvido no presente artigo busca fazer uma análise do princípio da
culpabilidade, alicerce base da responsabilização penal e do seus reflexos sobre a fixação da conseqüência
jurídica do delito, inclusive, com a possibilidade da fixação da reprimenda abaixo do mínimo legal.
7. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E HUMANIDADE DAS PENAS
O princípio da humanidade da pena caracteriza-se pela presença tanto uma vertente positiva como
uma vertente negativa.
A vertente negativa caracteriza-se pela presença de proibições que se apresentam nas vedações
constitucionais da pena de morte, de penas perpétuas, indignas ou desumanas. Já a vertente
positiva caracteriza-se pela proteção da dignidade da pessoa humana em especial daquele que se
encontra no cárcere.
O princípio da humanidade da pena encontra aplicação em um dos objetivos da execução penal
que é a ressocialização. A presença de tal princípio no ideal ressocializador se apresenta na
aplicação dos princípios da atenuação ou compensação e no princípio do nihil nocere.
O princípio da atenuação ou compensação caracteriza-se pela impossibilidade da pena privativa
de liberdade resumir-se ao isolamento total do preso, devendo ser proporcionado a este medidas
compensatórias ao encarceramento como forma de estimular a sua efetiva ressocialização.
Já o princípio do nihil nocere compreende a idéia de que os riscos da dessocialização deverão ser
evitados através de um sistema prisional que não contribua para a produção de tais efeitos.

Canotilho afirma que "o princípio da proibição do excesso (ou da proporcionalidade em


sentido amplo)... constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador... no
exercício do seu poder ou liberdade de conformação dos pressupostos das restrições de direitos,
liberdades e garantias, o legislador está vinculado ao princípio material da proibição do excesso"
O princípio da humanidade das penas, na lição de Jescheck, citado por Luís Flávio Gomes,
impõe que "todas as relações humanas que o Direito Penal faz surgir no mais amplo sentido se
regulem sobre a base de uma vinculação recíproca, de uma responsabilidade social frente ao
delinqüente, de uma livre disposição à ajuda e assistência sociais e de uma decidida vontade de
recuperação do condenado... dentro dessas fronteiras, impostas pela natureza de sua missão, todas as
relações humanas reguladas pelo Direito Penal devem estar presididas pelo princípio da humanidade"
O princípio da proporcionalidade da pena, que dispõe que deve ser estabelecida a devida
correspondência entre a classificação do preso e a forma de aplicação da pena a ele cominada.

8. DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES

O doutrinador Guilherme de Souza Nucci ensina que a Política Criminal “trata-se de uma postura
crítica permanente do sistema penal, tanto no campo das normas em abstrato, quando no contexto da
aplicação das leis aos casos concretos, implicando, em suma, na postura do Estado no combate à
criminalidade.”
O Direito é uma ciência em constante evolução. Os conceitos formados hoje, podem não ser os
mesmos amanhã. É essa dinâmica que responde aos fenômenos sociais.
No dia 07 de agosto deste ano, a Lei Ordinária Federal nº 12.015 trouxe inúmeras mudanças no
nosso Código Penal no que tange aos crimes contra a liberdade sexual.
A mídia tantas vezes explicou à sociedade a diferença dos crimes de estupro, de atentado violento ao
pudor, violência presumida, e, quais as ações que cabem em crimes contra a liberdade sexual. Tudo isso está
alterado pela nova lei. É de suma importância se familiarizar com os novos conceitos e traçar uma análise
crítica às mudanças que estamos suportando.
A primeira mudança é apenas formal. Antes da aprovação da Lei nº 12.015, o Título VI possuía a
seguinte denominação: Dos Crimes Contra os Costumes. Após a nova lei o título passou a se chamar: Dos
Crimes Contra a Dignidade Sexual. Mudanças significativas foram trazidas pela nova lei, as quais
passaremos a discorrer.
O antigo artigo 213 do Código Penal trazia a seguinte redação:
“Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.”
Pena: reclusão de 06 a 10 anos
Conforme esta redação o sujeito ativo (quem pratica o crime) era o homem. O sujeito passivo (quem
sofre o crime) era a mulher. Não havia possibilidade alguma de um homem ser estuprado, pois o crime de
estupro traduzia em constranger (forçar, coagir) mulher à conjunção carnal (cópula entre pênis e vagina)
por meio da violência ou grave ameaça. Era necessária a introdução do pênis na vagina, mesmo que
incompleta, para se consumar o crime de estupro.
O conteúdo do artigo 214 do Código Penal estabelecia o crime de atentado violento ao pudor, assim
descrito:
“Constranger alguém, mediante violenta ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele
se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.”
Pena: reclusão de 06 a 10 anos
De acordo com este dispositivo qualquer pessoa era sujeito ativo e passivo do crime de atentado
violento ao pudor. Este crime possuía a conduta de constranger (forçar, coagir) qualquer pessoa a
praticar (conduta comissiva, positiva – fazer) ato libidinoso (qualquer contato que satisfaça o prazer
sexual, como por exemplo, sexo oral, sexo anal, beijo) diverso da conjunção carnal (conduta própria do
estupro).
A mulher podia praticar o crime de atentado violento ao pudor contra homem ou contra outra mulher,
e o homem podia praticar o crime de atentado violento ao pudor contra outro homem ou contra mulher.
Com o advento da Lei nº 12.015/2009, o crime de atentado violento ao pudor deixou de existir. A
nova redação traz a junção do crime de estupro com o atentado violento ao pudor, e, todas as atitudes supra
descritas passam a ser unicamente crime de estupro. A nova redação possui o Código Mexicano como
inspiração. Vejamos a redação mexicana e a nova redação brasileira:
Artículo 265. Al que por medio de la violencia física o moral realice cópula con persona de
cualquier sexo, se le impondrá prisión de ocho a catorce años.
Para los efectos de este artículo, se entiende por cópula, la introducción del miembro viril en el cuerpo
de la víctima por vía vaginal, anal u oral, independientemente de su sexo.
Se considerará también como violación y se sancionará con prisión de ocho a catorce años, al que
introduzca por vía vaginal o anal cualquier elemento o instrumento distinto al miembro viril, por medio de la
violencia física o moral, sea cual fuere el sexo del ofendido
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou
a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior
de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Hoje, se alguém praticar conjunção carnal, sexo oral, sexo anal, beijo lascivo ou qualquer ato que fira
a liberdade sexual de uma pessoa, seja homem ou mulher, estará consumando o crime de estupro.
Vale ressaltar que o artigo 214 do Código Penal foi revogado, porém, não houve o fenômeno de
“abilitio criminis”, ou seja, quando uma lei deixa de considerar crime determinado ato. O ato descrito
anteriormente como atentado violento ao pudor foi incorporado ao crime de estupro, portanto, o que era
proibido ainda continua proibido.
A grande crítica traçada nesta mudança está nas penas. Antes, um homem que praticava o crime de
estupro e de atentado violento ao pudor contra uma mulher poderia ser punido com 12 anos de prisão no
mínimo, pois a pena mínima do crime de estupro era de 06 anos e a do atentado violento ao pudor também
era de 06 anos; somavam-se as penas, pois eram crimes diferentes. Hoje, na mesma situação acima descrita,
o sujeito ativo poderá ter a pena mínima de 06 anos apenas, pois é crime único. Claro que o juiz ao fazer a
dosimetria da pena levará em consideração a gravidade do crime praticado, porém, ocorreu um
abrandamento na aplicação da pena.
Outra sensível mudança é a criação do artigo 217-A, estupro de vulnerável.
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze)
anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que,
por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
No Código Penal havia o artigo 224, presunção de violência. Este artigo previa a violência sexual
quando a vítima era menor de 14 anos, alienada ou débil mental (quando o agente conhecia a circunstância),
ou, quando a vítima não estava incapacitada de oferecer qualquer resistência. O artigo 224 foi revogado, o
que trouxe um desfecho às discussões doutrinárias quanto a sua constitucionalidade, pois afirmavam ser este
artigo incondizente com nosso Estado Democrático de Direito.
O texto legal do novo artigo é mais plausível aos nossos valores democráticos, pois a presunção de violência
possui uma denotação carregada de subjetivismo. O texto do novo artigo 217-A traduz uma conduta positiva
descritiva, tornando o enunciado encorpado de alguns princípios gerais do direito penal, quais sejam,
princípio da legalidade e da anterioridade.
É de suma importância ressaltar que não importa se o menor de 14 anos, pessoa enferma ou
deficiente mental (parágrafo primeiro do novo artigo) consentiram ao realizar o ato, o crime de estupro
vulnerável já está consumado quando se pratica qualquer ato com esses sujeitos passivos.

Para finalizar a primeira parte da discussão sobre as principais mudanças trazidas ao nosso Código
Penal pela Lei nº 12.015, não podemos deixar de abordar a alteração na Lei de Crimes Hediondos.
A Lei de Crimes Hediondos tem a finalidade de elencar os crimes considerados de maior gravidade
social. O individuo que pratica os crimes ditos hediondos possuem menos benefícios, conforme previsão
expressa da Constituição Federal. Assim dispõe o artigo 5º, inciso XLIII:
“A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura,
o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos,
por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
A Lei nº 12.015 alterou os incisos V e VI, do artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos. Antes, o inciso
V tratava do antigo estupro; agora, trata da nova conduta descrita no crime de estupro. Atualmente, o inciso
VI traz o crime de estupro de vulnerável; anteriormente, crime de atentado violento ao pudor.
As mudanças trazidas pelas leis são inevitáveis, pois a nossa sociedade está sempre em
transformação. O que não podemos suportar é a modificação para abrandar as punições, como acima
discorrido. A sensação de impunidade aumenta na mesma proporção que a criminalidade cresce. O direito
deve organizar nosso cotidiano e não torna-lo cada vez mais confuso e vulnerável ao desprezo das pessoas
para com a lei.

1. Atividades Práticas

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