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Dez tendências da tecnologia na educação

• Paula Adamo Idoeta


• Da BBC Brasil em São Paulo

6 dezembro 2014

Crédito, Thinkstock

Legenda da foto,

Tablets ganham espaço e força nas escolas, mas eficiência da tecnologia passa necessariamente
por um bom professor

Se por um lado é impensável ignorar a importância da tecnologia na vida de jovens do


mundo inteiro, por outro o uso dessa tecnologia na sala de aula ainda gera grandes
debates entre educadores e acadêmicos.

Como transformar os investimentos (muitas vezes altos) em tecnologia em ideias que de fato
melhorem o desempenho e aprendizado dos alunos?

O tema foi discutido em São Paulo, em um seminário recente da Fundação Santillana e da


Unesco (braço da ONU para educação e cultura).

Não há consenso sobre o assunto, e muitos estudos ainda não encontraram correlações diretas
entre uso da tecnologia e melhor aprendizado.

Mas observadores acreditam que se internet, tablets, computadores, aplicativos e outras


plataformas forem usadas para estimular a imaginação dos alunos e amparar o trabalho do
professor, com objetivos claros, podem ter impactos positivos não apenas nas notas, mas no
desenvolvimento de habilidades e no engajamento dos estudantes.
"O uso bem-sucedido da tecnologia sempre vai acompanhado de reformas em outros aspectos
– como currículo (escolar), avaliação e desenvolvimento profissional dos docentes", diz o
documento final do evento em São Paulo.

A partir do debate e da opinião de especialistas, a BBC Brasil levantou dez tendências


relacionadas ao uso da tecnologia em sala de aula e experiências de seu uso na prática.

Agregar valor ao trabalho do professor em vez de substituí-


lo
Em vez de recursos tecnológicos que tentem substituir o professor ou que apenas digitalizem
tarefas de memorização (como taboada) – iniciativas de pouco efeito prático e que podem até
atrapalhar o rendimento -, é muito mais produtivo pensar em como a tecnologia pode ajudar o
trabalho do professor.

"Uma das imagens mais caricaturescas difundidas da tecnologia na educação representa um


computador que substitui o docente, oferecendo automaticamente a informação aos estudantes.
Mas isso tem levado a resultados pobres, particularmente quando a ênfase dos currículos já não
está apenas nos conhecimentos, mas também nas competências", diz o documento da Unesco.

"Em vez de pensar 'temos esta tecnologia e este aplicativo, como podemos usá-lo para a
educação', o ideal é refletir ao contrário: perguntar aos docentes que tipo de problemas e
dificuldades eles enfrentam e pensar em como a tecnologia pode ajudá-los", diz Francesc
Pedró, representante da Unesco para educação, à BBC Brasil.

Leia mais: Educação alavanca IDH nas grandes cidades, mas qualidade é questionada

Nesse contexto, o professor deixa de ser apenas transmissor de conhecimento, mas sim um
mediador – orientando alunos com instruções, feedback, contexto, exemplos e perguntas-chave
dentro de cada projeto e identificando qual o dispositivo tecnológico é melhor para cada
momento (mesmo que sejam papel e lápis).

Estudos indicam, também, que não adianta muito usar a tecnologia apenas por usar: projetos
que não tenham objetivos claros e integração com o currículo escolar vão agregar pouco ao
aprendizado.

Melhorar processos, sem precisar mudá-los radicalmente


A tecnologia não precisa necessariamente revolucionar a aula: pode ser usada para ajudar
professores e alunos a trabalhar conteúdos mais abstratos, por exemplo, ou facilitar o
aprendizado.
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Tecnologia pode ajudar alunos a visualizar gráficos matemáticos e experimentos científicos

No ensino de ciências e de exatas é onde estão a maioria das experiências bem-sucedidas de


avançço com a tecnologia, justamente porque fica mais fácil para que alunos visualizem
conceitos, transformar números e equações em gráficos digitais e ver o resultado de seus
experimentos.

Aplicativos como o gratuito Geogebra (www.geogebra.org) também têm ajudado professores


a ensinar geometria no ensino médio.

Um estudo com 125 estudantes das 7ª e 8ª séries na Colômbia concluiu que recursos
tecnológicos nesse tipo de atividade aumentou em 81% a capacidade dos estudantes em
interpretar e utilizar gráficos.

Tablets estão ganhando o espaço de laptops e desktops


Mais barato e portátil, o tablet tende a ganhar espaço.

O tradicional colégio Bandeirantes, em São Paulo, tem um projeto-piloto de uso de tablets


equipados com AppleTV a partir do 6º ano, para substituir as salas de informática (que
drenavam recursos, tanto para a manutenção dos servidores quanto para atualização dos
equipamentos).

O documento da Unesco vê o tablet individual – seja comprado pelos pais ou emprestado pelo
poder público – como uma tendência de médio prazo na educação.
Pedró, da Unesco, afirma que desktops e laptops continuarão sendo úteis para trabalhos escritos
e para equipar alunos carentes que não tenham acesso à tecnologia.

Mas existe uma tendência de governos aproveitarem mais os equipamentos móveis que já são
possuídos pelos próprios estudantes (smartphones e tablets) e focarem seus investimentos em
aplicativos e redes potentes.

Pensar na internet além dos sites de buscas e das redes


sociais
Muitos professores já notaram que tarefas tradicionais muitas vezes são resolvidas pelos alunos
com buscas pouco criteriosas na internet e o velho "CtrlC+CtrlV" (os comandos de computador
de copiar e colar).

"Tudo indica que de nada adianta continuar promovendo um uso da internet sem estrutura e
orientação adequadas, que não evita que a maioria dos estudantes confie na primeira
informação que encontre para sua tarefa, assim como não os ajuda a evitar as distrações da
própria rede", diz o documento da Unesco.

Mas a internet tem muito mais potencial além dos sites de buscas e redes sociais.

Leia mais: Rápidos e gratuitos: os cursos MOOCs vão substituir os MBAs?

Um projeto chamado GLOBE (www.globe.gov), por exemplo, conecta mais de 4 mil escolas
do mundo com cientistas. Nele, os alunos coletam dados ambientais de suas regiões e os enviam
aos especialistas, que ajudam a analisá-los e a sugerir soluções para problemas do meio
ambiente local.

Plataformas como Padlet (http://padlet.com/features), já usado por alunos da rede pública


brasileira, ajudam estudantes e professores a construir projetos online em conjunto.
Experiências em que alunos criam seus próprios websites também estimulam diversas
habilidades e a produção de conteúdo próprio.
Crédito, Reproducao

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Programa GLOBE conecta jovens a cientistas

E, no que diz respeito às buscas tradicionais, cabe às escolas ensinar os alunos a pesquisar com
mais eficiência, filtrar e comparar dados, em meio à crescente imensidão de informações na
internet.

Fazer conexões com o mundo real


Se facilitar a conexão da sala de aula com o mundo exterior, a tecnologia pode ter um papel
crucial no ensino. E há cada vez mais exemplos disso.

Nos EUA, estudantes dos anos finais do ensino fundamental criaram seu próprio anuário
escolar digital e um tour virtual de um museu local, para mostrá-lo aos estudantes mais novos
da mesma escola. O resultado foram alunos mais comprometidos com os estudos.

No Equador, 55 alunos equipados com computadores simularam a abertura de um restaurante


durante as aulas. Usaram softwares como Excel para controlar seus gastos e plataformas para
desenvolver um website do projeto, desenhar panfletos e etc.

Em uma escola da área rural da Colômbia, no ano passado, alunos receberam tablets para
desenvolver um projeto de proteção da bacia hídrica local e analisar amostras de solo. Com a
ajuda de apps educacionais, usaram a oportunidade para aprender os elementos da tabela
periódica.

Leia mais: Você passaria em uma entrevista para estudar na Universidade de Oxford?
Segundo o documento da Unesco, iniciativas assim proporcionam "oportunidades práticas para
exercitar e aplicar competências", nas quais os estudantes "ganham motivação e se envolvem
muito mais no processo de aprendizado".

Estimular criação, cooperação e interação


Estudantes aprendem mais quando usam a tecnologia para criar novos conteúdos por si mesmos
em vez de serem meros receptores, aponta o documento da Unesco.

Nessa área há experiências bem-sucedidas de turmas ou escolas que criam e debatem, em


conjunto, bases de dados sobre determinados assuntos, em plataformas de construção coletiva
como o Knowledge Forum (www.knowledgeforum.org).

Na cidade de Puente Alto, no Chile, alunos do 4º ano do ensino fundamental participaram de


um projeto interdisciplinar de línguas e artes, cujo objetivo era entender e valorizar os povos
nativos. Os alunos pesquisaram em grupo, criaram uma história sobre um dos povos, gravaram
e editaram seu próprio vídeo do projeto.

Avaliações indicam que a compreensão de conteúdos é maior em ambientes assim do que se


fossem usados apenas livros didáticos.

Pensar em novas formas de avaliar os alunos

Crédito, Reproducao Clickideia

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Games (acima, do da Clickideia) podem ajudar alunos ao dialogar com a realidade e a história
locais
Ante novas formas de oferecer e produzir conteúdo, é preciso pensar também em novas formas
de avaliar sua produção, dizem especialistas.

"O melhor é buscar tarefas que estimulem a relação com o conteúdo e a reflexão – dar desafios
maiores a alunos que estão armados de mais tecnologia", diz Pedró.

Ele diz ainda que as escolas não podem esquecer de sua responsabilidade de desenvolver e
avaliar as habilidades digitais dos alunos. "Apesar de usarem seus celulares o dia inteiro, eles
usam para as tarefas que lhes interessam, não necessariamente para o seu desenvolvimento
intelectual. Países como o Chile já fazem avaliações do grau de competência digital dos
estudantes."

Usar games em favor do aprendizado


Se bem usados, videogames podem exigir do aluno análise da situação, concentração e
conhecimentos das matérias estudadas, ao mesmo tempo em que tornam o aprendizado mais
vivencial e divertido.

"Jogos são importantes ao dialogar com a realidade e a história locais", diz à BBC Brasil
Manoel Dantas, diretor-geral da Clickideia, provedora de conteúdo educacional para escolas
públicas e privadas, com sede em Campinas (SP).

A empresa desenvolveu, focando em alunos do Rio Grande do Norte, um jogo interativo que
aborda um massacre ocorrido durante a invasão holandesa no Estado, em 1645.

No Peru, alunos participaram da construção de um jogo em 3D baseado em um episódio da


independência peruana (a rebelião de Cusco, de 1814). Ele foi usado como complemento às
aulas e melhorou o rendimento da turma.

Customização e personalização
Algumas plataformas online permitem que o conteúdo seja personalizado pela região
(atividades ligadas à história e ao costume locais, por exemplo) e até mesmo a cada aluno, de
acordo com seus pontos fortes e fracos.

É o ensino adaptativo, "que desenha um perfil do aluno e identifica a forma como ele melhor
aprende", explica Dantas, do Clickideia.

Outra plataforma que usa o método é o software brasileiro Geekie, que ao interagir com o
estudante, percebe suas aptidões e dificuldades e traça um plano de estudos adaptado a elas.

Planejamento é chave
O uso da tecnologia será mais eficaz se for não aleatório, mas planejado, com objetivos claros
de qual impacto pode ter no ensino.

Em estudo de julho deste ano sobre eficiência da tecnologia na educação, o Banco


Interamericano de Desenvolvimento sugere quatro itens: 1) Focar em objetivos de aprendizado
específicos, que podem ser em áreas básicas, como matemática e idiomas, ou em habilidades,
como pensamento crítico e colaboração; 2) Coordenar componentes-chave: infraestrutura
tecnológica, conteúdo e recursos humanos; 3) Desenvolver uma estratégia de avaliação e
monitoramento do projeto, com as etapas a serem cumpridas e o impacto que ele pretende
gerar; 4) Garantir que a iniciativa não seja isolada, mas parte de um plano sustentável ao longo
do tempo na escola ou na rede de ensino.

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