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Portoghese 15 Maggio - Forti Nella Tribolazione
Portoghese 15 Maggio - Forti Nella Tribolazione
Portoghese 15 Maggio - Forti Nella Tribolazione
Dicastério pera la
para Comunicazione
Comunicação dellaSé
da Santa Santa Sede
FORTI
FORTES
NELLA TRIBOLAZIONE
NA TRIBULAÇÃO
LaAcomunione
comunhão della Chiesa
da Igreja
sostegno
ajuda em nel tempo
tempos de della prova
provação
P aPa F rancesco
DIVERSI E UNITI
A comunhão da Igreja
ajuda em tempos de provação
com-unico
quindi sono
Co n p refa z io n e d el
J u s t i n P. W e l b y
a r c i v e s c o v o d i c a n t e r b u ry
P r i m at e d e l l a c h i e s a a n g l i c a n a
Foto da capa
ISBN 978-88-266-0422-0
www.vatican.va
www.libreriaeditricevaticana.va
Introdução
Andrea Tornielli
6
Orações da Igreja
em tempos difíceis*
A universalidade da intercessão
* Esta parte reúne várias orações e ritos através dos quais a
Igreja, nas suas diferentes tradições, pede ao Pai a graça, a força e o
dom da libertação do mal e das calamidades.
Momento extraordinário de oração
no adro da Basílica de São Pedro1
Santo Pai:
Santo Pai:
Oremos.
Deus todo-poderoso e misericordioso,
olhai para a nossa dolorosa condição:
confortai os vossos filhos e abri o nosso coração à esperança,
para sentirmos no meio de nós
a vossa presença de Pai.
Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus,
e vive e reina convosco, na unidade do Espírito Santo,
por todos os séculos dos séculos.
R. Amém.
1
Publicamos a seguir os textos das súplicas de oração presi-
didas pelo Santo Pai Francisco no adro da basílica de São Pedro pela
libertação do mundo da pandemia de Covid-19. O texto da homilia
proferida durante a celebração encontra-se no final deste volume, no
parágrafo relativo às palavras pronunciadas pelo Papa Francisco em
27 de março de 2020. Assista ao vídeo da celebração: https://www.
youtube.com/watch?v=rtRFLDY_-QY
9
Ladainha de súplica
Nós vos adoramos, Senhor
Verdadeiro Deus e verdadeiro homem, realmente presen-
te neste Santo Sacramento
R. Nós vos adoramos, Senhor
Nosso Salvador, Deus connosco, fiel e rico de misericórdia
R. Nós vos adoramos, Senhor
Rei e Senhor da criação e da história
R. Nós vos adoramos, Senhor
Vencedor do pecado e da morte
R. Nós vos adoramos, Senhor
Amigo do homem, ressuscitado e vivo, à direita do Pai
R. Nós vos adoramos, Senhor
Livrai-nos, Senhor
Consolai-nos, Senhor
Ó Maria,
Tu brilhas sempre no nosso caminho
como sinal de salvação e esperança.
Nós entregamos-nos a ti, Saúde dos Enfermos,
que na Cruz foste associada à dor de Jesus,
mantendo firme a tua fé.
Tu, Salvação do povo romano,
sabes do que precisamos
e temos a certeza de que garantirás,
como em Caná da Galileia,
que a alegria e a celebração possam retornar
após este momento de provação.
Ajuda-nos, Mãe do Divino Amor,
a conformar-nos com a vontade do Pai
e a fazer o que Jesus nos disser.
Ele que tomou sobre si os nossos sofrimentos
e assumiu as nossas dores para nos levar,
através da Cruz, à alegria da Ressurreição.
Amém.
Sub tuum praesidium
Sob a tua proteção buscamos refúgio, Santa Mãe de Deus.
Não desprezes as nossas súplicas, nas necessidades, e li-
vra-nos de todo o perigo, Virgem gloriosa e bendita.
2
Mensagem em vídeo do Papa Francisco por ocasião do dia de
oração e jejum pelo fim da epidemia, em 11 de março de 2020. Assista
ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=3XJibawOH1c
13
Carta do Papa Francisco
a todos os fiéis para o mês de maio de 20203
3
Roma, São João de Latrão, na Festa de São Marcos Evangelis-
ta, 25 de abril de 2020.
14
Orações a Maria
Ó Maria,
Vós sempre resplandeceis sobre o nosso caminho
como um sinal de salvação e de esperança.
Confiamo-nos a Vós, Saúde dos Enfermos,
que permanecestes, junto da cruz, associada ao sofrimen-
to de Jesus,
mantendo firme a vossa fé.
Vós, Salvação do Povo Romano,
sabeis do que precisamos
e temos a certeza de que no-lo providenciareis
para que, como em Caná da Galileia,
possa voltar a alegria e a festa
depois desta provação.
Ajudai-nos, Mãe do Divino Amor,
a conformar-nos com a vontade do Pai
e a fazer aquilo que nos disser Jesus,
que assumiu sobre Si as nossas enfermidades
e carregou as nossas dores
para nos levar, através da cruz,
à alegria da ressurreição. Amém.
À vossa proteção, recorremos, Santa Mãe de Deus;
não desprezeis as nossas súplicas na hora da prova
mas livrai-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita.
15
« À vossa proteção, recorremos, Santa Mãe de Deus ».
Na dramática situação atual, carregada de sofrimen-
tos e angústias que oprimem o mundo inteiro, recorremos
a Vós, Mãe de Deus e nossa Mãe, refugiando-nos sob a
vossa proteção.
Ó Virgem Maria, volvei para nós os vossos olhos
misericordiosos nesta pandemia do coronavírus e
confortai a quantos se sentem perdidos e choram pelos seus
familiares mortos e, por vezes, sepultados duma maneira
que fere a alma. Sustentai aqueles que estão angustiados
por pessoas enfermas de quem não se podem aproximar,
para impedir o contágio. Infundi confiança em quem vive
ansioso com o futuro incerto e as consequências sobre a
economia e o trabalho.
Mãe de Deus e nossa Mãe, alcançai-nos de Deus, Pai
de misericórdia, que esta dura prova termine e volte um
horizonte de esperança e paz. Como em Caná, intervinde
junto do vosso Divino Filho, pedindo-Lhe que conforte as
famílias dos doentes e das vítimas e abra o seu coração à
confiança.
Protegei os médicos, os enfermeiros, os agentes de
saúde, os voluntários que, neste período de emergência,
estão na vanguarda arriscando a própria vida para salvar
outras vidas. Acompanhai a sua fadiga heroica e dai-lhes
força, bondade e saúde.
Permanecei junto daqueles que assistem noite e dia
os doentes, e dos sacerdotes que procuram ajudar e apoiar
a todos, com solicitude pastoral e dedicação evangélica.
Virgem Santa, iluminai as mentes dos homens e mu-
lheres de ciência, a fim de encontrarem as soluções justas
para vencer este vírus.
16
Assisti os Responsáveis das nações, para que atuem
com sabedoria, solicitude e generosidade, socorrendo
aqueles que não têm o necessário para viver, programan-
do soluções sociais e económicas com clarividência e espí-
rito de solidariedade.
Maria Santíssima tocai as consciências para que as
somas enormes usadas para aumentar e aperfeiçoar os ar-
mamentos sejam, antes, destinadas a promover estudos
adequados para prevenir catástrofes do género no futuro.
Mãe amadíssima, fazei crescer no mundo o sentido
de pertença a uma única grande família, na certeza do vín-
culo que une a todos, para acudirmos, com espírito frater-
no e solidário, a tanta pobreza e inúmeras situações de mi-
séria. Encorajai a firmeza na fé, a perseverança no serviço,
a constância na oração.
Ó Maria, Consoladora dos aflitos, abraçai todos os
vossos filhos atribulados e alcançai-nos a graça que Deus
intervenha com a sua mão omnipotente para nos libertar
desta terrível epidemia, de modo que a vida possa retomar
com serenidade o seu curso normal.
Confiamo-nos a Vós, que resplandeceis sobre o nos-
so caminho como sinal de salvação e de esperança, ó cle-
mente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria. Amém.
17
Preces de bênção4
dizendo:
Deus, fonte de todos os bens,
esteja convosco.
ou outras palavras apropriadas, de preferência tomadas da Sagrada
Escritura.
Todos respondem:
4
Estes formulários foram tirados do Benedizionale (“Ritual de
bênçãos”), da Conferência Episcopal Portuguesa, que reúne orações e
ritos de bênção para as diferentes circunstâncias da vida. Publicamos
aqui alguns extratos da Bênçãos para outras circunstâncias diversas
(cf. Celebração das bênçãos, nn. 1244-1271) e em seguida da Bênção
dos enfermos (cf. Celebração das bênçãos, nn. 290-312). Para o rito com-
pleto, cf. Conferência Episcopal Portuguesa (editado por), Celebração
das bênçãos. Estes ritos de bênção podem ser usados pelo sacerdote e
pelo diácono, mas até por um leigo, por exemplo em família, com os
gestos e as fórmulas indicadas.
18
Bendito seja Deus, que nos reuniu no amor de Cristo.
ou de outro modo apropriado.
Se o ministro é leigo, saúda os presentes, dizendo:
Irmãos, bendigamos a Deus, fonte de todos os bens.
Todos respondem:
Amém.
Então o ministro prepara os presentes para receberem a bênção,
dizendo estas palavras ou outras semelhantes:
Tudo o que Deus criou e sustenta, todos os acontecimen-
tos que Ele dirige com a sua providência, assim como to-
das as obras dos homens que sejam boas em si e induzam
ao bem, são motivos para que os fi éis bendigam a Deus,
fonte e origem de todos os bens. Nesta celebração mani-
festamos a nossa fé, segundo a qual acreditamos que tudo
concorre para o bem daqueles que temem e amam a Deus,
bem como a nossa convicção de que sempre e em todas
as situações devemos procurar o auxílio divino, para que,
seguindo a vontade do nosso Pai que está nos Céus, tudo
façamos em Cristo para glória de Deus.
O leitor ou um dos presentes ou o próprio ministro lê um texto
da Sagrada Escritura.
Col 1, 9b-14: « Realizando toda a espécie de boas obras »
Escutai, irmãos, as palavras do apóstolo São Paulo aos Co-
lossenses Não cessamos de orar por vós e de pedir que
procureis conhe cer plenamente a vontade de Deus, com
toda a sabedoria e inte ligência espiritual, para viverdes
de maneira digna do Senhor, agradando-Lhe em tudo,
realizando toda a espécie de boas obras e progredindo
19
no conhecimento de Deus. Sereis fortalecidos com o seu
poder glorioso, para que se confi rme a vossa constância,
longanimidade e alegria a toda a prova, dando graças a
Deus Pai, que nos fez dignos de tomar parte na herança
dos santos, na luz divina. Ele nos libertou do poder das
trevas e nos transferiu para o reino do seu ama do Filho,
no qual temos a redenção, o perdão dos pecados.
Ou
Rm 8, 24-28: « O Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza »
Escutai, irmãos, as palavras do apóstolo São Paulo aos Ro-
manos É em esperança que estamos salvos, pois ver o que
se espe ra não é esperança; quem espera o que já vê? Mas
esperar o que não vemos é esperá-lo com perseverança.
Também o Espírito Santo vem em auxílio da nossa fraque-
za, porque não sabemos o que pedir nas nossas orações;
mas o pró prio Espírito intercede por nós com gemidos
inefáveis. E Aque le que vê no íntimo dos corações conhe-
ce as aspirações do Es pírito, sabe que Ele intercede pelos
santos em conformidade com Deus.
Conforme as circunstâncias, pode dizer-se ou cantar-se um sal-
mo responsorial ou outro cântico apropriado.
Salmo 106(107), 2-3.8-9.31-32.42-43 (R. cf. 1 ou 6)
R. Dai graças ao Senhor pela sua misericórda.
ou
R. Na sua angústia invocaram o Senhor e foram salvos.
ou
Salmo 104(105), 1-5.7-9 (R. 43)
20
R. O Senhor libertou o seu povo com alegria.
ou
Salmo 105(106), 2-5.45-47 (R. 1)
R. Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eter-
na a sua misericórdia.
Se parecer oportuno antes da oração de bênção pode fa zer-se
a oração comum. Das invocações que a seguir se propõem, o
ministro pode escolher as que parecerem mais apropriadas ou
acrescentar outras mais directamente relacionadas com as cir-
cunstâncias peculiares do momento.
Deus ama tudo o que criou e tudo conserva com a sua
bênção. Invoquemo- l’O humildemente, para que nos dê a
sua bênção e nos conforte com o seu auxílio. Digamos com
fi lial confi ança:
23
Bênção dos enfermos5
Ritos iniciais
5
Segundo um costume muito antigo, que tem a sua origem no
ensino e no exemplo do próprio Cristo e dos Apóstolos, os enfermos
são abençoados pelos ministros da Igreja. O rito aqui proposto pode
ser seguido pelo sacerdote e pelo diácono, ou até por um leigo, com os
gestos e as fórmulas indicadas. Esta bênção é proposta tanto na forma
longa como na breve.
24
Nosso Senhor Jesus Cristo, que passou fazendo o bem e
curando todos os sofrimentos e enfermidades, recomen-
dou aos seus discí pulos que tivessem cuidado dos enfer-
mos, impusessem as mãos sobre eles e os abençoassem
em seu nome. Nesta celebração encomenda remos a Deus
os nossos irmãos doentes, para que possam suportar com
paciência os sofrimentos do corpo e do espírito, sabendo
que, assim como tomam parte nos sofrimentos de Cristo,
também tomarão parte na sua consolação.
O leitor ou um dos presentes ou o próprio ministro lê um texto
da Sagrada Escritura, escolhido de preferência en tre os que estão
indicados no Ritual da Unção e Pastoral dos Doentes ou no Lec-
cionário das Missas pelos enfermos Escolham-se os textos que
pareçam relacio nar-se mais directamente com as circunstâncias
dos enfermos.
2 Cor 1, 3-7: « Deus de toda a consolação »
Escutai, irmãos, as palavras do apóstolo São Paulo aos Co-
ríntios Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cris-
to, Pai de misericórdia e Deus de toda a consolação, que
nos conforta em todas as nossas tribulações, para poder-
mos também consolar aqueles que estão atribulados, por
meio do conforto que nós mes mos recebemos de Deus.
Porque assim como abundam em nós os so frimentos de
Cristo, também por Cristo abunda a nossa consolação. Se
somos atribulados, é para vossa consolação e salvação; se
somos consolados, é para vossa consolação, a fi m de su-
por tardes com fortaleza os mesmos sofrimentos que nós
suportamos. A nossa esperança a vosso respeito é fi rme,
porque sabemos que, participando nos sofrimentos, tam-
bém participareis na consolação.
25
Ou
Mt 11, 28-30: « Vinde a Mim e Eu vos aliviarei »
Escutai, irmãos, as palavras do santo Evangelho segundo
São Mateus Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípu-
los: « Vinde a Mim, todos os que andais cansados e opri-
midos e Eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo sobre vós e
aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração,
e encontrareis des canso para as vossas almas; porque o
meu jugo é suave e a minha carga é leve ».
Ou
Mc 6, 53-56: « Colocavam os doentes nas praças públicas »
Escutai, irmãos, as palavras do santo Evangelho segundo
São Marcos Naquele tempo, Jesus e os discípulos fizeram
a travessia do lago e vieram para terra em Genezaré, onde
aportaram. Quando saíram do barco, as pessoas reconhe-
ceram logo Jesus; percorreram toda aquela região e come-
çaram a trazer os doentes nos catres, para onde ouviam
dizer que Ele estava. Nas aldeias, cidades ou casais onde
Jesus entrasse, colocavam os enfermos nas praças públicas
e pediam que os deixasse tocar-Lhe ao menos na orla da
capa. E quantos Lhe tocavam fi cavam curados.
Conforme as circunstâncias, pode dizer-se ou cantar-se um sal-
mo responsorial ou outro cântico apropriado.
Salmo 101(102), 2-3. 16-18. 24-25.29 (R. 2)
R. Ouvi, Senhor, a minha oração, chegue até Vós o meu
clamor.
ou
Is 38, 10-12d.16-17a (R. cf. 17b)
26
R. Livrastes da morte a minha alma, Senhor.
Segue-se a oração comum. Das intercessões que aqui se pro
põem, o ministro pode escolher as que parecerem mais apro pria-
das ou acrescentar outras mais directamente relacio nadas com
as circunstâncias especiais dos enfermos ou do momento.
Invoquemos o Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador, para
que conforte com a sua graça os nossos irmãos doentes, e
supliquemos com toda a confi ança:
R. Confortai, Senhor, estes doentes.
Vós que viestes ao mundo como médico dos corpos e das
almas, para curar as nossas enfermidades: R.
Vós que Vos apresentastes ao mundo como homem de
dores, suportastes os nossos sofrimentos e tomastes sobre
Vós as nossas tribulações: R.
Vós que quisestes tornar-Vos semelhante em tudo aos vossos
irmãos, para Vos compadecerdes deles: R.
Vós que quisestes experimentar as fraquezas da natureza
humana, para nos libertardes de todo o mal: R.
Vós que tivestes vossa Mãe junto à cruz, associada aos
vossos sofrimentos, e no-la destes como nossa Mãe: R.
Vós que quisestes associar-nos à vossa paixão, para com-
pletarmos na nossa carne os vossos sofrimentos, em bene-
fício do vosso Corpo, a santa Igreja: R.
Em vez desta oração de súplica, ou acrescentando-as a esta ora-
ção, podem dizer-se as ladainhas que se encontram no Ri tual da
Unção e Pastoral dos Doentes
Senhor, que tomastes sobre Vós as nossas enfermidades e
suportastes as nossas dores, tende piedade de nós:
27
R. Senhor, tende piedade de nós.
Cristo, que, compadecido da multidão, passastes fazendo
o bem e curando os doentes, tende piedade de nós:
R. Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, que mandastes aos vossos Apóstolos impôr as
mãos sobre os doentes, tende piedade de nós:
R. Senhor, tende piedade de nós.
Ou
Oremos ao Senhor pelo nosso irmão doente e por todos os
que tratam dele:
R. Nós Vos rogamos: ouvi-nos, Senhor.
-Olhai com bondade para este nosso doente: R.
-Dai novo vigor aos seus membros: R.
-Aliviai as suas dores: R.
-Socorrei com a vossa graça todos os enfermos: R.
-Ajudai com o vosso poder divino todos os que cuidam
deles: R.
-Concedei a vida e a saúde a este doente, a quem impomos
as mãos em vosso nome: R.
Então o ministro, se é sacerdote ou diácono, impondo as mãos,
conforme as circunstâncias, sobre todos os enfermos ao mesmo
tempo ou sobre cada um em particular, diz a oração de bênção:
Senhor, que passastes fazendo o bem e curando os doentes,
dignai-Vos c abençoar estes vossos servos doentes.
Dai vigor ao seu corpo e fortaleza ao seu espírito,
dai-lhes paciência nos sofrimentos
e fazei que recuperem a saúde,
de modo que, reintegrados na convivência dos irmãos,
28
possam bendizer-Vos com renovada alegria.
Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo.
R. Amém.
Se o ministro é leigo, traçando o sinal da cruz na fronte de cada
um, diz a oração de bênção:
Senhor, Pai santo, Deus eterno e omnipotente,
que animais e fortaleceis com a vossa bênção
a nossa frágil condição humana,
olhai com bondade para este vosso servo doente N.,
de modo que, vencendo a enfermidade e recuperando
a saúde,
possa bendizer o vosso santo nome
com renovada alegria e gratidão.
Por Nosso Senhor.
R. Amém.
Depois da oração de bênção, o ministro convida todos os presen-
tes a invocar a protecção de Nossa Senhora, o que pode fazer-se
cantando ou recitando uma antífona mariana, p.ex., Sub tuum
praesidium (À vossa protecção nos acolhemos) ou Salve, regina
(Salve, rainha).
O ministro diz:
O nosso auxílio vem do Senhor.
Todos respondem:
Que fez o céu e a terra.
Um dos presentes ou o próprio ministro lê um texto da Sagrada
Escritura, p.ex.:
2 Cor 1, 3-4
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai
de mi sericórdia e Deus de toda a consolação, que nos con-
forta em todas as nossas tribulações,
para podermos também consolar aqueles que estão atribu-
lados, por meio do
conforto que nós próprios recebemos de Deus.
30
Ou
Mt 11, 28-29
Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos,
e Eu Vos aliviarei.
Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de Mim, que sou
manso e humilde de
coração, e encontrareis descanso para as vossas almas.
Em seguida o ministro - se é sacerdote ou diácono, im pondo as
mãos sobre os enfermos, conforme as circunstâncias; se é leigo,
traçando o sinal da cruz sobre a fronte do enfermo - diz a oração
de bênção:
Senhor, Pai santo, Deus eterno e omnipotente,
que animais e fortaleceis com a vossa bênção
a nossa frágil condição humana,
olhai com bondade para este vosso servo doente N.,
de modo que, vencendo a enfermidade e recuperando a
saúde,
possa bendizer o vosso santo nome
com renovada alegria e gratidão.
Por Nosso Senhor.
R. Amém.
31
Orações da tradição das Igrejas Locais
Parte narrativa
Episódios evangélicos
1. O mais sublime dos anjos
foi enviado dos céus
para dizer « Ave » à Mãe de Deus.
Ao ver-te, Senhor, feito homem
à sua angélica saudação,
deteve-se extasiado diante da Virgem,
aclamando-a assim:
6
Trata-se de um dos hinos mais famosos que a Igreja grega
dedica à Theotokos (Mãe de Deus). Akathistos, em grego, significa
“não-sentados”, porque as pessoas o cantam ou recitam de pé, por
respeito e veneração à Santa Mãe de Deus, Maria. A estrutura inspira-
-se na Jerusalém celestial, descrita nos capítulos 21-22 do Apocalipse
de São João. Canta-se Maria como imagem da Igreja, Virgem Esposa
do Cordeiro. O hino subdivide-se em 24 estrofes (estâncias), de acordo
com as letras do alfabeto grego. Está organizado em duas partes - uma
narrativa e outra dogmática - nas quais se descerra a beleza de Maria,
Mãe de Cristo e dos fiéis.
32
Ave, levantas o Adão decaído;
Ave, resgate do pranto de Eva.
Ave, mistério que excede a mente humana;
Ave, insondável abismo aos olhos dos anjos.
Ave, em ti foi erguido o trono do Rei;
Ave, tu trazes Aquele que tudo sustenta.
Ave, ó estrela que o sol anuncia;
Ave, ó ventre do Deus encarnado.
Ave, por ti a criação se renova;
Ave, por ti o Criador se faz menino.
Ave, Virgem e Esposa!
3. Desejava a Virgem
entender o mistério,
e ao divino mensageiro pergunta:
33
« Poderá uma virgem dar à luz um menino?
– Diz-me! ».
Com reverência, o anjo respondia, cantando assim:
Ave, tu guia ao supremo Conselho;
Ave, tu prova d’arcano mistério.
Ave, primeiro prodígio de Cristo;
Ave, compêndio das suas verdades.
Ave, escada celeste por quem veio o Eterno;
Ave, ó ponte que levas os homens ao céu.
Ave, prodígio cantado por coros celestes;
Ave, da horda infernal odioso flagelo.
Ave, inefável, a Luz acendeste;
Ave, o mistério a ninguém revelaste.
Ave, ciência que aos sábios transcende;
Ave, do crente iluminas a mente.
Ave, Virgem e Esposa!
4. A virtude do Altíssimo
cobriu-a com a sua sombra
e tornou Mãe a Virgem sem núpcias:
o seio por Deus fecundado
tornou-se campo abundante
para todos aqueles que buscam a salvação
e assim aclamam:
34
Aleluia!
5. Tendo no seu seio o Senhor,
a solícita Maria
visitava a sua prima Isabel.
O menino no ventre materno,
ouvindo a saudação, exultou,
e, saltando de alegria,
à Mãe de Deus aclamava:
Ave, sarmento do santo rebento;
Ave, ó ramo do fruto ilibado.
Ave, cultivas o teu Criador;
Ave, tu plantas a Quem planta a vida.
Ave, ó campo que fecunda riquíssimas graças;
Ave, ó mesa, farta de todos os dons.
Ave, tu que germinas um prado ameno;
Ave, às almas preparas seguro abrigo.
Ave, incenso de todas as súplicas;
Ave, suave oferenda do mundo.
Ave, clemência de Deus para o homem;
Ave, confiança do homem em Deus.
Ave, Virgem e Esposa!
7. Os pastores ouviram
os coros dos anjos
que cantavam ao Senhor feito homem.
Correndo, vão ver o Pastor.
Contemplam o Cordeiro inocente
alimentando-se do seio materno
e à Virgem entoam um canto:
Ave, ó Mãe do Cordeiro-Pastor;
Ave, aprisco da grei fiel.
Ave, defesa das feras malignas;
Ave, tu abres a porta do céu.
Ave, por ti o céu exulta com a terra;
Ave, por ti a terra se alegra com os céus.
Ave, tu és dos apóstolos a voz perene;
Ave, tu és do mártir indómito ardor.
Ave, sustento possante da fé;
Ave, estandarte glorioso da graça.
36
Ave, por ti é despojado o inferno;
Ave, por ti nos revestimos de glória.
Ave, Virgem e Esposa!
8. Observando a estrela
que a Deus os guiava,
os magos seguiram o seu fulgor.
Era lâmpada segura no seu caminho,
que os conduziu ao Rei poderoso.
Chegados ao Deus inatingível,
aclamam-no felizes:
Aleluia!
9. Contemplaram os magos,
no colo materno, Aquele
que plasmou o homem nas suas mãos.
Compreenderam que era ele o seu Senhor,
escondido sob o aspecto de servo.
Solícitos, oferecem-lhe os seus dons
e à Mãe aclamam:
Ave, ó Mãe do Sol sem ocaso;
Ave, aurora do místico dia.
Ave, tu apagas a forja dos erros;
Ave, Deus-Trino ao crente revelas.
37
Ave, o odioso tirano arrancaste do trono;
Ave, mostras-nos Cristo, Senhor e Amigo.
Ave, és tu que nos tiras dos ritos cruéis;
Ave, és tu que nos salvas das obras do mal.
Ave, destróis o culto do fogo;
Ave, extingues a chama dos vícios.
Ave, tu guia da ciência aos crentes;
Ave, alegria de todos es povos.
Ave, Virgem e Esposa!
Os mistérios da fé
45
22. Querendo perdoar-nos o primeiro pecado,
Aquele que paga as dívidas de todos
busca asilo no meio dos seus prófugos,
exilando-se livremente do céu.
Rasgando o antigo rescrito,
ouve cantar:
Aleluia!
47
Antífona mariana para a libertação da peste7
Ó Estrela do céu, que amamentaste o Senhor,
e extirpaste a peste da morte,
plantada no mundo pelo primeiro homem.
Que esta Estrela se digne agora acalmar o céu,
cuja ira fere o povo
com a praga da morte cruel.
Ó piedosíssima Estrela do mar,
socorre-nos da peste.
Ouve-nos, ó Senhora,
porque o teu Filho te honra, nada negando a ti.
Salvai, Jesus,
aqueles pelos quais a vossa Virgem Mãe intercede.
7
Trata-se de um antigo cântico de tradição franciscana, para
pedir o fim da peste (n. trad.). Cf. https://www.avvenire.it/agora/
pagine/un-antico-canto-francescano-contro-la-peste-e-il-contagio
48
A couraça de São Patrício8
Levanto-me, neste dia que amanhece:
que a força de Deus me dirija,
que o poder de Deus me ampare,
que a sabedoria de Deus me guie,
que o olhar de Deus me vigie,
que o ouvido de Deus me ouça,
que a palavra de Deus me faça eloquente,
que a mão de Deus me guarde,
que o caminho de Deus me esteja à frente,
que o escudo de Deus me proteja,
que o exército de Deus me defenda
das armadilhas do demónio,
das tentações do vício,
de todos os que me desejam mal,
longe e perto de mim,
agindo só ou em grupo...
Cristo comigo, Cristo à minha frente, Cristo atrás de mim,
Cristo em mim, Cristo embaixo de mim, Cristo acima de
mim,
Cristo à minha direita, Cristo à minha esquerda,
Cristo ao deitar-me, Cristo ao sentar-me,
Cristo ao levantar-me,
8
St Patrick’s Breastplate (A Couraça de São Patrício) é uma oração
de proteção, conhecida também como The Deer’s Cry (O grito do cer-
vo), The Lorica of Saint Patrick (A armadura ou lorica de São Patrício) ou,
enfim, Saint Patrick’s Hymn (Hino de São Patrício). Segundo a tradição,
foi precisamente São Patrício que a compôs, durante o seu ministério
irlandês, que remonta ao século V.
49
Cristo no coração de todos a quem eu falar,
Cristo nos lábios de todos os que me falarem,
Cristo em todos os olhos que me virem,
Cristo em todos os ouvidos que me ouvirem.
50
Ato de entrega9
Senhor, seja feita em mim a vossa vontade,
quero caminhar segundo a vossa vontade,
ajudai-me a entender unicamente a vossa vontade!
9
Beato Rupert Mayer, S.J. (1876-1945), sacerdote jesuíta: com-
prometido la luta contra a injustiça, grande pregador, já a partir dos
anos 20 do século passado demonstrou a incompatibilidade entre a fé
cristã e o nacional-socialismo. Foi preso e internado várias vezes em
campos de concentração, a ponto de comprometer seriamente a sua
saúde. Esta é uma das suas preces de entrega confiante ao Senhor em
tempos de dificuldade.
51
E quando não podemos participar
nos sacramentos?
Escutai e compartilhai!
« Sei que muitos de vós se confessam para a Páscoa, a
fim de se reconciliar com Deus », disse o Papa. « E muitos
1
Vatican News, 20 de março de 2020, https://www.vatican-
news.va/pt/papa/news/2020-03/papa-francisco-recorda-como-re-
ceber-perdao-sem-sacerdote.html
55
me dirão hoje: “Mas padre, onde posso encontrar um
sacerdote, um confessor? Não se pode sair de casa! E quero
fazer as pazes com o Senhor, quero que Ele me abrace, que
o meu pai me abrace. O que posso fazer se não encontro
um sacerdote?”. Faz o que diz o Catecismo ».
« É muito claro: se não encontrares um sacerdote
para te confessar », explicou o Papa, « fala com Deus, Ele é
Pai. Diz-lhe a verdade: “Senhor, fiz isso e aquilo. Perdoai-
me ». « Pede-lhe perdão de todo o coração, com o Ato de
Contrição e promete-lhe: “Depois, confessar-me-ei, mas
perdoai-me agora”. E retornarás à graça de Deus. Podes
aproximar-te, como o Catecismo nos ensina, do perdão de
Deus sem ter um sacerdote. Pensai nisto: este é o momento!
E este é o momento certo, o momento oportuno. Um Ato
de Contrição bem feito e a nossa alma tornar-se-á branca
como a neve ».
O Papa Francisco refere-se aos números 1.451-1452
do Catecismo da Igreja Católica, promulgado por São João
Paulo II e redigido sob a orientação de Joseph Ratzinger,
naquela época prefeito da Congregação para a Doutrina
da Fé. O Catecismo, citando o Concílio de Trento, ensina
que entre os atos do penitente, a “contrição” ocupa o pri-
meiro lugar. Ela é « uma dor da alma e uma reprovação do
pecado cometido, com o propósito de não mais pecar no
futuro ».
« Quando procedente do amor de Deus, amado sobre
todas as coisas, a contrição é dita “perfeita” (contrição de
caridade) », afirma o Catecismo. « Tal contrição perdoa as
faltas veniais: obtém igualmente o perdão dos pecados
mortais, se incluir o propósito firme de recorrer, logo
que possível, à confissão sacramental ». Portanto, na
expetativa de ser absolvido por um sacerdote, assim que
56
as circunstâncias permitirem, é possível ser perdoado
imediatamente com esse ato. Isso já tinha sido afirmado
também pelo Concílio de Trento, no capítulo 4 da Doctrina
de sacramento paenitentiae, onde se afirma que a contrição
acompanhada pela intenção de se confessar « reconcilia o
homem com Deus, mesmo antes que este sacramento seja
realmente recebido ».
Contrição
n. 1451. Entre os atos do penitente, a contrição ocupa
o primeiro lugar. Ela é “uma dor da alma e uma detes-
tação do pecado cometido, com o propósito de não mais
pecar no futuro” (Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de
sacramento paenitentiae, c. 4: DS 1676).
Decreto
O dom das Indulgências especiais é concedido aos fiéis atin-
gidos pela Covid-19, em geral conhecida como Coronavírus, assim
como aos profissionais da saúde, aos familiares e a todos aqueles
que cuidam deles de qualquer maneira, inclusive através da oração.
« Sede alegres na esperança, constantes na tribulação,
perseverantes na oração » (Rm 12, 12). As palavras escritas
por São Paulo à Igreja de Roma ecoam ao longo de toda
a história da Igreja e guiam o julgamento dos fiéis face a
qualquer sofrimento, doença e calamidade.
O momento presente em que toda a humanidade,
ameaçada por uma doença invisível e insidiosa, que há
já algum tempo se tornou prepotentemente parte da vida
de todos, é marcado dia após dia por medos angustiados,
novas incertezas e, sobretudo, por um sofrimento físico e
moral generalizado.
A Igreja, seguindo o exemplo do seu Divino Mestre,
sempre cuidou dos doentes. Como assinala São João Paulo
II, o valor do sofrimento humano é duplo: « É sobrenatu-
ral, porque se radica no mistério divino da Redenção do
mundo; e é também profundamente humano, porque nele
o homem se aceita a si mesmo, com a sua própria humani-
dade, com a própria dignidade e a própria missão » (Salvi-
fici doloris, 31).
Também o Papa Francisco, nestes últimos dias, mos-
trou a sua paterna proximidade e renovou o seu convite
58
a rezar incessantemente pelos enfermos de Coronavírus.
Para que todos aqueles que sofrem por causa da Co-
vid-19, precisamente no mistério deste sofrimento, pos-
sam redescobrir « o próprio sofrimento redentor de Cris-
to » (ibid., n. 30), esta Penitenciaria Apostólica, ex auctoritate
Summi Pontificis, confiando na palavra de Cristo Senhor e
considerando com espírito de fé a atual epidemia, que deve
ser vivida em espírito de conversão pessoal, concede o dom
das Indulgências de acordo com a seguinte disposição.
A Indulgência plenária é concedida aos fiéis que so-
frem de Coronavírus, sujeitos a quarentena por ordem da
autoridade da saúde nos hospitais ou nas próprias casas,
se, com espírito desprendido de qualquer pecado, se uni-
rem espiritualmente através dos meios de comunicação
social à celebração da Santa Missa, à recitação do Santo
Rosário, à prática piedosa da Via-Sacra ou de outras for-
mas de devoção, ou se pelo menos recitarem o Credo, o
Pai-Nosso e uma piedosa invocação à Bem-Aventurada
Virgem Maria, oferecendo esta prova em espírito de fé em
Deus e de caridade para com os irmãos, com a vontade
de cumprir as condições habituais (confissão sacramental,
comunhão eucarística e oração segundo as intenções do
Santo Padre), o mais depressa possível.
Os agentes da saúde, os familiares e todos aqueles
que, seguindo o exemplo do Bom Samaritano, expondo-se
ao risco de contágio, cuidam dos doentes de Coronavírus
segundo as palavras do divino Redentor: « Ninguém tem
maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus
amigos » (Jo 15, 13), obterão o mesmo dom da Indulgência
plenária em idênticas condições.
Além disso, esta Penitenciaria Apostólica concede
de bom grado a Indulgência plenária nas mesmas condições
59
por ocasião da atual epidemia mundial, até àqueles fiéis
que oferecerem uma visita ao Santíssimo Sacramento, ou
a adoração eucarística, ou a leitura da Sagrada Escritura
durante pelo menos meia hora, ou a recitação do Santo Ro-
sário, ou o exercício piedoso da Via-Sacra, ou a recitação
do Rosário da Divina Misericórdia, para implorar de Deus
Todo-Poderoso o fim da epidemia, alívio para os aflitos e
salvação eterna para aqueles que o Senhor chamou a si.
A Igreja reza por aqueles que não podem receber o
Sacramento da Unção dos Enfermos e do Viático, confian-
do cada um deles à Misericórdia Divina em virtude da
comunhão dos santos e concedendo aos fiéis a Indulgência
plenária em ponto de morte, contanto que esteja devida-
mente disposto e tenha recitado habitualmente durante a
vida alguma oração (neste caso a Igreja supre às três ha-
bituais condições exigidas). Para a consecução desta in-
dulgência é recomendável o uso do crucifixo ou da cruz
(cf. Enchiridion indulgentiarum, n. 12).
Que a Bem-Aventurada sempre Virgem Maria, Mãe
de Deus e da Igreja, Saúde dos Enfermos e Auxílio dos
Cristãos, nossa Advogada, ajude a humanidade sofredo-
ra, afastando de nós o mal desta pandemia e obtendo-nos
todo o bem necessário para a nossa salvação e santificação.
O presente Decreto é válido, não obstante qualquer
disposição contrária.
60
« Eis que estou convosco todos os dias »
(Mt 28,20)
Nota
A gravidade das circunstâncias atuais exige uma re-
flexão sobre a urgência e a centralidade do Sacramento da
Reconciliação, juntamente com alguns esclarecimentos ne-
cessários, tanto para os fiéis leigos como para os ministros
chamados a celebrar o Sacramento.
Mesmo no tempo da Covid-19, o Sacramento da Re-
conciliação é administrado de acordo com o direito ca-
nónico universal e com as disposições da Ordo Paenitentiae.
A confissão individual é o modo ordinário de cele-
brar este sacramento (cf. cân. 960 cdc), enquanto a absolvi-
ção coletiva, sem confissão individual prévia, não pode ser
concedida a não ser em caso de perigo iminente de morte,
já que não há tempo suficiente para ouvir as confissões
dos penitentes individuais (cf. cân. 961 § 1 cdc), ou uma
necessidade grave (cf. cân. 961 § 1, 2º cdc). cuja considera-
ção é da responsabilidade do Bispo diocesano, tendo em
conta os critérios concordados com os outros membros da
Conferência Episcopal (cf. cân. 455, § 2 cdc) e sem prejuízo
da necessidade, para uma absolvição válida, do sacramen-
to do votum sacramenti por parte de cada penitente, ou seja,
a finalidade de confessar oportunamente pecados graves
individuais, que na altura não era possível confessar (cf.
cân. 962 § 1 cdc).
Esta Penitenciaria Apostólica considera que, especialmen-
te nos lugares mais afetados pelo contágio pandémico e enquanto
o fenómeno não acabar, se sigam os casos de grave necessidade
mencionados no cân. 961 § 2 cdc.
61
Qualquer outra especificação é confiada pelo direito
aos Bispos diocesanos, tendo sempre em conta o bem su-
premo da salvação das almas (cf. cân. 1752 cdc.).
Se surgir uma súbita necessidade de conceder a ab-
solvição sacramental a vários fiéis em conjunto, o sacer-
dote é obrigado a avisar o Bispo diocesano, na medida
do possível ou, se não puder, a informá-lo quanto antes
(cf. Ordo Paenitentiae, n. 32).
Na atual emergência pandémica, cabe portanto ao
Bispo diocesano indicar aos sacerdotes e aos penitentes
as prudentes atenções a adotar na celebração individual
da reconciliação sacramental, tais como a celebração num
lugar ventilado fora do confessionário, a adoção de uma
distância adequada, a utilização de máscaras protetoras,
sem prejuízo da atenção absoluta à salvaguarda do selo
sacramental e à necessária discrição.
Além disso, cabe sempre ao Bispo diocesano deter-
minar, no território da sua circunscrição eclesiástica e em
relação ao nível de contágio pandémico, os casos de grave
necessidade em que é lícito conceder a absolvição coletiva:
por exemplo, à entrada das enfermarias hospitalares, onde
estão internados os fiéis contagiados em perigo de morte,
utilizando, na medida do possível e com as devidas pre-
cauções, os meios de amplificar a voz para que a absolvi-
ção possa ser ouvida.
Devem ser consideradas a necessidade e a oportuni-
dade de criar, quando necessário, de acordo com as auto-
ridades da saúde, grupos de “capelães extraordinários de
hospitais”, também numa base voluntária e em conformi-
dade com as normas de proteção contra o contágio, para
garantir a necessária assistência espiritual aos doentes e
aos moribundos.
62
Onde o fiel se encontrar na dolorosa impossibilidade
de receber a absolvição sacramental, deve-se recordar que
a contrição perfeita, proveniente do amor do Deus amado
acima de tudo, expressa por um sincero pedido de per-
dão (o que o penitente é atualmente capaz de manifestar) e
acompanhada pelo votum confessionis, ou seja, pela firme re-
solução de recorrer, quanto antes, à confissão sacramental,
obtém o perdão dos pecados, até mortais (cf. cic, n. 1.452).
Nunca antes a Igreja experimentou o poder da co-
munhão dos santos, elevando ao seu Senhor Crucificado
e Ressuscitado votos e preces, especialmente o Sacrifício
da Santa Missa, celebrado diariamente, mesmo sem fiéis,
pelos sacerdotes.
Como mãe bondosa, a Igreja implora ao Senhor que
a humanidade seja libertada de tal flagelo, invocando a in-
tercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Mi-
sericórdia e Saúde dos Enfermos, e do seu Esposo São José,
sob cujo patrocínio a Igreja sempre caminhou pelo mundo.
Maria Santíssima e São José obtenham para nós
abundantes graças de reconciliação e salvação, na escuta
atenta da Palavra do Senhor, que ele repete hoje à humani-
dade: « Parai, reconhecei que eu sou Deus » (Sl 46, 11), « Eu
estarei convosco todos os dias » (Mt 28, 20).
Dado em Roma, da sede da Penitenciaria Apostólica, a 19
de março de 2020, Solenidade de São José, Esposo da B.A. Vir-
gem Maria, Padroeiro da Igreja Universal.
Mauro Card. Piacenza
Penitenciário-Mor
Krzysztof Nykiel
Regente
63
Comunhão espiritual
64
Disposições
da Congregação para o Culto Divino
Decreto
Em tempos de Covid-19 (II)
Considerando a rápida evolução da pandemia da
covid-19 e tendo em conta as observações recebidas das
Conferências episcopais, esta Congregação oferece uma
atualização acerca das indicações e sugestões gerais já
propostas aos bispos no precedente decreto de 19 de mar-
ço de 2020.
Dado que a data da Páscoa não pode ser transferi-
da, nos países atingidos pela doença, onde estão previs-
tas restrições para o encontro e o movimento de pessoas,
os bispos e sacerdotes devem celebrar os ritos da Semana
Santa sem a participação de fiéis e num lugar adequado,
evitando a concelebração e omitindo a troca da paz.
Os fiéis devem ser informados sobre a hora do início
das celebrações, para poder unir-se à oração em casa. Po-
derão servir de ajuda os meios de comunicação telemática
ao vivo, não gravada. De qualquer maneira, é importante
dedicar um tempo adequado à oração, valorizando sobre-
tudo a Liturgia Horarum.
As Conferências episcopais e as dioceses individuais
não deixem de oferecer subsídios para ajudar a oração fa-
miliar e pessoal.
65
1 - Domingo de Ramos. A Comemoração da Entrada do
Senhor em Jerusalém deve ser celebrada no interior do
edifício sagrado; nas igrejas catedrais siga-se a segunda
forma prevista pelo Missal Romano; nas igrejas paroquiais
e noutros lugares, a terceira.
2 - Missa crismal. Avaliando o caso concreto nos diferen-
tes países, as Conferências episcopais poderão dar indica-
ções sobre uma possível transferência para outra data.
3 - Quinta-Feira Santa. O lava-pés, já facultativo, deve ser
omitido. No final da Missa da Ceia do Senhor, a procissão
também deve ser omitida; e o Santíssimo Sacramento deve
ser conservado no tabernáculo. Neste dia, os sacerdotes
recebem extraordinariamente a faculdade de celebrar a
Missa num lugar adequado, sem a participação de fiéis.
4 - Sexta-Feira Santa. Na oração universal, os bispos terão
o cuidado de predispor uma intenção especial por aqueles
que se encontram em situação de constrangimento, pelos
doentes, pelos defuntos (cf. Missale Romanum). O ato de
adoração da Cruz mediante o ósculo deve ser limitado
unicamente ao celebrante.
5 - Vigília pascal. Seja celebrada exclusivamente nas igre-
jas catedrais e paroquiais. Para a liturgia batismal, mante-
nha-se unicamente a renovação das promessas batismais
(cf. Missale Romanum).
Para os seminários, os colégios sacerdotais, os mos-
teiros e as comunidades religiosas, sigam-se as indicações
do presente Decreto.
As expressões de piedade popular e as procissões
que enriquecem os dias da Semana Santa e do Tríduo
66
pascal, segundo o parecer do bispo diocesano, podem ser
transferidas para outros dias oportunos, por exemplo 14 e
15 de setembro.
+ D. Arthur Roche
Arcebispo secretário
67
Palavras do Papa Francisco*
Santa Missa1
Introdução
Nestes dias, oferecerei a missa pelos doentes dessa
epidemia de coronavírus, pelos médicos, enfermeiros, vo-
luntários que ajudam muito, familiares, pelos idosos que
estão em casas de repouso e pelos presos. Esta semana re-
citemos juntos esta intensa oração ao Senhor: “Salvai-me,
Senhor, e concedei-me misericórdia. Os meus pés estão no
caminho certo. Na assembleia bendirei ao Senhor”.
1
Liturgia da Palavra: Dn 9, 4-10; Sl 78; Lc 6, 36-38. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/f5FC_a8yN3k?t=490
71
fazer uma lista dos pecados intelectuais, dizer: “pequei”.
Depois, digo-o ao padre e ele perdoa-me. Não é necessá-
rio, não é justo fazer isto. Seria como redigir uma lista das
coisas que devo fazer ou que devo ter ou que fiz mal, mas
que permanece na cabeça. Uma verdadeira confissão dos
pecados deve permanecer no coração. Confessar-se não é
apenas dizer ao sacerdote esta lista: “Fiz isto e aquilo”, e
depois ir embora. Estou perdoado. Não, não é justo. É pre-
ciso dar um passo, um passo a mais, que é a confissão das
nossas misérias, mas com o coração, ou seja, de modo que
aquela lista de coisas ruins que fiz desça ao coração.
Assim faz o profeta Daniel. « A Vós, Senhor, convém
a justiça; a nós, a vergonha ». Quando reconheço que pe-
quei, que não rezei direito e sinto isto no coração, vem-me
este sentimento de vergonha: “Envergonho-me por ter fei-
to isto. Peço-lhe perdão com vergonha”. A vergonha pelos
nossos pecados é uma graça, devemos pedi-la: “Senhor,
que eu tenha vergonha”. Uma pessoa que perdeu a vergo-
nha, perde a autoridade moral, perde o respeito pelos ou-
tros. Um desavergonhado. O mesmo acontece com Deus:
devemos ter vergonha. A Vós convém a justiça; a nós, a ver-
gonha. A vergonha no rosto, como hoje. “Senhor, continua
Daniel, devemos ter vergonha no rosto: diante dos nossos
reis e príncipes, dos nossos antepassados, pois pecamos
contra Vós”. Ao Senhor nosso Deus, antes tinha dito con-
vém a justiça, agora diz: cabe a misericórdia. Quando nós
temos não apenas a recordação, a memória dos pecados
que fizemos, mas também o sentimento de vergonha, isto
toca o coração de Deus, que responde com misericórdia. O
caminho para ir ao encontro da misericórdia de Deus é en-
vergonhar-se das coisas ruins, das coisas más que fizemos.
Assim, quando vou confessar-me digo não somente a lista
72
de pecados, mas os sentimentos de confusão, de vergonha
por ter feito isto a um Deus tão bom, tão misericordioso e
justo.
Peçamos hoje a graça da vergonha: de ter vergonha
pelos nossos pecados. Que o Senhor conceda a todos nós
essa graça!
73
Terça-feira, 10 de março de 2020
Santa Missa2
Introdução
Continuemos a rezar juntos pelos doentes, pelos
profissionais da saúde e por quantos sofrem devido a esta
epidemia. Rezemos ao Senhor também pelos nossos sacer-
dotes, para que tenham a coragem de sair e ir ao encon-
tro dos doentes, levando a força da Palavra de Deus e a
Eucaristia, e de acompanhar os profissionais da saúde, os
voluntários, neste trabalho que desempenham.
2
Liturgia da Palavra: Is 1, 10.16-20; Sl 49; Mt 23,1-12. Para o
vídeo da celebração: https://youtu.be/FvgF-WFGaSw?t=744
75
Não...”. E continua: “Mesmo que os vossos pecados fos-
sem como escarlate, vão tornar-se brancos como a neve.
Se fossem vermelhos como a púrpura, vão tornar-se como
a lã”. “Vinde, porque posso mudar tudo”, diz o Senhor,
“não tenhais medo de falar, sede corajosos, até com as vos-
sas misérias”.
Isto faz-me pensar num santo muito penitente, que
rezava muito. E procurava dar sempre ao Senhor tudo
aquilo que o Senhor lhe pedia. Mas o Senhor não estava
feliz. E um dia, estava um pouco irritado com o Senhor,
pois aquele santo tinha um certo temperamento. E disse
ao Senhor: “Mas Senhor, não te entendo. Eu te dou tudo,
tudo, e Tu estás sempre tão insatisfeito, como se faltasse
alguma coisa. O que falta?”. [E o Senhor responde]: “Dá-
-me os teus pecados: é isto que falta!”.
Ter a coragem de ir falar com o Senhor com as nos-
sas misérias: “Vamos, vinde! Vamos discutir! Não tenhais
medo. Mesmo que os vossos pecados fossem como escar-
late, vão tornar-se brancos como a neve. Se fossem verme-
lhos como a púrpura, vão tornar-se como a lã”.
Este é o convite do Senhor. Mas há sempre um en-
gano: em vez de ir falar com o Senhor, fingimos que não
somos pecadores. É aquilo que o Senhor repreende aos
doutores da lei. Estas pessoas fazem obras “para ser ad-
miradas pelas pessoas: ampliam os seus filactérios e alon-
gam as franjas; estão felizes com os lugares de honra nos
banquetes, com os primeiros assentos nas sinagogas, com
as saudações nas praças, e gostam de ser chamados Rabi
pelas pessoas”. A aparência, a vaidade. Encobertar a ver-
dade do nosso coração com a vaidade. A vaidade nunca
cura! A vaidade nunca cura. Além disso, é venenosa, con-
76
tinua a trazer a doença do coração, a dureza do coração
que te diz: “Não, não te dirijas ao Senhor, não...”.
A vaidade é apenas o modo de se fechar ao apelo do
Senhor. Ao contrário, o convite do Senhor é o de um pai,
de um irmão: “Vinde! Vamos conversar, falar. Afinal, sou
capaz de mudar a tua vida de vermelho para branco”.
Que esta Palavra do Senhor nos encoraje; que a nos-
sa oração seja uma prece real. Sobre a nossa realidade, os
nossos pecados, as nossas misérias. Falemos com o Se-
nhor. Ele sabe, Ele sabe o que somos. Sabemos isto, mas a
vaidade nos convida sempre a encobertar. Que o Senhor
nos ajude!
77
Quarta-feira, 11 de março de 2020
Santa Missa3
Introdução
Continuemos a rezar pelos doentes desta epidemia.
E, hoje, de maneira especial, gostaria de rezar pelos encar-
cerados, pelos nossos irmãos e irmãs, presos em cárceres.
Eles sofrem, e devemos estar próximos deles com a oração
para que o Senhor os ajude e console neste momento difícil.
3
Liturgia da Palavra: Jr 18, 18-20; Sl 30; Mt 20, 17-28. Para o
vídeo da celebração: https://youtu.be/f6OHN1V_z8E?t=761
79
estilos: a sedução, com as promessas do mundo, como quis
fazer com Jesus no deserto, seduzi-lo, e com a sedução fa-
zê-lo mudar o plano da redenção; e, se isto não funcionar,
a obstinação. Não há meio-termo, o diabo. A sua soberba
é tão grande que procura destruir, e destruir desfrutando
da destruição com a obstinação. Pensemos nas persegui-
ções de tantos santos, de tantos cristãos que não só os ma-
tam, mas também os fazem sofrer e buscam, de todas as
formas, humilhá-los, até ao fim. Não confundir uma sim-
ples perseguição social, política, religiosa, com a obstina-
ção do diabo. O diabo obstina-se, para destruir. Pensemos
no Apocalipse: quer devorar aquele filho da mulher, que
está para nascer.
Os dois ladrões que estavam crucificados com Jesus
foram condenados, crucificados, e deixaram-nos morrer
em paz. Ninguém os insultava: não interessava. O insulto
era somente a Jesus, contra Jesus. Jesus diz aos apóstolos
que será condenado à morte, mas será ridicularizado, fla-
gelado, crucificado... zombam dele.
E o caminho para sair da obstinação do diabo, dessa
destruição, é o espírito mundano, aquele que a mãe pede
para os filhos, os filhos de Zebedeu. Jesus fala de humilha-
ção, que é o próprio destino, e pedem-lhe aparência, po-
der. A vaidade, o espírito mundano é mesmo, o caminho
que o diabo oferece para se distanciar da Cruz de Cristo.
A própria realização, o carreirismo, o sucesso mundano:
são todos caminhos não cristãos, são todos caminhos para
encobertar a Cruz de Jesus.
Que o Senhor nos conceda a graça de saber discernir
quando há o espírito que nos quer destruir com a obstina-
ção, e quando o próprio espírito nos quer consolar com as
aparências do mundo, com a vaidade. Mas não esqueça-
80
mos: quando há obstinação, há ódio, vingança do diabo
derrotado. É assim até hoje, na Igreja. Pensemos em tantos
cristãos, como são cruelmente perseguidos. Nestes dias,
os jornais falaram de Asia Bibi: nove anos na prisão, so-
frendo. É a obstinação do diabo.
Que o Senhor nos conceda a graça de discernir o ca-
minho do Senhor, que é a Cruz, do caminho do mundo,
que é a vaidade, aparecer, disfarçar”.
81
Quinta-feira, 12 de março de 2020
Santa Missa4
Introdução
Continuemos a rezar juntos, neste momento de pan-
demia, pelos doentes, pelos familiares, pelos pais com
crianças em casa... mas, sobretudo, gostaria de vos pedir
que rezeis pelas autoridades: elas devem decidir e mui-
tas vezes decidir medidas que não agradam o povo. Mas
é pelo nosso bem. E muitas vezes, a autoridade sente-se
sozinha. Rezemos pelos nossos governantes, que devem
tomar a decisão sobre estas medidas: que se sintam acom-
panhados pela oração do povo.
4
Liturgia da Palavra: Jr 17, 5-10; Sl 1; Lc 16, 19-31. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/w4N4vOj9SQg?t=815
83
sabia que o pobre estava ali, sabia. Mas parecia-lhe natural:
“Eu vivo bem e ele... mas assim é a vida, que se vire”. No
máximo, talvez – o Evangelho não diz – às vezes dava
alguma coisa, algumas migalhas. E assim a vida dessas
duas pessoas passou. Ambos passaram pela Lei que cabe
a todos nós: morrer. Morreu o rico e morreu Lázaro. O
Evangelho diz que Lázaro foi levado para o Céu, ao lado de
Abraão... Do rico diz somente: foi enterrado. Ponto. E acaba.
Há duas coisas que impressionam: que o rico soubes-
se que havia aquele pobre e que conhecesse o seu nome,
Lázaro. Mas não importava, parecia-lhe natural. O rico
talvez fizesse também os seus negócios que, no final, iam
contra os pobres. Conhecia claramente, estava informado
sobre aquela realidade. E a segunda coisa que me impres-
siona muito é a expressão “grande abismo” que Abraão
diz ao rico. “Entre nós há um grande abismo, não pode-
mos comunicar; não podemos passar de uma parte para a
outra”. O mesmo abismo que havia na vida entre o rico e
Lázaro: o abismo não começou lá, o abismo começou aqui.
Pensei no drama deste homem: o drama de ser mui-
to informado, mas manter o coração fechado. As infor-
mações deste homem rico não chegavam ao coração, não
sabia comover-se, não podia comover-se diante do drama
dos outros. Nem mesmo sabia chamar um dos jovens que
serviam o banquete e dizer “leva-lhe isto, aquilo...”. O dra-
ma da informação que não chega ao coração. Isto aconte-
ce também connosco. Todos nós sabemos, porque vemos
no telejornal, vemos nos jornais, quantas crianças passam
fome hoje no mundo; quantas crianças não têm os remé-
dios necessários; quantas crianças não podem ir à escola.
Continentes com este drama: nós sabemos isto. Pobrezi-
nhos... e continuamos. Esta informação não chega ao nos-
so coração e muitos de nós, muitos grupos de homens e
mulheres vivem este distanciamento entre aquilo que pen-
sam, o que sabem e aquilo que ouvem: o coração está se-
parado da mente. São indiferentes. Assim como o rico era
84
indiferente à dor de Lázaro. Há o abismo da indiferença.
Quando fui pela primeira vez a Lampedusa, veio-me
esta expressão: a globalização da indiferença. Talvez nós
hoje aqui em Roma estejamos preocupados porque “pa-
rece que as lojas estão fechadas, tenho que comprar isto,
e parece que não posso passear todos os dias, e parece
que...”: preocupados com as minhas coisas. E esquecemos
as crianças famintas, esquecemos aquela pobre gente
que nos confins dos países buscam a liberdade, aqueles
migrantes forçados que fogem da fome e da guerra e
encontram somente um muro, um muro feito de ferro,
um muro de arame farpado, mas um muro que não os
deixa passar. Sabemos que isto existe, mas não chega ao
coração... Vivemos na indiferença: a indiferença é o drama
de estar bem informado, mas não sentir a realidade dos
outros. Este é o abismo: o abismo da indiferença.
Depois há outra coisa que impressiona. Aqui sabe-
mos o nome do pobre. A gente sabe. Lázaro. Também o
rico sabia, porque quando estava no inferno pede a Abraão
que envie Lázaro. Ali reconheceu-o: “Manda-me Lázaro”.
Mas não sabemos o nome do rico. O Evangelho não diz
como se chamava este senhor. Não tinha nome. Tinha per-
dido o nome: havia somente os adjetivos da sua vida. Rico,
poderoso... muitos adjetivos. É isto que o egoísmo provoca
em nós: faz perder a nossa identidade real, o nosso nome,
e somente nos leva a avaliar os adjetivos. A mundanidade
ajuda-nos nisto. Caímos na cultura dos adjetivos, onde o
seu valor é aquilo que possui, aquilo que pode... Mas não
“qual é o seu nome?”: perdeu o nome. A indiferença leva
a isto. Perder o nome. Somos somente ricos, somos isto,
somos aquilo. Somos adjetivos.
Peçamos hoje ao Senhor a graça de não cair na in-
diferença, a graça de que todas as informações das dores
humanas que temos cheguem ao coração e nos levem a
fazer algo pelos outros.
85
Sexta-feira, 13 de março de 2020
Santa Missa5
Introdução
Nestes dias unimos-nos aos doentes, às famílias, que
sofrem esta pandemia. E gostaria de rezar hoje também pe-
los pastores que devem acompanhar o povo de Deus nesta
crise: que o Senhor lhes dê a força e também a capacidade
de escolher os meios melhores para ajudar. Nem sempre
as medidas drásticas são boas, por isso rezemos: para que
o Espírito Santo dê aos pastores a capacidade e o discer-
nimento pastoral a fim de que providenciem medidas que
não deixem sozinho o santo povo fiel de Deus. Que o povo
de Deus se sinta acompanhado pelos pastores e pelo con-
forto da Palavra de Deus, dos sacramentos e da oração.
5
Liturgia da Palavra: Gn 37, 3-4.12-13.17-28; Sl 104; Mt 21,
33-43.45. Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/8rZc0RZ-
4jUI?t=784
87
vinhateiros e partiu para longe”. Este é o povo de Deus. O
Senhor escolheu aquele povo, há a eleição daquele povo. É
o povo da eleição. Também há uma promessa: “Ide avan-
te. Vós sois o meu povo”, uma promessa feita a Abraão.
E também há uma aliança feita com o povo no Sinai. O
povo deve guardar sempre a eleição na memória, que é
um povo eleito, a promessa para olhar em frente com es-
perança e a aliança para viver a fidelidade cada dia.
Mas nesta parábola, acontece que quando chegou o
tempo para colher o fruto, esse povo esqueceu-se de que
ele não era o proprietário: “Os lavradores pegaram nos
servos, bateram num deles, mataram outro, lapidaram o
outro. Depois o senhor mandou outros servos, mais nu-
merosos, mas trataram-nos do mesmo modo”. Certamen-
te, Jesus mostra – falando aos doutores da lei – como os
doutores da lei trataram os profetas. “Por último, man-
dou-lhes o próprio filho”, pensando que o respeitariam.
“Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: ‘Este
é o herdeiro. Vamos, matemo-lo e apoderemo-nos da sua
herança!”. Roubaram a herança, que era outra. Uma histó-
ria de infidelidade, de infidelidade à eleição, de infidelida-
de à promessa, de infidelidade à aliança, que é um dom.
A eleição, a promessa e a aliança são um dom de Deus.
Infidelidade ao dom de Deus. Não entender que era um
dom e tomá-lo como propriedade. Esse povo apropriou-se
do dom, tirou esse dom para o transformar em “minha“
propriedade. E o dom, que é riqueza, abertura, bênção,
foi encerrado, aprisionado numa doutrina de muitas leis.
Foi ideologizado. E assim o dom perdeu a sua natureza de
dom, acabou numa ideologia. Sobretudo numa ideologia
moralista, repleta de preceitos, inclusive ridícula porque
passa para a casuística em tudo. Apropriaram-se do dom.
88
Este é o grande pecado. É o pecado de esquecer que
Deus se fez Ele mesmo dom para nós, que Deus nos ofere-
ceu isto como dom e, esquecendo isto, tornar-nos proprie-
tários. E a promessa já não é promessa, a eleição já não é
eleição: “A aliança deve ser interpretada segundo o meu
parecer, ideologizado”.
Aí, nessa atitude, talvez eu veja no Evangelho o iní-
cio do clericalismo, que é uma perversão, que renega sem-
pre a eleição gratuita de Deus, a aliança gratuita de Deus,
a promessa de Deus. Esquece a gratuidade da revelação,
esquece que Deus se manifestou como dom, se fez dom
para nós e nós devemos dá-lo, mostrá-lo aos outros como
dom, não como nossa posse. O clericalismo não é uma coi-
sa somente destes dias, a rigidez não é uma coisa destes
dias, já havia no tempo de Jesus. E depois Jesus seguirá
adiante na explicação das parábolas – esse é o capítulo 21
– seguirá adiante até chegar ao capítulo 23 com a conde-
nação, onde se vê a ira de Deus contra aqueles que tomam
o dom para si como propriedade e reduzem a sua riqueza
aos caprichos ideológicos da própria mente.
Peçamos ao Senhor a graça de receber o dom como
dom e transmiti-lo como dom, não como propriedade, não
de modo sectário, rígido, “clericalista”.
89
Sábado, 14 de março de 2020
Santa Missa6
Introdução
Continuemos a rezar pelos doentes desta pande-
mia. Hoje gostaria de pedir uma oração especial pelas
famílias, famílias que de um dia para o outro se encon-
tram com os seus filhos em casa, porque as escolas estão
fechadas por razões de segurança e devem gerir uma
situação difícil, e geri-la bem, com paz e também com
alegria. De modo especial, penso naquelas famílias que
têm algum membro com deficiência. Os centros de aco-
lhimento diurnos para pessoas com deficiência estão fe-
chados e a pessoa permanece em família. Rezemos pelas
famílias, para que não percam a paz neste momento e
sejam capazes de levar avante toda a família com cora-
gem e alegria.
6
Liturgia da Palavra: Mq 7, 14-15.18-20; Sl 102; Lc 15, 1-3.11-32.
Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/pc7W6U37xzc?t=855
91
“Este homem acolhe os pecadores e come com eles”. E Je-
sus respondeu-lhes com esta parábola.
O que eles dizem? As pessoas, os pecadores apro-
ximam-se em silêncio, não sabem como dizer, mas a sua
presença diz muitas coisas, eles queriam escutar. O que
dizem os doutores da lei? Eles criticam. “Murmuravam”,
diz o Evangelho, tentando cancelar a autoridade que Jesus
tinha em relação ao povo. Esta é a grande acusação: “Ele
come com pecadores, é um impuro”. Então, a parábola é
um pouco a explicação deste drama, deste problema. O
que é que estas pessoas sentem? As pessoas sentem a ne-
cessidade da salvação. As pessoas não sabem distinguir
bem, intelectualmente: “Devo encontrar o meu Senhor,
para que Ele me encha”, precisam de um guia, de um
pastor. E as pessoas aproximam-se de Jesus porque veem
n’Ele um pastor, devem ser ajudadas a caminhar na vida.
Sentem esta necessidade. Os outros, os doutores, sentem
suficiência: “Fomos à universidade, fiz um doutorado,
não... dois doutorados. Bem sei, sei muito bem, o que diz
a lei; melhor, conheço todas, todas as explicações, todos
os casos, todas as atitudes da casuística”. E eles sentem-se
suficientes e desprezam as pessoas, desprezam os pecado-
res: o desprezo pelos pecadores.
Na parábola, o que é que se diz? O filho diz ao pai:
“Dá-me o dinheiro e eu vou-me embora”. O pai dá-lhe,
mas não diz nada porque é pai, talvez tenha tido a recor-
dação de alguma tolice feita quando era jovem, mas não
92
diz nada. Um pai sabe sofrer em silêncio. Um pai olha
para o tempo. Deixa passar os maus momentos. Muitas
vezes a atitude de um pai é “fazer-se de parvo” diante das
falhas dos seus filhos. O outro filho repreende o pai: “O
senhor foi injusto”, diz.
O que sentem as pessoas da parábola? O jovem sente
o desejo de dominar o mundo, de ir além, de sair de casa,
e talvez viva na casa como numa prisão, e também tem a
suficiência de dizer ao pai: “Dá-me o que é meu”. Sente
coragem, força. O que é que o pai sente? O pai sente dor,
ternura e muito amor. Então, quando o filho pronuncia a
outra palavra: “Vou levantar-me – quando cai em si – vou
levantar-me e irei ter com o meu pai”, encontra o pai à sua
espera, vê-o de longe. Um pai que sabe esperar o tempo
dos seus filhos. O que é que o filho mais velho sente? Diz o
Evangelho: “Ficou indignado”, ele sente esse desprezo. E
tantas vezes, para essas pessoas, ficar indignado é a única
maneira de se sentir digno.
Eis as coisas ditas nesta passagem do Evangelho, as
coisas que se sentem.
Mas qual é o problema? O problema - vamos come-
çar pelo filho mais velho - o problema é que ele estava em
casa, mas nunca percebeu o que significava viver em casa:
cumpria as suas tarefas, fazia o seu trabalho, mas não en-
tendia o que era uma relação de amor com o seu pai. “O
filho mais velho ficou indignado e não quis entrar”. “Mas
esta já não é a minha casa?”... pensou. Como os douto-
93
res da lei. “Não há ordem. Veio este pecador e fizeram-lhe
uma festa. E eu?”. O pai profere palavras claras: “Filho,
tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu”. E disto
o filho não se dava conta, vivia em casa como num ho-
tel, sem sentir aquela paternidade... Tantos “hóspedes” na
casa da Igreja que se julgam patrões. É interessante, o pai
não diz uma palavra ao filho que volta do pecado, só o
beija, abraça e lhe dedica um banquete; deve explicar-lhe,
para entrar no seu coração: ele tinha o coração blindado
pelos seus conceitos de paternidade, de filiação, de modo
de viver.
Lembro-me que certa vez um sacerdote idoso e sá-
bio, um grande confessor, um missionário, um homem
que amava tanto a Igreja, falando de um sacerdote jovem,
que era muito seguro de si mesmo, muito crente... que se
julgava valoroso e que tinha direitos na Igreja. O idoso dis-
se-lhe: “Rezo por isto, para que o Senhor lhe coloque uma
casca de banana no caminho e o faça escorregar, isso far-
-lhe-á bem”. Como se dissesse, embora pareça blasfémia:
“Far-lhe-á bem pecar, porque depois deverá pedir perdão
e assim encontrará o Pai”.
Esta parábola do Senhor diz-nos muitas coisas, uma
resposta para aqueles que o criticavam porque ele anda-
va com os pecadores. Mas também hoje muitos, pessoas
da Igreja, criticam aqueles que se aproximam de pessoas
necessitadas, de pessoas humildes, de pessoas que traba-
lham, até aqueles que trabalham para nós. Que o Senhor
94
nos dê a graça de entender qual é o problema. O problema
é viver em casa sem se sentir em casa, porque não há rela-
ção de paternidade, de fraternidade, apenas a relação de
companheiros de trabalho.
95
Domingo 15 de março de 2020
Terceiro Domingo de Quaresma
Santa Missa7
Introdução
Neste domingo de Quaresma, rezemos todos juntos
pelos doentes, pelas pessoas que sofrem. E hoje gostaria
de recitar com todos vós uma oração especial pelas pes-
soas que, com o seu trabalho, garantem o funcionamento
da sociedade: os trabalhadores das farmácias, dos super-
mercados, do transporte, os polícias. Rezemos por todos
aqueles que trabalham para que a vida social, a vida na
cidade, possa seguir em frente neste momento.
7
Liturgia da Palavra: Êx 17, 3-7; Sl 94; Rm 5, 1-2.5-8; Jo 4, 5-42.
Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/cdmlLAAIc60?t=782
97
se pode ser discípulo de Jesus sem a própria verdade, sem o
que somos. Não se pode ser discípulo de Jesus somente com
argumentações: “Sobre este monte, sobre aquele outro”.
Essa mulher teve a coragem de dialogar com Jesus, porque
esses dois povos não dialogavam entre si. Teve a coragem
de se interessar pela proposta de Jesus, a água, porque
sabia que Ele tinha sede. Teve a coragem de confessar as
suas fraquezas, os seus pecados; antes, a coragem de usar
a própria história como garantia que aquele era um profeta.
“Ele contou-me tudo o que eu fiz”.
O Senhor quer dialogar sempre com transparência,
sem esconder as coisas, sem duplas intenções: “Sou as-
sim”. E assim falo com o Senhor, como sou, com a minha
verdade. E assim, a partir da minha verdade, pela força
do Espírito Santo, encontro a Verdade: que o Senhor é o
Salvador, aquele que veio para me salvar, para nos salvar.
Esse diálogo tão transparente entre Jesus e a mulher
termina com a confissão da realidade messiânica de Jesus,
com a conversão daquele povo (aquele campo) que o Se-
nhor viu branquear, que vinha ter com Ele, porque estava
pronto para a ceifa.
Que o Senhor nos dê a graça de rezar sempre com
a verdade, de nos dirigirmos ao Senhor com a nossa ver-
dade, não com a verdade dos outros, nem com verdades
destiladas em argumentações: “É verdade, tive cinco ma-
ridos, tal é a minha verdade” (cf. vv. 17-18).
Angelus8
8
Para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=-o8-ty-
-9qGo
98
tes, os médicos, os enfermeiros e os voluntários. O Senhor
Arcebispo está próximo do seu povo e também de Deus na
oração. Vem-me à mente a fotografia da semana passada:
ele sozinho no teto da Catedral a rezar a Nossa Senhora.
Gostaria de agradecer também a todos os sacerdotes, pela
sua criatividade. Chegam-me muitas notícias da Lombar-
dia sobre esta criatividade. É verdade, a Lombardia foi mui-
to atingida. Sacerdotes que pensam em muitas maneiras
de estar próximos do povo, para que o povo não se sinta
abandonado; sacerdotes com zelo apostólico, os quais en-
tenderam bem que em tempos de pandemia não se deve ser
como “dom Abbondio”. Muito obrigado, sacerdotes!
O trecho evangélico deste terceiro domingo da Qua-
resma apresenta o encontro de Jesus com uma Samaritana
(cf. Jo 4, 5-42). Ele está a caminho com os seus discípulos
e param perto de um poço em Samaria. Os samaritanos
eram considerados hereges pelos judeus, e muito despre-
zados, como cidadãos de segunda categoria. Jesus está
cansado, tem sede. Uma mulher vem buscar água e ele
pede-lhe: « Dá-me de beber » (v. 7). Assim, rompendo to-
das as barreiras, começa um diálogo em que revela àque-
la mulher o mistério da água viva, isto é, do Espírito Santo,
dom de Deus. Com efeito, à reação de surpresa da mulher,
Jesus responde: « Se conhecesses o dom de Deus e quem é
que te diz: “Dá-me de beber”, tu mesma pedir-lhe-ias e Ele
dar-te-ia a água viva » (v. 10).
No centro deste diálogo está a água. Por um lado, a
água como elemento essencial para viver, que sacia a sede
do corpo e sustenta a vida. Por outro, a água como sím-
bolo da graça divina, que dá a vida eterna. Na tradição
bíblica, Deus é a fonte da água viva – assim se diz nos
Salmos, nos profetas – e afastar-se de Deus, fonte de água
viva, e da sua Lei causa a pior seca. Tal é a experiência
do povo de Israel no deserto. No longo caminho rumo à
99
liberdade, abrasado pela sede, ele protesta contra Moisés e
contra Deus, porque não há água. Então, pela vontade de
Deus, Moisés faz brotar água de uma rocha, como sinal da
providência de Deus que acompanha o seu povo e lhe dá
vida (cf. Êx 17, 1-7).
E o Apóstolo Paulo interpreta aquela rocha como
símbolo de Cristo. Assim dirá: « E a rocha é Cristo » (cf. 1
Cor 10, 4). É a figura misteriosa da sua presença no meio do
povo de Deus a caminho. Com efeito, Cristo é o Templo do
qual, segundo a visão dos profetas, brota o Espírito Santo,
ou seja, a água viva que purifica e dá vida. Quem tem sede
de salvação pode haurir gratuitamente de Jesus, e n›Ele o
Espírito Santo tornar-se-á uma nascente de vida plena e
eterna. A promessa da água viva que Jesus fez à Samari-
tana tornou-se realidade na sua Páscoa: do seu lado tres-
passado saiu « sangue e água » (Jo 19, 34). Cristo, Cordeiro
imolado e ressuscitado, é a fonte da qual brota o Espírito
Santo, que perdoa os pecados e regenera para a vida nova.
Este dom é também a fonte do testemunho. Assim
como a Samaritana, quem encontrar Jesus vivo sente a ne-
cessidade de o contar aos outros, para que todos cheguem
a confessar que Jesus « é verdadeiramente o Salvador do
mundo » (Jo 4, 42), como disseram mais tarde os conter-
râneos daquela mulher. Também nós, gerados para uma
nova vida através do Batismo, somos chamados a dar tes-
temunho da vida e da esperança que há em nós. Se a nos-
sa busca e sede encontrarem plena satisfação em Cristo,
manifestaremos que a salvação não está nas “coisas” deste
mundo, as quais no final produzem a seca, mas n’Aquele
que nos amou e nos ama sempre: Jesus, nosso Salvador, na
água viva que Ele nos oferece.
Que Maria Santíssima nos ajude a cultivar o desejo
de Cristo, fonte de água viva, o único que pode saciar a
sede de vida e de amor que sentimos no nosso coração.
100
Depois do Angelus
Prezados irmãos e irmãs!
Nestes dias a Praça de São Pedro está fechada, por
isso dirijo a minha saudação diretamente a vós que estais
sintonizados através dos meios de comunicação.
Nesta situação de pandemia, em que estamos a vi-
ver mais ou menos isolados, somos convidados a redesco-
brir e aprofundar o valor da comunhão, que une todos os
membros da Igreja. Unidos a Cristo, nunca estamos sozi-
nhos, mas formamos um só Corpo, do qual Ele é a Cabeça.
Trata-se de uma união alimentada pela oração, e também
pela comunhão espiritual na Eucaristia, uma prática alta-
mente recomendada quando não é possível receber o Sa-
cramento. Digo isto a todos, especialmente às pessoas que
vivem sozinhas.
Renovo a minha proximidade a todos os doentes e a
quantos os assistem. Assim como aos numerosos agentes
e voluntários que ajudam as pessoas que não podem sair
de casa, e àqueles que atendem às necessidades dos mais
pobres e dos desabrigados.
Muito obrigado por todo o esforço que cada um de
vós faz para ajudar neste momento tão difícil. O Senhor
vos abençoe, Nossa Senhora vos ampare; e, por favor, não
vos esqueçais de rezar por mim. Feliz domingo e bom al-
moço. Obrigado!
101
Segunda-feira, 16 de março de 2020
Santa Missa9
Introdução
Continuemos a rezar pelos doentes. Penso nas famí-
lias, fechadas em casa, nas crianças que não vão à escola,
nos pais que talvez não possam sair; alguns estarão em
quarentena. Que o Senhor os ajude a descobrir novos mo-
dos, novas expressões de amor, de convivência nesta nova
situação. É uma ocasião bela para reencontrar os verda-
deiros afetos, com a criatividade em família. Rezemos pela
família, para que as relações na família neste momento flo-
resçam sempre para o bem.
9
Liturgia da Palavra: 2 Rs 5, 1-15; Sl 41-42; Lc 4, 24-30. Para o
vídeo da celebração: https://youtu.be/LG2QJJxSiRQ?t=788
103
Também Naamã, que era um homem bom, inclusive
aberto à fé, mas quando o profeta lhe manda banhar-se
no Jordão, indigna-se. Mas como é possível? “Eu pensava
que ele viria pessoalmente e, diante de mim, invocaria o
Senhor, seu Deus, poria a mão no lugar infetado e curar-
-me-ia da lepra. Porventura os rios de Damasco, o Abana
e o Farfar, não são melhores que todas as águas de Israel?
Não me poderia eu lavar neles e ficar limpo? E, voltando-
-se, retirou-se encolerizado”. Com indignação.
Também em Nazaré há pessoas boas; mas o que há
por trás destas boas pessoas que as leva a essa atitude de
indignação? E em Nazaré é pior: a violência. Quer as pes-
soas da sinagoga de Nazaré, quer Naamã pensavam que
Deus se manifestasse somente no extraordinário, nas coi-
sas fora do comum; que Deus não podia agir nas coisas
comuns da vida, na simplicidade. Indignavam-se com o
simples. Eles indignavam-se, desprezavam as coisas sim-
ples. E o nosso Deus faz-nos entender que Ele age sempre
na simplicidade: na simplicidade, na casa de Nazaré, na
simplicidade do trabalho de todos os dias, na simplicida-
de da oração... As coisas simples. Ao contrário, o espírito
mundano leva-nos à vaidade, às aparências...
E ambas acabam na violência: Naamã é muito edu-
cado, mas bate a porta diante do profeta e vai embora. A
violência, um gesto de violência. O povo da sinagoga co-
meça a irritar-se, a acalorar-se, e toma a decisão de assas-
sinar Jesus, mas inconscientemente, e expulsam-no para
o lançar do alto do monte. A indignação é uma tentação
terrível, que leva à violência.
Dias atrás, mostraram-me num telefone celular um
vídeo da porta de um prédio em quarentena. Havia uma
pessoa, um jovem, que queria sair. E o guarda disse-lhe
104
que não podia. Ele reagiu com socos, com indignação, com
desprezo. “Mas quem és tu, ‘negro’, para impedir que eu
saia?”. A indignação é a atitude dos soberbos, mas dos so-
berbos pobres, dos soberbos com uma terrível pobreza de
espírito, dos soberbos que vivem somente com a ilusão de
ser mais do que realmente são. É uma estratificação espiri-
tual, o povo que se indigna: aliás, estes indivíduos sentem
a necessidade de se indignar muitas vezes para se sentir
pessoas.
Isto pode acontecer também com cada um de nós: “o
escândalo farisaico”, chamam-lhe os teólogos, escandali-
zar-me com coisas que são a simplicidade de Deus, a sim-
plicidade dos pobres, a simplicidade dos cristãos, como se
dissesse: “Mas isso não é Deus. Não, não! O nosso deus é
mais culto, é mais sábio, é mais importante. Deus não pode
agir nesta simplicidade”. E a indignação leva-nos sempre
à violência, quer à violência física, quer à dos mexericos,
que mata como a violência física.
Pensemos nestas duas passagens: a indignação do
povo na sinagoga de Nazaré e a indignação de Naamã,
porque não entenderam a simplicidade do nosso Deus.
105
Terça-feira, 17 de março de 2020
Santa Missa10
Introdução
Hoje gostaria de rezar convosco pelos anciãos que
sofrem neste momento de modo particular, com uma so-
lidão interior muito grande e por vezes com tanto medo.
Peçamos ao Senhor que esteja próximo dos nossos avôs e
avós, de todos os anciãos, e que lhes dê força. Eles trans-
mitiram-nos a sabedoria, a vida, a história. Também nós
nos façamos próximos deles com a oração.
107
rancores. Todos vemos famílias destruídas por ódios fa-
miliares que passam de geração em geração. Irmãos que,
diante do caixão de um dos pais, não se saúdam porque
levam adiante rancores antigos. Parece que o apegar-se ao
ódio é mais forte do que o apegar-se ao amor; e este é pro-
priamente o tesouro – digamos assim – do diabo. Ele es-
conde-se sempre entre os nossos rancores, entre os nossos
ódios e fá-los crescer, mantendo-os ali para destruir. Des-
trói tudo. E muitas vezes destrói por coisas insignificantes.
E também se destrói este Deus que não veio para
condenar, mas para perdoar. Este Deus que é capaz de
fazer festa por um pecador que se aproxima e esquece
tudo. Quando Deus perdoa, esquece todo o mal que fi-
zemos. Alguém dirá: “É a doença de Deus”. Nestes casos
Ele não tem memória, é capaz de perder a memória. Deus
perde a memória das histórias terríveis de tantos pecado-
res, dos nossos pecados. Perdoa-nos e segue adiante. Pe-
de-nos apenas: “Faz o mesmo: aprende a perdoar”, não
leves adiante esta cruz infecunda do ódio, do rancor, do
“vais pagar por isto”. Esta palavra não é nem cristã nem
humana. É a generosidade de Jesus que nos ensina que
para entrar no céu devemos perdoar. Aliás, diz-nos: “Vais
à Missa?” – “Sim” – “Mas se fores à Missa e te recordares
que o teu irmão tem algo contra ti, primeiro, não venhas
ao meu encontro com o amor por mim numa mão e com
o ódio pelo irmão na outra”. Coerência de amor. Perdoar.
Perdoar de coração!
Há pessoas que vivem condenado o próximo, fa-
lando mal dos outros, difamando continuamente os seus
colegas de trabalho, os vizinhos, os parentes, porque não
perdoam algo que lhes fizeram, ou não perdoam algo que
não lhes agradou. Parece que a riqueza própria do diabo
108
é esta: semear o amor não perdoando, viver apegado ao
não-perdão. Mas o perdão é a condição para entrar no céu.
A parábola que Jesus nos narra é muito clara: per-
doar. Que o Senhor nos ensine esta sabedoria do perdão,
a qual não é fácil. E façamos algo: quando formos confes-
sar-nos, quando recebermos o sacramento da reconcilia-
ção, antes perguntemo-nos: “Eu perdoo?”. Se sinto que
não perdoo, não devo fingir que peço o perdão, porque
não serei perdoado. Pedir perdão significa perdoar. Am-
bos caminham juntos. Não podem separar-se. E quantos
pedem perdão para si, como aquele senhor a quem o pa-
trão perdoa tudo, mas não perdoam os outros, acabarão
como aquele senhor. “Assim vos tratará o meu Pai celeste,
se cada um de vós não perdoar ao seu irmão, de todo o
coração”.
Que o Senhor nos ajude a entender isto e a abaixar a
cabeça, a não ser soberbos, a ser magnânimos no perdão.
Ao menos a perdoar “por interesse”. Como é possível?
Sim: perdoar, pois se eu não perdoar, não serei perdoado.
Pelo menos isto. Mas perdoar sempre!
109
Quarta-feira, 18 de março de 2020
Santa Missa11
Introdução
Hoje rezemos pelos defuntos, por aqueles que perde-
ram a vida por causa do vírus; de modo especial, gostaria
de rezar pelos agentes de saúde que morreram nestes dias.
Deram a vida ao serviço dos doentes.
Homilia- Nosso Deus está próximo e nos pede para estarmos próximos
uns don outros
O tema de ambas as leituras de hoje é a Lei. A Lei que
Deus dá ao seu povo. A Lei que o Senhor quis dar-nos e
que Jesus desejou levar à máxima perfeição. Mas tem algo
que chama a atenção: o modo como Deus transmite a Lei.
Moisés diz: “Com efeito, qual grande nação tem deuses
tão próximos de si como está próximo de nós o Senhor,
nosso Deus, cada vez que o invocamos?”. O Senhor dá a
Lei ao seu povo com uma atitude de proximidade. Não
são prescrições de um governante, que pode estar distan-
te, nem de um ditador... não: é a proximidade; e pela reve-
lação sabemos que se trata de uma proximidade paterna,
de pai, que acompanha o seu povo, oferecendo-lhe o dom
da Lei. O Deus próximo. “Com efeito, qual grande nação
tem deuses tão próximos de si como está próximo de nós o
Senhor, nosso Deus, cada vez que o invocamos?”.
111
O nosso Deus é o Deus da proximidade, é um Deus
próximo, que caminha com o seu povo. Aquela imagem
no deserto, no Êxodo, a nuvem, a coluna de fogo para pro-
teger o povo: caminha com o seu povo. Não é um Deus
que deixa prescrições escritas, “e segue adiante”. Faz pres-
crições, escreve-as na pedra com as próprias mãos, dá-las
a Moisés, entrega-as a Moisés; não se limita a dar prescri-
ções e a ir embora: caminha, está próximo. “Qual nação
tem um Deus tão próximo?”. É a proximidade. O nosso
Deus é o Deus da proximidade.
E a primeira resposta do homem, nas primeiras pá-
ginas da Bíblia, são duas atitudes de não-proximidade. A
nossa resposta consiste sempre em distanciar-nos; distan-
ciamo-nos de Deus. Ele faz-se próximo e nós distanciamo-
-nos. Aquelas duas primeiras páginas, a primeira atitude
de Adão e da mulher é esconder-se: escondem-se da proxi-
midade de Deus, têm vergonha porque pecaram; o pecado
leva-nos a esconder-nos, a não desejar a proximidade. E
muitas vezes, a fazer uma teologia pensando somente “no
juiz”; é por isso que me escondo: tenho medo. A segunda
atitude, humana, à proposta desta proximidade de Deus é
matar. Matar o irmão. “Não sou o guarda do meu irmão”.
Duas atitudes que eliminam toda a proximidade. O
homem rejeita a proximidade de Deus, quer ser dono das
relações; mas a proximidade traz sempre consigo alguma
fraqueza. O “Deus próximo” faz-se fraco, e quanto mais
se aproxima, mais fraco parece. Quando vem habitar con-
nosco, faz-se homem, um de nós: faz-se fraco e carrega a
fraqueza até à morte e a morte mais cruel, a morte dos as-
sassinos, a morte dos maiores pecadores. A proximidade
humilha Deus. Ele humilha-se para estar ao nosso lado,
para caminhar connosco, para nos ajudar.
112
O “Deus próximo” fala-nos de humildade. Não é um
“grande Deus” distante... não. Está próximo. É de casa. E
vemos isso em Jesus, Deus que se fez homem, próximo
dos seus discípulos até à morte: acompanha-os, ensina-os,
corrige-os com amor... Pensemos, por exemplo, na proxi-
midade de Jesus aos discípulos angustiados de Emaús: es-
tão aflitos, derrotados, e Ele aproxima-se lentamente, para
lhes explicar a mensagem de vida, de ressurreição.
O nosso Deus está próximo e pede-nos que esteja-
mos próximos uns dos outros, que não nos afastemos uns
dos outros. E neste momento de crise, devido à pandemia
que vivemos, esta proximidade deve tornar-se ainda mais
evidente. Talvez não possamos aproximar-nos fisicamente
por medo do contágio, mas podemos despertar uma ati-
tude de proximidade entre nós: com a oração, a ajuda e
tantos modos de proximidade. E por que motivo devemos
estar próximos uns dos outros? Porque o nosso Deus está
próximo, quis acompanhar-nos na vida. É o Deus da pro-
ximidade. Por isso, não somos pessoas isoladas: estamos
próximos, pois a herança que recebemos do Senhor é a
proximidade, ou seja, o gesto da proximidade.
Peçamos ao Senhor a graça de estar próximos, sem
nos escondermos uns dos outros; não lavemos as mãos,
como fez Caim, diante do problema do outro: não! Próxi-
mos, proximidade. “Com efeito, qual grande nação tem
deuses tão próximos de si como está próximo de nós o Se-
nhor, nosso Deus, cada vez que o invocamos?”.
113
Quinta-feira, 19 de março de 2020
Solenidade de São José
Santa Missa12
Introdução
Rezemos hoje pelos irmãos e irmãs que se encontram
no cárcere: eles sofrem muito, pela incerteza daquilo que
acontecerá na prisão, e pensando também nas suas famí-
lias, como elas estão, se alguém está doente, se falta algu-
ma coisa. Hoje estejamos próximos dos encarcerados, que
sofrem muito neste momento de incerteza e de dor.
12
Liturgia da Palavra: 2 Sm 7, 4-5.12-14.16; Sl 88; Rm 4, 13.16-
18.22; Mt 1, 16.18-21.24. Para o vídeo da celebração: https://youtu.
be/BTckS9VsvJg?t=842
115
mas não havia. O Senhor escolheu um “justo”, um homem
de fé. Um homem capaz de ser humano e também capaz
de falar com Deus, de entrar no mistério de Deus. E esta
foi a vida de José. Viver a sua profissão, a sua vida de ho-
mem e entrar no mistério. Um homem capaz de falar com
o mistério, de dialogar com o mistério de Deus. Não era
um sonhador. Entrava no mistério. Com a mesma natu-
ralidade com a qual levava adiante a sua profissão, com a
precisão da sua profissão: ele era capaz de ajustar milime-
tricamente uma quina da madeira, sabia fazê-lo; era capaz
de rebaixar, de diminuir um milímetro da madeira, da su-
perfície da madeira. Justo, era preciso. Mas também era
capaz de entrar no mistério que ele não podia controlar.
Eis a santidade de José: levar adiante a sua vida, o seu
trabalho com justeza, com profissionalismo; e, no momen-
to exato, entrar no mistério. Quando o Evangelho nos fala
dos sonhos de José, explica-nos isto: ele entra no mistério.
Penso na Igreja hoje, nesta Solenidade de São José.
Os nossos fiéis, bispos, sacerdotes, consagrados e consa-
gradas, os Papas: são capazes de entrar no mistério? Ou
devem ajustar-se segundo as prescrições que os defendem
daquilo que não podem controlar? Quando a Igreja perde
a possibilidade de entrar no mistério, perde a capacidade
de adorar. A prece de adoração somente é possível quan-
do entramos no mistério de Deus.
Peçamos ao Senhor a graça de que a Igreja possa vi-
ver no pragmatismo da vida diária e também na solidez
– entre aspas – do mistério. Se não conseguir fazê-lo, será
uma Igreja pela metade, uma associação piedosa, levada
adiante por prescrições, mas sem o sentido da adoração.
Entrar no mistério não é sonhar; entrar no mistério é pre-
cisamente isto: adorar. Entrar no mistério é fazer aquilo
que faremos no futuro, quando chegarmos à presença de
Deus: adorar.
Que o Senhor conceda esta graça à Igreja!
117
Mensagem vídeo do Papa Francisco aos
participantes na recitação do rosário pela Itália
promovido pela conferência episcopal do país na
solenidade de São José13
118
Esta noite rezemos unidos, confiando-nos à interces-
são de São José, Guarda da Sagrada Família, Guarda de
todas as nossas famílias. Também o carpinteiro de Naza-
ré conheceu a precariedade e a amargura, a preocupação
pelo amanhã; mas sabia caminhar na escuridão de certos
momentos, deixando-se guiar sempre sem hesitações pela
vontade de Deus.
Protege, Santo Guarda, este nosso país.
Ilumina os responsáveis pelo bem comum, para que
saibam — como tu — cuidar das pessoas confiadas à tua
responsabilidade.
Dá a inteligência da ciência àqueles que procuram
os meios adequados para a saúde e o bem-estar físico dos
irmãos.
Apoia aqueles que se dedicam aos necessitados:
voluntários, enfermeiros, médicos, que estão na linha da
frente no tratamento dos doentes, mesmo à custa da pró-
pria incolumidade.
Abençoa, São José, a Igreja: a começar pelos seus mi-
nistros, faz dela um sinal e um instrumento da tua luz e da
tua bondade.
Acompanha, São José, as famílias: com o teu silêncio
orante, constrói a harmonia entre pais e filhos, especial-
mente os mais pequeninos.
Preserva os idosos da solidão: que ninguém seja dei-
xado no desespero do abandono e do desânimo.
Conforta os mais frágeis, encoraja os que vacilam
e intercede pelos pobres.
Com a Virgem Mãe, roga ao Senhor para que liberte
o mundo de qualquer forma de pandemia.
Amém!
119
Sexta-feira, 20 de março de 2020
Santa Missa14
Introdução
Ontem recebi a mensagem de um sacerdote berga-
masco, pedindo para rezar pelos médicos de Bérgamo,
Treviglio, Bréscia e Cremona, que trabalham no limite
das suas forças; eles dão as suas próprias vidas para aju-
dar os doentes, para salvar a vida dos outros. E oremos
também pelas autoridades; para elas não é fácil gerir este
momento, e muitas vezes sofrem devido a incompreen-
sões. Neste momento médicos, pessoal hospitalar e vo-
luntários da saúde ou autoridades são colunas que nos
ajudam a seguir em frente e nos defendem nesta crise.
Rezemos por eles.
121
E esta recordação – eu era menino – leva-me imedia-
tamente ao pai do capítulo 15 de Lucas, àquele pai que
diz: “Estava ainda longe, quando o seu pai o viu”, aquele
filho que tinha ido embora com todo o dinheiro e que o
desperdiçou. Mas, se o vê de longe, é porque esperava por
ele. Subia ao terraço – quantas vezes por dia! – por dias e
dias, meses, quem sabe por anos, esperando o filho. Vê-o
de longe. Volta para o teu pai, volta para o teu pai. Ele
espera por ti. É a ternura de Deus que nos fala, especial-
mente na Quaresma. É o momento de voltar a nós mesmos
e de recordar o Pai, de voltar para ele.
“Não, pai, tenho vergonha de voltar porque... Pai,
tu sabes que fiz muitas coisas, agi muito mal...”. O que o
Senhor diz? “Volta, curar-te-ei da tua infidelidade, amar-
-te-ei profundamente, porque a minha ira se afastou. Serei
como orvalho, florescerás como um lírio e lançarás raízes
como uma árvore do Líbano”. Volta para o teu pai que
espera por ti. O Deus da ternura há de curar-nos das nu-
merosas feridas da vida e das muitas coisas ruins que fize-
mos. Cada um fez as suas!
Mas pensemos nisto: voltar para Deus é retornar ao
abraço do pai. E pensemos na outra promessa que Isaías
faz: “Se os vossos pecados forem escarlates, tornar-se-ão
brancos como a neve”. Ele é capaz de nos transformar, Ele
é capaz de mudar o coração, mas temos que dar o primei-
ro passo: voltar. Não significa ir para Deus, não: é voltar
para casa.
E a Quaresma tem sempre por objetivo esta conver-
são do coração que, segundo o costume cristão, ganha for-
ma no Sacramento da Confissão. É o momento para - não
sei se [para] “acertar as contas”, não gosto disto - deixar
que Deus nos branqueie, nos purificque, nos abrace.
122
Sei que muitos de vós, na Páscoa, se confessarão
para se encontrar com Deus. Mas hoje muitos me diriam:
“Padre, onde posso encontrar um sacerdote, um confes-
sor, dado que não podemos sair de casa? E quero fazer
as pazes com o Senhor, quero que Ele me abrace, que o
meu Pai me abrace... Como o posso fazer, se não encontro
um sacerdote?”. Faz o que o diz Catecismo. É muito claro:
se não encontrares um sacerdote para te confessares, fala
com Deus, Ele é o teu Pai, e diz-lhe a verdade: “Senhor,
fiz isto, isso, aquilo... Perdoai-me”; pede perdão a Ele de
todo o coração, com o Ato de Contrição, e promete-lhe:
“Confessar-me-ei depois, mas perdoai-me agora”. E vol-
tarás imediatamente à graça de Deus. Tu mesmo podes
aproximar-te – como nos ensina o Catecismo – do perdão
de Deus, se não puderes encontrar-se com um sacerdote.
Mas pensai: este é o momento! Este é o momento certo, o
momento oportuno. Um Ato de Contrição bem feito, e as-
sim a nossa alma tornar-se-á branca como a neve.
Seria bom se hoje ecoasse nos nossos ouvidos esta
frase: “Volta para o teu pai, volta para o teu pai”. Ele espe-
ra-te e fará uma festa para ti.
123
Sábado, 21 de março de 2020
Santa Missa15
Introdução
Hoje gostaria de recordar as famílias que não podem
sair de casa. Talvez o único horizonte que tenham é a va-
randa. E ali dentro, a família com as crianças, os jovens, os
pais: para que saibam encontrar o modo de se comunicar
bem, de construir relações de amor em família, e saibam
vencer as angústias deste tempo juntos, em família. Oremos
pela paz nas famílias hoje, nesta crise, e pela criatividade.
15
Liturgia da Palavra: Os 6, 1-6; Sl 50; Lc 18, 9-14. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/ixTJyMh3SDk?t=660
125
No Evangelho Jesus ensina-nos a rezar. Há dois ho-
mens, um é arrogante e vai rezar, mas para dizer que é
bom, como se dissesse a Deus: “Olha, sou tão bom, se pre-
cisares de algo, diz-me, eu resolvo o teu problema”. Assim
se dirige a Deus: presunção. Talvez fizesse tudo o que a
Lei determina; e di-lo: “Jejuo duas vezes por semana, dou
o dízimo de toda a minha renda... sou bom”. Isto recor-
da-nos também outros dois homens. Recorda-nos o filho
mais velho da parábola do filho pródigo, quando vai ter
com o pai e diz: “Para mim, que sou tão bom, não orga-
nizas uma festa, mas para ele, que é um infeliz, organizas
uma festa...”. Arrogante. O outro, que ouvimos estes dias,
é a história do homem rico, um sem-nome, mas era rico,
incapaz de ter um nome, mas era rico... nada lhe importa-
va da miséria dos outros. São aqueles que têm a segurança
em si mesmos, no dinheiro ou no poder...
Depois há outro, o publicano. Que não se põe dian-
te do altar, não: permanece à distância. “Mantendo-se à
distância, não ousava nem sequer elevar os olhos para o
céu. Batia a mão no peito dizendo: “Deus, tende pieda-
de de mim, pecador”. Também ele nos leva à recordação
do filho pródigo: deu-se conta dos pecados cometidos, do
mal que tinha feito; também ele batia no peito: “Voltarei
ao meu pai e direi: pai, pequei”. Humilhação. Recorda-nos
o outro, o mendigo Lázaro, à porta do rico, que vivia a sua
miséria diante da presunção daquele senhor. Há sempre
esta combinação de pessoas no Evangelho.
Neste caso, o Senhor ensina-nos a rezar, a aproxi-
mar-nos do Senhor: com humildade. Há uma bonita ima-
gem no hino litúrgico da festa de São João Batista. Diz que
o povo se aproximava do Jordão para receber o batismo,
“com a alma nua e descalço”: rezar com a alma despida,
126
sem pinturas, sem se disfarçar com as próprias virtudes.
Como lemos no início da Missa, ele perdoa todos os peca-
dos, mas é preciso que eu lhos mostre com a minha nudez.
Rezar assim, nus, com o coração despido, sem cobrir, sem
confiar nem sequer naquilo que aprendi sobre o modo de
rezar... Rezar, tu e eu, face a face, com a alma nua. É isto
que o Senhor nos ensina. Ao contrário, quando nos apro-
ximamos do Senhor demasiado seguros de nós mesmos,
caímos na presunção deste homem ou do filho mais velho,
ou do rico ao qual nada faltava. Temos a nossa seguran-
ça algures. “Vou ao Senhor para... mas quero ir, para ser
educado... e praticamente trato-lhe por tu...”: não é este o
caminho. O caminho é abaixar-se. Abaixar-se. O caminho
é a realidade. E o único homem desta parábola que enten-
deu a realidade foi o publicano: “Tu és Deus e eu sou pe-
cador”. Esta é a realidade. Mas digo que sou pecador, não
com os lábios: com coração. Sentir-se pecador.
Não esqueçamos o que o Senhor nos ensina: justificar
a si mesmo é soberba, é orgulho, é exaltar a si próprio. É
disfarçar-se com aquilo que não sou. E as misérias perma-
necem dentro. O fariseu justificava-se a si mesmo. Con-
fessar os próprios pecados, sem os justificar, sem dizer:
“Mas não, fiz isto, mas a culpa não era minha...”. A alma
despida. A alma despida!
O Senhor ensina-nos a entender isso, esta atitude,
para começar a oração. Quando começamos a oração com
as nossas justificações e seguranças, não é uma prece: é fa-
lar com o espelho. Ao contrário, quando começo a oração
com a verdadeira realidade – “sou pecador, sou pecador”
– é um bom passo avante para me deixar olhar pelo Se-
nhor. Que Jesus nos ensine isto!
127
Domingo, 22 de março de 2020
Quarto Domingo de Quaresma (A)
Santa Missa16
Introdução
Nestes dias, ouvimos as notícias de muitos defuntos:
homens e mulheres que morrem sozinhos, sem poder des-
pedir-se dos seus entes queridos. Pensemos neles e reze-
mos por eles. Mas também pelas famílias, que não podem
acompanhar os seus entes queridos no momento do fale-
cimento. A nossa oração especial é pelos defuntos e seus
familiares.
16
Liturgia da Palavra: 1 Sm 16, 1.4.6-7.10-13; Sl 22; Ef 5, 8-14;
Jo 9, 1-41. Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/q-y5emH-
H4YM?t=1153
129
sentimentos do coração, manifestam-se as verdadeiras ati-
tudes. É uma graça, e por isso Agostinho tinha medo de o
deixar passar, sem perceber que passava.
Aqui é claro: Ele passa, cura um cego e desencadeia-
-se um escândalo. Em seguida, manifesta-se o melhor e
o pior das pessoas. O cego... impressiona a sabedoria do
cego, como ele responde. Estava acostumado a mover-se
com as mãos, tinha o faro para o perigo, o olfato para as si-
tuações perigosas que o podiam levar a escorregar. E mo-
ve-se como um cego. Com uma argumentação clara e pre-
cisa, e depois dá-se ao luxo de recorrer inclusive à ironia.
Os doutores da Lei conheciam todos os preceitos:
todos, todos. Mas eram inamovíveis dali. Não entendiam
quando Deus passava. Eram rígidos, apegados aos seus
costumes: o próprio Jesus diz isto no Evangelho: apegados
aos costumes. E se para conservar estes hábitos tinham
que cometer uma injustiça, isto não era um problema, pois
segundo os costumes aquilo não era justiça; e aquela rigi-
dez levava-os a a cometer injustiças. Este sentimento de
obstinação manifesta-se diante de Cristo.
Somente isto. Aconselho todos vós a ler hoje o ca-
pítulo 9 do Evangelho de João, a lê-lo em casa, tranqui-
los. Uma, duas vezes, para entender bem o que acontece
quando Jesus passa: que os sentimentos se manifestam.
Para entender bem o que Agostinho nos diz: tenho medo
que o Senhor passe e eu não me aperceba, não o reconhe-
ça e não me converta. Não vos esqueçais: lede hoje uma,
duas, três vezes, por quanto tempo quiserdes, o capítulo
9 de João.
130
Oração para fazer a Comunhão espiritual
Meu Jesus, creio que estais presente no Santíssimo
Sacramento. Amo-vos acima de tudo e a minha alma sus-
pira por Vós. Mas dado que agora não posso receber-vos
no Santíssimo Sacramento, vinde, pelo menos espiritual-
mente, ao meu coração. Abraço-vos come se já estivésseis
comigo: uno-me inteiramente a Vós. Ah! Não permitais
que eu volte a separar-me de Vós!
Angelus17
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
17
Para o vídeo: https://youtu.be/ST7WmdT8rKc
131
Os doutores da lei - que estavam lá, um grupo - per-
sistem em não admitir o milagre, e fazem perguntas insi-
diosas ao homem curado. Mas ele desconcerta-os com a
força da realidade: « Uma coisa eu sei: havendo sido cego,
agora vejo » (v. 25). Entre a desconfiança e a hostilidade
dos que o rodeiam e o interrogam incrédulos, ele realiza
um itinerário que gradualmente o leva a descobrir a iden-
tidade d’Aquele que lhe abriu os olhos e a confessar a fé
nele. Primeiro considera-o profeta (cf. v. 17); depois reco-
nhece-o como alguém que vem de Deus (cf. v. 33); por fim
acolhe-o como o Messias e prostra-se diante dele (cf. vv.
36-38). Compreendeu que ao dar-lhe a visão Jesus « mani-
festava nele as obras de Deus » (cf. v. 3).
Que também nós possamos fazer esta experiência!
Com a luz da fé, aquele que era cego descobre a sua nova
identidade. Ele é agora uma « nova criatura », capaz de
ver a sua vida e o mundo ao seu redor sob uma nova luz,
porque entrou em comunhão com Cristo, entrou noutra
dimensão. Ele já não é um mendigo marginalizado pela
comunidade; já não é um escravo da cegueira e do precon-
ceito. O seu caminho de iluminação é uma metáfora para o
caminho de libertação do pecado a que somos chamados.
O pecado é como um véu escuro que cobre o nosso rosto
e nos impede de ver claramente a nós mesmos e o mundo;
o perdão do Senhor tira este manto de sombra e escuridão
e restitui-nos nova luz. A Quaresma que estamos a viver
seja um tempo oportuno e precioso para nos aproximar-
mos do Senhor, pedindo a Sua misericórdia, nas diferen-
tes formas que a Mãe Igreja nos propõe.
132
O cego curado, que agora vê com os olhos do corpo
e da alma, é a imagem de todos os batizados que, imersos
na Graça, foram arrancados das trevas e colocados na luz
da fé. Mas não é suficiente receber a luz, é preciso tornar-se
luz. Cada um de nós é chamado a receber a luz divina a
fim de a manifestar com toda a nossa vida. Os primeiros
cristãos, os teólogos dos primeiros séculos, disseram que
a comunidade dos cristãos, ou seja, a Igreja, é o « misté-
rio da lua », porque dava luz mas não tinha luz própria,
era a luz que recebia de Cristo. Também nós devemos ser
« mistério da lua »: dar a luz recebida do sol, que é Cristo,
Senhor. São Paulo recorda-nos isto hoje: « Comportai-vos,
pois, como filhos da luz; agora o fruto da luz consiste na
bondade, na justiça e na verdade » (Ef 5, 8-9). A semente de
vida nova colocada em nós no Batismo é como a centelha
de um fogo, que nos purifica antes de tudo, queimando o
mal nos nossos corações, e permite-nos brilhar e iluminar.
Com a luz de Jesus.
Que Maria Santíssima nos ajude a imitar o homem
cego do Evangelho, para que sejamos inundados pela luz de
Cristo e nos coloquemos com Ele no caminho da salvação.
Depois do Angelus
135
Segunda-feira, 23 de março de 2020
Santa Missa18
Introdução
Rezemos hoje pelas pessoas que, por causa da pan-
demia, começam a ter problemas económicos, porque não
podem trabalhar e tudo isto recai sobre a família. Oremos
pelas pessoas que enfrentam este problema.
da celebração: https://youtu.be/UTgity4Z_dI?t=800
137
hábito, sem a consciência de que o Senhor está presente,
que falo com o Senhor e que Ele é capaz de resolver o pro-
blema. A primeira condição para uma verdadeira oração
é a fé.
A segunda condição, que o próprio Jesus nos ensina,
é a perseverança. Alguns pedem, mas a graça não vem: não
têm a perseverança, porque no fundo não precisam dela,
ou não têm fé. É o próprio Jesus que nos narra a parábo-
la daquele senhor que à meia-noite vai ter com o vizinho
para lhe pedir pão: a perseverança de bater à porta. Ou a
viúva, com o juiz injusto: insiste, insiste, insiste: trata-se da
perseverança. Fé e perseverança caminham juntas, porque
se tens fé tens a certeza de que o Senhor te dará o que pe-
des. E se o Senhor te fizer esperar, bate à porta, bate, bate
e no final Ele conceder-te-á a graça. Mas o Senhor não age
assim para se fazer desejar, nem para que digas “é melhor
que espere”: não. Fá-lo para o nosso bem, para que leve-
mos isto a sério. Levar a oração a sério, não como os papa-
gaios: blá blá blá e nada mais... É o próprio Jesus que nos
repreende: “Não sejais como os pagãos, que acreditam na
eficácia da oração à força da multiplicação das palavras”.
Não. A perseverança. A fé.
E a terceira condição de Deus para a oração é a co-
ragem. Alguém pode pensar: é preciso ter coragem para
rezar e para se colocar diante do Senhor? Sim. A coragem
de ficar ali a pedir e insistir, aliás, quase – quase, não que-
ro dizer uma heresia – como que a ameaçar o Senhor. A
coragem de Moisés diante de Deus, quando Deus queria
destruir o povo e torná-lo chefe de outro povo, diz: “Não.
Eu com o povo”. Coragem. A coragem de Abraão, quando
negocia a salvação de Sodoma: “Talvez haja 30, talvez haja
25, talvez haja 20...”: eis a coragem. A virtude da coragem
138
é realmente necessária. Não somente para as obras apos-
tólicas, mas também para a oração.
Fé, perseverança e coragem. Nestes dias em que é
preciso rezar, rezar mais, pensemos se nós rezamos assim:
com fé que o Senhor pode intervir, com perseverança e
com coragem. O Senhor não desilude: não desilude. Faz-
-nos esperar, leva tempo, mas não desilude. Fé, perseve-
rança e coragem!
139
Terça-feira, 24 de março de 2020
Santa Missa19
Introdução
Recebi a notícia de que nestes dias faleceram alguns
médicos, sacerdotes, não sei se algum enfermeiro, mas
contagiaram-se, contraíram a doença porque estavam ao
serviço dos doentes. Rezemos por eles, pelas suas famílias,
e dou graças a Deus pelo exemplo de heroísmo que nos
dão na assistência aos enfermos.
141
ficavam curados. E ali havia muitos doentes: “Um grande
número de enfermos, cegos, coxos, paralíticos” ficavam
ali, à espera da cura, do movimento da água.
Encontrava-se também um homem que estava doen-
te há 38 anos. Há 38 anos ali, à espera da cura! Isto faz pen-
sar, não é verdade? É demasiado... porque quem quer ser
curado organiza-se para ter alguém que o ajude, faz algo, é
um pouco ágil, inclusive um pouco astuto... mas ele, há 38
anos ali, a ponto que não se sabe se está doente ou morto...
Vendo-o deitado, e conhecendo a realidade, que há muito
tempo estava ali, Jesus diz-lhe: “Queres ficar curado?”. E
a resposta é interessante: não diz que sim, lamenta-se. Da
doença? Não. O doente responde: “Senhor, não tenho nin-
guém que me leve à piscina, quando a água é agitada. Quan-
do estou para chegar – estou prestes a tomar a decisão de ir
– outro desce antes de mim”. Um homem que chega sem-
pre atrasado. Jesus diz-lhe: “Levanta-te, toma o teu leito e
anda”. No mesmo instante, aquele homem ficou curado.
A atitude deste homem leva-nos a pensar. Estava
doente? Sim, talvez, tinha alguma paralisia, mas parece
que podia caminhar um pouco. Mas estava doente no co-
ração, na alma, estava doente de pessimismo, de tristeza,
de preguiça. Eis a doença daquele homem: “Sim, quero
viver, mas...”, estava ali. A sua resposta não é: “Sim, quero
ser curado!”. Não, é lamentar-se: “São os outros que che-
gam primeiro, sempre os outros”. A resposta à oferta de
cura de Jesus é uma lamentação contra os outros. E assim,
38 anos a lamentar-se dos outros. E sem nada fazer para
ser curado.
142
Era sábado: ouvimos o que os doutores da Lei fi-
zeram. Mas a chave é o encontro com Jesus, mais tarde.
Encontrou-o no templo e disse-lhe: “Eis que estás curado.
Não voltes a pecar, para que não te aconteça algo pior”.
Aquele homem vivia no pecado, mas não porque tinha
feito algo grave, não. O pecado de sobreviver e de se la-
mentar da vida dos outros: o pecado da tristeza, que é a
semente do diabo, da incapacidade de tomar uma decisão
sobre a própria vida, mas de olhar para a vida dos outros
a fim de se lamentar. Não para os criticar: para se queixar.
“Eles chegam antes, eu sou a vítima desta vida”: queixas,
estas pessoas respiram lamentações.
Se fizermos uma comparação com o cego de nascen-
ça, que ouvimos domingo passado: com quanta alegria,
com quanta decisão reagiu à sua cura, e também com
quanta determinação foi discutir com os doutores da Lei!
Este [paralítico] somente foi ali e informou: “Sim, é ele”,
Ponto. Sem compromisso com a vida... Faz-me pensar em
muitos de nós, em muitos cristãos que vivem esta condi-
ção de preguiça, de incapacidade de fazer algo, lamentan-
do-se de tudo. E a preguiça é um veneno, uma neblina que
circunda a alma e não a deixa viver. E é também uma dro-
ga, porque se a experimentares com frequência, gostarás
dela. E assim acabas por te tornares “dependente da triste-
za”, “dependente da preguiça”... É como o ar. E este é um
pecado bastante comum entre nós: a tristeza, a preguiça,
não digo a melancolia, mas assemelha-se.
E far-nos-á bem reler o capítulo 5 de João, para ver
como é a doença em que podemos cair. A água é para nos
143
salvar. “Mas não posso salvar-me” – “Por que motivo?” –
“Porque a culpa é dos outros”. E permaneço 38 anos ali...
Jesus curou-me: não se vê a reação dos outros que são
curados, que tomam o leito e dançam, cantam, agradecem
e contam a todos. Não, ele vai em diante assim. Os outros
dizem-lhe que não se deve fazer isto, mas ele diz: “Aquele
que me curou disse-me que sim”, e vai adiante. E depois,
em vez de ir ao encontro de Jesus e de lhe agradecer, in-
forma: “Foi Ele”. Uma vida cinzenta, cinzenta com aquele
mau espírito que é a preguiça, a tristeza, a melancolia.
Pensemos na água, a água que é símbolo da nossa
força, da nossa vida, a água que Jesus usou para nos rege-
nerar, o Batismo. E pensemos também em nós, se alguém
de nós corre o perigo de escorregar nesta preguiça, neste
pecado “neutral”: o pecado do neutro é este, nem branco
nem preto, não se sabe o que é. E este é um pecado que
o diabo pode usar para aniquilar a nossa vida espiritual
e também a nossa vida como pessoas. Que o Senhor nos
ajude a entender quão terrível e mau é este pecado.
O Santo Padre terminou a celebração com a adoração
e a bênção eucarística, convidando a fazer a Comunhão
espiritual.
145
Quarta-feira, 25 de março de 2020
Solenidade da Anunciação do Senhor
Santa Missa20
Introdução
Hoje, festa da Encarnação do Senhor, as irmãs Filhas
da caridade de São Vicente de Paulo, que há 98 anos diri-
gem, prestam serviço no dispensário de Santa Marta, estão
aqui na Missa, renovam os votos com as suas irmãs em
todas as partes do mundo. Gostaria de oferecer a Missa de
hoje por elas, pela Congregação que trabalha sempre com
os doentes, com os mais pobres, como aqui há 98 anos, e por
todas as religiosas que neste momento trabalham cuidan-
do dos doentes e também arriscando a vida e dando a vida.
147
a uma virgem, prometida em casamento a um homem que
se chamava José, da casa de David, e o nome da virgem era
Maria”. Entrando, o anjo disse-lhe: “Ave, cheia de graça, o
Senhor é contigo!”. Perturbou-se ela com estas palavras e
pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação. O
anjo disse-lhe: “Não temas, Maria, pois encontraste graça
diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho,
e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á
Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de
seu pai David; e reinará eternamente na casa de Jacob, e o
seu reino não terá fim”. Maria perguntou ao anjo: “Como
se fará isto, pois não conheço homem?”. Respondeu-lhe o
anjo: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssi-
mo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o menino que
vai nascer de ti será chamado Santo, Filho de Deus. Tam-
bém Isabel, tua parente, concebeu um filho na sua velhice;
e já está no sexto mês aquela que é tida por estéril, porque
a Deus nada é impossível”. Então, disse Maria: “Eis a serva
do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E o
anjo afastou-se dela.
Este é o mistério! Agora as irmãs renovarão os votos.
149
Quinta-feira, 26 de março de 2020
Santa Missa21
Introdução
Nestes dias de tanto sofrimento, há muito medo. O
medo dos idosos, que se encontram sozinhos, nas casas de
repouso, nos hospitais ou na própria casa e não sabem o
que pode acontecer. O medo dos trabalhadores sem em-
prego fixo que pensam em prover o alimento aos seus
filhos e veem a fome chegar. O medo de tantos agentes
sociais que neste momento ajudam a sociedade a seguir
adiante e podem contrair a doença. Também o medo – os
medos – de cada um de nós: cada um sabe qual é o pró-
prio. Rezemos ao Senhor a fim de que nos ajude a ter con-
fiança e a tolerar e vencer os medos.
151
te de Deus, mas ali foi sacerdote da estupidez, dos ídolos,
disse: “Sim, dai-me todo o ouro e a prata que tiverdes”, e
eles deram-lhe tudo e fizeram um bezerro de ouro.
No Salmo ouvimos a lamentação de Deus: “Cons-
truíram um bezerro no Horeb e adoraram uma estátua
de metal; trocaram o seu Deus, que é a sua glória, pela
imagem de um touro que come feno”. E nesse momento
começa a Leitura: “O Senhor disse a Moisés: Vai, desce,
pois corrompeu-se o teu povo, que tiraste da terra do Egi-
to. Depressa desviaram-se do caminho que lhes prescrevi.
Fizeram para si um bezerro de metal fundido, inclinaram-
-se em adoração diante dele e ofereceram-lhe sacrifícios,
dizendo: Estes são os teus deuses, Israel, que te fizeram
sair do Egito!”. Uma verdadeira apostasia! Do Deus vivo à
idolatria. Não tiveram paciência para esperar que Moisés
retornasse: queriam novidades, queriam algo, um espetá-
culo litúrgico, alguma coisa...
Gostaria de mencionar algumas coisas sobre isto. Em
primeiro lugar, aquela saudade idolátrica: neste caso, ele
pensava nos ídolos do Egito, mas a saudade de voltar aos
ídolos, voltar ao pior, não saber esperar o Deus vivo. Esta
saudade é uma doença, também nossa. Iniciamos a cami-
nhar com o entusiasmo de ser livres, mas depois começam
as lamentações: “Mas sim, este é um momento duro, o de-
serto, tenho sede, quero água, quero carne... mas no Egito
comíamos cebolas, coisas boas que aqui não temos...”. A
idolatria é sempre seletiva: leva-te a pensar nas coisas boas
que te dá, mas não te deixa ver as coisas más. Neste caso,
eles pensavam como era quando estavam à mesa, com as
152
refeições tão boas das quais gostavam tanto, mas esque-
ciam-se que aquela mesa era a mesa da escravidão. A ido-
latria é seletiva.
Além disso, a idolatria faz-te perder tudo. Para fa-
zer o bezerro, Aarão pede ouro: “Dai-me ouro e prata”:
mas era o ouro e a prata que o Senhor lhes tinha dado,
quando lhes disse: “Pedi ouro emprestado aos egípcios”,
e depois apresentaram este ouro. É um dom do Senhor e
com o dom do Senhor fazem o ídolo. E isto é horrível! Mas
este mecanismo verifica-se também no que se nos refere:
quando temos atitudes que nos levam à idolatria, somos
apegados a coisas que nos afastam de Deus, porque nós
construímos outro deus e fazemo-lo com os dons que o
Senhor nos ofereceu. Com a inteligência, com a vontade,
com o amor, com o coração... são os próprios dons do Se-
nhor que nós usamos para fazer idolatria.
Sim, alguém de vós pode dizer-me: “Mas não tenho
ídolos em casa. Tenho o Crucifixo, a imagem de Nossa Se-
nhora, que não são ídolos...” – Não, não: no teu coração.
E a pergunta que hoje devemos fazer é: qual é o ídolo que
tens no teu coração, que tenho no meu coração? Aquela
saída escondida onde me sinto bem, que me afasta do
Deus vivo? E com a idolatria temos também uma atitude
muito astuta: sabemos esconder os ídolos, como fez Ra-
quel quando fugiu do seu pai, escondendo-os na sela do
camelo e no meio das roupas. Também nós escondemos
muitos ídolos nas dobras do nosso coração.
A pergunta que gostaria de fazer hoje é: qual é o meu
ídolo? Aquele meu ídolo da mundanidade... e a idolatria
153
chega até à piedade, pois eles queriam o bezerro de ouro
não para fazer um circo: não! Para adorar. “Prostraram-se
diante dele”. A idolatria leva-te a uma religiosidade erra-
da; aliás, muitas vezes a mundanidade, que é uma idola-
tria, faz-te mudar a celebração de um sacramento numa
festa mundana. Um exemplo: não sei, penso, pensemos,
não sei, numa celebração de casamento. Já não sabemos
se é um sacramento onde realmente os recém-casados dão
tudo e se amam diante de Deus e prometem ser fiéis pe-
rante Deus e recebem a graça de Deus, ou se é uma ex-
posição de modelos, como uns e outros estão vestidos... a
mundanidade. É uma idolatria. Este é um exemplo. Por-
que a idolatria não se detém: segue sempre adiante.
A pergunta que hoje gostaria de fazer a todos nós, a
todos, é: quais são os meus ídolos? Cada um tem os seus.
Quais são os meus ídolos. Onde os escondo. E que o Se-
nhor não nos encontre, no final da vida, e diga de cada um
de nós: “Tu corrompeste-te. Tu afastaste-te do caminho
que eu tinha indicado. Prostraste-te diante de um ídolo”.
Peçamos ao Senhor a graça de conhecer os nossos
ídolos. E se não conseguirmos eliminá-los, que pelo menos
os deixemos de lado...
155
Sexta-feira, 27 de março de 2020
Santa Missa22
Introdução
Nestes dias, chegou a notícia de que muitas pessoas
começam a preocupar-se pelos outros de uma forma mais
geral, muitas pessoas pensam nas famílias que não têm
o suficiente para viver, nos idosos solitários, nas pessoas
doentes no hospital, rezam e procuram dar alguma aju-
da... Isto é um bom sinal. Agradeçamos ao Senhor por des-
pertar estes sentimentos no coração dos seus fiéis.
157
depois, o plano de ação: pondo-o à prova « com violências
e tormentos para conhecer a sua mansidão e testar o seu
espírito de resistência, e condenemo-lo a uma morte ver-
gonhosa porque, segundo as suas palavras, será socorri-
do » (cf. Sb 2, 19). Trata-se de uma profecia, precisamente,
do que aconteceu. E os judeus estavam a procurar matá-lo,
diz o Evangelho. Então, eles também estavam procurando
prendê-lo - diz-nos o Evangelho – mas « sua hora ainda não
tinha chegado » (Jo 7, 30).
Esta profecia é muito detalhada; o plano de ação des-
tas pessoas malvadas é precisamente detalhe sobre deta-
lhe, não poupemos nada, pomo-lo à prova com violências
e tormentos, e testemos o espírito de resistência... pren-
damo-lo com armadilhas [para ver] se cai... Isto não é um
simples ódio, não há um plano de ação maléfico - certa-
mente - de uma parte contra outra: isto é outra coisa. Isto
chama-se obstinação: quando o diabo que está por trás,
sempre, em cada obstinação,procura destruir e não poupa
os meios. Pensemos no início do Livro de Job, que é pro-
fético a este respeito: Deus está satisfeito com o modo de
vida de Job, e o diabo diz-lhe: « Sim, porque ele tem tudo,
não tem provações! Põe-no à prova! » (Cf. Jo 1, 1-12; 2, 4-6).
E primeiro o diabo tira-lhe os bens, depois tira-lhe a saúde,
e Job nunca, nunca se afastou de Deus. Mas que faz o dia-
bo: obstinação. Sempre. Por trás de cada obstinação está
o diabo, para destruir a obra de Deus. Por detrás de uma
discussão ou inimizade, pode ser o diabo, mas de longe,
com as tentações normais. Mas quando há obstinação,
não duvidemos: há a presença do diabo. E a obstinação
é subtil. Pensemos em como o diabo foi feroz não só con-
tra Jesus, mas também nas perseguições contra os cristãos;
como procurou os meios mais sofisticados para os levar à
158
apostasia, para os distanciar de Deus. Como dizemos nor-
malmente, isto é diabólico: sim; inteligência diabólica.
Alguns bispos de um dos países que sofreram a di-
tadura de um regime ateu disseram-me que chegaram a
detalhes como este: na segunda-feira depois da Páscoa os
professores tiveram que perguntar às crianças: « O que
comestes ontem”, e as crianças diziam o que almoçaram.
E alguns respondiam: « Ovos », e aqueles que diziam
« ovos » eram então perseguidos para verificar se eram
cristãos, porque naquele país comiam ovos no Domingo
de Páscoa. Até a este ponto, para ver, para espiar, onde
há um cristão para o matar. Isto é perseguição obstinada
e isto é o diabo.
E o que se faz no momento da perseguição? Só duas
coisas podem ser feitas: não é possível discutir com essas
pessoas porque elas têm as suas próprias ideias, ideias fi-
xas, ideias que o diabo semeou no [seu] coração. Já ouvi-
mos qual é o plano de ação delas. O que pode ser feito?
O que fez Jesus: ficar em silêncio. A nós impressiona-nos,
quando lemos no Evangelho que diante de todas estas acu-
sações, antes de todas estas coisas, Jesus ficou em silêncio.
Diante do espírito de obstinação, só silêncio, nunca jus-
tificação. Nunca. Jesus falou, explicou. Quando entendeu
que não havia palavras, silêncio. E em silêncio Jesus viveu
a sua Paixão. É o silêncio do justo diante da obstinação. E
isto também é válido para - chamemos-lhes assim - as pe-
quenas obstinações diárias, quando um de nós ouve uma
tagarelice, contra si, e dizem-se coisas que no final não são
verdadeiras... calemo-nos. Silêncio. Suportar e tolerar a
dureza da tagarelice. A tagarelice também é um assédio,
um assédio social: na sociedade, no bairro, no local de tra-
balho, mas sempre contra alguém. É uma obstinação. Não
159
tão forte como esta, mas é uma obstinação, destruir o ou-
tro porque se vê que perturba, incomoda.
Peçamos ao Senhor a graça de lutar contra o espíri-
to malvado, de discutir quando devemos de discutir; mas
diante do espírito de obstinação, tenhamos a coragem de
permanecer em silêncio e deixemos que outros falem. O
mesmo diante desta pequena obstinação diária que é a ta-
garelice: deixemos que falem. Em silêncio, diante de Deus.
Oração para fazer a comunhão espiritual
As pessoas que não podem comungar, façam agora a
comunhão espiritual:
Meu Jesus, creio que estás verdadeiramente presente
no Santíssimo Sacramento do altar. Amo-te acima de to-
das as coisas e desejo-te na minha alma. Dado que agora
não posso receber-Te sacramentalmente, entra, pelo me-
nos espiritualmente, no meu coração. Como se já tivesses
vindo, abraço-te e uno-me a ti totalmente. Não permitas
que jamais me separe de ti.
160
Momento extraordinário de oração em tempo de pan-
demia23
Homilia
« Ao entardecer… » (Mc 4, 35): assim começa o Evan-
gelho, que ouvimos. Desde há semanas que parece o entar-
decer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas
praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, en-
chendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desola-
dor, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar,
nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos teme-
rosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do Evange-
lho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e
furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos
frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes
e necessários: todos chamados a remar juntos, todos careci-
dos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos.
Tal como os discípulos que, falando a uma só voz, dizem
angustiados « vamos perecer » (cf. 4, 38), assim também nós
nos apercebemos de que não podemos continuar estrada
cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos.
Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender
o comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos natu-
ralmente se sentem alarmados e desesperados, Ele está na
popa, na parte do barco que se afunda primeiro... E que faz?
Não obstante a tempestade, dorme tranquilamente, confia-
do no Pai (é a única vez no Evangelho que vemos Jesus a
dormir). Acordam-No; mas, depois de acalmar o vento e as
águas, Ele volta-Se para os discípulos em tom de censura:
« Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé? » (4, 40).
be/rtRFLDY_-QY
161
Procuremos compreender. Em que consiste esta falta
de fé dos discípulos, que se contrapõe à confiança de Je-
sus? Não é que deixaram de crer N’Ele, pois invocam-No;
mas vejamos como O invocam: « Mestre, não Te importas
que pereçamos? » (4, 38) Não Te importas: pensam que Je-
sus Se tenha desinteressado deles, não cuide deles. Entre
nós, nas nossas famílias, uma das coisas que mais dói é
ouvirmos dizer: « Não te importas de mim ». É uma frase
que fere e desencadeia turbulência no coração. Terá aba-
lado também Jesus, pois não há ninguém que se importe
mais de nós do que Ele. De facto, uma vez invocado, salva
os seus discípulos desalentados.
A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e
deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com
que construímos os nossos programas, os nossos projetos,
os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixa-
mos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta
e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempesta-
de põe a descoberto todos os propósitos de « empacotar »
e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; to-
das as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente
« salvadores », incapazes de fazer apelo às nossas raízes e
evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim
da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereó-
tipos com que mascaramos o nosso « eu » sempre preocu-
pado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma
vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não
nos podemos subtrair: a pertença como irmãos.
« Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé? »
Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a to-
dos. Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós,
avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo for-
162
tes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos ab-
sorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos de-
tivemos perante os teus apelos, não despertamos face a
guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos
pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avança-
mos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre
saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos
em mar agitado, imploramos-Te: « Acorda, Senhor! »
« Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé? »
Senhor, lanças-nos um apelo, um apelo à fé. Esta não é
tanto acreditar que Tu existes, como sobretudo vir a Ti e
fiar-se de Ti. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente:
« Convertei-vos… ». « Convertei-Vos a Mim de todo o vos-
so coração » (Jl 2, 12). Chamas-nos a aproveitar este tempo
de prova como um tempo de decisão. Não é o tempo do
teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o que
conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo
que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo
a Ti, Senhor, e aos outros. E podemos ver tantos compa-
nheiros de viagem exemplares, que, no medo, reagiram
oferecendo a própria vida. É a força operante do Espíri-
to derramada e plasmada em entregas corajosas e gene-
rosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e
mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas
por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não
aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas
grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje es-
tão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos
da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras,
trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza,
curadores, transportadores, forças policiais, voluntários,
sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que
compreenderam que ninguém se salva sozinho. Perante o
163
sofrimento, onde se mede o verdadeiro desenvolvimento
dos nossos povos, descobrimos e experimentamos a ora-
ção sacerdotal de Jesus: « Que todos sejam um só » (Jo 17,
21). Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e in-
fundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas
corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós,
professores mostram às nossas crianças, com pequenos
gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise,
readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a
oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem
pelo bem de todos! A oração e o serviço silencioso: são as
nossas armas vencedoras.
« Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé? »
O início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação.
Não somos autossuficientes, sozinhos afundamos: preci-
samos do Senhor como os antigos navegadores, das estre-
las. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida.
Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença.
Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípu-
los – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus:
fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo
as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque,
com Deus, a vida não morre jamais.
O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempes-
tade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a
esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a es-
tas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desper-
ta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma
âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua
cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz,
fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos
separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento
que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e ex-
164
perimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez
o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso
lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida
que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a
reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós.
Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3),
que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança.
Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de
abraçar todas as contrariedades da hora atual, abandonan-
do por um momento a nossa ânsia de omnipotência e pos-
sessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é
capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir es-
paços onde todos possam sentir-se chamados e permitir no-
vas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidarie-
dade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança e
deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas
e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a
salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança.
Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança.
« Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé? »
Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé ro-
chosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos
ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do
seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata
que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um
abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o
mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pe-
des-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e
sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes
à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: « Não te-
nhais medo! » (Mt 14, 27). E nós, juntamente com Pedro,
« confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu
tens cuidado de nós » (cf. 1 Ped 5, 7).
165
Sábado, 28 de março de 2020
Santa Missa24
Introdução
Nestes dias, nalgumas partes do mundo, têm sido
evidenciadas consequências - algumas consequências - da
pandemia; uma delas é a fome. Começa-se a ver pessoas
que têm fome, porque não podem trabalhar, porque não
têm um emprego estável, devido a muitas circunstâncias.
Já estamos a ver o “depois”, que virá mais tarde, mas co-
meça agora. Oremos pelas famílias que começam a sentir
a necessidade por causa da pandemia.
da celebração: https://youtu.be/gXwa3fRu2bg?t=762
167
lhes disseram: « Por que não o trouxestes aqui? »; os guar-
das responderam: « Também vós vos deixastes enganar? Por
acaso algum dos chefes ou dos fariseus acreditou nele? Mas
esta gente que não conhece a Lei, é maldita! » (Jo 7, 45-49).
Este grupo de doutores da Lei, a elite, sente desprezo
por Jesus. Mas também desprezam o povo, “aquelas pes-
soas”, que são ignorantes, que não sabem nada. O povo
santo e fiel de Deus acredita em Jesus, segue-o, e o peque-
no grupo de elite, os Doutores da Lei, afasta-se do povo e
não recebe Jesus. Mas como é possível, se eles eram ilus-
tres, inteligentes, tinham estudado? Contudo eles tinham
um grande defeito: tinham perdido a memória da própria
pertença a um povo.
O povo de Deus segue Jesus... eles não conseguem ex-
plicar porquê, mas seguem-no e chegam ao coração, e não
se cansam. Pensemos no dia da multiplicação dos pães:
passaram o dia inteiro com Jesus, a ponto que os apóstolos
lhe disseram: « Manda embora o povo para que possa com-
prar algo para comer (cf. Mc 6, 36). Também os Apóstolos
se distanciaram, não consideraram, não desprezaram, mas
não consideraram o povo de Deus. « Deixa-os ir comer ».
A resposta de Jesus: « Dai-lhes vós de comer » (cf. Mc 6,
37). Ele insere-os de novo no povo.
Este afastamento entre a elite dos líderes religiosos
e o povo é um drama que vem de longe. Pensemos tam-
bém, no Antigo Testamento, na atitude dos filhos de Eli
no templo: eles usavam o povo de Deus; e se alguns deles,
que eram um pouco ateus, viessem para cumprir a Lei,
diziam: « Eles são supersticiosos ». Desprezo pelo povo. O
desprezo pelo povo « que não é educado como nós que es-
tudamos, que sabemos... ». Em vez disso, o povo de Deus
tem uma grande graça: o seu instinto. A intuição de saber
168
onde está o Espírito. É pecador, como nós: é pecador. Mas
possui a intuição de conhecer os caminhos da salvação.
O problema das elites, de clérigos de elite como es-
tes, é que tinham perdido a memória da sua pertença ao
Povo de Deus; tornaram-se sofisticados, passaram para
outra classe social, sentem-se dirigentes. É o clericalismo
que já existia. « Mas como é possível - ouvi dizer nestes
dias - que estas freiras, estes padres saudáveis vão ter com
os pobres para lhes dar de comer e podem contagiar-se
com o coronavírus? Mas diga à Madre Superiora que não
deixe sair as religiosas, diga ao bispo que não deixe sair os
sacerdotes! Eles devem proporcionar os sacramentos! Mas
a dar de comer, que providencie o governo! ». Fala-se disto
nestes dias: o mesmo assunto. « São pessoas de segunda
classe: nós somos a classe dirigente, não devemos sujar as
mãos com os pobres ».
Muitas vezes penso: são pessoas boas - sacerdotes,
religiosas - que não têm coragem de ir e servir os pobres.
Falta alguma coisa. O que faltava aos doutores da Lei.
Perderam a memória, perderam o que Jesus sentia no co-
ração: que faziam parte do próprio povo. Eles perderam
a memória do que Deus disse a David: « Eu escolhi-te do
rebanho ». Perderam a memória da própria pertença ao
rebanho.
E eles, cada um, cada um voltou para casa (cf. Jo 7,
53). Um afastamento. Nicodemos, que via - era um ho-
mem inquieto, talvez não tão corajoso, muito diplomático,
mas inquieto - foi então ter com Jesus, mas era fiel com o
que podia; procurou mediar e citou a Lei: « Julga porven-
tura a nossa Lei um homem antes de o ter ouvido e de
saber o que ele faz? » (Jo 7, 51). Responderam-lhe; mas não
responderam à pergunta sobre a Lei: « Dar-se-á o caso de
169
que também tu és da Galileia? Examina, e verás que da Ga-
lileia não se levanta profeta » (Jo 7, 52). E assim concluíram
a historia.
Pensemos também hoje em tantos homens e mulhe-
res qualificados no serviço de Deus que são bons e vão
servir o povo; tantos sacerdotes que não se afastam do
povo. Anteontem recebi uma fotografia de um padre, um
pároco de montanha, de muitas aldeias pequenas, num lu-
gar onde neva, e na neve levava o ostensório pelas aldeias
a fim de conceder a bênção. Ele não se importava com a
neve, não se importava com a dor que o frio lhe fazia sen-
tir nas mãos em contacto com o metal do ostensório: ele só
se importava com levar Jesus ao povo.
Pensemos, cada um de nós, de que lado estamos, se
estamos no meio, um pouco indecisos, se estamos com o
sentimento do povo de Deus, o povo fiel de Deus que não
pode falhar: eles têm essa infallibilitas in credendo. E pense-
mos na elite que se separa do povo de Deus, no clericalis-
mo. E talvez o conselho que Paulo dá ao seu discípulo, o
jovem bispo Timóteo, nos faça bem a todos: « Lembra-te
da tua mãe e da tua avó » (cf. 2 Tm 1, 5). Lembra-te da tua
mãe e da tua avó. Se Paulo aconselhava isto, era porque
conhecia bem o perigo a que conduzia este sentido de eli-
tismo na nossa liderança.
171
Domingo, 29 de março de 2020
Quinto Domingo de Quaresma (A)
Santa Missa25
Introdução
Penso em tantas pessoas que choram: pessoas iso-
ladas, pessoas em quarentena, idosos sozinhos, pessoas
hospitalizadas e em terapia, pais que veem que, como não
há salário, não serão capazes de alimentar os seus filhos.
Muitas pessoas choram. Nós também, do nosso coração,
as acompanhamos. E não nos fará mal chorar um pouco
com o pranto do Senhor por todo o seu povo.
173
seus que choram. O pranto de Jesus. Talvez ele tenha cho-
rado outras vezes na vida - não sabemos - certamente no
Horto das Oliveiras. Mas Jesus chora por amor, sempre.
Comoveu-se profundamente e muito perturbado
chorou. Quantas vezes ouvimos esta comoção de Jesus
no Evangelho, com aquela frase que se repete: « Vendo a
multidão, encheu-se de compaixão por ela » (cf. Mt 9, 36;
13,14). Jesus não pode ver as pessoas sem sentir compai-
xão. Os seus olhos veem com o coração; Jesus vê com os
olhos, mas vê com o coração e é capaz de chorar.
Hoje, diante de um mundo que sofre tanto, de mui-
tas pessoas que sofrem as consequências desta pande-
mia, pergunto-me: sou capaz de chorar, como certamente
Jesus teria feito e faz agora? O meu coração assemelha-se
ao de Jesus? E se é muito difícil, mesmo que eu seja capaz
de falar, de praticar o bem, de ajudar, mas o coração não
se compadece, se não sou capaz de chorar, devo pedir
esta graça ao Senhor. Senhor, que eu chore contigo, chore
com o teu povo que está a sofrer neste momento. Muitos
choram hoje. E nós, deste altar, deste sacrifício de Jesus,
de Jesus que não teve vergonha de chorar, peçamos a
graça de chorar. Que hoje seja para todos nós o domingo
do pranto.
26
Para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=5o3gO-
Je8YBE
175
curam, no final encontram-se. Vemo-lo no grito de Mar-
ta e de Maria e de todos nós com elas: « Se Tu estivesses
aqui!... ». E a resposta de Deus não é um discurso, não, a
resposta de Deus ao problema da morte é Jesus: « Eu sou a
Ressurreição e a Vida... Tende fé! No meio do choro conti-
nuai a ter fé, mesmo que a morte pareça ter vencido. Tirai
a pedra do vosso coração! Que a Palavra de Deus restitua
a vida onde há a morte ».
Ainda hoje Jesus nos repete: « Tirai a pedra ». Deus
não nos criou para o túmulo, Ele criou-nos para a vida,
bela, boa, alegre. Mas « a morte entrou no mundo por in-
veja do diabo » (Sb 2, 24), diz o Livro da Sabedoria, e Jesus
Cristo veio para nos libertar dos seus laços.
Por isso, somos chamados a remover as pedras de tudo
o que cheira a morte: por exemplo, a hipocrisia com que se
vive a fé é morte; a crítica destrutiva dos outros é morte; a
ofensa, a calúnia, é morte; a marginalização dos pobres é
morte. O Senhor pede-nos para remover estas pedras do
coração, e a vida então florescerá novamente ao nosso re-
dor. Cristo vive, e aquele que o acolhe e adere a ele entra
em contacto com a vida. Sem Cristo, ou fora de Cristo, não
só a vida não está presente, mas cai-se de novo na morte.
A ressurreição de Lázaro é também um sinal da rege-
neração que se dá no crente através do Batismo, com plena
inserção no Mistério Pascal de Cristo. Pela ação e poder
do Espírito Santo, o cristão é uma pessoa que caminha na
vida como uma nova criatura: uma criatura para a vida e
que vai em direção à vida.
Que a Virgem Maria nos ajude a ser tão compassi-
vos quanto o seu Filho Jesus, que fez sua a nossa dor. Que
cada um de nós esteja próximo daqueles que estão na pro-
va, tornando-se para eles um reflexo do amor e ternura de
Deus, que liberta da morte e faz vencer a vida.
176
Depois do Angelus
Santa Missa27
Introdução
Rezemos hoje por muitas pessoas que não conse-
guem reagir: continuam assustadas com esta pandemia.
Que o Senhor as ajude a levantar-se, a reagir para o bem
de toda a sociedade, de toda a comunidade.
27
Liturgia da Palavra: Dn 13, 1-9.15-17.19-30.33-62; Sl 22; Jo
8, 1-11. Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/uQR7ssSI-
Qyo?t=1005
179
da Igreja: os juízes e os doutores da Lei. Não eram eclesiásti-
cos, mas estavam ao serviço da Igreja, no tribunal e no ensi-
no da Lei. Diferentes. Os primeiros, aqueles que acusavam
Susana, eram corruptos: o juiz corrupto, a figura emblemá-
tica na história. Também no Evangelho, Jesus retoma, na
parábola da viúva insistente, o juiz corrupto que não acredi-
tava em Deus e não se importava com os outros. O corrup-
to. Os doutores da lei não eram corruptos, mas hipócritas.
E estas mulheres, uma caiu nas mãos dos hipócritas e a
outra nas mãos dos corruptos: não havia solução. « Mesmo
que atravesse os vales sombrios, nenhum mal temerei por-
que estais comigo; o Vosso bastão e o Vosso cajado dão-me
conforto » (Sl 23, 4). Ambas as mulheres estavam num vale
sombrio, iam para lá: um vale sombrio, em direção à mor-
te. A primeira confiou explicitamente em Deus e o Senhor
interveio. A segunda, pobrezinha, sabe que é culpada, sem
vergonha diante de todo o povo - porque o povo estava pre-
sente em ambas as situações - o Evangelho não o diz, mas
certamente ela rezava no seu íntimo, pedia alguma ajuda.
Que faz o Senhor com essas pessoas? Ele salva a mu-
lher inocente e faz-lhe justiça. Perdoa a mulher pecadora.
Condena os juízes corruptos; ajuda os hipócritas a con-
verterem-se, e diante do povo diz: realmente? « Quem de
vós estiver sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma
pedra » (cf. Jo 8,7), e foram saindo um a um. O apóstolo
João usa aqui alguma ironia: « quanto isto ouviram, foram
saindo um a um, a começar pelos mais velhos » (Jo 8, 9).
Deixa-lhes algum tempo para se arrependerem; não per-
doa os corruptos, simplesmente porque eles são incapazes
de pedir perdão; fez mais. Cansaram-se... não, não estão
cansados: não são capazes. A corrupção também lhes ti-
rou aquela capacidade que todos nós temos de sentir ver-
gonha, de pedir perdão. Não, o corrupto sente-se seguro,
persevera, destrói, explora as pessoas, como esta mulher,
tudo, tudo... vai em frente. Ele coloca-se no lugar de Deus.
E o Senhor responde às mulheres. Liberta Susana
das pessoas corruptas, fazendo com que vá em frente, e
180
à outra: « Nem eu não te condeno. Vai, e doravante não
tornes a pecar » (Jo 8, 11). Deixa-a ir. E isto acontece diante
do povo. No primeiro caso, o povo louva ao Senhor; no
segundo, o povo aprende. Aprende como é a misericórdia
de Deus.
Cada um de nós tem as próprias histórias. Cada um
de nós tem os próprios pecados. E se não os recordamos,
reflita um pouco um pouco: há de encontrá-los. Demos
graças a Deus quando os encontramos, porque se não os
encontramos, estamos corrompidos. Todos nós temos os
nossos pecados. Olhemos para o Senhor que faz justiça,
mas que é tão misericordioso. Não tenhamos vergonha de
estar na Igreja: tenhamos vergonha de ser pecadores. A
Igreja é a mãe de todos. Agradeçamos a Deus porque não
somos corruptos, somos pecadores. E cada um de nós,
vendo como Jesus age nestes casos, confie na misericórdia
de Deus. E reze, confiando na misericórdia de Deus, reze
pelo perdão. Pois Deus « guia-me pelos caminhos retos,
por amor do Seu Nome. Mesmo que atravesse os vales
sombrios – o vale do pecado - nenhum mal temerei por-
que estais comigo; o Vosso bastão e o Vosso cajado dão-
-me conforto » (cf. Sl 23, 4).
Oração pela comunhão espiritual
As pessoas que não podem comungar recebam agora a
a comunhão espiritual.
Aos teus pés, ó meu Jesus, prostro-me e ofereço-te o
arrependimento do meu coração contrito, que permane-
ce no seu nada e na tua santa presença. Adoro-te no Sa-
cramento do Teu amor, a Eucaristia inefável. Desejo re-
ceber-te na pobre morada que o Meu coração te oferece.
Esperando a felicidade da comunhão sacramental, quero
possuir-te em espírito. Vem a mim, ó meu Jesus, que eu
vou a Ti. Que o Teu amor inflame todo o meu ser, para a
vida e para a morte. Creio em Ti, espero em Ti, amo-Te.
Assim seja.
181
Terça-feira, 31 de março de 2020
Santa Missa28
Introdução
Rezemos hoje por aqueles que estão desabrigados,
neste momento em que nos pedem para ficar em casa. Que
a sociedade dos homens e das mulheres tome consciência
desta realidade e ajude, e que a Igreja os acolha.
183
não suportou o povo naquele momento. Enfureceu-se: às
vezes vê-se a ira de Deus... Então o Senhor enviou entre
o povo serpentes ardentes que morderam as pessoas e
elas morreram. « Muitos morreram em Israel » (Nm 21,
6). Naquele momento, a serpente é sempre a imagem do
mal: o povo vê na serpente o pecado, vê na serpente o que
fez o mal. E foram ter com Moisés, dizendo: « Pecamos,
murmurando contra o Senhor e contra ti. Roga ao Senhor
que afaste de nós essas serpentes » (Nm 21, 7). Arrepende-
se. Esta é a história no deserto. Moisés orou pelo povo e
o Senhor disse a Moisés: « Faz uma serpente ardente e
coloca-a sobre um poste. Todo aquele que for mordido
olhando para ela, viverá » (Nm 21, 8).
Este facto faz-me pensar: não se trata de idolatria?
Ali está a serpente, um ídolo, que me dá saúde... Não se
entende. Logicamente, não se compreende, porque isto
é uma profecia, é um anúncio do que acontecerá . Por-
que também a ouvimos como uma profecia próxima, no
Evangelho: « Quando elevardes o Filho do Homem, então
sabereis quem sou e que por Mim nada faço » (Jo 8, 28).
Jesus elevado: na cruz. Moisés faz uma serpente e eleva-a.
Jesus será elevado, como a serpente, para dar a salvação.
Mas o cerne da profecia é precisamente que Jesus se fez
pecado por nós. Não tem pecado: fez-se pecado. Como diz
São Pedro na sua Carta: « Ele que suportou os nossos pe-
cados » (cf. 1 Pd 2, 24) E quando olhamos para o crucifica-
do, pensemos no Senhor que sofre: tudo isto é verdade.
Mas reflitamos antes de alcançar o centro dessa verdade:
neste momento, Tu pareces o maior pecador, tornaste-Te
pecador. Assumiste sobre ti todos os nossos pecados, Ele
aniquilou-se até agora. A cruz, é verdade, é um tormento,
há a vingança dos doutores da Lei, daqueles que não que-
184
riam Jesus: tudo isso é verdade. Mas a verdade que vem
de Deus é que Ele veio ao mundo para assumir os nossos
pecados em Si mesmo até ao ponto de se tornar pecado.
Todo o pecado. Os nossos pecados estão ali.
Devemos acostumar-nos a olhar para o crucificado
sob esta luz, que é a mais verdadeira, a luz da redenção.
Em Jesus que se fez pecado, vemos a derrota total de Cris-
to. Ele não finge morrer, ele não finge não sofrer, sozinho,
abandonado... « Meu Deus, porque Me abandonaste? »
(cf. Mt 27,46; Mc 15, 34). Uma serpente: sou erguido como
uma serpente, como aquele que é todo pecado.
Não é fácil entender isto, e se pensarmos, nunca che-
garemos a uma conclusão. Devemos unicamente contem-
plar, rezar e dar graças.
185
Quarta-feira, 1 de abril de 2020
Santa Missa29
Introdução
Hoje gostaria que rezássemos por todos aqueles que
trabalham na mídia, que trabalham para comunicar, hoje,
para que as pessoas não se sintam tão isoladas; para a edu-
cação das crianças, para a informação, para as ajudar a su-
portar este tempo de fechamento.
29
Liturgia da Palavra: Dn 3, 14-20.46-50.91-92.95; Dn 3, 52-56;
Jo 8, 31-42. Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/JWJTdV_
UL5E?t=1023
187
cei em mim ». Permanecei no Senhor. Ele não diz: « Estudai
bem, aprendei bem as argumentações »: ele considera isto
como garantido. Mas ele focaliza o mais importante, que
é mais perigoso para a vida, se não for feito: permanecer.
« Permanecei na minha palavra » (Jo 8, 31). E aqueles que
permanecerem na palavra de Jesus têm a mesma identi-
dade cristã. E qual é? « Sois verdadeiramente meus discí-
pulos » (Jo 8, 31). A identidade cristã não é um documento
que diz « eu sou cristão », um bilhete de identidade: não.
É um discipulado. Tu, se permaneceres no Senhor, na Pa-
lavra do Senhor, na vida do Senhor, serás um discípulo.
Se não permaneceres, serás alguém que simpatiza com a
doutrina, que segue Jesus como um homem que pratica
tanta caridade, tão bom, com valores certos, mas é o disci-
pulado a verdadeira identidade do cristão.
E será o discipulado que nos dará liberdade: o discí-
pulo é um homem livre porque permanece no Senhor. E
o que significa « permanecer no Senhor »? Deixar-se guiar
pelo Espírito Santo. O discípulo deixa-se guiar pelo Espí-
rito, por isso o discípulo é sempre um homem da tradição
e da novidade, é um homem livre. Livre. Nunca sujeito a
ideologias, a doutrinas dentro da vida cristã, doutrinas
que podem ser discutidas... permanece no Senhor, é o Es-
pírito que inspira. Quando cantamos ao Espírito, dizemos-
-lhe que ele é hóspede da alma (cf. Hino Veni, Sancte Spi-
ritus), que habita em nós. Mas isto, só se permanecermos
no Senhor.
Peço ao Senhor que nos faça conhecer a sabedoria
de permanecer n’Ele e a familiaridade com o Espírito: o
Espírito Santo concede-nos liberdade. E esta é a unção.
Quem permanece no Senhor é discípulo, e o discípulo é
um ungido, um ungido pelo Espírito, que recebeu a unção
188
do Espírito e a leva por diante. Este é o caminho que Jesus
nos mostra para a liberdade e também para a vida. E o dis-
cipulado é a unção que recebem aqueles que permanecem
no Senhor.
O Senhor nos faça compreender que isto não é fácil:
porque os doutores não o compreenderam, não é com-
preendido apenas com a inteligência; compreende-se com
a inteligência e com o coração, esta sabedoria da unção do
Espírito Santo que nos faz discípulos.
189
Quinta-feira, 2 de abril de 2020
Santa Missa30
Introdução
Estes dias de dor e tristeza evidenciam muitos pro-
blemas escondidos. No jornal, hoje, há uma fotografia que
comove o coração: tantos desabrigados de uma cidade,
deitados num estacionamento, sob observação... há mui-
tos desabrigados atualmente. Peçamos a Santa Teresa de
Calcutá que desperte em nós o sentimento de proximida-
de a tantas pessoas que na sociedade, na vida normal, vi-
vem escondidas mas, como os desabrigados, no momento
da crise, vivem assim.
191
passo a mais. « Este é o pacto que faço contigo » (Gn 17, 4).
A aliança. Uma aliança que o faz ver de longe a sua fecun-
didade: « Serás o pai de uma multidão de povos » (Gn 17,
4). A eleição, a promessa e a aliança são as três dimensões
da vida de fé, as três dimensões da vida cristã. Cada um
de nós é um escolhido, ninguém escolhe ser cristão entre
todas as possibilidades que o “mercado” religioso lhe ofe-
rece, é um eleito. Somos cristãos porque fomos escolhidos.
Nesta eleição há uma promessa, uma promessa de espe-
rança, o sinal é a fecundidade: Abraão, serás pai de uma
multidão de nações e... serás fecundo na fé (cf. Gn 17, 5-6).
A tua fé florescerá em obras, em boas obras, em obras de
fecundidade também, uma fé fecunda. Mas deves - o ter-
ceiro passo - observar a aliança comigo (cf. Gn 17, 9). A
aliança é fidelidade, é ser fiel. Fomos escolhidos, o Senhor
fez-nos uma promessa, agora Ele pede-nos uma aliança.
Uma aliança de fidelidade. Jesus diz que Abraão exultou
de alegria, pensando, vendo o seu dia, o dia da grande
fecundidade, que o seu filho - Jesus era filho de Abraão
(cf. Jo 8, 56) que veio para refazer a criação, que é mais
difícil do que a fazer, diz a liturgia - veio para realizar a re-
denção dos nossos pecados, a fim de nos libertar. O cristão
é cristão não para poder mostrar a fé do batismo: a fé do
batismo é um documento. És cristão se disseres sim à elei-
ção que Deus fez de ti, se fores atrás das promessas que o
Senhor fez a ti e se viveres uma aliança com o Senhor: esta
é a vida cristã. Os pecados do caminho são sempre con-
trários a estas três dimensões: não aceitar a eleição e “ele-
germos” tantos ídolos, tantas coisas que não são de Deus.
Não aceitar a esperança na promessa, ir, olhar de longe
para as promessas, até muitas vezes, como diz a Carta aos
Hebreus (cf. Hb 6, 12; 8, 6), saudando-as de longe, e fazen-
192
do com que as promessas sejam hoje aos pequenos ídolos
que construímos, e esquecer a aliança, viver sem a aliança,
como se não tivéssemos uma aliança. A fecundidade é ale-
gria, o júbilo de Abraão que previu o dia de Jesus e ficou
cheio de alegria. Esta é a revelação que a palavra de Deus
nos dá hoje sobre a nossa existência cristã. Que seja como
a do nosso Pai: conscientes de sermos escolhidos, alegres
de ir ao encontro de uma promessa e fiéis ao cumprir a
aliança.
193
Sexta-feira, 3 de abril de 2020
Santa Missa31
Introdução
Há pessoas que, a partir de agora, começam a pen-
sar no depois: no depois da pandemia. Em todos os pro-
blemas que virão: problemas de pobreza, trabalho, fome...
Rezemos por todas as pessoas que hoje ajudam, mas pen-
sam também no amanhã, para nos ajudar a todos.
195
cificado, nu, a morrer. A sexta dor é a descida de Jesus da
cruz, morto, e ela pega nele no colo como o havia feito há
mais de 30 anos em Belém. A sétima dor é o sepultamento
de Jesus. E assim, a piedade cristã percorre este caminho
de Nossa Senhora que acompanha Jesus. Faz-me bem, no
final da tarde, quando recito o Angelus, rezar estas sete
dores como uma lembrança da Mãe da Igreja, como a Mãe
da Igreja que com tanta dor deu à luz todos nós.
Nossa Senhora nunca pediu nada para si, nunca. Para
os outros, sim: pensemos em Caná, quando fala com Jesus.
Ela nunca disse: « Eu sou a mãe, olhai para mim: serei a
rainha-mãe”. Nunca disse isso. Nunca pediu nada impor-
tante para si no colégio apostólico. Aceita apenas ser mãe.
Ela acompanhou Jesus como discípula, pois o Evangelho
mostra que ela seguiu Jesus: com as suas amigas, mulhe-
res piedosas, ela seguiu Jesus, ouviu Jesus. Certa vez al-
guém a reconheceu: “Ah, aqui está a mãe”, “A tua mãe
está aqui”... (cf. Mc 3, 31)... Ela seguia Jesus. Até ao Calvá-
rio. E ali, em pé... as pessoas certamente disseram: “Mas,
pobre mulher, como deve sofrer”, e os malvados certa-
mente disseram: “Mas, a culpa também é dela, porque se
ela o tivesse educado bem, isto não teria acabado assim”.
Ali estava ela, com o Filho, com a humilhação do Filho.
Honrar Nossa Senhora e dizer: “Esta é minha Mãe”,
porque ela é Mãe. E este é o título que ela recebeu de Je-
sus, ali mesmo, no momento da Cruz (cf. Jo 19, 26-27). Os
teus filhos, tu és mãe. Ele não a nomeou primeira-minis-
tra nem lhe atribuiu títulos de “funcionalidade”. Apenas
“Mãe”. E depois, os Atos dos Apóstolos mostram-na em
oração com os Apóstolos como Mãe (cf. At 1, 14). Nossa
Senhora não quis tirar nenhum título a Jesus; recebeu o
dom de ser sua Mãe e o dever de nos acompanhar como
196
Mãe, de ser nossa Mãe. Ela não pediu para ser uma qua-
se-redentora ou uma co-redentora: não. O Redentor é um
só e este título não se duplica. Apenas discípula e mãe. E
por isso, como Mãe, devemos pensar nela, procurá-la, re-
zar a ela. Ela é a Mãe. Na Igreja Mãe. Na maternidade de
Nossa Senhora vemos a maternidade da Igreja que recebe
a todos, bons e maus: todos.
Hoje far-nos-á bem parar um pouco e pensar na dor
e nos sofrimentos de Nossa Senhora. Ela é a nossa Mãe. E
como os carregou, como os suportou bem, com força, com
choro: não era um choro falso, era precisamente o seu co-
ração destruído pela dor. Far-nos-á bem parar um pouco
e dizer a Nossa Senhora: “Obrigado por terdes aceite ser
Mãe quando o Anjo te deu o anúncio, e obrigado por teres
aceite ser Mãe quando Jesus o disse”.
197
Mensagem em vídeo do Santo Padre Francisco
para a semana santa de 202032
198
É um momento difícil para todos. Para muitos, di-
ficílimo. O Papa sabe disso e, com estas palavras, quer
manifestar a todos a sua proximidade e o seu afeto. Pro-
curemos, se pudermos, fazer o melhor uso possível deste
tempo: sejamos generosos; ajudemos os necessitados da
nossa vizinhança; procuremos as pessoas mais sozinhas,
talvez por telefone ou por redes sociais; rezemos ao Senhor
por aqueles que se encontram em dificuldade em Itália e
no mundo. Mesmo que estejamos isolados, o pensamento
e o espírito podem ir longe com a criatividade do amor. É
disto que precisamos hoje: da criatividade do amor.
Celebraremos a Semana Santa de uma forma verda-
deiramente particular, que manifesta e resume a mensa-
gem do Evangelho, a mensagem do amor sem limites de
Deus. E, no silêncio das nossas cidades, ressoará o Evan-
gelho da Páscoa. O Apóstolo Paulo diz: « E morreu por to-
dos, para que aqueles que vivem já não vivam para si, mas
para Aquele que morreu e ressuscitou por eles » (2 Cor 5,
15). Em Jesus ressuscitado, a vida venceu a morte. Esta fé
pascal alimenta a nossa esperança. Gostaria de o partilhar
convosco esta noite. É a esperança de um tempo melhor,
no qual possamos ser melhores, finalmente libertados do
mal e desta pandemia. É uma esperança: a esperança não
desilude; não é uma ilusão, é uma esperança.
Juntos, com amor e paciência, podemos preparar um
tempo melhor nestes dias. Obrigado por me permitirdes
entrar nas vossas casas. Fazei um gesto de ternura para
com aqueles que sofrem, para com as crianças, para com
os idosos. Dizei-lhes que o Papa está próximo e reza, para
que o Senhor nos livre depressa do mal. E vós, rezai por
mim. Bom jantar. Até breve!
199
Sábado, 4 de abril de 2020
Santa Missa33
Introdução
Nestes momentos de convulsão, de dificuldade, de
dor, muitas vezes é dada às pessoas a oportunidade de
fazer uma coisa ou outra, muitas coisas boas. Mas tam-
bém não falta alguém que tem a ideia de fazer algo não
tão bom, aproveitando-se do momento para obter alguma
vantagem para si próprio, para o seu lucro. Rezemos hoje
para que o Senhor nos conceda a todos uma consciência
reta, uma consciência transparente, para que possamos ser
vistos por Deus sem nos envergonharmos.
33
Liturgia da Palavra: Ez 37,21-28; Jr 31,10-13; Jo 11,45-56. Para
o vídeo da celebração: https://youtu.be/7kw8M0tc0fo
201
a falar uns com os outros: “Mas olha, não gosto disto...
daquele...”, e assim entre eles havia este tema de conver-
sa, e também de preocupação. Depois alguns foram ter
com Jesus para o porem à prova, mas o Senhor deu uma
resposta clara que a eles, aos doutores da lei, não veio à
mente. Pensemos naquela mulher que foi casada sete ve-
zes, viúva sete vezes: « Mas no céu, de qual destes maridos
será esposa? » (cf. Lc 20, 33). Ele respondeu claramente e
eles retiraram-se um pouco envergonhados pela sabedo-
ria de Jesus e noutros momentos foram-se embora humi-
lhados, como quando quiseram apedrejar aquela adúltera
e Jesus, no final, disse: « Quem de vós estiver sem pecado
seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra » (cf. Jo 8, 7) e diz o
Evangelho que eles foram embora, começando pelos mais
velhos, humilhados naquele momento. Isto fez aumentar
a preocupação entre eles: “Temos de fazer alguma coisa,
isto não está bem...”. Então eles mandaram os soldados
buscá-lo e estes voltaram dizendo: “Não conseguimos
prendê-lo porque este homem fala como nenhum outro”
... « Também vós vos deixastes seduzir? » (cf. Jo 7, 45-49):
irritados porque nem sequer os soldados o conseguiram
prender. E então, depois da ressurreição de Lázaro - hoje
ouvimos isto - muitos judeus foram visitar as irmãs de
Lázaro, mas alguns foram para depois relatar o que vi-
ram, e outros foram ter com os fariseus e contaram-lhes
o que Jesus tinha feito (cf. Jo 11, 45). Outros acreditavam
n›Ele. E aqueles que foram, os bisbilhoteiros de todos os
tempos, que vivem levando mexericos... foram-lhes con-
tar. Naquele momento, o grupo que se tinha formado de
doutores da lei fez uma reunião formal: “Isto é muito pe-
rigoso, temos de tomar uma decisão”. Que faremos? Este
202
homem realiza muitos sinais - reconhecem os milagres -
se o deixarmos continuar assim, todos acreditarão nele,
há perigo, o povo segui-lo-á, separar-se-á de nós - o povo
não os estimava - « virão os romanos e destruir-nos-ão o
Templo e a Nação » (cf. Jo 11, 48). Nisto havia um pouco
de verdade, mas não total, era uma justificação, porque
eles tinham encontrado um equilíbrio com o invasor, mas
odiavam o invasor romano, contudo politicamente tinham
encontrado um equilíbrio. Assim, falavam entre eles. Um
deles, Caifás - o mais radical - um sumo sacerdote, disse:
« Não compreendeis que vos interessa que morra um só
homem pelo povo e não pereça a Nação inteira » (Jo 11,
50). Ele era o sumo sacerdote e fez a proposta: « Matemo-
lo ». E João diz: “Esta revelação de que Jesus deveria mor-
rer por todo o povo veio da boca de Caifás, no seu cargo
de sumo sacerdote; não foi coisa que tivesse pensado por
si próprio, mas uma profecia. Era uma predição de que a
morte de Jesus não seria só por Israel... A partir daí, co-
meçaram a planear a morte de Jesus” (cf. Jo 11, 51-53). Foi
um processo, que começou alguma inquietação na época
de João Batista e depois terminou nesta sessão dos Dou-
tores da Lei e sacerdotes. Foi um processo que cresceu,
um processo que era mais seguro do que a decisão que
tinham de tomar, mas ninguém o dissera tão claramen-
te: « Temos que o aniquilar ». Esta forma de proceder dos
doutores da lei é precisamente uma figura de como a ten-
tação age em nós, porque por trás dela estava obviamente
o diabo que queria destruir Jesus e a tentação em nós ge-
ralmente age assim: começa com pouco, com um desejo,
uma ideia, cresce, contagia outros e no fim é justificada.
Estes são os três passos da tentação do diabo em nós e eis
203
estão os três passos que a tentação do diabo deu na pessoa
do doutor da lei. Começou com pouco, mas cresceu, cres-
ceu, contagiou outros, fez-se corpo e no final justifica-se:
« é melhor que um só homem morra pelo povo » (cf. Jo 11,
50), a justificação total. E todos foram para casa tranquilos.
Disseram: “Esta é a decisão que tínhamos de tomar”. E
todos nós, quando somos vencidos pela tentação, ficamos
tranquilos, porque encontramos uma justificação para este
pecado, para esta atitude pecaminosa, para esta vida não
de acordo com a lei de Deus. Deveríamos ter o hábito de
ver em nós este processo de tentação. Este processo que
nos faz mudar os nossos corações do bem para o mal, que
nos conduz ao caminho da descida. Algo que cresce, cres-
ce lentamente, depois contagia outros e acaba por se justi-
ficar. Dificilmente as tentações chegam até nós de repente,
o diabo é astuto. Ele sabe como percorrer este caminho, o
mesmo que percorreu para chegar à condenação de Jesus.
Quando nos encontramos num pecado, numa queda, sim,
devemos ir e pedir perdão ao Senhor, é o primeiro pas-
so que devemos dar, mas depois devemos dizer: « Como
caí nisto? Como começou este processo na minha alma?
Como cresceu? Quem contagiei? E, no final, como me jus-
tifiquei a mim mesmo por ter caído? ». A vida de Jesus é
sempre um exemplo para nós e as coisas que lhe acon-
teceram são aquelas que acontecerão a nós, as tentações,
as justificações, as pessoas boas que estão à nossa volta
e talvez não as ouvimos e as pessoas más, no momento
da tentação, procuramos aproximar-nos delas para fazer
crescer a tentação. Mas nunca esqueçamos: sempre, atrás
de um pecado, atrás de uma queda, há uma tentação que
começou pequena, que cresceu, que contagiou e, no final,
204
encontrou uma justificação para cair. Que o Espírito Santo
nos ilumine neste conhecimento interior.
Comunhão espiritual
As pessoas que não podem comungar recebam agora
a comunhão espiritual.
Meu Jesus, creio que estás verdadeiramente presen-
te no Santíssimo Sacramento do altar. Amo-te acima de
todas as coisas e desejo-te na minha alma. Dado que não
te posso receber sacramentalmente, vem pelo menos espi-
ritualmente ao meu coração. Como se já estivesses aqui,
abraço-te e uno-me totalmente a ti. Jamais permitas que
me separe de ti. Amém.
205
Domingo, 5 de abril de 2020
Celebração do Domingo de Ramos
Santa Missa34
Introdução
Jesus « esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição
de servo » (Flp 2, 7). Deixemo-nos introduzir por estas pala-
vras do apóstolo Paulo nos dias da Semana Santa em que a
Palavra de Deus, quase como um refrão, nos mostra Jesus
como servo: na Quinta-feira Santa, é o servo que lava os pés
aos discípulos; na Sexta-feira Santa, é apresentado como
o servo sofredor e vitorioso (cf. Is 52, 13); e, já amanhã,
ouvimos Isaías profetizar acerca d’Ele: « Eis o meu servo
que Eu amparo » (42, 1). Deus salvou-nos, servindo-nos. Ge-
ralmente pensamos que somos nós que servimos a Deus.
Mas não; foi Ele que nos serviu gratuitamente, porque nos
amou primeiro. É difícil amar, sem ser amado; e é ainda
mais difícil servir, se não nos deixamos servir por Deus.
Uma pergunta: e como nos serviu o Senhor? Dan-
do a sua vida por nós. Somos queridos a seus olhos, mas
custamos-Lhe caro. Santa Ângela de Foligno testemunhou
que ouviu de Jesus estas palavras: « Amar-te não foi uma
brincadeira ». O seu amor levou-O a sacrificar-Se por nós,
a tomar sobre Si todo o nosso mal. É algo que nos deixa
sem palavras: Deus salvou-nos, deixando que o nosso mal
se encarniçasse sobre Ele: sem reagir, somente com a hu-
34
Liturgia da Palavra: Mt 21,1-11; Is 50,4-7; Sl 21; Fl 2,6-11; Mt
26,14-27,66. Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/dng7ToA-
dPUs?t=2805
207
mildade, paciência e obediência do servo, exclusivamente
com a força do amor. E o Pai sustentou o serviço de Jesus:
não desbaratou o mal que se abatia sobre Ele, mas susten-
tou o seu sofrimento, para que o nosso mal fosse vencido
apenas com o bem, para que fosse completamente atraves-
sado pelo amor. Em toda a sua profundidade.
O Senhor serviu-nos até ao ponto de experimentar
as situações mais dolorosas para quem ama: a traição e o
abandono.
A traição. Jesus sofreu a traição do discípulo que O
vendeu e do discípulo que O renegou. Foi traído pela mul-
tidão que primeiro clamava hossana, e depois « seja cru-
cificado! » (Mt 27, 22). Foi traído pela instituição religiosa
que O condenou injustamente, e pela instituição política
que lavou as mãos. Pensemos nas traições, pequenas ou
grandes, que sofremos na vida. É terrível quando se des-
cobre que a confiança deposta foi burlada. No fundo do
coração, nasce uma tal deceção que a vida parece deixar
de ter sentido. É assim, porque nascemos para ser amados
e para amar, e o mais doloroso é ser traído por quem nos
prometera ser leal e solidário. Não podemos sequer imagi-
nar como terá sido doloroso para Deus, que é amor.
Olhemos dentro nós mesmos; se formos sinceros
para connosco, veremos as nossas infidelidades. Tanta
falsidade, hipocrisia e fingimento! Tantas boas intenções
traídas! Tantas promessas quebradas! Tantos propósi-
tos esmorecidos! O Senhor conhece melhor do que nós
o nosso coração; sabe como somos fracos e inconstantes,
quantas vezes caímos, quanto nos custa levantar e como é
difícil sanar certas feridas. E que fez Ele para nos ajudar,
para nos servir? Aquilo que dissera através do profeta:
« Curarei a sua infidelidade, amá-los-ei de todo o coração »
(Os 14, 5). Curou-nos, tomando sobre Si as nossas infide-
lidades, removendo as nossas traições. Assim nós, em vez
208
de desanimarmos com medo de não ser capazes, podemos
levantar o olhar para o Crucificado, receber o seu abraço e
dizer: « Olha! A minha infidelidade está ali. Fostes Vós, Je-
sus, que pegastes nela. Abris-me os braços, servis-me com
o vosso amor, continuais a amparar-me... Assim poderei
seguir em frente! »
O abandono. Segundo o Evangelho de hoje, na cruz,
Jesus diz uma frase, uma apenas: « Meu Deus, meu Deus,
porque Me abandonaste? » (Mt 27, 46). É uma frase im-
pressionante. Jesus sofrera o abandono dos seus, que fugi-
ram. Restava-Lhe, porém, o Pai. Agora, no abismo da so-
lidão, pela primeira vez designa-O pelo nome genérico de
« Deus ». E clama, « com voz forte », « porquê », o « porquê »
mais dilacerante: « Porque Me abandonaste também Tu? »
Na realidade, trata-se das palavras de um Salmo (cf. 22,
2), que nos dizem como Jesus levou à oração inclusive a
extrema desolação. Mas, a verdade é que Ele a experimen-
tou: experimentou o maior abandono, que os Evangelhos
atestam reproduzindo as suas palavras originais.
Porquê tudo isto? Uma vez mais… por nós, para ser-
vir-nos. Porque quando nos sentimos encurralados, quan-
do nos encontramos num beco sem saída, sem luz nem
via de saída, quando parece que nem Deus responde,
lembremo-nos que não estamos sozinhos. Jesus experi-
mentou o abandono total, a situação mais estranha para
Ele, a fim de ser em tudo solidário connosco. Fê-lo por
mim, por ti, por todos nós; fê-lo para nos dizer: « Não
temas! Não estás sozinho. Experimentei toda a tua de-
solação para estar sempre ao teu lado ». Eis o ponto até
onde nos serviu Jesus, descendo ao abismo dos nossos
sofrimentos mais atrozes, até à traição e ao abandono.
Hoje, no drama da pandemia, perante tantas certezas
que se desmoronam, diante de tantas expetativas traí-
das, no sentido de abandono que nos aperta o coração,
209
Jesus diz a cada um: « Coragem! Abre o coração ao meu
amor. Sentirás a consolação de Deus, que te sustenta ».
Queridos irmãos e irmãs, que podemos fazer vendo
Deus que nos serviu até experimentar a traição e o aban-
dono? Podemos não trair aquilo para que fomos criados,
nem abandonar o que conta. Estamos no mundo, para
amar a Ele e aos outros: o resto passa, isto permanece. O
drama que estamos a atravessar neste período impele-nos
a levar a sério o que é sério, a não nos perdermos em coisas
de pouco valor; a redescobrir que a vida não serve, se não se
serve. Porque a vida mede-se pelo amor. Então, nestes dias
da Semana Santa, em casa, permaneçamos diante do Cru-
cificado – contemplai, contemplai o Crucificado! –, me-
dida do amor de Deus por nós. Diante de Deus, que nos
serve até dar a vida, contemplando o Crucificado peçamos
a graça de viver para servir. Procuremos contactar quem so-
fre, quem está sozinho e necessitado. Não pensemos só na-
quilo que nos falta; pensemos no bem que podemos fazer.
Eis o meu servo que Eu sustento. O Pai, que sustentou
Jesus na Paixão, anima-nos, também a nós, no serviço. É
certo que amar, rezar, perdoar, cuidar dos outros, tanto
em família como na sociedade, pode custar; pode parecer
uma via-sacra. Mas a senda do serviço é o caminho vence-
dor, que nos salvou e salva, que nos salva a vida. Gostaria
de o dizer especialmente aos jovens, neste Dia que, há 35
anos, lhes é dedicado. Queridos amigos, olhai para os ver-
dadeiros heróis que vêm à luz nestes dias: não são aqueles
que têm fama, dinheiro e sucesso, mas aqueles que se ofe-
recem para servir os outros. Senti-vos chamados a arriscar
a vida. Não tenhais medo de a gastar por Deus e pelos
outros! Lucrareis… Porque a vida é um dom que se recebe
doando-se. E porque a maior alegria é dizer sim ao amor,
sem se nem mas... Dizer sim ao amor, sem se nem mas,
como fez Jesus por nós.
210
Angelus35
Amados irmãos e irmãs,
Antes de concluir esta celebração, gostaria de saudar
todos aqueles que participaram através dos meios de co-
municação social. Em particular, o meu pensamento vai
para os jovens de todo o mundo, que vivem hoje a Jornada
Mundial da Juventude de uma forma nova, a nível dioce-
sano. Hoje estava prevista a entrega da Cruz dos jovens de
Panamá para os de Lisboa. Este gesto evocativo é adiado
para o Domingo de Cristo Rei, 22 de Novembro próximo.
Esperando esse momento, exorto-vos, jovens, a cultivar e a
dar testemunho da esperança, da generosidade e da solida-
riedade de que todos nós precisamos neste momento difícil.
Amanhã, 6 de Abril, é o Dia Mundial do Desporto pela
Paz e pelo Desenvolvimento, proclamado pelas Nações Uni-
das. Durante este período, muitos eventos são suspensos,
mas sobressaem os frutos melhores do desporto: resistência,
espírito de equipe, fraternidade, dar o melhor de si... Portan-
to, promovamos o desporto pela paz e pelo desenvolvimento.
Caríssimos, encaminhemo-nos com fé pela Semana
Santa, na qual Jesus sofre, morre e ressuscita. As pessoas
e as famílias que não poderão participar nas celebrações
litúrgicas são convidadas a reunir-se em oração em casa,
ajudadas também por meios tecnológicos. Abracemos es-
piritualmente os doentes, as suas famílias e aqueles que
cuidam deles com tanta abnegação; rezemos pelos defun-
tos à luz da fé pascal. Cada um está presente no nosso co-
ração, na nossa recordação, na nossa oração.
De Maria aprendamos o silêncio interior, o olhar do
coração, a fé amorosa para seguir Jesus no caminho da
cruz, que conduz à glória da Ressurreição. Ela caminha
connosco e ampara a nossa esperança.
35
Para o vídeo: https://youtu.be/dng7ToAdPUs?t=5584
211
Segunda-feira, 6 de abril de 2020
Santa Missa36
Introdução
Estou a pensar num problema grave que existe em
muitas partes do mundo. Gostaria que hoje rezássemos
pela superlotação nas prisões. Onde há superlotação - tan-
tas pessoas juntas - há o perigo, nesta pandemia, de acabar
numa calamidade grave. Rezemos pelos responsáveis, por
aqueles que devem tomar as decisões nesta matéria, para
que encontrem uma forma correta e criativa de resolver a
situação.
celebração: https://youtu.be/etxpfTWpUDc?t=953
213
servia - como no outro excerto - e Maria abre a porta à con-
templação. E Judas pensa no dinheiro e nos pobres, mas
« não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era
ladrão e, como tinha a bolsa, tirava o que nela se metia »
(Jo 12, 6). Esta história do administrador infiel é sempre
atual, sempre os há, até a um nível elevado: pensemos
nalgumas organizações caritativas ou humanitárias que
têm tantos empregados, tantos, que têm uma estrutura
muito rica de pessoas e que no final chegam aos pobres
quarenta por cento, porque sessenta é para pagar o
salário de tantas pessoas. É uma forma de tirar dinheiro
aos pobres. Mas a resposta é Jesus. E aqui quero parar:
« Pobres, sempre os tereis convosco » (Jo 12, 8). Esta é
uma verdade: « Pobres, sempre os tereis convosco ». Os
pobres estão aqui. Há muitos: há os pobres que vemos,
mas esta é a mínima parte; o grande número de pobres
são aqueles que não vemos: os pobres escondidos. E não
os vemos porque entramos na cultura da indiferença que é
negacionista e negamos: “Não, não, não são muitos, não se
veem; sim, aquele caso...”, diminuindo sempre a realidade
dos pobres. Mas há muitos, muitos.
Ou então, se não entrarmos nesta cultura da indife-
rença, há o hábito de ver os pobres como ornamentos de
uma cidade: sim, estão ali, como estátuas; sim, existem,
veem-se; sim, aquela velhinha a pedir esmola, aquela
outra... Mas como se fosse uma coisa normal. Os pobres
fazem parte da ornamentação da cidade. Mas a grande
maioria são pobres vítimas das políticas económicas, das
políticas financeiras. Algumas estatísticas recentes resu-
mem isto desta forma: há muito dinheiro nas mãos de
poucos e muita pobreza em muitos, em tantos. E esta é a
pobreza de tantas pessoas que são vítimas da injustiça es-
trutural da economia mundial. E há pobres que se enver-
214
gonham de mostrar que não chegam ao fim do mês; tantos
pobres da classe média, que secretamente vão à Caritas,
pedem e sentem vergonha. Os pobres são muito mais nu-
merosos do que os ricos; muito, muito... E o que Jesus diz
é verdade: “Pobres, sempre os tereis convosco”. Mas eu
vejo-os? Estou consciente desta realidade? Especialmente
da realidade oculta, aqueles que se envergonham de dizer
que não conseguem chegar ao fim do mês.
Recordo que em Buenos Aires me disseram que o
edifício de uma fábrica abandonada, vazio há anos, era ha-
bitado por cerca de quinze famílias que tinham chegado
nos últimos meses. Fui lá. Eram famílias com filhos e cada
um tinha usado uma parte da fábrica abandonada para vi-
ver. E, olhando para eles, vi que cada família tinha mobília
boa, móveis da classe média, televisão, mas foram para lá
porque não podiam pagar a renda. Os novos pobres que
têm de abandonar a casa porque não podem pagar, foram
para lá. É essa injustiça da organização económica ou fi-
nanceira que os leva a isso. E são tantos, tantos, encon-
tra-los-emos no juízo. A primeira pergunta que Jesus nos
fará será: “Como te comportaste com os pobres? Deste-
-lhes de comer? Quando estavam na prisão, visitaste-os?
No hospital, viste-os? Ajudaste a viúva, os órfãos? Porque
eu estava neles”. E sobre isso seremos julgados. Não se-
remos julgados pelo luxo ou pelas viagens que fazemos
nem pela importância social que temos. Seremos julgados
pela nossa relação com os pobres. Mas se eu hoje ignorar
os pobres, os puser de lado, considerando que eles não
existem, o Senhor irá ignorar-me no Dia do Juízo. Quando
Jesus disser: “Pobres, sempre os tereis convosco” signifi-
ca “Eu estarei sempre convosco nos pobres. Neles estarei
presente”. E isto não é ser comunista, isto é o centro do
Evangelho: seremos julgados por isto.
215
Terça-feira, 7 de abril de 2020
Santa Missa37
Introdução
Nestes dias de Quaresma vimos a perseguição que
Jesus sofreu e como os doutores da Lei foram desuma-
nos contra ele: foi julgado sob crueldade, com cruelda-
de, sendo inocente. Gostaria de rezar hoje por todas as
pessoas que sofrem uma sentença injusta causada pela
perseguição.
217
O Servo de Javé, Jesus, serviu até à morte: parecia
uma derrota, mas era a forma de servir. E isto sublinha a
forma de servir que temos de assumir na nossa vida. Ser-
vir é doar-se, doar-se aos outros. Servir não é esperar para
cada um de nós qualquer outro benefício que não seja ser-
vir. É a glória, servir; e a glória de Cristo é servir ao ponto
de se aniquilar a si mesmo, ao ponto de morrer, morte de
Cruz (cf. Fl 2, 8). Jesus é o servo de Israel. O povo de Deus é
servo, e quando o povo de Deus se afasta desta atitude de
servir é um povo apóstata: afasta-se da vocação que Deus
lhe deu. E quando cada um de nós se distancia da vocação
de servir, distancia-se do amor de Deus. E constrói a sua
vida sobre outros amores, muitas vezes idólatras.
O Senhor escolheu-nos desde o ventre materno. Na
vida há quedas: cada um de nós é pecador, pode cair e já
caiu. Exceto Nossa Senhora e Jesus: todos os outros caí-
ram, nós somos pecadores. Mas o que importa é a atitude
perante o Deus que me elegeu, que me ungiu como servo;
é a atitude de um pecador capaz de pedir perdão, como
Pedro, que jura “não, Senhor, nunca te negarei, nunca,
nunca, nunca”, e depois, quando o galo canta, ele chora.
Arrepende-se (cf. Mt 26, 75). Este é o caminho do servo:
quando escorrega, quando cai, pede perdão.
Por outro lado, quando o servo não consegue com-
preender que caiu, quando a paixão o envolve de tal for-
ma que o leva à idolatria, abre o coração a Satanás, entra
na noite: foi o que aconteceu com Judas (cf. Mt 27, 3-10).
Hoje pensemos em Jesus, o servo, fiel no serviço. A
sua vocação é servir, até à morte e morte de Cruz (cf. Fl 2,
5-11). Pensemos em cada um de nós, parte do povo de
Deus: somos servos, a nossa vocação é servir, não obter
vantagem devido ao lugar que ocupamos na Igreja. Servir.
Sempre em serviço.
218
Peçamos a graça de perseverar no serviço. Por vezes
com escorregões, quedas, mas pelo menos com a graça de
chorar como fez Pedro.
219
Quarta-feira, 8 de abril de 2020
Santa Missa38
Introdução
Rezemos hoje pelas pessoas que, nesta época de pan-
demia, faz comércio em desvantagem dos necessitados;
aproveitam das necessidades dos outros e vendem-nas: os
mafiosos, os usurários e muitos outros. Que o Senhor lhes
comova o coração e os converta.
38
Liturgia da Palavra: Is 50,4-9; Sl 68; Mt 26,14-25. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/qqbSU79fm9s?t=793
221
capaz de afastar os seus pais e não voltar a vê-los, colo-
cando-os numa casa de repouso sem os ir visitar... vende.
Há um ditado muito conhecido que, falando de pessoas
assim, diz que “este é capaz de vender a mãe”: e eles ven-
dem-na. Agora estão tranquilos, estão longe: “Ocupai-vos
vós deles...”.
Hoje o comércio humano é como nos primórdios:
faz-se. Porquê? Por que: Jesus disse-o. Ele atribuiu ao
dinheiro um senhorio. Jesus disse: « Não podeis servir a
Deus e ao dinheiro » (cf. Lc 16, 13), a dois senhores. É a
única coisa que Jesus coloca no auge e cada um de nós
deve escolher: ou serves a Deus e serás livre na adora-
ção e no serviço; ou serves ao dinheiro e serás escravo
do dinheiro. Esta é a opção; e muitas pessoas querem
servir a Deus e ao dinheiro. E isto não pode ser feito. No
final, fingem servir a Deus para servir o dinheiro. Trata-
-se de exploradores ocultos que são socialmente impe-
cáveis, mas debaixo da mesa negociam, até as pessoas:
não importa. A exploração humana consiste na venda
do próximo.
Judas foi-se, mas deixou discípulos, que não são
seus discípulos, mas do diabo. Não sabemos como foi a
vida de Judas. Um jovem normal, talvez, e até com in-
quietações, pois o Senhor o chamou para ser discípulo.
Ele nunca conseguiu ser um discípulo: não tinha boca de
discípulo nem coração de discípulo, como lemos na pri-
meira leitura. Era débil no discipulado, mas Jesus ama-
va-o... Depois o Evangelho faz-nos compreender que ele
gostava de dinheiro: na casa de Lázaro, quando Maria
222
ungiu os pés de Jesus com aquele perfume caro, ele fez
a reflexão e João sublinhou: « Dizia isso não porque ele
se interessasse pelos pobres, mas porque era ladrão »
(cf. Jo 12, 6). O amor ao dinheiro tinha-o afastado das re-
gras: roubar, e de roubar a trair o passo é breve. Quem
gosta demasiado de dinheiro trai para ter mais, sempre:
é uma regra, é um facto. O jovem Judas, talvez bondoso,
com boas intenções, acaba por ser um traidor ao ponto
de ir ao mercado para vender: « Foi ter com os prínci-
pes dos sacerdotes e disse: “que me quereis dar, eu vo-lo
entregarei?” » (cf. Mt 26, 14). Na minha opinião, este ho-
mem estava fora de si.
Um aspeto que me chama a atenção é que Jesus
nunca o chama “traidor”; diz que será traído, mas não
o chama “traidor”. Nunca diz: “Vai-te embora, traidor”.
Nunca! Na verdade chama-lhe “Amigo” e beija-o. O
mistério de Judas: … como é o mistério de Judas? Não
sei... o sacerdote Primo Mazzolari explicou-o melhor do
que eu... Sim, conforta-me contemplar aquele capitel
de Vézelay: que fim levou Judas? Não sei. Jesus amea-
ça vigorosamente, aqui; ele ameaça com veemência: « ai
daquele homem por quem o Filho do homem é traído!
Bom seria para esse homem se não houvera nascido! »
(cf. Mt 26, 24). Mas isto significa que Judas está no Infer-
no? Não sei. Eu olho para o capitel. E ouço a palavra de
Jesus: “Amigo”.
Mas isto faz-nos pensar noutra coisa, que é mais real,
mais do que hoje: o diabo entrou em Judas, foi o diabo
que o levou até este ponto. E como terminou a história? O
223
diabo é um mau pagador, não é um pagador de confiança.
Ele promete tudo, mostra tudo e no final deixa-te sozinho
no teu desespero de enforcado.
O coração de Judas, inquieto, atormentado pela ga-
nância e angustiado pelo amor a Jesus, - um amor que não
conseguiu tornar-se amor, - mortificado com este nevoei-
ro, procura os sacerdotes para lhes pedir perdão e salva-
ção. « Que nos importa? Isso é contigo » (cf. Mt 27, 4): o
diabo fala assim e deixa-nos no desespero.
Pensemos nos muitos Judas institucionalizados nes-
te mundo, que exploram as pessoas. E pensemos também
no pequeno Judas que cada um de nós tem dentro de si na
hora de escolher: entre lealdade ou interesse. Cada um de
nós tem a capacidade de trair, de vender, de escolher pelo
próprio interesse. Cada um de nós tem a possibilidade de
se deixar atrair pelo amor ao dinheiro, aos bens ou pelo
bem-estar futuro. “Judas, onde estás?” Mas faço esta per-
gunta a cada um de nós: “Tu, Judas, o pequeno Judas dentro
de mim: onde estás?”.
225
Quinta-feira Santa, 9 de abril de 2020
39
Liturgia da Palavra: Ex 12,1-8.11-14; Sl 115; 1Cor 11,23-26, Jo
13,1-15. Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/r5Ne6S-nKB-
Q?t=1633
227
Hoje não houve a Missa Crismal (espero que a possa-
mos celebrar antes do Pentecostes; caso contrário, teremos
que adiá-la para o próximo ano), mas não posso deixar
passar esta Missa sem recordar os sacerdotes. Os sacer-
dotes, que oferecem a vida pelo Senhor; os sacerdotes que
são servos. Nestes dias, aqui na Itália, morreram mais de
sessenta, infetados ao prestar cuidados aos doentes nos
hospitais e também aos médicos, aos enfermeiros, às en-
fermeiras... São « os santos de ao pé da porta », sacerdotes
que, servindo, deram a vida. E penso naqueles que estão
longe. Hoje recebi a carta dum sacerdote, capelão duma
prisão, distante, que conta como vive esta Semana Santa
com os reclusos. Um franciscano. Sacerdotes que vão levar
o Evangelho lá longe; e lá morrem. Dizia um bispo que a
primeira coisa que fazia, quando chegava a estes lugares
de missão, era ir ao cemitério, ao túmulo dos sacerdotes
que lá deixaram a vida, ainda jovens, pela insalubridade
local [as doenças locais]: não estavam preparados, eles não
tinham os anticorpos. Ninguém sabe o seu nome: os sacer-
dotes anónimos. Os párocos de aldeia, que são párocos de
quatro, cinco, sete paróquias, na montanha, e se deslocam
duma para a outra, que conhecem o povo... Uma vez di-
zia-me um que sabia o nome de todas as pessoas das pa-
róquias. « A sério? » – perguntei-lhe. Retorquiu-me: « Até
o nome dos cães »! Conhecem a todos... A proximidade
sacerdotal. Bons, bons sacerdotes!
Hoje tenho-vos muito presente no meu coração, e
levo-vos ao altar. Sacerdotes caluniados. Nos nossos dias
sucede, com frequência, não poderem caminhar pela es-
trada sem ter de ouvir coisas ruins que lhes dizem, relati-
vas ao drama vivido com a descoberta dos sacerdotes que
fizeram coisas ruins. Diziam-me alguns que não podem
228
sair de casa com o cabeção, porque os insultam; e eles
continuam. Sacerdotes pecadores, que, juntamente com
os bispos pecadores e o Papa pecador, não se esquecem
de pedir perdão e aprendem a perdoar, porque sabem
que precisam de pedir perdão e de perdoar. Todos somos
pecadores. Sacerdotes que sofrem crises, que não sabem
como fazer, estão na escuridão...
Hoje todos vós, irmãos sacerdotes, estais comigo no
altar; vós, consagrados. Digo-vos apenas uma coisa: não
sejais obstinados como Pedro; deixai lavar-vos os pés. O
Senhor é o vosso servo; Ele está junto de vós para vos dar
força, para vos lavar os pés.
E assim, com esta consciência da necessidade de ser
lavados, sede grandes perdoadores! Perdoai! Coração com
grande generosidade no perdão. É a medida com que se-
remos medidos: como tu perdoares, serás perdoado. Será
a mesma medida. Não tenhas medo de perdoar. Às vezes
surgem-nos dúvidas... Olha para Cristo [contempla o Cru-
cificado]. N’Ele, temos o perdão de todos. Sede corajosos…
mesmo no arriscar, no perdoar, para consolar. E se, naque-
le momento, não puderdes dar um perdão sacramental,
pelo menos dai a consolação dum irmão que acompanha e
deixa a porta aberta para que [aquela pessoa] volte.
Agradeço a Deus pela graça do sacerdócio; todos nós
[agradecemos]. Agradeço a Deus por vós, sacerdotes. Je-
sus ama-vos! Pede apenas que deixeis lavar-vos os pés.
229
Sábado Santo, 11 de abril de 2020
Homilia
« Terminado o sábado » (Mt 28, 1), as mulheres fo-
ram ao sepulcro. O Evangelho desta santa Vigília começa
assim: com o sábado. Este é o dia do Tríduo Pascal que
mais descuramos, ansiosos de passar da cruz de sexta-fei-
ra à aleluia de domingo. Este ano, porém, damo-nos conta,
mais do que nunca, do sábado santo, o dia do grande si-
lêncio; podemos rever-nos nos sentimentos que tinham as
mulheres naquele dia. Como nós, tinham nos olhos o dra-
ma do sofrimento, duma tragédia inesperada, que se ve-
rificou demasiado rapidamente. Viram a morte e tinham
a morte no coração. À amargura, juntou-se o medo: aca-
bariam, também elas, como o Mestre? E depois os receios
pelo futuro, carecido todo ele de ser reconstruído. A me-
mória ferida, a esperança sufocada. Para elas, era a hora
mais escura, como o é hoje para nós.
Contudo, nesta situação, as mulheres não se deixam
paralisar. Não cedem às forças obscuras da lamentação
e da lamúria, não se fecham no pessimismo, nem fogem
da realidade. Realizam algo simples e extraordinário: nas
suas casas, preparam os perfumes para o corpo de Jesus.
Não renunciam ao amor: na escuridão do coração, acen-
40
Liturgia da Palavra: Gn 1,1.26-31; Sl 103; Ex 14,15-15,1; Ex
15,1-6; Is 55,1-11; Is 12,2-6; Sl 117,1; Rm 6, 3-11; Mt 28,1-10. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/UcEPXt9fvN8?t=3728
231
dem a misericórdia. Nossa Senhora, no sábado – dia que
Lhe será dedicado –, reza e espera. No desafio da tristeza,
confia no Senhor. Sem o saber, estas mulheres prepara-
vam na escuridão daquele sábado « o romper do primeiro
dia da semana » (Mt 28, 1), o dia que havia de mudar a
história. Jesus, como semente na terra, estava para fazer
germinar no mundo uma vida nova; e as mulheres, com
a oração e o amor, ajudavam a esperança a desabrochar.
Quantas pessoas, nos dias tristes que vivemos, fizeram e
fazem como aquelas mulheres, disseminando rebentos de
esperança com pequenos gestos de solicitude, de carinho,
de oração!
Ao amanhecer, as mulheres vão ao sepulcro. Lá di-
z-lhes o anjo: « Não tenhais medo. Não está aqui; ressusci-
tou » (cf. Mt 28, 5-6). Diante dum túmulo, ouvem palavras
de vida... E depois encontram Jesus, o autor da esperança,
que confirma o anúncio dizendo-lhes: « Não temais » (28,
10). Não tenhais medo, não temais: eis o anúncio de esperan-
ça para nós, hoje. Tais são as palavras que Deus nos repete
hoje, na noite que estamos a atravessar.
Nesta noite, conquistamos um direito fundamental,
que não nos será tirado: o direito à esperança. É uma espe-
rança nova, viva, que vem de Deus. Não é mero otimis-
mo, não é uma palmadinha nas costas nem um encoraja-
mento de circunstância, com o aflorar dum sorriso. Não.
É um dom do Céu, que não podíamos obter por nós mes-
mos. Tudo correrá bem: repetimos com tenacidade nestas
semanas, agarrando-nos à beleza da nossa humanidade
e fazendo subir do coração palavras de encorajamento.
Mas, à medida que os dias passam e os medos crescem,
até a esperança mais audaz pode desvanecer. A esperança
de Jesus é diferente. Coloca no coração a certeza de que
232
Deus sabe transformar tudo em bem, pois até do túmulo
faz sair a vida.
O túmulo é o lugar donde, quem entra, não sai. Mas
Jesus saiu para nós, ressuscitou para nós, para trazer vida
onde havia morte, para começar uma história nova no
ponto onde fora colocada uma pedra em cima. Ele, que
derrubou a pedra da entrada do túmulo, pode remover
as rochas que fecham o coração. Por isso, não cedamos à
resignação, não coloquemos uma pedra sobre a esperança.
Podemos e devemos esperar, porque Deus é fiel. Não nos
deixou sozinhos, visitou-nos: veio a cada uma das nossas
situações, no sofrimento, na angústia, na morte. A sua luz
iluminou a obscuridade do sepulcro: hoje quer alcançar
os cantos mais escuros da vida. Minha irmã, meu irmão,
ainda que no coração tenhas sepultado a esperança, não
desistas! Deus é maior. A escuridão e a morte não têm a
última palavra. Coragem! Com Deus, nada está perdido.
Coragem: é uma palavra que, nos Evangelhos, sai
sempre da boca de Jesus. Só uma vez é pronunciada por
outros, quando dizem a um mendigo: « Coragem, levanta-
-te que [Jesus] chama-te » (Mc 10, 49). É Ele, o Ressuscitado,
que nos levanta a nós, mendigos. Se te sentes fraco e frágil
no caminho, se cais, não tenhas medo; Deus estende-te a
mão dizendo: « Coragem! » Entretanto poderias exclamar
como padre Abbondio: « A coragem, não no-la podemos
dar » (I promessi sposi, XXV). Não a podes dar a ti mesmo,
mas podes recebê-la, como um presente. Basta abrir o co-
ração na oração, basta levantar um pouco aquela pedra
colocada à boca do coração, para deixar entrar a luz de
Jesus. Basta convidá-Lo: « Vinde, Jesus, aos meus medos e
dizei também a mim: “coragem!” Convosco, Senhor, sere-
mos provados; mas não turvados. E, seja qual for a tristeza
233
que habite em nós, sentiremos o dever de esperar, porque
convosco a cruz desagua na ressurreição, porque Vós es-
tais connosco na escuridão das nossas noites: sois certeza
nas nossas incertezas, Palavra nos nossos silêncios e nada
poderá jamais roubar-nos o amor que nutris por nós ».
Eis o anúncio pascal, anúncio de esperança. Este con-
tém uma segunda parte, o envio. « Ide anunciar aos meus
irmãos que partam para a Galileia» (Mt 28,10): diz Jesus.
Ele « vai à vossa frente para a Galileia» (28, 7): diz o anjo. O
Senhor precede-nos, precede-nos sempre. É bom saber que
caminha diante de nós, que visitou a nossa vida e a nossa
morte para nos preceder na Galileia, isto é, no lugar que,
para Ele e para os seus discípulos, lembrava a vida diária,
a família, o trabalho. Jesus deseja que levemos a esperança
lá, à vida de cada dia. Mas, para os discípulos, a Galileia
era também o lugar das recordações, sobretudo da pri-
meira chamada. Voltar à Galileia é lembrar-se de ter sido
amado e chamado por Deus. Cada um de nós tem a sua
própria Galileia. Precisamos de retomar o caminho, lem-
brando-nos de que nascemos e renascemos a partir duma
chamada gratuita de amor, lá, na minha Galileia. Este é
o ponto donde recomeçar sempre, sobretudo nas crises,
nos tempos de provação: na recordação da minha Galileia.
Mais ainda. A Galileia era a região mais distante de
Jerusalém, onde estavam. E não só geograficamente: a Ga-
lileia era o lugar mais distante do caráter sacro da Cida-
de Santa. Era uma região habitada por povos diferentes,
que praticavam vários cultos: era a « Galileia dos gentios »
(Mt 4, 15). Jesus envia para lá, pede para recomeçar de lá.
Que nos diz isto? Que o anúncio da esperança não deve
ficar confinado nos nossos recintos sagrados, mas ser le-
vado a todos. Porque todos têm necessidade de ser enco-
234
rajados e, se não o fizermos nós que tocamos com a mão
« o Verbo da vida » (1 Jo 1, 1), quem o fará? Como é belo
ser cristãos que consolam, que carregam os fardos dos ou-
tros, que encorajam: anunciadores de vida em tempo de
morte! A cada Galileia, a cada região desta humanidade a
que pertencemos e que nos pertence, porque todos somos
irmãos e irmãs, levemos o cântico da vida! Façamos calar
os gritos de morte: de guerras, basta! Pare a produção e o
comércio das armas, porque é de pão que precisamos, não
de metralhadoras. Cessem os abortos, que matam a vida
inocente. Abram-se os corações daqueles que têm, para
encher as mãos vazias de quem não dispõe do necessário.
No fim, as mulheres « estreitaram os pés » de Jesus
(Mt 28, 9), aqueles pés que, para nos encontrar, haviam
percorrido um longo caminho até entrar e sair do túmulo.
Abraçaram os pés que espezinharam a morte e abriram o
caminho da esperança. Hoje nós, peregrinos em busca de
esperança, estreitamo-nos a Vós, Jesus ressuscitado. Vol-
tamos as costas à morte e abrimos os corações para Vós,
que sois a Vida.
235
Domingo, 12 de abril de 2020
Páscoa
41
Para o vídeo: https://youtu.be/T3mA9vnaNqY?t=4670
237
o nosso olhar para que sare as feridas da humanidade
atribulada.
Hoje penso sobretudo em quantos foram atingidos di-
retamente pelo coronavírus: os doentes, os que morreram
e os familiares que choram a partida dos seus queridos e
por vezes sem conseguir sequer dizer-lhes o último adeus.
O Senhor da vida acolha junto de Si no seu Reino
os falecidos e dê conforto e esperança a quem ainda está
na prova, especialmente aos idosos e às pessoas sem nin-
guém. Não deixe faltar a sua consolação e os auxílios ne-
cessários a quem se encontra em condições de particular
vulnerabilidade, como aqueles que trabalham nas casas de
cura ou vivem nos quartéis e nas prisões.
Para muitos, é uma Páscoa de solidão, vivida entre
lutos e tantos incómodos que a pandemia está a causar,
desde os sofrimentos físicos até aos problemas económicos.
Esta epidemia não nos privou apenas dos afetos, mas
também da possibilidade de recorrer pessoalmente à con-
solação que brota dos Sacramentos, especialmente da Eu-
caristia e da Reconciliação. Em muitos países, não foi pos-
sível aceder a eles, mas o Senhor não nos deixou sozinhos!
Permanecendo unidos na oração, temos a certeza de que
Ele colocou sobre nós a sua mão (cf. Sal 139/138, 5), repe-
tindo a cada um com veemência: Não tenhas medo! « Res-
suscitei e estou contigo para sempre » (cf. Missal Romano).
Jesus, nossa Páscoa, dê força e esperança aos médi-
cos e enfermeiros, que por todo o lado oferecem um tes-
temunho de solicitude e amor ao próximo até ao extremo
das forças e, por vezes, até ao sacrifício da própria saúde.
Para eles, bem como para quantos trabalham assiduamen-
te para garantir os serviços essenciais necessários à convi-
vência civil, para as forças da ordem e os militares que em
238
muitos países contribuíram para aliviar as dificuldades e
tribulações da população, vai a nossa saudação afetuosa
juntamente com a nossa gratidão.
Nestas semanas, alterou-se improvisamente a vida
de milhões de pessoas. Para muitos, ficar em casa foi uma
ocasião para refletir, parar os ritmos frenéticos da vida,
permanecer com os próprios familiares e desfrutar da sua
companhia. Mas, para muitos outros, é também um mo-
mento de preocupação pelo futuro que se apresenta in-
certo, pelo emprego que se corre o risco de perder e pelas
outras consequências que acarreta a atual crise. Encorajo
todas as pessoas que detêm responsabilidades políticas a
trabalhar ativamente em prol do bem comum dos cida-
dãos, fornecendo os meios e instrumentos necessários
para permitir a todos que levem uma vida digna e favore-
cer – logo que as circunstâncias o permitam – a retoma das
atividades diárias habituais.
Este não é tempo para a indiferença, porque o mun-
do inteiro está a sofrer e deve sentir-se unido ao enfrentar
a pandemia. Jesus ressuscitado dê esperança a todos os
pobres, a quantos vivem nas periferias, aos refugiados e
aos sem abrigo. Não sejam deixados sozinhos estes irmãos
e irmãs mais frágeis, que povoam as cidades e as periferias
de todas as partes do mundo. Não lhes deixemos faltar os
bens de primeira necessidade, mais difíceis de encontrar
agora que muitas atividades estão encerradas, bem como
os medicamentos e sobretudo a possibilidade duma assis-
tência sanitária adequada. Em consideração das presentes
circunstâncias, sejam abrandadas também as sanções in-
ternacionais que impedem os países visados de propor-
cionar apoio adequado aos seus cidadãos e seja permiti-
do a todos os Estados acudir às maiores necessidades do
239
momento atual, reduzindo – se não mesmo perdoando – a
dívida que pesa sobre os orçamentos dos mais pobres.
Este não é tempo para egoísmos, pois o desafio que
enfrentamos nos une a todos e não faz distinção de pes-
soas. Dentre as muitas áreas do mundo afetadas pelo co-
ronavírus, penso de modo especial na Europa. Depois da
II Guerra Mundial, este Continente pôde ressurgir graças
a um espírito concreto de solidariedade, que lhe permitiu
superar as rivalidades do passado. É muito urgente, sobre-
tudo nas circunstâncias presentes, que tais rivalidades não
retomem vigor; antes, pelo contrário, todos se reconheçam
como parte duma única família e se apoiem mutuamente.
Hoje, à sua frente, a União Europeia tem um desafio epo-
cal, de que dependerá não apenas o futuro dela, mas tam-
bém o do mundo inteiro. Não se perca esta ocasião para
dar nova prova de solidariedade, inclusive recorrendo
a soluções inovadoras. Como alternativa, resta apenas o
egoísmo dos interesses particulares e a tentação dum re-
gresso ao passado, com o risco de colocar a dura prova a
convivência pacífica e o progresso das próximas gerações.
Este não é tempo para divisões. Cristo, nossa paz, ilu-
mine a quantos têm responsabilidades nos conflitos, para
que tenham a coragem de aderir ao apelo a um cessar-fo-
go global e imediato em todos os cantos do mundo. Este
não é tempo para continuar a fabricar e comercializar ar-
mas, gastando somas enormes que deveriam ser usadas
para cuidar das pessoas e salvar vidas. Ao contrário, seja o
tempo em que finalmente se ponha termo à longa guerra
que ensanguentou a amada Síria, ao conflito no Iémen e às
tensões no Iraque, bem como no Líbano. Seja este o tempo
em que retomem o diálogo israelitas e palestinenses para
encontrar uma solução estável e duradoura que permita a
ambos os povos viverem em paz. Cessem os sofrimentos
240
da população que vive nas regiões orientais da Ucrânia.
Ponha-se termo aos ataques terroristas perpetrados contra
tantas pessoas inocentes em vários países da África.
Este não é tempo para o esquecimento. A crise que
estamos a enfrentar não nos faça esquecer muitas outras
emergências que acarretam sofrimentos a tantas pessoas.
Que o Senhor da vida Se mostre próximo das populações
da Ásia e da África que estão a atravessar graves crises
humanitárias, como na Região de Cabo Delgado, no norte
de Moçambique. Acalente o coração das
inúmeras pessoas refugiadas e deslocadas por causa
de guerras, seca e carestia. Proteja os inúmeros migrantes
e refugiados, muitos deles crianças, que vivem em condi-
ções insuportáveis, especialmente na Líbia e na fronteira
entre a Grécia e a Turquia. E não quero esquecer a ilha de
Lesbos. Faça com que na Venezuela se chegue a soluções
concretas e imediatas, destinadas a permitir a ajuda inter-
nacional à população que sofre por causa da grave conjun-
tura política, socioeconómica e sanitária.
241
13 de abril de 2020
Segunda-feira do Anjo
Santa Missa42
Introdução
Rezemos hoje pelos governantes, pelos cientistas, pe-
los políticos que começaram a estudar uma saída, a pós-
-pandemia, este “depois” que já começou: que encontrem
o caminho certo, sempre a favor das pessoas, sempre a fa-
vor dos povos.
243
o túmulo vazio. Este túmulo vazio trar-nos-á muitos
problemas. E a decisão de esconder o acontecimento. É
como sempre: quando não servimos a Deus, ao Senhor,
servimos o outro deus, o dinheiro. Recordemos o que Je-
sus disse: existem dois senhores, o Senhor Deus e o se-
nhor dinheiro. Não se pode servir a ambos. E para sair
desta evidência, desta realidade, os sacerdotes, os douto-
res da Lei escolheram o outro caminho, aquele que lhes
ofereceu o deus dinheiro, e pagaram: pagaram o silên-
cio (cf. Mt 28, 12-13). O silêncio das testemunhas. Assim
que Jesus morreu, um dos guardas confessou: « Verda-
deiramente, este homem era o Filho de Deus! » (Mc 15,
39). Aquelas pobres pessoas não compreendiam, tinham
medo porque a própria vida estava em jogo... e foram ter
com os sacerdotes, com os doutores da Lei. E eles paga-
ram: pagaram pelo silêncio, e isto, caros irmãos e irmãs,
não é um suborno: é pura corrupção, corrupção em esta-
do puro. Se não confessares Jesus Cristo o Senhor, pen-
sa por quê: pensa onde há o selo do teu túmulo, onde há
corrupção. É verdade que muitas pessoas não confessam
Jesus porque não o conhecem, porque nós não o anuncia-
mos com coerência e a culpa é nossa. Mas quando, diante
das evidências, empreendemos este caminho, é o cami-
nho do diabo, é a estrada da corrupção. Paga-se e cala-se!
Também hoje, diante do próximo - esperemos que
seja em breve - fim desta pandemia, existe a mesma op-
ção: ou a nossa aposta será pela vida, pela ressurreição dos
povos, ou será pelo deus dinheiro: voltar à sepultura da
fome, da escravidão, das guerras, das fábricas de armas,
das crianças sem escolas... aqui está a sepultura!
Que o Senhor, tanto na nossa vida pessoal como so-
cial, nos ajude sempre a optar pelo anúncio: o anúncio que
é horizonte, está sempre aberto; nos leve a escolher o bem
das pessoas, sem nunca cair no túmulo do deus dinheiro.
244
Oração para fazer a Comunhão espiritual
As pessoas que não podem receber a Eucaristia, ago-
ra fazem a Comunhão espiritual.
Meu Jesus, creio que estais presente no Santíssimo
Sacramento. Amo-vos acima de tudo e a minha alma sus-
pira por Vós. Mas dado que agora não posso receber-vos
no Santíssimo Sacramento, vinde, pelo menos espiritual-
mente, ao meu coração. Abraço-vos come se já estivésseis
comigo: uno-me inteiramente a Vós. Ah! Não permitais
que eu volte a separar-me de Vós!
Regina Coeli43
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, Segunda-Feira do Anjo, ressoa o alegre anún-
cio da Ressurreição de Cristo. A página do Evangelho
(cf. Mt 28, 8-15) diz-nos que as mulheres assustadas dei-
xam apressadamente o túmulo de Jesus, que encontraram
vazio; mas o próprio Jesus aparece-lhes no caminho e diz-
-lhes: « Nada receeis; ide dizer a Meus irmãos que partam
para a Galileia, e lá Me verão » (v. 10). Com estas palavras,
o Ressuscitado confia às mulheres um mandato missio-
nário para os Apóstolos. De facto, deram um admirável
exemplo de fidelidade, dedicação e amor a Cristo no tem-
po da sua vida pública, bem como durante a sua Paixão;
agora são recompensadas por Ele com este gesto de aten-
ção e predileção. As mulheres, sempre no início: Maria, no
início; as mulheres, no início.
43
Para o vídeo: https://youtu.be/dOWMLhrUKNo
245
Primeiro as mulheres, depois os discípulos e, em par-
ticular, Pedro, veem a realidade da ressurreição. Jesus ti-
nha-lhes anunciado repetidamente que, depois da paixão
e da cruz, ele ressuscitaria, mas os discípulos não tinham
compreendido, porque ainda não estavam prontos. A sua
fé teve que dar um salto qualitativo, que só o Espírito San-
to, dom do Ressuscitado, poderia suscitar.
No início do livro dos Atos dos Apóstolos, ouvimos
Pedro declarar com ousadia, com coragem, com franque-
za: « Foi este Jesus que Deus ressuscitou, do que nós somos
testemunhas » (At 2, 32). Como se dissesse: “Eu garanto por
Ele. Eu dou a minha vida por Ele”. E depois dará a vida por
Ele. A partir desse momento, a proclamação de que Cristo
ressuscitou propaga-se por toda a parte e chega a todos
os cantos da terra, tornando-se a mensagem de esperança
para todos. A ressurreição de Jesus diz-nos que a última
palavra não cabe à morte, mas à vida. Ao ressuscitar o Filho
unigénito, Deus Pai manifestou plenamente o seu amor e
misericórdia para com a humanidade de todos os tempos.
Se Cristo ressuscitou, é possível olhar com confian-
ça para cada acontecimento da nossa existência, mesmo
para os mais difíceis, cheios de angústia e incerteza. Esta
é a mensagem pascal que somos chamados a proclamar,
com palavras e, sobretudo, com o testemunho da vida.
Que esta notícia ressoe nas nossas casas e nos nossos cora-
ções: « Cristo, minha esperança, ressuscitou! » (Sequência
pascal). Que esta certeza reforce a fé de cada batizado e
encoraje especialmente aqueles que enfrentam maiores so-
frimentos e dificuldades.
Que a Virgem Maria, testemunha silenciosa da mor-
te e ressurreição do filho Jesus, nos ajude a acreditar for-
temente neste mistério de salvação: acolhido com fé, pode
mudar a vida. Este é o desejo da Páscoa que renovo a to-
246
dos vós. Confio-o a ela, nossa Mãe, a quem agora invoca-
mos com a oração do Rainha Caeli.
247
Terça-feira, 14 de abril de 2020
Santa Missa44
Introdução
Rezemos para que o Senhor nos conceda a graça da
unidade entre nós. Que as dificuldades deste tempo nos
façam descobrir a comunhão entre nós, a unidade que é
sempre superior a qualquer divisão.
44
Liturgia da Palavra: At 2,36-41; Sl 32; Jo 20,11-18. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/mA8RutHfMYA?t=867
249
capítulo 12. « Sucedeu que, havendo Roboão confirmado
o reino, e tendo-se fortalecido, deixou a lei do Senhor, e
com ele todo o Israel » (cf. 2 Cr 12, 1). Assim diz a Bíblia.
É um dado histórico e também um universal. Muitas
vezes, quando nos sentimos seguros, começamos a fazer
os nossos planos e lentamente afastamo-nos do Senhor;
não permanecemos fiéis. E a minha segurança não é a
que o Senhor me dá. É um ídolo. Foi isto que aconteceu
a Roboão e ao povo de Israel. Sentiu-se seguro - um reino
consolidado - afastou-se da lei e começou a adorar os
ídolos. Sim, podemos dizer: “Padre, eu não me ajoelho
perante os ídolos”. Não, talvez não te ajoelhes, mas é
verdade que os procuras e que tantas vezes adoras os
ídolos no teu coração. Muitas vezes. A própria segurança
abre a porta aos ídolos.
Mas é má a própria segurança? Não, é uma graça.
Estar certo, mas também ter a certeza de que o Senhor está
comigo. Mas quando há segurança e eu estou no centro,
afasto-me do Senhor, como o rei Roboão, torno-me infiel.
É tão difícil manter a fidelidade. Toda a história de Israel,
e depois toda a história da Igreja, está cheia de infidelida-
des. Repleta. Cheia de egoísmo, cheia das suas próprias
certezas que levam o povo de Deus a afastar-se do Senhor,
a perder esta fidelidade, a graça da fidelidade. E mesmo
entre nós, entre as pessoas, certamente a fidelidade não é
uma virtude comum. Muitos talvez não sejam fiéis uns aos
outros... « Arrependei-vos, voltai à fidelidade ao Senhor »
(cf. At 2, 38).
E no Evangelho, o ícone da fidelidade: aquela mu-
lher fiel que nunca esqueceu tudo o que o Senhor tinha
feito por ela. Estava lá, fiel, diante do impossível, perante
a tragédia, uma fidelidade que também a faz pensar que
250
é capaz de carregar o corpo... (cf. Jo 20, 15). Uma mulher
fraca mas fiel. O ícone de fidelidade de Maria de Magdala,
apóstola dos apóstolos.
Peçamos hoje ao Senhor a graça da fidelidade: de
agradecer quando Ele nos dá certezas, mas nunca pensar
que são “minhas” certezas e sempre olhar para além das
próprias certezas; a graça de sermos fiéis mesmo diante
dos túmulos, perante o colapso de tantas ilusões. Fidelida-
de, que permanece sempre, mas não é fácil mantê-la. Que
Ele, o Senhor, a conserve.
251
Quarta-feira, 15 de abril de 2020
Santa Missa45
Introdução
Rezemos hoje pelos idosos, especialmente por aque-
les que estão isolados ou em casas de repouso. Eles têm
medo, medo de morrer sozinhos. Sentem que esta pande-
mia é agressiva. Eles são as nossas raízes, a nossa histó-
ria. Transmitiram-nos a fé, a tradição e o sentimento de
pertença a uma pátria. Rezemos para que o Senhor esteja
próximo deles neste momento.
253
Um Deus que vai em frente e não se cansa de traba-
lhar - digamos “trabalhar”, “ad instar laborantis” (cf. Santo
Inácio de Loyola, Exercícios espirituais, 236), como dizem
os teólogos - para levar o povo adiante, sem medo de “se
cansar”, por assim dizer... Como aquele pastor que, quan-
do volta para casa, nota que lhe falta uma ovelha e volta à
procura da ovelha que se perdeu (cf. Mt 18, 12-14). O pas-
tor que faz horas extraordinárias, mas por amor, por fide-
lidade... E o nosso Deus é um Deus que faz horas extraor-
dinárias, não a pagamento: gratuitamente. É a fidelidade
da gratuidade, da abundância. E a fidelidade é aquele pai
que sobe muitas vezes ao terraço para ver se o filho volta e
não se cansa de subir: espera por ele para festejar (cf. Lc 15,
21-24). A fidelidade de Deus é uma festa, é alegria, é uma
alegria tão grande que nos faz agir como o coxo: ele en-
trou no templo caminhando, saltando, louvando a Deus
(cf. At 3, 8-9). A fidelidade de Deus é uma festa, uma festa
gratuita. É festa para todos nós.
A fidelidade de Deus é uma fidelidade paciente: tem
paciência com o seu povo, escuta-o, guia-o, explica-lhe
lentamente e aquece-lhe o coração, como fez com os dois
discípulos que iam para longe de Jerusalém: aquece-lhes
o coração para que voltem para casa (cf. Lc 24, 32-33). A
fidelidade de Deus é o que não sabemos: o que aconteceu
nesse diálogo, mas foi o Deus generoso que procurou Pe-
dro, que o tinha negado. Só sabemos que o Senhor ressus-
citou e apareceu a Simão: o que aconteceu nesse diálogo
não sabemos (cf. Lc 24, 34). Mas sim, sabemos que foi a
fidelidade de Deus que procurou Pedro. A fidelidade de
Deus precede-nos sempre, e a nossa fidelidade é uma res-
posta a essa fidelidade que nos precede. É o Deus que nos
precede sempre. A flor da amendoeira, na primavera: é a
primeira a florescer.
254
Ser fiel é louvar esta fidelidade, é ser fiel a esta fideli-
dade. É uma resposta a esta fidelidade.
255
Quinta-feira, 16 de abril de 2020
Santa Missa46
Introdução
Recentemente fui repreendido porque me esqueci de
agradecer a um grupo de pessoas que também trabalham.
Agradeci aos médicos, enfermeiros, voluntários... “Mas
esqueceu-se dos farmacêuticos”: eles trabalham muito
para ajudar os doentes a saírem da doença. Rezemos tam-
bém por eles.
Homilia
Naqueles dias, em Jerusalém, as pessoas tinham
muitos sentimentos: medo, espanto, dúvida. « E, apegan-
do-se o coxo, que fora curado, a Pedro e João, todo o povo
correu atónito para junto deles... » (At 3, 11): há um am-
biente inquietante porque aconteciam coisas que não se
compreendiam. O Senhor foi ter com os seus discípulos.
Também eles sabiam que ele tinha ressuscitado, inclusi-
ve Pedro, porque tinha falado com ele naquela manhã. Os
dois que voltaram de Emaús sabiam, mas quando o Se-
nhor apareceu, ficaram assustados. « Espantados e atemo-
rizados, pensavam que viam algum espírito » (Lc 24, 37);
tinham tido a mesma experiência no lago quando Jesus
caminhou sobre as águas. Naquela ocasião Pedro, ousan-
do, diz: « Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por
cima das águas » (cf. Mt 14, 28). Neste dia Pedro estava
46
Liturgia da Palavra: At 3,11-26; Sl 8; Lc 24,35-48. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/ru5BtK1fycc?t=1056
257
em silêncio, tinha falado com o Senhor naquela manhã, e
desse diálogo ninguém sabe o que disseram um ao outro,
por isso não falava. Mas eles estavam tão cheios de medo,
tão perturbados, que pensaram ter visto um fantasma. E
ele diz: « Por que estais perturbados, e por que sobem tais
pensamentos aos vossos corações? Vede as minhas mãos e
os meus pés... », e mostrou-lhes as chagas (cf. Lc 24, 38-39).
Este tesouro de Jesus que o levou ao Céu para o mostrar ao
Pai e interceder por nós. « Tocai-me e vede, pois um espí-
rito não tem carne nem ossos ». E depois segue uma frase
que me dá tanto consoloação e, por isso, este trecho do
Evangelho é um dos meus preferidos: « Mas, pela alegria,
não acreditavam... ». (cf. Lc 24, 41), cheios de admiração, a
alegria impedia-os de acreditar. Havia tanta alegria: “não,
isto não pode ser verdade. Esta alegria não é real, é dema-
siada alegria”. E isto impediu-os de acreditar. A alegria.
Os momentos de grande alegria. Estavam cheios de ale-
gria, mas paralisados por ela. E a alegria é um dos desejos
que Paulo formulou para o seu povo em Roma: « Que o
Deus da esperança vos encha de alegria » (cf. Rm 15, 13),
disse-lhes. Encher-se de alegria, estar repleto de alegria. É
a experiência da consolação mais elevada, quando o Se-
nhor nos faz compreender que isto é algo diferente de ser
alegre, positivo, luminoso... Não, é algo diferente. Ser ale-
gre... mas cheio de alegria, uma alegria transbordante que
realmente nos invade. E é por isso que Paulo deseja aos Ro-
manos que « o Deus da esperança vos encha de alegria ». E
esta palavra, esta expressão, que vos encha de alegria, é re-
petida muitas vezes. Por exemplo, quando na prisão Pau-
lo salva a vida do carcereiro que estava prestes a cometer
suicídio, porque as portas se abriram com o terramoto, e
depois anuncia-lhe o Evangelho, batiza-o, e o carcereiro,
diz a Bíblia, estava “cheio de alegria” por ter acreditado
(cf. At 16, 29-34). O mesmo acontece ao administrador de
258
Candace, quando Filipe o batizou, foi-se embora, seguiu
o seu caminho « cheio de alegria » (cf. At 8, 39). Sucedeu
também no dia da Ascensão: os discípulos voltaram para
Jerusalém, diz a Bíblia, « cheios de alegria » (cf. At 24, 52-
53). É a plenitude da consolação, a plenitude da presença
do Senhor. Porque, como diz Paulo aos Gálatas, « a alegria
é fruto do Espírito Santo » (cf. Gl 5, 22), não é consequência
de emoções que irrompem por algo maravilhoso... Não, é
mais do que isto. Esta alegria, esta alegria que nos enche,
é fruto do Espírito Santo. Sem o Espírito não se pode sen-
tir esta alegria. Receber a alegria do Espírito é uma graça.
Vêm-me à mente os últimos números, os últimos parágra-
fos da Exortação Evangelii nuntiandi de Paulo VI (cf. 79-
80), quando fala de cristãos alegres, de evangelizadores
alegres, e não daqueles que vivem sempre tristes. Hoje
é um bom dia para os ler. Cheios de alegria. É isto que
a Bíblia nos diz: « Mas, pela alegria, não acreditavam... »,
era tanta que não acreditavam. Há um trecho do livro de
Neemias que nos ajudará hoje nesta reflexão sobre a ale-
gria. O povo voltando a Jerusalém, encontrou o livro da
lei, redescobriram-no – pois conheciam a lei de cor, não
encontraram o livro da lei - grande festa e todo o povo
se reuniu para ouvir o sacerdote Esdras que lia o livro da
lei. As pessoas comovidas choraram, choraram de alegria
porque tinham encontrado o livro da lei e choraram, esta-
vam alegres, choraram... No final, quando o sacerdote Es-
dras terminou, Neemias disse ao povo: « Não vos entriste-
çais; porque a alegria do Senhor é a vossa força » (cf. Ne 8,
1-12). Esta palavra do Livro de Neemias ajudar-nos-á hoje.
A grande força que temos para transformar, para pregar
o Evangelho, para ir em frente como testemunhas de vida
é a alegria do Senhor que é fruto do Espírito Santo, e hoje
peçamos-Lhe que nos conceda este fruto.
259
Sexta-feira, 17 de abril de 2020
Santa Missa47
Introdução
Gostaria que rezássemos hoje pelas futuras mães,
pelas mulheres grávidas que se tornarão mães e estão in-
quietas, preocupadas. E perguntam-se: “Em que mundo
viverá o meu filho?”. Oremos por elas, a fim de que o
Senhor lhes dê a coragem de criar estas crianças com a
confiança de que será um mundo certamente diferente,
mas será sempre um mundo que o Senhor amará muito.
47
Liturgia da Palavra: At 4,1-12; Sl 117; Jo 21,1-14. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/Lk29l700184?t=1031
261
do sermão, Jesus disse: « Fazei-vos ao largo » - « Mas tra-
balhamos a noite inteira e nada apanhamos » - « Ide ».
« Mas por causa da tua palavra », disse Pedro, « lançarei
as redes ». Apanharam tantos peixes - diz o Evangelho -
que « ficaram admirados » (cf. Lc 5, 9), diante daquele
milagre. Hoje, nesta pesca, não se fala de admiração. Vê-
-se uma certa naturalidade, vê-se que houve progresso,
um caminho percorrido no conhecimento do Senhor, na
intimidade com o Senhor; direi a palavra certa: na fami-
liaridade com o Senhor. Quando João viu isto, disse a Pe-
dro: « É o Senhor! », e Pedro cingiu-se com a túnica, lan-
çou-se na água e foi ao encontro do Senhor (cf. Jo 21, 7).
A primeira vez, ajoelhou-se diante d›Ele: « Afasta-te de
mim, Senhor, porque sou um pecador » (cf. Lc 5, 8). Mas
desta vez nada diz, é mais natural. Ninguém perguntou:
“Quem és?”. Sabiam que era o Senhor, o encontro com o
Senhor era natural. A familiaridade dos apóstolos com o
Senhor tinha crescido.
Também nós, cristãos, no itinerário da nossa vida,
estamos a caminho e devemos progredir na familiaridade
com o Senhor. Diria que o Senhor está um pouco “à mão”,
mas “à mão” porque caminha connosco, sabemos que é
Ele. Ninguém lhe perguntou, “quem és?”: sabiam que era
o Senhor. A familiaridade do cristão com o Senhor é diária.
Sem dúvida, juntos comeram o peixe e o pão, e certamente
falaram de muitos assuntos com naturalidade.
Esta familiaridade dos cristãos com o Senhor é sem-
pre comunitária. Sim, é íntima, pessoal, mas em comuni-
dade. Uma familiaridade sem comunidade, sem Pão, sem
262
Igreja, sem povo, sem sacramentos, é perigosa. Pode-se
tornar uma familiaridade - digamos - gnóstica, uma fami-
liaridade só para mim, desligada do povo de Deus. A fa-
miliaridade dos apóstolos com o Senhor foi sempre comu-
nitária, sempre à mesa, um sinal da comunidade. Sempre
com o Sacramento, com o Pão.
Digo isto porque alguém me fez refletir sobre o pe-
rigo deste momento que vivemos, desta pandemia, que
até nos fez comungar religiosamente através da mídia,
dos meios de comunicação social, inclusive nesta Missa,
somos todos comunicantes, espiritualmente unidos mas
não juntos. Os presentes são poucos. Mas há um grande
povo: estamos unidos, mas não estamos juntos. Também
hoje tendes o Sacramento, a Eucaristia, mas as pessoas que
estão unidas a nós, só têm a Comunhão espiritual. E esta
não é a Igreja: é a Igreja de uma situação difícil, que o Se-
nhor permite, mas o ideal de Igreja é estar sempre com o
povo e com os sacramentos. Sempre!
Antes da Páscoa, quando saiu a notícia de que eu iria
celebrar a Páscoa na praça de São Pedro vazia, um bis-
po - um bom bispo - escreveu-me e repreendeu-me. “Mas
como? São Pedro é tão grande, por que não permitir que
entrem pelo menos 30 pessoas, para que se possa ver o
povo? Não haverá perigo...”. Pensei: “Mas, o que ele pen-
sa para me dizer isto?. Não entendi imediatamente. Mas
dado que ele é um bom bispo, muito próximo do povo,
queria dizer-me algo. Quando o encontrar, vou pergun-
tar-lhe”. Depois compreendi. Ele dizia-me: “Cuidado para
não viralizar a Igreja, para não viralizar os sacramentos,
263
para não viralizar o povo de Deus. A Igreja, os sacramen-
tos, o povo de Deus são concretos”. É verdade que, neste
momento, temos que nos familiarizar com o Senhor desta
forma, mas para sair do túnel, não para ficar lá. E esta é a
familiaridade dos apóstolos: não agnóstica, não viralizada,
não egoísta para cada um deles, mas uma familiaridade
concreta, no povo. Familiaridade com o Senhor na vida
quotidiana, familiaridade com o Senhor nos sacramentos,
no meio do povo de Deus. Eles percorreram um caminho
de maturidade na familiaridade com o Senhor: também
nós aprendamos a fazê-lo. Desde o primeiro momento,
compreenderam que esta familiaridade era diferente da
que imaginavam, e chegaram a esta conclusão. Sabiam
que era o Senhor, compartilhavam tudo: a comunidade,
os sacramentos, o Senhor, a paz, a festa.
Que o Senhor nos ensine esta intimidade com Ele,
esta familiaridade com Ele, mas na Igreja, com os sacra-
mentos, com o povo fiel de Deus.
265
Sábado, 18 de abril de 2020
Santa Missa48
Introdução
Ontem recebi a carta de uma religiosa, que trabalha
como tradutora de língua gestual para surdos-mudos, e
ela falou-me sobre o trabalho muito difícil que os profis-
sionais de saúde, os enfermeiros, os médicos têm com os
doentes deficientes contagiados de Covid-19. Rezemos
por eles, a fim de que estejam sempre ao serviço destas
pessoas com habilidades diferentes, mas que não têm as
nossas mesmas capacidades.
267
mente este termo grego, para indicar isto: parrésia, fran-
queza, coragem. Viam neles esta franqueza, esta coragem,
esta parrésia e não compreendiam.
Ousadia. A coragem e a franqueza com que os pri-
meiros apóstolos pregavam... O Livro dos Atos está cheio
de exemplos como este: diz-se que Paulo e Barnabé pro-
curavam explicar o mistério de Jesus aos judeus com ousa-
dia, pregavam o Evangelho com ousadia (cf. At 13, 46).
Gosto muito de um versículo na Carta aos Hebreus,
onde o seu autor se dá conta de que na comunidade está
a acontecer alguma coisa, que se está a perder algo, que
os cristãos estão a ficar tíbios. Não me lembro exatamente
a citação... - diz o seguinte: « Lembrai-vos dos primeiros
dias, travastes uma luta grande e dura: agora não percais
a vossa franqueza » (cf. Hb 10, 32-35). “Recuperai”, recu-
perai a vossa franqueza, a coragem cristã de seguir em
frente. Não se pode ser cristão sem esta ousadia: se não a
tiveres, não serás um bom cristão. Se não tiveres coragem,
se para explicares a tua posição acabares em ideologias ou
explicações casuísticas, falta-te a franqueza, falta-te o esti-
lo cristão, a liberdade de falar, de dizer tudo. A coragem!
E depois, vemos que os chefes, os anciãos e os es-
cribas são vítimas desta franqueza, porque isto os coloca
em dificuldade: não sabem o que fazer. Dando-se conta
de que “eram homens sem letras e indoutos, maravilha-
vam-se e reconheciam-nos como companheiros de Jesus.
E, vendo com eles o homem que fora curado, não podiam
replicar » (At 4, 13-14). Em vez de aceitar a verdade aberta,
os seus corações estavam tão fechados que procuravam
o caminho da diplomacia, o caminho do compromisso:
« Para que esta notícia não se divulgue mais entre o povo,
268
ameacemo-los a fim de que já não falem a ninguém nes-
se nome » (cf. At 4, 16-17). Na verdade, são encurralados
precisamente pela franqueza: não sabiam como sair dela.
Contudo, não lhes ocorreu dizer: “Mas não será verdade
isto?”. O coração deles já estava fechado, tinha endureci-
do: o coração corrompeu-se. Este é um dos dramas: o po-
der do Espírito Santo, que se manifesta nesta franqueza
da pregação, nesta loucura da pregação, não pode entrar
em corações corruptos. Por isso, tenhamos cuidado: pe-
cadores sim, corruptos nunca. E jamais cheguemos a esta
corrupção, que se manifesta de tantas formas...
Mas estavam encurralados e não sabiam o que dizer.
E no final, encontraram um compromisso: “Ameacemo-
-los e assustemo-los um pouco”, convidaram-nos, chama-
ram-nos de novo e ordenaram-lhes, exortaram-nos a não
falar em momento algum, a não ensinar em nome de Je-
sus. « Façamos a paz: ide em paz, mas não faleis em nome
de Jesus, não ensineis » (cf. At 4, 18). Conhecemos Pedro:
não era um corajoso nato. Era pusilânime, negou Jesus.
Mas o que aconteceu agora? Eles responderam: « Julgai-o
vós mesmos se é justo, diante de Deus, ouvir-vos mais a
vós do que a Deus; pois não podemos deixar de falar do
que vimos e ouvimos » (At 4, 19-20). Mas de onde vem esta
coragem, a este pusilânime que negou o Senhor? O que
aconteceu no coração deste homem? O dom do Espírito
Santo: a ousadia, a coragem e a parrésia são um dom, uma
graça que o Espírito Santo concedeu no dia de Pentecos-
tes. Logo após receber o Espírito Santo, foram pregar: com
um pouco mais de coragem, algo novo para eles. Isto é
coerência, o sinal do cristão, do verdadeiro cristão: é cora-
joso, diz toda a verdade porque é coerente.
269
E no envio o Senhor chama a ter esta coerência. De-
pois desta síntese que Marcos faz no Evangelho: « Ressus-
citado de manhã... » (16, 9) - uma síntese da ressurreição
- « censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, por
não terem acreditado naqueles que o tinham visto ressus-
citado » (v. 14). Mas com o poder do Espírito Santo - é a
saudação de Jesus: « Recebei o Espírito Santo » (Jo 20, 22)
- disse-lhes: « Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evange-
lho a toda a criatura » (Mc 16, 15). Ide com coragem, com
franqueza, não tenhais medo. Retomando o versículo da
Carta aos Hebreus - « agora não percais a vossa franque-
za, este dom do Espírito Santo » (cf. Hb 10, 35). A missão
nasce precisamente daqui, deste dom que nos torna cora-
josos, ousados na proclamação da palavra.
Que o Senhor nos ajude a ser sempre assim: cora-
josos, não imprudentes: não, não! Corajosos. A coragem
cristã é sempre prudente, mas é coragem!
271
19 de abril de 2020
2° Domingo de Páscoa
(ou da Divina Misericórdia)
Santa Missa49
No domingo passado, celebramos a ressurreição do
Mestre, hoje assistimos à ressurreição do discípulo. Pas-
sou uma semana; semana esta, que os discípulos, apesar
de ter visto o Ressuscitado, transcorreram cheios de medo,
mantendo « as portas fechadas » (Jo 20, 26), sem conseguir
sequer convencer da ressurreição o único ausente, Tomé.
Que faz Jesus perante esta incredulidade medrosa? Re-
gressa, coloca-Se na mesma posição, « no meio » dos dis-
cípulos, e repete a mesma saudação: « A paz esteja con-
vosco! » (Jo 20, 19.26). Começa de novo. A ressurreição do
discípulo começa daqui, desta misericórdia fiel e paciente, da
descoberta que Deus não Se cansa de estender-nos a mão
para nos levantar das nossas quedas. Quer que O vejamos
assim: não como um patrão com quem devemos ajustar
contas, mas como o nosso Papá, que sempre nos levanta.
Na vida, caminhamos tateando, como uma criança que co-
meça a andar, mas cai; dá alguns passos e cai novamente;
cai e volta a cair, mas sempre o pai a levanta. A mão que
nos levanta sempre é a misericórdia: Deus sabe que, sem
misericórdia, ficamos caídos no chão; ora, para caminhar,
precisamos de ser postos de pé.
49
Liturgia da Palavra: At 2,42-47; Sl 117; 1Pt 1,3-9; Jo 20,19-31.
Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/datXnjtwD-Q?t=1101
273
Podes objetar: « Mas, eu não paro mais de cair »! O
Senhor sabe disso, e está sempre pronto a levantar-te de
novo. Não quer ver-nos a pensar continuamente nas nos-
sas quedas, mas que olhemos para Ele, que, nas quedas,
vê filhos a levantar; nas misérias, vê filhos a amar com mi-
sericórdia. Hoje, nesta igreja que se tornou santuário da
misericórdia em Roma, no domingo que São João Paulo
II dedicou à Misericórdia Divina há vinte anos, acolhamos
confiadamente esta mensagem. A Santa Faustina, disse Je-
sus: « Eu sou o amor e a misericórdia em pessoa; não há mi-
séria que possa superar a minha misericórdia » (Diário, 14/
IX/1937). Outra vez, quando a Santa confidenciava feliz a
Jesus que Lhe oferecera toda a sua vida, tudo o que tinha,
ouviu d’Ele uma resposta que a surpreendeu: « Não me
ofereceste aquilo que é verdadeiramente teu ». Que teria
então guardado para si a santa freira? Diz-lhe amavelmen-
te Jesus: « Filha, dá-me a tua miséria » (Diário, 10/X/1937).
Podemos, também nós, interrogar-nos: « Dei a minha misé-
ria ao Senhor? Mostrei-Lhe as minhas quedas, para que me
levante? » Ou há algo que conservo ainda dentro de mim?
Um pecado, um remorso do passado, uma ferida que trago
dentro, rancor contra alguém, mágoa contra uma pessoa
em particular... O Senhor espera que Lhe levemos as nos-
sas misérias, para nos fazer descobrir a sua misericórdia.
Voltemos aos discípulos… Durante a Paixão, tinham
abandonado o Senhor e sentiam-se em culpa. Mas Jesus, ao
encontrá-los, não lhes prega um longo sermão. A eles, que
estavam feridos dentro, mostra as suas chagas. Tomé pode
tocá-las, e descobre o amor: descobre quanto Jesus sofre-
ra por ele, que O tinha abandonado. Naquelas feridas, toca
com mão a terna proximidade de Deus. Tomé, que chegara
atrasado, quando abraça a misericórdia, ultrapassa os ou-
tros discípulos: não acredita só na ressurreição, mas tam-
bém no amor sem limites de Deus. E faz a profissão de fé
274
mais simples e mais bela: « Meu Senhor e meu Deus! » (Jo 20,
28). Eis a ressurreição do discípulo: realiza-se quando a sua
humanidade, frágil e ferida, entra na de Jesus. Aqui dissol-
vem-se as dúvidas; aqui Deus torna-Se o meu Deus; aqui
recomeça a aceitar-se a si mesmo e a amar a própria vida.
Queridos irmãos e irmãs, na provação que estamos a
atravessar, também nós, com os nossos medos e as nossas
dúvidas como Tomé, nos reconhecemos frágeis. Precisa-
mos do Senhor, que, mais além das nossas fragilidades,
vê em nós uma beleza indelével. Com Ele, descobrimo-
-nos preciosos nas nossas fragilidades. Descobrimos que
somos como belíssimos cristais, simultaneamente frágeis
e preciosos. E se formos transparentes diante d’Ele como
o cristal, a sua luz – a luz da misericórdia – brilhará em
nós e, por nosso intermédio, no mundo. Eis aqui o motivo
para exultarmos « de alegria – como diz a primeira Carta
de Pedro –, se bem que, por algum tempo, [tenhamos] de
andar aflitos por diversas provações » (1, 6).
Nesta festa da Divina Misericórdia, o anúncio mais
encantador chega através do discípulo mais atrasado. Só
faltava ele, Tomé. Mas o Senhor esperou por ele. A miseri-
córdia não abandona quem fica para trás. Agora, enquan-
to pensamos numa recuperação lenta e fadigosa da pan-
demia, é precisamente este perigo que se insinua: esquecer
quem ficou para trás. O risco é que nos atinja um vírus
ainda pior: o da indiferença egoísta. Transmite-se a partir
da ideia que a vida melhora se vai melhor para mim, que
tudo correrá bem se correr bem para mim. Começando
daqui, chega-se a selecionar as pessoas, a descartar os po-
bres, a imolar no altar do progresso quem fica para trás.
Esta pandemia, porém, lembra-nos que não há diferenças
nem fronteiras entre aqueles que sofrem. Somos todos frá-
geis, todos iguais, todos preciosos. Oxalá mexa connosco
dentro o que está a acontecer: é tempo de remover as de-
275
sigualdades, sanar a injustiça que mina pela raiz a saúde
da humanidade inteira! Aprendamos com a comunidade
cristã primitiva, que recebera misericórdia e vivia usan-
do de misericórdia, como descreve o livro dos Atos dos
Apóstolos: os crentes « possuíam tudo em comum. Ven-
diam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por to-
dos, de acordo com as necessidades de cada um » (At 2,
44-45). Isto não é ideologia; é cristianismo.
Naquela comunidade, depois da ressurreição de Je-
sus, apenas um ficara para trás e os outros esperaram por
ele. Hoje parece dar-se o contrário: uma pequena parte da
humanidade avançou, enquanto a maioria ficou para trás.
E alguém poderia dizer: « São problemas complexos, não
cabe a mim cuidar dos necessitados; outros devem pensar
neles ». Depois de encontrar Jesus, Santa Faustina escre-
veu: « Numa alma sofredora, devemos ver Jesus Crucifica-
do e não um parasita nem um fardo... [Senhor], dais-nos a
possibilidade de nos exercitarmos nas obras de misericór-
dia, e nós exercitamo-nos nas murmurações » (Diário, 06/
IX/1937). Mas, um dia, ela própria se lamentou com Jesus
dizendo que, para ser misericordiosa, passava por ingénua:
« Senhor, muitas vezes abusam da minha bondade ». E Je-
sus retorquiu: « Não importa, minha filha! Não te preocu-
pes! Tu sê sempre misericordiosa para com todos » (Diário,
24/XII/1937). Para com todos: não pensemos só nos nos-
sos interesses, nos interesses parciais. Aproveitemos esta
prova como uma oportunidade para preparar o amanhã
de todos, sem descartar ninguém. De todos. Porque, sem
uma visão de conjunto, não haverá futuro para ninguém.
Hoje, o amor desarmado e convincente de Jesus res-
suscita o coração do discípulo. Também nós, como o após-
tolo Tomé, acolhamos a misericórdia, que é a salvação do
mundo. E usemos de misericórdia para com os mais frá-
geis: só assim reconstruiremos um mundo novo.
276
Regina Coeli50
277
Segunda-feira, 20 de abril de 2020
Santa Missa51
Introdução
Rezemos hoje pelos homens e mulheres que têm uma
vocação política: a política é uma forma elevada de carida-
de. Oremos pelos partidos políticos nos vários países para
que, neste momento de pandemia, possam procurar jun-
tos o bem do país e não o bem do próprio partido.
51
Liturgia da Palavra: At 4,23-31; Sl 2; Jo 3,1-8. Para o vídeo da
celebração: https://youtu.be/VVj33snnNg0?t=746
279
do “portanto”: se digo isto... portanto... e Jesus respon-
deu. Respondeu misteriosamente, como Nicodemos não
esperava. Respondeu com a figura do nascimento: « Em
verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo,
não poderá ver o Reino de Deus » (v. 3). E Nicodemos
sente-se confuso, não compreende e toma ad litteram a
resposta de Jesus: « Como pode um homem nascer de
novo, sendo velho? » (cf. v. 4) Nascer do alto, nascer do
Espírito. É o salto que a confissão de Nicodemos deve
dar, mas ele não sabe como fazer isto. Pois o Espírito é
imprevisível. É interessante a definição do Espírito que
Jesus dá aqui: « O vento sopra onde quer; ouves o seu
ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai;
assim acontece com aquele nasceu do Espírito » (v. 8), ou
seja, livre. Quem se deixa levar de um lado para o outro
pelo Espírito Santo: esta é a liberdade do Espírito. Quem
faz isto é uma pessoa dócil, e aqui referimo-nos à docili-
dade ao Espírito.
Ser cristão não é apenas cumprir os Mandamentos:
eles devem ser cumpridos, é verdade; mas se parares aqui,
não serás um bom cristão. Ser cristão é deixar o Espíri-
to entrar em ti e levar-te para onde Ele quiser. Na nossa
vida cristã muitas vezes paramos como Nicodemos, antes
do “portanto”, não sabemos que passo dar, não sabemos
como o fazer ou não temos a confiança em Deus para dar
este passo e deixar o Espírito entrar. Nascer de novo é dei-
xar o Espírito entrar em nós e que seja o Espírito a guiar-
-me e não eu, e assim: livre, com esta liberdade do Espírito
que nunca saberás onde irás parar.
280
Os Apóstolos, que estavam no Cenáculo quando
desceu o Espírito, saíram para pregar com coragem, com
audácia (cf. At 2, 1-13)... não sabiam que isto teria aconte-
cido; e fizeram-no porque o Espírito os guiava. O cristão
nunca deve limitar-se apenas ao cumprimento dos Man-
damentos: é preciso cumpri-los, mas ir além, rumo a este
novo nascimento, que é o nascimento no Espírito, que dá
a liberdade do Espírito.
Foi o que aconteceu com a comunidade cristã cita-
da na primeira leitura, depois que João e Pedro foram in-
terrogados pelos sacerdotes. Foram ter com os irmãos na
comunidade e relataram o que os chefes dos sacerdotes e
os anciãos lhes disseram. E ao ouvir isto, a comunidade,
todos juntos, ficaram um pouco assustados (cf. At 4, 23).
E o que fizeram? Rezaram. Não se limitaram a medidas
prudentes, “não, agora façamos isto, tenhamos um pouco
mais de cuidado...”: não! Rezaram. Para que o Espírito
lhes indicasse o que fazer. Elevaram a voz a Deus, dizen-
do: « Senhor » (v. 24) e rezaram. A bonita oração de um
momento difícil, de um momento em que é preciso to-
mar decisões e não se sabe o que fazer. Queriam nascer
do Espírito, abriram o coração ao Espírito: que seja Ele a
dizê-lo... E pediram: « Senhor, Herodes e Pôncio Pilatos
com as nações e os povos de Israel fizeram uma aliança
contra o vosso Espírito Santo e Jesus » (cf. v. 27); contam a
história e dizem: “Senhor, fazei algo”. « E agora, Senhor,
dirigi o vosso olhar para as suas ameaças - as do grupo
dos sacerdotes - e concedei aos vossos servos que procla-
mem com toda a franqueza a vossa palavra » (v. 29), pe-
281
dem a ousadia, a coragem, para não ter medo: « Estendei
a vossa mão para que as curas, os sinais e as maravilhas
se realizem em nome de Jesus » (v. 30). « E quando termi-
naram a oração, o lugar onde estavam reunidos tremeu,
e todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciaram a
Palavra de Deus com intrepidez » (v. 31). Aqui aconteceu
um segundo Pentecostes.
Diante das dificuldades, perante uma porta fechada,
quando não sabem como avançar, vão ao encontro do Se-
nhor, abrem o coração e o Espírito desce e concede-lhes o
que precisam e eles saem para pregar com coragem, e vão
em frente. Isto significa nascer do Espírito, sem parar no
“portanto”, no “portanto” das coisas que sempre fiz, no
“portanto” depois dos Mandamentos, no “portanto” após
os hábitos religiosos: não! Isto é nascer de novo. E como
nos preparamos para nascer de novo? Através da oração.
É a oração que abre a porta ao Espírito e nos dá esta liber-
dade, esta franqueza, esta coragem do Espírito Santo. E
nunca saberás para onde isto te levará. Mas é o Espírito!
Que o Senhor nos ajude a estar sempre abertos ao
Espírito, porque é Ele quem nos levará em frente na nossa
vida de serviço ao Senhor.
283
Terça-feira, 21 de abril de 2020
Santa Missa52
Introdução
Neste período há muito silêncio. Também se pode
ouvir o silêncio. Este silêncio, que é quase uma novidade
nos nossos hábitos, nos ensine a ouvir, nos faça crescer na
capacidade de escutar. Rezemos por isto.
52
Liturgia da Palavra: At 4,32-37; Sl 92; Jo 3,7-15. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/O0naPKZxBqc?t=661
285
que imediatamente depois começarão os problemas, mas
o Senhor mostra-nos até onde podemos ir, se estivermos
abertos ao Espírito Santo, se formos dóceis. Nesta comu-
nidade há harmonia (cf. At 4, 32-37). O Espírito Santo
é o mestre da harmonia, é capaz de criá-la e fê-lo aqui.
Deve suscitá-la nos nossos corações, mudar muitas coi-
sas em nós, mas deve criar a harmonia: pois Ele próprio
é harmonia. Também harmonia entre o Pai e o Filho: Ele
é amor pela harmonia. E com a harmonia Ele faz mara-
vilhas, como esta comunidade tão harmoniosa. Mas em
seguida, a história fala-nos - o mesmo Livro dos Atos dos
Apóstolos - de tantos problemas na comunidade. Este é
um modelo: o Senhor permitiu este modelo de comuni-
dade quase “celestial”, para nos mostrar onde devemos
chegar.
Mas depois começaram as divisões na comunidade.
No capítulo 2 da sua Carta, o Apóstolo Tiago diz: « Que a
vossa fé “seja imune ao favoritismo pessoal” » (cf. Tg 2, 1):
porque isto existia! “Não discrimineis”: os Apóstolos de-
vem sair e admoestar. E no capítulo 11 da Primeira Carta
aos Coríntios, Paulo queixa-se: « Ouvi dizer que há divi-
sões entre vós » (cf. 1 Cor 11, 18): começam as divisões in-
ternas nas comunidades. Este “ideal” deve ser alcançado,
mas não é fácil: há muitas coisas que dividem uma comu-
nidade, quer ela seja uma comunidade cristã, paroquial,
diocesana, presbiteral, de religiosos ou de religiosas...
muitas coisas concorrem para dividir a comunidade.
286
Observando quais são os motivos que dividiram as
primeiras comunidades cristãs, encontro três: primeiro,
o dinheiro. Quando o Apóstolo Tiago diz que não deve
haver favoritismo pessoal, dá um exemplo: « Se na vossa
igreja, na vossa assembleia, entrar um homem com o anel
de ouro, vós levai-lo imediatamente à frente, e o pobre
é deixado de lado » (cf. Tg 2, 2). O dinheiro. Paulo diz a
mesma coisa: « Os ricos trazem comida e nutrem-se, e os
pobres ficam em pé » (cf. 1 Cor 11, 20-22), deixamo-los ali,
como se lhes disséssemos: “Arranjai-vos como puderdes”.
O dinheiro divide, o amor ao dinheiro divide a comunida-
de, divide a Igreja.
Muitas vezes, na história da Igreja, onde há desvios
doutrinários - nem sempre, mas muitas vezes - o dinhei-
ro está por detrás disto: dinheiro do poder, tanto do po-
der político como dinheiro vivo, mas é dinheiro. O di-
nheiro divide a comunidade. Por esta razão, a pobreza é
a mãe da comunidade, a pobreza é o muro que protege
a comunidade. O dinheiro, o interesse pessoal, divide.
Até nas famílias: quantas famílias acabaram divididas
por uma herança? Quantas? E deixaram de falar uns com
os outros... Quantas famílias... Uma herança... Divide, o
dinheiro divide!
Outro motivo de divisão da comunidade é a vaidade,
o desejo de se sentir melhor do que os outros. « Agradeço-
-vos, Senhor, porque não sou como os outros » (cf. Lc 18,
11): a oração do fariseu. Vaidade, sentir-se melhor... E
287
também a vaidade de me mostrar, a vaidade nos modos,
nas roupas: quantas vezes - nem sempre, mas muitas ve-
zes - a celebração do sacramento é um exemplo de vaida-
de, alguns vão com a roupa mais cara, outros fazem isto e
aquilo... Vaidade... para a maior festa... Há vaidade tam-
bém nisto. E a vaidade divide. Porque a vaidade te leva
a ser um pavão e onde há um pavão, há divisão, sempre.
O terceiro motivo de divisão da comunidade é a ta-
garelice: não é a primeira vez que o digo, mas é a reali-
dade. É a realidade! Aquilo que o diabo insinua em nós,
como necessidade de falar mal dos outros. “Como aquela
pessoa é boa... Sim, sim, mas...”: imediatamente o “mas”:
é uma pedra lançada para desqualificar o outro; digo algo
que ouvi e assim humilho um pouco o outro.
Mas o Espírito vem sempre com a sua força para nos
salvar desta mundanidade do dinheiro, da vaidade e da
tagarelice, porque o Espírito não é o mundo: é contra o
mundo. Ele é capaz de realizar estes milagres, estas ma-
ravilhas.
Peçamos ao Senhor esta docilidade ao Espírito, para
que nos converta e transforme as nossas comunidades, as
nossas comunidades paroquiais, diocesanas, religiosas:
que as transforme, a fim de podermos ir sempre em frente
na harmonia que Jesus deseja para a comunidade cristã.
289
Quarta-feira, 22 de abril de 2020
Santa Missa53
Introdução
Neste tempo em que é necessária muita unidade entre
nós, entre as nações, rezemos hoje pela Europa: para que a
Europa consiga alcançar esta unidade, a unidade fraterna
com a qual os pais fundadores da União Europeia sonhavam.
53
Liturgia da Palavra: At 5,17-26; Sl 33; Jo 3,16-21. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/p5Il3yRH9Wg?t=744
291
fixo, encontramos este amor. O crucifixo é precisamente
o grande livro do amor de Deus. Não é um objeto para
colocar aqui ou ali, mais bonito, não tão bonito, mais an-
tigo, mais moderno... não. É precisamente a expressão
do amor de Deus. Deus amou-nos desta forma: enviou o
seu Filho, aniquilou-se a si mesmo até morrer na cruz por
amor. « Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o
seu Filho » (cf. v. 16).
Quantas pessoas, quantos cristãos passam o tempo
a olhar para o crucifixo... e ali encontram tudo, porque
compreenderam, o Espírito Santo fez com que compreen-
dessem, que ali está toda a ciência, todo o amor de Deus,
toda a sabedoria cristã. Paulo fala disto, explicando que
todo o raciocínio humano que ele faz é útil até certo ponto,
mas o verdadeiro raciocínio, a melhor maneira de pensar,
mas também o que mais explica tudo é a cruz de Cristo,
é « Cristo crucificado que é escândalo » (cf. 1 Cor 1, 23) e
loucura, mas é o caminho. E este é o amor de Deus. Deus
« amou de tal modo o mundo que deu o seu Filho único »
(Jo 3,16). E porquê? « Para que quem n›Ele crê não pereça,
mas tenha vida eterna » (v. 3, 16). O amor do Pai que quer
os seus filhos com ele.
Olhar para o crucificado em silêncio, olhar para as
chagas, olhar para o coração de Jesus, olhar para o todo:
Cristo crucificado, o Filho de Deus, aniquilado, humilha-
do... por amor. Este é o primeiro ponto que este tratado de
teologia nos faz ver hoje, o diálogo de Jesus com Nicodemos.
O segundo ponto também nos ajudará: « Que a luz
veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do
que a luz, porque as suas obras eram más » (Jo 3, 19). Jesus
também retoma isto da luz. Há pessoas - mesmo nós, mui-
tas vezes - que não conseguem viver na luz porque estão
habituadas às trevas. A luz ofusca-as, elas não conseguem
ver. São morcegos humanos: só sabem mover-se durante a
292
noite. E também nós, quando estamos em pecado, estamos
neste estado: não toleramos a luz. É mais confortável para
nós viver na escuridão; a luz bofeteia-nos, faz-nos ver o
que não queremos ver. Mas o pior é que os olhos, os olhos
da alma de tanto viver na escuridão habituam-se a isso a
tal ponto que acabam por ignorar o que é a luz. Perdem
o sentido da luz, porque se habituam mais à escuridão.
E tantos escândalos humanos, tantas corrupções indicam
isso. Os corruptos não sabem o que é luz, não a conhecem.
Também nós, quando estamos em estado de pecado, em
estado de afastamento do Senhor, ficamos cegos e senti-
mo-nos melhor na escuridão e continuamos assim, sem
ver, como os cegos, movendo-nos como podemos.
Deixemos que o amor de Deus, que enviou Jesus
para nos salvar, entre em nós e « a luz que Jesus traz » (cf.
19), a luz do Espírito entre em nós e nos ajude a ver as coi-
sas com a luz de Deus, com a verdadeira luz e não com as
trevas que o senhor das trevas nos dá.
Duas coisas hoje: o amor de Deus em Cristo, no cru-
cificado, na vida quotidiana. E a pergunta diária que pode-
mos fazer a nós mesmos: “Caminho na luz ou na escuridão?
Sou filho de Deus ou acabei por ser um pobre morcego?”.
Santa Missa54
Introdução
Em muitos lugares, sente-se um dos efeitos desta
pandemia: tantas famílias necessitadas, famintas, infe-
lizmente são “ajudadas” pelo grupo de usurários. Esta é
outra pandemia. A pandemia social: famílias de pessoas
que têm um emprego diário, ou infelizmente clandestino,
que não podem trabalhar, não têm comida... e com filhos.
E depois os usurários pegam no pouco que elas têm. Re-
zemos. Oremos por estas famílias, pelas muitas crianças
destas famílias, pela dignidade destas famílias, e rezemos
também pelos usurários: que o Senhor comova o seu co-
ração e os converta.
Homilia- Jesus reza por nós perante o Pai, mostrando as suas chagas
A primeira Leitura dá continuidade à história que
começou com a cura do coxo na Porta Formosa do Tem-
plo. Os Apóstolos foram levados perante o sinédrio, e
em seguida aprisionados; depois, um anjo libertou-os. E
naquela manhã, exatamente naquela manhã, deveriam
sair da prisão para ser julgados, mas foram libertados
54
Liturgia da Palavra: At 5,27-33; Sl 33; Jo 3,31-36. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/YjJUEpVXGwI?t=748
295
pelo anjo e pregavam no Templo (cf. At 5, 17-25). «Então
foi o comandante com os seus guardas e conduziram os
Apóstolos. E, levando-os, apresentaram-nos ao sinédrio»
(cf. vv. 26-27). E lá, o sumo sacerdote repreendeu-os: «Não
vos admoestamos expressamente que não ensinásseis nes-
se nome?» (v. 28) - isto é, em nome de Jesus - e eis que
«enchestes Jerusalém desta vossa doutrina, e quereis fazer
recair sobre nós o sangue deste homem» (v. 28). Porque os
Apóstolos, sobretudo Pedro e João, criticaram os líderes, os
sacerdotes, por terem matado Jesus. E então Pedro, com os
Apóstolos, respondeu com esta expressão: «Importa obe-
decer antes a Deus do que aos homens. O Deus de nossos
pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes» (cf. At 5,
29-31). Ele acusa, mas com tanta coragem e franqueza, que
alguém se pergunta: “Terá sido Pedro que negou Jesus?
Aquele Pedro que tinha tanto medo, aquele Pedro que era
pusilânime? Como chegou a isto?”. E Pedro concluiu, di-
zendo: «Nós somos testemunhas destas palavras, nós e o
Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obede-
cem» (cf. v. 32). Qual foi o caminho percorrido por Pedro
para chegar a este ponto, a esta coragem e franqueza, a
expor-se? Pois poderia ter cedido a compromissos e dito
aos sacerdotes: “Estai tranquilos, nós iremos, falaremos
um pouco mais baixo, nunca vos acusaremos em público,
mas deixai-nos em paz...”, cedendo a compromissos.
Na história, a Igreja teve que fazer isto muitas vezes
para salvar o povo de Deus. E muitas vezes também o fez
296
para se salvar a si mesma - não a Santa Igreja, mas os seus
líderes. Os compromissos podem ser bons e maus. Mas
através de um compromisso os Apóstolos podiam salvar-
-se. Não! E com coragem Pedro disse: «Não há compro-
misso. Vós sois culpados» (cf. v. 30).
E como Pedro chegou a este ponto? Porque era en-
tusiasta, um homem que amava com força, também um
homem medroso, aberto a Deus a tal ponto que Deus lhe
revela que Jesus é Cristo, Filho de Deus, mas pouco - ime-
diatamente - depois deixou-se cair na tentação de dizer a
Jesus: “Não, Senhor, por este caminho, não: vamos pelo
outro”: redenção sem cruz. E Jesus diz-lhe: «Satanás!»
(cf. Mc 8, 31-33). Pedro passou da tentação para a graça,
Pedro foi capaz de se ajoelhar diante de Jesus e de dizer:
«Afasta-te de mim, que sou pecador» (cf. Lc 5, 8); depois
Pedro tenta escapar, sem ser visto, e nega Jesus para não
acabar na prisão (cf. Lc 22, 54-62). Um Pedro instável, pois
era muito generoso mas também muito fraco. Qual é o se-
gredo, que força teve Pedro para chegar a este ponto? Há
um versículo que nos ajudará a compreender isto. Antes
da Paixão, Jesus disse aos Apóstolos: «Eis que Satanás vos
reclamou para vos joeirar como o trigo» (Lc 22, 31). É o
tempo da tentação: “Sereis assim, como o trigo”. E a Pedro
diz: «Rezarei por ti, “para que a tua fé não desfaleça”» (v.
32). Eis o segredo de Pedro: a oração de Jesus. Jesus reza
por Pedro, para que a sua fé não desfaleça e possa - diz
Jesus - confirmar os irmãos na fé. Jesus reza por Pedro.
297
E o que Jesus fez com Pedro, faz com todos nós. Je-
sus reza por nós; reza diante do Pai. Estamos habituados
a orar a Jesus para que nos conceda esta ou outra graça,
para que nos ajude, mas não estamos habituados a con-
templar Jesus que mostra as chagas ao Pai; a Jesus, o in-
tercessor, a Jesus que reza por nós. E Pedro foi capaz de
percorrer este caminho, passando de pusilânime para co-
rajoso, com o dom do Espírito Santo graças à oração de
Jesus. Pensemos nisto. Dirijamo-nos a Jesus, dando graças
a Ele porque reza por nós. Jesus pede por cada um de nós.
Jesus é o intercessor. Jesus quis levar consigo as chagas
para que o Pai as pudesse ver. É o preço da nossa salva-
ção. Devemos ter mais confiança; mais do que nas nossas
orações, na prece de Jesus. “Senhor, reza por mim” - “Mas
eu sou Deus, posso conceder-te isto...” - “Sim, mas reza
por mim, porque Tu és o intercessor”. Eis o segredo de
Pedro: «Pedro, rezarei por ti “para que a tua fé não desfa-
leça”» (Lc 22, 32).
Que o Senhor nos ensine a pedir-lhe a graça de rezar
por cada um de nós.
299
Sexta-feira, 24 de abril de 2020
Santa Missa55
Introdução
Rezemos hoje pelos professores que têm de trabalhar
muito para dar aulas através da Internet e de outros canais
de comunicação social, e oremos também pelos alunos que
devem fazer os exames de uma maneira com a qual não
estão habituados. Acompanhemo-los com a oração.
55
Liturgia da Palavra: At 5,34-42; Sl 26; Jo 6,1-15. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/1UFQP9ccgiI?t=836
301
versalidade da redenção. E uma das coisas que os após-
tolos não apreciavam era a multidão, porque preferiam
estar perto do Senhor, ouvir tudo o que o Ele dizia. Nessa
ocasião foram ali para um dia de descanso – também as
versões dos outros Evangelhos o afirmam, pois os quatro
falam sobre isto... talvez tenha havido duas multiplicações
de pães - eles vinham de uma missão e o Senhor disse:
«Vinde à parte e descansai um pouco» (Mc 6, 31), e foram
para lá. As pessoas viram para onde eles iam pelo mar,
caminharam ao longo da costa e esperaram por eles... E os
discípulos não ficaram contentes, porque a multidão tinha
arruinado o “passeio”: não podiam passar aquele momen-
to com o Senhor. No entanto, Jesus começou a ensinar, eles
ouviram e depois falaram uns com os outros... as horas
passavam, Jesus falava e as pessoas estavam felizes. Mas
os apóstolos diziam: “...a nossa festa está arruinada, o nos-
so descanso está arruinado”.
Mas o Senhor buscava a proximidade com o povo e
procurava formar o coração dos pastores para a proximi-
dade com o povo de Deus, a fim de o servir. Mas os após-
tolos, compreende-se, sentiam-se eleitos, sentiam-se qua-
se como um círculo privilegiado, uma classe privilegiada,
uma “aristocracia”, digamos assim, perto do Senhor, que
os corrigia muitas vezes com gestos. Por exemplo, pense-
mos nas crianças. Eles preservavam o Senhor: “Não, não,
não deixeis que as crianças se aproximem, pois molestam,
perturbam... Não, as crianças fiquem com os pais”. E Jesus?
«Deixai vir a mim as criancinhas» (cf. Mc 10, 13-16). E eles
não compreendiam. Mais tarde entenderam. Pensemos no
caminho para Jericó, naquele que gritou: «Jesus, filho de
David, tem piedade de mim» (cf. Lc 18, 38). E os apóstolos:
“Mas cala-te, cala-te, é o Senhor que passa, não o incomo-
302
des”. E Jesus diz: «Mas quem é? Deixai que se aproxime»
(cf. Lc 18, 35-43). Mais uma vez o Senhor [os corrige]. E
assim ensinava-os a estar perto do povo de Deus.
É verdade que o povo de Deus faz cansar o pastor:
quando há um bom pastor, as tarefas multiplicam-se e, por
um motivo ou por outro, as pessoas vão sempre ter com o
bom pastor. Um grande pároco de um bairro simples e hu-
milde da minha diocese tinha a habitação como uma casa
normal, como as outras, e as pessoas batiam à porta ou à
janela a qualquer hora... E certo dia ele disse-me: “Tenho
vontade de murar a porta e a janela para que me deixem
descansar”. Contudo, sabia que era pastor e tinha que es-
tar com o povo! Jesus forma, ensina aos discípulos, aos
apóstolos, esta atitude pastoral, que é a proximidade ao
povo de Deus. E o povo de Deus cansa, porque nos pede
sempre coisas concretas; pede-nos sempre algo concreto,
talvez de forma errada, mas coisas concretas. E o pastor
tem de se ocupar disto.
A versão dos outros Evangelistas sobre este episódio
mostra que as horas passaram e o povo teve que partir
porque a noite caía... e os apóstolos diziam: «Despede a
multidão para que, indo aos lugares e aldeias ao redor,
se agasalhem e encontrem o que comer», justamente no
momento da escuridão, quando a noite caía... (cf. Lc 9, 12-
13) Mas o que pensavam? Pelo menos para celebrar a sós,
aquele egoísmo não malvado, mas compreende-se, para es-
tar com o pastor, com Jesus, que é o grande Pastor, mas
para os testar Jesus responde: «Dai-lhes vós mesmos de
comer» (cf. v. 13). E é isto que Jesus diz também hoje a
todos os pastores: “Dai-lhes vós mesmos de comer. Estão
angustiados? Dai-lhes consolo. Estão perdidos? Dai-lhes
uma saída. São enganados? Dai-lhes ajuda para resolver
303
os problemas... Dai-lhes, dai-lhes vós mesmos...”. E o po-
bre apóstolo sente que deve dar, dar, dar... mas de quem
recebe? Jesus ensina-nos: d’Aquele de quem o próprio Je-
sus recebia. Depois deste evento, despede os apóstolos e
vai rezar, vai ter com o Pai na oração. É esta dupla proxi-
midade do pastor que Jesus procura levar os apóstolos a
entender, para que se tornem grandes pastores.
Mas muitas vezes a multidão erra e aqui cometeu
um erro, não é verdade? «Vendo, pois, aqueles homens o
milagre que Jesus tinha feito, diziam: “Este é verdadeira-
mente o profeta que devia vir ao mundo”. Sabendo, pois,
Jesus que tinham vindo arrebatá-lo, para o fazer rei, vol-
tou a retirar-se sozinho para o monte» (Jo 6, 14-15). Talvez,
talvez, mas... o Evangelho não o diz, alguns dos apóstolos
talvez lhe tenham dito: “Mas Senhor, aproveitemos isto
e tomemos o poder”. Outra tentação. E Jesus mostra-lhes
que aquele não era o caminho. O poder do pastor é o ser-
viço, ele não tem outro poder e quando comete um erro
ao tomar outro poder danifica a sua vocação e torna-se,
talvez, gestor de empreendimentos pastorais, mas não pas-
tor. A estrutura não faz pastoral: é o coração do pastor que
desempenha o trabalho pastoral. E o coração do pastor é o
que Jesus nos ensina agora.
Peçamos hoje ao Senhor pelos pastores da Igreja,
para que fale sempre com eles, porque os ama muito: fale
sempre connosco, diga-nos como está o mundo, explique-
-nos e sobretudo ensine-nos a não ter medo do povo de
Deus, a não ter receio de estar perto d’Ele.
305
Sábado, 25 de abril de 2020
Santa Missa56
Introdução
Rezemos hoje pelas pessoas que prestam serviços fu-
nerários. É muito doloroso e triste o que fazem, eles sentem
muita próxima a dor desta pandemia. Oremos por eles.
Homilia- A fé deve ser transmitida, oferecida, sobretudo através do
testemunho
Hoje a Igreja celebra São Marcos, um dos quatro
evangelistas, muito próximo do apóstolo Pedro. O Evan-
gelho de Marcos foi o primeiro a ser escrito. É simples,
um estilo direto, muito próximo. Se tiverdes algum tempo
hoje, lede-o, não é longo. E é um prazer ler a simplicidade
com que Marcos narra a vida do Senhor.
E no Evangelho que lemos agora - o final do Evan-
gelho de Marcos - há o envio do Senhor. O Senhor reve-
lou-se como Salvador, como o único Filho de Deus; Ele
revelou-se a todo Israel, ao povo, de modo mais minucio-
so especialmente aos apóstolos, aos discípulos. Este trecho
narra a despedida do Senhor, que está para partir: «Foi
recebido no céu e está sentado à direita de Deus» (Mc 16,
19). Mas antes de partir, quando apareceu aos Onze, dis-
se-lhes: «Ide por todo o mundo, anunciai o evangelho a
toda a criatura» (Mc 16, 15). É a missionariedade da fé. A
fé, ou é missionária ou não é fé. A fé não é algo só para
mim, para que eu possa crescer na fé: esta é uma heresia
307
gnóstica. A fé leva-nos sempre para fora de nós mesmos.
Sair. A transmissão da fé; a fé deve ser transmitida, deve
ser oferecida, especialmente com o testemunho: «Ide, para
que as pessoas possam ver como viveis» (cf. v. 15).
Alguém, um sacerdote europeu, de uma cidade eu-
ropeia, disse-me: “Há tanta incredulidade, tanto agnosti-
cismo nas nossas cidades, porque os cristãos não têm fé.
Se a tivessem, certamente transmiti-la-iam ao povo”. Falta
missionariedade. Porque na origem há uma carência de
convicção: “Sim, sou cristão, sou católico...”. Como se se
tratasse de uma atitude social. No documento de identida-
de chamamo-nos assim ou assado... e “sou cristão” é um
dado do documento de identidade. Isto não é fé! Trata-se
de um aspeto cultural. A fé leva-nos necessariamente a
sair, faz-nos doar: essencialmente, a fé deve ser transmiti-
da. Não é quieta. “Ah, o senhor quer dizer, padre, que to-
dos temos de ser missionários e partir para países distan-
tes?”. Não, isso faz parte da missionariedade. Quero dizer
que, se tiveres fé, necessariamente tens de sair de ti mesmo
e mostrar a fé socialmente. A fé é social, é para todos: «Ide
por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda a cria-
tura» (v. 15). E isto não significa fazer proselitismo, como
se fosse uma equipe de futebol, ou um clube de caridade.
Não, a fé é: “Nada de proselitismo”, é mostrar a revelação,
para que o Espírito Santo possa agir nas pessoas através
do testemunho: como testemunha, com serviço. O serviço
é um modo de viver. Se digo que sou cristão e vivo como
pagão, não está bem! Não convence ninguém. Se digo que
sou cristão e vivo como cristão, atraio. É o testemunho!
Uma vez, na Polónia, um estudante universitário per-
guntou-me: “Na universidade, tenho muitos companheiros
ateus. O que devo dizer-lhes para os convencer?” - “Nada,
amigo, nada! A última coisa que é preciso fazer é dizer algo.
Começa a viver, e quando virem o teu testemunho, pergun-
tar-te-ão: Por que vives assim?”. A fé tem de ser transmitida:
não para convencer, mas para oferecer um tesouro. “Está
308
ali, vedes?”. E esta é também a humildade da qual São Pe-
dro falou na primeira Leitura: «Revesti-vos de humildade,
porque Deus resiste aos soberbos, mas concede a graça aos
humildes» (1 Pd 5, 5). Quantas vezes na Igreja, na história,
houve movimentos, agregações, de homens ou mulheres
que quiseram convencer sobre a fé, converter... Verdadeiros
“proselitistas”. E como acabaram? Na corrupção.
É tão terno este trecho do Evangelho! Mas onde está
a segurança? Como posso ter a certeza de que, ao sair de
mim, serei frutuoso na transmissão da fé? «Anunciai o
Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15), fareis maravi-
lhas (cf. vv. 17-18). E o Senhor estará connosco até ao fim
do mundo. Acompanhar-nos-á. Na transmissão da fé, o
Senhor está sempre connosco. Na transmissão da ideolo-
gia haverá professores, mas quando tenho uma atitude de
fé que deve ser transmitida, o Senhor acompanha-me. Na
transmissão da fé nunca estou sozinho. É o Senhor presen-
te em mim que transmite a fé. Ele prometeu: «Estarei con-
vosco todos os dias, até ao fim do mundo» (cf. Mt 28, 20).
Oremos ao Senhor para que nos ajude a viver a fé
desta forma: uma fé de portas abertas, uma fé transpa-
rente, não “proselitista”, mas que mostre: “Sou assim”. E,
com curiosidade saudável, ajude as pessoas a receber esta
mensagem que as salvará.
Introdução
Rezemos hoje, nesta Missa, por todas as pessoas que
sofrem de tristeza, porque estão sozinhas, porque não
sabem que futuro as espera ou porque não podem ir em
frente com as suas famílias, dado que não têm dinheiro,
pois estão desempregadas. Tantas pessoas sofrem de tris-
teza. Hoje rezemos por elas.
57
Liturgia da Palavra At 2,14.22-33; Sl 15; 1Pt 1,17-21; Lc
24,13-35. Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/bNA7SVx_
M0E?t=930
311
sede do encontro com Deus. Procurando-o, muitas vezes
por caminhos errados: perdendo-se, depois volta, procu-
ra-o... Por outro lado, Deus tem sede do encontro, a tal
ponto que enviou Jesus para nos encontrar, para vir ao en-
contro desta inquietação.
Como age Jesus? Neste trecho do Evangelho (cf. Lc 24,
13-35) vemos bem que Ele respeita, respeita a nossa situa-
ção, não invade. Só algumas vezes, com pessoas teimosas,
pensemos em Paulo quando o faz cair do cavalo. Mas nor-
malmente Ele vai devagar, respeitando os nossos tempos.
É o Senhor da paciência. Quanta paciência o Senhor tem
connosco, com cada um de nós!
O Senhor caminha ao nosso lado, como vimos aqui
com estes dois discípulos. Ele escuta as nossas inquieta-
ções, conhece-as e, numa certa altura, diz-nos algo. O Se-
nhor gosta de ouvir como falamos, de nos compreender
bem e de dar a resposta certa a esta ansiedade. O Senhor
não acelera o passo, Vai sempre ao nosso ritmo, muitas
vezes lento, mas a sua paciência é assim.
Há uma antiga regra de peregrinação, que diz que
o verdadeiro peregrino deve ir ao ritmo da pessoa mais
lenta. E Jesus é capaz disto, faz isto, não acelera, espera
que demos o primeiro passo. E quando chega o momento,
faz-nos a pergunta. Neste caso, é claro: «De que estais a
falar?» (cf. v. 17). Faz-se de ignorante para nos impelir a
falar. Gosta que falemos. Gosta de ouvir, gosta que fale-
mos, ouçamos e respondamos, faz-nos falar. Como se fos-
se ignorante, mas com muito respeito. E depois responde,
explica até ao ponto necessário. «Aqui diz: “Porventura
não convinha que Cristo padecesse estas coisas e entrasse
na sua glória?” E, começando por Moisés e por todos os
profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as
312
Escrituras» (v. 26). Explica, esclarece. Confesso que tenho
a curiosidade de saber como Jesus explicou, para fazer o
mesmo. Foi uma catequese muito boa!
E depois, o próprio Jesus que nos acompanhou, que
se aproximou de nós, finge ir além, para ver a medida da
nossa inquietação: «Não. Vem, fica um pouco connosco!»
(cf. v. 29). E é assim que se realiza o encontro. Contudo,
o encontro não é apenas o momento de partir o pão, mas
todo o caminho. Encontramos Jesus na escuridão das nos-
sas dúvidas, até na dúvida horrível dos nossos pecados,
Ele está lá para nos ajudar, nas nossas inquietações... Está
sempre connosco!
O Senhor acompanha-nos porque quer encontrar-
-nos. É por isso que dizemos que o núcleo do cristianismo
é um encontro: o encontro com Jesus. “Por que és cristão?
Por que és cristã?”. E muitas pessoas não sabem respon-
der. Alguns, por tradição. Outros não sabem dizer por-
que encontraram Jesus, mas não se aperceberam de que
era realmente um encontro com Jesus. Jesus está sempre à
nossa procura. Sempre. E nós temos a nossa inquietação.
No momento em que a nossa inquietação encontra Jesus,
começa a vida da graça, a vida da plenitude, a vida do
caminho cristão!
Que o Senhor conceda a todos nós a graça de encon-
trar Jesus todos os dias; de conhecer, de saber que Ele ca-
minha connosco em todos os nossos momentos. Ele é o
nosso companheiro de peregrinação.
Regina Caeli58
Vrix0
314
nho de quem, como aqueles dois na ida, se deixa paralisar
pelas desilusões da vida e vá em frente com tristeza; e há
o caminho de quem não se coloca em primeiro lugar a si
próprio e os seus problemas, mas Jesus que nos visita, e
os irmãos que esperam a sua visita, ou seja, os irmãos que
nos esperam para que cuidemos deles. Eis o momento de-
cisivo: deixar de orbitar em torno de si próprio, das desi-
lusões do passado, dos ideais não realizados, das muitas
coisas negativas que aconteceram na vida. Muitas vezes
somos levados a orbitar, orbitar... Deixemos isto e vamos
em frente, olhando para a maior e mais verdadeira reali-
dade da vida: Jesus está vivo, Jesus ama-me. Esta é a maior
realidade. E eu posso fazer algo pelos outros. É uma rea-
lidade boa, positiva, solar, bela! Eis a inversão de marcha:
passar dos pensamentos sobre o meu eu para a realidade do
meu Deus; passar - com outro jogo de palavras - do “se” para
o “sim”. Do “se” para o “sim”. O que significa? “Se Ele nos
tivesse libertado, se Deus me tivesse ouvido, se a vida ti-
vesse corrido como eu queria, se eu tivesse isto e aquilo...”,
em tom de queixa. Este “se” não ajuda, não é fecundo, não
ajuda nem a nós nem aos outros. Eis os nossos “se”, seme-
lhantes aos dos dois discípulos. Mas eles passam para o
sim: “Sim, o Senhor está vivo, Ele caminha connosco. Sim,
agora, não amanhã, voltamos a percorrer o caminho para
o anunciar”. “Sim, posso fazer isto para que as pessoas se-
jam mais felizes, para que as pessoas sejam melhores, para
ajudar muitas pessoas. Sim, sim, eu posso”. Do “se” para
o “sim”, da lamentação para a alegria e a paz, pois quan-
do nos queixamos, não estamos na alegria; estamos na
melancolia, na consternação, no ar cinzento da tristeza. E
isto não ajuda, e nem sequer nos faz crescer bem. Do “se”
para o “sim”, da lamentação para a alegria do serviço.
315
Como se verificou nos discípulos esta mudança de
passo, do eu para Deus, do “se” para o “sim”? Encontran-
do Jesus: os dois de Emaús primeiro abrem-lhe o coração;
em seguida, ouvem-no explicar-lhes as Escrituras; depois,
convidam-no para sua casa. São três passos que também
nós podemos dar na nossa casa: primeiro, abrir o coração a
Jesus, confiando-lhe os pesos, os cansaços, as desilusões da
vida, confiando-lhe os “se”; e depois, segundo passo, ouvir
Jesus, pegar no Evangelho, ler hoje este trecho, no capítu-
lo vinte e quatro do Evangelho de Lucas; terceiro, rezar a
Jesus, com as mesmas palavras daqueles discípulos: «Se-
nhor, fica connosco» (v. 29). Senhor, fica comigo. Senhor,
fica com todos nós, pois precisamos de ti para encontrar o
caminho. E sem ti, não há noite!
Prezados irmãos e irmãs, na vida estamos sempre
a caminho. E tornamo-nos aquilo rumo ao que caminha-
mos. Escolhamos a vereda de Deus, não a do eu; o cami-
nho do “sim”, não o do “se”. Descobriremos que não há
imprevisto, não há subida, não há noite que não se possa
enfrentar com Jesus. Que Nossa Senhora, Mãe do Cami-
nho que, acolhendo a Palavra, fez de toda a sua vida um
“sim” a Deus, nos indique a senda.
317
Segunda-feira, 27 de abril de 2020
Santa Missa59
Introdução
Rezemos hoje pelos artistas, que têm esta grande ca-
pacidade de criatividade e através da via da beleza mos-
tram-nos o caminho a seguir. Que o Senhor nos conceda a
todos a graça da criatividade neste momento.
59
Liturgia da Palavra: At 6,8-15; Sl 118; Jo 6,22-29. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/6XKHONLhYtI?t=718
319
22-24). Mas não sabiam que Jesus tinha ido ao encontro dos
outros caminhando sobre as águas (cf. vv. 16-21). Então
decidiram ir para o outro lado do Mar de Tiberíades à pro-
cura de Jesus e, quando o viram, a primeira palavra que lhe
disseram foi: «Rabi, quando chegaste aqui?» (v. 25), como
se dissessem: “Não entendemos, isto parece estranho”.
E Jesus fá-los voltar ao primeiro sentimento, ao que
tinham antes da multiplicação dos pães, quando ouviram
a palavra de Deus: «Em verdade, em verdade vos digo que
me buscais, não pelos sinais que vistes - como no princípio,
os sinais da palavra, que os entusiasmavam, os sinais da
cura - mas porque comestes dos pães e ficastes saciados»
(v. 26). Jesus revela a intenção deles e diz: “Mas é assim,
mudastes de atitude”. E eles, em vez de se justificar: “Não,
Senhor, não...”, foram humildes. Jesus continua: «Traba-
lhai, não pela comida que perece, mas pela comida que
permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem
vos dará; porque nela Deus Pai imprimiu o seu sinal» (Jo 6,
27). E aquelas pessoas boas disseram: «Que faremos para
praticar as obras de Deus?» (v. 28). «A obra de Deus é esta:
que acrediteis n’Aquele que Ele enviou» (v. 29). Este é um
caso em que Jesus corrige a atitude das pessoas, da multi-
dão, porque a meio do caminho se desviou um pouco do
primeiro momento, da primeira consolação espiritual, e
empreendeu um caminho que não era certo, uma via mais
mundana do que evangélica.
Isto faz-nos pensar que muitas vezes na vida come-
çamos a seguir Jesus, a ir atrás de Jesus, com os valores do
Evangelho, e no meio do caminho mudamos de ideia, ve-
mos alguns sinais, afastamo-nos e conformamo-nos com
algo mais temporal, mais material, mais mundano - talvez -
e perdemos a memória daquele primeiro entusiasmo que ti-
vemos quando ouvimos Jesus falar. O Senhor faz-nos regres-
sar sempre ao primeiro encontro, ao primeiro momento em
que Ele olhou para nós, em que nos falou e fez nascer em nós
o desejo de o seguir. É uma graça a pedir ao Senhor, porque
nós, na vida, teremos sempre esta tentação de nos afastar
320
porque vemos outra coisa: “Isto vai correr bem, essa ideia
é boa...”. Assim afastamo-nos. A graça de voltar sempre à
primeira chamada, ao primeiro momento: não esqueçamos,
não esqueçamos a nossa história, quando Jesus olhou para
nós com amor e disse: “Este é o teu caminho”; quando Jesus,
através de tantas pessoas, me fez entender qual é o cami-
nho do Evangelho e não outros caminhos um pouco mun-
danos, com outros valores. Voltemos ao primeiro encontro.
Impressionou-me sempre - daquilo que Jesus diz na
manhã da Ressurreição - a sua afirmação: «Ide dizer aos
meus irmãos que vão à Galileia, pois é lá que me verão»
(cf. Mt 28, 10); a Galileia foi o lugar do primeiro encontro. Lá
eles tinham encontrado Jesus. Cada um de nós tem dentro
si a sua “Galileia”, o momento em que Jesus se aproximou
de cada um de nós e disse: “Segue-me”. Na vida acontece
o que ocorreu àquelas pessoas - boas, porque depois lhe
dizem: “Mas o que devemos fazer?” e obedecem imediata-
mente - acontece que nos afastamos e procuramos outros
valores, outras hermenêuticas, outras coisas e perdemos
o frescor da primeira chamada. Também o autor da Carta
aos Hebreus nos remete para isto: «Lembrai-vos dos pri-
meiros dias» (cf. Hb 10, 32). A memória, a memória do pri-
meiro encontro, a memória da “minha Galileia”, quando o
Senhor olhou para mim com amor e me disse: “Segue-me”!
321
Terça-feira, 28 de abril de 2020
Santa Missa60
Introdução
Neste tempo, em que começamos a ter orientações
para sair da quarentena, peçamos ao Senhor que conceda
ao seu povo, a todos nós, a graça da prudência e da obe-
diência às disposições, para que a pandemia não se agrave.
60
Liturgia da Palavra At 7,51-8,1; Sl 30; Jo 6,30-35. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/GJJcPOfRHv8?t=702
323
povo de Deus (cf. Est 3, 1-14). Falsas notícias, calúnias que
inflamam o povo e exigem justiça. É um linchamento, um
verdadeiro linchamento.
E assim, levam-no ao juiz, para que dê forma jurídi-
ca: mas já tinha sido julgado; o juiz deve ser muito, mui-
to corajoso para ir contra um julgamento “tão popular”,
feito de propósito, preparado. É o caso de Pilatos: Pilatos
viu claramente que Jesus era inocente, mas vendo o povo,
lavou as mãos (cf. Mt 27, 24-26). É uma forma de fazer
jurisprudência. Ainda hoje vemos isto: em alguns países,
quando se quer fazer um golpe de Estado ou “eliminar”
algum político para que não vá a eleições, faz-se isto: falsa
notícia, calúnia, depois confia-se a um juiz daqueles que
gostam de criar jurisprudência com este positivismo “si-
tuacionalista” que está na moda, e depois condena-se. É
um linchamento social. E assim procederam com Estêvão,
assim foi feito o julgamento de Estêvão: levam a julgamen-
to alguém já julgado pelo povo enganado.
Isto também acontece com os mártires de hoje: os
juízes não têm qualquer hipótese de fazer justiça porque
já foram julgados. Pensemos em Asia Bibi, por exemplo,
que vimos: dez anos na prisão porque foi julgada por uma
calúnia e por um povo que quer a sua morte. Perante esta
avalanche de falsas notícias que criam opinião, muitas ve-
zes nada pode ser feito: nada pode ser feito.
Penso muito, nisto, no Shoah. O Shoah é um destes
casos: a opinião foi criada contra um povo e depois era
normal: «Sim, sim: têm de ser mortos, têm de ser mortos».
Uma forma de proceder para “eliminar” pessoas que estão
a assediar, que incomodam.
Todos sabemos que isto não é bom, mas o que não
sabemos é que há um pequeno linchamento diário que
procura condenar as pessoas, criar uma má fama para as
pessoas, descartá-las, condená-las: o pequeno linchamento
324
diário da tagarelice que cria uma opinião; muitas vezes ou-
ve-se a conversa de alguém e diz-se: “Mas não, esta pessoa
é justa!” - “Não, não: dizem que ...”, e com esse “dizem que”
se cria uma opinião para acabar com uma pessoa. A verda-
de é outra: a verdade é o testemunho do verdadeiro, das
coisas que uma pessoa crê; a verdade é clara, é transparen-
te. A verdade não tolera pressões. Olhemos para Estêvão,
mártir: primeiro mártir depois de Jesus. Primeiro mártir.
Pensemos nos apóstolos: todos deram o seu testemunho. E
pensemos nos muitos mártires, também naquele que hoje
celebramos, São Pedro Chanel: a tagarelice fez acreditar
que ele era contra o rei... cria-se uma fama, e teve que ser
eliminado. E pensemos em nós, na nossa língua: muitas ve-
zes nós, com os nossos comentários, começamos um lincha-
mento deste género. E nas nossas instituições cristãs, vimos
tantos linchamentos diários que nasceram da tagarelice.
Que o Senhor nos ajude a sermos justos nos nossos
julgamentos, a não começar nem seguir esta condenação
maciça provocada pela tagarelice.
Santa Missa61
Introdução
Hoje é a festa de Santa Catarina de Sena, Doutora da
Igreja, Padroeira da Europa. Rezemos pela Europa, pela
unidade da Europa, pela unidade da União Europeia: que
todos juntos possamos seguir em frente como irmãos.
327
“somos todos pecadores”, como quem diz “bom dia”, “boa
tarde”, uma expressão habitual, um costume social, não
temos uma verdadeira consciência de pecado. Não: eu sou
pecador por isto, isso e aquilo. A realidade. A realidade da
verdade: a verdade é sempre real; as mentiras são etéreas,
são como o ar, não se pode pegar nele. A verdade é concre-
ta. E não podes ir confessar os teus pecados de uma forma
abstrata: “Sim, eu... sim, uma vez perdi a paciência, outra
vez...”, coisas abstratas. “Eu sou pecador». A realidade:
“Fiz isto. Pensei isso. Disse aquilo”. A realidade é o que me
faz sentir um verdadeiro pecador e não “pecador no ar”.
Jesus diz no Evangelho: «Graças te dou, ó Pai, Se-
nhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios
e entendidos, e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11, 25).
A realidade dos pequeninos. É bom ouvir os pequeninos
quando se confessam: não dizem coisas estranhas, “no ar”;
dizem coisas concretas, e por vezes demasiado concretas
porque têm aquela simplicidade que Deus dá aos peque-
ninos. Lembro-me sempre de uma criança que uma vez
me veio contar que estava triste porque tinha discutido
com a tia... Depois continuou. Eu disse: “O que fizeste?” -
“Bem, eu estava em casa, queria ir jogar futebol - era um
menino – mas dado que a mãe não estava em casa, a tia
disse: “Não, tu não sais: primeiro tens de fazer os deveres
de casa”. Palavra vai, palavra vem, e no final mandei-a
àquele sítio”. Era uma criança de grande cultura geográ-
fica... Disse-me até o nome do lugar para onde tinha man-
dado a sua tia! São assim: simples, concretas.
328
Também nós devemos ser simples, concretos: a con-
cretude leva-nos à humildade, porque a humildade é con-
creta. “Somos todos pecadores” é uma expressão abstrata.
Não: “Eu sou pecador por isto, isso e aquilo”, e esta atitu-
de leva-me à vergonha de olhar para Jesus: “Perdoa-me”.
A verdadeira atitude do pecador. «Se dissermos que não
temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há ver-
dade em nós» (1 Jo 1, 8). Esta atitude abstrata é uma forma
de dizer que estamos sem pecado: “Sim, somos pecadores,
sim, perdi a paciência uma vez...”, mas “tudo no ar”. Não
percebo a realidade dos meus pecados. “Mas, o senhor
sabe, todos, todos nós fazemos estas coisas, lamento, la-
mento... causa-me sofrimento, já não o quero fazer, já não
o quero dizer, não quero pensar mais nisso”. É importan-
te dar um nome aos pecados que temos dentro de nós. A
realidade. Porque se “permanecermos no ar”, acabaremos
nas trevas. Tornemo-nos como os pequeninos, que dizem
o que sentem, o que pensam: ainda não aprenderam a arte
de dizer as coisas um pouco embrulhadas para que enten-
dam mas não as digam. Esta é uma arte dos adultos, que
muitas vezes não nos faz bem.
Ontem recebi uma carta de um jovem de Caravag-
gio. O seu nome é Andrea. Contou-me coisas sobre ele:
as cartas dos adolescentes, dos jovens, são muito bonitas,
pela realidade. E disse-me que tinha assistido à Missa na
televisão e que me queria “repreender” por uma coisa: que
eu digo “a paz esteja convosco”, “e tu não podes dizer isto
porque com a pandemia não nos podemos abraçar”. “Não
329
vê que [aqui na igreja] inclinais a cabeça e não vos tocais”.
Mas ele tem a liberdade de dizer as coisas como são.
Também nós, com o Senhor, devemos ter a liberdade
de dizer as coisas como são: “Senhor, estou em pecado:
ajudai-me”. Como Pedro depois da primeira pesca mila-
grosa: «Senhor, afasta-te de mim, porque sou pecador»
(Lc 5, 8). Tenhamos esta sabedoria da realidade. Porque o
diabo quer que vivamos na tibieza, indolentes, no cinzen-
to: nem bom nem mau, nem branco nem preto: cinzento.
Uma vida que não agrada ao Senhor. O Senhor não gosta
dos tíbios. Realidade. Não ser mentiroso. «Se confessar-
mos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar»
(1 Jo 1, 9). Ele perdoa-nos quando somos concretos. A vida
espiritual é tão simples, tão simples; mas complicamo-la
com estas nuances e, no final, nunca concluímos nada...
Peçamos ao Senhor a graça da simplicidade e que
Ele nos conceda essa graça que dá às pessoas simples, às
crianças, aos jovens que dizem o que sentem, que não es-
condem o que sentem. Mesmo que seja uma coisa errada,
eles dizem-no. Também com Ele, dizer tudo: transparên-
cia. Não viver uma vida que não é uma coisa nem outra.
A graça da liberdade para dizer estas coisas e também a
graça de saber bem quem somos perante Deus.
331
Quinta-feira, 30 de abril de 2020
Santa Missa62
Introdução
Rezemos hoje pelos defuntos, aqueles que morreram
devido à pandemia; e também, de uma forma especial, pe-
los defuntos - digamos - anónimos: vimos as fotografias
das valas comuns. Muitos... muitos...
da celebração: https://youtu.be/BVuF_ryLqY0?t=783
333
para ir adorar a Deus. Um crente. E voltou para a sua pá-
tria lendo o profeta Isaías (cf. At 8, 27-28). O Senhor cha-
mou Filipe, enviou-o para aquele lugar e depois disse-lhe:
« Aproxima-te desse carro e acompanha-o » (v. 29), e ouviu
que o ministro lia Isaías. Aproxima-se dele e faz-lhe uma
pergunta: « Compreendes»? - « Como poderia entender
se ninguém me está a orientar?» (v. 31), e pergunta: « De
quem fala o profeta»? « Por favor, entre no carro», e du-
rante a viagem - não sei quanto tempo, penso que pelo
menos algumas horas - Filipe explicou-lhe: explicou Jesus
(vv. 26-35).
A inquietação que aquele senhor sentia ao ler o pro-
feta Isaías era precisamente do Pai, que atrai para Jesus
(cf. Jo 6, 44): tinha-o preparado, tinha-o trazido da Etiópia
para Jerusalém a fim de adorar a Deus e depois, com essa
leitura, preparou o seu coração para revelar Jesus, a ponto
de, logo que viu a água, disse: « Posso ser batizado » (cf. v.
36). E ele acreditou.
E isto - que ninguém pode conhecer Jesus sem que
o Pai o atraia (cf. v. 44) - é válido para o nosso apostola-
do, para a nossa missão apostólica como cristãos. Penso
também nas missões. “Que vais fazer nas missões?” - “Eu,
converter pessoas” - “Mas repara, tu não estás a converter
ninguém! Será o Pai que atrairá esses corações a reconhe-
cerem Jesus”. Ir em missão é dar testemunho da própria fé;
sem testemunho nada farás. Ir em missão - e os missioná-
rios são bons! - não significa edificar grandes estruturas,
coisas... e ficar por aí. Não: as estruturas devem ser teste-
334
munhos. Podes construir uma estrutura hospitalar, edu-
cacional de grande perfeição, de grande desenvolvimento,
mas se uma estrutura estiver sem testemunho cristão, o
seu trabalho lá não será uma obra de testemunho, uma
obra de verdadeira pregação de Jesus: será uma sociedade
de beneficência, muito boa - muito boa! - mas nada mais.
Se eu quiser ir em missão, e digo isto se eu quiser
fazer apostolado, tenho que ir com a vontade do Pai para
atrair pessoas para Jesus, e é isto que o testemunho faz. O
próprio Jesus disse o mesmo a Pedro quando confessou
que é o Messias: « Tu és feliz, Simão Pedro, porque o Pai
te revelou isto » (cf. Mt 16, 17). É o Pai que atrai, e também
atrai com o nosso testemunho. “Farei muitas obras, aqui e
ali, de educação, disto e daquilo...”, mas sem testemunho
são coisas boas, mas não são o anúncio do Evangelho,
não são lugares que dão a possibilidade de que « o Pai
atraia ao conhecimento de Jesus » (cf. Jo 6, 44). Trabalho e
testemunho.
“Mas o que posso fazer para que o Pai providencie
para atrair essas pessoas?”. Oração. E esta é a oração para
as missões: rezar para que o Pai atraia as pessoas para Je-
sus. O testemunho e a oração caminham juntos. Sem o teste-
munho e a oração não se pode fazer pregação apostólica,
não se pode fazer anúncio. Será um bom sermão moral,
farás muitas coisas boas, todas positivas. Mas o Pai não
terá a possibilidade de atrair as pessoas para Jesus. E este
é o centro: este é o centro do nosso apostolado, para que
« o Pai possa atrair pessoas para Jesus » (cf. Jo 6, 44). O nos-
335
so testemunho abre as portas ao povo e a nossa oração
abre as portas ao coração do Pai, para que ele atraia as
pessoas. Testemunho e oração. E isto não é apenas para as
missões, é também para o nosso trabalho como cristãos.
Será que dou testemunho da vida cristã, realmente, com
o meu modo de vida? Será que rezo para que o Pai atraia
pessoas para Jesus?
Esta é a grande regra para o nosso apostolado, em
todo lugar, e especialmente para as missões. Ir em missão
não é fazer proselitismo. Certa vez, uma senhora - bondo-
sa, podia-se ver que ela era de boa vontade – aproximou-
-se de mim com dois jovens, um rapaz e uma moça, e dis-
se-me: “Este rapaz, padre, era protestante e converteu-se:
convenci-o. E esta moça era...” - Não sei, animista, não me
lembro o que ela me disse - “e eu converti-a”. E a senhora
era bondosa. Mas errava. Perdi um pouco a paciência e
disse: “Mas escuta, não converteste ninguém: foi Deus que
moveu o coração das pessoas. E não te esqueças: testemu-
nho, sim; proselitismo, não”.
Peçamos ao Senhor a graça de viver o nosso trabalho
com testemunho e oração, para que Ele, o Pai, possa atrair
as pessoas a Jesus.
337
Sexta-feira, 1 de maio de 2020
Santa Missa63
Introdução
Hoje é a festa de São José Operário e o Dia do Tra-
balhador. Rezemos por todos os trabalhadores. Por todos.
Para que não falte trabalho a ninguém e que todos sejam
pagos com justiça e beneficiem da dignidade do trabalho e
da beleza do descanso.
339
É o trabalho que torna o homem semelhante a Deus,
pois com o trabalho o homem é criador, é capaz de criar,
de criar muitas coisas; até mesmo de criar uma família
para seguir em frente. O homem é criador e cria com o
trabalho. Esta é a vocação. E a Bíblia diz: « Viu Deus que
tudo quanto tinha feito era muito bom » (Gn 1, 31). Ou
seja, o trabalho tem em si uma bondade e cria a harmo-
nia das coisas - beleza, bondade - e envolve o homem em
tudo: no seu pensamento, na sua atuação, em tudo. O
homem participa no trabalho. É a primeira vocação do
homem: trabalhar. E isto dá dignidade ao homem. É a
dignidade que o faz assemelhar-se a Deus. A dignidade
do trabalho.
Certa vez, numa Cáritas, a um homem que não tinha
trabalho e fora à procura de algo para a família, um em-
pregado dessa entidade [deu-lhe algo para comer e] disse:
“Pelo menos podes levar o pão para casa” - “Mas isto não
me basta, não me é suficiente”, foi a resposta: “Quero ga-
nhar o pão a fim de o levar para casa”. Faltava-lhe a dig-
nidade, a dignidade de “fazer” o próprio pão, com o seu
trabalho, e de o levar para casa. A dignidade do trabalho,
que infelizmente é tão espezinhada.
Na história, lemos a brutalidade que fizeram com
os escravos: foram levados da África para a América -
penso nesta história, que diz respeito à minha terra - e
nós dizemos: “Quanta barbárie!”. Mas ainda hoje há
muitos escravos, muitos homens e mulheres que não
340
são livres para trabalhar: são obrigados a trabalhar para
sobreviver, nada mais. São escravos: o trabalho forçado...
Existe o trabalho forçado, injusto, mal pago e que leva o
homem a viver com a dignidade espezinhada. Há mui-
tos, muitos no mundo. Muitos! Nos jornais, há alguns
meses, lemos que num país da Ásia, um homem espan-
cou até à morte um dos seus empregados que ganhava
menos de meio dólar por dia, porque tinha feito algo de
errado. A escravatura de hoje é a nossa “indignidade”,
porque tira a dignidade dos homens, das mulheres, de
todos nós. “Não, eu trabalho, tenho a minha dignidade”.
Sim, mas os teus irmãos, não. “Sim, padre, é verdade,
mas isto está tão longe, para mim é difícil compreendê-
-lo. Mas aqui onde estamos...”. Também aqui, no nos-
so lugar. Aqui, entre nós. Pensa nos trabalhadores, nos
diaristas, que tu fazes trabalhar por um salário mínimo
e não oito, mas 12, 14 horas por dia: isto acontece hoje,
aqui. Em todo o mundo, mas também aqui. Pensa na em-
pregada doméstica que não recebe um salário justo, não
tem assistência da segurança social e nem sequer a pos-
sibilidade de se aposentar: isto não acontece apenas na
Ásia. Também aqui.
Toda a injustiça que se faz a uma pessoa que traba-
lha, espezinha a dignidade humana; inclusive a dignidade
daquele que comete a injustiça: abaixa-se o nível e aca-
ba-se naquela tensão de ditador-escravo. Ao contrário, a
vocação que Deus nos dá é tão bonita: criar, recriar, tra-
341
balhar. Mas isto pode ser feito quando as condições são
adequadas e a dignidade da pessoa é respeitada.
Unamo-nos hoje a muitos homens e mulheres, cren-
tes e não-crentes, que comemoram o Dia do Trabalhador,
o Dia do Trabalho, por aqueles que lutam pela justiça no
trabalho, por aqueles - bons empresários - que realizam o
trabalho com justiça, mesmo que tenham prejuízo. Há dois
meses ouvi ao telefone um empresário, aqui na Itália, que
me pedia para rezar por ele porque não queria despedir
ninguém e disse: “Pois despedir um deles é despedir-me”.
A consciência de tantos bons empresários, que amparam
os trabalhadores como se fossem filhos! Rezemos também
por eles. E peçamos a São José - com este ícone [uma ima-
gem colocada junto do altar] tão bonito, com as ferramen-
tas do trabalho nas mãos - que nos ajude a lutar pela dig-
nidade do trabalho, a fim de que haja trabalho para todos
e que seja um trabalho digno. Não trabalho escravo. Que
esta seja a oração de hoje!
343
Sábado, 2 de maio de 2020
Santa Missa64
Introdução
Rezemos hoje pelos governantes que têm a respon-
sabilidade de cuidar dos seus povos nestes tempos de
crise: chefes de Estado, presidentes de governo, legisla-
dores, presidentes de câmaras municipais, presidentes de
região... Para que o Senhor os ajude e lhes dê força, pois o
seu trabalho não é fácil. E que, quando existirem diferen-
ças entre eles, compreendam que nos momentos de crise
devem estar muito unidos para o bem do povo, pois a uni-
dade é superior ao conflito.
Hoje, sábado 2 de maio, 300 grupos de oração unem-
-se a nós em prece. Trata-se dos chamados “madrugado-
res”: aqueles que se levantam cedo para rezar, que se le-
vantam de madrugada precisamente para a oração. Hoje,
neste momento, eles unem-se a nós.
64
Liturgia da Palavra: At 9,31-42; Sl 115; Jo 6,60-69. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/y1TNs21LFTc?t=851
345
Bons tempos... Segue-se a cura de Eneias, depois Pedro
ressuscita Gazela, Tabita... coisas que se fazem em paz.
Mas na Igreja primitiva nem sempre é tempo de
paz: há tempos de perseguição, tempos difíceis, tempos
que colocam os crentes em crise. Tempos de crise. E um
tempo de crise é o que nos narra hoje o Evangelho de
João (cf. 6, 60-69). Esta passagem do Evangelho é o fim
de toda uma série, que começou com a multiplicação dos
pães, quando queriam fazer Jesus rei, Jesus retira-se para
rezar, no dia seguinte não o encontram, vão à sua pro-
cura, e Jesus repreende-os porque o procuram para que
lhes dê de comer, e não pelas palavras de vida eterna... E
toda aquela história termina aqui. Dizem: “Dai-nos deste
pão”, e Jesus explica que o pão que dará é o seu corpo e
o seu sangue.
« Naquele tempo, muitos dos discípulos de Jesus,
ouvindo-o, disseram: “Isto é muito difícil! Quem o pode
seguir?” » (v. 60). Jesus disse que quem não tivesse comido
o seu corpo e sangue, não teria a vida eterna. Jesus disse
também: « Se comerdes o meu corpo e beberdes o meu san-
gue, ressuscitareis no último dia » (cf. v. 54), disse Jesus.
« Isto é muito difícil! » (v. 60) [os discípulos pensam]. “É
demasiado difícil. Algo aqui não funciona. Este homem
foi longe demais”. E este é um momento de crise. Houve
momentos de paz e momentos de crise. Jesus sabia que os
discípulos murmuravam. Aqui há uma distinção entre os
discípulos e os apóstolos: os discípulos eram aqueles se-
tenta e dois ou mais, os apóstolos eram os Doze. « Porque
desde o princípio Jesus sabia quais eram os que não acre-
ditavam e quem o havia de trair » (v. 64). E perante esta
crise, recorda-lhes: « Foi por isso que vos disse: “Ninguém
pode vir a mim, se o meu Pai não lho conceder” » (v. 65). E
346
recomeça a falar do que significa ser atraído pelo Pai: o Pai
atrai-nos a Jesus. É assim que se resolve a crise.
E « a partir daquele momento, muitos dos seus dis-
cípulos se retiraram e já não andavam com Ele » (v. 66).
Distanciaram-se. “Este homem é um pouco perigoso, um
pouco... Mas estas doutrinas... Sim, ele é um homem bom,
prega e cura, mas quando começa com estas coisas estra-
nhas... Por favor, vamos embora” (cf. v. 66). Assim fize-
ram os discípulos de Emaús, na manhã da Ressurreição:
“Bem, sim, uma coisa estranha: as mulheres que dizem
que o túmulo... Mas isto cheira mal, diziam, vamos embo-
ra depressa, porque os soldados virão e nos crucificarão”
(cf. Lc 24, 22-24). Os soldados que guardavam o túmulo
fizeram o mesmo: tinham visto a verdade, mas depois pre-
feriram vender o seu segredo: “Tenhamos cuidado: não
entremos nestas histórias, pois são perigosas” (cf. Mt 28,
11-15).
Um momento de crise é um momento de escolha,
que nos coloca à frente das decisões que temos de tomar.
Todos na vida tivemos e teremos momentos de crise: crise
familiar, crise matrimonial, crise social, crise laboral, mui-
tas crises... Esta pandemia é também um momento de cri-
se social.
Como reagir neste momento de crise? « A partir da-
quele momento, muitos dos seus discípulos se retiraram
e já não andavam com Ele » (v. 66). Jesus tomou a deci-
são de interrogar os apóstolos: « Então, Jesus perguntou
aos Doze: “Quereis vós também retirar-vos?” » (v. 67). To-
mai uma decisão. E Pedro faz a segunda confissão: « Si-
mão Pedro respondeu-lhe: “Senhor, a quem iremos? Tu
tens palavras de vida eterna. E nós acreditamos e sabemos
que Tu és o Santo de Deus!” » (vv. 68-69). Pedro confessa,
347
em nome dos Doze, que Jesus é o Santo de Deus, o Filho
de Deus. A primeira confissão - « Tu és Cristo, o Filho do
Deus vivo » - e logo depois, quando Jesus começou a expli-
car a paixão que viria, impediu-o: “Não, não, Senhor, isto
não”, e Jesus repreendeu-o (cf. Mt 16, 16-23). Mas Pedro
amadureceu um pouco e aqui não censura. Não entende
o que Jesus diz, “comer a carne, beber o sangue” (cf. 6,
54-56), não entende, mas confia no Mestre. Confia. E faz
esta segunda confissão: “Mas a quem iremos? Por favor,
Tu tens palavras de vida eterna” (cf. v. 68).
Isto ajuda-nos todos a viver a crise. Na minha ter-
ra há um ditado que diz: “Quando vais a cavalo e deves
atravessar um rio, por favor não troques o cavalo no meio
do rio”. Em tempos de crise, sejamos deveras firmes na
convicção da fé. Aqueles que foram embora, que “troca-
ram o cavalo”, procuraram outro mestre que não fosse tão
“duro”, como lhe diziam. Nos momentos de crise deve ha-
ver perseverança, silêncio; fiquemos onde estamos, imó-
veis. Este não é o momento de fazer alterações. É o mo-
mento da fidelidade, da fidelidade a Deus, da fidelidade
às coisas [decisões] que tomamos antes. É também o mo-
mento da conversão, pois esta fidelidade irá inspirar-nos a
fazer algumas mudanças para o bem, não a distanciar-nos
do bem.
Momentos de paz e momentos de crise. Nós, cristãos,
temos de aprender a enfrentar ambos. Ambos. Alguns pa-
dres espirituais dizem que o momento de crise é como
atravessar o fogo para se tornar forte. Que o Senhor nos
envie o Espírito Santo para sabermos resistir às tentações
nos momentos de crise, para sabermos ser fiéis às primei-
ras palavras, com a esperança de viver depois os momen-
tos de paz. Pensemos nas nossas crises: crises familiares,
348
crises de vizinhança, crises de trabalho, crises sociais do
mundo, do país... Muitas crises, tantas crises.
Que o Senhor nos dê a força - em tempos de crise -
para não vendermos a fé.
349
Domingo, 3 de maio de 2020
Santa Missa65
Introdução
Três semanas após a Ressurreição do Senhor, a Igre-
ja celebra hoje, no quarto domingo de Páscoa, o domin-
go do Bom Pastor, Jesus Bom Pastor. Isto faz-me pensar
em tantos pastores no mundo que dão a vida pelos fiéis,
também nesta pandemia, muitos, aqui em Itália já morre-
ram mais de 100. E penso também noutros pastores que se
preocupam com o bem do povo: os médicos. Falamos de
médicos, daquilo que fazem, mas devemos saber que, só
na Itália, faleceram 154 médicos durante o serviço. Que o
exemplo destes pastores sacerdotes e “pastores médicos”
nos ajude a cuidar do santo povo fiel de Deus.
65
Liturgia da Palavra: At 2,14.36-41; Sl 22; 1Pe 2,20-25; Jo 10,1-
10. Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/p93J5fm3Y4A?t=878
351
Jesus é o pastor - assim o vê Pedro - que vem para
salvar, para salvar as ovelhas errantes: éramos nós. E no
salmo 22 que lemos depois desta leitura, repetimos: « O
Senhor é meu pastor: nada me faltará » (v. 1). A presença
do Senhor como pastor, como pastor do rebanho. E Jesus,
no capítulo 10 de João, que lemos, apresenta-se como pas-
tor. De facto, não só o pastor, mas a “porta” por onde se
entra no rebanho (cf. v. 8). Todos aqueles que vieram e não
entraram por aquela porta eram ladrões e assaltante ou
queriam aproveitar-se do rebanho: os falsos pastores. E na
história da Igreja tem havido muitos destes que explora-
ram o rebanho. Eles não estavam interessados no rebanho,
mas apenas em fazer carreira, ou política ou dinheiro. Mas
o rebanho conhecia-os, sempre os conheceu e ia à procura
de Deus pelo seu caminho.
Mas quando há um bom pastor que leva em fren-
te, há o rebanho que vai em frente. O bom pastor ouve
o rebanho, guia o rebanho, cura o rebanho. E o rebanho
sabe distinguir os pastores, não erra: o rebanho confia no
bom pastor, confia em Jesus. Só o pastor que se assemelha
a Jesus dá confiança ao rebanho, porque Ele é a porta. O
estilo de Jesus deve ser o estilo do pastor, não há outro.
Mas até Jesus, o bom pastor, como diz Pedro na primeira
leitura, « pois também Cristo padeceu por nós, deixando-
-nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas: o qual
não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano; o
qual, quando o injuriavam, não injuriava, e quando pade-
cia não ameaçava » (1 Pd 2, 21-23). Ele era manso. Um dos
sinais do bom Pastor é a mansidão. O bom pastor é manso.
Um pastor que não é manso não é um bom pastor. Ele
tem algo escondido, porque a mansidão se mostra como
é, sem se defender. Pelo contrário, o pastor é terno, tem
essa ternura da proximidade, conhece todas as ovelhas pelo
352
nome e cuida de cada uma como se fosse a única, a ponto
que, ao chegar a casa depois de um dia de trabalho, cansa-
do, percebe que lhe falta uma, sai para trabalhar outra vez
para a procurar e [encontrá-la] leva-a consigo, carrega-a
sobre os ombros (cf. Lc 15, 4-5). Este é o bom pastor, este
é Jesus, que nos acompanha a todos no caminho da vida.
E esta ideia do pastor, esta ideia do rebanho e das ove-
lhas, é uma ideia pascal. A Igreja, na primeira semana da
Páscoa, canta aquele lindo hino para os recém-batizados:
“Estes são os novos cordeiros”, o hino que ouvimos no
início da Missa. É uma ideia de comunidade, de ternura,
de bondade, de mansidão. É a Igreja que Jesus quer, e Ele
salvaguarda esta Igreja.
Este é um domingo bonito, é um domingo de paz,
é um domingo de ternura, de mansidão, porque o nosso
Pastor cuida de nós. « O Senhor é meu pastor, nada me
faltará ». (Sl 22, 1).
Comunhão espiritual
Meu Jesus, creio que estais presente no Santíssimo
Sacramento. Amo-vos acima de tudo e a minha alma sus-
pira por Vós. Mas dado que agora não posso receber-vos
no Santíssimo Sacramento, vinde, pelo menos espiritual-
mente, ao meu coração. Abraço-vos come se já estivésseis
comigo: uno-me inteiramente a Vós. Ah! Não permitais
que eu volte a separar-me de Vós!
tV2U
354
zonte, enquanto que, a voz do maligno leva-te a um muro,
põe-te de lado.
Outra diferença. A voz do inimigo distrai-nos do pre-
sente e quer que nos concentremos nos receios do futuro
ou nas tristezas do passado - o inimigo não quer o presente
-: faz ressurgir as amarguras, as recordações das injustiças
sofridas, daqueles que nos magoaram..., muitas recorda-
ções negativas. Mas, a voz de Deus fala ao presente: “Ago-
ra podes fazer o bem, agora podes exercer a criatividade
do amor, agora podes renunciar aos arrependimentos e
remorsos que mantêm o teu coração prisioneiro”. Ani-
ma-nos, faz-nos ir em frente, mas fala no presente: agora.
Mais uma vez: as duas vozes levantam em nós ques-
tões diferentes. A que vem de Deus será: “O que é bom
para mim?”. Ao contrário, o tentador insistirá noutra ques-
tão: “O que me apetece fazer”. O que me apetece: a voz
maligna gira sempre em torno do ego, dos seus impulsos,
das suas necessidades, de tudo e já. É como os caprichos
das crianças: tudo e agora. A voz de Deus, pelo contrário,
nunca promete alegria a um preço baixo: convida-nos a
ir além do nosso ego para encontrar o verdadeiro bem, a
paz. Lembremo-nos: o mal nunca nos dá paz, ao contrário
provoca inquietação e depois deixa amargura. Este é o es-
tilo do mal.
Por fim, a voz de Deus e a do tentador falam em dife-
rentes “ambientes”: o inimigo prefere a escuridão, a falsi-
dade, os mexericos; o Senhor ama a luz do sol, a verdade,
a transparência sincera. O inimigo dir-nos-á: “Fecha-te em
ti, porque ninguém te entende nem te ouve, não confies!”.
Ao contrário, o bem convida-nos a abrir-nos, a ser claros
e a confiar em Deus e nos outros. Amados irmãos e irmãs,
neste momento, tantos pensamentos e preocupações nos
355
levam a reentrar em nós mesmos. Prestemos atenção às
vozes que chegam aos nossos corações. Perguntemo-nos
de onde vêm. Peçamos a graça de reconhecer e seguir a
voz do bom Pastor, que nos faz sair do espaço do egoís-
mo e nos conduz aos pastos da verdadeira liberdade. Que
Nossa Senhora, Mãe do Bom Conselho, guie e acompanhe
o nosso discernimento.
357
Segunda-feira, 4 de maio de 2020
Santa Missa67
Introdução
Rezemos hoje pelas famílias. Neste tempo de qua-
rentena, a família, fechada em casa, procura fazer muitas
coisas novas, ter tanta criatividade com as crianças, com
todos, para seguir em frente. E às vezes existe também ou-
tra situação: a violência doméstica. Rezemos pelas famí-
lias, para que continuem em paz, com criatividade e pa-
ciência, nesta quarentena.
359
também: “Eles são os já condenados”. E esta é uma doen-
ça da Igreja, uma enfermidade que deriva de ideologias ou
de partidos religiosos... Pensemos que na época de Jesus
havia pelo menos quatro partidos religiosos: o partido dos
fariseus, dos saduceus, dos zelotas e dos essénios, e cada
um interpretava a lei de acordo com “a ideia” que tinha. E
esta ideia é uma escola “fora da lei”, quando é uma forma
de pensar, de sentir, mundana que se faz intérprete da lei.
Também criticaram Jesus por entrar na casa dos publica-
nos - que, segundo eles, eram pecadores - e por comer com
eles, com pecadores, porque a pureza da lei não o permitia
(cf. Mt 9, 10-11); Ele não lavou as mãos antes do almoço
(cf. Mt 15, 2.20). É esta repreensão que causa sempre a divi-
são: este é o aspeto importante que eu gostaria de enfatizar.
Há ideias, posições que provocam divisão, a ponto
de a divisão ser mais importante do que a unidade. A mi-
nha ideia é mais importante do que o Espírito Santo que
nos guia. Há um cardeal “emérito” que vive aqui no Va-
ticano, um pastor bom, que dizia aos seus fiéis: “Sabeis
que a Igreja é como um rio? Alguns estão mais deste lado,
outros do outro, mas o importante é que todos estejam
dentro do rio”. Tal é a unidade da Igreja. Ninguém fora,
todos dentro. Depois, com as peculiaridades: isto não divi-
de, não é ideologia, é lícito. Mas por que a Igreja tem esta
amplidão de rio? Porque o Senhor assim o quer.
No Evangelho, o Senhor diz-nos: « Ainda tenho ou-
tras ovelhas, que não são deste aprisco; também as devo
360
conduzir, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um só reba-
nho e um só pastor » (Jo 10, 16). O Senhor diz: “Tenho ove-
lhas por toda a parte e sou o pastor de todas”. Em Jesus,
este todas é muito importante. Pensemos na parábola da
festa de casamento (cf. Mt 22, 1-10), quando os convida-
dos não queriam participar: um porque tinha comprado
um campo, outro porque se casara... todos deram uma ra-
zão para não ir. E o senhor zangou-se e disse: « Ide, pois,
às encruzilhadas e convidai para as bodas todos os que
encontrardes » (v. 9). Todos. Grandes e pequenos, ricos e
pobres, bons e maus. Todos. Este “todos” é um pouco a
visão do Senhor que veio para todos e morreu por todos.
“Mas será que Ele também morreu por aquele miserável
que me tornou a vida impossível?”. Morreu também por
ele. “E por aquele bandido?”. Morreu por ele. Por todos.
E também pelas pessoas que não acreditam nele ou são de
outra religião: morreu por todos. Isto não significa que de-
vemos fazer proselitismo: não. Mas Ele morreu por todos,
justificou todos.
Aqui em Roma havia uma senhora, uma mulher
bondosa, a professora [Maria Grazia] Mara, que quando
estava em dificuldade por muitos motivos, e quando ha-
via divisões, dizia: “Cristo morreu por todos: vamos em
frente!”. A capacidade construtiva. Temos apenas um
Redentor, só uma unidade: Cristo morreu por todos. Ao
contrário, a tentação... Paulo também a sofreu: “Eu sou de
Paulo, eu sou de Apolo, eu sou deste, eu sou do outro...”
361
(cf. 1 Cor 3, 1-9). E pensemos em nós, há cinquenta anos,
no pós-Concílio: as divisões que a Igreja sofreu. “Eu sou
deste lado, penso assim, tu pensas de outro modo...”. Sim,
é legítimo pensar assim, mas na unidade da Igreja, sob o
Pastor Jesus.
Duas considerações. A repreensão dos apóstolos a
Pedro, porque entrou na casa de pagãos e Jesus que diz:
“Eu sou pastor de todos”. Eu sou pastor de todos. E que
diz: « Ainda tenho outras ovelhas que não são deste apris-
co; também as devo conduzir, e elas ouvirão a minha voz,
e haverá um só rebanho » (cf. Jo 10, 16). É a oração pela
unidade de todos os homens, porque todos, homens e mu-
lheres, todos nós temos um só Pastor: Jesus.
Que o Senhor nos livre daquela psicologia da divi-
são, da separação, e nos ajude a ver isto em Jesus, este
grande aspeto de Jesus, pois nele somos todos irmãos e Ele
é o pastor de todos. Que hoje, esta palavra: todos, todos, nos
acompanhe ao longo do dia.
363
Terça-feira, 5 de maio de 2020
Santa Missa68
Introdução
Rezemos hoje pelas pessoas que morreram devido à
pandemia. Faleceram sozinhas, sem a carícia dos seus en-
tes queridos, e muitas nem sequer tiveram o funeral. Que
o Senhor as receba na glória.
365
Há atitudes que precedem a confissão de Jesus. Tam-
bém para nós, que fazemos parte do rebanho de Jesus. São
como “antipatias prévias”, que não nos deixam ir em fren-
te no conhecimento do Senhor. A primeira de todas são as
riquezas. Muitos de nós, que entramos pela porta do Se-
nhor, paramos e não continuamos porque vivemos presos
nas riquezas. O Senhor era severo em relação às riquezas:
foi muito duro, deveras severo. A ponto de dizer que era
mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do
que um rico entrar no reino dos Céus (cf. Mt 19, 24). Isto
é duro! A riqueza é um impedimento para ir em frente.
Mas será necessário cair no pauperismo? Não! Mas não
sejamos escravos da riqueza, não vivamos para a riqueza,
pois a riqueza é um senhor, é o senhor deste mundo e não
podemos servir a dois senhores (cf. Lc 16, 13). As riquezas
aprisionam-nos!
Outra atitude que nos impede de ir em frente no co-
nhecimento de Jesus, na pertença de Jesus, é a rigidez: a ri-
gidez do coração. Também a rigidez na interpretação da
Lei. Jesus repreende os fariseus, os doutores da Lei, por
causa desta rigidez (cf. Mt 23, 1-36). Isto não é fidelidade:
a fidelidade é sempre um dom a Deus; a rigidez é uma
segurança para mim. Lembro-me que, certa vez, entrei na
paróquia e uma senhora - uma senhora bondosa - aproxi-
mou-se de mim e disse: “Padre, um conselho...” - “Diga-
-me...” - “Na semana passada, sábado, não ontem, no sába-
do passado, fomos a um casamento de família: celebrado
366
com uma missa. Era sábado à tarde, e pensamos que com
aquela missa tínhamos cumprido o preceito do domingo.
Mas depois, a caminho de casa, pensei que as leituras para
aquela missa não eram as de domingo. E assim percebi
que estou em pecado mortal, porque no domingo não fui
à missa, dado tinha ido no sábado, mas a uma missa que
não era verdadeira, porque as leituras não eram verdadeiras”.
Esta rigidez... E aquela senhora pertencia a um movimen-
to eclesial... Rigidez. Isto afasta-nos da sabedoria de Jesus,
da sabedoria de Jesus; tira a liberdade. Muitos pastores
fazem crescer esta rigidez na alma dos fiéis, e esta rigidez
não nos deixa entrar pela porta de Jesus (cf. Jo 10, 7). Será
mais importante observar a lei tal como está escrita, ou
como eu a interpreto, que é a liberdade de ir em frente
seguindo Jesus?
Outra atitude que não nos deixa ir em frente no co-
nhecimento de Jesus é a preguiça. Aquele cansaço... pense-
mos naquele homem na piscina: 38 anos ali (cf. Jo 5, 1-9).
Preguiça. Tira-nos a vontade de continuar e tudo se resu-
me em “sim, mas... não, agora não, mas...”, isto leva-nos à
tibieza, torna-nos tíbios. A preguiça... é outra atitude que
nos impede de continuar.
Outra atitude que já é suficientemente negativa é
a clericalista. O clericalismo coloca-se no lugar de Jesus,
dizendo: “Não, isto deve ser assim e assado...” - “Mas, o
Mestre...” - “Deixa o Mestre em paz. Isto é assim e assado,
se não fizeres isto assim, não podes entrar”. Um clericalis-
367
mo que tira a liberdade de fé dos crentes. É uma doença
terrível na Igreja: a atitude clericalista.
Depois, outra atitude que nos impede de ir em fren-
te, de entrar para conhecer Jesus e confessar Jesus, é o es-
pírito mundano. Quando a observância da fé, a prática da
fé acaba na mundanidade. E tudo é mundano. Pensemos
na celebração de alguns sacramentos em certas paróquias:
quanta mundanidade existe! E a graça da presença de Je-
sus não é bem compreendida.
Estas são as causas que nos impedem de fazer parte
das ovelhas de Jesus. Somos “ovelhas” [no seguimento] de
todas estas atitudes: das riquezas, da preguiça, da rigidez,
da mundanidade, do clericalismo, das modalidades, das
ideologias, das formas de vida. Não há liberdade. E não se
pode seguir Jesus sem liberdade. “Mas às vezes a liberda-
de vai além e alguém escorrega”: sim, é verdade. É verda-
de! Podemos escorregar, caminhando com liberdade. Mas
o pior é escorregar antes de partir, com estas atitudes que
impedem de começar a caminhar.
Que o Senhor nos ilumine para ver dentro de nós se
existe a liberdade de passar pela porta, que é Jesus, e de ir
além de Jesus para ser rebanho, para ser ovelhas do seu
rebanho.
369
Quarta-feira, 6 de maio de 2020
Santa Missa69
Introdução
Rezemos hoje pelos homens e mulheres que traba-
lham nos meios de comunicação social. Nesta época de
pandemia, arriscam tanto e o trabalho é muito. Que o Se-
nhor os ajude nesta obra de transmitir, sempre, a verdade.
Homilia- Ter a coragem de ver as nossas trevas, para que a luz do
Senhor entre e nos salve
Este excerto do Evangelho de João (cf. Jo 12, 44-50)
mostra-nos a intimidade de Jesus com o Pai. Jesus fazia o
que o Pai lhe disse. E por isso afirma: « Quem crê em mim,
crê, não em mim, mas naquele que me enviou » (v. 44).
Depois especifica a sua missão: « Eu sou a luz que veio ao
mundo, para que todo aquele que crê em mim não perma-
neça nas trevas » (v. 46). Apresenta-se como luz. A missão
de Jesus é iluminar: a luz. Ele próprio disse: « Eu sou a luz
do mundo » (Jo 8, 12). O profeta Isaías tinha profetizado
esta luz: « O povo que andava nas trevas viu uma grande
luz » (Mt 4, 16; cf. Is 9, 1). A promessa da luz que iluminará
o povo. E a missão dos apóstolos também é levar a luz.
Paulo disse isto ao rei Agripa: « Fui escolhido para ilumi-
nar, para levar a luz - que não é minha, é de outrem - mas
para levar a luz » (cf. At 26, 18). É a missão de Jesus: levar a
luz. E a missão dos apóstolos é levar a luz de Jesus. Ilumi-
nar. Porque o mundo estava nas trevas.
371
Mas o drama, é que a luz de Jesus foi rejeitada. Já
no início do Evangelho, João o diz claramente: « Veio para
o que era seu, e os seus não o receberam. Eles amavam
mais as trevas do que a luz » (cf. Jo 1, 9-11). Habituar-se
às trevas, viver na escuridão: não sabem aceitar a luz, não
podem; são escravos das trevas. E esta será a luta de Jesus,
que continua: iluminar, levar a luz que nos mostra tudo
como é, como está; mostra-nos a liberdade, a verdade, o
caminho por onde ir, com a luz de Jesus.
Paulo viveu esta experiência da passagem das trevas
para a luz, quando o Senhor o encontrou no caminho de
Damasco. Ficou cego. Cegou. A luz do Senhor cegou-o. E
então, alguns dias depois, com o batismo, ele recuperou a
luz (cf. At 9, 1-19). Ele teve esta experiência da passagem
da escuridão em que estava, para a luz. É também a nossa
passagem, que sacramentalmente recebemos no batismo:
por isso o batismo foi chamado, nos primeiros séculos, Ilu-
minação (cf. São Justino, Apologia, 1, 61, 12), porque oferecia
a luz, “fazia entrar”. Por isso na cerimónia de batismo
damos uma vela acesa, um círio aceso ao pai e à mãe, para
que o menino, a menina, seja iluminado, iluminada.
Jesus traz a luz. Mas o povo, as pessoas, o seu povo
não o recebeu. Está tão habituado às trevas que a luz o
ofusca, não sabe como caminhar (cf. Jo 1, 10-11). E este é
o drama do nosso pecado: o pecado cega-nos e nós não
conseguimos tolerar a luz. Os nossos olhos estão doentes.
E Jesus diz claramente, no Evangelho de Mateus: « Se, po-
rém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso.
Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes
serão tais trevas! » (cf. Mt 6, 22-23). As trevas... E a conver-
são é passar das trevas para a luz.
Mas quais são as coisas que adoecem os olhos, os
olhos da fé? Os nossos olhos estão doentes: quais são as
coisas que “os fazem adoecer”, que os cegam? Os vícios,
o espírito mundano, a soberba. Os vícios que “te derrubam”
e também, estas três atitudes - os vícios, a soberba, o espí-
372
rito mundano - levam-te a asociar-te com os outros para
permaneceres seguro nas trevas. Falamos frequentemente
das máfias; é isto. Mas há “máfias espirituais”, há “má-
fias domésticas”, sempre à procura de outra pessoa para
se proteger e permanecer na escuridão. Não é fácil viver
na luz. A luz faz-nos ver tantas coisas negativas dentro de
nós que não queremos ver: vícios, pecados... Pensemos nos
nossos vícios, na nossa soberba, no nosso espírito munda-
no: estas coisas cegam-nos, afastam-nos da luz de Jesus.
Mas se começarmos a pensar nestas atitudes, não en-
contraremos uma parede, não: encontraremos uma saída,
porque o próprio Jesus diz que Ele é a luz: « Vim, não para
condenar o mundo, mas para o salvar » (cf. Jo 12, 46-47). Je-
sus, a luz, diz: « Tende coragem: deixai-vos iluminar, deixai-
-vos ver pelo que tendes dentro, porque sou eu quem vos
conduz para a frente, quem vos salva. Não condeno. Eu
salvo-vos » (cf. v. 47). O Senhor salva-nos da escuridão que
temos dentro, das trevas da vida quotidiana, da vida social,
da vida política, da vida nacional e internacional... há muitas
trevas dentro de nós. E o Senhor salva-nos. Mas pede-nos
que as vejamos primeiro; que tenhamos a coragem de ver as
nossas trevas, para que a luz do Senhor entre e nos salve.
Não tenhamos medo do Senhor: é muito bom, é
manso, está próximo de nós. Ele veio para nos salvar. Não
tenhamos medo da luz de Jesus.
Santa Missa70
Introdução
Ontem recebi uma carta de um grupo de artistas:
agradeciam a oração que fizemos por eles. Gostaria de pe-
dir ao Senhor que os abençoe porque os artistas nos fazem
compreender o que é a beleza e sem a beleza o Evangelho
não pode ser compreendido. Rezemos mais uma vez pelos
artistas.
375
Cantamos a história de David: « Encontrei David, meu ser-
vo » (v. 21). Mateus (cf. 1, 1-14) e Lucas (cf. 3, 23-38) fazem
o mesmo: quando começam a falar de Jesus, citam a sua
genealogia.
O que está por detrás de Jesus? Há uma história.
Uma história de graça, uma história de eleição, uma his-
tória de promessa. O Senhor escolheu Abraão e caminhou
com o seu povo. No início da Missa, no canto inicial, disse-
mos: « Quando avançastes, Senhor, diante do vosso povo
e abristes o caminho e caminhastes ao lado do vosso povo,
perto do vosso povo ». Há uma história de Deus com o seu
povo. E é por isso que quando pediram a Paulo que expli-
casse o porquê da fé em Jesus Cristo não começa a partir de
Jesus Cristo: começa com a história. O cristianismo é uma
doutrina, sim, mas não só. Não são apenas as coisas em
que acreditamos: é uma história que carrega esta doutrina
que é a promessa de Deus, a aliança de Deus, ser eleito
por Deus. O cristianismo não é apenas uma ética. Sim, de
facto, tem princípios morais, mas não se é cristão apenas
com uma visão de ética. É mais do que isso. O cristianis-
mo não é uma “elite” de pessoas escolhidas pela verdade.
Este sentido elitista que depois vai em frente na Igreja, não
é? Por exemplo, eu pertenço a esta instituição, pertenço a
este movimento que é melhor do que o vosso. Este, aque-
le. É um sentido elitista. Não, o Cristianismo não é isto:
o Cristianismo é pertença a um povo, a um povo escolhi-
do livremente por Deus. Se não tivermos esta consciência
de pertença a um povo seremos cristãos ideológicos, com
uma pequena doutrina de afirmação da verdade, uma éti-
ca, uma moral - está bem - ou uma elite. Sentimo-nos parte
de um grupo escolhido por Deus - os cristãos - os outros
irão para o inferno ou se forem salvos é pela misericórdia
376
de Deus, mas eles são os descartados... E assim por diante.
Se não tivermos a consciência de pertença a um povo, não
somos verdadeiros cristãos.
É por isso que Paulo explica Jesus desde o início, co-
meçando pela pertença a um povo. E muitas vezes, mui-
tas, caímos nestas parcialidades, sejam elas dogmáticas,
morais ou elitistas, não é verdade? O sentido da elite é o
que nos faz muito mal e perdemos o sentido de pertencer
ao santo povo fiel de Deus, que Deus elegeu em Abraão e
prometeu, a grande promessa, Jesus, e o fez prosseguir com
esperança, fazendo aliança com ele. Consciência de povo.
Impressiona-me sempre o trecho do Deuteronómio,
acho que é o capítulo 26, quando diz: « Uma vez por ano,
quando fores apresentar as tuas oferendas ao Senhor, as
primícias, e quando o teu filho te perguntar: “Pai, por
que fazes isto?”, não lhe deves dizer: “Porque Deus man-
dou”, não: “Éramos um povo, éramos assim, e o Senhor
nos libertou...” » (cf. Dt 26, 1-11). Contar a história, como
fez Paulo. Transmitir a história da nossa salvação. O pró-
prio Senhor no Deuteronómio aconselha: « Quando che-
gares à terra que não conquistaste, que eu conquistei, e
comeres os frutos que não plantaste, e habitares as casas
que não construíste, quando deres a oferta » (cf. Dt 26,
1), recita - o famoso credo deuteronómico -: « Arameu,
prestes a perecer, foi meu pai, e desceu ao Egito » (Dt 26,
5). Permaneceu ali durante 400 anos, depois o Senhor li-
bertou-o, levou-o adiante. Canta a história, a memória de
povo, de ser um povo.
E nesta história do povo de Deus, até Jesus Cristo,
havia santos, pecadores e muitas pessoas comuns e boas,
com virtudes e pecados, todos. A famosa “multidão” que
seguia Jesus, que tinha a intuição de pertencer a um povo.
377
Um cristão auto-intitulado que não tem esta intuição não
é um verdadeiro cristão; é um pouco particular e sente-se
justificado sem o povo. Pertencer a um povo, ter memória
do povo de Deus. E isto foi ensinado por Paulo, Estêvão,
outra vez Paulo, os Apóstolos... E o conselho do autor da
Carta aos Hebreus: « Lembrai-vos dos vossos antepassa-
dos » (cf. Hb 11, 2), isto é, daqueles que nos precederam
neste caminho de salvação.
Se alguém me perguntasse: “Na sua opinião qual é
o desvio dos cristãos hoje e sempre? Qual é o desvio mais
perigoso dos cristãos”, diria sem dúvida: a falta de memó-
ria de pertença a um povo. Quando falta isto, surgem os
dogmatismos, os moralismos, os eticismos, os movimen-
tos elitistas. Falta o povo. Um povo pecador sempre, todos
somos, mas que em geral não errado, que tem a intuição
de ser povo eleito, que caminha atrás de uma promessa e
que estabeleceu uma aliança que talvez não cumpra, mas
tem consciência dela.
Pedir ao Senhor esta consciência de povo, que Nossa
Senhora cantou tão lindamente no seu Magnificat (cf. Lc 1,
46-56), que Zacarias cantou tão bem no seu Benedictus (cf.
vv. 67-79), cânticos que rezamos todos os dias, de manhã
e à noite. Consciência de povo: nós somos o povo santo e
fiel de Deus que, na sua maioria, como diz o Concílio Vati-
cano I, e depois o II, tem a intuição da fé e é infalível nesta
forma de acreditar.
379
Sexta-feira, 8 de maio de 2020
Santa Missa71
Introdução
Hoje é o Dia Mundial da Cruz Vermelha e da Meia-
-Lua Vermelha. Rezemos pelas pessoas que trabalham
nestas instituições beneméritas: que o Senhor abençoe o
seu trabalho, feito de modo tão bom.
71
Liturgia da Palavra: At 13,26-33; Sl 2; Jo 14,1-6. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/_BCQD-7bcD0?t=732
381
E neste trecho do Evangelho vemos que o Senhor
consola sempre na proximidade, com a verdade e na esperan-
ça. São as três caraterísticas da consolação do Senhor. Na
proximidade, nunca distante: estou aqui. Que bonita expres-
são: “Estou aqui”. “Estou aqui convosco”. E muitas vezes
em silêncio. Mas sabemos que Ele está presente. Ele está
sempre presente. A proximidade, que é o estilo de Deus,
também na Encarnação, significa que está próximo de nós.
O Senhor consola na proximidade. E não usa palavras va-
zias, aliás, prefere o silêncio. A força da proximidade, da
presença. Ele fala pouco. Mas está próximo.
Uma segunda caraterística da proximidade de Jesus,
da sua maneira de consolar, é a verdade: Jesus é verdadei-
ro. Não profere palavras formais, que são mentiras: “Não,
não te preocupes, tudo passará, nada acontecerá, passará,
as coisas passam...”. Não! Ele diz a verdade. Não esconde
a verdade. Porque neste trecho Ele mesmo diz: « Eu sou a
verdade! » (cf. Jo 14, 6). E a verdade é: “Vou-me embora”,
ou seja: “Morrerei” (cf. Jo 2-3). Estamos perante a morte. É
a verdade. E Ele diz isto de forma simples e também com
mansidão, sem ferir: estamos diante da morte. Ele não es-
conde a verdade.
E eis a terceira caraterística: Jesus consola na esperan-
ça. Sim, é um momento difícil. Mas « não se perturbe o vos-
so coração; (...) crede também em mim » (v. 1). Assim diz
Jesus: « Na casa de meu Pai há muitas moradas; (...) Vou
preparar-vos um lugar (v. 2). Ele será o primeiro a abrir as
portas; as portas daquele lugar por onde todos nós passa-
remos, assim espero: « Voltarei e levar-vos-ei comigo, para
que onde Eu estiver estejais também vós » (v. 3). O Senhor
volta sempre que um de nós está a caminho para partir
deste mundo. « Virei e levar-vos-ei»: a esperança. Ele virá,
382
pegar-nos-á pela mão e levar-nos-á. Ele não diz: “Não, não
sofrerás, não é nada...”. Não! Diz a verdade: “Estou próxi-
mo de vós, esta é a verdade: é um mau momento, de peri-
go, de morte. Não se perturbe o vosso coração, permane-
cei na paz, naquela paz que é a base de toda a consolação,
pois virei e vos levarei pela mão para onde Eu estiver”.
Não é fácil deixar-se consolar pelo Senhor. Muitas ve-
zes, nos maus momentos, ficamos zangados com o Senhor
e não permitimos que Ele nos fale assim, com esta doçura,
com esta proximidade, com esta mansidão, com esta ver-
dade, com esta esperança.
Peçamos a graça de aprender a deixar-nos consolar
pelo Senhor. A consolação do Senhor é verdadeira, não
engana. Não se trata de anestesia, não. Mas ela está próxi-
ma, é verdadeira e abre-nos as portas da esperança.
383
Sábado, 9 de maio de 2020
Santa Missa72
Introdução
Hoje comemora-se Santa Luísa de Marillac [a memó-
ria litúrgica é celebrada no dia 15 de março mas, tendo
aquele dia coincidido com o tempo de Quaresma, foi trans-
ferida para hoje]. Rezemos pelas irmãs vicentinas que diri-
gem este ambulatório, este “hospital”, há quase 100 anos
[trata-se do Dispensário Pediátrico Santa Marta, gerido pelas
religiosas da Congregação das Filhas da Caridade], e tra-
balham aqui, em Santa Marta, para este “hospital”. Que o
Senhor abençoe as irmãs!
72
Liturgia da Palavra: At 13,44-52; Sl 97; Jo 14,7-14. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/6UG6JM60TkM?t=773
385
Na passagem dos Atos dos Apóstolos (cf. 13, 44-52)
sentimos alegria: toda a cidade de Antioquia está reunida
para ouvir a palavra do Senhor porque Paulo e os após-
tolos pregavam com vigor, e o Espírito ajudava-os. « En-
tão os judeus, vendo a multidão, encheram-se de inveja e,
blasfemando, contradiziam o que Paulo pregava » (v. 45).
Por um lado, há o Senhor, há o Espírito Santo que faz a
Igreja crescer, e cresce cada vez mais, isto é verdade. Mas,
por outro, há o espírito maligno que procura destruir a
Igreja. Foi sempre assim, é sempre assim. Continua-se,
mas depois vem o inimigo que tenta destruir. A longo
prazo o balanço é sempre positivo, mas quanto esforço,
quanta dor, quanto martírio!
Isto aconteceu em Antioquia, e acontece em toda a
parte no Livro dos Atos dos Apóstolos. Pensemos, por
exemplo, em Listra, quando chegaram e curaram [um pa-
ralítico] e todos acreditavam que eram deuses e queriam
fazer sacrifícios, e todo o povo estava com eles (cf. At 14,
8-18). Depois vieram os outros e convenceram-nos de que
não era assim. E como acabaram Paulo e o seu companhei-
ro? Apedrejados (cf. At 14, 19). Sempre uma luta. Pense-
mos no mago Élimas, e no modo como agiu para impedir
que o Evangelho chegasse ao procônsul (cf. At 13, 6-12).
Pensemos nos senhores daquela jovem vidente: explora-
vam-na, porque ela “lia as mãos” e recebia o dinheiro que
depois ia parar nos bolsos dos senhores. E quando Pau-
lo e os apóstolos demonstraram que aquilo era mentira,
que não era bom, revoltaram-se imediatamente contra eles
(cf. At 16, 16-24). Pensemos nos artesãos da deusa Artemis
386
[em Éfeso], que perderam o comércio porque não podiam
vender as estatuetas, pois as pessoas já não as compravam,
porque se tinham convertido. E assim, um após o outro.
Por um lado, a Palavra de Deus que convoca, que faz cres-
cer; por outro, a perseguição, a grande perseguição que
acaba por os afastar, pois espancavam-nos...
E qual é o instrumento do diabo para destruir a pro-
clamação do Evangelho? A inveja. O Livro da Sabedoria
diz claramente: « Pela inveja do diabo o pecado entrou no
mundo » (cf. 2, 24) - inveja, ciúme. Sempre este sentimento
amargo, amargo. Estas pessoas viram como o Evangelho
foi pregado e ficaram zangadas, isto roía-lhes o fígado de
raiva. E esta raiva impeliu-os: é a raiva do diabo, a raiva
que destrói, a raiva daquele “crucifica, crucifica!”, daquela
tortura de Jesus. Ele quer destruir. Sempre, sempre!
Vendo esta luta, aplica-se também a nós o belo dita-
do: « A Igreja prossegue entre as consolações de Deus e as
perseguições do mundo » (cf. Santo Agostinho, De Civitate
Dei, XVIII, 51, 2). A uma Igreja que não enfrenta qualquer
dificuldade falta algo. O diabo está demasiado calmo. E se o
diabo está calmo, as coisas não correm bem. Sempre a difi-
culdade, a tentação, a luta... O ciúme que destrói. O Espírito
Santo faz a harmonia da Igreja, e o espírito maligno destrói.
Até hoje, até hoje. Sempre esta luta. Um instrumento deste
ciúme, desta inveja, são os poderes temporais. Aqui diz-se
que « os judeus instigaram algumas mulheres religiosas e
honestas » (At 13, 50). Foram ter com aquelas mulheres e
disseram: “Eles são revolucionários, expulsai-os!”. As mu-
lheres falaram com as outras e expulsaram-nos: eram as
387
“mulheres piedosas” da nobreza e também as notáveis da
cidade (cf. v. 50). Recorreram ao poder temporal, pois o
poder temporal pode ser bom: as pessoas podem ser boas,
mas o poder enquanto tal é sempre perigoso. O poder do
mundo contra o poder de Deus move tudo isto; e por trás,
por detrás do poder está sempre o dinheiro.
O que acontece na Igreja primitiva: o trabalho do Es-
pírito para construir a Igreja, para harmonizar a Igreja, e
o trabalho do espírito maligno para a destruir, e o uso de
poderes temporais para impedir a Igreja, para destruir a
Igreja, é apenas uma continuação do que aconteceu na ma-
nhã da Ressurreição. Vendo aquele triunfo, os soldados
foram ter com os sacerdotes, e os sacerdotes “compraram”
a verdade que assim foi “silenciada” (cf. Mt 28, 11-15).
Desde a primeira manhã da Ressurreição, triunfo de Cris-
to, está presente esta traição, este “silenciar” a palavra de
Cristo, “silenciar” o triunfo da Ressurreição com o poder
temporal: os chefes dos sacerdotes e o dinheiro.
Tenhamos cuidado, tenhamos cuidado com a prega-
ção do Evangelho: nunca caiamos na confiança dos pode-
res temporais e do dinheiro. A confiança dos cristãos é Je-
sus Cristo e o Espírito Santo por Ele enviado! E o Espírito
Santo é o fermento, a força que faz crescer a Igreja! Sim,
a Igreja vai em frente, em paz, com resignação, jubilosa:
entre as consolações de Deus e as perseguições do mundo.
389
Domingo, 10 de maio de 2020
Santa Missa73
Introdução
Nestes últimos dois dias, houve duas comemorações:
o 70º aniversário da Declaração de Robert Schuman, que
deu início à União Europeia, e também a comemoração do
fim da guerra. Hoje peçamos ao Senhor pela Europa, para
que cresça unida, na unidade da fraternidade que faz com
que todos os povos cresçam em unidade na diversidade.
Homilia-Orar é caminhar com Jesus para o Pai que nos dará tudo
Neste trecho do Evangelho (cf. Jo 14, 1-14), discur-
so de despedida de Jesus, Ele diz que vai para o Pai. Diz
que estará com o Pai e que também quem acredita nele
« fará também as obras que Eu faço, e ainda maiores do
que estas, porque vou para junto do Pai. E tudo o que pe-
dirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei, para que o Pai
seja glorificado no Filho. Qualquer coisa que pedirdes ao
Pai em meu nome, vo-lo farei » (vv. 12-14). Podemos dizer
que este excerto do Evangelho de João é a declaração de
ascensão ao Pai.
O Pai esteve sempre presente na vida de Jesus, e Je-
sus falava sobre isto. Jesus anunciava o Pai. Falou muitas
vezes do Pai que cuida de nós, como cuida dos passari-
nhos, dos lírios do campo... o Pai. E quando os discípu-
73
Liturgia da Palavra: At 2,36-41; Sl 32; 1Pe 2,4-9; Jo 20,11-18.
Para o vídeo da celebração: https://youtu.be/avYUDyzDSBw?t=805
391
los queriam aprender a orar, Jesus ensinou-os a rezar ao
Pai: « Pai nosso » (Mt 6, 9). Ele vai [dirige-se] sempre ao
Pai. Mas neste trecho é muito forte; é como se abrisse as
portas da omnipotência da oração. « Porque estou no Pai, e
o Pai em mim: pedi e Eu farei tudo, mas porque o Pai o
fará comigo » (cf. Jo 14, 11). Confiança no Pai: confiança
no Pai, que é capaz de fazer tudo. Esta coragem de rezar,
porque rezar exige coragem! É preciso a mesma coragem,
a mesma franqueza para pregar: a mesma. Pensemos no
nosso pai Abraão, quando ele - creio que se diz - “nego-
ciava” com Deus para salvar Sodoma (cf. Gn 18, 20-33): “E
se houvesse menos e menos e menos?...”. Realmente, ele
sabia “negociar”. Mas sempre com coragem: “Perdoa-me,
Senhor, mas dá-me um desconto: um pouco menos, um
pouco menos...”. Sempre a coragem de lutar na oração,
porque rezar é lutar: lutar com Deus. E então, Moisés: as
duas vezes que o Senhor quis destruir o povo (cf. Êx 32,
1-35; cf. Nm 11, 1-3) e fazê-lo líder de outro povo, Moisés
disse: “Não!”. Disse não ao Pai! Com coragem! Mas se fores
e rezares assim - [sussurra uma oração tímida] - isto é fal-
ta de respeito! Orar é caminhar com Jesus para o Pai que
te dará tudo. Coragem na oração, franqueza na oração. A
mesma que é necessária para a pregação.
E na primeira leitura ouvimos este conflito nos pri-
meiros tempos da Igreja (cf. At 6, 1-7), porque os cristãos
de origem grega murmuravam - murmuravam, fazia-se
isto já naquela altura: pode-se ver que é um hábito da
Igreja... - murmuravam porque as suas viúvas, os seus ór-
fãos não eram bem tratados; os apóstolos não tinham tem-
po para fazer muitas coisas. E Pedro [com os apóstolos],
iluminado pelo Espírito Santo, “inventou”, por assim di-
392
zer, os diáconos. « Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete
homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de
sabedoria, aos quais confiaremos este importante ofício »
(cf. At 6, 2-4). O diácono é o guardião do serviço na Igre-
ja. « De modo que estas pessoas, que têm motivos para
reclamar, sejam bem atendidas nas suas necessidades, e
nós - diz Pedro, nós ouvimos - perseveraremos na ora-
ção e no ministério da palavra » (cf. v. 5). Esta é a tarefa
do bispo: rezar e pregar. Com esta força que ouvimos no
Evangelho: o bispo é o primeiro que vai ao Pai, com a
confiança que Jesus deu, com a coragem, com a parrésia,
para lutar pelo seu povo. A primeira tarefa de um bispo
é rezar. Pedro disse: “Perseveraremos na oração e no mi-
nistério da palavra”.
Conheci um sacerdote, um santo pároco, um homem
bondoso, que quando encontrava um bispo cumprimenta-
va-o bem, de modo muito amável, e fazia sempre esta per-
gunta: “Excelência, quantas horas por dia reza o senhor?”,
e acrescentava sempre: “Pois a primeira tarefa é rezar”.
Porque é a oração do chefe da comunidade pela comuni-
dade, a intercessão ao Pai, para que ampare o povo.
A oração do bispo, a primeira tarefa: rezar. E o povo,
vendo que o bispo reza, aprende a orar. Porque o Espírito
Santo nos ensina que é Deus quem “age”. Nós fazemos
um pouco, mas é Ele que “age” na Igreja, e é a oração que
leva a Igreja em frente. E por isso os líderes da Igreja, di-
gamos assim, os bispos, devem ir em frente com a oração.
As palavras de Pedro são proféticas: “Que os diáconos
façam tudo isto, para que as pessoas sejam bem cuidadas e
resolvam os seus problemas e também as suas necessidades.
Mas a nós, bispos, a oração e a proclamação da Palavra”.
393
É triste ver bons bispos, pessoas bondosas, ocupa-
dos com muitas coisas, a economia, isto, isso e aquilo... A
oração em primeiro lugar. Depois, as outras coisas. Mas
quando as outras coisas tiram espaço à oração, algo não
funciona. E a oração é forte pelo que ouvimos no Evan-
gelho de Jesus: « Vou para junto do Pai. E tudo o que pe-
dirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei, para que o Pai
seja glorificado » (Jo 14, 12-13) É assim que a Igreja vai em
frente, com a oração, a coragem da oração, porque a Igreja
sabe que não pode sobreviver sem esta ascensão ao Pai.
Regina Caeli74
V1o9PnFE
394
palavras que ele dirigiu aos discípulos no final da Última
Ceia, pouco antes de enfrentar a Paixão. Num momento
tão dramático, Jesus começou por dizer: « Não se turve o
vosso coração » (v. 1). Ele diz-nos isto também a nós, nos
dramas da vida. Mas como fazer para que o coração não se
turve? Porque o coração perturba-se.
O Senhor aponta dois remédios para a perturbação. O
primeiro é: « Crede também em mim » (v. 1). Pareceria um
conselho um pouco teórico e abstrato. Em vez disso, Jesus
quer dizer-nos algo exato. Ele sabe que, na vida, a pior an-
siedade, a perturbação, vem da sensação de não estar à al-
tura, de se sentir sozinho e sem pontos de referência diante
do que acontece. Esta angústia, em que a uma dificuldade
se junta outra, não pode ser superada sozinha. Precisamos
da ajuda de Jesus, e para isso Jesus nos pede para termos fé
n’Ele, ou seja, para não nos apoiarmos em nós mesmos, mas
n›Ele. Pois a libertação da perturbação passa pela confian-
ça. Confiar-nos a Jesus, dar o “salto”. E esta é a libertação
da perturbação. E Jesus ressuscitou e vive precisamente
para estar sempre ao nosso lado. Então podemos dizer-
-lhe: “Jesus, eu creio que ressuscitaste e que estás ao meu
lado. Penso que me ouves. Apresento-te o que me pertur-
ba, os meus problemas: tenho fé em ti e entrego-me a ti”.
Depois há um segundo remédio para a perturbação,
que Jesus expressa com estas palavras: « Na casa do meu
Pai há muitas moradas. [...] Vou preparar-vos um lugar »
(v. 2). Foi isto que Jesus fez por nós: reservou-nos um lu-
gar no Céu. Ele tomou sobre Si a nossa humanidade para
a levar além da morte, para um novo lugar, o Céu, a fim
de que, onde Ele estiver, estejamos nós também. É a certe-
za que nos consola: há um lugar reservado para cada um.
Também há um lugar para mim. Cada um de nós pode
395
dizer: há um lugar para mim. Não vivemos sem meta nem
destino. Somos esperados, somos preciosos. Deus está
apaixonado por nós, nós somos seus filhos. E para nós
preparou o lugar mais digno e belo: o Paraíso. Não esque-
çamos: a morada que nos espera é o Paraíso. Aqui estamos
de passagem. Somos feitos para o céu, para a vida eter-
na, para viver para sempre. Para sempre: é algo que ago-
ra nem sequer podemos imaginar. Mas é ainda mais belo
pensar que tudo isto será para sempre em alegria, em plena
comunhão com Deus e com os outros, sem mais lágrimas,
sem rancores, sem divisões nem perturbação.
Mas como chegar ao Paraíso? Qual é o caminho? Esta é
a frase decisiva de Jesus. Hoje ele diz: « Eu sou o caminho » (v.
6). Para subir ao Céu o caminho é Jesus: é ter uma relação viva
com Ele, imitá-lo no amor, seguir os seus passos. E eu, cristão,
tu, cristão, cada um de nós cristãos, podemos perguntar a nós
mesmos: “Que caminho sigo?”. Há caminhos que não levam
ao Céu: os caminhos da mundanidade, os caminhos da auto-
-afirmação, os caminhos do poder egoísta. E há o caminho de
Jesus, o caminho do amor humilde, da oração, da mansidão,
da confiança, do serviço aos outros. Não é o caminho do meu
protagonismo, é o caminho de Jesus, protagonista da minha vida.
É ir em frente todos os dias perguntando-lhe: “Jesus, o que
achas desta minha escolha? O que farias nesta situação, com
estas pessoas?”. Far-nos-á bem perguntar a Jesus, que é o ca-
minho, as indicações para o Céu. Que Nossa Senhora, Rainha
do Céu, nos ajude a seguir Jesus, que abriu o Paraíso para nós.
397
Segunda-feira, 11 de maio de 2020
Santa Missa75
Introdução
Unamo-nos hoje aos fiéis de Termoli, na festa da
Descoberta do corpo de São Timóteo. Nestes dias, mui-
tas pessoas perderam o trabalho; não foram readmitidas,
trabalhavam sem contrato... Rezemos por estes nossos ir-
mãos e irmãs que sofrem por causa desta falta de trabalho.
Homilia- O Espírito ensina-nos tudo, introduz-nos no mistério, faz-
nos recordar e discernir
O trecho do Evangelho de hoje é [tirado da] despe-
dida de Jesus durante a Ceia (cf. Jo 14, 21-26). O Senhor
conclui com estes versículos: « Eu disse-vos estas coisas,
enquanto estou convosco. Mas o Consolador, o Espírito
Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á to-
das as coisas e recordar-vos-á tudo o que vos tenho dito »
(vv. 25-26). É a promessa do Espírito Santo; o Espírito San-
to que habita connosco e que o Pai e o Filho enviam. « O
Pai enviará em meu nome », disse Jesus, para nos acom-
panhar na vida. E chamam-lhe Paráclito. Esta é a tarefa do
Espírito Santo. Em grego, é o Paráclito que nos sustenta,
que nos ampara para não cairmos, que nos mantém fir-
mes, que está perto de nós para nos apoiar. E o Senhor
prometeu-nos esta ajuda, que é Deus, como Ele: é o Espíri-
to Santo. O que o Espírito Santo faz em nós? O Senhor diz:
75
Liturgia da Palavra: At 2,36-41; Sl 32; Jo 20,11-18. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/J4154cJcZk0?t=829
399
« Ele ensinar-vos-á todas as coisas e recordar-vos-á tudo o
que vos tenho dito » (cf. v. 26). Ensinar e lembrar. Esta é a
tarefa do Espírito Santo. Ele ensina-nos: ensina-nos o mis-
tério da fé, ensina-nos a entrar no mistério, a compreender
um pouco mais o mistério. Ensina-nos a doutrina de Je-
sus e a desenvolver a nossa fé sem cometer erros, porque
a doutrina cresce, mas sempre na mesma direção: cresce
em compreensão. E o Espírito ajuda-nos a crescer na com-
preensão da fé, a entendê-la mais, a compreender o que a
fé diz. A fé não é algo estático; a doutrina não é estática:
cresce. Cresce como as árvores, sempre as mesmas, mas
maiores, com frutos, mas sempre as mesmas, na mesma
direção. E o Espírito Santo impede que a doutrina erre,
impede que permaneça sem crescer em nós. Ele ensinar-
-nos-á tudo o Jesus nos ensinou, desenvolverá em nós a
compreensão do que Jesus nos ensinou, fará com que a
doutrina do Senhor cresça em nós, até à maturidade.
Outra coisa que Jesus diz, e que o Espírito Santo faz,
é recordar: « Recordará tudo o que vos tenho dito » (cf. v.
26). O Espírito Santo é como a memória, Ele desperta-nos:
“Lembra-te disto, lembra-te daquilo”; mantém-nos acor-
dados, sempre atentos sobre as coisas do Senhor e faz-nos
recordar também a nossa vida: “Pensa neste momento,
pensa em quando encontraste o Senhor, pensa em quando
deixaste o Senhor”.
Certa vez ouvi uma pessoa rezar assim diante do Se-
nhor: “Senhor, sou o mesmo que era na infância, na me-
ninice, quando tinha estes sonhos. Depois, enveredei pelo
caminho errado. Agora chamaste-me”. Sou o mesmo: esta
é a memória do Espírito Santo na vida da pessoa. Leva-te à
memória da salvação, à memória do que Jesus te ensinou,
mas também à memória da tua vida. E fez-me pensar - foi
isto que o Senhor disse - numa bonita forma de rezar, de
400
olhar para o Senhor: “Sou o mesmo”. Andei muito, cometi
tantos erros, mas sou o mesmo e Tu amas-me”. A memó-
ria do caminho da vida.
E, nesta memória, o Espírito Santo guia-nos; guia-
-nos para discernir, para discernir o que devemos fazer
agora, qual é o caminho certo e o errado, mesmo nas pe-
quenas decisões. Se pedirmos luz ao Espírito Santo, Ele
ajudar-nos-á a discernir para tomarmos as verdadeiras de-
cisões, as pequenas decisões de cada dia e as decisões mais
importantes. É Ele que nos acompanha, que nos apoia no
discernimento. Ou seja, é o Espírito que nos ensina tudo,
em suma, é Ele que faz crescer a fé, que nos introduz no
mistério, é o Espírito que nos recorda. Lembra-nos a fé,
recorda-nos a nossa vida e, neste ensinamento, nesta me-
mória, é o Espírito que nos ensina a discernir as decisões
que devemos tomar. E aqui os Evangelhos dão um nome
ao Espírito Santo: sim, Paráclito, porque vos sustenta, mas
também outro nome mais bonito: é Dom de Deus. O Espíri-
to é Dom de Deus. O Espírito é precisamente o Dom. Não
vos deixarei sozinhos, enviar-vos-ei um Paráclito que vos
apoiará e vos ajudará a continuar, a recordar, a discernir e
a crescer. O Dom de Deus é o Espírito Santo.
Que o Senhor nos ajude a preservar este Dom que Ele
nos concedeu no Batismo e que todos nós temos dentro!
Santa Missa76
Introdução
Hoje é o dia dos enfermeiros. Enviei ontem uma
mensagem. Rezemos hoje pelos enfermeiros e enfermei-
ras, homens, mulheres, rapazes e moças que exercem esta
profissão, que mais do que uma profissão, é uma vocação,
uma dedicação. Que o Senhor os abençoe. Nesta época da
pandemia, deram um exemplo de heroísmo e alguns per-
deram a vida. Rezemos pelos enfermeiros e enfermeiras.
403
aquisição tua: eu tenho paz. E sem perceber, fechas-te nes-
ta paz, é uma paz para ti, para um, para cada um; é uma
paz sozinha, é uma paz que te deixa calmo, até feliz. E
nesta tranquilidade, nesta felicidade, põe-te a dormir um
pouco, anestesia-te e faz-te ficar contigo mesmo numa
certa tranquilidade. É um pouco egoísta: paz para mim,
fechado dentro de mim. É assim que o mundo a dá (cf. v.
27). É uma paz dispendiosa porque temos de mudar cons-
tantemente os “instrumentos da paz”: quando uma coisa
te entusiasma dá-te paz, depois acaba e tens de encontrar
outra... É dispendiosa porque é provisória e estéril.
Ao contrário, a paz que Jesus dá é algo mais. É uma
paz que vos põe em movimento: não vos isola, põe-vos em
movimento, faz-vos ir ter com os outros, cria comunidade,
cria comunicação. A paz do mundo é dispendiosa, a paz
de Jesus é gratuita, é grátis; é um dom do Senhor: a paz do
Senhor. É fecunda, leva-nos sempre em frente.
Um exemplo do Evangelho que me faz pensar em
que consiste a paz do mundo, é o daquele senhor que ti-
nha celeiros cheios e a colheita daquele ano parecia ser
muito abundante, então pensou: “Mas terei de construir
outros armazéns, outros celeiros para a conter e depois fi-
carei tranquilo... é a minha tranquilidade, com isto posso
viver em paz”. “Insensato, diz Deus, esta noite morrerás”
(cf. Lc 12, 13-21). É uma paz imanente, que não te abre a
porta à vida após a morte. Ao contrário, a paz do Senhor
é aberta, para onde Ele foi, aberta para o Céu, aberta para
o Paraíso. É uma paz fecunda que se abre e também leva
outros contigo para o Paraíso.
Penso que nos ajudará refletir um pouco: qual é a
minha paz, onde encontro a paz? Nas coisas, no bem-es-
tar, nas viagens - mas agora, hoje, não se pode viajar - nos
404
bens, em muitas coisas, ou será que encontro a paz como
um dom do Senhor? É preciso pagar pela paz, ou recebo-a
gratuitamente do Senhor? Como é a minha paz? Quando
me falta alguma coisa, fico zangado? Esta não é a paz do
Senhor. Esta é uma das provas. Estou tranquilo na minha
paz, “adormeço”? Não é do Senhor. Estou em paz e quero
comunicá-la aos outros e levar algo em frente? Esta é a paz
do Senhor! Mesmo em tempos negativos e difíceis, esta
paz permanece em mim? É do Senhor. E a paz do Senhor
é fecunda também para mim, porque é cheia de esperança,
isto é, olha para o Céu.
Ontem - perdoai-me se digo estas coisas mas fazem
parte da vida, e fazem-me bem - ontem recebi uma carta
de um sacerdote, um bom padre, e ele disse-me que eu fa-
lava pouco do Céu, que deveria falar mais. Ele tem razão,
tem razão. É por isso que hoje quis salientar que a paz,
esta paz que Jesus nos dá, é uma paz para agora e para o
futuro. É começar a viver o Céu, com a fecundidade do
Céu. Não se trata de anestesia. A outra, sim: anestesia-te
com as coisas do mundo e quando a dose desta aneste-
sia acaba, procuras outra paz, outra, e outra... Esta é uma
paz definitiva, fecunda e até contagiosa. Não é narcisista,
porque olha sempre para o Senhor. A outra faz com que
olhes para ti, é um pouco narcisista.
Que o Senhor nos conceda esta paz cheia de esperan-
ça, que nos torna fecundos, que nos torna comunicativos
com os outros, que cria comunidade e que olha sempre
para a paz definitiva do Paraíso.
405
Quarta-feira, 13 de maio de 2020
Santa Missa77
Introdução
Oremos hoje pelos estudantes, pelos jovens que estu-
dam e pelos professores que devem encontrar novas mo-
dalidades para dar continuidade ao ensino: que o Senhor
os ajude neste caminho, que lhes dê coragem e também
bom sucesso.
77
Liturgia da Palavra: At 15,1-6; Sl 121; Jo 15,1-8. Para o vídeo
da celebração: https://youtu.be/tNVtbMNcbNQ?t=697
407
ligados à árvore, à videira. É uma necessidade recíproca, é
um permanecer mútuo para dar fruto.
E esta é a vida cristã: é verdade, a vida cristã consiste
em cumprir os mandamentos (cf. Êx 20, 1-11), é isto que se
deve fazer. A vida cristã consiste em percorrer o caminho
das bem-aventuranças (cf. Mt 5, 1-13): é assim que se deve
fazer. A vida cristã consiste em fazer obras de misericór-
dia, como o Senhor nos ensina no Evangelho (cf. Mt 25, 35-
36): é assim que se deve fazer. Mas ainda mais: é este per-
manecer recíproco. Sem Jesus nada podemos fazer, como
os ramos sem a videira. E Ele - que o Senhor me permita
dizê-lo - sem nós parece que nada pode fazer, pois o fru-
to é dado pelo ramo, não pela árvore, pela videira. Nes-
ta comunidade, nesta intimidade de “permanecer” que é
fecunda, o Pai e Jesus permanecem em mim e eu neles.
E qual é – vem-me à mente - a “necessidade” que a
videira tem dos ramos? É dar frutos. Qual é a “necessida-
de” - digamos assim, com um pouco de audácia - qual é a
“necessidade” que Jesus tem de nós? O testemunho. Quan-
do no Evangelho diz que somos luz, afirma: « Sede luz,
para que os homens “vejam as vossas boas obras e deem
glória ao vosso Pai” (Mt 5, 16) », ou seja, o testemunho é a
necessidade que Jesus tem de nós. Dar testemunho do seu
nome, pois a fé, o Evangelho, cresce pelo testemunho.
Este é um modo misterioso: Jesus glorificado no céu,
depois de ter passado pela Paixão, precisa do nosso teste-
munho para fazer crescer, para anunciar, para que a Igreja
cresça. E este é o mistério recíproco do “permanecer”. Ele,
o Pai e o Espírito permanecem em nós, e nós permanece-
mos em Jesus.
Far-nos-á bem pensar e refletir sobre isto: permane-
cer em Jesus; e Jesus permanece em nós. Permanecer em
Jesus para ter a seiva, a força, a justificação, a gratuidade, a
fecundidade. E Ele permanece em nós para nos dar a força
de [dar] fruto (cf. Jo 5, 15), para nos dar a força do testemu-
nho com o qual a Igreja cresce.
408
E interrogo-me: qual é a relação entre Jesus que per-
manece em mim e eu que permaneço nele? É uma relação
de intimidade, uma relação mística, uma relação sem pa-
lavras. “Mas padre, isto é para os místicos!”. Não, isto é
para todos nós. Com pequenos pensamentos: “Senhor, sei
que Tu estás aqui [em mim]: dá-me força e farei o que Tu
me disseres!”. Este diálogo de intimidade com o Senhor.
O Senhor está presente, o Senhor está presente em nós, o
Pai está presente em nós, o Espírito está presente em nós;
permanecem em nós. Mas devo permanecer neles...
Que o Senhor nos ajude a compreender, a sentir esta
mística do permanecer, sobre a qual Jesus insiste tanto, tan-
to, tanto! Muitas vezes nós, quando falamos da videira e
dos ramos, detemo-nos na figura, na profissão do agricul-
tor, do Pai: que aquele [o ramo] que dá fruto é cortado,
isto é, podado, e aquele que não o dá é cortado e lançado
fora (cf. Jo 15, 1-2). É verdade, faz isto, mas não é tudo, não.
Há algo mais. Esta é a ajuda: as provações, as dificuldades
da vida, até as correções que o Senhor nos faz. Mas não
paremos aqui. Entre a videira e os ramos existe este perma-
necer íntimo. Os ramos, nós, precisamos da seiva, a videira
tem necessidade dos frutos, do testemunho.
409
Quinta-feira, 14 de maio de 2020
Santa Missa78
Introdução
O Alto Comité para a Fraternidade Humana convocou
hoje um Dia de oração e jejum para pedir a Deus mise-
ricórdia e piedade neste trágico momento da pandemia.
Somos todos irmãos! São Francisco de Assis dizia: “Todos
irmãos”. E por esta razão, homens e mulheres de todas as
confissões religiosas, unamo-nos hoje em oração e peni-
tência, para pedir a graça da cura desta pandemia.
411
Não esperávamos esta pandemia, ela veio sem que
nós a esperássemos, mas agora está aqui. E muitas pessoas
morrem. Tantas pessoas morrem sozinhas e muitas mor-
rem sem poder fazer nada. Muitas vezes pode vir o pensa-
mento: “Não me atingiu, graças a Deus estou salvo”. Mas
pensa nos outros! Pensa na tragédia e também nas conse-
quências económicas, nas consequências para a educação,
nas consequências... o que acontecerá a seguir. E por isso
todos, irmãos e irmãs de todas as denominações religio-
sas, oremos hoje a Deus. Talvez haja alguém que diga:
“Isto é relativismo religioso e não se pode fazer assim”.
Mas como não se pode fazer assim, rezar ao Pai de todos?
Cada um reza como sabe, como pode, como recebeu da
sua própria cultura. Não rezamos uns contra os outros,
esta tradição religiosa contra aquela, não! Estamos todos
unidos como seres humanos, como irmãos, orando a Deus,
segundo a própria cultura, a própria tradição, as próprias
crenças, mas irmãos e orando a Deus, isto é importante!
Irmãos, jejuando, pedindo perdão a Deus pelos nossos pe-
cados, para que o Senhor tenha misericórdia de nós, a fim
de que o Senhor nos perdoe, para que o Senhor ponha fim
a esta pandemia. Hoje é um dia de fraternidade, olhan-
do para o único Pai: irmãos e paternidade. Dia de oração!
No ano passado, em novembro do ano passado, não
sabíamos o que era uma pandemia: veio como um dilúvio,
chegou de repente. Agora acordamos um pouco. Mas há
muitas outras pandemias que fazem as pessoas morrer e
não nos apercebemos, olhamos para o outro lado. Estamos
um pouco inconscientes perante as tragédias que aconte-
cem no mundo neste momento. Só gostaria de vos citar
uma estatística oficial dos primeiros quatro meses deste
ano, que não fala da pandemia do coronavírus, mas de ou-
tra. Nos primeiros quatro meses deste ano 3,7 milhões de
pessoas morreram de fome. A pandemia da fome. Em quatro
412
meses, quase 4 milhões de pessoas! A oração de hoje, para
pedir ao Senhor que ponha fim a esta pandemia, deve fa-
zer-nos refletir sobre as outras pandemias no mundo. São
muitas! A pandemia das guerras, da fome e muitas ou-
tras. Mas o importante é que hoje - juntos e graças à co-
ragem que este Alto Comité para a Fraternidade Humana
teve - fomos convidados a rezar juntos de acordo com a
nossa tradição e a fazer um dia de penitência, de jejum e tam-
bém de caridade, de ajuda aos outros. Isto é importante! No
livro de Jonas, ouvimos que quando o Senhor viu a reação
do povo - que se tinha convertido - o Senhor arrependeu-
-se, e não fez o que queria fazer.
Deus ponha termo a esta tragédia, que Ele acabe com
esta pandemia. Deus tenha piedade de nós e ponha fim tam-
bém às outras terríveis pandemias: da fome, da guerra, das
crianças sem escola. É isto que pedimos como irmãos, todos
juntos. Deus nos abençoe a todos e tenha piedade de nós!
No final da missa
Gostaria de agradecer ao senhor Tommaso, o técnico
de som que hoje trabalha aqui para a transmissão. Acom-
panhou-nos nestas emissões, trabalha no Dicastério para a
Comunicação e está prestes a aposentar-se, hoje é o último
dia de trabalho. Que o Senhor o abençoe e o acompanhe na
nova etapa da vida.
413
Sexta-feira, 15 de maio de 2020
Santa Missa79
Introdução
Hoje é o Dia mundial da família. Oremos pelas fa-
mílias, para que o Espírito do Senhor, o espírito de amor,
respeito e liberdade, possa crescer nas famílias.
415
O que tinha acontecido? Aqueles cristãos que vie-
ram dos pagãos acreditaram em Jesus Cristo, receberam
o batismo e estavam felizes: receberam o Espírito Santo.
Do paganismo para o cristianismo, sem qualquer etapa
intermédia. Ao contrário, aqueles que eram chamados
“judaizantes” alegavam que não se podia fazer assim. Se
alguém era pagão, primeiro tinha que se tornar judeu,
um bom judeu, e depois tornar-se cristão, para estar na
linha da eleição do povo de Deus. E aqueles cristãos não
compreendiam isto: “Mas como, nós somos cristãos de se-
gunda classe? Não se pode passar diretamente do paga-
nismo para o cristianismo? A ressurreição de Cristo não
dissolveu a lei antiga, levando-a a uma plenitude ainda
maior?”. Estavam perturbados e havia muitas discussões
entre eles. E aqueles que o queriam eram pessoas que,
com argumentos pastorais, teológicos e alguns até morais,
afirmavam que não: que deviam dar aquele passo! E isto
questionava a liberdade do Espírito Santo, até a gratuida-
de da ressurreição e da graça de Cristo. Eram metódicos.
E também rígidos.
Deles, dos seus mestres, dos doutores da Lei, Jesus
dizia: « Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, pois per-
correis mares e terras para fazer um só prosélito; e, quan-
do o conseguis, fazeis dele um filho do inferno duas vezes
pior do que vós mesmos ». Jesus diz mais ou menos isto
no capítulo 23 de Mateus (cf. v. 15). Essas pessoas, que
eram “ideológicas” mais do que “dogmáticas”, “ideológi-
cas”, reduziam a Lei, o dogma, a uma ideologia: “Deve-
-se fazer isto, isso e aquilo”... Uma religião de prescrições,
e com isto tiravam a liberdade do Espírito. E as pessoas
que os seguiam eram rígidas, pessoas que não se sentiam
416
à-vontade, que não conheciam a alegria do Evangelho. A
perfeição do caminho para seguir Jesus era a rigidez: “Há
que fazer isto, isso, aquilo...”. Essas pessoas, esses douto-
res “manipulavam” as consciências dos fiéis, e ou torna-
vam-se rígidos... ou iam embora.
Por esta razão, repito muitas vezes, a rigidez não é do
Espírito bom, porque questiona a gratuidade da redenção,
a gratuidade da ressurreição de Cristo. E isto é algo antigo:
isto repete-se durante a história da Igreja. Pensemos nos
pelagianos, nestes... nesses rígidos famosos. E também no
nosso tempo vimos algumas organizações apostólicas que
pareciam realmente bem constituídas, que funcionavam
bem... mas todas rígidas, todas iguais umas às outras, e
depois ficamos a saber da corrupção que havia dentro, até
nos fundadores.
Onde há rigidez, não há Espírito de Deus, porque o
Espírito de Deus é liberdade. E essas pessoas queriam dar
passos, tirando a liberdade do Espírito de Deus e a gra-
tuidade da redenção: “Para seres justificado, deves fazer
isto, isso e aquilo...”. A justificação é gratuita. A morte e a
ressurreição de Cristo são gratuitas. Não se pagam, não se
compram: são um dom! E eles não queriam fazer isto.
O caminho [o modo de proceder] é bom: os apósto-
los reúnem-se em concílio e no final escrevem uma carta
que começa assim: « Na verdade, pareceu bem ao Espírito
Santo e a nós, não vos impor mais incumbência alguma »
(At 15, 28), e conferem estas obrigações mais morais, de
bom senso: não confundir o cristianismo com o paganis-
mo, com a abstenção da carne oferecida aos ídolos, etc. E
no final, os cristãos que estavam perturbados, reunidos em
assembleia, receberam a carta e « quando a leram, alegra-
417
ram-se pela exortação que ela infundia » (v. 31) . Da per-
turbação à alegria. O espírito de rigidez leva-nos sempre à
perturbação: “Mas será que fiz bem isto? Não o fiz bem?”.
O escrúpulo. O espírito de liberdade evangélica leva-vos
à alegria, porque foi precisamente isto que Jesus fez com a
sua ressurreição: Ele trouxe alegria! O relacionamento com
Deus, a relação com Jesus não é assim, de “fazer coisas”:
“Eu faço isto e tu dás-me aquilo”. Uma relação, digo eu -
perdoai-me Senhor - comercial: não! É gratuito, tal como é
gratuita a relação de Jesus com os discípulos. « Sois meus
amigos » (Jo 15, 14). « Não vos chamo servos, chamo-vos
amigos » (cf. v. 15). « Não fostes vós que me escolhestes,
mas fui Eu que vos escolhi » (v. 16). Tal é a gratuidade!
Peçamos ao Senhor que nos ajude a discernir entre
os frutos da gratuidade evangélica e os frutos da rigidez não
evangélica, e que nos liberte de toda a perturbação daque-
les que colocam a fé, a vida de fé sob as prescrições da ca-
suística, as prescrições que não têm sentido. Refiro-me às
prescrições que não têm sentido, não aos Mandamentos.
Que nos liberte deste espírito de rigidez, o qual nos tira a
liberdade.
419
ÍNDICE
Introdução
421
Palavras do Papa Francisco
Homilias, Angelus, Regina Coeli e mensagens
a partir de 9 de março de 2020
422
– Segunda-feira, 6 de abril de 2020
– Terça-feira, 7 de abril de 2020
– Quarta-feira, 8 de abril de 2020
– Quinta-feira Santa, 9 de abril de 2020
– Sábado, 11 de abril de 2020
– Domingo, 12 de abril de 2020
– Segunda-feira, 13 de abril de 2020
– Terça-feira, 14 de abril de 2020
– Quarta-feira, 15 de abril de 2020
– Quinta-feira, 16 de abril de 2020
– Sexta-feira, 17 de abril de 2020
– Sábado, 18 de abril de 2020
– Domingo, 19 de abril de 2020
– Segunda-feira, 20 de abril de 2020
– Terça-feira, 21 de abril de 2020
– Quinta-feira, 23 de abril de 2020
– Sexta-feira, 24 de abril de 2020
– Sábado, 25 de abril de 2020
– Domingo, 26 de abril de 2020
– Segunda-feira, 27 de abril de 2020
– Terça-feira, 28 de abril de 2020
– Quarta-feira, 29 de abril de 2020
– Quinta-feira, 30 de abril de 2020
– Sexta-feira, 1 de maio de 2020
– Sábado, 2 de maio de 2020
– Domingo, 3 de maio de 2020
– Segunda-feira, 4 de maio de 2020
– Terça-feira, 5 de maio de 2020
– Quarta-feira, 6 de maio de 2020
– Quinta-feira, 7 de maio de 2020
– Sexta-feira, 8 de maio de 2020
– Sábado, 9 de maio de 2020
423
– Domingo, 10 de maio de 2020
– Segunda-feira, 11 de maio de 2020
– Terça-feira, 12 de maio de 2020
– Quarta-feira, 13 de maio de 2020
– Quinta-feira, 14 de maio de 2020
– Sexta-feira, 15 de maio de 2020
Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos
e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter
medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos
temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à
mercê da tempestade. Continua a repetir-nos:
«Não tenhais medo!» (Mt Mt 14, 27). E nós, jun-
tamente com Pedro, «confiamos-Te todas as
nossas preocupações, porque Tu tens cuidado
de nós» (cf. 1 Ped
Ped 5, 7).
ISBN 978-88-266-0422-0
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