Você está na página 1de 12

O trabalho e Valor na Revolução 4.

0
Work and Value in the Revolution 4.0

Breno Augusto de Oliveira Santos

Resumo: A proposta deste artigo é refletir sobre o debate referente o fim do


trabalho e das classes sociais produzidos nos últimos decênios e que se retoma
a partir da Indústria 4.0. Retomaremos as análises de Karl Marx e Gyögy Lukács
sobre a categoria trabalho e valor frente o debate realizado após a última
reestruturação produtiva, o qual enfatizou, como determinante, a tecnologia.
Palavra-chave: Classes sociais; Reestruturação produtiva; Indústria 4.0

Abstract: The purpose of this article is to reflect on the debate regarding the end
of work and the social classes produced in the last decades and which is taken
up from Industry 4.0. We will return to the analyzes of Karl Marx and Gyögy
Lukács on the category of work and value in the debate following the last
productive restructuring, which emphasized, as a determinant, the technology.
Keyword: Social classes; Productive restructuring; Industry 4.0

O problema sociológico: o debate sobre a centralidade do Trabalho e o fim


das classes

Quando Peter Drucker (1974), Alvin Toffler (1973) e Yoneji Masuda (1982)
publicaram suas obras afirmando que havia na década de 1970 uma sociedade
pós-industrial e informacional, os países centrais do capitalismo viviam uma
reestruturação produtiva e, de fato, esse evento mudou as bases produtivas do
capital provocando uma profunda influência nos debates sobre trabalho, teoria
do valor e classes sociais.
As transformações no processo produtivo na década de 1970, com as
novas tecnologias de informação e comunicação (TIC’s), proporcionaram uma
crise para a teoria marxista, e que se aprofundou com as transformações
históricas ocorridas nas décadas subsequentes, como o avanço do
neoliberalismo e o fim da União Soviética. Nesse contexto, o conceito de classes
sociais passou a ser repensado pela sociologia e a ideia do “fim das classes”
tornava-se uma imagem concreta para alguns teóricos contemporâneos (GORZ,
1982; SHAFF, 1990), assim como a categoria trabalho deixaria de ser uma
chave central para entender a sociedade a partir daquele contexto (BELL, 1977,
OFFE, 1989 e 1995; RIFKIN, 1995).
Dessa forma, teorias indicavam uma sociedade pós-industrial e de
serviços (BELL, 1977) e o fim da sociedade pautada na categoria trabalho. Em
vista disso, intelectuais questionavam toda análise marxista que se pautava na
categoria trabalho como elemento chave para compreender a sociedade
capitalista (OFFE, 1989). Assim, toda a sociedade centrada na categoria
trabalho, teria sido abalada com as transformações ocasionadas pela última
reestruturação produtiva, o que teria tornado a categoria classe social
insuficiente para entender sociedades tão heterogêneas como as atuais. Tendo
em vista que a sociedade industrial estaria ultrapassada e “(...) a consciência
social não deve[ria] mais ser reconstruída como consciência de classe”. A
“cultura cognitiva” não estaria mais relacionada ao desenvolvimento das forças
produtivas e os problemas centrais dessa sociedade não poderiam mais ser
respondidos “com base na escassez e na produção de mercadorias”. (OFFE,
1995, p. 194).
Desse modo, com o paradigma produtivo, haveria elementos teóricos para
entender as novas formas de extração de valor? Quais seriam as transformações
do mundo do trabalho? Seria o fim do proletariado ou novas formas de
exploração da força de trabalho?
Para o entendimento desse debate, retomamos as análises do final do
século XX, cujo impacto das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s)
apontavam para o fim de uma sociedade industrial, do trabalho e das classes.
Jeremy Rifkin indicou em meados da década de 1990 que o trabalho estaria
sendo suprimido pelo processo produtivo, sendo substituído pelas tecnologias
de informação e comunicação, ou seja, “máquinas inteligentes estão substituindo
seres humanos em intocáveis tarefas, forçando milhões de trabalhadores de
escritórios e operários para as filas do desemprego ou, pior, para as filas do
auxílio desemprego” (1995, p.3). A noção de trabalho para Rifkin estaria
associado exclusivamente ao emprego, cuja noção econômica é determinada
pela ocupação e o tema é apresentado no capítulo O Fim do Trabalho. Para o
autor, o processo de introdução de tecnologias permitiria o aumento na produção
de mercadorias com um menor número de trabalhadores, o que impactaria
diretamente o trabalho.
Essa análise é apresentada por outros intelectuais, como André Gorz
(1982), que via o desaparecimento da classe operária e o nascimento de “uma
não-classe de não-trabalhadores que prefiguram, no interior mesmo da
sociedade existente, uma não-sociedade na qual as classes seriam abolidas
juntamente com o próprio trabalho e com todas as formas de dominação”
(GORZ, 1982, p. 87). Semelhantemente, Adam Shaff (1990), analisando
criticamente o impacto das TIC’s, indicou que a substituição gradual da força de
trabalho humana pela tecnologia de automatização, suscitada pelo
desenvolvimento industrial, levaria ao desaparecimento da “classe
trabalhadora”, modificando, assim, estruturalmente a ideia que possuímos da
realidade social.
Recentemente, as análises sobre o fim do trabalho e do emprego estariam
suscitadas com afirmações catastróficas diante ao “novo paradigma produtivo”.
Evangelista (2018) afirma que, o relatório do Fórum Econômico Mundial,
realizado em Davos em 2018, indica que milhares de postos de trabalho
desaparecerão devido às novas tecnologias, também denominadas como
Revolução Digital. Entretanto, outras afirmações apontam que, as
transformações ocasionadas pelas reestruturações produtivas conduzem às
novas morfologias do trabalho (ANTUNES, 2018).
Portanto, compreendendo que, nos últimos decênios, o debate sobre o
fim da centralidade ou não do trabalho, gerado a partir da reestruturação
produtiva e pautado no determinismo tecnológico, levaria o fim da classe
trabalhadora, com a queda do emprego na Europa e Estados Unidos (AMORIM,
2006 e ANTUNES, 2009), desconsiderando a noção de classe – para além da
fábrica (THOMPSON, 1987) – e trabalho como categoria fundamental da
existência humana e como produtor de valor (MARX, 1983 e 1985ª). Desse
modo, tentaremos explorar a noção de trabalho no debate do marxismo
lukasciano, compreendendo que, essa noção, estaria para além da produção de
mercadorias e, do mesmo modo, indicar como Karl Marx demonstrava que a
noção de valor ultrapassava o ambiente fabril.
A categoria trabalho em Marx e Lukács
Para a desmistificação da noção de trabalho como algo exterior ao ser, e
fixada à noção economicista, retomaremos as análises de Gyögy Lukács (2013)
e Karl Marx (1983). A gênese da categoria trabalho desenvolvida pelos autores,
compreende-se como categoria central – no que se refere ao entendimento do
que é o “ser” - e intermediária – na relação ser e natureza e a qual possibilitou o
“salto ontológico” pré-humano para o ser social (ANTUNES, 2009).
Essa categoria intermediária denominada como trabalho e que esteve
entre o que foi o pré-humano e o ser social, possibilitou o desenvolvimento de
abstração e conceituação. Foi a partir do trabalho que o “salto ontológico”
ocorreu, numa relação metabólica e física, e que permitiu não somente um
desenvolvimento da abstração e conceituação de si e do universal, mas
“maximiz[ou] o domínio das categorias específicas da esfera da vida sobre
aquelas que baseiam a sua experiência e eficácia na esfera do interior do ser”
(LUKÁCS, 2013, p.42). Dessa forma, o processo entre a abstração e relação
causal, entre o ser e sua relação de transformação da natureza, levou o ser
social, como afirmou Marx, ao afastamento da barreira natural (op.cit., p.42).
Assim, como afirmou Lukács, a categoria trabalho é uma atividade
exclusivamente humana, que compõe a capacidade de abstração,
transformação e finalidade, e, concomitantemente, permitiu esse ser
conceitualizar, produzindo uma forma de entendimento de si e do mundo –
objetivação e universalização. É nesse sentido que o trabalho como fundante do
ser social contrapõe à noção comum e economicista1 e que estaria para além da
produção exclusiva de mercadorias, pois em termos ontológicos, foi o ponto de
partida para a humanização do ser (LUKÁCS, 2013).
Para a ontologia materialista lukacsiana, o trabalho é o centro fundante. A
práxis social só poderia ser realizado por essa categoria, ou seja, o trabalho é a
plataforma da práxis social. Logo, o trabalho como produtor de valores de uso é
“a expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a natureza”
(ANTUNES, 2009, p.139) e, a partir dele, que possivelmente ocorreu a interação
entre os seres da mesma espécie e a transformação do seu meio (natureza).

1 Citamos acima a noção de trabalho para os autores como Rifkin que indicavam o fim das
classes e do trabalho.
Nessa relação, entre o ser e a natureza, intermediada pelo trabalho, que
se processou as variadas reações metabólicas, cujo processo, possivelmente
distanciou o ser social de sua forma originária. Dessa maneira, como afirmou
Marx (1983, p.149), “o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um
processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu
metabolismo com a natureza”.
Qualitativamente, frente sua relação com a natureza, o ser se
desenvolveu diante o meio (natureza) e à si (ser social), passa a conceituar,
elaborar, interpretar o outro e a si mesmo, pois “ao modificá-la, ele modifica, ao
mesmo tempo, sua própria natureza” (MARX, 1883, p.149). Essa modificação se
dá na relação de espelhamento, como momento de reflexão que o ser se
reconhece no outro como ser, possibilitando novas objetividades no ser social.
Assim, compreende-se a noção de espelhamento como a relação imediata entre
o ser e o objeto, o qual permite refletir na consciência do ser uma reelaboração
do entendimento de si e com o meio (natureza). Assim,
A pedra escolhida como instrumento é um ato de consciência que não
possui mais caráter biológico. Mediante a observação e a experiência,
isto é, mediante o espelhamento e a sua elaboração na consciência,
devem ser reconhecidas certas propriedades da pedra que a tornam
adequada ou inadequada para a atividade apreendida. (LUKÁCS,
2013, p.71).

Decerto, o espelhamento em Lukács remete um reflexo condicionado


entre o ser e o objeto, mediado por uma consciência em processo. Seu resultado
teleológico também é a conceitualização. Foi essa conceitualização, definição
que, no sentido hegeliano, permitiu desenvolver a abstração dos objetos, criar e
recriar a partir da auto realização, potencializando, assim, a própria consciência2.
Em suma, entende-se que a afirmação de Marx e Lukács sobre a categoria
trabalho, devendo ser entendida como uma atividade mental e física, e
essencialmente humana, diferenciou-nos das outras espécies, e que essa noção
não é algo fora do ser, mas no interior do ser e que nos permitiu e permite
reelaborar o nosso próprio meio (natureza)3. A questão que se passa na nova

2 Hegel em sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830), indicava como o
processo de conceituar seria a forma de conectar o ser e o mundo. A definição das coisas, o que
permitiria desenvolver a abstração dos objetos, criar e recriar a partir da sua alto realização,
permitiria potencializar a consciência.
3 Lukács (2013) utiliza-se como exemplo a caça no período paleolítico, demonstrando que o

trabalho em sua maneira imediata tem como fim a produção de valores de uso, entretanto, o
morfologia do trabalho é como se “perde a sua condição fundamental de ser
atividade vital humana e torna-se uma atividade estranhada (entfremdete)”
(OLIVEIRA, 2010, p. 78). Nesse sentido, a sociologia do trabalho se debruça em
entender quais são as novas morfologias do trabalho e formas de extração do
valor, cujas produções teóricas sobre o fim do trabalho e das classes
desconsideraram.
O próprio Marx (1983) aponta como o trabalho ultrapassou as épocas
históricas, em diferentes épocas da humanidade e que são marcadas não pelo
que se faz, “mas como e com que meios de trabalho se faz” (p.151). O trabalho
e o trabalhador não desaparecem, transformam-se e modificam o processo e a
história.

Trabalho e valor na era da imaterialidade


Diante uma nova Reestruturação Produtiva, com um impacto na produção
e circulação de mercadorias, a partir da expansão de sistemas como SAP 4, a
introdução da Inteligência Artificial e Indústria 4.05, o tema sobre a centralidade
do trabalho retoma o centro das discussões sociológicas6. O novo impacto, já
anunciado nos anos de 1970, com a introdução das tecnologias de informação
e comunicação, eclodiu no seu mais novo estágio de desenvolvimento. Artigos
jornalísticos produzidos exclusivamente pela Inteligência Artificial 7, assim como

caráter secundário de seu pôr teleológico reflete-se algo mais complexo. O nosso autor
apresenta essa relação da seguinte forma: “É claro que em cada sistema de inter-relações dentro
de um complexo do ser, como também em cada interação, há um momento predominante. Esse
caráter surge uma relação puramente ontológica, independente de qualquer hierarquia do
valor” (2013, p.85). O grifo é meu.
4 SAP é um software integrando um sistema de gestão empresarial e utilizado nas multinacionais

em toda a cadeia administrativa e produtiva, customizando toda a rede industrial, desde a compra
da matéria prima, até a logística da mercadoria.
5 Também conhecida como a Quarta Revolução Industrial, com a automação da produção e que

integra as diferentes tecnologias.


6 A tendência do retorno do debate sociológico sobre a centralidade do trabalho e valor, será

pautado pelas discussões dos fóruns empresariais e econômicos. De acordo o Fórum Econômico
Mundial de 2018, resultando na produção de The Future of Jobs Reports, 75 milhões de
empregos podem ser substituídos com a introdução de novas tecnologias, mas outros estariam
emergindo neste processo de transição. Dessa forma, as transformações indicadas pelo Fórum
Econômico para o processo de produção e circulação de mercadorias tornará um terreno fértil
para os estudos da sociologia do trabalho.
7 Em Singapura foi anunciado a primeira publicação de uma revista produzida pela inteligência

artificial. Para mais: http://g1.globo.com/globo-news/estudio-i/videos/t/todos-os-


videos/v/primeira-revista-feita-por-inteligencia-artificial-e-produzida-em-singapura/7517057/.
obras de arte8, caminhões e carros autônomos9, robotização industrial,
circulação de mercadorias online e até mesmo a noção de educação 4.0, uma
nova reestruturação e que modifica as relações estruturais entre produção,
circulação de mercadorias e força de trabalho.
As reestruturações produtivas não são novidades, Marx já indicava às
tendências da revolução da maquinaria e o expurgo do trabalhador, como forma
de maximização da extração de valor. Para ele, esta seria a tendência do próprio
desenvolvimento da maquinaria que,
(...) por um lado, a constante expulsão de trabalhadores, seja do
interior daquela oficina já mecanizada, seja do interior dos ofícios; por
outro, sua constante reintegração, posto que a partir de um grau
determinado de desenvolvimento da força produtiva, o aumento da
mais-valia só se coloca com a elevação simultânea do número de
trabalhadores ocupados. Esse movimento de atração e expulsão é
característico e representa o constante oscilar da existência do
trabalhador. (MARX, 1994, p.107).

Marx observou e analisou as consequências de uma revolução em curso


do XVIII e XIX, a industrial, com o desenvolvimento da maquinaria e o rearranjo
das formas de apropriação do trabalho e de classe. Esse desenvolvimento não
só substituía gradualmente os trabalhadores, como os tornava-os complementos
do processo produtivo. A morfologia do trabalho daquele contexto levou às
consequências sociais, como o luddismo, um movimento de quebra das
máquinas na Inglaterra nas primeiras décadas do século, e a própria constituição
do movimento operário (HOBSBAWM, 2000). Sobre a reação dos trabalhadores,
Hobsbawm analisa que,
(...) se considerarmos o problema como ele se apresentava ao próprio
trabalhador. Ele estava preocupado, não com o progresso técnico
abstratamente, mas com os problemas gêmeos práticos de impedir o
desemprego e manter o padrão de vida habitual, que incluía fatores
não-monetários tais como a liberdade e a dignidade, bem como os
salários. Assim, não era às máquinas como tal mudança total nas
relações sociais da produção que o ameaçavam. (HOBSBAWM, 2000,
p. 24).

8 Em 2018 obras de arte produzidas pela Inteligência Artificial foram leiloadas. Para mais:
https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2018/08/obra-de-arte-feita-com-
inteligencia-artificial-vai-leilao.html
9 Os Estados Unidos anunciaram em maio deste ano testes com caminhões autônomos no

Serviço Postal (USPS). Os veículos podem percorrer mais de 3 mil quilômetros e haveria durante
os testes a presença humana em suas cabines. Para mais:
https://link.estadao.com.br/noticias/inovacao,em-teste-correios-dos-eua-realizarao-entregas-
com-caminhoes-autonomos,70002837781
Essa morfologia do trabalho, presente no século XIX transformou
radicalmente as relações sociais, com a expansão urbana e a relação entre o
ser social e o seu meio. Marx, habilmente, enfrentou o impacto dessas novas
relações, e via como fundamental para a classe burguesa o contínuo
desenvolvimento das relações de produção.
A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os
instrumentos de produção — ou seja, as relações de produção —, isto
é, o conjunto das relações sociais. A manutenção inalterada do velho
modo de produção era, ao contrário, condição primordial para a
existência de todas as classes industriais anteriores. A transformação
contínua da produção, o abalo ininterrupto de todas as condições
sociais, incerteza e movimento eternos, eis aí as características que
distinguem a época burguesa de todas as demais. (MARX, 2001, p.28)

Marx se debruçou para entender a lógica do desenvolvimento da


maquinaria, e percebeu que ela proporcionava a diminuição do tempo de
trabalho que o trabalhador tinha para produzir para si mesmo, aumentando o
tempo de trabalho que ele teria que produzir para o capitalista. Essa lógica, que
se apresentava como um simples desenvolvimento, atingia o tempo de trabalho
necessário para a produção de mercadorias em excedente, ou seja, a mais valia
relativa, que somente é possível com o desenvolvimento da maquinaria.
A redução do tempo e do trabalhador, ocorre sempre em novas
reestruturações produtivas. Entre as décadas de 1970 e 1980, o impacto das
TIC’s, levaram uma redução do operariado tradicional, mas sua expansão no
setor de serviços. Essa seria uma morfologia que não parou em transmutar,
gerou novas formas de exploração do trabalho e maneiras de extrair valor. Os
aspectos mais negativos indicado pelo Fórum Econômico Mundial é que 47%
dos empregos irão desaparecer10, mas a metamorfose das novas relações
produtivas e de circulação das mercadorias indicam também novas formas de
extração do valor.
Com o avanço do setor de serviços, do trabalho imaterial, as pesquisas a
partir das obras de Karl Marx, referente ao capítulo VI inédito, indicaria
tendências na extração da mais valia e outros capítulos da obra O Capital

10 A referência sobre o impacto da revolução 4.0 encontra-se em César Sanson Debate teórico
sobre o lugar do trabalho na sociedade contemporânea, 2017. Disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/570888-debate-teorico-sobre-o-lugar-do-trabalho-na-
sociedade-contemporanea-em-edicao; e A revolução 4.0 e a lição de Marx, 2018. Disponível
em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/571238-revolucao-4-0-e-a-licao-de-marx.
ensejaria possíveis caminhos de investigação. Marx (1985a) afirmou que a
produção capitalista não seria apenas a produção de mercadorias, mas
“essencialmente” produtora de mais-valia. Desse modo, entende-se que o
“processo de trabalho converter-se-ia no instrumento de valorização” (1985b,
p.87), e o próprio processo de trabalho estaria subsumido pelo capital, seja ele
material ou imaterial. Dava-se, assim, pistas que nem todo trabalho imaterial
seria necessariamente improdutivo, pois, como todo processo de trabalho, tem
como finalidade para o capitalista, a valorização. Dessa maneira, Marx
descreveu que,
Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o
capitalista ou serve à autovalorização do capital. Se for permitido
escolher um exemplo fora da esfera da produção material, então um
mestre escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha
as cabeças das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o
empresário. (MARX, 1985a, p.105-106).

Entende-se, que a teoria do valor em Marx, não diz respeito somente a


coisas, mas a relação à pessoas, processo de trabalho e valorização. Com o
avanço das tecnologias de informação e comunicação (TIC’s), o trabalho
imaterial na produção de softwares, jogos, sistema de informação, possibilitaram
uma nova cadeia de relações produtivas para além da indústria de base, tal como
a venda de serviços em escalas inimagináveis (telemarketing), e que
possibilitaram em novas formas de extração de mais-valor da força de trabalho.
Assim, a cristalização do trabalho – mercadoria -, por um lado, deve gerar valor
de uso e de troca, seja um novo programa da Microsoft ou um jogo consumido
por jovens, por outro, deve alimentar o estômago e a fantasia. O trabalho
imaterial, nesse sentido, foi subsumido para a geração de valor.
O trabalho produtivo não se encerraria, de acordo Marx, entre o
trabalhador e o produto do trabalho, mas numa relação especificamente social,
ou seja, a qual marcaria o trabalhador como o meio de valorização do capital
(MARX, 1985). Assim, a ampliação de novas formas de trabalho imaterial,
possibilitaram novas maneiras de extração de valor (ANTUNES, 2009; SANTOS,
2013), tal como a ampliação do assalariamento do setor de serviços (ANTUNES,
1995) promovendo uma transferência de uma parcela de trabalhadores da
indústria para o referido setor.
Antunes (2009) e Santos (2013) afirmam que os críticos da década de 70
viam a impossibilidade do trabalho imaterial se reproduzir e extrair a mais valia
dos trabalhadores, entretanto, tal crítica não se ajustaria na prática, pois, as
pesquisas indicariam o oposto e, sendo assim, a sociedade pós-moderna,
defendida pelos intelectuais daquela década não se consolidou. Em suma, a
valorização de capital estaria presente em novas formas de exploração da força
de trabalho (D-M-D’) e (Pp – D’) e, entende-se, portanto, que as mudanças
presentes no mundo do trabalho foram respostas a própria crise do capitalismo,
pois, como afirmou Dias (1998) “a história do capitalismo é a história da
“reestruturação produtiva”” e ele precisaria constantemente se reestruturar para
produzir valor.

Considerações finais

Visto que a categoria trabalho deve ser analisada para além da produção
de mercadorias, e para além da noção de emprego, cuja análise economicista e
pautada no determinismo tecnológico colocaria a ideia de fim do trabalho e fim
das classes.
A categoria trabalho em Marx e Lukács é uma noção ampliada, que está
presente na gênese do “ser”, e que permitiu o salto ontológico, ou seja, como
indicou Friedrich Engels (1999), foi o papel do trabalho que levou a
transformação do macaco em homem. Assim, somente o trabalho poderia
produzir o ser social, retirando-o de sua barreira natural para àquele que
transforma o seu meio e a si.
Se trabalho estaria para além da produção de mercadorias, a atividade
humana física e mental, abstrato e concreto, pode estar para além das esféras
da produção e circulação. Mesmo sendo a atividade doméstica ou a do inventor
de garagem, uma obra de um escritor, ou uma arte de rua, atividade que move
e modifica o metabolismo e a relação social. A questão que se abre nessa
afirmação é - o que é o não trabalho?
Entre as formas analisadas pelos autores que afirmaram sobre o fim do
trabalho e das classes, apontavam que, a denominada sociedade industrial,
estaria caminhando para o seu fim, assim como o trabalho e as classes.
Entretanto, partindo da própria análise sobre o fim da sociedade industrial
desconsidera-se a produção global, para além das fronteiras europeias e
estadunidense.
Decerto, tentamos demonstrar como os autores se debruçaram sobre esta
categoria (trabalho), como Karl Marx, que indicava que o processo lógico do
capital é a valorização, ou seja, extrair mais valor, e que o trabalho, estaria para
além de uma noção economicista, pois é algo que permeia a própria gênese
humana, e Lukács, que avançou a noção dessa categoria, a qual possibilitou o
salto ontológico do ser social.
Nesse sentido, caberia entender as transformações dadas com os novos
paradigmas produtivos, formas que atingiriam não somente a subsistência de
homens e mulheres, mas as novas formas de extração do valor e de valorização
do capital. Entender como as classes sociais se configuram nesse novo processo
de transformação das relações de produção.

Referências

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaios sobre a metamorfoses e a


centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora
da Universidade Estadual de Campinas, 1995.

_________. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação


do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.

_________. Privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era


digital. São Paulo : Boitempo, 2018.

BELL, Daniel.O Advento da sociedade pós-industrial:uma tentativa de


previsão social. São Paulo: Cultrix. 1977.

DIAS, Edmundo Fernandes. “Reestruturação produtiva”: forma atual da luta de


classes. Revista Outubro, n.1, 1998.

DRUCKER, Peter F. Uma era de descontinuidade: orientações para uma


sociedade em mudança. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1974.

ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco


em homem. Fonte digital Rocket Edition, 1999.

RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos
empregos e a redução da força global de trabalho. São Paulo: Makron Books,
1995.
GORZ, André. Adeus ao Proletariado: Para além do Socialismo. Rio de Janeiro,
Forense, 1982.

HOBSBAWM, Eric J. Os trabalhadores: estudo sobre a história do operariado.


São Paulo: Paz e Terra, 2000.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural,
vol.1, 1983.

_________. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural,


vol. II, 1985a.

_________. Capítulo VI inédito de O Capital: resultado do processo de


produção imediata. São Paulo: Editora Moraes, 1985b.

_________.Maquinaria e trabalho vivo (os efeitos da mecanização sobre o


trabalhador). Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.1, 1994, p.103-110.
Tradução Jesus Ranieri.

MASUDA, Yoneji. A sociedade da Informação como sociedade pós-


industrial. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1982.

OLIVEIRA, Renato Almeida de. A concepção de trabalho na filosofia do jovem


Marx. Revista Kínesis, Vol. II, n° 03, Abril-2010, p. 72 – 88. Acesso em: 01 de
jun. Disponível em:
https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/6_RenatoAlmei
dadeOliveira.pdf

OFFE, C. Trabalho: a categoria chave da Sociologia? Revista Brasileira de


Ciências Sociais, São Paulo, v.4, n.10, 1989.

SANTOS, Vinícius Oliveira. Trabalho imaterial e teoria do valor em Marx:


semelhanças ocultas e nexos necessários. São Paulo: Editora Expressão
Popular, 2013.

SCHAFF, Adam. A Sociedade Informática. São Paulo: Unesp/Brasiliense,


1990.

THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz


e Terra SA,Vol. I, 1987.

TOFFLER, Alvin. O choque do futuro. São Cristovão, RJ: Editora Artenova,


1973.

Você também pode gostar