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PAULO FREIRE EM DIFERENTES CONTEXTOS:


DIÁLOGOS EDUCATIVOS PARA O ESPERANÇAR

Fernanda dos Santos Paulo


Ricardo Costa de Sousa
(Orgs.)

1
Fernanda dos Santos Paulo
Ricardo Costa de Sousa
(Orgs.)

PAULO FREIRE EM DIFERENTES CONTEXTOS:


DIÁLOGOS EDUCATIVOS PARA O ESPERANÇAR

Editora Livrologia
Chapecó-SC
2021

2
CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL E NACIONAL

Ivo Dickmann - Unochapecó


Ivanio Dickmann - UCS
Jorge Alejandro Santos - Argentina Viviane Bagiotto Botton – UERJ
Francisco Javier de León Ramírez – México Fernanda dos Santos Paulo – UNOESC
Carelia Hidalgo López – Venezuela Cesar Ferreira da Silva – Unicamp
Marta Teixeira – Canadá Tiago Ingrassia Pereira – UFFS
Maria de Nazare Moura Björk – Suécia Carmem Regina Giongo – Feevale
Macarena Esteban Ibáñez – Espanha Sebastião Monteiro Oliveira – UFRR
Quecoi Sani – Guiné-Bissau Adan Renê Pereira da Silva – UFAM
Inara Cavalcanti – UNIFAP
Ionara Cristina Albani - IFRS

Esse livro passou pelo processo de revisão por pares


dentro das regras do Qualis Livros da CAPES

FICHA CATALOGRÁFICA

P331 Paulo Freire em diferentes contextos: diálogos educativos para o esperançar / Fernan-
da dos Santos Paulo, Ricardo Costa de Sousa (Orgs.). – Chapecó: Livrologia,
2021. (Coleção Paulo Freire, v. 6).

ISBN: 978-65-86218-52-7

1. Educação – Ensino. 2. Paulo Freire – 1921-1997. Santos, Fernanda dos. II.


Sousa, Paulo Ricardo Costa de. III. Série.

2021_0094 CDD 370.1 – (Edição 22)

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

© 2021
Permitida a reprodução deste livro, sem fins comerciais, desde que citada a fonte.
Impresso no Brasil.

3
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 6
Fernanda dos Santos Paulo - Ricardo Costa de Sousa

CARTA PEDAGÓGICA: CONVITE À LEITURA ...............................................9


Jaime José Zitkoski

PRIMEIRO BLOCO - PAULO FREIRE E A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL: UMA CONVERSA


A PARTIR DE PAULO FREIRE E CARLOS RODRIGUES BRANDÃO ........13
Adriana Gaio - Fernanda dos Santos Paulo

O ANALFABETISMO EM PAULO FREIRE E NO JORNAL O EXEMPLO:


CONVERGÊNCIAS E TENSÕES .........................................................................22
Ricardo Costa de Sousa - Vanessa Rodrigues Porciuncula

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UM ESTUDO DAS CORRENTES E


TENDÊNCIAS .........................................................................................................35
Elaine Silveira Teixeira Ferreira

SEGUNDO BLOCO - EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR E PAULO FREIRE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS GRÊMIOS ESTUDANTIS: PROPOSTA DE


FORMAÇÃO A PARTIR DOS CÍRCULOS DE CULTURA ............................53
Camila Perez da Silva - Ricardo Gavioli de Oliveira

PAULO FREIRE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO NÃO


ESCOLAR ................................................................................................................65
Elisangela Trevisan - Fernanda dos Santos Paulo

LEVANTAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO


NÃO ESCOLAR (2015-2020) .................................................................................72
Vanessa Pescador

4
CONCEPÇÕES DE CULTURA: UM DIÁLOGO ENTRE PAULO FREIRE E
AUGUSTO BOAL ...................................................................................................83
Caroline Brunoni - Fernanda dos Santos Paulo

EDUCAÇÃO POPULAR E A DANÇA: EDUCAÇÃO ESCOLAR E


EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR ..............................................................................99
Diego Gonçalves - Fernanda dos Santos Paulo

TERCEIRO BLOCO - PAULO FREIRE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: CONVERSANDO COM


PAULO FREIRE ....................................................................................................119
Terezinha Conte Piletti - Fernanda dos Santos Paulo

PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL:


APROXIMAÇÕES OU DISTANCIAMENTOS? ................................................131
Fernanda dos Santos Paulo

A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO ALFABETIZADOR: UM ESTUDO DE


CASO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNOESC .....................................142
Carlos Eduardo Melchiors - Fernanda dos Santos Paulo

CARTA PEDAGÓGICA: PESQUISA, CONTEXTO DA PANDEMIA E


REFLEXÕES ..........................................................................................................155
Terezinha Piletti

ESTÁGIO DOCENTE NO CURSO DE PEDAGOGIA: UM RELATO


REFLEXIVO DA DISCIPLINA ―ESTUDOS TEÓRICO-PRÁTICOS DA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS‖ .........................................................161
Andreia Simão

ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS E PAULO FREIRE: O QUE HÁ NAS


PUBLICAÇÕES BRASILEIRAS ATUALMENTE? .............................................173
Maiara Elis Lunkes - Fernanda dos Santos Paulo

CARTA-POSFÁCIO: PEDAGOGIA DO ESPERANÇAR .................................186


Ivo Dickmann

ÍNDICE REMISSIVO E ONOMÁSTICO ......................................................... 189


SOBRE OS AUTORES E AUTORAS .................................................................195

5
Apresentação

Não é, porém, a esperança um cruzar de braços e esperar.


Movo-me na esperança enquanto luto e,
se luto com esperança, espero (FREIRE, 2013, p. 87)1.

Em Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire inscreve a esperança como uma


categoria potente do diálogo, logo, condição necessária para que homens e mulhe-
res possam criar outro futuro. É, então, a partir dessa necessidade ontológica, do
esperançar que os organizadores e colaboradores desta obra reuniram um conjun-
to de produções intelectuais em homenagem a Paulo Freire no seu centenário de
nascimento. São produções que instigam o debate sobre a vida e obra de Paulo
Freire demonstrando sua caminhada de resistência e esperança, por todas as partes
do mundo e, inscritas em todas as áreas do conhecimento.
Nesse conjunto da obra, um qualitativo e quantitativo volume de pes-
quisas culmina em reflexões pertinentes e urgentes neste contexto histórico, políti-
co, econômico e de saúde sanitária, dada a pandemia do Convid-19. Isso significa
que não estamos a esperançar de braços cruzados, mas estamos a esperançar lutan-
do, na militância, nos encontros formativos, na produção da ciência. É por meio
desta última que socializamos pesquisas relacionadas à teoria e a prática, todas
com inspiração em Paulo Freire, nosso Patrono da Educação brasileira, atacado
desde o golpe 2016, quando a presidenta Dilma Rousseff foi destituída do seu
cargo, golpe que abalou a democracia, os direitos do povo. Desde então, o legado
de Paulo Freire é posto em suspeição por uma corrente conservadora, ao tentar
frear as possibilidades de acesso da classe popular ao conhecimento produzido no
mundo e a transformação social.
Em Pedagogia da autonomia2, Paulo Freire aborda que o trabalho educa-
tivo é motivado pelo compromisso com a transformação social, acompanhado pelo
prazer, pela amorosidade e alegria. Dessa forma, provocados pelas obras de Paulo
Freire e pelo movimento em defesa do seu legado, nosso ―Grupo de Estudos e
Pesquisa Paulo Freire e Educação Popular‖ juntamente com o projeto de pesquisa
em andamento ―Memória e História da Educação Popular a partir do levantamen-
to e catalogação das cartas de Carlos Rodrigues Brandão: contribuições para a

1
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2013.
2
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.

6
Pedagogia Latino-americana‖ apresentam esta obra intitulada ―Paulo Freire em
diferentes contextos: diálogos educativos para o esperançar‖.
O título anunciado tem a intenção de socializar e refletir a contribuição
de Freire a partir de uma diversidade de contextos, abordagens, perspectivas, dis-
cursos e temas, voltados a diálogos educativos formativos em aberto para o espe-
rançar. Dada nossa inconclusão, de seres aprendentes enquanto seres neste mun-
do.
Essa produção se situa entre os anos de 2020 e 2021, período em que
estamos realizando um conjunto de atividades como Oficinas Pedagógicas a partir
do projeto de pesquisa acima intitulado, cujo tema principal é a Educação Popu-
lar, oferecemos Seminários via Programa de Pós-Graduação em Educação da Uni-
versidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), para os cursos de Mestrado e
Doutorado, com o tema História da Educação Popular, Paulo Freire, memórias da
Educação popular a partir de Carlos Rodrigues Brandão, Pesquisas Participantes e
Cartas Pedagógicas.
Cabe registrar que realizamos Projetos de Extensão juntamente com a
Associação de Educadores Populares de Porto Alegre, vinculada ao Movimento de
Educação Popular. Todo esse debate oportunizou a organização junto aos Fóruns
de Educação de Jovens e Adultos da região Sul, o Colóquio Paulo Freire. Atual-
mente contamos com a parceria do CEAAL: Conselho de Educação Popular da
América latina e Caribe, no qual participamos da Campanha Latino-Americana e
Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire.
Esta obra será distribuída gratuitamente, no formato de e-book, como
forma de socializar o trabalho que está sendo realizado na UNOESC, bem como
em outras universidades parceiras desta produção, a partir de Paulo Freire e da
Educação Popular. A ideia de elaboração desta obra é originária da campanha em
defesa do legado de Paulo Freire e da militância na Educação Popular. Dessa for-
ma, esta obra está estruturada em catorze capítulos 3, no qual, aqui apresentaremos
em três blocos de discussão.
No primeiro bloco, temos três textos, o primeiro, ―A história da Educa-
ção Popular no Brasil: uma conversa a partir de Paulo Freire e Carlos Rodrigues
Brandão‖; o segundo, ―O analfabetismo em Paulo Freire e no jornal O Exemplo:
convergências e tensões; e, o terceiro, ―Educação de Jovens e Adultos: um estudo
das correntes e tendências‖. Em seu conjunto, esse bloco discute, em termos ge-
rais, contribuições de Paulo Freire para a História da Educação.

3
Os organizadores desta obra registram que cada autor e autora são responsáveis pelo conteúdo, revi-
são, dados e conceitos inscritos em cada capítulo, bem como da exatidão das referências bibliográficas e
da conduta ética.

7
Para o segundo bloco, temos cinco textos, o primeiro, ―Participação po-
lítica dos grêmios estudantis: proposta de formação a partir dos círculos de cultu-
ra‖; o segundo, ―Paulo Freire e as práticas pedagógicas na educação não escolar‖; o
terceiro, ―Levantamento de teses e dissertações sobre a educação não escolar
(2015-2020)‖ o quarto, ―Concepções de cultura: um diálogo entre Paulo Freire e
Augusto Boal‖; e, o quinto, ―Educação Popular e a dança: educação escolar e edu-
cação não escolar‖. Em seu conjunto, esse bloco discute experiências e estudos
sobre Educação Não Escolar e aproximações com Paulo Freire.
Por último, no terceiro bloco, temos seis textos, o primeiro ―Formação
continuada de professores - conversando com Paulo Freire‖; o segundo, ―Paulo
Freire e a educação superior no Brasil: aproximações ou distanciamentos?‖; o
terceiro, ―A formação do pedagogo alfabetizador: um estudo de caso do curso de
pedagogia da UNOESC‖; o quarto, ―Carta pedagógica: pesquisa, contexto da
pandemia e reflexões‖; o quinto, ―Estágio docente no curso de Pedagogia: um
relato reflexivo da disciplina ―estudos teórico-práticos da Educação de Jovens e
Adultos‖; e, o sexto, ―Estágios supervisionados e Paulo Freire: o que há nas publi-
cações brasileiras atualmente?‖. Em seu conjunto, esse bloco discute a presença do
Paulo Freire na Educação Superior.
Em resumo, a obra expõe diversas posições e/ou formações política, de
militantes engajados socialmente e de educadores e educadoras populares por
meio da reflexão dialógica de diferentes realidades com a presença do esperançar
de nosso Patrono. Nesse sentido, os colaboradores e as colaboradoras desta obra
aprofundam estudos a partir das obras de Freire e seus interlocutores, como Car-
los Rodrigues Brandão, intelectual que tem participado intensamente de nossas
pesquisas e das comemorações do centenário do Paulo Freire.
Por fim, agradecemos ao CNPq pelo financiamento da pesquisa, aos co-
laboradores e colaboradoras e as instituições parceiras, bem como ao apoio técnico
de Carlos Eduardo Melchiors.

Fernanda dos Santos Paulo


Ricardo Costa de Sousa
Organizadores

8
Carta pedagógica: convite à leitura

Jaime José Zitkoski

Em primeiro lugar parabenizo aos organizadores desse E-book pela temá-


tica e reflexões oportunizadas nessa coletânea de textos e com esse objetivo de
socializar as pesquisas na comemoração do centenário de nascimento de Paulo
Freire. Parabéns a todas as autoras e autores dos textos trazidos a público nesse
livro.
Nosso mestre nos inspira a reinventarmos o mundo numa perspectiva
crítico-humanizadora. Nesse horizonte, Freire será sempre atual até quando tiver-
mos um mundo desigual, injusto e opressor. E essa realidade da denúncia freirea-
na continua saltando a nossos olhos. Só não vê quem não quer, ou quem já anes-
tesiou sua consciência com os mecanismos da naturalização da violência que nos
desumaniza a todos.
A pedagogia freireana é movimento crítico de denúncia das mazelas hu-
manas que deixam nosso mundo feio e triste. Mas, para além da denúncia está a
esperança e a luta para construirmos um mundo melhor, mais belo e feliz.
É este o propósito dos textos que constituem a presente publicação. Faço
votos que cada leitora e cada leitor possa se inspirar com profundidade e ousadia
nessa luta para, através da educação, termos um futuro para nós e para as novas
gerações. Pois, o legado freireano é do Ser Mais, da Esperança, da Luta por justiça
e para construir possibilidades de mais qualidade de vida para todos indistinta-
mente.
É nessa perspectiva que considero importante concebermos que as ideias
e a pedagogia freireana, além de estarem vivas, devem servir de fermento a nós
todos: estudantes, educadores, pesquisadores e agentes políticos, na busca de
transformar a realidade injusta e desumana na qual todos os cidadãos e cidadãs
brasileiros encontram-se inseridos. Ao debater sobre a obra e o legado freireano,
estamos fazendo Paulo Freire manter-se vivo e estar presente conosco, sendo nossa
inspiração no sonho de um mundo com justiça, democracia, amorosidade, respei-
to aos direitos humanos e paz entre os diferentes povos com suas culturas diferen-
tes, mas complementares.
Uma ótima leitura a tod@s e que os textos sejam para nos inspiras em
ações concretas para a feitura de um mundo existencialmente mais humanizado e
feliz.

9
10
PRIMEIRO BLOCO
***
Paulo Freire e a
História da Educação

11
12
A história da Educação Popular no Brasil:
uma conversa a partir de Paulo Freire
e Carlos Rodrigues Brandão

Adriana Gaio
Fernanda dos Santos Paulo

Falar de Educação Popular é reconhecer que no Brasil há diferentes


educações. A trajetória da Educação Popular no Brasil já foi contada em muitos
livros e teses, tais como Brandão (2006), Gadotti (1994), Freire e Nogueira (2001),
Paulo (2018), Paiva (1973) entre outros. Neste capítulo vamos trazer reflexões
teórico-metodológicas a partir de estudos bibliográficos, visando entender a ex-
pressão ―educação popular‖ nas cartas de Brandão, tema da nossa pesquisa. É
interessante observar que o uso da Educação Popular tem a ver com a construção
de uma educação para o povo brasileiro.

O ―popular‖ não é tomado aqui somente como um adjetivo de teor ideológico, mas
consideramos as condições materiais concretas das pessoas. Seguidos censos nacio-
nais do IBGE têm demonstrado que entre mendigos, desempregados crônicos, famí-
lias abaixo do nível social da pobreza segundo critérios da ONU, trabalhadores sub-
metidos a salários mínimos, as pessoas populares somam cerca de 2/3 das e dos brasi-
leiros. (BRANDÃO; ASSUMPÇÃO, 2009, p.88).

Também diz respeito, segundo Paulo (2018), com o processo de luta pe-
la educação pública com diferentes vertentes: marxista, liberal, entre outras. Ainda
em conformidade com Paulo (2018) a Educação Popular tem muitos sentidos e
significados, inclusive como sinônimo de educação pobre para pobre. Mas a nossa
intenção é apresentar, brevemente, a história da Educação Popular já socializada,
para que a partir desta pesquisa possamos publicizá-la por meio das cartas de
Brandão.
Nos apropriarmos da história da Educação Popular é reconhecer a pos-
sibilidade de uma educação para o povo, e com o povo que lutou contra a aliena-
ção e dominação das classes populares. Na obra Educação na cidade (1991), Freire
afirma que lutar pela educação popular significa construir ferramentas e formas de

13
implementar um sistema de participação das classes populares na construção de
uma escola e sociedade, verdadeiramente, democrática.
Entender o cenário da trajetória da Educação Popular é aproximar-se
do longo período percorrido pelos movimentos históricos e políticos da constru-
ção de uma educação pública, não somente para elites. Daí surge, sobretudo a
partir da década de 1920, a discussão do Estado como garantidor do direito à
educação. Muitos governos criaram políticas que incluíram as camadas populares
nos bancos escolares. (SAVIANI, 2013). Segundo Brandão (2006) o momento da
luta pela escola pública foi influenciado por ideais franceses, norte-americanos e
tinha seus fundamentos em dois princípios: a educação escolar não era só um
direito de todos os cidadãos; e, o segundo modificações fundamentais nas formas e
na qualidade da participação de inúmeros brasileiros para a melhoria dos indica-
dores de nossa situação de atraso e pobreza; através da escola pública, laica e gra-
tuita. O movimento da época era a luta pelo acesso e a democratização da educa-
ção para todos, devido à alta taxa de analfabetismo no país.

A Educação Popular no Brasil começa com a preocupação de escolarização, mais pre-


cisamente, nos anos de 1920, trinta e um anos após o período republicano ... o censo
de 1920 mostrava a existência de 1.030.752 alunos matriculados, com frequência de
678.684, para uma população total do país de quase 30 milhões de habitantes, o que
significa que – se considerarmos a população total do país – o nível de atendimento
escolar era quase o mesmo que em 1909 (1973, p. 84). O Movimento de luta pela
democratização da escola pública se articula para exigir o direito ao acesso à educação
a todos os cidadãos tendo em vista o alto índice do analfabetismo. (BRANDÃO; AS-
SUMPÇÃO, 2009, p.16).

Ao descrever o trabalho pedagógico dos primeiros missionários no Bra-


sil, o sociólogo e educador Fernando de Azevedo (1894-1974) associa o ensino
escolar que os jesuítas deram a crianças indígenas, mestiças e brancas com o de
uma Educação Popular no país.

Do período colonial até o final do século XIX, propostas ou experiências tratadas


como Educação Popular eram praticamente inexistentes, salvo atividades e ações de
cristianização praticadas por jesuítas e outros religiosos, com cunho ―educativo‖ e in-
tuito de colonizar os indígenas e, posteriormente, os negros escravizados. No entanto,
em ambos os casos não se tratava de acesso ao sistema formal de ensino, estando
mais próximo de um processo de aculturação, principalmente buscando a adoção da
língua portuguesa e da religião cristã por parte destes povos explorados pelos coloni-
zadores europeus. (PICCIN; BETTO, 2018, p.13).

14
Para Paulo, esse tipo de sentido ao popular é compreendido como ―edu-
cação popular, cristão-instrumental (PAULO, 2018, p.177, Grifos da autora). No ano
de 1930, com a expansão da urbanização/industrialização, fez com que os donos
das empresas construíssem escolas de alfabetização para os funcionários, para que
eles soubessem ler e escrever. Juntamente com a necessidade de escolarização dos
trabalhadores, houve movimentos em prol da valorização da cultura popular e de
uma educação para o povo e pelo povo, não como instrução somente. Um dos
movimentos que lutaram em defesa da educação dos trabalhadores foi o movi-
mento anarquista (PAULO, 2013). É importante salientar que, foi no início da
década de 1900, que surgiram os primeiros movimentos com características de
sindicatos no Brasil. Naquela época, com a intenção de formação aos trabalhado-
res, estes movimentos, desenvolveram uma metodologia chamada de Roda de
Prosa, visando construir espaços de conversas sobre a vida (futebol, família, traba-
lho, etc.), até chegar nos assuntos referentes a fábrica e a educação.
Segundo Teixeira (2012) e Ferraro (2002), pesquisas apontavam que
nos anos de 1960, cerca de 40% da população brasileira era analfabeta. Nesse
período, o analfabeto não tinha direito a voto, ou seja, metade da população brasi-
leira era impedida de participar das escolhas políticas. Nesse contexto, a alfabetiza-
ção popular se tornou um instrumento de luta política e de busca de direitos,
tendo como ferramenta a popularização da cultura do próprio povo. Nesta época,
surgiram diversos movimentos favoráveis à Educação Popular. Na carta de Bran-
dão, escrita em 1980, verificamos o trabalho realizado pelo Movimento de Educa-
ção de Base dos anos de 1960, via a ala progressista da Igreja Católica. Eles desen-
volviam atividades de Educação e alfabetização Popular:

Figura 1 Carta que Carlos Rodrigues Brandão recebeu em 1980.

Fonte: Acervo de Cartas - Paulo e Brandão (documentos inéditos).

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Na década de 1960, emerge fortemente a ideia de cultura popular, pela
valorização e promoção de uma cultura produzida pelo próprio povo e não uma
cultura que tem por objetivo perpetuar a dominação do povo. Como lemos no
fragmento da carta acima, a Educação Popular de cunho crítico tem origem no
trabalho realizado pelas pastorais e Movimentos de Educação de Base, espalhados
pelo país. Identificamos que a cultura popular era a base da Educação Popular e
que a escolarização popular estava associada à politização (―uma arma de luta a
mais‖).
Ou seja, nesta época se fortalece a visão de que todos e todas produzem
cultura, principalmente na interação um com o outro, no diálogo e aprendendo
coletivamente. No livro Educação como prática da liberdade, reafirma que ―o movi-
mento de educação popular serviu [...] muito mais à mobilização que à manipula-
ção, que sempre criticou de maneira bastante clara. (FREIRE, 1967, p.24). Assim,
se pretendia que as classes populares produzissem e tivessem acesso à cultura, mas
sem ser através de uma cultura que reproduz a visão opressora que fortalece a
situação social de dominação e desigualdade.

[...] o MCP de Pernambuco desenvolveu suas atividades a partir de 1960. Entre se-
tembro de 1961 e fevereiro de 1963 realizou uma experiência de educação pelo rádio
com recepção organizada em escolas experimentais, e para a qual foi preparado o Li-
vro de Leitura do MCP, transmitindo programas de alfabetização (50 a 60 minutos
de aulas noturnas durante os dias úteis) e de educação de base (10 a 20 minutos). Aos
sábados e domingos eram feitas transmissões musicais e teatrais por intermédio da
Divisão do Teatro do MCP ou levados ao ar as novelas gravadas pela SIRENA. (PAI-
VA, 1973, p. 238).

Nesse sentido, o que passa a ser defendido, a partir da criação dos centros
de cultura, é a reinvenção da cultura a favor das classes populares e não como um
mecanismo que as mantém em condição subalterna, nas palavras de Brandão
(2008). Ainda, conforme Brandão, ―uma prática cultural libertadora deveria en-
volver trabalho intelectual de reelaboração dos elementos ideológicos da tradição
de um povo‖ (2001, p. 28).Nasce o Centro Popular de Cultura (CPC) 1961-1964
incentivando e valorizando a cultura a partir do conhecimento através das experi-
ências de trabalho com os saberes das classes populares. Foi o primeiro movimento
que produziu festas folclóricas, oficinas de leitura, teatro e cinema.

Os Movimentos de Cultura Popular que, em menor escala que os CPCs, também se


multiplicaram pelo país, se originaram no MCP de Recife, criado em maio de 1960 e
ligado à Prefeitura de Recife. O movimento nasceu da iniciativa de estudantes uni-

16
versitários, artistas e intelectuais pernambucanos que se aliaram ao esforço da prefei-
tura da capital no combate ao analfabetismo e elevação do nível cultural do povo,
buscando também aproximar a juventude e a intelectualidade do povo. (PAIVA,
1973, p. 236).

Concernente a citação de Paiva e as experiência de Educação Popular,


observamos que os Movimentos de Cultura Popular são sujeitos importantes na
história da Educação Popular. Em trocas de e-mail entre Fernanda dos Santos
Paulo e Carlos Rodrigues Brandão, ele diz ―Existem pelo menos umas 3 a 4 teses
de doutorado sobre o MEB-Nacional (Osmar Fávero e Luiz Eduardo Wanderley)
[...] teve Escolas Radiofônicas do MEB dedicadas à alfabetização de adultos.
(BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa com Cartas e Verbetes. dom., 19 de jul.
Disponível em fernandaeja@yahoo.com.br)4. Isto é, ale destes relatos alguns temas,
experiências e ideias educacionais constam nas cartas de Carlos Rodrigues Bran-
dão. Abaixo apresentamos uma correspondência que discorre de atividades reali-
zadas por ele.

Figura 2 Carta que Carlos Rodrigues Brandão recebeu em 1978.

Fonte: Acervo de Cartas - Paulo e Brandão (documentos inéditos)

Considerando o contexto de intervenções militares da época que res-


tringia os movimentos pela educação, tentando extinguir lutas pelas e das classes
populares em conversa com Brandão, Paulo relata que ele dissera que muitas car-
tas foram queimadas por conta das perseguições políticas, como podemos conferir
abaixo:

4
Os e-mails fazem parte da Pesquisa da professora Fernanda Paulo, minha orientadora – projeto do
qual faço parte. Por conta da pandemia do COVID-19 foi inviável a realização de entrevistas presenci-
ais e de visitas na casa do educador Carlos Rodrigues Brandão.

17
O MEB foi fechado em 1967, logo depois que Maria Alice e eu retornamos dos estu-
dos no CREFAL, no México. Foi encerrado pelo próprio D. Fernando, bispo de
Goiânia e grande amigo de Maria Alice até a sua morte (a dele). Houve acusações de
que o MEB-GOIÁS estaria abrigando clandestinamente ações de integrantes da Ação
Popular. O que seria uma coisa boa! Ele foi fechado por falta absoluta de trabalhos
sob a ditadura militar, que chegou a Goiás em 1966. [...] Antes de o MEB-GOIÁS
ser encerrado, a equipe passou dias e dias queimando em fundos de quintais todo o
material de anos e anos de trabalho que poderia ser considerado subversivo e
aprendido. (BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa com Cartas e Verbetes. dom.,
19 de jul. Disponível em fernandaeja@yahoo.com.br. Grifos nossos).

Outros movimentos buscam retomar a luta pela campanha de educação


de base feita pela igreja católica, sobretudo por iniciativa da Confederação Nacio-
nal dos Bispos Brasileiros (CNBB). Conforme Brandão ―Acredito até hoje que o
MEB foi o programa nacional de educação e alfabetização de vocação freireana
mais completo e criativo entre todos.‖. (BRANDÃO, Carlos R. Pesquisa com
Cartas e Verbetes. dom., 19 de jul. Disponível em fernandaeja@yahoo.com.br).
Na década de 1970, o trabalho realizado pelas Comunidades Eclesiais
de Bases (CEBs), ligado à igreja católica, tinha como bandeira de luta os processos
de libertação via trabalho popular; estes mediados por militantes, associações de
bairro e comunidades, clube de mães, intelectuais - em oposição ao militarismo.
Estes sujeitos deliberaram um trabalho em prol da resistência contra o regime
militar e em defesa da sua queda, bem como estiveram presentes no processo de
transição e de construção de um projeto democrático no e de país.
Na década de 1980, Paulo Freire assumiu a secretaria da cidade de São
Paulo, como secretário de educação, criando o Movimento de Educação de Jovens
e Adultos (MOVA) na gestão da prefeita Luiza Erundina5. Foi a primeira experi-
ência de práticas pedagógicas após a ditadura militar, onde as classes populares
participaram de forma democrática e participativa da alfabetização de adultos.
Outras práticas foram realizadas em consonância com experiências anteriores,
tendo como base a educação libertadora:

Há várias experiências que buscaram e ainda buscam romper com a lógica dominan-
te, mas aqui vamos destacar apenas as que se tornaram referências latino-americanas
por sua abrangência e por sua capilaridade em rede social: o Movimento de Educação
de Base (MEB), criado na década de 1960, que se integrou aos Movimentos de Cul-

5
A prefeita é vinculada ao Partido dos Trabalhadores (PT), assim como Paulo Freire foi um dos primei-
ros membros filiados. Sobre essa filiação sugerimos o documento intitulado como ―Órgão do Comitê
Eleitoral Unificado do Partido dos Trabalhadores - São Paulo, outubro 1982‖ que Freire diz que o PT
tem como tarefa combater a visão elitista, presente inclusive na classe trabalhadora. Afirma que a
política não é e não deve ser um privilégio das classes dominantes.

18
tura Popular; o Movimento de Alfabetização de Adultos (Mova), criado em 1989; a
Rede Educação Cidadã (Recid) e o MOVA-Brasil, ambos criados em 2003. (PICCIN;
BETTO, 2018, p.44).

Para Freire, a Educação Popular é compromisso com a classe trabalha-


dora, isto é, ―Estou convencido, e é óbvio o que vou dizer, de que administrações
progressistas como as do PT não podem ficar distantes, frias, indiferentes à ques-
tão da educação popular. (FREIRE, 1991, p.63). Segundo a trajetória da Educação
Popular libertadora é:

Pela primeira vez surge a proposta de uma educação que é popular não porque o seu
trabalho se dirige a operários e camponeses prematuramente excluídos da escola seri-
ada, mas porque o que ela ―ensina‖ vincula-se organicamente à possibilidade de cria-
ção de um saber popular, por meio da conquista de uma educação de classe, instru-
mento de uma nova hegemonia. (BRANDÃO; ASSUMPÇÃO, 2009, p.32).

Esses projetos trouxeram a Educação Popular freiriana na pauta dos go-


vernos populares. Era o Estado preocupado com políticas públicas estatais com
vistas à democratização do conhecimento através da educação como direito.

[...] sustentamos nossos princípios político-pedagógicos sintetizados numa concepção


libertadora de educação, evidenciando o papel da educação na construção de um no-
vo projeto histórico, a nossa teoria do conhecimento, que parte da prática concreta
na construção do saber, concebe o educando sujeito do conhecimento e compreen-
dendo a alfabetização não apenas como um processo lógico, intelectual, mas também
como um processo profundamente afetivo e social. (GADOTTI, 2008, p. 63).

A Educação Popular crítica libertadora está presente na vida e obra de


intelectuais como Paulo Freire e Carlos Rodrigues Brandão. Por fim, neste texto,
apresentamos temáticas e ideias educacionais relacionadas à Educação Popular que
foram discutidas em diversas correspondências. Aqui, tivemos a intenção de dar
visibilidade a uma história registrada em documentos não publicizadas como tam-
bém, demonstrar a partir de alguns indícios as cartas recebidas e escritas por Bran-
dão como documentos potentes que podem contribuem para uma pedagogia
latino-americana.

19
Referências

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se, 2001.

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1., 1973.

20
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21
O analfabetismo em Paulo Freire e
no jornal O Exemplo: convergências e tensões

Ricardo Costa de Sousa


Vanessa Rodrigues Porciuncula

Introdução
O presente texto tem como objetivo central discutir as O analfabetismo em
Paulo Freire e no jornal O Exemplo: convergências e tensões. Essa discussão reside em
apresentar elementos que possam contribuir para o debate no tempo presente.
Após essa delimitação, o problema de pesquisa consiste na seguinte pergunta:
como o analfabetismo presente nas páginas de O Exemplo poderia ser debatido e
compreendido em Paulo Freire6?
A construção do texto partiu dos pressupostos teóricos e metodológicos
da História do Tempo Presente, em Lohn (2017) e Hartog (2013). O mesmo se
insere no campo da História da Alfabetização, no qual contamos com as contri-
buições de Mortatti (2000) e Frago (1993). Vale registrar que contamos, também,
com o campo da História da Educação, a partir das referências de Nóvoa (2015)e
Faria Filho (2002) em intersecção com a História da Educação Popular, como
referência central Paulo (2018).
Os referidos campos possibilitaram uma imersão nos discursos difundi-
dos pelo jornal O Exemplo, no que tange o analfabetismo e, de como Freire possibi-
litaria uma releitura desses discursos. Para tanto, procuramos escrever esse texto a
partir de dois momentos. No primeiro momento, procuramos discutir os concei-
tos de analfabetismo/alfabetização em Freire; e, em um segundo momento, apre-
sentamos os discursos inscritos no jornal O Exemplo sobre o conceito de analfabe-
tismo, tal discussão remete as convergências e tensões a partir de Freire.

1 Breves apontamentos de Freire sobre a alfabetização/analfabetismo

6
A pesar de Paulo Freire está distante no tempo e espaço, o mesmo nos apresenta uma leitura sobre o
analfabetismo/alfabetização no Brasil. Isso significa dizer que Freire não desconhecia os discursos sobre
o analfabetismo/alfabetização nas primeiras décadas do século XX, difundidos pelo jornal O Exemplo,
de Porto Alegre, Rio Grande do Sul entre os anos de 1892 a 1930.

22
Antes de escrevemos sobre a alfabetização e/ou analfabetismo, cabe regis-
trar que Paulo Freire iniciou sua trajetória como pensador da educação a partir do
desenvolvimento de um método voltado para a alfabetização de adultos. Um dos
pontos importantes desenvolvidos pelo método Paulo Freire é a necessidade de
um desenvolvimento do pensamento crítico, que é diferente da educação bancária.
Não se tratando de uma simples transmissão de conhecimentos-conteúdos, mas da
criação de um pensamento que se daria a partir da visão de mundo do estudante,
de sua realidade concreta. Logo, a obra de Paulo Freire afirma-se enquanto práxis
pedagógica e educativa. Isso porque a práxis ―é a reflexão e a ação dos homens
sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradi-
ção opressor-oprimido‖. (FREIRE, 2011.b, p.52).
O analfabetismo, bem como a condição de oprimido que o analfabeto se
encontra, se trata de uma realidade objetiva, e como tal, que não existe por acaso,
mas como produto da ação das pessoas, logo não se transforma por acaso. Se as
pessoas são produtoras desta realidade, transformar a realidade opressora é tarefa
histórica dessas pessoas. Neste contexto, a educação passa a ser vista por Freire
como um processo de humanização. Para Freire, nenhuma pedagogia realmente
libertadora pode ficar distante dos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seres
desditados, objetos de um ―tratamento‖ humanista, para tentar, através de exem-
plos retirados de entre os opressores, modelos para a sua ―promoção‖. (FREIRE,
2011.b, p.56).
Se virarmos o caleidoscópio para o sentido da alfabetização, essa dimensão
está em aprender a escrever a sua vida como autor e como testemunha de sua
história, historicizar-se, biografar-se, um movimento onde alfabetizar-se é conscien-
tizar-se. Assim, conhecer o mundo ao seu redor e, ao conhecer, transformá-lo.
Transformar a realidade objetiva que produz sua condição de analfabeto, de opri-
mido, uma vez que ao objetificar o mundo ele recriar o seu mundo que, antes, o
absorvia.
A partir dos círculos de culturas e da seleção de palavras – universo vocabu-
lar – o alfabetizando começa a escrever livremente, não copia as palavras, escreve
reproduzindo os movimentos de sua própria história. Assim, o método Paulo
Freire não ensina repetindo as palavras apoiado em pensamentos abstratos, mas
sim, a partir da realidade concreta do alfabetizando. Uma vez que, em uma cultura
letrada, aprender a ler e escrever não é um ato que se encerra em si mesmo, mas
em um movimento totalizante onde o alfabetizando toma consciência do seu ina-
cabamento e de sua condição ontológica de ser mais então assume o seu papel de
sujeito. Contudo, para assumir sua condição de sujeito de transformação é neces-
sário aprender a ―dizer a sua palavra‖.

23
Para Freire o processo mecânico de alfabetização que visa somente a instru-
ção técnica, para o melhor desempenho laboral, se trata de uma visão distorcida da
educação. Pois, assumir essa perspectiva significa excluir o ato criativo e a trans-
formação do saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta,
impaciente permanente, que os homens fazem no mundo, logo, com o mundo e
com os outros. (FREIRE, 2011.b). O saber não é uma doação é uma conquista do
sujeito aprendente. Nesse sentido, tal afirmativa se desvincula da visão bancária de
educação. Consequentemente, na concepção bancária de educação as pessoas são
vistas como seres da adaptação, do ajustamento.

As elites dominadoras, na sua atuação política, são eficientes no uso da concepção


―bancaria‖ (em que a conquista é um dos instrumentos) porque, na medida em que
está desenvolve uma ação passivadora, coincide com o estado de imersão da consci-
ência do oprimido, estas elites vão transformando-a naquela vasilha de que falamos e
pondo nela slogans que a fazem mais temerosa ainda da liberdade. (FREIRE, 2011.b,
p. 118).

A vasilha a qual Freire se refere é ao ato de deformar os sujeitos (alfabeti-


zando) em depósitos de palavras. Nesta concepção de educação, que se impõe a
passividade, em lugar da transformação, os sujeitos vão tornando-se objetos que
tendem a adaptação ao mundo e consequentemente, a condição social que os fez
analfabetos. Uma das características desta concepção de educação é que para o
autor a leitura do mundo precede a leitura da palavra, isso quer dizer que mesmo
os analfabetos não são desconhecedores absolutos, mas possuem um conhecimen-
to. E neste contexto o ato de alfabetizar-se não se trata de adaptar seu conhecimen-
to à escrita, mas empenha-se em transformar a realidade na qual está inserido.
Logo, a educação em Freire, só é possível a partir da constatação da incom-
pletude dos seres humanos. A consciência da inconclusão insere os seres huma-
nos em uma busca de sua vocação histórica de ser-mais. Contudo, a realidade
concreta opressora que insere os seres humanos em um movimento de desumani-
zação instaurando uma nova ordem, de ―ser-menos‖, mas esta nova ordem não se
trata de uma vocação histórica, mas sim de uma distorção, ―a humanização en-
quanto vocação tem, na desumanização, sua distorção‖. (FREIRE, 2011b, p. 184).
Uma vez que ―a luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela
formação dos homens como seres pessoas, como seres para si, não teria significa-
ção‖. (FREIRE, 2011b, p.41). Para ele, a desumanização, não é um destino dado,
mas um resultado injusto de uma sociedade injusta que se revela na violência aos
opressores, como exemplo, a violência a pessoa analfabeta.

24
Assim chegamos à equação criada para levar as nações a níveis mais eleva-
dos de desenvolvimento coloca a educação, a alfabetização como um termo de
fundamental importância para o desenvolvimento social e econômico. Contudo é
necessário a seguinte questão: de qual educação estamos falando? A educação
bancária, que silencia ou a educação como prática de liberdade, que possibilita o
ato de ―dizer a sua palavra‖. Uma educação para o outro ou uma educação para si.
Freire em seu livro Conscientização (1979), faz uma distinção entre os ter-
mos modernização e desenvolvimento: ―Assim, o conceito de desenvolvimento
está ligado ao processo de libertação das sociedades dependentes, enquanto a ação
modernizante caracteriza a situação concreta de dependência (p.33). Segundo o
autor, a tarefa fundamental dos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil,
é o compromisso histórico de ser com os seus povos convertendo-os em ―seres
para-si-mesmos‖. Sem isto estas sociedades continuarão silenciadas e reproduzindo
as estruturas de dependência. Há, portanto, uma relação entre a dependência de
uma nação e o seu silenciamento diante dos processos históricos de opressão vi-
venciados, por exemplo pelas pessoas analfabetas.
O silêncio a que Freire se refere é o silêncio da palavra inautêntica. O que
significa, uma palavra com a qual não se pode transformar o mundo, a realidade
objetiva, palavra que instaura o processo de opressão. Dessa forma, o silêncio que
transformam sujeitos em objetos segue as prescrições daqueles que falam e im-
põem sua voz. Dessa forma, o desafio encontrado é transformar este estado.
Deste modo, os desafios impostos às nações subdesenvolvidas seriam de
compreender melhor as causas reais de sua dependência, o desafio de ―dizer a sua
palavra‖, de escrever a sua história. Assim, ―a modernização, que estimula unica-
mente a aparição da palavra nas sociedades dependentes, não vai além da pura
reforma das estruturas‖. (FREIRE, 1979, p.34). Contudo se este processo parte do
exterior, mantém o estado de dependência dessas sociedades, que podem ter a
ilusão de converterem-se em sujeitos de suas decisões.
O processo de alfabetização política pode ser tanto uma prática para a
―domesticação dos homens‖, ou uma prática para sua libertação. Como domesti-
cação para as nações subdesenvolvidas ou para a libertação das nações, sendo que
a infraestrutura da sociedade dependente é manipulada pela vontade da sociedade
dirigente. Enquanto as sociedades ditas desenvolvidas podem absorver a crise
ideológica da população, graças ao mecanismo do poder econômico e de uma
tecnologia altamente desenvolvida, a estrutura das sociedades ditas subdesenvolvi-
das, submetidas ao processo de modernização, é muito fraca para suportar a me-
nor manifestação popular. Isso explica a frequente rigidez, autoritarismo, da estru-
tura das sociedades dependentes.

25
Posto isso, a sociedade-objeto é por definição uma sociedade silenciosa, que
não possui o direito fundamental de escrever a sua história, tornando um simples
eco da voz da metrópole. A metrópole fala e a sociedade dependente escuta.

O silêncio da sociedade-objeto, em relação à sociedade-dirigente, repete-se nas rela-


ções que se estabelecem no seio da mesma sociedade-objeto. Suas elites no poder, si-
lenciosas frente à metrópole, fazem calar, por sua vez, ao povo. E somente quando o
povo de uma sociedade dependente rompe a ―cultura do silêncio‖ e conquista o di-
reito da palavra – ou melhor, quando as mudanças radicais de estrutura transformam
a sociedade dependente –, é quando uma tal sociedade, em seu conjunto, pode dei-
xar de ser silenciosa em relação à sociedade dirigente. (FREIRE, 1979, p.38).

Logo, a marcha para o desenvolvimento imposta às nações leva a uma per-


cepção errônea dos analfabetos, por não considerar a condição estrutural do anal-
fabetismo, tomando estes como seres marginalizados. Sem reconhecer a existência
de uma realidade objetiva na qual os analfabetos são marginalizados, uma realida-
de que não somente espacial, mas histórica, social, cultural e econômica; uma
dimensão estrutural da realidade.
Tendo em vista a marginalidade como uma realidade imposta, percebe-se o
analfabetismo também como uma realidade imposta. E, se tratando de uma reali-
dade importante cabe a pergunta de quem é o autor desta imposição? Seriam aque-
les que se dizem marginalizados – entre eles os analfabetos – que decidem deslocar-
se para a periferia da sociedade? Ou a marginalidade seria uma opção, com tudo o
que ela implica: fome, doenças? (FREIRE, 1979). Partindo do pressuposto que a
marginalidade não é uma opção, é correto afirmar que o homem marginalizado se
encontra excluído do sistema social e por isso objeto de violência.

Aceitando que o analfabeto seja uma pessoa que existe à margem da sociedade, vemo-
nos conduzidos a considerá-lo como uma espécie de ―homem doente‖, para o qual a
alfabetização seria medicamento ―curativo‖, que lhe permitiria ―voltar‖ à estrutura
―sadia‖ da qual havia sido separado. [...] Os educadores seriam benevolentes conse-
lheiros que percorreriam os bairros da cidade à procura dos analfabetos escapados da
vida reta, para fazê-los encontrar a felicidade, entregando-lhes o presente da palavra.
(FREIRE, 1979, p. 40).

Esta educação bancária nunca colocará em questão a realidade que priva


os homens do direito de ―dizer a sua palavra‖, de contar a sua história, e essa pri-
vação não fica restrita aos analfabetos, como também a todos aqueles que são
tratados como objeto numa relação de dependência. Assim, o analfabeto não seria
apenas uma pessoa que vive à margem da sociedade com uma série de precarieda-
des, mas um representante dos extratos dominados da sociedade, em oposição no

26
interior da estrutura social, tratado como coisa, não mais sujeito, mas objeto. E,
sobre isso, Freire considera a existência de duas hipóteses:

Na primeira hipótese, na qual os analfabetos são considerados como homens à mar-


gem da sociedade, o processo de alfabetização reforça a mistificação da realidade,
tornando-a opaca e obscurecendo a consciência ―vazia‖ do aluno com inúmeras frases
e palavras alienantes. Por oposição, na segunda hipótese, na qual se considera os
analfabetos como homens oprimidos pelo sistema, o processo de alfabetização como
ação cultural para a liberdade é o ato de um ―sujeito cognoscente‖ em diálogo com o
educador. (FREIRE, 1979, p. 43).

A partir do excerto, é oportuno destacar, em que medida é possível identi-


ficarmos a relação da alfabetização com a formação da cidadania? Ela tem, porém,
é preciso sabermos, primeiro, que ela não é a alavanca única desta formação – ler e
escrever não são suficientes para o desenvolvimento da cidadania –, segundo, é
necessário que a tornemos e a façamos como um ato político, jamais como um
quefazer neutro. Como projeto a educação precisa restaurar a esperança em uma
sociedade mais justa, conhecer, no processo de educação para a emancipação, não
é acumular conhecimentos, informações ou dados. Conhecer implica, necessaria-
mente, em mudar de atitude frente ao mundo, é estabelecer relações.
Recolocando, assim, a educação em seu eixo nunca derivado e instrumen-
tal, transformada em um meio de transmissão de conhecimentos instrumentais
para aplicações meramente utilitaristas, aquelas que servem aos interesses do mer-
cado – sistema capitalista.

2 O analfabetismo em O Exemplo: convergências e tensões a partir de Freire


O analfabetismo no Brasil é um tema que merece urgente e efetiva mobi-
lização por parte dos governantes e, principalmente, por parte da sociedade civil
organizada no tempo presente. Nessa direção, os excertos extraídos do jornal O
Exemplo suscita divergências e tensões quando confrontados com a leitura de Paulo
Freire. Certo que, as discussões postas pelo jornal estão circunscritas em um de-
terminado período histórico. Contudo, esse discurso persiste no tempo presente,
e, dessa forma, carece desta discussão. Isso porque, para Freire, a alfabetização de
sucesso inclui a formação para a cidadania e que não seria possível a eliminação do
analfabetismo sem o envolvimento da sociedade civil.
O pensamento de Freire é reconhecido mundialmente por conta de sua
radicalidade ético-política e coerência na busca pela transformação social através
da emancipação e humanização do mundo. Propondo uma educação libertadora

27
que fosse capaz de restaurar a vocação ontológica do homem, ―o ser mais‖, como
anteriormente abordado.
O enfrentamento do analfabetismo, a partir da perspectiva Freiriana de-
veria ocorrer não apenas por meio do acesso ao ensino na idade apropriada, mas
também através da oferta a população adulta, uma vez que não atender ao adulto
analfabeto é negar duplamente o acesso à educação. É necessário colocar que Frei-
re trabalhava com um conceito ampliado de alfabetização – alfabetização como
ação cultural, na qual o alfabetizando precisa saber que ele não é analfabeto por
culpa dele, uma vez que o analfabetismo é consequência da negação de direitos.
(GADOTTI, 2008).
No texto escrito pela da editora (1916), intitulado Pela instrução, afirma
que a instrução, ou melhor, o analfabetismo continua ―a ser entre nós um pro-
blema de difícil solução‖. Medidas tomadas por outros estados da federação mos-
tram que a obrigatoriedade do ensino era o caminho para reduzir os ―caldos da
ignorância ainda reinantes em nosso país‖, uma vez que ―o que existe em matéria
de instrução nada é em vista do tamanho do país e da disseminação de seus habi-
tantes‖. Contudo, quando apresenta os dados de frequência e matrícula escolar
para o Estado do Rio Grande do Sul a editoria informa que este ―leva vantagem a
muitos outros da União na luta tenaz contra o analfabetismo que é um mal soci-
al‖. (O EXEMPLO, 05 de nov. 1916).
A editoria apresenta uma série de elementos para refletir sobre o analfa-
betismo no Brasil, adjetivando-o como problema de difícil solução, como ignorân-
cia e como uma mal social. Apesar do Rio Grande do Sul se colocar numa melhor
situação frente aos demais estados. Dito isso, lembra que para resolver esse pro-
blema, a saída seria tornar o ensino obrigatório. Nesse sentido, entra em discussão,
por um lado a obrigatoriedade e, por outro, a liberdade da sociedade para com
suas escolhas.
Quando se pensa em educação de jovens e adultos podemos dividir em
duas tendências: a educação de adultos entendida como educação libertadora,
como conscientização e a educação de adultos entendida como educação funcio-
nal, ou seja, profissional. (GADOTTI, 2007). Como podemos perceber as preocu-
pações que giram em torno do analfabetismo recaem sobre a necessidade do trei-
namento de mão-de-obra mais produtiva, útil ao projeto de desenvolvimento naci-
onal dependente. Assim, na perspectiva de Paulo Freire o debate entre a obrigato-
riedade ou não do ensino perde espaço.
Sobre a obrigatoriedade do ensino, o texto intitulado Liga Brasileira Con-
tra o Analfabetismo, escrito pela editoria (1921), se propõe a atender à solicitação do
coronel Raymundo Pinto Seidl, e publica a seguinte manifestação: confiados no

28
patriotismo de representantes do povo, solicito o ―apoio, em prol da extinção do
analfabetismo‖ a partir da aprovação de um projeto de lei que tornaria o ensino
obrigatório no país, essa ação ―muito contribuirá para a solução definitiva desse
grande problema nacional‖, o analfabetismo. (O EXEMPLO, 07 de agos. 1921).
Visto que, segundo consta no documento:

Nas vésperas do centenário da sua independência política, o Brasil conta ainda 80%
de analfabetos. ISTO É UMA TRISTE VERGONHA, QUE NÃO PODE CONTI-
NUAR!. Sois brasileiros. Certamente amais a nossa Pátria. Vinde, pois, em seu socor-
ro. Ajudai a libertá-la da grande mácula que entorpece o seu progresso. Em nome do
Brasil, pedimos o vosso apoio em favor do nosso grande ideal. (Grifos do texto). (O
EXEMPLO, 07 de agos. 1921).

A publicação, em O Exemplo, de tal assunto, demonstra que a editoria


apoiava o projeto de criação de uma lei para assegurar o ensino obrigatório. Tal
obrigatoriedade poderia, segundo o proponente, na redução do número de anal-
fabetos. Ao fazê-lo, mostra que essa lei poderia contribuir para uma sociedade com
um número reduzidos de analfabetos. Contudo, na contramão dessa posição,
outros movimentos arguiam pela liberdade de ensino.

Na prática, a ideia central era a da ―liberdade de ensino‖, que balizou a atuação da


bancada gaúcha no Congresso Nacional, sempre que a questão polêmica da educação
foi debatida e deliberada. Em síntese, foi possível perceber que a bancada gaúcha,
através de seu trabalho persistente e coeso no Parlamento Federal, contribuiu signifi-
cativamente para, por um lado, impedir uma maior ação do Estado Nacional no
campo do ensino elementar e secundário e, por outro, garantir esse espaço para a ini-
ciativa privada ampliar sua penetração. (CORSETTI, 2008, p. 63).

O excerto evidencia a posição da bancada gaúcha em torno à instrução


primária e a liberdade de ensino, sobretudo o ensino elementar e secundário, que
segundo argumentos correntes, o estado do Rio Grande do Sul é o mais adiantado
em termos de instrução. Nesse sentido, não haveria necessidade de impor a obriga-
toriedade do ensino, uma vez a expansão de escolas pelo estado, resolveria os casos
de analfabetismo na sociedade gaúcha.
Na contramão desse discurso, Freire (2011a, p. 96) aborda que é de com-
petência do Estado a garantia do direito à alfabetização não mecanicista, pois as
pessoas não alfabetizadas ―não são seres marginais que necessitem ser recuperados
ou resgatados‖. Pois, para o auto, é importante a formação política conscientizado-
ra e a escolarização para superação da visão ingênua do mundo, bem como do
contexto social dominante.

29
A temática do analfabetismo e o compromisso da sociedade nessa luta é
também notado no texto O ensino primário e sua obrigatoriedade, de autoria do
colaborador Mario Gama (1924). Para o colaborador o ensino primário e sua
obrigatoriedade podem acabar com o analfabetismo no Brasil, ou seja, em condi-
ções de ―terminar com a falta de instrução de uns‖. Nesse sentido, o colaborador
declara que:

O Brasil deve cuidar muito do ensino, tanto primário como superior, pois que não
pode haver progresso onde existem analfabetos. [...] A campanha ora em vista deve
merecer o apoio incondicional, pois é um bem para a sociedade e para o progresso do
Brasil. Não pode haver coisa mais bela para um país do que ter os seus filhos devi-
damente educados, para que, perante os olhos dos estrangeiros, não sejam taxados de
ignorantes. (O EXEMPLO, 10 fev. 1924).

Neste excerto Gama sustenta o discurso de que a obrigatoriedade do en-


sino é indispensável para o bem da civilização. Para ele, a sociedade organizada
precisa incitar as pessoas analfabetas que se eduquem, que não queiram ser igno-
rantes. Segundo o colaborador é imperativo afastar as trevas da ignorância que
envolvem os analfabetos e para esse desiderato, conclama a sociedade, os estados e
as municipalidades. (O EXEMPLO, 10 fev. 1924).
Tal assertiva empreendida pelo jornal O Exemplo não vai ao encontro do
cerne da discussão, ou seja, não problematiza a miséria como questão concernente
ao projeto de sociedade. Pois, ―o discurso ideológico da globalização procura dis-
farçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobre-
za e a miséria de milhões‖. Tal discurso se mostra eficiente no sistema capitalista e
demonstra, ainda sua malvadeza intrínseca. (FREIRE, 1997, p. 248).
Contudo, o que percebemos em O Exemplo é a recorrência do discurso do
analfabetismo vinculado a um mal que precisa ser reparado e para tal, a sociedade
tem um papel significativo no incentivo as pessoas analfabetas. Nessa direção se
encaminha o texto Analfabetismo, escrito pelo colaborador Dario L. Nuncio (1926).
Para ele, o governo tem empreendido esforços no sentido de empenhar-se ―numa
campanha bendita para o desaparecimento do analfabetismo, espalhando pelo
território nacional colégios e grupos escolares. Tal ação tem refletido no Estado do
Rio Grande do Sul, nas menores porcentagens de analfabetos, ou seja, em condi-
ções que levassem à erradicação do analfabetismo em todo o estado.(O EXEM-
PLO, 14 mar. 1926).
Freire em seus escritos faz críticas ao que ele chama de visão ingênua sobre
o problema do analfabetismo, que é encarado ora [...] como uma ―erva daninha‖ —
daí a expressão corrente: ―erradicação do analfabetismo‖ —, ora como uma ―en-

30
fermidade‖ que passa de um a outro, quase por contágio. (FREIRE, 2011.a, p. 12).
Nesta mesma linha de raciocínio Freire (2011.a, p. 12) critica o discurso recorrente
do analfabetismo como ―uma ―chaga‖ deprimente a ser ―curada‖ [...] ou como a
manifestação da ―incapacidade‖ do povo de sua ―pouca inteligência‖, de sua ―pro-
verbial preguiça‖.
Se por um lado, percebemos esta visão ingênua sobre a alfabetização es-
tando reduzida ao ato mecânico de depositar palavras, sílabas e letras nos alfabeti-
zandos. Por outro, a editoria (1928), no texto O progresso de uma nacionalidade, a
instrução popular, assegura que o analfabetismo é a ausência da instrução. Dessa
forma, não haveria de ter progresso uma nacionalidade que descuida de seu povo.
Para o colaborador, a Instrução Popular deve ser assegurada gratuitamente e, a
sociedade, como um todo organizado necessita está atenta a população analfabeta
(O EXEMPLO, 10 dez. 1928). Conforme declara a editoria (1928):

No Brasil, entretanto, tem sido descurado esse importante cometimento que tão de
perto diz respeito à prosperidade da Nação. Há Estados em que o analfabetismo é
inacreditável; a ignorância predomina entre suas populações. Em boa hora, porém,
podemos dizer, e com isto ufanarmos, que o Rio Grande do Sul, neste assunto, se
encontra pari passu com as unidades mais adiantadas do país. (O EXEMPLO, 10 dez.
1928).

Novamente, a editoria indica aos leitores de O Exemplo que os esforços


empreendidos pelo governo do estado na atenção à Instrução Popular, ou seja, de
esforços para que o analfabetismo não predominasse em terras sulistas. Isso por-
que, entendia o analfabetismo como uma ignorância pela qual muitos eram aco-
metidos.
O que contrapõe a perspectiva crítica de Paulo Freire na qual o analfabe-
tismo nem é uma erva daninha a ser erradicada, nem tampouco uma enfermidade,
mas uma das expressões concretas de uma realidade social injusta. Não é um pro-
blema pedagógico ou metodológico, mas político. (FREIRE, 2011.a).
No texto Pela instrução, a editoria (1929) não cessa de publicar conteúdos
que abordem sobre a necessidade de a sociedade e os governos em incentivarem os
analfabetos a instruírem-se. Pois, segundo a editoria (1929),

o analfabetismo é o pior dos males, o Governo vem disseminando escolas por todos
os lugares, os mais recônditos, a fim de que a instrução, qual sol radioso, deixe seus
raios luminosos penetrarem em todos os lares. E, para esse desiderato, não tem pou-
pado esforços, aumentando a respectiva verba, para que diminua, o mais rápido pos-
sível, o número de analfabetos. (O EXEMPLO, 04 de fev.1929).

31
Com essa referência, é possível identificar que as ações do governo do es-
tado estão vinculadas ao aumento de verbas para redução do número de analfabe-
tos, o ―pior dos males‖. E, sobre isso, Corsetti (2008, p. 58), na linha de argumen-
tação exposta, assegura que, por um lado, o atraso passou a ser identificado com ―a
sujeira, a feiura, a doença, a ignorância, a prostituição, a loucura, a vadiagem, a
morte, ou seja, a desordem, elementos que deveriam ser eliminados‖; e, por outro,
faz um contraponto e afirma que ―o progresso teve como ingredientes a limpeza, o
embelezamento das cidades, a saúde, a reprodução da vida, a educação e, em para-
lelo, a disciplina, a ordem, a produtividade, a lucratividade‖. Destaca-se, aqui, o
termo ignorância que, vinculado ao analfabetismo, representa o atraso, a inexis-
tência de uma sociedade. Isso porque, não existe progresso e, uma sociedade que
persiste o analfabetismo.
Percebemos que os discursos ligados a alfabetização se vinculam ao dis-
curso liberal que reduzem a alfabetização a uma perspectiva funcional ligada a
interesses econômicos, concebidos de maneira ideológica, destinada a iniciar os
desprivilegiados na lógica de uma tradição cultural unitária e dominante. Onde a
narrativa da crise de alfabetização baseia-se na necessidade de formar mais traba-
lhadores para ocupações que exigem leitura funcional e habilidade para escrever.
(FREIRE, 2011.c).
Assim, em Freire a Educação, e não apenas a alfabetização, cumpre um
papel fundamental no processo de libertação, e enquanto formação humana a
educação se torna um ato político, nunca neutro. Logo, torna-se necessário uma
reflexão constante na luta pela transformação social.

Considerações
―O analfabetismo em Paulo Freire e no jornal O Exemplo: convergências e
tensões‖ foi tema e objeto de análise, discussão e reflexão ao longo deste texto.
Nele, procuramos demonstrar as convergências e tensões provocadas a partir desse
corpus empírico, que é o jornal O Exemplo e a produção bibliográfica de Paulo
Freire.
Tais discursos presentes no jornal O Exemplo demonstra sua tentativa de
difundir na sociedade a alfabetização como um domínio necessário a boa marcha
regular de uma nação. Ou seja, este impresso publicou uma série de textos que são
representações de um determinado contexto histórico. Semelhantemente, apresen-
ta as contradições e ambiguidades na produção dos textos, posto que, por um lado
observamos um discurso conservador e por outro, com um tom progressista,
quando situa a necessidade de que todos tem o direito de instruírem-se.

32
O problema formulado no início deste texto vai ao encontro das leituras
de Paulo Freire, ou seja, das suas contribuições à educação e, por extensão da
temática, aqui, do analfabetismo. Isso porque, procuramos discutir esse a tema a
partir de um viés emancipador e libertador. Quer dizer, o conceito de analfabetis-
mo inscrito no jornal O Exemplos segue uma perspectiva contraria à de Freire. Isso
porque, conforme Sousa e Paulo (2021) existem duas perspectivas de alfabetização
interligadas: a primeira, se refere a uma alfabetização política e conscientizadora e,
uma segunda, se refere a uma alfabetização atrelada a luta pela libertação.
Por fim, o texto nos indica que a sociedade tem um papel fundamental
na difusão de discursos sobre a importância da educação. E, as contribuições de
Paulo Freire nos levam a compreender que essa educação precisa ser comprometi-
da politicamente com os oprimidos.

Referências

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Sul/Brasil (1889/1930). Cadernos de Educação: FaE/PPGEDU/UFPel. Pelotas,
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33
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34
Educação de Jovens e Adultos:
um estudo das correntes e tendências

Elaine Silveira Teixeira Ferreira

INTRODUÇÃO

O capítulo é resultado da leitura do estudo sobre a "Educação de Jovens e


Adultos: correntes e tendências", do Guia Escola Cidadã do Instituto Paulo Freire,
capítulo 3, de autoria do Diretor do Instituto e Professor da USP Moacir Gadotti
e das Conferências Internacionais de Educação de Adultos, dentre outras referên-
cias. Este artigo tem por objetivo compreender a Educação de Jovens e Adultos e a
sua evolução no país.
A intenção da leitura do assunto é para uma maior apropriação do tema
para a pesquisa intitulada "Educação de Jovens e Adultos/Ensino Híbrido: as
perspectivas dos estudantes frente a sua aprendizagem com o ensino híbrido no
Ensino Fundamental na Educação Básica" do curso de pós-graduação stricto senso
de mestrado em Ciências da Educação da Universidade Interamericana. Para este
texto realizamos a metodologia de revisão bibliográfica.
No contexto histórico, a Educação de Jovens e Adultos surge dos movi-
mentos populares pela luta de uma "educação para todos, especialmente pela alfa-
betização e pela educação de jovens e adultos", conforme Torres (1992).
Gadotti (2000, p.29) afirma que às vezes se define a "educação de jovens e
adultos por aquilo que não é". O autor parte da necessidade de compreender a
definição dos termos de educação de jovens e adultos, educação popular, educação
não-formal e educação comunitária, cujas expressões são utilizadas como sinôni-
mos, mas na verdade não são.
A discussão do termo de educação de adultos tem sido utilizada pelas
Organizações Internacionais - UNESCO, para fazer referência de uma determina-
da área de educação. Os Estados Unidos quando se referem aos países do Terceiro
Mundo usam o termo educação não-formal vinculando a educação de projetos de
educação comunitária. Cabe salientar que nos Estados Unidos a terminologia
usada de educação de adultos para se referir a educação não-formal adotada no

35
país. Também ao logo do capítulo será realizado um breve histórico das Conferên-
cias Internacionais de Educação de Adultos.

2. Dos termos educação de adultos, educação não-formal e educação popular


Segundo Gadotti (2000, p.31) o termo educação de adultos na América
Latina começou a ser utilizado somente a partir da Segunda Guerra Mundial, na
esfera do Estado. O termo educação não-formal tem sua origem nas organizações
não-governamentais, nos partidos políticos, nas organizações religiosas, dentre
outros movimentos, nos locais em que Estado por omissão ou por não realizar
políticas voltada à educação de adultos de forma oficial, onde acaba se inserindo
essa forma de educação. Ainda, é importante dizer que em alguns momentos esta
forma de educação (não-formal) se torna contrária à educação de adultos.
A educação popular se caracteriza como uma concepção contrária em via
de regra à educação de adultos, se inserindo e ocupando os espaços em que a
educação de adultos não foi levada a sério pelo Estado. A Educação não-formal
consiste num processo com múltiplas dimensões, com aprendizagem organizadas
por meio das organizações não-governamentais (ONGs), pelas instituições religio-
sas, iniciativas particulares e de programas sociais, fora do contexto formal.
Entende-se por educação formal aquela desenvolvida nas instituições
educacionais, com planejamento prévio dos conteúdos, estruturada, estando a
cargo do Estado.
A Educação Popular tem origem a partir das organizações populares,
tendo como princípio uma "nova epistemologia baseada no respeito pelo senso
comum que trazem os setores populares no seu cotidiano, problematizando esse
senso comum" e "incorporando-lhe um raciocínio mais rigoroso, científico e unitá-
rio" (GADOTTI, 2000).
Neste contexto, a Educação Popular dá ênfase aos saberes prévios do
povo e traz no seu bojo uma conscientização que propicia a inclusão social, além
de desenvolver o senso crítico.
Segundo Brandão (1984, p.181), a educação se distingue de três manei-
ras, sem separá-las:

1º. a educação de classe, consistecomo "processos não-formais a partir da reprodução


dos diferentes modos de saber das classes populares";
2º. a educação popular, entendida como um processo sistemático de participação na
formação, no fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos movimentos po-
pulares, com o objetivo de apoiar a passagem do saber orgânico, ou seja, do saber da
comunidade ao saber de classe na comunidade; e a

36
3ª. educação do sistema oficial, isto é, os programas de capacitação de pessoas e gru-
pos, sob o controle externo, visando produzir a passagem dos modos populares de
saber tradicional para modelos de saber modernizados, segundo os valores dos polos
dominantes da sociedade.

Ainda, Brandão diz que a educação do sistema é a produção do poder


dominante. No entanto, o autor afirma após a análise da teoria gramsciana. A
teoria considerava o Estado como um grupo da classe burguesa, passando a ser
contestada. Entende-se Estado como um ente contraditório: "é força e consenso"
(GADOTTI, 2000). O Estado tem a obrigação de garantir o direito à saúde, edu-
cação, seguro-desemprego, moradia, entre outras aos cidadãos. As funções de acu-
mulação e de legitimação, são conflituosas, oferecendo contradições sociais e de
políticas, transformando o Estado num espaço de luta em busca de projetos alter-
nativos. Nesse cenário, podemos dizer que os movimentos sociais, os partidos
progressistas, identificam a educação pública como uma função essencial do Esta-
do capitalista democrático.
Segundo Gadotti, ao dizer que "lamentavelmente", o Estado na função
educativa, tem "quase exclusivamente", se afirmado como um processo de escolari-
zação, se eximindo por um lado das possibilidades da educação não-formal, em
especial na educação básica, que se constitui na alfabetização de jovens e adultos.

3. Educação básica de Jovens e Adultos


Gadotti inicia a sua discussão da Educação de Jovens e Adultos com a
pergunta: "Para que uma educação básica de jovens e adultos?" Os educandos da
educação de jovens e adultos são trabalhadores que tem por objetivo a luta, a
superação de suas situações instáveis de vida, em relação a moradia, saúde, alimen-
tação, transporte, desemprego, dentre outros, que estão na "raiz do problema do
analfabetismo" (GADOTTI, 2000). Diante da situação de desemprego, dos baixos
salários e das péssimas condições de vida que comprometem o processo de alfabe-
tização desses sujeitos de EJA, sendo na sua maioria trabalhadores jovens.
A discussão do que é analfabetismo, narrada por Gadotti de "expressão
de pobreza", se configura numa exclusão social, por falta de estrutura social justa.
E para lutar contra a analfabetização é necessário ser combatida a causa do pro-
blema. Daí surge a reflexão, mas como combater o analfabetismo?
Segundo Gadotti é preciso conhecer as condições de vida dos sujeitos de
EJA, de forma objetiva como o salário, moradia e as condições subjetivas, tais
como: a história de cada um dos grupos, as suas lutas, os saberes e a cultura. Ain-
da, conhecendo-os na convivência com e não apenas na teoria. Para que ocorra

37
sucesso em um programa de EJA é preciso que o educador seja do próprio meio,
ou do local, pois facilitaria o processo educacional.
É imprescindível que o programa de EJA seja analisado e não ser avaliado
num rigor metodológico, para verificar o impacto gerado na qualidade de vida das
pessoas envolvidas. Portanto, a educação de jovens e adultos está condicionada às
condições de vida do estudante-trabalhador.
Gadotti diz que se os programas de Educação de Jovens e Adultos estão
correndo o risco de ser fracassados, deve-se então ser levado em consideração a
formação do educador. Mais adiante, Gadotti narra o "analfabetismo" que consiste
na negação de um direito ao lado dos outros direitos negados, da defasagem da
aprendizagem e ou da falta de apropriação da cultura letrada por pessoas em situa-
ção de não alfabetizada. Contudo esta terminologia em alusão às pessoas não
letradas, ou ignorantes precisam de políticas públicas de educação.
O autor também por meio do questionamento, faz uma reflexão, "quem é
o educador da educação de jovens e adultos?" Assinala a importância do educador
ser do mesmo meio do educando, mas que nem sempre é possível. Em face disso,
é preciso formar educadores para trabalhar na modalidade, com a apropriação de
outros espaços geográficos, bem como, sociais. Ressalta-se que os educadores de-
vem respeitar o saber cultural dos sujeitos de EJA analfabeto, havendo também a
necessidade de se fazer um diagnóstico histórico-econômico do grupo em que irão
trabalhar para estabelecer um canal de comunicação entre o saber técnico e o
saber popular daquela localidade.
Ainda, é preciso entender a EJA e não apenas realizar uma leitura da
mesma, sendo de extrema relevância, conhecer profundamente através do contato
direto, a educação popular na alfabetização busca construir novos conhecimentos
com sentido (GADOTTI, 2000).
A educação de jovens e adultos não pode ser medida a qualidade pelo
saber sistemático assimilados pelos estudantes, é preciso ser avaliada as possibili-
dades que os estudantes conseguem manifestar o seu ponto de vista e solidarieda-
de que criaram entre eles. Portanto, a organização coletiva possui grande impor-
tância neste espaço de educação, para propiciar condições para provocar o interes-
se e a participação dos sujeitos de EJA.
Neste contexto o educador popular possui um papel de animador, articu-
lador, um intelectual, no sentido gramsciano (GADOTTI, 2000). O educador não
pode ser ingênuo e nem espontaneísta, isto é, de ficar esperando que a mudança
venha de cima. Cumpre salientar, que o educador popular no convívio direto com
a cultura popular, se deparará com a diferença entre o "espontaneísmo e esponta-

38
neidade", conforme Gadotti (2000, p. 32), sendo as particularidades do pensamen-
to popular.
Max, citado por Gadotti dizia, na obra "Crítica do Programa de Gotha, que
o Estado faça de forma massiva é uma ingenuidade". Conforme Gadotti é possível
provocar mudanças, em grupos pequenos, podemos construir o futuro a partir de
um lugar, de referências locais, sendo possível pensar o "nacional, regional e o
internacional". O autor narra que há experiências a nível latino-americano dos
regimes autoritários, sem considerarem o pensamento popular, a partir de concei-
tos de segurança nacional.
A discussão do assunto prossegue no sentido do conhecimento de mun-
do, desde o nosso nascimento, da família, do bairro, da cidade, num universo de
aprendizagens e saberes adquiridos ao longo da existência. Sendo a cidade a pri-
meira instância educativa de que nos insere no país e no mundo em constante
evolução. Trata-se de não de rejeitar a cultura geral criada, de instrumento de luta
das minorias, mas de não ser desconsiderada a cultura do estudante adquirida.
Refere-se, sim, à importância da integração na perspectiva de ensino e aprendiza-
gem fundamentada em valores e crenças democráticas, que procuram estabelecer e
fortalecer um pluralismo de educação de jovens e adultos. Por esta razão, a EJA
deve ser uma "educação multicultural, que se desenvolve o conhecimento e a inte-
gração da diversidade" (GADOTTI, 2000). Sendo, portanto, uma educação para
um entendimento recíproco, sem nenhuma forma de exclusão e discriminação.

4. Evolução do conceito de Educação de Adultos


A educação de adultos passou a ser concebida como a extensão da educa-
ção formal, a partir da I Conferência Internacional de Educação de Adultos
(CONFINTEA) realizada em 1949, em Elsinore, na Dinamarca, após a Segunda
Guerra Mundial. A I CONFINTEA teve como tema "Educação de Adultos", pre-
cedida da consulta, em Paris, por um número pequeno de especialistas internacio-
nais da época, em 1948. A escola não estava conseguindo instruir as pessoas para a
paz. Por esta razão, conforme Gadotti era necessária uma educação ―paralela‖ fora
do ambiente escolar com a finalidade de contribuir para o respeito dos direitos
humanos visando a construção de uma educação de adultos continua após o perí-
odo escolar.
A I Conferência de Educação de Adultos (Dinamarca) teve como ponto
de discussões: as particularidade da educação de adultos, a proposição de uma
educação aberta, os problemas das instituições e organizações com relação a oferta;
fosse avaliado os métodos e o auxílio permanente, a educação de adultos deveria
ser constituída por meio de um espírito de tolerância, devendo ser trabalhada de

39
modo a integrar os povos e não só os governos e voltada às condições da realidade
da vida das pessoas objetivando a formulação de situações de paz e entendimento.
Após a II CONFINTEA sobre Educação de Adultos no ano de 1963,
realizada em Montreal (Canadá), surge dois enfoques na educação de adultos, que
são: a educação como uma continuação da educação formal, designada educação
permanente e a educação de base ou comunitária (GADOTTI, 2000).
A II Conferência Internacional tendo como tema: "A Educação de Adul-
tos num Mundo em Mutação" (VENTURA, 2008, p.83). Na II CONFINTEA
foram tratados os seguintes tópicos: a mudança tecnológica e a educação profissi-
onal de adultos, a liberalização da educação técnico-vocacional e profissional e a
desunião moral no mundo, conforme KNOLL (2009, p. 32).
Segundo Knoll a II CONFINTEA deliberou resoluções muito amplas,
vejamos:

Os temas dos grupos de trabalho continuaram sendo relativamente estáticos, revi-


sando terreno antigo, e as resoluções que encerraram a conferência foram muito am-
plas, expressando desejos que ainda não se cumpriram. [...]
Estes títulos eram: - A educação de adultos e a paz mundial;
•Papel e conteúdo da educação de adultos;
•Formas e métodos da educação de adultos (incluídas recomendações sobre a relação
da educação de pessoas adultas com cinema, rádio e televisão);
•Estrutura e organização da educação de adultos (por exemplo, a educação de adul-
tos ―como parte integrante de cada sistema educativo‖);
•Responsabilidade dos governos na educação de adultos (UNESCO, 1963, p. 27).
(KNOLL, 2009, p. 32).

Para Ventura (2008, p. 8) o principal eixo da discussão da conferência era


a relação entre o desenvolvimento econômico e a educação de adultos. Soares
(2008, p,83), narra a II CONFINTEA sobre as influências das novas tecnologias,
dentre outros desafios, como o aumento da população, as novas gerações e apren-
dizagem como atividade mundial e a necessidade dos países desenvolvidos em
colaborar como os países pobres.
A III CONFINTEA, realizada em 1970, em Tóquio, no Japão, teve como
tema ―A Educação de Adultos no contexto da aprendizagem contínua‖. Gadotti
(2000, p.34) narra a volta da suplência na educação fundamental tendo o objetivo
de inserir adultos na escola formal.
Segundo Ventura (2008, p.84), a III Conferência de Educação de Adul-
tos sustentou que educar os adultos era necessário para o desenvolvimento eco-
nômico, social e cultural dos países. Ainda, o mesmo autor diz que esta modalida-

40
de de educação deveria acontecer na perspectiva ao longo da vida de todas as pes-
soas.

Apostando nas premissas de que a Educação de Adultos teria como elemento essen-
cial a aprendizagem ao longo da vida e que seria importante reforço para a democra-
cia esperava-se preparar o enfrentamento mundial da incipiente redução das altas ta-
xas de analfabetismo. A constatação de que a instituição escolar não dá conta de ga-
rantir a educação integral, conduziu à ampliação do conceito sobre sistemas de edu-
cação que passam a abarcar as categorias de ensino escolar e extraescolar, envolvendo
estudantes de todas as idades. Isso implicaria transformação nos sistemas de educação
a partir da educação de adultos. O relatório final fechou com as conclusões de que a
educação de adultos é fator para a democratização da educação e para os desenvolvi-
mentos econômico, social e cultural das nações e ressaltou que o lugar da educação
de adultos é integrado ao sistema educacional na perspectiva da aprendizagem ao
longo da vida (VENTURA, 2008).

Conforme Ventura (2008, p.84) a COFINTEA III apontou nas discus-


sões internacionais a crise da escola, sendo preciso uma pauta focada na educação
global e contínua para o enfrentamento da crise da educação de adultos.
A IV CONFINTEA realizada em Paris, na França, em 1985 sobre a Edu-
cação de Adultos, se caracterizou pela pluralidade de conceitos, tendo como tema:
"O Desenvolvimento da Educação de Adultos: aspectos e tendências‖ (KNOLL,
2009, p. 35). Na IV Conferência foi reafirmada a "perspectiva da educação perma-
nente e recomenda o desenvolvimento da educação de adultos a partir de um
conceito que abranja sua realização social" (VENTURA, 2008, p.84), sendo uma
das propostas da III CONFINTEA.
A IV CONFINTEA tratou de diversos temas, como: alfabetização de
adultos; educação rural; educação familiar; educação da mulher; educação em
saúde e nutrição; educação cooperativa; educação vocacional; educação técnica,
conforme Gadotti (2000, p.34). Foram destacados na conferência a importância
do reconhecimento do direito de aprender a ler, escrever, questionar, dentre ou-
tros. Conforme Gadotti, a conferência "implodiu" o conceito de educação de
adultos.
A Conferência Mundial de 1990, sediada em Jomtien, na Tailândia com
o tema "Educação para Todos" resultou na elaboração da "Declaração Mundial sobre
Educação Para Todos", um dos documentos mais significativos em educação no
mundo, com um dos objetivos de satisfazer as necessidades básica da aprendizagem
de todas crianças, jovens e adultos (ZEPPONE, 2011). É importante ressaltar, o
reconhecimento da educação como um direito fundamental de todos, a universali-
zação do acesso à educação e a equidade.

41
No ano de 1997, ocorreu a V CONFINTEA em Hamburgo, na Alema-
nha que engloba todo o processo de aprendizagem formal ou informal, para o
desenvolvimento das habilidades e conhecimento de todas as pessoas.
Conforme Knoll (2007, p.23) as Conferências Internacionais da UNES-
CO, na sua maioria refletiam o "espírito e circunstâncias da época proporcionan-
do ao mesmo tempo um reservatório de visões utópicas e práticas de como o
mundo deve e pode ser organizado". Verificamos que a CONFINTEA V, de
1997, foi marcada por um número bem expressivo de representantes da sociedade
civil, com aprovação de agenda e objetivos a serem atingidos na década seguinte.
Ainda, conforme Gadotti (2000, p.35) esta conferência reconheceu que
alfabetização precisa ter sua continuidade através da pós-alfabetização, a necessida-
de da educação básica. O autor narra que as concepções de educação para todos
no contexto-americano e que continua surgindo novas concepções e tendências até
os dias de hoje". Gadotti, afirma:

Até os anos de 40 a educação de adultos era concebida como uma extensão da escola
forma, principalmente para a zona rural. Era entendida como democratização da es-
cola formal.
Na década de 50, a educação era entendida, principalmente como educação de base,
como desenvolvimento comunitário.
No final dos anos de 50 duas são as tendências mais significativas na educação de
adultos: a educação de adultos entendida como educação libertadora, como "consci-
entização" (Paulo Freire) e a educação de adultos entendida como educação funcio-
nal (profissional), isto é, o treinamento de mão-de-obra mais produtiva, útil ao pro-
cesso de desenvolvimento nacional dependente.
Na década de 70 essas duas correntes continuam. A primeira entendida basicamente
como a educação não-formal, alternativa à escola, e a segunda, como suplência da
educação formal. No final no Brasil se desenvolve nessa corrente o sistema MOBRAL
(Movimento Brasileiro de Alfabetização), com princípios opostos aos de Paulo Freire.
(2000, p.35).

A educação de adultos nas décadas de 40 era entendida como uma exten-


são escola formal, e em especial na zona rural, com um viés de democratização da
escola formal. Já nos anos 50, no Brasil surgem os movimentos populares nos
bairros, dos profissionais do magistério e de lideranças políticas com tendências
não conservadoras, que lutaram por uma escola pública, gratuita e de qualidade,
sendo considerada uma educação de base. Neste período o movimento de esquer-
da que apoiavam a industrialização do país, entendiam a possibilidade da ascensão
social, originando assim, a ideologia nacionalista projetando a educação conscien-
tizadora. (COLESEL; LIMA, 2010).

42
Para Paiva (1970) citado por Gadotti (2000, p. 35), a segunda guerra
mundial, a educação de adultos foi integrada como educação popular não-formal,
sendo considerada uma educação para o povo, significava a difusão do ensino
elementar. A partir da segunda guerra, segundo Gadotti a educação de adultos "foi
concebida basicamente como independente da educação elementar", em alguns
momentos por motivos políticos populistas.
No âmbito brasileiro, historicamente a educação de adultos poderia ser
dividida em três períodos, de acordo com os estudos de Gadotti: a) 1º período de
1946-1958, marcado pelas campanhas nacionais de iniciativa oficial, conhecidas
como as "cruzadas", para a erradicação do analfabetismo, também entendida como
uma "chaga", comparada como a malária, uma doença; b) 2º período de 1958-
1964. Em 1958, foi realizado o 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos,
tendo a participação de Paulo Freire. Surge a ideia de um programa permanente
de alfabetização, a criação do Plano Nacional de Alfabetização de Adultos condu-
zido por Paulo Freire, sendo extinto com o Golpe de Estado em 1964. A educação
de adultos era tida como educação de base, articulada com as "reformas de base",
defendida por João Goulart (governo popular/populista). Também foram extintos
os Centros Populares de Cultura-CPCs, após o golpe militar em 1964 e o Movi-
mento de Educação de Base -MEB, apoiado pela igreja, teve sua duração até 1969;
c) 3º período - Governo militar insistia em campanhas como a "Cruzada" do Ação
Básica Cristã - ABC e posterior, com o Movimento Brasileiro de Alfabetização -
MOBRAL.
O MOBRAL foi criado pelo decreto nº 62.455, de 22 de março de 1968,
e aprovado posteriormente pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, no
governo de Artur da Costa e Silva na Ditadura Militar, regulamentando a Educa-
ção de Adultos no período de 1964-1985. Este programa de educação de adultos
criado no governo militar, num caráter legal assegurou a organização de ações de
alfabetização e de forma ininterrupta as atividades de alfabetização funcional.
Neste contexto, percebemos dois princípios fundamentais no MOBRAL:
a educação funcional e continuada, sem nenhuma articulação com as iniciativas
anteriores dos movimentos populares. A partir da lei que criou o MOBRAL, pre-
viu a educação de adultos, dá surgimento a uma nova proposta pedagógica para
um novo contexto entre 1964 a 1985 (COLESEL; LIMA, 2010). Fica explícito que
o MOBRAL era baseado no modelo de educacional da política econômica do
governo militar. Além de ficar claro que o conceito de alfabetização no período
militar era funcional e distanciado de uma educação reflexiva, voltada para a trans-
formação, conforme narra (COLESEL; LIMA, 2010).

43
A educação funcional estava ligada à formação dos sujeitos para exercício
de uma função social. Assim, a alfabetização funcional sobreveio para abrir cami-
nhos de oportunidades para as pessoas atuarem na sociedade, cumprindo deveres,
sujeitos trabalhadores e não atuantes para o exercício da cidadania.
Conforme Escobar (2007) a denominação educação ―funcional‖ originou-se do
estilo americano:
[...] no estilo norte-americano e, por isso mesmo, é usado numa visão mais complexa
do que meramente o conhecimento da leitura e da escrita. O conceito de funcionali-
dade corresponde a um modo de estar adaptado às exigências da sociedade moderna
e de sua relação com o sistema de produtividade e consumo. Com efeito, a compara-
ção entre a funcionalidade na alfabetização e modernização da sociedade corresponde
ao pensamento economista burguês, na avaliação entre papel social da alfabetização,
e o de uma prática política, que influenciou o período do Estado Militar, com a cria-
ção do MOBRAL. (ESCOBAR, 2007, p. 10).

Dessa maneira, percebemos que educação de adultos na perspectiva entre


a funcionalidade da alfabetização pelo MOBRAL e a modernização da sociedade,
logo, no avanço econômico no período da ditadura civil-militar, era fundamentada
numa alfabetização visando apenas na produção do indivíduo, ao treinamento da
mão-de-obra. O conceito de educação continuada está ligado nas questões dos
procedimentos e na organização pedagógica do movimento, conforme afirmam
Colesel e Lima (2010):

A execução das etapas, orientadas e supervisionadas pelo MOBRAL/CENTRAL; o


desenvolvimento das habilidades de ler, escrever e contar; e dentro desse contexto,
encontra-se outro conceito que também está fixado a esses dois principais conceitos,
onde também influenciaram as práticas pedagógicas e burocráticas do MOBRAL [...].

Em síntese, o movimento educacional da época militar, tanto os funcio-


nais e da educação continuada, tinha objetivo obrigar os sujeitos a cumprir uma
função e a participação estava ligada no âmbito econômico, pois, quanto mais
rápido concluísse os estudos estava apto para o mercado de trabalho, e qualificado.
Com a "redemocratização" em 1985, chamada "Nova República", sem
qualquer consulta para os educadores, ocorreu a extinção do MOBRAL. É criada a
Fundação Educar, com objetivos mais democrático, mas sem os recursos que o
MOBRAL tinha. Assim, houve o esvaziamento da política de educação de adultos
pela Nova República e autodenominado "Brasil Novo" em 1990, no primeiro
governo eleito depois de 1964. Há nesse período o PNAC (Plano Nacional de
Alfabetização e Cidadania), com uma enorme propaganda, mas no ano seguinte
foi extinto, sem que a sociedade civil tivesse explicação.

44
No ano de 1989, foi criada a Comissão Nacional de Alfabetização coor-
denada por Paulo Freire e José Eustáquio Romão. Esta comissão ainda, continua,
até os dias de hoje, com objetivo de elaborar diretrizes de alfabetização, que estabe-
lece prazos, mas muitas vezes não são assumidas pelo governo (GADOTTI, 2000).
Luiz Eduardo Waderley (1985, p. 58-79) citado por Gadotti (2000, p. 36)
narra que o autor distingue três orientações sobre a educação popular no Brasil,
podem ser identificadas, também na América Latina, que são: a) a educação popu-
lar de orientação de integração, consiste numa educação instrumental, entendida
por uma hegemonia das classes dominantes, tendo como finalidade a consolida-
ção do capitalismo dependente; b) a educação popular com orientação nacional-
desenvoltista", com cunho de um capitalismo autônomo, nacional e popular,
como a "educação funcional" (UNESCO). Esse tipo de educação de adultos a
intenção de "distribuir os benefícios do progresso social e econômico", sem questi-
onamento, "da legitimação do capital econômico dependente"; c) educação popu-
lar com a orientação de libertação "objetivo de estimular e potencialização da
população por meio da conscientização, da capacitação e de ampla participação
social. A partir desse modelo orientador, alguns "grupos problematizaram, critica-
vam a ordem econômica capitalista" e começaram a exigir mudanças estruturais
profundas".

4. Das perspectivas atuais das tendências, de acordo com Gadotti


O autor parte de um parâmetro fazendo uma relação entre o Estado e
educação popular, dividindo em duas concepções a educação de adultos, enquan-
to educação popular, em duas grandes tendências, que são:
a) a tendência, que a chamou de maniqueísta, aquela que não admite o Estado
como parceiro da educação popular. Nessa tendência, o Estado visa a manipulação
e cooptação, enquanto que a educação popular priva pela participação e à emanci-
pação. Assim, sendo inconciliáveis; b) a tendência integracionista que propõe a
colaboração entre Estado, Igreja, sociedade civil, entre outros. Nessa tendência há
duas vertentes, que o autor as distingue em: b.1) a vertente que defende a simples
extensão da escola das elites para toda a população (PAIVA, 1970, P.39); b.2) a
vertente uma nova qualidade para a escola pública, com caráter popular (DUAR-
TE, 1992).
Segundo Brandão (198, p. 106-197) citado por Gadotti (2000), na análise
do ao dizer que "se nota hoje no Brasil é:

1º) a retração do Estado e consequentemente ampliação dos setores da sociedade civil;


2º). uma ampliação e diferenciação de programas;

45
3º). acentuada ampliação do trabalho de educação dos menos qualificados".
4º). continuidade das experiências de educação popular de setores de vanguarda da igreja;
5º). aumento de agências civis de trabalho pedagógico;
6º). Aumento de iniciativas populares como a educação sindical, educação política, etc.

Diante da retração do estado, somam-se as iniciativas da sociedade civil,


após a extinção do MOBRAL, "mas apareceu o problema da pulverização das
iniciativas que persistem até hoje não foi resolvido", conforme afirma Gadotti
(2000, p.38).
Gadotti assinala que o governo se encontra despreparado teoricamente
para encarar o problema da educação para todos os brasileiros, em conformidade
com a "Declaração Mundial sobre Educação Para Todos e o Plano de Ação para
Satisfazer as Necessidades Básica de Aprendizagem" com a Conferência Mundial
sobre a Educação Para Todos, ocorrida em Jomtien na Tailândia, no ano de 1990,
não demonstra interesse político para o cumprimento os compromissos assumi-
dos. Nota-se uma crise de fracassos na maioria dos programas de alfabetização dos
países de Terceiro Mundo. Ainda, cita que a UNESCO no período de 1991, di-
vulgou o aumento expressivo de analfabetos, da qual também analisa ser em con-
sequência do fracasso dos programas e concepções pedagógicas.
Portanto, a alfabetização não é uma coisa simples, nem neutra ou boa,
pois depende do contexto, tanto no meio rural como no urbano, pois possuem
diferentes efeitos para os alfabetizados. Ainda, podemos verificar que a alfabetiza-
ção está somada a outros fatores na sociedade. Também se observa a existência dos
problemas metodológicos não resolvidos pelos programas de alfabetização implan-
tados no país.
Gadotti reforça que, "ninguém alfabetiza ninguém", ainda que "o alfabeti-
zador não alfabetiza o aluno", sendo apenas o "mediador" no processo "entre o
aprendiz e a escrita". Assim, para que ocorra a alfabetização o professo precisa
conhecer o aluno e o objeto desse processo. Desta forma a "mediação consiste em
estruturar as atividades que permitem ao alfabetizado agir e pensar sobre a escrita
de mundo" (GADOTTI, 2000, p. 39).
Segundo Piaget citado pelo Gadotti (2000, p. 39) acima referido, "é o
sujeito que constrói seu conhecimento para se apropriar do conhecimento dos
outros".
Na educação de adultos o estudante não pode ser tratado como uma
criança, pois, já possui conhecimento e cultura adquiridos. O adulto que ver a
aplicação imediata do que está aprendendo, às vezes se mostra temeroso, sente-se
ameaçado, sendo preciso ser estimulado, para que não se sinta inferiorizado, em

46
algumas ocasiões envergonha-se ao falar de si, da sua realidade, das experiências
frustradas em relação à escola. Assim, sendo necessário que o estudante expresse,
um dos primeiros direitos do alfabetizado é o direito de se expressar e a escola
precisa oportunizar a verbalizar.
Retomando as conferências internacionais de educação de adultos, lem-
brando num breve histórico a VI Conferência Internacional de Educação de Adul-
tos, realizada em 2009, em Belém, no Brasil, cujo documento era reavaliar os
princípios apontados na V CONFINTEA, em Hamburgo na Alemanha. A VI
CONFINTEA de Belém procurou fortalecer o reconhecimento da aprendizagem e
educação de adultos na perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, harmoni-
zando a aprendizagem de acordo a agenda internacional de educação, desenvolvi-
mento e a integração nas estratégias setoriais nacionais.
Ainda, a avaliar os compromissos assumidos em 1997, tais como:

promover o reconhecimento da aprendizagem e educação de adultos como um ele-


mento importante e fator de contribuição à aprendizagem ao longo da vida, sendo a
alfabetização a sua fundação; enfatizar o papel crucial da educação e aprendizagem a
realização das atuais agendas internacionais de educação e desenvolvimento (EPT,
ODM, UNLD, LIFE e DESD); renovar o momentum e o compromisso político e de-
senvolver as ferramentas para a implementação, a fim de passar da retórica à ação
(Portal do MEC -, As Confinteas - Breve histórico).

A VI Conferência Internacional de educação de adultos abordou a temá-


tica "Vivendo e aprendendo para um futuro viável: o poder da aprendizagem e da
educação de adultos‖. Esta conferência foi um marco, no Brasil, e também sendo
no Hemisfério Sul, no Pará, em Belém, em 4 de dezembro de 2009. Antes do
evento aconteceu o movimento nacional de preparação e a "Conferência Regional
da América Latina e Preparatória da Conferência" de Belém, realizada no México
em setembro de 2008.
Na VI CONFINTEA foi aprovado o "Marco de Ação de Belém", docu-
mento final, que compreende:

Aprovação do ―Marco de Ação de Belém‖, documento final da Conferência: impor-


tância de ler e entender o Documento, no contexto do Relatório Global sobre
Aprendizagem e Educação de Adultos – GRALE (Global Report in Adult Learning
and Education).O Documento estabelece recomendações e fortalece metas já estabe-
lecidas por outras agendas internacionais, como: - Educação para Todos – EPT (Edu-
cation for All – EFA) - Década das Nações Unidas da Alfabetização (2003 – 2012) –
United Nations Literacy Decade – UNLD Em 2007 foi criada a Agência coordena-
dora da UNESCO da Década da Educação, um grupo de 20 peritos/especialistas em
alfabetização e áreas afins. Iniciativa de Alfabetização para o Empoderamento – Lite-

47
racy Iniciative for Empowerment – LIFE (2006-2015) . Objetivos de Desenvolvimen-
to do Milênio – ODMs – 8 jeitos de mudar o mundo (UNESCO, 2009).

A VI Conferência Internacional de Educação de Adultos realizada no


Brasil, em 2009, veio de encontro com a política pública de educação de jovens e
adultos, que vem sendo construída no país em relação à modalidade EJA.
Em 2016, aconteceu em Brasília o Seminário Internacional de Educação
– CONFINTEA BRASIL +6, tendo como temática de "Educação ao Longo da
Vida". O Seminário se constituiu num importante espaço de discussão para cele-
bração de compromissos com a construção de uma política brasileira de educação
de jovens e adultos na perspectiva da educação ao longo da vida.

Considerações finais:
Na história da educação de adultos no Brasil se observa as mudanças que
vem ocorrendo no Brasil, referente as leis e se observa que a cada mudança de
governo à nível nacional há a edição de uma nova proposta campanha de alfabeti-
zação para a Educação de Jovens e Adultos, algumas descontínuas, a cada mudan-
ça de governo.
Portanto, a Educação de Jovens e Adultos não é apenas um direito à
educação para aqueles que não concluíram o ensino regular na idade própria, é
mais do que isso, pois a alfabetizar na EJA é propiciar às pessoas condições para
desenvolver seu potencial, valorizar a igualdade e liberdade independente de ida-
de, mas ao longo da sua vida.
É importante ressaltar, embora a educação de adultos vem se construindo
com políticas públicas ao longo dos anos com legislações para a garantia da moda-
lidade EJA, ainda se percebe a necessidade de mudanças em diversos setores, bem
como, de metodologias para que seja garantido o direito à educação ao longo da
vida desses sujeitos.
Todas as conferências internacionais de educação de adultos pautaram a
importância da construção de compromissos de uma política pública brasileira
para a educação de jovens e adultos, de medidas efetivas e coerentes declaradas nas
conferências, especialmente na VI CONFINTEA.

48
Referências

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lense. 1981.

BRASIL. Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967. Provê sobre a alfabetização funci-


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lia, 15 dez 1967.

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetiza-


ção, Diversidade e Inclusão. Coletânea de textos CONFINTEA Brasil+6: tema
central e oficinas temáticas. Brasília: MEC, 2016.

COLESEL, Alessandra; LIMA, Michele Fernandes de. I Seminário de Pedagogia.


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sobre educação de adultos – de Elsinore (1949) a Hamburgo (1977): a política
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GADOTTI, M.; ROMÃO, j. Educação de Jovens e Adultos: teoria, práticas e


proposta. 2ª ed.rev. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2000.(Guia da escola
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49
PAIVA, Vanilda Pereira. História da Educação Popular no Brasil, educação
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PAIVA, Valnilda Pereira. Educação Popular e educação de adultos. São Paulo,


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Http://www.ufsm.br/revistaeducaçãoespecial. Acesso em 12 mar de 2021.

50
SEGUNDO BLOCO
***
Educação Não Escolar
e Paulo Freire

51
52
Participação política dos grêmios estudantis: proposta
de formação a partir dos Círculos de Cultura

Camila Perez da Silva


Ricardo Gavioli de Oliveira

O público jovem passou a ocupar um lugar de destaque nas pesquisas aca-


dêmicas, em especial, a partir do processo de redemocratização do país, expresso
na Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança Adolescente (ECA) de
1990 (LINO et al., 2007). Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, a juventude é considerada uma etapa importante para o jovem realizar
escolhas e buscar a inserção na vida social (BRASIL, 2014).
Neste sentido, as instituições escolares representam importantes espaços
formativos, capazes de contribuir para que os jovens compreendam a necessidade
de participar dos processos relacionados à organização da sociedade, promovendo
debates acerca da representatividade e da complexidade que envolve a participação
política. Isto faz com que eles reconheçam que a participação é um momento
privilegiado e essencial para o exercício da cidadania e da democracia.
Os Grêmios Estudantis expressam uma importante força política de mu-
dança, pois constituem espaços consultivos e deliberativos que proporcionam o
desenvolvimento da consciência crítica dos estudantes, favorecendo inclusive a
democratização da gestão escolar.
Partindo destas premissas, os autores apresentarão a seguir uma breve refle-
xão acerca dos resultados obtidos por meio de um Estudo de Caso, realizado em
ocasião de uma pesquisa de mestrado, que analisou as ações desenvolvidas por
uma Diretoria de Ensino do interior do Estado de São Paulo entre o período de
2013 a 2015, a fim de elucidar quais aspectos contribuíram ou não para incentivar
a participação política de estudantes gremistas nas escolas públicas estaduais pau-
listas.
Após a análise dos resultados, os autores passaram a refletir sobre novas
formas de potencializar a participação deste colegiado nas instituições de ensino.
Após o contato com os Círculos de Cultura proposto por Freire (1967), foi possível
vislumbrar novas dinâmicas de organização para atuação das agremiações nas

53
escolas, afinal, a metodologia inerente aos Círculos de Cultura possibilita a criação
de espaços de reflexão e diálogo efetivos entre os estudantes gremistas e os mem-
bros da comunidade escolar, possibilitando a problematização da sua realidade,
além de incentivar a experiência filosófica por meio de debates.
O texto foi organizado a partir de dois pontos de reflexão interdependen-
tes: o primeiro consiste em uma apresentação sucinta sobre os resultados obtidos
através do Estudo de Caso em questão, com vistas à elucidação da proposta de
trabalho dos autores voltada para a utilização da dinâmica inerente aos Círculos de
Cultura Com foco no incentivo da participação política dos Grêmios Estudantis e
na potencialização de sua representatividade nas escolas. O segundo ponto, consis-
te em uma síntese acerca das principais contribuições teórico-filosóficas de Paulo
Freire,tendo em vista a constituição de uma colegialidade efetiva capaz de favore-
cer tanto as ações das agremiações, como o próprio processo de democratização da
gestão escolar como um todo.

1) Contextualizando: por que os Círculos de Cultura?


A partir do ano de 2013, após ter constatado a ausência de agremiações
oficialmente instituídas nas unidades de ensino, uma Diretoria de Ensino locali-
zada no interior paulista, iniciou um trabalho de incentivo do protagonismo juve-
nil nas escolas para estimular a presença dos Grêmios Estudantis, oferecendo
orientações que pudessem contribuir para a organização de suas ações. Este traba-
lho consistiu basicamente na realização de orientações técnicas ministradas pelos
Professores Coordenadores do Núcleo Pedagógico 7, aos alunos, professores e ges-
tores acerca da importância deste colegiado e dos trâmites legais necessários para a
constituição das agremiações, tais como: montagem das chapas, cerimônia de
posse, reuniões extraordinárias, preenchimento de atas, retomada do histórico de
atuação das agremiações anteriores, elaboração dos planos de atividades, orienta-
ções coletivas e momentos de socialização de atividades em formato de Encontros
Regionais, com vistas a estimular a participação dos estudantes em reuniões peda-
gógicas como, por exemplo: Planejamento Anual, Dia da Auto Avaliação Institu-
cional, Replanejamento, dentre outras.
Como resultado deste trabalho, as 33 escolas pertencentes à jurisdição des-
ta Diretoria de Ensino que ofereciam o Ensino Fundamental – Anos Finais, passa-
ram a realizar anualmente a eleição direta das chapas, estimulando ações que pu-

7
Conforme o Artigo 6º da Resolução SE 75 de 2014, o PCNP tem como atribuição: a) identificar e
valorizar os saberes do Professor Coordenador (PC) da unidade escolar; b) fortalecer o papel do PC
como formador de professores; c) oferecer subsídios teóricos e operacionais de sustentação da prática
do PC; d) organizar e promover Orientações Técnicas visando a esclarecer e orientar os PCs.

54
dessem contribuir para o avanço significativo do protagonismo, assim como da
democratização da gestão escolar.
A Figura 1 apresenta uma síntese das principais atividades gremistas que
foram estimuladas por esta Diretoria de Ensino:

Figura 1. Atividades desenvolvidas pelas diretorias gremistas a partir de 2014.

Fonte: SILVA; ZUIN, 2015, p. 379.

Ademais, os estudantes destacaram que a função do Grêmio Estudantil se


relaciona também à melhoria da vida escolar, especialmente ao processo de ensino
aprendizagem, com ênfase nas transformações ocasionadas na vida social, política
e econômica dos sujeitos que o compõem.

Figura 2. Ações de melhoria da escola envolvendo os grêmios durante o ano de 2014.

Fonte: OLIVEIRA, 2017, p. 45.

55
Os números apresentados na Figura 2 representam o total real de escolas
participantes e as ações correspondentes a cada uma delas em relação à melhoria
da escola.
Todavia, durante a realização destas ações verificou-se que algumas agremi-
ações apresentavam dificuldade para compreender o sentido de sua representativi-
dade, o que fez com que alguns estudantes ficassem desestimulados a continuar
participando do processo. Esta ausência de sentido destacada durante a pesquisa
na fala dos sujeitos envolvidos, elucidou a utilização de um discurso normatizador
por parte dos integrantes da Diretoria de Ensino que, em diferentes aspectos,
comprometeu o andamento das atividades planejadas pelas agremiações:

[...] o direcionamento fez com que os alunos não percebessem a realidade da escola,
talvez por isso muitos deles acabavam desanimando.... Porque quando o trabalho é
muito direcionado ele foge do contexto. (OLIVEIRA, 2017, p. 38).

Ou ainda:

No final, o grêmio fica cumprindo ‗tarefas‘ da Diretoria e muitas vezes apenas um ou


dois alunos se envolvem nas atividades. O responsável pelo grêmio na escola é cobra-
do pela Diretoria e o resultado fica mais pela ação desta pessoa do que pela participa-
ção espontânea dos integrantes do grêmio. A discussão da participação e real função
do grêmio na escola ficam em segundo plano. (OLIVEIRA, 2017, p. 64).

A pesquisa revelou que o interesse e a vontade em constituir esse colegiado


não partia de forma espontânea apenas dos estudantes. Em algumas unidades de
ensino, prevaleceu a sensação de que a constituição das agremiações fazia parte
apenas de uma política pública definida pela Diretoria de Ensino, o que acabou
comprometendo a participação política destes estudantes.
Não basta, portanto, instaurar grupos ou colegiados com o intuito de esti-
mular a participação no interior das instituições de ensino. Faz-se necessário que a
comunidade escolar compreenda concretamente a importância de fortalecer práti-
cas de deliberações coletivas, posto que este processo somente alcançará seu objeti-
vo à medida em que for sendo construído em conjunto.
Assim, embora as ações desenvolvidas por esta Diretoria de Ensino tenham
provocado vários tipos de participação nas escolas, ainda havia um vasto percurso
para que estão corresse de forma democrática, uma vez que não foi possível evi-
denciar nos Grêmios Estudantis, deste caso específico, um protagonismo juvenil
que despontasse para uma autonomia em suas relações, articulações ou atuações.
(OLIVEIRA, 2017).

56
É indiscutível que, enquanto colegiado, o Grêmio Estudantil possibilita a
ampliação das relações pessoais e sociais, ensinando o jovem a ouvir e a respeitar o
outro, incentivando a participação política. Todavia, as ações analisadas revelaram
que vários são os desafios que envolvem o incentivo do protagonismo juvenil
através deste colegiado. É preciso que os estudantes experenciem através deste
colegiado, que para fazer parte deste grupo é preciso se esforçar e se adaptar às
situações diversas, reconhecendo as agremiações como uma oportunidade única de
aprendizagem (MARTINS; DAYRELL, 2013).
Para Abranches (2003), ―os indivíduos se inserem nos colegiados, partici-
pam de suas ações, mas não sabem definir exatamente o que seria essa prática‖
(p.67). Por esse motivo, um dos pressupostos da gestão democrática é a capacitação
de todos os segmentos escolares, entendendo que participação exige aprendizado.
Pensando que autonomia e democracia são processos a serem construídos
com o outro, a escola é concebida como instituição que permite a aprendizagem
da democracia como prática e não como método. Por este motivo, é fundamental
que os colegiados não sejam utilizados apenas como uma forma de auxiliar a ges-
tão, posto que isto caminha na contramão do conceito de gestão democrática,
conforme salienta Paro (1988, p. 06):

[...] a democratização da gestão da escola básica não pode restringir-se aos limites do
próprio estado, — promovendo a participação coletiva apenas dos que atuam em seu
interior — mas envolver principalmente os usuários e a comunidade em geral, de mo-
do que se possa produzir, por parte da população, uma real possibilidade de controle
democrático do Estado no provimento de educação escolar em quantidade e quali-
dade compatíveis com as obrigações do poder público e de acordo com os interesses
da sociedade.

O conceito de participação política nas instituições de ensino, fundamenta-


se, portanto, na noção de autonomia dos sujeitos para que todos compreendam
que o processo educacional é algo que se constitui através do diálogo e da ativa
participação da comunidade escolar.(LUIZ; NASCENTE, 2013).
A autonomia é vista como uma forma de inserir a comunidade nos proces-
sos decisórios, fomentando a possibilidade de negociação coletiva, a fim de superar
práticas autoritárias com vistas à emancipação.
Refletindo sobre as relações de poder que envolvem os Grêmios Estudan-
tis, a pesquisa revelou que a participação dos estudantes pouco contribuiu para
novas formas de produção e de relação social nas escolas, oportunizando situações
de atuação capazes de fazê-los opinar e ter voz ativa frente aos planejamentos e nas
tomadas de decisão, tornando-se desta forma, protagonistas de fato.

57
Assim, fazia-se necessário encontrar outros modelos de ações formativas,
que considerassem tanto o cumprimento dos dispositivos de gestão democrática
do ensino público de que trata a Constituição Brasileira e a LDB nº 9394/96,
como o incentivo efetivo destas agremiações nas escolas. Foi justamente a partir
desta necessidade, que os autores passaram a investigar diferentes metodologias
que pudessem contribuir para maximizar o protagonismo juvenil e, ao mesmo
tempo, minimizar o direcionamento externo das ações planejadas pelas agremia-
ções.
Neste sentido, questiona-se: qual metodologia seria capaz de promover de-
bates acerca da representatividade dos Grêmios Estudantis e, ao mesmo tempo,
possibilitasse a compreensão da complexidade inerente à participação política
destes estudantes, imprescindível para o exercício da cidadania e da democracia?
Na busca de mecanismos de interação e diálogo que se constituíssem em
espaços de problematização coletiva, capaz de transformar pessoas e contextos
possibilitando o exercício da cidadania e democracia nas escolas, os autores se
depararam com a proposta dos Círculos de Cultura de Paulo Freire (1967), os quais
permitem a criação de espaços de reflexão e diálogo com vistas à análise colabora-
tiva da realidade e à experiência filosófica dos sujeitos envolvidos.
Capaz de desenvolver a educação popular, entendida como a práxis social,
os Círculos de Cultura trazem como princípios de organização, o diálogo, a partici-
pação, o trabalho em grupo e o respeito mútuo, com o objetivo de ajudar os sujei-
tos a emergirem das suas situações limites e romperem com conceitos fortemente
enraizados pela disseminação de uma educação bancária8, combatendo a passividade
e a aceitação de sua condição de opressão.

O ponto de partida para o trabalho no círculo de cultura está em assumir a liberdade


e a crítica como o modo de ser do homem. [...] O círculo se constitui assim em um
grupo de trabalho e de debate. Seu interesse central é o debate da linguagem no con-
texto de uma prática social livre e crítica. Liberdade e crítica que não podem se limi-
tar às relações internas do grupo, mas que necessariamente se apresentam na tomada
de consciência que este realiza de sua situação social. (FREIRE, 1967, p. 14).

A lógica democratizante e libertadora contida nas dinâmicas de organização


destes círculos, permitem o questionamento da lógica padronizadora e direciona-
dora das atividades das agremiações, favorecendo a participação consciente e a
ressignificação da realidade da comunidade escolar de forma integral.

8
De acordo com FREIRE, 1981.

58
Por este motivo, a proposta de utilização dos Círculos de Cultura no processo
de dinamização dos Grêmios Estudantis é capaz de potencializar o desenvolvimen-
to de uma postura crítica, instigando a reflexão coletiva acerca da diversidade
própria de cada instituição de ensino, construindo alternativas de ação mais soli-
dárias para as problemáticas desveladas.
A partir da organização de funcionamento dos Círculos de Cultura, as etapas
de organização do planejamento das agremiações seriam assim divididas: 1º) esta-
belecer um momento de diálogo entre os estudantes gremistas e a comunidade
escolar (representantes de gestores, funcionários, professores, pais e responsáveis)
tendo em vista a identificação dos problemas mais latentes da realidade local; 2º)
escolha e delimitação dos problemas que deverão ser examinados e trabalhados a
partir do diálogo inicial; 3º) definir os temas geradores para conduzir as discussões
e estudos sobre o assunto; 4º) planejar a intervenção na realidade a partir da pro-
posição de encaminhamentos práticos para as problemáticas desveladas; 5º) prepa-
rar atividades comunitárias com vistas à ação solidária no interior das unidades de
ensino.
Tomando por base esta proposta, entendemos ser possível inaugurar ações-
concretas de incentivo ao protagonismo juvenil, com foco na problematização de
questões referentes à prática social e ao exercício da cidadania na perspectiva da
participação política, buscando soluções para os entraves verificados com a finali-
dade de promover o diálogo e a democratização da gestão escolar de fato. Con-
forme Freire (1996), a educação não é um processo realizado por outrem, ou ape-
nas pelo próprio sujeito: é um processo que se realiza na interação entre os sujeitos
históricos por meio de suas palavras, ações e reflexões.

2) As contribuições da perspectiva analítica freiriana para o incentivo


do protagonismo estudantil e da democratização da gestão escolar.

Paulo Freire com uma relevância ímpar, situou a educação brasileira em


seu contexto sócio histórico propondo uma prática educativa voltada para cidada-
nia e a liberdade.
A primeira matriz de seu pensamento foi a cristã, de onde ele herdou a
ideia do diálogo e da comunicação para a comunhão, tão presentes em sua peda-
gogia. Para Freire (1996), não existe outro modo de ensinar a não ser através do
diálogo, premissa fundamental para promover uma aproximação entre os estudan-
tes e a gestão escolar, com vistas à sua democratização efetiva.
O autor inter-relaciona a esta matriz ao pensamento marxista, com o obje-
tivo de refletir sobre a possibilidade do sujeito que vive sob o julgo da ideologia

59
capitalista, tomar consciência de sua situação de opressão através do processo
educativo, criando possibilidades concretas de libertação social. Tal afirmação
relaciona-se também à corrente filosófica da fenomenologia, a qual aborda a com-
preensão do mecanismo de funcionamento da consciência humana, que represen-
ta a tomada de posição frente ao mundo. Deste modo, Freire (1979) defende que a
conscientização acerca da situação de opressão é o ponto de partida do ato educa-
tivo.

Está tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta consiste no


desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois,
que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a
uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o ho-
mem assume uma posição epistemológica. A conscientização é, neste sentido, um tes-
te de realidade. Quanto mais conscientização, mais se ―desvela‖ a realidade, mais se
penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para ana-
lisá-lo. (FREIRE, 1979, p. 15).

Em sociedades que se caracterizam pela presença contraditória de interesses


distintos, na qual determinadas classes sociais promovem a dominação de outras, a
educação que predomina é a das classes dominantes. Por este motivo, na concep-
ção freiriana, o modo como a escola se organiza, os saberes que ela privilegia e, os
modelos de comportamento que ela procura inculcar nos estudantes, estão sinto-
nizados com a cultura da classe dominante, a quem interessa uma educação que
venha a encobrir a realidade ao invés de desvelá-la. Este modelo educativo tem
como primazia ocultar a verdade ao invés de revelá-la. A esse processo, Freire de-
nominou ―educação bancária‖, uma prática na qual os estudantes são tratados
como recipientes para que os educadores depositem conteúdos que deverão ser
memorizados e repetidos irrefletidamente.
Para Freire (1981), quando a escola propaga este modelo educativo, ela re-
flete a estrutura de poder de dominação da sociedade de classes, de tal forma que a
concepção de educação bancária contribui para reforçar a dicotomia opressor
versus oprimido, alimentando a lógica da dominação em função de uma educação
pautada na passividade, da adaptação, no silenciamento das diferenças e na inge-
nuidade e subordinação dos estudantes às normas estabelecidas, negando o diálo-
go e intensificando sua função disciplinatória. Para ele, a escola se apresenta como
o sistema de poder que limita e neutraliza a expressão e a identidade dos estudan-
tes, especialmente daqueles advindos das classes populares. Se o poder que a escola
transmite de uma educação bancária serve para dissimular esconder e dificultar a
compreensão do mundo e as relações que a engendram, isso significa que o saber

60
transmitido pela escola não serve para a superação da condição de oprimido, mas
sim, para perpetuar as desigualdades sociais.
A educação como prática da liberdade propõe uma reflexão sobre o ho-
mem concreto, situado em seu tempo e na sua relação com o mundo. Por este
motivo, o autor postula uma ―Pedagogia do oprimido‖ que seja constituída a partir
da realidade concreta dos educandos, cujo fundamento é a conscientização para a
libertação.
Baseado nesses princípios, Freire (1967)propõe os Círculos de Cultura, es-
paço no qual os sujeitos, através do diálogo e da problematização de sua realidade
social, buscam novas formas de transformação social, fato que contribui direta-
mente para o incentivo de sua atuação política sobre a realidade. A partir desta
proposta, o oprimido desenvolve uma atitude reflexiva sobre si próprio e passa a
agir de modo atuante em seu mundo, construindo seu próprio destino e assumin-
do as rédeas de sua história.
Esta é uma importante sugestão de organização das ações desenvolvidas pe-
las agremiações nas escolas. Pois, através do diálogo e do exercício de problemati-
zação acerca da sua realidade social, estes estudantes poderão vislumbrar, junta-
mente com a comunidade escolar como um todo, mecanismos concretos de trans-
formação com vistas à superação de sua condição de opressão e silenciamento. Tal
proposta está ancorada em uma educação problematizadora, na qual a aquisição
do saber escolar deixa de ser um mito para se tornar uma realidade. Esta atitude
de respeito e de valorização das experiências gera nos educandos, o sentimento de
autoconfiança, capaz de reverter a situação de fracasso que os atingem.
A escola, enquanto microambiente de cidadania, deve desenvolver no seu
interior uma educação cidadã, por meio do qual os estudantes se assumem como
centro de direito e deveres. A escola cidadã é aquela que viabiliza a cidadania de
quem está nela (GADOTTI; ROMÃO 1997).Para a concretização deste ideal edu-
cativo, Freire (1996) salienta que é preciso estabelecer uma relação horizontal
entre educador e educando, permeada pelo diálogo e não pela transmissão de
conteúdos, o que implica ressignificar a própria concepção de currículo, a fim de
que este não se restrinja à mera seleção de conteúdos, mas que esteja voltando
para as questões reais ligadas à realidade dos educandos. O acesso aos saberes
acumulados historicamente pela humanidade, em confronto com os saberes de-
correntes desta busca constante de compreensão sobre o mundo e cada sujeito, faz
nascer novos conhecimentos voltados para compreensão real dos acontecimentos
sociais, criando situações pedagógicas de ensino e aprendizagem sempre originais e
significativas.

61
Para Freire (2000),não se educa sem a capacidade de se indignar com situa-
ções de injustiça. Por este motivo, a politização e a conscientização das condições
de existência são fundamentais para a superação das condições de exploração.
Afinal, educar é um ato político: ―Ninguém educa ninguém, tampouco ninguém
educa a si mesmo. Os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo‖
(FREIRE, 1981, p. 79).
Com base na pedagogia voltada para denúncia, a indignação, a democra-
cia, a autonomia e a esperança, Paulo Freire sonhou com um mundo mais justo e
com uma utopia de uma sociedade mais fraterna. Sonho e utopia estão imbricados
na denúncia daquilo que não permite a libertação, anunciando uma forma de vida
mais solidária. Mas, foi justamente pelo sonho de uma comunidade de aprendiza-
gem efetiva, que Freire (1996) fez concretizar em suas experiências e práticas edu-
cativas, uma educação emancipatória. Como ele mesmo demonstrou, mudar é
difícil, mas não impossível e uma educação cidadã como prática da liberdade,
deveria sempre partir do respeito, do diálogo, da reflexão crítica, da consciência do
inacabado e do exemplo, capazes de ampliar os horizontes pedagógicos, sociais,
políticos, econômicos e culturais de todos os que estão envolvidos com o processo
educativo.

Considerações Finais
Com base nas proposições teóricas de Paulo Freire e, tendo em vista os
princípios organizacionais dos Círculos de Cultura, entendemos que os estudantes e
a comunidade escolar como um todo poderão experenciar o caráter representativo
dos Grêmios Estudantis o que poderá colaborar inclusive para o fortalecimento da
democratização da gestão escolar e a transformação da realidade educacional.
Enquanto colegiado, os Grêmios constituem um espaço que oportuniza aos
estudantes experiências distintas de atuação cívica frente aos diversos processos de
relações sociais que permeiam o cotidiano escolar, favorecendo não apenas o pro-
tagonismo juvenil, mas principalmente, o exercício da autonomia e da representa-
tividade política, colaborando para o desenvolvimento de ações educativas, cultu-
rais, cívicas, desportivas e sociais no interior das unidades de ensino.
Garantir a participação democrática na escola, a partir do exercício de con-
testação e da problematização, conforme propõe Paulo Freire, faz com que os
estudantes se sintam mais proativos e envolvidos nos processos decisórios, favore-
cendo o exercício da cidadania e da busca de soluções para os entraves verificados
a partir do diálogo. Ações neste sentido apresentam um potencial de criação de
novas maneiras para que a comunidade escolar experencie o caráter representativo
dos Grêmios Estudantis, oportunizando a estes estudantes, experiências distintas

62
de atuação cívica frente aos diversos processos de relações sociais o que poderá vir
a favorecer o exercício da autonomia e da representatividade política de fato.

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Acesso em 18 de março de 2021.

64
Paulo Freire e as práticas pedagógicas
na educação não escolar

Elisangela Trevisan
Fernanda dos Santos Paulo

Introdução
Dados de pesquisas, realizadas por meio de revisão bibliográfica, enfati-
zam a importância e necessidade de pesquisas sobre o contexto de trabalho de
educadores sociais e sua dimensão educativa, constituindo-se em um campo de
demanda por investigação em nível stricto sensu. Para este texto, trataremos de dois
elementos: 1) A Educação Não Escolar e o educador social; 2) As práticas pedagó-
gicas desenvolvidas por educadores sociais na Educação Não Escolar e as relações
com os pressupostos da educação freiriana. Considerando esses pontos, esse texto
objetiva refletir acerca das contribuições de estudos sobre educadores sociais, tra-
balhadores da Educação Não Escolar institucionalizada (PAULO, 2020) e as possí-
veis relações com a concepção teórico-metodológica com base em Paulo Freire.
Diante disto, temos nos questionado e refletido sobre as dificuldades enfrentadas
pelos educadores sociais no dia a dia de seu trabalho. Algumas questões de fundo
merecem destaque: a) Será que os educadores sociais percebem a dimensão educativa e
pedagógica de seu trabalho no SCFV? b) Como a concepção freiriana está presente na
prática pedagógica de educadores sociais do SCFV?
Os dados que embasam a discussão apresentada nesse texto são oriun-
dos da nossa experiência como educadoras sociais e de pesquisa bibliográfica (arti-
gos, livros, dissertações e teses). Na revisão de literatura no Portal da Capes (Teses
e Dissertações), realizada no ano de 2020, localizamos 17 pesquisas. Destas, seleci-
onamos duas, como mostra do que vem sendo pesquisado sobre educadores soci-
ais e educação popular, concepção utilizada por Paulo Freire. Para tanto, nas duas
questões acima apresentadas, delimitamos o tema para Educação Não Escolar e
Educadores Sociais, e nele buscamos a compreensão educativa e pedagógica destes
espaços.

65
Educação Não Escolar e Educadores Sociais: primeiras aproximações
As práticas pedagógicas desenvolvidas na Educação Não Escolar são cons-
tantemente desafiadas pelos pressupostos teórico-metodológicos freirianos. Esta é
uma das motivações deste estudo, associada à formação dos educadores sociais que
trabalham no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV).
Estes educadores trabalham com crianças, adolescentes, adultos e idosos
em situação de vulnerabilidade social, realizando atividades cotidianas e pedagógi-
cas no SCFV. Esta é uma política pública atrelada à Assistência Social, mas que
requer um trabalho junto com outras áreas. Ainda contamos com poucos estudos
sobre a Educação Não Escolar e o trabalho do Educador Social. Contudo, há
alguns anos, estudos relacionados ao SCFV associados à área da educação estão
sendo desenvolvidos, como será apresentado na mostra da revisão de literatura.
Selecionamos dois trabalhos que tratam do educador social, um deles vai denomi-
nar o espaço de atuação como Educação Não-Formal e educação social (NATALI,
2009) e o outro como pedagogia social associado a Educação Popular (SOUZA,
2014).

Quadro1–Mostra da Revisão de Literatura: ―educador social, e educação popular‖


Categoria Citação
A fala dos próprios educadores sociais aponta a falta de
elementos em sua formação que prejudicam sua atuação
junto aos educandos, por muitas vezes nas entrevistas fica
Educação Social e educador social
explícita a necessidade de engajamento, conhecimento políti-
co e também de reflexões sobre a Educação Social (NATALI,
2009, p. 94).
[...] podemos pensar que somente permeados pelas teorias da
Pedagogia Social, da Educação Social, dos princípios da
Educação Popular no Brasil e na América Latina, guiados por
Educação Popular e educador social teóricos como Freire e Brandão, e do Sistema Preventivo,
nossos educadores aumentam as possibilidades de realizar um
trabalho de qualidade, de inserção e de prevenção (SOUZA,
2014, p.101).
Fonte: Dados identificados no ano de 2020, no Portal da Capes: Teses e Dissertações.

Natali (2009) aponta que seu referencial traz o contexto da Educação Não
Formal e cita a Educação Popular presente no terceiro setor. Souza coloca que o:

[...] educador social que atua em obras sociais salesianas na região sul do Brasil tendo
como teoria-base a Pedagogia Social, a Educação Popular na América Latina e o Sis-
tema Preventivo aplicado por Dom Bosco. Para tanto, procurou-se as bases da Peda-
gogia Social, dando ênfase às teorias que subjazem à Educação Social, compreendida
nesta dissertação como Educação Popular, devido à inserção e prática social das obras
salesianas pesquisadas. (SOUZA, 2014, p. 8).

66
A mostra das pesquisas demonstra que existem pesquisas que já vem pro-
blematizando o contexto educativo que atua o educador social. Em ambos os
trabalhos localizamos Paulo Freire como referencial teórico e a menção a Educa-
ção popular como concepção de educação e como campo de atuação. Paulo (2019)
ao apresentar seu estudo com educadores sociais participantes da Associação de
Educadores Populares de Porto Alegre (AEPPA) coloca que, no seu entendimento,
não há educação que não seja social e afirma que:

Os (as) educadores (as) populares, enquanto sujeitos políticos na concepção freiriana,


vem questionando o papel das Organizações Sociais (as ONGs) na cidade de Porto
Alegre porque há uma diminuição da perspectiva da Educação Popular nas comuni-
dades e um aumento da chamada educação social como concepção da Educação Não
Escolar. (PAULO, 2019, p. 32).

Nesse viés, as práticas pedagógicas, desenvolvidas na Educação Não Esco-


lar, por educadores sociais são constantemente desafiadas pelos pressupostos teóri-
co-metodológicos freirianos, pois embora Freire esteja presente nas parcas pesqui-
sas, o contexto de trabalho institucionalizado requer uma fundamentação específi-
ca, que Freire não trabalhou (contexto de trabalho do educador social pós Consti-
tuição de 1988). Porém, sua concepção de educação pode contribuir na sistemati-
zação sobre esse espaço educativo que não é escolar, mas é formal (PAULO, 2020).
Diante disto, cabe ressaltar que as autoras possuem experiência profissio-
nal como professora da Educação Básica e no contexto não escolar. Uma no mu-
nicípio de Bom Jesus do Oeste e em Saltinho - Santa Catarina, e a outra em Porto
Alegre, no Rio Grande do Sul.
Ressaltamos que ao abordar a educação, a entendemos com um significa-
do amplo, aquela que se dá na escola, mas também fora dela. No meu caso (Eli-
sangela), o trabalho educativo que realizo é com crianças e adolescentes no Serviço
de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), política que faz parte do
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da Secretaria da Assistência
Social do município de Serra Alta/SC. Este grupo de crianças e adolescentes tem
entre 04 a 17 anos de idade. Atentamos que a idade de atendimento no SCFV
está concatenada com a Emenda Constitucional nº.59 de 2009 que altera o
Art. 208 da Constituição Federal. No caso de Fernanda, atualmente trabalha com
formação de educadores sociais via Associação de Educadores Populares de Porto
Alegre, mas já foi educadora social do SCFV.
Os educadores sociais do SCFV do município de Serra Alta/SC, têm
20 horas de atividades educativas com os grupos constituídos por Crianças e Ado-

67
lescentes; estes são contratados por edital seletivo anual. Trabalham com ativida-
des de lazer, artísticas, culturais, artesanato, esportes, temas da atualidade para a
formação da cidadania, dentre outras temáticas. Inclusive, este é um tema que
pode ser explorado em outros estudos, se levado em consideração o que se chama
de ―contra turno ou turno inverso‖ no SCFV e aquilo que está previsto na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e no Plano Nacional de Educação
(2014-2024) referindo-se a Meta 6: educação em tempo integral.Não se trata da
mesma coisa, mas possui semelhanças. Isto é, o tema em questão é complexo e
pouco conhecido na área da educação, merecendo atenção e desdobramentos.

Considerações finais
Os estudos realizados para a compreensão do tema da Educação Não Es-
colar e o trabalho de educadores sociais contribuíram para a seguinte sistematiza-
ção:

1) Há muitos significados para educações que se dão fora da escola.


(GOHN, 2006; GADOTTI, 2012; AFONSO, 2001; PAULO, 2020).
2) Estudos sobre educadores sociais na Educação Não Escolar Instituci-
onalizada demonstram que existe uma pedagogia nas propostas edu-
cativas. As pedagogias podem ser críticas ou acríticas. (PAULO,
2020).
3) A Educação Não Escolar não é contrária à educação escolar: ―educa-
ção não-escolar não pode ser construída contra a escola, nem servir a
quaisquer estratégias de destruição dos sistemas públicos de ensino‖.
(AFONSO, 2001, p. 31). Concordam com esta afirmação Gadotti
(2006) e Azevedo (2007).
4) A Educação Não Escolar implica uma educação para a cidadania li-
bertadora. Paulo Freire e a educação popular podem contribuir.
(FREIRE, 1991; GADOTTI, 2007, 1999; BRANDÃO e ASSUMP-
ÇÃO, 2009, PAULO, 2020).
5) Paulo Freire quando utilizado por educadores sociais, na maioria
das vezes, é a partir da concepção metodológica, sobretudo por meio
da experiência dos Círculos de Cultura. (PAULO, 2020).

Diante destes estudos foi possível perceber que as discussões sobre traba-
lho e formação de educadores sociais ainda são superficiais e limitantes quando
abordamos o fazer pedagógico, especialmente referindo à diversidade cultural dos
sujeitos que participam de espaços educativos diversos. Também tem insuficiente

68
produção sobre a inclusão social dos sujeitos do SCFV, via políticas intersetoriais,
e o seu potencial educativo. Paulo (2020) trata deste tema, explicitando a carência
de estudos sobre o contexto da atuação de educadores sociais na Educação Não
Escolar Institucionalizada. Um ponto que ficou destacado é que a formação de
educadores sociais, que atuam com estudantes de escola pública, no turno inverso
da escola via política da Assistência Social, parece ser insuficiente porque não
permite a reflexão sobre o trabalho educativo e pedagógico, desenvolvido comas
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Outro destaque, é
que os estudos realizados, nem todos educadores sociais, por não possuírem for-
mação específica ( PAULO, 2020) não percebem, ainda, a dimensão educativa e peda-
gógica de seu trabalho no SCFV e mesmo conhecendo Paulo Freire, a concepção freiri-
ana de educação não é aprofundada e, pouco é compreendida na relação com a prática
pedagógica de educadores sociais. (BRASIL, 2017; PAULO, 2020).
Por fim, segundo as pesquisas os sujeitos da Educação Não Escolar Ins-
titucionalizada, em especial os educadores sociais, conhecem ou ouviram falar em
Paulo Freire, mas nem todos estudaram sua concepção de Educação Popular, por
exemplo. No Grupo de Estudos e Pesquisa Paulo Freire e Educação Popular vimos
que o maior desafio, no tocante a Educação Não Escolar institucionalizada é sus-
tentar um projeto de sociedade que subverta a ordem vigente (capitalista e merca-
dológica). Esta constatação merece maiores pesquisas para ratificá-la, se for o caso.
Os estudos identificados merecem ser socializados para que o tema seja de conhe-
cimento na área da educação, haja vista que a Educação não se realiza somente
dentro do espaço da escola, como consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996.

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71
Levantamento de teses e dissertações sobre
a educação não escolar (2015-2020)

Vanessa Pescador

Introdução
A educação em seu âmbito geral sempre esteve em pauta, porém o termo
―Educação não escolar‖ ainda é um contexto a ser desbravado na sua importância
e no seu caráter formativo. O presente artigo, construído a partir do catálogo de
teses e dissertações da Capes, visou analisar como o tema vem sendo tratado a
partir de 2015. Percebeu-se que o tema ainda é abordado de forma não aprofun-
dada, tendo poucas pesquisas e quando citado, é de forma superficial. A Educação
Não Escolar está tão presente em nossos dias quanto à educação escolar, contudo
não é compreendida com tamanha importância.
Palhares (2009, p.56) aponta que ―O não escolar, nas sociedades ociden-
tais, tem sido marcado, sobretudo pelas funções de complemento (nalguns casos) e
suplemento à educação escolar, não obstante as propostas de redefinição do cam-
po educativo e os discursos sempre renovados de ―crise‖ da escola‖. A educação
fora da escola vem para ampliar conceitos, valores e experiências que muitas vezes
não são possíveis dentro dos espaços formais. A escola pública até trabalha na
tentativa de abraçar uma diversidade de saberes, mas no formato que se encontra,
não consegue absorver esse emaranhado de conhecimentos e experiências formati-
vas. Os espaços não escolares são braços da educação escolar, proporcionando
atividades culturais, artísticas, esportivas, comunitárias e sociais. Nessa ressignifica-
ção da educação para além dos espaços escolares, encontramos grandes possibili-
dades de qualificar a Educação Não Escolar como uma continuidade da escola,
não querendo criar um ambiente de competição, mas atribuindo a devida impor-
tância que o contexto não formal possuí. Os obstáculos são muitos, lutamos por
melhorias na educação, que seja de qualidade, com incentivo à qualificação de
professores, salários justos e uma fatia maior de recursos para os estados e municí-
pios.
Segundo Gadotti (2007, p.26) ―o neoliberalismo concebe a educação co-
mo uma mercadoria, reduzindo nossas identidades às de meros consumidores,
desprezando o espaço público e a dimensão humanista da educação‖. Nessa pers-
pectiva, a Educação Não Escolar compreende ainda menos recursos e espaços

72
físicos adequados para que essa continuidade da escola seja efetiva. Precisamos
compreender e desmistificar esses espaços fora da escola, onde encontra-se a edu-
cação popular, educação social, comunitária, atividades culturais, esportivas e
educativas, sendo de suma importância para que o ―aprender‖ não aconteça so-
mente em caixinhas sistematizadas, mas que possibilitem um aprendizado para a
cidadania, contra o racismo, a favor do respeito das diferentes culturas e a diversi-
dade.

Procedimentos e análises da presença de Paulo Freire


A delimitação da pesquisa se deu através do descritor Educação Não Es-
colar, sem aspas, encontrando 695901 trabalhos. Buscou-se, então, o mesmo des-
critor utilizando aspas (―Educação não escolar‖), assim convertendo para 51 traba-
lhos. Com uma busca mais refinada, utilizou-se o termo ―Educação não escolar‖
entre aspas, teses e dissertações a partir de 2015, na área de concentração Educa-
ção, resultando em 18 trabalhos. Destes 18 trabalhos, foram analisados quais
tratavam de forma mais efetiva sobre Educação Não Escolar, analisando as pala-
vras chaves, os títulos e os resumos, sendo então, selecionados 9 trabalhos para
análise (ver quadro na página seguinte).
Os trabalhos que foram descartados não tratavam com objetividade
sobre o tema, e relatavam de forma superficial apontamentos do mesmo. O tema
Educação Não Escolar até era apresentado nas palavras chaves, porém no resumo e
no desenvolvimento encontrava-se de forma superficial. A escolha por abordar a
Educação Não Escolar vem de uma vontade pessoal de aprofundar conceitos e
demonstrar a importância que esse tema tem para nosso entendimento de educa-
ção fora do espaço escolar. Sendo que quando falamos em educação, sempre os
primeiros espaços que nos vêm à mente são os escolares, contudo a educação está
em diversos espaços da comunidade, atividades culturais, esportivas, artísticas e
comunitárias. As teses e dissertações selecionadas da plataforma da Capes trazem a
Educação Não Escolar de forma mais simplificada, não aprofundando o tema no
seu conceito e importância. Tendo como base os resumos, pode-se perceber que
somente em uma das teses (ZOPPEI, EMERSON. A Educação Não Escolar no
Brasil)a Educação Não Escolar realmente tem um grande aprofundamento teórico
e conceitual. As demais são estudos de casos onde a Educação Não Escolar não é o
objetivo direto de estudo, é tratada de forma secundária, sendo esse nosso propósi-
to, qualificar o tema e suas concepções. Dos trabalhos selecionados podemos per-
ceber que a Educação Não Escolar é um tema ainda pouco pesquisado. Utilizando
a base de dados teses e dissertações juntamente com as revisões bibliográficas,
pretendemos articular e compreender esse contexto educativo.

73
Quadro 1– Tabulação parcial dos dados das dissertações e teses

Catálogo de teses e dissertações da CAPES:


Palavras - Chaves Universidades
Pesquisa refinando dados utilizando “Educação não escolar”
Campo da educação não
ZOPPEI, EMERSON. A Educação Não Escolar no Brasil' 18/06/2015 344 f.
escolar. Campo da Pública
Doutorado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE DE SÃO
educação não formal. Estadual
PAULO, São Paulo Biblioteca Depositária: FEUSP
Pedagogia social.
SILVA, DILSON RUFINO DA. JOVENS E O FAZER TEATRAL: CONTRI-
BUIÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR EM Jovens. Fazer teatral.
TEATRO AOS SEUS PROCESSOS DE SOCIALIZAÇÃO E AUTONOMIA ' Educação não escolar Pública
29/07/2016 130 f. Mestrado em Educação Instituição de Ensino: UNIVERSIDA- Socialização. Estadual
DE DE SÃO PAULO (RIBEIRÃO PRETO), Ribeirão Preto Biblioteca Depositária:
Biblioteca Central USP-RP
SILVA, PATRICIA MODESTO DA. O IMPACTO DAS PRÁTICAS DE EDU-
CAÇÃO NÃO-ESCOLAR NA VIDA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM Educação não escolar.
SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL: ESTUDO DE CASO DE Práticas educativas.
Privada
UMA ASSOCIAÇÃO' 04/07/2018 102 f. Mestrado em EDUCAÇÃO Instituição Educação de crianças e
de Ensino: UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL, Caxias do Sul Biblioteca adolescentes.
Depositária: Biblioteca Central da Universidade de Caxias do Sul
Educação não escolar.
VARGAS, SERGIO ROGERIO SILVA DE. EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR E Educação social. Seguran-
POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA: TENSÕES EMERGENTES' ça Pública. Política de
09/12/2015 110 f. Mestrado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: Universida- aproximação. Programa Comunitária
de do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba Biblioteca Depositária: DIS 379 V297e educacional de resistência
2015 Biblioteca Joaçaba às drogas e a violência.
Proerd.
VASCONCELOS, AILTON MARQUES DE. Educação não escolar: um estudo Teoria crítica da socieda-
sobre as suas expressões pedagógicas e sociais na relação com a escola' 27/07/2015 de. Educação não escolar.
103 f. Mestrado em EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE Controle social. Educação Privada
Instituição de Ensino: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO não formal.
PAULO, São Paulo Biblioteca Depositaria: PUC/SP
Política Pública de Saúde.
SALVI, ELENIR SALETE FROZZA. POLÍTICAS DE ATENÇÃO BÁSICA E
Agente comunitário de
EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR: ELEMENTOS EDUCATIVOS DA PRÁTICA
Saúde. Educação não
DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE, 10/09/2018 98 f. Mestrado em
escolar. Problematização Comunitária
EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA
de políticas e práticas
CATARINA, Joaçaba Biblioteca Depositária: DIS 379 S184p 2018 Biblioteca
educativas. Entrevistas
Joaçaba
compreensivas.
FRANCISCO, JULIO CESAR. Processos educativos não escolares: um estudo em Fundamentos da educa-
unidade de internação no Estado do Ceará' 16/02/2017 138 f. Mestrado em ção. Medida Socioeducati-
Pública
EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO va de internação. Socioe-
Federal
CARLOS, São Carlos Biblioteca Depositária: undefined ducadores. Educação não
escolar. Juventude.
SANTOS, VANESSA SOARES DOS. EDUCAÇÃO ESCOLAR E NÃO ESCO-
Políticas educacionais.
LAR: DUAS FACES DA EDUCAÇÃO INTEGRAL?' 23/05/2016 116 f. Mestra-
Programa mais educação. Pública
do em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE
Atividades diferenciadas. Federal
FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, Corumbá Biblioteca Depositária:
UFMS
PEREIRA, ANA LUCIA NUNES. O estágio curricular supervisionado em espaços
Estágio supervisionado.
não escolares no curso de pedagogia da Universidade do Estado da Bahia
Educação não escolar.
(UNEB): as contribuições no percurso formativo' 17/11/2017 171 f. Doutorado Pública
Formação de Professores.
em EDUCAÇÃO (CURRÍCULO) Instituição de Ensino: PONTIFÍCIA UNIVER- Estadual
Pedagogia.
SIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, São Paulo Biblioteca Depositária:
PUC/SP
Fonte: Da pesquisa

74
Alguns autores que são pontuais nos trabalhos selecionados como Afon-
so, Gohn, Freire e Gadotti, trazem reflexões que qualificam a Educação Não Esco-
lar e sua relevância nos debates relacionados aos espaços não escolares e a educa-
ção social. Afonso (2001) reflete trazendo a importância de compreender os espa-
ços não escolares como um segmento da educação escolar, sendo que os mesmos
sempre existiram, de forma formalizada ou informal. Em concordância com o
autor, pude verificar na prática, sendo professora de Dança em Programas Sócio
Educativos, que esses espaços efetivamente desenvolvem atividades educacionais,
encontrando-se nas comunidades, alguns vinculados a Assistência Social, outros as
secretarias de Esporte e Cultura dos Municípios, alguns vinculados ao Sesi (Pro-
grama Atleta do Futuro) etc. Porém, percebe-se uma falta de estrutura para qualifi-
car essas ações, as atividades muitas vezes são realizadas em casas alugadas, associa-
ções, ginásios e espaços comunitários.
As contribuições que Paulo Freire e Gadotti nos trazem desde os anos 50
até os dias atuais, nos convidam para compreender a educação como um caminho,
não como um fim. O pensamento crítico de Gadotti (2007, p. 26) expressa que ―a
diversidade é a característica fundamental da humanidade''. Por isso não pode
haver um único modo de produzir e de reproduzir nossa existência no planeta‖. O
desafio de repensar esses espaços não escolares como uma continuidade da educa-
ção se faz necessário, eles sempre existiram, porém encobertos, sem tanta visibili-
dade e distantes da escola. A educação popular, social e comunitária, em espaços
institucionalizados ou não formais, coexiste com a educação formal, esboçando
uma realidade educacional brasileira que se constitui de informalidades. Segundo
Gadotti (2012), a educação não formal chega muitas vezes onde o estado não
chega, nas comunidades, através de ONG‘s e outros grupos da sociedade civil que
se organizam para realizar ações expressivas educacionais, culturais e sociais. Ga-
dotti (2012, p.22) considera que a educação não formal atrelada a educação popu-
lar, ―trata-se de um paradigma teórico nascido no calor das lutas populares que
passou por vários momentos epistemológicos e organizativos, visando não só a
construção de saberes, mas também ao fortalecimento das organizações popula-
res‖. A educação formal e não formal é um campo muito amplo e complexo, que
vem estabelecendo relações com um emaranhado de outras possibilidades, em seu
interior os objetivos se assemelham, o caráter formativo e educacional. A Educa-
ção Não Escolar tendo concepções como educação social e educação popular,
pulverizam esses espaços formais e informais, criando um movimento que se forta-
lece, pretendendo alargar a educação para outros espaços, sejam eles com grandes
estruturas até os lugares mais distantes onde o Estado parece não abraçar.

75
Gohn (2006) ressalta que a educação é organizada como educação formal
(que acontece nos espaços escolares), educação informal (entende-se como de
forma natural e cotidiana) e educação não formal (onde existe uma intenção de
criar espaços para desenvolver atividades fora da escola). A autora traz resumida-
mente os objetivos da educação não formal sendo: Educação para a cidadania,
justiça social, para direitos, liberdade, igualdade, para a democracia, contra a dis-
criminação, para o exercício da cultura e manifestações das diferentes culturas.
Através dos estudos de Paulo (2020) entendo que o termo educação não
escolar, não é necessariamente educação não formal ou informal, pode ser forma-
lizada ou informal. Para Paulo (2020, p. 92) ―a definição de Educação Não Escolar
tem que ser descrita em seu tempo e espaço, já que a maioria dos nossos estudos
acontece em contextos não escolares institucionalizados‖, ela enfatiza que esses
espaços possuem regras institucionais, horários, planejamento e outras normativas,
compreendendo a Educação Não Escolar como uma modalidade de educação e
não como uma nova área.
Paulo e Tessaro (2020) trazem alguns apontamentos importantes para
compreender a relação do não escolar e o não formal:

Paulo (2013) não classifica a Educação Não Escolar em educação não formal ou edu-
cação informal. Para ela, a Educação Não Escolar pode ser formalizada e não formali-
zada. A autora sugere, ainda, que apontamentos devem ser observados:
1. O termo educação não-formal não é sinônimo de informalidade. Como exemplo,
citamos o caso dos educadores sociais que atuam no Serviço de Convivência e Forta-
lecimento de Vínculos (SCFV). O contexto de trabalho é não escolar, mas com for-
malização (horário, currículo, planejamento, acompanhamento, etc.).
2. A expressão educação social não é utilizada por Paulo (2013) porque compreende
que toda educação é, na sua essência, social. Toda educação, seja ela crítica ou autori-
tária, se dá no contexto social. Para a autora, no Brasil, tem se utilizado os referenci-
ais da educação popular para conceituar a educação social, e, com isso, o movimento
de criação de um conceito, utilizando-se das experiências da educação popular, apre-
senta-se problemático.
3. A negação da educação popular com base em Paulo Freire como pressuposto teóri-
co-metodológico de práticas educativas, escolares e não escolares, e como sinônimo
de educação popular, negligencia a história da educação popular no Brasil. Isto é, ―o
conceito de educação social oculta o de educação popular, encharcado de história, ou
seja, de luta das camadas populares por educação pública de qualidade‖. (RIBEIRO,
2006, p. 170-171). (PAULO e TESSARO, p. 89).

É importante perceber essa relação entre o não escolar e o escolar, em


conjunto com o formal e o não formal, elas existem de forma sistemática e organi-
zada, sendo formalizadas ou informais. Segundo Fuhrmann e Paulo (2014, p.554),

76
―entende-se por Educação Não Escolar as atividades pedagógicas exercidas numa
perspectiva da educação social, da educação não formal e da educação informal‖.
Pensando a educação sem dicotomias, esse entendimento entre formal e não for-
mal, se complementam conforme apontam Furhmam e Paulo (2014, p. 563):

Na prática, as duas modalidades de ensino-aprendizagem fazem parte de um mesmo


processo, como sístole e diástole, imanente do ciclo de educação de crianças e adoles-
centes. Possuem funções distintas, mas são complementares e indispensáveis ao fun-
cionamento da complexa teia que forma o sistema educacional no país. (FUHR-
MANN; PAULO, 2014, p. 563).

Bruno (2014) reflete sobre os termos educação formal, não formal e in-
formal como uma trilogia, a autora analisa a realidade portuguesa, tal afirmação,
de certa forma, pode se aplicam à realidade brasileira, que também percebe essas
três dimensões como lacunas da educação. Bruno (2014, p. 22) enfatiza que ― a
amplitude dos processos educativos abrange práticas, actores, modelos e lógicas de
acção diversas. Da diversidade emerge a hibridez que ultrapassa a conceptualização
da educação a partir da trilogia‖.
Pinto (2008, p.47) afirma que ―a educação não-formal surgiu, como con-
ceito e como resposta educativa, para superar os problemas não resolvidos do
sistema formal de ensino‖. Efetivamente percebemos que a escola pública precisa
de muitos ajustes, no modelo que se encontra não consegue absorver e dissolver o
ensino, se não de forma instrumentalizada. A Educação Não Escolar surge como
um segmento da educação formal, partilhando de concepções como educação
popular, educação social, educação cultural, educação e saúde, educação e esporte,
diversidade e cidadania, ocupando um lugar que o estado nem sempre alcança.
A Educação Não Escolar não está entrando em disputa com a escola for-
mal, pelo contrário, ela traz reflexões que apontam sua importância para comple-
mentar a educação escolar. Quando falamos em educação já visualizamos os espa-
ços escolares, contudo o ato de educar acontece na família, nos bairros, nos proje-
tos sociais, nas comunidades, no cotidiano, na interação e socialização com outras
pessoas. Se faz necessário olhar a educação com maior abrangência, as políticas
públicas são destinadas para a educação formal, tendo pouco orçamento para
outros contextos. É fundamental que os municípios elaborem programas e proje-
tos que atendam essa demanda de atividades não escolares, afinal, uma educação
para a cidadania acontece em outros espaços, que não necessariamente, sejam os
formais. Afonso (2001) sustenta que:

77
Cumpre-nos, por isso, estar criticamente precavidos para o facto de a recente valori-
zação do campo da educação não-formal poder significar ou implicar a desvalorização
da educação escolar. Por essa razão, a justificação da educação não-escolar não pode
ser construída contra a escola, nem servir a quaisquer estratégias de destruição dos
sistemas públicos de ensino, como parecem pretender alguns dos arautos da ideologia
neoliberal. Nesse sentido, é importante salientar que o campo da educação não-
escolar (informal e não formal) sempre coexistiu com o campo da educação escolar,
sendo mesmo possível imaginar sinergias pedagógicas muito produtivas e constatar
experiências com intersecções e complementaridades várias. (AFONSO, 2001, p. 31).

A educação está na escola e para além dela, as atividades que as crianças e


adolescentes vivenciam nos diferentes espaços promovem uma educação pautada
na diversidade, na criatividade, na socialização, na autonomia e construção de
valores éticos e morais. A Educação Não Escolar precisa ser compreendida como
um braço da educação formal. Segundo Gadotti(2007, p.26), ―educar para outros
mundos possíveis é fazer da educação, tanto formal, quanto não-formal um espaço
de formação crítica‖. A educação vem através da família, perpassa pelos anos esco-
lares, segue pelos espaços não formais e não escolares e vai sendo consolidada
durante a vida. A educação freiriana através do olhar de Gadotti(2007, p.23) evi-
dencia que:

A teoria e a práxis de Paulo Freire cruzaram as fronteiras das disciplinas, das ciências
e dos espaços geográficos. Foram para além da América Latina. Ao mesmo que tem-
po que as suas reflexões foram aprofundando o tema que ele perseguiu por toda a vi-
da – a educação como prática de liberdade – suas abordagens transbordaram-se para
outros campos do conhecimento, criando raízes nos mais variados solos, fortalecendo
teorias e práticas educacionais, bem como auxiliando reflexões não só de educadores,
mas também de médicos, terapeutas, cientistas sociais, filósofos, antropólogos e ou-
tros profissionais. O seu pensamento é considerado um exemplo de transdisciplina-
ridade. (GADOTTI, 2007, p. 23).

A educação freiriana nos chama a atenção para a sensibilização que preci-


samos ter para com as pessoas e os espaços educativos, sejam eles formais ou não
escolares. Sobretudo entendendo a educação como algo significativo na vida das
pessoas, ela necessita ser construída a partir de alguns aspectos, tais como: uma
educação que seja libertadora, que respeite as individualidades, que construa sabe-
res levando em conta a realidade, uma educação que compreenda o meio e pro-
mova uma reflexão crítica através das experiências formativas. Levando em consi-
derando a educação a partir de Paulo Freire, Gadotti (2007, p.27) destaca a neces-
sidade de se ―educar para a paz, para os direitos humanos, para a justiça social e
para a diversidade cultural, contra o sexismo e o racismo‖.

78
O legado de Paulo Freire tendo como propósito uma educação para to-
dos, transdisciplinar, emancipatória e humanizada, promoveu mudanças significa-
tivas na educação da América Latina. Freire acreditava numa educação que pudes-
se atingir a todas as classes, com equidade, democratização e qualidade. Em suas
palavras fica claro sua perspectiva de uma renovação da educação e da escola:

Mudar a cara da escola implica também em ouvir meninos e meninas, sociedades de


bairro, pais, mães, diretoras de escolas, delegados de ensino, professoras, superviso-
ras, comunidade científica, zeladores, merendeiras etc. Não se muda a cara da escola
por um ato de vontade do secretário. Para concluir, eu diria que nos engajamos na
luta por uma escola competente, democrática, séria e alegre. (FREIRE,1991, p. 35).

Essa maneira sensível e democrática de perceber a educação para além


das paredes da escola, possibilita que compreendamos a educação escolar e a não
escolar como algo essencialmente atrelado com a comunidade e a família. A mera
sistematização de conteúdos afasta a educação da realidade social. Freire (1991)
preocupa-se com os espaços escolares públicos que estão ficando cada vez mais
empobrecidos e esquecidos, ―como você vê, não podemos falar de metas educati-
vas sem nos referirmos às condições materiais das escolas. A prática educativa cuja
política nos cabe traçar, democraticamente, se dá na concretude da escola‖. Gadot-
ti (2007) estudioso da educação freiriana afirma que:

Educar para outros mundos possíveis é fazer da educação, tanto formal, quanto não-
formal, um espaço de formação crítica e não apenas de formação de mão-de-obra pa-
ra o mercado; é inventar novos espaços de formação alternativos ao sistema formal de
educação e negar a sua forma hierarquizada numa estrutura de mando e subordina-
ção; é educar para articular as diferentes rebeldias que negam hoje as relações sociais
capitalistas (GADOTTI, 2007, p. 26).

Essa educação voltada para a humanização e a disposição de repensar e


educar para outros mundos possíveis, nos dá esperança e coragem para crer que
através da educação, sendo formalizada ou não, ela poderá alcançar a todos. Sa-
bemos que não é uma tarefa fácil esse objetivo, mas é preciso acreditar que é possí-
vel. Gadotti (2012, p.12) ressalta que ―precisamos politizar mais nosso argumento
e polemizar menos, ver primeiro o que nos une, valorizar mais a luta do que a
disputa‖. A educação escolar e não escolar sempre coexistiu, os espaços educativos
que estão fora da educação formal complementam as perspectivas educativas que a
escola nem sempre consegue concretizar.
Durante a pesquisa realizada no catálogo de teses e dissertações da Capes
sobre Educação não escolar, pode-se verificar que de nove trabalhos selecionados,

79
seis traziam Freire em suas referências e somente três trabalhos traziam o autor a
partir de outros referenciais. Compreendendo a Educação Não Escolar como um
tema que emerge a partir de práticas desenvolvidas em espaços formais e não for-
malizados, a perspectiva freiriana serve como um potencial referencial para as
pesquisas que envolvem a temática Educação Não Escolar e educação popular.
Os seis trabalhos que apresentavam as obras de Freire traziam conceitos
em comum, tais como: educação problematizadora, transformação social, ação
reflexiva, emancipação, educação libertadora, subjetivação, práxis transformadoras,
pedagogia crítica, entre outros. Freire foi um educador que compreendia e acredi-
tada numa educação para além dos morros da escola, seus livros e seus escritos nos
apresentam um olhar mais sensível e humanizador, aproximando o educador da
realidade social dos seus educandos, encontrando possibilidades para uma educa-
ção transformadora em todos os espaços, escolares e não escolares.

Considerações Finais
Utilizando o levantamento de teses e dissertações da Capes e os referen-
ciais teóricos como base de dados, pode-se perceber o quanto o tema Educação
Não Escolar ainda é pouco pesquisado. O mesmo até aparece em muitas disserta-
ções e teses, mas como algo secundário e simplificado. Foram selecionados nove
trabalhos que traziam o tema no título e nas palavras chaves, porém, apenas em
uma delas o tema foi abordado com profundidade tendo grande aporte teórico e
conceitual. Os trabalhos que foram descartados até possuíam o tema nas palavras
chaves, mas quando acessado o resumo e o desenvolvimento da pesquisa, notou-se
que não abordavam o tema de forma significativa. Pode-se perceber também que
das nove pesquisas selecionadas para análise, duas eram de universidades privadas,
duas comunitárias e cinco de universidades públicas. Permitindo-nos visualizar que
ainda há um número maior de pesquisas nas universidades públicas, do que nas
privadas, sendo que a maioria dos alunos universitários está matriculada em uni-
versidades privadas, essa é uma realidade que precisa ser levada em conta. As uni-
versidades públicas, mesmo estando em um quantitativo menor em relação às
privadas, detêm a maior concentração de pesquisas, ou seja, as universidades pri-
vadas, tem uma preocupação com a pesquisa?
Refletindo sobre o tema abordado e os autores utilizados, pode-se afirmar
que é de grande relevância compreender a correlação existente entre educação
social, escolar e não escolar. As práticas educativas desenvolvidas nos espaços não
escolares contribuem para a formação social, artística e cognitiva, por isso a impor-
tância de aprofundar os estudos nos processos educativos, buscando aportes teóri-
cos que direcionam as pesquisas de forma reflexiva. Além disso, vários estudos são

80
desenvolvidos levando em consideração o âmbito do espaço escolar, sendo neces-
sárias maiores investigações sobre os processos de ensino e aprendizagem realiza-
dos em espaços não escolares. A Educação Não Escolar coexiste com a educação
formal, porém é preciso ser estudada com maior rigor, ampliada e conceitualmen-
te ser entendida com tamanha relevância. Acredito que mais estudos referentes ao
tema devem ser realizados, tendo como base outras plataformas para que tenha-
mos mais bases de dados e referências sobre o assunto. A educação vai para além
dos espaços escolares, e nesse anseio de qualificar o tema Educação Não Escolar,
precisamos de mais pesquisas para que esse contexto seja compreendido como um
segmento da educação formal e não com dualidade.

Referências

AFONSO, Almerindo Janelas. Os lugares da educação. In: SIMSON, O. R. M.;


PARK, M. B.; FERNANDES, R. S. (Org.). Educação não formal: cenários da
criação. Campinas: Editora da Unicamp/Centro de Memória, 2001. p. 29-37.

BRUNO, Ana. Educação formal, não formal e informal: da trilogia aos cruzamen-
tos, dos hibridismos a outros contributos. Revista Portuguesa Medi@ções. V- 2,
nº 2- 2014

FUHRMANN, Nadia; PAULO, Fernanda dos Santos. A formação de educadores


na educação não formal pública. Educação e Sociedade, Campinas, v. 35, n. 127,
p. 551-566, Abr./Jun. 2014.

GADOTTI, Moacir. Paulo Freire e a educação popular. Revista Proposta. Ano 31,
nº 113, Jul/set- 2007.

GADOTTI, Moacir. Educação Popular, Educação Social, Educação Comunitária:


conceitos e práticas diversas, cimentadas por uma causa comum. Revista Diálogos,
18 (1), p.10-32. 2012

GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal, participação da sociedade civil e


estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: Avaliação e Política Pública em Educa-
ção. Rio de Janeiro, v. 14, n. 50, p. 27-38, Jan./Mar. 2006.

81
PAULO, Fernanda dos Santos; TESSAR0, Mônica. Semelhanças e diferenças
entre as concepções de educação social, educação popular e educação social. Re-
vista Debates em Educação. Vol. 12, Nº 2, 2020.

FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo. Cortez. 1991.

PINTO, Luis Miguel Castanheira Santos. Educação Não-Formal: um contributo


para a compreensão do conceito e das práticas em Portugal. DISSERTAÇÃO
(Mestrado em Educação e Sociedade) – Instituto Superior de Ciências do Traba-
lho e da Empresa, Instituto Universitário de Lisboa. Lisboa, p. 126, 2008.

STRIEDER; Roque; LAGO, Clenio; EIDT, Paulino. Complexidade e experiências


formativas. Perspectiva (UFSC), v. 35, p. 1240-1260, 2017.

PALHARES, José Augusto. Reflexões sobre o não escolar na escola e para além
dela. Revista Portuguesa de Educação. 2009.

82
Concepções de cultura: um diálogo entre
Paulo Freire e Augusto Boal

Caroline Brunoni
Fernanda dos Santos Paulo

O presente capítulo é resultado da pesquisa de mestrado, defendida em


2019. O tema central é o conceito de cultura, sendo analisado, sobretudo, a partir
de Paulo Freire e Augusto Boal. Para iniciarmos o nosso texto, socializamos uma
fotografia de Augusto Boal e Paulo Freire juntos. A foto é do arquivo pessoal de
Bárbara Santos, que disponibilizou para o blog ―Diário de Pernambuco‖.

Figura 1 - Conferência Internacional de Teatro e Pedagogia do Oprimido, nos Estados Unidos.

Fonte: Bárbara Santos/Arquivo Pessoal


http://blogs.diariodepernambuco.com.br/documentoboal/augusto-boal/

83
Os conceitos de cultura são tão amplos quanto diversos, como foi
constatado nos estudos a partir de Freire. Nesse sentido, fazemos o uso da ex-
pressão ―culturas‖ no plural (LARAIA, 2001). Por uma opção política, apre-
sentamos os conceitos de culturas a partir do olhar de Paulo Freire (1981,
1982, 1987) e de Boal (1988, 2008), em diálogo com outros autores.
Discorremos sobre esses conceitos para abordar, de modo breve, as re-
lações entre a educação estética e concepções de uma educação libertadora na
Educação Popular e Teatro do Oprimido; para tanto, partimos do entendi-
mento de que todo o ser humano é um ser cultural e histórico. Apresentamos
algumas interfaces entre os trabalhos de Boal e Freire que dialogam com os
traços culturais. Buscamos compreender as relações culturais historicamente
constituídas, a partir dos autores que são referência para nós.
Cultura, termo de complexa definição, porque diz respeito a toda
nossa constituição simbólica, enquanto humanos; refere-se, também, às especi-
ficidades de cada grupo social, etnia ou indivíduo. É, então, de forma com-
plementar, o todo e, principalmente, os detalhes que nos diferenciam. A cul-
tura está no nosso passado e no presente, como movimento singular e diferen-
te – constituindo-se a cada tempo histórico. Diferente, porque a cultura não é
estática, está sempre em transformação, sendo um conceito que não se limita,
não se concretiza, mas vai sendo construído, em um processo continuamente
dinâmico. Singular porque expressa um tempo histórico muito marcado, no
passado, por uma cultura baseada no sistema patriarcal. Parece-nos que o dife-
rente e o singular ganham uma conotação estática no passado, mas houve mo-
vimentos de entender essa cultura dominante para superá-la - o que possibili-
tou chegar a nossa atual compreensão; não há uma única cultura, mas cultu-
ras, no plural, inicialmente e predominantemente construídas e entendidas
através dos empréstimos culturais. Esse retrato representa entendimentos de
culturas, movimentando-se em direção ao amanhã (LARAIA, 2001), o que nos
possibilita ampliarmos nossas próprias compreensões.
A cultura nos define enquanto seres humanos, bem como somos nós
que as definimos como culturas. Utilizamos, por exemplo, de simbologias nas
ações do nosso cotidiano e na forma de nos relacionarmos. Assim, a cultura é
ação, é atividade humana que se refere, especificamente, a nós: homens e mu-
lheres, conforme destaca Boal (1988, p. 94):

Cultura é o conjunto de todas as atividades do homem, consideradas não em si


mesmas, mas no modo pelo qual se realizam em cada sociedade e num dado momen-

84
to. [...]. Trabalhar, lutar, amar, ensinar, estudar, pescar, cozinhar, pintar, fazer teatro,
etc. são atividades que os homens realizam em sociedade, através de formas culturais
estabelecidas por cada sociedade, em cada momento histórico. São ―culturas‖. Cultu-
ra é, também, [...], o conjunto de atividades referentes a determinados e limitados se-
tores da atividade humana: cultura artística, cultura científica, cultura humanística,
cultura desportiva, etc.

Pelas palavras do autor, fica evidenciado que além de fazedores de


culturas, também somos criadores de novas formas de culturas. Vemos que,
nesse sentido, Freire (1987) atribui a todas as relações interpessoais, a palavra
cultura: ação cultural (prática educativa), círculos de cultura (uma das metodo-
logias de Educação Popular), cultura dominante (uma cultura que se impõe
sobre as demais), cultura opressiva (cultura autoritária), cultura do silêncio (as
culturas populares que se silenciam e aceitam a dominação), ação cultural para
a liberdade (cultura de uma educação libertadora, através do desenvolvimento
da conscientização, eu ↔ mundo).
O termo cultura é frequente em todas as suas obras, pois o autor vê a
educação, que é seu principal tema, como ação cultural. Vê, igualmente, a cul-
tura como uma relação de pertencimento, porque somos produtores de cultu-
ra:

[...] Distinção entre os dois mundos: o da natureza e o da cultura. O papel ativo do


homem em sua e com sua realidade. O sentido de mediação que tem a natureza para
as relações e comunicação dos homens. A cultura como o acrescentamento que o
homem faz ao mundo que não fez. A cultura como o resultado de seu trabalho. Do
seu esforço criador e recriador. O sentido transcendental de suas relações. A dimen-
são humanista da cultura. A cultura como aquisição sistemática da experiência hu-
mana. Como uma incorporação, por isso crítica e criadora, e não como uma justapo-
sição de informes ou prescrições ―doadas‖. A democratização da cultura-dimensão da
democratização fundamental. (FREIRE, 1967, p.108).

O princípio democrático da cultura significa entender a cultura como


inerente a nós, portanto, nela, existe uma dimensão humanista que perpassa
pelas relações homem-mundo. O processo de democratização fundamental ne-
cessita de uma educação crítica e reflexiva com o povo, capaz de superar a visão
mágica da compreensão de cultura e da realidade. Freire (1987) diz que a de-
mocratização da cultura não é possível com a educação bancária. O princípio
democrático da cultura requer uma Teoria da Ação Dialógica (FREIRE, 1987),
cuja Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido contribuem para a supe-
ração da nossa história de educação opressora e a conquista de uma verdadeira
democracia.

85
Em Política e Educação (2001), Freire diz ter uma única ―certeza de que
as coisas estão sempre se fazendo e se refazendo [...] a gente está sendo‖ (p.40).
Não é coerente, com a perspectiva crítica da educação, falarmos em uma única
cultura, como se houvesse uma única verdade, quando se trata de concepção e
compreensão de culturas, pois:

A Verdade de cada sociedade humana, ou de cada um dos seus segmentos, é deter-


minada por sua cultura, que é a soma ativa de todas as coisas produzidas por qual-
quer grupo humano e num mesmo tempo e lugar, em sua relação com a natureza e
com outros grupos sociais. (BOAL, 2008, p.32).

No entanto, apesar de cada cultura estabelecer suas ―verdades‖, são


históricas as relações de dominações culturais, nas quais, uma cultura se impõe
sobre as outras, ditando seus costumes, suas certezas, as suas ―verdades‖. Dian-
te disso, Boal (2008) fala que o mundo é pluricultural, e essa diversidade entra
em confronto, através de guerras permanentes, na tentativa, que é histórica, de
um conjunto de valores se impor sobre outros. Todavia, não é só o mundo em
um sentido macro espacial que manifesta diferenças culturais, mas os países, as
regiões, as cidades, os bairros, os grupos sociais. Inclusive, podemos constatar
as diferenças dentro de uma mesma família, entre as gerações. O autor, ainda,
afirma que somos, em diferentes aspectos, também plurais, tendo nossos pró-
prios conceitos, que divergem, sobre diferentes questões.
A compreensão de diversidade cultural enquanto direito é muito re-
cente, principalmente no Brasil. É a partir do século passado que alguns inte-
lectuais brasileiros passam a se preocupar com a identidade cultural e genuína
dos nossos povos. Surge o debate sobre as culturas populares em contraposição
a uma tendência cultural de dominação que se instalou aqui, nessas terras na-
cionais, desde a chegada dos portugueses, com a reprodução da cultura estran-
geira (IANNI, 2004). Durante muitos anos e até os dias atuais, há reflexos de
um país colonizado, com a prevalência de uma cultura colonizadora decorren-
te do discurso dos ―colonialistas de que somente eles tinham cultura‖. (FREI-
RE, 1982, p. 50). Afirmaram e reforçaram a ―verdade‖ de que a história inicia
com a sua chegada, porque isso se fez necessário à sua prática de exploração
econômica, precisando, assim, negar a história e cultura dos povos colonizados
(FREIRE, 1982).
Diante do exposto, enquanto nação, enquanto brasileiros, também
manifestamos culturas que resultam de encontros de dominação. E, sobre esse
contexto histórico-social, Brandão (1986, p. 90) explica:

86
Durante vários anos o encontro entre nações, povos e sociedades diferentes foi per-
cebido e explicado pelos antropólogos com um foco sobre o que acontecia com a cul-
tura de um lado e do outro, ou com um tipo de cultura que realizava a síntese das
culturas anteriores, postas em contato, integração. Aculturação é o nome do processo
através do qual culturas intercambiavam ―traços‖ e ―complexos‖ culturais, de tal sorte
que os de uma delas, mais forte, mais impositiva, envolviam os da outra e do encon-
tro surgia uma nova cultura co-participada por dois grupos diferentes. Os sonhos ora
ingênuos, ora mal intencionados de todos os colonizadores do mundo, no mínimo
imaginavam como sendo: ―civilizar‖, fazer algo assim, só que com um domínio de
uma cultura sobre a outra, um domínio internacional e, não raro, destruidor dos va-
lores da cultura ―selvagem‖,―primitiva‖,―atrasada‖.

Entretanto, Brandão (1986) traz a reflexão de que é um tanto ilusória


a ideia de domesticação, de imposição total de uma cultura sobre a outra. A
―aculturação‖ e ―homogeneização social‖ seriam processos de transformações
ocorridas pelo encontro das culturas, no qual uma se impõe sobre a outra. No
entanto, há em certa medida a transformação de ambas, mesmo a que se so-
brepõe e sai transformado. O contato, por mais que seja impositivo, provoca,
em diferentes proporções, mudanças em ambos os lados. Houve e ainda há um
domínio cultural, mas também prevalece certa resistência, dentro do que é
possível.
As culturas, diante de seus encontros, resultam em transformações
decorridas da pluralidade cultural do passado como presente. Se toda a ação
social é cultura, como aponta Hall (1997), à medida que a sociedade se trans-
forma, a cultura, que é um produto social, obviamente sofre transformações.
Freire (1987, p.7) chama essa transformação de ―movimento dialético do pro-
cesso histórico de produção do homem. [...] A pedagogia é ―antropologia‖,
forma assim o binômio educação-cultura, constituído das múltiplas facetas pe-
las quais as singularidades culturais se formam, a partir das diferentes realida-
des (quilombola, indígena, camponesa, etc.),o que impossibilita um conceito
universal de cultura.
Hall (1997) ressalta que profundas transformações culturais ocorre-
ram, principalmente, a partir do século XX, alterando toda a estrutura de or-
ganização social (comportamento, consumo, relações, educação...). O que se
deve à modernização e expansão dos meios de produção, como também ao
grande avanço tecnológico que vem ocorrendo desde o início do século passa-
do, além das revoluções no campo da comunicação. O mercado caminhou
rumo à globalização, e os produtos culturais dessa revolução são incomparáveis
a outros tempos (HALL, 1997).

87
Atualmente, já não nos é possível falar de cultura como costumes ex-
clusivos de um único povo. As transformações na comunicação estreitaram o
intercâmbio cultural entre os diferentes povos, a globalização trouxe valores
muito similares à maioria das pessoas. Utilizávamos as etnias para nos referir-
mos a características culturais (língua, culinária, costumes e até mesmo caracte-
rísticas físicas), partilhadas por um grupo. No entanto, utilizar etnia, como si-
nônimo de cultura, a partir dos tempos modernos, é um mito, pois as nações
modernas são todas miscigenadas. (HALL, 2006).
Então, procuramos compreender aspectos/relações culturais na con-
temporaneidade como resultado de processos históricos construídos, direcio-
nando nossas reflexões aos estudos de Augusto Boal e Paulo Freire. A concep-
ção de cultura, no Brasil e em países que igualmente foram colonizados, asso-
cia-se, segundo esses autores, às desigualdades econômicas, opressão, domina-
ção e alienação. Freire (2001, p.45) declara que:

Há uma imoralidade radical na dominação, na negação do ser humano, na violência


sobre ele [...] imoral é a dominação econômica, imoral é a dominação sexual, imoral é
o racismo, imoral é a violência dos mais fortes sobre os mais fracos. Imoral é o man-
do das classes dominantes de uma sociedade sobre a totalidade de outra, que deles se
torna puro objeto, com sua maior ou menor dose de conivência. A educação para a
libertação, responsável, em face da radicalidade do ser humano, tem como imperati-
vo ético a desocultação da verdade. Ético e político.

Há um esforço dos dois autores em defesa da, já mencionada, demo-


cratização cultural. Em conscientizar o povo de sua cultura, de maneira que,
além de uma educação voltada a ensinar o povo a leitura da palavra, também o
ensine a ler a realidade, a começar pela sua. Assim, Freire (1982, p. 50) afirma:

Todos os Povos têm cultura, porque trabalham, porque transformam o mundo e, ao


transformá-lo, se transformam. A dança do Povo é cultura. A música do Povo é cul-
tura, como cultura é também a forma como o Povo cultiva a terra. Cultura é também
a maneira que o Povo tem de andar, de sorrir, de falar, de cantar, enquanto trabalha.
O cálculo é cultura como a maneira de fazer o cálculo é cultura, como cultural é o
gosto das comidas. Cultura são os instrumentos que o povo usa para produzir. Cultu-
ra é a forma como o Povo entende e expressa o seu mundo e como o Povo se com-
preende nas suas relações com o seu mundo. Cultura é o tambor que só apela noite
adentro. Cultura é o ritmo do tambor. Cultura é o gingar dos corpos do Povo ao rit-
mo dos tambores.

Nesse contexto, Freire (1982) afirma que todos nós fazemos cultura, e
que a nossa cultura, por mais rudimentar e simples que seja, é tão cultura

88
quanto o produto cultural erudito – é preciso ter consciência disso. Nós, ho-
mens e mulheres, precisamos de uma educação emancipatória que contribua
para a compreensão de que somos sujeitos políticos, culturais e históricos. A
consciência do que somos e de onde viemos constitui-se, necessariamente, de
uma leitura do mundo (FREIRE, 1981). Diante dessa afirmação, acreditamos,
como esclarece Freire (1981, p. 27), que:

Assim, na medida em que despreza o fato de que não há produção fora das relações
homem-mundo não pode perceber sua importância. [...] Daí que não possa compre-
ender e, quando compreende, não dê a devida importância ao fato de que, transfor-
mando a realidade natural com seu trabalho, os homens criam o seu mundo. Mundo
da cultura e da história que, criado por eles, sobre eles se volta, condicionando-os. Is-
to é o que explica a cultura como produto, capaz ao mesmo tempo de condicionar
seu criador.

Apresentamos esse fragmento para problematizar o fato de que, além


de criadores/as de cultura, também somos condicionados/as a formas cultu-
rais sob as quais foi organizada a nossa sociedade. Esse condicionamento pode
ser caracterizado, em muitos aspectos, como uma forma de dominação. No
que tange alguns desses aspectos da dominação, Boal (2008) afirma que as cul-
turas também se relacionam como campos de batalha, fazendo-se necessário
combater aquelas que nos levem à subserviência, a uma passiva aceitação da
dominação, a tudo que há de perverso. Isso porque ―a cultura é produzida pela
sociedade e, portanto, uma sociedade dividida em classes produzirá uma cultu-
ra dividida. Uma sociedade submetida produzir a uma cultura de submissão‖.
(BOAL, 1988,p. 95).
Boal (1988) escrevia sobre a cultura de submissão devido a divisão de
classes, decorrentes da estrutura econômica capitalista. Constato que essa lei-
tura ainda é atual, pois, apesar dos avanços teóricos sobre a temática da cultura
na perspectiva crítica, e mesmo com o desenvolvimento no campo da informa-
ção e da comunicação, a cultura dominante, sob a égide do capitalismo, impe-
ra. A estrutura de classes (opressor versus oprimido) permanece com grandes
desigualdades sociais; esse modelo de sociedade consegue dividir e subdividi-
rem frações de desigualdade a classe popular (pobre-negro, pobre-branco, po-
bre-índio, pobre-quilombola, pobre-mulher, pobre-morador de rua, pobre-
urbano, pobre-camponês, etc.).
E, cabe mencionar que caminhamos a passos largos nos avanços tec-
nológicos, mas muito lentamente na melhoria de nossas relações humanas e
no respeito às diversidades culturais. Tanto Freire (1987) quanto Boal (2008,

89
1988) defendem a importância de práticas educativas que desenvolvam a cons-
ciência crítica das camadas populares quanto à cultura de dominação. Para os
autores, é muito importante a discussão das estruturas sociais, da cultura de
dominação e da tomada de consciência da realidade a qual vivemos. Freire
(1987) salienta que cabe ao povo dizer e entender a sua palavra e a palavra do
outro, sendo esse um processo educativo que é político. Logo, se conscientizar
é politizar, para ele; cultura popular é política popular. Ao aludir a essas rela-
ções, finaliza seu pensamento proclamando que: ―não há cultura do Povo, sem
política do Povo‖. (FREIRE, 1987, p.14).
Ambos os autores, Freire e Boal, assumem um posicionamento a fa-
vor do desenvolvimento da consciência crítica da cultura popular como um
processo político e emancipatório. Assim, é defendida por Freire (1982) a im-
possibilidade de uma educação neutra, é importante termos ―a clareza em tor-
no de a favor de quem e do quê, portanto contra que me contra o quê, faze-
mos a educação e de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra
o quê desenvolvemos a atividade política.‖ (FREIRE, 1982, p.13). A consciên-
cia de posicionamento enfatizado por Freire é imprescindível à prática educa-
tiva, pois quem se diz neutro, estaria a favor da cultura de dominação, e na
educação não cabe neutralidade. É possível encontrar convergência desse posi-
cionamento na afirmação de Boal (1988, p. 95): ―é necessário assumir a cultu-
ra popular como ‗a‘ cultura, como única cultura, e negar os valores da cultura
da classe dominante‖. Dessa forma, Boal também afirma que não há neutrali-
dade social, em diferentes funções sociais, mesmo os que se dizem neutros
acabam se posicionando, pois compactuam para que as estruturas culturais
permaneçam como estão.
No entanto, é preciso compreender a cultura popular como os hábi-
tos, o conjunto de elementos simbólicos do povo. Uma cultura que ocorre no
dia a dia, que passa de pai para filho/a, de mãe para filha/o e que apenas mui-
to recentemente, a partir do século passado, passou a ser encontrada em livros
de literatura e antropologia principalmente, sendo reconhecida como cultura.
Segundo Bosi (1992, p.306):

No caso da cultura popular, não há uma separação entre uma esfera puramente ma-
terial da existência e uma esfera espiritual ou simbólica. Cultura popular implica
modos de viver: o alimento, o vestuário, a relação homem-mulher, a habitação, os
hábitos de limpeza, as práticas de cura, as relações de parentesco, a divisão das tarefas
durante a jornada e, simultaneamente, as crenças, os cantos, as danças, os jogos, a ca-
ça, a pesca, o fumo, a bebida, os provérbios, os modos decumprimentar, as palavras
tabus, os eufemismos, o modo de olhar, o modo de sentar, o modo de andar, o modo

90
de visitar e ser visitado, as romarias, as promessas, as festas de padroeiro, o modo de
criar galinha e porco, os modos de plantar feijão, milho e mandioca, o conhecimento
do tempo, o modo de rir e de chorar, de agredir e de consolar...

O autor reitera como característica principal da cultura popular a in-


divisibilidade na relação entre os costumes, isto é, os hábitos se misturam, in-
terligando-se, um ressignificando o outro, de forma subjetiva. A cultura popu-
lar é a forma de viver e de se relacionar do povo, no seu dia a dia, na sua es-
pontaneidade, que, conforme Boal (1988, p. 99), ―é um produto que serve a
um povo concreto no tempo e no espaço. Não é ‗cultura‘ pura, eterna e inal-
cançável. É cultura aqui e agora‖. Ela não se distancia do povo, como a cultura
erudita, os conhecimentos acadêmicos e escolares, que muitas vezes falam de
situações e de elementos aos quais o povo não se relaciona diretamente.
Portanto, posicionar-se em favor da cultura popular é qualificar e va-
lidar a cultura do povo, esclarecendo que, em uma sociedade de classes, é fun-
damental à classe dominante estimular a cultura do silêncio, na qual as classes
dominadas ficam semi mudas ou mudas, ―proibidas de expressar-se autentica-
mente, proibidas de ser‖ (FREIRE, 1981, p. 41 e 42); portanto, a cultura popu-
lar conscientiza e politiza sobre o antagonismo entre relações sociais capitalis-
tas e as formas de resistências a essas relações opressoras. O que Freire chama
de cultura do silêncio, imposta. No entanto, como afirmou Brandão (1986),
essa relação de silenciamento não ocorre totalmente, a cultura dominada en-
contra espaços de resistência, preservando alguns costumes, só que aceita a
desqualificação imposta. O que, conforme o contexto histórico-cultural regio-
nal e nacional, está condicionado a relações de poder, que é validado pelo ca-
pital, mas, segundo Freire(2000),―quão condicionado ou influenciado é pelas
estruturas econômicas o fez também capaz de intervir na realidade condicio-
nante‖(p. 27).
Constitui-se, então, o desafio de realizar um trabalho educativo de
análise da nossa realidade; quanto a isso, Freire (2000, p. 44) afirma:

A cultura em última análise, como expressão do esforço criador do ser humano. Nes-
te sentido, é tão cultura o poço que camponeses, empurrados pela necessidade de
água, cavam no chão, quanto um poema de trovador anônimo. São tão cultura os
instrumentos com que os camponeses cavam o chão, a maneira como fazem as Ba-
chianas de Villa-Lobos. É tão cultura o texto que ora escrevo influenciado, quanto a
benzedura com que os camponeses se defendem do que chamam ―espinhela caída‖. É
tão cultura o boneco de barro de Vitalino quanto uma tela de Scliar.

91
Há a necessidade de um posicionamento político na Educação Popu-
lar proposta por Freire e no Teatro do Oprimido de Boal, de quebrar com a
cultura homogênea imposta pelas classes dominantes e promover uma revolu-
ção cultural (FREIRE, 1987). Essa reconstrução da sociedade, por meio da
revolução cultural, requisita formação política sobre quem são os opressores e
os oprimidos, reconhecendo que existem diferentes formas de violência contra
as nossas culturas.
Vimos desenvolvendo algumas reflexões, com base em muitas leituras
teóricas e da nossa própria realidade, sobre essas relações culturais que, no
campo simbólico, constituem relações de violência:

A violência cultural pode ser concebida como a mais obscura das práticas de injusti-
ça. Ela vem sob o véu dos direitos, do certo sobre o errado, do bem sobre o mal. Ver-
dades absolutas e tidas como corretas são difundidas pelos que detém o poder, acei-
tas pela sociedade e a partir daí passam a justificar toda e qualquer atrocidade, todo
ato de violência passa a ser aceito, pois os sujeitos passam a ver uma batalha do bem
contra o mal. (BRUNONI, 2018, p.441).

Quanto a essa violência que é consubstanciada pelas relações culturais


de dominação, imposição e coerção, Bourdieu (1989, p. 11) atribui a ela o
conceito de violência simbólica, por meio da qual:

A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegu-


rando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das
outras classes), para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, a
desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; para a legitimação da or-
dem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a
legitimação dessas distinções. Este efeito ideológico produza cultura dominante dis-
simulando a função de divisão na função de comunicação: acultura que une (inter-
mediário de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção)
e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subcultu-
ras) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante.

Ao nos posicionarmos a favor de uma Educação Popular e da revolu-


ção cultural, reconhecemos que o teatro popular é uma das possibilidades de
trabalharmos as diferentes formas de opressão e as violências que os oprimidos
sofrem e reproduzem. Não é possível aceitar as desigualdades, que se estabele-
cem em relações de opressão (dominação) como algo natural das relações cul-
turais humanas. Conforme Boal (2008, p. 246): ―nenhuma moral social deve
ser aceita só porque faz parte dos costumes e da cultura de um infeliz momen-
to. Não podemos aceitar o latifúndio e a corrupção, nem a fartura vizinha da

92
fome – males da pátria contra os quais temos que lutar‖. Contudo, é impor-
tante destacar que os traços culturais de dominação, da atualidade, são molda-
dos pela globalização e motivados por um consumismo desenfreado, tendo
como modelos, conforme no passado colonial, ainda os países europeus, mas,
principalmente, os Estados Unidos (LAZZARI, 2017).
As invasões culturais não ocorrem somente por meio da força, muitas
das coerções na atualidade são mais sedutoras, e a homogeneização vem em
nome da ―liberdade‖ (de consumir); houve a disseminação de uma crença de
que qualquer pessoa, a depender de seu esforço individual, pode tornar-se al-
guém poderoso e bem sucedido (MCLAREN, 2000). Foi incutida e desenvol-
vida a cultura do individualismo, ―tudo só depende de você‖. Novamente, nos
vemos em transformações culturais que atendem demandas do mercado eco-
nômico/da indústria cultural- constituindo-se com valor de mercado com con-
teúdo ideológico alienador. A possibilidade de conscientizar-se sobre a origem
da cultura opressora e dominante ficou mais complexa no atual sistema capita-
lista; diante do contexto atual, Boal elucida algumas formas de opressão que
são anteriores à coerção, ao uso da força:

É pela posse da Palavra, da Imagem e do Som que os opressores oprimem, antes que
o façam pelo dinheiro e pelas armas. Temos que reagir contra todas as formas de
opressão. Essa luta deve se dar, também, nesses três importantes campos de batalha-
do Pensamento Sensível. Temos que reconquistar a Palavra, a Imagem e o Som.
(2008, p. 40).

Essa forma de opressão e dominação das culturas populares na atua-


lidade, realizadas por meio da imagem, palavra e som, pode ser compreendida
como uma forma de massificação da cultura. Essa modalidade cultural, con-
forme Bosi (1992), também pode ser chamada de indústria cultural85 e cultura
de alto consumo, pois possui íntima ligação com o mercado de consumo. Des-
sa forma, usam-se algumas características das culturas populares, por exemplo,
para propagar uma ideologia que constitui as características que são estabeleci-
das pelos padrões de consumo. A manipulação cultural é muito abrangente,
propaga toda uma ideologia, por meio de bens culturais86, padrões de compor-
tamento que agregam várias formas de consumo, e também tornam as pessoas
previsíveis para a criação de novas necessidades.
Faz-se necessário entender essas transformações econômicas e princi-
palmente as características da indústria cultural, atualmente. Porque fica evi-
dente o uso de um discurso de inclusão a todos, uma glorificação das culturas
populares, com sua deturpação, a serviço da indústria cultural, como forma de

93
difundir novas formas de dominação cultural.
Por meio de reflexões acerca de algumas obras de Walter Benjamin e
Theodor Adorno, Priscila Monteiro Chaves (2013, p. 84) afirma que:

Assim surge o conceito de Indústria Cultural, da tentativa de fazer uma análise do


fenômeno reprodutivo das sociedades de massas, em que a cultura converte-se em
mercadoria. Criou-se uma indústria que planeja bens para o consumo cultural, no
entanto, levando a sociedade a um mundo dominado, uma vez que não passa de me-
ra repetição, sempre fabricando o mesmo modelo e o multiplicando como exclusivo
objetivo de consumo.

A massificação cultural não implica, dessa forma, um pensamento críti-


co acerca do produto cultural, mas sua aceitação fácil e despretensiosa. É conver-
gente aos interesses da cultura dominante, que, ao longo dos anos, encontra ma-
neiras de se reinventar, no intuito de garantir a manutenção de seu próprio poder.
É esse modelo cultural que é combatido por Paulo Freire e Augusto Boal,
pois ambos defendem o pensamento crítico acerca da realidade e das culturas.
Freire (1979) chama de ação cultural para a liberdade a educação que procura
romper com as culturas de dominação, através do diálogo comprometido com a
conscientização. Do mesmo modo, Boal (2008) defende como dever do cidadão
artista usar a palavra, imagem e som para extinguir paradigmas sobre arte e cultu-
ra,como intuito de elucidar que todos somos artistas e produtores de cultura, não
devendo nos comportar como meros consumidores da cultura alheia. Aproximan-
do-se dessas compreensões, Favero (1983, p.49–50) concebe que:

A expressão ―cultura popular‖ surge como uma denúncia dos conceitos culturais em
voga que buscam esconder o seu caráter de classe. Quando se fala em cultura popular
acentua-se a necessidade de pôr a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efe-
tivos do país. Em suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do po-
vo, não-popular, e outra que se volta para ele, e, com isso, coloca-se o problema da
responsabilidade social do intelectual, o que obriga a uma opção. Não se trata de teo-
rizar sobre cultura em geral, mas de agir sobre a cultura presente, procurando trans-
formá-la, estendê-la, aprofundá-la.

Diante do exposto, os conceitos de cultura em Freire e Boal estão in-


trinsecamente ligados ao desenvolvimento de consciência crítica sobre os padrões
culturais postos na sociedade e a luta para que os oprimidos se libertem da opres-
são.

94
Considerações Finais
Em nossa análise para Freire é inconcebível uma educação neutra, as-
sim como Boal defende a incompatibilidade de uma arte e um teatro neutro.
Consubstanciou essa afirmação por meio de uma reflexão de Freire (1982, p.
13):

O mito da neutralidade da educação, que leva à negação da natureza política do pro-


cesso educativo e a tomá-lo como um quefazer puro, em que nos engajamos a serviço
da humanidade entendida como uma abstração, é o ponto de partida para compre-
endermos as diferenças fundamentais entre uma prática ingênua, uma prática ―astu-
ta‖ e autocrítica.

O ato educativo que, aqui, defendemos é pautado na reflexão crítica,


no diálogo e na prática, necessitando de posicionamento e enfrentamento das
situações de injustiças. Estabelecemos com o teatro essa relação, crítica, educa-
tiva, pois, conforme Boal (1988, p.23):

Quer-se negar que seja o teatro uma forma de comunicação e de conhecimento per-
feitamente utilizável pelo povo, independentemente de treinamento prévio. Nega-se a
possibilidade de arte popular, assim se rouba ao povoa possibilidade de ter a sua arte
teatral, que é transferida, como tudo o mais, para as elites, sejam elas quais forem,
não apenas econômicas.

Freire, com o método de Educação Popular, e Boal, com o Teatro do


Oprimido, contribuem para ensinar os homens e mulheres a lerem as palavras de
seu mundo, problematizando-as e dando sentido para a vida. Boal, conforme a
afirmação de Schechner (2013) vê o Teatro do Oprimido como uma forma de
promover mudanças na sociedade, porque viu no teatro a possibilidade de instigar
debates sociais, como a exemplo dos relatos em questão. Para Paulo (2018), o
fundamento ontológico da Educação Popular freiriana é a luta engajada, o que
expressa a aproximação entre o Teatro do Oprimido de Boal e a Pedagogia do
Oprimido de Paulo Freire. Compreendemos que com as concepções de cultura, a
partir de Paulo Freire e Augusto Boal, somadas a de Carlos Rodrigues Brandão,
temos pistas de uma Educação Popular crítica decolonial.

95
Referências

BOAL, Augusto. A Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

BOAL, Augusto. Hamlet e o filho do padeiro. Rio de Janeiro: Record, 2000.

BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. 12ª. Ed. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 2008.

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98
Educação Popular e a dança:
educação escolar e educação não escolar

Diego Gonçalves
Fernanda dos Santos Paulo

O capítulo é resultado da Pesquisa de Mestrado (GONÇALVES, 2019) e


estudos realizados via o Grupo e projeto de Pesquisa ―Paulo Freire e Educação
Popular‖, coordenado por Fernanda Paulo. O texto trata da temática dança nos
contextos da escola e fora da escola na relação com a Educação Popular com base
em Paulo Freire. Algumas das reflexões do contexto da experiência são do municí-
pio de Xanxerê/SC, de Gonçalves (2019) e outros de Paulo (2013; 2019).
Para Paulo (2018, p. 23), ―a Educação Popular tem o potencial de efetivar
uma educação crítica e emancipatória frente ao contexto capitalista, o qual, na sua
origem, não pressupõe uma educação crítica‖. Freire diz que ―Está aqui uma das
questões centrais da Educação Popular – a da linguagem como caminho de inven-
ção da cidadania‖ (1997, p.20). Entendemos que a dança é uma linguagem corpo-
ral importante no processo de libertação.
Linguagem corporal, capitalismo e cidadania nos remetem ao Gadotti:

Duas forças sempre estiveram presentes na defesa da Educação Popular: de um lado,


grande parte dos defensores da escola pública e, de outro, os diversos grupos - alguns
religiosos -, os movimentos sociais interessados na democratização do ensino. A inici-
ativa privada, capitalista, ao contrário, sempre defendeu uma concepção elitista da
educação. (1995, p.208).

A democratização de todas as esferas da vida é um elemento importante no


processo de formação humana libertadora; portanto, a Educação Escolar e a Edu-
cação Não Escolar, com suas diferentes nuances, se forem pensadas numa perspec-
tiva de Educação Popular crítica, não defendem a privatização da vida. Os corpos
silenciados nas periferias são uma forma de opressão, e poucos são os alunos de
escola pública que se percebem oprimidos. Segundo Gadotti (1995), a Educação
Popular, na América Latina, contribuiu na constituição da educação de adultos e

99
na educação não formal, entre os anos de 1960-1980. Depois de 1980 é que a
Educação Popular passa a ter um espaço nas pautas da Educação Escolar.
A educação não formal apontada por Gadotti (1995) é diferente da Educa-
ção Não Escolar, conforme Paulo (2019; 2013), especialmente referindo-se às
políticas sociais.
A cultura é um direito básico, assim como a educação, a assistência social, a
saúde, a alimentação, a moradia, etc. (BRASIL, 1988). A dança transversaliza mui-
tas áreas: educação, saúde, cultura e a assistência social. Como componente da
cultura, a dança é uma atividade corporal educativa. Em consonância com Paulo
(2019), a Educação Não Escolar, desde os anos de 1990, modifica-se na sua con-
cepção estrutural, caracterizando-se como formal/institucionalizada (tem uma
formalidade, mas não é escolarizada), informal (a que está acontecendo cotidiano
da vida: rua, bares, amigos, etc.) e não formal instituinte (movimentos sociais).
A escola pública ―traz consigo os reflexos das contradições próprias do sis-
tema capitalista‖ (VALE, 2001, p.17), ou seja, ela é resultado de um projeto de
educação elitista. Depois do processo da luta pela democratização da educação,
houve experiências de Educação Popular na escola pública, segundo Brandão
(2002).
Na tese de Paulo (2018), encontramos a Educação Popular na escola públi-
ca a partir dos pioneiros e pioneiras da Educação Popular freiriana. Ana Maria
Saul, em entrevista com Paulo (2018), afirma que:

[...] acompanhávamos toda efervescência política de SP. Quando Erundina, que era
amiga dele [Freire], o convidou para ser secretário de educação. Ele aceitou porque
acreditava que tinha que colocar na prática aquilo que trabalhava na PUC-SP. Ele me
convidou para trabalhar com ele e reconstruir a rede, buscando a democratização da es-
cola pública. (2018, p.84. Grifos nossos).

O tema da Educação Popular na escola pública marca os anos de 1980 em


diante, quando Paulo Freire é gestor municipal de São Paulo. Na universidade, ele
marca esse mesmo período, podendo ser identificados os primeiros temas sobre
Educação Popular e universidade, com a tese do Fleuri. (PAULO, 2018).
Ainda sobre Educação Popular, apontamos que Brandão é um autor reco-
nhecido sobre o tema, cuja definição concordamos:

Assim, ao contrário do que tipologias costumam apontar aqui e ali, a concepção de


Educação Popular, no sentido que adotamos para o desenvolvimento deste trabalho
(e no qual acreditamos), não é uma variante ou um desdobramento da educação de
adultos, da educação informal e nem simplesmente uma forma de educação perma-
nente. (BRANDÃO, 2009, p.26).

100
Para Gadotti (1992), a tarefa da educação é da sociedade e não pode ser
uma tarefa exclusiva do Estado. No município de Xanxerê/SC muitos dos projetos
não escolares não possuem contribuição do Estado. Mas a Educação Escolar básica
para a classe popular é pública estatal. Já na educação superior não há universida-
de pública no município.
Na cidade Xanxerê/SC, um dos espaços de investigação a partir dos sujei-
tos participantes da pesquisa é a Associação Cultural Expressão Corpo e Arte, uma
Cia de Dança, em que alguns destes jovens também passaram pelo Serviço de
Convivência e Fortalecimentos de Vínculos. Esses espaços são não escolares, mas
formalizados. O primeiro é uma associação com pessoa jurídica, e o segundo é
uma política de Estado vinculada à Assistência Social. Atualmente, há mais de 100
bailarinos, com idade entre 05 a 85 anos de idade, na Cia de Dança Expressão
Corpo e Arte.
Em termos conceituais, escolhemos usar Educação Não Escolar para esses
espaços onde os participantes da pesquisa circulam. Na Educação Escolar insere-se
a educação básica e superior. Concernente à Educação básica, todos que participa-
ram dessa pesquisa são oriundos de escola pública. Ao longo de toda a graduação,
trabalharam enquanto estudavam.
A universidade, segundo Freire, está longe de incluir democraticamente a
classe popular na educação superior:

[...] é preciso democratizar a universidade por dentro e por fora. É preciso que um
maior número de trabalhadores tenha acesso à universidade, mas também as relações
internas da universidade precisam ser democratizadas. Não basta eleger os dirigentes.
Às vezes, nos apegamos a um certo ritualismo mecânico e não avançamos na demo-
cratização das relações entre os diferentes segmentos da universidade. (FREIRE,
2004, p. 160).

Essa realidade não é diferente da escola pública, embora tenhamos o


acesso e permanência garantidos desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira de 1996. É crucial trazer à baila o tema da democratização da escola
pública, em tempos de retrocesso dos direitos conquistados. A educação e a cultu-
ra fazem parte desses direitos.
Paulo Freire diz que a cultura não está separada da educação e da vida,
por isso o nosso objetivo é revelar ―os condicionamentos ideológicos a que estive-
ram submetidos em sua experiência na cultura do silêncio'' (FREIRE, 1981, p.23).
Mesmo com os espaços educativos alternativos que contribuíram para a inclusão
social destes jovens dançarinos, estes estiveram à margem de muitas das políticas

101
sociais garantidas na Constituição Federal de 1988. Escrever sobre essas experiên-
cias, e com um grupo de participantes delas, é uma forma de rompimento da cul-
tura do silêncio.

Paulo Freire e processos formativos:


experiência, educação, criatividade e corporeidade
Uma revisão bibliográfica sobre os principais conceitos se faz necessária pa-
ra aprofundamento teórico da pesquisa. O objetivo da pesquisa é analisar, através
da sistematização de experiências, o processo formativo da dança em espaços esco-
lares e não escolares e as contribuições para a formação humana de jovens do
município de Xanxerê-SC, através da recuperação de experiências de projetos
populares. Para tanto, busco em Paulo Freire o conceito de experiência. Ele é real,
ou seja, não é abstrato.
A ―experiência existencial‖ tem a ver com o ―acúmulo de conhecimentos
que esta experiência lhes deu e continua dando‖ (FREIRE, 1981, p. 12). Neste
livro, Freire fala da experiência cotidiana, da experiência observada, da experiência
sentida e vivida e da experiência existencial.
Na nossa pesquisa, utilizaremos experiência no sentido freiriano: experiên-
cia sentida, vivida e observada por nós, considerando-a como experiência existen-
cial.
Freire diz que:

[...] a experiência existencial da população como um todo, de que a atividade produ-


tiva é uma dimensão central, se constitui como a matriz de todo o quefazer educativo,
não só no plano da alfabetização e da pós-alfabetização de adultos, mas também no
da educação de crianças e de adolescentes. (1978. p. 141).

Para nós, a experiência existencial dos participantes do processo de forma-


ção em dança é uma atividade produtiva cultural, com dimensão política, consti-
tuindo-se como um quefazer educativo que ultrapassa a concepção simplista e
tecnicista de aprender a dançar. Dançar como ato político tem a ver com a liberta-
ção dos corpos e da vida em sua completude. No entanto, a concepção de educa-
ção é relevante e prioritária para compreendermos os conceitos de corporeidade e
criatividade.
O mesmo autor declara que não há neutralidade da educação e que a tarefa
humanizante, libertadora, é o autêntico ato de conhecer, numa relação consciên-
cia-mundo; nas palavras dele:

102
A educação ou a ação cultural para a libertação, em lugar de ser aquela alienante
transferência de conhecimento, é o autêntico ato de conhecer, em que os educandos
— também educadores — como consciências ―intencionadas‖ ao mundo ou como
corpos conscientes, se inserem com os educadores — educandos também — na busca
de novos conhecimentos como consequência do ato de reconhecer o conhecimento
existente. (FREIRE, 1981, p.106-107).

Revela, ainda, que:

[...] a educação como ato de conhecimento e atividade eminentemente política, cen-


trando-se numa temática que emerge da realidade concreta dos educandos e associa-
da à produção, deve ser vista como um fator importante no processo de transforma-
ção do pensamento do povo [...]. (FREIRE, 1978, p. 141).

Apresentar as experiências formativas em dança em contextos escolares


e não escolares formalizados requer a definição de educação e formação humana.
Neste caso, a partir do referencial freiriano, a educação como ato político centra-se
em estudos da realidade concreta das pessoas. Portanto, recuperar a trajetória de
projetos educativos em dança, voltados para a classe popular, a partir de quem
participou como sujeito da história, é importante porque, ao apontar limites,
conquistas e possibilidades provenientes dos projetos formativos em dança, esta-
mos dando visibilidade aos nossos quefazeres educativos. Conforme Freire (1978),
todo projeto assumido pelo povo como um quefazer torna-se significativo, possibili-
tando-lhe contribuir para a reconstrução do país. Uma das formas que identifica-
mos de divulgação das experiências é a socialização da pesquisa na Universidade
do Oeste de Santa Catarina do Campus Xanxerê, na Secretaria Municipal de As-
sistência Social e na comunidade em geral.
Criatividade é um conceito importante nos estudos sobre formação
humana e formação em dança. Quando nos perguntamos se a dança contribui
para o processo formativo em espaços educativos escolares e não escolares, não
esperamos por respostas pontuais (sim ou não), mas como ela contribui e se ela
possibilita a formação humana libertadora e criativa. Muitas vezes, os projetos de
dança são concebidos distante da dimensão educativa, sendo considerados como
instrução ou como lazer por prazer, sem conexão com um fazer político, pedagógi-
co, educativo e ético.
A criatividade e a estética são dimensões reconhecidas nos fazeres e
pensares sobre dança, mas é com Freire que articulamos outros conceitos para
definirmos o que entendemos por formação humana.
Nas palavras de Freire (1978, p. 154), ―É também a militância correta,
que demanda a unidade dialética entre a prática e a teoria, a ação e a reflexão, a

103
que nos estimula a criatividade, contra os perigos da burocratização e da rotina‖. É
notável que a criatividade se articula com o político e o educativo como pedagógi-
co. Há três apontamentos que nos interessam:

1) O trabalho que realizei não foi voluntariado. Talvez eu não perce-


besse na época em que iniciei minhas atividades como educador o
caráter militante da minha atuação. Depois, no engajamento nas
políticas sociais (cultura, educação, principalmente), compreendi
que meu fazer educador estava amarrado ao meu ser militante.
2) Entendo que a unidade dialética entre a prática e a teoria é essa
que buscamos fazer. Recuperar as experiências existenciais, analisá-
las de forma crítica, construindo teoria que tem vida, cor, corpo,
nome e lugar.
3) A criatividade não pode associar-se aos programas burocráticos ou
a rotinas tecnicistas e mecânicas. Esse é um desafio para quem es-
colhe ser bailarino.

Criatividade é oposta aos processos de robotização; portanto, devemos nos


colocar ―constantemente na recusa à ‗burocratização‘ que, aniquilando a criativi-
dade, os transforma em repetidores de clichês.‖ (FREIRE, 1978, p. 14). Em Peda-
gogia da Autonomia, Freire (1997a) nos alerta para que a criatividade caminhe com
a curiosidade. Isto é:

Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercí-


cio da criatividade, que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade
epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibi-
lidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. Conhecer não é, de fato, adivi-
nhar, com intuir. (FREIRE, 1997a, p. 26).

No mesmo livro, faz relação entre o processo formativo com a rigorosa


formação ética ao lado da estética, bem como da reflexão crítica sobre a prática. A
formação em dança, na perspectiva da Educação Popular, recusa a cultura do
silêncio porque, nessa cultura dominante, o corpo se fecha na recusa de ser gente.
(FREIRE, 1997).
A Educação Popular como concepção da formação humana. Para Paulo
(2018, p. 37),

A Educação Popular freiriana possui ideias, propostas político-pedagógicas e um pro-


jeto de educação e sociedade de cunho libertador, no sentido de resistir às amarras
desse projeto de sociedade que é autoritário, injusto e expropriador.

104
Isto é, a formação humana não pode estar separada do projeto de socie-
dade. Em nossa compreensão, Paulo Freire articula a formação humana com a
conscientização. E, ler o mundo dá-se de muitas formas, inclusive pela expressão
corporal e pela corporeidade, tornando realmente o corpo como potencializador
de descobertas e indagações sobre o mundo, pois é preciso sempre estar de corpo
por inteiro, entender que a corporeidade se faz presente na relação com o outro,
através de desejo, curiosidade, emoção, pensamento e criticidade, e quanto mais
tenho a experiência de lidar sem medo, sem preconceito com as diferenças, tanto
melhor me conheço e construo meu ser.
Não podemos ser um corpo acomodado, e, sim, devemos ser um corpo
consciente, como cita Paulo Freire, diante das situações ditas como imutáveis; não
podemos ser um corpo que se feche diante da recusa, precisamos ter disponibili-
dade de entregarmo-nos de corpo inteiro, como cita Paulo Freire na sua obra Pe-
dagogia da autonomia:

[…] a adaptação à dor, à fome, ao desconforto, à falta de higiene que o eu de cada


um, como corpo e alma, experimento é uma forma de resistência física a que se vai
juntando outra, a cultural. Resistência ao descaso ofensivo de que os miseráveis são
objeto. É preciso, porém, que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na
compreensão do futuro como problema e na vocação para o ser mais como expressão
da natureza humana em processo de estar sendo, fundamentos para a nossa rebeldia
para a nossa resignação em face das ofensas que nos destroem o ser. Não é na resig-
nação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos. (1997a, p. 47).

Mas precisamos dar importância para a corporeidade do humano, pois


―quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade
do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo." (FREIRE,
1997, p. 36).
Freire traz em seus escritos uma compreensão de corpo consciente, pela
primeira vez, em 1968, mas, em 1985, com o livro Por uma pedagogia da pergunta
(1985, p.20), ele cita:

[...] o corpo humano, velho ou moço, gordo ou magro, não importa a cor, o corpo
consciente, que olha as estrelas, é o corpo que escreve, é o corpo que fala, é o corpo
que luta, é o corpo que ama, que odeia, é o corpo que sofre, é o corpo que morre, é o
que corpo que vive.

Portando o corpo consciente não se efetiva no ser humano isolado, mas


sim em suas relações de transformações, onde Freire (1991, p. 22), dialogando

105
com Gadotti, enfatiza a ideia de que a educação deve ser compreendida como
possibilidade histórica que possui seus limites, e propõe que o corpo seja assim
compreendido:

É o que faço, ou talvez melhor, o que faço faz meu corpo. O que acho fantástico nis-
so tudo é que meu corpo consciente está sendo porque faço coisas, porque atuo,
porque penso já. A importância do corpo é indiscutível; o corpo move-se, age, reme-
mora a luta de sua libertação, o corpo afinal deseja, aponta, anuncia, protesta, se cur-
va, se ergue, desenha e refaz o mundo. Nenhum de nós, nem tu, estamos aqui dizen-
do que a transformação se faz através de um corpo individual. Não, porque o corpo
se constrói socialmente.

Já Mounier (1950) fala da existência encarnada, que as experiências do


existir subjetivo e do existir corporal não podem ocorrer separadamente. Ambas
são essenciais para uma vida como pessoa. Por isso, da importância de pensar o
corpo na educação, repensar a importância da corporeidade nos diferentes espaços
educativos, dando novas formas de relações sociais que o humano possa se consti-
tuir como pessoa, interferindo no mundo e transformando-se. Então, a educação
deve configurar-se como um processo apaixonante de conhecer, pois Freire, de
forma óbvia, constata que a espécie humana é distinta das demais espécies:

Enquanto estas já nascem prontas e são determinadas instintivamente em seus mo-


dos de ser e de agir, a espécie humana é uma espécie aberta, sendo que cada indiví-
duo necessita se fazer, decidir, sobre o que virá a ser. (FREIRE, 1981, p.65).

É nisso, que Freire chama de ―inacabamento do homem/mulher‖, que


resulta na necessidade de ele ser educado e educar-se, por meio dessa integração
humano e mundo, através da realidade social que é construída e pode ser modifi-
cada. Então, esse processo constitui uma unidade dialética, que Freire chama de
inserção crítica da realidade.
Nesse sentido, a pedagogia do oprimido traz o diálogo como método de
compreensão capaz de desafiar os sujeitos para um compromisso transformador,
onde envolve reflexão e ação, através da práxis. Nessa pedagogia dialógica temos a
tomada de consciência da realidade opressora e o trabalho que visa à transforma-
ção como único e mesmo processo.
E esse processo de conhecer precisa ser realizado como tarefa coletiva
humana já que a ―busca do ser Mais [...] não pode realizar-se no isolamento, no
individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires‖. (FREIRE,
1987,p. 86).

106
Segundo Freire (1997b, 1987), o ―ser mais‖ refere-se ao constante movi-
mento de busca que o homem exerce com sua realidade devido à consciência que
tem de sua inconclusão. Entretanto, o ―ser mais‖ apenas se justifica quando dire-
cionado, precisamente, à humanização dos homens.
A necessidade de estabelecer uma relação com o mundo e com as pessoas
pode acontecer de maneira efetiva, através do corpo, sendo ele um campo aberto,
gerador de conhecimentos.

A partir do conceito de corporeidade é possível entender o corpo como possuidor de


uma singularidade que somente se compreende na pluralidade da existência de ou-
tros corpos, e que é capaz de gerar conhecimento, autogerando-se, a cada momento, a
partir da inevitabilidade da coexistência entre a sensibilidade e a razão. Assim, a cor-
poreidade desvela o corpo em sua essência existencial complexa. Restitui a este a sua
capacidade de gerar conhecimento, de reconhecer-se como sujeito da percepção, sen-
do ao mesmo tempo objeto percebido por outros corpos, numa época (século XX) em
que a predominância do racionalismo ainda se faz presente (PORPINO, 2006, p. 63).

Portanto, a noção de corporeidade configura uma linguagem sensível


(instituída pelo corpo e a experiência de movimento), marcada por sentimentos:
gestos, sensações, etc.
Nesse contexto, podemos destacar o espaço do corpo como de visibilida-
de humana e também um ―lugar de inscrição e de criação da linguagem e da histó-
ria‖ (NÓBREGA, 2003, p.131); não podemos considerar o corpo apenas pelos
seus aspectos biológico, funcional e estrutural, mas em sua presença no e com o
mundo. Requer um olhar novo porque ―o corpo em suas formas, ritmos e gestos é
linguagem, é para si e para outro. Ambos, corpo e linguagem, articulam-se na
expressão e na comunicação, é nessa unidade que a autenticidade da expressão
encontra sua verdade‖ (GONÇALVES, 1994, p. 97).
Com isso, a corporeidade e o reconhecimento do corpo como produtor
de saberes devem ser explorados no campo de uma educação transformadora,
humana e emancipatória. Uma educação política requer trabalhar com a sensibili-
dade, a criatividade, com o encontro consigo mesmo e com os outros. Desse mo-
do, é possível reconhecer-se como ser humano ativo e participante na construção
da sua corporeidade, na busca dos anseios de transformação e libertação.
Freire (1997b) enfatiza que nessa relação com o mundo o ho-
mem/mulher se transforma. Em suas palavras, sem "criatividade'', não há trans-
formação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca
inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mun-
do e com os outros. Busca esperançosa também. (1987, p. 33).

107
Nesse sentido, podemos estabelecer as relações com a dança e os espaços
educativos para a formação humana, principalmente, quando focamos o corpo em
sua complexidade e em seu fluxo de sensações e emoções, as quais exigem uma
educação criativa, política e transformadora. Para Brandão (2002), ―Saber algo
novo é sempre algo radical. Pois aprendemos com o todo da vida. Aprendemos
com todo o corpo e toda a mente ``. (p.365).
Paulo Freire (1987) nos coloca como desafio ler o mundo e, na perspecti-
va da dança-educação e ―dança contextualizada‖ (MARQUES, 1999),devemos
buscar novas formas de ler e expressar o mundo. A dança é uma das linguagens
que manifesta nosso modo de ser e estar no mundo.

As dimensões da formação humana em Paulo Freire e a “dança contextualizada”


A formação humana, segundo Freire, possui relações com o projeto
de sociedade em voga, ou seja, tem dimensões políticas, econômicas, culturais,
sociais, antropológicas, éticas, estéticas e epistemológicas. Nas obras de Paulo Frei-
re (1997, 1987), encontramos pistas da aproximação conceitual da formação omni-
lateral de Marx e Engels(1987) coma educação omnilateral de Paulo Freire:

A desconsideração total pela formação integral do ser humano e a sua redução a puro
treino fortalecem a maneira autoritária de falar de cima para baixo. Nesse caso, falar a,
que, na perspectiva democrática é um possível momento do falar com, nem sequer é
ensaiado. A desconsideração total pela formação integral do ser humano, a sua redu-
ção a puro treino fortalece a maneira autoritária de falar de cima para baixo a que fal-
ta, por isso mesmo, a intenção de sua democratização no falar com. (1997, p. 44).

A citação acima nos remete à ―formação integral do ser humano‖, articu-


lando as dimensões políticas (o porquê da opção do trabalho democrático) e me-
todológicas (como trabalhar democraticamente). Além disso, nos dá indicações da
concepção de ser humano que a educação democrática (problematizadora e liber-
tadora) requer: sujeito crítico, político e participativo.
Em Pedagogia do Oprimido(1987), localizamos a questão do conteúdo educa-
cional, ao tratar das concepções de educação bancária versus libertadora, onde
podemos relacionará ―Dança Contextualizada‖.
Acreditamos na concepção de educação libertadora, cujo horizonte é a
emancipação humana, cujo projeto de formação não pode estar desconectado da
realidade conjuntural e estrutural na sua totalidade histórica. Para Freire (1987),a
formação humana crítica vai tornando-se mais crítica no processo de leitura e
desvelamento da realidade, isto é, a formação humana é processual, não é um
projeto educativo-político pronto, determinista e acabado. A formação humana,

108
em Paulo Freire, não parte de ―visões parciais da realidade, das visões ―focalistas‖
da realidade‖ (1987, p. 57), mas da leitura crítica desse contexto com vistas a trans-
formar as realidades identificadas como opressoras, alienantes e desumanizantes.
Na visão do autor:

Entendemos que, para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente


dele, possível de ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de que o homem,
ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo.
Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de rela-
ções que é. (FREIRE, 1967, p. 39).

Nesse sentido, ao estar com o mundo e com os outros homens, criamos e


recriamos a sociedade de acordo com nossa leitura do mundo e o projeto de mun-
do que vislumbramos. Esse processo se dá, segundo Freire (1967, p.41), ―ao herdar
experiências, criar e recriar a realidade, integrar-se ao seu contexto‖. É importante
ler o contexto de modo crítico, pois responder aos desafios da realidade objetiva
da vida exige conhecer essa realidade (FREIRE, 1967).
No campo da dança, o corpo consciente apresenta dimensões pedagógi-
cas estéticas, éticas e políticas. Em outras palavras, o trabalho do educador de
dança tem uma intencionalidade. Isso, quando se trata de uma concepção com
base em Freire e na Educação Popular, não bancária e não opressora. Na educação
conscientizadora e na ―Dança contextualizada‖, o corpo consciente vai constituin-
do-se sujeito problematizador. Esse processo de constituição do corpo consciente
é um ato político, ético e estético na busca da libertação.
Na dança, o corpo fala, expressando suas múltiplas linguagens; a dimen-
são estética, em Paulo Freire, não separa a rigorosidade metódica da estética e da
ética no e com o mundo. (1997a, 1987). Em outras palavras, a dimensão estética é
associada às dimensões ética e pedagógica porque pressupõe uma educação políti-
ca.
Nesse movimento, são também importantes os processos de experiências
corporais, pois, durante o processo de aprendizagem, o educando/bailarino que
dança é levado a apreender um vocabulário. Para tanto, como em qualquer outra
área, a repetição de técnicas substituindo a experiência como apoio formativo abre
um abismo entre o pensar e o fazer. Não se trata de falar sobre e não fazer, mas de
fazer e valorizar a palavra como expressão de emoções, pensamentos e decisões
harmonizados com o movimento essencial do corpo.
Assim, fazer dança é ter no movimento a materialidade do conteúdo que
nos interessa conhecer (LOPES, 2007). O corpo da pessoa – criança, adolescente,
adulto, idoso – expressa o mundo (FREIRE, 1989; 1997) e é lido por ele (o outro).

109
Ler o mundo, para Freire (1987) é percebê-lo na sua inteireza, pois é na totalidade
do ser danço, embora possa fazer uma dança apenas com as mãos (LOPES, 2007).
Por isso, na escola, o corpo precisa de uma atenção especial, pois através de suas
habilidades e movimentos podemos tecer relações sensíveis e intelectuais de uma
forma que possamos nos mover na vida e na arte.
Reconhecemos, então, que a dança, passa por duas vertentes pedagógicas
apontadas por Freire: revelar, desvelar, questionar, participar e transformar, versus
aquele que sabe e outro não sabe, portanto aqueles que não sabem estão fora do
processo educativo. A dança na formação, na perspectiva crítica que Freire aborda,
é um campo de revelações, provocações e construções em que ambos, educador e
educando/bailarino, caminham juntos e surpresos com as descobertas que são
propiciadas, possibilitando conhecer a si próprios e construir novos conhecimen-
tos, despertando em si e nos outros uma visão crítica e consciente da realidade.
Em consonância com o pensamento de Paulo Freire, a ―Dança é entendida como
uma ação cognitiva do corpo, uma linguagem artística e educacional e também
uma atitude ética, estética e política; enfim, uma forma de estar no mundo‖.
(CAZÉ, 2008, p. 14).
Na concepção de Paulo Freire, o existir depende do movimentar-se e a es-
trutura social também está sempre se movimentando, gerando um pensamento
que leva à ação. A ação cultural se realiza de diferentes formas e a partir de múlti-
plas linguagens. A dança é uma delas, cuja forma de comunicar e anunciar ao
mundo a sua existência dá-se pelo movimento do corpo. Este é o ser e estar sendo
enquanto exprime sua dança e seu ritmo. Nesse sentido, o corpo é cultural, políti-
co e social. É fazedor de educação e cultura. É sensibilidade e visibilidade. Através
dos movimentos que o corpo humano utiliza, vai se transformando em corpo
consciente. Para Freire:

A consciência do mundo, que implica a consciência de mim, com ele e com os ou-
tros, que implica também a nossa capacidade de perceber o mundo, de compreendê-
lo, não se reduz a uma experiência racionalista. É como uma totalidade – razão, sen-
timentos, emoções, desejos –, que meu corpo consciente do mundo e de mim capta o
mundo a que se intenciona. (1995, p. 77).

O corpo se transforma em corpo percebedor. O corpo age e ―o corpo ex-


pressa suas descobertas, esse corpo se agrupa em um grupo e se expõe em movi-
mentos sociais; nesse movimento há expressão de corpos [...]‖. (FREIRE, NO-
GUEIRA, 1993, p. 34-35)
A arte, a linguagem, a dança e o corpo são meios de expressão e liberdade
e de construção do sujeito autônomo, livre da opressão, posicionado ética e politi-

110
camente em seu contexto social. Porém, a libertação não acontece isolada. A cons-
trução do sujeito autônomo exige leitura do mundo, entendê-lo e transformá-lo. A
transformação via Educação Popular exige experiência de luta, de educar-se na
perspectiva crítica da educação. A experiência vivida enseja experiência prática de
luta. A dança na acepção crítica (dança contextualizada) não pode negar a existên-
cia da sociedade dividida em classes e da história elitista da dança, das artes e da
educação. A experiência educativa de dança-educação contribui para debatermos
sobre experiências que desejam disputar concepção e projeto de educação no cam-
po revolucionário.
Não há como deixar de perceber o homem/mulher em seu contexto ho-
lístico e social. É por isso que Freire (1987) utiliza a fenomenologia existencial,
concebendo uma proposta de uma educação humanizadora. Propõe uma revolu-
ção cultural. Nesse viés, acredito que a dança–educação (dança contextualizada) é
um instrumento teórico-prático de luta política e pedagógica.
Neste sentido, ―a sociedade em movimento nos indica que, livre da
opressão, o sujeito pode ser libertado das opressões resultantes do capitalismo
perverso‖ (FREIRE, 1997a).
A dança é ação, e ―ação dialógica de denúncia de uma realidade opressora
e anúncio de sua humanização‖ (FREIRE, 1987). Porém, o educador indica que as
relações, nessa sociedade, se estabelecem a partir da disputa de poder antagônico,
entre opressores e oprimidos, e por tal razão ―ninguém pode ser, autenticamente,
proibindo que os outros sejam. Esta é uma exigência radical‖. (FREIRE, 1987,
p.130).
A dança contextualizada tem o potencial para a desestabilização das
opressões que se inscrevem no corpo e no corpo com (o) mundo. Parece-me que
por meio do autoconhecimento e da percepção crítica da relação singular do corpo
com o mundo é possível abrir possibilidades para que o movimento com o mundo
seja libertador, de si e de outros.
Freire (1997a) nos apresenta a possibilidade de um caminho ético-
estético-político na dança, o qual se fundamenta na transformação, no eterno
refazer e reinventar de si e do mundo, a partir das relações que se estabelecem. A
ética está nas escolhas que tomamos a partir da leitura da realidade, as escolhas
vão no sentido da utopia e da construção do mundo que desejamos inventar/criar.
A estética e ética vêm como reação às decisões e ações que tomamos; a forma do
movimento do corpo com o mundo é a reação de sua intenção real de intervenção
na realidade. Freire (1997a) fala da decência e da boniteza, as quais devem andar
juntas. Para ele, a ―educação é, simultaneamente, uma determinada teoria do
conhecimento posta em prática, um ato político e um ato estético‖ (p. 146). As

111
dimensões do político na dança-educação dão-se através das relações que são capa-
zes de alcançar os mais diversos aspectos, os quais são fundamentais para a forma-
ção política e humana dos sujeitos, considerando nossa relação com o mundo e no
mundo.

Algumas considerações
A socialização de nossas experiências acerca do o processo formativo da
dança em espaços escolares e não escolares nos fez refletir sobre o papel da dança
na formação humana, na perspectiva da Educação Popular. A Educação
Popular não é apenas trabalhar com a classe popular e em projetos populares,
como no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos ou na Escola Pú-
blica. O que a distingue de outras propostas educativas é a sua característica revo-
lucionária, de lutar contra a cultura dominante e a educação bancária. A dança
poderá ter um papel importante no processo de formação humana, pois a arte da
dança vai muito além da técnica; com ela, podemos construir experiências de
partilhas de gestos, saberes e emoções. Vivenciamos momentos de necessidade de
nos conhecermos e de aprendermos uns com os outros. Vimos que nossas histó-
rias se entrelaçam e que permanecem se encontrando, seja pelas escolhas profissi-
onais (educador) ou pelos espaços de atuação (contexto escolar e não escolar). No
entanto, recuperar as histórias dos sujeitos nos faz perceber o quanto o educador é
importante no processo de formação. Entretanto, constatamos críticas em relação
à educação escolar, ainda fechada nas suas estruturas curriculares nos moldes da
educação conteudísta (bancária).
No tocante à universidade, a maioria dos cursos não possuem um trabalho
de dança com base na Educação Popular como proposta institucional (GON-
ÇALVES, 2019). Porém, o tema vem sendo trabalhado, em especial via projetos de
extensão na universidade, mas apontamos a necessidade de reestruturação curricu-
lar dos cursos de licenciaturas, sobretudo no que tange à formação inicial do edu-
cador em dança e as aproximações com Paulo Freire e Educação Popular.

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115
116
TERCEIRO BLOCO
***
Paulo Freire na
Educação Superior

117
118
Formação continuada de professores:
conversando com Paulo Freire

Terezinha Conte Piletti


Fernanda dos Santos Paulo

INTRODUÇÃO
Uma forma diferente de ver a educação e a formação dos professores pas-
sa obrigatoriamente por uma compreensão sobre o que está ocorrendo diante das
áreas do currículo, das mudanças aceleradas do contexto, da veloz implantação das
novas tecnologias, da forma de organização nas instituições escolares, da integra-
ção escolar entre diferentes crianças, do respeito ao próximo e do fenômeno inter-
cultural (IMBERNÓN, 2010).
As novas experiências para uma nova escola deveriam buscar novas alter-
nativas, um ensino mais participativo, no qual o professor compartilhe seu conhe-
cimento com outras instâncias socializadoras, novas alternativas para a aprendiza-
gem, tornando-a mais cooperativa, mais dialógica entre indivíduos iguais e entre
todos aqueles que tem algo a escutar e algo a dizer a quem aprende. Imbernón
(2010) evidencia que esta nova formação deveria partir não apenas do ponto de
vista dos especialistas, mas também da grande contribuição da reflexão prático-
teórica que os professores realizam sobre o seu próprio fazer.
A formação de professores se apresenta hoje como tema de destaque nos
mais variados cenários, principalmente por parte dos nossos governos, nunca
houve tanta ênfase na função dos professores como agentes das mudanças reque-
ridas pelo atual contexto emergente. Por outro lado, os profissionais da educação
de variadas formas mostram a urgência por ações de formação que deem conta de
atender as reais necessidades da escola, que se apresenta real, multifacetada, carre-
gada de ambiguidades e contradições, à semelhança da sociedade. (PIMENTA,
2012).
A formação continuada do professor deve ser concebida como reflexão,
pesquisa, ação, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção
teórica e não como mera aprendizagem de novas técnicas. A formação permanen-
te, inicia-se pela reflexão crítica sobre a prática. Freire (2011, p.43) [...] ―na forma-
ção permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica

119
sobre a prática‖. E essa reflexão crítica não se limita ao seu cotidiano na sala de
aula. Imbernón (2000) em sua reflexão que ―atravessa as paredes da instituição
para analisar todo tipo de interesses subjacentes à educação, à realidade social,
com o objetivo concreto de obter a emancipação das pessoas‖.

1. Os desafios na educação pública


Conforme Pimenta (2012) os desafios que se apresentam na educação são
inúmeros e das mais variadas formas. Nas propostas do governo brasileiro para a
formação de professores, percebe-se a incorporação dos discursos e a apropriação
de certos conceitos, que na maioria das vezes permanece como retórica. Quando
são implantados, as políticas de formação continuada, são fragmentadas. Ou
ainda, as reformas na formação inicial que estão configurando um aligeiramento
geral, acompanhadas de explícitas, e às vezes sutis, desqualificação das universida-
des para realizar essa formação, e mesmo da desqualificação e da falta de incenti-
vos para as pesquisas sobre formação de professores que estas têm realizado em
escolas públicas, gerando significativo conhecimento sobre as necessidades para as
políticas de formação e de desenvolvimento profissional dos professores, das esco-
las e mesmo dos sistemas de ensino. Ainda:

Quando esses resultados serão questionados pela sociedade, responsabilizam-se os


professores, esquecendo-se que eles são também produto de uma formação desquali-
ficada historicamente, via de regra, através de um ensino superior, quantitativamente
ampliado nos anos 1970, em universidades-empresas. (PIMENTA, 2012, p. 48).

Os fatos contemporâneos ligados aos avanços científicos e tecnológicos,


bem como a globalização da sociedade, a mudança dos processos de produção e
suas consequências na educação, trazem novas exigências na formação de professo-
res. Este processo recente, configurando uma virada no interior do modo de pro-
dução capitalista, ao mesmo tempo em que traz benefícios à humanidade pelo
crescente avanço científico e tecnológico é, também, fator de ampliação da exclu-
são social (LIBANEO, 2011).
As tecnologias por um lado possibilitam o acesso à informação com rapi-
dez, mas nem todas as pessoas têm acesso a ela, ou conhecem como usá-la. Por
outro lado, as tecnologias intensificam a busca de conhecimentos e propicia um
nível de informação jamais visto. Porém, uma parte grande da população acessa as
informações de modo rápido, sem reflexão crítica, resultando em um conhecimen-
to de má qualidade da oferta da escolarização (LIBANEO, 2011). Diante disso, faz-
se necessária uma avaliação constante das relações entre escola e sociedade, entre

120
informação e conhecimento e o trabalho escolar realizado pelo professor. Sobre
isso:
O professor, diante das novas realidades e da complexidade de saberes envolvidos
presentemente na sua formação profissional, precisaria de formação teórica mais
aprofundada, capacidade operativa nas exigências da profissão, propósitos éticos para
lidar com a diversidade cultural e a diferença, além, obviamente, da indispensável
correção nos salários, nas condições de trabalho e de exercício profissional. (LIBA-
NEO, 2011 p. 76).

Para Libâneo (2011, p.80) ―pensar num sistema de formação de professo-


res inicial e continuada supõe, portanto, reavaliar objetivos, conteúdos, métodos,
formas de organização de ensino, diante da realidade em transformação‖.
Busca-se, portanto, através das várias obras de Paulo Freire caminhos que
orientem para uma prática educativa progressista, pois, enquanto uma prática
educativa conservadora competente de busca, ao ensinar os conteúdos, a ocultar a
razão de problemas sociais, numa prática educativa progressista se procura, ao
ensinar os conteúdos, desocultar a razão de ser daqueles problemas. Segundo
Freire (2014, p. 206) ―a primeira procura acomodar, adaptar os educandos ao
mundo dado; a segunda, inquietar os educandos, desafiando-os a perceberem que
o mundo dado é um mundo dando-se e que, por isso mesmo, pode ser mudado,
transformado e, pode ser mudado, transformado e reinventado‖.
O poder da obra de Paulo Freire não está tanto na sua teoria do conhe-
cimento, mas no fato de ter insistido na ideia de que é possível, urgente e necessá-
rio mudar a ordem das coisas. Ele não apenas convenceu muitas pessoas em mui-
tas partes do mundo pelas suas teorias e práticas, mas também, despertou neles a
capacidade de sonhar um mundo ―mais humano, menos feio e mais justo‖. Ele foi
uma espécie de guardião da utopia. Esse é o legado que ele nos deixou. Esse legado
é, acima de tudo, um legado de esperança. (GADOTTI, 2007).

2. Princípios orientadores nas obras de Paulo Freire


A inquietação de saber como na formação inicial e principalmente na
continuada, de que maneira, com quais conhecimentos, com quais modelos, quais
modalidades de formação são mais inovadoras e, sobretudo, a inquietação de ter a
consciência de que a teoria e a prática da formação devem ser revistas deve-se ao
interesse desta pesquisa.
Primeiramente, ressaltam-se alguns conceitos importantes para tornar
oportuno refletir sobre a formação continuada de professores de escola pública nas
obras de Paulo Freire, somando suas experiências com educação e política, seu
trabalho como escritor, educador, conferencista, um homem de muitas andanças

121
pelo mundo, andarilho da utopia e da educação libertadora, com um vasto currí-
culo que nos deixou um legado que mantém viva sua presença na luta daqueles
que continuam acreditando nas possibilidades de a educação, apesar de seus limi-
tes, tornar possível o impossível, concebendo este um desafio à prática da educa-
ção popular; prática em que o diálogo se faz exigência epistemológica para uma
vivência socialmente comprometida, cuja reflexão, coletivamente partilhada, faz-se
geradora de múltiplas autorias ( FREIRE, 2020, p. 39).
Freire defendia uma sociedade mais igualitária, preocupava-se com a clas-
se dos mais oprimidos, um ser crítico e inquiridor, inquieto em face de sua tarefa
como educador, pois, para Freire (2011, p.47):

[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua pró-
pria produção ou a sua construção [...]. É preciso insistir: este saber necessário ao pro-
fessor – de que ensinar não é transferir conhecimento – não apenas precisa ser apre-
endido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser – ontológica, política, ética,
epistemológica, pedagógica, mas também precisa constantemente testemunhado, vi-
vido.

Em Pedagogia da Autonomia, Freire (2011, p. 47-48) escreve como pro-


fessor num curso de formação docente:

Não posso esgotar a prática discursando sobre a teoria da não extensão do conheci-
mento. Não é possível apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistemológi-
cas e políticas da teoria. O discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto, prá-
tico, da teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecimento, criticando
a sua extensão, já deve-se estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo
os alunos. Saber que ensinar não é transferir conhecimento é fundamentalmente
pensar certo, é uma postura exigente, difícil, ás vezes penosa, que temos de assumir
diante dos outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos.

Na análise realizada a partir de Freire (2011) a escola não é só um lugar


para estudar, ela é um lugar de formação política, de convivência, de participação e
de busca por transformação social. Assim sendo, é importante a clareza das con-
cepções de ser humano, escola e conhecimento que temos. Gadotti (2007), em seu
livro A Escola e o Professor, cita uma referência de Freire:

Como seres inconclusos, inacabados, na verdade, o inacabamento do ser ou sua in-


conclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Somos se-
res incompletos, somos seres condicionados. O que aprendemos depende das condi-
ções de aprendizagens. A escola, como segunda comunidade de aprendizagem da crian-
ça, precisa levar em conta a comunidade não escolar dos aprendentes. Todos preci-
samos de tempo para aprender, na escola, na família, na cidade. Os pais precisam

122
continuar aprendendo. Se qualidade de ensino é aluno aprendendo, é preciso que
ele saiba disso: é preciso ―combinar‖ com ele, envolve-lo como protagonista de qual-
quer mudança educacional.

Segundo Freire (2011, p.57):

É na inconclusão do ser que se sabe como tal, que se funda a educação como proces-
so permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se re-
conheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis,
mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade.

Para Freire (2011, p.57-58) este é um saber precursor da nossa pratica


educativa, da formação docente, o da nossa inconclusão assumida, juntos educan-
dos e educadores inacabados e conscientes do inacabamento ―programados para
aprender‖ exercitaremos nossa capacidade de aprender e de ensinar enquanto
mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos. Freire (2011, p. 32)
ressalta que ―o fracasso de muitos projetos educacionais está no fato de desconhe-
cer a participação dos alunos. O aluno aprende quando o professor aprende; am-
bos aprendem quando pesquisam‖. Segundo Gadotti (2007, p.13) em seu livro
sobre A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar:

[...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encon-
tram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando.
Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para
constatar, constatando, intervenho. Intervindo educo e me educo. Pesquiso para co-
nhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Vivemos numa sociedade de redes e de movimentos, uma sociedade de


múltiplas aprendizagens, chamada de ―sociedade aprendente‖, na qual as conse-
quências para a escola, para o professor e para a educação em geral são enormes, É
fundamental aprender a pensar, saber pesquisar, saber fazer, ter raciocínio lógico,
aprender a trabalhar colaborativamente, ser sujeito da construção do conhecimen-
to, estar aberto a novas aprendizagens e principalmente saber articular o conhe-
cimento com a prática e com outros saberes (GADOTTI, 2007).
Em todos os seus livros Paulo Freire fala alguma coisa sobre sonho e uto-
pia. A utopia é o que ele se refere a um tema ―epocal‖. Para ele, epocal é o tema
que sintetiza uma preocupação ampla e convergente de toda uma época. Em Peda-
gogia da Tolerância seu sonho era uma ―sociedade menos feia, uma sociedade em
que seja possível amar e ser amado‖ (FREIRE, 2004, p.91). No livro O Educador:

123
Vida e Morte, organizado por Carlos Rodrigues Brandão, intitulado ―Educação: o
sonho possível‖, sobre utopia, Freire afirma (GADOTTI, 2007, p. 15-16):

O sonho viável exige de mim pensar diariamente a minha prática; exige de mim a
descoberta, a descoberta constante dos limites da minha própria prática, que significa
perceber e demarcar a existência do que eu chamo espaços livres a serem preenchi-
dos. O sonho possível tem a ver com os limites destes espaços e esses limites são his-
tóricos. (...) A questão do sonho possível tem a ver exatamente com a educação liber-
tadora, não com a educação domesticadora. A questão dos sonhos possíveis, repito,
tem a ver com a educação libertadora enquanto prática utópica. Mas não utópica no
sentido do irrealizável; não utópica no sentido de que discursa sobre o impossível,
sobre os sonhos impossíveis. Utópico no sentido de que é esta uma prática que vive a
unidade dialética, dinâmica, entre a denúncia e o anúncio, entre a denúncia de uma
sociedade injusta e expoliadora e o anúncio do sonho possível de uma sociedade que
pelo menos seja menos expoliadora, do ponto de vista das grandes massas populares
que estão constituindo as classes sociais dominadas. (GADOTTI, 2007, p.100).

Ainda segundo Freire (2014) a prática educativa é tão necessariamente


política quanto é gnosiológica. A prática educativa não pode escapar à produção
do conhecimento. É tão necessariamente gnosiológica quanto ética e estética. A
prática educativa tem uma boniteza nela mesma, como também uma moralidade
indispensável. E é por isso que a prática educativa vai mais além dela mesma, o
que vale dizer que não há prática educativa que não gire em torno de sonhos e
utopias
Conforme Freire (2014, p. 229-230) a prática educativa:

[...] é uma prática política por natureza, mas por natureza, é também uma prática es-
perançada. A prática docente exige de nós testemunhos permanentes. O grande ca-
minho da educação está muito mais no discurso do corpo do que no discurso da voz. É
preciso haver uma indispensável coerência entre o que se diz e o que se faz – O meu
discurso não pode diferenciar-se do meu gesto.

Para Gadotti (2007, p.18):

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é proporcionar as con-


dições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o pro-
fessor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se co-
mo ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.

Nesse sentido, uma forma diferente de conceber a formação dos profes-


sores passa pela concepção política de educação. A compreensão sobre a história

124
da formação docente é importante para compreender as mudanças que vêm ocor-
rendo nos últimos anos. Diante das mudanças, entender que no contexto da edu-
cação e da formação de professores Paulo Freire é um importante educador para
análises de concepções de escola, educação e formação. Diante da implantação das
novas tecnologias no processo de formação docente, Freire continua atual porque
defende a educação como processo de libertação e não enquanto instrumentaliza-
ção de metodologias e instrumentos tecnológicos para aplicabilidade em sala de
aula.

3. Concepção de formação inicial e continuada segundo Freire


A formação inicial e continuada dos professores está diretamente relacio-
nada com a visão, a perspectiva, a concepção mesma que se tem da sua formação e
de suas funções atuais. A nova formação permanente, inicia-se pela reflexão crítica
sobre a prática. (GADOTTI, 2007, p. 31)
A prática docente crítica, implica no movimento dialético, entre o fazer e
o pensar sobre o fazer. Segundo Freire (2011 p. 39-40): ―na formação permanente
dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É
pensando criticamente na prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a
próxima prática‖. A nova formação do professor deve estar centrada na escola sem
ser unicamente escolar, conforme Gadotti (2003), desenvolvendo práticas educati-
vas colaborativas e cooperativas. A nova formação do professor não pode deixar
de ser baseada pelo diálogo com vistas a um projeto político- pedagógico da escola
emancipador (GADOTTI, 2003). Segundo Freire (2011, p. 34):

Ensinar exige estética e ética e a necessária promoção da ingenuidade á criticidade


não pode ou não deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao lado
sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas. A prática educativa tem de
ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza. Mulheres e homens se-
res histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de es-
colher, de decidir, de romper, por tudo isso nós fizemos seres éticos. Só somos por-
que estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser.

Em todas suas obras Freire deixa claro que seu compromisso é com a vi-
da, com os explorados e com a possibilidade de fazer a sociedade brasileira menos
feia, menos injusta. A formação docente é um tema que mexe com o sentimento
do autor, porque não é possível separar a prática docente e a prática discente –
porque no fundo você não pode separar o ensinar do aprender. A prática docente
implica certa sabedoria que vai se constituindo na gente, à medida que a gente vai
constituindo experiência de ensinar e de aprender. [...] na experiência dos futuros

125
professor, esses saberes sejam postos a reflexão crítica e teórica dos que vão ama-
nhã ensinar e dos que estão hoje ensinando e aprendendo[...]. Um dos saberes que
Freire (2014, p. 181) considera primordial, é: ―mudar é difícil, mas é possível‖.
Para Freire (2014, p. 183-184):

É possível mudar. O que vale dizer, então que para Freire é impossível ser professor
sem o sonho da mudança permanente das pessoas, das coisas e do mundo. Contudo,
para você transformar o mundo, tem que iniciar um pouco a transformação de você
mesmo. Este saber que é preciso mudar, apesar das dificuldades de mudar, implica
um saber fundante, isto é, que funda e fundamenta a prática educativa. Um outro
saber fundamental para quem vai ensinar, ou para quem está ensinando, é ensinar
não é transferir conhecimento ao educando.

Para Freire (2014, p.189) ―ensinar significa provocar a curiosidade do


educando a tal ponto que ele se transforme em sujeito da produção do conheci-
mento que lhe é ensinado‖. Questionado sobre a luta por melhores condições
salariais e o processo de formação permanente dos professores, Freire (2014) diz
que é preciso ir além da reivindicação salarial, significa lutar por melhores condi-
ções de trabalho, proporcionando maior conforto aos educadores lhes ofereçam
caminhos a criatividade. E dizia ainda:

[...] o descaso a que vem sendo relegada a educação entre nós é tal que se torna fácil
reconhecer quão difícil é deixarmo-nos tocar pela paixão de mudar, de refazer, de cri-
ar, o que nos empurraria mais além da reivindicação salarial. É neste sentido que a
clareza política em torno do que fazemos como educadores, em torno de nosso sonho
que é político se impõe a nós como necessidade de nosso que fazer. Quanto mais cri-
ticamente claros nos tornamos em face de a favor de que e de quem, contra que e
contra quem somos educadores, tanto melhor percebemos que a eficácia de nossa
prática exige de nós competência científica, técnica e política. (FREIRE, 2014, p.
200).

Ser professor no século XXI, em tempos diferentes para a educação e para


a formação, é como se faltasse algo que fizesse voltar a tomar impulso, são tantas
informações que em alguns momentos se confundem com conhecimento, é um
compromisso muito grande, mas, é ao mesmo tempo nas palavras de Gadotti
(2003). E mais: é preciso tempo para aprender e para sedimentar informações.
Não dá para injetar dados e informações na cabeça de ninguém. Exige-se também
disciplina e dedicação. Como diz Paulo Freire (2011, p.25): ―Quem ensina apren-
de ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender‖.

126
Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa, e foi aprendendo socialmente que histori-
camente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Aprender prece-
deu ensinar, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante
de aprender, e assim quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-
aprender, participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosi-
ológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas
com a decência e com a serenidade. (FREIRE, 2011, p. 26).

Ser professor é gostar de gente, ensinar exige alegria e esperança, A espe-


rança de que professor e aluno juntos podem aprender, ensinar e inquietar-nos,
produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos a nossa alegria. ―Do ponto de
vista da natureza humana, a esperança não é algo que a ela se justaponha. A espe-
rança faz parte da natureza humana.
Segundo Gadotti (2003) fala-se muito em sociedade do conhecimento, às
vezes com impropriedade. Mais do que a era do conhecimento, devemos dizer que
vivemos a era da informação, pois percebemos com mais facilidade a disseminação
da informação e de dados, muito mais do que de conhecimento. O acesso ao
conhecimento é ainda muito precário, sobretudo em sociedades com grande atraso
educacional. É neste sentido que o autor salienta que:

A formação continuada do professor deve ser concebida como reflexão, pesquisa,


ação, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção teórica e não
como mera aprendizagem de novas técnicas, atualização em novas receitas pedagógi-
cas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas. (GADOTTI, 2003, p. 31).

A formação dos professores devia insistir na constituição deste saber ne-


cessário e que me faz certo desta coisa óbvia, que é a importância inegável que tem
sobre nós o contorno ecológico, social e econômico em que vivemos, nas palavras
de Freire (2011, p.132) ―minha segurança se alicerça no saber confirmado pela
própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente, atesta,
de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho para conhecer‖.

O educador democrático na sua prática docente deve reforçar a capacidade crítica do


educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é traba-
lhar com os alunos a rigorosidade metódica com que devem se ―aproximar‖ dos obje-
tos cognoscíveis. É neste sentido que ensinar não se esgota no ―tratamento‖ do obje-
to ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições
em que aprender criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a
presença de educadores e educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamen-
te curiosos, humildes e persistentes. O professor que pensa certo deixa transparecer
aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o

127
mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o
mundo. (FREIRE, 2011, p.28).

É interessante ou deveria ser necessário que os profissionais que ingres-


sam na área da educação fossem capazes de refletir juntamente com os demais
profissionais que atuam a mais tempo dentro das escolas a pensar certo, e isso
implica ao professor e a escola, o dever de não só respeitar os saberes que os edu-
candos sobretudo os das classes populares, chegam a ela - saberes socialmente
construídos na prática comunitária, mas também discutir com os alunos a razão
de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Discutir
com os alunos a realidade concreta a que se deve associar a disciplina estabelece
uma ―intimidade‖ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a expe-
riência social que eles têm como indivíduos (FREIRE, 2011 p. 31-32).

O que é preciso na nossa produção de conhecimento na universidade é, na verdade,


produzir, construir o conhecimento e não memorizar um certo discurso do conheci-
mento. Freire tem repetido muitas vezes que aprender só se faz quando se apreende;
em outras palavras, eu só aprendo que ensinar não é transferir conhecimento quando
eu apreendo a significação substantiva desta afirmação, no momento em que eu faço
a apreensão do significado profundo desse discurso (FREIRE, 2014, p.190).

Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática, aquela prática docente crítica, implican-
te do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar
sobre o fazer. É fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de
educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se
acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do
poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produ-
zido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador. O que se preci-
sa é possibilitar que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a
curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, vá se tornando crítica. Por isso é que
na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se
pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 2011, p. 39-40).

Contudo, não posso deixar de relatar o poder da obra de Paulo Freire,


que além de convencer muitas pessoas em muitas partes do mundo com suas teo-
rias e práticas, despertou a capacidade de sonhar um mundo ―mais humano, me-
nos feio e mais justo‖. Freire foi uma espécie de guardião da utopia. Este legado é
acima de tudo, um legado de esperança (GADOTTI, 2007, p. 90).

128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estar ciente do inacabamento humano, enquanto mulheres e homens se-
res histórico-sociais, que nos tornamos, capazes de intervir, de tomar decisões, por
isso, nos fizemos seres éticos, nos faz refletir na visão freiriana, o inacabamento do
ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacaba-
mento, nos remete a oportunidade de ir além dos estudos, desta forma a pesquisa
se apresenta como algo que constitui o processo formativo de forma permanente
na área da educação. Por isso, as conclusões se justificam como preliminares e não
como algo pronto e acabado.
Este artigo discorre sobre a prática docente crítica, implicante do pensar
certo, envolvendo o movimento dinâmico entre o fazer e o pensar sobre o fazer
(FREIRE, 2011). O discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de estar de
mãos dadas com a prática. Por outro lado, quanto mais me assumo como estou
sendo percebo a ou as razões de ser porque estou sendo assim, mais me torno
capaz de mudar, de promover-me do estado de curiosidade ingênua para o de
curiosidade epistemológica. Segundo Freire (2011, p.40) ―não é possível a assun-
ção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade
para mudar‖.
A reflexão crítica nos remete também à importância da troca de experiên-
cias entre pares, através de relatos de experiências, oficinas, grupos de trabalho.
Gadotti (2003) enfatiza que quando os professores aprendem juntos, cada um
pode aprender com o outro. Isso os leva a compartilhar evidências, informações e
a buscar soluções. A partir daqui os problemas das escolas começam a ser enfren-
tados com a colaboração entre todos‖. Como diz Francisco Imbernón apud Ga-
dotti: ―a colaboração, mais que uma estratégia de gestão, é uma filosofia de traba-
lho‖(GADOTTI, 2003 p. 32).
Mais do que uma formação técnica, a função do professor necessita de
uma formação política para exercer com competência sua profissão. A nova for-
mação do professor deve ter como ideia principal, mais que a intenção de atuali-
zar, potencializar uma formação capaz de estabelecer espaços de reflexão e partici-
pação, para que os professores ―aprendam‖ com a reflexão e a análise das situações
problemáticas dos cursos de formação de professores (mais aprendizagem que
ensino na formação) e para que partam das necessidades democráticas, sentidas,
do coletivo (IMBERNÓN, 2010).

129
REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Educação: o sonho possível. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues


(org.). O educador vida e morte. 2.ed. Rio de Janeiro: Graal, p.89-101, 1982.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa,


São Paulo, Paz e Terra, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. Organização, apresentação e notas Ana


Maria Araújo Freire. [3ª ed.] São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014.

GADOTTI, Moacir. A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar. 1ª.


ed.- São Paulo: Publisher Brasil, 2007.

GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido.


Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul-Brasil. Ed. Feevale, 2003.

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mu-


dança e a incerteza. São Paulo, Cortez, 2000.

IMBERNÓN, Francisco. Formação continuada de professores. Tradução Juliana


dos Santos Padilha. - Porto Alegre: Artmed, 2010.

LIBANEO, Jose Carlos. Adeus professor, adeus professor? novas exigências edu-
cacionais e profissão docente. 13ª. ed.- São Paulo: Cortez, 2011.

PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: historicidade e conceito. In PIMENTA, S.


G., GHEDIN, E. (Orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e critica de um
conceito. São Paulo: Cortez, 2012.

130
Paulo Freire e a Educação Superior no Brasil:
aproximações ou distanciamentos?

Fernanda dos Santos Paulo

Este capítulo trata da Educação Superior no Brasil nas primeiras décadas


do século XXI e as possíveis relações com a teoria freiriana. Objetiva trazer elemen-
tos que permitam a discussão desse contexto político a partir do pensamento de
Freire, sobretudo acerca das concepções coerentes com a Educação Popular numa
perspectiva crítica, dialógica, problematizadora e emancipatória.
A Educação Superior no Brasil tem crescido quantitativamente, (BRA-
SIL, 2015; 2016). No caso das políticas de formação docente, estudos revelam que
muitas políticas propostas e formativas foram gestadas e implementadas durante o
Governo Lula, contudo a maioria das matrículas foi em instituições privadas.
(GATTI, BARRETTO, ANDRÉ, 2011). Com relação à formação docente, verifi-
camos que através do Programa Universidade para Todos (ProUni), instituído pela
Lei nº 11.096/2005, muitos professores, sem formação superior, ingressaram na
universidade. Além disto, contou-se como Plano Nacional de Formação de Profes-
sores da Educação Básica (PARFOR) que fomentou oferta de turmas especiais em
cursos de licenciaturas e formação pedagógica para bacharéis sem licenciatura, os
quais atuavam com a docência. Para Moehlecke (2019, p.467):

O discurso do Governo Lula em sua primeira gestão, o MEC define a inclusão social
como um dos quatro eixos estratégicos de sua política educacional. Se slogans como
―Brasil, um país de todos‖ serviram de marca para o governo, eles também ganharam
versões para o setor educacional como, por exemplo, ―Educação para Todos‖ e ―To-
dos juntos para democratizar a educação‖. Compreende-se a educação como um es-
paço privilegiado para a inclusão social, perspectiva que orienta a própria reorganiza-
ção do MEC a partir do início de 2003.

No eixo ―inclusão social‖, podemos considerar que entre os Governos de


Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff foram criadas dezoito
novas universidades9. Essa ampliação da rede pública de universidades é oriunda
do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

9
Sobre essa questão, consultar o seguinte site, disponível em: http://www.pt.org.br/governos-do-pt-
criaram-18-universidades-publicas-tucanos-nenhuma/. Acesso em 24 de fev. 2017.

131
Federais Brasileiras (Reuni).Também, ocorreu a expansão a partir da parceria
público-privada (Estado com Instituições Privadas) por meio das bolsas integrais e
parciais de estudos do Programa Universidade para Todos (Prouni).
Diferente dos contextos anteriores, no governo de Fernando Henrique
Cardoso (PSDB- 1995-2002), os investimentos não focalizaram para o Ensino
Superior público e, investiu-se apenas no setor educacional privado. Com o impe-
achment da presidenta Dilma Rousseff, ocorrido em 31 de agosto de 2016 e a der-
rubada de seu governo, em seu lugar assumiu o vice-presidente, Michel Temer.
Neste período:

No que tange a ―facilitação‖ para a o trânsito dos grupos estrangeiros interessados na


ampliação da iniciativa privada no ensino superior no Brasil, o governo Temer acena
com a promessa de um ambicioso programa de privatizações, financiados com recur-
sos do BNDES (Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias público-privado, que
possui natureza privada e patrimônio próprio). (FIGUEIREDO, 2017, p. 163).

No governo Bolsonaro identificamos um período de grandes e trágicos cor-


tes na Educação Superior, algumas medidas serão citadas:

1. Em um governo que se utiliza basicamente das redes sociais como meio de


comunicação, através de um vídeo publicado no Facebook no mês de abril,
o ministro da Educação, Abraham Weitraub anunciou a redução dos inves-
timentos nos cursos das universidades públicas da área de ciências huma-
nas, alegando sua decisão baseada na medida tomada pelo Japão. Segundo
o ministro "O país, muito mais rico que o Brasil, está tirando dinheiro pú-
blico das faculdades tidas como para pessoas que já são muito ricas, ou de
elite, como Filosofia.‖ (ÉPOCA, 2019, s/p) [...]. (FERRARI, p. 71-72).
Além disso, vale conferir Bolsonaro (2019).

2. [...] o fortalecimento do Movimento Escola sem Partido, que desencadeou a


aprovação de leis em vários municípios e estados da federação, com vistas a
controlar, punir e vigiar docentes da Educação Básica e do Ensino Superi-
or, sob a justificativa de doutrinação política, religiosa ou de gênero; e a Re-
forma da Previdência – não aprovada durante o governo Temer, mas pauta
prioritária no governo de Bolsonaro. (TRICHES; LOTTERMANN;
CERNY, 2019, p. 12).

3. O Future-se, projeto de contrarreforma universitária do Governo Bolsonaro,


foi apresentado, de forma restrita, no dia 16 de julho para reitores das uni-

132
versidades e institutos federais, e lançado oficialmente no dia 17 de julho,
em solenidade na sede do Inep, em Brasília. O programa, que rapidamente
foi transformado em projeto de lei, intitula-se ―Programa Institutos e Uni-
versidades Empreendedoras e Inovadoras‖, e em sua forma e conteúdo re-
presenta um dos mais graves ataques à educação pública superior brasileira.
(FILHO; FARAGE, 2019, p. 41).

4. Paulo Freire representa o fracasso da educação esquerdista (FHC+PT). Um


dia, o Brasil terá outro patrono da educação! (WEINTRAUB, 2020).

5. O golpe não é um projeto isolado, apolítico e ingênuo. Ele vem acompa-


nhado de outros projetos de ações práticas e discursivas que se materiali-
zam em desmontes das políticas sociais [...] colocando o mercado como ho-
rizonte de projeto societário. [...] A educação passa a ser o alvo dos neolibe-
rais. [...]. A educação Popular é atingida. A proposta da ―escola sem parti-
do‖ surge então como a ilusória pretensão de fazer crítica social na/da esco-
la. Esse Movimento Escola sem Partido vem criminalizando todo tipo de
atividade mobilizadora e politizadora organizada pelos movimentos de re-
sistência ao projeto de escola e universidade pautados pelos parâmetros do
mercado, cuja finalidade é instaurar uma educação empreendedora à luz
dos referenciais da sociedade capitalista. (PAULO; BRANDÃO, 2018,
p.182-183).

Cabe ressaltar que na presidência de Temer e Bolsonaro o projeto educaci-


onal explicitou a ênfase no modelo de privatização do ensino superior em detri-
mento de investimentos na educação pública.
Diante desses contextos, a nossa questão de fundo é que a alternativa dos
governos populares em expandir a Educação Superior pública no Brasil foi de
extrema importância; mas no tocante a parceria público-privada, esta deveria ser
transitória, constando essa intenção no projeto de governo, pois ao satisfazer o
mercado na execução das políticas educacionais colocamos em dúvidas as possibi-
lidades de concepção de Educação Popular libertadora de base freireana.
Entendemos que há dois problemas evidenciados: uma vez que o poder
público fomenta a parceria com Instituições Privadas, não contrapondo-se as lógi-
cas e processos hegemônicos presentes na formação universitária, ele precariza a
luta pela educação pública estatal. O segundo ponto é a privatização da educação
como projeto de governo visando o sucateamento da universidade pública para a
acelerada substituição da gestão pública para o privado.

133
Face o exposto, é que Paulo Freire contribui para destacarmos as aproxima-
ções, distanciamento e implicações entre a sua concepção de educação e os proje-
tos de Educação Superior hodiernos.

2. O contexto da educação superior hodierna


A Organização da Educação Superior no Brasil compreende um conjunto
de modalidades de Instituições desse nível de educação, tais como: Universidade,
Faculdade, Centro Universitário, Institutos Federais, etc.
Segundo o Censo da educação superior de 2013 e de 2014, houve a pre-
dominância da Rede Privada na oferta de cursos superiores, inclusive no governo
do Partido dos Trabalhadores (PT). Ressalta-se ainda que, historicamente, o núme-
ro de Instituições de Educação Superior privada é maior que a Rede Pública Fede-
ral, conforme podemos analisar na tabela abaixo:

Tabela 1 Número de Cursos de Graduação por Categoria Administrativa

É importante frisar que, no Brasil do Governo Lula e Dilma, o ingresso da


classe popular na Educação Superior deu-se, em especial, pelo Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem), sendo que é na Rede Privada que concentra o maior nú-
mero de estudantes de escola pública nesse nível de educação.
Pode-se, no entanto, afirmar que o papel do Estado nas políticas educacio-
nais é de extrema importância para refletirmos, criticamente, a respeito da Educa-
ção Superior no Brasil, principalmente no contexto político dos últimos anos,
contextos de desvalorização da educação pública. Um exemplo concreto é a PEC

134
24110 , defendida pelo governo de Michel Temer, que representava o fim do ensi-
no gratuito nas universidades públicas. No governo Bolsonaro podemos fazer
referência ao Ofício 01/2020 publicado pela Secretaria de Ensino Superior do
Ministério da Educação que tratou do caso das Instituições Federais de Ensino,
suspendendo contratações de docentes em 2020. Igualmente, o teto de gastos
reflete diretamente na educação superior, trazendo, por exemplo, retrocessos na
luta a favor do acesso da classe trabalhadora na universidade.
Conforme Saviani (2010), no governo Lula houve investimento nas univer-
sidades públicas (federais) ―promovendo a expansão de vagas, a criação de novas
instituições e a abertura de novos campi‖ (p. 14), mas também sucedeu a:

[...] continuidade ao estímulo à iniciativa privada que acelerou o processo de expan-


são de vagas e de instituições recebendo alento adicional com o programa ―Universi-
dade para todos‖, o ―PROUNI‖, um programa destinado à compra de vagas em insti-
tuições superiores privadas [...]. (SAVIANI, 2010, p. 14).

Se observarmos o Programa de Lula de 200211, acerca da Educação Superi-


or, veremos que um dos objetivos centrais da política educacional é promover o
crescimento econômico, visando proporcionar aos universitários a possibilidade de
―competição do País no mercado internacional‖ (2002, Item 39). Esse escopo está
associado aos parâmetros do mercado que, mesmo nos governos populares, foram
fortalecidos.
A relação entre o público e o privado, materializada na política da Educa-
ção Superior brasileira, nos demonstra que o mercado ainda é a referência de
qualidade, vinculando o projeto de Universidade ao projeto econômico hegemô-
nico; um dos seus meios de disseminação dos ideais mercadológicos é manter um
currículo conservador e neotecnicista nos cursos universitários.
Por outro lado, no mesmo Programa de Governo de Lula (2002), localiza-
mos conceitos que se aproximam com os de Paulo Freire, por conseguinte, a um
projeto popular de educação. Temos referência à educação de qualidade como
fator de emancipação e cidadania (Item 39). Porém, no mesmo parágrafo, identifi-
camos a relação da Universidade com a compreensão de trabalho capitalista, en-
quanto espaço de oportunidades para os estudantes ingressarem no mercado de
trabalho. Inferimos que, a Universidade tanto nos Governos de Luiz Inácio Lula
da Silva quanto da presidenta Dilma Rousseff não rompeu, radicalmente, com os

10
Sobre a PEC 241, indicamos o vídeo de Roberto Leherque fala da PEC 241. Disponível em:
http://brasil2036.org.br/2016/10/14/reitor-da-ufrj-roberto-leher-fala-da-pec-241/. Acesso:21, jan.2021.
11
Programa de Governo 2002 - Um Brasil para Todos: Crescimento, Emprego e Inclusão Social.

135
ideais neoliberais que sustentam a qualidade de mercado como justificativa do
crescimento econômico do país.
Outra contradição encontrada no governo petista foi a parceria público-
privada entre Estado e Instituições Superiores Privadas, a qual houve aumento
expressivo dessa Rede de educação na oferta de vagas para estudantes aprovados
no Enem.
Diante dessa problemática, nossos fundamentos teóricos, baseados em
Freire, contribuem para uma análise acerca das aproximações e distanciamentos de
uma Educação Popular numa perspectiva crítica e emancipatória na Educação
Superior brasileira.

3. Freire e a concepção neoliberal na educação superior


Para escrevermos esse tópico escolhemos o livro Pedagogia da esperança:
um reencontro com a pedagogia do oprimido (1997b). A partir dele conceituamos
a compreensão de Paulo Freire sobre neoliberalismo. Neste livro, ele afirma que a
pós-modernidade, conservadora, pragmática e neoliberal apresenta um discurso
que tenta ―apagar da história a existência das classes sociais.‖ (p. 60).
Essa política neoliberal está em muitos espaços sociais, dentre eles na Uni-
versidade. Neste caso, na defesa, implícita ou explícita, do acúmulo de conheci-
mentos em prol do ensino com excelência, materializado em um currículo e meto-
dologia orientado pela ideologia dominante, a universidade reverência um projeto
educativo consubstanciado pelo paradigma quantitativo e produtivista, no lugar de
um ensino qualitativo com qualidade social. Por conseguinte, as relações entre
universidade e sociedade não podem estar distantes do contexto neoliberal que
preconiza a lógica do mercado. Essa lógica neoliberal proclama uma ―educação
neutra e devotada avidamente ao treinamento técnico‖. (FREIRE, 1997b, p. 74).
Paulo Freire, um dos pensadores latino-americano, afirma que a ―ideologia
dominante, autoritária, discriminatória, atravessa também setores das dominadas.‖
(1997b, p.63), isto é, precisamos, enquanto oprimidos, não assumir a ideologia
dominante. Ele afirma, portanto, que o neoliberalismo tem o compromisso com a
defesa do mercado e com a educação capitalista (FREIRE, 1997a).
A Educação Superior, para o educador pernambucano, necessita recriar a
Universidade em todos os aspectos, iniciando por não dicotomizar a atividade
docente da pesquisa. Para tanto, deve estar em constante diálogo com os setores
populares (movimentos sociais, grupos e áreas populares), cuja ―questão política
tanto quanto a epistemológica‖. (FREIRE, 1997b, p.98) estejam envolvidas neste
processo de reinvenção.

136
Diante do exposto, a concepção teórico-metodológica freiriana se apresenta
como alternativa ao capitalismo, sobretudo quando se refere à Educação Popular
com fundamento ético-político a favor dos oprimidos.

3.1 Educação superior: Freire e sua concepção ético-política


A política em Freire tem relação com a dimensão ética na construção de
uma educação libertadora. Neste caso, a teoria freiriana, baseada na Educação
Popular, tem princípios fundamentados por um trabalho pedagógico voltado para
o processo de transformação social. Diante desse cenário,

O mito da neutralidade da educação, que leva à negação da natureza política do


processo educativo e a tomá-lo como um quefazer puro, em que nos engaja-
mos a serviço da humanidade entendida como uma abstração, é o ponto de
partida para compreendermos as diferenças fundamentais entre uma prática in-
gênua, uma prática "astuta‖ e outra crítica. (FREIRE, 1991, p.15).

Em razão disto, Freire (1997) afirma que a tarefa da educação popular, de


cunho progressista, é discutir a respeito dos conflitos sociais de modo comprome-
tido com as classes populares. À vista disso,

Uma das tarefas do educador ou educadora progressista, através da análise política,


séria e correta, é desvelar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a espe-
rança, sem a qual pouco podemos fazer porque dificilmente lutamos e quando luta-
mos, enquanto desesperançados ou desesperados, a nossa é uma luta suicida, é um
corpo-a-corpo puramente vingativo. (FREIRE, 1997, p.6).

Eis aí as dimensões ético-políticas no contexto educativo da luta referencia-


da em Freire. Para o autor, a ética em favor do ser humano demanda uma socie-
dade mais justa e igualitária. Dessa maneira, a Educação Superior não poderia
estar distante da discussão de um projeto humanizado de educação e sociedade,
pois se faz necessário à coerência entre a rigorosidade ético-pedagógica libertadora
e a luta pela ―ética universal do ser humano‖ (FREIRE, 1997a, p.7). Sem essa
coerência política podemos cair na ingenuidade do discurso neoliberal e, assim,
disseminar os valores da ―ética menor, restrita, do mercado, que se curva obedien-
te aos interesses do lucro.‖(FREIRE, 1997a, p.7) .
A Educação Popular crítica, dialógica, problematizadora e emancipatória
não compreende ―O popular [...] está coadunando ao acesso e permanência da
classe popular na universidade, inspirando-se nas políticas de inclusão social.
(PAULO, 2018, p.23). Tampouco, a Educação Popular freiriana não concebe seu
sentido como assistencialismo, como popularização da educação escolar ou como

137
metodologia (PAULO, 2018). A Educação Popular freiriana com base na pedago-
gia crítica:

[...] compõe alguns pressupostos comuns que perpassam pelas diferentes correntes fi-
losóficas, entre eles estão: 1) A educação libertadora a partir da práxis político-
educativa; 2) A transformação social que parta da luta dos e com oprimidos, indisso-
ciada de uma educação conscientizadora; 3) O diálogo problematizador entre os dife-
rentes saberes: os construídos na academia (saberes científicos) e os adquiridos no co-
tidiano da vida (saberes populares) na luta por epistemologias populares; e, 4) A
aposta de que existem possibilidades de mudanças, por isso a esperança e o sonho
por um mundo justo e humanizador para todos, enquanto luta possível e concreta.
(PAULO, 2018, p. 226).

Nesse contexto, o horizonte de luta para o futuro da Universidade é resistir


a essa onda neoliberal entranhada nos múltiplos espaços societários. Para tal,
mesmo em tempos de isolamento devido à pandemia decovid-19, é de suma impor-
tância a criação de novas formas de irmos reinventando as nossas lutas; precisamos
ocupar a universidade mesmo via aulas remotas. Utilizarmo-nos ―dessas múltiplas
experiências, que se constituem atravessadas pelos condicionamentos políticos,
econômicos e históricos presentes na trajetória da universidade brasileira.‖ (PAU-
LO, 2018, p.228-229), para resistirmos às atuais políticas educacionais que represen-
tam um gigantesco retrocesso na história da educação brasileira, incluindo a Educação
Superior.

Considerações
Em nossas análises, este artigo contribuiu para constatarmos que há um
forte esgotamento do debate ético-político no campo da Educação Superior no
Brasil, sendo que uma das razões se destina ao projeto neoliberal societário, reve-
lando uma explicita separação entre o político e o ético. Esse é o primeiro distan-
ciamento da Educação Popular freiriana (crítica, dialógica, problematizadora e
emancipatória). O segundo distanciamento é a política educacional burguesa que
exclui a classe trabalhadora do direito à educação. (FREIRE, 1997a, 1997b).
Por isso, Paulo Freire permanece sendo um autor importante para a análise
reflexiva com relação à disputa de projeto de educação e sociedade entre os setores
oprimido e opressor. Diante disso, levando em consideração a nossa fundamenta-
ção teórica, há um distanciamento da teoria a freiriana no debate, mais amplo,
relativo à Educação superior.
Destacamos que, mesmo com os importantes avanços ocorridos nos gover-
nos ditos populares (PT), a Educação Superior é oferecida em maior número por
instituições privadas, mesmo com a expansão da Rede Pública. Verificamos que

138
uma dessas razões ocorre por conta da parceria público-privada através das bolsas
integrais e parciais de estudos do Prouni. O desmonte da Educação Superior se
agravou nos governos Temer e Bolsonaro, onde a educação pública estatal não é
tratada nem como prioridade secundária; é ignorada, anulada, inferiorizada e
criminalizada. Ainda que no governo Lula e Dilma a preocupação com ―o popular
na universidade, ou seja, é o acesso dos setores populares na educação superior‖
(PAULO, 2018, p. 127), tivesse sido uma prioridade, não houve um avanço da
concepção de Educação popular libertadora/ emancipatória; porém, a política
educacional na Educação Superior destes governos merece ser avaliada positiva-
mente, se comparada com os governos Temer e Bolsonaro.
Paulo Freire, nesse contexto, nos fornece bases teóricas para as aproxima-
ções entre a concepção teórico-metodológica freiriana e a Educação Superior hodi-
erna, as quais implicam compreender que:

1.Não existe neutralidade da educação;


2.A concepção pedagógica da Educação Superior não pode estar separada
da política e da ética;
3.A política educacional progressista exige a participação e luta em defesa
da ética universal do ser humano;
4.Transformar a Universidade exige a convicção de que mudar é possível,
urgente e necessário;
5.Lutar exige o reconhecimento de que o projeto de educação não pode es-
tar desprendido do societário, no entanto, é urgente formação ético-
político, associada ao pedagógico e epistemológico;
6.A Universidade comprometida com a Educação Popular é um lugar de
disputa e nela podemos e deveríamos apreender a realidade para trans-
formar;
7.Transformar a realidade excludente de cunho neoliberal exige rigorosi-
dade metódica, criticidade e ética.

As sete exigências apontadas constam nas obras de Freire, aqui citadas, e se


constituem ferramentas de resistência e luta pela libertação dos setores dominados
pelo sistema capitalista, desigual e opressor.

139
Referências

BOLSONARO, J. M. O Ministro da Educação @abrahamWeinT estuda descen-


tralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas). Alunos já
matriculados não serão afetados. O objetivo é focar em áreas que gerem retorno
imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina. Brasília,
Brasil, 26/04/2019 06h52min. @JairM.Bolsonaro. Disponível em:
https://t.co/bqpNS6l0al. Acesso em: 21 jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universi-


dade para Todos – PROUNI regula a atuação de entidades beneficentes
de assistência social no ensino superior; altera a Lei nº 10.891, de 9 de julho
de 2004, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: Casa
Civil da Presidência da República, 2005.

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nacional de estudos e pesquisas educacionais Anísio Teixeira, 2015.

BRASIL. Resumo técnico: Censo da educação superior 2014. – Brasília: Instituto


Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2016.

FERRARI, Julie Fernanda. o processo de Bolonha e os cortes na Educação Supe-


rior do governo bolsonarista: considerações a partir de textos jornalísticos. Ensaios
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va. São Paulo: Paz e Terra, 1997a.

140
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um Reencontro com a Pedagogia do
Oprimido. São Paulo: Paz e terra, 1997b.

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fev.2017.

TRICHES, Jocemara; LOTTERMANN, Josimar; CERNY, Rosely Zen. Os Rumos


da Educação e as (Contra) Reformas [recurso eletrônico]: os Problemas Educacio-
nais do Brasil Atual– 1. ed. –Dados eletrônicos. – Florianópolis:
NUP/CED/UFSC, 2019.

WEINTRAUB, A. Devemos retirar o mural de Paulo Freire em frente ao MEC?


Acho que deve ser mantido, até que o Brasil deixe de ser o PIOR país na América
do Sul (PISA 2018). Paulo Freire representa o fracasso da educação esquerdista
(FHC+PT). Um dia, o Brasil terá outro patrono da educação!
https://t.co/mNuTVu4sll. Brasília, Brasil, 07/05/2020. @AbrahamWeint. Dis-
ponível em: https://t.co/mNuTVu4sll. Acesso em: 08 jun. 2019.

141
A formação do pedagogo alfabetizador: um estudo de
caso do curso de Pedagogia da UNOESC

Carlos Eduardo Melchiors


Fernanda dos Santos Paulo

INTRODUÇÃO
O presente capítulo12 tem por objetivo identificar a presença do tema
da alfabetização na formação de pedagogos formados pela Universidade do Oeste
de Santa Catarina (UNOESC). Buscamos conhecer, compreender e refletir sobre
o papel e lugar da alfabetização no curso de Pedagogia da UNOESC. Nossa ques-
tão central é: Mesmo que o curso de Pedagogia não seja exclusivo para formação
de alfabetizadores (BRASIL, 2006) qual o lugar da alfabetização na formação de
pedagogos na UNOESC?
Realizamos uma pesquisa documental buscando conhecer as políticas
educacionais de alfabetização, bem como um estudo do Projeto Político Pedagógi-
co do curso de Pedagogia da UNOESC. Para este texto trataremos das políticas
públicas de formação de alfabetizadores a partir do curso de pedagogia em análise.
Tendo como referência a Análise do Conteúdo, buscamos no texto o conteúdo
explícito como ponto de partida para análise. Posteriormente, estudamos o signifi-
cado do conteúdo, conforme Bardin (2011) expõe. A escolha dos documentos a
serem submetidos à análise foi a primeira etapa do percurso metodológico. A
segunda foi à leitura atenta dos documentos, sinalizando as seguintes palavras-
chave: alfabetização; alfabetização; letramento. Depois, foram re-lidas as ementas
dos componentes curriculares e as referências bibliográficas disponíveis. Por últi-
mo, trabalhamos com o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação
(BARDIN 2011). O texto está dividido da seguinte forma: 1) Apresentação; 2) O
curso de Pedagogia na legislação nacional; 3) Políticas de alfabetização e curricula-
res; 4) O Curso de Pedagogia da Unoesc e as Políticas Educacionais; 5) Considera-
ções finais.

12
É resultado de uma pesquisa realizada com Bolsa de Pesquisa e Extensão, pela Universidade do Oeste
de Santa Catarina (UNOESC). O título da pesquisa realizada foi: ―Políticas Públicas e formação de
alfabetizadores: diretrizes e implicações no ensino da língua materna nos anos iniciais do Ensino
Fundamental‖, realizado entre os anos de 2018 a 2020. Por decorrência da pandemia, realizamos uma
pesquisa bibliográfica e documental.

142
2. O curso de Pedagogia na legislação nacional
A discussão sobre a formação do pedagogo, frequentemente, está em
voga, seja pelas demandas impostas pelo mercado, pelas (re)estruturações propos-
tas por políticas educacionais, seja pelo questionamento do que deve ser funda-
mental no processo formativo. Tal debate pauta desde questões relacionadas ao
senso comum, existentes na área – pedagogia só forma professores para atuar na
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental – aos efeitos causados
por diferentes políticas como as Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia,
questões referentes aos desenhos curriculares e ao tipo de profissionais que esses
formam, ênfases que as diretrizes e cursos deveriam preconizar, bem como anali-
sam as repercussões da inserção de pedagogos com determinada característica
formativa nos sistemas educacionais de ensino.
O curso de Pedagogia, conforme explica Libâneo (2001), não se restrin-
ge a formar professores. Segundo o autor, a Pedagogia se ocupa, de fato, com a
formação escolar de crianças, com processos educativos, métodos, maneiras de
ensinar, mas, antes disso, ela tem um significado bem mais amplo, bem mais glo-
balizante. ―Ela é um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na
sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da
ação educativa‖ (p. 75). A Pedagogia é apenas uma das áreas que tem a educação
como objeto de estudo. Ao não ser exclusiva no trato com as questões educacio-
nais, ―ela pode postular o educativo, propriamente dito e ser a ciência integradora
dos aportes das demais áreas‖ visto que, embora áreas como a Sociologia, a Psico-
logia, a Economia, a Filosofia e a Linguística, por exemplo, possam tematizar os
problemas educativos como objetos de estudo, elas abordam o fenômeno de dife-
rentes perspectivas, a partir dos seus próprios conceitos e métodos de investigação
(LIBÂNEO, 2001). Assim, compete à formação do pedagogo a compreensão de
seu papel político, enquanto intelectual da sua profissão, não somente na reflexão
sobre sua ação teórico-prática, relacionada às questões educativas, mas é necessário
que se perceba, em sua cotidianidade como fazer dialogar com os impasses mais
específicos e refinados que apresentam seus alunos e o conhecimento organizado
advindo de outras áreas, tais como o ensino do português como língua materna.
Com a ascensão das discussões acerca da função social da escrita bem como do
necessário compromisso com uma proposta de letramento dentro do contexto
escolar, diversos outros saberes necessários à docência nos anos iniciais do ensino
fundamental foram perdendo enfoque quando se fala em formar os alfabetizado-
res.

143
2.1 Políticas de alfabetização e políticas curriculares
Quando ouvimos falar em alfabetização nos vêm em mente algumas pa-
lavras, tais como: alfabeto, leitura, ensino, escrita, dentre outras. Mas quem alfa-
betiza? O alfabetizador. Quem é ele? Desde o final do século XX há uma ênfase na
formação pedagógica do alfabetizador, a sua profissionalização. Segundo Soares
(2008), a alfabetização é processual, ampla e complexa, e por isso exige saberes
pedagógicos daquele que ensina, o alfabetizador. A mesma autora afirma que ―A
alfabetização é uma das três facetas da aprendizagem inicial da língua escrita, ne-
cessária, mas não suficiente, porque está só se completa se integrada com as facetas
interativa e sociocultural, estas duas constituindo o letramento‖. (SOARES, 2016,
p. 345). Para Cagliari (1999, p. 104), ―alfabetizar é ensinar a ler e a escrever [...] o
ponto principal do trabalho é ensinar o aluno a decifrar a escrita e, em seguida, a
aplicar esse conhecimento para produzir sua própria escrita‖.
Se compreendido o conceito de políticas públicas de modo mais delimi-
tado, como a materialização das ações do Estado, pelas formulações de finalidades
mais diretivas com uma concepção de sociedade por ser implantada ou em curso,
é, conforme manifestou Paiva (2014), problemático falar da existência de políticas
públicas de leitura no Brasil, uma vez que se constatam ações bastante circunscri-
tas à prática de distribuição de material e oferta de cursos de curta duração no
âmbito dos estados e municípios da rede pública. Além disso, esses acervos, por
vezes, como têm apontado diversas pesquisas, continuam empacotados, em algum
espaço pouco explorado pelas escolas. Desse modo, tais ações pouco vêm configu-
rando como políticas culturais e, principalmente, educacionais, que apontam, de
modo mais sólido, um modelo de sociedade a ser impulsionado pelas ações do
Estado, através de seus gestores. Isto é, no que compete ao ato de ler, à formação
de leitores e, sobretudo, à formação inicial e permanente dos pedagogos como
alfabetizadores, é ainda frágil a ideia de um sistema organizado, que configure um
ramo de uma ideação mais global, que objetive e pense, de modo mais aparelhado,
o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
Em se tratando da leitura, de modo mais específico e tomando-a como
uma prática, Paiva (2014) aponta que, no contexto brasileiro, os atos de promo-
ção, fomento e acesso à leitura são praticados pelo Ministério da Educação desde
1930, quando da sua criação. Ainda que com pouco relevo, nos anos 80 a preocu-
pação com a formação de leitores adentrou à agenda das políticas públicas nacio-
nais, no entanto, foram sempre prejudicadas pelas rupturas de alguns fluxos das
políticas públicas mais enfocadas no momento. Em seu verbete, a autora destaca
quatro dessas ações, quais sejam:

144
[...] o Programa Nacional Sala de Leitura – PNSL (1984-1987); o Proler, criado pela
Fundação Biblioteca Nacional, do Ministério da Cultura; o Pró-leitura na formação
do professor (1992 -1996) e o Programa Nacional Biblioteca do Professor (1994). Em
1997, criou-se o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), em vigor até hoje.
O programa é executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), em parceria com a Secretaria de Educação Básica do MEC e destina-se à
composição e distribuição de acervos de literatura para as bibliotecas das escolas pú-
blicas brasileiras que atendem a todos os segmentos da Educação Básica. (BUNZEN,
2014).

A autora ainda complementa a referida listagem com uma política im-


plantada em 2013, dentro do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC), haja vista o envolvimento do mesmo com a literatura e a leitura literária
na escola. Tal ação caracterizou-se pela seleção de acervos de literatura para as salas
de aula nos anos iniciais do Ensino Fundamental, mais especificamente, nos três
primeiros. Pensar esse rol de ações ratifica o ensejo de uma democratização da
leitura que vem sendo suscitada e ao mesmo tempo norteando as políticas públicas
de modo que, a cada programa proposto pelo governo, nota-se uma tentativa de
verticalização, também manifestada pela universalização da distribuição de obras
de literatura a todos os espaços de ensino institucionalizados. Desse modo, se não
é possível pensar em uma política pública de leitura no Brasil consolidada e atre-
lada à formação inicial e permanente dos alfabetizadores, se tal concepção for
acolhida de modo mais alargado, esses movimentos, em diálogo com as ações de
redução do analfabetismo bem como do analfabetismo funcional merecem aten-
ção por constituírem formas de ação do Estado que, por vezes, nos dizem mais que
atos legislativos que pouco envolvem os impasses sociais. Faz parte dessas ações a
elaboração de diretrizes que norteiam a formação inicial e permanente do alfabeti-
zador, as estratégias utilizadas pelas secretarias municipais e estaduais de educação
para o monitoramento de metas do PNE que versam sobre o analfabetismo, bem
como a forma como docentes, gestores e acadêmicos dos cursos de pedagogia
reconhecem a complexidade dessa tarefa.
Mesmo com a instituição da Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal de nº 9.394 de 1996, ainda demorou cinco anos para que o Conselho Nacio-
nal de Educação, por meio do Parecer CNE/CP nº 009, propusesse as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Em
fevereiro de 2002, a Resolução CNE/CP nº 1, que institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior,
curso de licenciatura, de graduação plena, foi aprovada. As diretrizes curriculares
para o curso de Pedagogia foram instituídas por meio da Resolução CNE/CP

145
01/2006. Além de designar às 3.200 horas mínimas de curso, o documento expõe
outras consignações acerca da disposição e estrutura do mesmo e, em seu artigo 5º
são apresentadas as aptidões necessárias ao egresso de pedagogia, dentre elas, o
ensino da Língua Portuguesa, ―de forma interdisciplinar e adequada às diferentes
fases do desenvolvimento humano‖. Além disso, aponta como componente das
diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Pedagogia, o que
segue: Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de
professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras
áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Em se tratando de aspectos legais da formação desse profissional, resta
inegável sua necessária competência com o conhecimento linguístico e aspectos
outros da alfabetização que compõem um processo basilar tanto para os anos
finais da Educação Infantil quanto para os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Nesse sentido, é relevante trazer à discussão uma das contribuições de Magda
Soares para o debate, pois, para ela, o professor alfabetizador tem de, primeira-
mente, dominar muito bem as estruturas e o funcionamento da língua portuguesa.
A autora ainda critica que essa formação não é concedida de forma adequada para
que esse profissional saiba usar a língua escrita nas suas diferentes variantes ao
mesmo tempo em que saiba respeitar, no âmbito do ensino de uma língua mater-
na, os diferentes modos de se expressar dos seus alunos a partir do contexto em
que vivem. Isto é, tem de ter formação sociolinguística; psicolinguística; de fonolo-
gia, uma vez que, carente dessas competências, é deveras difícil compreender o
processo por que passa a criança para relacionar fonemas com grafemas. Para além
disso, há que conhecer literatura infantil, que é com o que se deve trabalhar, pri-
meiramente em sua dimensão estética, e, em seguida, se apropriar desses instru-
mentos para a aquisição da língua escrita.
Por fim, é necessário que o professor conheça o que são gêneros textu-
ais, teorias da leitura e diferentes estratégias postas em ação para a compreensão de
diferentes gêneros textuais. Nesse mesmo sentido e partindo do pressuposto de
que alfabetizar é ensinar língua materna, o verbete produzido por Bunzen (2014)
evidencia essa concepção mais alargada de Ensino de Língua Portuguesa da qual se
refere Soares, de modo a reforçar a sua inserção na agenda dos cursos que se des-
tinam a formar professores que atuarão na Educação Infantil e nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental. Diz o autor que os processos de:

146
[...] alfabetização sempre elegeram o ensino do ―ler e do escrever‖ como um de seus
objetivos centrais. Por tal razão, o currículo escolar dedica um tempo e um espaço es-
pecíficos para o que se chama atualmente de ―ensino de Língua Portuguesa‖, isto é, o
ensino formal e planejado que almeja formar leitores e produtores competentes de
textos verbais e visuais, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. (BUNZEN,
2014, p. 97).

De modo geral, devido a diversas lacunas deixadas pelos cursos de pe-


dagogia na formação inicial do professor alfabetizador, uma das tentativas de pro-
por mudanças nos rumos da alfabetização no Brasil foi o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2014 b). Uma proposta política que foi
pensada e formulada compondo quatro grandes eixos: formação continuada, ma-
teriais didáticos e pedagógicos; avaliações e gestão, mobilização e controle social.
Com o objetivo de possibilitar a alfabetização de todas as crianças até os
8 anos de idade, seu principal amparo legal advém do Decreto nº 6.094, de 2007.
Pondo sob suspeita a etiqueta do ―novo‖ e duvidando de que se tenha ido além de
uma readequação revisionista da ordem posta, recorda-se aqui que o PNAIC não é
o primeiro Programa em âmbito nacional instituído pelo governo federal que se
destinou a agir nesta área. Antes dele, no que compete à formação docente visan-
do à formação de leitores, foram propostos pelo governo o Programa de Formação
de Professores Alfabetizadores (PROFA), em 2001, e o Pró-letramento, que a par-
tir de 2005 buscou contribuir também com a prática dos professores. Dois avanços
que merecem maior destaque na constituição do PNAIC em comparação aos
demais são: a) a abrangência deste programa, que conseguiu envolver um número
muito maior de professores atuantes nas redes públicas de ensino; b) maior parce-
ria entre as Universidades e as escolas de educação básica. Entretanto, mantive-
ram-se modos de fazer que pouco destoam dos programas propostos em outrora,
apontados por Gatti como capacitação em modelo cascata, uma vez que "um pri-
meiro grupo de profissionais é capacitado e transforma-se em capacitador de um
novo grupo que por sua vez capacita um grupo seguinte" (2009, p. 202).
O que distanciava, em parte, a discussão mais viva entre saberes acadê-
micos e prática cotidiana de quem trabalha nos anos iniciais do ensino fundamen-
tal. Em se tratando da formação do alfabetizador, é relevante também considerar o
impacto que as avaliações de larga escala vêm causando na constituição de pro-
gramas e intervenções destinados a compensar possíveis lacunas na formação de
professores visando à minimização de resultados insatisfatórios.
Um dos principais impasses desse modus operandi advém do reducio-
nismo e da tentativa de objetificação das relações subjetivas que subjazem esses
processos bem como na culpabilização de alguns atores sociais. Nesse caso, ao se

147
tratar das concepções de alfabetização, letramento e do próprio conceito de leitura
que está em jogo nessas padronizações, alguns desserviços são resultantes e a for-
mação de leitores, tratando-se desse substantivo de forma mais ampla, resta falsea-
da.
Complementando esse entrave, Bonamino e Sousa denunciam que "o
problema decorre do fato de os currículos escolares possuírem múltiplos objetivos,
ao passo que as medidas de resultados utilizadas pelas avaliações em larga escala
tipicamente visam a objetivos cognitivos relacionados à leitura e à matemática"
(2012, p. 384). Entretanto, é necessário complementar que, até mesmo para as
referidas áreas os objetivos que norteiam as avaliações em larga escala são extre-
mamente limitados e limitantes, repercutindo reformas na formação inicial e con-
tinuada dos professores e nos currículos para que sejam atingidos números mais
satisfatórios. Todavia, em nome disso, uma outra concepção de educação é deixa-
da de lado. O que "demanda atenção para os riscos relativos ao estreitamento do
currículo, os quais podem acontecer quando há uma interpretação distorcida do
significado pedagógico dos resultados da avaliação" (BONAMINO; SOUSA, 2012,
p. 384).
Para o presente capítulo realizamos uma pesquisa documental buscan-
do conhecer as políticas educacionais de alfabetização, no tocante a formação
inicial do professor alfabetizador presentes no:

1. Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – 2017.


2. Plano Nacional de Educação vigente (2014-2024).
3. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) – 2019.

Nas políticas curriculares referente à alfabetização localizamos na Base


Nacional Comum Curricular (BNCC), documento obrigatório para todas as redes
e sistemas de ensino, está muito próximo as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Curso de Pedagogia que apresentam o componente curricular ―língua portugue-
sa‖ relacionado a alfabetização. Ao mesmo tempo em que, no texto da BNCC,
destaca-se ano a articulação entre as ―experiências com a língua oral e escrita já
iniciadas na família e na Educação Infantil‖ (BRASIL, 2017) nos anos iniciais, é
ressaltado a alfabetização como responsabilidade do trabalho do professor dos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Depois deste documento, em 2019, foi
aprovado o Decreto nº 9.765/2019, que estabeleceu a Política Nacional de Alfabe-
tização (PNA) que apresenta um referencial que defende a apropriação do código

148
da língua escrita como um direito social de todos 13. (BRASIL, 2019). Neste docu-
mento, localizamos a necessidade da alfabetização no primeiro ano do ensino
fundamental, como uma prioridade. O PNA foi amplamente discutido nas escolas
e nos cursos de formação, devido a sua associação com a Base Nacional Comum
Curricular e com o Plano Nacional de Educação (2014-2024). Neste último do-
cumento verificamos a seguinte Meta (nº 5): alfabetizar todas as crianças até o final
do terceiro ano do ensino fundamental. Diante destas políticas valem citar outras
que estão subjacentes a elas, tais como: Avaliação Nacional da Alfabetização
(ANA) e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).

2.2 Qual o lugar da formação do professor alfabetizador a partir do levantamen-


to de teses e dissertações?
Para a busca de teses e dissertações no Catálogo de Teses e Dissertações
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
adotamos os 03 descritores: 1) PNAIC e a formação do professor alfabetizador; 2)
BNCC e a formação do professor alfabetizador/ 3) PNE e a formação do professor
alfabetizador. A partir de cada um dos descritores, digitados entre aspas, realiza-
mos a busca por teses e dissertações, aplicando o refinamento para a área da edu-
cação. Ou seja, consideramos as produções de todos os anos e de uma única área
do conhecimento: educação. O levantamento de produções foi realizado no ano
de 2019. Essa busca produziu os seguintes resultados:

1) As pesquisas de mestrado que trabalham com políticas educacionais via


PNAIC e a formação do professor alfabetizador. Destas pesquisas. 6 destas
pesquisas foram realizadas na região sul: 2 em Santa Catarina, 2 no Paraná
e 2 no Rio Grande do Sul. As pesquisas realizadas no contexto de Santa
Catarina vinculam-se à Universidade Federal de Santa Catarina. As outras
4, de igual modo, foram produzidas em universidades públicas.

2) Política educacional via BNCC e a formação do professor alfabetizador: lo-


calizamos 4 dissertações, sendo que dois trabalhos se destacam: um refere-se
a formação inicial do professor, realizado na Universidade Federal da Para-
íba (MELO, 2015). O outro é de Pagnan (2016) que apresenta a formação
do professor alfabetizador nas produções acadêmicas. Todos discorrem so-

13
Lembramos que a Constituição Federal de 1988 no Art. 205 consta a educação escolar como um
direito de todos.

149
bre as políticas de alfabetização. Nenhum estudo foi realizado em Santa Ca-
tarina.

3) Políticas educacionais via PNE e a formação do professor alfabetizador: 3


trabalhos, resultados de pesquisa de mestrado. Nenhum dos trabalhos ana-
lisa, detalhadamente, o Plano Nacional de Educação, apenas os citam como
documento importante na área da educação.

Dos resultados observamos que, de um modo geral, o objeto das pesqui-


sas identificadas têm sido as políticas de alfabetização e a formação docente. Um
outro dado constatado relaciona-se às críticas da Política Nacional de Alfabetização
(PNA), pois ela tem uma proposta metodológica fechada e uma tendência de cul-
pabilizar os docentes caso a alfabetização não ocorra no período desejável.

3 O Curso de Pedagogia da Unoesc e as Políticas Educacionais


No ano de 2020, posteriormente o levantamento de produções, analisa-
mos as disciplinas e ementas do curso de Pedagogia oferecido pela Unoesc. Nesta
análise identificamos as disciplinas e ementas que tratam da formação do alfabeti-
zador. Segundo documentos analisados no site da Universidade do Oeste de Santa
Catarina localizamos que o curso de Pedagogia14:

[...] forma professores para atuarem na educação infantil e no ensino fundamental.


A Unoesc proporciona aos alunos o domínio do conhecimento pedagógico, apoian-
do-se nas reflexões teóricas e práticas e utilizando as novas tecnologias de informação
e comunicação que envolvem e alteram a maneira de ensinar e aprender. O pedago-
go é responsável pela formação cidadã, moral e ética das crianças e dos jovens, po-
dendo atuar com a educação infantil, ensino fundamental, educação especial, educa-
ção de jovens e adultos e em espaços não formais.

Esse objetivo está em consonância às Diretrizes Curriculares Nacionais para o


Curso de Pedagogia, Licenciatura (BRASIL, 2006). Neste documento diz que o
egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a dezesseis competências e ne-
nhuma delas trata da especificidade do trabalho específico do professor alfabetiza-
dor. Com relação ao curso de Pedagogia da UNOESC, a partir do Projeto Político
Pedagógico, analisado no ano de 2020, constatamos que:

14
O documento analisado consta disponível em: https://www.unoesc.edu.br/cursos/graduacao
/pedagogia/apresentacao/37/101/M/114 Acesso: 05/11/2020.

150
a) O curso de licenciatura em Pedagogia divide-se em 8 fases, correspondendo
a 2 fases por ano, totalizando 4 anos de curso.
b) Na fase 1: São 6 componentes curriculares. O componente que trata da
educação infantil aborda as diferentes linguagens: ―Conceito e história da
literatura infantil''. Características do texto literário infanto-juvenil: fun-
ções, linguagem, conteúdo e forma. Estudo e análise de obras e autores de
literatura infanto-juvenil.‖
c) Fase 2: São 8 componentes curriculares, sendo que nenhum deles apresen-
tam questões de alfabetização ou vinculado às propostas educativas desen-
volvidas através das diferentes linguagens;
d) Fase 3: São 6 componentes curriculares. Há 2 componentes que discorrem
sobre práticas de leitura e escrita no sentido da concepção de letramento.
(SOARES, 2016). Um dos componentes refere-se, de modo específico a al-
fabetização e letramento: ―Conceito, natureza e história da alfabetização''. A
linguística como ciência da linguagem. Processo de aquisição da linguagem.
Conceitos de alfabetização e letramento. O desenvolvimento da escrita na
criança. Processos de leitura e escrita. Abordagens teóricas e prático-
metodológicas em alfabetização. Estudo crítico dos principais métodos de
alfabetização considerando-se os fatores sociolinguísticos.‖
e) Fase 4: São 7 componentes curriculares, sendo que um deles é a continui-
dade do componente da fase anterior: Alfabetização e letramento II.
f) Fase 5: São 5 componentes curriculares, sendo que um trata da teoria e
práticas da língua portuguesa, cuja ementa é: ―Concepções de pensamento,
língua e linguagem. Abordagem teórico-prática de tipo textual e gênero tex-
tual na educação infantil e anos iniciais. Abordagem prática dos gêneros da
ordem do narrar e do descrever. Sequência didática. Abordagem teórico-
prática de leitura, oralidade, escrita e análise linguística. Propostas de pro-
dução de textos orais e escritos para os anos iniciais. Revisão ortográfica e
gramatical. Avaliação e concepção de erro.‖.
g) Fase 6: São 6 componentes curriculares. Nenhum aborda a especificidade
da alfabetização, embora localizemos estágio na educação infantil e prática
e investigação nos anos iniciais. Possivelmente, a alfabetização é um tema
referenciado.
h) Fase 7: São 4 componentes curriculares obrigatórios e 1 optativo. Um refe-
re-se ao estágio curricular obrigatório nos anos iniciais do Ensino Funda-
mental.

151
i) Fase 8: São 8 componentes curriculares, sendo que 1 é optativo e outro ele-
tivo. No componente Curricular Educação de Jovens e Adultos o tema da
alfabetização é trabalhado.

Em síntese, podemos afirmar que um dos núcleos de estudos do curso


de pedagogia da UNOESC, via o seu currículo, é a formação de professores alfabe-
tizadores. Nos chamou a atenção a congregação entre história e políticas educaci-
onais, o que julgamos um limitante do curso, a ser superado. A ementa deste
componente é: ―Construção histórico-social da educação e da escola nas Socieda-
des Primitiva, Medieval, Moderna e Contemporânea. História da educação brasi-
leira. A educação como política pública. Relações entre educação, Estado e socie-
dade no contexto das transformações contemporâneas. Políticas educacionais no
período desenvolvimentista e a partir da década de 1990. Legislação educacional e
políticas educacionais vigentes.‖ Os temas abordados são importantes, pertinentes
e coerentes com a bibliografia acerca das duas áreas, mas insuficiente para adentrar
as dezenas de políticas existentes no âmbito da Educação Infantil, da Educação de
Jovens e Adultos e anos iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo.

Considerações finais
Mediante a pesquisa bibliográfica e documental problematizamos a or-
ganização curricular de cursos de Pedagogia da região Oeste do estado de Santa
Catarina, em especial o caso da UNOESC, com a seguinte questão: Mesmo que o
curso de Pedagogia não seja exclusivo para formação de alfabetizadores (BRASIL,
2006) qual o lugar da alfabetização na formação de pedagogos na UNOESC?
No caso do curso de pedagogia da UNOESC, identificamos a presença
do tema alfabetização no currículo do curso, nas suas 8 fases (semestres). Contudo,
há uma ausência da discussão acerca das políticas públicas concernentes à forma-
ção do professor alfabetizador via PNAIC, BNCC e o PNE. Não localizamos essas
especificidades nas ementas dos componentes curriculares.
Nossa orientação, a partir da lacuna identificada, é no sentido de suge-
rir o desmembramento do componente curricular que trabalha história e política
educacional. Acreditamos que as políticas educacionais merecem uma carga horá-
ria própria. Com possíveis reestruturações deste curso, é possível que a formação
inicial do alfabetizador se amplie para além de propostas pedagógicas e metodoló-
gicas, de modo que possam ser repensados aspectos políticos que são importantes
na discussão da educação como direito com qualidade social. Além disso, o desen-
volvimento deste estudo mostrou-nos lacunas que se apresentam, em nível nacio-
nal, no que se refere a organização do curso de pedagogia. Ele é amplo, e não

152
consegue abarcar temas contemporâneos, a não ser que eles se façam presentes nas
disciplinas eletivas ou optativas.
A formação inicial apresenta-se como a porta de entrada do professor
alfabetizador, por isso o cotidiano da sala de aula a partir de um estudo sistemati-
zado de políticas educacionais e processos educativos é necessário. Espera-se, no
entanto, que este estudo contempla amplo debate sobre os aspectos linguísticos do
processo de alfabetização (fonética, fonologia, morfologia, sociolinguística, sintaxe
e semântica) associados às políticas educacionais existentes, acerca da alfabetização;
mas também associe a formação do Pedagogo para além das aulas, podendo ampli-
ar seu percurso formativo na participação de seminários, minicurso e oficinas de
alfabetização e confecção de materiais com professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental; é importante, que estudantes dos cursos de Pedagogia conheçam
docentes com experiências na alfabetização de crianças e adultos.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BONAMINO, A; SOUSA, S. Z. Três gerações de avaliação da educação básica no


Brasil: interfaces com o currículo da/na escola. In: Educação e Pesquisa, São
Paulo, v. 38, n. 2, pp. 373-388, 2012.

BRASIL, Ministério da Educação. Lei 9.394, de 24 de dezembro de 1996.


Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes


Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia. Resolução n°1
de 15 de maio de 2006. Brasília: MEC, 2006.

BRASIL, Ministério da Educação. Elementos Conceituais e Metodológicos para


Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabe-
tização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental. Brasília, 2012.

BRASIL. Plano nacional de educação. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014.


Brasília: Presidência da República, 2014a.

153
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional.
Pacto nacional pela alfabetização na idade certa. Caderno de Apresentação. Mi-
nistério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão
Educacional. Brasília: MEC; SEB, 2014b.

BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular – BNCC 3ª


versão. Brasília, DF, 2017.

BUNZEN, C. Ensino de Língua Portuguesa. In: FRADE, I. C. A. da S; COSTA V,


M. G.; BREGUNCI, M. G. C (orgs.). Glossário Ceale: termos de alfabetização,
leitura e escrita para educadores. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação,
2014. Disponível em http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/.
Acesso:21, Jan.2021.

CAGLIARI, Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1999.

GATTI, B.A. A avaliação de sistemas educacionais no Brasil. In: Sísifo: Revista de


Ciências da Educação, n.9, pp.7-17, 2009.

LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2001.

PAIVA, A. (org.). Literatura fora da caixa: o PNBE na escola – distribuição, circu-


lação e leitura. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

SOARES, M. Alfabetização e letramento. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

SOARES, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016.

154
Carta Pedagógica:
pesquisa, contexto da pandemia e reflexões

Terezinha Piletti

Primeiras palavras
Esta Carta Pedagógica foi escrita sob inspiração do Seminário Temático II
– ―História da Educação Popular a partir de Cartas Pedagógicas‖, ofertado no
Programa de Pós-Graduação em Educação da UNOESC, sob a coordenação e
docência de Fernanda Paulo. E, nela procuro abordar meu itinerário da pesquisa
de mestrado nesse contexto pandêmico.

Prezada professora, Dra. Fernanda dos Santos Paulo,

Espero encontrá-la com saúde!

Ao escrever esta carta pretendo com este diálogo, contar como está o
andamento do primeiro capítulo da minha Dissertação sobre formação continua-
da de professores; ao mesmo tempo dizer que estamos passando por um momento
bastante delicado em função da pandemia que assola o país e o mundo.
Já está fazendo um ano (março de 2021) que nos conhecemos pessoal-
mente no Campus da UNOESC em Joaçaba no Programa de Pós-Graduação Stric-
to Senso, a partir de então, como professora orientadora, tivemos vários momen-
tos de conversas, troca de ideias, orientações, discussões referentes ao tema: for-
mação continuada de professores do Ensino Médio a partir da minha experiência.
Comprei vários livros de diversos autores que discorrem sobre o tema pesquisado,
dentre eles Paulo Freire que escreve sobre formação permanente de professores.
Estou começando a escrever as primeiras palavras do capítulo, e, logo, logo esta-
remos marcando uma nova orientação. Ao ler os textos eu os resumi e construí
algumas fichas de leitura; já estou iniciando as primeiras análises críticas desses
textos. Ao discutir o tema em sala de aula e na prática de pesquisa procuro com-
preender esse universo da formação e a realidade concreta a partir da minha expe-
riência docente.

155
Nesta carta quero contar que o processo de escrita não é fácil. ESCRE-
VER as primeiras linhas dos trabalhos percebi que tinha muitas dificuldades,
então comecei a escrever todos os dias, a ler e a descobrir meu jeito de estudar e
escrever. Retomei Paulo Freire por tua indicação e começo a fazer comparações
entre os contextos de formação: a perspectiva crítica e a neoliberal. Vejo que as
discordâncias entre concepções estão em disputas. Então, comecei a conhecer
legislações sobre formação docente e fui afunilando meu tema de pesquisa.
A minha pesquisa de mestrado é sobre os Desafios contemporâneos da
formação de professores de Ensino Médio de uma escola pública: uma reflexão a partir da
minha experiência. Gostaria de compartilhar os motivos da escolha do tema da
minha pesquisa. Ele se deu a partir de três (3) movimentos:

1) Contribuir com o Registro de Experiências com o foco para a formação


continuada de docentes do Ensino Médio;
2) Conversa com a professora orientadora que sugeriu este tema devido a fun-
ção que exerço dentro da escola que está diretamente ligada à organização
das formações;
3) Do levantamento de teses e dissertações, onde verifiquei a escassez de estu-
dos referente ao tema formação continuada no Ensino Médio.

Venho me questionando sobre o impacto dos cursos de formação continua-


da, realizados na Escola de Educação Básica Rui Barbosa a partir do Pacto Nacio-
nal pelo Fortalecimento do Ensino Médio, na prática pedagógica dos professores
desta etapa da Educação Básica. Mediante estas questões me proponho a analisar
os processos de formação continuada, com professores do Ensino Médio desta
escola entre 2014 a 2019.
Quanto eu uso a preposição com professores e não de professores, me apro-
ximo com leituras de Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão e Oscar Jara. Estes
nos ensinaram que uma característica da Educação Popular é a participação e a
pesquisa que é realizada com os sujeitos e não para eles ou para nós. Sobre isso,
recordo do Seminário Educação Popular e Metodologias Participativas, cursado
em 2020/1, no Programa de Pós Graduação em Educação, ministrado por você.
Neste seminário conhecemos referências que colaboraram para eu conhecer a
Educação Popular. Um livro que estudamos foi o ―Pesquisa participante‖, organi-
zado pelo Brandão. Este livro junto com o ―Pedagogia do oprimido‖ e o ―A siste-
matização de experiências: prática e teoria para outros mundos possíveis‖ de Oscar
Jara me marcaram, pois eu não imaginava que as minhas experiências fossem
valorizadas na universidade, tampouco que pudessem ser objeto de investigação.

156
Também reli o livro ―Pedagogia da autonomia‖, obra que Freire (2011) de-
fende que a prática pedagógica deve conter entre outros aspectos: rigorosidade
metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e
ética, corporificação das palavras pelo exemplo, risco, aceitação do novo e rejeição
a qualquer forma de discriminação, reflexão crítica sobre a prática, reconhecimen-
to e a assunção da identidade cultural. Estes saberes são motivadores para conti-
nuar apostando naquilo que a Educação não pode tudo, mas sem ela não haverá
grandes transformações, conforme Paulo Freire.
Em vários anos de magistério, apesar de muitas dificuldades, consegui muitas
realizações: cursei graduação, especialização e, agora, estou cursando o Mestrado
em Educação. Estou afastada da sala de aula, porém acompanhando as atividades
desenvolvidas na escola, através do WhatsApp do grupo de professores que estão
trabalhando.
Acompanhei as diferentes formas de como a Secretaria de Educação do Esta-
do de Santa Catarina conduziu as atividades diante da pandemia, como por exem-
plo, a formação continuada pela plataforma Google Meet, aulas remotas, planeja-
mento, horários diferenciados, dentre outro, por ser um ano atípico em função da
COVID-19. Muitas foram as reclamações, os desafios, informações desencontra-
das, atividades presenciais e remotas, seguindo todos os protocolos da vigilância
sanitária; ainda assim, muita preocupação, alguns professores adoeceram e na
região alguns professores perderam a vida. Atualmente, o que temos visto dentro
das escolas são professores se afastando da sala de aula ou estão em licença para
tratamento de saúde, outros estão exaustos, ainda com alto nível de estresse. Pe-
dimos a Deus que nos abençoe! Enquanto não tivermos a vacina, continuaremos
esperançando.
Hoje sou uma pessoa de meia idade, e por sinal, fazendo aniversário justa-
mente no dia em que estou escrevendo esta carta. Sou mulher, sou mãe de dois
filhos e avó de um neto. Depois de vários anos senti necessidade de voltar a estu-
dar, pois a escola na contemporaneidade impõe muitos desafios, alunos de Ensino
Médio desestimulados, muitos deles sem perspectivas, professores com baixa auto-
estima, e até algumas situações de dificuldade dentro da sua disciplina. Mas, acima
de tudo porque acredito que, como diz Freire (2011, p. 67), ―aprendo não apenas
para me adaptar, mas sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir,
recriando-a‖
Estamos vivendo um momento tenso em nosso país, precisando de um
mundo mais humano, com menos desigualdades e com valorização da vida. Neces-
sitamos de educação de qualidade social, mais justiça e respeito. É importante que
a universidade assuma o papel de formar docentes que acreditem que a ressignifi-

157
cação do espaço escolar (SEVERINO; FAZENDA, 2002) requer compromisso
social, criatividade e escuta sensível, rompendo com a educação bancária (FREI-
RE, 1987).
No momento estamos presenciando a retirada de direitos trabalhistas, re-
pressão aos movimentos sociais, o direito de ir e vir, enfim, vivendo décadas de
regressão. Freire, na entrevista à TV PUC-SP15, fala da importância das marchas,
das marchas dos que não tem escolas; as marchas dos reprovados; as marchas dos
que querem amar e não podem; as marchas pela superação da sem-vergonhice que
se instalou nesse país; Freire é o autor que estudamos e quem contribui para com-
preendermos a formação docente em uma visão humanista, comprometida com a
luta pela transformação social.
Enquanto profissionais da educação, estamos lutando pelos nossos direitos, e
ao mesmo tempo enfraquecidos diante das políticas propostas por nossos gover-
nos, sob a lógica do ―sistema capitalista [...] globalizante‖ (FREIRE, 2011, p. 86)
que sua malvadez atinge a classe trabalhadora (FREIRE, 2011, p. 68). Os gover-
nantes neoliberais em nenhum momento estão preocupados com a classe popular.
Sabemos que temos muitos desafios pela frente, durante e pós-pandemia. Profes-
sora, nossos seminários nos trazem esperança e a certeza que a escola é um espaço
de luta e pode se tornar um lugar de diálogo e de formação. Através do conheci-
mento participativo, da pesquisa e de nossa reflexão podemos contribuir para a
mudança tão almejada – primeiro vem a mudança, as transformações e depois,
quem sabe a revolução. Para tanto, diz Freire: ―Há um século e meio Marx e En-
gels gritavam em favor da união das classes trabalhadoras do mundo contra sua
espoliação.‖ (FREIRE, 2011, p. 86).
Em relação aos alunos, confesso que tenho muita preocupação, vejo todos os
dias, pela janela do meu apartamento, dezenas de adolescentes, jovens, pessoas de
várias idades indo e vindo para o trabalho! Penso, que ótimo acordar de manhã,
ter um local para trabalhar e ganhar seu próprio sustento, ao mesmo tempo esses
jovens e adolescentes estão na escola quase na sua maioria, estudando no período
noturno, cansados, alguns chegam a dormir durante a aula, desmotivados pelo
cansaço, etc.
O professor diante das várias realidades que enfrenta todos os dias sofre e,
muitas vezes, se depara com determinadas situações sem ter a que recorrer. Vimos
hoje, em nossa sociedade, a falta de compromisso social por parte das nossas auto-
ridades que deveriam dar exemplos; são ameaças aos profissionais que se expres-
sam de modo crítico. Vejo o governo querendo calar os professores, enfim, vejo

15
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=MZQtP-7Ezbw Acesso:15 de Marc. de 2021.

158
um governo que desvaloriza o nosso trabalho, a nossa formação e a nossa educa-
ção.
Uma das minhas inquietações é o nosso papel político na educação. Que ti-
po de educação queremos para nossos filhos e para os oprimidos do mundo?
Enquanto profissionais, que legado queremos deixar para nossa sociedade? E co-
mo podemos mudar se estamos passando por várias transformações sociais, políti-
cas e econômicas que aumentam a desigualdade social? Se a educação é um reflexo
na história da sociedade, o que fazer para que as marchas de Freire contribuam
para denunciarmos as injustiças sociais? O que podemos esperar, tanto da escola
como dos professores, na sociedade contemporânea? Precisamos refletir sobre
nosso papel na sociedade, e, enquanto classe de trabalhadores que trabalha na
educação, como nos fortalecermos através dos movimentos sociais? Como trans-
formar nosso conhecimento e nossa formação como resistência à opressão? É
urgente ampliar o debate com nossos pares e continuar nossa luta de classe, moti-
vados na esperança de Paulo Freire, sonhando com dias melhores. Concordo com
Freire: ―Prefiro ser criticado como idealista e sonhador inveterado por continuar,
sem relutar, a apostar no ser humano, a me bater por uma legislação que o defen-
da contra as arrancadas agressivas e injustas de quem transgride a própria ética.‖
(FREIRE, 2011, p. 87).
Se hoje somos professores, temos muitos desafios a enfrentar. Um deles é o
nosso compromisso com uma educação libertadora e engajada com a mudança da
sociedade. Vamos fazer nossa história começando com pequenos passos, partici-
pando das decisões e de lugares que debatem temas importantes para a classe
trabalhadora. Na escola, vamos criar projetos de leitura, de escrita e de temas que
façam sentido para as pessoas. A cultura, a poesia, as artes também são transfor-
madoras!
Vamos aprender com Oscar Jara (2012) que sistematizar nossas experiências
é importante para nossas histórias não ficarem no esquecimento. Freire (1987),
Paulo e Brandão (2018) reafirmam que transformar a realidade é tarefa permanen-
te e a Educação Popular libertadora requer a superação da opressão. A libertação é
o caminho para uma educação crítica.
Não deixemos que o medo tome conta de nós – que a opressão nos encoraje
a lutar contra a corrupção escancarada em todas as esferas da sociedade e contra a
injustiça social. Fiquemos firmes! Não vamos desistir dos nossos sonhos, das nos-
sas lutas, mesmo que às vezes o desânimo bate à nossa porta. Manter a esperança
é necessário!
No componente de Seminário Temático II – ―História da Educação Popular
a partir de Cartas Pedagógicas‖ aprendi que uma Carta Pedagógica tem caracterís-

159
ticas próprias, principalmente o conteúdo educativo e a escrita reflexiva. Estuda-
mos livros, conhecemos cartas de Brandão e de Paulo Freire. Diante das minhas
experiências me deparo com muitas reflexões sobre a educação a partir das experi-
ências que tenho somadas aos estudos dos autores que venho lendo.

São Lourenço do Oeste, 16 de marco de 2021.


Abraço carinhoso, Terezinha.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa:


São Paulo, Paz e Terra, 2011.

JARA, Holliday Oscar. A sistematização de experiências: prática e teoria para


outros mundos possíveis. Brasília, DF: CONTAG, 2012.

PAULO, Fernanda dos Santos; BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa Partici-


pante e a Educação Popular: luta e resistência a partir de Paulo Freire e de educa-
doras populares. Revista PanorâmicaOn-Line. Barra do Garças – MT, vol. 24, p.
256 – 268, jan./jun. 2018.

SEVERINO, Antônio Joaquim; FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Orgs.). For-


mação docente: rupturas e possibilidades. Campinas, SP: Papirus, 2002.

160
Estágio docente no curso de Pedagogia: um relato
reflexivo da disciplina “Estudos teórico-práticos da
Educação de Jovens e Adultos”

Andreia Simão

Introdução
O estágio é um processo dinâmico, de bases formativas com reflexão so-
bre a própria prática e campo de conhecimento que se fundamenta em conceitos
teórico-metodológicos e epistemológicos. Constitui-se na interação da formação
docente com o campo social no desenvolvimento da prática educativa ao par da
materialidade humana na transformação do mundo natural e social (VÁZQUEZ,
1977). Logo, a ―práxis‖ docente está voltada à atividade humana, na produção de
conhecimentos, em forma de conceitos, hipóteses teorias no saber e no proporci-
onar conhecimento da realidade. Paulo Freire (1996) destaca que é indispensável à
prática docente os saberes da prática por ela mesma.
Uma vez a atividade própria do homem fazendo parte do ensinar, que é
uma especificidade humana, exige compreender a educação como forma de inter-
venção no mundo (FREIRE, 1996). Ensinar e aprender estabelecem entre si uma
relação intrínseca, em que uma ação depende da outra. Para Paulo Freire (1996, p.
13-14), ―quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender
participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica,
pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a
decência e com a seriedade‖. O educador/educadora está no meio das relações
sociais e do trabalho na totalidade, construindo a ponte entre educação e conhe-
cimento.
Procuramos erigir a conexão da teoria e prática a partir do estágio de do-
cência desenvolvido no curso de graduação ―Pedagogia‖. O qual, integrou como
atividade do curso de pós-graduação stricto sensu em educação do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina, conforme
RESOLUÇÃO Nº 81/CONSUN/2019 - Dispõe sobre o Estágio de Docência para
estudantes de cursos de pós-graduação stricto sensu acadêmicos. Encontramos, nesse
estágio de docência, a articulação entre o aprender e o ensinar em dois posiciona-

161
mentos em equilíbrio: docente/discente, pois ora atuamos como docente para
formar educadores e, ora atuamos como discente para obter a prática docente,
ficando justaposta ―a tarefa de formar os novos professores: o domínio dos conte-
údos específicos da área a ser ensinada‖ (SAVIANI, 2009, p. 150).
O objetivo desse texto é refletir sobre os conteúdos delineados na experi-
ência docente no curso de graduação na área da Pedagogia pelo componente cur-
ricular Estudos Teórico-práticos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Eis que,
nos permitiu ampliar conhecimentos na Educação de Jovens e Adultos (EJA),
desenvolvendo reflexões em como se institui as políticas públicas para EJA, bem
como seu histórico, principais autores, teorias e metodologias para a educação do
jovem e do adulto. Também é pauta de análise a formação do professor para atuar
na EJA, em seu ambiente comum e/ou em ambientes específicos a exemplo da
EJA prisional, e em contexto de pandemia da COVID-19. E ainda, em questões
do contexto atual, o desenvolvimento dos conteúdos através de aulas online.

2. Educação de Jovens e Adultos (EJA): contextos em referências históricas e


contemporâneas
A historicidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) é contemplada
desde a colonização do Brasil com os primeiros jesuítas, chefiados por Manuel da
Nóbrega (SAVIANI, 2013). Foram criadas escolas, colégios e seminários, com o
intuito, segundo Dom João III de que o povo habitante ―fosse doutrinado e ensi-
nado nas coisas da nossa santa fé‖ (1992 apud SAVIANI, 2013), para que a popu-
lação habitante da terra conquistada tivesse a mesma educação religiosa de Portu-
gal. Foi através da tríade – colonização, religião e educação – que o Brasil se inse-
riu no chamado mundo ocidental (SAVIANI, 2013). Porém, com as reformas
pombalinas e a partir da aprovação do Alvará Régio de 1759,foi determinado o
fechamento de colégios jesuítas de Portugal e de todas as colônias. Esse alvará
privilegiou os estudos das chamadas ―humanidades‖, correspondendo ao ensino
secundário (SAVIANI, 2013). Da colônia à república, a educação passa a não ter
prioridade em nosso país, a não ser para a racionalizar o processo de produção e
envio de riquezas para a metrópole.
A educação de jovens e adultos tem sido retomada a partir da Constitui-
ção Federal de 1934 em que garante o ensino primário integral gratuito e de fre-
quência obrigatória extensivo aos adultos (BRASIL, 1934). Com os estudos de
Osmar Fávero (s.d.; 2016) através do Núcleo de Estudos e Documentação em

162
Educação de Jovens e Adultos (NEDEJA)16 a respeito do processo de produção do
material sobre Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos, podemos ter a
continuidade histórica da EJA no Brasil. O Ministério da Educação e Cultura
(MEC) produziu em 1947, material para duas campanhas: 1. Campanha de Edu-
cação de Adolescentes e Adultos (CEAA); 2. Campanha de Educação Rural
(CNER). Fávero (s.d.) pontua que a diferença dos anos quarenta para os anos
sessenta se apresenta pela Educação de Jovens e Adultos estar voltada à educação
popular com destaque para os programas Movimento da Cultura Popular (MCP),
Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR), Centro Popular da Cultu-
ra (CPC), Sistema Paulo Freire de Alfabetização (1963-1964) entre outros. Ainda
em meados do anos 1960 encontramos o projeto nacional SIRENA – Sistema
Rádio Educativo Nacional. A emissão das aulas era radiofonizada pela Rádio Na-
cional que segundo Fávero (s.d.) a linguagem era pouco acessível.
O MEC, após várias tentativas frustradas de retomar ações relativas à
educação de adultos, consegue em 1967 concretizar o Movimento Brasileiro de
Alfabetização(MOBRAL). Enquanto o MOBRAL se desenvolvia com retomadas
das práticas do Serviço de Educação de Adultos, nos anos de 1940/1950, a Orga-
nização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) exercia,
como aparelho de dominação externa, pressões para o Brasil atuar com o Progra-
ma Experimental Mundial de Alfabetização Funcional (FÁVERO; MOTTA,
2016). O MOBRAL ao se desvincular do MEC, desenvolve sistema paralelo de
educação de adultos com financiamento próprio, estendendo sua atuação até
1985, sendo substituído por Fundação Educar.
De acordo com Fávero (s.d.), a validação de política expressa foi no perí-
odo de redemocratização entre 1970 e 1980 com experiências em municípios
substituindo o Ensino Supletivo. Ou seja, com a aprovação da Lei n. 5.692/71,
sistematiza o Ensino Supletivo; a lei traz a complementação do ensino primário de
quatro anos para oito anos (ensino de 1º grau). Criaram-se Centros de Ensino
Supletivo (CES) – escola destinada a adultos – com atuação praticamente em todas
as secretarias estaduais de educação. O contexto dos anos 1970 vem sustido pelas
novas exigências de formação profissional em atendimento às demandas do mer-
cado de trabalho. Enquanto no Brasil, ainda andávamos às voltas para alfabetizar o

16
O Núcleo de Estudos e Documentação em Educação de Jovens e Adultos (NEDEJA) integra a Uni-
versidade Federal Fluminense (UFF). O objetivo é a catalogação do acervo bibliográfico disponível,
reunido por seu coordenador ao longo dos últimos 60 anos, e organização um banco de fontes docu-
mentais sobre a educação popular e a educação de jovens e adultos no Brasil (FÁVERO; MOTTA,
2016).

163
maior número de pessoas, na Europa, com as transformações do mundo do traba-
lho, pela informatização, nasce a concepção de educação permanente.

Essas discussões repercutiram no Brasil, não só pela tradução portuguesa do livro


Aprender a ser, produzido por uma comissão da UNESCO e organizado por Edgar
Faure em 1972, como também por artigos e livros de Pierre Furter, especialmente
Educação permanente e desenvolvimento cultural, publicado pela Editora Vozes, em 1974.
(FÁVERO; MOTTA, 2016, p. 6).

O homem, pela sua condição biológica e social é obrigado a viver dialeti-


camente entre adaptação e mudança, logo, tenta integrar sua aprendizagem às
circunstâncias naturais, as construídas e as sociais (OSÓRIO, 2003). A educação
permanente, segundo Osório (2003), contempla a educação na sua totalidade nas
diferentes etapas, compreendendo as formas educativas: educação formal, não
formal e informal. Observamos uma forte demanda mundial em erradicar o anal-
fabetismo, eis que as pesquisa sobre experiências de educação não-escolar se alar-
gam aos organismos multilaterais a exemplo do Banco Mundial (BM), Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a UNESCO.
A crescente base constituinte do desenvolvimento da educação de adultos
no Brasil (anos 1980) também está ligada aos movimentos sociais com ações de
alfabetização com: a Secretaria Nacional de Formação da Central Única de Traba-
lhadores (CUT) - definiu as bases do Projeto Político-Pedagógico do Programa de
Educação Profissional - o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
o Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (CEPIS) e o Instituto
de Planejamento Regional e Urbano (URPLAN), ligado à PUC/SP(FÁVERO;
MOTTA, 2016). Segundo Fávero e Motta (2016) essa nova fase da Educação Po-
pular estava apoiada em financiamento internacional com os movimentos sindi-
cais, políticos e sociais.
A ênfase da identificação da EJA nas políticas públicas brasileiras inicia
na Constituição 1988 cuja vertente política é ―Estado democrático de direito‖.
Identificamos referências à educação de Jovens e Adultos nos Artigos 205, 208 e
214. Esses tratam da educação como direito de todos e dever do Estado e da famí-
lia garantindo educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezes-
sete) anos de idade e assegurando também para os que não tiveram acesso em
idade própria; garante o pleno desenvolvimento do indivíduo, o exercício da cida-
dania e preparação para o trabalho (BRASIL, 1988). O artigo 214 estabelece o
Plano Nacional de Educação (PNE). Seguindo pelas reformas se estabelece em
1996 avanços conceituais pelas grandes diretrizes e aspectos de organização peda-

164
gógica da escola fundamentadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) – Lei nº 9. 394 de 20 de dezembro de 1996.
As Leis de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, 1971 e 1982
(4.024/1961, 5.692/1971 e 7.044/1982) definem obrigatoriedade para o ensino
fundamental que, na concepção de Cury (2016), se torna insuficiente. Na Consti-
tuição de 1988, em sua Seção I do Capítulo III – Educação – estão contemplados
como obrigatórios e gratuitos também os ensinos infantil e médio. Um dos avan-
ços da LDBEN/96, apontados por Cury (2016), é a constituição da educação
básica em três etapas sequenciais e articuladas (ensino gratuito e obrigatório): 1.
Educação Infantil; 2. Ensino fundamental; 3. Ensino Médio. Essas etapas sequen-
ciais se articulam pelo conceito de ―Educação Básica‖ como direito do cidadão
(CURY, 2016).
De acordo com o autor para pensarmos em quantidade e qualidade de
uma educação ―nós temos que pensar a universalização das três etapas, mas ao
mesmo tempo temos que pensar na sua qualidade como algo imprescindível para
que qualquer brasileiro tenha o acesso qualificado a essas três etapas‖(CURY,
2016, 11:21–11:47).Nesse sentido, urge pensar a necessidade de pressupostos
qualitativos, objetivando mudanças na qualidade do ensino para além da forma-
ção para o mercado de trabalho, que não exime sua estada nas leis a constar no
Artigo 208 da Constituição de 1988. Conforme disposto na Seção V, Artigos 37 e
38 da LDBEN/96 (BRASIL, 1996), a EJA é destinada:

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram aces-
so ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1o Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos,
que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de
vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§ 2o O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreen-
derão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estu-
dos em caráter regular.
§ 1o Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I – no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze
anos;
II – no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.

A Educação de Jovens e Adultos (EJA), nos dispostos da LDBEN/96


passa a ser uma modalidade da educação básica – ensino fundamental e médio.
Assim, entendemos um avanço na LDBEN/96, a configuração da EJA e a articula-

165
ção - no Art. 38 – para estabelecimento de currículo. Esse, disposto na Resolução
CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000, estabelece as Diretrizes Curriculares para
a Educação de Jovens e Adultos (MEC, 2000). A Resolução se estabelece a partir
do Parecer nº 11/2000 do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Edu-
cação Básica, que tem como Relator Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury.
Defende alguns pontos sobre estabelecer diretrizes curriculares para EJA: 1. A
valorização do desenvolvimento da pessoa humana mediante a constituição do
saber em relação à ética, à estética, à construção da identidade de si e do outro. 2.
Efetivação como educação permanente presente no desenvolvimento do indiví-
duo. 3. Os cursos da EJA são contemplados com a base nacional comum dos
componentes curriculares (MEC, 2000a).
Como visto, a EJA em âmbito nacional na instituição de políticas pú-
blicas e reformas, passaremos a identificar a educação de adultos em contexto
internacional, a partir das CONFINTEAS. As Conferências Internacionais de
Educação de Adultos (CONFINTEA) são promovidas pela Organização das Na-
ções Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) desde 194917. Daremos
destaque às CONFINTEA V e VI. A CONFINTEA V foi realizada na cidade de
Hamburgo – Alemanha - no ano de 1997. Os representantes de governos e organi-
zações declararam que a educação de adultos é a chave para o século XXI, no exer-
cício da cidadania num processo de aprendizagem formal ou informal para desen-
volvimento de habilidades, enriquecimento de conhecimentos e aperfeiçoamento
técnico-profissional e ainda concebida no contexto da educação ao longo da vida
(CONFINTEA, 1997).
A CONFINTEA VI, realizada no Brasil em Belém do Pará de 1º a 4 de
dezembro de 2009, teve como enfoque os encaminhamentos sobre educação ao
longo da vida que gerou debate no Documento Nacional Preparatório à CON-
FINTEA VI, reforçando a garantia do direito à educação para todos (CONFIN-
TEA, 2010). Regido pelo tema ―vivendo e aprendendo para um futuro viável: o
poder da aprendizagem e da educação de adultos‖, o documento resultante dessa
Conferência versou sete eixos: 1. Alfabetização de adultos com foco nas mulheres
e populações vulneráveis: povos indígenas, pessoas privadas de liberdade e popu-
lações rurais; 2. Políticas no sentido de instituir políticas públicas como mecanis-
mo de validação, certificação de todas as formas de aprendizagens; 3. Governança;
4. Financiamento – pelo menos 6% do PIB para educação e, criar novos ou ampli-
ar programas transnacionais existentes de financiamento para alfabetização e edu-

17
A primeira CONFINTEA foi em Elsinore na Dinamarca em junho de 1949 – ―Educação de Adul-
tos‖.

166
cação de adultos; 5. Participação, inclusão e equidade – não excluir por idade,
gênero, etnia, status de migrante, língua, religião, deficiência, status rural, identi-
dade ou orientação sexual, pobreza, deslocamento ou encarceramento; dar apoio
financeiro a grupos marginalizados e; oferecer educação de adultos em centro
penitenciários. 6. Qualidade e; 7. Monitoramento do marco da ação de Belém.
Encontramos nas CONFINTEAS V e VI o realce para a educação formal,
não-formal e aprendizagem ao longo da vida. Gadotti (2005) traz o debate da edu-
cação formal e não-formal, uma vez que pelas políticas públicas identificamos o
discurso de ―educação um direito de todos‖ como indispensável para o acesso na
sociedade quanto a bens e serviços. Esse direito se estende à população em prati-
camente todos os países e se configura em legislação internacional particularmente
na Convenção dos Direitos da Infância Das Nações Unidas (GADOTTI, 2005).
Identificamos na LDBEN/96 o direito ao ensino obrigatório e gratuito referente
aos três níveis da educação básica, mas que se alonga para além da ―idade própria‖
do ensino fundamental. O autor enfatiza que é um direito ao longo de toda a vida,
―o direito à educação é, sobretudo, o direito de aprender‖ (GADOTTI, 2005, p.
1, grifos do autor).
A EJA está no debate nacional permeado por organismos multilaterais
pela UNESCO na organização das CONFINTEAS e, a partir delas, determina a
instituição de políticas públicas e questões regulatórias. Um dos pontos resultantes
da Conferência no Brasil é a oferta da educação de adultos em centros penitenciá-
rios. Como conteúdo composto no componente curricular ―Estudos Teórico-
práticos da Educação de Jovens e Adultos (EJA)‖, aqui relatado, contamos com a
experiência da EJA Prisional no Estado de Santa Catarina, como perspectiva epis-
temológica e socioeducativa(OSÓRIO, 2003).
A EJA Prisional no Estado de Santa Catarina se apresenta pelo Plano Es-
tadual de Educação em Prisões (2016 – 2026). Defende a pedagogia integral, inte-
grada e integradora que se constitua com recursos existentes no sistema penitenci-
ário e no sistema público de ensino (SANTA CATARINA, 2017). O documento
esclarece que ―a tarefa educacional na prisão possui o marco da interdisciplinari-
dade, devendo todos os agentes, todos os espaços, todas as ciências, todos os sabe-
res e todas as relações primarem pela intencionalidade pedagógica‖ (SANTA CA-
TARINA, 2017, p. 13). Esse conteúdo trabalhado no componente curricular em
estágio, contou com a participação de Edson Douglas Pereira Casagrande18 que
trouxe a visão como profissional da EJA no sistema prisional, além de nos colocar

18
Aluno do Programa de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina -
Unoesc (Joaçaba/SC).

167
a par dos desafios da atuação docente nesse sistema de educação. Reitera o cami-
nho que a EJA percorre em lutas e reafirmação de direitos em diversas maneiras,
políticas públicas estabelecidas, perspectivas e modelos para se manter atuante no
desenvolvimento da aprendizagem.
Para além das adversidades encontradas no desenvolvimento da formação
na EJA, nos deparamos com os desafios impostos pela pandemia da COVID-19. O
tema se apresenta a partir do estudo/pesquisa do Fórum de Educação de Jovens e
Adultos de Santa Catarina. Segundo a pesquisa, esse cenário ocorre na esteira da
intensa queda de matrículas na EJA, na última década. Procurou-se entender co-
mo os alunos têm se sentido no contexto de isolamento social, sendo que as res-
postas dos alunos permeiam entre tranquilidade e medo articulado à sobrecarga de
trabalho acompanhado do atendimento familiar, além das preocupações financei-
ras e saudades do trabalho presencial. Entre os sentimentos dos professores estão
presentes o medo, a incerteza, a instabilidade emocional e as perspectivas de espe-
rança (SANCEVERINO, et al., 2020).
A pesquisa nos relata que para o atendimento remoto as escolas têm
encaminhado atividades por diversos meios/plataformas como: whatsapp; facebook,
plataformas especificas, site do educarweb; googleclassroom e plataforma moodle, e
também atividades impressas. É um cenário desfavorável, pois há que se pensar em
que condições os alunos da EJA estão realizando as atividades. Para uns há falta de
acesso às atividades, seja por falta de internet, seja por terem mudado de endereço,
o que leva a não serem encontrados para o encaminhamento das atividades im-
pressas e os que não conseguem buscá-las. Uma das preocupações dos professores
é o acompanhamento do conteúdo que pode impossibilitar que a aprendizagem se
processe com êxito (SANCEVERINO, et al., 2020).A atual conjuntura é cenário
de processos instáveis para a educação e não há garantias de proteção social para a
população que precisa ir dando conta de si e do outro de acordo com as vulnerabi-
lidades que vão se apresentando, principalmente as econômicas.
Para além desses conteúdos estudados, não poderia deixar de estar a
formação profissional para trabalhar com educação de jovens e adultos. Encon-
tramos formação rasa e pouco difundida para profissionais da EJA. Entende-se a
necessidade de mudanças baseadas em perspectivas da LDBEN/96 inscritas no
Título VI – Dos Profissionais da Educação – que necessariamente e especificamen-
te para profissionais da EJA há grandes dificuldades de formação. As associações
entre teorias e práticas chegam principalmente da experiência. A formação de
docente para essa especificidade é regada de contradições pelo fato de se estar
ensinando na educação básica/fundamental, porém não se está com faixa etária
em idade ―própria‖. Há necessidade de reconhecer que os conhecimentos adquiri-

168
dos e acumulados pelos jovens e adultos contribuem para a sistematização e efeti-
vação de seu aprendizado.
Nesse sentido, se entende a andragogia como aporte teórico-
metodológico para o ensino na EJA. Esses Jovens e adultos não são aprendizes sem
experiências, abarcam conhecimentos ao longo de suas vidas e buscam desafios,
soluções para as inquietações – o aprendizado é um deles – que de acordo com
Malcolm (In: MARTINS, 2013) o adulto aprende com maiores propensões em
ambientes informais, livres de ameaças. Assim o professor da EJA deve considerar
a cultura, o espaço, as angústias e o prazer de cada aluno criando condições para
que juntos possam refletir sobre a realidade, a importância do aprendizado para
sua inserção e utilização na sociedade (MARTINS, 2013).
Em contexto geral, para pensar a EJA, é importante percebermos a nega-
ção em torno daqueles que de uma forma ou de outra procuram concluir sua
formação interrompida por inúmeros motivos. Há que emergir o resgate, a devo-
lução de um direito que corresponde ao indivíduo, ao aluno como autoridade de
si mesmo. O devir, como movimento permanente, sendo capaz de criar, transfor-
mar e modificar essa realidade cabe a todos: Estado, sociedade e indivíduo que
integra e faz a conexão da tríade.

Considerações
A partir de todo o aporte teórico para o estudo da EJA no contexto histó-
rico e atual, compreendemos a importância do desenvolvimento da educação em
contextos adversos, assim como o desafio da EJA em contraste com as questões
sociais, políticas e econômicas.
No decorrer do estágio de docência, constituímos questionamentos sobre
o processo de aprendizagem do jovem e do adulto nesse momento de ―futuro
antecipado‖ (FREITAS; COELHO, 2019) em que a introdução de meios tecnoló-
gicos é essencial para a condução e o desenvolvimento da aprendizagem do aluno
da EJA. Como alunos e professores estão encontrando maneiras de enfrentar os
desafios determinantes impostos pela relação capital/trabalho? No sentido de
arrostar as implicações da falta de acesso tecnológico encontrado por muitos: tanto
professores, quanto alunos. Para além das questões e interrogações proporcionadas
pelo conteúdo especificado no Plano de Ensino e Aprendizagem do Componente
Curricular, ficam as profundas contribuições para o nosso processo de formação
como docente e pesquisadora da área. Essa formação também se estabelece no
direcionamento e condução do estágio e do componente curricular pelo professor
responsável que estabeleceu excelente vínculo no movimento do estágio e preocu-

169
pação em estar organizando os encaminhamentos da disciplina no envolvimento e
desenvolvimento da estagiária.
Esse momento da formação na pós-graduação se estabelece como ímpar
no aprimoramento da prática docente. O retorno dos alunos e alunas participan-
tes desta disciplina foi uma escuta atenta e participação efetiva mesmo em condi-
ções adversas em que nos encontramos relacionadas ao ―ensino remoto‖. Logo,
entendemos a prática docente e o seu trabalho para além da sala de aula, uma vez
concordando com Paulo Freire (2001, p. 259) que:

ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um la-
do, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, obser-
vado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o en-
sinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas,
acertos, equívocos.

O norte da aprendizagem se estabeleceu em função do ensinar ser docen-


te como elemento central da mediação ensinante-aprendente, ao mobilizar conhe-
cimentos estabelecendo aprendizagens não somente na transmissão, mas no esta-
belecimento do diálogo, da relação professor/aluno, entre o ensinar aprendendo e
o aprender ensinando.

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172
Estágios supervisionados e Paulo Freire:
o que há nas publicações brasileiras atualmente?

Maiara Elis Lunkes


Fernanda dos Santos Paulo

Na maioria dos cursos profissionais, que visam preparar para o futuro


ambiente de trabalho, encontra-se presentes momentos de práticas, consideradas
fundamentais para exercer os conhecimentos teóricos estudados. Um dos períodos
que visam estes aspectos são as disciplinas de Estágio Supervisionado.
O Estágio Supervisionado tem por prerrogativa levar o acadêmico ao seu
futuro ambiente de trabalho, visando conhecer o espaço físico, seus aspectos soci-
ais, econômicos e históricos. Os mesmos estão presentes na grade curricular de
diversos cursos profissionais, inclusive em nível técnico.
Na área da educação muitos são os autores que evidenciam o papel do es-
tágio, como Pimenta e Lima (2011, p.21)que abordam que o mesmo pode ser
definido como ―[...] as atividades que os alunos deverão realizar durante o curso de
formação, junto ao campo futuro de trabalho‖. Essa definição pode ser compreen-
dida não apenas na área da educação, mas nas mais diversas áreas.
Dentro desta perspectiva, as autoras (2011, p. 56) apresentam ainda que
―[...]o estágio não se faz por si. Envolve todas as disciplinas do curso de formação
[...]‖, sendo assim, é no estágio que um aluno de Odontologia, por exemplo, vai
conseguir observar na prática conceitos vistos de forma teórica no decorrer do
curso. Assim como, o licenciado vai poder observar as teorias da educação, vistas
nas disciplinas teóricas da graduação, vinculadas no ambiente da sala de aula, de
forma prática. Corroborando, Oliveira (2008, p.01) apresenta que ―o estágio, na
maioria das vezes, é o primeiro contato do futuro educador com a realidade esco-
lar, oportunizando compartilhar construções de aprendizagem, bem como a apli-
cação do aprendizado teórico na prática da profissão escolhida‖.
Ainda, o estágio também é um momento de reflexão na qual os acadêmi-
cos poderão analisar se estão na profissão correta, se realmente é este caminho que
desejam seguir, uma vez que:

173
[...] o estágio dos cursos de formação de professores, compete possibilitar que os pro-
fessores compreendam a complexidade das práticas institucionais e das ações ao pra-
ticadas por seus profissionais como alternativa no preparo para sua inserção profissi-
onal. (PIMENTA; LIMA, 2011, p. 43).

Assim como em outros cursos este momento do estágio também desperta


essa reflexão aos acadêmicos, como acrescenta Oliveira (2008, p.01)

A prática do Ensino/Estágio Supervisionado favorece a descoberta, sendo um proces-


so dinâmico de aprendizagens em diferentes áreas de atuação no campo profissional,
dentro de situações reais de forma que o acadêmico possa conhecer compreender e
aplicar, na realidade escolhida, a união da teoria com a prática. Por ser um elo entre
todas as disciplinas do curso que englobam os núcleos temáticos da formação básica
do conhecimento didático-pedagógico, conhecimento sobre a cultura do movimento,
tem por finalidade inserir o estagiário na realidade viva do mercado de trabalho, pos-
sibilitando consolidar sua profissionalização.

Sendo assim, se constitui um importante momento dentro da formação


profissional de qualquer acadêmico.

2. Paulo Freire e estágio supervisionado: sua presença a partir do levantamento


bibliográfico
Paulo Reglus Neves Freire, conhecido como Paulo Freire, nasceu em
1921, em Recife, Pernambuco, e faleceu em 1997, em São Paulo. Seu curso de
formação é Direito, mas toda experiência foi na área da educação. Suas primeiras
experiências como educador deram-se no Colégio Oswaldo Cruz. Depois, entre os
anos de 1947 a 1954, foi diretor do setor de educação e cultura do Serviço Social
da Indústria (SESI), tendo iniciado seu trabalho educativo com a educação de
adultos. Freire trabalhou como professor universitário, iniciando sua carreira
docente em 1959, como professor efetivo de história e filosofia da educação da
Escola de Belas Artes, na Universidade Federal de Recife, hoje de Pernambuco.
Nos primeiros anos de 1960 engajou-se no Movimento de Cultura Popular. Freire
se torna reconhecido pelo método revolucionário de alfabetização - conhecido
como Método Paulo Freire - e com pesquisas participativas, bem como na sua
concepção de educação libertadora. (BRANDÃO 2005; FREIRE, 1981).
Diante do reconhecimento internacional de Paulo Freire algumas ques-
tões referentes ao estágio supervisionado foram atiçando nossa curiosidade epistemo-
lógica (FREIRE, 2010), a saber: Será que há pesquisas que conversam ou discutem
o estágio dentro de uma perspectiva freiriana? Se sim, de que forma? Quais são as
aproximações? Que tipo de estudo aparece? Quais áreas de conhecimento?

174
2.1 Levantamento bibliográfico
Como prerrogativa, buscamos apresentar um levantamento bibliográfico
abordando as pesquisas que tratam de Estágio e Paulo Freire e nele buscamos as
aproximações quanto a Práticas de ensino ou Programas de iniciação à docência.
Para tanto, foi utilizada a plataforma CAPES (Coordenação de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior) – Periódicos19 para realizar o levantamen-
to de artigos dentro das temáticas citadas. Iniciamos a busca com a palavra-chave:
Estágio e Paulo Freire, sem aspas, pois ao utilizá-las não retornou nenhum docu-
mento. Sem as aspas foi possível obter 420 artigos relacionadas à combinação
Estágio e Paulo Freire. Para refinar esta pesquisa utilizamos de alguns recortes,
como por exemplo: selecionar apenas artigos (eliminando assim resenhas, livros,
teses, entre outros), retornando apenas 310 artigos. Além disso, selecionamos
artigos revisados por pares e os escritos em português, caindo para 274 e 207 res-
pectivamente.
Ressalta-se ainda, que se optamos por trabalhar com artigos dos últimos
cinco anos (2017 a 2021), buscando-se assim por essas relações na atualidade.
Resultando ao fim em um total de 91 trabalhos e destes, realizamos uma leitura
prévia para verificar quais ao final atenderiam de fato os interesses deste escrito.
Dentre os 91 trabalhos encontrados inicialmente destaca-se apenas 09que
possuíam alguma ligação dentre os estudos de Paulo Freire e os momentos desti-
nados a uma possível prática de ensino ou o estágio supervisionado. Destacamos
como motivo para não selecionar o restante dos trabalhos: alguns que se apropria-
vam apenas de concepções de estágio, mas não traziam aspectos relacionados a
Paulo Freire, bem como outros que traziam concepções do autor, mas não estavam
diretamente relacionados ao estágio ou alguma prática de ensino. Ressaltamos que
isso se deve, a situação da não utilização das aspas durante a realização da pesquisa,
já que a plataforma busca então trabalhos que possuam esses termos – estágio e
Paulo Freire- sem necessariamente os dois atrelados.
Salientamos ainda, que as autoras esperavam um número de trabalhos
mais expressivo na realização desta compilação, entretanto, dentre esses artigos, foi
possível classificarmos em três grandes recortes disciplinares (abordados na conclu-
são do trabalho).
Na tabela a seguir, apresenta-se os trabalhos selecionados, com os títulos e
seus autores:

19
Disponível: https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php

175
Tabela 1: apresentação dos artigos selecionados para a analise
Título do artigo Autores
O estágio de docência em ciências da Natureza Hoffmann e Schirmer
como situação Gnosiológica: possibilidades na
Licenciatura em Educação do Campo.
Estágio de vivência em Engenharia agronômica: Batista, Santos, Gregorio e Vita
relação entre o teórico e o prático
Odontologia e preceptoria: Um olhar para a Oliveira,Vasconcelos, Rodarte e Esteves
prática pedagógica dos preceptores de estágio
Percepções de profissionais sobre o aprendizado Cadato, Garanhani e González
de estudantes de graduação na Atenção Básica
Aprendendo a ensinar na formação inicial de Volkman, Pereira e Luccas
professores de matemática: uma análise das
concepções discentes
Um estudo com bolsistas do PIBID sobre as Souza e Coutinho
concepções de formação docente
Orientações para a docência na educação infan- Pieper, Chiggi e Chaves
til e a constituição do conceito de espaço
Os modelos didáticos de licenciados em ciências Shaw
da natureza no estágio e as imbricações com suas
concepções de natureza da ciência
A formação docente e o PIBID- subprojeto de Lima e Ferreira
biologia do IFRN
Fonte: as autoras, 2021.

A seguir, buscamos apresentar um panorama maior quanto aos artigos se-


lecionados, assim evidenciando seu objetivo geral, o ano no qual o trabalho foi
publicado, bem como quais são as suas aproximações com os estudos de Freire, ou
seja, em qual passagem do texto se apresentam as concepções de Paulo Freire.
O primeiro artigo intitula-se ―O estágio de docência em ciências da Natu-
reza como situação Gnosiológica: possibilidades na Licenciatura em Educação do
Campo‖ de autoria de Marilisa Bialvo Hoffmann e Saul Benhur Schirmer, nele os
autores buscam desenvolver uma reflexão teórica em torno do estágio docência na
Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), abordando aspectos dos estágios
realizados no âmbito da Ciências da Natureza e como suas particularidades permi-
tem descrevê-los como uma ação essencialmente gnosiológica, no sentido freirea-
no.
Para tanto, os autores trazem o conceito de Gnosiologia, sendo (gnosis –
conhecimento; logos – discurso, estudo), sendo assim, enquanto ramo da filosofia,
diz respeito à capacidade humana de conhecer. Na compreensão de Freire, é a

176
capacidade de aprender para transformar a realidade, recriando-a. Dentro desta
perspectiva, ―Seu cunho gnosiológico emerge da necessidade de que toda prática
educativa demanda sujeitos que, ensinando, aprendem, e outros que, aprendendo,
ensinam‖ (HOFFMANN; SCHIRMER, 2020, p. 273).
Neste ponto de vista, os autores trazem a situação dos Estágios de Docên-
cia na Educação do Campo como uma situação que se afina com a concepção de
Freire quanto ao conceito gnosiológico, visto que é uma situação ―[...] que ocorre
na transformação de um conhecimento já existente em conhecimento novo‖
(HOFFMANN; SCHIRMER, 2020, p. 274) e a Educação do Campo busca pro-
mover o ingresso dos sujeitos camponeses na Educação Superior, sujeitos estes
com um conhecimento prévio, vindo da sua experiência.
Dentro desta perspectiva, o trabalho vai elencar e discutir alguns aspec-
tos relativos ao estágio docência dentro desta realidade da Educação do Campo,
como: a formação por área, à docência compartilhada, os espaços educativos não-
escolares e por mim, outras especificidades desta formação.
Concluindo então, que o estágio docência na Educação do Campo, en-
quanto situação gnosiológica exige, mais do que nunca o

[...] comprometimento ético para que perante as demandas reais impostas, consiga-
mos avançar no processo dialógico no sentido de que saiamos da curiosidade ingênua
rumo à curiosidade crítica/epistemológica. Se faz mais que necessário, nesta ótica,
que se paute a dúvida, o diálogo e a produção/disseminação de conhecimento novo,
em que seja ressignificado o que pensamos previamente saber sobre estágio, sobre
docência, sobre docência em Ciências, sobre Educação do Campo, sobre formação
por área, entre outros aspectos fundamentais da formação docente (HOFFMANN;
SCHIRMER, 2020, p. 282).

O próximo trabalho encontrado é de autoria de Batista, Santos, Gregorio


e Vita no qual se apresenta intitulado como ―Estágio de vivência em Engenharia
agronômica: relação entre o teórico e o prático‖ e foi publicado em 2020. O mes-
mo apresenta como objetivo: analisar as relações estabelecidas entre o aprendizado
teórico e prático no estágio de vivência do Curso de Graduação em Engenharia
Agronômica do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará e sua
contribuição para a formação acadêmica dos alunos.
Sua aproximação com os estudos de Freire consta no momento em que
os autores evidenciam que o projeto pedagógico do Curso, foi construído em
consonância com os valores educacionais difundidos pelo educador Paulo Freire,
no sentido de assegurar a importância da implementação do curso, na busca por
alavancar um processo de desenvolvimento local e regional.

177
Neste sentido, de acordo com os autores, a implantação do curso visou
alavancar um processo de desenvolvimento a partir da região em que está localiza-
do.
Para tal, sua ação deve ultrapassar os muros e ir para além da compreensão de educa-
ção profissional tecnológica, como mero instrumento de capitação de pessoal, para o
trabalho determinado por um mercado que impõem objetivos. Para Freire (2002), ul-
trapassar os muros significa promover uma formação que possibilite uma visão ampla
do ambiente social, reconhecendo e considerando peculiaridades de cada contexto
(BATISTA; SANTOS; GREGORIO; VITA, 2020, p. 02).

Sendo assim, com a realização deste trabalho, os autores buscam interpre-


tar o estágio de vivência como uma ferramenta de capacitação profissional a servi-
ço da região, empenhada em resolver e abrigar positivamente os problemas de sua
população.
Outro trabalho selecionado que também visa a associação dos estágios
com os estudos de Freire, dentro de outra área, é descrito com o título ―Odonto-
logia e preceptoria: Um olhar para a prática pedagógica dos preceptores de estágio‖
de autoria de Emanuelle Tenório de Oliveira, Maria Viviane Lisboa de Vasconce-
los, Renato Santos Rodarte e Roberto Esteves, publicado em 2018, no qual busca
conhecer o ponto de vista dos profissionais da área de odontologia quanto a sua
função e prática pedagógica quando preceptor dos estudantes de odontologia, nos
momentos de estágio.
Neste trabalho, é possível acompanhar que o uso dos conceitos de Paulo
Freire vem para contribuir com o papel deste preceptor, no sentido de evidenciar
que ―Educar [...] ultrapassa ensinar conteúdos específicos. Exige reflexão crítica‖
(OLIVEIRA; VASCONCELOS; RODARTE; ESTEVES, 2018, p.04). E dentro
desta colocação, Freire contribui quando afirma que é impossível vir a tornar-se
uma pessoa crítica, se for apenas um transmissor de informações. E que os autores
colocam como algo que acaba ocorrendo dentro da residência, ―Essa reflexão de
Freire nos remete ao tipo de preceptoria que se desenvolve, quando os preceptores
apenas reproduzem suas práticas, sem darem espaços para momentos de reflexões‖
(OLIVEIRA; VASCONCELOS; RODARTE; ESTEVES, 2018, p. 04).
Ainda nesta concepção, os autores apresentam o papel do professor de
acordo com Freire, sendo a criação de possibilidades para a produção ou a cons-
trução do conhecimento e, a associam ao papel do cirurgião dentista, pois o mes-
mo é o preceptor naquele momento, evidenciando que ele ―[...] precisa oportuni-
zar espaços e momentos para que o discente tenha suas próprias experiências, que
busque as respostas sobre determinados assuntos‖ (OLIVEIRA; VASCONCE-
LOS; RODARTE; ESTEVES, 2018, p. 04). Sendo assim, o preceptor não pode se

178
resumir a repassar a sua prática clínica e sim propiciar um espaço de aprendizagem
para ambos.
O trabalho intitulado ―Percepções de profissionais sobre o aprendizado
de estudantes de graduação na Atenção Básica‖ de autoria de Cadato, Garanhani e
González, publicado em 2017 vem na mesma concepção do trabalho citado ante-
riormente, pois também busca compreender as percepções de profissionais que
atuam em Unidades Básicas de Saúde em relação à formação do estudante de
graduação nesse espaço existencial, sendo assim, novamente se apropria das ideias
de Freire dentro dos estudos da área da saúde, em um momento de estágio.
Entretanto, neste artigo é abordado a concepção de curiosidade a partir
de Freire, como os autores trazem ―A curiosidade por si só já é conhecimento.
Quando rompe barreiras da ingenuidade e avança na criticidade e na indagação,
ela se torna epistemológica, e é metódica, exigente e favorece a reflexão e a ação‖
(CADATO; GARANHANI; GONZÁLES, 2017, p. 612). Sendo assim, discute a
importância da postura do estudante a equipe do posto de atendimento para o
aprimoramento da sua formação.
Já o trabalho conseguinte analisado, apresenta o título ―Aprendendo a
ensinar na formação inicial de professores de matemática: uma análise das concep-
ções discentes‖ escrito por Elizabete Volkman, Ana Lucia Pereira e Simone Luccas,
publicado em 2019. O mesmo, busca discutir a formação inicial de professores de
matemática a partir das concepções que estudantes têm acerca de sua preparação
para a docência. Para tanto, traz as concepções de Paulo Freire atrelada a outros
autores, para evidenciar a importância quanto a construção da formação do futuro
professor.
Desta forma, apresenta Freire durante uma passagem no texto ―A educa-
ção na Cidade‖ na qual destaca que ninguém nasce para ser educador, a gente se
faz educador. A gente se forma, como educador, permanentemente, sendo assim,
não é uma competência inata, não é um ―dom‖, é preciso um processo formativo
para se tornar educador, especialmente porque essa formação é permanente
(VOLKMAN, PEREIRA, LUCCAS, 2019).
Além disso, também aborda aspectos discutidos por Freire, no livro ―Pe-
dagogia do Oprimido‖, quando discute sobre os modelos formativos no Brasil,
citando o baseado na racionalidade técnica, em que ―os licenciados apreendem
técnicas de ensino‖ (VOLKMAN, PEREIRA, LUCCAS, 2019, p. 357), e no livro,
Freire deixa evidente que a própria natureza formadora da docência não pode
reduzir-se a um processo puramente técnico e mecânico.
E sua relação com o campo dos estágios se dá, visto que durante a análise
das entrevistas realizadas com estudantes do curso de licenciatura, estes alunos

179
abordam justamente que essas perspectivas quando a se constituir um educador,
visando a preparação para a docência, se dá com maior visibilidade no campo das
práticas de ensino, ―Nas falas dos licenciados é possível perceber que os mesmos
associam a sua concepção de estarem preparados para a docência com as experiên-
cias adquiridas durante os estágio ou programas de iniciação à docência‖ (VOLK-
MAN, PEREIRA, LUCCAS, 2019, p. 361).
O próximo trabalho caminha em uma perspectiva parecida da mencio-
nada acima, trata-se do artigo ―Um estudo com bolsistas do PIBID sobre as con-
cepções de formação docente‖ de autoria de Souza e Coutinho, publicado em
2019. Como objetivo principal do texto, os autores se propõem a analisar as con-
cepções sobre formação docente, as contribuições, impactos e as ações dos licenci-
ados participantes do Programa.
O programa Institucional de Bolsas de Iniciação à docência (PIBID) foi
lançado em dezembro de 2007 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), como parte da Política Pública de Formação Inicial de
Professores, com―[...] a finalidade de suprir a carência de professores nas diversas
áreas de conhecimento, de valorizar o magistério e de manter esse discente em
formação na educação básica‖ (SOUZA; COUTINHO, 2019, p.502). Sendo as-
sim, um momento destinado a prática de ensino dos licenciados.
Os autores conversam com as concepções de Paulo Freire quando discu-
tem o papel da educação dentro deste processo, ou seja, defendem da mesma ideia
de Freire, de que o termo educação é um ato político, pois deveria ser libertadora,
visto que tem por função desenvolver uma consciência crítica que permita ao
homem transformar a realidade, tornar as pessoas mais livres, menos dependentes
do poder econômico, político e social (SOUZA; COUTINHO, 2019).
Neste contexto, os autores discutem que se faz necessário inserir o licen-
ciado dentro deste seu papel, ou seja, de ver-se como professor responsável por
estes aspectos, nesta direção, recomenda-se uma formação de professores partindo
do campo da prática. O que é possível ao participar do programa PIBID.
O próximo artigo encontrado foi de autoria de Pieper, Chiggi e Chaves
(2018) intitulado ―Orientações para a docência na educação infantil e a constitui-
ção do conceito de espaço‖ tem como prerrogativa responder quais são as estraté-
gias de orientações aos professores e quais são as ações propostas pelos responsá-
veis para qualificar o ensino de geografia na Educação Infantil.
Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e analisados os
referencias curriculares. Encontrou-se aspectos relacionados ao Paulo Freire quan-
do os autores discutem os resultados das entrevistas. Isso porque, como em um
dos artigos mencionados acima, chega-se a uma passagem que aborda a educação

180
como um dom e, os autores evidenciam que ―[...] não se trata meramente de de-
nominação durante a atividade docente. Trata-se de compreender a Educação
Infantil mais como intencionalidade (FREIRE, 2005) e menos como espontaneís-
mo (FREIRE, 2009)‖ (PIEPER, CHIGGI E CHAVES, 2018, p. 284).
Sendo assim, este trabalho também aborda os estudos de Paulo Freire
para sustentar uma ideia atrelada a atividade profissional, mas desta vez relaciona-
da a Educação Infantil.
No trabalho seguinte, escrito por Gisele Soares Lemos Shaw, que se apre-
senta como ―Os modelos didáticos de licenciados em ciências da natureza no
estágio e as imbricações com suas concepções de natureza da ciência‖, publicado
em 2018, a autora se baseia em pesquisas que indicam que as concepções de natu-
reza da ciência dos professores influenciam os modelos didáticos de ensino e
aprendizagem trabalhos em sala de aula. ―Inclusive que esses modelos de definem
o nível de progressão profissional docente‖ (SHAW, 2018, p. 218).
Para realizar as aproximações desta concepção da autora e verificar se
realmente isso ocorre, a mesma analisou os relatórios de estágio dos licenciados
que durante o seu estágio adotaram modelos didáticos. Ressalta-se que para a
realização do trabalho, também foram feitas entrevistas com os licenciados, para
compreender melhor os aspetos abordados nos relatórios de estágio.
Neste trabalho, diferente dos outros, a apresentação do nome de Paulo
Freire não aparece por parte da autora do escrito, e sim, em uma das falas de uma
licencianda, observe:

Assim como Talita, Lara também relembrou do período em que foi alfabetizada, aos
quatro anos, que segundo a mesma aconteceu de modo rápido, pelo método da sila-
bação. Ela relatou que o ensino era passado era cartesiano, tendo o professor como
detentor do conhecimento, mas percebe que este ensino, as técnicas, a metodologia
(principalmente depois de Paulo Freire) melhoraram (SHAW, 2018, p.224).

Desta forma, é possível notar que a licenciada traz as concepções de Frei-


re como algo que veio a modificar e reestruturar as concepções de ensino, e pela
fala da mesma, como algo positivo. Ressalta-se que esta passagem se deu durante a
entrevista que a autora do artigo realizou com a licenciada, quando a mesma refle-
tia sobre a sua realização de estágio.
O artigo ―A formação docente e o PIBID- subprojeto de biologia do
IFRN‖ escrito por Lima e Ferreira em 2018, busca analisar o Programa Institucio-
nal de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), no subprojeto de biologia do
IFRN-Campus Macau/RN, para compreender suas contribuições com a interlocu-

181
ção entre a formação inicial dos licenciados e a formação continuada dos professo-
res supervisores do programa.
Atrela-se a passagem de Paulo Freire no trabalho justamente durante a
análise das entrevistas dos envolvidos do programa, quando um dos envolvidos
(licenciado) aponta que o programa contribuiu na formação da professore supervi-
sora também, a partir do momento em que ela estava vivenciando com outras
pessoas (licenciados) que vêm de uma realidade totalmente diferente, tentando
trazer novas metodologias, novas formas de ensino, sendo assim uma grande con-
tribuição para a atuação da mesma. Os autores do artigo, apresentaram esta con-
cepção do licenciado e atrelaram ao pensamento de Freire,

[...] o processo formativo é desenvolvido a partir de uma dinâmica de relações sociais


e, na realidade do PIBID em que teoricamente o objeto de formação é o licenciado,
deve-se perceber que o professor supervisor não está alheio a este processo, na visão
de FREIRE (1996, p.23) ―Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é for-
mado forma-se e forma ao ser formado‖ (LIMA; FEREIRRA, 2018, p.325).

Assim concluído que ao considerar esta possibilidade (passagem de Frei-


re) como sendo válida, e ao observar os relatos dos licenciados, nota-se que a con-
tribuição do PIBID também se dá aos professores supervisores (LIMA; FERREI-
RA, 2018).
Ressaltamos que os trabalhos aqui apresentados foram analisados e in-
terpretados dentro do objetivo deste escrito, evidenciar as aproximações dos estu-
dos de Paulo Freire com as práticas de ensino, estágios ou programas de iniciação
à docência. Sendo assim, a grande maioria deles, abordam discussões maiores
acerca do que se propõem, mas, aqui buscou-se apenas evidenciar trechos de rela-
ções existentes.

Considerações finais
Dentro da proposta deste escrito de realizar um levantamento para
acompanhar as publicações brasileiras, na qual relacionavam de alguma maneira as
concepções de Paulo Freire e as práticas de ensino, estágios ou programas de inici-
ação à docência, encontramos três grandes recortes disciplinares, sendo eles:

1) Trabalhos que se apropriam de conceitos de Paulo Freire como nortea-


dores para desenvolver o estágio;
2)Artigos que utilizam os estudos de Paulo Freire como complementação
dentro da concepção de formação docente;

182
3) Trabalhos que se apropriaram da referência de Freire mesmo sendo de
outras áreas de conhecimento, mas com um viés educacional.

O primeiro recorte, diz respeito a trabalhos mais complexos, na qual uti-


lizam os conceitos de Paulo Freire como sustentação de analise dentro do Com-
ponente Estágio Supervisionado, ou seja, seus conceitos como aporte teórico prin-
cipal na análise do trabalho.
Já o segundo recorte utiliza de passagens de Paulo Freire dentro da con-
cepção de formação docente, atrelando também a outros autores. Nesta perspecti-
va, utiliza-se de afirmações do autor que defendem ponto de vista dentro da área
da educação, e a utilização destes para a caracterização ou realização do estágio ou
prática de ensino, sendo elas atreladas a programas de iniciação à docência ou não.
Enquanto o terceiro recorte continua com a ideia de trabalhar com pen-
samentos de Paulo Freire, da mesma maneira que o segundo, entretanto, em ou-
tras áreas de conhecimento, como por exemplo, voltada a saúde. Sendo assim,
chama-se a atenção para a utilização de passagens do autor dentro de outras situa-
ções de estágio, que não seja vinculada a apenas estágios de licenciaturas.
Os achados no levantamento bibliográfico confirmaram o que Gadotti
(1996) declara ao dizer que Freire dialoga com várias áreas científicas porque sua
educação é multi e transdisciplinar, explicitando que: ―O educador desenvolve um
trabalho interdisciplinar que envolve conteúdos de diversas áreas do conhecimen-
to‖ (GADOTTI, 1996, p.705). Verificamos nos artigos selecionados livros citados
de Paulo Freire e nos chama atenção a categoria formação permanente e educação
libertadora que merecem atenção nos próximos estudos, relacionado a formação de
professores iniciantes, a partir do ingresso nos estágios e práticas de ensino.

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de março de 2021.

185
Carta-Posfácio: Pedagogia do Esperançar

Ivo Dickmann

Camaradas, Fernanda e Ricardo, tudo bem?


Escreve essa carta a convite de vocês para cumprir uma função social de
editor e de professor-pesquisador: dialogar com pessoas como eu que gastam sua
vida produzindo conhecimento comprometido com a transformação da sociedade,
tendo como base de sustentação dessa produção intelectual o legado de Paulo
Freire na perspectiva da reinvenção.
Por isso, minha carta-posfácio não é uma carta de despedida, mas pelo
contrário, é um chamado a uma conversa que não termina no final desse belíssimo
livro que vocês organizaram. Minha carta tem mais jeito de reticências do que
ponto final. Porque gente com nós gosta mesmo é da conversa solta, sem hora pra
acabar, buscando sempre integrar o saber de experiência feito com o saber científi-
co, academicizando o senso comum e popularizando a ciência.
Ainda mais num livro como esse que tem no título o esperançar de Paulo
Freire, que nos remete a resistência e a re-existência, ao movimento, à organização,
ao trabalho de base, a militância nas diferentes trincheiras (e a Academia é uma
delas), a defesa do legado do nosso mestre e a sua reinvenção – conforme solicita-
do por ele. Esse livro me lembra de muito do que já fiz – freirianamente falando –
desde os trabalhos nos grupos de jovens da Pastoral da Juventude, a organização de
grupos autogestionários de famílias sem-casa e, atualmente, da minha práxis como
professor-pesquisador-orientador na pós-graduação stricto sensu numa Universidade
Comunitária no interior do Brasil.
As reflexões desse livro nos ajudam perceber que Paulo Freire continua
vivo nas diferentes experiências e práticas aqui relatadas, que sua teoria continua
iluminando nossas reflexões sobre a educação no nosso país e que muitos profes-
sores e professoras continuam vivenciando diariamente nos espaços educativos as
vantagens de trabalhar a partir das bases freirianas em sua práxis.
Penso também que vocês reacenderam a chama da esperança de muita
gente com o título do livro, rebuscando esse conceito tão relevante de Paulo Frei-
re: a esperança. Quando na Pedagogia da Esperança ele afirma que não é possível a
mudança sem sonho, nem sonho sem esperança, ele entrelaça três aspectos cen-
trais da formação integral humana, pois não é concebível imaginar um ser huma-

186
no esperançoso que não tenha grandes sonhos para realizar e a efetivação desses
sonhos acontece com a transformação do seu contexto concreto.
Falar de esperança no tempo que vivemos é um ato revolucionário, um
ato político e educativo, é uma mensagem de que a mudança é difícil nessa reali-
dade atual, mas é um inédito viável pelo engajamento de homens e mulheres,
professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras, na certeza de que outro
mundo é possível, aqui e agora.
Enfim, camaradas Fernanda e Ricardo, penso que o compromisso sócio-
político que nos une e nos torna mais humanos é a mesma que nos leva a esperan-
çar, ou seja, que nos faz lutar pela educação que queremos, que nos faz descruzar
os braços, arremangar a camisa e enfrentar os desafios. Essa é nossa ética!
Esperançar é uma pedagogia, que se faz com a rigorosidade metódica e
curiosidade epistemológica com que produzimos novos conhecimentos e a amoro-
sidade que nos caracteriza como seres do sentir-pensar. Então, seguimos amando
sem trégua de ternura e escrevendo nossa própria história.

Um grande abraço e força na luta!

Chapecó, 07 de abril de 2021.

187
188
ÍNDICE REMISSIVO
E ONOMÁSTICO

189
190
A Cultura, 16, 17, 19, 20, 33, 43, 75,
84, 88, 90, 97, 113, 114, 145,
Alfabetizador, 191
163, 166, 174, 191, 201
Analfabetismo, 20, 28, 30, 191
Aproximações D
Aproximação, 191
Augusto Boal, 8, 83, 88, 94, 95, 98, Dança, 75, 101, 108, 109, 110, 113,
191 114, 115, 191, 198, 201
Diálogo
B Diálogos, 71, 115, 191
Disciplina, 191
Brasil, 3, 7, 8, 13, 14, 15, 19, 20, 21,
Dissertações
22, 25, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34,
Dissertação, 65, 66, 149, 191,
42, 44, 45, 47, 48, 49, 50, 63, 66,
203
70, 73, 74, 76, 86, 88, 97, 112,
Distanciamentos
113, 130, 131, 132, 133, 134,
Distanciamento, 191
135, 138, 140, 141, 144, 145,
Docente
147, 153, 154, 162, 163, 164,
Docentes, 191, 198, 200
166, 167, 170, 171, 172, 179,
186, 191, 200 E

C Educação, 3, 6, 7, 8, 11, 13, 14, 15,


16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 32, 33,
Carlos Rodrigues Brandão, 6, 7, 8,
34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43,
13, 15, 17, 19, 95, 124, 156, 191
46, 47, 48, 49, 50, 51, 63, 64, 65,
Carta Pedagógica
66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74,
Cartas Pedagógicas, 155, 159,
75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 84,
191
85, 86, 92, 95, 96, 97, 98, 99,
cartas
100, 101, 104,109, 111, 112,
carta, 6, 13, 17, 19, 63, 160, 191
113, 114, 115, 117, 124, 130,
Círculos de Cultura
131, 132, 133, 134, 135, 136,
Círculo de Cultura, 53, 54, 58,
137, 138, 139, 140, 141, 143,
59, 61, 62, 68, 191
144, 145, 146, 147, 148, 150,
Contexto, 154, 191
152, 153, 154, 155, 156, 157,
Correntes, 191
159, 160, 161, 162, 163, 164,
crítica, 199
165, 166, 167, 168, 170, 171,

191
172, 176, 177, 180, 181, 183, 65, 66, 67, 68, 69, 73, 75, 76, 78,
191, 197, 198, 199, 200, 201 79, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 88,
Educação Ambiental, 199 89, 90, 91, 92, 94, 95, 96, 97, 98,
Educação Escolar, 100, 101, 191 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105,
Educação Popular, 6, 7, 8, 13, 14, 106, 107, 108, 109, 110, 111,
15, 16, 17, 19, 20, 22, 34, 36, 49, 112, 113, 117, 119, 121, 122,
50, 66, 67, 69, 70, 71, 81, 84, 85, 123, 124, 125, 126, 127, 128,
92, 95, 98, 99, 100, 104, 109, 129, 130, 131, 133, 134, 135,
111, 112, 115, 131, 133, 136, 136, 137, 138, 139, 141, 155,
137, 138, 139, 141, 155, 156, 156, 157, 158, 159, 160, 161,
159, 160, 163, 164, 171, 191, 163, 170, 173, 174, 175, 176,
197, 198, 199, 200, 201 177, 178, 179, 180, 181, 182,
Educação Superior, 8, 136, 139, 183, 184, 186, 191, 197, 198,
177, 191 199, 200, 201, 202
Educador
Educadores, 66, 123, 191, 198 G
educadores, 199 Grêmio Estudantil
Esperança, 9, 141, 186, 191 Grêmios Estudantis, 55, 57, 191
Esperançar, 186, 187, 193
Estágio I
Estágios, 8, 74, 161, 173, 174,
identidade, 199
175, 176, 177, 183, 184, 191,
200
J
estudo, 203
Estudo, 53, 54, 151, 191, 203 Jornal, 191
Estudo de caso, 191 Jovens e Adultos
Educação de Jovens e Adultos, 7,
F 8, 18, 35, 37, 38, 48, 49, 50,
152, 161, 162, 163, 164, 165,
Filosofia, 199
166, 167, 168, 171, 172, 191,
Formação, 8, 21, 50, 74, 119, 130,
198, 199
131, 145, 147, 160, 164, 172,
180, 191, 198, 199, 200
L
Formação continuada, 191
Freire, 3, 6, 7, 8, 9, 11, 13, 18, 19, leitura, 9, 16, 22, 24, 27, 32, 34, 35,
20, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 38, 44, 88, 89, 97, 108, 109, 111,
31, 32, 33, 34, 35, 42, 43, 45, 49, 142, 144, 145, 146, 148, 151,
51, 53, 54, 58, 59, 60, 61, 62, 63,

192
154, 155, 159, 175, 191, 199, 171, 179, 184, 186, 191, 197,
200, 203 198, 199, 200, 201
libertadora, 199 Pedagogo
Pedagoga, 153, 191
M pesquisa, 199, 203
método, 199 Pesquisa, 6, 17, 18, 20, 69, 74, 99,
metodologia, 199 141, 142, 153, 156, 160, 184,
191, 197, 198, 199, 200, 201,
N 203
Política, 70, 74, 81, 86, 97, 98, 148,
Não Escolar, 8, 51, 65, 66, 67, 68,
149, 150, 180, 191
69, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 80,
Práticas
81, 99, 100, 101, 191
Prática, 49, 74, 175, 191, 200
professor, 199
O
Professor
O Exemplo, 22, 27, 29, 30, 31, 32, Professores, 35, 54, 64, 122, 130,
34, 191 145, 191

P R
Pandemia, 191 Reflexões
Participação, 8, 53, 167, 191 Reflexão, 82, 191
Paulo Freire, 3, 6, 7, 8, 22, 23, 32,
34, 43, 69, 83, 84, 95, 99, 105, T
108, 109, 110, 123, 141, 157,
Tendências, 191
159, 174, 175, 176, 177, 183,
Teses
199, 202
tese, 65, 66, 149, 191, 203
Pedagogia, 6, 8, 20, 33, 49, 61, 63,
66, 74, 83, 85, 95, 97, 98, 104, U
105, 108, 113, 114, 122, 123,
130, 136, 140, 141, 142, 143, Unoesc
145, 148, 150, 151, 152, 153, UNOESC, 142, 150, 167, 191
154, 156, 157, 160, 161, 162,

193
194
SOBRE OS
AUTORES E
AUTORAS

195
196
ADRIANA GAIO
Mestranda em Educação pelo PPGEd/UNOESC. Possui Licenciatura Plena em
Geografia pelo Centro Universitário Internacional (2018). Especialização em Me-
todologia no Ensino de Geografia pela Faculdade São Luís. Licenciada em Peda-
gogia pelo Centro Universitário Facvest (2020). Atualmente é professora de geo-
grafia do Estado de Santa Catarina. Interesse na área da Educação, Direitos Hu-
manos, Relações Étnico-Raciais, Educação Popular. Participante do Grupo de
Estudos e Pesquisa Paulo Freire e Educação Popular, coordenado pela profa. Dra.
Fernanda dos Santos Paulo.
http://lattes.cnpq.br/0513969375049023

ANDREIA SIMÃO
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da
Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Doutoranda em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da Universidade do
Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Possui graduação em Psicologia pela Univer-
sidade do Oeste de Santa Catarina (1999). Membro do Grupo de Pesquisa Educa-
ção, Políticas Públicas e Cidadania (GEPPeC).
http://lattes.cnpq.br/9793952827961049

CAMILA PEREZ DA SILVA


Pós-doutoranda em Educação pela UFSCar. Doutora em Educação e Mestre em
Sociologia pela UFSCar. Graduada em Ciências Sociais, Pedagogia e Filosofia.
Especialista em Gestão Escolar (MBA) pelo PECEGE / USP. Chefe da Divisão de
Acompanhamento de Projetos de Pesquisas Especiais - PROPGI da UEMASUL.
Atualmente é professora Adjunta da Universidade Estadual da Região Tocantina
do Maranhão (UEMASUL).
http://lattes.cnpq.br/0169459180378881

CARLOS EDUARDO MELCHIORS


Graduação em andamento em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda
pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Bolsista de Iniciação
Científica e participante do Grupo de Estudos e Pesquisa Paulo Freire e Educação
Popular, coordenado pela professora Drª Fernanda dos Santos Paulo.
http://lattes.cnpq.br/8561208665211546

CAROLINE BRUNONI
Mestre em Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC).
Pós-graduada em MBA em liderança estratégica pela UNOESC. Graduada em
licenciatura em Artes Cênicas pela UNOESC. Graduada em Fisioterapia pela
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Participante do Grupo de

197
Estudos e Pesquisa Paulo Freire e Educação Popular, coordenado pela profa. Dra.
Fernanda dos Santos Paulo. Tem experiência na área de educação, com ênfase em
Educação Popular, atuando principalmente nos seguintes temas: a educação por
meio do teatro popular, Teatro do Oprimido nos processos educativos, as culturas
populares no desenvolvimento da educação popular, Educação não-escolar, Arte e
estética na educação.
http://lattes.cnpq.br/0649372477596250

DIEGO GONÇALVES
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universi-
dade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Membro dos grupos de pesquisas
Percursos de performatividade (UDESC), Formação docente e práticas de ensino
(UNOESC) e do grupo Corpo, movimento e representação (UFFS). Especialização
em MBA em Dança da Gestão ao Aplauso pela Faculdade Inspirar de Curitiba -
PR. Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade do Oeste
de Santa Catarina campus Xanxerê. Participante do Grupo de Estudos e Pesquisa
Paulo Freire e Educação Popular, coordenado pela profa. Dra. Fernanda dos San-
tos Paulo. Coreógrafo e diretor da Cia de Dança Expressão Corpo e Arte de Xan-
xerê. Desenvolve pesquisa sobre dança, política pública, educação, cultura, arte,
inclusão e educação popular.
http://lattes.cnpq.br/2647584809989937

ELAINE SILVEIRA TEIXEIRA FERREIRA


Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (UNISINOS); - Pós-Graduação (especiali-
zação em educação): Trabalho, Identidade e Formação Docente (ULBRA); Especi-
alização no Direito do Trabalho, Previdenciário e Processo do Trabalho (UNISC)
e Mestranda em Educação na Universidad Interamericana. Tem experiência na
área da educação e direito (advogada). Professora da rede municipal de Esteio
desde 1988 aos dias atuais (32 anos) - Anos Iniciais e Educação de Jovens e Adul-
tos (EJA). Compõe a Coordenação Colegiada do Fórum de Educação de Jovens e
Adultos do Rio Grande do Sul (FEJARS desde 2016) como representante do mu-
nicípio de Esteio e dos Conselhos Municipais de Educação. Temas de interesse:
Políticas educacionais e Educação de Jovens e Adultos.

ELISANGELA TREVISAN
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Norte do Paraná. Mestranda
em Educação pelo PPGEd/UNOESC. Participante do Grupo de Estudos e Pes-
quisa Paulo Freire e Educação Popular, coordenado pela professora Drª Fernanda
dos Santos Paulo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educador
Social.
http://lattes.cnpq.br/6124969460577006

198
FERNANDA DOS SANTOS PAULO
Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Especialista em Educação Popular: Gestão de Movimentos Sociais pelo Brava
Gente e Instituto IVOTI. Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário
Metodista (IPA). Educadora Popular na Associação de Educadores Populares de
Porto Alegre/AEPPA e coordenadora do Núcleo de formação política e do Grupo
de Trabalho de construção de Propostas de Cursos de Extensão, Graduação e
Especialização para Educadores Populares. Professora do Programa de Pós-
graduação em Educação (UNOESC). Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Educação Popular, atuando principalmente nos seguintes temas: Educa-
ção não Escolar; Educação Infantil, Educação de Jovens e Adultos, Universidade
Popular, Pedagogia freiriana, Formação de Educadores Populares e Educadores
Sociais, Movimentos Sociais, Políticas Públicas educacionais e história e memória
da Educação Popular. Participa como membro da coordenação desde 2017 do
Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos do Rio Grande do Sul (FE-
JARS).
http://lattes.cnpq.br/3839347399904355

IVO DICKMANN
Pós-doutor em Educação. Doutor e Mestre em Educação. Graduado em Filosofia.
Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE e
do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – PPGCS, da Unochapecó.
Principal foco de atuação e pesquisa: Educação (perspectiva crítica e libertadora),
Educação Ambiental (formação de educadores ambientais e Pedagogia do Meio
Ambiente Oprimido), Educação Popular (metodologia e epistemologia de Paulo
Freire) e Universidades Comunitárias (perfil, gestão e identidade). Entre as princi-
pais obras publicadas estão diversos artigos em revistas científicas e os livros: Pri-
meiras Palavras em Paulo Freire (2008; 2016; 2019), Pedagogia da Memória
(2017), Dinâmicas Pedagógicas (2017), Educação Ambiental na América Latina
(2018), 365 dias com Paulo Freire (2019), Paulo Freire: método e didática (2020),
Paulo Freire: um guia de leitura (2021). Líder do Palavração - Grupo de Pesquisa
em Educação. http://lattes.cnpq.br/1472497660681364

JAIME JOSÉ ZITKOSKI


Possui Graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição -
FAFIMC (1988). É Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul - PUCRS (1992) e Doutor em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (1999). É professor Associado III com
dedicação exclusiva na UFRGS, atuando junto ao Departamento de Estudos Bási-
cos na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul nos
cursos de Licenciaturas na área de Filosofia da Educação. Atua também no Pós
Graduação em Educação (Orientando Mestrado e Doutorado) com ênfase em

199
Educação Popular e Estudos Sobre Universidade, atuando principalmente nos
seguintes temas: Educação Popular, Paulo Freire e os desafios da Universidade na
perspectiva da Emancipação Social e Bem Viver na América Latina. Coordena a
área de Filosofia da Educação na FACED/UFRGS. Concluiu em 2011 o Estágio
de Pós Doutorado no PPFH da UERJ sob orientação do Prof. Dr. Pablo Gentili.
E, atualmente vem orientando pesquisas em nível de Pós-Doutoramento relacio-
nado ao Grupo de Pesquisa GEU/IPesq, do qual é vice-coordenador.
http://lattes.cnpq.br/4765559144115241

MAIARA ELIS LUNKES


Doutoranda em Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. Mestre
em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catari-
na (UFSC). Especialista em Ações Interdisciplinares no processo de Ensino-
Aprendizagem em Matemática pelo Centro Educar Brasil. Graduada em Matemá-
tica-Licenciatura pelo Instituto Federal Catarinense - Campus Concórdia. Profes-
sora Efetiva de Matemática na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina. Parti-
cipa atualmente dos Grupo de Pesquisa: Formação Docente e Práticas de Ensino
(UNOESC), História da Educação Matemática (GHEMAT-UFSC) e Grupo de
pesquisa em Educação Matemática (GPEMat - IFC), bem como Grupo de Estudos
e Pesquisa Paulo Freire e Educação Popular, coordenado pela professora Dra.
Fernanda dos Santos Paulo.
http://lattes.cnpq.br/4341453481269107

RICARDO COSTA DE SOUSA


Pós doutorado em Educação (UNOESC). Doutor em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Gestão de Políticas Pú-
blicas em Gênero e Raça pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e em
Docência do Ensino Superior pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano
(IESF) e possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Educação Santa Tere-
zinha (FEST). Atualmente exerce o magistério superior, como substituto, na Uni-
versidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (UEMASUL). Tem se dedi-
cado no campo da História da Educação, História da Educação Popular, sobre os
seguintes temas: quilombos, negros, instrução, práticas de leitura e escrita. Integra
o Grupo de Pesquisa: Formação Docente e Práticas de Ensino, sob a coordenação
da profa. Dra. Fernanda dos Santos Paulo.
http://lattes.cnpq.br/1114035420386099

RICARDO GAVIOLI DE OLIVEIRA


Mestre em Educação UFSCar. Especialista em Coordenação Pedagógica UFSCar.
Especialista em Gestão de Projetos - MBA USP. Graduado em Matemática - Licen-
ciatura Plena (UFSCar). Graduação em Pedagogia (Licenciatura Plena) UNINO-
VE. Tem experiência em formação inicial e continuada de professores; didática do

200
ensino da matemática e gestão escolar. Atualmente é Diretor do Curso de Pedago-
gia da UEMASUL, Campus de Açailândia, MA.
http://lattes.cnpq.br/0766515223957943

TEREZINHA CONTE PILETTI


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Comunitária da Região de
Chapecó (UNOCHAPECÓ). Mestranda em Educação (UNOESC). Tem experi-
ência na área de Pedagogia Séries Iniciais e Educação Infantil. Atualmente traba-
lha como Assistente Técnico Pedagógico. Participante do Grupo de Estudos e
Pesquisa Paulo Freire e Educação Popular, coordenado pela professora Drª Fer-
nanda dos Santos Paulo.
http://lattes.cnpq.br/1254168491025172

VANESSA PESCADOR
Mestranda pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Possui
graduação em Educação Física pela Universidade do Oeste de Santa Catarina
(UNOESC). Especialização em Educação Física pela Faculdade de Ciências Sociais
Aplicadas (FACISA). Atualmente é professora da Oficina de Danças Urbanas na
Escola de Artes de Chapecó da Fundação de Cultura de Chapecó-SC (2016 a
2021). Possui experiência como professora de Educação Física desenvolvendo
atividades de dança em escolas e em espaços não escolares. Participa de Mostras e
Festivais de dança como coreógrafa e jurada. Participante do Grupo de Estudos e
Pesquisa Paulo Freire e Educação Popular, coordenado pela profa. Dra. Fernanda
dos Santos Paulo. Tem experiência na área de Danças Urbanas, Dança-Educação e
Educação Física.
http://lattes.cnpq.br/1262711785867331

VANESSA RODRIGUES PORCIUNCULA


Licenciada em Ciências Sociais (UFRGS), doutoranda e mestra em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Gran-
de do Sul. Com Bacharel em Produção Audiovisual - Cinema e Vídeo (PUCRS).
Coordenadora Regional da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais
(ABECS-RS). Tem se dedicado aos estudos: Pré-Universitários Populares, Educa-
ção Popular e Movimentos Sociais.
http://lattes.cnpq.br/9440427028881775

201
Editora Livrologia
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Título Paulo Freire em diferentes contextos:


diálogos educativos para o esperançar
Organização Fernanda dos Santos Paulo
Ricardo Costa de Sousa
Coleção Paulo Freire
Assistente Editorial Ivanio Dickmann
Assistente Comercial Julie Luiza Carboni
Bibliotecária Karina Ramos
Projeto Gráfico Ivo Dickmann, Ivanio Dickmann
Capa Ivanio Dickmann
Diagramação Ivo Dickmann
Preparação dos Originais Fernanda dos Santos Paulo
Ricardo Costa de Sousa
Revisão Ivo Dickmann
Formato 16 cm x 23 cm
Tipologia Goudy Old Style, entre 8 e 20 pontos
Papel Capa: Supremo 280 g/m2
Miolo: Pólen Soft 80 g/m2
Número de Páginas 204
Publicação 2021
Impressão e Acabamento META – Cotia – SP

202
Queridos leitores e queridas leitoras:

Esperamos que esse livro tenha sido útil para você


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