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MONTE DE SÃO BARTOLOMEU (ou de SÃO BRÁS)

HISTÓRIA e LENDA

Frei Romano e a
imagem de Nª Sra. da Nazaré

Rui Remígio

Dezembro 2010

Monte de São Bartolomeu – História e Lenda

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 3

2. A PEDERNEIRA .................................................................................................... 4

3. AS FESTAS DE SÃO BRÁS ..................................................................................... 9

4. O MONTE NA BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 11

Bibliografia ................................................................................................................. 20

Monte de São Bartolomeu – História e Lenda

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MONTE DE SÃO BARTOLOMEU (ou de SÃO BRÁS)

HISTÓRIA e LENDA

1. INTRODUÇÃO

O Monte São Bartolomeu uma original elevação de proveniência magmática que desponta do
meio de uma paisagem dunar coberta pelo pinhal de Leiria, considerado, por isso, uma “ilha” de
flora mediterrânica endémica, que se destaca do pinheiro-bravo, dominante na região.

Dispõe-se a sul do lugar da Pederneira e a norte da vila de Valado dos Frades integrado numa
área próxima à antiga margem norte da extinta Lagoa da Pederneira.

É a demarcação dos marítimos, que o avistam a mais de 35 quilómetros de distância. O seu


interesse histórico, religioso e natural é evidente. Achados arqueológicos vieram corroborar a
ocupação castreja pré-romana deste cerro, outrora conhecido como Monte Seano.

O seu vínculo à Lenda de Nª Sra. da Nazaré é reconhecido na dupla nomenclatura (São Brás e
São Bartolomeu), decorrente das relíquias destes Santos que, segundo a mesma Lenda terão sido
trazidas por D. Rodrigo e por Frei Romano.

No cume, a 156 metros de altitude, alcançável por escadas, a grandiosidade da paisagem


maravilha e fascina. Neste cume encontra-se uma diminuta ermida, local de uma secular peregrinação
a São Brás, realizada, anualmente, a 3 de Fevereiro, festividade profano-religiosa, que marca o
princípio dos Festejos de Carnaval.

O Monte merece uma visita atenta, pois o interesse da flora local, o valor paisagístico e
a originalidade geológica valeram-lhe, em 1979, o estatuto de “Sítio Classificado”. A vegetação é
sortida, testemunho de antigas associações florísticas ricas em elementos mediterrânicos. As duas
encostas do Monte são bem distintas e os 32 hectares que constituem a área então classificada
oferecem a inesperada diversidade de cerca de 150 tipos de plantas vasculares (dos quais 15 são
endemismos ibéricos). Entre as espécies vegetais predominantes encontram-se o carrasco, o
medronheiro e o aderno. Na avifauna pode admirar-se o Peneireiro1 e a Águia de Asa Redonda.

1
Não identificado nas observações efectuadas recentemente conforme Anexo 3.7
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2. A PEDERNEIRA

As primeiras indicações bibliográficas que dão conta da existência do povoado denominado


de Pederneira remontam ao século VIII, mais propriamente ao ano 714, em que se sabe que em 22 de
Novembro D. Rodrigo, Rei dos Godos, e Frei Romano chegavam ao Monte Seano, actualmente,
denominado de Monte de São Bartolomeu, muito perto do povoado da Pederneira.

Ainda que esta fonte seja pouco verosímil, a verdade é que com a narração do milagre de
Nossa Senhora da Nazaré, elaborado por Frei Bernardo Brito no início do século XVII, é relatada a
existência deste povoado, aquando da chegada destes ao dito Monte.

É desconhecida a datação da formação deste povoado, contudo sabe-se que D. Afonso


Henriques em 1141 concedeu aos Monges Bernardos os terrenos em que se situava o povoado da
Pederneira, agregando-o aos Coutos de Alcobaça e aos Monges que o dinamizavam.

Os primeiros relatos que dão existência desta vila são datados de 1190 e, em 1195, sabe-se
que já era Paróquia dos Coutos de Alcobaça. Assim, pensa-se que o povoado já existiria antes da
chegada dos Monges de Cister a estas terras, contudo e apenas com a chegada destes o povoado
desenvolveu-se de uma forma mais célere.

Situada nas margens da Lagoa da Pederneira, a Pederneira começou a desenvolver actividades


relacionadas com a pesca e com a agricultura. Deste modo, ao contrário do cenário actual, a
Pederneira era virada para a Lagoa, pois era este o principal motor de desenvolvimento económico e
social do povoado e da região.

Sabe-se que devido às condições do seu porto, a Pederneira foi um concelho muito
venturoso, em que os habitantes se dedicavam à pesca à linha e à construção naval. O seu título
parece ter origem, segundo uns, nas muitas pederneiras que nesses lugares se encontravam. Outros,
asseguram, porém, que um grande marco de pederneira, encontrado pelos primeiros edificadores, aí
haviam e o qual ainda hoje ali existe, no local do antigo Rossio2, fora a causa do nome da vila.

É sabido que em 1283 Frei Estêvão emitiu o primeiro Foral da Pederneira e que treze anos
depois, na data de 9 de Novembro de 1296, são anexadas as freguesias da Serra da Pescaria, da Granja
e do Valado à vila da Pederneira, por ordem de D. João Martins Soalhães, Bispo de Lisboa.

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Hoje denominada de Praça Bastião Fernandes

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Há quem anuncie que a Pederneira foi alicerçada pelos moradores pelo porto de Paredes,
quando no século XV este porto foi incapacitado por assoreamento pelas areias oceânicas. No entanto,
a opinião mais digna de crédito é a de que, aos pescadores da Pederneira, se vieram agregar os
pescadores do porto das Paredes no século XVI. Os cronistas cistercienses ajuízam que a Pederneira já
existia no ano de 1190. Consta, também, que desde o reinado de D. Dinis, os pescadores da Pederneira
iam vender os réditos da sua pesca aos portos de Faro, Tavira e outras povoações algarvias,
sujeitando-se aos ultrajes a que estavam sujeitos por parte dos moradores do Algarve.

Graças à situação geográfica com que a pródiga Natureza a tinha dotado, a Pederneira foi
engrandecendo como aglomerado populacional, principalmente, devido ao seu porto marítimo e ao
seu estaleiro naval.

Nos testemunhos medievais escritos e nas antigas cartas de marear figurou nos séculos XIV e
XV como o golfo da Pederneira (Seno Petronero).

Nos séculos XV e XVI distinguira-se como um centro de construção naval, fornecendo


unidades ao serviço do Estado e das organizações particulares. O seu porto interior, como foi acima
anunciado, entre a serra da Pederneira e a serra do Casal Mota, servia não apenas Pederneira mas
ainda Maiorga, Cós, Alfeizerão e Fervença, hoje terras do interior. O trânsito entre as duas serras fazia-
se por embarcações de transporte de passageiros e produtos regionais, obrigatoriamente, passando
pelo sítio da Barca (presentemente, através da ponte que liga a estrada da foz do rio Alcoa a
São Martinho do Porto). Todos os portos do interior como Alfeizerão, Cós, Fervença, Maiorga e
Pederneira prestavam vassalagem aos Coutos de Alcobaça, desde longos séculos.

No século XVIII, os municípios, constituídos por comunidades de contíguos estabelecidos


num determinado território, desfrutavam de personalidade jurídica e emancipação administrativa e
judicial variável consoante os casos. Os símbolos mais relevantes da sua jurisdição eram o Foral, o
Pelourinho, a Casa da Câmara e as Posturas.

Recorde-se que o sistema político existente tinha em conta a improficiência da Realeza em


executar local e regionalmente o poder, com grande eficiência. Por esse motivo, a Coroa investia a sua
representação em oficiais régios, senhores donatários e concelhos, dando-lhes considerável
autonomia. Sustentava, contudo, alguns exclusivos, como o do exercício da Justiça de Primeira
Instância.

A existência do Município da Pederneira é já ratificada pelo Foral Manuelino de 1514, que o


submete ao poder senhorial da Abadia de Alcobaça. O poder concelhio era ali praticado, em primeiro
lugar, por dois juízes ordinários, que julgavam, em primeira instância, as causas do cível e do crime.
Uma parte deles não fruía de grande formação jurídica. Eram ainda juízes dos órfãos e dos direitos
reais. Na Pederneira, competia-lhes apresentar o escrivão das sisas.

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Tal como a vereação da vila e os detentores dos ofícios camarários (escrivães, almotacés,
capitães de ordenanças, etc) os juízes deveriam ser “homens nobres e honrados” e pertencer à elite
local. Como esta não era muito extensa, os responsáveis municipais constituíam uma oligarquia local,
ajustando formas de se perpetuarem nos cargos, exercendo-os mais de uma vez, revezando os seus
postos (ora juízes, oras vereadores, ora escrivães, etc.) ou ainda, arranjando forma de acomodar nos
ofícios os seus apaniguados.

Se tivermos ainda em conta que desempenhavam importantes cargos nas confrarias e


Misericórdia locais, apercebemo-nos da sua autêntica importância social. Embora não se tenha ainda
realizado nenhum ensaio aprofundado sobre o caso da Pederneira, todos os dados conhecidos não
denegam, antes pelo contrário, as afirmações de perpetuação da elite local no poder concelhio.

Referência a Pederneira num Mapa da Estremadura datado do século XVIII

Aliás, os moldes de eleição para os cargos e ofícios municipais propiciavam esse facto. Os
juízes e vereadores apuravam, depois de aclamados pelo desembargo régio, os nomes que pretendiam
para cada cargo e ofício, dentro de uma lista, previamente, preparada.

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A ratificação dos eleitos competia ao abade de Alcobaça, senhor donatário da vila, que
algumas vezes tentava aliciar os resultados da escolha, como sucedeu em 1773.

No tempo de D. João I, a importância da Pederneira cresce dia-a-dia, não só como centro de


pesca, mas também como estaleiro cada vez mais activo de construtores navais, calafates,
estrinqueiros, breadores e remolares.

A Pederneira foi assim, um dos mais insignes portos de pesca, e um dos mais dinâmicos
estaleiros navais, depois da Ribeira das Naus. Os reis entregavam a construção de muitas naus e
caravelas aos seus estaleiros e entre os seus pescadores recrutaram-se muitos dos bravios marinheiros
que levaram o nome de Portugal à costa africana, aos palmares da Índia, entre outros.

Por esse motivo o rei D. Manuel teria desimpedido a extracção de madeira da mata do
Valado que pertencia à Ordem de São Bernardo, aos pescadores da Pederneira. O Foral que o rei D.
Manuel concedeu em 1514 a esta vila, deliberava a isenção do pagamento da dízima do pescado
apanhado à linha, nos dois primeiros anos em que os rapazes desempenhassem a profissão de
pescadores e ainda a isenção do pagamento ao Mosteiro de Alcobaça, da oitava parte de todo o pão e
vinho das suas herdades e suas vinhas.

Foi com o advento dos pescadores vindos de Paredes que a pesca tomou grande incremento
na Pederneira. Esta exercia-se, principalmente, na Lagoa, pois o mar não era muito acessível e não
ofertava condições como porto de embarque. A pesca na enseada da Nazaré vem assim desde épocas
remotas.

Quanto ao porto de Paredes, diz a História que lhe foi dado Foral em 1282 por D. Dinis. Este
porto progrediu muito até primórdios do século XVI, mas então com a invasão das areias marítimas,
acabou por ser, totalmente, abandonado, ficando aí por única memória a capela de Nossa Senhora da
Vitória, a Casa do Ermitão e um moinho.

Este era um povoado com seiscentos fogos habitacionais até à ocorrência deste fenómeno
natural. Com a sua fundação D. Dinis teve em vista defender este sítio da costa, das invasões dos
corsários africanos e granadinos, pois havia aqui um porto que as areias também obstruíram,
acomodado para a pesca e para o comércio.

O primeiro Foral dado por D. Dinis era uma Carta de Povoação para trinta moradores que
eram sujeitos a ter seis caravelas, pelo menos, preparadas para a pescaria.

Por mais de dois séculos, foi um porto bastante relevante, porém os ventos fortíssimos
nessas paragens foram arremessando com tanta força as areias sobre a povoação e o porto, que tudo
ficou arrasado.

3
A exposição apresentada trata alguns aspectos da vida municipal Pederneirense do final do século XVIII. Inclui-se
em História Corográfica da Comarca de Alcobaça, do cronista alcobacense Frei Manuel de Figueiredo.

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No século XV e nos primeiros tempos do século XVI os estaleiros da Pederneira ganharam um
incremento tal na construção de naus e caravelas que havia quem as tomasse entre as melhores que
sulcavam os mares.

No tempo de D. Manuel as águas interiores ainda permitiam embarcações de três mastros e


no tempo de D. Afonso V ainda o porto podia admitir iates e outros barcos. A decadência da
Pederneira, que começou nos fins do século XVI, acentuou-se, porém, nos princípios do século XVII,
contribuindo para a mesma a perseguição que os piratas, principalmente, holandeses faziam aos
navios que vinham para o reino carregados de pimenta e outras especiarias e de ricas e variadas
mercadorias asiáticas.

As investidas destes povos em todo o litoral do país eram de tal maneira que chegavam
mesmo a cativar no mar os pescadores, ficando com as suas embarcações e aparelhagem de pesca, e
chegando a acometer os próprios burgos da costa, como a Pederneira, Salir, Peniche e outras,
extorquindo das incautas habitações dos pescadores desde o dinheiro até às insignificantes e
desvaliosas peças do seu vestuário.

A decadência do velho burgo da Pederneira principiou a corresponder a um maior


incremento da vizinha povoação da Praia, cujas edificações ampliaram, consideravelmente, em fins do
século XVIII, muitas das quais erigidas à custa dos materiais das desprotegidas casas da Pederneira. As
estruturas marítimas ficaram entretanto circunscritas ao fabrico de barcos, batéis e batelinhos,
embarcações feitas de madeira de pinho com as quilhas de sobro.

A Pederneira, distante do mar por regressão e assoreamento, entrou em decadência a partir


do século XVII. A Pederneira, actualmente, é um povoado sossegado, com dois belos mirantes e velhas
pedras evocadoras do passado.

Bastião Fernandes, um dos seus filhos ilustres, era marinheiro da rota das Índias. Por tal
fundamento deu o nome à Praça onde se encontra o Pelourinho octogonal, frente ao edifício em que
se encontra a Casa da Câmara, onde operavam os Paços do Concelho até à extinção, em 1855, do
mesmo.

Este povoado ao longo dos anos teve alguns registos demográficos que dão uma ideia do
desenvolvimento do aglomerado e do concelho que geriu durante séculos.

Assim sabe-se que em 9 de Setembro de 1527 a Pederneira teria 176 habitantes, sendo sete
destes, habitantes clérigos de profissão. Em 1600 tem-se conhecimento que este povoado tinha 300
fogos habitacionais e que cerca de cento e cinquenta anos depois, em 1758, a Pederneira tinha 171
fogos habitacionais e 465 habitantes e que já em 1821 era um concelho com duas freguesias com 2450
habitantes que habitavam 643 fogos habitacionais e que vinte e um anos depois, em 1842, tinha 73
fogos, sendo sede de um concelho com um número total de 884 fogos, sendo 549 da freguesia de
Nossa Senhora das Areias, 117 da freguesia do Valado e 218 da freguesia de Famalicão.

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É um povoado que se eclipsa com a extinção da Monarquia em Portugal. Até inícios do século
XX a Pederneira, ainda que em perda populacional, continua a ostentar um estatuto que talvez já não
justificasse. Com a perda do estatuto de sede de Concelho este povoado não conseguiu mais adiar o
inadiável. Até aos dias de hoje perdeu importância económica, política e social para os agora
dominantes povoados do Concelho: o Sítio e a Praia da Nazaré.

3. AS FESTAS DE SÃO BRÁS

Este Monumento apesar de ter o nome, já atrás referido, Monte São Bartolomeu é, também,
usualmente, denominado pelos habitantes do concelho da Nazaré, como Monte São Brás.

Este facto deve-se a uma antiquíssima tradição deste povoado em realçar o dia de São Brás
anualmente comemorando-se as respectivas Festas, no lado poente deste monte, no dia 3 de
Fevereiro.

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No dia de São Brás, largos milhares de pessoas povoam o Monte de São Bartolomeu para, a
pretexto da ancestral romaria à capela situada no topo da elevação, celebrarem uma das mais
carismáticas festas populares da região. Entre fogueiras ateadas, piqueniques fartos e música ao vivo,
assegurada por músicos locais, dança-se e dá-se início à folia, que só terminará na quarta-feira de
cinzas.

Estes festejos possuem uma mescla de paganismo e catolicismo. Se por um lado exaltam um
fenómeno antigo, que se expressa na Lenda de Nossa Senhora da Nazaré, que é o facto de São Brás e
São Bartolomeu terem sido trazidas por um Monge de seu nome Ciríaco, que se fazia acompanhar pelo
Rei visigodo, D. Rodrigo, após a invasão árabe da península e a capitulação cristã no sul do território
visigótico, junto às margens do rio Guadalete.

O segundo factor, de cariz pagão, este talvez de antiguidade ainda mais remota, que coincide
com o início do Carnaval. Muitas são as teorias e opiniões sobre a origem do Carnaval. Mas numa ideia
todas elas convergem: a transgressão, o corpo, o prazer, a carne, a festa, a dança, a música, a arte, a
celebração, a inversão de papéis, as cores e a alegria, fazem parte da matriz genética de uma das
manifestações populares mais belas do Mundo. Provavelmente, terá tido origem no Antigo Egipto, ou
mesmo muito antes. Frequentemente, foi alvo da repressão de quem não tolerava a subversão de um
mundo virado do avesso.

A opinião de autores e historiadores sobre o Carnaval não é unânime tanto em relação à data
do seu surgimento como em relação à origem da própria palavra «Carnaval».

Originariamente os cristãos começavam as comemorações do Carnaval a 25 de Dezembro,


compreendendo os festejos do Natal, do Ano Novo e de Reis, onde predominavam os jogos e os
disfarces.

O Carnaval Cristão passa a existir quando a Igreja Católica oficializa a festa, em 590 d.C.
Antes, a instituição condenava a festa pelo seu carácter "pecaminoso". A civilização judaico-cristã
fundamenta-se na abstinência, na culpa, no pecado, no castigo, na penitência e na redenção,
renegando e condenando o Carnaval. No entanto, as autoridades eclesiásticas da época viram-se num
beco sem saída dada a força e espontaneidade das celebrações. Foi então que houve a imposição de
cerimónias oficiais «sérias» para conter a «libertinagem». Mas esse tipo de festa batia de frente com a
principal característica do Carnaval: o riso, a brincadeira...

É só em 1545, no Concílio de Trento, que o Carnaval é reconhecido como uma manifestação


popular de rua. Em 1582, o Papa Gregório XIII transforma o Calendário Juliano em Gregoriano e
estabelece as datas do Carnaval.

A Igreja Católica, que considerava tais festejos mundanos, determinou que a folia deveria ser
realizada dias antes do início da Quaresma - período de jejum e abstinência que antecede a Páscoa,
momento em que cristãos comemoram a ressurreição de Cristo, a vitória da vida sobre a morte. O
Carnaval, que nunca foi bem visto pela Igreja Católica, ganharia, ao menos na teoria, algum significado.

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"Por ser de origem pagã e obscena, a Igreja decidiu adoptar essas festas, transformando-as
em libertárias na tentativa de domesticá-las. A solução foi determinar que todas as festas do género
realizadas na época (século XV) fossem promovidas na véspera do início da Quaresma, como uma
espécie de compensação para a abstinência que antecede a Páscoa".

Daí que talvez este tipo de festividade, a partir de determinado momento, poderá ter sido
apenso ao vínculo eclesiástico, e ao longo dos anos fazer desta festividade um pretexto religioso.

4. O MONTE NA BIBLIOGRAFIA

O legado bibliográfico que, ao longo de séculos, abordou o Monte São Bartolomeu, quer por
razões históricas, culturais, religiosas, políticas e até sociais foi absolutamente vastíssimo. De seguida,
far-se-á uma análise descritiva das mais importantes obras que, por uma razão ou outra, abordaram o
Monte São Bartolomeu.

A primeira obra em análise é a Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da


Nazareth, da autoria de Manuel de Brito Alão. Esta foi editada, pela primeira vez, em 1628 na oficina
do impressor d’el-Rei, Pedro Crasbeeck, em Lisboa. Este volume enquadra-se na literatura que, na
época, promovia o estímulo de devoções e peregrinações marianas, em Portugal.

Esta obra teve grande relevo no reino de Portugal mas também no Brasil, relevo este que se
deveu o interesse massificado nas questões religiosas.

Os excertos, a seguir transcritos, fazem referência à importância do Monte São Bartolomeu,


situado junto à actual vila da Nazaré, na História local que tem sido divulgada ao longo de séculos. Este
excerto é referente ao Capítulo III desta obra em que é feita uma descrição da chegada de el-Rei D.
Rodrigo, Rei dos Godos, que se fazia acompanhar por um monge, de seu nome Romano, aquando da
massificada invasão muçulmana datada do século VIII, ao Monte Seano:

[…] “e vendo que se queria ir para lugar mais remoto da comunicação da gente em que
fizesse penitência, sem enemigos, nem amigos terem notícia de sua pessoa, lhe pediu o
monge o quizesse levar consigo para amos salvarem uma venerável Imagem da Virgem
Maria Senhora Nossa, que naquele mosteiro tinha florescido com muitos milagres, e viera de
Nazaré em tempo que os hereges se tinham levantado no Oriente contra o culto das imagens,
e juntamente salvariam umas relíquias do Apóstolos São Batolameu e São Brás, que tinha
guardadas em um cofre de marfim; e que lhe pediu o monge, e tomando em seus braços esta
devota imagem e o monge Romano a caixa das relíquias de São Bartolameu e São Brás, com
algum provimento para o caminho, se apartaram de Castela, metendo-se pelo meio de
Portugal, levando o rosto ao Ponente, buscando a costa do mar Oceano, por ser terra mais

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solitária naqueles tempos, onde lhes parecia que os mouros não chegariam tão depressa.
Vinte e dous dias caminharam, os mais deles sem entrarem em povoado, e depois de
passarem muitos trabalhos e subir montes e passar rios, tiveram vista do mar Oceano, a vinte
e dous de Novembro, com que receberam grande consolação e alívio, dando graças ao
Senhor por se vêem livres de seus enemigos. O lugar primeiro a que chegaram é agora a vila
da Pederneira, que está ao pé deste Sítio, junto da qual se vê no meio de uns areais um
monte de áspero rochedo, que vereis tão apinhoado, alto e bem proporcionado, que se vos
virdes nele, vos parecerá milagroso, entre estendidos areais que de todas as partes, sem
altura, nem rochedo, mostre ter dependência; e como sua compostura leve os olhos de
quem o vê, subio el-Rei4e o monge, desejosos de chegarem ao alto dele, por ver se era
acomodado à sua contemplação, para passarem ali a vida, e subidos a todo cima, acharam
uma ermida com um devoto crucifixo, sem algum sinal de gente viva, mais que uma sepultura
rasa sem letreiro. Do sítio do lugar, que tem uma altura notável, se descobre do mar e terra
tudo o que os olhos podem alcançar; e a não esperada e repentina vista do crucifixo causou
no ânimo d’el-Rei tantas lágrimas e devação que abraçado com o pé da cruz rompeu em
exclamações, vendo que se lhe oferecia o mesmo Jesu por companhia, e dando-lhe muitas
graças e louvores, determinou de passar o que lhe restasse da vida naquele lugar, e assi o
declarou ao monge que por ver o sito acomodado à contemplação, aprovou o parecer d’el-Rei
e se deixou estar com ele alguns dias, nos quais alcançou os inconvenientes que havia para
assistir no alto do monte, donde era mui trabalhoso descer a água e mantimentos para sua
sustentação, e juntamente que a vontade d’el-Rei era estar só e desabafar com lágrimas e
exclamações a dor de seu sentimento diante daquele do monte meia légua, onde então tudo
eram brenhas e matos intratáveis; […]” (pág 49 e 50)

Um outro capítulo desta obra faz uma extensa referência ao Monte São Bartolomeu. Este
Capítulo é o XXVIII e são referidas informações repetidas, contudo existem informações
complementares importantes para a decifração da descrição deste Monte. É feita uma descrição física
do mesmo, descreve-se o Património edificado existente na época, os mitos e lendas que lhe estavam
e estão associados e a importância deste para os habitantes da vila Pederneira:

“Capítulo XXVIII – Do Monte de São Bartolameu e particularidades suas e de como chegou a ele
El-Rei D. Rodrigo e o monge Romano com a Santa Imagem da Senhora

[…] Este é o lugar e monte onde primeiro veio ter el-Rei D. Rodrigo e monge Romano com as
relíquias e a Santa Imagem de Nossa Senhora de Nazaré; e assi como vos parecerá
extraordinário, por ter tão perlongados areais por visinhos, sem correspondência de pedra
nem de outro monte algum, e este tão alto e apinhoado que se não sobe a ele em alguns
passos senão com as mãos pelo chão, também vos parecerá misterioso nas boninas, ervas e
árvores agrestes que tem; e sobidos acima com assaz trabalho, por ser o caminho mui
íngreme, descobriram com os olhos tudo o que a vista pode alcançar de mar e terra, e
entrando para dentro, feita oração, disse o Sacerdote: Esta é a ermida onde el-Rei e o

4
Referência a el-Rei D. Rodrigo
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companheiro acharam o crucifixo e a sepultura sem letreiro, nem lembrança de que fosse, e
onde assistiu fazendo penitência passante de um ano el-Rei D. Rodrigo, até o tempo que
morreu o monge Romano, que ele enterrou, e se foi como está dito. E saindo-se todos três da
ermida, que está na melhor forma que o rochedo áspero do monte consente, deram logo em
umas paredes levantadas, junto às quais estão figueiras, goivos e erva-cidreira. Estas casas,
tornou o Sacerdote, tentou fazer um ermitão que aqui assistiu muitos anos, com esmolas que
adquiriu, porém, faltou-lhe a vida pêra as acabar; e os que lhes socederam foram menos
curiosos e contemplativos, porque nenhum viveu neste monte, temendo os incómodos e
aspereza dele, sendo o principal respeito a falta de água. A esta ermida vem em procissão o
povo da vila da Pederneira. A romagem que vem visitar esta Senhora de Nazaré, sabendo que
este foi o primeiro lugar aonde ela veio ter e esteve por algum tempo, vem muita parte dela
aqui em romaria. E indo por diante lhe foi mostrar o Sacerdote as pegadas que estão
assinaladas em uma pedra grande, feita pela natureza, a modo de uma lagem ou cama mui
grande e comprida, dizendo: Sobre estas pegadas, que umas são e parecem humanas, e
outras em diferente forma, há uma tradição e voz popular, sem se saber a certeza, que
afirma serem do Apóstolo São Bartolameu e do Diabo, que ali foi vencido e suas iluzões
desbaratadas pelo Santo, socorrendo a um devoto que chamou por ele na força de sua
tribulação, que devia de ser el-Rei D. Rodrigo, posto que a gente de agora o não alcance, a
quem o Santo vezivelmente deu favor e quis, parece para lembrança deste benefício e d poder
que Deus lhe deu sobre os espíritus malignos, ficassem aqueles sinais impressos na pedra
dura, e sendo o nome antigo deste monte, Oceano, lhe ficasse de São Bartolameu, como hoje
se chama, e a ermida que permaneceu no alto dele é da mesma invocação do Santo e de São
Brás, o que devia de nascer das relíquias destes dous santos que o monge Romano trouxe
consigo e as deixou a el-Rei para sua consolação. E indo mais adiante, lhe mostrou um
penedo grande alevantado mais que os outros, acompanhado de árvores agrestes, aonde lhe
disse fazia seu ninho uma águia, e com a muita caça que trazia pêra os filhos se sustentava o
irmitão, que nesse tempo aqui assistia; e os pescadores da vila da Pederneira, pêra fazerem
suas pescarias prósperas e fora de perigo de se romperem suas redes, as deitam em nome
deste santo, e tomam no mar este seu monte por baliza e sinal para as lançarem e
arrastarem na praia, livres de penedos que estão nesta enseada e de âncoras que se perdem
nelas, de navios, que a tempestade repentina obriga deixarem. E fazendo ramalhetes de
bonitas que o monte cria, feita outra vez oração, deceram pelo mesmo caminho, e
atravesando pelos areais, entraram na vila da Pederneira e na Igreja Matris dela, que o
Sacerdote lhe quis mostrar, por ser das fermosas que há por aquelas parte, e feita oração ao
Santíssimo Sacramento, se saíram, e a poucos passos entraram nas casas do Capitão, que
estão junto à igreja, o qual os festejou com muitos mimos e fruita da sua quinta. […]” (pág.
120, 121, 122).

Também, neste documento, se encontra presente um Mapa da área envolvente ao Santuário


de Nossa Senhora da Nazareth que regista a geografia existente por volta do segundo quartel do
século XVII. Como é, facilmente, observável encontra-se entre a Pederneira e o Valado uma referência
ao Monte SÃO Bartolomeu.
Assim, conclui-se que nesta época esta elevação seria de extrema importância geográfica
devido a factores de defesa territorial, através de um sistema defensivo, constituído por fortificações
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que existiam ao longo das margens da extensa Lagoa, então existente e, também, como “farol” para as
embarcações que no interior desta Lagoa e fora dela navegavam.

Mapa da Área Envolvente do Santuário de Nossa Senhora da Nazareth

De seguida irá ser feita a análise descritiva daquele fundo bibliográfico que é um dos mais
importantes existentes, senão o mais importante, relativos à História dos povoados que formariam,
em pleno século XX, o novo povoado da Nazaré. O seu nome é Memórias da Real Casa de Nossa
Senhora da Nazareth e foi elaborada, ao longo de anos, por um capelão do santuário pertencente à
Real Casa de Nossa Senhora da Nazareth, de seu nome José de Almeida Salazar, como tributo a Nossa
Senhora da Nazaré e como oferenda pessoal aos devotos de um culto com mais de cinco séculos. A
datação desta obra é de 1841, em pleno século XIX.

Faz a descrição do nascimento do culto enquadrando o mesmo com a evolução histórica de


Pederneira, Sítio e Praia. Apoia-se, bibliograficamente, falando em cronistas do Reino, entre eles
Manuel de Brito Alão e a sua obra, anteriormente, analisada.

Tal é a avultada informação recolhida e transposta para este documento que Almeida Salazar
se viu obrigado a criar dois volumes desta obra.

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Tal como Brito Alão, Almeida Salazar sente a necessidade de contextualizar o primeiro relato
importante relativo à região, a chegada de el-Rei D. Rodrigo ao Monte São Bartolomeu, após a fuga de
Guadalete e da ameaça moura:

“[…] Vendo-se o Rei conjurado pela Paixão de Nosso Senhor Jesus Christo, em que só tinha
consolação, e esperança do seu remedio, considerando a piedade da obra, para que o
convidava, e a boa vontade com que se offerecia para companheiro, se deixou vencer de seus
rogos. E tomando e seus braços a Pequena Imagem de N. Senhora de Nazareth, e o Eremita
Romano a caixa com as reliquias, com alguma provizão para o caminho, se meteram pelo
meio da Luzitania, levando o rasto no Occidente, a buscar a costa do mar Oceano, julgando-a
por terra, mais solicitaria naquelles tempos, menos frequentada de gente, aonde lhes pareceu
que os Mouros não chegariam tão cêdo, porque ainda tinhão muitas terras que conquistar, e
não haveria ocasião que os levasse àquellas tão desertas.

Vinte e seis dias caminharam os dous companheiros, os mais delles sem tocarem povoado, e
de pois de passarem muitos trabalhos, em atravessar serras e vadiar rios houveram avistado
mar, aos vinte e dous de Novembro, dia de Santa Cecilia. E como tivessem naquelle lugar o
fim dos seus trabalhos, tomaram algum allivio, e deram graças a Deus pelos livrar das mãos
de seus inimigos. O primeiro lugar, onde descansaram foi onde agora vemos a Villa da
Pederneira, junto da qual se levanta um monte para a parte do nascente, no meio de uns
grandes areaes. É este monte, todo um penhasco, prolongado algum tanto de norte a sul, tão
alto e proporcionado, que parece milagrosamente formado naquelle sitio, por estar de todos
os lados cercado de campos, todos cobertos, naquelle tempo, de áreas, e hoje destas, e de
pinhaes e de crer é, que a area impellida pelos continuos ventos, se tenha accumulado em
volta delle, em grande quantidade, e que em consequencia desta attendivel razão, já não
pareça tão alto sem outra altura, nem rochedo de que pareça ter dependencia.

E como a sua compostura, ornada de arvores silvestres, leve atrás de si os olhos de quem vê
aquella maquina da natureza; desejoso o Rei, e o Eremita Fr. Romano de subir ao alto delle,
por saber se achavam alli lugar, em que podessem passar a vida; acharam no mais alto delle
uma pequena Ermida, e nela um devoto crucifixo de vulto, sem outro signal de gente viva,
mais do que uma sepultura rasa sem letreiro ou epitafio.

O sitio do lugar, que é como fica dito, de uma notavel altura, de onde se descobre o mar e
uma grande parte da terra, a repentina vista do Senhor Crucificado, causou no animo do Rei
tanto abalo, e tamanha consolação, que abraçado com o pé da Cruz, se esteve desfazendo
em lagrimas, não de saudade do Reino que perdera, mas da consolação pelo thesouro que
achara, a troco delle, em aquelle deserto monte, e em companhia do mesmo Jesus
Crucificado, determinou passar o resto de sua vida. Assim o declarou ao seu companheiro,
que pelo contentar e por ver o lugar accomodado à contemplação lhe approvou aparecer e se
deixou ficar com elle alguns dias, no qual tempo encontrando alguns inconvenientes, para
poder estar na sua companhia, e pela falta de agua, que era necessario ir buscar com muito

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trabalho abaixo do monte, e algumas ervas, ou frutas do mato do que se haviam de
sustentar, e entendendo tambem, que a vontade do Rei era estar só para desabafar com
lagrimas e exclamações o seu coração, o que muitas vezes fazia diante do Senhor Crucificado,
se foi de seu consentimento a outro sitio distante do monte pouco mais de uma milha, que
ficando de uma parte igual, e com facil serventia, se deixa pela outra cahir sobre o mar com
tão ingreme quebrada, que terá de altura mais de duzentas braças a pique, desde a ponta do
rochedo até à ponta do mar, causando muito maior admiração a quem vem andando pelo
campo raso, sem descobrir desigualdade alguma quando de repente se acha suspenso em um
tão alto e extraordinario precipicio.[…] A Chronica antiga diz, que um pastor trazia ao rei
todas as semanas quatro pães de cevada, e bem pode ser discorrendo o Santo Eremita por
aquellas sollidões, lhe discubrisse Deus este pastor, para que os remediasse, se não era algum
anjo que o Senhor mandava assistir-lhe; porque a sua misericordia nunca falta com o
sustento aos que o buscam e o servem.

O nome antigo deste monte era Seano, e de pois sem duvida, por algum milagre alli obrado
pelo Santo Apostolo, ou em memoria de estarem nelle suas reliquias, se chamou de então até
hoje, monte de São Bartholomeu, e a Ermida que permanece no alto delle, é da invocação do
dito Santo e de São Brás. No fim de um anno, sendo revelado ao Santo Romano o dia da sua
morte, comunicou-a ao Rei, pedindo-lhe que em satisfação do amor, com que o
acompanhara, rogasse a Deus pela sua alma, e desse o seu corpo à sepultura, e que havendo-
se de partir da quelle lugar, deixasse nelle a Imagem da Senhora, e reliquias de modo que elle
as comporia antes de morrer. Tudo lhe deveria ser inspirado por Deus, que queria naquelle
lugar fosse venerada a Imagem de Sua Mai Santissima.”

Existe uma necessidade constante de referenciar autores e obras de referência para


fundamentar as informações em análise. Em seguida, poderemos ver um pequeno exemplo desse
fenómeno:

“[…] Como consta da Monarchia Lusitana, do mesmo Frei Bernardo de Brito, 2 p. a fols. 391, e
se acha conforme as tradições antigas, ser esta sacrosanta Imagem da Virgem de Nazareth
obrada pelas mãos de São José, na propria presença da Mai de Deus, e encarnada por São
Lucas, e que de Nazareth a trouxera Seriaco Monge a São Jeronimo a Belem, aonde o dito
Santo a enviara a Santo Agostinho a Africa, sendo Bispo de Hipponia, e dahi este Santo Bispo
a enviou ao Mosteiro Caluniano, do qual a trouxe Romano na companhia de El Rei Rodrigo,
ultimo Rei dos Godos, até à quelle monte de São Bartholomeu, té então monte Sião, onde
acharam aquelle milagroso Crucifixo, que está na Sacristia e dahi a dias para este lugar em
que ficou debaixo da terra os ditos 469 annos, em que appareceu ao tal cavalleiro D. Fuas no
dito anno de 1182.[…]”

De seguida explica a forma de como se soube da História da vinda da imagem de Nossa


Senhora para o Sítio:

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“[…] Nós com tudo, não sabiamos donde fosse, nem de que parte tivesse vindo esta Imagem:
mas succedeu que desfazendo-se o altar pelos pedreiros foi achada uma arquinha de marfim
antigo e nela um envoltorio, em que havia reliquias de alguns Santos, e um pergaminho com
esta leitura “Aqui estão reliquias de São Braz, e de São Bartholomeu Apostolo, as quaes
trouxe do Mosteiro de Caluniano, o Monge Romano, junto com a veneravel Imagem da
Virgem Maria de Nazareth, que antigamente resplandecera com muitos milagres em
Nazareth, na Galilea, e dahi fôra trazida pelo Monge Grego chamado Siriaco, reinando os Reis
Godos. Esteve no sobre dito Mosteiro por largo tempo, até que sendo Hespanha conquistada
pelos Mouros e El Rei D. Rodrigo vencido em batalha, veio ter ao sobre dito Mosteiro de
Caluniana só, desconhecido, choroso e desmaiado, recebendo ahi os sacramentos da
confissão, e Eucharistia por mão do dito Romano, se partiram ambos de companhia, e
chegaram ao monte Seano com esta Imagem e reliquias aos 22 de Novembro, no qual monte
El Rei viveu só por espaço de um anno, em certa Igreja, que ahi achou com uma Imagem de
Christo crucificado, e uma sepultura desconhecida, e Romano em companhia desta Sagrada
Imagem perseverou entre estes dous penedos até acabar a sua vida. E para que nos tempos
futuros não ignorasse alguem estas cousas, escondemos esta lembrança com as sagradas
reliquias nesta derradeira parte do mundo, Deus guarde todas estas cousas do poder dos
Mouros; Amen”.

No excerto seguinte é transcrito, da mesma obra de Frei Bernardo de Brito, Monarchia


Luzitana, uma parcela do alegado testamento emitido por D. Fuas Roupinho, após o milagre de 1182.

“[…]Lidas estas cousas e declaradas por alguns sacerdotes nos alegrámos todos muito, por
sabermos o nome da Virgem, e das Santas reliquias; e para serem tidas em perpetua
lembrança, as fizemos escrever no processo desta doação. Pelo que dou, a sobredita herdade
à Igreja assim nomeada, para sua reparação, com seus pastos e aguas do monte em fonte,
entradas e sahidas, quanto cabe na jurisdição, e poder de um homem, e na melhor lei que
cada um a pode haver para si: - para que nenhum homem de nossa, nem de estranha
geração contravenha a isto que fazemos; a qual cousa se intentar, paga ao Senhor da terra
trezentos maravedis, e a carta todavia permaneça em seu vigor. Alem disso seja
excommungado, e em companhia do falso Judas experimente as penas infernais. Foi feito o
processo deste testamento aos 10 de Dezembro da era de Cezar de 1220, que é do
nascimento de Christo de 1182.

El-Rei o confirma, a Rainha o confirma, D. Affonso Rei de Portugal, D. Tereja, Mendo Alferes
Mór confirma. D. Julianes Chançarel Mór confirma, D. João Fernandes Mordomo Mór
confirma. Martim Gonçalves Pretor em Coimbra confirma. Pedro de Mariz, Capellão de El Rei
confirma. Mendo Abbade confirma. Theotónio confirma. Fernão Nunes testemunha.
Fernando Vermundo testemunha. Luciano sacerdote o notou e fez. […]”

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Já no Capítulo 38º e no Tomo II da obra, Salazar enquanto descreve a antiguidade e
importância da vila da Pederneira, e arredores, aborda o património edificado e faz uma breve História
do Monte São Bartolomeu:

“[…] A antiguidade da Capella que está no monte de São Bartholomeu é immensa, como já
fica dito no primeiro tomo destas memorias, e talvez que seja a mais antiga Ermida dos
Coutos d’Alcobaça: está presentemente muito ampliada, e se lhe tem feito muitas, e boas
obras, e me differentes épocas foi concertada, e reedificada por conta da Collegiada desta
Villa.

À mais de 20 annos que no monte vive um Ermitão, cuja patria se ignora, e que elle occulta; o
qual com as muitas esmolas que lhe teem dado, e dão lhe mandou fazer no anno de 1828
uma grande casa de hospedaria, uma nova casinha, e da antiga tenciona fazer uma
Sacrestia. – Tem melhorado a subida do monte, e tem arroteado uma grande parte delle, de
donde colhe bastantes fructos.

No anno de 1840 morreu neste Sitio D. Joaquina, mulher do Commendador José Antonio
d’Abreu natural deste Sitio, e ambos naturalisados no Brazil, aonde tinham a sua casa:
ordenou em seu testamento da dita Capella, aonde jáz sepultada: e seu marido o dito
Commendador deu para ornato della bastantes damascos, e um sino.

Ainda hoje se conserva no dito monte a antiga gruta, a onde dizem que vivera o Rei D.
Rodrigo, e os antigos Ermitães: parte da dita gruta é obra da natureza, e a outra parte parece
ser aberta a picão; fica situada na encosta do monte para a parte do nascente, e com a porta
a poente ou sul.

Tem-se achado em differentes épocas algumas preciosidades escondidas nas brenhas deste
monte, que dizem ser do tempo dos Mouros: e parece que no fim do seculo passado uma
mulher assistente na Villa da Pederneira, andando alli cortando lenha para queimar, por
acaso achara dentro d’uma concavidade de pedras bastante ouro em barras. […]”

Nazareth, Pederneira, Sítio, Praia é uma obra datada dos finais do século XX, mais
propriamente de 1996. É já resultado de uma profunda análise bibliográfica da documentação
existente relativa à Região da Nazaré.

Relativamente, ao Monte, em análise, a fundamentação apresentada foi baseada na


documentação, anteriormente, referida e analisada. A “Antiguidade da Sagrada Imagem”, de Manuel
de Brito Alão e “Memórias da Real Casa de Nossa Senhora da Nazareth”, de José de Almeida Salazar
são, sem dúvida, as bases de sustentação da tese exposta.

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É feita a descrição da fuga de Frei Romano e El-Rei D. Rodrigo do Mosteiro de Cauliana, rumo
à costa ocidental da Península Ibérica:

[…] “Rei e frade alcançaram finalmente, a faixa costeira na zona deserta que então eram
estas terras. E porque ambos tinham fortes motivos para desejar o isolamento, o Rei se
refugiou no alto monte de São Brás e o frade no penhasco agreste do promontório. Em vastas
léguas ao redor, até onde a vista alcançava, por terra se desenvolviam matagais povoados de
animais bravios e por mar a lonjura do oceano, a perder de vista.

Nos seus refúgios, os dois fugitivos assistiam ao escoar do tempo, meditando o Rei na sua
miséria humana e nos insondáveis desígnios de Deus e o frade, nos mistérios teológicos,
cerne de sua fé.

Até que, certa noite não viu o Rei no promontório, o clarão da fogueira com que cada um
assinalava ao outro o facto de se manter vivo.

Ao outro dia, foi o Rei do monte ao promontório e ali encontrou Frei Romano morto na gruta
em que se abrigava e a Veneranda Imagem, a seu lado. Deu o Rei sepultura ao defunto e,
acautelando a Imagem no refúgio do fundo da gruta, deixou estas terras e ausentou-se para
norte, crendo-se que chegou a Viseu onde terá falecido e sido sepultado […]”.

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Bibliografia

 Santuário da Senhora da Nazaré, Apontamentos para uma cronologia

 MOREIRA, Maria da Luz e BARBOSA, Pedro Gomes, Seiva Sagrada

 REMÍGIO, Rui, O Coração da Pederneira

 CANECO, José António, Nazaré Tradição e História

 MONTEIRO, João Filipe Oliva, I Jornadas da Cultura Marítima, Nazaré, 1995

 MONTEIRO, Adriano, O Desaparecido Pelourinho Manuelino da Pederneira

 VENTURA, Raimundo, História dos Sítios e das Gentes

 COELHO, P. M. Laranjo, A Pederneira, 1924

 PINTO, A. Arala, O Pinhal do Rei, Subsídios, Vol 1 – 1938

 BROGGER, Jan, Pescadores de Pés Calçados, Livraria Susy

 GRANADA, João Godinho, Nazaré

 SALAZAR, José de Almeida, Memórias da Real Casa de Nossa Senhora da

Nazareth, Tomo I e II

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