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4 | an TUES 0) Te WLAN Wy Ca A IRSO DE S E ea CA o) erate JAMES R. HURFORD & BRENDAN HEASLEY (Tradu¢do de Delzimar da Costa Lima e Déris Cristina Gedrat) UW Editora da ULBRA 200474983) Do criginal em inglés ‘Semantics: a coursebook Publishing by the Press Syndicate ofthe University of Cambridge ‘The Pit Building, Trumpington Skeet, Cambridge CB2 1RP. 40 West 20” Street, New York, NY 10011=4211, USA 10 Stamford Read, Oakleigh, Melbourne 3188, Australia (© Cambridge University Press 1083 brary of Congress catalogue card number: 62:22005 ISBN 0.521-28040-4 paperback 1 ediggo em portugués: 2004 Diretos reservados desta edieSo: Universidade Luterana do Brasil Capa Juliane Dalf Agnol Projeto grafico e Editoragdo ‘abel Kubaski Tradutoras Delzimar da Costa Lima doutora em Linguistica Apicada pela PUCIRS e diretora do Nacleo de Avaliagdes Externas Déis Cristina Gedrat é doutora em Lin Universidade Luterana do Brasil istca Aplicada pela PUCIRS, professora « pesquisadora de graduacdo e pés-graduacdo do curso de Letras da Universidade Luterana do Brasil H9e4e Hurford, J. Curso de semantica /J. Hurford e B. Heasley; tradugdo de Delzimar da Costa Lima @ Doris Cristina Gedrat.- Canoas: Ed. ULBRA, 2004. 394 p. 1. LingUistica- seméantica. 2. Linuagem. |. Heasley, B, 1, Lira Deka Cont en). 18 Gos, ta Gren (rad), CDU 801.54 ‘Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutere - ULBRAICanoas ISBN 86.7528-119.4 Dados técnicos do tvro Fontes: Arial; GoudyoIst Papel: offset 75g (miole) © supremo 240g (capa) Medidas: 16:23em Impresséo: Grafica da ULBRA ‘Setembrof2004 Prefacio Este livro apresenta uma visdo padro e relativamente ortodoxa da se- mAntica lingitistica moderna num formato que pretende ser claro, estimulante e acessivel. Nossa énfase est em levar o aluno, em cada estgio, a pensar por si mesmo e, dessa forma, avangar no desenvolvimento de conceitos em semanti- ca com a confianga e a conviccfo produzidas pela utilizacio desses conceitos em exercicios praticos. Esperamos que o aluno, ao invés de passar rapidamente pelos exercicios, faga-os calmamente, escrevendo as respostas antes de verificd- las na segaio correspondente. Os rétulos no texto de definigées, exemplos, co- mentérios etc. deveriam auxiliar o aluno a compreender facilmente nossa ex- posigao. Os pré-testes no inicio de cada unidade devem ser levados a sério: eles constituem uma oportunidade para o aluno julgar seu préprio progresso em cada estagio. Ollivro é recomendavel para alunos de lingiifstica no inicio de seu curso de graduagao e provavelmente seré titil a alunos um pouco mais avancados, a titulo de revisiio. Acreditamos também ser possivel a alguém, estudando inde- pendentemente, aprender os elementos de semantica mediante a utilizagao deste livro. Para alunos em cursos regulares, cada unidade, ou par de unidades, pode promover uma boa base para discusséo em grupos pequenos. Os alunos deveriam completar a(s) unidade(s) primeiro, e entao a discussio pode focali- zar o desenvolvimento de aspectos interessantes e/ou probleméticos do mate- rial. Nenhum curso elementar é capaz de abordar tudo o que seus autores teriam desejado abordar. Nés fomos obrigados a omitir varios tépicos interes- santes, como ‘significado temético’ (tépico, comentario etc.), quantificagao em légica, tempo e aspecto ¢ a relagao entre sintaxe e seméntica. Esperamos que o apetite dos alunos seja suficientemente satisfeito pelos temas aqui desen- volvidos, a ponto de criar interesse por estes e por tépicos mais avangados em semantica. 5 Ezitora da ULBRA Sumario 1 Idéias basicas em semantica ... UNIDADE | - SOBRE SEMANTICA. UNIDADE 2 - SENTENGAS, ENUNCIA! UNIDADE 3 - REFERENCIA E SENTIDO .. 2 Da referéncia... oss. seissevans UNIDADE 4 - EXPRESSOES REFERENCIAIS UNIDADE 5 - PREDICADOS.... UNIDADE 6 - PREDICADOS, EXPRESSOES REFERENCIAIS. EUNIVERSO DO DISCURSO UNIDADE 7 - DEIXIS E DEFINITIVIZACAO UNIDADE 8 - PALAVRAS E COISAS: EXTENSOES E PRO’ "TIPOS ‘8 3 4. a0 sentido .....0008 UNIDADE 9 - PROPRIEDADES DE SENTIDO E ESTEREOTIPOS ... UNIDADE 10 - RELAGOES DE SENTIDO (1) Identidade e similaridade .. UNIDADE 11 - RELAGOES DE SENTIDO (2) Oposigao e diversidade de sentido ¢ ambigitidade ... UNIDADE 12 - A RESPEITO DE LOGICA . UNIDADE 13 - UMA NOTA PARA PROPOSIGOES SIMPLES UNIDADE 14- CONECTORES: E EOU UNIDADE 15 - MAIS CONECTORES 5. Significado da palavra «ss... UNIDADE 16 - SOBRE DICIONARIOS UNIDADE 17 - POSTULADOS DE SIGNIFICADO UNIDADE 18 - PROPRIEDADES DE PREDICADOS . 268 UNIDADE 19 - DERIVAGAO .... UNIDADE 20 - PAPEIS DE PARTICIPANTES ° Exdtora da ULBRA 6. Significado interpessoal UNIDADE 21 - ATOS DE FAI 314 UNIDADE 22 - PERLOCUCOES E ILOCUGOES 325 UNIDADE 23 - CONDIGOES DE FELICIDADE 338 UNIDADE 24 - ILOCUCOES DIRETAS E INDIRETAS . 348 UNIDADE 25 - PROPOSIQOES E ILOCUGOES ... UNIDADE 26 - IMPLICATURA CONVERSACIONAL 10 Edita da ULBRA 6 Significado interpessoal UNIDADE 21 ATOS DE FALA Conhecimento SENTENGAS e ENUNCIADOS (Unidade 2). Se vocé se sente Prévio familiarizado com essas nogées, faga 0 pré-teste abaixo. Pré-teste Responda as questdes seguintes. (1) Se ambos Frederico e Jaques cumprimentam-se uma manha com “Como vai vocé hoje?”, eles emitiram o mesmo enuncia- do: +. Sim / Néo (2) Quantas sentengas diferentes esto envolvidas quando Jaques e Frederico se cumprimentam da maneira descrita acima? ........+ (3) Bconcebivel darem-se o tempo, a data e o lugar exatos de um enunciado! ... .. Sim / Néo . Sim / Nao (4) Asentenga é um evento’... (5) Pode-se dizer, no caso da sentenca em portugués O homem bateu no busto de Stalin com um martelo, usada fora de contexto como um exemplo, que pessoa em particular no mundo é 0 referente de o homem?...... Sim / Nao (6) Ao produzir o enunciado “Elvis é étimo”, 0 falante estaria, normalmente, realizando um ato de teferir, ie., referir a al- guém em particular? .... . Sim / Nao Introdugdo Comentario Definigao Exemplo Comentério Definigao Exemplo ‘Acées falam mais alto do que palavras’ € um provérbio bem conhecido. Mas nés logo mostraremos nesta unidade que a dis- tingo preconizada entre atos e fala é uma simplificagéo enga- nadora. Mostraremos como, em larga escala, fala é aco, e como a linguagem pode, na verdade, ser usada para fazer coisas. Quando um falante, em circunstAncias apropriadas, produz um enunciado contendo uma expresséo referencial, ele realiza um certo ato, um ato de referir. A referéncia é tipicamente um ato lingiifstico, mas nés veremos que € possfvel realizar muitos outros tipos de atos usando a linguagem. Iniciamos com outro ato obviamente lingiiistico: afirmar, ou asseverar. Um ATO de ASSERGAO ¢ realizado quando um falante enun- cia uma sentenga declarativa (que pode ser falsa ou verdadei- ra), e assume uma certa responsabilidade, ou compromisso, com 0 ouvinte, de que um estado de coisas particular, ou situ- agio, existe no mundo. Se eu digo “Simao est4 na cozinha”, eu assevero ao meu ou- vinte que no mundo real existe uma situag&o em que uma pes- soa de nome Simao esté numa sala identificada pela expressio referencial a cozinha. Jé houve uma forte tendéncia entre semanticistas para admitir que, além desse tipo de correspondéncia entre sentengas (e enunciados) e o mundo, nao havia muito mais nos significa- dos de sentengas (e enunciados) . Essa visdo tinha sido chama- da de Falacia Descritiva. Abaixo, fornecemos uma versio sim- ples disso. A FALACIA DESCRITIVA € a visdo de que 0 nico propési- to de se fazerem assergdes é DESCREVER algum estado de coisas. De acordo com a visio da Faldcia Descritiva, meu tinico pro- pésito ao enunciar “Simao esté na cozinha” seria descrever um estado de coisas particular e nada mais. 315 Exitora da ULBRA Pratica Resposta Pratica Resposta 3) (4) (6) O propésito principal de se produzirem as assergdes a seguir seria normalmente a simples descricfo de algum estado de coi- sas existente no mundo? “Hé uma abelha em sua orelha esquerda” Sim / Nao “Alguém quebrou a barra de espago no teclado do meu com- putador” .. Sim / Nao Sim / Nao Sim / Nao .. Sim / Nao “Esta arma est carregada” “Vocé € um idiota” “Eu te amo” ... E duvidoso que 0 Gnico propésito de alguém ao fazer uma assergao possa ser o de simplesmente descrever um estado de coisas existente no mundo. Desse modo nés sugerimos que a resposta em todos os casos acima é nao. Para cada um dos cinco enunciados acima, estabelega um ou dois propésitos que o falante pode ter tido em mente ao enuncié-los. Como orientagao, nés jé fizemos o primeiro para vocé. Para advertir o ouvinte quanto ao perigo de ser mordido, ou para chocé-lo (ou ambos) (2) Para reclamar sobre o estrago, ou para desculpar-se a alguém que acaba de nos pedir o computador emprestado etc. — (3) Como um alerta durante um roubo armado, ou como um exem- plo durante uma ligdo de treinamento com armas elementar para soldados etc. — (4) Para insultar o ouvinte, ou, entre pes- 316 Editora da ULBRA Comentirio Pratica (ly (2) (3) (4) () Resposta soas fntimas, para brincar com ele, ou para impressionar alguém que esteja por perto com maneiras diretas que chamam a aten- fo etc. — (5) Para tranqitilizar o ouvinte, ou para consolé-lo, ou para fazer com que se sinta em divida, ou para agradé-lo etc. Todas essas respostas mencionam atos de um ou outro tipo. Portanto, advertir, chocar, reclamar, desculpar-se, insultar, tran- qiiilizar etc. sAo todos atos. Todos eles so coisas que FAZE- MOS usando a linguagem. Uma parte importante do significa- do de enunciados € 0 que os falantes FAZEM ao enuncié-los. Atos como brincar, insultar etc. sio aspectos do significado de enunciados e nao do significado de sentengas. Reforgamos essa conclusio abaixo. Tome uma sentenga tal como Hé um pedago de peixe sobre a mesa. Essa sentenga poderia ser enunciada como uma maneira de se reclamar a um gargon num restaurante que uma mesa nao ti- nha sido bem limpa?... Sim/Néo Ela poderia, em outra circunstancia, ser enunciada para ad- vertir 0 marido ou a esposa de alguém a nao deixar o gato entrar na cozinha? ..... .. Sim / Nao Ela poderia, ainda em outra circunstancia, ser enunciada para reassegurar o marido ou a esposa de alguém de que seu almogo niio foi esquecido? Sim / Nao Ela poderia, em uma situago diferente, ser usada para incriminar uma crianga que tinha atacado o refrigerador! ........Sim / Nao Sentengas individuais sao geralmente identificdveis com atos tini- cos € especificos que so realizados a0 enuncié-las? ... Sim / Nao (1) Sim — (2) Sim — (3) Sim - (4) Sim - (5) Nao, uma sentenga pode geralmente ser enunciada para realizar uma ampla variedade de atos diferentes, dependendo de quem a enuncia e onde, quando e por que ela é enunciada. Bi Exitora da ULBRA Comentério Pratica (1) (2) (3) (4) (5) (6) Resposta Comentario Ao contrério da crenga popular de que agies e palavras sio inteiramente distintas, muitas agdes podem, efetivamente, ser realizadas com palavras. Agora nés olharemos para algumas acGes, normalmente, mas nao sempre, envolvendo objetos hu- manos, que podem ser realizadas ou por meios fisicos, tais como um gesto, ou produzindo-se um enunciado apropriado. Vocé pode congratular alguém com uma batidinha nas costas ou um abrago? ... Sim / Nao Vocé pode congratular alguém enunciando “Muito bem”? sssssssseeseserssseens Sim | NGO Vocé pode dar um lance num leiléo acenando com a cabega? wees Sim | NGo Vocé pode dar um lance num leiléo dizendo “Cem reais”?..... ... Sim / Néo Vocé pode prometer algo a alguém com um aceno de cabe- ga? .nneSim / Nao Vocé pode prometer algo a alguém com um enunciado come- gando “Bu prometo 1? srs sannneee Simm / Néo (1) - (6) Sim. Um grande ntimero de atos, ento, pode ser realizado ou por meio de um enunciado ou por algum outro meio. Também jé vimos dois tipos bem especiais de atos que podem ser realiza- dos apenas por meio de um enunciado; esses so os atos espe- cificamente lingtifsticos de referir e asseverar. Agora gastaremos um pouco de tempo com uma disting&o in- teressante que pode ser feita neste estdgio, pois ja estabelece- mos 0 ponto basico de que enunciados assertivos nao descre- vem algum estado de coisas simplesmente, mas também reali- zam atos. Trata-se da distingaio entre enunciados (e senten- cas) performativos e enunciados (e sentengas) constativos. 318 Editora da ULBRA Definicéo Exemplo Pratica (1) (2) (5) © Um enunciado PERFORMATIVO € aquele que efetivamente descreve o ato que realiza, ie., ele REALIZA (do inglés PERFORMS) algum ato e SIMULTANEAMENTE DESCRE- VE esse ato. “Bu prometo pagar-lhe amanha’ é performativo porque, ao dizé- lo, o falante efetivamente faz o que o enunciado descreve, i.e., ele promete pagar ao ouvinte no dia seguinte. Em outras pala- vras, o enunciado descreve e é uma promessa. Diferentemente, o enunciado “Joao prometeu pagar-me ama- nha”, embora descreva uma promessa, nao é ele mesmo uma promessa. Assim, esse enunciado nfo faz simultaneamente 0 que ele descreve, nao sendo, portanto, um performativo. Se eu Ihe digo “Bu o advirto a ndo chegar mais perto”, estou, a0 dizé-lo, efetivamente realizands 0 ato de adverti-lo a néo chegar mais perto? ... Sim | Nao Oecnunciado “Eu o advirto a nao chegar mais perto” descreve um ato de advertir realizado pelo falante? .. Sim / Nao O enunciado “Eu o advirto a néo chegar mais perto” € um enunciado performativo? ... Sim / Naéo Se Samuel diz a Raquel “Eu admito ter tirado 50 reais da mé- quina de refrigerantes” ele, ao dizé-lo, efetivamente realiza 0 ato de admitir ter tirado 0 dinheiro? .. Sim / Nao Eo enunciado de Samuel descreve um ato de admiss&o? .... ... Sim / Naéo “Eu admito ter tirado 50 reais da maquina de refrigerantes” é performativo? . ... Sim / Nao Se alguém diz “Eu estou tentando abrir esta caixa com uma chave de fenda”, esse enunciado constitui um ato de tentar abrir uma caixa com uma chave de fenda? .. Sim / Nao “Bu estou tentando abrir esta caixa com uma chave de fenda” € performative? . ... Sim / Nao 319 Eudora da ULBRA Resposta Comentério Definigao Exemplo Pratica (a) (2) (G) (4) (5) © Resposta Comentario (1) Sim — (2) Sim — (3) Sim — (4) Sim — (5) Sim — (6) Sim — (7) Nao, embora descreva um ato desse tipo. — (8) Nao Aos enunciados performativos opdem-se os enunciados constativos. Estes podem ser definidos de forma bem simples. Um enunciado CONSTATIVO € aquele que faz uma ASSERCAO (ice, ele é, em geral, o enunciado de uma sen- tenga declarativa) mas NAO é performativo. “Eu estou tentando abrir esta caixa com uma chave de fenda” €um enunciado constativo, porque faz uma assergéo sobre um. estado de coisas particular, mas no € performativo, i.e., o enun- ciado nao faz e descreve simultaneamente o mesmo ato. Os seguintes enunciados sdo performativos (P) ou constativos (CO? “Eu nomeio este navio Hibérnia “Eu acredito na ditadura do proletariado”... “Eu admito ter sido apressado” .... “Bu acho que estava errado”.... “Bu, com isto, informo que vocé esté preso” “Bu The dou janta todas as noites” (1) P (ato de nomear) — (2) C (apenas descreve crenga) — (3) P (ato de admissiio) — (4) C (apenas descreve estado mental) — (5) P (ato de informar) — (6) C (apenas descreve um estado de coisas) Vocé teré notado que muitos enunciados performativos con- tém o pronome de primeira pessoa “Eu”, seguido por um certo tipo de verbo no tempo presente. Ex. “Eu prometo ...”, “Eu admito...”, “Eu congratulo ...” etc. Todos esses sfio verbos que descrevem atos de fala. Nés os classificamos como verbos performativos. Ezitora da ULBRA Definigao Exemplo Pratica Resposta Comentario Pratica Um VERBO PERFORMATIVO é aquele que, quando usado numa sentenga simples positiva no presente, com um sujeito em primeira pessoa do singular, pode fazer o enunciado daque- la sentenga ser performativo. Sentenciar & um verbo performativo porque, por exemplo, “Eu 0 sentencio a ser enforcado” é um enunciado performativo. Punir nao é um verbo performativo porque, por exemplo, “Eu © puno” nao é um enunciado performativo. Os seguintes verbos sao performativos, ou nao? desculpar-se .. autorizatr .. argumentar .... condenar .... guinchar .. (1) Sim — (2) Sim - (3) Nao — (4) Sim - (5) Nao Note que, embora todos os verbos acima descrevam atos realiza- dos na fala, eles nao séo necessariamente performativos. Portan- to, embora eu possa argumentar com vocé verbalmente, simples- mente dizer “Eu argumento” nao constitui, em si mesmo, um ar- gumento. Por outro lado, simplesmente dizer “Euo advirto” é, em simesmo, suficiente para administrar uma adverténcia. Naturalmente, hé alguns casos limitrofes, em que é dificil di- zet se um certo verbo é performativo, ou nao. Muitos bons exemplos de verbos performativos ocorrem em férmulas pa- dronizadas e estereotipadas usadas em ceriménias piiblicas, tal como declarar em “Eu 0s declaro marido e mulher”, numa ce- riménia de casamento. Pense em trés ou mais exemplos de verbos performativos usados nas férmulas de ocasides sociais e ptiblicas convencionalizadas. 32 Editora da ULBRA Resposta Comentario Pratica (ly (2) GB) 4) Resposta Comentario nomear (ex. “Eu nomeio este navio Titanic”); batizar; objetar (ex. “Eu objeto, Vossa Exceléncia”); declarar (ex. “Eu declaro aberta esta ponte”); contestar (ex. “Eu contesto Nao Culpado”) Conforme observado acima, enunciados performativos con- tém um verbo performativo e muitos tém sujeitos em primeira pessoa do singular e esto no tempo presente. Mas ha exce- c6es a esse padrao. Alguns dos enunciados seguintes so excegées & afirmagao de que todos os enunciados performativos tém sujeito em primei- ra pessoa do singular. Quais enunciados so as excegdes? (In- dique suas respostas sublinhando as excegées.) “Vocé esta, com isto, proibido de deixar esta sala” “Solicita-se que todos os passageiros do véo quarenta e sete dirijam-se ao porto sete” “Bu sugiro que vocé procure um psiquiatra o mais breve possi- vel” “Este navio chama-se Titanic” “Nos Thes agradecemos pela homenagem que nos prestaram” (1) excegao, pois é performativo, embora com sujeito em se- gunda pessoa — (2) excego, pois é performativo, embora com sujeito em tetceira pessoa do plural — (3) nao é excegio — (4) nfo é uma excegio, pois nao é performative — (5) excegao, pois é performativo, embora com sujeito em primeira pessoa do plural Embora a maioria dos enunciados performativos tenha sujeito em primeira pessoa do singular, hé excegdes. De fato, o teste mais confidvel para determinar se um enunciado é performativo & inserir a seqiiéncia com isto e ver se o enunciado modificado éaceitavel. 322 Edltora da ULBRA Pratica Resposta Comentario Pratica Pode-se inserir com isto nos espacos indicados nos seguintes enunciados sem que eles se tornem inaceitaveis? “Eu ( ) notifico que chavearei estas portas em sessenta segun- dos” .. .. Sim / Nao “Os ouvintes so ( ) lembrados de que a programaco volta a0 hordrio normal apés as eleigdes” Sim / Nao “Bu (_) tenho grande prazer em abrir este edificio”Sim/ Nao “Eu (_) o advirto a nfo falar mais com a minha irma” .. Sim/ Nao “Eu (_) acredito em Deus, o Pai Todo-Poderoso, Criador dos Céus e da Terra”... .. Sim / Nao (1) Sim — (2) Sim - (3) Nao — (4) Sim — (5) Nao Se uma sentenga pode ser acompanhada por com isto sem pa- recer estranha, entao 0 enunciado dessa sentenga (em circuns- tncias normais) constitui um enunciado performativo. Indique se as sentengas seguintes so estranhas ou nao. Eu, com isto, o advirto de que vocé falhara .. Estranha / Nao estranha Eles, com isto, advertem-na de que ela falhara Estranha / Nao estranha = com isto, prometi a ele que eu estaria na estagdo as 15h ... Estranha / Nao estranha A diregdo, com isto, adverte os clientes de que ertos no troco ndo podem ser retificados apés o cliente deixar o balcéo .. Estranha / Nao estranha Jogar lixo 6, com isto, proibido .......... Estranha / Nao estranha Eu, com isto, canto Estranha / Nao estranha 323 Eéitora da ULBRA Resposta Resumo (1) Nao estranha — (2) Estranha - (3) Estranha — (4) Nao estranha — (5) Nao estranha — (6) Estranha Palavras e sentengas, quando enunciadas, so usadas para fa- zer coisas, para realizar atos socialmente significativos, além de meramente descrever aspectos do mundo. A nogao de um performativo ilustra este ponto em alguns casos um tanto quan- to especiais. Em unidades subseqtientes, nds analisaremos em mais deta- Thes as varias caracteristicas de atos de fala. (Quem original- mente desenvolveu teorias modernas dos atos de fala foi o fil6- sofo de Oxford J. L. Austin.) 324 atora da ULBRA Conhecimento Prévio Pré-teste (1) (3) Resposta UNIDADE 22 PERLOCUCOES E ILOCUCOES ATOS DE FALA (Unidade 21). Se vocé sente ter compreen- dido essa idéia, faga o pré-teste abaixo. Do contririo, revise a Unidade 21. Quais dos seguintes atos podem ser realizados através do uso da linguagem? Sublinhe suas opgées. chutar, asseverar, advertir, prometer, correr, referir, insultar Qual das seguintes afirmagées est correta? Circule sua opgao. (a) Nao ha atos que podem ser realizados tanto linguisticamente (ex. com um enunciado) como nao- lingitisticamente (ex. com um gesto). (b) Nao hé atos que nao podem ser realizados linguisticamente. (c) Alguns atos podem ser realizados tanto linguisticamente quanto nAo-linguisticamente. ‘A mesma sentenga pode ser enunciada em ocasiées diferentes para realizar atos diferentes? .. . Sim / Nao Assentenga Eu, com isto, ordeno-lhe que lecione o primeiro ano de seméntica é performativa (P), constativa (C) ou nenhu- ma (N)? -. P/C/N Ezditora da ULBRA Introdugao Comentério Pratica (1) Q) (G) (4) Na Unidade 21, nés defendemos que parte do significado de um enunciado é 0 que esse enunciado faz. Esse tipo de significado é essencialmente diferente do, e acrescenta uma nova dimensio ao, tipo de significado associado com sen- tengas declarativas segundo teorias sem4nticas de relagGes de sentido e légica. A visio de significado como atos tam- bém deixa de lado a énfase que teorias de relagées de senti- do e légica dao & verdade. Nesta unidade, nés comegare- mos a explorar essas conseqiiéncias da visio do significado como atos de fala. Oestudo das relagées de sentido e da Idgica tem se concentra- do quase exclusivamente no significado de um tipo de senten- ca apenas, i.e., declarativa. Na verdade, tentativas tém sido feitas recentemente para estender a légica a fim de tratar de imperativas e interrogativas, mas essas sugestdes nao tém sido geralmente aceitas como identificadoras da forma correta de analisar nao-declarativas. Nesta unidade, comegaremos a mos- trar como a nogio de atos de fala poderia fornecer uma ligagao entre os sentidos de sentengas declarativas e de sentengas naio- declarativas. Para inicio de conversa, sentencas imperativas e sentengas interrogativas, quando enunciadas, claramente realizam atos, da mesma forma que as declarativas 0 fazem. O enunciado “Nao dé mais um passo!” poderia ser um ato de adverténcia? ... saeususenseee Sit | No O enunciado “Vé ver se estou na esquina” poderia ser um ato de dispense’... seoseu Sim / Nao Oenunciado “Por que vocé nao procura em outra loja?” pode- ria ser um ato de sugerit? scene Sim / Nao Oenunciado “Vocé pensa que sou um idiota?” poderia ser um ato de rejeigdo a uma sugestc? ..... Sim / Nao Eéitore da ULBRA Resposta Comentario Pratica Assim como 0 ato lingiifstico de asseverar pode ser visto como tipificando enunciados de sentengas declarativas, que ato ingitistico tipifica enunciados interrogativos, ie., que ato é tipi- camente realizado ao se enunciar uma sentenga interrogativa? E, semelhantemente, que ato é mais tipicamente realizado por um enunciado imperativo? (1) Sim — (2) Sim — (3) Sim — (4) Sim = (5) O ato de fazer uma pergunta. — (6) O ato de ordenar que alguém faca algo. Essas respostas mostram que a abordagem do ato de fala para o significado promete uma explicag&o unificada do enunciado de sentengas de todos os tipos — declarativo, interrogativo e imperativo. Todas realizam atos de um tipo ou de outro. E, além disso, sentengas de cada tipo, quando enunciadas, ten- dem a realizar atos lingiifsticos tipicos. O padrao é resumido no quadro abaixo. Os préprios nomes dos tipos de sentenga (declarativo, interrogativo e imperativo) contém alusdes em latim aos atos de asseverar, perguntar e ordenar. Logo poderia- mos pensar que tudo de que precisamos é uma ligacio direta de tipos de sentengas para atos, a fim de explicar esse aspecto do significado. Mas um pouco de pensamento nos mostra que esse esquema simples nao funcionara. A linguagem é usada de formas mais complicadas. Ato lingiiistico tipico realizado Tipo de sentenga i : ao enunciar uma sentenga desse tipo Declarativa Asseverar Interrogativa Perguntar Imperativa Ordenar Nas situagGes a seguir, 0 ato realizado pelo enunciado parece ser de asseverar, perguntar ou ordenar? Em cada caso, verifi- sar Editora da ULBRA Q) G) (4) (5) que se o tipo de sentenga é o declarativo, interrogativo ou imperativo. Nés fizemos a primeira para vocé. Senhora no guiché de passagens num terminal rodoviério: “Por favor, uma passagem para Joinville” Tipo de sentenca: declarativa Ato: pedido ou ordem Falante numa reuniéio sobre uma questo politica polémica: “6 direito desculpar crimes por motivos religiosos?” Tipo de sentenca: Ato: Um Duque a seu mordomo, que atende a todas as suas neces- sidades: “Esté frio aqui dentro, Moura” Tipo de sentenga: Ato: A colega, ao subir numa 4rvore para pular um muro: “Minha saia ficou presa num arame farpado” Tipo de sentenga: .. Ato: Professor de biologia: “Observem que a célula feminina tem dois cromossomos do formato X” Tipo de sentenga: .. Ato:... Mae crianga que est comendo sem cuidades: “Veja que su- jeira vocé fez embaixo da mesa” Tipo de sentenca: . Ato:.. 328 Edltora da ULBRA Resposta Comentario Definicao Exemplo Comentario Pratica (2) interrogativo; assergfio (= “Nao € direito”) — (3) declara- tivo; ordem (= “Feche a janela”) — (4) declarativo; pedido (= “Ajude-me, por favor”) — (5) imperativo; assergfio (= “A célula feminina tem dois cromossomos do formato X”) — (6) imperativo; asserg&o (= “Vocé fez sujeira”) Obviamente, a correspondéncia simples de atos com tipos de sentenga tem muitas excegées, e nés precisamos desen- volver uma teoria mais sutil do que aquela que aparece na tabela. Até agora, apresentamos uma rotulagéo um tanto quan- to vaga para atos, como assergées, adverténcias, ameagas etc. Distingdes mais cuidadosas devem ser feitas entre vari- os tipos diferentes de atos de fala, a fim de se comegar a tirar sentido dessa area do significado. Nés agora introduzi- remos a distingao técnica entre ato perlocucionério e ato ilocucionério. O ATO PERLOCUCIONARIO (ou simplesmente PERLOCUGAO) realizado por um falante ao enunciar algo é 0 ato de causar um certo efeito no ouvinte e em outras pessoas. Se eu digo “Hé uma abelha em seu ouvido esquerdo”, posso muito bem levé-lo a entrar em panico e a gritar. Causar tais emogées e aces em vocé é a perlocugéo de meu enunciado, ou 0 ato perlocucionério que eu realizo ao fazer o enunciado. A perlocugao de um enunciado é causar uma mudanga, talvez nio-intencional, por meio do enunciado (do latim per ‘atra- vés, por meio de’). A razao de se distinguir cuidadosamente o aspecto perlocucionério do ato de fala de outros aspectos é que perlocugées podem freqiientemente ser acidentais, por isso, podem ter uma relagéo relativamente assistematica com qual- quer classificagao de tipos de sentenga. Descreva pelo menos dois efeitos perlocucionérios possiveis para cada um dos enunciados nas situagées abaixo. Nés fize- mos a primeira para vocé. 320 Eudora da ULARA, Resposta 2) @) 4) Vizinho para vitiva recente: “Eu lamentei muito ao saber de sua perda” Efeito possfvel: A ouvinte recorda sua dor e seus olhos en- chem-se de lagrimas. Outro efeito possivel: Ouvinte, esperan- do 0 enunciado, da uma resposta preparada: “Obrigada, foi um choque, mas tenho que me acostumar com isso.” _ Professor para aluno: “Vocé vai achar o livro sobre variagéo stica fascinante” ling Crianga de jardim de infancia para professora: “Tia, o Rafael me disse um palavrao. Ele me chamou de cretino” Um jogador de xadrez para o outro: “Eu acabei de fazer uma péssima jogada” Policial para homem na rua: “Boa noite, senhor. O senhor mora por aqui?” (2) Oaluno se diverte com a ingenuidade entusidstica do pro- fessor ou o aluno se incomoda com o que ele considera Sbvio sarcasmo ou nada: o aluno nao escutou 0 enunciado. — (3) A professora fica chocada com a péssima linguagem de Rafael e 0 repreende ou ela manda a crianga ir resolver seus problemas com Rafael. — (4) © outro jogador pondera silenciosamente se seu adversario est tentando leva-lo a uma falsa seguranga ouse ele realmente esté agora numa posigéio de vantagem ou 0 outro jogador dé-se conta de que seu adversério realmente co- meteu um erro, dé um grunhido de mérbido prazer e captura a rainha do outro. — (5) O homem diz agressivamente: “Nao € da sua conta” e da as costas ou o homem diz embaragado: “Sim, suponho que o senhor esteja se perguntando o que posso estar querendo com este tijolo.” 330 Ezitora da ULBRA Comentario E importante lembrar que os atos perlocucionrios envolvidos em exemplos tais como esses nao sé0 os efeitos dos enunciados originais. O ato perlocucionério envolvido em fazer um enun- ciado é aquela parte do ato total que causa tais efeitos. Nés retornaremos a esse ponto mais tarde. Por enquanto, voltar- nos-emos & nogao de ato ilocucionério. Definigéo OATOILOCUCIONARIO (ou simplesmente a ILOCUGAO) realizado por um falante que faz um enunciado é 0 ato visto em. termos da significAncia do enunciado dentro de um sistema con- vencional de interagéo social. Ilocugées so atos definidos por convengoes sociais, atos tais como abordar, acusar, admitir, des- culpar-se, desafiar, reclamar, dar pésames, cumprimentar, recu- sar, prantear, dar permisséo, dar passagem, saudar, despedir-se, cagoar, nomear, oferecer, elogiar, prometer, propor casamento, protestar, recomendar, render-se, agradecer, brindar. Exemplo _Dizer: “Eu estou muito agradecida a vocés pelo que fizeram por mim” realiza 0 ato ilocucionério de agradecer. Pratica Selecionando suas respostas da lista de ilocugées dada na defi- nigéo acima, diga que atos ilocucionérios sao realizados pelos seguintes enunciados, supondo circunstancias normais. (6) “Vocé aceita uma xicara de café?” (2) “Vocé primeiro” (dito a alguém que quer passar pela mesma porta que o falante) (8) “Eu lamento muito nfo ter estado presente & reuniao esta manha” (9) “Vocé pode brincar lé fora por meia hora” 331 Editora da ULBRA Resposta Comentario Pratica (a) (2) G) (4) 6) “Boa tarde” “Até logo” (6) oferecer — (7) dar passagem ~ (8) desculpar-se — (9) dar permissio — (10) saudar na chegada (e as vezes, mas ndo freqiientemente, despedit-se) — (11) despedit-se (no saudar na chegada) Como indicagiio seguinte da nogao de ato ilocucionério, nés a contrastamos com a nogio de ato perlocucionério. A perlocug&o de um enunciado é geralmente bem diferente de sua ilocugao, 0 que podemos ver usando os dois tiltimos con- juntos de exemplos novamente. Nas questées (1) ~ (5), na pégina 330, foi-lhe solicitado sugerir efeitos perlocucionétios para enunciados dados. Agora diga qual a ilocucao de cada um daqueles enunciados, selecionando da lista dada na definig&o acima e supondo circunstAncias normais. Nas questées (6) — (11) na pagina 331-332, foi-lhe pergunta- do sobre as ilocugées de certos enunciados. Agora sugira uma perlocugéo possfvel para cada um. Use a mesma forma geral de palavras para cada resposta, i.e., comece com “Levar 0 ouvinte a...” 322 Ezltora da ULBRA ( ( Resposta (8) @) 10) 11) Comentério Exemplos Pratica (2) @) (1) dar pésames — (2) recomendar — (3) reclamar — (4) admitir — (5) abordar — (6) ex. levar o ouvinte a se assustar, como se nfo tivesse notado que havia mais alguém na sala — (7) ex. levar o ouvinte a sorrir, inclinar-se, estender sua m&o e dizer “Nao, depois de vocé” - (8) ex. levar o ouvinte a olhar para o alto e sussurrar desgostosamente: “Quanta besteira!” — (9) ex. levar o ouvinte a correr para fora da sala, pegando sua bola de futebol no caminho — (10) ex. levar o ouvinte a res- ponder “Boa tarde” — (11) ex. levar 0 ouvinte a sorrir e res- ponder “Te vejo amanha” Atos ilocucionérios formam um tipo de cunhagem social, uma moeda complicada com valores especificos, por meio da qual falantes manipulam, negociam e interagem com outros falan- tes. Para continuar a metéfora, encontros sociais envolvem a troca de ilocugées. falante A: “Oi” (saudagio) falante B: “Oi” (saudaga& falante A: “Vocé pegou o tiltimo biscoito” (acusagio) falante B: “Nao, nao o peguei” (negagéo) Os pares de ilocugées a seguir parecem ser seqiiéncias apropri- adas (Sim) ou nao (Nao)? saudar ~ saudar ... acusar ~ negar .. saudar — negar protestar —desculpar-se ... 333 Ezitora da ULBRA 6) (6) Resposta Pratica (2) @) 6) 6) Resposta Comentario Sim / Néo congratular — desculpar-se ... elogiar - despedir-se .. Sim / Néo (1) Sim - (2) Sim - (3) Nao — (4) Sim - (5) Nao - (6) Nao Considere novamente 0 exemplo: Enunciado: “Vocé aceita uma xicara de café?” Ato ilocucionério: oferecer ‘Ato perlocucionério: (ex.) levar o ouvinte a pensar que o fa- lante é mais generoso do que ele supunha Oato ilocucionfrio é algo que o falante pretende fazer ao pro- duzir o enunciado? .... ... Sim / Néo O ato perlocucionério é algo que o falante pretende fazer 20 produzir 0 enunciado? .. ... Sim / Nao Bevidente qual ato ilocucionério foi realizado (neste caso o de oferecer) assim que 0 enunciado € feito? «sues Sim / Nao E evidente qual ato perlocucionério foi realizado assim que o .. Sim / Nao enunciado é feito? Oato ilocucionério realizado é algo que est4 totalmente den- tro do controle do falante Sim / Nao O ato perlocucionario realizado é algo que esté totalmente dentro do controle do falante? ... .. Sim / Nao (1) Sim — (2) as vezes, talvez, mas certamente nao sempre — (3) Sim — (4) Nao - (5) Sim - (6) Nao De maneira geral, 0 ato ilocuciondrio inerente a um enuncia- do é pretendido pelo falante, est4 totalmente sob seu controle e, se ele for evidente, ele é assim como diz o enunciado, en- quanto o ato perlocucionério realizado através de um enun- 334 Editora da ULBRA Exemplos Pratica (1) (2) (3) (4) (6) (6) Resposta ciado nem sempre é pretendido pelo falante, nao esté total- mente sob seu controle e, normalmente, nao é evidente até apés 0 enunciado ser feito. E muito mais comum referir-se a um falante ‘tentando’ realizar um ato perlocucionério (ex. tentando divertir, chocar, ou in- comodar alguém) do que se referir a um falante ‘tentando’ re- alizar um ato ilocucionério (ex. tentando desculpar-se, ou ofe- recer algo a alguém, ou reclamar sobre algo). No tiltimo caso, mas nfo no primeiro, hé a forte implicagao de que alguém esté efetivamente sendo impedido de falar. Por causa dessas dife- rengas, € possfvel em muitos casos classificar atos ou como ilocucionérios, ou como perlocucionétios. O ato de dirigir-se a alguém é ilocucionério porque € algo que um falante pode decidir por si mesmo fazer e quando fazer. O ouvinte (destinatario), numa situagao de fala, nfo pode deci- dir se vai ser abordado ou no (embora ele possa ignorar o fato de estar sendo abordado, ou nao notar ter sido abordado). O ato de persuadir alguém a fazer algo, por outro lado, é perlocucionério, porque o falante ndo pode ter certeza de es- tar persuadindo o ouvinte, independentemente do quanto tente fazé-lo. O ouvinte pode decidir deixar-se persuadir, ou nao. Usando os critérios tecém-delineados, classifique os seguintes atos como ilocucionérios (I) ou perlocuciondrios (P). distrair alguém . apelar... negar algo ... machucar alguém ... predizer algo . cagoar de alguém .... ()P- Q)1- B)I- #P- G)1- ©1 Edltora da ULBRA Comentario A existéncia de um caso obscuro, tal como contradizer, que parece ter algumas das caracteristicas de um ato ilocucionério e algumas de um ato perlocucionério, mostra que a aplicagéio efetiva dessa distingao é ligeiramente vaga; no entanto, é inquestion4vel que, para um grande néimero de atos realizados em, ou por, enunciados, a distingdo entre ilocugio e perlocugéo € absolutamente clara. A pratica acima e as observagées res- saltam o cardter ligeiramente acidental e casual da relacao entre setengas quando enunciadas e atos perlocucionérios. Obviamente, existe mais esperanga de se poder descobrir rela- ges claras e sisteméticas entre atos de fala e tipos de enunci- ado (e, portanto, tipos de sentenga) se nos concentrarmos nas ilocugdes dos enunciados, e nfo em suas perlocugdes. Resu- mindo, fazer a distingao clara entre atos ilocucionérios e atos perlocucionérios nos capacita a simplificar o problema de rela- cionar fala a atos, ao excluir (temporariamente, pelo menos) atos perlocucionérios. Da mesma forma, nés nos concentrare- mos, em unidades & frente, nas ilocug6es de enunciados. Finalmente, introduzimos dois outros termos, ‘ato f6nico’ e ‘ato proposicional’. Definigéo O ATO FONICO envolvido num enunciado é 0 ato fisico de fazer certos sons vocais. O ATO PROPOSICIONAL envolvido num enunciado con- siste nos atos mentais de REFERIR (a certos objetos ou pesso- as no mundo) e de PREDICAR (iee., unir predicados a expres- s6es referenciais). Pratica Um papagaio diz “Fogo” (1) Hé um ato fénico envolvido? .. (2) Hé um ato proposicional envolvido? (3) Hé um ato ilocucionatio envolvido? .....:ssenee Sim / Nao (4) Hé um ato perlocucionério envolvido? ...ssmeuse Sim / Nao Resposta (1) Sim — (2) Nao, um papagaio nao entende o significado do 0 Euitora da ULBRA Resumo que ele diz, — (3) Nao — (4) Poderia haver, se alguém nfo se desse conta de que o enunciado foi dito por um papagaio e 0 levasse a sério. A nogéo simples de ato de fala, introduzida na Unidade 21, foi refinada ao se fazer a distingio entre ilocugées e perlocugées. Nossa atengo em unidades subseqiientes seré dirigida exclu- sivamente a atos ilocucionérios, e nds faremos mais algumas distinges entre tipos de ilocugées. 37 Exitora da ULBRA UNIDADE 23 CONDICOES DE FELICIDADE Conhecimento ATO DE FALA (Unidade 21) e ILOCUGAO (Unidade 22). Prévio Pré-teste Se vocé se sente familiar com as nog6es explicadas nas unida- des acima, faga o pré-teste abaixo. Caso contrario, revise a unidade relevante. Responda as seguintes questées: Nomeie trés verbos performativos. Complete a seguinte definig&o: Um enunciado performative é aquele que algum ato e ... . esse ato. Anote 0 tipo de sentenga e 0 ato ilocucionério principal reali- zado nos seguintes enunciados. (a) Homem em loja de animais: “Aquele papagaio é caro?” Tipo de sentenca: Ato: . (b) Professor & turma: “Eu nao quero ouvir barulho no fundo 338 Edtora da ULBRA Resposta Introdugéo Definigao Exemplos (c) Homem ajudando pessoa cega a atravessar a rua: “Cuide com 0 degrau” Tipo de sentenga: Ato: .. (@) Homem em discusséo: “Vocé esté me tomando por idiota?” Tipo de sentenga: .. Ato: (1) prometer, implorar, admitir etc. — (2) Um enunciado performativo é aquele que descreve algum ato e simultanea- mente realiza esse ato. — (3) (a) interrogativa; indagaciio (b) declarativa; ordem (c) imperativa; adverténcia (d) interrogativa; assergao. Se vocé errou mais de uma questiio, deveria revisar as unidades 2122. Caso contrario, continue com a introdugao. Até agora, nés delineamos uma forma de ver a fala como agao. Enunciados podem ser vistos como atos significativos num ni- vel social, ex. acusagées, confissdes, negagGes, saudagées etc. A questo que agora consideramos é: mediante que sistema os falantes sabem quando tais articulag6es sio apropriadas? Isto 6, em que circunstancias as ilocugées so usadas? Uma outra nogao técnica, a de condig&o de felicidade, precisa ser introduzida para dar uma resposta plausivel a essa questo. As CONDICOES DE FELICIDADE de um ato ilocucionério sao condigdes que devem ser satisfeitas na situac&o em que o ato é realizado a fim de ser realizado apropriadamente, ou de maneira feliz. Uma das condicées de felicidade para 0 ato ilocucionério de ordenar é que o falante deve ser superior a, ou ter autoridade sobre, o ouvinte. Portanto, se um servo diz & Rainha “Abra a janela”, hé uma certa incongruéncia, ou anomalia, ou infelici- dade no ato (de ordenar) realizado, mas se a Rainha diz “Abra 339 Eéitora da ULBRA Pratica (1) G3) a janela” ao servo, nao ha infelicidade. Uma condigao de felicidade para 0 ato ilocucionrio de acusar é que 0 feito ou a propriedade atribufdos ao acusado sejam incor- retos de alguma forma. Assim, podemos acusar alguém de roubo ou assassinato de maneira feliz, mas, normalmente, se acusar- mos alguém de ser uma pessoa legal, ou de ajudar uma senhora idosa a atravessar a tua, 0 ato de acusar seré infeliz. Abaixo séo dados atos ilocucionatios, e para cada um deles, so sugeridas quatro condigées de felicidade. Em cada caso, apenas duas das condigGes de felicidade so efetivamente cor- retas. Indique as condigdes de felicidade circulando suas op- goes. prometer: (a) O falante deve pretender realizar a coisa prometida. (b) O falante deve ser inferior em status ao ouvinte. (c) A coisa prometida deve ser algo que 0 ouvinte queira que acontega. (d) A coisa prometida deve ser moralmente errada. desculpar-se: (a) O falante deve ter feito a coisa pela qual est se desculpan- do. (b) A coisa pela qual o falante est se desculpando deve ser (ou ter sido) inevitavel. (c) A coisa pela qual o falante esté se desculpando deve ser moralmente errada. (4) O ouvinte nao deve querer que aquilo pelo que o falante estd se desculpando acontega (ou tenha acontecido). saudar: (a) O falante e o ouvinte devem ser de sexos diferentes. 340 Ezitora da ULBRA (4) Resposta Comentario (b) O falante e 0 ouvinte nao devem estar no meio de uma conversa. (c) O falante deve acreditar que o ouvinte tenha recentemen- te sofrido uma perda, (d) O falante sente algum respeito e/ou senso de comunidade (mesmo que sutil) pelo ouvinte. nomear: (a) A coisa ou pessoa nomeada nao pode jé ter um nome reco- nhecido que o falante conhega. (b) O falante deve ser reconhecido por sua comunidade como tendo autoridade para nomear. (c) A coisa ou pessoa nomeada deve pertencer ao falante. (d) A coisa ou pessoa nomeada deve ser tida com respeito con- siderdvel pela comunidade. protestar: (a) O falante e o ouvinte devem ter estado em conflito entre si Trecentemente. (b) O falante deve desaprovar o estado de coisas protestado. (c) Oestado de coisas protestado deve ser desaprovado pela comunidade em geral. (d) O ouvinte deve ser tido como responsavel (pelo falante) quanto ao estado de coisas protestado. (1) (a), () — (2) @), @ - GB) &), @ - (4) @), () - (5) (6), (d) (Algumas das anélises dadas aqui podem ser discutiveis. Vocé pode discuti-las com seu / sua professor(a) ou colegas.) Em outras unidades (13 e 14), nés mencionamos a nogiio de condigées de verdade. Condigdes de verdade sfio condigées que devem ser satisfeitas pelo mundo se um enuneiado (de 361 Editora da ULBRA Pratica (1) @) (3) uma sentenga declarativa) é verdadeiro. Por exemplo, o enun- ciado “Hé um gato na mesa” é verdadeiro apenas se, no mo- mento do enunciado, realmente existe no mundo uma mesa com um gato sobre si. Correspondentemente, condigées de felicidade sfio condigdes que devem ser satisfeitas pelo mundo se um ato ilocucionério é feliz (ou ‘apropriado’). Rotule os atos ilocucionarios nas seguintes situagdes de felizes ou infelizes, considerando critérios corriqueiros normais. Em cada caso, nomeie também 0 ato ilocucionério em questao. Nés fizemos 0 primeiro para vocé. 342 Ezitora da ULBRA Resposta Comentario Pratica (2) casar; feliz - (3) repreender (xingar); infeliz — (4) pro- meter; infeliz — (5) dispensar, ou dar permissao; infeliz Esses exercicios trazem & tona algumas similaridades e diferen- as entre condigées de verdade e condiges de felicidade. Ou- tra diferenga dbvia entre esses dois tipos de condigdes é que as condigées de felicidade sao de aplicacao mais ampla do que as condigées de verdade. Apenas as sentengas declarativas po- dem ser verdadeiras ou falsas, mas todos os tipos de sentenga — declarativa, interrogativa e imperativa — podem ser enuncia- das para realizar atos ilocucionarios que podem ser felizes ou infelizes. Nomeie os atos ilocucionérios realizados nos seguintes exem- plos e diga se eles so felizes ou infelizes. Em cada caso, diga que tipo de sentenga est4 envolvida. 343 Editora da ULBRA (2) (3) Resposta _ (1) imperativa; oferecer; infeliz — (2) imperativa; ordenar; infeliz — (3) interrogativa; pedir; feliz Comentario Uma boa forma de descobrir as condigées de felicidade de um ato ilocucionério é imaginar uma situagéio em que um falante realiza um ato desses, ou tenta fazé-lo, mas algo na situagao faz 346 Eaitora da ULERA Definigao Exemplo Pratica (1) 2) (4) com que o ato ‘falhe’, ou no se realize adequadamente. Por exemplo, na questo (1) acima, o falante est definitivamente realizando um ato de oferecer um cigarro, mas hé alguma coisa estranha, ou infeliz sobre a oferta, uma vez que 0 ouvinte jé tem o cigarro. Isso mostra que uma das condigées de felicidade para o ato de oferecer é que o ouvinte nfo pode jé ter a coisa oferecida. A seguir, veremos 0 caso de um subtipo particular de condigéo de felicidade: as condigées de sinceridade. Uma CONDICAO DE SINCERIDADE sobre um ato ilocucionério é uma condigéo que deve ser satisfeita para o ato ser realizado SINCERAMENTE, mas a auséncia dessa condi- ao nao impossibilita que se realize o ato por completo. Uma condigao de sinceridade sobre desculpar-se é que aque- le que se desculpa acredite que a coisa pela qual se desculpa € errada de alguma forma. Assim, se Joao entra numa sala a certa hora, acreditando que fazer isso seja errado de alguma forma (ex. sem educagao, sem tato, ou contrario A religiao) e diz “Sinto muito por entrar aqui neste momento”, entao ele se desculpou, e sinceramente. Mas, se ele diz a mesma coisa nas mesmas circunstancias, porém nao acredita que o que ele fez é errado de alguma forma, entao ele se desculpou, mas nao sinceramente. Se Helena me diz “Parabéns por passar em seu teste de dire- 40”, ela, por meio disto, parabenizou-me? . Sim / Nao Se Helena, na mesma cena acima, acredita que eu sé passei no teste porque subornei o instrutor, seu ato de me parabenizar é SINGETO? scnmaaisrcacen ... Sim / Néo E uma condigao de sinceridade sobre a parabenizag&o que o falante acredite que aquilo pelo qual parabeniza o ouvinte merega os parabéns? os... . Sim / Nao Se eu digo “Aposto que vocé ndo ganha do meu computador no xadrez”, realizei por meio disto um ato de desafiar? ... Sim / Nao 345 Eélitora da ULBRA 6) ©). (8) Resposta Comentario Mas se eu sei que meu computador foi, na verdade, programado para perder no xadrez, meu desafio é sinceto? ........Sim / Nao E uma condigio de sinceridade sobre desafiar que o falante acredite que aquilo que ele desafia o ouvinte a fazer seja dificil de alguma maneira? . Sim / Nao E uma condigio de sinceridade sobre agradecer que o falante aprove a coisa pela qual agradece ao ouvinte?....... Sim / Nao £ uma condigéo de sinceridade sobre criticar que o falante aprove a coisa que ele critica’... . Sim / Nao (1) Sim - (2) Nao - (3) Sim — (4) Sim — (5) Nao - (6) Sim - (7) Sim — (8) Nao Algumas dessas condigées de sinceridade foram mencionadas anteriormente como exemplos de condigées de felicidade em geral, ic., condigées de sinceridade sao simplesmente um caso especial de condigdes de felicidade. Nés enfatizamos a diferenga entre significado de sentenga e significado de enunciado, mas certamente deve haver uma re- lag&o que os ligue um ao outro. A ligagao existe mediante a capacidade das linguas de descrever qualquer coisa, incluindo atos (como atos de fala) que fazem uso da lingua propriamente dita (i-e., a lingua pode ser usada como sua prépria metalinguagem). Portanto, achamos que quase todos 08 atos ilocucionérios tém. um termo predicado que os descreva. Por exemplo, o ato de acusar é descrito pelo predicado portugués acusar. O paralelo é Obvio. Se um ato é significativo numa sociedade (como atos ilocucionérios so), ent&o nao é surpreendente que a socieda- de deveria ter cunhado uma palavra para descrevé-lo. Assim como atos ilocucionarios podem ser descritos com palavras e sentengas em portugués, suas condigées de felicidade também ‘© podem. Hé uma circularidade essencial que nos envolve quando faze- ‘mos seméntica. Para formular afirmag6es precisas sobre o sig- nificado de enunciados, incluindo afirmagées sobre as condi- 348 Ezditora da ULBRA, Resumo ges de felicidade de atos ilocucionétios, precisamos fazer isso em portugues (ou outra lingua), usando palavras e sentengas em portugués. Mas outra preocupacao da semantica é fazer afirmagées precisas sobre os significados das palavras e senten- as do portugués. Dessa forma, por exemplo, formular condi- ges de sinceridade nos ajuda a formar uma figura precisa so- bre como o significado de enunciados opera, mas simultanea- mente esclarece o significado da propria palavra sincero. Esta unidade explorou a nogio de condigées de felicidade, in- cluindo a condigéo de sinceridade. A nogdo de condigdes de felicidade seré utilizada na préxima unidade. Nés também mencionamos um aspecto da relac&o entre significado de enun- ciado e significado de sentenca, uma relagdo que explorare- mos mais em unidades posteriores. 347 Ezdtora da ULBRA

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