História do Brasil III – Turma A – Prof. Luiz Alberto Grijó
Rafael Chies Paschoali – 00276303
Em um momento de reconstrução das bases formais da estrutura política, porém
mantendo relações alicerçadas num longo processo que vem desde o Império, a Primeira República compõe um recorte temporal com novos padrões de sustentação política e novos atores nas relações tumultuadas entre as oligarquias locais e os governos federal e estadual. A existência dos soberanos locais, que garantiam apoio político em troca de favores, fazia parte de um sistema de arranjos informais que, por sua vez, tinham uma grande influência no cenário político em maior âmbito. No presente trabalho, pretende-se analisar como que as relações de patronagem no início da república se envolvem com a questão de rompimento ou continuidade entre Império e República. A começar pela questão de transferência de um regime para outro, de Império para República, é de importância a discussão se este processo seria de rompimento ou de uma continuidade nos sistemas social, econômico e político. Cristina Buarque de Hollanda traz à tona as dificuldades de afirmação da República como tal nos seus primórdios, parte pela dispersão política com a destituição da figura imperial, parte pela incongruência do discurso republicano realizado anteriormente com a forma como se deu em si o governo nos seus primeiros anos. Mesmo com mudanças visíveis nas formalidades políticas, a historiadora reforça que “a despeito do novo equilíbrio de poderes, a República não provocara, portanto, em matéria eleitoral, rompimento substantivo com as rotinas do Império” (HOLLANDA, 2008, p.26). Encarando que as bases econômica, social e política não sofreram mudanças radicais e ainda promoveram o seguimento de costumes imperiais, Maria Helena Souza Patto também vê uma continuação na transição dos regimes. A prática dos favores, base das relações de patronagem, tomavam conta também do âmbito das relações de produção: “No campo, vínculos empregatícios contaminados pela prática do favor prendiam empregados a patrões por dívidas muitas vezes impossíveis de saldar e configuravam situações que beiravam à escravidão” (PATTO, 1999, p.169). A partir do trecho, é possível ter um panorama da importância das relações de favores e como elas ultrapassavam o âmbito político, sendo uma presença cotidiana no campo e na cidade. A menção da historiadora à escravidão pode não ser por acaso, trazendo um sistema socioeconômico fundamental do Império para a República. Partindo para uma discussão sobre os conceitos que compõem o aparato político, que fazem parte tanto da base do sistema político formal quanto das relações informais locais, se tem termos comumente conhecidos, porém de uma grande complexidade, como coronelismo, clientelismo, mandonismo e patronagem. Nos estudos sobre o poder local e suas relações com o Estado nacional no Brasil, José Murilo de Carvalho disserta que, numa nova conjuntura republicana, a manutenção dos poderes locais, representada pelos fazendeiros, necessitava da presença do Estado, configurando-se assim um sistema de compromissos recíprocos entre governo e os coronéis. O mandonismo “refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder” (CARVALHO, 1997, p.230) e “de algum modo, como o mandonismo, o clientelismo perpassa toda a história política do País” (CARVALHO, 1997, p.231). Ao se ter essas duas simples passagens sobre os conceitos de mandonismo e clientelismo, é possível analisar os termos como aparatos de relações recíprocas, porém num sentido vertical, que estão inseridos em algum estado e que fazem parte informalmente do sistema político. Nesse sentido, se diferenciam os dois conceitos de coronelismo, que por sua vez é um sistema político vigente em um período específico da história do Brasil e que abrange estas relações características de troca de favores. Essas estruturas oligárquicas e personalizadas de poder citadas pelo historiador funcionavam na prática como um angariamento e acumulação de recursos, de bens culturais, de poder político e de influência em diferentes esferas. A possibilidade de ascensão no sistema por um indivíduo, e também de declínio por ser um processo vertical e extremamente móvel, foi estudada a partir de um caso específico por Mário Grynszpan, que analisou a trajetória do político Tenório Cavalcanti. Mesmo se dando em um período posterior ao da Primeira República, a partir dela é possível ter uma boa ideia de como se davam as relações políticas e até diplomáticas que regiam os cenários regional e nacional de poderes. Ao forjar a expressão idiomas da patronagem, o historiador passa um ideia de um modus operandi do sistema que deve ser seguido para se ter a possibilidade, e posteriormente a efetuação, de ascensão como patrão. Mesmo este caminho sendo único para cada indivíduo e nada simples, ele seguia um certo padrão que devia ser conhecido e trabalhado para ser utilizado com êxito. As estratégias empregadas contavam com a fluidez legal do sistema judicial e do político, com o manejo da opinião pública (no caso estudado através do jornal administrado pelo político, Luta Democrática) e um balanço tênue entre cavalheirismo e violência nas relações de patronagem. Fazer parte de uma família ou de uma rede de prestígio facilitava o manejo das relações por já se ter uma rede de contatos e influência, porém não era um pré-requisito. O historiador deixa isto claro ao escrever que “Tenório não pertencia a nenhuma família de patrões locais que já dispusesse do controle de recursos significativos e nem mesmo era originário de Caxias” (GRYNSZPAN, 1990, p.75) e nos dá um panorama de como se dá uma trajetória de ascensão política nesses moldes:
“É recuperando sua trajetória que poderemos melhor perceber os capitais
específicos de que dispunha, seus trunfos, suas estratégias, seus deslocamentos, a maneira, enfim, como se impôs pouco a pouco, acumulando prestígio e poder, conformando uma rede própria de relações pessoais” (GRYNSZPAN, 1990, p.75).
A importância de analisar esse caso nos mostra a plasticidade das estruturas da
patronagem, que vão de acordo com a situação no momento e possibilitam diferentes situações de atuação no sistema. Existia a possibilidade de um indivíduo ser patrão e cliente concomitantemente e, quando a clientela de um certo patrão, que por sua vez também era cliente, lhe angaria poder para se equiparar ao seu próprio patrão, havia conflito e, possivelmente, morte. Analisando rapidamente o final do regime imperial no Brasil, em uma observação cronológica, pode-se fazer uma ligação direta entre a abolição da escravidão, em 1888, e o fim da monarquia, em 1889. A gestão imperial dependia fortemente da cumplicidade mantida com a elite econômica, e esta, por sua vez, dependia fortemente da mão de obra escrava. A relação entre elite senhorial econômica e o Estado era fundamental nas estruturas do Império e isso não se rompeu completamente com o novo regime republicano. Cláudia Viscardi escreve que
“A estabilidade do regime republicano baseou-se, sobretudo, na garantia de
que seu elemento motor estivesse nas mãos das oligarquias regionais, cujo peso político era diretamente proporcional ao tamanho de suas bancadas e das suas potencialidades econômicas” (VISCARDI, 2001, p.51).
As relações de patronagem se configuraram de um novo jeito na República,
contribuindo para a formação do sistema político do coronelismo, mas manteram o mesmo cerne de operação da política brasileira, onde os poderes econômico e político se fundem e se confundem, trabalhando juntos quando há harmonia nos interesses gerais porém rompendo quando ocorre um grande conflito, como a abolição da escravidão. O título do primeiro capítulo do livro da Cláudia Viscardi nos dá uma boa ideia do caráter de continuidade entre dois grandes regimes políticos brasileiros: Capítulo 1: Um Novo Roteiro para a Mesma Peça. Bibliografia
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: Uma discussão
conceitual. Revista Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997.
GRYNSZPAN, Mário. Os idiomas da patronagem: um estudo da trajetória de Tenório
Cavalcanti. Revista brasileira de ciências sociais, n. 14, 1990.
HOLLANDA, Cristina Buarque de. A questão da representação política na Primeira
República. Caderno CRH, Salvador, vol. 21, n. 52, 2008.
PATTO, Maria Helena Souza. Estado, ciência e política na Primeira República: a
desqualificação dos pobres. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 13, n. 35, 1999.
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2001.