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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas


Programa de Pós-Graduação em História
Doutorado Internacional de Arqueologia

Análise de sistemas de produção e da


variabilidade tecnofuncional de
instrumentos retocados.
As indústrias líticas de sítios a céu aberto do vale do rio Manso
(Mato Grosso, Brasil).

por:
Paulo Jobim de Campos Mello

volume 1
Porto Alegre, 2005
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História
Doutorado Internacional de Arqueologia

Análise de sistemas de produção e da


variabilidade tecnofuncional de
instrumentos retocados.
As indústrias líticas de sítios a céu aberto do vale do rio Manso
(Mato Grosso, Brasil).

por:
Paulo Jobim de Campos Mello

Tese de doutoramento apresentada como


requisito parcial e último para obtenção do grau
de Doutor no Programa de Pós-Graduação em
História, área de concentração: Arqueologia.

orientador:
Dr. Klaus Hilbert
(Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil)

co-orientador:
Dr. Eric Boëda
(Université de Paris X - Nanterre, França)

Porto Alegre, 2005


Para

Adriane, pelo carinho, paciência e apoio durante todos


esses anos.

Antônio, que me mostra o que é importante na vida.

Meus pais, Mauro (em memória) e Mariângela, pelo


exemplo que sempre deram
AGRADECIMENTOS

Dr. Klaus Hilbert, que aceitou orientar essa pesquisa e contribuiu de


maneira fundamental para o bom andamento do trabalho.

Dr. Eric Boeda, co-orientdor, que indicou bibliografia fundamental


para o desenvolvimento da pesquisa e revisou a análise de parte do material, em
especial dos núcleos. Mostrou de maneira clara o caminho a ser seguido; se
houve algum desvio a responsabilidade é toda minha.

Dr. Emílio Fogaça, que participou de várias etapas desse trabalho:


incentivou-me a fazer o curso na PUC-RS, sugeriu e discutiu vários temas, revisou
a análise de parte do material e, por fim, ajudou na organização final das figuras.

Sibeli Viana, coordenadora do projeto Manso (que originou essa


tese) e colega de curso, com quem discuti várias passagens do presente trabalho.

Dra. Solange Caldarelli, com quem comecei a estudar arqueologia e


que sempre apoiou minha carreira profissional.

Dr. Pedro Inácio Schmitz e Dr. Arno Kern, pelas críticas e


sugestões feitas durante o exame de qualificação.

Dr. Nicolau Heck, pró-reitor de pesquisa, pela licença parcial


concedida para a realização da tese.

Dra. Maria Cristina dos Santos, pela acolhida e apoio que deu
sempre que estive em Porto Alegre.

Carla Pereira, secretaria do PPGH, que muito facilitou minha


passagem pelo curso, sempre providenciando os documentos necessários dentro
dos prazos previstos.

Sintia Viana, que revisou parte do capítulo 3.

A todos que trabalharam no Projeto da UHE Manso, sem os quais


esse trabalho não poderia ser feito.

Agradeço, também, às instituições que, de alguma forma, apoiaram a


pesquisa: FURNAS Centrais Elétricas, Eletronorte e CAPES.
RESUMO

Os estudos realizados na região Centro-Oeste do Brasil, em relação aos grupos


caçadores-coletores, enfocaram principalmente as indústrias líticas mais antigas,
pertencentes à fase Paranaíba. Pouca atenção foi dada aos períodos posteriores,
talvez por seu material lítico apresentar-se tecnologicamente pouco elaborado e,
assim, não se adequar muito bem aos estudos tipológicos realizados.
Utilizando material proveniente de cinco sítios a céu-aberto, localizados no vale do
rio Manso (MT), pretendemos, através de estudos tecnológicos, caracterizar
melhor essas indústrias. Visto que a tecnologia pode ser estudada como um
sistema, será a abordagem sistêmica que permitirá, através da cadeia-operatória,
a análise da produção do instrumental lítico. Tentaremos perceber, também, como
esse sistema evolui.

RÉSUMÉ

Les études faits au Brésil central concernant des groupes chasseur-cuilleurs ont
concerné surtout les industries lithiques les plus anciennes, Qui appartiennent à la
phase Paranaíba. Peu d’attention a été dirigée vers les périodes postérieures,
peut-être parce que leur matériel lithique semble être peu investi au niveau
technique et par conséquent, ne pas se prêter convenablement aux études
typologiques alors en vogue.
A partir de matériel provenant de cinq sites de plein air Qui se trouvent dans la
vallée du fleuve Manso (état du Mato Grosso), nous proposons mieux caractériser
ces industries selon une perspective technologique. Étant donné que la
technologie peut être étudiée en tant qu’un système, c’est l’approche systémique
que nous permettra, par la mise en évidence des chaînes opératoires, analyser la
production de l’outillage lithique. Nous essaierons aussi de nous rendre compte de
l’evolution de ce système.

ABSTRACT

The studies made in the Brazilian Centro-Oeste region, in relation to the hunter-
collector groups, focused mainly on the oldest lithic industries belonged to the
Paranaíba phase. Very few attention was given to the previous periods, maybe due
to their lithic material show to be technologically little elaborated and so that it does
not fit very well to the typologically studies made.
By using material from five open-sky sities, located at Manso River valley (MT), we
intend by means of the technological studies characterize the best of those
industries. In view technology can be studied as a system, it will be the systemic
approaching that will allow the analise, through the ‘chaine operatoire’, of the
production of lithic instrument. We will also try to note how the system evolutes.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1. A OCUPAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA BACIA DO RIO MANSO E O 15


CONTEXTO REGIONAL
1.1 As pesquisas na região Centro-Oeste 17
1.1.1 As primeiras ocupações (12.000 – 9.000 BP), o período páleo-índio 21
1.1.2 O período Arcaico (9.000 a 2.000 AP) 24
1.1.3 O período ceramista (a partir de 3.000 AP) 27
1.2 Críticas aos estudos tipológicos 35

2. O QUE A TÉCNICA TEM A NOS ENSINAR? 42


2.1 Breve histórico 45
2.2 O desenvolvimento dos estudos sobre tecnologia 53
2.2.1 Leroi-Gourhan, o instrumento em movimento 55
2.2.2 Gilles e o sistema técnico 61
2.2.3 Simondon: individuação e concretização dos objetos 66
2.2.4 Rabardel e a ‘antropotécnica’ 78
2.3 Análise tecnológica do material lítico 87
2.3.1 Cadeia Operatória 88
2.3.2 Evolução, linhagem e concretização 93
2.3.3 As Unidades Tecno-Funcionais 99

3. A ÁREA DE ESTUDO 102


3. 1 Caracterização Ambiental 102
3.1.1 Meio físico 103
3.1.1.1 Geologia 103
3.1.1.1.1 Potencial das unidades geológicas como fonte de matéria- 104
prima para a exploração pelas populações pré-históricas
3.1.1.2 Pedologia 105
3.1.1.3 Esboço da carta de declividade 107
3.1.1.4 Geomorfologia 108
3.1.1.5 Recursos hídricos 109
3.1.2 Vegetação 109
3.1.2.1 Campo cerrado 109
3.1.2.2 Campo limpo 110
3.1.2.3 Cerrado 110
3.1.2.4 Cerradão 110
3.1.2.5 Vegetação secundária 110
3.1.2.6 Mata de galeria/mata ciliar 110
3.1.2.7 Floresta 111
3.1.2.8 Floresta aluvial 111
3.1.2.9 Mata de palmeira 111
3.1.2.10 Tensão antrópica 111
3.2 Metodologia utilizada para o Levantamento Arqueológico 112
3.2.1 Levantamento assistemático 113
3.2.2 Levantamento sistemático 115
3.2.3 Resultados do levantamento 117
3.2.4 Sítios selecionados para serem resgatados 119
3.3 Metodologia utilizada para o Resgate dos Sítios Arqueológicos 120
3.3.1 Seleção dos sítios a serem estudados 121

4. OS SÍTIOS TRABALHADOS E A ANÁLISE DO MATERIAL LÍTICO 122


4.1 Sítio Estiva 2 124
4.1.1 Caracterísitcas Ambientais 124
4.1.2 Atividades de escavação 124
4.1.3 Perfil estratigráfico 125
4.1.4 Análise do material lítico 127
4.1.4.1 Camada Superior 127
4.1.4.1.1 Núcleos 129
4.1.4.1.2 Instrumentos retocados 133
4.1.4.1.3 Lascas unipolares 147
4.1.4.1.4 Lascas bipolares 152
4.1.4.1.5 Núcleos bipolares 152
4.1.4.1.6 Instrumentos não modificados 153
4.1.4.1.7 Instrumentos modificados por polimento 153
4.1.4.1.8 Instrumentos modificados por picoteamento 154
4.1.4.1.9 Fragmentos de lascas unipolares 154
4.1.4.1.10 Fragmentos rochosos não modificados 154
4.1.4.2 Camada Inferior 157
4.1.4.2.1 Núcleos 159
4.1.4.2.2 Instrumentos retocados 161
4.1.4.2.3 Lascas unipolares 164
4.1.4.2.4 Lascas bipolares 168
4.1.4.2.5 Núcleos bipolares 169
4.1.4.2.6 Instrumentos não modificados 169
4.1.4.1.7 Instrumentos modificados por polimento 169
4.1.5 Distribuição espacial do material 170

4.2 Sítio São José 172


4.2.1 Caracterísitcas Ambientais 172
4.2.2 Atividades de escavação 172
4.2.3 Perfil estratigráfico 173
4.2.4 Análise do material lítico 174
4.2.4.1 Camada Superior 174
4.2.4.1.1 Núcleo 176
4.2.4.1.2 Instrumentos retocados 176
4.2.4.1.3 Lascas unipolares 179
4.2.4.1.4 Lascas bipolares 183
4.2.4.1.5 Núcleos bipolares 184
4.2.4.1.6 Instrumentos não modificados 184
4.2.4.1.7 Instrumentos modificados por polimento 184
4.2.4.1.8 Fragmentos de lascas unipolares 185
4.2.4.1.9 Fragmentos rochosos não modificados 185
4.2.4.2 Camada Inferior 187
4.2.4.2.1 Núcleos 189
4.2.4.2.2 Instrumentos retocados 189
4.2.4.2.3 Lascas unipolares 196
4.2.4.2.4 Lascas bipolares 200
4.2.5 Distribuição espacial do material

4.3 Sítio Pedreira 203


4.3.1 Caracterísitcas Ambientais 203
4.3.2 Atividades de escavação 204
4.3.3 Perfil estratigráfico 204
4.3.4 Análise do material lítico 205
4.3.4.1 Núcleos 207
4.3.4.2 Instrumentos retocados 211
4.3.4.3 Lascas unipolares 216
4.3.4.4 Lascas bipolares 220
4.3.4.5 Núcleos bipolares 221
4.3.4.6 Instrumentos não modificados 221
4.3.4.7 Fragmentos de lascas unipolares 224
4.3.4.8 Fragmentos de rochas não modificados 224
4.3.5 Distribuição espacial do material 225

4.4 Sítio Buriti 226


4.4.1 Caracterísitcas Ambientais 226
4.4.2 Atividades de escavação 226
4.4.3 Perfil estratigráfico 227
4.4.4 Análise do material lítico 228
4.4.4.1 Núcleos 230
4.4.4.2 Instrumentos retocados 230
4.4.4.3 Lascas unipolares 236
4.4.4.4 Lascas bipolares 241
4.4.4.5 Núcleos bipolares 242
4.4.4.6 Instrumentos não modificados 243
4.4.4.7 Fragmentos de lascas unipolares 244
4.4.4.8 Fragmentos de rochas não modificados 244
4.4.5 Distribuição espacial do material 245

4.5 Sítio Laje 247


4.5.1 Caracterísitcas Ambientais 247
4.5.2 Atividades de escavação 247
4.5.3 Perfil estratigráfico 248
4.5.4 Análise do material lítico 250
4.5.4.1 Núcleos 252
4.5.4.2 Instrumentos retocados 252
4.5.4.3 Lascas unipolares 263
4.5.4.4 Lascas bipolares 266
4.5.4.5 Núcleos bipolares 267
4.5.4.6 Instrumentos não modificados 268
4.5.4.7 Fragmentos de lascas unipolares 268
4.5.4.8 Fragmentos de rochas não modificados 268

4.6 Resumo da análise 271

CONDIDERAÇÕES FINAIS 280

BIBLIOGRAFIA 290
INTRODUÇÃO

Há pouco mais de 30 anos quase nada se sabia sobre a pré-história da


região Centro-Oeste, uma vez que só a partir do início da década de 1970 é que
as pesquisas arqueológicas sistemáticas começaram a ser realizadas na região,
primeiramente no estado de Goiás e, depois de mais de uma década, nos estados
vizinhos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Sem dúvida, a pesquisa mais abrangente, e a que mais informações
produziu, foi aquela ligada ao Programa Arqueológico de Goiás, que teve início em
1972 através de convênio firmado entre a Universidade Católica de Goiás-UCG e
a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS).
Seguindo a linha teórico-metodológica do Programa Nacional de Pesquisas
Arqueológicas (PRONAPA), algumas áreas do estado de Goiás foram
pesquisadas com o objetivo de elaborar um quadro crono-espacial das culturas
pré-históricas.
Para atender aos objetivos propostos, a metodologia de levantamento
baseava-se em prospecções oportunistas em locais que apresentassem
“indicadores” de sítios arqueológicos. Prospectava-se em superfície, dando
preferência às áreas próximas aos cursos d’água ou a porção superior dos
chapadões, evitando-se, assim, locais de difícil acesso, que não rentabilizariam o
trabalho nem em termos científicos nem financeiros (Schmitz et al. 1974; Schmitz,
et al. 1982).
Os sítios localizados eram trabalhados, inicialmente, de maneira a se obter
uma amostra da cultura material existente, afim de que pudessem ser definidas as
tradições e fases culturais.
Esperava-se, dessa maneira, conseguir dados comparáveis e
complementares aos obtidos nos demais estados do país, que se encontravam em
estágio mais avançado de pesquisa.
Assim, o Programa Arqueológico dividiu o então estado de Goiás (que
abarcava, naquela época, o atual estado de Tocantins) em oito grandes projetos1,

1
Projeto Paranaíba, Alto Araguaia, Complementar Centro-Sul, Alto Tocantins, Serra Geral, Médio Tocantins,
Ilha do Bananal e Extremo Norte, que abrangiam áreas que variavam de 35.000 a 70.000 km².
que foram trabalhados com intensidades diferentes2, e onde pode ser destacado a
área de Serranópolis, pertencente ao projeto Paranaíba, que compreende uma
concentração importante de sítios, na sua maioria em abrigos, ricos em vestígios
materiais, com estratigrafia clara e relativamente bem datados. Além disso, os
estudos ali realizados produziram um considerável volume de publicações.
Assim, os sítios descobertos e trabalhados em Serranópolis foram de
fundamental importância para a elaboração de um quadro crono-espacial das
culturas pré-históricas do Planalto Central Brasileiro3, sendo possível definir três
divisões temporais de ocupação. Sinteticamente, temos:
- o período mais antigo, denominado de paleoíndio, que se inicia por volta
de 11.000 AP e se estende até cerca de 8.500 AP, onde aparecem, como fósseis-
guias, os artefatos plano-convexos;
- o arcaico, onde os instrumentos unifaciais bem acabados desaparecem,
sendo substituídos por instrumentos menos elaborados, com uma indústria mal
definida;
- e o ceramista, surgindo por volta de 2.000 AP, primeiro, ao que parece,
com uma horticultura incipiente, caracterizado pela fase Jataí; depois por grupos
agricultores, habitantes de grandes aldeias (fases Aratu e Uru, principalmente).

Seguindo, ainda, a linha do PRONAPA, a análise do material arqueológico,


que permitiu realizar a divisão mostrada acima, era feita, essencialmente, a partir
da tipologia. Em relação ao material lítico, por exemplo, privilegiava-se a análise
dos instrumentos, que eram estudados tomando como base seus aspectos
morfológicos. Importava a identificação de semelhanças para, a partir daí, fazer-se
uma analogia direta: instrumentos semelhantes significavam culturas e ambientes
semelhantes.

2
Enquanto o Projeto Extremo Norte, por exemplo, nem foi iniciado, o Paranaíba contou com inúmeras etapas
de campo.
3
Apesar de termos iniciado essa introdução comentando sobre as pesquisas na região Centro-Oeste do país,
divisão, esta, estritamente política, a área de interesse do nosso trabalho é o Planalto Central, que será
caracterizado sumariamente no capítulo 1,
Porém, podemos perceber que, para o arcaico, onde os instrumentos que
aparecem são tecnologicamente pouco elaborados, os estudos tipológicos
tradicionais parecem não funcionar muito bem4. Talvez seja por isso que tão
pouca atenção tenha sido dada para a indústria lítica desse período (ver, entre
outros, Barbosa, 1981-2; Barbosa, 1985; Schmitz, 1981a; Schmitz, 1981b), tendo
ele sido definido, na verdade, muito mais pelas ausências: ausência de
instrumentos típicos, como as ‘lesmas’ do período anterior; ausência de cerâmica,
que caracteriza o período subsequente.
Se pretendemos conhecer melhor a indústria lítica do Arcaico5, acreditamos
que uma outra abordagem tem de ser utilizada: a abordagem tecnológica.
A tecnologia pode ser estudada como um sistema (Gille, 1978, entre
outros), o que significa que é possível formalizar as relações que a técnica
mantém com outros domínios, tais como o social, o econômico e o simbólico.
Tentaremos passar, portanto, de uma abordagem normativa para uma
sistêmica. Como podemos ver em Perles (1987a: 22):

L. Binford a clairement exposé les conséquences importantes, pour


l’interprétation des documents archéologiques, des deux sociétés
conceptions des sociétés humaines qui sous-tendent le plus généralement
les études archéologique. Il désigne la plus courante sous le nopm de
“normative”: on considère que les activités d’un groupe humain
répondent à des normes culturelles, et qu’elles sont largement
indépendantes les unes des outres (chaque domaine d’activités ayant sa
propre dynamique de changement).
A cette conception classique, Binford propose de substituer une
conception systémique, inspirée de L. White, dans laquelle les activités
humaines constituent des réponses adaptatives aux problèms posés par
l’environnement naturel et social, et où chacun des domaines d’activités
est en interaction constante avec les outres. Toute transformation dans
l’une des composantes du système social, que ce soit le symbolique,
l’économique, le technique, etc., ayant alors potentiellement des
répercussions dans les outres domaines.

4
Para uma crítica mais ampla aos estudos tipológicos ver, entre outros, Pèrles (1987a), Boeda (1997)
5
Na verdade não só do Arcaico, mas de todos os outros períodos, como esperamos mostrar no decorrer do
trabalho.
Assim, será a abordagem sistêmica das indústrias líticas pré-históricas que
permitirá, através da percepção das cadeias operatórias6, uma análise da
produção do instrumental lítico, bem como de suas implicações culturais,
espaciais e econômicas (Boeda et al., 1990).
No entanto, a cadeia operatória, assim como a noção de sistema, é
eminentemente sincrônica, o que não satisfaz as necessidades que o pré-
historiador tem de estudar a técnica no sentido da ‘longa duração’ – ou seja, da
evolução. Para isso, utilizaremos principalmente dois autores: Simondon (1985),
que estuda a individuação e a concretização dos objetos, e Deforge (1985), com a
noção de linha genética.
Tentaremos, ainda, seguindo as propostas de Rabardel (1995), estudar o
instrumento não somente pelo ‘objeto técnico’ que ele é, mas também pelo seu
esquema de utilização.

A área escolhida para realizarmos nosso estudo é aquela afetada pela


construção da Usina Hidrelétrica de Manso (MT) 7, ou seja, um trabalho de
‘aqueologia de contrato’. As pesquisas ali realizados, tanto em relação à
prospecção de sítios, quanto ao resgate do material, tentaram, também, seguir a
abordagem ‘sistêmica’. Dos mais de 60 sítios localizados, cinco foram
selecionados para fazerem parte da presente pesquisa.

O trabalho que apresentamos agora está dividido em cinco capítulos.


No primeiro capítulo é feita uma síntese da ocupação pré-histórica do
Planalto Central, dando especial ênfase à região próxima da área de estudo,
sendo as indústrias líticas dos diferentes períodos descritas sumariamente. Uma
crítica aos estudos tipológicos finaliza o capítulo.

6
A definição de cadeia operatória será mostrada no decorrer do trabalho, o mesmo acontecendo com outros
conceitos expostos aqui.
7
Esse projeto foi financiado, respeitando a legislação vigente, primeiro pela Eletronorte e, depois, por
FURNAS Centrais Elétricas.
O capítulo 2 começa com a definição de técnica e tecnologia. Segue-se um
breve histórico sobre o estudo das técnicas, e a contribuição de quatro autores
(Leroi-Gourhan, Gille, Simondon e Rabardel) para o desenvolvimento desses
estudos. Ainda nesse capítulo é explicitado a metodologia de análise do material
lítico.
O capítulo 3 trata da área de estudo, que é caracterizada tanto em termos
físicos (geologia, pedologia, geomorfologia, recursos hídricos) quanto
vegetacionais. São mostradas, ainda, as metodologias utilizadas para a realização
dos trabalhos arqueológicos (prospecção e resgate), além dos sítios selecionados
para fazerem parte do presente trabalho.
No capítulo 4, os sítios são descritos, bem como os trabalhos realizados em
cada um deles. Também são descritas as análise realizadas no material lítico
coletado.
Por fim, são feitas algumas considerações sobre o sistema técnico utilizado
para a confecção do instrumental lítico do período denominado de Arcaico (uma
vez que as no único sítio em que foi possível realizar datações, elas encontradas
remetem para esse período, além do ceramista), comparado-o tanto com o do
Paleoíndio quanto do período cerâmico.
1. A OCUPAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA BACIA DO RIO MANSO E O
CONTEXTO REGIONAL

A bacia do rio Manso foi alvo de poucos e rápidos trabalhos arqueológicos8,


insuficientes para darem uma idéia da pré-história da região. Assim, o presente
capítulo pretende traçar, de uma maneira geral, como se deu a ocupação da
região onde se insere a área em estudo.
Embora o enfoque da pesquisa sejam os grupos caçadores-coletores,
estenderemos esse esboço da ocupação até os grupos horticultores, pois, uma
vez que o material lítico lascado é o principal documento para a realização de
nossos estudos, é de fundamental importância termos uma idéia de como eles
aparecem associados aos grupos horticultores: isso nos permitirá não só
diferenciá-los (se houver algum diferença) daqueles confeccionados pelos grupos
caçadores-coletores, mas também perceber (se há) alguma evolução na maneira
de fabricá-los.
Em relação aos limites espaciais de nossa contextualização, resolvemos
delimitar a área não ao Planalto Central Brasileiro9, que abrangeria dados de
regiões mais distantes, como a dos estados do Piauí e Minas Gerais, por exemplo,
mas à intersecção do Planalto Central com a região Centro-Oeste, concentrando,
assim, a contextualização nas áreas mais próximas àquela em estudo.

8
Fora qualquer trabalho relacionado à obra da UHE Manso, havia, segundo o Cadastro Nacional de Sítios
Arqueológicos (CNSA) do IPHAN, o registro de 26 sítios pré-históricos, todos no município da Chapada dos
Guimarães (porém, como não é fornecida a localização dos sítios, não é possível saber se os mesmos
encontram-se na bacia do rio Manso).
Desses 26 sítios, 23 são em abrigos sendo que 21 deles apresentam pinturas e/ou gravuras e 4 apresentam
material arqueológico (lítico e/ou cerâmico). Dos 3 sítios a céu aberto, 2 apresentam material lítico, enquanto
que o outro refere-se a um lajedo com gravuras.
Ainda de acordo com o CNSA, apenas 3 sítios foram alvos de coleta de material: um dos sítios líticos a céu
aberto sofreu coleta de superfície, um dos abrigos, denominado de Morro do Grito (Letreiro dos Bugres), foi
escavado por J. Perie, e em outro, Boqueirão, foi realizado um corte estratigráfico por M. Simões.
9
O planalto Central Brasileiro abrange o estado de Goiás e parte dos estados do Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso, Tocantins, Bahia e Minas Gerais (ver mapa 1.1). Ele se distingue das outras regiões do Brasil tanto
pelo seu relevo, regular e relativamente elevado (majoritariamente entre 500 e 1.000 m de altitude), que o
separa da planície amazônica, ao Norte, e do pantanal., à Oeste (ver mapa 1.2); por seu clima, semi úmido, se
distinguindo da Amazônia, ao Norte, e do Planalto Meridional., a Sul, que são mais úmidos, e do Nordeste,
mais árido (ver mapa 1.3); além de sua vegetação típica, o cerrado (ver mapa 1.4).
Como vimos mais acima, o estudo das indústrias líticas será de
fundamental importância para a nossa pesquisa, uma vez que elas constituem, até
o aparecimento da cerâmica, a categoria de vestígio arqueológico mais
abundante, e são indispensáveis para o estudo de grupos caçadores-coletores.
No presente capítulo será feita, também, uma crítica aos estudos
tipológicos, maneira pela qual o material lítico tem sido analisado.
Como podemos ver em Odell (1996), as tendências de análise do material
lítico, assim como de qualquer outro tipo de material pré-histórico, seguem, como
deveria ser esperado, a trajetória comum de análise da arqueologia em geral.
Assim é que a pré-história consagrou a maior parte de seus esforços no
estabelecimento de um quadro crono-espacial. Esse objetivo fez com que se
focalizasse o interesse sobre os testemunhos cuja intencionalidade era mais clara
e imediatamente acessível pela observação direta (como os instrumentos líticos
retocados, por exemplo), o que parecia tornar também mais clara a percepção da
mudança cultural. Desta maneira, os artefatos mais característicos de certos
estratos eram utilizados como ‘fósseis guias’, permitindo o reconhecimento e
ordenação da sucessão das fácies industriais e das culturas que eles
identificavam (Cahen & Karlin, 1980; Karlin et al., 1991, entre outros).
A maioria dos estudos das indústrias líticas pré-históricas, portanto,
restringia-se à descrição e classificação de somente uma fração dos testemunhos
(os instrumentos retocados), em detrimento de uma interpretação mais geral das
atividades técnicas nas quais esses testemunhos se inserem. Ou seja: a
metodologia para análise dos aspectos que antecedem a produção de artefatos,
que podem definir as estratégias de obtenção da matéria prima, os métodos de
lascamento e, finalmente, o retoque que não visa exclusivamente a obtenção de
formas padronizadas, é muito pouco explorada para a interpretação desses
vestígios. (Fogaça, 1995:148)
Assim, de acordo com Perlès (1987b:1), as indústrias líticas constituem um
material científico ainda largamente subexplorado uma vez que ficaram
aprisionadas durante dezenas de anos nesse quadro científico estreito de uma
abordagem estritamente tipológica (e portanto estática), limitada somente ao
material retocado.
Aqui no Brasil a situação não foi diferente, em especial na região Centro-
Oeste, onde a pesquisa arqueológica sistemática teve início na década de 1970,
dentro de uma perspectiva histórico-cultural, privilegiando-se a identificação das
semelhanças entre as culturas materiais, que podem ser percebidas através das
tipologias: ferramentas semelhantes vão significar culturas semelhantes em
ambientes semelhantes.
De acordo com Politis (2003), a abordagem histórico-cultural foi, não só no
Brasil mas em toda América Latina, quase que exclusiva até os anos 60, e
continua sendo o paradigma dominante que estrutura as pesquisas arqueológicas
na região:

The North Americas culture-historical approch had a direct impact on


the archaeology practiced in every country of Latin America.
Archaeological finds were organized into a temporal framework of
cultures, periods and phases. Technological divisions, such as those
focused on ceramics and lithics, placed sherds and artefacts in seriation
sequences, compartmentaized styles, technological complexes, and
industries... The framework for the reconstruction of the past has been,
and remains, a comlpex mosaic in wich regional sequences, sites, and
interpretive units of integration such as periods, traditions, subtraditions
and horizons, are articulated within a culture-history dominated
approach. Most local archaeologist followed trends established by the
dominance of North American culture-history paradgm. (Politis,
2003:116-7)

As pesquisas realizadas seguindo essa abordagem resultaram em um


acúmulo de dados que se acredita serem suficientes para diferenciar as várias
culturas.
É isso que procuraremos ver a seguir.

1.1 As pesquisas na região Centro-Oeste


As pesquisas arqueológicas sistemáticas na região Centro-Oeste do Brasil
foram iniciadas no começo da década de 1970, com projetos executados, no
estado de Goiás, tanto pela Universidade Católica (UCG) como pela Universidade
Federal (UFG) de Goiás.
Enquanto a UCG iniciou, em 1972, o Projeto Arqueológico de Goiás10, a
UFG desenvolvia o projeto Anhaguera (1975)11 e o da Bacia do Paranã 12(1975).
Já nos estados vizinhos, Mato Grosso13 e Mato Grosso do Sul, as
pesquisas são ainda mais recentes, onde podem ser citados os trabalhos
realizados pelos Vialou14 (Vilhena-Vialou & Vialou, 1989, 1994, entre outros), além
do Projeto Arqueológico do Mato Grosso do Sul, desenvolvidos por Schmitz15.
Ainda mais recentemente, a partir do final da década de 80, inúmeros
trabalhos de contrato, realizados a fim de se cumprir a legislação relacionada à
proteção do patrimônio cultural, vêm sendo desenvolvidos nos mais variados
pontos da região.
É claro que todos esses projetos, sejam acadêmicos ou de contrato, foram
realizados com intensidades diferentes, em áreas de maior ou menor interesse e,

10
O Prograna Arqueológico de Goiás foi desenvolvido em colaboração entre a UCG, o Instituto Anchietano
de Pesquisas - Universidade do Rio dos Sinos, de São Leopoldo. As pesquisas seguiam as linhas estabelecidas
pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) onde “procurava-se estabelecer padrões
tecnológicos, de abastecimento e de assentamento das sociedades humanas pré-históricas,sua distribuição no
tempo e no espaço, e a razão das mudanças, acomodações e migrações” (Schmitz et al., 1982:6). Previa-se,
inicialmente, a pesquisa em 5 grandes áreas (expandindo-se, posteriormente, para 8) espalhadas pelo então
estado de Goiás (que incluia o atual estado de Tocantins).
11
O Projeto Anhaguera foi realizado através de um convênio firmado entre a UFG e o Museu Paulista da
Universidade de São Paulo, com prospecções realizadas nos municípios de Hidrolândia, Nazário e Bela Vista
de Goiás. Seguindo a linha francesa, preocupava-se em escavar superfícies amplas (Andreata, 1977; 1978).
12
Realizado também pela UFG junto com o Instituto Superior de Cultura Brasileira (ISCB), seguindo,
também, as mesmas orientações do PRONAPA: “...são abertos um ou mais cortes para sondagem, com níveis
artificiais de 10 cm. O corte padrão tem 1 x 1 m.” (Mendonça de Souza et al., 1977: 17-8). Tinha como
objetivo “o estabelecimento de uma seqüência cronológica e cultural para as áreas estudadas” (idem, p:15-6).
Esse projeto encampou as pesquisas realizadas por Simonsen, um ano antes, na mesma região.
13
O abrigo do Sol, localizado nesse estado, foi escavado por Miller, também na década de 1970.
14
As pesquisas desenvolvidas pelos Vialou começaram em 1983 e se desenvolveram em duas áreas distintas:
uma na região do rio Vermelho, à Oeste do município de Rondonópolis, onde foram encontrados mais de 50
sítios com pinturas rupestres, e outra na Serra das Araras, a cerca de 150 km à Noroeste de Cuiabá, onde
localiza-se o sítio Santa Elina, que apresenta datações, na sua camada mais profunda, que chegam a 27.000
BP.
Têm-se, também, as pesquisas desenvolvidas por J. Perie, que trabalhou em toda porção sul do estado, dando
ênfase aos abrigos com arte rupestre (apenas pouco mais de 40 peças líticas foram descritas por ele para toda
essa área (ver Perie, 1984: 195 ss)).
15
O Prograna Arqueológico do Mato Grosso do Sul, seguindo o mesmo molde do Programa Arqueológico de
Goiás, foi elaborado em 1986, a partir de um convênio entre a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, o
Instituto Anchietano de Pesquisas e a Universidade do Rio dos Sinos, de São Leopoldo, tendo sido escolhidas
4 áreas para a realização das pesquisas: Alto Sucuriú, Campo Grande-Dourados, Bela Vista e Corumbá.
consequentemente, forneceram informações distintas para a compreensão do
povoamento pré-histórico da região.
Não é nosso objetivo, aqui, como já foi mencionado anteriormente, fazer
uma análise desses projetos nem traçar uma história detalhada da ocupação pré-
histórica da área16, mas apenas mostrar, em linhas gerais, como se deu essa
ocupação, através da sequência cultural definida, bem como as principais
características das fases que compõe essa sequência, dando ênfase ao material
lítico lascado.
Para isso utilizaremos principalmente as pesquisas realizadas por Schmitz
na região de Serranópolis17 (sudoeste de Goiás), pesquisas estas que fizeram
parte do Projeto Paranaíba, que é um dos projetos do Programa Arqueológico de
Goiás. Segundo o autor, Serranópolis

É uma das áreas arqueológicas mais ricas e importantes do Brasil para o


estudo da implantação e transformação das populações caçadoras do
Holoceno (Schmitz et al., 2004:10).

“(...) é um lugar privilegiado pela convergência de uma grande extensão


de espaços abrigados, pela proximidade de ambientes diferenciados e
pela abundância de matéria prima útil para a produção de artefatos e
utensílios, condições que possibilitam uma ocupação constante (...)
(Schmitz et al.,1989:18).

Nessa região foram encontrados e pesquisados mais de 40 sítios (sendo


que os trabalhos neles realizados contaram, em geral, com coleta de superfície e

16
Inúmeros trabalhos tratam desse assunto. Podemos citar, entre outros: Wust, 1990, Prous, 1992; Robrahn-
Gonzalez, 1996; Oliveira & Viana; 1999/2000.
17
Também serão utilizados de uma forma mais intensa os trabalhos realizados na Bacia do Paranã por
Mendonça de Souza.
Os projetos Caiapônia e Alto Sucuriu, ambos coordenados por P. I. Schmitz, apresentam materiais
semelhantes à Serranópolis.
As pesquisas realizadas pelos Vialou (Vilhena-Vialou & Vialou, 1989, 1994, entre outros)
apesar de terem sido iniciadas há mais de 20 anos, e manterem certa periodicidade, não
tiveram muitos de seus dados publicados. Assim, as reclamações feitas por Wust, 15 anos
atrás, ainda continuam atuais: “Nenhum desses materiais arqueológicos [dos sítios Ferraz
Egreja e Santa Elina] até agora estão devidamente publicados, o que impede qualquer
estudo comparativo com as demais tradições arqueológicas” (Wust, 1990: 61).
Outros projetos, desenvolvidos na região ou nas proximidades, são mencionados para dar algumas pinceladas
no quadro de ocupação desenhado pelos autores acima citados.
abertura de poços testes), tendo sido coletadas e analisadas mais de 260.000
peças líticas.
Esses estudos tinham, como já mencionado acima, o objetivo não só de
estabelecer a sequência cultural, mas também de se ter uma idéia do ambiente
natural dentro do qual essas culturas evoluíram.
Os sítios arqueológicos, em sua, maioria estão situados em abrigos
rochosos amplos, que podem chegar até 1.500 m² de área, sendo que alguns
deles, como é o caso do sítio GO-JÁ-01, ‘o mais importante da região’ (Schmitz et
al., 1989:140), apresentam níveis de ocupação que atingem até 3 m de
profundidade, com datações que indicam que a ocupação humana no local vai
além dos 10.000 AP.
Nessa região a matéria prima é variada, abundante e de fácil obtenção. O
quartzito, ou arenito silicificado, cuja origem está no contato entre os arenitos da
Formação Botucatu com as lavas basálticas, é extremamente tenaz, útil para a
fabricação de instrumentos grandes, por percussão dura, direta. É a matéria prima
que predomina na indústria local, sendo que existem diversos afloramentos que
apresentam diferentes colorações, em geral clara. Os seixos dessa matéria prima
são raros (Schmitz et al., 2004:170).
A calcedônia pode ser recolhida nas proximidades dos abrigos, em
córregos ou eventuais frentes de erosão do basalto, e é trabalhada no espaço
abrigado. Aparece também em cores variadas.
Já o basalto é recolhido sob a forma de seixos e prismas, sendo usado sem
modificações intencionais ou transformado em instrumentos e artefatos de várias
utilidades.
Outras matérias-primas que estão disponíveis e que foram utilizadas, porém
com frequência bem menor, são os arenitos, os óxidos de ferro e os cristais de
quartzo.
Essas pesquisas desenvolvidas em Serranópolis, juntamente com outras
citadas mais acima (conforme notas 2 a 7 do presente capítulo. Ver, também,
mapa 1.5), puderam definir uma seqüência de ocupação da região, que
mostraremos, de maneira sucinta, a seguir.

1.1.1 As primeiras ocupações (12.000 – 9.000 BP), o período páleo-índio


Apesar de existirem datas que chegam a mais de 20.000 anos BP (23.320
+-1.000; 22.500 +- 500 no abrigo Santa Elina, pesquisado pelo casal Vialou
(Vilhena-Vialou et al., 1995); 19.400 +- 1.000 no abrigo do Sol, pesquisado por
Miller (1987), ambos no estado do Mato Grosso), o mais aceito, até o momento, é
que as primeiras ocupações humanas tenham ocorrido durante a transição do
Pleistoceno para o Holoceno, entre 12.000 e 10.000 anos antes do presente.
Enquanto que no Pleistoceno a temperatura parece ter sido
consideravelmente mais fria e a pluviosidade menor que agora, devido às
repercussões da última glaciação americana, na transição para o Holoceno a
temperatura começa a elevar-se, fazendo com que a fisionomia geral da área não
fosse tão distinta da atual, ainda que provavelmente o campo e o cerrado tenham
ocupado extensões maiores que as atuais em prejuízo das matas (Schmitz,
1981a).
É nesta faixa de tempo, portanto, que aparecem os mais antigos grupos de
caçadores-coletores da região, sendo encontradas datações em vários sítios,
como já foi sumarizado por Oliveira e Viana (1999-2000:149):

Os estratos inferiores do sítio GO-NI-49, no Alto Tocantins, estão datados


em torno de 10750+-300; no mesmo período situam-se os dos sítio GO-JÁ-
14, em Serranópolis, Goiás, com uma data de 10740+-75 AP. Ao analisar
os sedimentos do sítio GO-JÁ-01, também situados em Serranópolis, e
com uma data de 10580+-175, Schmitz (1980) (...) Em Mato Grosso,
caçadores-coletores (...) ocupam o vale do Guaporé entre 8930 e 10600
AP; também estão representado pelos grupos que ocuparam os sítios Santa
Elina, em Cuiabá, e Morro da Janela, em Rondonópolis, respectivamente
datados em 10120 e 10080 AP (Miller, 1983, 87; Vilhena-Vialou e
Vialou, 1989,1994; Wuste & Vaz, 1998). Para o nordeste do Mato Grosso
do Sul, Alto Sucuriu, há uma data de 10340 +-110 AP (Berber, 1994;
Veronezee, 1993).
Essa ocupação antiga foi denominada, por Schmitz, pelo menos no
sudoeste do estado de Goiás e nordeste do Mato Grosso do Sul, de Fase
Paranaíba. Apresenta uma indústria lítica muito característica, tendo, como fóssil
guia, artefatos plano-convexos, comumente denominados de “lesmas”. Através
desse fóssil-guia ela pôde ser atribuída à Tradição Itaparica, que primeiramente foi
definida por Calderon (1969) em seus trabalhos desenvolvidos em Pernambuco,
principalmente no sítio denominado de Gruta do Padre. Essa Tradição se espalha
por uma ampla região que vai do estado de São Paulo, ao sul, até Piauí e
Pernambuco, ao norte, e Minas Gerais, a leste.
Uma característica que podemos mencionar dessa tradição é a pouca
quantidade de pontas de projéteis líticas, o que foi interpretada sob vários
aspectos, entre eles, a possível existência de pontas confeccionadas em material
ósseo ou madeira e, portanto, perecíveis, ou que, devido ao porte dos animais
caçados não se justificaria a utilização de instrumento tão específico; finalmente, o
número restrito das pontas pode estar relacionada a sua utilização em outros
locais (Schmitz, 1978/79/80).
Outros instrumentos que ainda podem ser encontrados nesta fase são: faca
unilateral com dorso, faca bilateral, bicos, picões e grandes raspadores, sendo que
o primeiro tem como suporte lâmina, e os demais, lascas.
Quanto à tecnologia (Fogaça, 1990), tem-se que os suportes almejados são
lascas laminares, lascas espessas e, na maioria, corticais. A técnica utilizada é a
de percussão direta, com percutor duro, com grandes núcleos sendo explorados.
Os retoques, nos instrumentos, são unifaciais, diretos, raramente aparecendo o
retoque bifacial.
Quanto ao material rochoso não lascado

... existia numeroso material alisado ou picoteado, para o qual, em


Serranópolis, usaram-se seixos de basalto. Com eles se produziram mós
de faces polidas planas ou deprimidas, ou suportes com pequenas
superfícies esmagadas e enegrecidas, além de mãos, ou esmagadores, de
extremidades alisadas. (Schmitz, 1999:96).
Os restos alimentares indicam uma caça ampla e variada de animais,
incluindo mamíferos de médio e pequeno porte (que são a grande maioria da
região), repteis, anfíbios e aves, sendo que esses dois últimos em quantidade
menor. Observa-se, também, a pesca, além da apanha de moluscos.

Outras informações que se tem para esse período referem-se aos trabalhos
realizados por Simonsen (1975) principalmente nas nascentes dos rios Paranã e
Cocal, no Leste do estado de Goiás, onde foi definida a Fase Cocal.
A maioria dos sítios aí localizados ocupam as grutas (em número de 25) no
maciço de calcáreo da formação Bambuí, existindo ainda 9 sítios a céu aberto,
que foram caracterizados como oficinas líticas.
Apesar de não haver datações, devido à quantidade relativa de
instrumentos plano-convexos essa indústria foi considerada, por analogia,
contemporânea ao material da fase Paranaíba, pertencendo, portanto, à Tradição
Itaparica.
Além dos plano-convexos, tipologicamente foram definidos os seguintes
instrumentos:
- furadores-facas e furadores raspadores – sobre lascas e sobre núcleos;
- lâminas de machado lascadas – dimensões variadas, forma elipsoidal;
- raspadores – bordos ativos em metade ou maior porção da periferia, sobre
lascas e núcleos, apresentando dimensões e formas variadas (unguiforme,
triangular, elipsoidal, em ferradura, etc);
- Pontas de arremesso – unifaciais: foliaceas, com base reta e convexa;
plano-convexas com pedúnculos e aletas; biconvexa com retoque bifacial;
- furadores e buris – sobre lascas, com dimensões variadas.
De acordo com Fogaça (1990), quanto à tecnologia tem-se que os suportes
desejados eram lascas simples, de dimensões variadas, nada indicando a
presença de lascas laminares. A técnica utilizada é a mesma, de percussão direta;
e os retoques eram, predominantemente, diretos e unifaciais, com extensão e
ângulos variados.
Para o vale do Guaporé, no estado do Mato Grosso, tem-se o complexo
Dourado, definido por Miller (1987) através do material encontrado no Abrigo do
Sol, que é caracterizado por lascas de percussão dura, ocasionalmente
apresentando trabalho secundário por pressão; dentre os instrumentos foram
encontrados ‘lâminas de bifaces’ e diversos tipos de raspadores, sendo
preferencialmente confeccionados em basalto e arenito silicificado.

1.1.2 O período Arcaico (9.000 a 4.000 AP)


A partir dos 9.000 BP é possível perceber uma mudança no clima, se
apresentando, fundamentalmente, como uma transição entre uma fase quente e
seca e uma fase quente e úmida.

No clima do sudoeste de Goiás aparecem três momentos mais secos que


hoje, intercalados com momentos mais úmidos, cuja intensidade vai
aumentando em direção ao ‘ótimo climático’. No momento seco do
começo do período se percebe uma modificação acentuada e muito
rápida, na alimentação, tecnologia, e nos próprios assentamentos.
(Schmitz, 1981a:19).

Entre 7.000 a 4.000 AP a temperatura chegou a sua elevação máxima no


Holoceno, no chamado ‘ótimo climático’, sendo que no sudoeste de Goiás esse
período está marcado por uma intensidade muito maior da umidade, distribuída
em dois momentos com um intervalo um pouco mais seco. A vegetação se
expande extraordinariamente, criando florestas, distorcendo e dilatando os
cerrados e reduzindo as caatingas pelo menos até os limites atuais (Schmitz, 1981
a).

Parece, ainda segundo o mesmo autor, que a cultura, nesse período,


começa a se diversificar, ou se regionalizar, em busca de uma melhor adaptação
aos recursos locais. Nos abrigos de Serranópolis, por exemplo, percebe-se uma
clara discontinuidade cultural entre o período anterior e este.
Na indústria lítica essa discontinuidade pode ser percebida da seguinte
maneira:
desaparecem as peças bem trabalhadas sendo estas substituídas por
lascas com pequenos bordos denticulados, bicos, pontas-entre-entalhes,
ou simplesmente com bordos regularizados. Como desaparece o fino
acabamento dos raspadores, e desapareceram também as características
lascas de redução secundária, antes recolhidas aos milhares. Os artefatos
continuaram unifaciais, mas muito menos trabalhados. Como matéria
prima dos artefatos lascados, que antes era predominantemente quartzito
em grandes blocos, aparece, também, a calcedônia, presentes em blocos
muito menores. As mós e esmagadores continuaram existindo (Schmitz,
1999:96).

Quanto à tecnologia, tem-se que os suportes procurados são lascas


irregulares, com dimensões maiores que aquelas da fase Paranaíba, sendo que a
técnica continua sendo a de percussão direta com percutor duro. Os retoques, nos
instrumentos, são unifaciais, provavelmente diretos, criando partes ativas
especializadas, na maioria das vezes na ação de perfurar (Fogaça: 1990).
Na alimentação, continua a caça generalizada, sendo que os moluscos
terrestres ou de água doce passam a ocupar uma posição muito destacada, e os
frutos aparecem também em grandes quantidades.

Para o leste do estado de Goiás, no alto curso do rio Paranã, as pesquisas


ali realizadas (Mendonça de Souza et al., 1977; Mendonça de Souza et al., 1983-
84) definiram a fase Paranã, representativa de uma cultura existente entre 8.400 e
4.000 BP. Apesar da data, devido à presença de vários raspadores plano-
convexos, essa fase foi filiada à Tradição Itaparica, com os autores acrescentando
que se trataria de uma fase de transição, fim do Paleoíndio, e que daria início às
culturas do Arcaico Inferior.
O material vindo de cortes efetuados em 5 abrigos, além de duas oficinas
líticas, foi organizado tipologicamente a partir de três conjuntos de características:
morfológicas, métricas e de atributos discretos.
Os 382 artefatos recuperados foram divididos em 37 tipos organizados em
oito conjuntos:
- artefatos com pontas (furadores, pontas);
- artefatos com gumes (cunhas, formões, raspadores terminais, raspadores
laterais, facas, facas com bisel, talhadores, buris);
- artefatos com gume duplo (raspador-plaina, cunha-plaina, raspador com
gume duplo, plaina com gume duplo, talador bilateral, talador raspador, formão
raspador);
- artefatos com gumes periféricos (raspadores, plainas);
- artefatos com ponta e gume (cunha com ponta, furador- raspador terminal,
faca com ponta, talhador com ponta, raspador lateral furador, plaina com ponta);
- artefatos com dois gumes e pontas
- artefatos com superfícies ativas (bigorna, percutor, moedor)
- material corante.

Em relação à tecnologia, tem-se que os suportes procurados são


essencialmente lascas, predominantemente irregulares, apresentando pequenas
dimensões, sendo que as lascas laminares apresentam cerca de 5 % do material,
e aquelas que se apresentam corticais ou semi-corticais, pouco mais de 7 %. A
técnica utilizada também é a da percussão direta, com percutor duro. Os retoques,
essencialmente unifaciais, se dão sobretudo na face externa; aparecem pontas
bifaciais com aletas e pedúnculos (Fogaça: 1990).
Mendonça de Souza et al. (1983-4:22) afirmam ainda que

a técnica de manufatura, aparentemente, foi o espatifamento das massas


iniciais, e a elaboração posterior dos artefatos por percussão direta. A
presença, rara, de retoques delicados e regulares leva à suposição de que
a técnica de retoque por pressão possa ter sido empregada...

sendo que essa indústria pode ser diferenciada de todas as outras


descritas para o estado pela “... presença de numerosos micro-artefatos e micro-
lascas, elaborados a partir de pequenos cristais de quartzo...” (idem, p. 23).
Os autores levantam, ainda, a possibilidade de o território dessa fase se
expandir para Minas Gerais, até a região de Montes Claros, sendo que as
datações lá conseguidas são mais antigas, atingindo 8.000 a 7.000 AP, indicando
que teria ali se originado.
Ainda na bacia do rio Paranã, em especial no seu médio e baixo curso, foi
definida a Fase Terra Ronca, onde, apesar de ainda ocorrer predominância de
artefatos plano-convexos, é possível perceber uma modificação morfológica da
tipologia lítica em relação às outras fases definidas: artefatos de talhe maior, e
presença de uma porcentagem significativa de artefatos com retoques bifaciais.
De acordo com os autores (Mendonça de Souza et al., 1981-2) essa fase seria a
mais recente, já atingindo o período arcaico inferior.

1.1.3 Período ceramista (a partir de 2.500 AP)


A tradição ceramista mais antiga da região é a Una, com sítios situados
preferencialmente em abrigos, aparecendo tanto na Bacia do Paranã, onde as
datações remontam ao século V a. C, como no sudoeste de Goiás, onde
encontram-se evidências botânicas (milho, feijão, cabaça) em associação direta
com a cultura material.
Em ambos os locais os habitantes desse grupo teriam ocupado os níveis
mais superiores de abrigos que muitas vezes foram utilizados, em momentos
anteriores, por grupos caçadores-coletores.
Na região de Serranópolis foi definida a fase Jataí:

o instrumental lítico, muito abundante, é caracterizado por instrumentos


trabalhados sobre lascas grandes, com trabalhos e retoques bifaciais,
sobressaindo as lâminas de machado lascadas, facas e raspadores, todos
trabalhados em arenito silicificado. (Schmitz e Barbosa, 1985:14).

A Fase Palma, definida na área da bacia do Paranã principalmente com o


material do abrigo Salitre, apresenta artefatos líticos

plano-convexos, elaborados sobre arenito silicificado, jaspe, calcedônia


e quartzo, não apresentando morfologia claramente estabelecida,
caracterizando-se, antes, pelos possíveis usos que possam ter tido.
Predominam lascas utilizadas e artefatos de funções múltiplas, de talhe
médio e pequeno, plainas, raspadores, furadores, bicos, que foram
produzidos com a técnica de lascamento direto, com percutor duro e que
se assemelha à indústria lítica da fase Paranã. (Simonsen et al., 1983-
4:21).

O material dessa fase, que apresenta duas datações (1230 +- 90 AP e 740


+- 90 AP) aparece também em sítios abertos (diferentemente do que acontece na
região de Serranópolis), situados sempre nas proximidades de grutas.
Preliminarmente ela foi correlacionada à fase Jataí.

Além da Tradição Una, as duas outras maiores tradições que ocupam a


região central do Brasil são denominados de Aratu/Sapucaí e Uru.
A Aratu

é uma tradição cerâmica de grupos horticultores do Nordeste e centro do


Brasil, ligada ao horizonte agrícola ao qual também pertence a tradição
Sapucaí, que se identifica praticamente pelos mesmos elementos gerais, a
ponto de se propor a fusão das duas tradições. (Schmitz et al., 1982:49).

A estimativa é que ela tenha aparecido nos primeiros séculos depois de


Cristo, sendo que seu fim pode estar relacionado à conquista européia.
Já a Uru é uma tradição de grupos horticultores das bacias dos rios
Tocantins e Araguaia, podendo ser levantada a hipótese que os grupos
pertencentes à essa tradição sejam provenientes da região Amazônica. Sua
datação inicial é mais recente (por volta dos séculos VIII e IX), sendo que sua
distribuição espacial também é bem mais limitada, restringindo-se às regiões do
alto e médio rio Araguaia, alto rio Tocantins e vale do rio São Lourenço. Seu fim
parece ter acontecido também com a colonização européia.
O material lítico encontrado, na região do Projeto Centro-Oeste, nos sítios
ligados à essas duas tradições, são de uma pobreza impar.
Para se ter uma idéia, nos 30 sítios da Tradição Aratu, localizados durante
pesquisas realizadas no Centro-sul de Goiás, foram coletados apenas 77 peças
líticas, sendo que dessas, somente nove são lascadas (0,3 peças por sítio): sete
lascas e dois instrumentos (ambos raspadores)18.
Já para a Tradição Uru, os 53 sítios forneceram 155 peças, sendo que 56
são lascadas (1,06 peças por sítio): 40 lascas, onze instrumentos (talhadores uni e
bifaciais, raspadores e furadores) e cinco núcleos (cf. quadro 1.1).
A tradição Tupiguarani também está presente na região, com seu material
característico aparecendo de forma intrusiva em sítios da tradição Aratu. Assim
como para as demais tradições, o material lítico é escasso e pouco estudado.
Já para o estado do Mato Grosso, tem-se o trabalho desenvolvido por Wust
na bacia do rio Vermelho, onde, para os sítios de tradição Uru, Bororo e
Tupiguarani, todas ceramistas, encontra-se uma densidade bem maior de material
lítico: para 63 sítios habitação dessas tradições ceramistas foram coletadas 2070
peças líticas (32,86 peças por sítio). Mesmo apresentando uma maior quantidade
de material lítico, pode-se notar que ‘a densidade é relativamente baixa’ (Wust,
1990:288).
Ainda nessa região, a presença de grande quantidade de material lítico vai
aparecer em quatro sítios denominados de ‘lito-cerâmicos’, onde ocorrem apenas
78 fragmentos cerâmicos (tanto da Tradição Uru como de uma outra ainda não
definida), número que não alcança 8 % de todo material encontrado nesses sítios
(Wust, 1990: 367)19.
Infelizmente, da maneira como foi apresentada a análise do material lítico,
não é possível identificar o material que pertence a cada sítio20.

É interessante notar que esse fato, grande quantidade de material lítico


associado a poucos fragmentos cerâmicos, ainda causa certa estranheza, não
sendo considerados sítios ligados a grupos ceramistas. Da mesma maneira que a

18
Outra pesquisa realizada próxima a essa área forneceu um número um pouco maior de material lascado: 57
peças (sendo 28 lascas; 5 fragmentos de lascas; 9 lascas bipolares; 9 núcleos, e 6 instrumentos, sendo um
plano-convexo) para 10 sítios da Tradição Aratu (Mello (org), 1996).
19
Não há nenhuma datação para esses sítios. Apenas no MT-SL-37, para uma ocupação anterior (nível 20-30
cm), sem a presença de cerâmica, tem-se a data de 2570 +- 70 BP (Wust, 1990: 374 – tabela 9). Mesmo
assim, a autora situa cronologicamente estes sítios entre 250 dC e 800 dC , provavelmente através do material
cerâmico (Wust, 1990:367).
autora citada acima faz uma distinção entre esses sítios, denominando-os de
‘sítios lito-cerâmicos’ em oposição aos cerâmicos: ‘sítios Uru’, ‘sítios Bororo’, etc.
(todos classificados como sítios habitação), podemos ver, em outros trabalhos,
que sítios dessa natureza (grande quantidade de lítico lascado, pouca cerâmica)
são tratados como se fossem duas ocupações distintas. Esse é o caso, por
exemplo, de alguns sítios encontrados no rio Tocantins (TO), em área afetada por
construção de uma barragem:

Temos ainda 2 sítios (Lajeado 6 e 12) que apresentam uma quantidade


extremamente pequena de cerâmica em relação ao material lítico
lascado, o que fez com que fossem, no momento, enquadrados na
categoria de ‘sítios líticos’, e apresentados aqui apenas a descrição de
suas peças cerâmicas. (Robhran-Gonzalez & Blasis, 1997:29).

Pode-se ver que, em geral, já existe um padrão cristalizado pelo


arqueólogo: sítios ligados a grupos ceramistas apresentam uma baixa densidade
de material lítico lascado, e que este material, por sua vez, apresenta um baixo
nível técnico em sua fabricação. Isso pode ser visto, por exemplo, quando
Robhran-Gonzales e Blasis comentam sobre o material lítico dos ‘sítios cerâmicos’
encontrados na área mencionada acima:

... o material lítico lascado é geralmente escasso nestes sítios ...


A produção de utensílios lascados em sítios de grupos ceramistas
representa, na maior parte dos casos, uma atividade aparentemente
casual, com uma tecnologia que pode ser considerada expedita... os
retoques não exibem o delineamento elegante que caracteriza a
manufatura dos artefatos presentes em sítios líticos, como as lesmas.
(Robhran-Gonzalez & Blasis, 1997:37-9).

Em resumo, a cronologia existente para a área é a seguinte:


- no período Paleoíndio aparece o que Mendonça de Souza (1981-2) chama
de ‘subtradição Paranaíba’, onde o fóssil guia seria o artefato plano-convexo, e

20
“Embora fosse desejável explicitar o material lítico a nível de cada um dos sítios, isso somente foi possível
onde as fases Paranaíba e Cocal seriam as mais antigas. Ainda dentro dessa
‘subtradição’ tem-se a fase Paranã, que apareceria em uma transição para o
período Arcaico, e a Terra Ronca, que já surgiria no Arcaico Superior;
- para o período arcaico, tem-se a indústria lítica da Fase Serranópolis,
onde é possível perceber uma discontinuidade em relação às fases anteriores:
desaparecimento das peças bem trabalhadas, dos finos acabamentos;
- por fim, no período horticultor, caracterizado pela presença de material
cerâmico, tem-se as fases Jataí e Palma (mais antigas), que estariam ligadas à
tradição Una, e onde aparece uma quantidade relativamente grande de material
lítico. Ainda no período horticultor (ou já no agricultor, como preferem alguns
autores, como Wust, 1999) encontra-se os grupos das ‘grandes aldeias’
(Tradições Aratu e Uru, principalmente) onde o material lítico lascado é escasso,
ou quando aparece em grande quantidade ele não é relacionado, pelos
arqueólogos, a esses grupos horticultores.

Como podemos ver, através dos dados publicados por Schmitz (2004),
nota-se claramente que, pelo menos para a região de Serranópolis, há uma
ruptura entre a fase Paranaíba e as demais ali encontradas, tanto no que se refere
à tipologia do material lítico como aos restos alimentares.
Quanto ao material lítico, as curvas referentes ao material da fase Jataí são
muito semelhantes às da Serranópolis (com a exceção de que esta última
apresenta uma menor porcentagem de talhadores), enquanto que o material da
fase Paranaíba apresenta uma maior porcentagem de lesmas e menor de
talhadores e instrumentos embotados.

no tratamento estatístico dos componentes principais” (Wust, 1990:287)


Gráfico 1.1 - Tipologia dos instrumentos líticos lascados das fases culturais da região de
Serranópolis (gráfico acumulativo) (dados retirados de Schmitz, 2004).

Tipologia do material lítico

100
90
80
70 Jataí
60 Serranópolis
50
%

40 Paranaíba
30
20
10
0
do

il
es

a
o

or

ce
or
do

ét
sm
ad

ad
ta

ad
pl

fa
oj
ca
ul
m

bo

le

pr

bi
lh

sp
to
ic
si

ta
em

de
nt

re

ra
a

de
nt

a
po

nt
po

Gráfico 1.2 - Tipologia dos instrumentos líticos lascadosdas fases culturais da região de
Serranópolis (dados retirados de Schmitz, 2004).

Tip o lo g ia d o m a te ria l lítico

50
45
40
35 Jataí
30
25 Serranópolis
%

20
Paranaíba
15
10
5
0
do

il
es

a
o

or

ce
or
do

ét
sm
ad

ad
ta

ad
pl

fa
oj
ca
ul
m

bo

le

pr

bi
lh

sp
to
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si

ta
em

de
nt

re

ra
a

de
nt

a
po

nt
po
Já quanto aos restos faunísticos, é possível perceber que na fase Jataí é
encontrada uma quantidade bem menor do que nas outras fases (devido,
provavelmente, à maior inclusão de alimentos de origem vegetal vindos da
horticultura).

Gráfico 1.3 - Total de restos faunísticos x fases culturais (dados retirados de Schmitz, 2004).

Total de restos faunísticos

11,36%

36,52%
jatai
Serranopolis
Paranaíba

52,12%

Gráfico 1.4 – Porcentagem de restos faunísticos x fases culturais (dados retirados de Schmitz,
2004).

Quantidade Geral de restos faunísticos

0,9000
0,8000
0,7000
0,6000
jatai
0,5000
Serranopolis
%

0,4000
Paranaíba
0,3000
0,2000
0,1000
0,0000
moluscos peixes anfibios répteis aves mamíferos
No entanto, pode-se notar, também, que as porcentagens encontradas para
a fase Jataí se assemelham àquelas encontradas para a fase Serranópolis, sendo
que a fase Paranaíba apresenta uma porcentagem maior de restos de mamíferos,
e menor de moluscos.

Gráfico 1.5 - Comparação dos restos faunísticos x fases culturais (dados retirados de
Schmitz, 2004).

Fauna x Fase
1,0000

0,8000

0,6000
jatai
%

0,4000 Serranopolis
Paranaíba
0,2000

0,0000
es
es

s
s

s
s

ei
io

ro
co

av
ix

pt
fib

ífe
pe
us


an

am
ol
m

Pelo menos no que se refere à tipologia vista acima para a região, o


material lítico da fase Serranópolis é bastante semelhante ao dos grupos
horticultores (pelo menos aos mais antigos, ligados à Tradição Una, já que a dos
mais recentes pouco se sabe).
Percebe-se que enquanto o período paleoíndio tem um fóssil guia que o
define, o artefato plano-convexo (apesar de ele avançar pelo período
subsequente, pelo menos na região do Paranã, leste de Goiás), e que o período
horticultor é caracterizado pela presença da cerâmica, o período arcaico é mal
definido, com o material lítico relativo a esse período caracterizado mais pela
ausência de planos-convexos do que por qualquer outro fator.
Para se ter uma idéia, em seu artigo sobre a evolução da cultura no
Sudoeste de Goiás, Schmitz (1981b) utiliza três páginas (mais de 20 parágrafos)
descrevendo a indústria lítica da fase Paranaíba, enquanto reserva apenas um
parágrafo para a indústria da fase Serranópolis.
Barbosa, em dois artigos sobre o ‘Período Arcaico’ (1981/2; 1985), escreve
apenas uma frase sobre o material lítico: “Todo o período é caracterizado por uma
indústria lítica homogênea [!!] que recebe a denominação de fase Serranópolis”
(Barbosa, 1981/2: 57), sem sequer citar os tipos de instrumentos que aparecem!
Como é possível ver em Miller Jr (1978/79/80), já há muito tempo, desde o
final da década de 1970, o termo ‘arcaico’ gerava certa controvérsia. Segundo o
autor, esse termo começou a ser usado na arqueologia americana para designar o
início da vida sedentária em comunidades relativamente estáveis; posteriormente
foi utilizado para representar períodos de grandes mudanças ecológicas:

“No Brasil estamos começando mais ou menos como no Leste da


América do Norte, provavelmente seguindo a sequência de Philip
Phillips, colocando o arcaico como aquele hiato pouco explicado, pouco
entendido, entre o Paleoíndio que supostamente seriam caçadores de
megafauna e os agricultores, que classicamente consideramos ser
indicados pela presença de cerâmica. Já estamos começando a ver que
isso também é inviável como marcador de horizonte.” (Miller Jr.
1978/79/80: 16).

Ou seja, aqui também o Arcaico é um período pouco explicado, sendo


caracterizado mais pelas ausências do que por uma característica própria:
ausência de artefatos típicos, como as ‘lesmas’ que caracterizam o período
anterior; ausência de cerâmica, que caracteriza o período subseqüente.

1.2 Críticas aos estudos tipológicos


Como foi visto no item anterior, foi possível diferenciar duas diferentes
indústrias, que se sucedem no tempo, atribuídas aos grupos caçadores-coletores
que habitaram o Planalto Central; com a primeira ocupação caracterizando-se pela
presença de artefatos plano-convexos, sendo incluídos, devido a isso, na Tradição
Itaparica, sendo seguida pela fase Serranópolis, que se manifesta pela presença
de uma indústria sobre suportes poucos transformados, e que não se enquadram
no esquema tipológico que descreve a fase anterior.
Assim, esse parece ser

o contexto macro-regional hoje estabelecido para o Planalto Central


Brasileiro. Constitui-se de dois conjuntos referenciais associados:
- uma sistematização de dados empíricos: uma sucessão de indústrias
líticas pré-cerâmicas que se inicia por um período no qual predominam
artefatos unifaciais, seguido de outro período de indústrias sem artefatos
tipologicamente reconhecíveis, ambos associados, por vezes e em alguns
sítios, a peças bifaciais;
- uma sistematização de idéias para interpretar os dados organizados: um
amplo contexto sócio-culturtal (determinado ecologicamente) cujo
sistema econômico explicaria as indústrias do primeiro período; o
desaparecimento dos instrumentos antigos explicar-se-ia por variáveis
ambientais independentes, implicando em novas estratégias adaptativas
e em novas indústrias líticas” (Fogaça,1995:146)

É justamente por essa facilidade e habilidade em organizar os registros


arqueológicos em unidades comparáveis, através da tipologia, que proporciona
um poderoso instrumento de descrição podendo sintetizar os dados em uma
escala regional e oferecer métodos para investigar áreas desconhecidas, que esse
legado da abordagem histórico-cultural tem sido difícil de ser modificado na
arqueologia corrente da América Latina. Essa habilidade para incorporar
informações de áreas pouco conhecidas em um amplo esquema é a razão chave
para sua popularidade. Atualmente, muitos arqueólogos latino-americanos vêem a
abordagem histórico-cultural como a maneira mais apropriada de se iniciar
projetos de pesquisas em uma nova área geográfica (Politis, 2003).
E, como podemos ver, é realmente isso que ocorre na maioria dos
trabalhos realizados aqui no país, pois

a ênfase na elaboração de tipologias fica patente na ‘economia’ dos


textos, sejam eles artigos sintéticos ou publicações detalhadas: há
subordinação dos comentários de caráter tecnológico à categorizações
tipológicas também na medida em que o grau de detalhamento dessas
últimas se materializa num volume de texto muito maior. (Fogaça,
2001:8)
Uma questão levantada por Fogaça (2001:120), entre outros autores,
consiste em

perceber se tipologia e tecnologia diferenciam-se apenas enquanto opções


metodológicas distintas para o tratamento de uma mesma categoria de
testemunho ou tratam-se de opções que implicam na concepção de
distintas categorias de testemunhos, ainda que os objetos permaneçam os
mesmos.

Ainda para o mesmo autor,

a solução não pode se resumir à simples constatação de que tipologias


foram necessárias nos prelúdios da arqueologia pré-histórica para
caracterização gerais de diferentes ‘culturas’, enquanto que estudos
tecnológicos (entendidos como mais ‘minuciosos’, ‘detalhistas’ ou
‘especializados’) assumiram um papel posterior visando o detalhamento
de grandes painéis previamente construídos (Prous, 1986-90; Karlin et
al., 1991).
Esses argumentos consideram implicitamente uma relação de
complementaridade entre as duas perspectivas de abordagem (...) desde
que seja atribuída uma única finalidade à arqueologia pré-histórica: a
reconstrução de cenários histórico-culturais. Impõe-se assim ao artefato
lítico o valor de testemunho de alguma particularidade histórica sobre
seu valor enquanto testemunho de um fenômeno tecnológico (Sigaut,
1993:383). Dessa perspectiva cria-se a recita segundo a qual o
arqueólogo, sempre que se defrontar com terrenos virgens, sem
informações arqueológicas deverá necessária e primeiramente
estabelecer os diferentes conjuntos de objetos que se justapõe e se
sucedem no espaço e no tempo. (Fogaça, 2001:120 ss)

Os métodos (tecnologia, tipologia) só são instrumentos criados para


responder a uma necessidade de compreensão. Sua existência e duração
refletem sua capacidade de resolver os problemas para os quais eles são criados.
Se novos meios de estudo aparecem, são em resposta a uma necessidade,
ligadas ao surgimento de novos problemas, que reclamam novos instrumentos
(Boeda 1997: 23).
Assim, podemos notar que a cultura material tem sido considerada como
remanescente histórico em vez de remanescente técnico. Isso significa que os
pré-historiadores têm preferido usar esses restos para estabelecer tipologias e
cronologias, tentando identificar as características das culturas, em vez de tentar
reconstituir as atividades humanas que os produziram.
Isso não quer dizer que o segundo desses objetivos é mais legitimo que o
primeiro; ambos são válidos. No entanto, isso mostra que as contribuições feitas
pelos arqueólogos para a história das técnicas tem sido relativamente modesta
mesmo que eles tenham se especializado no estudo dos restos materiais (Sigaut,
1993).
A tipologia, que é um procedimento de diferenciação, foi, portanto,
amplamente utilizada nos estudos do material lítico lascado. Sua pertinência se
afirma através da capacidade das características escolhidas evocar diferenças.
No entanto, essa classificação tipológica não repousa somente sobre a
dicotomia instrumento / não instrumento. No caso das indústrias líticas, na análise
tipológica de Bordes, por exemplo, são encontradas

Pièces retouchées, qui correspondent effectivament à des outils, phase


terminale de la chaîne des opérations techniques, mais on y retrouvera
aussi des pièces non retouchées qui ne sont pas des outils comme, par
exemple, des produits Levallois ... D’une certaine manière les critères
retenus pour cette classification sont simplement ceux qui permettent la
sélection d’objets “informatifs”, c’est-à-dire susceptibles d’évoqueer des
différences. Cette classiffication investit l’objet d’une spécificité
subjective – fonctionnelle dans le cas des outils, technique dans le cas
des pièces non retouchées – et lui ôte tout individualité: “un racloir est
un racloir, qu’il soit sur eclát Levallois ou éclat ordinaire” (Bordes, F.
1981, p. 21)”. (Boeda, 1997:23-4)

Além disso, a escolha dos critérios e das características da definição dos


objetos subentende uma hierarquização da informação obtida. Em uma mesma
categoria, cada objeto é definido por sua diferença com um outro objeto: raspador
simples direto / raspador duplo convexo, etc.. Assim, uma lista tipo se vê
representativa de diferenças: diferenças de categorias: racloir, gratoir, etc;
diferenças de tipos no interior de uma mesma categoria: raspador simples,
raspador duplo, etc; diferenças de utilização de lasca Levallois, etc. Essas
diferenças são julgadas suficientemente informativas para testemunhar seja um
modo de vida particular, seja uma especialização funcional do objeto ou de seu
lugar de abandono – atelier de lascamento/ habitação, sítio em gruta/céu aberto,
etc. (Boeda, 1997:24).
Conforme pode ser visto em Perlés (1987a: 27 ss), entre outros, várias
críticas podem ser feitas à essa tipologia baseada exclusivamente nos
instrumentos acabados:
- a interpretação em termos exclusivamente culturais das diferenças
tipológicas não é satisfatória: é preciso ver igualmente as diferenças funcionais;
- não é satisfatória, também, em termos de rigor científico pois às listas
tipológicas faltam coerência interna;
- é uma abordagem reducionista: só considerando o instrumento finalizado,
por uma parte, e resumindo-os à alguma características que fundam a definição
do tipo, por outra; uma grande parte de informações é perdida: escolha da matéria
prima, escolha do suporte, modalidades de retoque, etc. Isso acontece para todas
as categorias do material lítico que não são levadas em conta na análise: núcleo,
lascas, etc.
Ainda segundo a autora, para responder a essa última objeção uma outra
abordagem analítica vai progressivamente substituir a precedente, de modo a
evidenciar as escolhas técnicas sucessivas, desde a aquisição da matéria prima
até o instrumento rejeitado, ou seja, uma abordagem que trata do material em
termos tecnológicos.
O objeto levado em conta pelo observador como tipo já está carregado de
informação que não vem do objeto, mas da analogia considerada para determiná-
lo. Essa analogia é só uma intuição. Por exemplo, um bordo retocado se torna
sinônimo de utilização; se esse retoque é lateral consideramos, por analogia com
nossos próprios instrumentos ou com aqueles dos povos ditos primitivos, que ele
deveria servir para raspar: de acordo com a tipologia já se tratará de um raspador.
Mas essa informação, da existência de um raspador, é exata? Trata-se realmente
de raspadores?
Essa analogia vem de nossa experiência pessoal e, como podemos ver em
Sigaut (1993:382), ela trás consigo os inevitáveis riscos. O primeiro risco é o da
ignorância: é pela ignorância que não conseguimos identificar o objeto. O
segundo, e talvez mais sério, é o da familiaridade, que geralmente nos leva por
uma trilha falsa que depois é difícil abandonar.
Nós temos uma informação sobre a presença e quantidade de
determinados objetos, mas em nenhum caso trata-se da informação sobre o
objeto técnico. E a resposta técnica não pode vir de tal abordagem tipológica.
Assim, parece ficar claro que os critérios e as características escolhidas
para definir um tipo refletem mais a idéia que o pré-historiador faz do homem da
pré-história, de seus objetos e modo de vida, que do valor real do objeto técnico.
Além disso, só levando em conta o instrumento, ou seja, a fase final das
operações técnicas, a tipologia é incapaz de dar conta dos conjuntos de
conhecimentos postos em prática para se chegar ao objeto.
Isso fica claro no exemplo da ponta levallois, que é definida como um
produto triangular, com um triângulo na extremidade proximal e uma nervura na
distal (não sendo levado em consideração a proporção entre sua largura e
comprimento).
Na verdade, a ponta levallois pode ser obtida usando-se vários esquemas
operacionais (cf. figuras 1.1 e 1.2); inversamente, os núcleos levallois produzem
pontas que mostram diferentes proporções entre o comprimento e a largura (cf.
figura 1.3). (Boeda, 1995a; 1995b). Fatos, esses, que não podem ser detectados
pela abordagem tipológica.

Como podemos ver em Boeda (1997:25):


Une liste type n’est pas représentative de la culture technique d’un
groupe: faciès culturel, mais uniquement de quelques savoirs techniques:
faciès de connaissance, puisqu’elle se limite à saisir des objets que des
schemás isolés de leur function et de leur fonctionnement et non du sens
temporel de leur évolution en tant qu’objet technique.
Plutôt que de projeter sans précaution un sens technique sur ces vestiges
de societés disparues que nous interpréton alors de façon éthnocentrique
avec la systématicité technique de notre temps (Séris, J.-P. 1994), nous
devrions avant tout demander:
- Un objet isolé a-t-il pas sens?
- Le fait de l’isoler n’a-t-il pas plus de sens?
Todo objeto é só um índice, um resultado, um testemunho calado, um
elemento abstrato e inerte. Não há sentido nele, ele não pode traduzir por sua
forma exterior o tipo de intencionalidade que foi investido por seu autor. Portanto,
é preciso ir além do simples reconhecimento das formas, pois uma mesma forma
pode resultar de conhecimentos diferentes.
Só a consideração do objeto como objeto técnico21 é suscetível de dar
acesso a uma inteligência da técnica. Essa inteligência é definida através da
reconstrução do sistema (onde é preciso, para determiná-lo, fazer um cruzamento
dos usos, dos objetos e das matérias-primas), e pelas relações desse sistema
com outros componentes estruturais de uma sociedade.
Ou seja, àquela concepção ‘normativa’, onde as atividades de um grupo
humano respondem às normas culturais, sendo elas largamente independentes
uma das outras (cada domínio de atividade tendo sua própria dinâmica de
mudança) propõe-se substituir por uma concepção sistêmica (Binford, 1964), na
qual as atividades humanas constituem respostas adaptativas aos problemas
postos pelo ambiente natural e social, e onde cada um desses domínios de
atividades está em interação constante com os outros. Toda transformação de um
componente do sistema social, quer seja simbólico, econômico, técnico, etc., terá
potencialmente repercussões nos outros domínios.

21
Objeto técnico é aquele objeto estudado através de uma análise tecnológica, como testemunho de uma
interação entre o homem e seu meio (Boeda, 1991), ou seja, aquele objeto que é estudado como resultado de
uma cadeia operatória (Geneste, 1991).
2. O QUE A TÉCNICA TEM A NOS ENSINAR?

A humanidade se inscreve em uma ‘tecnosfera’, os artefatos são


onipresentes, povoando todos os ambientes, todas nossas atividades, todos
nossos saberes.
No momento atual das ciências humanas, a maioria das correntes está de
acordo em pensar que a abordagem da cultura e dos sistemas sociais não pode
se fazer sem o estudo das técnicas (Ploux e Karlin, 1994).
No entanto, como podemos ver em Sigaut (1997:420), os antropólogos
contemporâneos são extremamente reticentes quanto à técnica, principalmente a
partir da segunda metade do século XX.
Esse fato é confirmado por Geneste (1991:1):

(...) un demi-siècle après que l’oeuvre maîtrisse d’André Leroi-Gourhan


en matière d’élaboration théorique et de conceptualisation du domaine
technique en ethnologie et archéologie ait été conçue, force est de
constater – d’outres l’ont fait avant moi – que dans notre discipline,
plusieurs décennies se sont écoulées avant que le fil discursif légué ait
éte repris.
Ce temps de latence est dû en partie au manque de réceptivité du milieu
scientifique, engagé alors dans l’outres problématiques et confronté,
sous l’emprise d’outres paradgmes, à la resolution dáutres problémes.

De acordo com o mesmo autor, a arqueologia ficou ainda mais isolada e


tardou-se a integrar em uma conceitualização teórica do técnico. Isso se deu por
duas razões: a ignorância das relações sociais que existem nos instrumentos,
objetos e técnicas e, principalmente, o fato de que os objetos é que foram, mais
que os processos, a preocupação dos pesquisadores em tecnologia cultural.
(Geneste, 1991),
Mas afinal, o que é técnica? O que é tecnologia?
Há várias definições para a técnica, uma delas é ‘o conhecimento dos atos
necessários para obtenção do resultado procurado’. Uma mais ampla, definida por
White, seria ‘o modo de as pessoas fazerem as coisas’, enquanto que a de Mauss
é provavelmente a mais elaborada: ‘a técnica é um conjunto de movimentos ou
atos, usualmente e na maior parte das vezes manual, organizada e tradicional,
combinada para atingir um objetivo físico, químico ou orgânico conhecido’ (Sigaut,
1997: 423).
A técnica é considerada como um mediador entre natureza e cultura, sendo
possível afirmar que é a atividade mais racional do homem, e a mais
característica. Essa atividade, mesmo sob a forma individual, não é
biologicamente adquirida no nascimento, mas socialmente apreendida e
socialmente transmitida.
Há uma diferença muito grande entre os atos vegetais e animais, com os
atos humanos que chamamos de técnica.
No homem, ao contrário dos animais e plantas, nem a sua composição
bioquímica, nem o meio físico-químico favorável são suficientes para lhe fazerem
adquirir técnica e linguagem, é preciso um meio social. É o contato com os outros,
após o nascimento, que permite essa aquisição.
Já a tecnologia é o estudo das técnicas. Ou seja, a tecnologia é para a
técnica o que todas as ciências são, ou deveriam ser, para seus objetos: o que a
lingüística é para a linguagem, a etologia para o comportamento, etc. Tecnologia
é, portanto, uma ciência e, devido aos fatos técnicos serem fatos da atividade
humana, é uma ciência humana, um ramo da antropologia. Assim, é preciso
entender os fatos técnicos pelo o que eles são: nomeadamente fatos sociais.
Como podemos ver em Sigaut (1987:21), é difícil dar uma data precisa para
o nascimento da tecnologia, sendo que o referido autor, então, propõe duas: uma
para a tecnologia teórica, em 1696, com a criação por Christopher Polhem do
‘Laboratorium Mechanicum’ em Estocolmo; e outra para a tecnologia descritiva,
em 1751, com o aparecimento do primeiro volume da ‘Encyclopedie ou
Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers ‘, de Diderot e
D’Alambert.
No entanto, as técnicas não são vistas como fazendo parte do que
chamamos de nossa ‘cultura’22. Ou, como escreveu Simondon (1985), a cultura é

22
A ‘cultura’ que falamos aqui é o conjunto de valores e de comportamentos que permite a elite se distinguir
do vulgar, sendo que essa distinção pode ser vista desde os gestos mais cotidianos até na entonação mais sutil
da linguagem (Sigaut, 1987)
constituída de sistema de defesa contra as técnicas. E isso é visto assim há muito
tempo.
Com efeito, tudo se passa como se existisse uma oposição irredutível entre
o que é relevante para a necessidade – o trabalho e as técnicas – e o que é
relevante ao gosto, à escolha, ao jogo livre e sutil do espírito – a cultura. A idéia de
cultura técnica aparece sempre como uma contradição de termos. O
conhecimento das técnicas não tem valor em si: somente um interesse pelos
resultados que podemos alcançar.

(...) est-il vrai que nous ayons besoin de connaîtrer les techniques pour
outre chose que pour nous en servir? Cela n’est certes pas évident.
Pourquoi donc aurais-je besoin de savoir comment on fait le pain si je ne
suis pas boulanger? Qu’ai-je à faire de la conduite des locomotives, du
fonctionnement des centraux téléphoniques ou de la culture des
asperges, si tel n’est pas mon métier? (Sigaut, 1987: 11)

Podemos perceber que, contrariamente a uma opinião corrente, nossa vida


cotidiana é cada vez menos marcada, cada vez menos feita, cada vez menos
estruturada, pela técnica. A técnica supõe o contato direto do homem com a
natureza, com a matéria. Ou as máquinas nos dispensam ou nos privam cada vez
mais desse contato, sem que o ensinamento geral (de onde as técnicas foram
excluídas) traga alguma compensação. O que dá a ilusão dessa opinião é que o
capital de saber técnico acumulado em nossa sociedade é, hoje, infinitamente
maior que ele jamais foi. Mas a parte de cada um de nós nesse capital nunca foi
tão pequena. Nas sociedades ditas primitivas, cada homem sabia quase tanto
quanto toda a sua sociedade. Na nossa, cada homem tem acesso a uma parte
infinitesimal do saber geral. Insignificância crescente da parte do saber eficaz
reservado a cada um.
Como podemos ver em Creswell (1989:330), essa atitude em relação às
técnicas é paradoxal:

por um lado, as sociedades humanas orgulham-se da conquista e do


controlo do mundo natural circundante, por outro lado desvalorizam as
técnicas que asseguram essa conquista, ao negar-lhes todo o valor em
relação às atividades do espírito. Ninguém põe em causa que a vida
moderna, quaisquer que sejam as potencialidades qualitativas não
realizadas, depende dos desenvolvimentos técnicos, mas a técnica é
geralmente relegada para segundo plano; só a ciência é filosófica e,
consequentemente, nobre.

Ainda para esse mesmo autor, o exemplo do sistema de ensino comprova


esse fato, pois enquanto a ciência fica nas universidades, a técnica fica nos
institutos, nos cursos profissionalizantes, que têm um status muito menor, sendo
reservada aos menos favorecidos.
É inegável que o sucesso e a precisão das técnicas atuais são colocadas
como função do progresso do conhecimento científico, mas é uma visão
totalmente inexata da história humana pensar que foi sempre assim, pois, como
podemos ver em vários autores, a técnica é mais antiga que a ciência, e seu
desenvolvimento recíproco está longe de ser paralelo

A ciência substituiu a filosofia de antanho como âmbito do espírito, e


fazem-se esforços intelectuais para provar que as descobertas da ciência
permitem aos técnicos progredir. Na verdade, o estudo da história das
técnicas demostra antes um progresso inverso das idéias, pelo menos até
uma época muito recente. Se é verdade que os trabalhos teóricos dos
físicos de hoje resultam na aplicação prática, não o é menos que os
cientistas do século XIX e do início do século XX tiravam grande parte
de sua inspiração daquilo que tinha sido realizado no domínio das
técnicas puras (Creswell, 1989:330).

Ou, como podemos ver em Perrin (1996: 106), é a necessidade de se


desenvolver determinado objeto, em um determinado momento, que define a
‘agenda de pesquisa’. Ou seja, são as necessidades técnicas que orientam a
produção de conhecimento nas ciências.

2.1 Breve histórico


De onde vem esse paradoxo de considerar as técnicas e,
consequentemente, aqueles que a praticam, como essenciais ao mesmo tempo
que inferiores? De onde vem esse desprezo pela técnica?
Na verdade, desprezo não seria a palavra certa, pois se trata de toda uma
concepção de mundo que, desde os séculos VI e V a.C., mostra uma bipartição
entre homem e natureza, ou seja, tem-se a idéia de natureza como uma imagem
inversa da sociedade, cada uma com suas leis próprias.
A técnica, para os gregos, era a concretização de um saber, a realização
das potencialidades oferecidas pela natureza23. A arte era concebida como divina
e natural, pois os deuses, onipresentes, tudo realizavam. Isso se dava mesmo
quando uma pessoa fazia uma determinada ação e, consequentemente, produzia
um determinado resultado: esse resultado era o testemunho que os Deuses
quiseram que tal fato, tal arte, se realizasse.

Las leyes divinas (Nomoi) ‘reproducen’ (hablando en lenguage


sociológico) esta regularidad que es el destino particular (Moira) de cada
hombre e indican con mucha precisión las prácticas regulares del
artesanato (technè). Así, las técnicas son de la naturaleza y será
necesario esperar el cristianismo para poder definir el arte, el oficio,
como homo additus natura. Pues, en la antiguedad (...) el arte no puede
añadir nada, ya que los dioses lo an creado todo. (Ausias, 1968: 10)

Conforme Sigaut (1987:16 ss), para estudar esse assunto existem duas
etapas que interessam mais diretamente, as quais ele denomina, arbitrariamente
(conforme suas próprias palavras), de ‘aristotélica’ e ‘baconiana’.
Assim, segundo esse mesmo autor, é possível perceber que todos os povos
têm mitos relatando a aquisição das principais artes (técnicas) da sua civilização.
E, apesar das modalidades dessas aquisições serem variadas, um tema é
constante: o ardil, a esperteza.
Os heróis, os inventores, são frequentemente, ladrões, trapaceiros. É assim
na mitologia grega. O que surpreende é que em vez de se distender com o
desenvolvimento dos primeiros filósofos racionalistas, essa associação técnica /
esperteza parece se estreitar. “Une large parte des activités des ‘mécaniciens

23
Técnica vem do grego “tékhne”, que significa como “ars” (arte) na Idade Média, a habilidade para a
realização de coisas. (Echegoyen Olleta, s/d)
grecs’ a pour but de mettre au point des gadgets, des appareilages pour amuser
ou ébahir les foules” (Sigaut, 1987:16).
Essa associação vai se estender até a Idade Média, época em que ocorreu
um considerável desenvolvimento da magia, e que só terá fim no século XVII.
Apesar de, em geral, se admitir que a magia vem de uma forma de pensar
incompatível com a ciência e a técnica, podemos ver em Sigaut (1987) que
ciência, técnica e magia tiveram um progresso em conjunto, principalmente do
século XIV ao XVI, sendo que elas se distinguiam, então, muito pouco umas da
outras.
Essas indicações deixam transparecer claramente a noção negativa que a
técnica carregou. Quando ela não tem mistério, ela pertence à rotina e não vale a
pena menciona-la; quando, ao contrário, ela surpreende por suas novidade, pelas
habilidades que implica, ou pela característica inabitual de seus efeitos, ela se
torna embuste, ilusionismo, magia. Além disso, se a tecnologia é a teoria da ação
técnica, como conceber uma teoria da trapaça?
Assim, apesar de a técnica ser um mediador entre a natureza e o homem,
ela é vista, de acordo com essa etapa ‘aristotélica’, mostrada acima, como não
pertencendo, não tendo relação, com nenhum deles; ou seja, só haveria lugar
para a técnica entre esses dois aspectos (homem / natureza), e isso seria o fator
principal pela falta de reconhecimento da tecnologia.

Cette conception, cet ensemble de conceptions plutôt, n’est certainement


pas propre à Aristote, et on pourrait à bon droit contester le qualificatif
d’aristotélecien que nous lui donnons. Mais il ne s’agit que de fixer les
idées, comme on dit. Et il n’est pas douteux que la grand majorité des
philosophies d’Occident, depuis la Grèce classique jusqu’á notre Moyen
Age, on fait leur, souvent implicitement, ce rejet des techniques au rang
des ruses, des l’illusionnisme ou de la magie, qui accompagne
nécessarirement la naissance de l’idée de science. (Sigaut, 1987: 17)

Essa visão vai mudar na etapa denominada de ‘baconismo’ (Sigaut,


1987:18 ss) : o Deus, no monoteísmo, está acima, ou fora, da natureza que criou
(assim como o artesão está acima do objeto que fabricou); a natureza, uma vez
criada, o mundo uma vez posto em movimento, Deus não intervém mais, pois isso
seria contrário à sua transcendência. Assim, a natureza é purgada de todas as
forças ocultas que a anima.
Em oposição a São Tomás, que condenava a magia por acreditar nela,
Roger Bacon se esforçava em mostrar sua nulidade, pois, para ele, somente a
própria natureza, ou a arte utilizando a natureza como instrumento, pode ter
efeitos reais. Somente no século XVIII é que ganhará sua causa, pois é por essa
época que a magia não será mais considerada como um delito.
Assim, resumidamente temos que

Pour les aristotéliciens, cést la nature ‘vraie’, telle qu’elle se manifeste à


l’observation sans artifice, que la science cherche à connaître, avec les
seuls armes de la raison et de la logique. Les techniques ne peuvent être ni
objet ni moyen de science, le vrai n’a rien à voir avec l’utile. Pour les
baconiens au contraire, l’utile devient critère du vrai (...), et c’est la
expérimentation qui permet de l’atteindre. Non seulement
l’expérimentation n’est plus suspect, mais elle seule permet de distinguer
le vrai du faux, elle seule permet de trouver du nouveau. Connaître, c’est
savoir faire” (Sigaut, 1987:18).

Apesar dessa ‘reabilitação’ das técnicas, que se tornam um meio de


conhecimento, elas perdem toda a especificidade, pois serão, pura e
simplesmente, integradas à ciência, ou seja, ficarão como meios de aplicação da
ciência. Elas não são vistas como objeto de conhecimento, o que torna, portanto,
impossível a existência da tecnologia.
É possível encontrar inúmeros autores que negam até mesmo que exista
inteligência na técnica. Sigaut (1987:14 ss) dá vários exemplos, do qual
tomaremos emprestado apenas um, de Voltaire:

(...) On avait inventé la bussole, l’imprimerie, la gravure des estampes, la


peinture à l’huile, les glaces, l’art de rendre en quelque façon la vue aux
vieillards par les lunettes qu’on appele besicles, la poudre a canon, etc. On
avait cherché, trouvé et conquis un nouveau monde. Qui ne croirait que
ces sublimes découvertes eussent été faites par les plus grands
philosophes, et dans des temps bien plus éclairés que le notre? Point du
tout: c’est dans le temps de la plus stupide barbarie que ces grands
changements ont été faits sur la terre: le hasard seul a produit presque
toutes ces inventions (...)
A resposta a isso pode ser encontrada na ‘Encyclopedie’, para onde
voltaremos com o ‘Discurso Preliminar’ de D’Alambert:

Le mépris qu’on a pour les arts mécaniques semble avoir influé jusqu’à un
certain point sur leurs inventeurs mêmes (...) Cependant, c’est peut-être
chez les artisans qu’il faut aller chercher les preuves les plus admirables
de la sagacité de l’esprit, de sa patience et des ses ressourses . J’avoue que
la plupart des arts n’ont éte inventés que peu à peu, et qu’il a fallu une
assez longue suite des siècles pour porter les montres, par exemple, au
point de perfectionnement où nous le voyons. (Sigaut, 1987:22)

Apesar de o termo tecnologia (como um meio de compreensão específica


das técnicas) não aparecer na ‘Encyclopedie’, foi ela que abriu novos rumos,
mostrando que as artes não são menos dignas de interesse que as ciências ou as
letras. De acordo com Deforge (1985), ela dá início à primeira fase para a
formalização progressiva dos saberes técnicos.
É por esse período, metade do século XVIII, que os filósofos começam a
sustentar que o papel da reflexão é racionalizar o que é artificial, sendo que essa
racionalização será aplicada às técnicas, mostrando que

(...) les machines compliquées sont une composition de machines simples


et élémentaires; que ce qui est dynamique est un jeu de mouvements et de
forces; que les constructions statiques répondent à des règles de
proportions qui préfigurent la mise en forme mathémathique.
Le reste – qui est ‘tout d’exécution’ – est l’affaire des ‘bons artisans’ et de
leurs savoirs-faire qui, eux aussi, basculeront un jour dans le domaine des
technologies formalisées: la taille des pierres deviendra la stéreotomie; les
arts du feu, la métallurgie; les arts des fontaines, l’hydraulique. (Deforge,
1985:58)

A ‘Encyclopedie’ foi a principal obra dessa época, mostrando não só um


quadro do estágio da indústria francesa, mas também o que se produzia e,
principalmente, como se produzia e quem produzia, tudo isso ricamente ilustrado
por desenhos. Mostra, também, uma nova didática da produção industrial, que irá
permitir um maior rendimento do trabalho, economizando a força humana, e dará
aos produtos uma melhor qualidade24.
Por fim, como podemos ver em Deforge (1985), ela introduz as técnicas no
campo reflexivo da filosofia, dando valor tanto àqueles que trabalham
manualmente no intuito de melhorar uma técnica, como àqueles que trabalham
intelectualmente, com o objetivo de aperfeiçoar a álgebra, por exemplo.
A ‘Encyclopedie’ serviu, portanto, como ponto de partida para a
formalização da tecnologia, que começará a ser ensinada tanto nas grande
escolas técnicas como nas universidades, sendo que esse movimento se dará
com mais vigor, pelo menos nos 50 anos subsequentes, na Alemanha.
É nesse país que J. Beckmann, na década de 1770, começa a ensinar
tecnologia na Universidade de Gottingen, e publica, na década seguinte em
Leipzig, o que, de acordo com Gille (1978:4-5), seria o mais antigo trabalho de
história das técnicas, intitulado ‘Beitrage zur Geschichte der Erfindungen’.
Durante esse período aparece uma grande quantidade de publicações
sobre esse assunto, onde pode ser citada aquela iniciada por J. Krünitz em 1773 e
que, em sua conclusão mais de 80 anos depois, contará com o fabuloso número
de 242 volumes.
Para Gille (1978) é preciso esperar chegar até meados do século XIX para
que a história das técnicas tenha certo desenvolvimento e comece a se integrar,
embora inicialmente ainda de uma maneira tímida, com outras pesquisas. Ainda
de acordo com o mesmo autor, alguns fatos contribuem para esse
desenvolvimento: é por essa época que há um aumento de interesse do público
em geral sobre as técnicas, assim como os técnicos começam a se interessar
mais sobre a história das técnicas que eles próprios utilizam. Outro fator teria uma
conotação histórica, que pode ser dividida em dois tipos: reconstrução das
técnicas antigas, principalmente aquelas relacionadas com a guerra; utilização de
técnicas antigas na restauração de monumentos, dando-lhes um aspecto de
autenticidade.

24
Além disso, de acordo com Jacomy (1996), também era uma das idéias da Encyclopedie romper com o
‘monopólio’ das corporações, que não se propunham a divulgar as inovações alcançadas.
Um último fator seria ainda mais importante: a integração das técnicas nas
explicações globais, com alguns economistas, por exemplo, começando a usar o
progresso técnico em suas teorias gerais.
Assim, até o final do século XIX aparecem vários trabalhos que, em sua
maioria, tratam de técnicas particulares: siderurgia, construção de máquinas, etc.,
e outros, em número menor, tratando de temas mais amplos, onde pode ser citado
‘Origenes de la Technologie’, de A. Espinas.
Esse texto, publicado em 1890 na Revue Philosophique, cunhou o termo
‘praxeologia’, uma ciência onde o objetivo principal seria o estudo da ação
humana, examinando as condições e as regras da eficácia dessas ações. Esses
estudos atualmente são aplicados em várias áreas: desde a psicologia, passando
pelas áreas esportivas, até a economia.
O início do século XX vai seguir esse movimento de intensa reflexão, sendo
marcado pela aplicação das ciências às técnicas. Há um intenso debate:

(...) pour certains auteurs, le technologies ne sont qu’un moment d’une


évolution qui va de l’empirisme à la matrisse de tous les phénomènes
industriels par les sciences : économie des entreprises, organisation du
travail, résistance des matériaux, etc (...)
Pour d’autres acteurs (...) peut et doit être: une étude aussi scientifique que
possible des techniques, surmontée d’une réflexion sur les systémes de
production et leurs produits ; soit, au sens plein du terme ‘Technologie’,
une réflexion sur la technique qui touche non seulement au ‘comment’
mais aussi au ‘pourquoi’ (Deforges, 1985 :60-1)

É nesse período que surgem os museus sobre tecnologia25, os dicionários


sobre história das técnicas, além de um outro fato de extrema importância: a
publicação, em 1906, da tese de P. Mantoux (‘Revolução Industrial no Século
XVIII: estudo sobre os primórdios da grande indústria moderna na Inglaterra’), que
foi, de acordo com Gille (1978), uma primeira forma de integração da história das
técnicas em uma explicação global.
Em 1932 aparece o texto de J. Lafitte (‘Réflexions sur la science des
machines’), sendo que o referido autor tinha como projeto fundar uma ciência que
se ocupasse das máquinas, denominada de ‘mecanologia’, da mesma maneira
que as ciências naturais se ocupam dos seres vivos.

Si l’on observe une série de ‘corps organisés’, dit Lafitte en se servant


d’une expression généralement employée pour le vivant, on constate :
- qu’ils ont des caractères différentiels généraux ;
- qu’ils ont susceptibles d’évolution (alors que le vivant évolue peu).
Ces caractères différentiels, ces causes e ces lois d’évolution – qui ne sont
donnés ni par la physique, ni par la mécanique, ni par les mathématiques –
il faut les chercher en analysant les corps organisés (...) (Deforge,
1985 :80).

Para Lafitte, as máquinas são todos os corpos fabricados, ou organizados,


pelo homem, sendo que a ‘mecanologia’ irá estudar as máquinas por elas
mesmas, como fenômenos, e não mais somente pelos fenômenos em que elas
tomam parte.
Além disso, uma vez que o que causa a variação na organização e
evolução das máquinas são as atividades humanas (e não a física, a mecânica ou
a matemática), o fim dessa ciência é de ordem social.

“(...) la mécanologie est une science sociale. Science des corps organisés
par l’homme, elle est une partie, extrêmement importane d’ailleurs, de la
sociologie." (Lafitte, apud Sigaut, 1987 :28).

Também por essa época, em 1935, é lançado um número especial da


revista Annales, de M. Bloch e L. Febvre, tratando especificamente sobre a
história das técnicas. Assim, começa-se a compreender que é impossível tratar de
história sem levar em conta as técnicas. (Gille, 1978: 7).
Após a 2a Guerra Mundial a história das técnicas passa a se constituir,
definitivamente, em uma disciplina, apesar de se encontrar, ainda, isolada. A partir
dessa época é possível ver uma renovação do debate sobre a tecnologia,
principalmente na França, através dos trabalhos de Leroi-Gourhan, Gille e
Simondon (um antropólogo, um historiador e um filósofo, respectivamente), com

25
A exceção pode ser feita ao Museu de Ciências britânico, que foi criado em Londres em 1857 (Gille, 1978:
7)
todos eles procurando por princípios gerais para explicar a evolução da técnica e
seu lugar na sociedade.

2.2 O desenvolvimento dos estudos sobre tecnologia


Haudricourt (1987) mostra que há pelo menos 4 pontos de vista diferentes
para se estudar as atividades técnicas: o histórico ou evolutivo; o geográfico ou
ecológico; o funcional, e o dinâmico. Enquanto os dois primeiros foram
desenvolvidos no século XIX, os dois últimos apareceram no século XX.
No ponto de vista histórico as sociedades vão sendo classificadas de
acordo com seu nível técnico. Na arqueologia temos os trabalhos dos
dinamarqueses Thomsen e Worseaa, por exemplo, que dividiram a pré-história em
Idade da Pedra (lascada e polida) e dos Metais (cobre, bronze e ferro), enquanto
que na mesma época temos o trabalho de Morgan que classifica as sociedades
em Selvagem, Bárbara (que começa com o aparecimento da cerâmica, da
sedentarização e da domesticação das plantas) e Civilizada (iniciada com a
escrita).
O ponto de vista geográfico se desenvolve com Ratzel e, depois, com La
Blache, fundadores da Geografia Humana. Trata principalmente da adaptação do
homem, e das técnicas que ele utiliza, ao clima, ao solo, à vegetação, etc.

O ponto de vista funcional consiste em examinar como o homem satisfaz


suas diferentes necessidades ou, inversamente, a qual função corresponde
determinado comportamento. É tradição na etnografia distinguir a produção de
objetos, instrumentos, recipientes, armas, sob o nome de técnicas de fabricação, e
a produção de mercadorias, alimentos, matéria prima, etc., sob o nome de
técnicas de aquisição. São as necessidades didáticas que obrigam a distinguir
assim, pois de fato elas são evidentemente solidárias: é preciso fabricar um
instrumento para adquirir uma matéria prima, enquanto que a aquisição de uma
matéria prima é indispensável para a fabricação de um instrumento... (Haudricourt,
1987).
Ainda de acordo com Haudricourt, essa seria um pouco a visão de M.
Mauss que, estudando as atividades técnicas de uma população, ‘les classait
surtout selon leur but, acquisition d’objets, consommation, ce qui semble dejá
quelque peu fonctionnel.” (1987: 58)
Além disso, Mauss (1934) constatou que os diversos povos diferem não
somente por seus instrumentos e pelo modo como os utilizam, mas também pelos
movimentos de aparência mais instintiva, e incluiu isso na tecnologia sob o nome
de ‘técnica do corpo’, que são todos os hábitos musculares socialmente
adquiridos: modos de caminhar, de nadar, de se limpar, de dormir, etc.

Dans ces conditions, il faut dire tout simplement: nous avons affaire à
des techniques du corps. Le corps est le premier et le plus naturel
instrument de l'homme. Ou plus exactement, sans parler d'instrument, le
premier et le plus naturel objet technique, et en même temps moyen
technique, de l'homme, c'est son corps. (...)
Avant les techniques à instruments, il y a l'ensemble des techniques du
corps. (...) (Mauss, 1934:10-11)

Todo ato é um movimento muscular. Esses movimentos musculares


apreendidos tradicionalmente, de geração a geração, se encontram mesmo na
realidade do estudo da técnica. Pode-se dizer, portanto, que a civilização material
de um grupo humano determinado não é tanto pelo conjunto de objetos que ele
fabrica ou utiliza, mas pelo conjunto de seus movimentos musculares tradicionais
e tecnicamente eficazes.
Mauss amplia, assim, o horizonte do etnólogo que trabalha com técnica,
que não pode mais limitar seu trabalho à como foi fabricado e utilizado o
instrumento26.

26
Conforme pode ser visto em Warnier (1999), o artigo ‘Técnica do corpo’, apesar de ter recebido pouca
atenção, é tão importante para o pensamento de Mauss quanto ‘Ensaio sobre a dádiva’, uma vez que permite
fundamentar uma teoria antropológica da cultura material.
Uma crítica que pode ser feita, ainda de acordo com Warnier (1999), é que Mauss exclui deliberadamente
todas as técnicas que são orientadas por objetos materiais. Todas aquelas que mobilizam um objeto, por mais
que se integrem às condutas motoras, são consideradas como “técnicas instrumentais” e, como tal, fora de seu
propósito, fazendo com que ele não levasse em conta a incorporação dinâmica dos objetos nas condutas
motoras. No entanto Mauss não consegue sustentar a distinção entre técnicas do corpo e técnicas
instrumentais: em seu ensaio, a cada página surgem vários tipos de instrumentos e objetos.
2.2.1 Leroi-Gourhan, o instrumento em movimento
Já o ponto de vista dinâmico é um estudo do comportamento humano
independente do meio natural e das necessidades do homem. Os objetos não são
mais considerados neles mesmos, mas como resultante de certos movimentos, e
os instrumentos como transformadores de instrumentos. O interesse será mostrar
as relações das técnicas tradicionais com o as ‘técnicas do corpo’ de Mauss.
Esse tipo de análise foi abordado pela primeira vez por Leroi-Gourhan, em
1936, no tomo VII da Enciclopédia Francesa, em um capítulo intitulado “L’homme
et la nature” (Haudricourt, 1987: 76).
Estudando as origens e o desenvolvimento das técnicas, Leroi-Gourhan
visava produzir uma ‘biologia das técnicas’, abordando-as como se elas
estivessem vivas e envolvessem seres vivos.
Considera o movimento de evolução, desde o protozoário até a tecnologia
da informação, como uma tendência lógica e inevitável, comum a todas as
matérias vivas. Essa concepção aparece claramente quando estuda a aparição
expontânea tanto da postura vertical nos seres humanos, como dos instrumentos
artificiais.
Assim, para Leroi-Gourhan, como podemos ver em Schlanger (1994), o
instrumento era considerado literalmente como uma “secreção” ou um
“exteriorização” do corpo e do cérebro, sendo lógico, portanto, aplicar a tal órgão
artificial as normas dos órgãos naturais: ele deve responder à normas constantes,
à um verdadeiro estereótipo.
Leroi-Gourhan qualifica, portanto, o surgimento dos objetos técnicos como
um processo de exteriorização, no qual o princípio da diferenciação vital
prossegue fora do próprio ser vivo. A vida é um processo de evolução que se
caracteriza, na verdade, por uma intensa diferenciação que pára no homem, no
nível fisiológico, porém prossegue fora dele. O que faz o dinamismo do homem é,
portanto, sua técnica, e não seu princípio de evolução corporal (Stiegler, 1996).
Elaborando o conceito de tendência técnica, Leroi-Gourhan formula a
hipótese de que existem, na morfogênese dos objetos técnicos, tendências
universais, e coloca, ainda, o princípio de uma universalidade tendencial da
evolução.

A tendência tem um caráter inevitável, previsível, rectilíneo; é ela que leva


o sílex seguro na mão a adquirir um cabo, o fardo arrastado sobre duas
varas a munir-se de roda (...) A presença de pedras suscita a existência de
um muro, e a erecção do muro implica a alavanca ou a roldana (...) (Leroi-
Gourhan, 1984: 24)

As técnicas tendem naturalmente a se desenvolver, sem que seja


necessário invocar uma motivação social. Ou seja, a técnica tem capacidades
evolutivas autônomas em relação aos seres vivos.

A análise das técnicas mostra que, no tempo, elas se comportam à maneira


das espécies vivas, gozando de uma força de evolução que parece ser-lhes
própria e ter tendência para as fazer escapar ao domínio do homem.
(Leroi-Gourhan, 1984: 148)

A tendência27, portanto, constituiria uma espécie de porvir de evolução


geral regido por um determinismo funcional. O ato de fabricação é, então, um
diálogo entre o artesão e o material trabalhado, um diálogo situado na junção
entre o ‘meio’ externo e interno28.
De acordo com Schlanger (1996: 145), outra inspiração orgânica que é
possível perceber no trabalho de Leroi-Gourhan envolve uma consciência
estrutural e funcional da técnica: quanto mais o órgão é estruturado, servindo às
necessidades e operando de certa maneira, mais estruturado se torna o elemento

27
Quando estuda as atividades humanas, Leroi-Gourhan distingue um outro tipo de fenômeno além da
tendência: o fato. Enquanto a tendência relaciona-se à evolução, como visto acima, o fato está ligado ao meio
em que ocorrem as atividades. “(...) o facto é imprevisível e particular. Tanto é o encontro da tendência com
as mil coincidências do meio – isto é, a invenção – como é a adopção pura e simples de um outro povo (...). A
tendência e o facto são as duas faces (...) do mesmo fenômeno de determinismo evolutivo (...).” (Leroi-
Gourhan, 1984: 24).
28
O meio externo é “constituído pelas características geográficas, zoológicas e botânicas, assim como pelas
que decorrem da vizinhança com outros grupos humanos, é extremamente variável de um grupo para outro”;
já o meio interno, “contém as tradições mentais de cada unidade étnica, não é menos variável” Leroi-
Gourhan, 1984: 255).
Esses dois meios apresentam permeabilidade variável, estando cada elemento do meio interno constantemente
ligado aos restantes, ou seja, todos elementos reagem constantemente uns sobre os outros. Esse fato leva a
considerar como essencial a continuidade do meio técnico, pois para que as técnicas evoluam é preciso que a
evolução se prenda a qualquer coisa preexistente.
técnico, o gesto, o procedimento. Isso resultou na formalização dos ‘meios
elementares de ação sobre a matéria’29.
Há uma grande preocupação com a descrição dos movimentos
executados30, porém não é só isso que interessa, assim como não é só a
descrição dos instrumentos que interessa: o importante é a relação desses
movimentos com um objeto, com um ‘obstáculo’, ou seja, o contato entre eles.

“Nous sommes donc amenés à distinguer trois sortes de contacts : la


percussion : le mouvement s’effectuant avant le contact, lorsque celui-ci a
lieu, il y a un choc, une percussion; la pression : le contact a lieu avant le
mouvement qui est dirigé à travers l’obstacle et qui, ou bien déforme
celui-ci, ou bien le met en mouvement ; le frottement : le contact a lieu
toujours avant le mouvement, mais celui-ci est très oblique, tangentiel, de
sorte que le point de contact se déplace sur l’objet ou sur l’outil.
Nous pouvons aussi disatinguer dans chaque cas la forme de la surface de
contact . Un point (...). Une ligne (...). Une surface (...). " (Haudricourt,
1987b: 76-7).

Assim, os instrumentos podem ser relacionados não só aos diferentes tipos


de contato, mas também à forma da superfície que mantém o contato (cf. quadro
2.1).
Esse tipo de estudo pode vir a ser ainda mais detalhado, pois se percebe,
por exemplo, que no contato linear é importante distinguir a orientação do corte
em relação ao movimento: em um dos casos o corte está no sentido do

29
Leroi-Gourhan dedica todo o segundo capítulo do “O homem e a matéria” a esse assunto, de onde podemos
pegar a seguinte definição: “Meios elementares são, antes de mais nada, as preensões nos diferentes
dispositivos que mediatizam a acção directa da mão humana, seguidamente as percussões, que caracterizam
a acção no ponto de encontro entre o utensílio e a matéria; são também os elementos que prolongam e
completam os efeitos técnicos da mão humana (...) Os utensílios, na sua parte actuante, são extremamente
solidários com o gesto que os anima (...)” (Leroi-Gourhan, 1984: 35)
Outro capítulo, nesse mesmo livro, trata das propriedades inerentes das matérias-primas, onde o autor propõe
“agrupar os aspectos técnicos segundo as propriedades físicas dos corpos no momento de seu tratamento”
(Leroi-Gourhan, 1984: 121)
30
O ensaio mais antigo de notação de movimento do corpo humano remonta ao final do século XV e está
relacionado à dança, sendo que, no século seguinte, é possível encontrar tentativas semelhantes em relação ao
esporte, principalmente à esgrima e à equitação. Essa idéia de notar os movimentos corporais foi retomada no
fim do século XIX, na época da racionalização do trabalho empreendido na indústria capitalista, com F.
Taylor e seu discípulo F. Gilbreth (Sigaut, 1987). Este último tentou encontrar as unidades elementares dos
movimentos, criando ideogramas que foram nomeados, em sua homenagem, de ‘therblig’. Esses ideogramas,
como notou Haudricourt (1987) apesar de recobrirem os movimentos mais diversos (transportar, procurar,
deixar, etc.), não são, de fato, unidades de movimentos, mas de intenções, pois não há nenhuma indicação
movimento, mais ou menos paralelo ao cabo, enquanto que no outro o corte está
perpendicular ao movimento do cabo.
O interessante nessa abordagem é que a pesquisa, como já foi visto mais
acima, vai mais além do que a simples descrição do objeto: não podemos estudar
o instrumento isoladamente, pois ele só existe com os gestos que o torna
eficiente.

Les objets fabriqués par l’homme peuvent être comparés dans une certaine
mesure aux êtres vivants produits par la nature. Mais l’objet tel qu’il se
présente dans un musée n’est comparable qu’au squelette de l’être
vivant ; pour le comprendre il faut mettre autour de lui l’ensemble des
gestes humains qui le produisent et qui le font fonctionner. Cet ensemble
joue le rôle des parties molles de l’animal que le zoologiste doit connaître
pour comprendre la morphologie des bêtes dont il étudie le squelette.
(Haudricourt, 1987b: 109).

Além disso, o objeto existe apenas no seu ciclo operacional, sendo que o
mesmo objeto pode ser produzido por diferentes atividades humanas. “A tecnica é
simultaneamente gesto ou utensílio, organizados em cadeia para uma verdadeira
sintaxe que dá às séries operatória a sua fixidez e subtileza” (Leroi-Gourhan,
1985a:117).
Os componentes e constituintes elementares da ação estão integrados em
um encadeamento lógico e necessário de estágios e sequências no processo de
transformação.
Assim, é introduzido o conceito de cadeia operatória31, que pode ser
definida como o encadeamento das operações mentais e dos gestos técnicos

sobre a maneira como os movimentos foram executados: por exemplo, ‘carregar’ não nos explica como o
objeto foi carregado: nas mãos, nas costas, na cabeça, etc.
31
Como pode ser visto em Desrosiers (1991), o conceito de cadeia operatória se formou somente no início
dos anos 50. No entanto, já em 1947 M. Mauss sublinhava a necessidade de uma pesquisa aprofundada sobre
as técnicas, de se estudar os diferentes momentos da fabricação, desde a matéria prima até o objeto acabado`,
mas ele parou por aí. Foi M. Maget, 1953, que começou a falar de ‘cadeia de operação’ ou ‘de fabricação’,
sendo que a introdução desse conceito dentro da análise tecnológica foi finalmente realizada por Leroi-
Gourhan.
É interessante, também, notar a similaridade que Sellet (1983) percebe entre a noção de cadeia operatória e a
de ‘cadeia comportamental’, proposta por Schiffer, onde “For analytical purposes, the activities in which a
durable element participates during its life (...) may be broadly divided into 5 processes: procurement,
manufacture, use, maintenance, and discard” (1972: 58).
visando a satisfazer uma necessidade (imediata ou não), segundo um projeto que
preexiste (Balfet, 1991a). Ela se opõe à simples sucessão, pois é colocada a
hipótese que as primeiras operações técnicas influenciam as seguintes, e
reciprocamente.
A cadeia operatória é, então, a totalidade dos estágios técnicos, desde a
aquisição da matéria prima até o seu descarte, e inclui os vários processos de
transformação e utilização. Também integra um nível conceitual e, assim, não
pode ser entendida sem referência ao conhecimento técnico do grupo.

Technological analysis is a global approach. The totality of products from


a single industry is taken into account allowing for the differentiation of
the various technical stages wich can them be situated within an
operational sequence, or chaîne opératoire. The chaîne opératoire, then, is
the totality of technical stages from the acquisition of the raw material
through to its discard, and includes the various processes of transformation
and utilization. The technological analysis (...) also allows the technical
knowledge (connaissance) and know how (savoir faire) necessary for the
proper achivement of the operational sequence to be determined. Each
technical stage reflects specific technical knowledge. (Boeda, 1995: 43)

A idéia mestra contida na noção de cadeia operatória é fundada em uma


concepção geral que toda realização técnica é um processo cujas etapas técnicas
podem ser distinguidas não só pela teoria, mas também pela observação.
O ponto de início, então, deve ser a observação dos fatos. Mas que fatos?
Não podemos simplesmente ir e observar técnicas, uma vez que não sabemos
ainda como ela se parece. O que vemos são ‘pessoas fazendo coisas’. Todas as
atividades têm alguns pontos em comum. Em primeiro lugar, elas são ações; isso
é óbvio, mas deve estar claro na mente. Depois, são ações materiais, no sentido
em que todas elas fazem uma mudança material em alguma coisa. Finalmente,
elas são intencionais. As atividades com que nos preocupamos não são
simplesmente materiais, elas são intencionalmente materiais. Esse talvez seja seu
traço mais característico. (Sigaut, 1997)

Ainda segundo Sellet (1983:108), em relação ao estudo do material lítico, a cadeia operatória continua sendo
a abordagem predominante na França, uma vez que nesse país os arqueólogos se interessam em estudar o
É importante notar, portanto, que a mudança no material é intencional, isso
porque ela permite que identifiquemos essas mudanças como os fatores principais
que dão à ação técnica os seus significados. Em nenhuma sociedade os objetivos
sociais e materiais estão separados.
Na prática, o objetivo de cada ação é levar o sistema físico de um estado
para outro. Assumimos que a mudança é elementar quando é impossível
identificar qualquer estágio intermediário entre N e N+1; chamamos esse ato
técnico de ‘operação’. A ‘operação’, portanto, é alguém fazendo ‘alguma coisa’
quando esse algo é a menor mudança material que pode ser utilmente observada.
A operação assim definida é o primeiro tipo de fato técnico que pode ser
observado diretamente.
A cadeia operatória se apresenta, portanto, em relação aos fatos, como

(...) c’est le ensemble des opérations qu’un groupe humain organise et


effectue, ici et maintenant, selon les moyens dont il dispose, notamment le
savoir technique qu’il maîtrise, en vue d’un resultat: la satisfaction d’un
besoin socialment reconnu. Dans la pratique, c’est dès que le chercheur, à
‘intérieur de son champ d’intérêt, détermine ce qui constituera une unité
d’observation significative et qu’il retiendra comme chaîne opératoire, que
le choix s’impose entre ces deux points de vue (Balfet, 1991a: 12)

De acordo com Schlanger (1996), Lemonnier clarifica o potencial prático


dessa abordagem introduzindo a noção que a trajetória da cadeia operatória não é
necessariamente linear, ela pode ser interceptada por momentos que se sucedem
simultaneamente ou que se sobrepõe. Cercada por várias restrições e motivações,
dois tipos de tarefas, ou eventos, podem ser distinguidas: aquelas que são
variáveis e flexíveis, abertas a alterações, mudanças e idiossincrasias, e aquelas
que são fixas, imutáveis e ‘estratégicas’: elas não podem ser canceladas,
postergadas ou desviadas sem comprometer irremediavelmente o sucesso do
esforço técnico.
Esses momentos ‘estratégicos’ dão à cadeia operatória sua estrutura rígida
e mostram os estágios e processos através dos quais passam a matéria e a ação.

nível conceitual revelado por ela, diferentemente do que acontece nos EUA, onde os arqueólogos se
preocupam mais com a organização do sistema lítico.
Além de definir a cadeia operatória ‘em ação’, Lemonnier delineia seus
componentes e estruturas. Definida a ação socializada na matéria, as técnicas
podem ser aprendidas através de três ordens de fatos: sequência de gestos e
operações (processo técnico), objetos (meios de ação na matéria) e conhecimento
específico (connaissances).
Outro ponto que temos é que, como regra, operações não podem ocorrer
isoladamente, mas como parte de uma seqüência que pode ser chamada de
‘caminho’. Caminho é uma noção intuitiva e muitos trabalhos técnicos contêm uma
ampla variedade de exemplos.
A noção de rede de trabalho é uma noção limite, cujo único propósito é
lembrar-nos que os caminhos não podem ser vistos como unidades isoladas,
assim como as operações. O que devemos fazer é localizar o fato técnico dentro
do espaço social: tais conceitos de ‘operações’, ‘caminhos’ e ‘redes’ são somente
instrumentos com os quais fazemos isso. A esse ponto retornaremos mais
adiante.
É possível perceber, ainda, que na grande maioria das vezes existirão
várias soluções satisfatórias para a resolução de um problema técnico ou para a
satisfação de uma necessidade, e essa ‘escolha’ entre as diferentes cadeias
operatórias possíveis se efetua em função de um saber técnico, que constitui a
tradição técnica do grupo (ele mesmo um dos elementos da tradição cultural). A
utilização dessas soluções alternativas, respondendo à necessidades análogas, é
o que permite um diagnóstico cultural. (Perlès, 1987a: 23)

2.2.2 Gille e o sistema técnico


É possível perceber (Audouze, 1999) que havia uma necessidade de
organizar conceitualmente as relações entre diferentes cadeias operatórias e entre
cadeias operatórias e outras operações. Também era preciso desenvolver uma
hierarquia terminológica do mais simples gesto técnico para o mais significante
corpo de técnica.
Assim é que B. Gille (1978) desenvolve um conceito extremamente
importante, e que foi amplamente utilizado pelos antropólogos: o de sistema
técnico. Por um lado esse sistema representa um estágio, mais ou menos
duradouro, da evolução técnica, e, por outro lado, permite formalizar as relações
que a técnica mantém com outros domínios: o econômico, o social e o simbólico.

Rather than using Leroi-Gourhan’s concepts of milieu technique and


milieu intérieur (Leroi-Gourhan, 1945: 334, 340-345), social
anthropologists chose to borrow from an historian of science and
technology, B. Gille, the concept of technical system (1978) as the set of
techniques employed by a human group (ethnic group, nation ...) at a
given time. They also borrowed from him the concept of necessary
compatibility among techniques within a technical system (Audouze,
1999: 169)

Para caracterizar um determinado estágio, que seria o plano estático32, Gille


(1978: 10 ss) define uma série de conceitos.
O primeiro é o de estrutura, que é aquele que caracteriza uma fabricação,
uma produção. Mesmo nos atos mais elementares há a possibilidade de defini-
la33.
Outra noção é a de conjunto técnico.
É muito raro que uma técnica se reduza a uma ação unitária. E mesmo
quando ocorre um caso desses, há uma dupla obrigatória, matéria-energia, cujos
elementos estão precisamente ligados entre eles pelo ato técnico que, muito
frequentemente, necessita de um suporte (que pode ser um instrumento ou um
procedimento). Mesmo nos estados mais elementares há uma combinação de
técnicas, sendo que naqueles mais complexos essa combinação pode ser
chamada de conjunto técnico.
Outra noção é a da hierarquia técnica, que constitui a sequência de
conjuntos técnicos destinados a fornecer o produto desejado, cuja fabricação se
faz, muito frequentemente, em várias etapas sucessivas.

32
O plano dinâmico é denominado de ‘progresso técnico’.
33
Gille (1978: 14) utiliza como exemplo, tomando emprestado o trabalho de Leroi-Gourhan, o ato de cortar
por percussão, onde aparecem três maneiras distintas: percussão pousada, que dá um corte preciso mas pouco
A estrutura e a hierarquia tratam a matéria desde seu início e a conduzem
até o produto consumível, sob qualquer forma que ele se apresente.
Outros dois conceitos são o de coerência e o de compatibilidade. É preciso
que haja coerência entre as diversas operações para que as estruturas, que se
organizam em um sistema global, não produzam distorções geradoras de
problemas (os chamados ‘gargalos’).
Assim,
à la limite (...) toutes les techniques sont, à des degrés divers, dépendantes
les unes des autres, et qu’il faut nécessairement entre elles une certaine
cohérence: cet ensemble de cohérences aux différents niveaux de toutes
les structures de tous les ensambles et de toutes les filières compose ce que
l’on peut appeler un système technique (...). Et les liaisons internes, qui
assurent la vie de ces systèmes techniques sont de plus en plus
nombreuses à mesure que l’on avancedans les temps, à mesure que les
techniques deviennent de plus en plus complexes. (Gille, 1978: 19)

Um sistema seria composto, portanto, por um conjunto de estruturas, sendo


que essas estruturas não são fechadas sobre elas mesmas, mas abertas às
vizinhas.
Já a compatibilidade permite ao sistema técnico absorver estruturas
pertencentes a um sistema precedente, o que é necessário para atingir o pleno
desenvolvimento de novas estruturas.
Para Perrin (1988: 32-33), a escolha das técnicas incorpora um elemento
de irreversibilidade que lhe é essencial. Assim, o sucesso de uma nova técnica
não depende só de seu desempenho, ela deve ser comparada com o conjunto de
inovações e melhoramentos acumulados pela técnica mais antiga.
Ainda de acordo com o mesmo autor, as causas dessa irreversibilidade se
devem às escolhas sócio-econômicas que são feitas ao nível da organização do
trabalho, da divisão do trabalho, das estruturas industriais a propósito da escolha
das técnicas.
São essas escolhas sócio-econômicas, que têm guiado a seleção das
técnicas passadas e que são coerentes com o modo de produção dominante, que

enérgico; percussão lançada, que dá um corte impreciso mas enérgico, e percussão pousada com a ação de um
percutor, que reúne a vantagem dos dois descritos anteriormente.
estruturam o ambiente social e econômico na qual deverão se inserir as técnicas
que virão. A irreversibilidade das técnicas não tem, portanto, nada de técnica.
Ou seja, um sistema técnico34, que é constituído por redes de cadeias
operatórias, se situa a um nível onde a sociedade desempenha um papel
primordial na escolha ou rejeição do produto, segundo as necessidades reais ou
imaginárias, onde o cognitivo cultural pode, eventualmente, ser mais importante
que outras considerações, mesmo econômicas. A esse nível parece perfeitamente
legítimo falar de barreiras ou aberturas sociais para desenvolvimento das técnicas.
(Creswell, 1996)

Ou seja, a tecnologia pode ser analisada em termos de sistema, e será a


abordagem sistêmica das indústrias líticas pré-históricas que permitirá, através da
percepção das cadeias operatórias, uma análise da produção do instrumental lítico
bem como de suas implicações culturais, espaciais e econômicas (Boeda et all.,
1990).
Para Perlès (1987a) o sistema tecnológico pode ser considerado como
aberto, em interação com os domínios econômicos, sociais e simbólicos. Isso
implica que a tecnologia pode ser modificada sob o efeito da transformação do
ambiente, das estruturas sócio-econômicas, etc.. Mesmo se, para o arqueólogo,
os fatores de mudança econômica são, sem dúvida, os mais fáceis de serem
percebidos, a existência de outras causas de transformação do sistema
tecnológico não pode ser esquecida.
Assim,

L’industrie lithique sera donc elle-même analysée en termes d’un


système ouvert, qui peut être exprimé en mettant en évidence ses
composantes et ses structures, c’est-a-dire l’ensemble des relations entre
ses éléments d’une part, entre ce sous-système et les autres composantes

34
Para qualificar as técnicas como produção social é necessário alguma flexibilidade: é preciso distinguir
instrumento, processo e sistema técnico. “S’agissant d’un outil, il serait difficile de prétendre que la société
exige de chauffer une plaque de fer avant de la battre pour en forger une lame de houe. En revanche, un
processus technique, avec son unité de base qu’est la chaîne opératoire, la succession de gestes qui
transforment une matière première em produit, étant constituée d’eléments aussi bien sociaux que techniques,
subit directement bien qu’au niveau structural, les contraintes imposées par les règles du comportement
social, ou profit des possibilités offertes par ces mêmes règles.” (Creswell, 1996: 29)
du système technologique d’autre part. Cette conception du système
lithique conduit à admettre notamment que des transformations dans un
secteur quelconque de la technologie (travail du bois ou de l’os, par
exemple) peuvent avoir des répercussions sur le travail de la pierre
taillée. Cette conception n’est pas originale, mais elle est rarement mise
à l’épreuve des faits. (Perlès, 1987a: 22)

Essa concepção coloca, ainda segundo Perlès (1987a), um problema que é


ainda menos abordado: quais são os limites daquilo que entendemos por sistema
(ou subsistema) lítico?
- toda utensilagem de pedra depende do mesmo sistema? É preciso
analisar de maneira integrada não somente a utensilagem lascada mas também a
polida e o material de trituração.
Pode-se admitir que o material de trituração revela de fato um sistema
diferente: as rochas utilizadas são essencialmente não clásticas, trabalhadas por
técnicas diferentes daquelas das indústrias líticas lascadas. Além disso, esse
material difere por sua função: com raras exceções, um instrumento lascado pode
ser substituído por um de ‘trituração’.
O problema é outro para a indústria lítica polida: ela pode ser manufaturada
sobre as mesmas rochas utilizadas para a confecção dos instrumentos líticos
lascados, sendo que o lascamento faz, muitas vezes, parte de sua elaboração.
Além disso, os materiais trabalhados são frequentemente idênticos: instrumentais
polidos e lascados são potencialmente intercambiáveis mesmo se sua eficácia não
seja a mesma.
- Inversamente, é preciso limitar o sistema lítico a seus componentes de
pedra lascada ou polida? A resposta aqui é clara: será prejudicial isolar, ao menos
conceitualmente, os elementos de um instrumento, mesmo se eles não são todos
em pedra. Cabos, colas, resinas e ligaduras fazem parte do ‘sistema lítico’, desde
que eles contribuem a um instrumento cuja parte ativa é em pedra.
No entanto, de acordo com Geneste (1991: 5 ss), para que a noção de
sistema técnico, tal como aplicada pelos pré-historiadores, seja eficaz, os
conceitos deverão ser adaptados às características específicas da análise
tecnológica em pré-história, e não se inspirar em noções complexas elaboradas
em campos inacessíveis à arqueologia. Portanto, o retorno às noções de sistemas
técnicos restritos, individualizados em um sistema mais geral, parece apto a gerar
instrumentos eficazes.

C’est ainsi qu’en archaéologie paléolithique, s’impose peu à peu une


notion de système technique restreint, de manière arbitraire, à la seule
production d’outillage lithique ou même à un seul concept de
production. C’est dans l’étude des relations synchroniques entre
systèmes techniques que le bénéfice de ce choix sera pertinent parce
qu’il permet d’echapper aux déterminations d’un vocabulaire
vernaculaire ambigu et surtout parce qu’il permet d’utiliser une
méthodologie comparative et formalisée. Cette notion ainsi élaborée
permet de travailler de manière plus abstraite, voire symbolique, donc
objective et dégagée des contraintes anthropologiques et culturelles.
(Geneste, 1991: 6)

Há, com efeito, marcáveis vantagens em poder trabalhar em toda abstração


de um contexto antropológico, cultural ou étnico, sobre os conjuntos de categorias
dos objetos técnicos relevantes de um mesmo tipo de produção: o lítico, o ósseo,
etc. A ausência de determinismo cultural preestabelecido permite analisar e
descrever o sistema de produção de instrumentos, de integrá-los a outros
conjuntos sistêmicos de mesma classe, e de pesquisar, a partir de cada uma
dessas entidades técnicas assim definidas, suas relações sincrônicas, econômicas
(e culturais). A flexibilidade desse caminho facilita em primeiro lugar a análise da
variabilidade das indústrias pré-históricas.
A tecnologia lítica será, então, definida como um sistema que responde às
necessidades: em outros termos, pode ser definido como um sistema cibernético,
quer dizer, orientado por um objetivo. De uma maneira geral, esse objetivo pode
ser apresentado como uma resposta satisfatória aos problemas criados pela
exploração do ambiente natural e à manutenção de uma rede de relações sociais.

2.2.3 Simondon: individuação e concretização dos objetos


Como pudemos perceber, a cadeia operatória proposta por Leroi-Gourhan é
eminentemente sincrônica, o mesmo podendo ser dito em relação à noção de
sistema (está certo que há uma diacronia entre os atos que compõe uma cadeia
operatória, entre seu início e seu fim, mas não é um diacronia de ‘longa duração’).
No entanto, é clara a necessidade do pré-historiador estudar a técnica no
sentido da ‘longa duração’ – ou seja, da evolução. Como nenhum autor trabalhou
esse aspecto diacrônico da tecnologia para o período pré-histórico, será preciso
pegar emprestado essa visão daqueles que colocaram questões fundamentais
sobre a ‘longa duração’ para o período industrial, e transportá-las para a pré-
história.
O principal deles é, sem dúvida, G. Simondon, que construiu uma teoria da
tecnologia com o objetivo de entender a natureza e evolução do sistema e dos
objetos técnicos, relacionados, principalmente, ao mundo industrial moderno,
sendo que sua abordagem deu origem à múltiplos trabalhos, como àqueles que
tratam das linhagens técnicas, realizados por Y. Deforge (como veremos mais
adiante)35.
Simondon estava interessado nos princípios de funcionamento, os quais,
segundo ele, definem e determinam linhas de evolução para os objetos técnicos.
Para ele, apesar de os objetos técnicos estarem submetidos a uma
gênese36, é muito difícil defini-la em cada um deles, pois suas individualidades se
modificam no curso de sua própria gênese; também é muito difícil definir o objeto
técnico por seu pertencimento a uma espécie técnica37, pois nenhuma
concepção38 fixa corresponde a um uso definido, e um mesmo resultado pode ser
obtido a partir de funcionamento e de estruturas muito diferentes (Simondon,
1985).

35
Concordamos com Boeda (2004) quando ele afirma que os argumentos de Simondon são suficientemente
heurísticos para serem aplicados às técnicas pré-históricas conhecidas.
36
A gênese de um instrumento dá conta dos processos que estruturaram o objeto, processos que concernem,
por sua vez, o instrumento e o sujeito (o utilizador).
37
Uma espécie técnica é definida pelo seu uso prático.
38
Boeda (1997: 30; 2001) define estrutura, também chamado concepção (assim não será confundido com o
conceito proposto por Gille, visto mais acima), da seguinte forma: “Par structure, nous entendons une forme
intégrant et hiérarchisant un ensemble de propriétés téchniques qui aboutissent à une composition
volumétrique définie. C’est une forme caractérisée par l’ensemble des relations hiérarchiques et
fonctionnelles des propriétés techniques”. Assim, de acordo com o mesmo autor, de um ponto de vista
estrutural, um objeto é um volume delimitado no espaço, composto de elementos técnicos interativos, capazes
de responder a um certo número de objetivos.
Ou seja, um mesmo resultado pode ser obtido por instrumentos diferentes,
os quais são feitos às custas de suportes diferentes, eles próprios obtidos por
métodos e estruturas diferentes.
Ainda para Simondon, a unidade do objeto técnico, sua individualidade, sua
especificidade, são características de consistência e de convergência de sua
gênese.
A individualidade corresponde a um estado técnico; somos capazes, assim,
de definir o objeto pelo lugar que ele ocupa no processo técnico de transformação.
Ele encontra sua coerência interna nas relações que o liga aos outros objetos: por
seus estados de transformações anteriores e pelos objetos que ele vai
transformar. Como indivíduo técnico ele resulta de um antes e vai produzir um
depois.
Quanto à especificidade, cada objeto constitui um estado técnico estável e
só tem razão de existir porque deve responder a um objetivo. Esse objetivo pode
ser o lugar que ocupa no processo operatório, ou seja, tanto pode ser as
consequências técnicas do objeto que são procuradas, e não o próprio objeto,
como pode ser o objetivo funcional que lhe é dedicado (Boeda, 1997: 16).
Assim,

au lieu de partir de l’individualité de l’objet technique, ou même de sa


spécificité, qui est très instable, pour essayer de définir des lois de sa
genèse, dans le cadre d’une individualité ou de cette spécificité, il est
préférable de renverser le problème ; c’est à partir des critères de la genèse
que l’on peut définir l’individualité et la spécificité de l’objet technique :
l’objet technique individuel n’est pas telle ou telle chose donnée hic et
nunc, mais ce dont il y a genèse. (...) La genèse de l’objet technique fait
partie de son être. L’objet technique est ce qui n’est antérieur à son
devenir, mais présent a chaque étape de ce devenir. (Simondon, 1985: 19-
20).

É possível perceber que Simondon está interessado nos processos de


individuação, isto é, a história de como algo se torna algo39. Para ele, o que
interessa não é o indivíduo técnico, que é esta máquina ou aquele objeto, mas o

39
Esses processos de individuação podem ser tanto social como biológico ou técnico.
processo de individuação, que aparece por meio da série dos objetos técnicos. É
também somente através de uma série que é possível entender a lógica evolutiva
dos objetos técnicos
A gênese e o desenvolvimento dos objetos técnicos respondem não só à
exigências funcionais, mas também, e sobretudo, à exigências estruturais, as
quais devem ser levadas em conta porque condicionam o porvir dos objetos.
Existiria, portanto, uma lógica do objeto que, ao fim de uma evolução, conduziria
do abstrato ao concreto (Boeda, 2004).
Para Simondon (1985), que compara o objeto à um organismo, ‘abstrato’ é
uma solução onde os elementos estão justapostos, uma solução composta,
enquanto o ‘concreto’ é uma solução cujos elementos estão integrados, fundidos
uns nos outros em uma sinergia de formas, de funções e de funcionamento, com o
fim sendo a integração total, o fechamento, a indivisibilidade e, eventualmente, a
redução das dimensões, bem como a redução do gasto de energia.
Assim, o princípio geral de evolução para os objetos técnicos é a evolução
de um estado ‘abstrato’ de elementos justapostos, para um estado ‘concreto’ de
integração de funções num modo sinérgico40. Nessa forma concreta o objeto
técnico pode se tornar tão especializado que não pode ser modificado para
responder mesmo às menores modificações, seja por motivos funcionais ou
ambientais. Esse fenômeno é chamado de ‘hipertélico’.
Portanto,

(...) il existe une forme primitive de l’objet technique, la forme abstraite,


dans la quelle chaque unité théorique et matérielle est traitée comme un
absolu, achevée dans une perfection intrinsèque nécessitant, pour son
fonctionnement, d’être constituée en system fermée; la intégration à
l’ensemble offre dans ce cas une série de problèmes à résoudre qui sont
dits techniques et qui, en fait, sont des problèmes de compatibilité entre
des ensembles dejá donnés. (Simondon, 1985: 21).

O problema técnico está, ainda segundo Simondon (1985: 22-3),


relacionado à convergência de funções em uma unidade estrutural, uma vez que

40
Para Deforge (1985) o exemplo mais marcante de sinergia funcional é o da micro-eletrônica, que conjuga a
integração das funções e da redução das dimensões até o limite do microscópico.
as divergências de direções funcionais aparecem como um resíduo de abstração
dos objetos técnicos.
É a redução progressiva dessa margem entre as funções das estruturas
(concepções) plurivalentes que definem o progresso de um projeto técnico; é essa
divergência que especifica o objeto técnico, pois não há, em uma época
determinada, uma infinita pluralidade de sistemas funcionais possíveis; as
espécies técnicas são em número muito mais restrito que os usos aos quais se
destinam os objetos técnicos; as necessidades humanas se diversificam ao
infinito, mas as direções de convergência das espécies técnicas são em número
finito.

L’objet technique existe donc comme type spécifique obtenu au terme


d’une série convergente. Cette série va du mode abstraite au mode
concret: elle tend vers un état qui ferait de l’être technique un système
entièrement cohérent avec lui-même, entièrement unifié. (Simondon,
1985: 23).

Essas convergências são principalmente devidas a causas intrínsecas, pois


são elas que levam o objeto técnico a evoluir para um pequeno número de tipos
específicos: “C’est ne pas le travail à la chaine qui produit la standartisation, mas
la standartisation intrinsèque qui permet au travail à la chaine d’exister.”
(Simondon, 1985: 24)
Ainda segundo Simondon (1985), o artesanato corresponde ao estado
primitivo, abstrato, da evolução dos objetos técnicos, enquanto que a indústria
corresponde ao estado concreto.
A característica de objeto ‘sob medida’, que pode ser encontrada no
produto do trabalho artesanal, não é essencial, pois permite a possibilidade de
sempre se incluir novidades, novidades essas que são a manifestação exterior de
uma contingência interior41. Nesse caso, entre a coerência do trabalho técnico e a
coerência dos sistemas de necessidades de utilização, é este último que importa

41
Simondon (1985: 24) dá como exemplo o desejo individual de um automóvel ‘sob medida’. O construtor ,
em cima de um motor e de um chassi produzido em série, faz as modificações na carroceria: detalhes
decorativos, alguns acessórios, etc., que são os aspectos não essenciais e que podem ser feitos sob medida. No
pois o objeto técnico sob medida é, de fato, um objeto sem medida intrínseca:
suas normas vem do exterior, ele corresponde a um sistema aberto de
exigências.
No nível industrial, ao contrário, o objeto adquire sua coerência, e são as
necessidades que se moldam sobre o objeto técnico industrial, que conquista,
assim, o poder de modelar a civilização. É a utilização que se torna um conjunto
talhado sobre as medidas do objeto técnico.
Quais são as causas desse movimento evolutivo? De acordo com
Simondon (1985: 25-6), elas residem na própria imperfeição do objeto técnico
abstrato, pois ele emprega mais material, demanda mais trabalho de construção e
uma maior energia durante o funcionamento; além disso, apesar de ser
logicamente mais simples, ele é tecnicamente mais complicado, pois é feito do
relacionamento de vários sistemas completos.
Existe, pois, uma convergência de restrições econômicas e de exigências
propriamente técnicas. Desses dois tipos de causas, parece que são as últimas que
predominam na evolução técnica: com efeito, as causas econômicas não são puras; elas
interferem com uma rede difusa de motivações e de preferências que as atenuam ou
mesmo as subvertem (gosto pelo luxo, desejo de novidade, etc.).
É possível perceber, também, que a evolução do objeto técnico não se faz
nem de uma maneira absolutamente contínua, nem descontínua: ela comporta
degraus que marcam uma reorganização estrutural, reorganização esta que
permite que o objeto técnico se especifique, constituindo o que há de essencial no
devir desse objeto. Entre os degraus pode ocorrer uma evolução do tipo contínua,
que se dá pelo aperfeiçoamento de detalhes resultantes da experiência do uso.
(Simondon, 1985),
O princípio do progresso que permite a reforma estrutural é

(...) la manière dont l’objet se cause et se conditionne lui-même dans son


fonctionnement et dans les réactions de son fonctionnement sur
l’utilisation; l’objet technique, issu d’un travail abstrait d’organisation de

entanto, a colocação desses acessórios pode chegar a um ponto que atrapalhe o rendimento do automóvel. Ou
seja, a característica ‘sob medida’, além de não ser essencial, vai contra a essência do próprio objeto técnico.
sous-ensemble, est le théatre d’un certain nombre de relations de causalité
réciproque.
Ce sont ces relations qui font que, à partir de certaines limites dans les
conditions d’utilisation, l’objet trouve à l’interieur de son propres
fonctionnement des obstacles: c’est dans les incompatibilités de la
saturation progressive du système de sous-ensembles que réside le seu de
limites dont le franchissement constitue un progrès (...) (Simondon, 1985:
27-28).

Assim, a compreensão de um objeto técnico passa pelo reconhecimento de


sua gênese, que pode ser analisada no plano sincrônico e diacrônico.
No plano sincrônico, o objeto é considerado como indivíduo entre um
conjunto de objetos: ele ocupa um lugar temporário no desenrolar das operações
técnicas. Mas é um indivíduo que tem uma especificidade.
No plano diacrônico, o objeto está em relação com os objetos que lhe são
anteriores. A compreensão de um objeto, ou de um sistema de objetos ao qual ele
pertence, passa por uma apropriação da dimensão evolutiva do objeto e do
próprio sistema. (Boeda, 1997: 29)
Isso pode ser visto em Deforge (1985: 71 ss) que, para integrar a evolução
dessa reflexão sobre as técnicas, desenvolve 3 instrumentos específicos,
instrumentos rudimentares mas operatórios se desejamos distinguir dois níveis de
exame: o macro e o micro42.
- o primeiro instrumento é a noção de linha genética, que é uma linha
constituída por objetos que tenham a mesma função de uso e utilizam o mesmo
princípio, como será visto mais adiante.
Da origem de uma linha até sua interrupção ou abandono, os objetos se
sucedem em uma ordem evolutiva onde se diz, geralmente, que ele vai ‘no
sentido do progresso’ por melhoramentos e aperfeiçoamentos sucessivos, o que
introduz, no reino dos objetos, uma sorte de finalismo pelo qual a adaptação ao

42
Deforge (1995:72) escreve micro e macro para micro-sistema, macro-sistema; micro-evolução, macro-
evolução, etc. Esta oposição é para relacionar as ‘tendências conjunturais’ e ‘tendências pesadas’
(estruturais). P. ex, o preço da energia pode baixar conjunturalmente, mas a tendência ‘pesada’ é tributária da
rarefação inelutável desse produto; semelhantemente os modelos de carros podem mudar a cada ano, mas
sobre um longo período as tendências pesadas aparecem, sendo que o mesmo pode ocorrer em qualquer
objeto, mesmo os pré-históricos. É o que ele chama de ‘lei de evolução’ a um nível macro de observação.
meio, os avanços ou regressões , as convergências ou divergências da linha só
serão micro-evoluções em torno de uma linha de evolução geral.
- o segundo instrumento é a noção de ‘lei de evolução’, a qual Deforge
utiliza (entre as várias existentes) aquela enunciada por Simondon – que é a
evolução ‘do abstrato para o concreto’, como vimos mais acima.
Em todas as hipóteses, as ‘leis de evolução’ são leis gerais, tendências
‘pesadas’ (cf. nota 21 do presente capítulo).
O terceiro instrumento proposto responde ao desejo de melhor conhecer o
que se passa em certos momentos da evolução, reconstituindo sinteticamente em
torno de um objeto, ou de vários, se várias linhas estão presentes
concorrentemente, as redes de relações recíprocas que o objeto mantém com o
sistema de produção, de consumo, de utilização e com seus congêneres; em
resumo: todos os subsistemas do sistema mais vasto.
Ainda segundo Deforge (1985: 74), o método proposto é familiar àqueles
que estudam os fenômenos que se estendem sobre longos períodos (e aqui,
logicamente, podemos incluir os arqueólogos); ele consiste, para algumas épocas
significativas de uma evolução, recriar pictural e dinamicamente o meio associado
ao fenômeno considerado.
A dificuldade de se por em marcha esse instrumento se dá porque a
informação sobre o sistema é frequentemente dispersa em seus estudos
específicos que deformam as perspectivas e valorizam tal ou tal tipo de relação.
As quatro visões propostas consistem em considerar sucessivamente os
objetos como:

- produtos de um sistema de produção. As tecnologias relativas às


diferentes fases da produção, desde os dados do problema até a saída do
produto, dizendo não só ‘como é feito’ (ou ‘como fazer’) mas também o ‘porque é
feito assim’ em tal sistema e de outra maneira em outro.
- objetos de consumo, em um sistema de consumo. Cada objeto é colocado
em relação ao sistema econômico (comercialização, distribuição, consumo,
concorrência) e o sistema social, em particular com o que se chama geralmente
de demanda social.
- máquinas em um sistema de utilização. O objeto considerado como uma
máquina43 retorna de início ao sistema de produção com a dupla ‘homem
(produtor) – máquina’ que a ergonomia moderna estuda, por sua vez, sob o
ângulo tecnológico e sob o ângulo reflexivo.
- ‘Seres em si’ em um sistema de objetos. Em um sistema de objetos cada
série pode ser definida como um encadeamento repetitivo de objetos idênticos
com variantes mínimas; a gama de produtos como um conjunto de respostas
coerentes aos diferentes setores da demanda; as ‘coordenações’ como produtos
tendo funções de uso diferentes mas se assemelhando e se harmonizando. Se
nos reportamos ao que foi dito anteriormente sobre as linhas genéticas, podemos
também considerar que as linhas e árvores genealógicas são constituídas de
encadeamentos evolutivos.

Ainda de acordo com Deforge (1995), o aumento da quantidade de objetos


produzidos, a evolução cíclica do consumo de signos, o sentido da repartição dos
atos entre o homem e a máquina, e a genealogia das linhas, só são aparentes
durante a longa duração (cf. figura 2.1).

Além disso, podemos notar que a diferença entre a abordagem tipológica e


a tecnológica é que a primeira percebe o objeto isoladamente: ele é considerado
produtos, objeto, máquina, ‘ser em si’, de forma estanque, enquanto que a última
trabalha em rede, entendendo que há uma ligação entre os vários sistemas (cf.
figura 2.2).

Quanto ao problema de como agrupar os objetos, Deforge (1985), após


discutir rapidamente a noção de tipo44, utiliza a função (‘a quoi ça sert’) como
critério para a constituição de uma ‘família’ de objetos, apesar de perceber que as
dificuldades a esse respeito não foram completamente superadas.

43
Deforge chama de máquina todo o objeto utilizado pelo homem para a realização de um ato técnico.
44
Definida, pelo autor, como a reunião dos traços essenciais dos objetos.
Dentre as dificuldades, Deforge (1985: 96-7) levanta aquela relativa à
semântica: quando utilizamos termos polissêmicos: ‘isso serve para cortar’, que
tem um significado muito próximo a ‘secionar’, por exemplo, pode causar alguma
confusão, pois cortamos em atividades tão distintas como eletricidade e
jardinagem.
Outra é que o ‘isso’ da frase acima pode ser tanto um objeto bem delimitado
como uma parte, um detalhe, ou uma forma.
Como uma maneira de contornar essas dificuldades, foi elaborada a noção
de princípio, definida por Deforge (1985) como estando geralmente ligado ao
principal fenômeno físico-químico utilizado no objeto. Apesar dessa noção ser
apropriada para objetos simples, ela não é suficiente para aqueles complexos.

La notion de principe est généralement rattachée au principal phénomène


physico-chimique mis en jeu dans l’objet. Ceci est bon pour des objets très
simples comme un levier qui est une incarnation évidente du principe;
mais pour un objet complexe (un bateau par exemple), savoir que le
principe mis en jeu est le principe d’Archimède n’est pas suffisant pour le
caractériser ou alors tout ce qui flotte repose sur le même principe. Sans
être très expert, observons que pour la même fonction d’usage (supposée)
un monocoque ne ressemble pas à un multicoque. Ils diffèrent par
l’exploitation qui est faite des lois de l’hydrodynamique, par les solutions
technologiques mises en oeuvre et les formes adoptées. (Deforge, 1985:
97).

Assim, além da noção de função e princípios, são utilizados,


eventualmente, a de soluções tecnológicas e de forma. As duas primeiras são,
certamente, mais importantes, uma vez que definem ‘linha técnica’ e ‘família’.
A ‘família’ é constituída pelos objetos que tem a mesma função, porém não
explorando os mesmos princípios, enquanto a ‘linha técnica’ é aquela formada
pelos objetos que preenchem as mesmas funções utilizando os mesmos princípios
(ou seja, um subconjunto da ‘família) (cf. figura 2.3).
Os fenômenos de emergência de uma linha, sua evolução, seu cruzamento
com outras linhas, e suas conseqüências (bifurcação, cissiparidade, seu fim ou
sua ruína), se introduzem naturalmente, sendo a imagem de uma genealogia que
se impõe.
Para Sigaut (1997) a identificação do fato técnico requer considerações que
ultrapassam as suas vinculações físicas e químicas: a sua posição no caminho
também deve ser definida. Bater, cortar, lavar, secar, etc. não são operações, mas
categorias de ações. Apesar de elas terem algum significado no nível físico-
químico, e por isso serem facilmente etiquetadas, elas são insuficientes para a
análise tecnológica. É preciso que elas sejam redefinidas: devemos saber
exatamente não somente o que é triturado, cortado, etc., mas também por que –
isso é, aonde, ao longo do caminho, essas ações ocorrem.

It is obviously necessary to study artifacts because they are often all we


have. But given our ignorance of the true nature of the operations in which
they were used, there is a serious danger of grouping them arbitrary.
(Sigaut, 1997: 430).

Ainda de acordo com Sigaut (1997), em tecnologia, assim como em todas


as ciências baseadas no empirismo, análise pressupõe comparação, e
comparação é válida somente se os elementos concernentes são comparáveis ou
homólogos – isso é, se eles ocupam o mesmo lugar em seus respectivos
sistemas. Quando duas operações encontram-se ocupando o mesmo lugar, tanto
no espaço físico como no social, elas são homólogas . Assim é possível comparar
os vários modos nos quais essas operações são feitas por diferentes (ou as vezes
os mesmos) grupos humanos. Voltamos, dessa maneira, à definição de White de
técnica: ‘o modo como as pessoas fazem as coisas’, ou seja, como operações
homólogas são feitas de maneiras diferentes.
É importante entender que um princípio não é uma técnica, é somente um
dos componentes da técnica. Sigaut (1997) dá como exemplo a centrifugação, que
é um princípio desenvolvido em operações tão díspares como separar isótopos de
urânio, testar sangue, alguns atos de circos, etc. A única coisa que essas
operações têm em comum é o movimento de centrifugar, e que o ‘princípio
centrifugar’ pode ser usado para identificar a técnica uma vez apenas que a
operação concernida tenha sido identificada sem ambiguidades.
A corrente inabilidade em distinguir, nos artefatos, entre trabalho e função é
consequência da confusão comum entre princípio e técnica. Em tecnologia eles
correspondem a duas questões que emergem quando confrontados com um
objeto não familiar: ”Para que é isso?” (função) e “como isso trabalha?”
(funcionamento).
É por aí que Sigaut critica Leroi-Gourhan que, falando sobre forma e
função, traçou uma ‘paleontologia’ das facas, assumindo que existe apenas um
tipo desse instrumento:

(…) a função dos utensílios é relacionada com a tendência técnica


enquanto os diversos níveis factuais asseguram, no plano meramente
tecnológico, a apreensão de formas cada vez mais particularizadas.
Analisadas de um ponto de vista paleontológico ou histórico, o
testemunho das etapas percorridas por uma mesma tendência funcional
permite-nos assistir, não só à especialização das formas, mas também a
autênticas mutações, persistindo porém a função, se bem que
progressivamente melhorada por meio de formas novas. A função,
representada ainda entre nós pela faca (percussão deitada oblíqua, linear e
longitudinal), no âmbito da acção de cortar, constitui um excelente
exemplo, sem quaisquer lacunas temporais, pois a paleontologia da faca
remonta aos primeiros utensílios. Do pequeno gume irregular e
inadequado, do chopper dos Australantropos, passa-se ao gume do pesado
biface, e, posteriormente, ao do raspador. No início do Paleolítico
superior, as finas lâminas cortantes substituem o raspador oval, vindo a
faca a adquirir uma forma que não sofreu alterações sensíveis até ao
aparecimento do metal. Depois da Idade do Bronze, passa a apresentar
suas proporções actuais, pois chegou ao termo de sua evolução funcional
(...) (Leroi-Gourhan,1987: 109).

Categorias de senso comum não abarcam itens realmente comparáveis.


Esse não é o caso se usarmos a noção de operação.
A falha no conceito de faca, do exemplo visto acima, é justamente o caso
em questão. Pensamos que estamos falando de função quando dizemos que a
faca é usada para cortar. Mas ‘cortar’, somente, não é uma função, é mais uma
categoria de modo de funcionamento. O açougueiro que corta a carne que eu pedi
não faz isso do mesmo modo e com o mesmo instrumento que eu cortarei a
minha, no meu prato, algumas horas mais tarde. Para ‘cortar’ ser uma função,
devemos saber exatamente o que vai ser cortado, em que contexto e com qual
propósito, em outras palavras, precisamos saber de que operação estamos
falando. (Sigaut, 1997)
É a localização dentro de uma operação específica, com todas as
finalidades que isso implica, que define a função de um artefato. Seu
funcionamento – como ele trabalha – fica no modo como ele intervém no efeito
que é produzido.
A esses conceitos de função e funcionamento deve ser adicionado o
conceito de organização, respondendo a questão “O que é isso?” ou “Do que isso
é feito?”.
A organização é o conjunto das propriedades geométricas e físicas que
resulta da manufatura e uso do artefato: forma, tamanho, material, solidez,
elasticidade, etc. Qualquer estudo de um artefato deve, pois, incluir três níveis de
análise: a organização do artefato, o modo como ele trabalha, e suas funções. No
nível organizacional o procedimento analítico é óbvio: usam-se todos os meios
disponíveis para a investigação – geométrico, físico, etc. – para descrever o
próprio objeto. Esse é o ponto inicial para o estudo de qualquer objeto, com o
resultado sendo limitado pela capacidade do aparato físico usado. A dificuldade
começa com o outro nível. Alguns aspectos do funcionamento do objeto são
ditados pela sua forma. No geral, o objeto desconhecido não fala. Dado um objeto
não identificado, os meios de investigação disponíveis permitem-nos descrever
sua organização e calcular alguma coisa sobre o seu funcionamento, mas não nos
permite descobrir sua função. A única maneira de executar isso é por meio de
analogia, que é a comparação do objeto em estudo com objetos similares cuja
função é realmente conhecida, o que não deixa de ser perigoso.

2.2.4 Rabardel e a ‘antropotécnica’


Da mesma maneira que vimos no início desse capítulo que os artefatos
estão onipresentes nas nossas vidas, povoando todos os ambientes, todas nossas
atividades, todos nossos saberes, o inverso também é verdadeiro, pois, em
relação aos artefatos

Les hommes sont omniprésents dans leurs cycles de vie depuis la


conception jusqu’à la mise au rebut en passant par les phases essentielles
du fonctionnement et de l’utilisation. Il faut donc pouvoir penser,
conceptualiser l’association des hommes et des objets, à la fois pour en
comprendre les caractérisriques et les propriétés et pour les organiser au
service des hommes. (Rabardel, 1995: 9).

Assim, para Rabardel, tanto o objeto técnico como o sistema técnico são
impropriamente nomeados, pois eles não devem ser apreendidos somente através
das tecnologias que os fizeram nascer. Deveriam ser denominados de
‘antropotécnicos‘, uma vez que foram pensados e concebidos em função de um
ambiente humano.
Ou seja, “les produits de la technologie ne sont pas seulement techniques,
ils sont anthropotechniques et doivent pouvoir être compris et analysés comme
tels” (Rabardel, 1995: 10).
A crítica que ele faz às abordagens vistas anteriormente é que elas tem um
ponto de vista que ele denomina ‘tecnocêntrico’, onde o que é valorizado é a
perfeição do objeto técnico que, na sua evolução, no seu caminho para a
concretização, tende a se libertar do operador, a ganhar autonomia45.
É dada muito mais importância às atividades do homem que se relacionam
à concepção do objeto, do que àquelas de uso do objeto, ou seja, às atividades
dos homens quando mantém uma relação instrumental com o objeto: ‘n’auront
plus qu’une interprétation totalment unilatérale de l’objet technique dont les usages
ne seront plus envisagés que sous la forme des anticipation des concepteurs.‘
(Rabardel, 1995: 59)
É por esse motivo que Rabardel propõe a substituição do termo ‘objeto
técnico’ que, como vimos mais atrás, designa um objeto considerado pelo ponto
de vista técnico, pelo de ‘artefato’. No sentido antropológico, artefato significa
‘qualquer coisa que sofreu uma transformação de origem humana’; o referido
autor, no entanto, amplia o sentido do termo, sendo o que vai interessar é,
principalmente, o objeto suscetível de um uso.

45
Para Simondon desde que há leis de evolução (regras de concretização) há interferência entre o homem e a
técnica (não em relação ao objeto, mas à estrutura do objeto). Uma vez que o objeto evolui, esse fato vai ter
consequência para o homem, ou seja, há uma co-evolução de ambos. Simondon, porém, não se interessa sobre
o como desta relação entre o homem e o objeto. Quem se interessa por isso é Rabardel, como será visto neste
item.
Chaque artefact a été conçu pour produire une classe d’effets, et sa mise
en oeuvre, dans les conditions prévues par les concepteurs, permet
d’actualiser ces effets. Autrement dit, à chaque artefact correspondent
des possibilités de transformations des objets de l’activité, qui ont été
anticipées, delibérement recherchées et qui sont susceptibles de
s’actualiser dans l’usage. En ce sens l’artefact (qu’il soit matériel ou
non) concrétise une solution à un problème ou à une classe de problèmes
socialment posés. (Rabardel, 1995: 60).

Os artefatos em uso podem ser apreendidos de vários pontos de vista (que


não se excluem entre si, pelo contrário, são complementares), cada qual com sua
própria pertinência. Aquele que vai mais interessar à Rabardel é o que ele
denomina de ‘Artefato como meio de ação’46, onde aparece a relação instrumental
entre os homens e os artefatos. Ele é assim descrito:

L’artefact prend place dans une activité finalisée du point de vue de


celui qui l’utilise, il a alors un statut de moyen d’action pour le sujet, un
moyen qu’il se donne pour opérer sur un objet (...). Ici le rapport à
l’artefact est appréhendé du point de vue du sujet, de sont activité et de
son action. Dans cette perspective c’est la logique de l’activité et de
l’utilisation (...) qui est organisatrice de l’approche du rapport
instrumental de l’homme à l’artefact (Rabardel, 1995: 62).

As situações de atividade dos instrumentos são caracterizadas por três


pólos: o sujeito (aquele que utiliza o instrumento); o instrumento; e o objeto, sobre
o qual a ação, com a ajuda do instrumento, é dirigida.
Essa modelização, denominada de Situação de Atividade Instrumentada
(SAI) (Rabardel, 1995: 66) permite perceber as várias relações existentes entre os
diferentes pólos, além de se levar em conta que todos esses pólos, e essas
interações, estão em um determinado ambiente que, sem dúvida, também está em
interação com eles (cf. figura 2.4).

46
Os outros dois pontos de vista mencionados por Rabardel são:
“O artefato como sistema técnico”, que vê os artefatos tendo suas próprias especificidades e sendo
considerado independente do homem. Nessa abordagem, é a lógica do funcionamento que é a organizadora da
relação com o artefato;
O ponto fundamental da definição de instrumento é que ele não pode se
reduzir ao artefato (ao objeto técnico, à máquina, etc.). É preciso defini-lo como
uma entidade mista: o instrumento é uma entidade composta que compreende
uma entidade artefactual (um artefato, uma função de artefato, ou um conjunto de
artefatos), e um componente ligado ao esquema (ou esquemas) de utilização47.
Essas duas dimensões do instrumento, apesar de estarem associadas uma
à outra, mantém uma relação de certa independência: a um mesmo esquema de
utilização podem corresponder diferentes tipos de artefatos, e a um mesmo tipo de
artefato pode corresponder diferentes esquemas de utilização.
Assim, amplia-se a noção de que o instrumento é todo objeto (artefato) que
o sujeito associa à sua função para a execução de uma tarefa. Não é somente o
objeto que é associado, e associável: também os são os esquemas de utilização
que irão permitir a inserção de um instrumento como componente funcional da
ação do sujeito. (Rabardel, 1995)
Isso significa, também, que a constituição da entidade instrumental é
produto da atividade do sujeito, pois o instrumento não é somente uma parte do
mundo externo do sujeito, um dado disponível para ser associado à ação; ele é
produção, construção, do sujeito.
Ainda de acordo com Rabardel (1995 :117 ss) o instrumento constituído
pode ser efêmero, ligado unicamente às circunstâncias singulares da situação e
às condições às quais o sujeito se confronta, mas também pode ter um caráter
mais permanente e ser objeto de uma conservação como totalidade, assim como

“O artefato do ponto de vista de suas funções” está centrado sobre a evolução dos objetos, principalmente em
como os artefatos produzem transformações nos produtos trabalhados. Aqui é a lógica do processo de
transformação das coisas que é levado em conta. (Rabardel, 1995: 60 ss)
47
Como podemos ver em Rabardel (1995: 99 ss), para Piaget os esquemas constituem meios do sujeito, que
os ajuda a assimilar as situações e os objetos com os quais ele é confrontado; eles são, também, a origem da
formação dos conceitos. O esquema de uma ação é o conjunto estruturado das características generalizáveis
da ação, quer dizer que permite repetir a mesma ação ou aplicá-la a novos conteúdos.
Os esquemas de utilização concernem duas dimensões de atividade:
- as atividades relativas à tarefas secundárias, ou seja, relativas à gestão das características e propriedades
particulares do artefato (apesar de diferentes das principais, as tarefas secundárias são funcionais e podem
compreender fins próprios);
- atividades principais, orientadas para o objeto de atividade, e para os quais o artefato é um meio de
realização.
meio disponível para ações futuras. Trata-se de uma totalidade dinâmica que
evoluirá em ralação com as situações de ação nas quais o instrumento será
engajado pelo sujeito.
É em função de sua finalização que o sujeito institui certos elementos de
seu universo em instrumento, quer dizer, em meios de ação.
A distinção entre sujeito e funcionamento tem um status na própria
atividade do sujeito, como pode ser visto nos processos de abstração, onde o
sujeito pega seus próprios esquemas como objeto.
Da mesma maneira, a posição instrumental do artefato é relativa ao seu
status no seio da ação. O artefato não é em si um instrumento, ou componente de
um instrumento, ele é instituído como instrumento pelo sujeito que lhe dá seu
status de meio para atingir os fins da ação. Assim, um mesmo artefato pode ter
status instrumentais bem diferentes segundo os sujeitos, e para um mesmo
sujeito, segundo as situações.
A permanência do esquema de utilização, especificando um ou vários
artefato cujas propriedades são definidas, permite definir uma das dimensões da
conservação do instrumento pelo sujeito. É certo que não há instrumento sem
artefato, mas a conservação do componente artefactual não é necessariamente a
de um objeto singular, ela pode ser a de uma classe de objetos, enquanto que o
sujeito pode encontrar em seu ambiente de instrumentos de ação de elementos,
artefatos tendo a propriedade necessária para serem associados aos esquemas
de utilização, e assim formar o instrumento necessário para a ação em curso. As
funções das ações é uma característica do sujeito, e não do artefato.
Um instrumento permanente, suscetível de conservação e, portanto, de
reutilização, consiste na associação estabilizada de duas invariantes que
solidariamente constituem um meio potencial de solução, de tratamento e de ação
em uma situação. No entanto, se coloca o problema de constituição do
instrumento permanente, de sua gênese: é o problema da constituição dessas
duas invariantes: esquemática e artefatual.
Quer seja do lado do esquema ou do artefato, essa construção não se
realiza ex nihilo. Os artefatos são, em geral, preexistentes, e são todos
instrumentalizados pelo sujeito. Os esquemas são, frequentemente, vindos do
repertório do sujeito e generalizados, ou acomodados, ao novo artefato; às vezes
esquemas inteiramente novos devem ser construídos. O conjunto desses
processos é caracterizado em termos de processos de instrumentação e de
instrumentalização:

- les processus d’instrumentalisation concernent l’emergernce et


l’évolution des composantes artefact de l’instrument : sélection,
regroupement, production et institution de fonctions, détournements et
catachrèses , attribuition de propriétés, transformation de l’artefact
(structure, fonctionnement, etc.), qui prolongent les créations et
réalitsations d’artefacts dont les limites sont de ce fait difficiles à
déterminer ;
- le processus d’instrumentation sont relatifs à l’émergence et à
l’evolution des schèmes d’utilisation et d’action instrumentée:
constitution, fonctionnement, évolution par accomodation, coordination
combinaison, inclusion et assimilation réciproque, l’assimilation
d’artefacts nouveaux à des schèmes déjà constitués, etc. (Rabardel,
1995: 137).

Ainda de acordo com o mesmo autor, esses dois tipos de processo são
relativos ao sujeito. A instrumentalização por atribuição de uma função ao artefato
resulta de sua atividade, assim como a acomodação de seus esquemas. O que os
distingue é a orientação dessa atividade. No processo de instrumentação ela é
voltada para o próprio sujeito (através do esquema de utilização), enquanto que no
processo correlativo de instrumentalização ela é voltada para o componente
artefatual do instrumento (cf. fig. 2.4). Os dois processos contribuem
solidariamente à emergência e evolução dos instrumentos mesmo que um deles
possa ser mais desenvolvido, dominante.

Essa abordagem proposta por Rabardel (1995) é fundamental para que se


possa fazer um estudo tecnológico global do material lítico pré-histórico, ou seja,
que se de conta de um instrumento em ação (Leroi-Gourhan, 1983b), sua
dinâmica sendo interiorizada pela preensão que o operador exerce sobre ele.
Mediador entre o homem e a matéria, meio de atingir os fins de sua ação, o
instrumento é o lugar de interatividades sutis, portador de um conjunto de
restrições técnicas48, sociais e estéticas que nós devemos decifrar, comportando
um grau de dificuldade suplementar, pois se trata de objetos com os quais não
dispomos de nenhuma referência atual.
Só considerando o instrumento como uma entidade mista, que inclui dois
componentes (o objeto strictu sensu e o(s) esquema(s) de utilização associados,
conforme proposto por Rabardel) é que poderemos obter informações capazes de
dar conta do instrumento em ação.
Assim, como podemos ver em Boeda et al. (no prelo), quanto ao processo
de instrumentalização, é possível compreender que, no quadro da tríade homem
/ instrumento / matéria, o instrumento conserva todo um registro de relações
restritivas entre o homem e a matéria de trabalho. Essas relações traduzem as
restrições técnicas (inerentes aos materiais) e culturais, e vão estruturar o objeto.
Distinguem-se duas categorias de restrições: extrínsecas e intrínsecas.
É possível perceber três tipos de restrições extrínsecas, aquelas inerentes
à:
- matéria de trabalho a ser transformada: é facilmente compreensível que a
obtenção do resultado desejado e o modo de se proceder para ali chegar
necessita de uma sinergia entre as propriedades físicas da matéria de trabalho e
as características técnicas da parte do instrumento em contato com a matéria de
trabalho;
- ambiente: o espaço geográfico no qual se desenvolve a ação deve
necessariamente ser levado em conta, pois ele exerce uma possível restrição em
termos de qualidade, disponibilidade e acessibilidade (tanto no plano físico como
simbólico) sobre a matéria-prima com que será feito o instrumento;
- memória técnica que herda todo indivíduo pertencente a um grupo, o que
faz com que, em um período definido e em um dado lugar, se produza tal objeto
específico e o faça funcionar de tal maneira.

As restrições intrínsecas são aquelas que são inerentes à organização do


objeto utilizado pelo grupo. Por exemplo, a lâmina, a retirada Levalois, o biface

48
É evidente que para os períodos cronológicos concernidos nós nos limitaremos à determinação das
são objetos que, apesar de diferentes, produzem o mesmo efeito, funcionam ou
não da mesma maneira. Para compreender cada objeto é preciso analisá-lo como
um indivíduo técnico, organizado por um conjunto de elementos técnicos em
interação, constituido em função de um fim. As interações entre elementos podem
tomar formas mais ou menos complexas. Essas relações são, elas próprias,
submetidas às regras de funcionamento que determinam o efeito esperado, sendo
que outras regras poderiam ser adotadas, produzindo efeitos diferentes. O
exemplo mais simples consiste na produção de uma lasca sem característica pré-
concebida: para obtê-la é necessário obrigatoriamente uma superfície de
percussão adjacente à uma superfície de debitagem (elementos técnicos
interdependentes) e um gesto provocando a fratura; do tipo de gesto ou do modo
de percussão (a regra de funcionamento) dependerá o tipo de lasca.
A análise organizacional do objeto mostra que toda estrutura possui um
potencial adaptativo capaz de responder às funções procuradas e aos modos de
funcionamento necessários para atingir os objetivos. Essa é sua condição de
existência no mundo. O objeto existe na medida em que ele é capaz de responder
a uma demanda e de satisfazê-la. Tal como, por exemplo, a lasca, a lâmina ou a
peça bifacial que são organizadas de modo que podem receber diferentes tipos de
retoques segundo suas necessidades. Mas isso não quer dizer que tudo é
possível sobre não importa o que. As impossibilidades podem ser devidas às
diferenças entre organizações volumétricas presentes, mas também a uma
sinergia impossível entre o efeito procurado sobre a matéria de trabalho, o gume
necessário e a estrutura que recebe esse gume, por exemplo. Com efeito, cada
organização condiciona o compromisso entre ela mesma e a matriz de trabalho,
de uma parte, e o homem de outra parte. Não se trata propriamente de falar de um
determinismo, pois existe a cada vez todo um campo de possibilidades,
evidentemente mais ou menos reduzidas segundo as organizações presentes.
Assim, segundo o objetivo e o modo de fazer obrigatório pelo grupo para
que o objeto/instrumento possua tais critérios técnicos frente a tal matéria prima, é
preciso que esses critérios possam ser integrados à organização volumétrica. Em

restrições técnicas
termos sistêmicos, esses novos critérios devem se tornar elementos de um novo
sistema que constitui o instrumento: de outro modo o instrumento não funciona.
Em outros termos, o objeto é uma estrutura que integra, em uma sinergia de
efeitos, suas próprias restrições organizacionais, ou restrições constituintes,
conferindo a possibilidade de integrar outras restrições inerentes à sua posição de
mediador entre o homem e o meio ambiente. O objeto resultante é um objeto que
é qualificado de parcialmente constituído. O objeto será realmente um objeto
constituído quando se integrar às restrições inerentes aos esquemas de utilização.

Já o processo de instrumentação diz respeito à percepção do objeto


como objeto em ação, o que nos conduz a considerar um outro registro de
restrições ligadas ao esquema de utilização, que consiste em uma tripla relação
de restrições estruturantes que deverão ser integradas à concepção do
instrumento.
- relação restritiva do instrumento com o material de trabalho: as restrições
são múltiplas e são analisadas em termos de eficácia e de savoir-faire. A
realização de um objetivo necessita de um gesto eficaz capaz de ser efetuado
pelo instrumento. É o gesto efetuado que leva o instrumento a possuir certos
critérios técnicos. É porque eu quero realizar tal ação que eu necessito de tal
instrumento. Se essa condição não é respeitada, entra-se em situação de
catacrese49.
- relação de restrição de um instrumento com o homem: segundo as
propriedades constituintes (organizacionais) dos objetos dependerá todo o
gestual. Em outros termos, uma lasca, uma lâmina ou uma peça bifacial oferecem
um registro de gestuais possíveis específicos a cada um deles, podendo se
recobrir parcialmente. Por exemplo, um mesmo retoque sobre o bordo de uma
lasca quadrangular Levallois, de uma lâmina ou ainda de um biface, devido a

49
Catacrese é um termo emprestado da linguistica, que designa o uso de uma palavra no lugar de outra, ou
além de sua própria acepção. Transposta para o campo do instrumental, é utilizado para designar o uso de um
artefato no lugar de outro, ou a utilização de um artefato em funções para as quais ele não foi concebido
(Rabardel, 1995:123).
diferença dos suportes, terá por consequência um esquema de preensão e de
utilização diferente.
- relação de restrição do homem, do instrumento e da matéria de trabalho
em uma relação de espacialidade: o lugar da atividade onde deve se realizar a
ação exercerá, em certos casos, restrições que necessitarão de uma adaptação
do gesto.
Assim, o instrumento será compreensível se nós pensarmos em integrá-lo
em uma perspectiva sincrônica, definindo seu lugar entre os outros objetos
utilizados por um grupo de indivíduos, e em uma perspectiva diacrônica, em
termos da linhagem técnica. Para chegar a isso, será estabelecido para cada
objeto um esquema diacrítico capaz de evidenciar as diferentes restrições citadas
precedentemente, inscritas no instrumento. É pela evidenciação de uma
organização particular de retiradas, cujas consequências técnicas agem em
sinergia para colocar uma característica técnica remarcável e coerente, que serão
determinadas as Unidades Técno Funcionais (UTFs), como será visto mais
adiante.

2.3 Análise tecnológica do material lítico


O material que nos propomos estudar será analisado de acordo com o que
foi discutido até agora, ou seja, será estudada a cadeia operatória utilizada para a
sua fabricação; veremos se é possível perceber alguma evolução quanto à
maneira de fabricá-lo; bem como serão descritas as Unidades Tecno-Funcionais,
que indicam como foram confeccionadas as áreas ativas e preensivas dos
instrumentos.
2.3.1 Cadeia Operatória
Postulando-se a característica cibernética do sistema lítico segue-se,
logicamente, que os gestos técnicos relacionados a esse sistema estão de acordo
com a realização de um projeto, projeto este que se inscreve materialmente em
uma cadeia operatória. A finalidade das cadeias operatórias pode ser variada:
produção de suportes, produção de um tipo de instrumento determinado, produção
de um conjunto variado de instrumentos, retomada de suportes, etc.
Ela fornece, com efeito, um quadro para o estudo das operações técnicas:
escolha das matérias-primas, ‘formatação’ do núcleo, técnicas de debitagem e
produtos de debitagem, escolhas de suportes para o material retocado, técnicas
de transformação de suportes, rejeitos, etc.
A cadeia operatória será, pois, o conceito operacional para o qual nós
procuraremos exprimir o caráter cibernético do sistema lítico.
No entanto, como podemos ver em Boeda et al. (1990: 43), a abordagem e
a determinação das cadeias operatórias de períodos antigos permanece
extremamente difícil. Uma das dificuldades está diretamente ligada à
heterogeneidade dos documentos recolhidos, que não fornecem, na maior parte
dos casos, informações necessárias à reconstituição das cadeias operatórias
supostas presentes.
Uma outra dificuldade se situa sobre o plano metodológico pois, sobre o
plano estritamente lítico, a única noção de cadeia operatória, para estes períodos,
não é operacional, uma vez que é muito globalizante. Os autores preferem, então,
substituir por duas outras noções, cobrindo dois campos de pesquisa diferentes
mas complementares, que chamam de tecno-psicológico e tecno-econômico. A
abordagem tecno-psicológica se propõem determinar os conhecimentos aplicados
em todo sistema técnico de produção lítica. A arquitetura operatória pode ser
analisada de maneira gradual em termo de conceito, método, técnica, processo,
etc., sendo que a determinação deste saber humano, ou desta memória técnica, e
constitui o objetivo prioritário de toda análise das cadeias operatórias. O aspecto
técno-econômico recobre um campo de leitura e de análise diferente, mas
também ambicioso, já que se propõem analisar sob o ângulo econômico, portanto
social, o comportamento técnico destes homens. Esta última abordagem é mais
submissa à influência de dados arqueológicos exteriores ao domínio tecnológico
(características, acessibilidade e formas de difusão de matéria-prima, gestão
ergonômica de produtos, etc.).

Podemos supor que haja certa liberdade de escolha, por parte do homem
pré-histórico, para a confecção de seus instrumentos, pois eles não podem ser,
simplesmente, o reflexo de um comportamento imposto pelos nichos ecológicos
que, por sinal, conhecemos tão mal. No entanto, essa noção de ‘escolha’ é um
pouco ambígua, sobretudo em relação à tradição cultural: em um dado grupo pré-
histórico, o lascador só dispõe, de fato, de opções limitadas.
A cada etapa de uma cadeia operatória, o lascador deverá, com efeito,
tomar uma decisão sobre a maneira de prosseguir seu trabalho. Mas, enquanto o
pré-historiador dispõe, graças a seus conhecimentos arqueológicos e aos
resultados da experimentação, de uma gama muito vasta de soluções que ele
sabe apropriada, o lascador pré-histórico só optará, na maior parte do tempo,
entre aquelas que já pertencem à tradição técnica de seu grupo. Nesse sentido, a
tradição fixa os limites estritos às escolhas que o lascador, teoricamente, poderá
fazer.
É entre vários grupos culturais que se desenham, então, as ‘escolhas
técnicas’. Mas o termo é pouco apropriado pois a ‘escolha’ não resulta
necessariamente de verdadeiras decisões: elas serão frequentemente o resultado
de processos históricos de origem variada e complexa.
É preciso, pois, distinguir dois níveis: de uma parte aquele das escolhas
conscientes – mas limitadas – do lascador que opta por determinada cadeia
operatória em vista da solução de um problema preciso; de outra parte, a
constituição de um saber técnico, ao nível do grupo, que nos permite distingui-lo
de outros grupos de tradições técnicas diferentes.
Podemos admitir, também, que tanto na escala individual como coletiva a
utilização de determinada solução não tem caráter obrigatório: outras opções
poderiam ser, teoricamente, encaradas. Isso torna possível descrever o conjunto
das decisões tomadas ao longo da cadeia operatória em termos de estratégia:
estratégias coletivas, emanadas do próprio grupo, que concernem a concepção
geral da indústria lítica e seu lugar no sistema econômico e técnico; estratégias
individuais, por ocasião de trabalhar determinada cadeia operatória face a um
dado problema.
Se a cadeia operatória é o conceito que fundamenta nossa abordagem de
análise do material lítico, permitindo reconhecer as opções sucessivas, o conceito
de estratégia será aquele que nos permitirá descrever, de maneira sintética, o
conjunto de decisões e de cadeias operatórias efetivamente utilizadas em um
dado contexto cultural. Por razões práticas, mas um pouco arbitrárias, essas
estratégias podem ser reagrupadas segundo o que elas concernem: a aquisição
da matéria-prima, a debitagem e, enfim, a produção, a utilização e o rejeito dos
instrumentos propriamente ditos.
A noção de estratégia deriva, pois, diretamente do postulado segundo o
qual existirá teoricamente, para cada problema, um leque de soluções possíveis.
Podemos, desde agora, nos interessar pela explicação dessas escolhas: porque
tal grupo ou tal indivíduo optou por tal estratégia em vez de outra? Nós abordamos
aqui o domínio da interpretação dos fenômenos observados, e precisaremos
agora o quadro teórico no qual nós nos situaremos a esse respeito. É assim que
Perlès (1987a: 24-5) utiliza os conceitos de economia de matéria-prima, de
debitagem e do instrumental:

- Economia de matéria-prima
Recobre toda a forma de exploração da matéria-prima em um dado sítio. O
conceito de economia de matéria-prima responde à uma problemática rica e que
rapidamente se mostra frutífera. Ela põe, com efeito, as seguintes questões: quais
foram as diferentes matéria-prima utilizadas, de onde elas provém, sob que formas
elas eram introduzidas nos sítios, com que fins elas eram levadas? Trata-se, pois,
de interpretar as diferentes estratégias utilizadas na exploração de matérias-
primas variadas em função de dificuldades de aprovisionamento, de sua qualidade
de lascamento e de utilização ao qual se destinava.
- Economia de debitagem
Visa, através do estudo da cadeia operatória, evidenciar a utilização
diferencial dos produtos de cada estado técnico. Em certos casos é preciso dispor
de análises funcionais do material, pois os produtos utilizados não são
forçosamente retocados. No caso de instrumentos retocados, essa abordagem
exige que sejam reconstituídas as cadeia operatória e que sejam identificadas os
suportes de origem do material retocado.

- Economia do instrumental
Conceito complementar aos dois precedentes. Podemos mostrar, com
efeito, que segundo a natureza do suporte e da matéria-prima os instrumentos de
mesma função inicial podem conhecer ciclos de utilização, de transformação e de
rejeito extremamente diferentes. Assim, aparece a noção de gestão diferencial dos
instrumentos retocados, apoiado sobre a natureza (e sem dúvida as dificuldades
de obtenção) das matérias-primas sobre as quais eles foram realizados. Tal
noção, no entanto, só pode ser testada graças aos estudos funcionais
microscópicos.

Quando se estuda cadeias operatórias não se pode ver cada uma das
etapas (aquisição da matéria-prima, debitagem, produção e utilização, como visto
mais acima) como se fossem independentes uma das outras, ou seja, não tem
sentido a comparação de porcentagem de tipos de talões, de porcentagem de
dimensões das lascas, etc., pois esse tipo de análise aceita implicitamente o
postulado segundo o qual a escolha técnica do artesão, em cada etapa de seu
trabalho, não influencia a seguinte, nem é influenciada pela etapa anterior, o
oposto do que propõe o estudo das cadeias operatórias.
É preciso ver como cada etapa da cadeia de transformação pode ser
explicada pelo conjunto do projeto proposto:
- a escolha da matéria-prima responde às necessidades específicas dos
instrumentos?
- as técnicas de debitagem utilizadas são próprias à matéria-prima utilizada
ou à natureza do suporte que se tenta obter?
- a própria produção de suportes é regida pela natureza da utensilagem
retocada que se vai utilizar?
- em que medida técnicas de retoque e transformação dependem das
matérias-primas e dos tipos de instrumentos?

Os núcleos, artefatos e lascas são as principais categorias que


analisaremos para tentar perceber a cadeia operatória utilizada pelos grupos pré-
históricos.
As lascas compõem a categoria mais numerosa, aparecendo, em todos os
sítios analisados, em maior quantidade. Elas estão presentes tanto na etapa de
debitagem do suporte como na de retoque para a produção dos artefatos.
Em cada uma das lascas foram analisadas as seguintes variáveis:
- matéria prima;
- cor;
- alterações naturais;
- córtex;
- morfologia;
- dimensões: comprimento, largura e espessura.
- perfil;
- nervuras;
- talão: morfologia, espessura e comprimento;
- ângulo talão/face externa;
- acidente de lascamento;

Quanto aos núcleos e artefatos, em ambas as classes foram observadas as


dimensões da peça, a presença de córtex (que, entre outras informações, nos
indica a forma de apresentação da matéria-prima), e as características dos
negativos (que pode nos informar sobre as dimensões; forma; número de
nervuras; tipo, espessura, comprimento e ângulo de talão; das lascas que saíram
dali). Nos artefatos foram anotados, ainda, o tipo de suporte sobre o qual eles
foram trabalhados.

A presença de núcleos já nos indicará que pelo menos uma etapa de


debitagem era realizada no próprio sítio, e também nos informará as
características das lascas que dali foram destacadas.
O artefato finalizado nos mostrará qual era o objetivo da cadeia operatória,
quais os suportes que eram utilizados, bem como as características das lascas de
retoque feitas para a confecção desses artefatos.
A análise das lascas, conforme visto acima, nos indicará quais delas podem
se encaixar nas diferentes etapas do trabalho. Por exemplo, as lascas
completamente corticais, e às vezes as semi-corticais, atestam o início dos
trabalhos de debitagem no sítio, enquanto as lascas com uma reserva cortical
podem corresponder a um estágio de organização mais avançado.
Ou seja, nosso estudo será orientado para a compreensão dos esquemas
operatórios de lascamento presentes nos sítios, o que implica na reconstituição
das intenções e dos gestos técnicos. Para isso serão utilizados tanto os esquemas
diacríticos quanto a remontagem mental, que permitem reconstituir a dinâmica de
lascamento50. (Garreau, 2000: 15)
Além disso, a distribuição de todo o material pelo sítio poderá nos mostrar
a existência de áreas preferenciais para a realização de cada tarefa51.

50
Como podemos ver em Fogaça, (2001:241-2), algumas características dos estigmas registrados nas peças
permitem diferenciar com segurança as seqüências de gestos técnicos. Como exemplo, podemos citar que as
últimas retiradas de transformação dos suportes, normalmente de retoque, deixam negativos completos, em
muitos casos com contra-bulbos preservados. Já quando as porções proximais dos negativos de façonnage, ou
de retoque, são eliminados por retiradas subsequentes, perdendo-se assim os contra-bulbos, têm-se sempre os
ângulos formados com a face inferior, a curvatura das ondas de percussão e/ou o desenvolvimento da
topografia do negativo como indicativos dessas etapas. Os negativos anteriores à obtenção dos suportes
podem ser reconhecidos porque tendem a ser paralelos às faces inferiores. As lancetas preservadas,
encontradas adjacentes às nervuras, possibilitam a orientação dos negativos.
51
Tudo isso supondo-se que a coleta realizada tenha sido estatisticamente significativa, proporcionando uma
amostragem da diversidade de material existente no sítio.
2.3.2 Evolução, linhagem e concretização

Para o estudo da evolução técnica do material lítico lascado, Boeda (1997)


preferiu utilizar, em vez dos instrumentos, os núcleos e as peças bifaciais. Isso se
deu por duas razões:

(...) nous sommes convaincus qu’avant d’appréhender l’outil, il nous


faut reconnaître le ensemble des intentions du tailleur. Il ne suffit
cependant pas de répondre à la question: comment cet outil a-t-il été
fait? Ce qui équivaudrait à un regard de l’intérieur, d’ordre technique,
instrumentaliste. Il faut aussi comprendre: Pourquoi l’outil a été fait
comme cela et non pas autrement? Il s’agit alors d’un regard extérieur,
comparatif, technologique. A partir des résponses obtenues à ces deux
questions, nous pouvons déterminer le système de production qui aboutit
à l’outil.

(...) nous croyons les nucléus et les pièces bifaciales mieux à même de
montrer des évolutions et de démontrer leur sens. A notre avis, l’outil,
l’objet final fonctionnel, est moins porteur d’informations (Boeda, 1997:
145)

Essas duas classes de material estão ligadas a duas grandes estruturas de


lascamento: a façonnage e a debitagem, sendo que as concepções técnicas
subjacentes a elas são radicalmente diferentes:
- a debitagem trata do fracionamento de um bloco de matéria-prima (núcleo)
por uma grande variedade de métodos específicos, em diferentes unidades de
formas e de volumes (lascas) que são obtidos em séries diferenciadas ou
padronizadas, e que podem ser utilizadas imediatamente como instrumentos ou
que serão, em um segundo momento, transformadas em instrumentos;
- a façonnage52 está relacionada com a redução, em etapas sucessivas, de
um bloco de matéria-prima tendo em vista a obtenção de um instrumento ou de

52
O termo façonage é aqui utilizado para indicar que houve intenção de esculpir, modificar, amplas parcelas
da superfície de uma peça. Essas modificações, no entanto, não precisam estar presentes em mais de uma face
da peça (Fogaça, 2001).
uma matriz cujos bordos serão, em um segundo momento, organizados para obter
vários instrumentos (cf. figura 2.5).

Ou seja, enquanto no processo de debitagem o núcleo é uma matriz que


pode gerar várias lascas, que serão utilizadas no momento de sua retirada, ou
posteriormente, como instrumentos, no processo de façonnagem o que se busca é
uma única peça, ela própria um instrumento, ou uma matriz sobre o qual serão
organizados vários instrumentos 53.
Uma vez que as indústrias líticas da região onde se desenvolve nossa
pesquisa se limitam à estrutura de debitagem, focalizaremos a evolução dos
objetos principalmente em relação a essa estrutura.
Boeda (Boeda et al. 2005) estabeleceu, para a debitagem, uma escala que
compreende cinco níveis evolutivos capazes de responder à uma demanda de
instrumentos cada vez mais estruturadas, sendo agrupadas em dois
subconjuntos :
1) o primeiro subconjunto agrupa os sistemas técnicos de produção que só
necessitam de uma parte do bloco, denominada de núcleo, para realizar seus
objetivos, sendo que o restante do bloco não desempenha nenhum papel técnico.
Também as características tecno-funcionais procuradas são limitadas à uma parte
dos suportes retirados ; o resto pode ter qualquer forma.
- Sistema A : trata-se da produção de um gume, não importando as outras
características das lascas.
- Sistema B : trata-se da adoção da noção de recorrência de retiradas
sucessivas, permitindo aumentar as características próprias ao gume :
regularidade, delineação específica.

53
Existem, também, casos onde há uma combinação entre debitagem e façonnage, como na cadeia operatória
de peças trifaciais, que “(...) reposent en priorité sur un schéma opératoire de débitage. Mais en phase finale,
ce schéma inclut une éventuelle transformation de certains produits en outils (núcleus, par exemple). Cette
transformation doit être “programmée” dès le départ des opérations de taille. Si nous voulions résumer cette
situation, nous dirions que les hommes préhistoriques ont tout d’abord effectué une opération de débitage,
suivie d’une opération de façonnage, réalisée à partir de produits spécifiques obtenus au cours de la première
phase”. (Boeda et al., 1990: 44)
- Sistema C : trata-se da exploração das características de convexidade
presentes naturalmente sobre uma parte do bloco e da noção de recorrência,
permitindo produzir um gume mas também, pela primeira vez, uma pequena série
de retiradas com um controle sobre sua morfologia.

2) o segundo subconjunto agrupa os sistemas técnicos de produção que


necessitam da integralidade do bloco para realizar seus objetivos. As
características técno-funcionais dos instrumentos são em grande parte obtidas
durante a produção, ou seja, os suportes produzidos são cada vez mais próximos
dos futuros instrumentos.
- Sistema D: trata-se da adoção de uma noção de recorrência de retiradas
organizadas de tal modo que permite a colocação de características de
convexidade capazes de produzir os objetivos procurados. O bloco pode ser,
então, explorado por séries sucessivas idênticas umas às outras, produzindo
exclusivamente a mesma gama de retiradas, com risco de perder a característica
pré-determinada das retiradas.
- Sistema E : trata-se da organização da integralidade do bloco em vista de
lhe conferir forma e características técnicas particulares, de tal modo que
determinarão, de uma maneira precisa, a morfologia e as características técnicas
das peças que dali forem retiradas. Trata-se do máximo de predeterminação.

Ou seja, de início apenas a parte transformativa, o gume, é que é buscado:


a obtenção do gume é a única intenção do lascador. Porém, vai havendo uma
evolução: além do gume, começa-se a procurar a forma da lasca (gume + forma);
depois se procura também a espessura (gume + forma + espessura), e assim
sucessivamente até se ter um controle total, uma predeterminação total da lasca
que sai do núcleo, o que, consequentemente irá ter implicações na preparação do
núcleo.
Para o controle da lasca que se quer retirar, o lascador utiliza três fatores:
nervura, convexidade distal e convexidade lateral, que irão sendo,
progressivamente, utilizados cada vez com mais intensidade (cf. quadro 2.2).
No presente estudo, o que vai mais nos interessar é a debitagem C onde,
como já foi visto, os lascadores tentavam reproduzir um algoritmo54 com o fim de
produzir instrumentos feitos às custas de lascas pré-determinadas.
Em termos de organização volumétrica, o princípio desse algoritmo pode
ser descrito como se segue:
- o lascador vai, simultaneamente, levando em conta duas superfícies: a
superfície de debitagem e a superfície de percussão;
- a superfície de debitagem deverá apresentar os critérios técnicos de
convexidade comuns a toda debitagem de retiradas pré-determinadas; para isso, o
lascador poderá utilizar dois tipos de superfície: seja uma superfície natural
apresentando todos os critérios técnicos procurados, seja uma antiga superfície de
debitagem preenchendo de novo todos os critérios técnicos necessários à
obtenção de uma nova série;
- quanto à superfície de percussão, ela é igualmente uma superfície natural
ou organizada para preencher as condições de fraturação e de controle da onda
de choque provocado pelo percutor em percussão interna.
As restrições internas de tal organização de núcleo, em função das
necessidades de determinados instrumentos do lascador e dos acasos da
debitagem, fazem com que, mesmo se o lascador o deseje, a produção de um
algoritmo dado sobre um mesmo bloco não seja sempre possível.
Com efeito, a morfologia do bloco inicial tem uma importância sobre a
sequência das séries de retiradas.

Prenons l’exemple du débitage clactonien du site High Lodge


(Anglaterre). L’analyse du materiel montre que différentes morphologies
de blocs de départ ont été choisies. Résultat: une grande variabilité
morphologique des nucléus , à l’origine d’appellations aussi diverses
que chopper, nucléus discoide, nucléus informe, etc. Car, si vous prenez
un bloc Qui vous permet de conduire le débitage en gardant les mêmes
surfaces mais en alternant leur rôle technique (surface de débitage qui
devient surface de plan de frappe et inversement), le nucléus final aura
une morphologie identique à celle d’un chopper. Si, sur un même bloc,
54
O termo algoritmo corresponde à menor operação técnica que necessita uma superfície de plano de
percussão e uma superfície de debitagem; essas superfícies podem, ou não, ser organizadas. (Boeda, 2001: 74)
les contraintes techniques conduissent à reproduire cet algorithme en
différents endroits, la morphologie finale du nucléus sera alors celle de
nucléus discoide, informe, ou protoprismatique. Ainsi, à High Lodge,
bien qu’il s’agisse toujours du même mode de débitage: le débitage
Clactonien, la diversité morphologique des blocs de départ explique la
diversité des nucléus retrouvés. A l’inverse, quand des blocs de forme
similaire ont systématiquement été utiliés, au final les nucléus présent
toujours la même morphologie. (Boeda, 1997: 117)

Quando dizemos que lascas vindas da debitagem tipo C são lascas pré-
determinadas, isso induz que os blocos de matéria-prima foram configurados de
modo específico ou apresentam uma configuração natural para produzir objetos
desejados. Dito de outro modo, a debitagem C responde à organização de um
certo número de critérios técnicos específicos. Esses critérios são organizados à
custa do volume inicial do bloco bruto de matéria-prima sem o reestruturar
inteiramente. Mas a inicialização dos núcleos C se dá somente sobre uma parte
do bloco inicial. Geralmente a superfície de debitagem é escolhida em função de
seus critérios de convexidade natural, afim de que não seja necessário organizá-
los. Só a superfície de percussão é organizada em função da superfície de
debitagem. O lascador introduz uma estrutura seguindo critérios técnicos precisos
que agirão em sinergia para obter o resultado previsto.

D’un ensemble A, qui correspond au bloc naturel de matière première,


constiué de critères en synergie qui lui sont propres, sont produits deux
sous-ensembles : B et B’, étroitement imbrinqués puisque appartenant
tous deux à A, devenu alors A’, mais correspondant à deux structures
indépendantes. B, c’est la partie restée intacte du bloc A. B’, c’est la
partie configurée, structurée à partir de citères premiers de A et de
nouveaux faits aux dépens de A’. Dans le champ opérationnel, ces deux
sous-ensembles B et B’ sont indépendants. (Boeda, 1997: 118).

Em certos casos, quando a morfologia do bloco permite, é possível efetuar


numerosas séries de retiradas; mas não é porque a debitagem continua que se
obtém uma sinergia entre o bloco suporte e o núcleo. Com efeito, as sequências
operatórias são independentes uma das outras e se o número depende da
capacidade intrínseca do bloco inicial A, o núcleo B’ não substitui a totalidade
desse bloco (cf. figura 2.6), contrariamente ao que podemos observar para a
debitagem Levallois.
Para Boeda (1997), tanto a debitagem discóide como a levallois se situam
na linha da C. Discóide e levallois estão em paralelo, como duas linhas irmãs. De
princípios técnicos idênticos, vindas da C, irão aparecer variantes que, através de
modificações sucessivas, se acentuarão ao ponto de as diferenças acabarem por
serem irredutíveis, ou seja, têm a mesma origem mas seguem linhas diferentes.
(Boeda, 1997: 128)
Dois princípios próprios ao C parecem na origem dessas divergências: 1) a
superfície de debitagem; 2) o ângulo da charneira das duas superfícies.
No início da produção, o núcleo C e discóide só apresentam um algoritmo,
o que torna difícil toda atribuição a um ou outro dos sistemas técnicos. No entanto,
no caso de um sistema discóide, o lascador necessita deixar uma charneira
propícia à debitagem seguinte e manterá, assim, a estrutura.
No caso do discóide, os critérios associados reforçarão o segundo princípio
(charneira) em detrimento do primeiro (superfície de debitagem/superfície de plano
de percussão), dando àquela um nível de complexidade organizacional específica
e particular, no sentido onde ela mantém uma irreversibilidade técnica (no núcleo
discóide, fazer outra coisa que discóide não é fácil).
No caso do levallois, o ângulo da charneira será imediatamente definido,
criando orientações preferenciais que restarão as mesmas durante toda a
sequência de debitagem (cf. figura 2.7). O levallois representa uma forma de
complexidade organizacional específica diferente, na medida onde ele é adaptado
a produzir uma gama de produtos mais diversificados que o discóide, deixando
lugar a uma expressão funcional (uso de signo) rica de possibilidades.

2.3.3 – As Unidades Tecno-Funcionais

A fabricação de instrumentos, qualquer que seja a época, não é feita ao


acaso. Se existem esquemas de produção, existem necessariamente esquemas
funcionais. Esses dois esquemas são indissociáveis. É, pois, impossível concluir
que não haja nenhuma ligação entre o esquema de produção e os diferentes tipos
de instrumentos criados.
Todo objeto, portanto, é portador de um esquema de funcionamento. Sua
função essencial é de transformar os materiais. Esse esquema é a essência
mesma do objeto, e é a razão de sua existência, e isso nos fará com que, em vez
de privilegiarmos o estudo da produção e da função de um objeto, passemos a
considerar, também, o funcionamento do instrumento (Rabardel, 1995).
É verdade que a análise do funcionamento do instrumento é difícil de
perceber pois ela implica na consideração de duplas tais como: mão-instrumento,
mão-material, espaço-gesto, cujo um dos componentes nos falta frequentemente.
Respostas podem ser obtidas se formos capazes de ler as intenções
morfológicas, técnicas e métricas que cada objeto recebe. Isso é possível se
decidirmos não mais olhar o objeto em sua generalidade, ocultando assim certas
propriedades técnicas essenciais. Cada objeto técnico resulta da sinergia de
propriedades com consequências técnicas precisas. Na medida onde outras
características técnicas com consequências funcionais idênticas puderem ser
utilizadas, nós poderemos, então, discernir no objeto o efeito de tal escolha,
significativa de um funcionamento e de uma funcionalidade precisa e procurada.
Um objeto pode ser decomposto em três partes (Lepot, 1993: apud Boeda,
1997) (cf. figura 2.8):
A - Uma parte receptiva de energia que põe o instrumento em
funcionamento;
B - Uma parte preensiva que permite ao instrumento funcionar, ela pode em
certos casos se superpor à primeira;
C - Uma parte transformativa.

Cada uma dessas partes55 é constituída de uma ou de várias Unidades


Técno-Funcional (UTF). Uma UTF se define como um conjunto de elementos e/ou
características técnicas que coexistem em uma sinergia de efeitos. Uma parte

55
Em geral, para os instrumentos que analisamos, as UTFs receptiva e preensiva coincidem .
distal ou proximal, um bordo, um talão, etc, são alguns dos elementos levados em
conta. Um ângulo, um plano de secção, uma superfície, um gume, etc, constituem
características técnicas participantes da definição de uma UTF56.
A decomposição do instrumento em três partes distintas não significa que o
instrumento seja reduzido a uma dentre elas. Ao contrário, o instrumento é um
arranjo de relações entre essas diferentes partes, que produz uma nova unidade
possuindo qualidades que nenhuma dessas partes tem. Considerar
independentemente cada uma dessas partes, ou dar prioridade a uma antes das
outras faz perder toda a individualidade do instrumento.
As UTFs, como já foi dito mais atrás, serão determinadas através da
evidenciação de uma organização particular de retiradas, cujas consequências
técnicas agem em sinergia para colocar uma característica técnica remarcável e
coerente.
Assim, em cada instrumento serão identificados os ‘planos de corte’ e
‘planos de bico’ (Boeda, 1997: 66-7).
Planos de corte são aqueles criados pela intersecção de duas superfícies,
sendo que eles já podem apresentar-se favoráveis à utilização, ou, em certos
casos, são objetos de uma organização (retoques) em vista a uma funcionalização
do bordo. Nesse caso, essa modificação forma um novo plano, denominado de
plano de bico (cf. figura 2.9).

56
No presente trabalho foram definidas as estruturas dos suportes dos instrumentos e os tipos de UTFs (cf.
‘Convenção’, início do volume 2). O cruzamento dessas duas variáveis definem os tecno-tipos.
3. A ÁREA DE ESTUDO

A área escolhida para o presente estudo é aquela que foi afetada pela
construção da Usina Hidrelétrica de Manso (MT). A barragem da referida
hidrelétrica, foi construída no rio Manso, principal afluente do rio Cuiabá, e
localiza-se nas coordenadas UTM N8355.500 / S631.000), distante cerca de 80
km a nordeste de Cuiabá, capital do Estado (cf. mapa I -1).
A área impactada pela obra ocupa, aproximadamente, 429 Km² e abrange
parte dos municípios de Chapada dos Guimarães, Nova Brasilândia e Rosário do
Oeste.
Essa área, que era completamente desconhecida até o início dos estudos
para a implantação do empreendimento57, mostrou-se extremamente interessante
em relação ao patrimônio arqueológico pré-histórico, tendo sido ali localizados 81
sítios.
Ela é especialmente interessante no que tange às indústrias líticas
lascadas, uma vez que a matéria-prima para a confecção de tal indústria é
abundante por toda a área, sendo que o material lítico é também abundantemente
encontrado tanto nos sítios mais antigos, que datam de até 6.000 B.P. (cf. quadro
3.1), quanto nos mais recentes (300 a 400 B.P), estando, nesses últimos,
associados ao material cerâmico.
A seguir serão apresentados os dados ambientais da área, bem como os
trabalhos que foram ali realizados, tanto para a localização como para a
escavação dos sítios.

3. 1 Caracterização Ambiental58
Serão descritos, aqui, os elementos físicos (geologia, pedologia,
geomorfologia e declividade do terreno), além da flora, presentes na área de

57
As primeiras informações sobre sítios arqueológicos nessa área foram obtidas durante a realização do
EIA/RIMA (Sondotécnica, 1987)
58
O presente item está amplamente baseado no ‘Capítulo 3 – Caracterização Ambiental’, do relatório do
Projeto de resgate do Patrimônio Arqueológico da UHE Manso (MT) (Viana, Sintia et alli, 2001).
estudo, sendo que, dependendo do material de estudo disponível, cada variável foi
analisada com maior ou menor detalhe. Sempre que possível foram estabelecidos
relações entre os diversos fatores ambientais analisados.

3.1.1 Meio físico


3.1.1.1 Geologia
A estratigrafia da área diretamente afetada pelo empreendimento é
composta por duas unidades geotectônicas distintas: na base, o cinturão
orogênico Paraguai-Uruguai, do Proterozóico (Mesoproterozóico-
Neoproterozóico), representado pelas rochas do Grupo Cuiabá, constituído por
metamorfitos de baixo grau metamórfico; no topo, ocorre rochas sedimentares da
Bacia do Paraná, do Paleozóico, representada na área do projeto pelas
Formações Botucatu, Bauru e Furnas.
São quatro as unidades litológicas presentes na área diretamente
impactada pelo empreendimento:
Unidade 1 (pEAc) — Grupo Cuiabá, representado predominantemente por
filito, metassiltito, metassiltito e/ou metarenito conglomerático e,
subordinadamente, por quartzito, metarcóseo, metagrauvaca, filito sericítico, filito
conglomerático, calcário e metaparaconglomerado. São comuns na área veios de
quartzo.
Unidade 2 (cAr) – cobertura arenosa residual e/ou coluvial, originada das
formações Botucatu, Bauru e Furnas.
Unidade 3 (mAr) — formações Botucatu, Bauru e Furnas, indiferenciadas
na área, representadas por arenitos finos, siltosos (friáveis), arenitos argilosos,
arenitos calcíferos, siltitos, folhelhos, calcários e conglomerados, além de raras
intrusões de diabásio. Essa unidade encontra-se no limite da área diretamente
impactada pelo reservatório, havendo uma relação genética entre ela e a unidade
2, o que possibilita a presença de afloramentos das litologias das formações
Botucatu, Bauru e Furnas na área da unidade 2. Não se considera essa unidade
como integrante da área diretamente impactada, restrita às unidades 1, 2 e 4,
mas, pela relação citada acima, a unidade 3 é importante na caracterização
geológica da área.
Unidade 4 (QAS) – aluviões quaternários, constituição predominantemente
arenosa, incluindo lentes argilosas, siltosas e pedregulhos; ocorre praticamente ao
longo dos rios principais, com larguras não mapeáveis na escala dos mapas de
referência.
Quanto à distribuição dessas unidades pela área de estudo, é possível
perceber o predomínio da unidade 1 (cf. tabela 3.1).
Foi possível constatar duas regiões com características distintas: a região
do rio Manso, onde predomina o Grupo Cuiabá, ocupando quase a totalidade da
Depressão Cuiabana (cf. 3.1.1.4 geomorfologia); e o restante da área, composto
pelos rios Casca e Quilombo, onde predominam as coberturas arenosa residual
e/ou coluvial, originárias das formações Botucatu, Bauru e Furnas, além de
aluviões quaternários.

3.1.1.1.1 Potencial das unidades geológicas como fonte de matéria-prima


para a exploração pelas populações pré-históricas
Na região do rio Manso, existem rochas de boa qualidade que poderiam ter
sido utilizadas na fabricação de artefatos líticos lascados pelas populações pré-
coloniais.
Os mataparaconglomerados do Grupo Cuiabá (Unidade 1 — pEAc)
apresentam fragmentos de tamanhos variados, de arredondamento e esfericidade
também variados. Os fragmentos, quando seixos, calhaus e até matacões, podem
constituir-se fonte de matéria-prima que serviriam para a confecção de material
lítico lascado.
Ainda para a confecção de artefatos líticos, devem ser destacados o
metaargilito, o metasiltito e o quartzito silicificados que ocorrem em níveis
decimétricos a métricos, observados, predominantemente, na margem direita do
rio Manso.
Ocorre grande quantidade de veio de quartzo leitoso associado às rochas
do Grupo Cuiabá. Localmente, ocorrem cristais euédricos e hialinos de quartzo
com possibilidade de lascamento, podendo constituir-se fonte de matéria prima.

Na região dos rios Casca e Quilombo predominam as coberturas arenosa


residual e/ou coluvial, originárias das formações Botucatu, Bauru, e Furnas
(Unidade 2 — cAr). Verifica-se também amplos afloramentos de rochas
sedimentares da Unidade 3 – mAs (formações Botucatu, Bauru e Furnas).
A formação Botucatu é composta por arenito avermelhado a acinzentado,
bem selecionado, além de argilito, siltito, siltito arcosiano e arenito feldspático,
com níveis de sílex associados. Tais litologias, assim como os principais
afloramentos de sílex (foto prancha a, de matéria-prima), foram observados em
campo predominantemente no limite da área diretamente afetada, relacionados
aos relevos residuais de topo tabular que constituem as serras que caracterizam a
região — serra da Mesa (ou serra da Esperança), do Descalvado, Morro do
Chapéu e outras.
A Formação Bauru, que pode ser descrita como seqüência interestratificada
de conglomerados, arenitos e siltitos, ocorre principalmente na porção Sul da
região do rio Casca. É constituída predominantemente por conglomerados,
arenitos avermelhados a róseos, feldspáticos, com níveis carbonáticos, grânulos e
seixos esparsos, níveis de sílex e raras intrusões de diabásio. Foram identificados
níveis de sílex, arenitos silicificado de cor vermelho intenso e arenitos
conglomeráticos silicificados da mesma cor, matérias-primas estas que poderiam
ter sido utilizados para o lascamento.
Os principais afloramentos de arenito silicificado foram identificados
principalmente junto à Cachoeira do Pingador e junto ao sítio arqueológico
Cachoeira.

3.1.1.2 Pedologia
Onze diferentes unidades de solo estão presentes na área de estudo:
(1) PE1 – podzólico vermelho-escuro distrófico, A moderado; textura
arenosa/média + areias quartzozas latossólicas distróficas, A moderado; textura
arenosa/média bem drenados e relevo suave.
(2) PV – podzólico vermelho-amarelo distrófico, A moderado; textura
arenosa/média e média + areias quartzozas latossólicas distróficas, a moderado,
textura arenosa/média bem drenados; relevo suave ondulado; vegetação de
cerrado; baixa fertilidade natural e acidez elevada.
(3) RL 5 – litossolo distrófico, A moderado; textura média substrato
metassiltitos + cambissolo distrófico pouco profundo, A moderado; textura argilosa
+ podzólico amarelo distrófico, A moderado, textura média; bem drenado e relevo
suave ondulado;
(4) AQL – areias quartzosas latossólicas distróficas, A moderado; textura
arenosa/média, de bem a excessivamente drenada; relevo suave ondulado;
vegetação característica de cerrado;
(5) AQ 1 – areias quartzozas distróficas + areias quartzozas latossólicas
distróficas; textura arenosa/média, de bem a excessivamente drenada; relevo
plano e suave ondulado; são os solos que se apresentam predominantes na
região; vegetação característica de cerrado;
(6) AQ 3 – areias quartzozas distróficas + litossolo distrófico, A moderado;
textura média + afloramento rochoso excessivamente drenado; relevo ondulado e
forte ondulado; vegetação de cerrado;
(7) RL 1 – litossolo distrófico, A moderado; textura média; substrato
metassiltitos + solos concrecionários distróficos, A moderado; textura média
cascalhenta/argilosa a cascalhenta + podzólico vermelho + amarelo de distrófico,
A moderado; textura arenosa/média; bem drenado; relevo suave ondulado;
(8) RL 2 – litossolo distrófico, A moderado; textura média; substrato siltitos
+ solos concrecionários distróficos, A moderado; textura média
cascalhenta/argilosa cascalhenta + cambissolo distrófico pouco profundo; textura
argilosa + afloramentos rochosos bem drenados; relevo suave ondulado e
ondulado, solos bem drenados, vegetação de cerrado;
(9) RL 3 – litossolo distrófico, A moderado; textura média substrato siltitos +
cambissolo distrófico, a moderado; textura média + podzólico vermelho amarelo
distrófico; textura média/argilosa + afloramentos rochosos moderadamente
drenados;
(10) RL 4 – litossolo distrófico, A moderado; textura média; substrato de
siltitos e arenitos + areias quartzozas latossólicas distróficas; textura arenosa,
arenosa/ média + afloramentos rochoso; bem drenado e relevo forte ondulado.
(11) C – complexo de solos das baixadas e dos cursos d'água, com solos
aluviais distróficos e eutróficos, A moderado; textura média + areias quartzozas
hidromórficas distróficas, A fraco + plintossolo distrófico, textura média + podzólico
acinzentado distrófico, A moderado; textura arenosa/média + litossolo distrófico;
textura média, imperfeitamente drenada; relevo suave ondulado e micro-relevo
forte; solo de ocorrência restrita, imperfeitamente drenado, com vegetação de
mata ciliar; sujeito a enchentes periódicas;
Quanto à distribuição dessas unidades pela área de estudo, é possível
perceber o predomínio do complexo de solos das baixadas e dos cursos d'água
(cf. tabela 3.2).
As unidades de solo podem também ser divididas em dois grandes grupos:
as da região do rio Manso, onde predominam as unidades RL (1, 2,3 e 5),
relacionadas ao processo pedogenético das rochas do Grupo Cuiabá; e as
unidades com amplo predomínio das unidades C, AQ1 e AQ2, ou seja, dos solos
aluviais e das areias quartzosas, estas últimas relacionadas à cobertura arenosa
residual.

3.1.1.3 Esboço da carta de declividade


Quanto à declividade da área, foram estabelecidos três intervalos: de 0 a
5%, de 5% a 10% e > 10%, havendo o predomínio de terrenos com declividade
entre 0 e 5% (cf. tabela 3.3)
3.1.1.4 Geomorfologia
As bacias dos rios Cuiabá e Manso estão inseridas em quatro subunidades
geomorfológicas: Chapada dos Guimarães, Pantanal de Poconé, Depressão
Cuiabana e Planalto do Casca, sendo que apenas as duas últimas subunidades
são predominantes na área em estudo, razão pela qual serão abordadas aqui.
O Planalto do Casca é drenado principalmente pelo rio Casca e, entre seus
principais afluentes, estão os rios Roncador e Quilombo. Esse planalto, resultante
de um processo de rebaixamento intensivo e erosivo, apresenta cotas variando
entre 350 m e 600 m, sendo que as feições geomorfológicas “predominantes são
as tabulares e as convexas, com interflúvios amplos e canais de drenagem
medianamente profundos” (RadamBrasil, 1983: 212), ocorrendo também algumas
formas dissecadas e relevos residuais de topo tabular.
O planalto em questão foi elaborado em rochas das formações Bauru e
Botucatu (unidades 2 e 3 da Geologia, cf. 3.1.1.1), sob as quais predominam solos
dos tipos areia quartzosa e latossoso vermelho-amarelo. No contato-limite entre o
Planalto e a Chapada dos Guimarães, ocorrem exuberantes anfiteatros erosivos,
caracterizados por profundo entalhamento e delimitados por escarpas. Nessa
subunidade, surgem formas de acumulação, mais precisamente planícies fluviais,
como a do rio Casca, que apresentam um padrão meandrante, evidenciando
alguns braços de meandro abandonado e barras de meandro, ao longo dos quais
predominam solos de Complexo de Solos de Baixadas e Cursos D’Água.
A Depressão Cuiabana foi esculpida nas rochas do Grupo Cuiabá, sob as
quais predominam solos litólicos. Caracteriza-se por apresentar altitudes entre 200
m e 450 m, esta última nos vales dos rios Cuiabá e Manso. Apresenta
principalmente formas de dissecação tabulares aguçadas e convexas, estas
últimas no vale do rio Manso, além de relevos planos. A exemplo do Planalto do
Casca, na Depressão Cuiabana, mais precisamente no vale do rio Manso, existem
formas de acumulação, representada pela planície fluvial.
As formas de relevo onde encontram-se os sítios arqueológicos resgatados,
foram classificadas da seguinte forma: planície fluvial, encosta, encosta suave,
terraço, topo e morro testemunho.
3.1.1.5 Recursos hídricos
O Manso é o rio de maior extensão da rede hidrográfica que drena a área em
estudo. Possui aproximadamente 220 km de extensão e constitui o principal afluente da
margem esquerda do rio Cuiabá, o qual é afluente do rio Paraguai.
O rio Manso desenvolve seu curso na direção leste-oeste, percorrendo vale
sinuoso e encaixado (índice de sinuosidade verificado é de 1,43). Seus afluentes
possuem um padrão de drenagem detrito-retangular condicionado pela geologia.
O principal afluente por extensão do rio Manso é o rio Casca, com
aproximadamente 150 km de extensão. Na área de estudo, o rio Casca, percorre a
cobertura arenosa residual das formações Furnas, Botucatu e Bauru (unidade2—cAr) e
possui índice de sinuosidade de aproximadamente 1,6, caracterizando canal meândrico.
Possui como principais afluentes os rios Quilombo e Roncador e suas nascentes situam-
se na superfície de topo da Chapada dos Guimarães ( unidade 3—mAr).
Os rios Quilombo e Roncador, assim como inúmeros outros menores, deixam a
chapada através de vales estreitos e profundos, em relevo acentuadamente dissecado.
O rio Manso, na área em estudo, possui em sua margem direita 30 cursos d’água
de primeira ordem, 10 cursos d’água de segunda, cinco de terceira ordem e quatro rios de
quarta ordem. Em sua margem esquerda, 23 cursos d’água de primeira ordem, 15 cursos
d’água de segunda, 14 de terceira, um de quarta ordem e um curso d’água de quinta
ordem. (cf. tabela 3.4)
Os recursos hídricos de uma região são de fundamental importância para as
populações pré-coloniais, não apenas para o abastecimento de água, como também para
a pesca. Na área em estudo, a quantidade de peixes observada em rios de primeira e
segunda ordens, é em geral pequena. A densidade populacional de peixes aumenta
diretamente com a ordem da drenagem.

3.1.2 Vegetação
3.1.2.1 Campo cerrado
Formação vegetal de fisionomia campestre, povoada com pequenas árvores
tortuosas geralmente raquíticas, que atingem em média 1,5 m de altura e são afetadas
pelo fogo anualmente. Caracterizado por um tapete gramíneo-lenhoso, com altura média
de 0,50m e podendo estar entremeado por touceiras de até 1 m de altura. Essa
fitofisionomia encontra-se associada a areia quartzosa: são profundas, derivadas de
arenitos da formação Bauru e Botucatu, relevo suave ondulado, e de baixa fertilidade e
solos litólicos.

3.1.2.2 Campo limpo


Fitofisionomia predominantemente herbácea, com raros arbustos e ausência
completa de árvores.

3.1.2.3 Cerrado
Apresenta estrato arbóreo relativamente denso, com alturas de até 12 m. Os
exemplares têm aspecto retorcido e casca corticosa, freqüentemente marcada pelo fogo,
comum no local, com folhas, em geral, coreáceas, adaptadas às condições xeromórficas.
Pode ser observada a presença de sub-bosques discretos e a ocorrência de gramíneas e
ciperáceas formando um tapete menos denso que a do campo cerrado. Essa fisionomia
também encontra-se associada à areia quartzosa e a solos litólicos.

3.1.2.4 Cerradão
Formação vegetal florestada com árvores de pequeno e médio portes,
apresentando estrato arbóreo mais adensado que o cerrado e dossel atingindo até 25
metros de altura. Apresenta composição florística e localização semelhante à do campo
cerrado. Contudo, as árvores e os arbustos são menos tortuosos e os solos, mais férteis.
O cerradão surge como um gradiente entre o cerrado e a mata de galeria, principalmente
na bacia do Rio Manso, e aparece associado a solos litólicos (solos rasos e rochosos) e
podzólicos (textura dominantemente argilosa, solos rasos, drenagem boa, baixa fertilidade
natural e acidez elevada).

3.1.2.5 Vegetação secundária


Está representada por capoeiras, pastagens, pequenas culturas cíclicas e áreas
em recuperação após terem sido utilizadas.

3.1.2.6 Mata de galeria/mata ciliar


Tais formações apresentam vegetação exuberante e sempre verde em
decorrência da umidade permanente, formando elementos arbóreos diferentes das
espécies que a circundam, constituindo um refúgio florestal, além de local de acúmulo de
nutrientes. Tal vegetação apresenta dossel elevado, com árvores de até 30 m de altura,
que compõe um expressivo sub-bosque.
Essas matas estão geralmente distribuídas sobre solos de baixadas, apresentando
forte microrelevo, sujeito a enchentes periódicas.

3.1.2.7 Floresta
Engloba os tipos de vegetação com predominância de espécies arbóreas e
formação de dosséis. Na escala espacial, essas formações seriam influenciadas por
variações locais em parâmetros como hidrografia, topografia, profundidade do lençol
freático e fertilidade e profundidade do solo (Ribeiro e Walter, 1998).

3.1.2.8 Floresta aluvial


Essa formação penetra no Estado de Goiás como verdadeiros prolongamentos
das regiões mais úmidas da Amazônia, encontrando-se restrita às planícies e aos
terraços inundáveis. Os solos são do tipo areia quartzosa hidromórfica. É uma formação
vegetal bastante complexa: o porte arbóreo é mais baixo do que outras formações
semideciduais, às vezes apresenta uma formação florística bastante especializada devido
à capacidade de suportar o encharcamento do solo nos períodos de cheia. Encontra-se
esse tipo de vegetação sobre quase todo o curso do rio Quilombo.

3.1.2.9 Mata de palmeira


Essa vegetação apresenta-se associada às areias quartzosas hidromórficas, e é
encontrada apenas ao redor do rio Quilombo,

3.1.2.10 Tensão antrópica


Uma área é classificada como antrópica quando nela tenha havido algum tipo de
intervenção humana. Na região descrita, observa-se a presença de áreas utilizadas para
a mineração e agricultura, seguindo o sistema de cultura cíclica, e áreas em recuperação.

Conforme pode ser visto na tabela 3.5, as áreas de tensão antrópica predominam,
ocupando mais de um terço da região, seguidas pelas matas de galeria e florestas (cerca
de 19% para cada).
3.2 Metodologia do Levantamento Arqueológico
Uma vez que se tratava de uma região de grandes dimensões, e que se
tinha um tempo limitado para a realização dos trabalhos (tanto de levantamento
quanto de resgate dos sítios localizados), tornava-se claro, desde o início da
pesquisa, que o levantamento arqueológico não seria feito em toda a área. Ou
seja, apenas parte dela seria percorrida.
Assim, além da abordagem tradicional, que se vale das informações
prestadas pelos moradores da área, e da vistoria de locais que proporcionem boa
visibilidade do solo, resolvemos, seguindo a proposta inicial do nosso trabalho,
que a prospecção deveria ser feita também de uma maneira probabilista, onde
pudesse haver um controle do quanto e do que seria amostrado.
Já há muito tempo (Mueller, 1974; Plog et al. 1978, Nance, 1983, entre
outros) que a utilização de amostragem probabilista nos levantamentos
arqueológicos surge como importante recurso para alcançar o objetivo de se
conseguir uma cobertura representativa das áreas a serem estudadas, pois ela é
uma forma de se obter uma representação adequada da variedade total de
informações, sem que seja preciso lidar com todos os dados do universo. Outra
vantagem é que ela é uma excelente técnica exploratória, que força a observação
de dados, ou o caminhamento de áreas, mesmo onde não se espera obter
resultados.
O problema estava em definir qual a porcentagem da área deveria ser
percorrida, qual parte, e como se percorrê-la.
Como pôde ser visto no item anterior (3.1), a área a ser pesquisada
abrange uma grande variedade ambiental, a qual utilizamos para estratificar o
nosso universo, sendo que ficou definido que seriam percorridos ao menos 5 % de
cada um dos estratos paisagísticos59. Também ficou definido que estes estratos
seriam percorridos de uma maneira sistemática, através de ‘linhas de
caminhamentos’, os chamados ‘transects’ (ver Plog, Plog & Wait: 1978, entre
outros).

59
Uma vez que a área a ser trabalhada apresenta grandes dimensões, acreditamos que uma amostragem de 5%
seria suficiente, já que a fração da amostra deve ser inversamente proporcional ao tamanho do universo a ser
amostrado.
Com isso pretendíamos conseguir uma estimativa da freqüência e
distribuição espacial dos recursos arqueológicos existentes em todos os estratos
ambientais presentes na área estudada60.
A seguir será mostrado como o trabalho de prospecção foi realizado, bem
como os resultados alcançados.

3.2.1 Levantamento assistemático


O levantamento assistemático, amplamente utilizado em pesquisas
realizadas no país, baseia-se nas idéias propostas por Evans e Meggers (1965).
Resume-se, basicamente, ao atendimento das informações prestadas pelos
moradores da região a ser trabalhada, e ao caminhamento do terreno. Apesar de
não fornecer uma amostra estatisticamente confiável61, pode ser utilizado para um
‘reconhecimento informal’ da área em estudo.
Essa metodologia foi aplicada não só dentro da área delimitada para o
estudo, mas também próximo aos limites da mesma. Ela foi feita da seguinte
maneira:
- entrevista, onde era indagado sobre o conhecimento de locais com
material arqueológico, com moradores da cada casa encontrada;
- vistoria, aleatória, de áreas com boa visibilidade do solo;
- vistoria de nove sítios localizados durante a etapa de EIA/RIMA, que havia
sido realizado em 1987, ou seja, aproximadamente 14 anos antes dos estudos por
nós efetuados.

Como pode ser visto em Alexander (1983:177 ss), as desvantagens da


abodagem tradicional são bem reconhecidas. O maior problema dessa abordagem
é que ela é, como já foi dito, não probabilista e, portanto, incapaz de produzir uma
estimativa válida dos riscos de erro. Como consequência, é praticamente
impossível, quantitativa ou qualitativamente, replicar ou avaliar esses estudos.

60
A arqueologia de contrato, pela necessidade de desenvolver maneiras de se obter o máximo de informação
com o mínimo custo e mínimo impacto sobre estes recursos, utilizou amplamente esse tipo de abordagem, que
passou a ser usada também nas pesquisas ‘acadêmicas’.
61
Nessa abordagem o desvio amostral não pode ser mensurado e, devido ao desconhecimento do tamanho da
amostra, não é possível inferir a população.
Assume-se, nessa abordagem, que existem três fatores principais que
influenciam a descoberta de sítios.
O primeiro é a natureza da prospecção: a tradicional depende pesadamente
da exposição do solo para a localização da cultura material.
O segundo fator é o ‘conhecimento comum’, assimilados pelos
pesquisadores e usados como base para a localização dos sítios. Confiando na
experiência pessoal e na intuição, muitos arqueólogos têm desenvolvido, talvez
inconscientemente, uma lista de critérios para a localização de sítios (proximidade
de cursos d’água, certos ecótonos, etc.).
Infelizmente, esse ‘conhecimento comum’ é geralmente usado como base
para determinar a estratégia de prospecção, isto é, o arqueólogo concentra seus
esforços naquelas porções de áreas onde espera encontrar sítios, desprezando
aquelas que apresentam baixo potencial. Descoberta de sítios nos locais
previsíveis, de alta densidade, reflete o tratamento diferencial dados às distintas
áreas, reforçam o ‘conhecimento comum’ de que existem áreas completamente
estéreis, além de não refletir de maneira adequada como ocorre a distribuição dos
sítios pré-históricos.
Finalmente, o terceiro fator é que resultados sem desvios não podem ser
alcançados quando mudanças temporais são ignoradas. Usando dados
etnográficos e documentação histórica é geralmente possível reconstruir o padrão
de assentamento indígena do período proto-histórico. Esse conhecimento pode
influenciar o pesquisador a prospectar mais intensamente áreas ocupadas durante
esse período. Com o tempo, no entanto, os padrões de assentamento podem não
apenas mudar dentro do ambiente, mas o próprio ambiente pode sofrer
alterações. O efeito dessas mudanças na localização dos sítios deve ser
cuidadosamente considerado quando for feita qualquer prospecção.

Os desvios provocados por essa abordagem tradicional são claramente


percebidos por alguns pesquisadores, como pode ser visto em Fogaça (1991: 21
ss), onde a prospecção
(...) devido à restrição orçamentária (...) caracterizou-se pela
dependência de informações fornecidas por moradores da região e por
sua concentração em locais de boa visibilidade do solo e acesso possível
em automóvel. [os resultados mostraram] uma relação predominante
entre ‘sítios a céu-aberto’ x ‘superficialmente unicomponenciais’
(devido em parte a processos de conservação diferencial de vestígios) x
‘material cerâmico’ (cujo predomínio deve-se à obtenção de
informações junto aos moradores).

Assim, ao se pretender um quadro acurado do padrão de distribuição dos


sítios, há a necessidade de se conseguir informações de maneira uniforme,
cobrindo igualmente os diversos estratos paisagísticos. Portanto, prospecções
intensivas, a pé, geralmente são necessárias para a localização de sítios de
pequenas dimensões, e de atividades limitadas, sendo que todas as partes da
região, mesmo aquelas assumidamente estéreis, devem ser investigadas
(Redman, 1974).

3.2.2 Levantamento sistemático


Além do levantamento assistemático também foi realizado uma prospecção
sistemática, que tinha por objetivo não só produzir o mínimo de desvios amostrais
(e que esses pudessem ser controlados), mas também dar uma idéia da
distribuição dos sítios pré-históricos pela área em estudo.
Para a realização desse levantamento sistemático, optou-se pela utilização,
com algumas variações, da abordagem denominada de ‘Full Coverage’ (Fish &
Kowalewski, 1990), que denominaremos aqui de ‘Cobertura Ampla’.
Na verdade, apesar de alguns autores se referirem à Cobertura Ampla
como sendo ‘cobertura total’ ou ‘de 100%’, não há uma definição para o termo,
sendo que um denominador comum, entre os pesquisadores que utilizam esse
método, é o exame sistemático de blocos de terreno com um nível uniforme de
intensidade. A extensão da área também desempenha um papel importante, pois
tem que ser suficientemente grande para englobar diferentes sítios (Fish &
Kowalewski, 1990).
De acordo com Kowalewski & Fish (1990), é impossível, em arqueologia,
cobrir 100% de uma área, descobrir todos os sítios lá existentes, e verificar essa
afirmação. Kintigh (1990) também concorda com isso ao afirmar que todos os
arqueólogos estão cientes de que, ao prospectarem, deixam de identificar locais
que mostram evidências, em algum nível de detalhe, do comportamento humano.
Isso se deve ao grau de intensidade com que é feita a prospecção, ou seja,
o grau de detalhe com o qual a superfície, e sub-superfície, de uma determinada
área é prospectada (Plog et al., 1978), que pode ser medido pelo espaçamento
que é mantido pelos indivíduos durante a prospecção, bem como pelo
espaçamento entre as intervenções que são realizadas no solo. A intensidade irá
variar de acordo com os objetivos do trabalho.
Segundo Cowgill (1990), a sensibilidade, que é a probabilidade de
evidenciar um sítio arqueológico, é um outro fator, estreitamente ligado à
intensidade, que também interfere diretamente nos trabalhos de prospecção.
Para esse autor, a sensibilidade é afetada por cinco fatores: 1) a natureza
da ocorrência arqueológica (lítico, cerâmica, construções, etc.); 2) a natureza do
terreno (vegetação fechada, topografia íngreme, erosão, etc.); 3) a proximidade do
prospectador com a ocorrência arqueológica (passar por cima dela ou somente
próximo a ela); 4) a extensão com que o observador é sensibilizado por um certo
tipo de ocorrência; 5) a extensão com que técnicas especiais são usadas para
detectar ocorrência sub-superficiais.
A relação é bem clara: quanto maior a intensidade, maior a sensibilidade.

Para a área em estudo, dentre os fatores acima expostos que afetam a


sensibilidade, a natureza do terreno é o mais problemático. A vegetação que
ocorre na área é o principal empecilho para a detecção das ocorrências
arqueológicas, uma vez que o solo fica totalmente coberto, sendo que as únicas
exceções são os terrenos que tinham acabado de serem arados, além de
estradas, caminhos e áreas erodidas.
Definiu-se, portanto, que a área seria percorrida por ‘transects’ (linhas de
caminhamento orientadas), disposto à distâncias regulares, e que, também à
distâncias regulares, seriam feitas intervenções no terreno para a observação
tanto do solo como do subsolo.
Procurou-se padronizar em 100 m a distância entre as linhas dos
‘transects’. As intervenções foram realizadas com uma distância de 50 m entre
uma e outra. Em cada intervenção era feita uma limpeza do terreno onde, com a
ajuda de uma enxada, era retirada a vegetação em uma área de,
aproximadamente, 1 m de diâmetro, atingindo cerca de 30 cm de profundidade. A
cada 200 m, ou seja, a cada quatro intervenções, era feita uma intervenção mais
profunda, que atingia, em média, 100 cm, porém com diâmetro menor (cerca de
25 cm).
Dessa forma, teoricamente, todos os sítios superficiais, ou que estivessem
enterrados até 30 cm de profundidade, e que tivessem um diâmetro igual ou maior
que 100 m, seriam localizados na área amostrada. Da mesma maneira, todos os
sítios mais profundos, enterrados até 100 cm, e que tivessem diâmetro igual ou
superior a 200 m, também seriam encontrados.
Para a rentabilização do trabalho, ficou definido que os transects seriam
percorridos por uma equipe de quatro pessoas (dois pesquisadores e dois
trabalhadores braçais), divididas em duas duplas: um trabalhador braçal abriria a
picada, orientado por um pesquisador que, utilizando uma bússola, iria indicando a
direção a ser tomada; enquanto que mais atrás o outro pesquisador viria
marcando o lugar onde seriam feitas as intervenções no solo pelo segundo
trabalhador braçal, bem como examinaria os sedimento e os objetos que dali
saíssem.

3.2.3 Resultados do levantamento


No total foram 120 dias de trabalho.
Quanto à prospecção assistemática, foram entrevistados moradores de 73
fazendas, que proporcionaram a localização de 39 sítios arqueológicos. Além
disso foram vistoriadas inúmeras áreas onde a visibilidade do terreno era boa
(áreas aradas, erosões, barrancos de córregos e de estradas, etc.), o que permitiu
a identificação de mais 26 sítios.
Quanto à prospecção sistemática, foram percorridos 249, 5 km, tendo sido
realizadas cerca de 4.990 intervenções no solo. Através dessa metodologia foram
localizados 16 sítios (cf. mapa 3.1).
Desse total de 81 sítios localizados, 48 estão dentro da área que será
diretamente afetada pela construção da usina hidrelétrica (e onde foram realizados
tanto o levantamento sistemático e assistemático) enquanto os 33 restantes
encontram-se próximos ao limite da área onde será formado o lago (tendo sido aí
realizadas apenas prospecções assistemáticas). (cf. mapa 3.2)

Graf. 3.1 - Localização dos sítios em relação à área de estudo

40,74
dentro da área
fora da área
59,26

Dos 48 sítios localizados dentro da área, 16 o foram pela prospecção


sistemática, enquanto os 32 restantes o foram pela assistemática, sendo 14 por
vistoria e 18 por informação oral.

Gráf. 3.2 - Metodologia de prospecção x sítios encontrados

29,17
33,33

transect
inf. oral
vistoria

37,5
As vantagens da utilização de um levantamento sistemático é que podemos
utilizar seus resultados para ter uma idéia melhor do que ocorre na área, tanto em
termos quantitativos como qualitativos.
Como já foi visto, foram percorridos, por essa metodologia, 249,5 km, o que
corresponderia, utilizando um ‘efeito margem’62 de 100 m, a 24,95 km²
amostrados, ou seja, aproximadamente 5,9 % da área. Uma vez que foram
encontrados 16 sítios, pode-se extrapolar que, na área, existiriam 271 sítios que
se enquadrariam dentro daquelas dimensões (pelo menos 100 m de diâmetro), e
enterrados até aquelas profundidades (1 m), explicitadas mais acima.
É claro que essa é uma estimativa grosseira, pois se teria que levar em
conta vários outros fatores para se chegar a resultados mais confiáveis: a
combinação dos diferentes estratos ambientais; os diferentes tipos de sítios
existentes não só em relação aos distintos grupos, mas também em relação à
cronologia, e à função que esses sítios desempenhariam dentro do sistema de
assentamento.
Porém, uma vez que nosso principal objetivo aqui não é esse, mas sim
apenas sugerir o potencial dessa metodologia, esse refinamento não será feito
nesse momento.

3.2.4 Sítios selecionados para serem resgatados


Da mesma maneira que estava claro que seria impossível prospectar toda a
área, estava claro, também, que seria impossível resgatar todos os sítios
encontrados.
Para fazer a seleção dos sítios que seriam trabalhados na próxima etapa,
utilizamos tanto os dados referentes à implantação deles na paisagem, como
algumas características dos próprios sítios: espessura e profundidade do depósito
arqueológico, tipo de material que apresentavam63.

62
Uma vez que a prospecção sistemática foi realizada através de ‘linhas de caminhamentos’, e que as linhas
só têm uma dimensão, para o cálculo da área amostrada utilizamos as dimensões dos menores sítios que
pretendíamos localizar (no caso 100 m de raio). A ‘linha de caminhamento’ não precisa passar no centro do
sítio para localizá-lo, mas em qualquer uma de suas partes; ela, assim, produz uma margem, que é igual a
dimensão desse sítio.
63
Para obtermos essas informações foi realizada, em cada sítio, uma sondagem de 1 x 1 m, com o material
sendo coletado por níveis artificiais de 10 cm. Apesar de em alguns sítios apenas uma sondagem ter se
Assim, do total de 60 sítios encontrados dentro dos limites da área a ser
impactada, foram selecionados 26 deles64 para resgate, sendo que a metodologia
utilizada para a coleta de material será descrita a seguir.

3.3 Metodologia do Resgate dos Sítios Arqueológicos


As atividades de escavação dos sítios arqueológicos tiveram como
objetivos centrais delimitar a dispersão do material arqueológico, tanto na
superfície como no subsolo, estimar a densidade de material existente neles, além
de obter uma amostra quantitativa e qualitativamente representativa desse
material.
As escavações dos assentamentos foram realizadas utilizando metodologia
baseada na amostragem sistemática (Redman, 1973, Mueller, 1974, entre outros),
que se caracterizaram em intervenções de dimensões constantes, realizadas em
distâncias eqüidistantes.
As atividades de escavação consistiram, portanto, em realizar, inicialmente,
um reconhecimento geral do sítio em superfície e, a partir de um ponto
selecionado, preferencialmente utilizando como base o corte-teste realizado na
etapa de levantamento, estabelecer linhas de direções ortogonais, ao longo das
quais foram feitas as sondagens.
As sondagens (de 1 m², com o material sendo coletado por níveis artificiais
de 10 cm) foram realizadas a distâncias regulares, normalmente 20 m, orientadas
numa mesma direção. As intervenções se estenderam, em média, por mais duas
sondagens além da última que apresentava material arqueológico. Em alguns
sítios foram também adotados, como procedimentos de teste para confirmação da
delimitação do sítio, intervenções menores, realizadas com instrumento tipo boca-
de-lobo, realizadas sempre após as últimas sondagens que continham material.
Convém enfatizar que essa metodologia não foi aplicada de maneira rígida em
todos os sítios, pois poderia sofrer alterações conforme as características deles: natureza
do material encontrado, densidade do material, implantação na paisagem, dimensões,

mostrado insuficiente para fazer uma caracterização segura, esse trabalho nos proporcionou uma idéia do que
poderia ser encontrado em cada sítio.
profundidade, estado de conservação do sítio, entre outros. Assim, a distância entre as
sondagens poderia aumentar ou diminuir, bem como as dimensões das sondagens
também poderia aumentar.
Em alguns sítios os trabalhos foram complementados com a escolha de locais,
onde apareciam materiais significativos, onde ampliou-se as áreas de coleta de material.65
Os sítios superficiais sofreram coleta total, com o material sendo separado por
grandes quadras (10 x 10 m).
Acreditamos que essa metodologia utilizada se adequa perfeitamente não só aos
objetivos propostos por nós, mas também às características do trabalho de contrato, onde
o tempo é, em geral, um dos problemas cruciais: ela permite que se realize a delimitação
do sítio, concomitantemente à coleta controlada do material ali existente.

3.2.1 Seleção dos sítios a serem estudados


Quanto às características dos materiais encontrados nos sítios, temos que, dos 27
sítios trabalhados na área, cinco eram lajedos que apresentavam apenas petroglifos; um
era cerâmico; 13 eram lito-cerâmicos, com esses materiais estando sempre associados;
cinco eram lito-cerâmicos66, apresentando pelo menos duas ocupações distintas: a mais
antiga apenas com material lítico, a mais recente com cerâmica e lítico67; e três eram
sítios líticos, de superfície ou bastante rasos.
Para o objetivo da nossa pesquisa, foram selecionados cinco sítios: os três que
apresentavam apenas material lítico, e dois daqueles que apresentavam duas ocupações
distintas68.
No capítulo seguinte serão apresentados, para cada um dos sítios, os dados
referentes à implantação na paisagem, as atividades de escavação, bem como a análise
do material recolhido.

64
Também foi selecionado um abrigo localizado próximo ao limite da área, o único nas proximidades que
apresentou sedimento e material arqueológico.
65
Ressaltamos que os materiais recolhidos nessas áreas não fizeram parte do cálculo de densidade de material
por sítio.
66
Inclui-se, nessa categoria, o sítio em abrigo.
67
Enquanto os sítios que apresentavam material lítico e cerâmico sempre associados tinham datações que
chegavam , no máximo, até 2.280 BP, as datas daqueles que apresentavam apenas material lítico nas camadas
mais profundas alcançavam, nessas camadas, até 6.000 BP (cf. quadro 3.1).
68
Dos quatro sítios dessa categoria, foram selecionados aqueles que mais se prestavam para os nossos
estudos: possuírem datações, separação mais visível das camadas que continham apenas material lítico
daquelas com cerâmica e lítico, e maior quantidade de núcleos e de artefatos.
4. OS SÍTIOS TRABALHADOS E A ANÁLISE DO MATERIAL LÍTICO

No presente capítulo apresentaremos os sítios individualmente. Serão


mostrados dados sobre sua implantação, sua estratigrafia, além dos trabalhos
para a delimitação e coleta de materiais ali realizados.

Os sítios com a presença de material cerâmico (Estiva 2 e São José) foram


divididos em duas camadas: a primeira, superior, delimitada pela presença da
cerâmica; a segunda, inferior, onde é encontrado apenas material lítico. O material
de cada uma dessas camadas será apresentado separadamente.

Uma vez que o principal interesse é pelo material lítico, a cerâmica, quando
aparece, é apenas sumariamente descrita.

Na descrição do material lítico também será dada maior ênfase às lascas e


núcleos unipolares, assim como aos instrumentos retocados (os instrumentos
polidos, picoteados e aqueles classificados como não modificados foram, em
geral, apenas descritos rapidamente).

Para a análise, as lascas foram agrupadas as inteiras e os fragmentos


proximais. Os fragmentos mesiais e distais foram apenas pesados1.

Ainda em relação à análise das lascas, o principal cruzamento apresentado


é entre as dimensões das lascas e a presença/quantidade de córtex2. Com esse
cruzamento, e com a comparação das dimensões das lascas com as dos suportes
utilizados, assim como com as dos últimos negativos que podem ser observados
nos núcleos, pretendemos ter uma idéia de quais etapas do processo de
debitagem eram realizadas nos sítios3.

Os núcleos foram analisados de maneira a se tentar perceber as


características das lascas que dali saíram, quais os fatores que estavam sendo

1
Esse mesmo procedimento, pesagem, foi tomado para os fragmentos brutos de matéria-prima coletados nos
sítios.
2
A quantidade de córtex foi dividida em quatro categorias: 1) sem córtex; 2) reserva cortical, quando a lasca
apresentava pequena quantidade de córtex, 3) semi-cortical, quando cerca de metade da sua superfície externa
era coberta por córtex, 4) cortical, quando a totalidade, ou quase, era coberta por córtex. As lascas que
apresentavam dorso cortical foram colocadas em uma categoria aparte.

122
levados em conta para o controle das retiradas, bem como a existência de
interdependência entre as sequências de lascamento. Assim, seria possível
classificá-lo dentro da sequência evolutiva proposta (cf. item 2.3.2).

Os instrumentos retocados foram classificados em tecno-tipos, de acordo


com o cruzamento entre a estrutura do suporte e as UTFs presentes (cf.
‘Convenções’,no volume 2).

Por fim, foi feita uma divisão bem ampla quanto a qualidade da matéria-
prima (dos instrumentos retocados e dos núcleos): boas as que apresentavam
granulação fina, e ruim as com granulação grossa.

3
Os resultados da análise das demais variáveis são encontrados no volume 2, por sítios (cf.quadros 4.4 a
4.8a).

123
4.1 SÍTIO ESTIVA 2

4.1.1 Características Ambientais

O sítio Estiva 2 constitui um assentamento arqueológico a céu aberto,


localizado por meio de vistoria no terreno próximo à sede da fazenda Santa Luzia.
O curso d’água mais próximo é o rio Manso, localizado a cerca de 20 m de
distância. Situa-se próximo ao sítio Estiva 1, em cota de 235 m e coordenadas
UTM 21 633 810E / 8 355 035N (cf. mapa 3.1).

Está implantado em terreno com declividade entre 0% e 5%, apresentando


solo do tipo “Complexo de Solos de Baixadas e Cursos D'água” (C), vegetação de
mata galeria, e compreendido na unidade geológica pEAc (cf. quadros 4.1 e 4.2).

Nas proximidades do sítio, ocorrem morrotes sustentados por intrusões de


quartzo ou por níveis mais resistentes dos metamorfitos do Grupo Cuiabá unidade
geológica pEAc, aflorantes na área, como o filito conglomerático e o quartzito. É
possível observar distribuídos sobre o relevo, seixos e calhaus em grande
quantidade. São fragmentos de quartzito (mais raramente) e de quartzo leitoso de
origem coluvionar. Os fragmentos de quartzo leitoso tendem a quebrar-se quando
submetidos ao impacto, não produzindo lascas de qualidade.

O curso d’água mais próximo é de primeira ordem e tangencia a área do


sítio. Em um raio de 5.000 m ao redor do sítio observa-se 95 cursos d’água de
primeira ordem, 25 de segunda, seis de terceira, um rio de quinta e um rio de
sexta ordem, totalizando 128 cursos d’água. A extensão das drenagens soma
132,7 km. (cf. figura 4.1.1). Possuem 0,815 de densidade hidrográfica e 0,8454 de
densidade de drenagem (cf quadro 4.3 e tabelas 4.1 e 4.2).

4.1.2 Atividades de Escavação

Quanto às atividades de escavação, para a delimitação do sítio, foram


realizadas 32 sondagens sistemáticas de 1 m x 1 m, com distâncias regulares de
20 m. Além disso, foram abertas mais três sondagens em locais que
apresentavam quantidade significativa de material (cf. figura 4.1.2).
124
O material arqueológico, composto por 1.390 peças líticas e 550 fragmentos
cerâmicos, encontra-se disperso em uma área de cerca de 40.500 m2, aparecendo
desde a superfície até 250 cm de profundidade. No entanto, o predomínio do
material ocorreu no nível 70/80 cm.

No geral o sítio teve 0,086% de sua área escavada, sendo 0,079% pelo
método sistemático (cf. tabela 4.3).

As datações para esse sítio variam de 5.850 + 40 AP até 810 + 50


AP (cf. quadro 3.1).

4.1.3 Perfil estratigráfico

Os perfis estratigráficos do sítio Estiva 2 são constituídos por três camadas


de solo com intensa compactação, com presença de materiais cerâmicos na
primeira e, eventualmente, na segunda camada, sendo que o material lítico
presente nas três camadas (cf. figura 4.1.1a e 4.1.3).

A primeira camada, de cor cinza escuro, é composta por solo rico em


matéria orgânica, textura silto-argilosa, com presença de raízes. Sua espessura
varia de 60 a 130 cm.

A segunda camada, cor cinza, apresenta textura siltosa com pequenos


seixos arredondados. Sua espessura varia de 20 cm a 100 cm.

A terceira camada, cor cinza claro, apresenta solo de textura areno-siltosa,


com níveis de seixos e matacões arredondados de até 20 cm de tamanhos. A
espessura dessa camada varia de 30 cm a 120 cm A escavação foi interrompida
por questão de segurança devido à consistência do pacote sedimentar. No
entanto, é provável que a base esteja próxima, uma vez que foi observada, na
base do corte, a presença de sedimentos característicos de leito de rio
(cascalhos).

A análise dos perfis do sítio Estiva 2, assim como os trabalhos de

125
fotointerpretação, indicam que esse sítio localiza-se em área de influência fluvial,
tendo em vista a distribuição gradacional dos sedimentos, associada ao
arredondamento dos fragmentos rochosos. Conforme se afasta do rio, as
espessuras dos perfis diminuem, assim como o número de camadas.

Para efeito do estudo do material foram definidas duas camadas: uma


superior, mais recente, onde aparece material cerâmico e lítico (abrangendo a
camada 1 e parte da 2 do perfil estratigráfico mencionado acima), e outra inferior,
mais antiga, , onde aparece apenas o material lítico (abrangendo parte da camada
2 e a camada 3) (cf. figura 4.1.3).

126
4.1.4 Análise do Material Lítico
4.1.4.1 Camada Superior

A camada superior do sítio Estiva 2, onde também aparece material


cerâmico4, forneceu uma coleção de material lítico composta por 1037 peças,
aparecendo, em relação ao níveis artificiais, desde a superfície até o nível 15 (140
cm – 150 cm). Foram coletadas 25 peças na superfície; 18 no nível 1; nove no
nível 2; 33 no nível 3; 54 no nível 4; 82 no nível 5; 101 no nível 6; 106 no nível 7;
130 no nível 8; 99 no nível 9; 71 no nível 10; 94 no nível 11; 126 no nível 12; 57 no
nível 13; 27 no nível 14, e cinco no nível 15.

G r á f. 4 .1 .1 - D is tr ib u iç ã o p o r n ív e is

14
12
10
8
%
6
4
2
0
n10

n11

n12

n13

n14

n15
n1

n2

n3

n4

n5

n6

n7

n8

n9
sup

As matérias-primas utilizadas foram: arenito, sílex, quartzo, siltito e argilito.


Entre eles predomina o sílex (797 peças, representada pelas cores branca, cinza,
vermelha e amarela), seguido pelo arenito (220 peças, nas cores branca, cinza,
vermelha e amarela), com evidências de alterações naturais (marcas de fogo)
sobre pequena parte do material. O quartzo, o siltito e o argilito ocorrem em menor
proporção.

4
Foram coletados 550 fragmentos cerâmicos, desde a superfície até 150 cm de profundidade. O antiplástico
predominante é o cariapé B associado ao carvão, que aparece em mais de 80% dos fragmentos. A queima
varia de oxidante a redutora (com predomínio desta última). Os fragmentos apresentam espessura de 4 mm a
22 mm, com média de 10,1 mm, e a grande maioria deles encontrava-se alisado (o polimento aparece em
pequena quantidade, pouco mais de 1 %, tanto na face interna como na externa). Apenas um fragmento
decorado foi encontrado (tipo recortado). A forma predominante dos vasilhames é fechada simples.

127
1,12 Gráf. 4.1.2 - M atéria prima
0,29
21,22

arenito
0,58 quartzo
sílex
siltito
argilito
76,89

Em relação à classificação do material, aparecem 955 lascas unipolares,


dez núcleos unipolares, 41 instrumentos modificados por retoques, 12
instrumentos modificados por polimento, um instrumento modificado por
picoteamento, dois instrumentos não-modificados, nove lascas bipolares e quatro
núcleos bipolares.

1,26 G ráf. 4.1.3 - M aterial x classe


1,25
1,26 0,19
detr. unip.
detr. bip.
sup. m od. ret
sup. m od. pol. ou picot
ins tr ñ m od

96,04

Foram identificadas quatro formas de trabalho no material: o lascamento


unipolar, o lascamento bipolar, o picoteamento e o polimento. As duas primeiras
apresentam-se no arenito, no quartzo e no sílex, o picoteamento ocorre no siltito
enquanto que o polimento ocorre no argilito.

128
4.1.4.1.1 Núcleos
Os dez núcleos coletados (nove em sílex e apenas um em arenito) são
descritos a seguir:

ES 2 1578 (sílex 1) – (68 x 42 x 39 mm) - Núcleo retomado como


instrumento. Apresenta dois planos de percussão: A e B. A partir do plano A foram
retiradas duas lascas (a1 e a2) que teriam formas quadrangular e triangular, talão
liso, e dimensões de cerca de 43 x 48 mm. O núcleo é girado, utilizando-se a face
formada pelo negativo a2 como plano de percussão (B), a partir de onde foi
retirada uma lasca com características semelhantes às anteriores.
O núcleo foi retomado como instrumento uma vez que, ainda na face B, é
possível perceber retoques curtos, escalariformes, abruptos, vindos da face A, e
que formam um gume retilíneo (Pc côncavo 65o, Pb retilíneo 75o) (UTFt).

ES2 1280 (sílex 1) – (63 x 43 x 41 mm) – Núcleo, com reserva cortical


(bloco), retomado como instrumento. Apresenta um plano de percussão (A), a
partir do qual foram retiradas quatro lascas (a1, a2, a3 e a4), que apresentavam
talão liso, formas triangulares e retangulares e dimensões máximas de 45 x 46
mm. As lascas a1 e a4 apresentariam reserva cortical na extremidade distal,
sendo que a2 seria refletida.
O núcleo é girado, passando-se a utilizar o negativo de a1 como novo plano
de percussão (B), a partir da onde retirou-se mais três lascas (b1, b2, e b3),
quadrangulares, com talão liso, medindo, no máximo, 32 x 23 mm.
A partir daí o núcleo foi retomado como instrumento (cf. descrição no item
4.1.4.1.2).

ES2 376 (sílex 1) – (51 x 37 x 55 mm) – Núcleo, com pequena reserva


cortical (bloco), apresentando dois planos de percussão opostos, e que utilizam o
mesmo plano de debitagem. A partir do plano A saíram duas lascas (a1 e a2),
ambas com talão liso, morfologia triangular e quadrangular, com dimensões de

129
cerca de 30 x 30 mm. A partir do plano B saíram mais três lascas, apresentando
as mesmas características.

ES2 1181 (sílex 1) – (70 x 52 x 51 mm) – Núcleo, com pequena reserva


cortical (bloco), retomado como instrumento. Apresenta um plano de percussão
(A) a partir do qual foram destacadas cinco lascas, todas com talão liso,
morfologia variada (triangular ou quadrangular), e dimensões máximas de 40 x 40
mm.
O núcleo foi retomado como instrumento, uma vez que é possível perceber,
próximo ao negativo a2, retoques curtos, abruptos, escalariformes, formando um
gume retilíneo (Pc côncavo 80o, Pb retilíneo 65o) (UTFt).

ES2 1135 (sílex 2) – (61 x 57 x 56 mm) - Núcleo apresentando três planos


de percussão. A partir do plano A foram destacadas quatro lascas (a1, a2, a3 e
a4), que saíram com talão liso, morfologia quadrangular e dimensões máximas de
38 32 mm. O negativo a1 serviu de novo plano de percussão (B) de onde foram
retiradas duas lascas (b1 e b2) com talão liso, morfologia triangular e
quadrangular, e dimensões de 32 x 40 mm. Adjacente ao negativo b1, uma outra
superfície serviu para o terceiro plano de percussão (C), de onde foram retiradas
mais duas lascas (c1 e c2), que apresentam características semelhantes àquelas
oriundas do plano de percussão B.

ES2 26 (sílex 2) – (53 x 28 x 30 mm) - Fragmento de núcleo, onde é


possível perceber apenas um plano de percussão, a partir de onde foram
destacadas três lascas com as seguintes características: talão liso, morfologia
quadrangular, dimensões de 30 x 25 mm.

ES2 1019 (sílex 1) – (65 x 59 x 61 mm) - Núcleo com três planos de


percussão (A, B e C), sendo que dois deles (A e B) encontram-se em faces
opostas. A partir do A saíram três lascas (a1, a2 e a3), com talão liso, morfologia
laminar e dimensões de 50 x 22 mm. A partir do plano de percussão B foram

130
destacadas mais duas lascas (b1 e b2) com talão liso, morfologia quadrangular e
dimensões de 32 x 25 mm, que utilizaram o mesmo plano de debitagem de A. O
negativo b1 serviu de novo plano de percussão, de onde foi retirada uma lasca
apresentando talão liso, morfologia quadrangular e dimensões de 40 x 35 mm.
É possível, ainda, perceber o negativo de mais duas lascas (d1 e d2) vindas
de um plano de percussão adjacente aos dois citados anteriormente, porém que já
não existe mais.

ES2 537 (sílex 1) – (60 x 43 x 39 mm) – Núcleo com apenas um plano de


percussão a partir do qual foram retiradas três lascas, que teriam talão liso, forma
quadrangular e dimensões de 45 x 35 mm. Apesar de apresentar forma piramidal,
ele é do tipo C, uma vez que não é possível perceber nenhuma predeterminação
mais acentuada, e os negativos não mostram que as lascas que saíram dali sejam
mais compridas que largas.

ES 1022 (sílex 2) – (65 x 49 x 53 mm) – Núcleo, com pequena reserva


cortical (bloco), apresentando dois planos de percussão. A partir do primeiro (A)
retirou-se uma lasca (a1) com talão liso, forma triangular e dimensões
aproximadas de 35 x 30 mm. Do plano de percussão (B), adjacente ao A, foram
destacadas mais três lascas, com morfologia triangular ou quadrangular, talão liso
e dimensões alcançando 38 x 35 mm, sendo que uma delas (b3) foi tirada as
custas do plano A.

ES2 670 (arenito 1) – (44 x 35 x 31 mm) - Pequeno fragmento de seixo


apresentando um plano de percussão a partir do qual foram retiradas três lascas
com talão liso, morfologia subcircular, dimensões médias de 25 x 25 mm, com
possível reserva cortical na extremidade distal. Sofreu um golpe na extremidade
oposta (novo plano de percussão ??), de onde saiu uma lasca que teria talão
cortical, morfologia triangular, e dimensões de 23 x 20 mm.

131
Em relação aos núcleos coletados, podemos perceber que aqueles em sílex
foram levados ao sítio na forma de bloco, enquanto que o de arenito foi na forma
de seixo.

A qualidade da matéria-prima em geral é boa: a única peça em arenito


apresenta granulação fina, o mesmo acontecendo com 2/3 dos núcleos de sílex.

Os núcleos apresentam dimensões que variam de pequenas a médias,


sendo que o único encontrado de arenito é um dos menores.

Volume (cm³) dos núcleos

250

200

150
vl (cm³)

sílex
arenito
100

50

Gráf. 4.1.4 Graf. 4.1.5

Metade deles apresenta apenas um plano de percussão, sendo que, em


geral, foram retiradas de duas a três lascas a partir de cada um desses planos.

Pelos negativos analisados, as lascas saíram com talão liso, forma


predominantemente quadrangular ou triangular, e dimensões que atingiam, no
máximo, 50 mm de comprimento e 48 mm de largura, sendo que aquelas que
saíram do núcleo de arenito apresentam as menores dimensões.

132
Gráf. 4.5.6 - Dimensões prováveis das lascas saídas dos
núcleos

60
50
40
larg (mm)

sílex
30
arenito
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)

A análise mostrou que quando há mais de uma sequência de retiradas não


há dependência entre elas; as lascas de cada seqüência saem com certa
padronização (principalmente quanto às dimensões), o que pode caracteizar
esses núcleos como pertencentes ao sistema de debitagem C.

4.1.4.1.2 Instrumentos retocados


Os 41 instrumentos lascados (30 em sílex e onze em arenito) são descritos
a seguir:

ES2 2913 (arenito 1) – (80 x 64 x 37 mm) – Fragmento de lasca, seção


triangular. O bordo esquerdo está totalmente tomado por córtex (seixo). Esse
córtex, juntamente com um grande negativo existente na parte proximal do outro
bordo formam, provavelmente, uma UTFp. A partir da porção mesial do bordo
esquerdo é possível perceber vários negativos de retiradas, que se estendem até
uma das extremidades, seguidos por retoques diretos, curtos, abruptos,
descontínuos, formando um gume retilíneo, denticulado, que acaba em um bico

133
na extremidade da peça (Pc retilíneo, 80o; Pb retilíneo, 85o) (UTFt) (figuras 4.15a e
4.23).

ES2 949 (arenito 1) – (67 x 75 x 32 mm) - Lasca relativamente espessa,


talão cortical (bloco), seção trapezoidal. Apresenta dois negativos de retiradas
(anteriores ao destacamento da lasca), na face externa, vindos de direções
opostas, um deles, no bordo direito, forma um dorso (UTFp). Na extremidade
distal, três retiradas, a partir da face interna, formam um bico ladeado por dois
gumes côncavos (Pc retilíneo, 75o) (UTFt) (figuras 4.15b e 4.24).

ES2 1182 (sílex 2) - (55 x 58 x 29 mm) - Lasca, seção trapezoidal, talão


cortical, e córtex (seixo) por todo bordo esquerdo e parte de direito. Lasca espessa
na extremidade distal, sendo que as retiradas 1 e 2 afinaram a peça nas porções
proximal e mesial (UTFp). Na parte distal é possível contar 5 negativos longos,
seguidos por retoques diretos, curtos, escalariformes, abruptos, que avançam pelo
bordo direito, formando um gume levemente convexo (Pc retilíneo, 80o ; Pb
retilíneo, 65o) (UTFt) (figura 4.15c).

ES2 606 (sílex 1) – (53 x 48 x 19 mm) - Lasca talão liso, seção trapezoidal,
com um negativo na face externa vindo da mesma direção em que a lasca foi
retirada. Um quebra pega toda a extensão do bordo direito, formando um dorso. A
peça apresenta dois negativos de retiradas, que abarcam todo o bordo direito, e
um outro negativo na extremidade distal, interrompido pela quebra. Todos eles
foram feitos após o destacamento da lasca e as custas da face interna.
Na extremidade distal há uma seqüência de retoques inversos, longos,
semi-abruptos, formando um gume linear, denticulado (Pc retilíneo, 65o; Pb
côncavo, 60o) (UTFt1). No bordo esquerdo os retoques, inversos, curtos, abruptos,
formam um gume côncavo (Pc retilíneo, 60o) (UTFt2) (figuras 4.15d e 4.25).

ES2 2144 (sílex 2) – (42 x 48 x 28 mm) - Lasca, seção semi-circular, talão


espesso, com a face externa apresentando sete negativos (anteriores à retirada

134
da lasca) vindos de distintas direções. O bordo direito apresenta três negativos de
retiradas feitos após o destacamento da lasca, formando um gume denticulado (Pc
retilíneo, 70o) (UTFt) (figuras 4.16a e 4.26).

ES2 2850 (arenito 1) – (61 x 50 x 26 mm) - Lasca com dorso cortical


(seixo), seção trapezoidal; um negativo saído do mesmo plano de percussão da
presente lasca (típico C inicial). Na extremidade distal há dois negativos de
retoques inversos, longos, rasantes, seguida por uma seqüência de retoques mais
curtos, formando um gume retilíneo, regular (Pc retilíneo, 45o; Pb retilíneo, 55o)
(UTFt1). Adjacente a esse gume há uma pequena concavidade causada por uma
retirada na face superior (Pc convexo, 45o) (UTFt2). O bordo esquerdo apresenta
uma seqüência de retoques diretos, curtos, abruptos, formando um gume
levemente côncavo (Pc retilíneo, 45o; Pb retilíneo, 75o) (UTFt3) (figuras 4.16 b e
4.27).

ES2 1324 (arenito 2) – (83 x 53 x 27 mm) - Lasca bipolar de seixo, seção


trapezoidal, face externa com mais de 50% de córtex. Em um dos bordos há dois
negativos de retiradas posteriores à saída da lasca, associados a um gume natural
(Pc retilíneo, 70o) (UTFt1). No bordo oposto negativos de retiradas anteriores
formam um dorso (UTFp) (figuras 4.16 c e 4.28).

ES2 25 (sílex 1) – (57 x 38 x 24 mm) - Lasca, seção triangular, com marca


de fogo. Apresenta um dorso, formado por uma retirada anterior, oposto a um
gume natural (Pc retilíneo, 60o) (UTFt1). A partir do dorso, às custas de um outro
negativo na face externa, foram feitos retoques curtos, abruptos, formando uma
UTFp. A extremidade distal apresenta um retoque inverso, curto, semi-abrupto,
formando uma pequena reentrância (Pc côncavo, 45o Pb retilíneo, 55o) (UTFt2)
(figuras 4.17a e 4.29).

ES2 2560 (arenito 2) – (45 x 40 x 28 mm) - Fragmento de lasca,


relativamente espessa, seção trapezoidal. Apresenta negativos de retiradas em

135
ambos os bordos: as do lado esquerdo abrangem toda a espessura da peça e é
seguida por uma seqüência de retoques diretos, muito curtos; seria,
provavelmente, uma UTFp, uma vez que não forma nenhuma superfície plana. Os
negativos do lado direito formam um gume retilíneo, terminando em uma
reentrância (Pc retilíneo, 75o) (UTFt1) (UTFt2) (figuras 4.17b e 4.30).

ES2 1385 (sílex 1) – (44 x 32 x 17 mm) - Fragmento de matéria prima


(nódulo), seção triangular, com uma das faces totalmente corticais, avançando
tanto por uma das extremidades da outra face como por um dos bordos, onde
parece haver uma quebra que forma um dorso; no bordo oposto há uma retirada
formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 55o) (UTFt1) (figuras 4.17c e 4.31).

ES2 2253 (sílex 1) – (91 x 42 x 47 mm) - Fragmento de matéria prima,


seção trapezoidal, com córtex (bloco) em um dos bordos. Apresenta uma face
plana a partir da qual foram feitas retiradas. Em um dos bordos há duas grandes
retiradas, cada uma formando uma concavidade, sendo separadas por um bico, e
ambas seguidas por uma seqüência de retoques curtos, semi-abruptos,
escalariformes, sendo possível perceber uma UTF transformativa: a primeira
abrange toda a concavidade e uma parte do bico (Pc retilíneo, 75o ; Pb retilíneo
80o) (figuras 4.17d e 4.32).

ES2 1021 (sílex 1) – (47 x 99 x 24 mm) – Lasca, seção triangular, com talão
cortical (bloco), formando um dorso (UTFp). Apresenta, na porção direita de sua
extremidade distal, algumas retiradas (as custas da face externa) que formam uma
concavidade (Pc retilíneo, 65o) (UTFt1), e no lado esquerdo dessa mesma
extremidade retoques inversos, curtos, abruptos, formando um gume ‘focinho’ (Pc
retilíneo, 35o) (UTFt2) (figuras 4.18a e 4.33).

ES2 554 (sílex 1) – (52 x 99 x 22 mm) - Lasca relativamente grande e


espessa, seção trapezoidal, com diversos negativos de retiradas na face externa,
vindas de várias direções. Duas dessas retiradas foram feitas após o

136
destacamento da lasca (uma vez que foram retiradas a partir da face interna e
apresentam contra-bulbo): uma encontra-se na extremidade distal (Pc retilíneo,
85o) (UTFt1), outra na proximal (Pc retilíneo, 70o) (UTFt2), ambas formando uma
pequena reentrância, sendo que aquela da extremidade proximal é menos
pronunciada (figura 4.18b).

ES2 45 (sílex 1) – (68 x 30 x 15 mm) - Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. Apresenta apenas um negativo de retirada anterior ao destacamento
da lasca (aquele que se apresenta paralelo à superfície inferior); por toda periferia
apresenta negativos, onde foi possível identificar as seguintes UTFs
transformativas, todas na extremidade distal: UTFt1, encontra-se na porção direita,
onde retoques diretos, curtos, escalariformes e semi-abruptos formam um gume
retilíneo, denticulado (Pc côncavo, 70o); UTFt2, na porção central, onde há a
formação de um gume convexo (Pc retilíneo, 70o), e UTFp3, na porção esquerda,
com a formação de um gume côncavo (Pc côncavo, 65o) (figuras 4.18b e 4.34).

ES2 677 (arenito 1) – (60 x 27 x 20 mm) - Lasca, seção triangular,


apresentando uma retirada, realizada a partir da face externa, que abrange todo o
seu bordo esquerdo, formando um dorso (UTFp). Seu bordo direito apresenta uma
primeira seqüência de retoques inversos, contínuos, longos, subparalelos, semi-
abruptos, seguidos por retoques mais curtos, inversos, subparalelos, semi-
abruptos, onde é possível perceber duas UTFs transformativas: uma formada por
um gume ligeiramente convexo na porção proximal do bordo (Pc convexo, 45o ; Pb
convexo, 60o) (UTFt1), e outra por um gume retilíneo na porção mesial do mesmo
bordo (Pc convexo, 40o ; Pb retilíneo, 50o) (UTFt2). A extremidade distal
apresenta-se em forma de bisel graças a duas retiradas: uma em cada face (Pc
retilíneo, 75o ; Pb retilíneo, 70o) (UTFt2) (figuras 4.18c e 4.35).

ES2 713 (arenito 1) – (51 x 83 x 28 mm) - Lasca fragmentada na


extremidade distal, seção triangular. Apresenta três negativos na face externa que
vêm da mesma direção de onde a lasca foi retirada. No bordo esquerdo há um

137
gume natural (Pc côncavo, 40o) (UTFt1), seguido por um retoque curto que forma
uma pequena reentrância (Pc convexo, 70o) (UTFt2).

ES2 1000 (sílex 1) – (69 x 35 x 25 mm) - Lasca siret, seção trapezoidal,


relativamente espessa, sendo que o bordo direito também apresenta-se
fragmentado, por flexão. Os dois bordos constituem a UTFp. Na parte proximal há
uma retirada (o talão já não está presente), e uma série de retoques bem curtos,
paralelos, semi-abruptos, formam um gume retilíneo (Pc côncavo, 60o) (UTFt1). A
extremidade distal apresenta uma série de retiradas, seguida por uma seqüência
de retoques diretos, curtos, subparalelos, abruptos, formando um gume retilíneo,
(Pc retilíneo, 65o; Pb retilíneo, 55o) (UTFt2); contígua a ela, na porção esquerda,
uma retirada maior forma um gume côncavo (Pc côncavo, 65o) (UTFt2) (figuras
4.1.19a e 4.37).

ES2 2639 (sílex 1) – (48 x 39 x 29 mm) - Seixo, seção trapezoidal, que, em


uma de suas extremidades, apresenta três negativos abrangendo toda a sua
extensão, e são seguidos por retoques curtos, escalariformes e abruptos,
formando um gume levemente convexo (Pc retilíneo, 75o ; Pb retilíneo, 85o) (UTFt)
(figuras 4.1.19b).

ES2 1998 (arenito 2) – (78 x 42 x 31 mm) - Fragmento de lasca


relativamente espesso, seção trapezoidal, com dois negativos de retiradas na face
externa. Os dois bordos apresentam retoques: no direito, mais agudo, os retoques
diretos, curtos, semi-abruptos, escalariformes, formam um gume levemente
convexo, denticulado (Pc retilíneo, 45o; Pb retilíneo, 70o) (UTFt1); no esquerdo,
mais abrupto, os retoques diretos, curtos, paralelos, semi-abruptos, formam um
gume retilíneo, dentculado (Pc retilíneo, 45o; Pb retilíneo, 70o) (UTFt2). A
extremidade distal apresenta dois grandes negativos de retiradas: o que se
encontra na porção direita é seguido por uma seqüência de retoques curtos, que
aparecem tanto na face interna como na externa, formando uma UTFp; a da

138
porção esquerda forma um gume côncavo (Pc retilíneo, 80o) (UTFt3) (figuras
4.1.19c e 4.39).

ES2 1054 (sílex 1) - (45 x 33 x 24 mm) - Lasca relativamente espessa, talão


liso, seção trapezoidal. Negativos anteriores à retirada da lasca (1, 2, 3, 2’, 3’)
vindos de diferentes planos de percussão. O bordo esquerdo apresenta um
negativo (feito após o destacamento da lasca) relativamente grande, seguido por
retoques curtos, semi-abruptos, que formam uma reentrância (Pc retilíneo, 60o ;
Pb retilíneo, 70o) (UTFt1). Na extremidade distal há três negativos, também
seguidos por retoques diretos, curtos e semi-abruptos, formando um gume
retilíneo (Pc retilíneo, 70o) (UTFt2). O bordo direito apresenta um negativo
relativamente grande (4’) formando, provavelmente, uma UTF preensiva (figuras
4.1.19d e 4.38).

ES2 441 (sílex 2) - (35 x 45 x 26 mm) - Fragmento de lasca, relativamente


espessa, seção trapezoidal, reserva de córtex (bloco) na extremidade distal. Face
externa apresenta quatro negativo, anteriores à retirada da lasca: dois no bordo
esquerdo, um no direito (todos vindos da mesma direção), e um na face paralela à
face interna (vindo da mesma direção em que a lasca foi retirada. A partir da
quebra, ainda na face externa, há três retoques longos, paralelos, semi-abruptos,
formando um gume convexo (Pc côncavo, 70o; Pb retilíneo, 65o) (UTFt) (figuras
4.1.19e e 4.40).

ES2 2840 (sílex 2) – (58 x 42 x 31 mm) - Lasca relativamente espessa,


seção trapezoidal. Apresenta duas seqüências de lascamento: uma mais
invadente, por todo o perímetro do bordo esquerdo, outra mais curta, formando
duas UTF transformativas: uma reentrância na extremidade distal (Pc retilíneo,
65o; Pb retilíneo, 75o) (UTFt1), e um gume retilíneo, denticulado, na porção
proximal do bordo esquerdo (Pc retilíneo, 60o ; Pb côncavo, 80o) (UTFt2) (figuras
4.1.19f e 4.41)..

139
ES2 2765 (arenito 2) – (49 x 56 x 26 mm) - Lasca com talão espesso, seção
trapezoidal, superfície natural no bordo direito. Apresenta um negativo de retirada
vindo da mesma direção em que a lasca foi destacada. A face externa apresenta,
ainda, mais seis negativos, onde é possível perceber as seguintes UTFs
transformativas: os negativos 3, 4 e 7, seguidos por retoques diretos, curtos,
abruptos formando um focinho (Pc côncavo, 70o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt1);
negativos 5 e 6, na porção distal do bordo esquerdo e extremidade distal,
formando um gume convexo (Pc retilíneo, 70o) (UTFt2) (figuras 4.1.19g e 4.42).

ES2 2778 (arenito 1) - (72 x 50 x 36 mm) – Fragmento de lasca, seção


triangular, reserva cortical (seixo) na extremidade proximal. A face interna e um
negativo de retirada (1) localizado no bordo direito apresentam pátina e,
provavelmente, formam uma UTF preensiva. Parte do bordo esquerdo também
encontra-se patinado. É possível identificar uma UTF transformativa em uma
reentrância formada por um negativo sem pátina na face inferior (Pc côncavo, 75o)
(UTFt1). A crista apresenta negativos de grandes retiradas, vindas da face direita,
sendo que esses negativos são seguidos por uma seqüência de retoques curtos,
paralelos, semi-abruptos, que se estendem de sua porção mesial até a
extremidade distal, e formam um gume convexo (Pc retilíneo, 75o ; Pb retilíneo,
70o) (UTFt2) (figuras 4.1.20a e 4.43).

ES2 1919 (sílex 2) – (57 x 48 x 20 mm) - Fragmento de lasca, fragmentado


por flexão na extremidade proximal, seção trapezoidal, reserva cortical (bloco) na
porção da face superior que se encontra paralela à face inferior. Negativos de
retiradas por toda a periferia da peça, com uma primeira seqüência chegando até
onde se encontra a reserva cortical, e a segunda mais curta. Apresenta as
seguintes UTFs transformativas: no bordo direito, com a formação de um gume
côncavo (Pc retilíneo, 60o) (UTFt1); porção proximal do bordo esquerdo, com a
formação de um gume focinho (Pc côncavo, 65o) (UTFt2), e no do bordo
esquerdo, com a formação de um gume retilíneo (Pc retilíneo, 65o) (figuras 4.1.20b
e 4.44).

140
ES2 2096 (sílex 2) – (71 x 46 x 30 mm) - Fragmento de matéria-prima, com
seção trapezoidal, a não ser em uma das extremidades que apresenta seção
triangular, causada por uma retirada que pega toda altura da peça. Essa retirada é
seguida por duas outras, mais curtas, e por retoques curtos, abruptos,
escalariformes, que delineiam um gume levemente côncavo (Pc convexo, 50o)
(UTFt1), passando a retilíneo na extremidade distal (Pc convexo, 75o) (UTFt2)
(figuras 4.1.20c e 4.45).

ES2 969 (sílex 1) – (122 x 82 x 37 mm) - Lasca relativamente grande,


espessa, seção triangular, apresentando 6 negativos na face externa, vindos de
direções diferentes. Na extremidade distal, próximo ao bordo esquerdo, há uma
série de retiradas longas (a, b e c), seguida por uma seqüência de retoques
diretos, curtos, semi-abruptos, subparalelos, que se estendem pelo bordo
esquerdo, formando um gume levemente côncavo (Pc convexo, 65o; Pb côncavo,
80o) (UTFt1). Uma retirada no bordo direito forma uma reentrância côncavo (Pc
retilíneo, 70o) (UTFt2) (figura 4.1.21).

ES2 1760 (sílex 1) – (34 x 29 x 28 mm) - Fragmento de lasca, seção


triangular. Na face superior há um negativo, posterior à retirada da lasca, vindo da
mesma direção. A partir do bordo direito, passando pela extremidade distal, e
seguindo por todo bordo esquerdo, há negativos de retiradas que dão forma à
peça, seguidas, no bordo esquerdo, por uma sequencia de retoques, curtos,
diretos, abruptos, subparalelos, que forma um gume retilíneo (Pc retilíneo, 70o; Pb
retilíneo, 75o) (UTFt) (figuras 4.1.22a e 4.46).

ES2 331 (sílex 1) – (40 x 50 x 8 mm) - Fragmento de lasca, seção semi-


circular, pouco espessa, com pequena porção de córtex na extremidade proximal.
Face externa sem nervuras. Retoques inversos, curtos, semi-abruptos a abruptos,
em toda a extremidade distal, formando um bico pouco pronunciado (Pc côncavo,
75o) (UTFt1), e à esquerda um gume côncavo (Pc côncavo, 60o) (UTFt2), também

141
pouco pronunciado. No bordo esquerdo aparece um outro bico. A extremidade
proximal apresenta negativos de retiradas, formando uma UTFp (figuras 4.1.22b e
4.47).

ES2 1503 (sílex 1) – (34 x 56 x 12 mm) – Lasca, seção triangular,


apresentando 6 negativos na face externa, com direções diferentes. Reavivagem
de instrumento. Retoques diretos, curtos, semi-abruptos, no bordo direito e por
toda extremidade distal, tornando um gume retilineo, regular (Pc retilíneo, 45o; Pb
retilíneo, 70o) (UTFt) (figuras 4.1.22c e 4.48).

ES2 2046 (sílex 1) - (30 x 17 x 9 mm) - Lasca, seção triangular,


apresentando pequenas dimensões, com quatro negativos na face externa, que
apresentam, pelo menos, duas direções distintas. No bordo esquerdo há dois
retoques contíguos, diretos, curtos, abruptos, cada um formando uma reentrância
(Pc côncavo, 60o) (UTFt1). No bordo direito aparecem três retoques diretos,
curtos, abruptos, formando um pequeno gume denticulado, com uma convexidade
pouco proeminente (Pc retilíneo, 70o) (UTFt2) (figuras 4.1.22d e 4.49).

ES2 1407 (sílex 2) – (66 x 58 x 22 mm) - Fragmento de lasca, seção


triangular, apresentando incrustação no bordo direito. Apresenta dois negativos de
retiradas anteriores, vindos de planos de percussão diferentes. O bordo esquerdo
apresenta um negativo na face inferior, formando uma reentrância (Pc côncavo,
50o) (UTFt1). Adjacente a ele aparece outro negativo, na face externa, formando
um gume retilíneo (Pc retilíneo, 50o ; Pb, côncavo 60o) (UTFt2) (figuras 4.1.22e e
4.50).

ES2 2462 (sílex 2) – (44 x 42 x 17 mm) - Lasca, seção subcircular, com


marca de fogo, apresentando na face externa seis negativos, indicando pelo
menos três planos de percussão diferentes. O bordo esquerdo apresenta uma
seqüência de três retiradas formando um gume retilíneo denticulado (Pc retilíneo,

142
60o ; Pb retilíneo, 65o) (UTFt1). No bordo direito há um negativo, na face interna,
que forma uma reentrância (Pc côncavo, 75o) (UTFt2) (figuras 4.1.22f e 4.51).

ES2 1280 (sílex 1) - (65 x 42 x 40 mm) - Núcleo retomado como


instrumento, seção triangular, com pequena reserva cortical (bloco). Apresenta
dois planos de percussão. A partir do plano A foram feitas três retiradas (a1, a2 e
a3), cujo negativo maior apresenta as seguintes dimensões: 38 x 46 mm. O
negativo da retirada a1 transformou-se no plano de percussão B, de onde foram
feitas mais três retiradas (b1, b2 e b3), porém de dimensões menores. Na
seqüência desses negativos aparecem retoques curtos, abruptos e escalariformes,
formando um gume convexo (Pc côncavo, 70o ; Pb retilíneo, 80o) (UTFt) (figura
4.1.22f).

ES2 1408 (sílex 1) – (57 x 46 x 26 mm) - Lasca, seção trapezoidal, com


negativos anteriores a sua retirada formando um dorso no bordo esquerdo (UTFp).
No bordo oposto há dois negativos, cada um a partir de uma face, formando um
gume ondulado, e onde é possível identificar duas UTFs transformativas: uma
reentrância na parte proximal do bordo (Pc retilíneo, 60o) (UTFt1); um gume
retilíneo na porção mesial (Pc retilíneo, 55o ; Pb retilíneo, 60o) (UTFt2).

ES2 1345 (sílex 1) – (42 x 51 x 30 mm) - Lasca relativamente espessa,


seção subcircular, córtex (bloco) no bordo esquerdo formando um dorso (UTFp).
Apresente quatro negativos de retiradas anteriores e dois negativos de retiradas
feitas após o destacamento da lasca: um deles forma uma reentrância (Pc
côncavo, 55o) (UTFt1), e o outro é sucedido por uma seqüência de retoques
diretos, curtos, semi-abruptos, que formam um gume retilíneo, denticulado (Pc
retilíneo, 60o ; Pb retilíneo, 70o) (UTFt2).

ES2 1344 (sílex 2) – (48 x 45 x 24 mm) - Lasca com talão liso, seção
triangular. Córtex (seixo) por todo bordo direito, formando um dorso (UTFp). Existe

143
apenas um negativo na face externa, vindo de uma direção oblíqua ao que a
presente lasca foi retirada. O bordo esquerdo apresenta retiradas, à custa da face
externa, formando duas concavidades separadas por um bico. A UTFt é composta
pela concavidade que se encontra mais próxima à extremidade proximal e uma
parte do bico (Pc côncavo, 45o ; Pb convexo, 75o)

ES2 598 (sílex 1) – (50 x 31 x 20 mm) - Fragmento de lasca, seção


triangular. No bordo direito é possível ver negativos de retiradas que abrangem
toda sua extensão. No bordo oposto aparece uma seqüência de retoques
inversos, longos, semi-abruptos, mais recentes que os negativos anteriormente
citados (não apresentam pátina), formando um gume levemente côncavo (Pc
retilíneo, 60o ; Pb retilíneo, 75o) (UTFt). Provável lasca de refrescamento de gume,
que foi retomada e transformada em um instrumento.

ES2 515 (sílex 2) – (57 x 45 x 24 mm) - Fragmento de lasca, seção


triangular. Há uma retirada (1) na face externa, realizada após o destacamento da
lasca e que retirou o seu talão. Retoques no bordo direito, que vão da sua porção
mesial até a extremidade distal, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 45o ; Pb
retilíneo, 60o) (UTFt1). Na extremidade distal há um pequeno retoque formando
uma reentrância (Pc côncavo, 55o) (UTFt2). Na crista existente na face externa há
uma série de retoques curtos, abruptos, provavelmente para tirar o corte do gume
(UTFp).

ES2 1677 (sílex 2) – (54 x 61 x 35 mm) - Lasca, seção trapezoidal, talão


cortical (bloco). No bordo direito é possível ver um grande negativo, seguido por
um retoque direto, longo, semi-abrupto, formando um gume côncavo (Pc côncavo,
70o ; Pb côncavo, 60o) UTFt1). Próximo ao talão existe um outro negativo, seguido
por um retoque direto, curto, abrupto, que forma uma reentrância (Pc côncavo, 70o
; Pb retilíneo, 75o) (UTFt2).

144
ES2 2302 (arenito 2) – (42 x 28 x 18 mm) - Lasca bipolar, de seixo, seção
trapezoidal. Apresenta três retiradas em uma das extremidades, formando um
pequeno bico (Pc retilíneo, 60o) (UTFt1).

Alguns dos instrumentos coletados ainda mantêm uma porção de córtex.


Naqueles fabricados em sílex o córtex remete tanto à forma de seixo como de
bloco (este último em maior quantidade); quanto ao arenito, também é possível
perceber a presença de córtex tanto de seixo como de bloco (este último em
menor quantidade).

Em relação à qualidade da matéria-prima, é possível perceber certa


equivalência: cerca de 60% dos instrumentos apresentam granulação fina, sendo
que essa proporção é maior no sílex (63 %) e menor no arenito (54 %).

Gráf. 4.1.7 - Qualidade do arenito G rá f. 4 .1 .8 - Q u a lid a d e d o s íle x

arenito 1 s ílex 1
arenito 2 s ílex 2

Os instrumentos apresentam dimensões bastante variadas: 30 x 17 x 9 mm


até peças maiores, que alcançam 122 x 82 x 39 mm, sendo que não é possível
perceber nenhuma relação entre dimensões e matéria-prima.

145
Gráf. 4.1.9 - Dimensões dos instrumentos

120
100

larg (mm) 80
are
60
sílex
40
20
0
0 50 100 150

comp (mm)

Os suportes preferencialmente utilizados são as lascas (inteiras ou


fragmentadas), sendo que no sílex aparecem, ainda, fragmentos de matéria-prima
e núcleo retomado; já no arenito aparecem lascas bipolares. Não é possível
perceber nenhuma relação entre suporte e dimensões dos instrumentos

Gráf. 4.1.10 - Dimensões x suportes

120

100

80 frag mp
larg (mm)

lsc bip
60
núcleo
40 lasca
20

0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)

Já em relação às matérias-primas, enquanto os dois instrumentos que


utilizam lascas bipolares como suportes são em arenito, os três que utilizam
146
fragmento de matéria-prima são em sílex

Os instrumentos podem apresentar seções tanto trapezoidal como


triangular ou elipsoidal, sendo que esta última aparece em menor proporção (em
apenas cinco instrumentos).

Foram definidos os seguintes tecno-tipos (cf. quadro 4.7): UTF em coche


sobre suportes com um dorso, sobre suportes com dois dorsos adjacentes, com
uma estrutura central e sobre estruturas não definidas; UTF em coche dupla sobre
suportes com dois dorsos adjacentes e suportes com estruturas não definidas;
UTF convexa sobre suportes com dois dorsos adjacentes, sobre um dorso oposto,
sobre estrutura central e suportes com estruturas não definidas; UTF retilínea
sobre todos os tipos de suportes, exceção feita ao suporte com extremidade
cortical; UTF em focinho sobre suporte com estrutura centra, um dorso opostol e
sobre suporte com dois dorsos adjacentes, e UTF em bisel, sobre suporte com um
dorso adjacente.

4.1.4.1.3 Lascas

Foram coletadas 955 lascas (para a quantidade de material coletado por


matéria-prima e análise das variáveis das lascas, ver tabelas 4.4 e 4.4a), sendo
191 em arenito, 758 em sílex e apenas 6 em quartzo.

0,63
Gráf. 4.1.11 - Matéria-prima

20

sílex
arenito
quartzo

79,37

147
Em relação às de arenito, 91 apresentam córtex, sendo 87 de seixo e 4 de
bloco; já as de sílex, 83 apresentam córtex, sendo 59 de seixo e 24 de bloco.
Quanto às dimensões das lascas, podemos perceber que as de arenito e as
de sílex apresentam dimensões que variam semelhantemente, enquanto que as
poucas de quartzo apresentam dimensões menores.

Gráfico 4.1.12 Gráfico 4.1.13 Gráfico 4.1.14

Gráfico 4.1.15 Gráfico 4.1.16 Gráfico 4.1.17

148
Algumas lascas apresentam dimensões muito superiores àquelas
encontradas nos negativos dos núcleos, sendo esse fato mais claramente
perceptível no material em arenito.

Gráf. 4.1.18 - Comparação das dimensões entre as lascas e os


negativos dos nucleos - sílex

70
60
larg (mm

50
40 lasca
30 neg núcleo
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

Gráf. 4.1.19 - Comparação das dimensões das lascas com a dos


negativos dos núcleos - arenito

80

60
larg (mm)

lasca
40
neg núcleo
20

0
0 20 40 60 80
comp (mm)

149
Em relação aos suportes utilizados para a confecção de instrumentos,
ocorre o mesmo fato: alguns instrumentos são fabricados em lascas de dimensões
maiores do que as maiores lascas coletadas no sítio. Novamente esse fato é mais
claramente perceptível no arenito.

Gráf. 4.1.20 - Dimensões das lascas e dos instrumentos

90
80
70
60
larg (mm)

50 lascas
40 instrumentos
30
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

Gráf. 4.1.21 - Dimensões das lascas e dos instrumentos - sílex

120
100
80
larg (mm)

lascas
60
instrumentos
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)

150
Quanto à presença ou não de córtex, é possível perceber que, nas lascas
de sílex, aquelas que não possuem córtex (semc) predominam, concentrando-se
entre as que apresentam menores dimensões, mas também aparecendo entre as
maiores.
As lascas totalmente corticais aparecem em pequeno número (apenas três),
duas delas apresentando pequenas dimensões, enquanto a outra está entre as
maiores.
É possível perceber, também, um número significativo de lascas semi-
corticais e com apenas uma pequena reserva de córtex. Cinco lascas apresentam
dorso cortical.

Gráf. 4.1.22 - Córtex x dimensões (sílex)

70
60
semc
50
resr
larg (mm)

40 semi
30 cort
20 drso

10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
comp (mm)

Em relação às lascas de arenito, que aparecem em menor número,


aquelas sem córtex também predominam, concentrando-se entre as menores. As
lascas inteiramente corticais aparecem em maior número, o mesmo acontecendo
com aquelas que apresentam dorso.

151
Gráf. 4.1.23 - Córtex x dimensões (arenito)

70

60

50 cort
larg (mm)

40 drso
resr
30 semc
20 semi

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70
comp (mm)

4.1.4.1.4 - Lascas bipolares

Das nove lascas bipolares coletadas, oito são de arenito (sendo que a
menor mede 27 x 19 x 7 mm, e a maior 98 x 56 x 29 mm), e uma de siltito (51 x
32 x 14 mm). É possível notar que as dimensões de uma das maiores são
superiores aos instrumentos cujos suportes são lascas bipolares.

4.1.4.1.5 – Núcleos bipolares

Apenas quatro núcleos bipolares foram coletados, três de arenito (62 x 48 x


40 mm; 74 x 50 x 37 mm; 99 x 71 x 45 mm), e outro de siltito (70 x 31 x 24 mm).

152
4.1.4.1.6 - Instrumentos não-modificados

Nesta categoria foram encontradas quatro peças, sendo três em arenito e


uma em argilito.

Quanto ao arenito, aparece uma bigorna, fragmentada, que apresenta


marcas de picoteamento em ambas as faces, além de dois percutores, que
apresentam as seguintes características:

- seixo fragmentado, apresentando desgaste em ambas extremidades;

- seixo oval, medindo 116 mm X 94 mm X 62 mm, pesando 820 g e


apresentando desgaste em uma extremidades e no centro, o que pode indicar,
também, que era utilizado no lascamento bipolar.

Em argilito foi coletada uma única peça: um bastonete achatado, onde, em


ambas as faces, foram identificadas incisões duplas formando um padrão em ‘X’.
Essas incisões são contínuas, tomando praticamente toda a extensão da peça.

4.1.4.1.7 - Instrumentos modificados por polimento


Foram coletadas doze peças em argilito que apresentam formas
arredondadas, dimensões pequenas (26 mm a 50 mm de comprimento, 21 mm a
29 mm de largura e 6 mm a 11 mm de espessura). Suas características levam a
supor que pode tratar-se de peças a serem utilizadas como adornos.

Duas peças apresentam-se semi-finalizadas, com toda a superfície e dorso


polidos, tendo sido, também, identificadas marcas de perfurações que não
atingem a outra face.

Oito peças apresentam toda a superfície e o dorso com marcas de


polimento, sem evidências de perfurações.

Foram, ainda, identificadas duas peças polidas fragmentadas, com marcas


de perfurações que atravessam toda a sua espessura..

153
4.1.4.1.8 - Instrumento modificado por picoteamento

Foi identificado um único instrumento, fragmentado, em siltito.


Apresenta forma alongada, se tornando mais fina na extremidade. As marcas de
picoteamento cobrem praticamente toda sua superfície.

4.1.4.1.9 Fragmentos de lascas unipolares

Foram classificadas nessa categoria todas as lascas que não


apresentavam porção proximal. Elas foram apenas pesadas5, apresentando 2,6
kg de arenito e 2,7 kg de sílex, o que corresponde a cerca de 10 % do peso de
todo material coletado.

4.1.1.1.10 Fragmentos rochosos não-modificados


Todo o material que não apresentava vestígios de lascamento foi
introduzido nessa categoria. No total foram registradas cerca de 7,8 kg de sílex e
7,1 kg de arenito, o que corresponde a pouco mais de 30 % do peso de todo
material coletado6.

Em resumo, podemos perceber que o arenito e o sílex foram utilizados para


a confecção dos instrumentos retocados, havendo predominância do sílex. Outras
matérias-primas também estão presentes no sítio (quartzo, siltito e argilito), porém
não foram utilizadas para a confecção de instrumentos desse tipo.

5
O peso foi tomado sem distinção de camadas, ou seja, para todo o material do sítio. A porcentagem a que
esse peso corresponde refere-se, portanto, à totalidade do material encontrado no sítio.
6
Aqui o peso também foi tomado sem distinção entre as camadas, conforme nota anterior.

154
Tanto o sílex, como o arenito, foram utilizados na forma de seixo e de bloco,
sendo que o sílex aparece, ainda, em forma de nódulo. Para o arenito há um
maior uso do seixo, havendo presença de córtex desse tipo em um grande número
de lascas, assim como no único núcleo coletado. Já para o sílex podemos dizer
que o bloco predomina: apesar de o córtex de seixo estar presente em um número
maior de lascas, todos os três núcleos que apresentam córtex indicam origem de
bloco.
A lasca foi o tipo de suporte preferencialmente utilizado para a confecção
dos instrumentos retocados, sendo que no arenito aparece também a lasca
bipolar, enquanto no sílex é possível observar fragmento de matéria-prima e
núcleo sendo utilizados como suportes.
Várias lascas apresentam dimensões muito superiores àquelas dos últimos
negativos que podem ser observados nos núcleos. Da mesma maneira, alguns
dos suportes utilizados são bem maiores que as lascas encontradas no sítio, o
que pode indicar que alguns núcleos maiores seriam trabalhados fora do sítio,
tendo sido levados para lá apenas as lascas que serviriam de suporte.
No entanto, a presença de lascas inteiramente corticais, e também as semi-
corticais, nos indica que a etapa inicial de debitagem, talvez utilizando núcleos um
pouco menores, acontecia no sítio, o mesmo ocorrendo com a etapa de debitagem
para a obtenção dos suportes.
O grande número de lascas sem córtex, principalmente com pequenas
dimensões, pode estar relacionado à atividade de retoque.
Algumas lascas com dorso cortical estão presentes na coleção, podendo
estar diretamente relacionadas aos instrumentos, também presentes, que
apresentam um ou dois dorsos.
As poucas lascas bipolares recolhidas apresentam dimensões suficientes
para servirem de suporte de instrumento, fato que ocorre no sítio (em relação ao
arenito).
Predominam no sítio UTFs transformativas em coche (com recorrência
sobre suportes com dorsos perpendiculares e adjacentes e suportes superfície
central plana) e UTFs transformativas retilíneas (com recorrência sobre suportes

155
não definidos). Os suportes predominantes são aqueles cuja estrutura apresenta
dois dorsos perpendiculares e adjacentes e aqueles que apresentam uma
superfície central plana.

156
4.1.4.2 Camada Inferior
A segunda camada do sítio Estiva 2 forneceu uma coleção de material lítico
composta por 351 peças, sendo que, em relação ao níveis artificiais, aparece
desde o nível 1 (0 – 10 cm) até o nível 25 (240 cm – 250 cm). Foram coletadas
três no nível 1; sete no nível 2; três no nível 3; uma no nível 4; duas no nível 6; oito
no nível 7; quatro no nível 8; duas no nível 9; cinco no nível 10; sete no nível 12;
42 no nível 13; 38 no nível 14; 44 no nível 15; 54 no nível 16; 25 no nível 17; 23
no nível 18; 20 no nível 19, 26 no nível 20; 14 no nível 21; oito no nível 22; oito no
nível 23, três no nível 24 e quatro no nível 25.

G r á f. 4 .1 .2 4 - D is t r ib u iç ã o p o r n ív e is

18
16
14
12
10
%
8
6
4
2
0
n1

n3

n5

n7

n9

5
n1

n1

n1

n1

n1

n2

n2

n2

As matérias-primas utilizadas foram: arenito, sílex, quartzo e argilito. Entre


elas predomina o sílex (183 peças, representada pelas cores branca, cinza,
vermelha e amarela), seguido pelo arenito (159 peças, nas cores branca, cinza,
vermelha e amarela). O quartzo e o argilito ocorrem em menor proporção (sete e
duas, respectivamente). Há evidências de marcas de fogo sobre pequena parte do
material em arenito e em sílex, sendo que neste último também é possível
encontrar, ainda em menor quantidade, marcas de lustro fluvial.

157
4.1.25 - M atéria prima
0,57

arenito
45,3 quartzo
52,14 sílex
argilito

1,99

Em relação à classificação do material, aparecem 325 lascas unipolares,


três núcleo unipolar, seis suportes modificados por retoques, um suporte
modificado por polimento, dois instrumentos não-modificados, 10 lascas bipolares,
dois núcleos bipolares e um produto bipolar.

1,71 0,28 G ráf. 4.1.26 - M aterial x classe

3,42 0,57
detr. unip.
detr. bip.
sup. m od. ret
sup. m od. pol.
ins tr ñ m od

93,45

Foram identificadas três formas de trabalho do material: o lascamento


unipolar, o lascamento bipolar e o polimento. As duas primeiras apresentam-se no
arenito, no quartzo e no sílex; o polimento ocorre no argilito.

158
4.1.4.2.1 Núcleos
Apenas três núcleos foram coletados (dois em sílex e apenas um em
arenito), que serão descritos a seguir:

ES2 1234 (sílex 2) – (64 x 43 x 37 mm) - Fragmento de seixo. A partir de


uma superfície patinada, utilizada como plano de percussão (A), retirou-se uma
lasca (a1) relativamente grande (50 x 60 mm), com talão liso e morfologia
quadrangular. Esse negativo serviu de um novo plano de percussão (B) a partir
do qual foram destacadas mais três lascas, que podem ser caracterizadas pela
presença de talão liso, morfologia triangular ou quadrangular, dimensões
máximas de 34 x 44 mm), e, algumas delas, podendo apresentar reserva cortical
(figura 4.1.52).

ES 1245 (sílex 1) – (47 x 45 x 29 mm) - Núcleo com reserva cortical (seixo)


em duas de suas superfícies. Apresenta dois planos de percussão. A partir de um
deles saíram duas lascas, sendo que a superfície formada pelo negativo de uma
delas foi utilizada como novo plano de percussão, saindo, a partir dali, mais uma
lascas. As lascas apresentam características semelhantes: talão liso, morfologia
triangular ou subcircular, e dimensões de, aproximadamente, 30 x 38 mm (figura
4.1.53).

ES2 2095 (arenito 1) – (93 x 80 x 50 mm) - Seixo onde foi utilizado uma de
suas superfícies corticais como plano de percussão (A), sendo que a partir dali foi
retirada pelo menos uma lasca (a1) com talão cortical, morfologia quadrangular e
dimensões de 50 x 70 mm. Seu negativo serviu de plano de percussão (B), a partir
de onde foram destacadas duas lascas (talão liso; morfologia triangular;
totalmente cortical, ou semi-cortical, e dimensões de 34 x 30 mm). Existe um
terceiro plano de percussão (C), de onde saíram lascas com talão liso, morfologia
quadrangular e dimensões de 65 x 60 mm (figuras 4.1.54 e 4.1.55).
Pela sua forma, esse núcleo poderia ser confundido com um discóide,
porém não apresenta suas principais características (cf. figura 2.7).

159
Em relação aos núcleos coletados, podemos perceber que o seixo é a
forma de apresentação encontrada, tanto no sílex como no arenito.

Suas dimensões variam de pequenas a médias, sendo que o de arenito é o


maior deles.

Gráf. 4.1.27 - Volume dos núcleos

400
350
300
250
vl (cm³)

sílex
200
arenito
150
100
50
0

Apresentam dois ou três planos de percussão, sendo que, em geral, foram


retiradas duas lascas a partir deles.

Pelos negativos analisados, as lascas saíram com talão liso ou cortical,


forma predominantemente quadrangular ou triangular e dimensões que atingiam,
no máximo, 65 mm de comprimento e 70 de largura, não havendo muita diferença
em relação às matérias-primas.

160
Gráf. 4.1.28 - Dimensões prováveis das lascas saídas
dos núcleos

80
60

larg (mm)
sílex
40
arenito
20
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

Não foi identificada nenhuma relação entre as seqüências de retiradas. Os


núcleos foram caracterizados como pertencentes ao sistema de debitagem C.

4.1.4.2.2 Instrumentos retocados


Os seis instrumentos coletados (cinco em sílex e um em arenito) são
descritos a seguir:

ES2 1696 (arenito 1) – (79 x 62 x 39 mm) - Lasca, seção triangular, com


córtex (seixo)4 aparecendo por quase toda extremidade proximal, onde há duas
pequenas retiradas (UTF p). Na face distal há uma série de quatro retiradas dando
forma de ponta, sendo que a UTFt1 é formada por retoques diretos, curtos,
abruptos, subparalelos, existentes nessa parte distal (Pc côncavo, 60o; Pb
côncavo, 70o), enquanto que na porção mesial do bordo esquerdo existe uma
grande retirada formando um gume côncavo (Pc côncavo, 70o) (UTFt2) (figuras
4.1.56a e 4.1.57).

4
Pela curvatura que o córtex apresenta, é possível inferir as dimensões originais do seixo: 15 x 8 x 5 cm.

161
ES2 665 (sílex 1) – (36 x 26 x 10 mm) – Lasca seção trapezoidal, talão liso.
Apresenta um negativo anterior que abrange grande parte da face externa (UTFp).
É possível ver retoques diretos por toda a periferia da peça, com exceção da
extremidade proximal: no bordo esquerdo, os retoques são subparalelos, curtos,
semi-abruptos, formando um gume retilíneo (Pc convexo, 50o ; Pb retilíneo, 75o)
(UTFt1); no direito são escalariformes, curtos, abruptos, formando um gume
ligeiramente convexo (Pc retilíneo, 65o ; Pb retilíneo, 75o) (UTFt2), enquanto que
na extremidade distal também são escalariformes, curtos, abruptos, formando um
outro gume retilíneo (Pc retilíneo, 80o ; Pb retilíneo, 85o) (UTFt3) (figuras 4.1.56b e
4.1.58).

ES2 679 (sílex 1) – (25 x 23 x 9 mm) - Lasca de pequenas dimensões,


seção triangular. Apresenta, na face externa, superfície natural, além de 4
retiradas anteriores ao destacamento da lasca. Duas retiradas, no bordo direito,
formam duas concavidades adjacentes, sendo uma mais pronunciada que a outra
(Pc convexo, 60o , Pb retilíneo, 70o) (UTFt) (figuras 4.1.56c e 4.1.59).

ES2 555 (sílex 1) – (56 x 33 x 25 mm) - Lasca, seção trapezoidal, com


quatro negativos anteriores, vindos de, pelo menos, dois planos de percussão
diferentes. A porção proximal do bordo esquerdo apresenta negativos diretos,
curtos, escalariformes, semi-abruptos, formando um gume levemente convexo (Pc
retilíneo, 50o ; Pb retilíneo, 60o) (UTFt1). No bordo direito, em sua porção proximal,
dois retoques diretos, abruptos, longos e largos formam um gume denticulado (Pc
côncavo, 55o ; Pb côncavo, 70o) (UTFt2); já na porção distal desse mesmo bordo
há um negativo direto, curto, abrupto que, juntamente com as retiradas anteriores
e mais um negativo na face interna, formam um bico em bisel. (Pc retilíneo, 75o ;
Pb côncavo, 70o) (UTFt3) (figuras 4.1.56d e 4.1.60).

ES2 2332 (sílex 1) – (26 x 34 x 15 mm) - Lasca com reserva de córtex


(bloco) próximo ao talão, seção triangular. A face externa apresenta 2 negativos,
anteriores à retirada da lasca, com direções diferentes. Retoques inversos, curtos

162
paralelos, semi-abruptos, no bordo esquerdo, formando um gume retilíneo, micro-
denticulado (Pc retilíneo, 55o; Pb retilíneo, 65o) (UTFt). A crista formada na face
superior da lasca apresenta uma série de retiradas, provavelmente para retirar o
corte (UTFp) (figuras 4.1.56e e 4.1.61).

ES2 2923 – (sílex 2) – (40 x 20 x 17 mm) - Lasca, seção triangular, com 3


negativos na face externa, vindos de diferentes planos de percussão. A
extremidade distal apresenta retoques diretos, curtos abruptos, formando um
gume denticulado (Pc retilíneo, 45o ; Pb retilíneo, 70o) (UTFt).

Alguns dos instrumentos coletados ainda mantêm uma porção de córtex.


Naqueles fabricados em sílex o córtex remete à forma de bloco, enquanto que no
arenito é possível perceber a presença de córtex de seixo.
Quanto à qualidade da matéria-prima, em geral ela se mostra boa: cinco
dos seis instrumentos apresentam granulação fina (quatro de sílex além do único
de arenito).
Os instrumentos apresentam dimensões variadas: 25 x 23 x 9 mm até
peças maiores, que alcançam 79 x 62 x 39 mm, sendo que aquele feito em arenito
apresenta dimensões bem superiores aos de sílex.

Gráf. 4.1.29 - Dimensões dos instrumentos

80
60
larg (mm)

arenito
40 sílex

20
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

163
Os suportes utilizados foram as lascas (inteiras ou fragmentadas).

Os instrumentos podem apresentar seções tanto trapezoidal como


triangular, esta última aparece em maior proporção (quatro instrumentos).
Foram definidos os seguintes tecno-tipos (cf. quadro 4.7): UTF em coche
sobre suportes com um dorso, sobre suportes com extremidade cortical e sobre
estruturas não definidas; UTF em coche dupla sobre suportes com estrutura
central, sobre suportes com extremidade cortical e sobre suportes com estrutura
não definidas; UTF retilínea sobre suporte com estrutura central, um dorso oposto
e sobre suporte com estrutura não definida, e UTF em bisel, sobre suporte com
estrutura central.

4.1.4.2.3 Lascas

Foram coletadas 325 lascas (para a quantidade de material coletado por


matéria-prima e análise das variáveis das lascas, ver tabelas 4.4b e 4.4c), sendo
144 em arenito, 175 em sílex e apenas 6 em quartzo.

1,85
Gráf. 4.1.30 - Matéria-prima

sílex
arenito
44,31
quartzo

53,85

Em relação às de arenito, 65 apresentam córtex, sendo 58 de seixo e 7 de


bloco; já as de sílex, 31 apresentam córtex, sendo 24 de seixo e 7 de bloco.

164
Quanto às dimensões dessas lascas, podemos perceber que o arenito
apresenta lascas com dimensões um pouco maiores que aquelas feitas em sílex
ou em quartzo.

Gráfico 4.1.31 Gráfico 4.1.32 Gráfico 4.1.33

Gráfico 4.1.34 Gráfico 4.1.35 Gráfico 4.1.36

Somente algumas poucas lascas, tanto de sílex como de arenito,


apresentam dimensões superiores àquelas encontradas nos negativos dos
núcleos.

165
Gráf. 4.1.37 - Comparação entre as dimensões das lascas e
dos negativos dos núcleos - sílex

80
70
60
larg (mm)

50 lascas
40
neg dos núcleos
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

Gráf. 4.1.38 - Comparação entre as dimensões das lascas e dos


negativos dos núcleos - arenito

80
60 lascas
larg (mm)

40 neg dos núcleos


20
0
0 20 40 60 80
com (mm)

Em relação às dimensões dos suportes utilizados para a confecção de


instrumentos, ocorre o mesmo fato: a grande maioria deles apresenta dimensões
menores, portanto compatíveis, com as dimensões das lascas. Esse fato é
perceptível em ambas as matérias-primas.

166
Gráf. 4.1.39 - Dimensões das lascas e dos instrumentos - arenito

80
70
60

larg (mm)
50 lasca
40
instrumento
30
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

Gráf. 4.1.40 - Dimensões das lascas e dos instrumentos - sílex

80
70
60
50
larg (mm)

lasca
40
instrumento
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

Em relação à presença ou não de córtex, é possível perceber que, nas


lascas de sílex, aquelas que não possuem córtex (semc) predominam,
concentrando-se entre as que apresentam menores dimensões, mas também
aparecendo entre as maiores.
Pouquíssimas lascas apresentam alguma parcela de córtex, sendo que
aparecem apenas quatro inteiramente corticais, e três com dorso cortical.

167
Gráf. 4.1.41 - Córtex x dimensões (mm) - sílex

70
60
cort
50
drso
larg (mm)
40 resr
30 semc
20 semi
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)

Já no arenito, as lascas sem córtex também predominam, porém há um


número maior de lascas com algum córtex, apresentando, também, dimensões
maiores, principalmente aquelas com dorso cortical.

Gráf. 4.1.42 - Córtex x dimensões (mm) - arenito

80
70
60 cort
50
larg (mm)

drso
40 resr
30 semc
20 semi
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70
comp (mm)

4.1.4.2.4 - Lascas bipolares


Das dez lascas bipolares coletadas, nove são de arenito (sendo que a
menor mede 35 x 35 x 10 mm, e a maior 89 x 115 x 40 mm), e uma de quartzo (23
x 19 x 8 mm).

168
4.1.4.2.5 – Núcleos bipolares
Apenas dois núcleos bipolares foram coletados, um de arenito (64 x 49 x 42
mm), e outro de sílex (93 x 106 x 21 mm).

4.1.4.2.6 Instrumentos não-modificados


Foram coletados dois percutores, ambos de arenito, apresentando as
seguintes características:
- seixo oval, medindo 112 mm X 77 mm X 61mm e pesando 665 g.
Apresenta desgaste no centro;
- seixo oval, medindo 75 mm X 62 mm X 45mm e pesando 270 g.
Apresenta desgaste em uma das extremidades;

4.1.4.2.7 Instrumentos modificados por polimento


Uma peça em argilito (semelhante àquelas descritas na camada superior)
apresentando toda a superfície e o dorso com marcas de polimento, sem
evidências de perfurações.

Em resumo, podemos perceber que o arenito e o sílex foram utilizados para


a confecção dos instrumentos, havendo uma pequena predominância do sílex.

Ambas as matérias-primas foram utilizadas na forma de seixo e de bloco.


Para o arenito há um maior uso do seixo, havendo presença de córtex desse tipo
tanto nas lascas como no único núcleo coletado. Já para o sílex, o bloco é a forma
mais utilizada, apesar de o único núcleo onde aparece córtex indicar que ele é
originário de seixo.

169
As lascas foram os únicos tipos de suportes utilizados para a confecção dos
instrumentos retocados. Elas são encontradas em dimensões compatíveis tanto
em relação às dimensões dos últimos negativos que podem ser observados nos
núcleos, como às dos suportes utilizados para a fabricação dos instrumentos, o
que pode indicar que a etapa de debitagem para a obtenção dos suportes era,
provavelmente, ali realizada.
A presença de lascas inteiramente corticais também nos leva a levantar a
hipótese que a etapa inicial de debitagem também acontecia no sítio (apesar de
terem sido recolhidas apenas um pequeno número desse tipo de lasca, o mesmo
acontecendo com as semi-corticais).
O grande número de lascas sem córtex, principalmente com pequenas
dimensões, pode estar relacionado à atividade de retoque.
Apesar de haver um número razoável de lascas com dorso cortical, nenhum
instrumento foi confeccionado sobre esse tipo de estrutura. Dos seis instrumentos
retocados coletados não é possível perceber nenhum destaque tanto em relação à
estrutura do suporte (havendo uma predominância daqueles confeccionados em
pequenas lacas, onde não foi possível definir a estrutura), nem quanto ao tipo de
retoque.

4.1.5 Distribuição espacial do material

É possível perceber que, tanto na camada superior como na inferior, a


porção nordeste do sítio apresenta uma maior concentração de material (cf.
figuras 2.1.2 e 2.1.2c).
O sílex e o arenito, matérias-primas mais abundantes, se espalham, em
ambas as camadas, de uma maneira homogênea pelo sítio. Na camada superior o
quartzo e o argilito aparecem preferencialmente na porção leste; já o siltito pode
ser encontrado nas extremidades leste e oeste do sítio (não coincidindo,
necessariamente, com as sondagens que apresentam maior quantidade de
material). Já na camada inferior, o quartzo e o argilito só aparecem na porção

170
norte do sítio (aqui também não há coincidência do aparecimento dessas
matérias-primas com as sondagens mais densas em termos de peças) (cf, figuras
2.1.2a e 2.1.2d).
Em relação às categorias do material, é possível perceber que os núcleos e
os artefatos também se distribuem homogeneamente pelo sítio: nas sondagens
onde há maior concentração de material, há maior quantidade dessas categorias.
Isso acontece em ambas as camadas (cf. figuras 2.1.2b e 2.1.2e).

171
4.2 SÍTIO SÃO JOSÉ

4.2.1 Características Ambientais

O sítio arqueológico São José, a céu aberto, foi localizado por meio de
vistoria, na Fazenda São José. Situa-se a cerca de 420 m de distância do
Quilombo, rio principal mais próximo, em cota de 257m e coordenadas UTM 21
635 881E / 8 339 420N (cf. mapa 3.1).

Está implantado em encosta com declividade entre 0% e 5%, local com


vegetação do tipo cerrado, e solo predominantemente do tipo “Complexo de Solos
de Baixadas e Cursos D’água” (C).

Localiza-se em cobertura arenosa originada das formações Botucatu e


Bauru, unidade geológica cAr, constituída por areia fina, pouco siltosa e mal
selecionada. (cf. quadros 4.1 e 4.2)

O sítio São José está situado próximo à confluência do ribeirão Bom Jardim
com o rio Quilombo, a cerca de 340 m do ribeirão Bom Jardim. Em um raio de
5.000 m ao redor do sítio ocorrem seis cursos d’água de primeira ordem, um de
segunda, um de terceira e um rio de quarta ordem, totalizando 9 cursos d’água,
perfazendo 35,5 km de extensão (cf. figura 4.2.1). A densidade hidrográfica é
0,057, e a densidade de drenagem é 0,226. (cf quadro 4.3 e tabelas 4.1 e 4.2)

4.2.2 Atividades de Escavação

Quanto às atividades de escavação para a delimitação do sítio, foram


abertas 34 sondagens sistemáticas de 1m x 1m, com distancias regulares de 20 m
e feitas 12 intervenções com instrumentos tipo “boca-de-lobo”. Devido à
profundidade e ao estado friável do terreno, não foi aberta nenhuma área de
escavação. (cf. figura 4.2.2)

O material arqueológico, composto por 393 peças líticas, 30 fragmentos


cerâmicos, um fragmento malacológico e dois fragmentos ósseo de fauna,

172
encontra-se distribuído por uma área de cerca de 51.000 m2, com materiais
localizados desde a superfície até 300 cm de profundidade, sendo que o
predomínio do material ocorreu nos níveis 19/20 e 22/23 cm.

No geral e pelo método sistemático o sítio teve 0,067% de sua área


escavada (cf. tabela 4.3).

4.2.3 Perfil estratigráfico

Os perfis estratigráficos do sítio São José são constituídos por duas ou três
camadas, com presença de material arqueológico. A estratigrafia caracteriza-se
por apresentar textura arenosa em todas as camadas, contato entre as camadas
não nítido e possuir a cor como o elemento diferenciador. (cf. figura 4.2.2a)

A primeira camada apresenta textura arenosa grande quantidade de raízes


e cor marrom. Sua espessura varia de 10 a 70 cm.

A segunda camada possui textura arenosa, e cor alaranjada. Sua


espessura varia de 30 a 150 cm.

A terceira camada possui textura arenosa e cor amarela. Sua espessura é


de cerca de 160 cm.

A primeira foi dividida em até sete níveis artificiais de 10 cm. A segunda foi
dividida em até 15 níveis artificiais de 10 cm. Os demais níveis artificiais ocorrem
na camada três. A escavação foi interrompida por questão de segurança devido à
consistência do pacote sedimentar.

Para efeito do estudo do material foram definidas duas camadas: uma, mais
recente, onde aparece material cerâmico e lítico (abrangendo a camada 1 e parte
da 2 do perfil estratigráfico comentado acima), e outra mais antiga, mais profunda,
onde aparece apenas o material lítico (abrangendo parte da camada 2 e a camada
3) (cf. figura 4.2.3).

173
4.2.4 Análise do Material Lítico
4.2.4.1 Camada superior

A primeira camada do sítio São José, onde também aparece material


cerâmico1,forneceu uma coleção de material lítico composta por 132 peças, sendo
que, em relação aos níveis artificiais, aparece desde a superfície até o nível 12
(110 cm – 120 cm). Foram coletadas 52 peças na superfície; um no nível 1; duas
no nível 2; cinco no nível 3; duas no nível 4; sete no nível 5; sete no nível 6; 24 no
nível 7; seis no nível 8; sete no nível 9; oito no nível 10; três no nível 11 e oito no
nível 12.

G ráf. 4.2.1 - Distribuição por níveis

40

30

%
20

10

0
sup n1 n2 n3 n4 n5 n6 n7 n8 n9 n10 n11 n12

As matérias-primas utilizadas foram: arenito, sílex, siltito e argilito. Entre


eles predomina o sílex (87 peças, representada pelas cores branca, cinza,
vermelha e amarela), seguido pelo arenito (41 peças, nas cores branca, cinza,
vermelha e amarela). O siltito e o argilito ocorrem em menor proporção (três e uma
respectivamente). Há evidências de marcas de fogo sobre pequena parte do
material de arenito e sílex.

7
Foram coletados 30 fragmentos cerâmicos, desde a superfície até os 120 cm de profundidade (sendo que a
maioria encontrava-se entre 10 e 20 cm). O antiplástico predominante é o cariapé B associado ao carvão, que
aparece em mais de 85% dos fragmentos. A queima varia de oxidante a redutora (com predomínio desta
última). Os fragmentos apresentam espessura de 5 mm a 12 mm, com média de 10,1 mm, sendo que a quase
totalidade encontra-se alisada (somente dois fragmentos apresentaram-se erodidos)
Não foram registrados fragmentos decorados, apenas três deles apresentam engobo de cor vermelha.

174
Gráf. 4.2.2 - M atéria prima
0,76

31,06
arenito
siltito
sílex
2,27 argilito
65,91

Foram identificadas 97 lascas unipolares (uma de reavivagem), um núcleo


unipolar, 13 lascas bipolares, cinco núcleos bipolares, cinco produtos bipolares,
seis suportes modificados por retoques, três peças modificadas por polimento e
dois instrumentos não modificados. O gráfico a seguir apresenta estas classes
reunidas em peças unipolares, bipolares, suportes modificados e instrumentos não
modificados.

Gráf. 4.2.3 - Classe de material


6,82 1,52

17,42
detrito unipolar
detrito bipolar
suporte modificado por retoque
instrumento não modificado

74,24

Foram identificadas três estratégias de produção de instrumentos:


percussão unipolar, bipolar e polimento. O lascamento unipolar está presente em
todas as matérias-primas, com exceção do argilito e siltito. O lascamento bipolar

175
ocorre no siltito e arenito, enquanto que o polimento ocorre apenas no siltito e no
argilito.

4.2.4.1.1 Núcleo
O único núcleo coletado é descrito a seguir:

SJ 111 (arenito 1) – (63 x 45 x 37) – Núcleo com reserva cortical (seixo),


com apenas um plano de percussão, a partir do qual foram destacadas três
lascas, todas apresentando talão liso, forma predominantemente quadrangular, e
dimensões máximas de 60 x 30 mm.

4.2.4.1.2 Instrumentos retocados


Os seis instrumentos retocados coletados (dois de arenito e quatro de sílex)
são descritos a seguir:

SJ 256 (arenito 1) - (figuras 4.2.4a e 4.2.5) - (108 x 95 x 38 mm) -


Fragmento de matéria-prima, seção trapezoidal, apresentando reserva cortical
(bloco) em uma das extremidades que, juntamente com uma quebra que abrange
praticamente a totalidade de um dos bordos, forma uma UTF preensiva. O bordo
oposto apresenta negativos de retiradas em ambas as faces. Em uma das faces
as retiradas apresentam dimensões maiores. Na outra, trabalhada posteriormente
(os negativos apresentam contra-bulbo) as retiradas formam um gume retilíneo
que termina em uma ponta (Pc convexo, 60o; Pb retilíneo, 65o) (UTFt).

SJ 113 (arenito 1) - (figuras 4.2.4b e 4.2.6) - (68 x 50 x 34 mm) - Lasca siret,


de seixo. Apresenta, na face externa, uma única retirada anterior, que forma uma
UTF preensiva. Na extremidade distal aparecem negativos onde é possível

176
observar uma UTF transformativa composta por duas reentrâncias uma formada
por um único golpe,e outra formada por retoques diretos, curtos, abruptos, que
moldam um focinho (Pc convexo, 70o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt2).

SJ 79 (sílex 2) - (figuras 4.2.4c e 4.2.7) - (57 x 42 x 14 mm) - Lasca


fragmentada bem próximo ao talão, seção triangular. No bordo direito, vinda do
mesmo plano de percussão, há uma retirada anterior, que forma um dorso (UTFp).
A partir da quebra, é possível observar dois retoques diretos, longos, paralelos,
abruptos, seguidos por uma Segunda seqüência de retoques diretos, curtos,
escalariformes, abruptos, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 75o; Pb
retilíneo, 80o) (UTFt1). O bordo esquerdo apresenta uma série de retiradas,
abrangentes e rasantes, seguidas por retoques diretos, curtos, semi-abruptos
formando um ‘focinho’ (Pc côncavo, 45o; Pb retilíneo, 65o) (UTFt2).

SJ 272 (sílex 1) - (figuras 4.2.4d e 4.2.8) – (61 x 19 x 17 mm) - Fragmento


de lasca, seção triangular. Na face externa apresenta dois negativos, sendo que
um deles vindo de um plano de percussão distinto daquele utilizado para a retirada
da lasca (no outro não foi possível identificar a direção). O bordo esquerdo
apresenta, na sua porção mesial, retoques diretos, longos, subparalelos, semi-
abruptos, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 55o; Pb convexo, 65o) (UTFt1).
O bordo direito apresenta, também na sua porção mesial, dois retoques diretos,
longos, paralelos, semi-abruptos, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 50o;
Pb côncavo, 65o) (UTFt2).

SJ 307 (sílex 2) - (figuras 4.2.9) – (42 x 40 x 27 mm) - Fragmento de lasca,


seção trapezoidal, com reserva cortical (bloco). Apresenta na face externa um
negativo de retirada vindo do mesmo plano de percussão da lasca, e um outro
vindo de um plano de percussão diferente. O bordo esquerdo apresenta uma
reentrância formado por um negativo (Pc retilíneo, 85o) (UTFt1), enquanto que na
porção distal do bordo direito é possível perceber negativos de retiradas seguidos

177
por retoques diretos, curtos, abruptos formando um gume retilíneo (Pc retilíneo,
75o; Pb retilíneo, 85o) (UTFt2)

SJ 950 (sílex 1) - (figuras 4.2.4e e 4.2.10) – (64 x 48 x 12 mm) - Lasca


relativamente fina, seção triangular. Apresenta, no bordo direito da face externa,
um negativo, proveniente de um plano de percussão diferente daquele utilizado
para o seu destacamento, que forma uma reentrância (Pc retilíneo, 30o) (UTFt1).
No bordo esquerdo há um outro negativo formando uma reentrância menor (Pc
retilíneo, 40o) (UTFt2)

Alguns dos instrumentos coletados ainda mantêm uma porção de córtex.


Naqueles fabricados em sílex o córtex remete à forma de bloco; quanto ao arenito,
é possível perceber a presença de córtex tanto de seixo como de bloco.
Em relação à qualidade da matéria-prima, em geral ela se mostra boa:
cerca de 66% dos instrumentos apresentam granulação fina, sendo que essa
proporção é maior no arenito, onde os dois instrumentos coletados encontram-se
nessa categoria, e menor no sílex, onde metade apresenta granulação mais
grossa.
Os instrumentos apresentam dimensões concentradas entre 40 e 70 mm de
comprimento, e entre 20 e 60 mm de largura. Os dois confeccionados em arenito
apresentam as maiores dimensões, sendo que um deles se destaca bastante dos
demais.

Gráf. 4.2.4 - Dimensões dos instrumentos

100

80
larg (mm)

60 arenito
40 sílex

20

0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

178
Os suportes preferencialmente utilizados são as lascas (inteiras ou
fragmentadas) para o sílex, enquanto que no arenito, um instrumento utiliza lasca
e outro utiliza fragmento de matéria-prima. É possível perceber que aquele que
utiliza fragmento de matéria prima como suporte é o que apresenta dimensões
maiores.

Gráf. 4.2.5 - Dimensões x suportes

100

80
larg (mm)

60 lasca
frag mp
40

20

0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

Os instrumentos apresentam seções tanto trapezoidal como triangular.


Foram definidos os seguintes tecno-tipos (cf. quadro 4.6): UTF em coche
sobre suportes com um dorso, e sobre suportes não definidos; UTF em coche
dupla sobre suportes com um dorso; UTF retilínea sobre suportes com um dorso
oposto e dois dorsos adjacentes, UTF em focinho sobre suporte com um dorso
oposto.

4.2.4.1.3 Lascas

Foram coletadas 96 lascas (para a quantidade de material coletado por


matéria-prima e análise das variáveis das lascas, ver tabelas 4.5 e 4.5a), sendo 18
em arenito e 78 em sílex.

179
Gráf. 4.2.6 Matéria-prima

18,75

sílex
arenito

81,25

Em relação às de arenito, quatro apresentam córtex, sendo três de seixo e


uma de bloco; já as de sílex, duas apresentam córtex, ambas de seixo.
Quanto às dimensões das lascas, podemos perceber que as de arenito e as
de sílex apresentam dimensões que variam semelhantemente.

Gráf. 4.2.7 - Dimensões das lascas

80
70
60
larg (mm)

50 arenito
40 sílex
30
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70
comp (mm)

Todas as lascas de arenito apresentam comprimento inferior ao do negativo


encontrado no núcleo; porém a largura de pelo menos quatro delas é superior à do
negativo.

180
Gráf. 4.2.8 - Dimensões das lascas e do negativo do núcleo

80

60
larg (mm) lasca
40 neg núcleo
20

0
0 20 40 60 80
comp (mm)

Em relação aos suportes utilizados para a confecção de instrumentos,


podemos perceber que, em relação ao sílex, as maiores lascas apresentam
dimensões superiores ao dos suportes; já quanto ao arenito, apesar de existir uma
lasca que possua comprimento maior que o do suporte, a largura de todas é
inferior (o fragmento de matéria-prima utilizado como suporte não faz parte dessa
comparação).

Gráf. 4.2.9 - Dimensões das lascas e dos instrumentos


(sílex)

80

60
larg (mm)

lasca
40
instrumento
20

0
0 20 40 60 80
comp (mm)

181
Gráf. 4.2.10 - Dimensões das lascas e do instrumento (arenito)

80
70
60

larg (mm)
50
lasca
40
instrumento
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

A grande maioria das lascas não apresenta córtex, sendo que estas se
concentram entre as que apresentam as menores dimensões. No material
confeccionado em sílex aparecem apenas duas lascas com reserva cortical e mais
duas com dorso cortical.

4.2.11 - Dimensões x córtex (sílex)

80
70
60
larg (mm)

50 dorso
40 resr
30 sem crt
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

No material em arenito aparecem, também, apenas mais quatro lascas que


apresentam alguma porção de córtex: duas corticais e duas com dorso cortical.

182
Gráf. 4.2.12 - Dimensões x córtex (arenito)

80
70
60

larg (mm)
50 sem crt
40 cort
30 dorso
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)

4.2.4.14.4 Lascas bipolares


Foram coletadas 13 lascas bipolares: 12 em arenito (10 delas apresentando
córtex de seixo) e uma em siltito.
Apresentam dimensões variadas, sendo que a de siltito está entre as
menores.

Gráf. 4.2.13 - Dimensões das lascas bipolares

50

40

arenito
larg (mm)

30

20 siltito

10

0
0 20 40 60 80
comp (mm)

183
4.2.4.1.5 – Núcleos bipolares

Apenas cinco núcleos bipolares foram coletados, todos de arenito e


apresentando córtex de seixo. Apresentam as seguintes dimensões: 90 x 47 x 38
mm; 60 x 48 x 32 mm; 78 x 60 x 49 mm; 60 x 50 x 27 mm; 57 x 48 x 41 mm.

4.2.4.1.6 Instrumentos não-modificados

Os dois instrumentos não-modificados são percutores, em arenito, descritos


sumariamente a seguir:
- seixo arredondado medindo 110 mm X 89 mm X 60 mm e pesando
850 gramas. Apresenta desgaste em uma das extremidades;
- seixo alongado, medindo 95 mm X 60 mm X 45 mm e pesando 340
gramas. Apresentando desgaste em uma das extremidades.

4.2.4.4.7 Suportes modificados por polimento

Foram encontrados três suportes modificados por polimento, dois em siltito,


ambos identificados como batedores, e um suporte em argilito, apresentando
gravações.
Um dos batedores apresenta marcas de polimento por toda a superfície,
marcas de encabamento, e de uso, localizada na extremidade arredondada. Este
instrumento apresenta 64 mm de comprimento, 29 mm de largura, 25 mm de
espessura e pesa 65 gramas. A outra peça apresenta marcas de polimento
também por toda a superfície, e de uso na extremidade arredondada, observa-se
ainda uma marca oleosa nesta extremidade. Este instrumento apresenta 159 mm
de comprimento, 50 mm de largura, 46 mm de espessura e pesa 625 gramas.
Já o suporte em argilito apresenta finas gravações que convergem para um
pequeno círculo localizado em uma das superfícies. A peça mede cerca de 3 cm.

184
As incisões das gravações caracterizam-se em pequenos sulcos, bem rasos, de
dimensões que não chegam a ½ milímetro de profundidade

4.2.4.1.8 Fragmentos de lasca unipolares

Foram classificadas nessa categoria todas as lascas que não apresentavam


porção proximal. Elas foram apenas pesadas2, tendo sido anotados cerca de 1,3
kg de arenito, 2,2 kg de sílex e 0,1 kg de quartzo.

4.2.4.1.9 Fragmentos rochosos não-modificados

Todo o material que não apresentava vestígios de lascamento foi


introduzido nessa categoria. No total foram registradas cerca de 3,7 kg de sílex,
8,7 kg de arenito, 0,4 kg de quartzo e 0,1 kg de siltito3.

Em resumo, podemos perceber que o arenito e o sílex foram utilizados para


a confecção dos instrumentos retocados, havendo predominância do sílex. Outras
matérias-primas também estão presentes no sítio (siltito e argilito), porém não
foram utilizadas para a confecção de instrumentos desse tipo.
Tanto o arenito como o sílex foram utilizados na forma de seixo e de bloco,
sendo que no arenito há a predominância do uso do seixo, enquanto que no sílex
as lascas apresentam córtex de seixo, e um instrumento apresenta córtex de
bloco.
A lasca foi o tipo de suporte utilizado para a confecção dos instrumentos
retocados de sílex; já para o arenito, um utiliza lasca, outro utiliza fragmento de

8
O peso foi tomado sem distinção de camadas, ou seja, para todo o material do sítio. A porcentagem a que
esse peso corresponde refere-se, portanto, à totalidade do material encontrado no sítio.
9
Aqui o peso também foi tomado sem distinção entre as camadas, conforme nota anterior.

185
matéria-prima. Em ambas as matérias-primas há a presença de lascas que
apresentam dimensões superiores às dos suportes.
Todas as lascas de arenito apresentam comprimento inferior ao do negativo
encontrado no núcleo; porém, a largura de pelo menos quatro delas é superior à
do negativo. A grande maioria delas tem pequenas dimensões e não apresenta
córtex. Quatro lascas apresentam alguma porção de córtex: duas são inteiramente
corticais e duas têm dorso cortical.
A maioria das lascas de sílex também é pequena e sem córtex: apenas
duas apresentam pequena reserva cortical e outras duas têm o dorso cortical (é
bom lembrar que, apesar de apresentar a mesma quantidade de lascas corticais
que o arenito, isso implica em uma proporção bem menor, já que há cerca de
cinco vezes mais lascas de sílex).
A pouca quantidade de material indica que não houve muita atividade de
debitagem no sítio. A presença de núcleo e de lascas corticais pode levar a crer
que, em relação ao arenito, todas as etapas foram executadas no sítio
(ressaltando-se que em pequena escala). Já para o sílex o material (falta de
núcleo, de lascas corticais ou semi-corticais) parece mostrar que apenas os
suportes eram levados ao sítio, e ali eram retocados.

Predominam no sítio UTFs transformativas retilíneas (com recorrência


sobre suportes com um dorso oposto). Há predominância de suportes cuja
estrutura apresenta um dorso oposto.

186
4.2.4.2 Camada inferior

A segunda camada do sítio São José, forneceu uma coleção de material


lítico composta por 263 peças, sendo que, em relação ao níveis artificiais, aparece
desde o nível 10 (90 cm - 100 cm) até o nível 30 (290 cm – 300 cm). Foram
coletadas uma peça no nível 10; uma no nível 11; seis no nível 12; 12 no nível 13;
cinco no nível 14; 15 no nível 15; 21 no nível 16; dez no nível 17; onze no nível 18;
18 no nível 19; 38 no nível 20; 22 no 21; 20 no 22; 40 no nível 23; 14 no nível 24;
oito no nível 25; dez no nível 26; cinco no nível 27; quatro no nível 28; uma no
nível 29 e uma no nível 30 .

G ráf. 4.2.14 - Distribuição por nív eis

20

15

%
10

0
n10

n11

n12

n13

n14

n15

n16

n17

n18

n19

n20

n21

n22

n23

n24

n25

n26

n27

n28

n29

n30

As matérias-primas utilizadas foram: arenito, sílex e quartzo. Entre eles,


predomina o sílex (141 peças, representada pelas cores branca, cinza, vermelha e
amarela), seguido pelo arenito (116 peças, nas cores cinza, vermelha e amarela).
O quartzo ocorre em menor proporção (seis peças). Há evidências de marcas de
fogo sobre pequena parte do material de arenito e de sílex, sendo que neste
último também é possível encontrar pátina.

187
Gráf. 4.2.15 - matéria prima

43,46 arenito
quartzo
54,23 sílex

2,31

Foram identificadas 240 lascas unipolares, um núcleo unipolar, uma lasca


bipolar, e 18 suportes modificados por retoques. O gráfico a seguir apresenta
estas classes reunidas em peças unipolares, bipolares e suportes modificados.

Gráf. 4.2.16 - Classe


6,92
0,38

detrito unipolar
detrito bipolar
suporte modificado por retoque

92,7

Quanto à estratégia de produção de instrumentos, aparece tanto a


percussão unipolar como a bipolar. O lascamento unipolar está presente em todas
as matérias-primas, já o bipolar ocorre apenas no quartzo e no quartzo.

188
4.2.4.2.1 Núcleo
O único núcleo coletado é descrito a seguir:

SJ 52 (sílex 2) – (47 x 57 x 81) – Núcleo com reserva cortical (seixo),


apresentando apenas um único plano de percussão, a partir do qual foram
destacadas duas lascas de pequenas dimensões (a maior atingia 35 x 30 mm).
Ambas as lascas saíram com talão liso, forma quadrangular e subcircular.

4.2.4.2.2 Instrumentos
Os 18 instrumentos retocados coletados (nove em arenito e nove em sílex)
são descritos a seguir:

SJ 1099 (sílex 1) - (figuras 4.2.11a e 4.2.14) – (99 x 43 x 18 mm) - Artefato


plano-convexo, sobre lasca, seção trapezoidal. Apresenta apenas um negativo de
retirada anterior à saída da lasca, que se encontra no centro da peça, paralela ao
eixo de debitagem. É possível perceber, por toda a periferia da peça, uma
seqüência de retiradas (façonage com negativos largos) mais abruptas no bordo
esquerdo, sendo identificadas as seguintes UTFs transformativas:
- retoques diretos, curtos, subparalelos, abruptos, formando um gume
convexo na extremidade distal da peça (Pc retilíneo, 40o; Pb retilíneo, 70o)
(UTFt1);
- retoques diretos, curtos, escalariformes, abruptos, formando um gume
retilíneo no bordo direito (Pc convexo, 55o; Pb retilíneo, 75o) (UTFt2);
- retoques diretos, curtos, subparalelos, abruptos, formando um gume
convexo na extremidade proximal da peça (Pc retilíneo, 50o; Pb convexo, 80o)
(UTFt3);
- retoques diretos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, formando uma
pequena reeentrância na porção proximal do bordo esquerdo (Pc côncavo, 60o; Pb
retilíneo, 65o) (UTFt4);

189
- retoques diretos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, formando um gume
ligeiramente convexo na porção mesial do bordo esquerdo (Pc retilíneo, 65o; Pb
retilíneo, 65o) (UTFt5);
- retoques diretos, curtos, subparalelos, abruptos, formando uma
reentrância na porção distal do bordo esquerdo (Pc retilíneo, 40o; Pb retilíneo, 70o)
(UTFt6). Esta foi a última UTF realizada, interrompendo tanto a UTFt1 como a
UTFt5.

SJ 275 (arenito 1) - (figuras 4.2.11b e 4.2.15) – (66 x 59 x 21 mm) - Seixo


de arenito, seção trapezoidal, apresentando uma das superfícies totalmente
cortical e plana, e a outra, paralela a ela, com uma pequena reserva cortical,
ambas formando a UTF preensiva. Apresenta negativos (façonage) por toda a
periferia, sendo possível identificar as seguintes UTFs transformativas:
- uma reentrância, em uma das extremidades da peça (Pc retilíneo, 45o)
(UTFt1); um gume sinuoso, que abrange grande parte de um dos bordos, e parte
da extremidade da peça (adjacente à UTFt1) formada por um a retirada larga e
duas mais estreitas, seguida por retoques descontínuos, curtos, abruptos,
subparalelosque (Pc retilíneo, 55o; Pb retilíneo, 65o) (UTFt2);
- gume convexo, na outra extremidade da peça, formado por três retiradas
largas, seguidas por retoques curtos, abruptos, subparalelos (Pc convexo, 60o; Pb
convexo, 75o) (UTFt3);
- e, no outro bordo, um gume retilíneo, que termina em uma concavidade,
formada por três retiradas, uma delas larga, seguidas por retoque curtos,
subparalelos e semi-abruptos (Pc côncavo, 50o; Pb retilíneo, 65o) (UTFt4).

SJ 163 (sílex 2) - (figuras 4.2.11c e 4.2.16) – (85 x 58 x 29 mm) - Lasca,


seção trapezoidal, com reserva cortical (bloco), e uma incrustação que divide seu
bordo esquerdo ao meio. Apresenta negativos de retiradas, às custa da face
externa, por toda periferia da peça, enquanto a face interna apresenta dois
negativos. Foi possível observar as seguintes UTFs transformativas: UTFt1, dois
negativos seguidos por retoques diretos, curtos, semi-abruptos, escalariformes

190
formam um ‘focinho (Pc côncavo, 75o)’; UTFt2, reentrância na parte proximal do
bordo direito parte proximal do bordo direito (Pc retilíneo, 60o; Pb retilíneo, 70o); e
UTF3, gume retilíneo na parte proximal do bordo esquerdo, formado por retoques
diretos, curtos, semi-abruptos, escalariformes (Pc retilíneo, 55o; Pb convexo, 75o).

SJ 517 (arenito 1) - (figura 4.2.17) – (40 x 32 x 20 mm) – Fragmento de


lasca, seção trapezoidal. Apresenta três retiradas anteriores: uma paralela ao eixo
de debitagem (UTFp), e outras duas na porção distal do bordo direito. Uma
retirada realizada após o destacamento da lasca, localizada na porção distal do
bordo esquerdo, forma um gume retilíneo (Pc retilíneo, 50o; Pb côncavo, 70o)
(UTFt1). Uma outra retirada no bordo esquerdo, adjacente à primeira, forma um
gume côncavo (Pc côncavo, 65o) (UTFt2). No bordo direito, adjacente às retiradas
anteriores ao destacamento da lasca, é possível perceber uma retirada posterior,
formando uma reentrância (Pc retilíneo, 75o) (UTFt3).

SJ 424 (arenito 1) - (figuras 4.2.12a e 4.2.18) – (51 x 35 x 26 mm) - Lasca,


seção triangular, siret, cuja quebra forma um dorso irregular no bordo direito. A
extremidade distal apresenta três negativos, que são seguidos por retoques
diretos, longos, subparalelos, abruptos, formando um gume convexo (Pc retilíneo,
55o; Pb retilíneo, 70o) (UTFt1). O bordo esquerdo apresenta um negativo que
abrange toda a sua extensão, seguidos por retoques diretos, curtos, abruptos, que
formam um gume retilíneo (Pc côncavo, 65o; Pb retilíneo, 75o) (UTFt2). A partir do
bordo direito, à custa da face externa, foi feita uma retirada criando, no talão uma
reentrância (Pc retilíneo, 50o; Pb retilíneo, 65o) (UTFt3).

SJ 433 (arenito 1) - (figura 4.2.12b) – (64 x 62 x 29 mm) - Lasca, talão


cortical (seixo), seção trapezoidal. Apresenta, na face externa, três negativos
vindos do mesmo plano de percussão utilizado para o destacamento da presente
lasca Um deles forma um dorso que, juntamente com o talão, compõem a UTF
preensiva. O bordo esquerdo apresenta dois grandes negativos, seguidos por

191
retoques diretos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, formando um ‘focinho’ (Pc
côncavo, 50o; Pb côncavo, 65o) (UTFt).

SJ 306 (arenito 2) - (figuras 4.2.12c e 4.2.19) – (54 x 58 x 29 mm) - Lasca,


talão espesso, seção triangular. O bordo esquerdo, totalmente cortical, juntamente
com a extremidade distal, que apresenta um negativo de retirada anterior, formam
uma UTF preensiva. O bordo direito apresenta um grande negativo, seguido por
retoques diretos, curtos, semi-abruptos subparalelos, que formam um gume
retilíneo, denticulado (Pc côncavo, 50o; Pb convexo, 60o) (UTFt).

SJ 172 (sílex 1) - (figuras 4.2.13a e 4.2.20) – (38 x 29 x 17 mm) -


Fragmento de lasca refletida, seção triangular, com reserva cortical (bloco) na
crista. Apresenta um negativo no bordo direito, seguido por retoques diretos,
longos, subparalelos, semi-abruptos, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo,
35o; Pb convexo, 50o) (UTFt1). A porção direita da extremidade distal também
apresenta um negativo, seguido por retoques diretos, curtos, semi-abruptos,
formando uma reentrância (Pc convexo, 50o; Pb retilíneo, 60o) (UTFt2). Já o bordo
esquerdo apresenta dois negativos, seguidos por retoques diretos, longos e
curtos, escalariformes, abruptos seguido por retoques diretos, longos,
subparalelos, semi-abruptos, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 60o; Pb
côncavo, 75o) (UTFt3).

SJ 37 (sílex 1) - (figuras 4.2.13b e 4.2.21) – (46 x 29 x 20 mm) - Fragmento


de lasca, seção trapezoidal. Apresenta uma retirada anterior, praticamente
paralela ao eixo de debitagem que, juntamente com uma retirada posterior (2’)
formam uma UTF preensiva. Na extremidade distal percebe-se um negativo,
seguido por um retoque direto, curto semi-abrupto, que forma um gume côncavo
(Pc côncavo, 50o; Pb retilíneo, 60o). O bordo esquerdo apresenta um grande
negativo, seguido por retoques diretos, curtos, escalariformes, abruptos criando
um gume retilíneo (Pc côncavo, 65o; Pb convexo, 75o) (UTFt2).

192
SJ 454 (arenito 1) - (figuras 4.2.13c e 4.2.22) – (64 x 60 x 31 mm) - Lasca,
seção triangular. Apresenta, na face externa, quatro negativos vindos do mesmo
plano de percussão de onde saiu a presente lasca, e dois vindos de um plano de
percussão oposto, com um deles formando um dorso no bordo direito (UTFp). A
extremidade distal apresenta quatro negativos às custas da face interna, seguidos
por retoques inversos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, formando um bordo
levemente convexo (Pc convexo, 70o; Pb retilíneo, 60o) (UTFt1). A porção mesial
do bordo esquerdo apresenta retoques diretos, curtos, escalariformes, semi-
abruptos, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 50o; Pb retilíneo, 75o) (UTFt2).

SJ 621 (sílex 1) - (figuras 4.2.13d e 4.2.23) – (22 x 34 x 9 mm) - Lasca de


pequenas dimensões, seção triangular. Apresenta um negativo próximo ao talão,
seguido por retoques diretos, curtos, abruptos, formando uma reentrância seguido
por retoques diretos, longos, subparalelos, semi-abruptos, formando um gume
retilíneo (Pc, côncavo 65o; Pb retilíneo, 70o) (UTFt1).

SJ 504 (sílex 2) - (figura 4.2.24) – (58 x 48 x 20 mm) - Lasca, seção


trapezoidal, face externa quase completamente coberta por córtex. No bordo
direito há dois retoques inversos, longos, abruptos, formando um gume levemente
convexo (Pc retilíneo, 75o) (UTFt).

SJ 515 (arenito 2) - (figura 4.2.25) – (61 x 45 x 43 mm) – Seixo com marcas


de lascamento bipolar. Apresenta córtex por quase toda sua periferia (UTFp). Em
uma das extremidades apresenta duas retiradas longas, sendo que uma delas é
seguida por retoques curtos, paralelos, abruptos, que avançam por um dos
bordos, formando um gume convexo (Pc retilíneo, 50o; Pb côncavo, 70o) (UTFt).

SJ 104 (arenito 2) – (figura 4.2.26) – (46 x 23 x 22 mm) - Fragmento de


lasca, seção trapezoidal. Apresenta na face externa um negativo anterior à
retirada da lasca, que vem, provavelmente, do mesmo plano de percussão. A
extremidade distal apresenta três negativos à custa da face externa, sendo

193
possível identificar um focinho na porção direita (Pc retilíneo, 65o; Pb retilíneo, 70o)
(UTFt1).

SJ 434 (sílex 2) - (figura 4.2.27) – (44 x 24 x 18 mm) - Lasca fragmentada


tanto no bordo esquerdo como na extremidade proximal, seção trapezoidal. A
extremidade distal apresenta seqüência de retoques diretos, longos, paralelos,
abruptos, que é interrompida pela quebra no bordo esquerdo (Pc côncavo, 45o; Pb
côncavo, 75o) (UTFt1)

SJ 946 (sílex 2) - (35 x 22 x 13 mm) - Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. A face externa apresenta dois negativos, sendo que um deles vem de
plano de percussão diferente daquele utilizado para a retirada do presente
suporte. Apresenta, na porção distal do bordo direito, retoques inversos, curtos,
subparalelos, semi-abruptos, formando um gume denticulado, retilíneo seguido por
retoques diretos, longos, subparalelos, semi-abruptos, formando uma pequena
reentrância (Pc retilíneo, 45o; Pb côncavo, 65o) (UTFt1).

SJ 841 (sílex 1) – (28 x 32 x 15 mm) – Lasca, talão cortical, seção


trapezoidal. Apresenta dois negativos, na face externa, vindos do mesmo plano de
percussão de onde a lasca foi retirada. Na extremidade distal há três retoques
diretos, longos, subparalelos, semi-abruptos, formando uma reentrância (Pc
côncavo, 60o) (UTFt).

SJ 38 (arenito 1) – (34 x 27 x 20 mm) - Lasca relativamente espessa, seção


trapezoidal. A face externa apresenta três negativos anteriores à retirada da lasca,
vindos de, pelo menos, dois planos de percussão diferentes. A extremidade distal
apresenta três negativos diretos, longos, paralelos, abruptos, que formam um
gume convexo (Pc retilíneo, 70o) (UTFt).

194
Alguns dos instrumentos coletados ainda mantêm uma porção de córtex.
Naqueles fabricados em sílex o córtex remete à forma de bloco; já para o arenito é
possível perceber a presença de córtex de seixo.
A qualidade da matéria-prima é boa (com granulação fina) em 11
instrumentos (pouco mais de 60 %), sendo que essa proporção é maior no arenito,
chegando a 66,7 %, e menor no sílex, onde pouco menos da metade apresenta
granulação mais grossa (45,5%).
Os instrumentos apresentam dimensões que variam de 22 a 99 mm de
comprimento, entre 22 e 60 mm de largura, e entre 9 e 43 mm de espessura.
Aqueles de sílex apresentam tanto as maiores como as menores, dimensões,
aparecendo nas extremidades do gráfico.

Gráf. 4.2.17 - Dimensões dos instrumentos

70
60
50
larg (mm)

40 arenito
30 sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

Os suportes preferencialmente utilizados foram as lascas (inteiras ou


fragmentadas). No material em arenito são encontrados, ainda, fragmentos de
matéria-prima. É possível perceber que aqueles que utilizam fragmentos de
matéria prima como suporte estão entre os que apresentam dimensões maiores.

195
Gráf. 4.2.18 - Dimensões x suporte

70
60
50

larg (mm)
40 frag mp
30 LASCA
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

Os instrumentos apresentam seções tanto trapezoidal como triangular.


Foram definidos os seguintes tecno-tipos (cf. quadro 4.7): UTF em coche
sobre suportes com um dorso, sobre suportes com uma estrutura central e sobre
estruturas não definidas; UTF convexa sobre suportes com dois dorsos
adjacentes, e sobre superfície central; UTF retilínea sobre suportes com um dorso
oposto, dois dorsos adjacentes, e suprfície central, e UTF em focinho sobre
suporte com estrutura central.

4.2.4.2.3 Lascas

Foram coletadas 240 lascas (para proporção de matéria-prima e análise


das variáveis das lascas, ver tabelas 4.5b e 4.5c), sendo 104 em arenito, 131 em
sílex e apenas cinco em quartzo.

Gráf. 4.2.19 - Lasca x matéria-prima


2,98

sílex
arenito
quartzo
43,34 54,58

196
Em relação às de arenito, 14 apresentam córtex, sendo 12 de seixo e duas
de bloco; já as de sílex, 21 apresentam córtex, sendo 11 de seixo e dez de bloco.
Uma lasca de quartzo apresenta córtex de seixo.
Quanto às dimensões das lascas, podemos perceber que em todas as
matérias-primas há bastante variação, sendo que o arenito é que apresenta as
maiores lascas .

Gráfico 4.2.20 Gráfico 4.2.21 Gráfico 4.2.22

Gráfico 4.2.23 Gráfico 4.2.24 Gráfico 4.2.25

Algumas lascas de sílex apresentam dimensões maiores ao do negativo


encontrado no único núcleo, principalmente no que se refere ao comprimento.

197
Gráf. 4.2.26 - Dimensões das lascas e do negativo do núcleo
(sílex)

70
60
50
larg (mm)

40 lasca
30 neg nucleo
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)

As dimensões dos suportes utilizados para a confecção dos instrumentos


são, em geral, compatíveis com as das lascas encontradas no sítio: apenas um
instrumento em arenito apresenta largura superior às lascas dessa mesma
matéria-prima, enquanto três instrumentos confeccionados em sílex apresentam
comprimento superior às lascas coletadas.

4.2.27 - Dimensões das lascas e dos instrumentos (arenito)

70
60
50
larg (mm)

40 lasca
30 instrumento
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

198
4.2.28 - Dimensões das lascas e dos instrumentos (sílex)

70
60
larg (mm) 50
40 lasca
30 instrumento
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

A maioria das lascas não apresenta córtex, sendo que estas se concentram
entre as que têm menores dimensões. No arenito aparecem apenas seis lascas
com alguma porção de córtex: uma com reserva, duas semi-corticais, uma
totalmente cortical e duas com dorso.

Gráf. 4.2.29 - Dimensões x córtex (arenito)

70
60
sem crt
50
larg (mm)

reserva crt
40
semi crt
30
cortical
20
dorso
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

199
No sílex, o número de lascas que apresenta alguma porção de córtex é um
pouco maior, mas aqui também apenas uma delas é totalmente cortical. É
possível perceber, também, a presença de quatro lascas com dorso cortical.

Gráf. 4.2.30 - Dimensões x córtex (sílex)

70
60 sem crt
50
larg (mm)

reserva
40
semi crt
30
20 cortical
10 dorso
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)

4.2.4.2.4 Lascas bipolares


Foram coletadas apenas duas lascas bipolares: uma em arenito,
apresentando córtex de seixo, e medindo 78 x 47 x 19 mm; outra em quartzo,
medindo 36 x 27 x 11 mm.

Em resumo, podemos perceber que o arenito e o sílex foram utilizados para


a confecção dos instrumentos retocados, havendo leve predominância do sílex. O
quartzo também está presente no sítio, porém não foi utilizado para a confecção
de instrumentos desse tipo.
Tanto o arenito como o sílex foram utilizados na forma de seixo e de bloco,
sendo que no arenito há a predominância do uso do seixo, enquanto no sílex há
uma equivalência entre seixo e bloco.

200
A lasca foi o tipo de suporte utilizado para a confecção dos instrumentos
retocados: representa a totalidade no sílex, enquanto que no arenito aparece
fragmento de matéria-prima (sendo um dos suportes que apresentam maiores
dimensões). Enquanto que no arenito as dimensões dos suportes, em geral, não
ultrapassam as das maiores lascas, no sílex pelo menos 1/3 dos suportes
apresentam dimensões superiores às das maiores lascas.
Ainda em relação ao sílex, é possível perceber que grande parte das lascas
apresenta dimensões superiores às dos negativos encontrados no único núcleo
coletado.
A grande maioria delas tem pequenas dimensões e não apresenta córtex.
Apenas uma inteiramente cortical foi coletada, sendo possível ver, também, a
presença de quatro com dorso.
Esse fato se repete nas lascas de arenito, onde aparece um número ainda
menor de lascas com alguma porção de córtex, sendo possível destacar duas com
dorso e duas inteiramente corticais.
O material, aqui, parece indicar que as etapas iniciais do processo de
debitagem não eram realizadas no sítio, sendo provável que os suportes tenham
sido levados para lá, onde eram retocados. È interessante notar que esse sítio
apresenta um artefato plano convexo, além de outros dois ‘esboços’.
Predominam no sítio UTFs transformativas retilíneas (com recorrência
sobre suportes com superfície central plana e suportes com um dorso oposto) e
UTFs transformativas em coche (com recorrência sobre suportes com superfície
central plana). Há predominância de suportes cuja estrutura apresenta uma
superfície central plana.

4.1.5 Distribuição espacial do material

É possível notar que o material se espalha praticamente pela mesma área,


tanto na camada superior como na inferior (figuras 4.2.2 e 4.2.2c).

201
A camada superior apresenta baixa densidade de material., sendo possível
perceber que ele se espalha mais ou menos homogeneamente, aparecendo uma
pequena concentração na extremidade leste, e outra, um pouco menor, na
extremidade oposta do sítio. Quando observamos o sílex, essas concentrações
parecem se manter, sendo que os instrumentos coletados aparecem ali: dois em
cada uma (figura 4.2.2b).
Já no arenito, a densidade diminui muito, desaparecendo essas
concentrações O único núcleo coletado aparece na extremidade sudoeste,
exatamente oposto aos dois instrumentos encontrados dessa matéria-prima.
(figura 4.2.2a).
Já a camada inferior apresenta-se mais densa, sendo que a maior
concentração aparece na extremidade leste do sítio, contendo o maior número de
instrumentos, enquanto que o único núcleo coletado aparece isolado na
extremidade oeste. Essa concentração se torna mais nítida quando observamos
apenas o material de arenito (figura 4.2.2d), e menos clara no material de sílex
(figura 4.2.2e), talvez pela presença do núcleo, o que pode ter levado ao aumento
do número de lascas dessa matéria-prima.

202
4.3 – SÍTIO PEDREIRA

4.3.1 - Características Ambientais

O sítio Pedreira constitui um assentamento arqueológico a céu aberto,


localizado por metodologia sistemática através do levantamento sistemático, na
fazenda Pedreira. Situa-se na margem direita do rio Lajinha, afluente do rio
Quilombo (pela margem esquerda), em cota de 270 m e coordenadas UTM 21 636
590E / 8 334 039N (cf. mapa 3.1).

Está implantado em encosta suave, declividade >10%, com vegetação do


tipo mata galeria. O solo predominante no local é do tipo Areia Quartzosas “AQ3”.

Localiza-se em cobertura arenosa residual originada das formações


Botucatu e Bauru (unidade geológica do tipo cAr, constituída por areia fina, pouco
siltosa e mal selecionada (cf. quadros 4.1 e 4.2).

Em superfície, junto ao sítio e nas suas adjacências, foram amostrados


fragmentos de sílex bem arredondados e com esfericidade alta. Próximo ao sítio, e
a leste dele, ocorre grande afloramento de arenito médio, com paraconglomerado
intercalado. Constitui relevo residual de topo tabular, de grande extensão, com
escarpas verticalizadas e blocos desagregados (das escarpas) na base.

Os paraconglomerados possuem fragmentos rolados de diferentes


granulometrias, atingindo até 20 cm de diâmetro que podem ter sido utilizados
como fonte de matéria-prima para lascamento. Ocorrem níveis de sílex ao longo
do afloramento, ora com maior, ora com menor freqüência. Foram amostrados
(amostras de mão) sílex com linhas concêntricas leitosas.

O curso d’água mais próximo localiza-se a cerca de 20 m de distância do


sítio, enquanto o Quilombo, rio principal mais próximo, está a cerca de 1250 m.
Em um raio de 5.000 m ao redor do sítio ocorrem 13 cursos d’água de primeira
ordem, dois de segunda e um rio de quarta ordem, totalizando 16 cursos d’água
(cf. figura 4.3.1). A soma da extensão das drenagens totaliza 75,0 km de
extensão. Possui 0,101 de densidade hidrográfica e 0,477 de densidade de
drenagem (cf quadro 4.3 e tabelas 4.1 e 4.2).

203
4.3.2 - Atividades de Escavação

Quanto às atividades de escavação, para delimitação do sítio, foram


realizadas 38 sondagens sistemáticas de 1 m x 1 m, com distâncias regulares de
10 m. Foi selecionada, ainda, uma área de 350 m2 para coleta de superfície, já
que a grande maioria do material ocorre ali aflorada (cf. figura 4.3.2).

O material arqueológico, composto por 376 peças líticas, encontra-se


dispersos por uma área de cerca de 14.000 m2, com materiais localizados desde a
superfície até 40 cm de profundidade. No entanto, o predomínio do material
ocorreu na superfície.

No geral o sítio teve 2,789% de sua área trabalhada e 0,271% escavados


pelo método sistemático (cf. tabela 4.3).

4.3.3 Perfil estratigráfico

O sítio Pedreira apresenta superfície com grande quantidade de fragmentos


coluvionares. Possui perfis estratigráficos de até 50 cm de profundidade (cf. figura
4.3.1a).

A primeira camada é composta por solo de cor marrom escuro, de textura


areno-siltosa e pequena quantidade de raízes. Sua espessura atinge até 40 cm.

A segunda camada possui cor marrom, apresenta grande quantidade de


cascalhos e atinge até 10 cm de espessura.

A primeira camada foi dividida em até quatro níveis artificiais de 10 cm,


sendo que a segunda em apenas um nível. A base da segunda camada é definida
pela presença de rocha do embasamento parcialmente alterada.

Ocorrem perfis que se diferenciam do padrão anteriormente citado. São


perfis que apresentam a segunda camada de cor vermelha, com textura argilosa
apresentando grânulos associados (pegajoso quando molhado). Essa camada foi
dividida em até dois níveis estratigráficos.

204
4.3.4 Análise do Material Lítico

O sítio Pedreira forneceu uma coleção de material lítico composta por 376
peças, sendo que o material foi coletado desde a superfície até o nível 4 (30-40
cm). Foram encontradas 242 peças na superfície, 110 no nível 1, sete no nível 2,
onze no nível 3 e seis no nível 4.

Gráf. 4.3.1 - Distribuição por níveis

70
60
50
40
%
30
20
10
0
sup n1 n2 n3 n4

As matérias-primas utilizadas foram: arenito, sílex e quartzo.


Entre eles há o predomínio do arenito (338 peças), que está representado
nas cores branca, cinza, vermelha e amarela, o que demonstra a variedade desse
material na região; aparecem, ainda, 36 peças de sílex e duas de quartzo.

Gráf. 4.3.2 - Matéria prima


0,27
9,62

arenito
sílex
quartzo

90,11

205
Em relação ao peso geral desse material, o arenito é o mais representativo,
com 50.955 g, representando 83,86% do geral do material do sítio, seguido do
sílex, com 9.765 g, representando 16,07% e do quartzo 45 g, representando
0,07%.

Gráf. 4.3.3 -Matéria prima - peso (g)


0,07
16,07

arenito
sílex
quartzo

83,86

Quanto à análise do material, aparecem 300 lascas unipolares (223 lascas


inteiras, uma é de refrescamento, e 77 fragmentadas), 10 núcleos unipolares, 36
lascas bipolares, nove núcleos bipolares, sete instrumentos retocados e 14
instrumentos não-modificados.

1,87
Gráf. 4.3.4 -Classe
3,72

11,96

detrito unipolar
detrito bipolar
suporte modificado por retoque
instrumento não-modificado

82,45

Foram identificadas duas estratégias de lascamento, a percussão unipolar e


a bipolar, presentes tanto no arenito quanto no sílex; as peças de quartzo

206
aparecem em pequeno número e se reduzem à percussão unipolar.

4.3.4.1 Núcleos
Os dez núcleos coletados (três em sílex e sete em arenito) são descritos a
seguir:
PE 592 (arenito 1) – (113 x 73 x 90) – Núcleo com reserva cortical (seixo),
apresentando três planos de percussão (A, B e C). Do plano A foram retiradas
sete lascas (sendo utilizado dois planos de debitagem), todas com talão liso,
morfologia variada (triangular, quadrangular), e dimensões máximas de 60 x 50
mm. A partir do plano B (adjacente ao A) foram destacadas quatro lascas, todas
com talão liso, algumas podendo apresentar córtex na face externa, morfologia
variada (subcircular, quadrangular), e dimensões máximas de 80 x 60 mm, sendo
que um dos negativos foi utilizado como novo plano de percussão (C), tendo sido,
a partir dali, retirada duas lascas (talão liso, morfologia quadrangular, dimensões
de 40 x 40 mm), que utilizam um dos planos de debitagem do plano de percussão
A.

PE 442 (arenito 2) – (105 x 68 x 80) – Núcleo com uma das faces coberta
por córtex (bloco). Apresenta três planos de percussão (A, B e C), sendo que do
plano A foram retiradas duas lascas (a1 e a2), ambas com talão liso, morfologia
quadrangular e subcircular, dimensões máximas de 75 x 50 mm, sendo que a2
apresentaria córtex na face externa. O negativo de a1 serviu de novo plano de
percussão (B), tendo sido retirada apenas uma pequena lasca (talão liso, forma
circular, medindo 25 x 30 mm), o mesmo acontecendo com o negativo de a2
(plano C), que utiliza a superfície A como plano de debitagem, tendo sido
destacada apenas uma pequena lasca (talão liso, forma quadrangular, medindo 27
x 37 mm) (figura 4.3.3).

207
PE 307 (sílex 2) – (105 x 98 x 77) – Núcleo sobre lasca espessa. A face
interna de uma lasca serviu de plano de percussão (A), a partir de onde foram
retiradas cinco lascas (todas apresentando talão liso, forma quadrangular e
dimensões máximas de 60 x 45 mm) (figura 4.3.4).

PE 429 (arenito 2) - (145 x 92 x 102) – Seixo mantendo, ainda, grande parte


de seu córtex. A partir de um plano de percussão não mais existente foram
retiradas duas lascas (a 1 e a 2), que teriam a face externa coberta por córtex,
forma triangular ou quadrangular, e dimensões aproximadas de 80 x 80 mm. O
negativo da lasca a1 foi utilizado como novo plano de percussão (B), a partir de
onde foram retiradas mais quatro lascas, que apresentariam talão liso, forma
quadrangular ou subcircular, e dimensões máximas de 45 x 45 mm (figura 4.3.5).

PE 363 (arenito 1) - (90 x 60 x 63) – Núcleo com uma reserva cortical


(seixo), apresentando dois planos de percussão (A e B) opostos. A partir do plano
A foram retiradas três lascas, todas apresentando talão liso, forma quadrangular e
dimensões máximas de 45 x 50 mm. A partir do plano B foram destacadas mais
quatro lascas, talão liso, morfologia variada (quadrangular, triangular, mais de
quatro lados), e dimensões um pouco menores (atingindo cerca de 40 x 40 mm)
(figura 4.3.5).

PE 306 (sílex 2) - (92 x 71 x 75) – Seixo mantendo córtex por toda a sua
periferia. Foram abertos dois planos de percussão (A e B) opostos, sendo que
para isso foram retiradas duas lascas iniciais, uma em cada extremidade, com
dimensões aproximadas de 85 x 90 mm. A partir do plano A foram retiradas três
lascas, todas com talão liso, forma triangular e quadrangular, e dimensões
máximas de 45 x 45 mm. Do plano B foram destacadas duas lascas com
características semelhantes às anteriores, que utilizaram o mesmo plano de
debitagem (figura 4.3.7).

208
PE 580 (sílex 2) - (130 x 120 x 90) – Seixo mantendo ainda uma reserva de
córtex. O seixo foi aberto, por percussão direta, formando um plano de percussão
(A), a partir de onde foram retiradas pelo menos duas lascas, que teriam talão liso,
forma quadrangular, dimensões de 85 x 80 mm e apresentariam córtex na face
externa. Adjacente ao plano A aparece um outro (B), tendo sido retiradas mais
duas lascas, ambas com talão cortical e face externa também apresentando
córtex, forma quadrangular e dimensões de 90 x 60 mm.

E 291 (arenito 1) - (151 x 119 x 77) – Núcleo apresentando reserva cortical


(seixo). É possível perceber um único plano de percussão, liso, a partir de onde
foram retiradas quatro lascas, sendo que as duas primeiras (1 e 1’) apresentariam
córtex na face externa. O talão, de todas, seria liso, a forma da lasca
predominantemente quadrangular e as dimensões máximas atingiriam 75 x 65
mm.

PE 90 (arenito 1) - (80 x 45 x 60) – Núcleo com reserva cortical (seixo),


apresentando dois planos de percussão. Do primeiro (A) foram retiradas duas
lascas (a1 e a2) que teriam talão liso, forma triangular e quadrangular, córtex na
face externa, e dimensões máximas de 75 x 45 mm, cada lasca aproveitou um
plano de debitagem diferente. O negativo de a2 serviu como novo plano de
percussão (B) a partir de onde foram retiradas mais duas lascas (b1 e b2), lascas
estas que apresentariam talão liso, forma subcircular e quadrangular, córtex na
extremidade distal da face externa, e dimensões máximas de 50 x 50 mm (figura
4.3.8).

PE 71 (arenito 1) - (75 x 54 x 61) – Núcleo apresentando cinco planos de


percussão. Do primeiro plano foram retiradas quatro lascas (a1, a2, a3 e a4),
sendo utilizados 3 planos de debitagem. Todas as lascas saíram com talão liso,
forma, quadrangular, e dimensões máximas de 40 x 54 mm. A partir de um dos
negativos (a1) foi destacada uma pequena lasca, que utilizou o plano anterior com
plano de debitagem. O mesmo fato ocorreu com outro negativo (a2).

209
A partir de um terceiro negativo (a3) foram destacadas mais duas lascas
(talão liso, forma quadrangular, e dimensões de 40 x 40 mm), sendo que um deles
foi utilizado como novo plano de percussão, tendo sido, a partir dali, retirada mais
uma lasca (talão liso, forma triangular, dimensões de 40 x 43 mm). Apesar de o
núcleo apresentar uma forma discóide, ele não apresenta as características desse
tipo (cf. figura 2.7) (figura 4.3.9).

Em relação aos núcleos coletados, podemos perceber que tanto aqueles de


sílex como de arenito foram levados ao sítio na forma de seixo.

A qualidade da matéria-prima dos núcleos de arenito é, em geral, boa:


cinco apresentam granulação fina; já em relação àqueles de sílex, todos
apresentam granulação grossa.

Os núcleos apresentam dimensões que variam de médias a grandes, não


havendo diferença entre as matérias-primas.

Volum e dos núcleos

1600
1400
1200
1000
vl (cm³)

arenito
800
sílex
600
400
200
0

Gráf. 4.3.5 Gráf. 4.3.6

210
Metade deles apresenta dois planos de percussão, sendo que, em geral,
foram retiradas de duas a três lascas a partir de cada um desses planos.

Pelos negativos analisados, as lascas saíram com talão liso, forma


predominantemente quadrangular, e dimensões que atingiam, no máximo, 90 mm
de comprimento e 90 mm de largura, sendo que os negativos dos núcleos de sílex
apresentam as maiores dimensões.

Gráf. 4.3.7 - Dimensões dos negativos dos núcleos

100

80
larg (mm)

60 arenito
sílex
40

20

0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

A análise mostrou que quando há mais de uma sequência de debitagem


elas são independentes, as lascas destacadas apresentam, de uma forma geral,
características semelhantes entre elas, sendo que todos os núcleos podem ser
classificados no sistema de debitagem C.

4.3.4.2 Instrumentos retocados


Os sete instrumentos lascados (todos em arenito) são descritos a seguir:

211
PE 272 (arenito 1) - (97 x 114 x 41 mm) - Fragmento de lasca, seção
trapezoidal, reserva de córtex (seixo) no bordo direito e em parte da extremidade
distal. A face externa apresenta negativos de retiradas por todo o resto da peça,
todas feitas após a retirada da lasca. No bordo direito é possível perceber duas
sequências de retiradas, a primeira, mais longa e larga, com o provável objetivo de
afinar a peça, e a segunda formada por retoques diretos, longos, subparalelos,
semi-abruptos. É possível observar três UTFs transformativas: uma na
extremidade distal do bordo, formando um gume denticulado irregular (Pc
côncavo, 55o, Pb retilíneo, 70o), outra na porção mesial, formando um gume
ligeiramente convexo (Pc côncavo, 50o, Pb convexo, 60o), e a terceira na porção
proximal, onde foi criada uma reentrância (Pc côncavo, 55o, Pb côncavo, 70o).
Ainda na face externa é possível perceber um negativo, paralelo à face interna,
vindo do mesmo plano de percussão utilizado para a retirada da lasca, forma uma
UTF preensiva (figuras 4.3.10 e 4.3.16).

PE 250 (arenito 1) – (130 x 112 x 47 mm) - Peça que remonta com a


descrita anteriormente (figura 4.3.12). Fragmento de lasca, seção trapezoidal, com
córtex pelo bordo esquerdo, chegando quase até a extremidade distal. A face
externa apresenta dois negativos anteriores à retirada da lasca, um deles, situado
na extremidade distal, vem de um plano de percussão diferente daquele utilizado
para a retirada da lasca, enquanto que o outro situa-se na face paralela ao eixo de
debitagem da lasca, vindo do mesmo plano de percussão. Esse negativo,
juntamente com o bordo esquerdo, forma uma UTF preensiva. O bordo direito
apresenta três negativos, todos vindos da face interna, sendo que um deles (3)
forma uma reentrância (Pc côncavo, 75o) (UTFt) (figuras 4.3.11 e 4.3.17).

PE 628 (arenito 1) – (116 x 159 x 61 mm) - Lasca, seção trapezoidal,


reserva cortical (seixo) aparecendo em pequenas porções de ambos os bordos. A
face externa apresenta dois negativos (1 e 2), anteriores ao destacamento da
lasca, mais ou menos paralelos ao eixo de debitagem e vindos do mesmo plano
de percussão utilizado para a retirada da lasca. O bordo direito apresenta três

212
negativos de retiradas vindas da face interna, que são seguidas por retoques
diretos, curtos, abruptos, e formam, junto com o negativo (2) descrito
anteriormente, uma UTF preensiva. A extremidade distal apresenta um negativo
vindo da superfície cortical do bordo esquerdo, estando obliquo ao plano de
percussão da lasca. É possível ver, ainda na extremidade distal, uma retirada
anterior (0) e duas retiradas menores vindas da face interna, seguidas por
retoques diretos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, que formam um bico (Pc
côncavo, 60o, Pb retilíneo, 75o) (UTFt) (figuras 4.3.13 e 4.3.18).

PE 253 (arenito 1) – (119 x 83 x 51 mm) - Lasca, seção subcircular. O


córtex (seixo) no bordo esquerdo forma uma UTF preensiva. A face externa
apresenta uma grande retirada vinda da mesma direção utilizada para a retirada
da lasca. Na extremidade distal é possível perceber dois retoques inversos, um
longo e outro curto, semi-abruptos, formando uma concavidade (Pc convexo, 55o,
Pb retilíneo, 75o) (UTFt1). Adjacente a ele há um gume naturalmente convexo,
reforçado por retoques diretos, curtos, rasantes, subparalelos (Pc convexo, 35o,
Pb retilíneo, 75o) (UTF2). (figura 4.3.14)

PE 285 (arenito 1) - (35 x 42 x 16 mm) - Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. Face externa apresenta três negativos, dois deles vindos do mesmo
plano de percussão utilizado para retirar a lasca (do terceiro não foi possível
identificar a origem). Na parte que está fraturada é possível perceber dois
negativos curtos e abruptos, um ao lado do outro (Pc retilíneo, 50o, Pb retilíneo,
70o) (UTFt).

PE 261 (arenito 2) - (102 x 44 x 43 mm) - Fragmento de matéria-prima,


seção triangular. Em um dos bordos é possível ver dois negativos vindos da face
plana, sendo que um deles é seguido por um retoque curto, abrupto, que forma
uma reentrância (Pc côncavo, 70o, Pb retilíneo, 80o) (UTFt) (figuras 4.3.15a e
4.3.19).

213
PE 532 (arenito 2) - (81 x 57 x 35 mm) - Fragmento de matéria-prima, seção
trapezoidal, com reserva cortical (seixo). Em um dos bordos é possível perceber
um negativo vindo da superfície plana, seguido por um retoque curto e abrupto,
formando uma reentrância (Pc côncavo, 60o) (UTFt) (figuras 4.3.15b e 4.3.20).

Alguns dos instrumentos coletados ainda mantêm uma porção de córtex,


todos de seixo.
Quanto à qualidade da matéria-prima, em geral ela se mostra boa: cinco
dos sete instrumentos apresentam granulação fina.

G ráf. 4.3.8 - Qualidade do


arenito

arenito 1
arenito 2

Os instrumentos apresentam dimensões relativamente grandes, chegando


a medir 116 x 159 x 61 mm. Como única exceção aparece uma peça um pouco
menor: 35 x 42 x 16 mm.

214
Gráf. 4.3.9 - Dimensões dos instrumentos

200

150
larg (mm)

100

50

0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)

Os suportes preferencialmente utilizados são as lascas (inteiras ou


fragmentadas), sendo que os fragmentos de matéria-prima são utilizados em
duas, sendo que eles apresentam as menores dimensões.

Gráf. 4.3.10 - Dimensões x suporte

200

150
larg (mm)

lasca
100
frag mp

50

0
0 50 100 150
comp (mm)

A grande maioria dos instrumentos apresenta seção trapezoidal; aparece


um com seção triangular e outro com seção elipsoidal
215
Foram definidos os seguintes tecno-tipos (cf. quadro 4.7): UTF em coche
sobre suportes com dois dorsos adjacentes; UTF em coche dupla sobre suportes
com um dorso e sobre suportes com estruturas não definidas; UTF convexa sobre
suportes com dois dorsos adjacentes; UTF retilínea sobre suporte com dois dorsos
adjacentes.

4.3.4.3 Lascas

Foram coletadas 300 lascas (para a quantidade de material coletado por


matéria-prima e análise das variáveis das lascas, ver tabelas 4.6 e 4.6a), sendo
281 em arenito, e apenas 19 em sílex.

Gráf. 4.3.11 - Lascas x matéria-prima

6,35

arenito
sílex

93,65

Em relação às de arenito, 120 apresentam córtex, sendo 119 de seixo e


uma de bloco; já as de sílex 11 apresentam córtex, sendo três de bloco e oito de
nódulo.
Quanto às dimensões, podemos perceber que as lascas de arenito
apresentam maiores dimensões que as de sílex, principalmente em relação a
largura.

216
Gráf. 4.3.12 Gráf. 4.3.13

Gráf. 4.3.14 Gráf. 4.3.15 Gráf. 4.3.16

217
Algumas lascas apresentam dimensões muito superiores àquelas
encontradas nos negativos do núcleo, sendo esse fato mais claramente
perceptível no material em arenito (no sílex acontece só um caso desses).

Gráf. 4.3.17 - Dimensões das lascas e dos negativos dos


núcleos - arenito

140
120
100
larg (mm)

neg núcleo
80
60 lasca
40
20
0
0 50 100 150

comp (mm)

Gráf. 4.3.18 - Dimensões das lascas e dos negativos dos


núcleos - sílex

120
100
80
larg (mm)

lasca
60
neg núcleo
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)

Em relação aos suportes utilizados para a confecção dos instrumentos,


ocorre o mesmo fato, porém em menor escala: alguns instrumentos são fabricados
em lascas que apresentam dimensões um pouco maiores do que aquelas
coletadas no sítio.

218
Gráf. 4.3.19 - Dimensões das lascas e dos instrumentos -
arenito

180
160
140
120
larg (mm)

100 lasca
80 instrumento
60
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)

Em relação à presença ou não de córtex, é possível perceber que, nas


lascas de arenito, predominam aquelas com pequena reserva cortical e as que
não possuem córtex. Enquanto as últimas concentram-se entre as que
apresentam menores dimensões, as primeiras espalham-se mais ou menos
homogeneamente pelo gráfico.

Gráf. 4.3.20 - Dimensões x córtex (arenito)

140
120
sem cr
100
larg (mm)

resr
80
semi
60
cortical
40
dorso
20
0
0 50 100 150
comp (mm)

Já as poucas lascas de sílex mostram que as semi-corticais apresentam as

219
maiores dimensões. Aqui não são encontradas lascas com dorso cortical.

Gráf. 4.3.21 - Dimensões x córtex (sílex)

120

100

80 sem cr
larg (mm)

resr
60
semi
40 cortical
20

0
0 50 100 150
comp (mm)

4.3.4.4 - Lascas bipolares

Das 39 lascas bipolares coletadas, 24 são de arenito, nove são de sílex e


apenas uma é de quartzo. Aquelas de arenito apresentam as maiores dimensões,
enquanto que a única de quartzo é uma das menores.

220
Gráf. 4.3.22Dimensões das lascas bipolares

60

50

40 arenito
larg (mm)

quartzo
30
sílex
20

10

0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

4.1.4.5 – Núcleos bipolares

Foram coletados nove núcleos bipolares, sendo seis de arenito e três de


sílex.

Gráf. 4.3.23 - Dimensões dos núcleos bipolares

120
100
80
larg (mm)

arenito
60
sílex
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)

4.3.4.6 Instrumentos não-modificados

Foram identificados 14 instrumentos nesta categoria, sendo que 13 são


percutores e o outro é um possível triturador.

221
Os percutores (onze de arenito e dois de sílex), são sumariamente descritos
a seguir:
- Seixo oval de arenito medindo 93 mm X 56 mm X 39 m e pesando
225 g. Apresenta desgaste nas extremidades e em quase toda parte lateral;
- Seixo oval de arenito medindo 69 mm X 50 mm X 38 mm e pesando
175 g. Apresenta desgaste nas duas extremidades;
- Seixo arredondado de arenito medindo 87 mm X 85 mm X 51 mm e
pesando 410 g. Apresenta desgaste em ambas as faces e em toda lateral;
- Seixo alongado de arenito medindo 96 mm X 56 mm X 50 mm e
pesando 360 g. Uma de suas laterais apresenta-se bastante desgastada pelo uso;
- Seixo oval de arenito medindo 56 mm X 46 mm X 22 mm e pesando
65 g. Apresenta desgaste em toda parte lateral;
- Seixo alongado de arenito medindo 79 mm X 44 mm X 33 mm, e
pesando 155 g. Apresenta pouco desgaste em uma das extremidades e manchas
vermelhas em uma das faces;
- Seixo oval de arenito medindo 58 mm X 51 mm X 38 mm e pesando
145 g. Apresenta desgaste em uma das extremidades;
- Seixo alongado de arenito medindo 97 mm X 54 mm X 46 mm, e
pesando 310 g. Apresenta desgaste em uma das extremidades, sendo que a outra
apresenta-se fragmentada, provavelmente pelo intenso uso;
- Fragmento de seixo apresentando desgaste em uma das
extremidades;
- Seixo arredondado de arenito medindo 96 mm X 53 mm X 44 mm e
pesando 350 g. Apresenta desgastes nas extremidades e no centro.
- Seixo arredondado de arenito medindo 133 mm x 95 mm x 61 mm e
pesando 1.200 g. Apresenta marcas de utilização, na porção central de uma de
suas faces e nas extremidades, o que o caracterizou como percutor.
- Seixo oval de sílex medindo 87 mm x 52 mm x 34 mm e pesando 185
g. Apresenta desgaste nas duas extremidades;
- Seixo alongado de sílex medindo 76 mm x 38 mm x 23 mm e
pesando 90 g. Apresenta desgastes nas extremidades e em uma das laterais;

222
Gráf. 4.3.24 - Percutor - dimensões

100

80

larg (mm)
60 arenito
40 sílex

20

0
0 50 100 150
comp (mm)

Gráf. 4.3.25 - Percutor - peso x volume

1400
1200
1000
vl (cm³)

800 arenito
600 sílex
400
200
0
0 200 400 600 800 1000
peso (g)

A maioria dos percutores apresenta marcas de uso nas extremidades,


somente em um deles os vestígios de uso localizam-se também na parte central, o
que poderia ser decorrente de percussão bipolar. Os percutores em arenito são
maiores e mais pesados (um deles pesa mais de 1 kg), que poderiam ter sido
utilizados para a retirada das grandes lascas apresentadas no sítio.

Quanto ao outro instrumento, é um seixo de arenito medindo 134 mm x 116


mm x 98 mm e pesando 1985 g. Apresenta marcas em uma de suas faces, o que
pode indicar sua utilização como mó ou triturador.

223
4.3.4.7 Fragmentos de lasca unipolares

Foram classificadas nessa categoria todas as lascas que não


apresentavam porção proximal. Elas foram apenas pesadas, obtendo-se cerca de
3,7 kg de arenito e 0,4 kg de sílex, o que corresponde a cerca de 7 % do peso de
todo material coletado.

4.3.4.8 Fragmentos rochosos não-modificados


Todo o material que não apresentava vestígios de lascamento foi
introduzido nessa categoria. No total foram registradas cerca de 2,9 kg de sílex e
6,6 kg de arenito, o que corresponde a pouco mais de 15 % do peso de todo
material coletado.

Em resumo, temos que mais de 90 % do material encontrado no sítio é de


arenito.

O sílex apresenta baixa qualidade, como é possível perceber nos três


núcleos encontrados (que apresentam dimensões variando de médias a grandes),
todos remetendo à seixo. As poucas lascas dessa matéria-prima mostram
dimensões compatíveis com a dos últimos negativos observáveis no núcleo, e o
córtex presente nelas indica que o início da etapa de debitagem foi ali
desenvolvido.

Já o arenito também apresenta seixos utilizados como núcleos, com


dimensões que variam de médias a grandes, porém com boa qualidade
(granulação fina).

Os instrumentos apresentam grandes dimensões, sendo que a lasca foi o


principal suporte utilizado para a confecção deles (aparece, também sendo
utilizado como suporte, o fragmento de matéria-prima).

224
Várias lascas apresentam dimensões muito superiores àqueles dos últimos
negativos que podem ser observados nos núcleos; em relação aos suportes dos
instrumentos, as maiores delas apresentam praticamente as mesmas dimensões.

O córtex presente nas lascas permite indicar que todas as etapas de


lascamento foram realizadas no sítio. É interessante notar, também, a presença
de percutores pesados, compatíveis com o tamanho dos núcleos e lascas
encontrados.
As lascas bipolares recolhidas apresentam dimensões suficientes para
servirem de suporte de instrumento, porém não foram utilizadas, talvez por não
apresentarem a estrutura desejada. Serviram provavelmente para teste de
matéria-prima e/ou abertura de plano de percussão.

Parece claro, nesse sítio, a procura por instrumentos grandes. A pouca


utilização do sílex pode estar relacionado ao fato de os grandes blocos / seixos
disponíveis dessa matéria-prima apresentarem baixa qualidade.

Predominam no sítio UTFs transformativas em coche, com recorrência


sobre suportes com dois dorsos perpendiculares e adjacentes, esses últimos são
predominantes no conjunto dos instrumentos.

4.3.5 Distribuição espacial do material

225
4.4 – SÍTIO BURITI

4.4.1 Características Ambientais


O sítio Buriti constitui um assentamento arqueológico a céu aberto
localizado por meio de informações orais na fazenda Barra do rio Manso. Situa-se
a 250 m do rio Manso em cota de 281m e em coordenadas UTM 21 652 874E / 8
359 090N (cf. mapa 3.2).
O sítio Buriti encontra-se em encosta de declividade entre 0% e 5%, em
região de solos pouco espessos, desenvolvidos sobre litologias do Grupo Cuiabá.
São solos litólicos distróficos do tipo RL5 associados a afloramentos de rochas
metamórficas da unidade geológica pEA. A vegetação predominante é do tipo
antrópica (cf. quadros 4.1 e 4.2).
Observa-se sobre a superfície uma “cascalheira” de origem coluvionar
constituída por grânulos, seixos e calhaus angulosos, provenientes,
provavelmente, de filitos conglomeráticos verificados nas adjacências do sítio, os
quais podem ter sido utilizados como fonte de matéria-prima para lascamento.
Foram pontuados veios de quartzo leitoso entre os rios Palmeiras (margem
esquerda) e Manso (margem direita), nas proximidades do sítio Buriti. Os
fragmentos de quartzo provenientes dos veios não apresentam características
para lascamento, pois são muito fraturados.
O rio Manso é o curso d’água mais próximo ao sítio Buriti. Em um raio de
5.000 m, são encontrados 71 cursos d’água de primeira ordem, 13 de segunda,
cinco de terceira, um rio de quarta e um de sexta ordem, totalizando 91 cursos
d’água, perfazendo 112,9 km de extensão (cf. figura 4.4.1).
Possui 0,579 de densidade hidrográfica e 0,720 de densidade de drenagem
(cf quadro 4.3 e tabelas 4.1 e 4.2).

4.4.2 Atividades de Escavação


Quanto às atividades de escavação nesse sítio, primeiramente foram
realizadas trincheiras em direções ortogonais, em sentido N-S e L-O. Com essa

226
estratégia foi possível constatar a pouca espessura de sedimento arqueológico e a
boa visibilidade do material localizado, principalmente, na superfície, uma vez que
a vegetação, quando existia, era extremamente rala. Por isto foi realizado um
quadriculamento geral da área em quadrantes de 100 m2, perfazendo um total de
126 quadrantes, sendo que 35 delas apresentaram material lítico (cf. figura 4.4.2).
A área do sítio é de cerca de 12.200 m2, com materiais localizados desde a
superfície até 20 cm de profundidade. No entanto, o predomínio do material
ocorreu no nível 0/10 cm.
O único material arqueológico encontrado nesse sítio foi o lítico, com 134
peças.

4.4.3 Perfil estratigráfico


O sítio Buriti apresenta superfície com grande quantidade de fragmentos
coluvionares. O material arqueológico foi verificado em superfícies e em perfis
rasos.
É constituído por uma única camada de textura arenosa com grânulos
angulosos, apresenta cor marrom claro e espessura que não ultrapassa 10 cm.
Sua base é limitada pela presença de rocha parcialmente alterada, em vários
locais aflorada em superfície (cf. figura 4.4.1a).

227
4.4.4 Análise do Material Lítico

O sito Buriti forneceu uma coleção de material lítico composto por 134
peças, sendo que todo o material foi coletado praticamente somente na superfície
e no nível 1.

As matérias-primas utilizadas foram: arenito, sílex e quartzo. Entre eles há o


predomínio do arenito, com 71 peças que estão representados nas cores branca,
cinza, vermelho, amarelo e preta; seguida pelo sílex, 59 peças encontradas nas
cores branca, cinza, vermelho e amarelo, e o quartzo, quatro peças. Há evidências
de marcas de fogo sobre pequena parte do material de arenito e de sílex.

Gráf. 4.4.1 - Matéria prima

44,04 arenito
quartzo
52,98
sílex

2,98

Em relação ao peso geral desse material tem-se: arenito – 8.325 g,


representando 71,62 % do geral de material do sítio, sílex – 3.250 g,
representando 27,97 % e quartzo 48 g, representando 0,41 %.

228
Gráf. 4.4.2 - Matéria prima - peso
0,41

27,97

arenito
sílex
quartzo

71,62

Quanto à classificação do material, apareceram 64 lascas unipolares, cinco


núcleos unipolares, 21 lascas bipolares, 26 núcleos bipolares, dois produtos
bipolares, 11 instrumentos modificados por retoques, cinco instrumentos não-
modificados. O gráfico a seguir apresenta estas classes reunidas em peças
unipolares, bipolares, suportes modificados e instrumentos não-modificados.

Gráf. 4.4.3 Classe de material


3,7
8,89

detrito unipolar
detrito bipolar
51,11 suporte modificado por retoque
36,3 instrumento não modificado

Foram identificadas duas formas de lascamento, a unipolar e a bipolar,


presentes em todas as matérias primas.

229
4.4.4.1 Núcleo
Os três núcleos (um de sílex e dois de arenito) são descritos a seguir:

BU 66 (sílex 1) – (50 x 59 x 85 mm) – Núcleo com reserva cortical (seixo),


apresentando dois planos de percussão. De um deles foi destacada apenas uma
lasca, que saiu com talão cortical, forma quadrangular e dimensões de 40 x 35
mm; a partir do outro saíram duas lascas, ambas apresentando talão liso, forma
quadrangular ou triangular, e dimensões máximas de 35 x 20 mm.

BU 203 (arenito 1) – (55 x 63 x 85 mm) – Núcleo com reserva cortical


(seixo), apresentando um plano de percussão a partir do qual foi destacada
apenas uma lasca, saída com talão liso, forma triangular, e dimensões de 20 x 37
mm.

BU 60 (arenito1) – (71 x 61 x 130 mm) – Núcleo apresentando dois planos


de percussão. De um deles foi destacada apenas uma lasca, com forma
quadrangular e dimensões de 20 x 24 mm; a partir do outro saíram duas lascas,
forma quadrangular, e dimensões máximas de 23 x 20 mm. Todas apresentam
talão liso.

Os núcleos não foram muito explorados. Apresentam pequenas dimensões,


e, logicamente, os negativos de retiradas aparecem menores ainda. O sílex, assim
como o arenito, apresenta-se em forma de seixo, e a qualidade da matéria-prima é
boa (granulação fina) para todas as peças.

4.4.4.2 Instrumentos retocados


Os onze instrumentos retocados (sete em sílex, três em arenito e um em
quartzo) são descritos a seguir:

230
BU 68 (arenito 1) – (figuras 4.4.3a e 4.4.6) - (109 x 87 x 35 mm) -
Fragmento de seixo com seção triangular. Apresenta grande quantidade de
negativos de retiradas anteriores ao destacamento da lasca, vindos de, pelo
menos, dois planos de percussão distintos. Na extremidade distal apresenta
retoques diretos, curtos e longos, escalariforme, abruptos, que reforçam um gume
retilíneo (Pc retilíneo, 70o, Pb retilíneo, 75o) (UTFt1). No bordo esquerdo aparecem
retoques diretos, curtos, escalariformes, abruptos, formando outro gume retilíneo
(Pc retilíneo, 60o, Pb convexo, 75o) (UTFt2).

BU 72 (arenito 1) – (figuras 4.4.3b e 4.4.7) - (73 x 67 x 24 mm) - Lasca com


seção trapezoidal. Apresenta, na face externa, três negativos vindos do mesmo
plano de percussão utilizado para a retirada da lasca, sendo que o negativo do
bordo direito forma um dorso (UTFp). O bordo esquerdo apresenta retoques
diretos, descontínuos, curtos, semi-abruptos, subparalelos, que se estendem até a
porção esquerda da extremidade distal, formando um gume retilíneo (Pc côncavo,
65o / 75o, Pb retilíneo, 70o) (UTFt).

BU 181 (arenito 1) – (figuras 4.4.3c e 4.4.8) – (63 x 36 x 14 mm) - Lâmina


fragmentada, seção trapezoidal. Apresenta dois negativos paralelos na face
externa, vindos do mesmo plano de percussão utilizado para o destacamento da
lâmina. O bordo direito apresenta retoques diretos, curtos, escalariformes, semi-
abruptos, interrompidos pela quebra da peça, formando gume retilíneo (Pc
côncavo, 45o, Pb retilíneo, 75o) (UTFt1). O bordo esquerdo apresenta negativos de
retiradas mais longas, que se estendem de sua porção proximal à mesial, seguida
por retoques diretos, longos e curtos, escalariformes, semi-abruptos, formando um
gume retilíneo, onde é possível identificar mais duas UTFs transformativas:
UTFt2, que apresenta plano de corte retilíneo, com 50o, e plano de bico também
retilíneo, 65o; e UTFt3, com plano de corte côncavo, 45o, e plano de bico retilíneo,
65o.

231
BU 149 (sílex 1) - (figuras 4.4.4a e 4.4.9) – (70 x 57 x 23 mm) - Fragmento
de lasca, seção triangular. Apresenta dois negativos na face externa, anteriores à
retirada da lasca, sendo que um deles vem do mesmo plano de percussão (do
outro não foi possível identificar a origem). O bordo direito apresenta retoques
inversos, contínuos, paralelos, curtos, semi-abruptos, formando um gume retilíneo
denticulado (Pc convexo, 70o). O bordo esquerdo apresenta uma série de
negativos, diretos, curtos e longos, paralelos, semi-abruptos, formando um
‘focinho’ (Pc côncavo, 55o, Pb retilíneo, 75o) (UTFt1). (UTFt2).

BU 53 (sílex 1) – (figuras 4.4.4b e 4.4.10) – (73 x 48 x 21 mm) - Fragmento


de matéria-prima com seção triangular. Um dos bordos apresenta duas retiradas
adjacentes, seguidas por retoques curtos, subparalelos, semi-abruptos, que
formam um focinho (Pc côncavo, 45o, Pb retilíneo, 50o) (UTFt1). No bordo oposto
também é possível observar uma grande retirada (vinda do mesmo plano que a
retirada anterior), seguida por retoques curtos, paralelos, abruptos, formando um
gume retilíneo (Pc retilíneo, 50o, Pb retilíneo, 70o) (UTFt2)..

BU 259 (sílex 1) - (figuras 4.4.4c e 4.4.11) – (59 x 26 x 20 mm) - Fragmento


de lasca, seção triangular. A face esquerda apresenta-se lisa. A face direita
apresenta quatro negativos vindos de um plano obliquo àquele utilizado para o
destacamento da lasca, sendo que na crista esses negativos são seguidos por
retoques contínuos, curtos, semi-abruptos e escalariformes, formando um gume
ligeiramente convexo (Pc côncavo, 65o, Pb convexo, 75o) (UTFt1) (provável lasca
de reavivagem de instrumento, ou seja, toda essa parte já havia sido
confeccionada anteriormente). No bordo direito percebe-se retoques diretos
curtos, subparalelos, semi-abruptos, que formam um gume linear (Pc côncavo,
50o, Pb retilíneo, 45o) (UTFt2). Na extremidade proximal há dois negativos que
retiraram o talão e que formam um gume côncavo (Pc convexo, 55o) (UTFt3).

BU 185 (quartzo hialino) - (figuras 4.4.5a e 4.4.12) – (38 x 14 x 17 mm) -


Fragmento de seixo com seção triangular. Uma das faces mantém o córtex; na

232
outra há um negativo que abrange toda a sua extensão; enquanto que na terceira
é possível perceber pelo menos três negativos, vindos todos da face cortical,
seguido por retoques curtos, abruptos, escalariformes, que formam um gume
ligeiramente convexo (Pc retilíneo, 55o, Pb retilíneo, 65o) (UTFt).

BU 191 (sílex 1) - (figuras 4.4.5b e 4.4.13) – (29 x 30 x 28 mm) - Fragmento


de lasca, seção trapezoidal, apresentando na face externa, quatro negativos
vindos do mesmo plano de percussão utilizado para o destacamento da lasca. No
bordo esquerdo há um negativo (1) vindo da face superior, e que forma uma UTF
preensiva. A partir desse negativo houve outra retirada (2), ainda à custa da face
externa, sendo seguido por retoques diretos, curtos, subparalelos e abruptos
formam um gume retilíneo (Pc côncavo, 60o, Pb retilíneo, 70o) (UTFt1). Um outro
negativo (3), adjacente ao anterior, vindo da face interna, forma uma reentrância
(Pc côncavo, 55o) (UTFt2).

BU 153 (sílex 1) - (figuras 4.4.5c e 4.4.14) - (22 x 28 x 10 mm) - Lasca com


seção trapezoidal. Apresenta na face externa uma retirada anterior, mais ou
menos paralela ao eixo de debitagem, e que faria parte da UTF preensiva.
Próximo ao talão é possível ver negativos, também anteriores, um em cada bordo.
Na extremidade distal aparecem quatro retoques, três deles (1, 2 e 2’), que podem
ser caracterizados com diretos, longos, sub-paralelos, semi-abruptos, formam uma
ponta pouco pronunciada (Pc côncavo, 65o) (UTFt1); enquanto um outro (direto,
longo, semi-abrupto) produz um bordo côncavo (Pc retilíneo, 60o) (UTFt2).

BU 19 (sílex 1) - (figura 4.4.5d) – (49 x 43 x 15 mm) - Fragmento de lasca,


fragmentado tanto no bordo esquerdo (por flexão) como na extremidade proximal,
ambas formam a UTF preensiva. Apresenta dois negativos de retiradas na face
externa, sendo que um deles (2) veio do mesmo plano de percussão da lasca. O
bordo direito apresenta negativos, que são seguidos por retoques diretos, curtos,
subparalelos e abruptos, formando um gume retilíneo (Pc côncavo, 45o, Pb
retilíneo, 55o) (UTFt).

233
BU 143 (sílex 1) - (figura 4.4.5e) – (40 x 36 x 8 mm) - Ponta fragmentada
por flexão. Apresenta uma sequência de façonnage por toda a periferia, em ambas
as faces, seguida por uma de retoque bifaciais, curtos, semi-abruptos,
subparalelos, mantendo um ângulo de 50o, em média.

Apenas dois instrumentos coletados, um de arenito, outro de quartzo, ainda


mantém uma porção de córtex, ambos de seixo.
Quanto à qualidade da matéria-prima, em todos os instrumentos ela se
mostra boa, com granulação fina
Os instrumentos apresentam dimensões bastante variadas, sendo que
aqueles de arenito são os maiores, enquanto que o de quartzo encontra-se entre
os menores.

Gráf. 4.4.4 - Dimensões dos instrumentos

100

80
larg (mm)

60 sílex
arenito
40 quartzo
20

0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

234
Os suportes preferencialmente utilizados para a confecção dos
instrumentos de sílex são as lascas (inteiras ou fragmentadas), sendo que
aparece, ainda, um fragmento de matéria-prima. Já no arenito cada instrumento é
sobre um suporte: fragmento de matéria-prima, lasca e lâmina. A única peça de
quartzo é sobre fragmento de matéria prima. Não é possível perceber nenhuma
relação entre suporte e dimensões.

Gráf. 4.4.5 - Dimensões x suportes

100

80
lasca
larg (mm)

60
lâmina
40
frag mp
20

0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

Os instrumentos apresentam seções trapezoidal e triangular.

Foram definidos os seguintes tecno-tipos (cf. quadro 4.7): UTF em coche


sobre suportes com um dorso, sobre suportes com uma estrutura central e sobre
estruturas não definidas; UTF em coche dupla sobre suportes com estruturas não
definidas; UTF retilínea sobre suportes com dois dorsos adjacentes, sobre um
dorso oposto, dois dorsos adjacentes, e superfície central, e UTF em focinho
sobre suporte com estrutura central e sobre suporte com um dorso oposto.

235
4.5.4.3 Lascas

Foram coletadas 64 lascas (para a quantidade de material coletado por


matéria-prima e análise das variáveis das lascas, ver tabelas 4.7 e 4.7a), sendo 20
de arenito, 42 de sílex e apenas duas de quartzo.

3,12 Gráf. 4.4.6 - Matéria-prima

sílex

31,25 arenito
quartzo

65,63

Em relação às de arenito, sete apresentam córtex, todas de seixo; já as de


sílex, seis apresentam córtex, sendo duas de seixo e quatro de nódulo.
Quanto às dimensões das lascas, podemos perceber que as de arenito
apresentam dimensões maiores, enquanto que aquelas de quartzo estão entre as
menores.

236
Gráf. 4.4.7 - Dimensões das lascas

70
60
50

larg (mm)
arenito
40
sílex
30
quartzo
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

Algumas lascas apresentam dimensões muito superiores àquelas


encontradas nos negativos dos núcleos, sendo que esse fato é mais claramente
perceptível no material em arenito.

Gráf. 4.4.8 - Dimensões das lascas e dos negativos dos


núcleos - arenito

70
60
50
lascas
larg (mm)

40
neg núcleo
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

237
Gráf. 4.4.9 - Dimensões das lascas e dos negativos dos núcleos -
sílex

45
40
35
30

larg (mm)
25 lasca
20 neg nucleos
15
10
5
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)

Em relação aos suportes utilizados para a confecção dos instrumentos


ocorre o mesmo fato: alguns instrumentos são fabricados em lascas de dimensões
superiores às apresentadas pelas maiores lascas coletadas no sítio. No arenito
ocorre apenas um instrumento com essa característica,

Gráf. 4.4.10 - Dimensões das lascas e dos instrumentos -


arenito
100

80
larg (mm)

60 instrumento
40 lasca

20

0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

238
No quartzo o único instrumento tem praticamente o dobro das duas únicas
lascas encontradas.

Gráf. 4.4.11 - Dimensões das lascas e instrumento -


quartzo
30

25

20
larg (mm)

lasca
15
instrumento
10

0
0 10 20 30 40
comp (mm)

No sílex pelo menos três instrumentos apresentam comprimento maior do


que encontrado nas lascas, o mesmo acontecendo em relação à largura.

G rá f. 4.4 .1 1 - D im e n s õ e s d a s las c as e d o s
in s tru m e n to s - s íle x

60
50
larg (mm)

40
in s tru m en to
30
20 la sc a
10
0
0 20 40 60 80
c om p (m m )

239
A maioria das lascas não apresenta córtex, sendo que no sílex aparece,
além desse tipo, apenas uma com pequena reserva cortical.

Gráf. 4.4.12 - Dimensões das lascas x córtex (sílex)

50
40
larg (mm)

30 sem crtx
20 reser. cort

10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)

No arenito é possível encontrar, também, uma lasca totalmente cortical e


outra semi-cortical.

Gráf. 4.4.13 - Dimensões das lascas x córtex (arenito)

70
60
sem crtx
50
larg (mm)

reser. cort
40
30 semi cort
20 tot. cort.
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

240
4.4.4.4 Lascas bipolares

Foram coletadas 22 lascas bipolares: uma de sílex, uma de quartzo e 20 de


arenito.

Gráf. 4.4.14 - Lascas bipolares - matéria prima


4,54
4,54

arenito
quartzo
sílex

91,02

Nenhuma delas apresenta córtex. Há uma grande variação nas dimensões,


sendo que as lascas de arenito são as maiores, enquanto que a de quartzo está
entre as menores.
.

Gráf. 4.4.15 - Dimensões das lascas bipolares

70
60
50
arenito
larg (mm)

40
quartzo
30 sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)

241
4.4.4.5 – Núcleos bipolares

Foram coletados 25 núcleos bipolares, sendo três de sílex e 22 de arenito.

Gráf. 4.4.16 - M atéria prima

12

arenito
sílex

88

Nenhum deles apresenta córtex. Há uma grande variação nas dimensões,


sendo que os núcleos de sílex estão entre os menores.

Gráf. 4.4.17 - Dimensões dos núcleos bipolares

70
60
50
larg (mm)

40 arenito
30 sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

242
4.4.4.6 Instrumentos não-modificados

Todos os instrumentos deste tipo pertencem à categoria de percutores.


Todos são em arenito, descritos sumariamente a seguir:
- Seixo triangular, medindo 75 mm X 71 mm X 46 mm e pesando 280
g. Apresenta desgaste em uma das extremidades e no centro;
- Seixo alongado, medindo 80 mm X 39 mm X 35 mm e pesando 165
g. Apresenta desgaste nas duas extremidades;
- Seixo arredondado, medindo 79 mm X 74 mm X 41 mm e pesando
285 g. Apresenta desgaste em uma das extremidades;
- Seixo oval, medindo 50 mm X 63 mm X 42 mm e pesando 145 g.
Apresenta desgaste nas duas extremidades.
- Seixo oval, medindo 67 mm X 56 mm X 40 mm e pesando 190 g.
Apresenta desgaste na porção central.

Gráf. 4.4.18 - Volume x peso

300
250
200
peso (g)

150
100
50
0
0 50 100 150 200 250 300
vl (cm³

243
4.4.4.7 Fragmentos de lascas unipolares

Foram classificadas nessa categoria todas as lascas que não apresentavam


porção proximal. No total foram coletados 1.245 g de fragmentos, sendo 755 g de
arenito e 470 g sílex, o que representa um pouco mais de 10 % do peso do total
do material coletado.

4.4.4.8 Fragmentos rochosos não-modificados

Todo o material que não apresentava vestígio de lascamento foi introduzido


nessa categoria. No total foram registrados 690 g de matéria-prima, sendo 165 de
arenito e 525 de sílex, o que representa quase 6 % do peso do total do material
de arenito.

Em resumo, podemos perceber que o arenito, o sílex e o quartzo foram


utilizados para a confecção dos instrumentos retocados, havendo uma pequena
predominância do arenito, enquanto que o quartzo foi encontrado em pouquíssima
quantidade.
Todas as matérias-primas foram utilizadas na forma de seixo, sendo que o
sílex foi também utilizado na forma de nódulo e de bloco.
A lasca foi o tipo de suporte preferencialmente utilizado para a confecção
dos instrumentos retocados de sílex e de arenito, aparecendo, também em ambas,
fragmento de matéria-prima. Já no quartzo, o único instrumento apresenta
fragmento de matéria-prima como suporte.
Algumas lascas apresentam dimensões superiores àquelas dos últimos
negativos que podem ser observados nos núcleos. Da mesma maneira, aparecem

244
alguns suportes que são bem maiores que as lascas encontradas no sítio (apenas
cinco lascas apresentam dimensões superiores a da mediana dos instrumentos).
A grande maioria das lascas não apresenta córtex: em toda a coleção
aparece apenas uma lasca totalmente cortical e outra semi-cortical (ambas de
arenito). Isso pode indicar (apesar da presença de alguns núcleos) que as etapas
iniciais de debitagem não ocorriam no sítio. Já a etapa de retoque parece estar
presente.
É interessante notar que a qualidade da matéria-prima é boa em todos os
instrumentos, assim como nos núcleos, demonstrando, pelo menos nesse sítio,
certa preocupação com esse fator (vale lembrar que foi coletado uma ponta
fragmentada, sendo que esse tipo de instrumento geralmente é feito em matérias-
primas de boa qualidade).
Predominam no sítio UTFs transformativas retilíneas, com recorrência
apenas sobre suportes com uma superfície central plana, esses últimos
predominam no conjunto do material.

4.4.5 Distribuição espacial do material

O sítio apresenta baixa densidade de material, sendo que em nenhuma de


suas áreas é possível perceber alguma concentração importante: nenhum
quadrante (100 m²) apresenta mais de nove peças. Ou seja, nenhuma área, pelo
menos da maneira como foi delimitada, apresenta mais de uma peça a cada 10 m²
(cf. figura 4.4.2).
Enquanto o material em arenito aparece mais na porção central do sítio,
aquele confeccionado em sílex se concentra um pouco mais na porção oeste (cf.
figura 4.4.2a). O quartzo, por sua vez, só aparece em dois quadrantes: um
localizado na extremidade noroeste do sítio, outro na extremidade sudeste.
Quanto à distribuição por classe de material, é possível perceber que não
há, também, nenhuma concentração de determinada categoria: todas se
espalham mais ou menos homogeneamente pelo sítio, sendo a única ressalva o

245
fato de dois dos três núcleos coletados (um em sílex, outro em arenito) aparecem
em quadrantes contíguos (cf. figura 4.4.2b).

246
4.5 SÍTIO LAJE

4.5.1 Características Ambientais

O sítio Laje constitui um assentamento arqueológico a céu aberto,


situando-se a acerca de 290 m do rio Manso, em cota de 260 m e coordenadas
UTM 21 640 206E / 8 358 293N (cf. mapa 3.1).

Está implantado em encosta com declividade entre 0% e 5%. No local


encontram-se solos do tipo “Complexo de Solos de Baixadas e Cursos D'água” (C)
e “Litólicos distróficos”(RL), além de vegetação do tipo Cc.

Verifica-se, nas proximidades do sítio Laje, amplo afloramento rochoso ao


longo do rio Manso, composto por metamorfitos do Grupo Cuiabá – unidade
geológica pEAc, que afloram também em pequenas drenagens próximas ao sítio.
Dentre as rochas observadas, predominam filitos e filitos conglomeráticos. (cf.
quadro 4.1 e 4.2)

À aproximadamente 5 km de distância, na margem esquerda do rio


Manso, junto ao córrego Saltinho, é possível observar extensos afloramentos de
argilito, que podem ter sido utilizados como fonte de matéria-prima.

O rio Manso é o curso d’água mais próximo ao sítio. Em um raio de 5.000


m ao seu redor, o sítio Laje possui 50 cursos d’água de primeira ordem, 15 de
segunda, 5 de terceira, um rio de quarta e um rio de sexta ordem, totalizando 72
cursos d’água. A soma da extensão das drenagens resulta em 101,2 km. Possui
0,458 de densidade hidrográfica e 0,644 de densidade de drenagem (cf. quadro
4.3 e tabelas 4.1 e 4.2).

4.5.2 Atividades de Escavação

Quanto às atividades de escavação, para a delimitação do sítio, foram


abertas 87 sondagens de 1 m x 1 m, sendo 35 sistemáticas10. Foi selecionada,

10
No princípio da escavação, as sondagens foram abertas a intervalos de 10 m. No entanto, constatando-se as

247
ainda, uma área de 525 m2 para a realização de coleta de superfície. (cf. figura
4.5.2)

O material arqueológico encontra-se disperso numa área de


aproximadamente 92.300 m2, com materiais localizados desde a superfície até 80
cm de profundidade. No entanto, o predomínio do material ocorreu na superfície.

No geral, o sítio teve 0,663% de sua área trabalhada e 0,038% de sua


área escavada pelo método sistemático. (cf. tabela 4.3)

4.5.3 Perfil estratigráfico

Os perfis estratigráficos do sítio Laje possuem profundidades variadas,


sendo que os perfis rasos ocorrem nas cotas mais elevadas, aproximadamente
260 m, e os mais profundos em cotas em torno de 255 m (região mais próxima ao
rio Manso). São constituídos por duas camadas de solo com material arqueológico
associado. (cf. figura 4.5.1a)

A superfície do sítio arqueológico apresenta grande quantidade de


fragmentos coluvionares de tamanhos centimétricos.

Em cotas em torno de 260 m, têm-se perfis pouco espessos (cerca de 10


cm) constituídos por uma camada de solo sobreposta ao embasamento de rocha.
Essa camada possui textura arenosa compacta, cor amarela e grande quantidade
de fragmentos de características coluvionares. Possui espessuras variadas, sendo
que em alguns locais a rocha do embasamento aflora na superfície.

A espessura dos perfis vai aumentando na medida em que se aproxima do


rio Manso.

A primeira camada é constituída por solo de cor amarela, bastante


compacta, com grande quantidade de fragmentos angulosos. Sua espessura varia
de 70 cm a 50 cm.

dimensões do sítio, optou-se por aumentar a distância entre as sondagens para 20 m.

248
A segunda camada possui a mesma cor que a primeira, porém apresenta
fragmentos de até 10 cm de rocha alterada do embasamento (fititos e siltitos
foleados). Esporadicamente, observam-se, nesta camada, seixos rolados
alinhados, podendo representar influência fluvial nesta porção do sítio. Essa
camada limita-se pelo embasamento rochoso que se encontra parcialmente
alterado com fragmentos que se interpenetram no solo com material arqueológico.

A primeira camada foi dividida em até sete níveis artificiais de 10 cm. A


segunda camada foi dividida em até três níveis artificiais, e sua base é limitada
pela presença de rocha parcialmente alterada.

249
4.5.4 Análise do Material Lítico
O sítio Laje forneceu uma coleção de material lítico composta por 441
peças, coletadas desde a superfície até o nível 8 (70-80 cm). Foram encontradas
198 peças na superfície; 122 no nível 1; 36 no nível 2; 31 no nível 3; 25 no nível 4;
20 no nível 5; quatro no nível 6; três no nível 7 e duas no nível 8. Percebe-se que
mais de 72% do material encontra-se até os 10 primeiros centimetros de
profundidade.

Gráf. 4.5.1 - Distribuição por níveis

50
40
30
%
20
10
0
sup n1 n2 n3 n4 n5 n6 n7 n8

As matérias-primas encontradas foram: arenito, sílex, quartzo, magnetita,


hematita e siltito, sendo que essas duas últimas aparecem apenas em forma
bruta, não tendo sido transformadas.

Entre elas há o predomínio do arenito, 275 peças que estão representadas


nas cores branca, cinza, vermelha e amarela, seguida pelo sílex (163 peças, nas
cores branca, cinza, vermelha e amarela). O quartzo e a magnetita ocorrem em
pequena quantidade (duas e uma peças, respectivamente). Há evidências de
marcas de fogo sobre pequena parte do material de arenito e de sílex.

250
Gráf. 4.5.2 - M atéria prima
0,23

36,96 arenito
quartzo
sílex
62,36 magnetita

0,45

Em relação ao peso geral desse material tem-se: arenito – 23.540 g,


representando 85,35% do geral de material do sítio, sílex – 3.610 g, representando
13,21%, quartzo 225 g, representando 0,82%, siltito – 185 g, representando
0,67%; magnetita 15g, representando 0,05% e hematita – 5g, representando
0,02%.

Gráf. 4.5.3 - M atéria prima


0,05 0,67
0,82 13,21
arenito
0,02 hematita
quartzo
sílex
magnetita
siltito
85,35

Quanto à análise do material foram, classificados: 30 suportes modificados


por retoques, um núcleo unipolar, cinco instrumentos não-modificados, 263 lascas
unipolares (sendo uma de refrescamento), 96 lascas bipolares, 41 núcleos
bipolares e cinco produtos bipolares.

251
Gráf. 4.5.4 -Classes de material
6,8 1,13

detrito unipolar
detrito bipolar
32,2
suporte modificado por retoque
59,86 instrumento não modificado

Foram identificadas duas formas de lascamento, a unipolar e a bipolar,


presentes em todas as matérias primas, com exceção da magnetita.

4.5.4.1 Núcleo

O único núcleo encontrado, de arenito com granulação fina, sem córtex,


apresenta dois planos de percussão opostos, tendo saído duas lascas de cada
um: do plano A as lascas apresentariam talão liso, forma triangular e dimensões
máximas de 42 x 25 mm; do plano B as lascas destacadas apresentariam talão
liso, forma quadrangular ou teriam mais de quatro lados, e dimensões máximas de
24 x 35 mm.

4.5.4.2 Instrumentos retocados


Os 30 instrumentos retocados (15 em sílex e 15 em arenito) são descritos a
seguir:

LJ 172 (arenito 1) - (61 x 65 x 28 mm) - Lasca relativamente espessa, seção


triangular. Apresenta córtex cobrindo mais de 50 % da peça, principalmente na
extremidade proximal. Pela curvatura da superfície cortical é possível inferir que o
comprimento do seixo de onde provém a lasca teria, pelo menos, o dobro do

252
comprimento. Na extremidade distal é possível observar três retiradas, sendo que
uma delas forma um gume côncavo (Pc côncavo, 60o) (UTFt1); as outras duas são
seguidas por retoques diretos, curtos e longos, escalariformes, abruptos, formando
um gume convexo (Pc retilíneo, 80o; Pb côncavo, 80o) (UTFt2). No bordo esquerdo
existem retoques diretos, curtos, semi-abruptos, subparalelos, à custa da
superfície corticas, formando uma reentrância (Pc retilíneo, 45o; Pb retilíneo, 60o)
(UTFt3) (figuras 4.5.3a e 4.5.36).

LJ 45 (arenito 1) – (46 x 61 x 28 mm) - Fragmento de lasca, relativamente


espessa, seção trapezoidal. A extremidade proximal está fragmentada, formando
um dorso que, juntamente com o bordo direito, onde encontram-se retoques
abruptos, provavelmente foram utilizados para a preensão (UTFp). A peça
apresenta retoques por toda a periferia da extremidade distal e do bordo
esquerdo, onde foi possível observar três UTFs transformativas (figuras 4.5.3b e
4.5.8):
- UTFt1, formada por um gume retilíneo, localizado na extremidade distal
(Pc retilíneo, 65o; Pb convexo, 75o);
- UTFt2, dois grandes negativos, seguidos por retoques diretos, curtos,
abruptos, formam um ‘focinho’ na porção distal do bordo direito (Pc convexo, 75o;
Pb retilíneo, 85o);
- UTFt3; adjacente à anterior, na porção mesial, duas retiradas, de
dimensões menores, seguidas por retoques diretos, curtos, abruptos,
escalariformes, formam um bico menor, porém mais fino (Pc retilíneo, 60o; Pb
côncavo, 75o).

LJ 156 (arenito 2) – (42 x 44 x 22 mm) - Fragmento de lasca, seção


triangular. A face externa apresenta um negativo oriundo do mesmo plano de
percussão utilizado para o destacamento da lasca. Apresenta duas sequências de
retoques por toda periferia da peça (excetuando-se aquela que se encontra
fragmentada), ambas diretas, sendo que a primeira mostra retoques paralelos,
mais longos e menos abruptos. É possível identificar duas UTFs transformativas: a

253
primeira formada por um gume convexo na extremidade distal da peça (Pc
convexo, 65/70o; Pb retilíneo, 80o); a segunda formando uma reentrância na
porção mesial do bordo direito (Pc retilíneo, 45o; Pb retilíneo, 75o) (figuras 4.5.3c e
4.5.9).

LJ 02 (arenito 1) – (75 x 53 x 30 mm) – Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. Apresenta, na porção superior, paralela à face interna, dois negativos
anteriores ao destacamento da lasca; no bordo esquerdo também é possível ver
três retiradas anteriores. Próximo à extremidade distal desse mesmo bordo há
uma série de retoques inversos, curtos, paralelos, abruptos, tornando o gume
retilíneo (Pc retilíneo, 75o, Pb retilíneo, 80o) (UTFt1). Ainda na extremidade
proximal, devido a uma retirada na face interna, formou-se um gume em bisel (Pc
retilíneo, 80o) (UTFt2). O bordo direito apresenta uma série de retiradas que
formou um ‘focinho’, no entanto uma retirada na face interna deixou sua superfície
irregular (uma das reentrâncias poderia ter sido utilizada?) (figuras 4.5.4a e
4.5.10).

LJ 336 (sílex 2) – (37 x 48 x 35 mm) - Fragmento de lasca, seção


triangular. A face externa apresenta negativos de retiradas anteriores em ambos
os bordos, e negativos de retiradas após o destacamento da lasca na extremidade
distal, onde é possível identificar duas UTFs transformativas (figuras 4.5.4b e
4.5.11):
- UTFt1, abrangendo parte do bordo direito e da porção direita da
extremidade distal, onde os retoques diretos, curtos, escalariformes, abruptos
formam um ‘focinho’ (Pc retilíneo, 70o; Pb retilíneo, 80o);
- UTFt2, localizado na porção esquerda da extremidade distal, onde
retoques diretos, curtos, subparalelos e abruptos formam um gume retilíneo (Pc
convexo, 65o, Pb retilíneo, 80o).

LJ 468 (arenito 2) – (45 x 57 x 30 mm) - Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. A face externa apresenta reserva cortical (bloco) no bordo direito,

254
além de três negativos de retiradas anteriores ao destacamento da lasca, uma
delas paralela ao eixo de debitagem. Também é possível perceber que um
negativo na porção distal do bordo esquerdo, realizado após o destacamento da
lasca, forma um gume côncavo (Pc retilíneo, 50o, Pb retilíneo, 65o) (UTFt) (figuras
4.5.4c e 4.5.12).

LJ 458 (arenito 2) – (69 x 50 x 20 mm) - Seixo, seção elipsoidal, com três


retoques longos, semi-abruptos, paralelos, em um dos bordos e, posteriormente,
fragmentado, por flexão, em uma das extremidades, onde é possível perceber
mais alguns retoques, curtos, abruptos, subparalelos.. Um dos retoques (1) forma
um bordo côncavo (Pc retilíneo, 65o) (UTFt1), enquanto outro, próximo à quebra,
juntamente com os retoques ali existentes, formam um gume retilíneo (Pc
convexo, 75o) (UTFt2) (figuras 4.5.5a e 4.5.13).

LJ 459 (arenito 1) – (70 x 46 x 37 mm) – Fragmento de seixo, seção


triangular. Em uma das extremidades do bordo onde não há córtex é possível
perceber retoques curtos, escalariformes, abruptos, formando um gume convexo
(UTFt1). A extremidade oposta apresenta uma retirada na face interna,
transformando-a em bisel (UTFt2) (figuras 4.5.5b e 4.5.14),

LJ 437 (arenito 2) – (51 x 40 x 25 mm) - Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. A face externa apresenta reserva cortical (seixo) no bordo direito,
além de três negativos anteriores à retirada da lasca vindos de diferentes
direções. Também é possível perceber dois negativos, feitos após o destacamento
da lasca, um em cada bordo formando um bico na extremidade distal, sendo que
um negativo na face interna torna esse bico em forma de bisel (Pc retilíneo, 65o)
(UTFt1). Na extremidade proximal também é possível ver um negativo (feito após
a retirada da lasca), seguido por retoques diretos, curtos, abruptos,
escalariformes, formando um gume convexo (Pc côncavo, 70o, Pb retilíneo, 80o)
(UTFt2) (figuras 4.5.5c e 4.5.15).

255
LJ 361 (sílex 2) – (74 x 30 x 20 mm) - Fragmento de lasca, seção
trapezoidal. A face externa apresenta um negativo paralelo ao eixo de debitagem
da lasca. É possível observar duas sequências de retoques por toda a
extremidade distal e parte do bordo direito: a primeira com retoques diretos,
contínuos, longos, paralelos, abruptos; a segunda com retoques diretos,
descontínuos curtos, abruptos subparalelos, formando um gume convexo (Pc
retilíneo, 70o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt) (figuras 4.5.6a e 4.5.16).

LJ 417 (sílex 1) – (51 x 27 x 21 mm) – Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. Uma retirada em um dos bordos (1) forma uma reentrância (Pc
côncavo, 70o) (UTFt1). Na face superior, uma retirada (B) pode ser usada como
UTF preensiva (figuras 4.5.6b e 4.5.17).

LJ 38 (arenito 1) – (60 x 36 x 23 mm) - Lasca, seção trapezoidal, reserva


cortical na extremidade distal. A face externa apresenta retiradas em várias
direções, sendo que aquela existente no bordo direito vem do mesmo plano de
percussão utilizado para a retirada da lasca. Ainda nesse negativo, próximo ao
talão, é possível ver um retoque direto, curto, abrupto, formando uma reentrância
(Pc côncavo, 70o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt1). Adjacente a essa reentrância, é
possível observar retoques inversos, curtos, paralelos, semi-abruptos, formando
um gume levemente convexo (Pc côncavo, 55o; Pb retilíneo, 55o) (UTFt2) (figuras
4.5.6c e 4.5.18).

LJ 241 (sílex 1) – (48 x 48 x 22 mm) - Fragmento de lasca, seção triangular.


A face externa apresenta um negativo, anterior à retirada da lasca, vindo da
mesma direção em que a lasca foi retirada, e outros dois vindos de direções
diferentes. É possível perceber duas sequências de retoques por toda a periferia
da peça (exceção feita à parte fragmentada), ambas diretas, sendo que a primeira
conta com negativos mais longos e largos, mais abruptos no bordo esquerdo.
Foram identificadas as seguintes UTFs transformativas (figuras 4.5.6d e 4.5.19):

256
- UTFt1, na porção distal do bordo esquerdo, com a segunda sequencia de
retoques curtos, abruptos, subparalelos, avançam pela extremidade distal e
formam um gume convexo (Pc convexo, 65o, Pb retilíneo, 80o);
- UTFt2, na porção mesial do bordo esquerdo, onde retoques curtos, semi-
abruptos, subparalelos, formam um gume retilíneo (Pc côncavo, 60o, Pb retilíneo,
55o);
- UTFt3, na porção distal do bordo direito, com retoques curtos, semi-
abruptos, subparalelos, formando um outro convexo (Pc côncavo, 65o, Pb
retilíneo, 70o).

LJ190 (sílex 1) – (32 x 42 x 15 mm) - Lasca, seção trapezoidal. Apresenta,


na face externa, três retiradas vindas de, pelo menos, duas direções diferentes.
Na extremidade distal é possível ver dois negativos de retiradas feitas após o
destacamento da lasca, seguidas por retoques diretos, curtos, abruptos,
escalariformes passando a subparalelos na porção direita, que formam um gume
levemente côncavp (Pc côncavo, 60o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt1). No bordo direito,
próximo ao talão, observam-se negativos inversos, curtos semi-abruptos,
paralelos, que deixam o gume retilíneo (Pc côncavo, 50o; Pb retilíneo, 60o) (UTFt2)
(figuras 4.5.6e e 4.5.20).

LJ 400 (sílex 1) – (27 x 27 x 9 mm) - Fragmento de lasca, seção trapezoidal.


É possível observar duas retiradas anteriores vindas de um plano oblíquo ao
utilizado para o destacamento da lasca. Apresenta quebra na parte proximal e no
bordo direito, este último por flexão. O bordo esquerdo apresenta retoques diretos,
curtos e longos, subparalelos e abruptos, formando um gume côncavo (Pc
retilíneo, 45o, Pb retilíneo, 65o) (UTFt) (figura 4.5.7a).

LJ 32 (sílex 1) – (33 x 12 x 9 mm) - Fragmento de lasca, seção triangular.


Apresenta, na face externa, três retiradas anteriores, vindas de, pelo menos, duas
direções diferentes. No bordo direito, um retoque direto, abrupto, longo, forma uma
reentrância (Pc convexo, 80o) (UTFt1); adjacente a ela é possível perceber

257
retoques diretos, curtos, abruptos, subparalelos, formando um gume retilíneo (Pc
retilíneo, 75o) (UTFt2) (figuras 4.5.7b e 4.5.21).

LJ 247 (sílex 1) – (47 x 23 x 16 mm) - Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. Apresenta, na face externa, duas grandes retiradas, uma em cada
bordo. A do bordo esquerdo forma um gume côncavo (Pc retilíneo, 70o) (UTF1),
enquanto que a do direito é seguida por retoques diretos, curtos e longos,
escalariformes, abruptos, formando um gume retilíneo (Pc côncavo, 65o; Pb
retilíneo, 75o) (UTF2). A extremidade distal, devido a duas retiradas (uma na face
interna, outra partindo do bordo esquerdo) encontra-se em forma de bisel (Pc
convexo, 60o) (UTFt3) (figuras 4.5.7c e 4.5.22).

LJ 44 (sílex 1) – (31 x 25 x 11 mm) - Fragmento de lasca, seção trapezoidal.


Face externa apresenta três retiradas anteriores, vindas de plano de percussão
diferente daquele utilizado para o destacamento da lasca e que formam, no bordo
esquerdo, um dorso. No bordo direito e na extremidade distal encontram-se
retoques diretos, descontínuos, curtos, semi-abruptos, subparalelos, formando um
gume convexo (Pc retilíneo, 55o; Pb retilíneo, 70o) (UTFt) (figuras 4.5.7d e 4.5.23).

LJ 200 (sílex 1) – Lasca, seção trapezoidal, reserva cortical (bloco) no


bordo direito. A face externa apresenta três retiradas anteriores ao destacamento
da lasca, vindas de, pelo menos, dois planos de percussão diferentes. Na
extremidade distal é possível perceber uma primeira sequência de retoques
diretos, longos abruptos, seguida por uma outra com retoques também diretos,
curtos, abruptos, subparalelos, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 75o; Pb
retilíneo, 80o) (UTFt1); adjacente a ele, duas retiradas, seguidas por retoques
diretos, curtos, abruptos, escalariformes, formam um bico (Pc côncavo, 65o; Pb
retilíneo, 80o) (UTFt2) (figuras 4.5.7e e 4.5.24).

LJ 5 (arenito 1) - (81 x 40 x 35 mm) - Fragmento de lasca, seção triangular,


com pátina na extremidade proximal. Na face externa é possível observar

258
negativos anteriores à retirada da lasca, vindos de diferentes planos de percussão.
O bordo esquerdo apresenta um gume retilíneo natural, reforçado por retoques
diretos, curtos, escalariformes, abruptos (Pc retilíneo, 60o; Pb retilíneo, 75o)
(UTFt1); no direito há um negativo de retirada relativamente grande na porção
proximal formando uma reentrância (Pc côncavo, 65o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt2) e,
adjacente a ele, é possível observar retoques diretos, curtos, abruptos,
escalariformes, formando uma UTF preensiva (figuras 4.5.7f e 4.5.25).

LJ 356 (arenito 1) - (76 x 45 x 21 mm) - Fragmento de seixo, seção


trapezoidal, com uma de suas superfícies, relativamente plana, totalmente coberta
por córtex. As duas laterais da peça estão fragmentadas formando,
provavelmente, uma UTF preensiva. Em uma de suas extremidades há um
negativo relativamente grande, as custas da superfície cortical, seguido por
retoques curtos, subparalelos, semi-abruptos, formando um gume levemente
côncavo (Pc retilíneo, 55o; Pb convexo, 75o) (UTFt) (figuras 4.5.7g e 4.5.26).

LJ 163 (arenito 1) – (27 x 21 x 8 mm) - Fragmento de lasca, seção


triangular, fragmentada no bordo direito e na extremidade proximal. A face externa
mostra um negativo, oriundo do mesmo plano utilizado para o destacamento da
lasca. O bordo esquerdo apresenta retoques curtos, diretos, subparalelos e semi-
abruptos, formando um gume retilíneo, denticulado (Pc retilíneo, 50o) (UTFt)
(figura 4.5.27).

LJ 462 (arenito 1) – (54 x 51 x 14 mm) - Fragmento de lasca, seção


triangular. A face externa apresenta resto de córtex (bloco) no bordo esquerdo, e
um único negativo formando uma aresta que acompanha a direção do eixo de
debitagem. Na extremidade proximal é possível ver quatro negativos (que
retiraram o talão), seguidos por retoques inversos, curtos, abruptos,
escalariformes, formando uma reentrância (Pc retilíneo, 65o, Pb retilíneo, 80o)
(UTFt1). No bordo direito tem-se retoques inversos, contínuos, curtos e longos,

259
semi-abruptos e escalariformes, formando um gume irregular, denticulado (Pc
convexo, 40o, Pb retilíneo, 65o) (UTFt2) (figura 4.5.28).

LJ 499 (arenito 1) – (62 x 50 x 31 mm) - Lasca siret, relativamente espessa,


seção trapezoidal. Duas retiradas no bordo direito (justamente o que apresenta a
fratura siret) formam um ‘focinho’ (Pc convexo, 75o, Pb retilíneo, 80o) (UTFt1). No
bordo esquerdo há uma retirada grande, seguida por retoques diretos, curtos,
abruptos, escalariformes, formando uma reentrância (Pc côncavo, 75o) (UTFt2)
(figura 4.5.29).

LJ 558 (sílex 1) – (21 x 37 x 10 mm) - Lasca, seção triangular. Uma retirada,


a custa da face interna, realizada a partir do talão, forma uma reentrância (Pc
retilíneo, 45o, Pb, côncavo 75o) (UTFt1). A extremidade distal apresenta um fio
naturalmente aguçado (provável UTFt2) (figura 4.5.30).

LJ 357 (sílex 1) – (39 x 37 x 26 mm) – Fragmento de lasca, seção


triangular. Uma das faces externa apresenta dois negativos relativamente
grandes. Um deles formando um gume convexo (Pc côncavo, 55o, Pb côncavo,
75o) (UTFt1). Adjacente a ele é possível perceber retoques diretos, longos,
paralelos semi-abruptos, que formam um gume ligeiramente convexo (Pc côncavo,
75o) (UTFt2) (figura 4.5.31).

LJ 473 (sílex 2) – (41 x 34 x 22 mm) - Lasca, seção triangular, reserva


cortical (bloco) na extremidade proximal. Face externa totalmente patinada,
exceção feita a um negativo que, juntamente com outro negativo anterior, forma
um bico na extremidade distal, onde é possível notar retoques diretos, curtos,
abruptos, subparalelos (Pc convexo, 65o; Pb retilíneo, 75o) (UTFt). Os gumes,
naturais, dos dois bordos também poderiam ter sido utilizados (figura 4.5.32).

260
LJ 182 (arenito 2) – (47 x 46 x 14 mm) - Fragmento de lasca, seção
trapezoidal. A face externa apresenta três negativos vindos do mesmo plano de
percussão utilizado para a retirada da lasca. No bordo direito é possível perceber
retoques diretos, curtos, semi-abruptos, subparalelos, formando um gume
denticulado irregular (Pc convexo, 40o; Pb retilíneo, 60o) (UTFt) (figura 4.5.33).

LJ 403 (sílex 1) – (40 x 37 x 26 mm) – Fragmento de lasca, seção


trapezoidal. Dois negativos de retiradas, seguidos por retoques diretos, curtos,
abruptos, escalariformes, formam um focinho no bordo esquerdo (Pc côncavo,
65o; Pb retilíneo, 75o) (UTFt). Retoques no bordo oposto ajudariam na preensão
da peça (UTFp) (figura 4.5.34).

LJ 120 (sílex 1) – (30 x 43 x 17 mm) - Lasca de reavivagem de instrumento,


apresentando vários negativos na face externa, sendo que uma delas produz uma
reentrância (Pc côncavo, 80o; Pb convexo, 85o) (UTFt1) (figura 4.5.35).

Alguns dos instrumentos coletados ainda mantêm uma porção de córtex.


Naqueles fabricados em sílex o córtex remete à forma de bloco; quanto ao arenito,
é possível perceber a presença de córtex tanto de seixo como de bloco (este
último em menor quantidade).
Quanto à qualidade da matéria-prima, em geral ela se mostra boa: cerca de
76,7% dos instrumentos apresentam granulação fina, sendo que essa proporção é
maior no sílex (80 %) e menor no arenito (73 %).

Gráf. 4.5.5 - Qualidade do arenito Gráf. 4.5.6 - Qualidade do sílex

arenito 1 sílex 1
arenito 2 sílex 2

261
Os instrumentos apresentam dimensões bastante variadas: o maior
comprimento atinge 81 mm, a maior largura chega a 65 mm, enquanto a
espessura vai até 37 mm, sendo que aqueles de arenito se mostram um pouco
mais largos e espessos do que aqueles feitos em sílex.

Gráf. 4.5.7 - Dimensões dos instrumentos

70
60
50
larg (mm)

40 arenito
30 sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

Os suportes preferencialmente utilizados são as lascas (inteiras ou


fragmentadas), sendo que no arenito aparecem ainda, fragmentos de matéria-
prima. É possível perceber que esses últimos encontram-se entre aqueles que
apresentam maiores dimensões.

Gráf. 4.5.8 - Dimensões dos suportes

70
60
50
larg (mm)

40 frag mp
lasca
30
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

262
Os instrumentos podem apresentar seções tanto trapezoidal
(predominantemente) como triangular ou elipsoidal, sendo que esta última aparece
em apenas um instrumentos.

Foram definidos os seguintes tecno-tipos (cf. quadro 4.7): UTF em coche


sobre suportes com um dorso, sobre suportes com dois dorsos adjacentes, com
uma estrutura central e sobre estruturas não definidas; UTF em coche dupla sobre
suportes com um dorso; UTF convexa sobre suportes com dois dorsos adjacentes,
sobre um dorso oposto, e sobre estrutura central; UTF retilínea sobre todos os
tipos de suportes, exceção feita ao suporte com extremidade cortical; UTF em
focinho sobre suporte com estrutura central e sobre suporte com dois dorsos
adjacentes, e UTF em bisel, sobre suporte com estrutura central.

4.5.4.3 Lascas

Foram coletadas 262 lascas (para proporção de matéria-prima e análise


das variáveis das lascas, ver tabelas 4.8 e 4.8a), sendo 122 em arenito, 139 em
sílex e apenas 1 em quartzo.

0,38
Gráf. 4.5.9 - Matéria-prima

sílex
arenito
46,53 quartzo

53,05

263
Em relação às de arenito, 59 apresentam córtex, sendo 58 de seixo e uma
de bloco; já as de sílex 22 apresentam córtex, sendo 21 de seixo e apenas uma de
nódulo.
Quanto às dimensões das lascas, podemos perceber que as de arenito e as
de sílex apresentam dimensões que variam semelhantemente, enquanto que a de
quartzo apresenta dimensões menores.

Gráfico 4.5.11 Gráfico 4.5.12

Gráfico 4.5.13 Gráfico 4.5.14 Gráfico 4.5.15

264
A grande maioria das lascas de arenito apresenta dimensões muito
superiores àquelas encontradas nos negativos do único núcleo coletado no sítio.

Gráf. 4.5.16 - Dimensões das lascas e dos negativos do


núcleo

80
70
60
larg (mm)

50
lasca
40
neg núcleo
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)

Em relação aos suportes utilizados para a confecção dos instrumentos,


pode-se perceber que, enquanto as dimensões daqueles feitos de arenito
praticamente coincidem com as dimensões das lascas dessa mesma matéria-
prima, o mesmo não acontece com os instrumentos de sílex, que apresentam
dimensões superiores às das lascas.

Gráf. 4.5.17 - Dimensões das lascas e dos instrumentos -


arenito

80
70
60
larg (mm)

50
lasca
40
instrumento
30
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

265
Gráf. 4.5.18 - Dimensões das lascas e dos instrumentos - sílex

60

50

40

larg (mm)
lasca
30
instrumento
20

10

0
0 20 40 60 80
comp (mm)

4.5.4.4 - Lascas bipolares

Foram coletadas 96 lascas bipolares: duas em sílex, uma em quartzo e 93


em arenito.

2,09 Gráf. 4.5.19 - M atéria prima

1,04

arenito
quartzo
sílex

96,87

Aquelas em quartzo e sílex mostram córtex de seixo, o mesmo


acontecendo com 83 em arenito. Há uma grande variação nas dimensões, com
alguma chegando ao comprimento máximo de 93 mm e largura de 54 mm.

266
Gráf. 4.5.20 - Dimensões das lascas bipolares

60

50

40
areniyo

larg (mm)
30 quartzo

20 sílex

10

0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)

4.5.4.5 – Núcleos bipolares

Foram coletados 41 núcleos bipolares, sendo todos em arenito. Dez deles


apresentam córtex, todos de seixo. As dimensões também são bem variadas, com
alguns deles chegando a atingir mais de 110 mm de comprimento, e outros com
mais de 60 mm de largura.

Gráf. 4.5.21 - Dimensões dos núcleos bipolares

100
80
larg (mm)

60
40
20
0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)

267
4.5.4.6 - Instrumentos não-modificados
Foram coletados cinco instrumentos nesta categoria: sendo um do tipo
bigorna três do tipo percutor, todos em arenito, além de uma peça duvidosa, em
magnetita
A bigorna mede 65 mm x 60 mm x 42 mm e pesa 240 g.
Quanto aos percutores, um, em seixo de forma oval, apresenta desgaste
em uma das extremidades e no centro. Mede 63 mm X 51 mm X 42 mm e
pesa190 g. Outros dois percutores encontram-se fragmentados.
A peça em magnetita apresenta nítidas ranhuras em um sentido, podendo
ser um polidor. Também poderia ter sido raspado e servido de matéria-prima para
corante, já que produz riscos uma cor avermelhada.

4.5.4.7 Fragmentos de lascas unipolares


Foram classificados nessa categoria todas as lascas que não apresentavam
porção proximal, que totalizam 55 g de quartzo, 1.510 g de arenito e 1.045 g de
sílex, representando 9,6 % do peso de todo material coletado.

4.5.4.8 Fragmentos de matéria-prima


Todo o material que não apresentava vestígio de lascamento foi introduzido
nessa categoria. No total foram registrados 195 g de quartzo, 11.575 g de arenito
e 945 g de sílex, que representam 46,9% do peso total do material coletado.

Em resumo, podemos perceber que tanto o arenito como o sílex foram


utilizados para a confecção dos instrumentos retocados, havendo predominância
do arenito. Outras matérias-primas também estão presentes no sítio (quartzo e
magnetita), porém não foram utilizadas para a confecção de instrumentos desse
tipo.

268
O sílex como o arenito foram utilizados na forma de seixo e de bloco, sendo
que o sílex aparece, ainda, em forma de nódulo. Para o arenito há um maior uso
do seixo, havendo presença de córtex desse tipo em um grande número de
lascas. Já para o sílex, nas lascas há o predomínio do seixo, enquanto que os
instrumentos que apresentam córtex remetem ao uso do bloco (isso poderia
levantar a questão de o sílex de bloco ser trabalhado fora do sítio, sendo levado
para lá apenas os instrumentos acabados).
A lasca foi o tipo de suporte preferencialmente utilizado: é o único tipo que
aparece no sílex, enquanto que no arenito aparece, também, o fragmento de
matéria-prima.
Muitas lascas de arenito apresentam dimensões superiores àquelas
encontradas nos negativos do único núcleo coletado. As maiores lascas têm
dimensões praticamente coincidentes com as dos suportes utilizados para a
confecção dos instrumentos. Já alguns instrumentos confeccionados em sílex
apresentam dimensões superiores às das maiores lascas encontradas no sítio.
Ainda em relação à essa matéria-prima, as lascas sem córtex são a grande
maioria, havendo, também, um números significativo daquelas com uma pequena
reserva cortical, sendo que ambos os tipos apresentam as mais variadas
dimensões (fato que segue na direção de o sílex ter sido, pelo menos nas etapas
iniciais de debitagem, trabalhado fora do sítio).
Já em relação ao arenito, as lascas sem córtex continuam sendo maioria,
porém não de forma tão ampla: é possível perceber um maior número de lascas
totalmente e semi-corticais, além daquelas que apresentam dorso. Isso pode
indicar que as atividades de debitagem, desde o seu início, fossem realizadas no
sítio (ressalvando-se o fato de apenas um único núcleo ter sido coletado).
É interessante notar que algumas lascas com dorso cortical, principalmente
de arenito, estão presentes na coleção, podendo estar diretamente relacionadas
aos instrumentos, também presentes, que apresentam dorso desse tipo.
Há uma grande quantidade de material bipolar de arenito que, ao que
parece, não foi utilizado para a confecção dos instrumento. Talvez tenham servido
para abertura de seixo ou para teste de matéria-prima.

269
Predominam no sítio UTFs transformativas em coche e UTFs
transformativas retilíneas (ambas com recorrência sobre suportes com superfície
central plana). Os suportes predominantes são aqueles cuja estrutura apresenta
uma superfície central.

270
4.6 RESUMO DA ANÁLISE

Conforme pôde ser visto no material lítico lascado analisado, o sílex e o


arenito são as matérias-primas que aparecem em maiores quantidades.
Enquanto na camada superior dos sítios Estiva 2 e São José há predominância
do sílex, os sítios Laje e Pedreira apresentam uma maior quantidade de
arenito, sendo que nesse último a porcentagem encontrada dessa matéria-
prima chega a pouco mais de 90% do total de peças coletadas. Nos demais
sítios há praticamente uma equivalência entre ambas: ligeira maioria de sílex
na camada inferior dos sítios Estiva 2 e São José,sendo que no sítio Buriti essa
situação se inverte.
O quartzo aparece em pequenas proporções (menos de 3 %) em todos
os sítios (exceção feita à camada superior do São José, onde ele está
ausente), enquanto outras matérias-primas (siltito, argilito, magnetita)
aparecem somente em alguns sítios e em proporções ainda menores.

Matéria-prim a x sítio

100
90
80 arenito
70 sílex
60 quartzo
50
%

argilito
40
30 siltito
20 magnetita
10 0,23
0
Es2 - c1 Es2 - c2 SJ - c1 SJ - c2 Pe Bu Lj

Em todos os sítios as peças estão, em sua grande maioria, associadas


ao trabalho de lascamento unipolar. Apenas nos sítios Buriti e Laje (onde o
arenito é a matéria-prima predominante) foi possível perceber uma grande
quantidade (mais de 30 %) de peças ligadas ao lascamento bipolar.

271
Form a de trabalho do m aterial x sítio

100
90
80
70 unipolar
60 bipolar
50
%

polido/picoteado
40
30 não-modificado
20
10
0
Es2 - c1 Es2 - c2 SJ - c1 SJ - c2 Pe Bu Lj

Em todos os sítios as lascas sempre foram os suportes


preferencialmente utilizados para a confecção dos instrumentos retocados (dos
119 instrumentos coletados apenas 14 utilizam fragmentos de matéria-prima,
outros dois utilizam lasca bipolar e apenas um núcleo é retomado como
suporte). Os núcleos de onde vieram essas lascas foram encontrados em
pequena quantidade: apenas no sítio Pedreira e na camada superior do sítio
Estiva 2 foi possível coletar uma quantidade razoável (dez em cada um deles).
Todos eles foram caracterizados como pertencendo ao sistema de
debitagem C (cf item 2.3.2): em geral apresentavam duas sequências de
lascamento, que não interagiam (uma não era dependente da outra), sendo
destacadas em cada sequência, na maioria das vezes, de duas a três lascas
que apresentavam dimensões mais ou menos semelhantes.
Pelo cruzamento da quantidade de núcleos, dimensões dos últimos
negativos que podem ser ali observados, dimensões e presença de córtex nas
lascas, além das dimensões dos instrumentos, foi possível levantar hipóteses
sobre quais etapas da cadeia operatória de confecção dos instrumentos foram
realizadas nos sítios.
Quanto aos instrumentos retocados, foram coletados um total de 119
peças (variando de seis na camada inferior do Estiva 2 e na camada superior
do São José, até 41 na camada superior do Estiva 2), sendo que o sílex foi a
matéria-prima mais utilizada para a confecção desses instrumentos (70),
seguida pelo arenito (48), e pelo quartzo (apenas uma peça).

272
Instrumento retocado x matéria-prima

0,84

40,34
sílex
arenito
quartzo
58,82

O Pedreira foi o único sítio onde apenas uma matéria-prima (o arenito)


foi utilizada para a confecção dos instrumentos (devido, conforme a hipótese
levantada, à procura de instrumentos com grandes dimensões, e os grandes
blocos / seixos de sílex não apresentarem boa qualidade para o lascamento).
No Estiva 2, tanto na camada superior como inferior, assim como no Buriti e na
camada superior do São José, é possível perceber certa preferência pela
utilização do sílex.

Matéria-prima x sítio (instrumentos)

35
30
25 arenito
20
sílex
15
10 quartzo
5
0
Lj Bu Sj c1 Sj c2 Est2 c1 Est2 c2 Pe

273
Matéria-prima x sítio (instrumentos)

100%
80%
quartzo
60%
sílex
40%
arenito
20%
0%
Lj Bu Sj c1 Sj c2 Est2 c1 Est2 c2 Pe

No geral, a qualidade da matéria-prima, utilizada para a confecção dos


instrumentos retocados, é boa, apresentando granulação fina. É interessante
notar que no Buriti todos os onze instrumentos foram feitos com matéria-prima
que apresenta essa característica.

Qualidade da matéria-prima (instrumentos) x sítio

30
25
20
mp boa
15
mp ruim
10
5
0
Lj Bu Sj c1 Sj c2 Est2 c1 Est2 c2 Pe

Variedade da matéria-prima x qualidade x sítio (instrumentos)

100%

80% quartzo hialino


sílex 2
60%
sílex 1
40%
arenito 2
20% arenito 1
0%
Lj Bu Sj c1 Sj c2 Est2 c1 Est2 c2 Pe

274
Os instrumentos encontrados no Pedreira são os que apresentam as
maiores dimensões. É possível observar, também, que alguns poucos
coletados na camada superior do Estiva 2 apresentam larguras avantajadas

Dimensões dos instrumentos x sítio

180
160 Buriti
140 Estiva2 - sup
120
Estiva2 - inf
larg (mm)

100
Laje
80
Pedreira
60
40 São José - sup
20 São José - inf
0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)

Os instrumentos de arenito apresentam as maiores dimensões. O único


de quartzo está entre os menores.

Dimensões dos instrumentos x matéria-prima

180
160
140
120
larg (mm)

arenito
100
quartzo
80
60 sílex
40
20
0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)

275
Esses instrumentos foram organizados em tecno-tipos, definidos pelo
cruzamento da estrutura do suporte com o tipo de retoque (cf. ‘Convenções’ –
volume 2). Isoladamente, a UTF que mais aparece é o retilíneo, seguido pela
coche

Tipos de retoque

3,37%
coche
11,24% 28,65%
coche dupla
convexo
retilíneo
35,96% 7,30%
focinho
13,48% bisel

Já as estruturas de suporte mais comum é aquela que apresenta uma


superfície.

Estrutura dos suportes

16,85% 2 dorsos adjacentes


25,84%
1,12% um dorso
2 dorsos //
superfície
29,21% extremidade
24,16% não id
2,81%

Com o cruzamento dessas duas variáveis foi possível definir um total de


21 tipos (cf. quadro 4.11), sendo que o instrumento mais comum foi aquele que
apresenta um dorso oposto a um gume retilíneo (19 peças), seguido por aquele
com uma superfície e retoque retilíneo (17 peças) e dois dorsos adjacente com
uma coche (16).

276
As estruturas com um dorso e as com superfície foram as únicas que
receberam todos os tipos de retoques. As com um dorso recebem,
preferencialmente, retoques retilíneos, enquanto os suportes não definidos (em
geral pequenas lascas) recebem mais o retoque retilíneo e a coche (aquelas
com dois dorsos paralelos aparecem em pequeno número e receberam só dois
tios de retoques).

Estrutura do suporte x tipo de retoque

90
80
70
60
50 coche
%

40
30 c. dupla
20 convexo
10
0 retilíneo

)
focinho
)

0)
)
3)

2)

=2
46

=5

=3
=4

=5

(n
n=

(n

(n
(n

(n
bisel

e
j(

//

ad

f.
o

e
ad

os

de
rs

ci

id
rfí
rs
do
os

o
do

pe


tre
rs

su
do

ex
2

Já quanto aos retoques também não foi possível tirar muitas relações: o
retoque em focinho utiliza a menor variedade de estruturas, enquanto é
possível ver que o convexo preferencialmente é feito em estruturas que
apresentam uma superfície (o mesmo acontecendo com o bisel, porém esse
tipo aparece em pequena quantidade), e a coche dupla em estruturas não
identificadas.

Tipo de retoque x estrutura do suporte

90

80

70
2 dorsos adj
60 1 dorso
50 2 dorsos //
%

40 superfície

30 extremidade
não def.
20

10
0
coche c. dupla convexo retilíneo nariz bisel (n=6)
(n=51) (n=13) (n=24) (n=64) (n=20)

277
A relação entre tipo de retoque e matéria-prima, não é muito evidente:
há apenas uma pequena preferência de retoques retilíneos e em focinho no
sílex, e de retoques convexos no arenito.

Tipo de retoque x matéria-prima

45
40
35
30
25 arenito
%

20 sílex
15
10
5
0
eo
a

l
e

o
o

se
pl
ch

nh
ex

ín

bi
du
co

til
nv

ci
re

fo
c.

co

Já a relação matéria-prima / estrutura do suporte aparece mais clara: as


peças com dois dorsos adjacentes são preferencialmente feitas com arenito,
enquanto utiliza-se mais o sílex para a confecção daquelas que tem apenas
um dorso, ou as que não foram identificadas (em geral pequenas lascas).

Estrutura do suporte x matéria-prima

45
40
35
30
25 arenito
%

20 sílex
15
10
5
0
.
j

//

ie

id
e
ad

rs

ad
os

íc

o
do
os

rf

id


rs

pe

em
rs

do
1

su
do

tr
2

ex
2

278
A distribuição por sítios mostra que as UTFs retilíneas e em coche
predominam (cf quadros 4.11 e 4.12).
As primeiras aparecem associadas, predominantemente, tanto com
estruturas que apresentam um dorso oposto (caso de ambas as camadas do
Sítio São José), superfícies centrais (São José, camada inferior, Buriti e Laje),
como a suportes com estrutura não definida (camada superior do Estiva 2).
Á as coches aparecem associadas predominantemente às estruturas
que apresentam dois dorsos adjacentes (camada superior do Estiva 2) e
estruturas com superfície central (Pedreira e Laje).

279
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A área escolhida para o desenvolvimento da nossa pesquisa foi aquela


afetada pela construção da UHE Manso, localizada a cerca de 80 km a nordeste
de Cuiabá (MT). Essa área se mostrou muito rica em termos arqueológicos,
apresentando grande quantidade de sítios com material lítico, além de várias
fontes de matéria-prima para a confecção desse material lascado, o que nos
pareceu, portanto, interessante para estudar o tema proposto.
Uma vez que na área, assim como nas suas proximidades, muito pouco
trabalho arqueológico havia sido realizado, sabia-se muito pouco sobre a pré-
história da região.
Iniciamos, portanto, traçando, de uma maneira sintética, como havia se
dado a ocupação pré-histórica na região próxima à área de estudo (delimitada por
nós pela intersecção do Planalto Central com a região Centro-Oeste), uma vez
que esse entorno já havia sido alvo de várias pesquisas, iniciadas na década de
1970, que proporcionaram a elaboraração do seguinte quadro de ocupação:
- um período mais antigo, denominado de paleoíndio, que se inicia por volta
de 11.000 AP e se estende até cerca de 8.500 AP, e onde aparecem, como
fósseis-guias, os artefatos plano-convexos;
- um período intermediário, arcaico, onde os instrumentos unifaciais bem
acabados desaparecem, sendo substituídos por instrumentos menos elaborados,
com uma indústria mal definida;
- e o ceramista, surgindo por volta de 2.500 AP, primeiro com uma
horticultura incipiente, caracterizado pela Tradição Una, onde a indústria lítica,
abundante, é composta por instrumentos trabalhados sobre lascas grandes, com
retoques bifaciais, e, depois, por grupos agricultores, habitantes de grandes
aldeias (fases Aratu e Uru, principalmente), onde o material lítico aparece em uma
quantidade extremamente pequena, o que levou a criar a idéia de que a
fabricação de instrumentos lascados fosse, nesse período, uma atividade casual.

280
Esse quadro foi elaborado, seguindo uma perspectiva histórico-cultural, a
partir principalmente da tipologia dos instrumentos. Apesar de a tipologia ser uma
poderosa ferramenta de descrição, permitir a síntese de dados em uma escala
regional e oferecer métodos para investigar áreas desconhecidas, ela pode ser
alvo de várias críticas: a principal é que, levando-se em conta apenas o
instrumento acabado, ou seja, apenas a fase final das operações técnicas, ela é
incapaz de abarcar o conjunto de conhecimentos posto em prática para se chegar
ao objeto.
Ou seja, o objeto não pode traduzir, por sua forma exterior, o tipo de
intencionalidade que foi investido por seu autor para confeccioná-lo. Portanto, é
preciso ir além do simples reconhecimento das formas, pois uma mesma forma
pode resultar de conhecimentos diferentes.
Só a consideração do objeto como objeto técnico é suscetível de dar
acesso a uma inteligência da técnica. Essa inteligência é definida através da
reconstrução do sistema (onde é preciso, para determiná-lo, fazer um cruzamento
dos usos, dos objetos e das matérias-primas), e pelas relações desse sistema
com outros componentes estruturais de uma sociedade.
Assim, passamos a estudar os objetos através da tecnologia, sendo que o
material lítico se presta muito bem a esse tipo de análise, uma vez que as rochas
guardam os estigmas de lascamento, estigmas, esses, que são resultantes de leis
universais de fraturação.
Além disso, a técnica pode ser estudada como um sistema, o que significa
que é possível formalizar as relações que ela mantém com outros domínios, tais
como o social, o econômico e o simbólico.
É essa abordagem sistêmica que permite, através da cadeia operatória, a
análise da produção do instrumental lítico. Tentamos, no presente trabalho,
identificar, para cada um dos sítios, quais matérias-primas foram utilizadas, assim
como quais etapas do processo de debitagem eram ali realizadas.
O material indicou que apenas em dois sítios (Pedreira e Estiva 2 - camada
inferior) todas as etapas de debitagem eram ali realizadas; isso também poderia
ocorrer nos sítios Laje e São José (camada superior) porém só em relação ao

281
arenito (com o sílex, provavelmente, as atividades iniciais eram realizadas fora do
sítio). Na camada inferior do Estiva 2 é provável que os núcleos maiores tenham
sofrido as atividades iniciais de debitagem fora do sítio, sendo que para o restante
do material todas as etapas ocorreriam dentro do assentamento. Já para o Buriti e
a camada inferior do São José é provável que só os suportes tivessem sido
levados para o sítio, e lá fossem retocados.
Também procuramos perceber que tipo de instrumento era procurado pelos
antigos artesãos.. Para isso, estudamos os instrumentos considerando-os como
uma entidade mista (o objeto strictu sensu e o esquema de utilização associado).
Partimos do pressuposto que sua fabricação não é feita ao acaso e, uma vez que
existem esquemas de produção, existem, necessariamente, esquemas de
funcionamento (de acordo com Rabardel (1995) o esquema de funcionamento é a
razão da existência do instrumento).
Para a realização desse estudo o instrumento foi decomposto em duas
partes: uma preensiva, que permite que o instrumento funcione; e uma
transformativa, que atua na matéria a ser trabalhada (uma terceira parte,
denominada de receptiva de energia, que põe o instrumento em funcionamento,
está, no presente estudo, sempre sobreposta à preensiva).
Cada uma dessas partes é constituída de uma ou de várias Unidades
Técno-Funcionais (UTFs), definidas como um conjunto de elementos e/ou
características técnicas que coexistem em uma sinergia de efeitos.
Essas UTFs são determinadas através da evidenciação da organização das
retiradas, e foram identificados nos instrumentos através dos ‘planos de corte’ e
‘planos de bico’.
Pelo cruzamento dos tipos UTFs com as estruturas dos suportes utilizados
foi possível definir 21 tecno-tipos (cf. quadro 4.11).
Apesar de não haver uma grande padronização (não é possível perceber
uma forte relação direta entre os suportes e os tecno-tipos, ou mesmo entre a
estrutura do suporte e as UTFs), não se pode negar que não haja uma lógica na
confecção desses instrumentos, e que essa lógica encontra-se dentro de um
determinado sistema técnico.

282
Por fim, pretendemos caracterizar esse sistema técnico e estudar a sua
evolução. Para isso utilizamos a idéia de Simondon (1969) que o objeto evolui de
um estado ‘abstrato’, onde os elementos estão justaposto, para um ‘concreto’,
onde os elementos encontram-se integrados, fundidos em uma sinergia de formas.
Nesse estado concreto o objeto técnico pode se tornar tão especializado que não
pode ser modificado para responder às menores modificações, seja de função,
seja do ambiente.
A compreensão de um objeto técnico passa pelo reconhecimento de sua
gênese, que pode ser analisada no plano sincrônico (o objeto é considerado como
indivíduo entre um conjunto de objetos; um indivíduo que tem uma especificidade)
e diacrônico (o objeto está em relacionado com os objetos que lhe são anteriores,
ou seja, estuda-se a dimensão evolutiva do objeto e do próprio sistema).
Para o estudo do plano diacrônico Deforge (1985) desenvolveu a noção de
linha genética, que é constituída por objetos que têm a mesma função de uso e
utilizam o mesmo princípio.
Assim, pretendemos perceber a evolução técnica do material lítico lascado
principalmente a partir dos núcleos. Boeda (Boeda et al. 2005) estabeleceu uma
escala que compreende cinco níveis capazes de responder à uma demanda de
instrumentos cada vez mais estruturadas, sendo agrupadas em dois subconjuntos:
- o primeiro é composto por sistemas técnicos de produção que só
necessitam de uma parte do bloco para realizarem seus objetivos, sendo que o
restante não desempenha nenhum papel técnico. Também as características
tecno-funcionais procuradas são limitadas à uma parte dos suportes retirados;
- o segundo agrupa os sistemas técnicos de produção que necessitam da
integralidade do bloco para realizarem seus objetivos. Ali os suportes produzidos
são cada vez mais próximos dos futuros instrumentos.

Pela análise do material foi possível constatar que todos os núcleos


pertencem ao último nível do primeiro subconjunto, denominado de nível ‘C’,
onde:

283
- o lascador vai, simultaneamente, levando em conta duas superfícies: a
superfície de debitagem e a superfície de percussão;
- a superfície de debitagem apresenta os critérios técnicos de convexidade
comuns a toda debitagem de retiradas pré-determinadas; para isso, o lascador
poderá utilizar dois tipos de superfície: seja uma superfície natural apresentando
todos os critérios técnicos procurados, seja uma antiga superfície de debitagem
preenchendo de novo todos os critérios técnicos necessários à obtenção de uma
nova série;
- quanto à superfície de percussão, ela pode ser igualmente uma superfície
natural ou organizada para preencher as condições de fraturação e de controle da
onda de choque provocado pelo percutor.
As restrições internas de tal estrutura de núcleo, em função das
necessidades de determinados instrumentos do lascador e dos acasos da
debitagem, fazem com que, mesmo se o lascador o deseje, a produção de um
algoritmo dado sobre um mesmo bloco não seja sempre possível.

A debitagem C responde à organização de certo número de critérios


técnicos específicos. Esses critérios são organizados à custa do volume inicial do
bloco bruto de matéria-prima sem o reestruturar inteiramente. Mas a inicialização
do núcleo C se dá somente sobre uma parte do bloco inicial. Geralmente a
superfície de debitagem é escolhida em função de seus critérios de convexidade
natural, afim de que não seja necessário organizá-los. Só a superfície de
percussão é organizada em função da superfície de debitagem. O lascador
introduz uma estrutura seguindo critérios técnicos precisos que agirão em sinergia
para obter o resultado previsto.
Em certos casos, quando a morfologia do bloco permite, é possível efetuar
numerosas séries de retiradas (na coleção analisada, em apenas alguns poucos
núcleos foi possível perceber mais de três séries de retiradas); mas não é porque
a debitagem continua que se obtém uma sinergia entre o bloco suporte e o
núcleo. Com efeito, as sequências operatórias são independentes uma das outras.

284
Da mesma forma que os núcleos não apresentam uma padronização (sua
forma está diretamente ligada à forma do bloco utilizado), os artefatos também
não apresentam (como pôde ser visto pelos tecno-tipos definidos1). Há uma
variação grande dentro de cada um dos tipos, além de algumas peças ficarem
sem grupos definidos.
É interessante notar, também, que não é possível notar nenhuma evolução
no sistema técnico: tanto os sítios mais antigos (a camada inferior do Estiva 2,
com datas de até 6.000 AP, a camada inferior do sítio São José e, provavelmente,
os sítios Buriti, Pedreira e Laje) como os mais recentes, com presença de
cerâmica, apresentam o mesmo sistema, denominado de C.
Pela análise dos instrumentos do sítio Estiva 2 poderíamos tentar identificar
alguma evolução, uma vez que foi mais fácil de perceber alguma padronização
dos suportes na camada superior, fato que não ocorreu na camada inferior (não
acreditamos que tal fato se deva pela pouca quantidade de instrumentos ali
coletados, uma vez que a camada superior do sítio São José apresenta a mesma
quantidade de instrumentos e não encontramos esse tipo de problema). Ou seja,
os instrumentos parecem ser mais abstratos ainda (quem sabe seja o início do
sistema C?). No entanto, nos núcleos não é possível notar nenhuma diferença.
É importante notar, no entanto, que em vários outros sítios cerâmicos
pesquisados na mesma região foram encontradas quantidades significativas de
núcleos discóides e piramidais, pertencentes a um sistema mais avançado (D) (cf.
S. Viana, comunicação pessoal). A padronização dos instrumentos nesses
mesmos sítios, no entanto, ainda não parece se mostrar tão definida.
Assim, apesar de no material analisado por nós não ser possível perceber,
com o passar do tempo, nenhuma evolução clara, isso é perceptível pela presença
desses núcleos, conforme visto acima.
E quanto ao que aparece antes? Qual seria a relação desse material com
aquele associado ao paleoíndio?

1
As únicas exceções são as peças que poderiam servir de suporte para a confecção de plano-convexos,
encontrados no sítio Buriti e na camada inferior do sítio São José, além do próprio plano convexo encontrado
nessa mesma camada.

285
Vários autores (Schmitz, 1981a, 1981b, entre outros) já haviam percebido a
ruptura que existe entre a indústria do período paleoíndio e a do arcaico, notada,
principalmente pelo desaparecimento dos artefatos plano-convexos. Ou seja, no
paleoíndio havia instrumentos mais padronizados, certamente pertencentes a um
sistema mais ‘evoluído’ que o C, e que bruscamente desaparecem.
Discutiremos, rapidamente, dois pontos: a questão da padronização dos
instrumentos e a do seu desaparecimento brusco. Para isso utilizaremos o
trabalho de Fogaça (2001) desenvolvido na Lapa do Boquete norte de Minas
Gerais (área que, apesar de não se localizar na região Centro-Oeste, pertence ao
Planalto Central), trabalho pioneiro não só pela fina análise tecnológica realizada
no material, mas também pela introdução de idéias como ‘concepção volumétrica
do utensílio’, ‘adequação do instrumento a diferentes formas de preensão’,
‘movimento de utilização do instrumento’, além da utilização dos conceitos,
propostos por Simondon (1969) de objeto técnico abstrato e concreto.
As análises tecnólógicas realizadas por Fogaça (2001) demonstraram
indiscutíveis variabilidades entre os instrumentos plano-convexos, que podem ser
percebidas através de dois pontos: 1) criação de estruturas volumétricas distintas,
com seções triangulares, trapezoidais ou semi-elipsoidais, e 2) estratégias
utilizadas para a reestruturação dos instrumentos, causando mudanças de
volume, massa e forma, reestruturação que tinha por objetivo prolongar a vida útil
do suporte.
Assim, o que comumente são chamados de ‘artefatos plano-convexo’ na
verdade são suportes unifaciais: são matrizes que podem ser organizadas em
diferentes instrumentos (ou seja, podem receber diferentes UTFs transformativas
ao longo do seu bordo).
São essas matrizes que apresentam certa padronização, o que demanda,
também, uma padronização do núcleo para a retirada desses suportes2.
Ainda de acordo com Fogaça (conforme pode ser visto em Boeda et al.,
2005), é possível ver nesses instrumentos sinais de ‘concretização’:
interdependência das UTFs transformativas produzindo uma ação em sinergia,

286
imposição de um modo de preensão, e impossibilidade de se reorganizar o
instrumento sem que suas características técnicas predeterminadas sejam
modificadas.
Esse é, sem dúvida, um sistema mais ‘concreto’ do que o descrito no
presente trabalho, e que poderia ser classificado de sistema ‘D’.
Não há dúvida, também, que, em um determinado momento, esse sistema
para de ser utilizado. Ainda de acordo com o trabalho de Fogaça (2001, gráfico
3.1) é possível perceber a diminuição, porém gradual, da frequencia com que os
instrumentos aparecem: na camada VIII, a mais antiga da lapa do Boquete
(datação de 12.070 AP, para a base da camada), aparecem 17, diminuindo para
seis na camada VII (cerca de 10.000 AP), e apenas um na camada VI (cerca de
8.500 AP).
A proporção desses instrumentos em comparação ao que ele denominou
de ‘instrumentos de ocasião’3, também vai diminuindo gradualmente: na camada
VIII a proporção é de 1:1,9; na camada VII diminui para 1:10,8 , enquanto que na
camada VI é de 1:36,0 4. Ou seja, parece que essa ruptura não se deu de
maneira tão brusca

Para concluir, podemos perceber que a explicação para essa mudança no


sistema de debitagem está, em geral, associada a uma adaptação às mudanças
sofridas no ambiente, como é o caso da transição do paleoíndio para o arcaico,

2
Infelizmente no material analisado por Fogaça (2001) não foi possível relacionar nenhum núcleo à
fabricação desses suportes.
3
Uma crítica que pode ser feito ao trabalho de Fogaça (2001) é quanto a definição de ‘instrumentos de
ocasião’: suportes não planejados antecipadamente, nem submissos a um ‘esquema conceitual préexistentes’.
instrumentos seriam definidos pelo ‘improviso circunstancial’, ou seja, seriam instrumentos ‘espontâneos’
(espontâneo aqui tendo o sentido oposto ao de ‘refletido’).
Esses ‘instrumentos de ocasião’ podem, a princípio, ser divididos em dois grupos: o primeiro, que teria uma
cadeia operatória ‘parasita’, ou seja, durante a confecção dos ‘instrumentos típicos’, alguns subprodutos
seriam utilizados para a fabricação dos ‘instrumentos de ocasião’ (Fogaça, 2001), e que, na nossa opinião
ainda fariam parte do sistema de debitagem ‘D’, uma vez que o artesão sabe exatamente o tipo de lasca que
vai sair em cada etapa de seu trabalho, podendo aproveitar algumas delas, para a confecção de outros
instrumentos; e um outro grupo, mais ‘abstrato’, pertencente ao sistema ‘C’, caracterizado pelos núcleos e
pelos alguns instrumentos que, por sinal, se mostram muitos semelhantes aos descritos aqui. Vale ressaltar
que ambos os grupos são confeccionados dentro de uma lógica, e não ao acaso.
4
Voltemos aqui à nota 1 do presente capítulo que menciona os instrumentos plano-convexos (ou suportes
unifaciais) encontrados nos sítios Buriti e na camada inferior do São José. Seriam peças intrusivas ou haveria
o sistema de debitagem ‘D’ nesses sítios?

287
onde ocorre uma transição climática entre uma fase quente e seca para uma fase
quente e úmida5. Uma das críticas, porém, que se pode fazer a essa hipótese é
que os estudos paleoambientais realizados até o momento são muito gerais. Só
recentemente estudos mais localizados estão sendo feitos, o que pode mostrar
importantes variabilidades existentes entre as regiões, em um mesmo período.
Outra hipótese que poderia ser levantada seria a da substituição de
populações. Segundo alguns autores (Neves et al., 1998; Blum & Neve, 2002;
Neves & Hubbe, 2004, entre outros) há fortes indícios que o continente americano
tenha sido ocupado, sucessivamente, por duas populações distintas: a mais antiga
apresentada por crânios dolicocéfalos (longos e estreitos, associados à face
baixa, estreita e proeminente), morfologia exemplificada por ‘Luzia’ (fóssil de
11.000 encontrado na região de Lagoa Santa – MG), e a outra, que aparece por
volta de 8.000 AP (data praticamente coincidente com a mudança encontrada no
sistema lítico), que apresentariam características mongolóides (crânio
braquicéfalos – curto e longo associado à face alta, larga e retraída). Essa
hipótese pode ser criticada pelo pequeno número de crânios antigos (anteriores a
8.000 AP) até agora encontrados.

É interessante notar que essas explicações são acompanhadas de fortes


idéias deterministas (Lourdeau, 2005), uma vez que utilizam sempre fatores
externos ao grupo, ou os ‘meios externos’ (Leroi-Gourhan, 1986).
Ainda segundo Lourdeau (2005), a indústria lítica é sempre vista como um
testemunho para assinalar uma mudança, que é, no entanto, explicada através do
estudo de outros elementos (paleoambiente, antropologia física, por exemplo).
Essas interpretações, porém, não são demonstrações: são constatados,
simplesmente, dois fatos que são unidos com uma ligação de causa e efeito não
provada.
A solução para esse problema seria pesquisar as pistas que explicariam
essas mudanças na própria industria lítica. Esperamos que o estudo a partir de um

5
É interessante notar que para o início da ocupação no planalto central também se levanta essa hipótese: a
indústria aqui existente é diferente daquela encontrada no hemisfério norte devido a uma adaptação a
ambientes mais abertos, que apresentariam caça mais diversificada.

288
ponto de vista tecnológico, como fazendo parte de um sistema, possa contribuir
para que isso se torne possível.

289
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