O Analista Semblante de Objeto A

Você também pode gostar

Você está na página 1de 10
en O ANALISTA, SEMBLANTE DO OBJETO a" Eric Laurent (Paris) { ericlaurent@ lacanian.net analista como semblante parece instalar-se na experiéiicia coli ‘a tranlsferéncia. Freud, no inicio de sua obra, designa a transferéncia como uma falsa conex4o, em ale- mio: ein falsche Verkmiipfung. Esta falsa conexio designa primeiramente um erro. Desde o inicio da pritica de Freud aparece esse tipo de anotagdes, que podemos chamar de um ‘zenonismo' em meméria ao paradoxo de Zeno, no qual Aquiles nunca poderd alcangar a tartaruga. Apesar de seus esforgos, sempre haverd um passo a dar para alcangar o real em jogo. Havera sempre uma falsa conexio para atravessar. A primeira manifestacao desse erro sobre a pessoa pode-se dizer que se manifesta, sem divida, no caso Dora; mas ainda mais no Homem dos Ratos. Lembro-lhes 0 inicio: o Homem dos Ratos chega em um transe angustiado, um ata- que de panico, no qual nao consegue falar do que Ihe acontece, e os esforcos de Freud so de nao se ¢ontentar com essa fala angustiada, mas implicé-lo. ~ Vemos isto no verbatim (literalmente), na transcrigao das anotagGes das primeiras entrevistas com 0 Homem dos Ratos, as sete primeiras, na qual Freud insistentemente chama sua atengdo para o “Como vai continuar’. Freud situa bem o modo de se expres- sar particularmente vago que tem esse sujeito, sua es de situar 0 objeto de sua angistia. Por exemplo, na segunda sessio, Freud diz: “o sujeito segue com a maior dificul- dade, e diz: ‘neste momento fui agitado por uma representacio, isto ocorria com uma pessoa que me € querida’, Freud comenta: “o sujeito diz representagao, mas a palavra desejo, anseio, mais forte, seria mais exata e é escondida pela censura. Nao posso, infe- “ lizmente, transmitir seu modo particularmente vago de expressar-se”. Na quarta sesso Freud prossegue: “como voc8 continuard agora? Decidi, diz 0 Homem dos Ratos, contar-Ihe 0 que me parece o mais importante e que me atormenta desde 0 inicio”. Opsio Lacaniana n° 55 as " Novembro 2009 Entdo, do momento vago do inicio das entrevistas Freud obtém um “decidi” dizer- que me atormenta, e entdo conta a hist6ria do capitio cruel) © que Lacan chama de primeira localizacao do sujeito no real, diante dessa impre- Cisdo, dessa confusio na qual estava, consiste em provocar a locallzacdo da posicao do Sujeito frente 20 gozo. Freud, acreditando tranquilizé-lo, diz: “Eu nao sou cruel". E imediatamente o Ho- ‘mem dos Ratos responde: ‘meu capitao”, theo © surgimento de um gozo desconhecido até esse momento, do qual falava com ‘uma confusio Fundamental se atualiza na sessio analitica com a dimensao da surpresa. A reagdo de chamé-lo de ‘meu capitio’ foi para Freud a designacio do erro sobre a pes- soa. Freud, que ndo é cruel, apesar de sua bondade, tem que encamar para 0 outro seu superior cruel, exigente. — Superior cruel, exigente. © que Lacan retoma € que esse erro sobre a a € 0 que permite instalar a di- =SSE erro sobre a | mensio da verdade, a verdade mentirosa Ha mentira no Homem dos Ratos, e em Dora ‘ \verdade mentirosa. hd a dimensio da verdade que vem em prime Quando ela chega, estd em um estado de perseguigdo na qual considera que seu pai € um monstro, que a vende, quase pretende prostitui-la, Freud havia tratado o pai, fundador do partido socialista austriaco. Esta notagao € interessante para situar os fundamentos pulsionais da politica, digamos da bondade social democrata. Freud, ento, tinha a idéia das coordenadas familiares da paciente e que havia uma verdade nela. Em certo sentido, Dora tinha raz30. Em um primeiro momento ele con- firma 2 paciente que seu pai a utiliza. Mas esse crédito de “ha algo de verdade” implica imediatamente uma bascula ¢ uma pergunta. Qual é teu lugar na verdade que vocé mes- ‘mo traz, na mentira que est4 denunciando, Qed ae ee ee Lacan comenta essa dialética da verdade, da mentita sobre a pessda no Homem dos Ratos € da verdade em Dora, apontando que a transferéncia nao é nada de real no sujeito. © nada de real nao remete 4 acepc20 do real no wltimo ensino de Lacan, mas “nada de real” no sentido em que a transferéncia e suas basculas s6 designam uma posi-_M 40 em relagao ao texto inconsciente, 20 texto que se produziré em andlise, "As sucessivas basculas da dialética da verdade mentirosa fazem exist uma instan- Cia relacionade ao texto que se produzird. Esse texto, pode-se dizer ‘inconsciente' apenas na medida em que esta por produzir-se, nao std escrito previamente em nenhum lugar Ele se produzira, e Lacan nessa época diz isso tecnicamente: “a produsao do saber in- consciente se d4 pela projecio do passado em um discurso em desenvolvimento, em de> vir, por antecipacao: vocé teria sido isso no momento em que pode falar do que Tor — = Esta pulsagdo temporal com a qual Lacan interpreta o inconsciente freudiano, de- signa 0 fato de que a verdade, como dir4 no Semindrio 18, pertence & palavra, mesmo _gue seja louca, insensata, ¢ o efeito de verdade no é semblanie. Opsio Lacaniana nf 55 “6 a Sn Sea verdade mentirosa esté vinculada ao semblante, o que produz as rupturas, as basculas que se introduzem nas posigdes subjetivas, os franqueamentos que 0 sujeito faz, estes, Como rupturas, nao so semblante, so a materialidade dos efeitos de verdade. E no Semindrio 18 Lacan reconsidera 0 recalque, ou a censura. “O que se chama recalque fa nao € uma representagao que ele representa, & esta seqiéncia de diSCuSS Caracied #adi como efeto de verdade" toa TorMUIGIO TAS VGu 7 Tpieierocio eed Come uma representaca0 “x” que poderia estar por baixo, por exemplo, do capitio cruel do Homem dos Ratos, mas antes a irrupedo do capitéo como ruptura brusca; designa um efeito de verdade que remete a um gozo desconheci “Neste sentido, a verdade mentirosa, 0 semblante, designa 0 gozo nao como subs- tncia que poderia jazer ‘debaixo de’, mas antes como produso no momento mesmo em que ocorre essa ruptura. O automatismo da cadeia significante € o fato de que o capitio v4 depois remeter-se a seqéncia de todo o transe e & seqUiéncia dos significantes que se articulario G-SJe sero a porta de entrada do que foram os significantes-mestres do Homem dos Ratos, Mas © autématon da cadeia nesta perspectiva s6 indica a articulagdo do sujeito com seu gozo. ——A-cadeia significant ic resenca do ue trata de nomear, A operacio de Lacan sobre 0 que Freud nos deu é de uma nominagio, A transfe- réncia em Freud supde um sujeito suposto ao saber inconsciente, que € o que chamamos de significante da transferéncia. Um exemplo disso seria o ‘capitio’, no caso do Homem dos Ratos, um significante cotrelativo & apresentacdo do sintoma. Mas, além disso, o significante da transferéncia uma pergunta, um trago distintivo, um ponto de interrogacao, um lugar vazio- No algoritmo da transferéncia, Lacan articula o “significante qualquer”. ignifi- A eee, aan articula 0 “significante qu cante qualquer, diz Lacan, pode ser designado por u rio. Pode ter um nome, mas no articulado a um S,; nao pode situar-se pelo saber. Este significante qualquer, que pode ser designado por um nome préprio, funcionaré na experiéncia analitica como Barantia de tudo 0 que 0 sujeito pode levar para a andlise com sua verdade mentirosa, Ele funcionaré como homdlogo a garantia do nome do pai fora da anilise. O que.ocu. Pard esse lugar ¢ uma nova garantia, a de que 6 que Ocorre a0 sujeito esté relacionado a Isto permitird que o saber seja articulado nos diferentes significantes que aparecerao ~ 0 8020 do Homem dos Ratos aparece a cada etapa nos diferentes elementos do ritual —, cada um remetendo aos elementos da historia. O significante da transferéncia permite constatar que a anilise autoriza um afrou- Zamento das identificagdes. O significante da tansferéncia é também o nome da ope “raglo pela qual o Nome do Pai € substituido por um significante qualquer que pode . Ocupar o lugar da garantia do discurso. Opeio Lacaniana n° 55 aT Novembro 2009, saber que aparece, no 0 faz de modo linear, como se fosse um texto escrito sob outro que € pronunciado, como na épera, quando hé tradugio simultinea das palavras das 4rias. O inconsciente nao € assim. Ele est4 mais para uma quebra no texto que. ‘ou como as cifras do NASDAQ, na Times Square. Elas passam de maneira constante, mas quando hi uma crise, o.valor de um tito Hata ran eno = He an, 9802 BEE ———> escrever algo sobre esse valor, E entao, algo cessa de se escrever. De modo andlogo,9.textO__ ‘que se produz na ane TH0 € um texto continuo do inconsciente; € um texto que vem 2 _Tuza partir de uma quebra no discurso corrente, € algo que vem a partir do que nao Funcio- — na, algo que nio pode inscrever-se, quando no discurso normal falta um significant. Esse algo que nao funciona permite a Lacan definir, a partir dos anos setenta, © inconsciente como 0 “conjunto do que nao funciona”. Fle formula isso na medida em qué — 0 ideal da civilizagio € 0 pragmatismo que pode ser formulado como o dever de fazer * o que puder para que tudo aconte¢a da melhor forma, e com o minimo custo possivel, para o maior ntimero de pessoas. Pode-se dizer que nos anos setenta Lacan d4 um giro pragmético, mas um giro pragmitico pelo avesso. Ele define 9 inconsciente como o giro pragmatico de tudo o que nao funciona para a maioria das pessoas com um custo maximo de ozo. : (O inconsciente € o que se produz quando um sujeito é invadido por fendmenos___ 4 que nao entende__O inconsci 10 € algo que existe previamente{ é algo que se produ: ando 0 corpo € invadido por fendmenos que o sujeito ndo entende. Entio se angustia © analista, ao nao responder com seu texto, ou com uma medida autoritéria, ou ‘um significante-mestre, a0 nao responder se coloca como um ponto que pode ser nome- Lacan designa isso no inicio de seu ensino como um.ponto de inércia, Nao é um enganche, um shifter que pode ser remetido a cadeia significante normal, mas realiza ‘um ponto morto que permite todos os modos de enganchar-se @ cadeia significante, para produzir a ruptura do inominavel do gozo. O que responde a designagio do sujeito como shifter, do lado do objeto analista, designa-o como objeto indiferente, sem qualida- de de gozo proprio, que pode entio acolher © depésito de qualquer goz0, de qualquer ‘objeto fantasmitico. Ento, gracas a isto no € s6 pelo amor ao sujeito suposto saber da cadeia signifi- cante, nao € s6 por amor @ garantia que ocupa o lugar do pai que o sujeito se relaciona com o analista, mas antes na medida em que © analista como parceiro sinthoma é 0 lugar no qual o analisante vai tratar de recuperar, na andili Em “Principios diretores do ato analitico” isto é dito da seguinte maneira: “O deci- framento do sentido nao € a nica coisa em jogo nos intercimbios de analisante ¢ analis- 1a; hd também o objetivo daquele que fala. Trata-se de recuperar junto a esse interlocutor algo perdido. Esta recuperagio do objeto ¢ a chave do mito freudiano da pulsao”. Opsio Lacaniana n° 55 438 Novembro 2009

Você também pode gostar