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Yoshi üida
shi Oida
Yoshi üida
o
Ator II1visível
1 74 O Ator Invisível
revisão
Silvana Vieira
Yoshi üida
projeto gráfico
mercury digital
capa
I ",
Ricardo Serraino
foto da capa
David Brandt
O
Ator nvísíve1
tt.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Oida, Yoshi
O ator invisível / Yoshi Oida e Lorna Marshall;
prefácio Peter Brook; tradução Marcelo Gomes. - São Paulo : Tradu ção
Beca Produções Culturais, 2001. Ma rce lo Gomes
ISBN 85-87256 -21-1
01-3093 COO-792.028
Apresentação 9
Peter Brook
Prefácio 11
Lorna Marshall
Introdução 18
1 O começo 23
2 O movimento 39
3 A interpretação 59
5 O aprendizado 157
9
Apresentação
Peter Bro ok
Não co n heço ningu ém que tenha tam anha ampl itu- O ky ôgen , ao co ntrario, é b em pé-na-ch ão : fars as
de e profundidade na exp e riência da representação , curtas qu e explo ram as trapaças de se rvos infié is, figu-
não só do O rie nt e e d o Ocidente, mas também do tra- ras hipocondríacas e o grande prazer existente no jogo
dicional e do experimental, do texto escrito e do im- da vida co tidiana . Numa ap rese ntação tradicio nal de
provisado , do cinema e do palco, do co rpo e da voz , tea tro n ô, serão e mp regad os os dois estilos, no mesmo
co mo ator, professor e d iretor. É esse extraordinár io palco , co m as peças de n ô e de kyôgen alternando-se
alcance de habilidades qu e o torna úni co e esp ecial- ao longo do program a.
mente qu alificado p ara fala r so bre o ofício do ato r. No passado, ca da programa acontecia apenas uma
vez num determin ado a n o . Se m temporad a , se m
Como o início do treinamento de Yosh i se deu den- re apresentações. O program a normalmente co ns istia
tro das trad ições do teat ro clássico japonês, ele sempre em ci nco peças de n ô - sisudas - e qu atro de ky ôgen-
se reporta a essas técnicas, abordagens e métodos de cô micas - , alternando-se umas co m as outras ao longo
ensino. Algumas pitadas de informaçã o servirão de de um único dia . Embora esses eventos que ocupavam
background para q ue se dê uma idéia mais clara do um dia inte iro tenham-se torn ado raros hoje e m dia ,
contexto em que Yoshi faz seus comentários . sua est rutura ainda determina o motivo das peças . Tra-
São dois os principa is estilos d o te at ro japonês: n ô d icionalmente a primeira peça , de n ô, é sobre deuses,
e kabuqu i. Surgiram séculos atrás e mantiveram seu a segunda co nta a história de um gu erreiro, e a terceira
encanto até os dias de h oje , apesar da influê ncia do tem um a mulher co mo personagem pr incipal. O quarto
teatro ocide ntal e da televisão . Embora retratem suas gru po ap resenta personagens (freq üenteme nte mulhe-
épocas, esses estilos não são peças de museu ou re- res) co m maior g rau de com plexida de psicológi ca do
criações de uma tradição p erdida. São formas te atra is que os anteriores. Po r esta raz ão , essas peças sã o regu-
vivas que contam com a participação de um público larmente descritas co mo as das "mulheres lou cas", em-
devoto. bora a atual gama de perso nagens que foi incorporad a
O nô surgiu no come ço do século XIV e foi sistema- seja mais ampla do que sugere esse nome . O quinto e
tizado por se u grande mestre, Zeami. Dentro do teatro último grupo con ta histórias so b re demônio s. (No
n ô, existem dois sub estilos . n ô ele mesmo e o kyôgen . ky ôgen , as mesmas ca te gorias são utiliz adas, à exceção
O n ô é um teatro de má scaras altamente estilizado, qu e do grupo de "m ulheres", que nã o ex iste .) As pe ças que
emp rega mo vimentos de danças ritualística s, acompa- tratam dos deuses tendem a se r mai s lentas e imponen-
nhamento mu sical e um int enso uso da voz. Seus temas tes enquanto as de g ue rre iros, mesm o sendo fisicamen-
tendem a ser melancóli cos, ligados às p erdas , sa uda des te ma is ativas , não traz em muita profundidade dramáti-
e incertezas do amor e da vid a. Apes ar de o figurin o se r ca . Co nfo rme nos ap ro fundamos na s catego rias das
suntuoso, o n ô é minimalista no estilo . Utiliza-se um mulh eres e d as loucas, perc ebemos o a u m e n to
palco vazio, os gestos são formais e o uso de másca ras gradativo de uma co mp lexidad e dramática e de uma
se rve para criar um sentido distanciado de atmosfe ra agitação emocional , e a peça final, a dos demônios , é
trágica (em vez da ação dr amática) . No n ô a emoção é vio le nta , rápida e relat ivamente esp etacular. Hoje em
muito pouco expressada, há p ouco conflito d ireto, pou- dia, um programa de n ô co nta co m uma o u du as peças
cos efeitos esp etaculares . de cada ca te go ria .
14 o Ator Invisível Yoshi Oida 15
o teatro kabuqui apareceu no século XVII e , assim muitas vezes tecnicamente fascinante , incluindo efeitos
como o nô, utiliza a dança, o canto, a música e figuri- espetaculares de palco.
nos grandiosos. No entanto, ao contrário do n ô, o obje- Também nos teatros nô ou kabuqui há um estilo tra -
tivo do kabuqui é criar um vívido espetáculo que des- dicional de se contar histórias chamado gidaiyu, que se
lumbre o público. O texto está centrado em eventos desenvolveu no século XVI. Embora exista de maneira
dramáticos e sentimentais, como os de amantes que independente, ele também aparece como um acompa-
cometem suicídio, samurais destemidos - porém desa- nhamento para o teatro de bonecos bunraku , sendo al-
pegados - que lutam por seus direitos e manipulações gumas vezes incorporado em certas peças de kabuqui.
de elegantes cortesãs. Situações chocantes, beleza eró- Quando aí é usado, explica e reforça a ação dramática.
tica, horror, perdas, dor... tudo isso é passado através Nesse caso, o contador de histórias senta-se em um dos
da suprema habilidade do ator. E a destreza do ator é lados do palco e narra os acontecimentos com extraordi-
"ap re sen tad a" justamente para ser admirada pelo pú- nária técnica vocal e arrebatamento da emoção. Um
blico. Desse modo sua abordagem é completamente tocador de samisém põe-se ao seu lado acompanhando
diferente daquela do nô. Em vez da sutileza e das su- suas palavras, para expandir a atmosfera. O samisém é
gestões de sentimento que estão no teatro n ô, as peças um instrumento sobre cujo braço, longo e fino, se esti-
kabuqui são concebidas para exibir as proezas físicas, cam três cordas que são tangidas para produzir sons que
vocais e emocionais dos atores. ecoem a extensão da voz humana.
Uma temporada de kabuqui dura um mês, com um Nessas formas de teatro japonês, "interpretação" não
programa que reflete a qualidade particular da época existe como uma aptidão separada; toda atuação pode
do ano - por exemplo, no verão, peças com fantasmas ainda ser chamada de "dança" , "canto" ou "récita". A
(histórias de dar calafrios) ou água espirrando são re- somatória dessas habilidades é o que os ocidentais de-
gularmente oferecidas como algo refrescante para ate- veriam chamar de "interpretação". Este é um reflexo da
nuar o calor sufocante. Normalmente, as encenações natureza do teatro tradicional japonês, um tipo de "tea-
de kabuqui começam no período da manhã e se esten- tro total", que integra movimento, interpretação e in-
dem até a noite, sendo apresentadas em partes, separa- tensa produção vocal. No Ocidente, o teatro tornou-se
damente. Pode-se ficar sentado ali o dia inteiro ou dar especializado: atores interpretam, bailarinos dançam e
uma saída e depois voltar, à vontade. Pode-se até levar cantores ocupam-se das vozes quando cantam. Com
o almoço ao teatro e ficar mastigando ruidosamente exceção do teatro musical, pouquíssimos artistas são
durante a apresentação. Dentro da programação de um levados a desenvolver habilidades de outras linguagens
dia não há repetições. Não existe uma matinée seguida teatrais. Como existem alguns raros indivíduos capazes
de uma mesma exibição noturna, mas sim uma seqüên- de se sobressair no canto, na dança e no desempenho
cia de partes, uma após a outra. Pode ser uma peça vocal , são considerados excepcionais e acabam sendo
histórica baseada nas guerras de uma época remota, aplaudidos pela versatilidade. De um ator japonês, ao
em três atos diferentes, ou uma comédia, ou algo mais contrário, espera-se que tenha proficiência nas três
"psicológico", envolvendo os conflitos dos deveres, as áreas . Isto não significa que o artista japonês possa fa-
dores de amores, os sacrifícios pessoais. Bem no final , zer um papel no Royal Opera House de Londres; a
há uma dança de estilo mais leve , embora seja algo ópera e o balé têm-se desenvolvido em seus campos
16 o Ator Invisível Yoshi Oida 17
especializados há muitos sé culos, e os estilos de pro- n qu e e u pare e reveja minhas idéias e respostas
, '( li
dução vocal e de mo vimentos são bem diferentes no lI;i1)ituais. E, finalmente, encontro minhas próprias res -
Japão . O mais importante e que se deve ter e m mente é 1)( ista s para os aspectos que ele abo rdo u. É assim que
qu e se es p era do int érprete tradicional no Japão que Yoshi traba lha. Ele nunca irá dizer "se você fizer A, o
se ja ca p az de e mpregar uma técni ca vocal e corp o ral resultado se rá B". Simp lesme nte ele fará a pergunta, ou
bem mai s ampla do que a do ato r ocidental; e que a sugerirá o ex e rcíci o e deixará que você descubra o que
palavra "dança " se apliq ue igu almente ao "ato r". No pode aco ntec er.
teat ro jap onês , "dança" é a expressão visua l do pers o- Trabalhando neste livro , tentei passar o sabor da qua-
nagem, o co ntexto, suas relações, sua e mo ção , mais d o lidade das conv ersas e dos momentos qu e tive o privilé-
que puro movimento . gio de passar com Yosh i. N1.o há nenhuma receita infalí-
vel para que se tenha sucesso imediato, mas apenas
As pessoas muitas vezes perguntam co mo foi qu e questões, sug es tões, históri as e exercícios . Boa sorte .
me e nv o lvi ne sse trabalho com Yoshi. Na ve rda de , isso
foi de algum modo inevitável, na medida e m qu e m eu
trabalho no te atro ocupava parte desse me smo territó-
rio . Eu tinha estudado com uma vari edad e de p rofesso-
res tanto no Ocidente qu an to no Japão, e me via levan-
tando os mesmos tipos de questões sobre a nature za
da interpretação. Finalm ente, fomos ap res e ntad o s, e
após muitas conversas sobre "inte rp retação " e "p rá tica"
(e "esco lhas"" . e "vida".., etc.) , Yosh i me pediu para
que colab o rasse com e le em su a a uto biografia Um ator
errante (São Paulo, .Beca ,1999). Assim decidimos es-
creve r este livro .
Depois de anos de col aboraçã o , Yoshi e eu te mos
passado muitas horas co nve rsando. Para mim, pessoal-
mente , essas conversas têm sido de um va lor inestimá-
vel, pois me oferecem novos mei os de observar a mim
me sma e a meu tra balho , muito emb o ra não se ja m
"bate-pap os agradáveis". Yoshi muito raramente se sa i
com alguma declaração direta. Em ve z disso e le faz
perguntas, ou exa m ina, ou co nta um a história apare n -
temente irrelevante sob re uma luta co m esp ada s, Con- Nota: as seções em itáli co são
tudo, me smo quando dis cordo dele, ou não co nsigo meus próprios comen tários, que
entender o ponto de vista de seu s comentários, as ques- normalmente ampliam ou tor-
tões que sã o levantadas me le vam a pensar mais p ro - nam mais claras algumas coisas
fundamente sobre aquilo q u e es to u fazendo. Ele faz qu e Yoshi d iz. L.M.
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ças. Inútil dizer que fiquei fascinado por elas, implo- velar, através da atuação, "algo mais", alguma coisa que
rando a minha mãe que me comprasse uma peruca de o público não encontra na vida cotidiana. O ator não
samurai feita de papel, pintada de preto com uma es- demonstra isso. Não é visivelmente físico mas, através
pécie de tinta que servia também para desenhar na tes- do comprometimento da imaginação do espectador,
ta sobrancelhas afiadas, furiosas. Para ampliar a impres- "algo mais" irá surgir na sua mente. Para que isso ocor-
são heróica, corajosa, acrescentei barba e bigodes. Ex- ra, o público não deve ter a mínima percepção do que
perimentei também como se fosse uma peruca de pa- o ator estiver fazendo. Os espectadores têm de esque-
pel de "gueixa", com a ajuda dos cosméticos da minha cer o ator. O ator deve desaparecer.
mãe. Abarrotei o rosto com camadas e camadas de pó No teatro kabuqui, há um gesto que indica "olhar
branco até ficar completamente irreconhecível. Era um para a lua", quando o ator aponta o dedo indicador
efeito bem mais satisfatório. para o céu. Certa vez, um ator, que era muito talentoso,
Em seguida, importunei minha mãe para que com- interpretou tal gesto com graça e elegância. O público
prasse algumas daquelas máscaras simples, de plástico pensou: "Oh, ele fez um belo movimento!" Apreciaram
ou de papel, que estavam à venda nos templos. Tomei a beleza de sua interpretação e a exibição de seu
de assalto o armário de meus pais para escolher algu- virtuosismo técnico.
mas roupas. Usando minhas perucas, máscaras e algu- Um outro ator fez o mesmo gesto; apontou para a
mas roupas, eu brincava de ser uma centena de pes- lua. O público não percebeu se ele tinha ou não reali-
soas diferentes: um lorde, um samurai valente, uma zado um movimento elegante; simplesmente viu a lua.
gueixa bela, porém trágica, e assim por diante. Ficava Eu prefiro este tipo de ator: o que mostra a lua ao pú-
desfilando durante horas na frente do espelho, fingin- blico. O ator capaz de se tornar invisível.
do ser todos aqueles personagens. Figurino, perucas, maquiagem e máscaras não são
Agora posso ver que aquelas perucas e aquela suficientes para que se alcance esse nível de "desapa-
maquiagem com as quais eu brincava eram apenas ver- recimento". Ninjas tinham de treinar por muitos anos
sões, diferentes do inusitado saco preto que minha mãe seus corpos a fim de aprender a tornar-se invisíveis. Do
tinha feito para mim. Eram um meio de sumir. Um jeito mesmo modo, os atores devem trabalhar duro para se
de me esconder. Desaparecer na frente das pessoas, desenvolverem fisicamente, não com a simples finali-
em vez de representar para elas. É evidente que eu não dade de adquirir habilidades que possam ser exibidas
era invisível de verdade, mas o "eu" que os outros viam ao público, mas com a finalidade de serem capazes de
não era o "verdadeiro eu". Através das máscaras e sumir.
maquiagens, o "eu" se tornava invisível. Mestre Okura, um famoso professor de kyôgen,
Considerando essa preferência por ser "invisível", uma vez explicou qual a conexão entre o corpo e o
por que diabos quis eu ser logo ator, alguém que, justa- palco. Palco, em japonês, se diz bufai. A sílaba bu sig-
mente, tem de se revelar em público? Perguntei-me isso nifica "dança" ou "movimento" e tai, "palco". Literal-
durante muitos anos e só agora, pouco a pouco, estou mente, "tablado/lugar da dança". Entretanto, a palavra
conseguindo entender o porquê. tai significa também "corpo", o que sugere uma outra
Interpretar, para mim, não é algo que está ligado a possibilidade de leitura: "corpo da dança". Se empre-
me exibir ou exibir minha técnica. Em vez disso, é re- garmos esses sentidos da palavra butai, o que é o artis-
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Yoshi Oi da
Paris , 1997
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var os dentes. Infelizm ente, sempre me distraio . Co- mundo inteiro, mas no japão há um fator adicional. A
meço cui da dosame nte a pôr minha aten ção na ati vi- ação de limpar não só o corpo ma s também o ambiente
dade da esco vação, mas freqüentemente m e p ego em qu e se está tem uma di mensão espiritual, enraizada
pensando: "Não posso me esquecer de ir ao ban co ... nas origens da religião xintoísta . De acordo com esta
tenho de telefonar para fula no, beltran o ... se rá que o tradição, o deus Isanagi lavava seu corpo para se puri-
metrô vai es ta r mu ito cheio hoj e?" É ex tre ma mente f ica r após urna j ornada n o submundo da morte. Con-
difícil concentrar-se apenas na ação de limpar; é fácil f orm e limpava sua pele divina, removendo as conta mi-
distrair- se. No entanto , os ato res de vem se r ca pazes na ções do submundo, várias entidades, deuses, e multi-
de re alizar qu alquer atividade co m 100% de si mes- dões era m criadas. Nessa cosm ologia, a limpeza está li-
mos e de co nce ntração. gada à criação. Trata-s e de uma ação positiva, p odero -
Se co nsi derarmos esse ponto de vista, limpar não é sa, e não simplesmente algo qu e sign if ique apenas li-
simplesmente uma "p re paração " p ar a trabalhar. A pala- vrar-se da sujeira .
vra "preparação" tende a sugerir que a etapa seguinte é Em algu mas seitas xintoístas, o ritu al da purifica -
que é importante. Não é esse o caso . A aç ão de limpar ção do corpo toma a f orma de um banho de mar, mes-
já é útil por si mesma. mo qu e se esteja em pleno in vern o. Esta prática é cha-
Essa aborda ge m da limpeza não es tá limitada ao mada misogi. Se não f or f eita no mar; pode ser realiza-
ambien te o nde se irá trabalhar. Tem os igualmente de da em qualquer lugar em qu e haja água fria corrente,
nos asse gurar de que nossos corpos es tão no mesm o com o num rio, cachoe ira, ou até mesmo deba ixo do
es tado de prontidão. No J apão , nas artes marciais, a n- ch uve iro. Uma vez imerso, o partictpante faz exe rcícios
tes de um g rande torneio o u nos momentos qu e ante- especificos, que en volvem câ nticos e con centraçã o.
cedem um a apresentação de n ô particularmente impor- Em termos de vida cotidiana, limpeza implica um
tante, os lutadores/intérpretes de rramam ág ua fria so - respeito apropriado por si mesmo, sen do também u ma
bre a cabeç a. Não apenas para se livrarem de alguma maneira ativa de preparar a mente e o corpo para um
sujeira , mas para se purificarem simboli camente. Do trabalho disciplinado. Praticamente todas as artes mar-
mesmo modo , é interessante notar qu e muitas culturas ciais e práticas religiosas ressaltam a imp ortância da
pelo mundo int eiro ressaltam a im p o rtância do ritua l limpez a, não corno algo prelim inar ati vidade, mas
ã
de purificação . No Islã lavam-se os p és antes de entrar como algo que faz part e integral do próprio treinamen-
na me squita, e no xintoísmo lavam-se a bo ca e as mãos to. Sendo assim , começ a-se o d ia de trabalho com uma
ant es de e nt rar no templo ; no cristi ani sm o , o batism o limpeza comp leta dos ambientes e do corpo. L.M.
tem um significado simbólico e cerimonial. Talve z es -
sas crenças tenham su as o rige ns na necessidade de se n- OS NOVE ORIFíCIOS
sibilizar as pessoas para as q uestões de higiene, mas A preparação do corpo vai a lém de to rná-lo limpo;
todas enfatizam a importância da limpeza como uma temos também de cuida r dele . Sob retudo dos no ve ori-
parte do culto . fícios. Seg undo a trad ição jap onesa , o corpo tem no ve
O valor da limpez a e da pureza é central na cultu ra o rifícios: dois olhos , du as narinas , duas or elhas, uma
japonesa . Evidentemente, a importância de lavar e lim- boca , um o rifício p ara a passagem de água e um o utro
par, na preven ção contra doen ças, é reconhecida no para defeca ção . Todo s precisam de atenção .
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Existem dois lados: o visível e o in visível. Qu ando pro curam o s o pedacinho de cartilagem na frente da
lid amos com o material , só podemo s obse rvar isso orelha , no p onto onde ela encontra o contorno do ros-
til . Apertamo-lo su ave me nte . Então segu ramos o lobo
como se ndo material. Por outro lado, podemos tentar
trabalhar o material co mo se houvesse uma o utra di- da or elha com o polegar e o dedo indicador, realizan-
mensão ou significado , algo que es tá antes ou depois do um movimento circular. Depois, tentamos "expan-
da forma material. dir" a orelha, puxando-a lev emente p ara fora - descen-
do , a p artir do lobo, subi ndo a partir do contorno do
N A RIZ rost o e para trás, a partir da lateral do co nto rno do
É muito importante tomar uma quantidade suficiente ro sto . Em se guida , continuamos segurando o lob o , efe-
de ar. Se noss as narin as estiverem entupidas, pod emos tuando mo vimentos livre s. No Japão , acredita-se que
dar um jeito de inspirar e expir ar apenas com a boca, quem tem um lobo grande, terá mu ita saúde e dinhei-
mas é melhor inspirarm os através do nariz . Aliás, há um a ro ... portanto , continuemos puxando .
antiga tradi ção japonesa que conecta as nar inas à tercei- Próximo passo : pr essionamos levemente a palma das
ra visão . Não conhecemos a importânci a ex ata da tercei- mãos sobre as orelhas, de mo do a cob ri-las completa -
ra visão , mas , segundo a crença tradi cional, ficar com o mente . Mantemos esta posi ção por ce rca de três segu n-
nar iz entupido afeta a ca pacida de de perceber com cla- dos para, depois, afasta r as mãos bruscamente. Fazemos
reza e de pensar com inte ligê ncia. Por isso , se quiser- isso com um a orelha de cada vez , rep etindo o processo
mos nos assegurar de que estamos com todos os se nti- duas vezes. Daí, usando as palmas das mão s, dobramos
do s completamente alertas, temos de manter o nariz as bordas externas das orelhas para dentro. Como são as
de sobstruído, de modo que o ar possa circul ar livremen- palmas das mãos qu e est ão segurando as orelhas "fecha-
te. (Talvez seja por isso que, qu ando estam os gripados e das ", podemos usar os dedos (q ue estão apontados para
com o nari z entupido, nos sentimos me io aboba dos .) trás) para bater bem de leve na base da cabeça.
Algo que também ajuda a manter limpas as na rinas
(p ode mos enxagüá-Ias) é massagear as laterai s do na- BOCA
riz . Colocamos os dedos em cada lado do nariz sobre Agora é a vez da b oca . Assim como es covamos os
as narinas e calmamente os movimentam os para cima, dentes, de vemo s pr estar especial atenção às gengi vas ,
em direção ao cavalete do nariz . Continuam os mo vi- um a vez qu e gengivas sa udá ve is mantêm os dentes no
mentando-os para cima e para b aixo. É interessante lugar. Aqui , novamente , a massagem é út il para
notar que , qu ando estamos cansados, freqüentem ente, es timu lá-las. Com a b oca fechada , posicionam-se as
de maneira instintiva, esfre gamos as faces e, faz endo pontas dos dedos na reg ião do lábio su pe rio r, logo ab ai-
isso , movimentamos nossas mãos p ara cima e para bai- xo do nariz . Suave me nte, damos um as b atidinhas nessa
xo bem ao lad o do nariz. parte (bas e da s ge ngivas) com as pontas d os dedos e
co ntin ua mos o movimento, qu e será circular, num ca-
ORELHAS minho entre a boca e o osso da face . Vamos então co m
A próxima dupla de orifícios é a das orelha s, que os dedos em dir eção ao queixo , continuando a massa-
também se beneficiam com um a mass agem de ve z em gear as geng ivas - atingindo o maxilar inferior, cio mes-
qu ando . Qu ando começamos a massagear as orelhas , mo jeit o .
32 o AtorInvisível
o começo 33
Sendo assim, nos tornamos mais sensíveis e despertos. mos imaginar que sentimos a energia subir pela coluna à
Resumindo: certos movimentos de coluna funcionam medida que nos movimentamos. Quando estamos sim-
como um tipo de massagem que serve para todo o sis- plesmente parados, em pé, é interessante tentar perce-
tema nervoso. ber algo como se a energia da Terra estivesse invadindo
Por essa razão é muito importante trabalhar a colu- nosso corpo através das solas dos pés. O que quer que
na, para que cada vértebra se torne livre e independen- façamos, devemos tentar impedir que isso se torne me-
te e os nervos não fiquem bloqueados pelos músculos. cânico. Trabalhemos com nossa imaginação.
Quase todos os exercícios que incluem movimentos
cuidadosos e alongamento da coluna são bons. o HARA
Sentemo-nos confortavelmente no chão com as per- Quando as pessoas no Japão falam no hara, estão se
nas para a frente, relaxadas, abertas, como se fôssemos referindo à parte do corpo quefica uns poucos centíme-
um bebê. Vamos tentar levar o cóccix para baixo do tros abaixo do umbigo. Esse é o centro de gravidade do
corpo. A pelve se deslocará para trás. Agora vamos in- corpo humano, e, tramportando para o Ocidente, cor-
verter o movimento, deixando o cóccix para cima em responde ao termo "barriga ", Porém o conceito japonês
direção ao céu. A pelve responderá inclinando-se para de hara é algo que ultrapassa a noção de um lugar físi-
a frente. co; é o núcleo de todo o seIf. É o centro da força da
Assim, vamos apenas manter por uns instantes os personalidade, da saúde, da energia, da integridade, e
movimentos do cóccix para dentro e para fora . De vez () sentido de conexão com o mundo e o universo. O hara
em quando, ajuda pensarmos: "pra frente ... pra trás ... não é necessário apenas para que se tenha uma vida
frente ... trás ... ". Gradualmente, deixemos que o movi- saudável: é impossível praticar qualquer tipo de disci-
mento viaje para cima da coluna até encontrar o plina física ou espiritual (como artes marciais, medita-
esterno. Será então "p ra fora ... pra baixo... pra fora ... ção, teatro) sem considerar essa região . Conseqüente-
pra baixo" . O mais importante quando estamos fazen- mente, essas práticas sempre incluem exercícios que
do esse exercício é manter a coluna bem solta e relaxa- desenvolvem e fortalecem o hara. L.M.
da. Não se trata de um movimento enérgico, grande , Uma maneira de preparar e fortalecer o bara é
mas devemos ser precisos quanto ao começo da ação massage á-io , pois, paradoxalmente, um bara "forte" é
bem na ponta do cóccix, que depois se estende até o macio e maleável. Se, quando começarmos a massa-
esterno, para que toda a coluna seja envolvida. gem, ele estiver duro e tenso, ou se houver regiões
Observem um cachorro. Quando está com medo, sensíveis ao toque, temos de trabalhar de modo bem
dobra a cauda o máximo possível. Quando está alerta , cuidadoso até que se comece a relaxar. Para começar,
a cauda fica ereta. De certo modo, o cão mostra suas devemos aproximar bem os dedos de uma das mãos,
emoçôes através dos movimentos do cóccix. Inclinar o fazendo o desenho de uma pequena pá. Usando as
cóccix e daí transferir a ondulação para a coluna, para pontas dos dedos, exceto o polegar, pressionamos toda
cima, até o pescoço e a cabeça, de alguma maneira faz a região em torno do umbigo , trabalhando no sentido
com que nos sintamos mais despertos. horário O.e. começamos com as mãos a partir da es-
Quando trabalhamos a coluna, podemos imaginar querda, indo para baixo, sob o umbigo , depois subin-
que somos uma imensa e sinuosa cobra. Ou então pode- do para a direita, e contiuamos o círculo até que a mão
36 () Ator Invi sível o começo 37
atinja a região da cintura). Mantemos a massagem até e ntemente leva mo s a mão à barriga . Ou se es tivermos
termos co berto toda a região abdominal, d e modo a com dor d e d ente , ire mos segurar o maxilar co m a mão .
se nt ir tudo mu ito suave e macio co mo uma massa fres - Na verd ade, qualque r d or causa um q ua se au to má tic o
ca d e p ã o. Se algum a região e m p a rt icular estiver "po sicio namento de mão s". In conscientemente , sa be -
in devidamente tensa , m ante m o s cuidadosamente a mo s q ue há uma re lação entre o contato d as mão s e o
pressão até que e la rel axe. a lívio da d o r o u d o d esconfo rto . Acredito qu e exista
u m tip o d e e nergia irradiada pelas mãos q ue p ode d i-
MÃos
min ui r a do r ou aten ua r a enfe rm idade . Bate r palmas
Especialis tas e m ac up u ntura di zem q ue existem o u juntar as mão s serve para no s estim ular, reca rre ga r
pontos lo calizado s nas lat erais d os dedos da s mãos e no ssa e nergia . É devido a isso que e ncontra mos essas
dos pés que estão d iret ame nte re lacionados com o ce n- práticas d entro d e vá rias tradiçõ es religiosas.
tro d o corpo. São como "canais" q ue co ne ctam o ce n- Tra ba lhar co m as mãos ainda é importante para uma
tro e nergético ao mundo exterio r. Se massagearmos outra região do corpo. Como sabemo s, a te rcei ra idade
essas partes ou dermos a e las certos "choques", estare- está fre q üentemente associada ao esquecim ento e à se-
mos fazendo o mesmo com o siste ma de energia in te - nilidade. Algu ns pesquisadores japonese s ac red itam que
rio r. Assim, quando pi samo s forte ou bate m os palmas parte d este prob lema se ja devido à falta de "exercício s"
p or um período mai s lo ng o , esses pon tos e partes são par a o cé rebro, e não apenas ao processo de env elhe ci-
estimulados. Os "ca nais" se ab rem, e ntra ndo um a ener- me nto natural. Para re mediar essa sit uaç ão , e les cria ram
gia no va vinda de fo ra. variad os exercícios físicos sim p les . Um d eles inclui fazer
Existe uma se ita no Japão em que se ba te m palmas movimentos com a mão , foca ndo os dedos. Mas ficar
d ura nte meia hora todas as ma nhãs e todos o s finais de mexend o os d edo s ao léu não pode le var a nad a ; a ima-
tard e , pa ra garantir uma bo a saúde. Também os chine- gi nação d e ve também e star envolvida. Por exem p lo ,
ses ac reditam que haja um a co nexão e ntre o uso da s podemo s imagina r qu e estamo s fazendo uma fileir a de
mãos e o bem-estar físico . Na ver da de , movimentos q ue ervi lhas ou arra njando fl ores, São mo vimento s sim p les,
incl uem co ntatos entre as duas mão s apa recem em mu i- mas como traba lham junto co m a ima gin ação , ligando-a
tas tradições re ligiosas. No xi ntoísmo, bat em-se palm as ao corpo, essas ações es tim ulam o céreb ro . É ineficaz
para chamar os es pí ritos. No cristianismo e no budismo , fazer esse ex e rcício sem usar a imagin ação .
posicionam -se as palmas das mãos juntas para o rar.
Po sicionemos nossas mãos dista n tes cerca d e dez TOQUES FINAIS
c e n tím e tro s um a d a o u tra e , ca lmam e n te, va mos Nos tre in a mento s es p iritu a is ja p onese s , ex iste m
a p ro xi má -Ias um pouco até u ma distância de cinco ce n- "ro upas" especiais que são us adas para faze r os e xercí-
tíme tros . Ent ão, lentamente , de ve mo s voltá-las à posi- cios. No xintoísmo , as vestimentas são b ra ncas, e nq ua n-
ção in icia l. Talvez sintamos um tipo d e tensâo entre as to no budismo, normalme n te , são vermel has ou amare-
duas palmas, algo elástico o u sim ilar a uma força mag- las . Assim se ndo, também acho int eressante que se vis-
nét ica . Par e ce que existe algu m a co isa ali. tam trajes d iferentes quando se es tá tra ba lha ndo . No s-
Tal vez vo cês já tenha m igu almente perc eb id o que , so tre in a me nto não é uma continuação d a vida cotid ia-
q ua ndo estamos co m uma d or d e estô mago, in consci- na , e sim algo d iferente. Pôr uma "ro upa " ajuda a fazer
••-----··'"il:i
i"" " i ' H ; l! m :;T! ~ ~!lfl~ lll """"""' _ _ """ l
38 o AtorInvisível 39
2 o movimento
40 oAtor Invisível o movimento 41
não a sustenta com a mão , nem com o braço , ne m uuo bilid ade d e rigidez o u esforço m uscular; é u ma imo-
mesmo com o p ol egar. Sua concentração es tá no dedo hilid ad e d a liberdad e trazida pel o rel axamento . O co r-
mínim o . Des te modo , seus movimento s sã o fo rtes e le- po está tra nq üilo; mesmo os ó rgãos intern os es tão cal-
ves ao mesmo tempo . I\lOS. Des se modo , pod e -se facilm ente caminhar uma
Se nós mesmos tentarmos proceder ass im em q ua l- lon ga distância sem que se fiqu e ca ns ad o.
quer tipo de ativida de , descob riremos q ue isso é efi- Po d emos cons tatar essa ação no tea tro n ô. O pró -
ca z. Peg uemo s uma xícara como fazemos d e háb ito , pr io corpo d o s atores não se mexe, ao co n trá rio , pa re -
usando a mão e os dedos , po rém no s conc e nt ra ndo em ce se r trans porta do pe los pé s, através d o pa lco , com o
p ô r fo rça no d edo mín im o . Na ve rdade, é n osso d ed o mínimo esforço. É como se os atores es tivessem "se nta-
mínimo que segu ra a xícara; os o utros d edos estão lá dos " co nfo rtave lme nt e sob re se us corpos, o que resulta
sim plesmente p ara dar equilíb rio e di reção. Isso to rn a em mo vim ento s bem e q uilib rados. Os mú sculos traba-
as coisas d iferente s. Por a lgu m mot ivo , trab alhar co m o lham de um modo rel ax ado mas muito potente ; p o rém,
dedo m ínimo faz com q ue a energia circ u le de man ei ra par te d a facilidade d a aç ào é conse qüência do qu e está
mais e ficiente. Além d o mais, se, q ua nd o pegarmo s a ac ontecendo internam ente.
xícara , pusermos nossa fo rça no b raço , o o mb ro tende- Q uando estudam o s n ô, somos cons ta nte mente lem-
rá a retesar-se , e iss o parecerá muito te nso no pa lco . Se brad os da im portância d o b a ra , e es ta á rea é mantida
pusermo s nossa força em o u tro lugar , ningu ém pode rá aberta. Co mo resu lta do, po de-se ac um ular e ne rgia in-
ver isso se o pe rando, de modo que no sso s mo vimentos ter na que , p or s ua vez, n o s m anté m fisic am ente
p ar ecerão men os for çad o s. ce ntrados e bem equilib rados . Um bom ator d eve ser
Um o utro mest re d e n ô abordou isso d e um modo fisicamente es tável; não rígido como uma árvore , ma s
ligeiram ente d iferente . Ele disse: "O seg re do está no flexível como ág ua .
dedo míni mo e no arco d o pé. Ponhamos nossa fo rça Te nte mos um exercíci o. Fiquemo s de pé, ca lma men-
ali. Não tenho como exp licar qual a razão disso , mas te, d e frente a um par ceiro. Estamo s relaxados e rec ep -
esse é o segre d o. " tivo s. O parce iro te nta nos d esequilibrar, empurrando
Na realidade, é imposs ível forçar os m úscul os inten- su bi ta mente o ra no sso o mbro dire ito , ora o esquerd o ,
sa mente nessas reg iõ es , mas, pensand o nelas, reti ra- o u o quadril d ire ito ou o esq uerdo (p rimeiro um a par-
mos no ssa ate nção da ca beça, d o p esco ço o u das per- te , de po is a o ut ra ; não to d as ao me smo tempo ) . Nosso
nas , o nd e a tensão muscul ar visivelmente cria p ro ble- parce iro tenta no s pe gar com a g ua rda abe rta, portanto
mas par a o ato r. não podemos preve r q ua l part e se rá atingi da. Se es ti-
vermos bem ce ntrados, não há nada q ue no sso par cei-
ro possa fazer para no s derruba r. Não importa com que
CAMINHAR
for ça e le nos empurre, nós simplesmente abso rvemos
Quando ob serva mos p essoas que naturalmente ca- o impacto e voltam o s tranq üilamente à posição inicial.
minham bem, elas p ar ecem nã o se movime nta r dos Não se pode resisti r aos e m p urrões com tensão m uscu -
q ua d ris à cabeça. Temos a sensação de que as únicas la r. Ao cont rário, es ta ndo a p rumados e re ceptivo s, se-
coisas q ue estão e m ação são as p ernas, enquanto a remo s ca pazes de simplesmente absorver qu alque r coi-
p arte superior do corpo está "imóvel". Essa não é uma sa que aconteça .
54 o Ator Invisível o movimento 55
Quando o hara es tá abe rto, nossa energia interna Para q ue esse pro cesso se torne mais fácil , é inte res -
au me nta , tornando-nos mais b em e q uilibrados. Alé m sante q ue se co mece por um co rpo "neutro" : alguém
disso , uma ve z que o foco da vo z fica abaixo do umbi- q ue seja simp lesmente "hu mano" e não reflita sua his-
go, o hara aberto é mu ito importante . Contrariament e, tór ia individ ual. Esse é o corpo no qua l nascemos, co m
se "abrirmos" o peito , fica mos dese q uilibrados. nada extra. Não é n ada fácil co rrigi-lo , mas, uma vez
Mesmo na vida co tid iana , se ca minha rmos co m n os- que sintamos esse corpo, p oderemos come çar a nos
sa e ne rgia focaliz ada na me ta de superio r do corpo, fi- movimentar e desco br ir como se anda "natura lme nte ".
ca re mos ca nsados rap idame nte. No nível ma is s im p les , ao caminha r, te ntare mos
Se dei xa rm os nossa e ne rgia re cair so bre o bara, se- manter os pés p aralelos. Pé direito , esque rdo, dando a
remos ca pazes de co ntinuar p or mu ito ma is e nos se n- cada pé o mesmo peso e ritm o e assegurando-nos de
tiremos menos ca nsados. q ue o corpo es tá ereto e tranqüilam ente em equilíb rio .
Te ntemos "ca min har natural mente ". Cami nhemos Tent emos apenas desco brir a essência do caminha r.
sem acrescentar nad a ex tra ao nosso ca minha r. Nota re- Uma tradição japonesa diz qu e os pais devem che-
mos qu e o caminha r é ún ico , absolu tam ente ind ividu al. car as so las dos sapatos dos genros pretendentes antes
Todas as pessoas tentam se r "naturais", mas essa ma nei- de p ermitir que suas filhas se casem. Se o solado esti-
ra "natural " de caminh ar é muito co mplexa e reflete se u ver gasto na parte do ca lca nha r, isso não é nad a bom,
ca ráter. Uma pessoa pode balançar o braço d ireito ma is pois sig nifica qu e o pretendente é pregui çoso . Nes te
do qu e o esq ue rdo. O utra tem o ombro es querdo mais caso, o jove m é p osto da p o rta para for a. Se o futuro
alto do q ue o direito , o u pende a ca beça ligeirame nte noivo tiver o so lado dos sa patos gasto na p arte da fre n-
para um lado. Essas pequenas difer enças fazem co m que te , isso sim é um bo m sin al. Ele pode até se r a lgué m
ca da pessoa se ja única . Algumas vezes essas idiossin- impaciente, mas se u corpo é sa udável e vigo roso, de-
crasias são cha rmosas, o utras ve zes podem parecer me- mo nstrand o uma forte te ndência à prosperidad e no fu-
nos atraentes. Porém se observarmos os animais, vere- turo. Nes te caso, a p erm issão ao casame nto es tará mui-
mos qu e essas diferenças particulares não acontecem. to p ró xima.
Um gato japonês movimenta-se p raticamente do mes mo Esse mesmo co nceito també m es tá presente nas ar-
jeito q ue um gato europeu ou africa no . tes marciais, e m q ue o peso é suste nt ado a part ir d a
O co rpo de ca da p esso a é p ro fun d amente influenci- ponta dos pés. Acontece o mesmo no te atro nó. Isso
ado por sua c ultura ( país , classe so cial e tc .) , A his tória n ào qu er dize r que se dança com a ponta dos p és o
pessoal do indivíduo também lhe det er mina o físico . E te mp o to do; n ão se trata tampo uco de um ca minhar no
ao mesmo tempo q ue é interessante ter um corpo que est ilo do balé ( ponta dos pés no chão seguida pel os
se ja absolutame nte único, os atores tê m de ser ca pazes calca nhares) . Em vez disso, co mo n um ca minhar nor-
de representar um a ampla ga ma de d iferentes persona- mal , o ca lcanhar faz o primeiro co ntato co m o so lo ,
gens; tê m de ser cap azes de "se livrar" de seus corpos mas o p eso é rapidamente transfe rido para a ponta do
pessoais para desco brir e personificar o corpo da per- p é . É impo rtante manter o peso do cor p o para a frente ,
so nagem. Cada p er so nagem qu e se representa é un ica- em vez de deixar que ele re caia sobre o s ca lcanhar es.
me nte indiv id ua l, de ma neira q ue temos de ir em busca Embora o peso seja suste nta do na parte da fre nte do
de se u co rpo es pecífico. pé, a a ção do caminhar inicia-se no b a ra . Cami n ha mos
56 o Ator Invisível o movimento 57
a pa rtir d o centro , e as p o n tas dos pés "agarram a te rra " Qual é a d ife rença exata e n tre os braço s pendentes na
impulsionando-nos vigorosame nte para ad ia nte. Se ve rtical e quando es tão na hori zontal? E não sào ape-
usarmo s essa p o sição lige iramente inclinada p ara a nas os mo vim ento s gra nd es q ue temo s de pe squisar
frente quand o estam os em pé, se re mos ca p azes de re- d esse jeito . Por exe m plo, vamos pegar apenas um a das
agir de modo ma is rá p id o e de no s mo ver mais livre- mào s. Man tê-Ia abe rta e d epois fechá-la : a se nsação não
mente . é a mesma . Em seg uida, podemo s movimentá-Ia um
Um dia um grande samurai foi ass istir a uma ap resen- pouco, vo lta ndo a palma p ara nós, e d epoi s afasta ndo-
tação de teat ro n ô interpre tad a por um ator de alta rep u- a do corpo. Fec hamos a mão , daí co meça mos a abri-Ia
tação. Quando ele vo ltou d o teatro um am igo lhe pergun- p elo dedo mínimo. A se nsação é difer ente d a de come-
to u o q ue tinha ach ad o d o ato r. O samurai respo nd e u: çar a ab rir a partir d o p olegar . Esses sã o mo vimento s
"Ele é realmente mu ito bo m. Sua atuação foi perfei ta ; mínimos, mas todos e les ag em d e d ifer entes modos
em nenhum momento su a guarda es tev e aberta." d entro d e nó s. Co nfo rme trab alhamo s, devemos nos
Uma vez q ue nos d amos conta d a simp les ação d e le mb rar de q ue não somos máqu inas e que p recisamos
cam in ha r, p odemos co meçar a pensar so bre o que seja d escobrir exatamente co mo ca d a mudança no cor~o
mo vimenta r-se em di ferentes di reçõe s. Cu riosamente age e m no sso inte rior.
d obrar à dire ita e d obrar à es q uerda não são a me sma Poré m quando falo dessas mudanças e m termo s de
co isa . Teoricamente deve riam se r idênticas já que a se nsações, não estou me referindo a nenhum as pecto
ação é a mes ma, mas d e a lgu ma fo rma a se nsa ção in - emoc io na l ou psicológ ico; trat a-se de algo ma is funda-
te rn a é diferente. (É também int eressante notar q ue a me ntal: a respo sta direta do corpo. É importante co m-
ma io ria d as pe sso as se desvia lige iramente para a es - preender que atua r não é apenas e mo ção, o u mo vi-
querd a quando camin ha com os ol hos fechado s.) Não me nto , o u ações que com u mente reconhecemo s co mo
se i p or que cad a d ireção p rodu z um es ta do inte rior "a tua ção". Atua r e nvolve també m um nível fundam en-
d ifere nte , mas esse fenômeno realmente ex iste . No te a- ta i: o d as sensa ções básicas do corpo.
tro n ô, esse fato é reconhecido e levou à criação de Um d os me us mestre s me disse : "Na co ndição de
um a convenç ão p articular. Q ua ndo o ator tem de inici- ator você não d e ve ser teórico . Não se ja tão ló gico
ar alguma ativ ida de, co mo parti r pa ra um comba te , e le nel~ confie na sua co m p ree nsã o intel ectua l. Aprenda
se vira para a d ireit a . Se e le es tiver vo ltando para casa , at ravés do corpo."
o u se se n tindo triste , ele se vira p ar a a es qu erda . Para Talve z ter es cr ito este livro tenha sido uma má idéia,
vo cês o sen timen to interior ta lvez se ja tot almente di fe- já q ue se tra ta de um exercício intelectual. A co isa mais
re n te. Vamos exp eri men tar e ver o que acontece . importa nte a se r lembrada é qu e precisamo s compreen-
d er que a at ua ção se d á através do corpo e não do
cé re bro. Atuar não é o mesmo que com p re end er teóri-
EXPERIMENTAR
ca ou in telectualmente .
Ao exec u ta r esses ex e rcícios, é im portante que no s
lembremos d e "exp e rimen ta r" os mo vimento s. Fazê-los Todo o trabalh o de Yosbi tem grande ênf ase no cor-
de manei ra mecânica não significa rá m uito . Te mo s d e po. Quando dá a ulas, ele começa o d ia com exercícios
tentar no tar as di ferentes sensações d ent ro d o co rpo. físicos puxados qu e têm uma longa duração, às vezes
158 () A tor Invisível 59
3
Para alcançar isso, é preciso estar completamente A interpretação
"p resente" dentro da própria p ele, o tempo todo, ainda
que se esteja fazendo ex ercícios que não são relaciona-
dos com o trabalho de Yoshi. L.M.
60 o Ator Invisível A Interpretação 61
~::::~:~~;~::~j:~~~;~o~n:e:~o:;;';~:-~~~~;,
tou: "Por q ue você fez isso? Vim e specialmente para
ve r as flores!" Rikyu respondeu : "Não se preocupe, va-
mos ao jardim interno."
para a noite _ mUIta energIa , avanç a nd o Os doi s entraram no jardim interno, o nde , novamente,
, quando ent ão vo lta mos a dorm í P
mos pelo ciclo pro _ 111'. ass a- cad a um a das flores havia sid o removida. O xogum co-
Ima vera, verao, outono e in ver
~::~~~%~~::ssa~ ~a~reiras iniciant:~,'
me çava a ficar cada vez mai s irritad o com aquil o q ue mais
como lentos parecia uma recusa deliberada à sua solicitação . Ele se
para d . g ra d a tIva me n te nossa
. s hab ílíd d
I a es
. epol S nos to rn armos "m ed alhõ e s" N' " ' viro u para Rikyu e perguntou: "Por que voc ê fez isso?"
VIvemos, m orremo s. ' . j ascemos , Ao q ue Rikyu ca lma me nte respondeu : "Po r favor,
n ão se preocupe . Vamos entrar na minha sala de ceri-
ESPAÇO mônia d o chá ."
Conforme trabalham o s h O xo gum e o mestre entra ram numa caba na minúscu-
dez d ' gan amos um a ma ior luc í- la localizada no centro do jardim. No canto do pequeno
o corpo , passamos a co n he
co meç'amos a cer Suas preferência s e ambie nte havia uma flor so litária. Era uma flor extrema-
. notar co mo a rní . .
pode ín te rf . mima mudan ça tís ica mente bonita, e logo qu e Hideyoshi a viu pôde entender
lenr em nosso estado .
mos a realmente habitar nossos C(;~t::no. Se começar- as atitudes de Rikyu. Em res um o , aquela solitária flo r per-
a mais sutil d p , ve re mos como feita era mais bonita do que as centen as d e outras que
mu an ça no corpo ar, t. .
rior, Perceber essa co n _ . .e a a paIsagem int e- estavam no jardim. Era uma úni ca flor, mas que sugeria
ex ao mlst eno sa a tod
to , enquanto at ua . ' , o rnomen. algo mais: ela representava a totalid ad e do qu e se enten-
Essa d " b mos , e comp le ta me nte maravilhoso
esco erta a ca da mome ' . de por Flor. Tornara-se a essê ncia de todas as flore s, e não
co mo ato nto e fascmante mas ap enas das flores do jard im de Ríkyu daquela primavera,
re s queremos ir mais lo > "
tal' no públic . _ nge. Queremos sus cí - mas de todas as flores , de todas as partes.
o uma p ercepçao d . .
atrás de d . e que existe algo mais Quando esti ve num mo steiro ze n , o sace rd ote s uge -
ca a um d esses momento s ' .
es ta mos fa ze ndo é d > 1 ' que aquílo que riu q ue qu ando eu pegasse um prato, ou uma xíc ara de
d e um período d >' e a gum.a forma, um a destilação ch á , d everia tentar imaginar que pesasse q uatro ou cin-
e tempo mais lon d
mais p rofundo da experiêncl'a 'h go ou e um nível co quilos . Não sei por quê, ma s se imaginarmos que o
_ . ' umana .
Ha multo tempo . ob je to é mu ito pesado , a re lação entre nós e ele toma-
um grande mestre d' o .X ~gu~l .Hlde yo shi e ra cliente d e se muito im po rta nte d o ponto de vista do público. Na
e cen monla d o chá
va Rikyu . Um dia H íd h" qu e se cha ma- vida cotidiana não nos preocupamos muito com as coi-
I eyos 1 dIsse a Riky . "O . d í
que se u jardim está com lindas fl u: ~VI Izer sas q ue e stão à nossa volta; preocupamo-nos apenas
Gostaria de vê -Ias." ores nesta prima vera . co m nós mesmos . Nossas relações com xícaras e prato s
Rik yu concordou e co nvido u o xo u . . _ são muito banais. Porém se pegamos o objeto como se
no dia seguint e A . g m para VIsita-lo fosse ext remamente pesado , somo s forçado s a tornar
. nSlQsam ente ' Hid eyoshl' c'h eg ou ao
desperta nossa relação particular com ele. Send o as-
68 o Ator Invisível A Interpretação 69
sim, a relação deixa de ser corriqueira, passando a su- importante lembrar que estamos treinando o "corpo do
gerir "algo mais". ator", o qual é "maior" e tem mais ressonância do que o
Existem algumas técnicas que nos ajudam a manifes- "corpo cotidiano".
tar essa qualidade, sem precisar entrar na grosseria de Um grande mestre de cerimônia do chá foi enviado
uma interpretação exagerada. Por exemplo, a cena re- a Tóquio por seu senhor, para visitar o xogum. Para
quer que se caminhe dois metros; muito bem, é o que se que ele viajasse em segurança, seu senhor o instruiu
deve fazer. Mas, como ator, minha intenção interior deve para que usasse uma espada. Normalmente, apenas a
ser a de me movimentar em direção ao horizonte. Se guerreiros samurais era permitido usar uma espada,
vou me sentar, sinto como se estivesse baixando meu mas, já que as vestes de um samurai e de um mestre de
corpo em direção ao centro da Terra. Quando fico de cerimônia do chá eram iguais, o senhor esperava pro-
pé, imagino que estou emergindo do centro do univer- teger seu servo, fazendo-o passar por um guerreiro
so. Na vida cotidiana, trabalhamos com distâncias reais. perigoso que ninguém, em sã consciência, iria escolher
A cadeira está a dois metros de distância, então nossa para perturbar. Naturalmente, o mestre não tinha a me-
intenção é simplesmente caminhar dois metros. Quando nor idéia de como lutar, mas seu senhor tinha esperan-,
nos sentamos, nós o fazemos da maneira mais fácil. No ças de que sua aparência marcial seria suficiente para
palco, entretanto, está-se trabalhando com uma vida deter quem quer que o atacasse.
cheia de amplitude, de modo que nossas ações têm de Então o mestre de cerimômia do chá tomou a espa-
ter algo mais do que o simples "caminhar dois metros" da e iniciou sua caminhada em direção a Tóquio. No
ou "sentar-se". Não se trata de "demonstrar" ou de tentar caminho, ele se chocou acidentalmente com outro (ver-
fazer com que o público veja essas ações de "profunda dadeiro) samurai. Enfurecido com a ocorrência, o
significação". Basta imaginar que o espaço em que se samurai verdadeiro imediatamente o desafiou para um
está trabalhando é maior. Quando atravessamos o palco, duelo. O mestre do chá desculpou-se profusamente e
o que temos em nossa imaginação é o horizonte. explicou que não era de fato um samuraí e que estava
Igualmente, se pensarmos o objeto do mesmo apenas fazendo-se passar por um, conforme instruções
modo, tenderemos automaticamente a envolver o cor- de seu senhor. O samurai recusou-se a acreditar na his-
po inteiro numa ação de levantar algo. No palco, é tória, declarando: "Não faz a menor diferença. Você está
muito importante que o corpo inteiro seja envolvido carregando uma espada, então tem a obrigação de acei-
em qualquer coisa que se vá fazer, mesmo que o movi- tar o desafio."
mento visível seja absolutamente pequeno. Não preci- O mestre de cerimônia do chá se deu conta de que
samos demonstrar que o objeto é pesado (como na estava encarando sua morte e respondeu: "Não sei como
mímica), mas em nossa imaginação ele pesa bastante. lutar, então se você quer me matar, vá em frente."
Do mesmo jeito, o corpo do ator é um "objeto" que O samurai recusou fazer isso, já que seria uma de-
pode se fazer mais ressonante e significativo. Temos sonra para ele matar um homem que nunca tinha de-
um corpo cotidiano que faz compras pela manhã e fica sembainhado uma espada. Trataram do problema e
meio largado depois de uma refeição. Temos também concordaram em prorrogar o duelo para dali a uma
um "objeto" de representação que pode falar de outros hora. Isso faria com que o mestre de cerimônia do chá
níveis da experiência humana. Ao treinar o corpo, é tivesse tempo para se preparar. Ele queria morrer com
70 o Ator Invisível
A Interpretação 71
de como ~ti~z:~~~~o'a~: vez de ensina r-lhe uma lição e-xistem dois elementos que co ncorrem para uma boa
que re I' p aua, o profes sor p ediu ao mestre
a Izasse uma cerimônia do chá El ' , :11 Ilação: domínio técnico e fluidez mental. Em termos
pensand " . e conco rdou de trein amento, trab alha- se para d esen vo lver e
o, esta será a últim'l cerí • . . '
minha vida " c monta qu e farer na :1profundar esses dois elementos ao longo de toda a vida.
Quando a cerimônia terminou ' Quando Yosbi usa a palavra mental ele não está se
marcia is disse ' "M 't b . ' o mestre de a rtes referin do ao cérebro ou ao intelecto. Existe uma pala-
. UI o em. Voce é ó ti ;- .
aprender técnicas d b mo e nao precisa fira p articular em japonês, kokoro, que pode ser
e com a te uma vez q ,
pletamente preparado p ara o', b ue es ta co m- traduzida não só como mente mas tamb ém como cora -
com ate Se u .
mento como samurai é perfeito de mou co mp o rta- ção. Provavelmente seria melhor pensar, com relação a
que tem a fazer e' s ' o qu e tudo o isso, em termos de nossa parte interna ou espírito . L.M.
egurar a es pada
seg urand ' co mo se es tivess e Nós também usamos esse s dois asp ectos dessa ma-
o uma xicara d h' N
mesma coisa." e c a. a verdade, trata-se da ne ira de ser do ator todos os dias, co mo parte de nosso
O mestre de cerimônia do 'h-- foi trab alh o profissional. Fluidez mental e domínio técnico
c a OI ent _ão enf
se u adversário e lhe dis . " . remar do co rpo estão tot almente presentes qu ando se atua.
e estou isse: Aprendi a utilizar a espada Nessa situaçã o, eles se manifestam nas expressões in-
pronto p ara morrer. Agora vo cê pode .
frente e me ma tar " E Ir e m terna e externa.
~spada e ficou em ~Osiç~:~e~t:a~u~.a~::a~~;a~ooub::ra Equilibrar o movimento interno com a atividade ex-
o~ a p ostura do mestre de cerimôn ia do chá e - te rna é um a tarefa delicada , porém, se realizada habil-
de Invest ir contra e le para matá-lo I , ' e~ vez mente, dará um rumo incomum e interessante a nosso
sua arm a, dize ndo ' " _ . ' entameme baIXOU trab alho . Po r exemplo, digamos que a ação no p alco
/idade é e vi . Nao: eu retiro o desafio. Sua habi- se ja muito violenta e apaixonada . Se internamente o es-
cu l as idente. Eu na o poderia matá-lo . Pe ço des-
p p or meu comportamemo grosseiro." tado for o mesmo, a atuação poder á parecer tensa de-
ma is. Nes te cas o, mantemos a parte interna bem tranqüi-
Se se trabalhar fisicamente todos os dias la. Se, ao co ntrário , estivermos interpretando um sujeito
. :os níveis de prontidão, clareza e coerênc~afooc~c~odro ca lmo o u entediante , e nosso inte rio r estiver no me smo
o o at or : - fi ' I s - estado , corre re mos um alto risco de que a interpretação
tural u Ira, ma mente, tran:>j'o rmar-se em algo na-
. m esmo que nospeçam u fi seja ex trema me nte insípida . Neste caso , o interno tem
comot t q e açamos alg uma coisa de trabalhar fortemente com intensa concentraçã o e
y e amente nova e desconhecida . ,
," d. ' nosso corpo Ira e ne rgia . Isso dará ap oio à calma do personagem ou da
respon er de maneira aprO"ríada E'I . ,
t ' . '.Y . te encontrara au situa ção , ao me sm o tempo qu e evitará que a interpreta-
Omatlcamente o caminho mais fácil e correto a -
zer quase qualquer coisa . L.M. p ra fa - ção se to rne ted ios a para o p úblico, Ide almente, o inter-
no e o externo devem se r contraditórios.
72 o AtorInvisível
A Interpretação 73
Tomemos um p ião girando: q ua ndo e le se d esl oc a nad a poderá mudar. Então precisamos jogar a raiva fora
oscilante, pelo chão, se u mo vimento é mu ito lento . Está para poder criar um espaço vazio em nossa mente.
prestes a parar e tombar. Qu ando el e está re to e fixo E uma vez q ue tenhamos aberto este espaço, tere-
num único p onto, está girando extre ma me nte rápido. 11l0 S a liberdade de re agir e de responder ao que vier
No p alco, nosso corp o é a mesm a co isa: qu ando se no aq ui-ago ra.
p ede para que fiquemos ca lmos ou imóvei s, há uma De certo modo, o problema não está no fato de sentir
enorme din âmica interna . Giramos muito rápido int er- raiva, mas no fato de cair na armadilha do sentimento
namente. Se es sa "usina " interna não existir, ações si- de raiva . Depois que o momento genuíno de raiva foi
lenciosas o u m omentos d e se re nidade não terão ne - embora, é preciso abandoná-lo . O ambiente ex tern o
nhum impacto.
está constanteme nte mudando, e temos de ser capazes
O inverso também é verdadeiro . Quando empreen- de reagir a cada momento confo rme vem em nossa di -
demos ações física s fortes ou vio lentas , devemos reter reção. Como os atores bem sabem, no instante em que
um núcleo de tranqüilidade. Como o pi ão , se começar- se está emoc ionalmen te preso num estado fixo, a inter-
mos a oscilar aqui e ali, sairemos de nosso p onto' de pretaçã o nos escapa .
equilíbri o e não poderemos continuar "gira ndo ". Mes- Algumas pessoas estão acostumadas a um constante
mo quando se está interpret ando violentamente p or estado de turbulência emocional. As próprias emoções
todo o palco, deve ha ver aí uma qualidade de relaxa- podem mudar de alegria para tristeza ou raiva, mas
~ent~. Isso é um paradox o ; um aspecto da int erpreta- não existe um instante de vazio ou calma entre elas.
çao e calmo , o o utro , dinâmi co . Os a to res precisam Nesse caso, tornaram-se viciadas num estado de "inten -
experimentar es sa dualidade. Quand o descobrim os sidade emocional" qu e nada mais é do que algo rígido
man~i~ão física, não se trata de uma mansidão comple- e limitado. L.M.
ta; ha Igualmente um dinamismo interno. Quando des- Equil íbrio interno e exte rno . Movimento sem movi-
cobrimos dinami sm o físico , de vemos equilibrar co m mento. Silêncio sem silêncio . É co mo andar a cava lo.
ca lma int eri or.
Um bom ca valeiro pode andar muito rápi do, cobrindo
O que se quer dize r exa ta me nte com "ca lma inte - um extenso território, se m nunca parecer agitado . O ca-
rior"? Signifi ca qu e não se está pri sioneiro de emoções valo pode pa ssar por terrenos lisos ou esburacados, cam-
turbulentas . Dentro está va zio ; nada nos incomoda. pos abertos ou densas flo restas, rios, e mesmo assim o
Entretanto , essa "calma " não é morte do sent ime nto ou cavaleiro permanece tra nqüilo e quase imóvel. A mente
um estado rígido de "tra nq üilidade " imutável, m as um a dos ato res é como o ca valei ro, o corpo, como o cavalo .
prontidão fluid a que nos permite responder às mudan- Um bom cavaleiro se esforça conscientemente para
ças do mundo à nossa volta.
unir-se a seu cavalo, deixando-o mover-se livremente,
Se já estivermos tomados por um a fort e emoçã o , é ao mesmo tempo que está no con trole de cada ação .
co mo se isso nos Oc up asse totalmente. Nã o há es p aço Dam os ordens ao cavalo, estamos no comando . O ca-
para que entre nenhuma o utra se ns ação ou sentime n- valo segue nossa vontade, mas quando estamos mon-
to. Estamos prisioneiros daquele sentimento. Por exem- tando bem o cavalo se esquece de nós, e nós nos esque-
pl o , se es tive rmos dominados p ela raiv a, é impossível cem os do cavalo. O impulso do ca valo e o impulso do
que su rja espontane amente qu alquer o utra emoção; cavaleiro unem-se até que não haja mais separação .
74 o AtorInvisível
A Interpretação 75
tera . Do mesmo modo, os dervixes do Oriente Médio ,I, ). nos mais sensíveis e despertos como pessoa~. No
usam o giro ininterrupto para entrar em estado de tran- p.iss adc, os monges cristãos gastavam parte.do dIa, ~n
se . Cada cultura tem uma versão diferente sobre como dando em círculo nos claustros dos moste~ros, aSSIm
fazer es ses tipos de exercícios, mas todos empregam a ,',JlllO e, fe ito nos santuários japoneses xintoístas.
repetição. Por quê? Já mencionei a importância da coluna vertebral ~~mo
Uma maneira de pensar a esse respeito é imaginar condutor de energia interna, e movimentos repetítívos
que o ser humano tem uma espécie de energia central que envolvam a coluna vertebral são ~spec!almente
que exi ste paralelamente à sua energia física. Alimenta- úteis, Mesmo quando a coluna vertebral nao esta no foco
mos nosso físico prestando atenção ao que com emos, da ação, o efeito da repetição é mUi,to poderoso. , _
tomando vitaminas, dormindo o suficiente e assim por Esse poder também foi reconhecido em,s~tores,~ao
diante. Acontece que é igualmente importante alimen- esp irituais, Vejam por exemplo os padrões físicos u~Ih~a
tar nossa energia interna, No ssa sensibilidade e pronti- dos nos movimentos políticos de massa, como o faSCIS-
dão internas são tão necessárias para a vida quanto o mo, Os seguidores dessas ideologias polític~s usualmen~
bem-estar físico, A impressão que temos é que os exer- te apren d em modos,"e .specia is" de se movimentar,
" nos
_
cícios que envolvem repetição de a lg um modo sati sfa- quais está presente a repetição, Esses mO,v~mentos sao
zem essa função nutridora, Esses exercícios e nco nt ram- regularmente praticados e , por sua vez , ratificam o com-
se normalmente nas práticas espirituais de várias tradi- promisso to( . I'IVIid ua I para
. . com o grupo , De . certa forma,.
ções, Mas Suspeito que eles, na verdade, sejam mais esse tipo de atividade física é muito peng~sa.' .uma ~~z
velhos do que as religiões a que p ertencem. Provavel- que serve para unir os seguid o res numa ~ntca massa ,
mente foram descobertos por tentativa e erro, para es- facada apenas num único objetivo compartll~ado,
timular a energia interna, Tendo percebido sua eficá- Quando corpo e mente estão proximamente
cia , várias tradições espirituais decidiram incluir essas co ne cta d o s, açoes - fírsicas rtgi
, íd as' podem
. provocar a
ações em su as práticas religiosas . Do mesmo modo, mesma 10 e , fi xibilidade de pensamento. Não devemos,
exercícios que se servem da repetição dos sons for am s u po r que uma tradição ou filosofia que inclua, movi-
encontrados em várias religiões, na forma de mantras mentos repetitivos seja automaticamente maravI1~~sa,
ou cantos. A diferença reside no fato de que as tradições espmtu-
Atra vés dos sé culo s, nos esquecemos da importân- ais usam a repetição para libertar a mente, enq~anto
cia de alimentar as p ercepções internas, d e m odo que que movimentos como o fascismo usam-na para fixar a
perdemos Contato Com as atividades físicas que origi- mente num objetivo fechado ,
nalmente faziam esse trabalho , Como resultado, só po- Uma vez que nosso propósito é adquirir liberdade
demos encontrar exercícios interiores dentro das tradi- de pensamento, é preciso ter cuid ad o em escolher ex~r
ções espirituais que preservaram e transmitiram es se cícios que não tenham rigidez física. Vejam que a cl ãs-
conhecimento, Entretanto, todos deveriam alimentar sica postura fascista, ereta, pressupõe um corpo duro,
suas energias internas, mesmo que não sejam seguido- como o próprio movimento de sua marcha. .
res de uma tradição religiosa . Movimentos repetidos Mesmo nas artes marciais , devemos ter CUIdado na
escolha de um bom pro fessor, " I'á que os exercícios
. são
78 oAtor In visível j\ Interpretação 79
muito poderosos. Se forem ensina dos de maneira e rra- poderão até es ta r cansados, mas estarão co m a sensa-
da, pod em se to rnar rígidos ou su per mecânicos, poden- ção de um ce rto co nte ntamento. Quando trabalhamos
do co ntribuir para uma inflexibilidad e mental. Do mes - sozinho s e se nt imos que algo já está suficiente, ou que
mo modo , qu ando faz e mos os exercícios , de ve mos tra- o tédio está q uere nd o se instal ar, será o momento de
ba lha r mantendo nossa co ncentração fluida e aberta, em mu dar para um o utro exercíc io.
vez de tesa e estreita . O o bje tivo de todo esse treina- Entretanto, alguma s vezes pode se r interessante con-
mento deve ser o de enc oraja r a liberdade do corpo e da tinuar deliberadamente com um ex ercício sem parar.
mente , e tud o o que se opuser a isso de ve se r evitado. Po demos fica r en te d iados, mas num certo ponto des-
A repeti ção é uma té cn ica útil, mas na vid a re a l te- cobrimos q ue fomo s a lé m d o aborreci me nt o , tendo
mos de ava nçar. Não podemos a penas ficar faze ndo a atingido um o utro domín io . Desco brimos a lgo comple-
mesma coi sa dia após d ia : p ara manter o intere sse e tam e nte no vo, alg uma cois a que n un ca enc o ntraríam os
nos desenvolver a nó s me sm os, precisamos ava nçar de na vida corriq ue ira.
alg uma maneira. Sentamo-nos para meditar, trabalha- Em nossa existê ncia cotidiana , nunca quebramos as
mos, comemos, dormi mos . Mesmo que isso seja um a barr eiras d o tédio. Se alguma co isa se torna muito difícil
forma efetiva de treinamento e spiritual, atores não são o u tediosa , nós simplesmente deixamos de fazê-la. Sen-
monges . Como at ores, temos de trabalhar diferente - do forçad os a insistir num determinado exercício até um
mente para mudarmo s e crescermos . Uma man e ira d e p on to de esgotame nto, terem os a cha nce de descobrir
ev ita r que a repetiçã o cause rigidez é incorporar um um novo es paço. Isso ajuda em nosso desenv o lvime nto .
e le mento de contraste e va riação n o tr abalho . No No d ia-a-di a do s japonese s existe muita repetição.
xintoísmo e ssa idéi a é aplicada alte rn and o-se p e ríodos Curvam-se muito. Os sentimentos co m rel ação às pes-
de int e ns idade e atividade d inâmica co m momentos de soas está ex presso numa cl ara expressão corporal:
ca lma. Na ve rdade, p ara que se tornem úteis, os exe rcí- q ua nto mais se respeita algué m , maior se rá a reverên-
cios físic os devem e m p regar esse co nt raste. cia . Isso ta lvez se dê porque d iferente s tradições em-
Quan do alte rnamos exe rcícios mais d inâmico s co m p regar am a re verência (c urva r-se d iante de alguém)
os mais calmos um fator im porta nt e é a duração : por co mo uma marca de respeito; aí está um indicativo que
q uanto tempo de vemos praticar um antes de m udar reforça a co nexão entre ação e emoção .
p ara o o utro . Um b om p ro fe sso r será ca paz de d ecid ir Através da realização desses movimentos, começa-
q uanto tempo se de ve conti n ua r co m um exercíc io for- mos a e nte nder uma coisa que não pode ser explicada
te antes de pa ssar a um ma is ca lmo. Este temp o não e m te rmos ló gicos. Tra ta-se de um tipo de entendimen-
pode ser predetermin ad o . Não podemos diz er que os to que não se p ode encontrar ne m nos livro s, nem atra-
ex e rcício s mais puxados de vem levar vinte minutos, vés de co nve rsas, mas apenas no co rpo. Talvez seja
e nq uanto os mais leve s, dez minutos. A duração corre - um a co mp reensão do que so mos co mo simp les seres
ta de um exercício dependerá de uma série de fatore s, hu man os.
Como o dia, as pessoas e o gra u de experiência. O p ro- Em mu itas religiões do mundo int eiro, senta-se por
fesso r tem de ser mu ito se nsível a esse s fatores qu ando um lon go tem po , ou caminha-se por um bom tempo, até
estive r dosando o temp o . Se o p rofessor fizer uma boa que se ganha a lgu m tip o de co m p reensão transcen-
escolha , o s alunos serão afetados de maneira positiva ; dental. O q ue ac ho interessante com rel ação a isso é o
80 oAtor Invisível A Interpretação 81
modo co mo essa co mp reens ão é ajuda da p or algum tip o Vamos ficar firmemente de pé , com os pés afastados
de atividade física. Uma boa ação física é aquela que mais o u men os à largura dos ombros. Vamos inclina r a
provoca alguma mudan ça o u nos leva a uma maior co m- cabeça para trás de modo que nosso rosto se volte para
pr een são . Sendo assim , q ua ndo em pregamos o tipo ce r- cima , em d ireção ao cé u. Vamos abrir a hoc a ao máxi-
to de voz o u movimento físico, podemos se nt ir que nos- mo . Agu cem os os o lhos , nari z e ouvidos o máximo que
sa vida está mais aleg re , o u nossa mente e stá mais pudermos. Estiq ue mos os braços aci ma da cabeça e va-
límpida, o u nossa prontidão se torna mais se nsível. De mo s abrir as mãos de modo que as palm as fiq ue m tam -
algum modo nos tornamos mais fortes. bém voltadas para o cé u. Estendam os a língu a , fazendo
co m q ue e la sa ia da boca. Nessa posição , co m tud o lar-
gam ente aberto e d irigido para cima em dir eção ao cé u,
ENERGIA HUMANA vamos emitir o so m aaaa. Vamos suste ntá-lo o máx imo
Uma cria nça enche de cores uma folha de papel, possível e depois, ca lmamente , trazer os br a ços para
realizando u ma pintura que é vib rante e colorida. É haixo, a cabeça de volta à sua posi ção normal, e fechar
muito bonit o , mas é só. Artistas podem utilizar as mes- os olhos e a boca. Agora respiramos tranqüilamente.
mas co res d e um jeito igualmente espontâ neo , mas de Existe m o utros e xercícios similares qu e ajuda m a
alguma ma neira temos um se ntimento d ife rente quan- desenvolver a e ne rgia humana. Conforme nos habitua-
do ol hamos se us trabalhos ; há uma se nsação forte que mo s a traba lhar dessa maneira, começ amos a sa ber exa -
par ece nos penetrar pro fun d amente . É um a p intura tão tamente quais elementos nos levam a e ssa e ne rg ia. E
bonita quanto a d as crianças , mas há um a re ssonânc ia descobrimos qu e o praze r não es tá em "pega r e nergia",
e um a profundi da d e ex tras. Po r q ue isso acontece? Sin- mas na compree nsão gradua l da o rige m desta energia
to q ue de ce rto modo a energia do artista é transmitida e e m nossa rela ção co m ela. À medi da qu e co meçam os
ao es pectador através das co res, texturas e for mas. a se ntir s ua o rige m, isso se torna um a q ues tão menos
Para o ator, o problem a se melha nte é o de mant er a de "pe gar en ergia" e mais uma quest ão de no s "unifi-
presen ça q uando se está diante de um p úblico . Embora o ca r" co m sua o rige m . Come çamos a descob rir um pra-
público não possa explicar com pa lavras, ele sente a ener- ze r real nesse ato de "u n ifica ção", e , co mo co nse q üê n-
gia do ato r e , para as pessoas, esse é um dos principa is cia, recebemos ai nda ma is en erg ia . Desse mod o nossa
prazeres do acontecime nto teatral. Q ualquer co isa q ue co mp reens ão se aprofu nda ainda mais.
faça aumenta r nossa energia irá nos ajuda r na atuação. No teatro n ô o te xto é muito arcaico, datand o do
Qua ndo ve mos um b om ator no p alc o ele parece século XlII ou XIV, e freq üent em ente se se rve do plan o
maior: maio r 'do que su a verdadeira realidade física . A est ilístico ligad o ao imaginário da natureza. Se uma pe s-
mesm a coisa aco ntece com o poder de encanta r. Uma soa está triste, não é d ito o que ela está se ntindo, mas
vez, quando e u era mais jovem , vi um a atriz que pare- simplesm ente algo como: "O verão passou. O inverno
cia inc rivel me nte bonita no p alc o . Após o espetáculo logo vai chegar. As folhas do outono estão caindo." A
fui até a porta do camarim e es perei que ela saísse. emoç ão é descrita através dos fenômen os da natureza .
Mas, quando fin almente apar eceu , era uma mulher co - O que essa tradi ção reconhece é que o se r humano
mum , co mo q ua lqu er o utra . Nada tin ha a ve r com a é par te da nature za. Se ntir triste za o u a leg ria tem um
bel a criatura que tinha sido enq uanto interp retava . equivalente no mundo natur al, e a e nergia human a está
82 o Ator Invisível
A Interpretação 83
da. Então decidi fazer o mesmo tipo de coisa com mi- se mú sica. Daí então ele conseguia dançar. Dei-me con-
nha interpretação: apresentar meu jeito próprio de ver la do mistério que é o ser humano. Os neurologistas
o ser humano. Entretanto, eu não estava tão seguro de podem explicar um fenômeno ou outro, mas ainda sin-
como fazer isso na prática. to que há alguma co isa muito misteriosa no ser huma-
Quando começamos a ensaiar, não sabíamos que 110 . Até o corpo é um mistério. Não podemos explicá-lo
máx imo , ou vire mos ambos os p és para dentro· não gllllla coisa a um colega e então ele fica irritado. Obser-
~mporta o que façamos, ou com que isso se pare ça, o vc-i esse padrão e m muitas ocasiões, se ja eu ou não o
Interessante é descobrir todas as possibilidad es de si- unico a faze r co me ntários. Talvez o ato r tenha razão
metria e ver como isso se processa int e riormente, e m ficar nervoso , Talvez seja errado criticar, já qu e se
É extremamente difícil verificar nosso próprio traba- lala rrno s demais poderemos terminar por confundi-lo.
lho. Quando estive rem praticando um a variedade de Pes soalmente , go sto de ou vir qu alquer crítica. Para
ex~rcícios , peçam a outra pes soa para o bservar o que mim , o problema bá sico é que não posso me ver na
estao fazendo . Assim, quando estive rem tent ando colo- ação . Mesmo um a grav ação em vídeo não a juda, já que
car o corpo numa posição específica (p or ex emplo n ão pode refletir todos os detalhes e nuanças de uma
posicionar os braços abso lutamente paralelos ao chão): interpretação ao vivo . Não se pode atuar em frente a
pode ser que fiquem ligei ramente fora da p osição . Pe- um es pelho. Não temos aí um verdad eiro reflexo. Por
çam a algué m para corrigi-l os, já que é muito importante isso o s co me ntários qu e o utr as pessoas fazem são úteis;
a pre nder a ser muito cuidadoso e preciso com qualque r elas cumprem a funçã o de espelho. Mas um crítico (de
coisa que se faça . Uma vez que tenhamos aprendido qualquer tip o, incl uindo qualq uer um de nossos co le-
onde está a verdadeira posição horizontal para os bra- gas ato res) é como um esp el ho distorcido que sempre
ços, devemos praticá-la sempre , d e modo que o corpo modifica a form a a seu próprio go sto. Se acreditarmos
possa finalm ente atingi-la facilmente de maneira auto- liter almente naquilo que ele es tá "refle tindo" , podemos
mática . Mas precisamos encontrar onde es tá a p osiçã o sair com uma falsa impressão . As palavras de um críti-
co rreta an tes de ficar co nfiantes. Do mesmo jeito, peçam co não são o verdadeiro reflexo do que estamos fazen-
a alguém para ouvir sua voz , sua fala e checa r como do . Temos de lev ar em co nta a distorção.
estão . Se conseguirmos algu ém que nos ajude desde o Entr etanto toda informação é úti l. Não importa se
começo do treinamento , aprenderemos a fazer os exer- não ouvimos ou não se guimos todas as sugestões. Acho
cícios corretamente se m precisar checar todas as vezes , válidas as percepções de outras pessoas, de maneira
Aliás, o melhor é pedir a uma o utra pessoa para no s qu e sempre quero tê- las ao máximo. Algumas vezes ,
ajud a r nesse se ntid o , p oi s espelhos, g ravadores e a migos me dizem que ouço demais os outros. Acham
videocassetes não "refletem " de man eira real aquilo qu e que talvez me falte confiança. Pode até ser verdade ,
es tamos fazendo . mas não é essa a raz ão pela qual gosto de ou vir críti-
Esse tipo de checagem é apenas empregado nos cas . Não me sinto o brigad o a seguir ne nhum comentá-
primeiros estágios do aprendizado . Num espetáculo rio , ma s, através do que as pe ssoas dizem, posso obter
não se pode "da r um a olhad a" p ar a ver se o m o virnen- informações sobre meu trabalho, e isso me ajuda a ver
to es tá sendo ou não realizado corretamente. De vemos o que está se passando naque le momento. Mesmo um
se r capazes de posicionar o co rp o de maneira indepen- esp elho distorcido é melhor do qu e não ter nenhum
dente. Como atores, temos de saber exatamente onde espelho. Os comentários podem n ão ser ver dadeiros,
o corpo está o tempo todo , e cada movimento tem de mas sã o úteis.
se r esc olhido, e não ac idental. Um ator habuqui disse um a vez : "Se vo cê achar que
Muitos atores não gos tam de ser critica dos . Quando alguém é um ator melhor do que você , ele é muito ,
es to u tra balha ndo e m algu m proj et o , às vez es dig o al- m uito superio r a você . Se ac ha r que vocês dois têm
A Interpretação 89
88 (l A IOf Invisível
94 () AtorInvisível A Interpretação 95
o ator que interpretava a m ulher velha era u m ho- e xpe riências universais e não d e respostas pessoais. A
mem . Em a m bas as tradições n ô e kabuqui, todos os experiência d aquela mulher velha sugeria a complexi-
papéis são representados p or homens. Não há mulheres dade de to da a d esol ação e solid ão humanas e não
no palco. No n ô, o ator usa uma másca ra feminina e merame nte o p roblema individua l de alguém. Por ca u-
encarn a a essência daquele personagem fe minino. No sa d isso, o n ô solicita um nível de com prometimen to
kabuq ui, o ator usa uma p esada maqu iagem , uma pe- diferen te d o d a maio ria d o teatro o cidental. Naquele
ruca, e um fig u rino elaborado para ap resentar uma espetáculo, o ato r se conce n trava inteiro p recisamente
hábil e elegante representação: uma visão idealiz ada naquilo que el e tinha d e fazer com o se u co rpo . Dava
da fe m in ilida de . L.M. tudo de si para realizar a tarefa e se conce n tra va inte i-
Aq uela m ulher ve lha d e cid iu confronta r-se com o ram ente naq uilo.
ass assin o de se u filh o . Ela ca mi n hou lentamente d as Aq ui está um exercício n o q ua l us amo s d oi s pedaci-
coxias ao long o da "p o nt e " q ue le va vam até o palco nhos de texto q ue são:
o nde o assassi no estava e spe rando. Co nforme o at o r "Não tenho d inhe iro. Não tenho o que co mer. Estou
ca mi nha va , e u realmente senti o pesar, o ó dio , o d eses- co m fome. "
p ero e a d et erminação daquel a mulher. Fui aos b asti- E:
do res a pós a apresentação, q uerendo e ntender como "Ta lve z ama n hã e u te n ha algu m dinhei ro . Então po -
ele tinha sido ca paz de dar vid a à extrema comp lexi d a- dere i com p ra r com ida . Po derei come r o que quiser. "
d e daquel e p e rsonagem. Pergunte i-lh e no q ue e le es ta- No rma lme nte , no momento em q ue são dadas essas
va pensando o u o q ue es tava se ntind o a ntes de entrar fa las , no s preo cupamo s em saber como devem ser di-
no palco. O ato r respondeu: "Tra ta-se d e uma mu lhe r tas. Ta lvez a primeira fala numa voz baixa e o bscura.
velha , então , quando e u ca minho , tenh o de m e con- Ta lve z lentam ente. A segunda com mais energia vo cal,
centrar e m fa zer os passos um p o uc o mais curtos do ou mais a lto . Esses seriam padrõ es norma is , mas o inte-
que o hab itual. E tenho de par ar no primeiro p in he iro ." ressante é tentar um o utro ca min ho , que use a conexão
No teatro n ô, a p on te que liga as coxias ao palco é e nt re corpo e emoção.
totalmen te visível ao público, e existem três p inheiros Q ua ndo dissermos a p rime ira fala, va mos tentar ac ha r
distribu ídos em toda a sua extens ão. L.M. lim a p osi ção a p ro p riada do corpo, tal ve z arq ueados, ou
No Ocidente, o ator talv e z te nte se aba stecer co m ca ído s. Alguma coisa que traga um sentimento ab soluta-
se nt imentos de triste za, ó d io o u q ua lqu er outro a nt es men te ade q ua do para aq uilo q ue estamos d izendo. E
de pisar no palco . Mas no caso d aquele ato r de teatro vam o s fixar essa forma física em nossa mente. Daí, va-
n ô, não ha via ne nhum es fo rço para criar um a vid a inte- mos ac ha r lima no va forma física adeq ua da à segu nda
rio r; mesmo assim, de a lguma maneira , a mulhe r ve lha fala . Talvez ficar e re tos , e m p é, o u desco brir uma forma
e ra to ta lment e crível. Em bora te n ha s uste nta do q ue mais abe rta . Vamos memorizar essas p osições.
ap enas s e g uiu a co re o g rafi a, susp e ito qu e e le Ago ra tomemos d e novo a primeira po sição, vamos
su bconscientemente estava em co ntato co m o s sen ti- re almente ass umi-la, e então di zer a frase . Mudamos
mento s requ erid os p ela ce na . Uma coisa m uito impor- ag o ra pa ra a segu nda posição, o bserva ndo o p rocesso
tante foi que e le não tentou faze r d as emoções a lgo d e transformação. Não é p ara sim ple sme nte sair da po-
pesso al. Não e ntro u em deta lhes . O teatro n ô trata de sição A e fazer a p osição B. Vamos sen tir co mo o corp o
98 o Ator Invisível A Interpretação 99
p reci sa se me xer para no s levar da posição A à B e ped iu que olhasse para a tela do vídeo . Então eu sim-
como, ao mesmo tempo , a dinâmica interior vai mu - ple smente girava minha cabeça . A segunda ve z, como
dando. Quando chegarmos à posição B, dizemos a se- o homem não compreendia o que tinha visto, era pre-
gunda fala. ciso verificar a imagem na tela . A terceira ve z era o
A próxima etapa é fazer o exercício co m apenas um desespero. Três degraus. Para criar o de senvolvimento
movimento minúsculo do corpo, alguma coisa que o apro priado , mudei o andamento cada vez que mudava
espectador não note: por exemplo , deixando ap ena s o a p osição da cabeça . Parece mecânico, mas, na ve rda-
esterno (o sso do peito) ir de A a B. Vocês já devem ter de, cada ve z que interpretei isso , percebi qu e se ntia
observado como a dim ensão interna muda conforme o uma genuína tristeza. Não sei por quê. Eu não estava
corpo altera sua posição. Lembrem-se de como a tran s- procurando pela emoção . Mas por ca usa do ritmo e da
formação interior aconteceu. Agora digam as frases e conexão interna , percebi que algumas lágrimas escorri-
mantenham o movimento inte rno da p osi ção A p osi-
à
a m no meu rosto.
ção B. Nada acontece por for a . Apenas as falas. De fato , o todo d a minha interpretação for a
O externo não está mudando p or ca usa do texto. O co nstruído através de detalhes físicos minúsculos: virar
corpo se lembra do caminho físico e a dinâmica inte- para a tela num "ce rto " andamento ; d epois parar um
rior muda. O texto segue. pouquinho no mei o; inclinar a cabeça muito ligeira-
Na peça Tbe Man Who , eu fazia o papel de um pa- mente para a direita ... e a emoção surgiu.
ciente que tinha perdido a percepção do lado es que rdo Co mo ator, se eu procurar primeiro pela emoção,
do corpo. Numa cena os médicos lhe pediam que se tenderei ao pânico. Po sso pensar: "O nte m , senti uma
barbeasse inteiramente, de modo c uida doso, em frente triste za genuína . Ent ão , hoje, eu tenho de achar a mes-
a um es p elho. Então ele o fez. Mas como não tinha ma tristeza no vamente."
percepção do seu lad o esquerdo, se barbeou apenas Mas quando tento pensar "esto u me sentindo triste ",
do lad o direito do rosto . Estava absolutamente co nve n- a tristeza nunca vem .
cido de que tinha se barbeado inteiramente . Durante o É extremamente difícil repetir a mesma emoção uma
teste ele tinha sido filmado em vídeo. Os médicos en- ve z atrás da outra. Corre-se um grande risco qu ando se
tão pediram que se virasse e se olhasse no monitor do d epende das p róprias e mo ções como base para repro-
vídeo . Enquanto no reflexo d o espelho o lado esquer- duzir um a ce na num espetácu lo que de ve ficar muito
do do paciente aparecia à su a esquerda, na tela do tempo em carta z. Por o utro lado, podem-se repetir os
vídeo ele aparecia sua direita , e então ele pôde ver
à
detalh es do corp o exatamente do mesmo jeito todos os
qu e metade de seu rosto ainda est ava cobe rto de espu- dia s. Trabalhar com as formas físicas é muito útil aos
ma . Naquele momento ele co m pree ndeu que se u cé re- atores.
bro estava danificado. No teatro clássico japonês , a interpretação é
Em termos de palco, eu tinha de olhar para a tela do construída totalmente de f ora. O ator aprende os movi-
vídeo e de volt a para o espelho três vezes, para co mpa - mentos da peça co mo se f osse a coreografia de uma
rar as duas imagens no meu rosto. Cada virada repetida dança . Cada passo, movimento de ca beça e gestos emo-
da cabe ça tinh a de de senvolver a situaç ão. A primeira cionais estão fixados pela tradição. Até as entonações
vez que o homem se viro u foi qu ando o médico lhe voca is exa tas sã o prescritas e d evem ser aprendidas
100 vAtor Invisível A Interpretação 1O1
como p ane do roteiro. As f ormas f ísicas e vocais são Na ce na do suicídio, Drona se de spe de todas as
cha mados de katá. ves timentas e então despeja um grande jarro de ág ua
Não há improvisaçã o; um jovem a tor cop ia exata- ver melho-sangue sobre a cabeça , como um tipo de pu-
mente seu mestre, para que aprenda o katá de qual- rifica çào , O líquido escorre por todo o seu co rp o e é
quer papel. Um a vez que isto esteja p erfeitamente do- abs orvido pela terra. O púb lico sente o pesar, o amor e
minado (e só nessa condição), talvez sej a permitido () de sespero do p ai de maneira muito intensa. Mas eu
ao ator da r seu toque p essoal à interp reta ção . Ma s isso co migo mesmo não pensei: "O que deveria apare ce r
se ria apenas um detalhe, ou sutileza para o kat á j á ne sse momento?" o u "Q ua l estado psicológico tenho
ex isten te, e n ão a criaçã o inteiramente n ova de uma de usar?"
interpretação. L.M. Quando a cena se iniciava , Toshi Tsu chitori ( um
Espetáculos n ô normalmente são d ivid idos em duas mú sico japonês que fa zia parte da produção ) começa -
part es . Existe um pequeno "intervalo " entre os atos, o va um a batida firme no tambor. Eu usav a isso co mo
que permite ao protagonista ir para as co xias e mudar fo co e sim p le sme nte me concentrava em relacionar
de roupa . Durante esse int ervalo, geralmente um ator meus movimentos à batida do tambor. Para mim, nã o
cômico de kyôgen vem ao palco e explica toda a histó- havia nada mais. Apenas a ligação entre o som e as
ria ao público. Uma vez , um ato r mui to bom de teat ro ações d o meu corpo. É claro que me mantive at ento ao
n ô ouviu um a d es sas inte rve nções e nq ua nt o est ava jo-ba-leyu e me lembrei da natureza da situação . Era
mudando de roupa e d isse a si me sm o : "Ah l Então qu er um momento frio , nada alegre , portanto tinha de man-
dizer que é disso que trata a peça?" ter minha atenção na qualidade trist e da cena . Não in-
Foi a primeira vez que o uv iu a históri a inte ira. Em- terpret ei a tristeza . Ela era simp lesme nte reconhecida
bora tives se apre nd ido s ua p arte perfeitamente e fosse co mo a lgo presente . Para mim o trabalho era criar uma
ca p az de re alizar um a int erpretação fa ntástica, não ti- rel ação com o tambor e , ao mesm o tempo, desenvolver
nha nenh um a dica sobre o que devia aconte cer na se- o jo-ba-hyu.
qüência. Ele havia criado o pa pel externamente, se - Pensando bem, e u percebia que aq uele momento
guindo o katá legitimado pela tradição. Contudo, o funci onava , porque e u tinha me co nce ntrado de ma-
público er a tocado pela int e rp retação e podia se ntir a ne ira mu ito firme numa única coisa. Como co nse qüê n-
total realidade da história. cia , ha via mu ito es paço dentro de mim; espaço que
Na produção de O Mababbarata de Peter Brook e u permitia entrar a imagina ção do público . Não havia em
fazia o p apel de Drena , um mestre g ue rre iro que n ão meu int erior material psicoló gic o demais. Eu sim p les-
podia ser aba tido em co mba te . Na p eça , os in imigos de mente respeita va a si tua ção e e ntão me concentrava na
Drona es tavam desesperados para eliminá -lo antes da mú sica . Co mo retorno, essa co nc e ntração criou um tipo
batalha fin al , já que, se dela participasse , imporia a el es de vaz io interior. Dentro deste va zio o público pôde
uma de rro ta ce rta. Então , trapacearam. Para fazer com projet ar sua própria ima ginação. Pôde contar todo o
que Dro na perdesse a vontade de luta r, mentiram-lhe , tip o de histórias a p artir d o que eu estava sentindo.
co ntando que seu filho fora as sassina do. A trapaça o b - O es paço va zio do teatro exi ste dentro do ato r, as-
te ve sucesso . Desesperado por ter perd id o o filh o , sim co mo no próprio palco. Meu professor de n ô uma
Drona se s uicido u. vez me disse que e u nào d e veri a interpret ar cio meu
102 O Ator Iftvisível
A InlCr"rl!lllçftll t 0.1
próprio jeito . EJ11vez dis so, de veria tentar fazer exata- Infelizmente, isso me desapontava um poucx) . SlIll 111
mente o que o professor mostra. A maneira como a u-rpreta ção er a excelente, mas a história era l'llnladll dt'
mão é levantada o modo de dizer o texto, tudo deve maneira tão óbvia , qu e eu sentia como se estívessc ali ·
ser feito exatanlente como e le diz. Mesmo que ache- sistindo a um mel odrama na televisão. Então uma vez
mos que n ão está certo. Não se d eve a lte ra r o u ele ve io a Par is e apresentou a mesma peça . Era abso-
reinterpretar o que se aprendeu até que se atinja os 60 lutam ente maravilhosa.
anos . Depois diSSO podemos se r livres. Mas uma vez Após o espetáculo, fui até os bastidores falar com
que se tenha iniciado um tre inamento de nô, com ida- ele . Explicou-me que quando interpretava no]ap ão , con-
de entre 5 e 6 a~OS , estamos na verdade falando sobre centrava-se na história e na situação dramática. Como a
mais de 50 anosde estudo. Nes te p onto , teremos ab- língua usada no teatro n ô é extremamente arcaíca, a
sorvido completJmente nosso estilo e, mesmo que im- maiori a dos japoneses tem dificuldade para entender o
provisemos ou rdap ternos o trabalho, nunca ire mos Significado ex ato do texto. Por isso ele sentia que era
traí-lo. Tudo o que se aprendeu nos 50 anos preceden- importante ressaltar o encadeamento das ações.
tes nos dá uma base firme, a qual, por su a vez , nos Na Europa, não havia nenhuma possibilidade de o
cap acita a sa b er o que é a liberdade real. p úbli co acompanhar o texto, de modo que teve um
Encontrei meu me stre anos depois de ter me dito objeti vo diferente. Em vez de tentar contar a história
isso , qu ando eleestava com mai s ou menos 75 an os. tão claramente , p ôs seu foco em cada gesto, em cada
Perguntei-lhe sesentia algo diferente agora qu e tinha so m, e m cada detalhe de cada mo vimento. Era hipnóti-
atingido a idade da liberdade. Ele respondeu: "Não . co assisti-lo, e causava impacto emocional apesar da
Aquilo que eu d~se a você aplica-se somente aos gê ni- ininteligibílidade da história . ,I
I
os. Co mo SOU uiJl ator comum, não posso atingir a li- Uma crítica francesa viu esse espetáculo e escreveu
berdade. Na ve~ade , é justamente o contrário. Agora sobre sua experiência. Primeiro, estava apenas sentada e
não tenho ab solutamente nenhuma liberdade. Estou fi- ass istia relaxadamente, mas aos poucos começou a acer- ,i
cando velho e ~gu mas vezes acho que vou perder o
brilho ou que vJi me dar um branco . Fico tão preocu-
tar sua postura, de modo que a coluna tomou uma posi-
ção mais equilibrada (como numa posição para medita-
'~
p ad o com esse ~egócio de esquecer o texto qu e não ção). Embora não fosse capaz de entender as ações, ela
tenho tempo de ll1e concentrar em atingir a liberdade . sentiu alguma coisa muito poderosa vinda do palco.
Minha tarefa pri~cipal é a de simplesmente fazer meu Acho que o fato de Hisao Kanze nã o se ter mai s
trabalho de fX1anôra correta. É isso. " preocupado em conta r a história do ponto de vista da
Alguns anOS atrás fui ver um espetáculo com um emoção, do sentido , o u d a psicologia , p ossibilitou-lhe
brilhante ator j3ponês ch amado Hisao Kanz e , que já alcançar o utro nível de interpretação . A neces sidade de
morreu . Muit os críticos sugeriam qu e er a a qualid ad e se conc e ntrar em cada momento com seu ser inteiro ,
de seu trabal ho que encorajava toda um a geração de em vez de se preocupar e m viajar pelo texto, obrigou-
jovens a se i.l1teiCSsar pelo teatro nô. Uma coisa que o a se afastar da forma convencio nal da narração te a-
notei na sua i nterpreta ção foi que a narrati va era extre- tral. Foi le vad o a descobrir um nível ma is universal de
mamente clara. lisa e ra provavelmente uma d as razõ es comunicação - de ser humano para ser humano - qu e
pel as quais ele t'f.l tão p opular entre o público jovem . até mesm o um crítico estrangeiro p ôde p erc eber.
t 04 (I Aror Í nvísível A Interpretação 105
No entanto , a abordagem tradicional pode se tornar o co rp o pode mu dar o resto. Da próxima vez que você
problemática. Se trabalharmos a penas co m o exteri or, se se ntir sob o peso d o desespero, comece a movimen-
iss o se torna mu ito a rtificia l. Nada s urge de nossa inter- tar o co rpo, procurando parti cularmente prestar ate n-
pret ação. Está se mp re vaz ia . ção e m so ltar a coluna vertebral e abrir o peito e a
Se cuidarmos demais da parte exte rio r da inte rp re- região dos o mbros. Vá ab rindo, olhando para cim a e
tação - os gesto s , o figurino, a maquiage m , a ex pres- e m torno, re spirando forte e profundamente, relaxan-
são - , a dimensão int eri or ficará frouxa . É co mo se ti- do o pescoço e achando uma imagem positiva para
véssemos feit o uma bela embalagem mas sem nada estimu lar os mov imentos. Logo perceberá q ue o humor
dentro . Quando se abre , está vazia. O público nã o se rá come ça a melhorar, e os pensamentos param de ficar
mobilizado, um a ve z que a embalagem não co ntém co rre ndo em torno dos mesmos círculos es treitos.
nada que interes se . Se , contudo, nos co ncentrarmo s Trabalhar co m o co rpo não é algo que os atores fa-
apenas na parte inte rn a, teremos o utro p roblema . Uma zem só pa ra a saúde o u para melhorar o desempenho.
ve z que não exista uma es tru tura ou té cni ca (a embala - Se criarmos o hábito de explorar regularmente o co rpo,
gem) que contenha a vida interior, não se po de ver de modo qu e ele se torne livre e desperto, nossos pro-
nada. Torna-se algo tedioso e desorganizado . É pr eci so cessos mentais se tornarão igualmente flexíveis. Além
fazer uma embalagem interessante e nos assegurarmos d o mais, no ssa vida e mo cio nal se tornará mais rica .
de que existe a li dentro algo igu almente interessante .
O "vaz io " a que Yoshi está se referindo é o da ausên- DETALHES
cia de vida interior. O "vaz io positivo " do qual ele falou Eu estava trabalhando co m alguns estu da ntes na
nas páginas anteriores é diferente: trata-se de um esta- montagem de Esperando Godot de Beckett, Nessa peça,
do repleto de comp rometimen to interior, é o tipo de va- o personagem Lucky faz um longo e tedioso monólo-
z io em que o público percebe qu e o ator está totalmente go . O estudante estava dizendo o texto, quando o in-
presente e qu e qualquer coisa p ode acontecer. Este é o terrompi e perguntei : "O que você está procurando?"
tipo de "vaz io" que p ode ser usado para "p reenc her a O es tuda nte re spondeu : "Esto u procurando o tédio. "
embalagem ". L.M. Co mo ato res , não podemos inte rp reta r uma filo so-
Na vida real, é impossível isol ar nossos hábitos men- fia , o u um a idéia, ou um estado. É impossível. Um dire-
tais. Como a mente não tem um a realidade tang ível , to r pode no s diz e r: "Agora sua e xistência está fria , você
não p odemos travar uma batalha co m os hábitos men- não tem energia , você está am p utad o da sociedade.
tais para mudar nossa maneira de pensar ou nossa vi- Fale isso." Mas não se interpreta esta situaçã o. O ator
são de mundo. Do me smo jeito, tentar ignorar um a pode falar co isa s muito co nc retas: tal vez su ssu rrando,
emo ção forte (c o mo o medo ou o desespero) ou d imi- descobrindo palavra por palavra . Mais tarde talvez o
nuir s ua importância é muito difícil. Existem coisas que público venha a dizer, a tra vés de sua própria interpre-
n ão mudam assim facilmente. Mas o corpo p o de se r tação, algo como "aq ue le homem se perdeu". Tudo
alterado instantaneamente. Po demos vê-lo, tocá-lo , tra- bem, mas um ato r não pode interpretar o "perder-se a
ta-se de uma realidade tangível que nossas e moções e si mesmo".
pensamentos não têm. E uma vez que o co rp o est eja Além d o mais , se es ta m os tentando co m unicar o té-
co nectado co m o utros aspectos de nós mesmos, mudar di o , temos de interpret ar uma ve rsã o muito interessan-
t 06 v Ator Invisível A Interpretação t 07
te do tédio. Se o público perceber qu e es tamos nos dram ático s. E só p odemos fazer isso quando j:í tiver
desviando d ele, isso não é tédio no teatro, é teatro mos u ma no ção muito se d ime nta d a da conexão entre ()
entediante. Como atores, não podemos dizer o texto corpo e a dimensão inte rior.
de uma maneira tediosa, do contrário o público ca irá Quando nosso corpo está bem ligado ao ser ínte-
no sono. rior, a mínima mudança física evoca diferentes sensa-
Em ve z de interpretar um estado, de vemos procurar ções internas . Podemos perceber qual é a diferença
por detalhes muito concretos, e , quando tiverem sido entre ficar com o dedo indicador enrolado dentro da
todos reunidos , o público p oderá perceber quem você palma da mão e mantê-lo estic ado . E temos clareza
é . Na vida cotidiana, não faze mos o p ersonagem "nós quanto aos se ntime ntos que estão ligados ao s vários
mesmos". Num minuto fazemos essa ação, em seguida detalhes. Podemos perc eber que manter o polegar nes-
fazemos aq ue la e depois uma outra. Posteriormente , ta posição evoca um a se nsação afirmativa, ao passo
podemos olhar aquilo qu e fizemos e reconhecer que qu e , naquela outra , se ntimo -nos mais reticentes.
tipo de personagem somos, mas não d ecidimos faz er Para criar um p ap el usando ess a abordagem, preci-
essa ação porque o personagem pede. E talvez amanhã samos gastar tempo e xp erimentando o limite da s possi-
estaremos fazendo alguma coisa totalmente diferente. bilidades físicas. Temo s também de ser muito ex atos e
Não é o caso de "porque meu personagem é assim, honestos com o que estamos sentindo. Não é bom en-
tenho de fazer isto". Nunca. A cada momento escolhe- contrar um a posição do co rp o que pareça ser a ce rta.
mos uma ação , uma pala vra , lima frase. De vemos achar o detalhe físico preciso que esteja clara
Quando es tamos preparando um p apel, é fácil ca- e fort emente ligado à emoção do momento. Uma ve z
racterizar amplamente a pessoa que estamos interpre- que tivermos encontrado todas as formas essenciais,
tando e d izer: "Ele é cínico", ou "Ela é otimista". Mas podem os ligá-las p ara formar um tipo de "mapa" da
como podemos interpretar uma pessoa de sse jeito? Não viagem e mocio nal. Então simplesmente seguimos o
podemos interpretar um a descrição. O que podemos mapa físico toda vez que atuamos. Mas precisamos de
fazer é descobrir uma séri e de pequenos detalhes. Nes- tempo para achar o s detalhes corretos, para criar o
se instante nossa cabeça se levanta. Nesse momento mapa certo .
nossa voz se torna ma is possante. E conforme esses Quando estamos buscando encontrar os detalhes fí-
detalhes se ac um ula m, o público terá a imp ress ão do sicos, podemos algumas vezes conduzir os experimen-
indivíduo. A platéia finalmente decide se o persona- to s em miniatura . Por exem p lo , talvez o mo vimento de
ge m é cín ico o u otimista. É preciso co meç ar com o que nece ssitamos se ja um salto , mas pode ser algo
desenvolvimento dos pequenos detalhes. mu ito d ifícil (e cansati vo) de explorar. Então começa-
No entanto , existem vários itens a se r ca ute losame n- mos a nos concentrar nos mo vimentos de um a das
te observad os nesse tipo de trabalho. Primeiro, precisa- mãos. Como já foi dito na parte "Exp e rime ntar" (final
mos nos certificar de que descobrimos os detalhes cor- do capo 2), a mão tem muitas possibilidades: os cinco
re tos. Segundo, nossos movimentos físic os e nossa d i- dedos , a palma, ân gulos diferentes, ficar fechada, ficar
nâmica interior devem estar firmemente conectados . relaxada etc. Então vamos brincar com isso. Num ce rto
Temos de gastar muito tempo procurando pelo detalhe momento nos se ntimos alegres e a mão de repente se
absolutamente correto p ara cada um dos momentos ab re . Esse é o se ntime nto certo, o de que precisamos, e
108 o Ator Invisível A lnterpretaçàn , O.
o movimento está fortemente conectado a isso. Porém, te m uma express ão de ódio, então acho que vou lcvun -
no palco iremos precisar de um a de scrição mai or , en- tar meu braço e cerrar os punhos." Ao contrário, o corpo
tão amplia-se para um salto a ação de subitamente abrir percebe qual expressão está sendo oferecida, e se por si
a mã o. Mas chegar até o sa lto é um p ro cesso delicado . só se une ao rosto. Uma vez que essa união tenha se
Começo pela mão . O se ntimento co rre to está ali. esta belecido , vamos tentar perceber qual voz pertence a
Então permito ao corpo todo que se torne igual à mão. est e ser, começando a usar sons (em vez de palavras)
(Na ve rdade, usar a mão não é realmente uma ve rsão para achar a voz . Criamos assim um tipo de escultura
em miniatura; o todo do se nt ime nto está ali. Só que viva, usando o rosto , o co rp o e finalmente a voz. Agora
algumas ve zes o corpo todo se torna o mesmo q ue a a escultura começa a se movimentar e por fim interage
mão. ) Como atores, decidimos que tamanho queremos com outros personagens.
dar àquela mão; ela p ode ficar pequena ou envolver o Agora um a outra série. Em vez de começar com o
corpo inteiro. Num ce rto se nt ido , realmente não im- movimento para descobrir a co ne xão interna , podemos
porta o tamanho do movimento. O que interessa é des- ca ptura r um a imagem específica em nossa mente e dei-
cobrir o movimento do corpo qu e corresponda ao mo- xar que ela gere o movimento do corpo. Estamos dan-
vimento interno. Uma vez que tenhamos encontrado do ao corpo permissão para que se me xa livremente,
isso , a es cala é uma questão de es colha. Podemos co - levado pela imagem. No entanto, para que ess e exercí-
me çar pequeno para depois ampliar o padrão , o u po- cio seja realmente ef icie nte, precisamos ter um a imagi-
demos começar grande para depois reduzir o tam anho. n ação rica e poderosa, para fazer com que o corpo se
Podemos observar algu ns dos exercícios físicos ge - mexa de muitos modos e nã o fiqu e estancado em pa-
rais de interpretação. Prim eiro, vamos relax ar o ro sto, drões estereotipados.
bu scando um tipo neutro de expressão . Todos os mú s- Também é interessante utilizar idéias para relatar a
culos estão relaxados (inclusive boca e olhos) , de modo es sência da experiência humana, em vez de imagens
que pareçam calmos e se m emoção. Vamos tentar man- distantes ou sup e rficiais. Por exemplo, vamos imaginar
ter esse estado e nq ua nto mexemos o restante do cor- que estamos vivendo dentro do útero de nossas mãe s,
po. Tentemos exp lo rar todas as possibilidades físicas num movimento da jornada em dir eção ao nascimento.
dos músculos e , confo rme fazemos isso , vamos experi- Para isso , é preciso pesquisar quem éramos antes de
mentar o que está ac ontecendo (ver final do cap o 2). termos chega do ao mundo externo. Ou podemos tor-
Desse jeito , podemos realmente se nt ir a fun ção do cor- nar visíveis, através do mo vimento, os aspec tos horrí-
po e seu efeito. veis de nosso próprio caráter. De ce rta forma , explorar
Vamos agora fazer o contrá rio. Vamos esculpir o ros- essas imagens potentes funci ona igualmente como um
to com um tipo extremo de máscara expressiva, enquan- tipo de auto terapia , ajudando a nos limpar p or dentro .
to mantemos o co rpo calmo. Rapidamente perceber e- No ssa imaginação pode sutilmente afetar nosso co r-
mos que o corpo quer atender ao que está sugerido no po me smo que não haj a movimento ou contato físico.
rosto. Vamos avançar um passo no ex ercício e permitir Pensemos numa co r como ve rmelho ou am arelo. Va-
ao corpo que ele me smo tome a forma em consonânci a mos realm ente nos conc e ntrar e unir todo nosso se r
com o rosto . Estejamos certos de que essa é uma respos- com essa co r se m tentar demonstrar isso exteriormen-
ta instintiva, e não um a decisão cerebral: "Ah, meu rosto te . Tod a a nossa e xistê ncia se torna vermelha. Vamos
1 1O () Ator Invisível A Interpretação 111
pedir então aos espectadores para adivinhar qual cor temente vemos estereótipos de senilidade em vez de uma
estávamos usando. É claro que isso não funciona o tem- real e verdadeira representação de uma pessoa em par-
po todo, mas em grande número de casos o público ticular numa idade especifica . Se tentarmos mostrar a
escolherá a cor certa. Isso significa que, se tivermos idade copiando seu fenômeno externo, com mãos trê-
uma imaginação forte , o público pode perceber o que mulas, em vez de comp reen der a estrutura fundamen-
está acontecendo. Não é preciso demonstrar. A comu- tal do esforço emocional vindo de um corpo debilitado,
nicação acontece quando estamos inteiramente unidos estarem os apenas produzindo um clichê. L.M.
com nossas próprias intenções. Nossa imaginação alte- Lidando com os conceitos de tai e yu , é importante
rará sutilmente nosso ser e nossas ações, e o público lembrar que ambos são igualmente necessários numa
poderá sentir isso. Ele comp ree nd erá. situação de interpretação. Se não tivermos estrutura
fundamental atrás de nossa ação, os detalhes de ex-
TAl E YU pressão não poderão aparecer em nenhum tipo de in-
Quando Yoshi descreve a construção de uma inter- terpretação por mais que ela esteja na moda. O contrá-
pretação através do acúmulo dos detalhes "superfici- rio também é verdadeiro: se não soubermos fazer com
ais ", ele não está insistindo que este seja o único cami- que a estrutura profunda se torne visível ao público,
nho. Algumas vezes trabalha-se do externo para o in- não acontece nenhuma comunicação.
terno . Algumas vezes, do modo contrário. L.M. Voltant o ao exemplo da representação de uma pes-
Uma das idéias mais difíceis e úteis de Zeami era a soa idosa, podemos notar que, a menos que o ator te-
da divi são do aprendizado em "estrutura fundamental " nha a técnica e a habilidade de encarnar todos os efei-
e "fe nô me no". No teatro nô essas noções são conheci- tos do envelhecimento (nos membros, na respiração, no
das como tai e yu . Em termos poéticos, tai é a flor, olhar, na tensão muscular e assim por diante), uma
enquanto yu é a essência; tai é a lua, enquanto yu é o compreensão exata da realidade física provocada pela
luar. Se , quando estudamos int erpretação, nos concen- idade não poderá ser percebida pelo público. O yu aju-
tramos na estrutura fundamental (o interno), o fenôme- da o tai a se tornar visível. Eles são interdependentes.
no (a expressão externa) s urg irá automaticamente. L.M.
Muito freqüentemente , os atores constatam um "efeito" Quando e nsai amos, devemos procurar estar atentos
e decidem imitá-lo, mas isso não irá resultar numa boa ao diálogo constante entre esses dois aspectos. Pode
atuação. Ao contrário, precisamos entender onde se ser que haja um momento em que instintivamente al-
origina aquele "efeito" e o que faz com que aquilo ve- cancemos alguma coisa fundamental do personagem
nha a ser o que é . Se copiarmos a expressão externa de ou da situação . Devemos nos assegurar de que essa
alguma coisa sem compreender sua estrutura funda- compreensão se manifesta por ela mesma como uma
mental, nosso trabalho não terá nenhum sentido. influência real daquilo que estamos fazendo, minuto
Por exemplo, se estivermos interpretando um velho após minuto. Isso não deveria ser difícil, uma vez que
ou uma velha, temos de compreender verdadeiramente como atores estamos sempre conscientes de nossas
qual o efeito da idade avançada no corpo e na mente e aç ões exteriores, de modo que adaptar as ações ex-
como cada personagem age de um único jeito segundo pressivas deveria acontecer sem esforço . Igualmente,
sua experiência de vida e personalidade. Muito freqúen - se co meçarmo s nossa pesquisa pela cópia dos fenôme-
1 12 O Ator Invisível A Interpretação 1 13
nos externos, devemos olhar por trás das su perfícies i.uulo um a o utra vantagem: se, por exemplo, estiver-
para descobrir a estrutura profunda que dá vida a uma I II O S improvisando so zin hos, é muito difí cil manter a
ação particular.
ni atividade por ma is do que a lguns minutos; mas junto
Zeami reforça a im po rtâ ncia de o ato r co m pre ender ( 1111 algu ém é mu ito mais fácil. Meu parceiro faz algu-
o tai como um papel, permitindo que o yu apareça . Illa co isa e , porque ele realizou essa a ção , so u levad o a
Isso faz sentido no teatro tradicional japonês , o n de o laz er outra co isa . E, já q ue fiz isso, meu p arceiro pode
ap re nd iza do de um método é uma iniciação estrita da me responder co m aquilo . No ssas aç ões emerge m do
exp res são exte rna d o mestre , se m qu e ~o estudante qu e o parceiro propõe. Trabalhar assim torna mais fácil
se ja dito o que repousa atrás da s escolhas . Dada essa suste nta r uma improvisação.
situação , o co nselho de Zeami é o da necessidade de Se es tamos d ividindo uma improvi sação (tal vez algo
co ntra ba lançar aquilo que p oderia se transformar num simples como caminhar no mesmo espaço) e não
estilo de interpret aç ão e xteriorizado e m demasi a . estamos alentos à outra pessoa , isso fica muito estra-
No Ocidentep ode acontecer uma situação diferente. nh o para o público . É co mo se foss em dois vídeos co m-
Freqüentemente, os atores se concentram apenas na es- pl etamente diferentes se ndo mostrados ao mesmo tem-
trutura profunda do personagem ou da situação, dei- po . Não há rel ação entre as duas pessoas. Mas quando
x a ndo de atentar para o qu e Ocorre com seus C01pOS a olhamos o outro em todos os se nti dos, aí então temos
cada momento. Nesse caso, é n ecessári o um esforçopara uma troca h umana real. II
captar melhor os meios de expressão . De qualquer f or- Ser capaz de responder a outros atores e ao público II
ma, tanto o estilo de teatro japonês quanto o ociden tal é ° centro do trabalho de Yoshi. Não se espera do ator
exigem um diálogo constante entre o tai e o yu . L.M. qu e ap enas "respond a " a os impu lsos internos e os
conecte ao seu corpo, mas qu e estej a completamente
ah erto ao qu e os ou tros estão fazendo. Não se trata
RELAÇÃO COM OUTROS ATORES
ap enas de cria r uma relação prazerosa, mas é preciso
O próximo passo é traba lhar co m outras pessoas, ser cap az de conta r uma história, minuto após minu-
p ara exp lo rar rela ção e reação. Podemos tomar qual- to, em conjunto.
quer um dos exercícios individuais, co mo o de mo vi- Como resultado, quando Yoshi dá aula, muitos de
mentos simétri co s, e fazê-lo int e rca m biand o co m o utra seus exercício s são f eitos em duplas. Não utiliza ne-
pessoa. Os movimentos das artes marciai s também são nhum text o planejado ou escolh ido, mas improvisações
útei s a es se p ropósito, já q ue todo combate está base a- livres na s quais ningu ém é líder. Ao contrário, ambos se
do na resposta que temos de dar a o utra pessoa. No acompanham, um respondendo ao quefoiproposto pelo
entant o , existe uma d iferença : as artes marciais são ba- outro. Normalmente, é como uma conversa, em qu efala
seadas na necessidade de atacar ou defender, e nq ua n- uma p essoa de cada vez. As "conversas" p odem ser físi-
to a relação entre os atores não se baseia no conflito. É cas ou vocais, ou ambas. L.M.
justamente o co ntrário : o co n tato en tre atores é um a Vamos ag ora ca m inhar percebendo o próprio cor-
tro ca equilibrada e se ns íve l.
po , como se es tivesse co nectado co m a terra e com o
Trabalhar com o utra p e sso a é uma boa maneira de céu. Vamos nos movimentar por toda a sala. Conforme
desenvol ver contato human o real no palco, a p resen- ca min ha mos , tentemos sentir as outras p essoas no e s-
1 14 O Ator Invisível
A Interpretação 1 1 !5
A Interpretação 1 17
1 1e o Ator Invisível
!II,
12 O o Ator Invisível
A Interpretação 12 1
cei-me para me desviar d as ações eg oístas . em nós mesmos e naquilo que estamos fazendo mas ,
,
Mas também percebi que ha via muitos atores que eram ao mesmo tempo , não de vemos nos alienar d o mundo
extremamente egoístas e mesmo ass im eram muito bons. que no s ce rca. Precisamos desenvolver uma prontidão .1
Ao mesmo tempo, havia pessoas que eram afáveis e ge- qu e vá a lé m de nós mesmos. Mas essa prontidão para
nerosas ma s que nã o conseguiam atuar. Achei ess a situ a- com o mundo externo, para co m as o utras pessoas,
ção muito co nfusa e comecei a pensar no problem a. não é o mesmo que depender da sua opinião favorá- I
As pessoas podem p arecer egoístas, quando na ve r- ve l. Não podemos nos perturbar com as crít icas e nem
tentar faz er co isas para tornar as pesso as igu ais a nós.
dade não o sã o . Uma p essoa p ode sim plesmente est ar I,
tão com p le ta me nte co ncentrada naquilo que está fa- Ao co ntrário, devemos tentar encontrar um a harmo-
zendo, que se esquece do mundo exterior. Não está nia entre nossa concentração interna e a disponibilida-
nem aí para os pequenos detalhes e ritu ais da existê n- de p ara o mundo externo. Fazemos o que tivermos de
cia diária. Para quem está de fora , isso pode p arecer fazer para nós me smos, ao mesmo tempo em que ~os
egocêntrico. Mas p orque essas pessoas estão tot almen- juntam os às outras pessoas . Esse é um proc~s so su~
te co nc entradas em suas próprias interpretações, to r- ples e inconsciente ; não precisamos pensar russo. Nos
nam-se bons atores . nos co nce ntramos totalmente na nossa tarefa, enquan-
Por o utro lado, pessoas que p arecem gent is e so líci- to inconscie nte mente respondemos às pessoas à nossa
tas podem es ta r co mp leta mente apaixo nadas p or e las volta. Há um equil íbrio entre nós mesmos e os outros.
mesm as. Querem desespe radamente ser ap reciadas e Nas artes marciais, o intuito principal é o de prote-
ger o eu-mesmo. Se e stivermos em combate, a única
1 22 o A tor Invisível A Interpretação 1 23
maneira de no s defender é derrotando nosso opon en- o utro . Isso é mais difícil de avaliar hoje em dia , por
te . Em alguns cas os, o único jeito de der rot á-lo é ma- cau sa dos designs modernos dos teatros e das largas
tando-o. Se, num du elo, estivermos pensando na nossa dim ensões das platéias. No entanto, ainda ass im deve-
sobrevivência, é provável que iremos perder, já que mos tentar se ntir par a q ue m vamos atuar. Alguns dias
estaremos nos concentrando em alguma coisa qu e não pensam os "Hoje ser á um d ia p enoso", en quanto em
o fluxo-refluxo do combate. Ao contrário , devemos nos ou tro s dia s sabemos que o público nos ajudará a atuar
co nce ntra r a penas na relação co m nosso oponente e bem . Essa habilidad e de se ntir o público é algo que se
nas simples ações e re ações , alguma coisa como: "ele adq u ire com a experiência .
es tá vindo de cima , devo virar para o outro lad o ; ele Uma ve z qu e tenhamos aprendido a perceber o que
está atacando de lá , p ar a on de posso ir?" o público está se ntindo, temos e ntão de ajustar nossa
Se, contudo , estive rmos pensando "Q ue ro so brev i- atu ação a isso . Se , por exemp lo, estamos diante de um a
ver!", não se remos capazes de ach ar essa qualidad e de platéia lotada , excitad a e barulhenta , a atmosfera do
concentração. Não seremos capazes de administra r as teatro não está calma . Nesse caso, devemos esperar um
trocas no combate . O segredo é simples: só podemos po uco , até q ue comecem a se perguntar qu ando o es-
vencer qu ando estamos prontos para morrer. petácu lo vai começar. Minuto após min uto, su a ate n-
No teatro aco ntec e a mesma co isa . Muitos de nós çâo vai se tornar ma is co nce ntrada no palco (e m vez de
nos tornamos ato res p orque queremos fazer sucesso, em suas p róprias conversas) e assim irão ficar incrivel-
o u precisamos dos apl au sos do público . Mas se quiser- mente ansiosos para que o espet ácul o comece . Nesse
mos receber ap lausos , tem o s de desistir de ssa idéia . exato momento, come çamo s a a p resentaçào .
Isso é incrivelmente difícil, já que o ap lauso faz par te Obviamente exi stem ocasiões em que não podemos
do querer se r ato r. esperar para começar, mesmo qu e o público es te ja ex-
tremamente excitado . O momento chega e tem os de
começar. Nesse cas o , devemos atua r de maneira muito
NOSSA RELAÇÃO COM O PÚBLICO forte: 'fala r o texto intensamente e fazer as ações e os
Existe um a outra troca importante: entre o ator e o movimentos de maneira muito clar a e definida. Isso
público. Isso fica evidente quando estamos apresen- fará co m que o público se acalme e co nce ntre a ate n-
tando um so lo. Na au sência de outros ato res, a tro ca ção no es p etáculo .
ocorre diretamente entre público e ato r. Como co nta- De acord o com Zeami , esse tipo de reação do pú-
dor de históri as, o solista de sfruta da relação com os blico es tá ligado às id éi as do Yin/Yang. Até o horário
es pectadores e reage às mu d an ças de suas e moções . do di a em que no s a p rese n ta mos interfere na nossa
Por exemplo , se o p úblico começ a a se se ntir triste, () man eira de atuar ; uma vez que o d ia é Yang , nosso
ato r pode se deixar levar a uma tristeza ainda maior, o u mod o de atuaç ão deve ser Yin , para que se mante-
reverte r o ânimo. n h a um equ ilíbrio a p ro p riado . Ao contrário, a noite é
Zeami também ofereceu alguns conselhos aos ato- Yin , d e modo que se requer uma atuação mais Yang.
res de como reagir ao público. Ele recomendava q ue Par a a inte rp re ta ção Ya ng , precisamos atuar de ma-
todos os di as, antes de subi r ao palco, os atores deviam ne ira mai s intensa , tomando decisões mais claras que
tentar se ntir o público , já que um dia é diferente do seja m co m u n ica das co m pod er e e ne rgi a . Já a inter-
124 IJAlor Invisível
A Interpretação 1 25
4
qu e estão ve nd o.
Afala
128 o Ator Invisível
A fala 129
depois desferir o golpe . Se reproduzirmos esse pad rão a respiração deixando o corpo pelo tan-den (o ponto
de resp iração o público .e stará mais próxim o de acredi- ce ntral do ha ra , cer ca de três ce ntíme tros abaixo do
tar na ação (e uma emoção ver dadeira pode aparecer umbigo) e via jando a longa d istância no horizonte .
devido a essa consonânc ia). É claro qu e , se usarmos essa Novamente , es tamos trahalhando em dois níveis: a en-
técnic a, tem os de descobrir o padrão corre to e exato trada e sa ída física do ar através d os pulmões e a ima-
para cada atividade. Do contrár io , não irá fun cionar. gem'utilizad a p ara conc e ntrar a respiração.
Para nos ajudar a desenvol ver a respiração , e xiste Um o utro exercício se se rve de sons co muns . Qu an-
um se m-nú mero de exe rcícios. Ge ralme nte es tão liga- do inspiramos, vamos imaginar qu e es tamos dizendo
dos a alguma prática tradi cional e mu itas ve zes se se r- aaaah , e quando exp iramos usam os o so m aawm (o u
ve m de ima ge ns. Um d eles pede que se pense na pró- obm) , Podemos invert er os so ns , aa aah para ex pi raçã o,
p ria pele . e aawm p ara ins p iração .
Vam os ficar em pé ou se ntados co nfo rtavelmente Pode mos co mbi nar os exercícios: por exe mp lo, ins-
co m a coluna reta, inspirando lentam ente pelo nariz, pirar pel o umbigo , enquanto fazemos o so m imaginá-
expirando pela boca, mas, conforme expiramos, imagi- rio aaaah , e e xpi rar pelos poros, com o so m imaginá-
nem os que o ar sai através dos p oros da pele. Sustenta- rio aawm .
mos esse exercício por vário s minutos. Par a ir além, Podemos e ntão começar a experimentar pondo som
vamos imaginar qu e o ar entra no co rp o pelo umbigo e na expiração , usando essas várias com binações. Por
sai pel os p o ros. exemplo , ins pi ra r imagina ndo o som aawm pelo umbi-
Podemos ag ora juntar um a o ut ra imagem ao exercí- go e ex pi ra r faze ndo o so m aaaah ta mbém pelo
cio : co nforme o ar deix a o corpo, ele sai pel os p oros umbigo. (Nesse exercício, a boca obvia me nte produz o
e m fo rma de va po r. Obviamente , es tamos se mp re res- som aa wm, mas em nossa imaginação ele emerge do um-
p irando pelo nariz e boca , mas visualiza r a respiração bigo. L.M.) . Há mu itas pos sibil idad es: rese rvem um tem-
e m diferentes p artes do co rpo parece ab rir o utras p os- po p ara ex plora r cada uma delas tot alm ente e perce-
sibilidades . b am as sutis d ifer enças que exi stem.
Existe um out ro ditad o : "Pessoas co muns respiram Assim como o umbigo e o tan-den , ex iste m out ros
pelo peito , pessoas sá bias, p elo hara, e pessoas treina- pontos no co rpo qu e podemos ut ilizar p ara co ncent rar
das, pelos pés." a respiração . Po r exemplo , um ponto no ester no, Acha-
As pessoas sábias são aq uelas que p raticam medita- mos es te ponto no peit o , posicionando o dedo mínimo
ção; par a faze r isso , concentre mos a respi ração no no um bigo e esticand o a palm a da mão até onde o
hara , o u se ja, na área bem abaixo do umbigo. As pes- polegar toca o estern o. O luga r em qu e o p olegar está
soas treinadas são aquelas que utilizam o corp o de um é o p onto onde d evemos concentra r nossa respiração.
jeit o altamente desenvolvido, como os atores ou os pra- Um o utro exe rcício se localiza nas narinas . Vamos
tican tes de a rtes marciais. As pessoas nessa esfera de inspirar p ela narina esquerda e expira r pela direita.
atividade usam a imagem de tomar e ne rgia da terra para Então vam o s reverte r o processo: inspirando pela direi-
ajudá-las. ta, expi rando pel a es q ue rd a . Isso pode se r feito através
Imagin emos que o ar esteja entran do no corp o atra- da visu alização ou pressionando-se o dedo contra a
vés dos p és, in do até o hara. Vamos expirar e visua lizar narina o posta para mantê-la tapada.
132 oAtor Invisível
A fala 133
A sé rie seguinte de ex e rcícios utiliza imagens mais metr ônomo, ou das ondas do mar, ou um som p uro
a bstratas p ara enfatizar a conex ão inte rna. como um a no ta sustentada por uma flauta . Imaginemos
Inspiramos e, quando tivermos enchido co mp leta- então qu e esse so m entra no nosso corpo pelos poros,
mente os pulmões, prendemos a re spiração e ce rramos conforme ins pi ramos , e da í o ar sai pela boca ou pelo
o ân us . Nest e momento , imaginamos qu e o a r qu e to - tan-den quando expiramos. Ou podemos fazer o con- ir
mamos está se misturando co m o ar ante rior qu e já I ;
trário, d e modo q ue o ar e ntre pela inspiração e o som
1'.,
es tava no nosso corpo. Entã o expiramos e visu alizamos sai a na expiração. Podemos faz er isso ao co ntrário, do II
1
o ar misturado indo embora . Vamos suste ntar esse exer- jeito qu e quisermos. Cada maneira é diferente, mas to-
"
i l
cício até sentirmos que todo o ar velho fo i substitu ído das sã o igualmente úte is. Va mos apenas experimentar l
pelo novo. Outra cois a , qu ando pusermos es te ar em e ver o que acontece .
todo o nosso co rpo, não vamos imaginar que o est amos Estes sã o exercícios de re spiração bem complica-
as p irando ou capturando. Em vez disso , im aginemos dos; um o utro ma is fácil é o de respirar normalmente e
que exi ste um vas to e generoso mundo de energia lá simplesmente o bse rva r-nos re spirando. Também re co-
fora, o qual nos dá esse ar de gra ça. Recebemos o ar, mendo que observemos os bebês resp irando . Respiram
não o pegamos. Isso p ode parecer um pequeno capri- lenta e profundamente e o seu ab do me inteiro parece
cho de linguagem, mas existe um a enorme diferença se expandir totalmente qu ando inspiram. Eles nos dão
em termos de efeit o.
mostra de um exemplo muito bom a ser se gu ido .
O próximo conjunto de exercícios vem d o tai ch io Agora vamos a um e xe rcício de respiração mais
Ficando em pé com os p és abertos na largura dos o m- complicado . Esse requer deixar as mãos em certas po-
bros, com as pernas lige iramente dobradas, co m a co- sições co nfor me o exe rcício se desenvolve . De pé ou
luna ret a , vamos insp ira r e expirar lentamente. Confor- sentados , vam os estender os braços horizontalmente à
me inspiramos, imaginemos que o ar sobe da terra atra - nossa frente, de modo que as palma s das mãos fiq uem
vés da s pernas. Qu ando expiram os, vamos imaginar um a de frente à outra e se parad as mais ou menos dois I
q ue o ar volta à terra (também pelas pernas). Um exe r- centí me tros. Os p olegares ficam voltados para cima. I,
cício similar pede que visualize mos o ar viajando pela Quando inspiramos, o ar entra peJa ponta dos dedos e
coluna vertebral na inspiração . Quando inspiramos, o vai até a parte de cima dos braços, por dentro do cor- I
ar so be pela coluna, cont in ua até o topo do crâni o , po . Quando expira mos, o proces so se inverte. Vamos
chegando num ponto entre as s ob rancelhas . Entã o ex- também fixar o olha r num ponto entre as duas pa lma s
piramos , enquanto imaginamos qu e o ar está descen- e, co nfo rme co ntin uamos a in spirar e expirar, p odemos ,I
do, passando pela boca, estern o, umbigo e fin almente p erceber que as mãos até ac ompanham a respiração . I
se dissipando . Quando inspirarmos no vamente , o ciclo Depoi s di sso fecham os os o lhos e continuamos a re spi -
re começa . No próximo exercício , o me sm o cicl o co me- rar do mesm o jeito . Para terminar o exercício , inspira-
I
ça e termina n os p és: o ar vem da terra, viaja p ela p arte mos profundamente, prendemos a res piração por uns
de trás do corpo, vai até a co roa da ca beça, desce até o se gundos , rel ax am os e deixamos as mã os se sep arar,
tart-den e desaparece . vo ltamos as p alm as para cima , depois trazemo-Ias para
Podemos também usar so ns para estimular a respi - as laterais do co rpo. Então abrimos os olhos e respira-
ração. Vam os escolhe r um som repetitivo , como o do mos para terminar.
A fala 135
134 oAtor Invisível
Agora vamos na direção oposta . Vamos fazer mmmm muito difícil tirar o s pés do chão. Ao contrário, nosso
na p osição básica (com o ro sto olhando para frente), corpo fica mais leve que o normal com o som aaah.
entã o deixemos a cabeça se inclinar da posição frontal Não há uma lógica para esse fenômeno , mas alguma
para uma inclinação em direção à terra. A boca precisará co isa parece mudar segundo o som que produzimos, e
se alargar devido à compress ão do maxilar, e o som irá essa mudan ça e stá ligada a certas direções no espaço.
se transformar em iiii. Quando faz emos o som iiii , ima- Na vid a diária , podemos usar esses sons para nos
ginemos que estamos unindo nosso iiii pessoal ao gi- ajud ar a ca rrega r pesos. Quando lev antar alguma coisa
gantesco iiii que existe no centro d a Terra. do chão, faça o som iiiuaab. O som vai da terra para o
De certo modo, iiii é um som artificial: ele não acon- cé u , e isso acontece em consonância com a ação que
tece se m um certo esforço consci ente, diferente de estamos empreendendo. Se usarmos o som para nos
aaab. Aaab é muito na tural: os bebês no mundo intei- ajudar, a tarefa fica mais fácil. Quando estivermos em-
ro produzem este som instintivamente. É interessante purrando alguma coisa para baixo, o som aauaiii é
também notar que muitas culturas associam significa- útil. Se tentarmos fazer o contrário, iremos notar a dife-
dos semelhantes relativos ao som ma ma dos bebês. rença. Fazer aauaiii enquanto tentamos levantar algu-
Na Europa, está ligado à idéia de mãe, enquanto no ma coisa parece contrário à natureza, e é difícil cumprir
Japão ma ma quer dizer comida. O s bebês sempre co- a tarefa . De certa forma, o som muda a nós e nosso
me çam com aaab e não iiii, pois aaab é um som mui- corpo.
to mai s fácil para o corpo produzir. Observando o padrão total dos sons e d ire ções, te-
Agora temos dois sons: aaab em direção ao céu e mos aaab ligado à parte de cima, e iiii, à parte de
iii em direção à terra . E por que nã o o co n trário? Para baixo. O som inicial mmmm (ou um tipo de 0000 feito
encontrar a resposta, podemos tentar uma experiência. com os lábios relaxados) situa-se dentro de nós mes-
Vamos ficar em pé naturalmente. Pedimos a uma ou mos; é interno e pessoal, como um bebê dormindo.
duas pessoas para segurar firmemente nosso corpo e Mas existem ainda dois outros sons a serem considera-
nos levantar, fazendo com que nossos pés saiam do dos: óóó (como o "ó" de porta) e é (co mo o "é" de
é é
chão. Primeiro, vamos fazer iss o normalmente , de ma - eco) . A posição do óóó está a 45 graus abaixo da posi-
neira que possamos até sentir qual é nosso peso atual. ção do aaab . Se nd o assim , o som ÓÓÓ corta o ar, no
Na seg u nd a vez, quando estivermos alçados, vamos meio do ca m in ho entre o horizonte e o céu. O próximo
fazer o so m aaab (não é preciso tombar a cabeça para som está posicionado cerca de 10 graus abaixo da
é é é
trás ; ape nas fazer o som já é suficiente). Quando fizer- horizontal. Ago ra temos quatro posições ou direções;
mos o som aaab, vamos imaginar que estamos nos descendo d o céu para a terra , elas são: aaab, óóó, ééé,
unindo ao enorme som aaab que existe no céu. e iiii.
Com os pés de novo no ch ão , fazemos a mesma Quando observamos as palavras usadas nos rituais
coisa, agora emitindo o som iiii. Quando emitimos o religiosos , elas normalmente parecem incorporar esses
iiii, vamos projetá-lo profundamente para dentro da sons-chave e direções. Em japonês, a palavra usada
terra . para Deus é Kami. Por isso o som vem do céu para o
Nós (e nossos levantadores) provavelmente iremos interior de quem fala , descendo para a terra (K-aaab-
ach ar que somos mais pesados com o so m iiii, já que é mmm-iii). A palavra hebraica jeová CIé-ó-vaab) come-
A fala 141
14 O ()Ator Invisível
Quando digo sentir, esto u me re ferindo à sensação em vez de uma resposta f ísica di reta a uma ene rgia
do corpo, e não simplesmente à emoção . To da sonori- particular. É mais simp les. L.M,)
dade que é e mitida tem se u sabor próprio e distinto, e
: sse sabor não é o mesmo que emoçâo ou psicologia . Segundo o budismo es o térico japonês, quando nas-
E o eco int erno do que o corpo está fazendo. E ca da cemo s, fazemos o simp les som aaab como um deus.
vez que o co rpo muda o que está fazendo, o sa bor Conforme o tempo passa , e nos tornamos "ed ucados" e
interior também muda . adestrad os para re sponder à d emanda da socie dad e,
Embora esse fenômeno sej a int eressante de ser es - tornamo-nos um per sonagem com um estilo vo ca l ap ro-
tudado , é mais importante , p ara nó s e nq ua nto at ores, priado. O claro e aberto som aaab se foi. Ent ão gasta-
d escobrir se u uso prático. Por exemplo , uma vez que mos o resto de nossas vid a s trabalhando para recupe-
os so ns aaab e iiii têm qualidades d ife rente s, eles nos ra r o primordial e puro aaab , na expectativa d e reen-
trarão sensa çôes física s diferentes. Quando emitirmo s contrar nossa divindade inata.
os sons, vamos degustá-l o s e observar como muda a
dimensão int erna. Notem o caráter particular de cada
so no rid ad e . Então podemo s juntar outros sons como t TEXTO
s, k, para cr iar ka , kii, ma, e assim p or di ante. Depen- Um lingüista di sse uma vez que , no co meç o, todo o
d endo da consoante esc olhida , o sentimen to de aaab mundo na Terra falava a mesma língua . Tempos de-
irá mudar: ta, ka, ma, sa . pois , à medida que as cultu ras se de senvolviam , as lín -
Mais um a vez , podemo s ve r as muitas líng uas incor- gu as se separaram . De ce rta forma , sinto que isso é
porar esses ele me nto s sonoro s na es colha de s ua s p ala- ve rda de, porque o se ntid o so noro básico d e uma lín-
vras, sobretudo dos ve rb os . Vamos faze r um exercício : gu a p ode , freqü entemente , se r a p re e n d id o m esmo
vamos falar as seguintes p alavras repetidas vezes, real- quando não conseguimos entende r o se ntido literal das
mente d egustando as sensações físicas: õõô-su u e biii- palav ras.
kuu. Vamos su stentá-las um pouco. Na ve rdade , trata- O s so ns têm su as próprias ressonâncias ou "senti-
se de verbos japoneses . Um quer dizer emp u rra r e o u- dos". Um bom escritor, co nsci e nte o u inconscientemen-
tro quer dizer puxar. Vamos tentar adiv in har qual é te , escrev e mais d o que uma históri a , mais do qu e sim-
qual. A ma iori a da s pessoas acha que osu é e m p urrar e pl es falas ou d iálo gos. Um bom escrito r escolhe os so ns.
biku , puxar. Está certo. Existe uma co nexão entre o Quando pronunciam o s as palavras d e um grande e scri-
"sabo r" d a sonoridade e o se ntid o . tor (como Shakespeare) , mesmo se m compreender a
É preciso tomar cuidado com uma coisa quando fa- língua , se ntimos algo, porque el e es co lheu a sonorida-
zemos es se exercício. Precisamos saborear a qualidad e de ce lta . Quando atuam o s, precisamos incorporar o
do som através dos músculos do corpo e através do respeito pelos sons como p arte de nosso trabalho com
eco das emoções. Não se trata d e uma idéia d o que o texto . Da p róx ima vez q ue estiv erem dian te de u m
talvez signifique o som. (Se dissermos a n ós mesmos te xto , te nte m essa ex pe riê n cia . An tes de explorar o sen-
alguma coisa como "é o tipo d e som qu e alguém talvez tido d e ca da frase , o u o co n te údo e mo cio na l, o contex-
p roduza qu ando está empurrando ", esta mos na p ista to social, tentem sim p les me nte "sab o rear" os sons . Se o
errada. Essa seria uma idé ia intelectual sobre o som, au tor escolhe u aq ue les son s, d evemo s respeitá-lo s. Mas
1 44 () Ator Invisível A fala 145
se estivermos muito preocupados com a emoção, tal- isso qu e eu sinto com rel ação a Sha kesp e a re, então é
vez nos esqueçamos d e pensar na dimensão sonora. as sim que vou falar o texto." Ou então: "É um autor
Vou dar um exemplo simp les da p otencialidade dos ruim , então vou fazer 'assim', para que fique mais in-
sons. Lembram-se do exercício recente em que fizemos teressante." Se pensarmos desse modo, não estaremos
o som ha ha ha? Se o sustentarmos o suficiente, come- respeitando o texto. Temos de seguir as intenções do
çarem os a nos sentir alegres. Na verdade , no kyôgen, é autor e devemos também respeitar a sonoridade das
assim que se ensina a apresentar o riso num espetácu- palav'ras que foram escolhidas . Aí sim podemos des-
lo. Basta fazer o som ha ha ha, e passamos a nos sentir cobrir alguma coisa além da simples história qu e está
animados. Os so ns cbei, cbei, chei são usados do mes- se ndo contada.
mo jeito só que para a tristeza. Tendo em vista que a sonoridade das palavras tem
Também notei que o so m iiii provoca uma dor aper- fortes qualidades emocionais, interpretar a mesma pas-
tada , estrangulada, no fundo do sentimento. sage m em diferentes línguas torna tudo diferente. Al-
Estes exemplos são completamente simp les, e nem gumas das produ ções de Peter Brook, como O
todas as palavras seguem es se padrão. Muitas das pala- Mababbarata e The Man W1Jo, eram apresentadas em
vras que usamos na vida di ária são "técnicas" e não têm francês e inglês, e eu fazia o mesmo papel em ambas.
co rrespo ndência emocional. Igualmente , muitas pala- As p alavras do texto tinham o mesmo significado, mas
vras mudaram de sentido atra vés do tempo, de modo qualidades sonoras muito diferentes, de modo qu e ine-
que toda e qualquer conexão entre o so m e seu eco vitavelmente minha atuação se alterava. A qualidade
interior foi perdida. Entretanto , existem ain da centenas do som nos limita e muda a interpretação. Por exem-
de palavras que carregam um a ressonância emocional plo, em Hamlet a palavra vingança é muito usada . Em
em suas sonoridades, e , como disse anteriormente, um japonês, a mesma palavra é bukusbu, mas o so m é
bom escritor irá incorporar essa dimensão ao texto. Por muito diferente. Não podemos interpretar buleusbu do
essa razão, devemos sempre tentar "saborear" os sons mesmo modo que vingança. Sonoridades diferentes
das palavras dos escritores, já que isso pode nos ajudar evocam respostas int eriores diferentes, e nossa inter-
a nos ligar com a qualidade em ocio na l do roteiro. pretação se altera de aco rdo .
Quando a companhia de Peter Brook estava ensai-
a ndo O Mahabharata , gast ávamos um b om tempo tra- Por isso, a qualidade de uma tradução afeta toda a
balhando na pronúncia da língua inglesa co m um a to r produ çã o . Um a má tradução não só confunde ou
inglês . Ele e scolheu a lg u m a s p a s sagens de dist orc e a história, e produz frases que são difíceis de
Shakespeare como base do exercício. Eu não co mp re- ser ditas p elos atores, mas também as palavras escolhi-
endia o sentido daquelas palavras, mas, apenas pro- das para a tradução irão afetar a paisagem interior do
nunciando-as, co m e ce i a e ntra r no mundo da peça e ator.
d os personagens.
Existe um outro elemento: a sonoridade das pala-
Mesmo com um autor ruim , ainda devemos traba- vras irá alterar a percepção do público com relação ao
lhar dessa maneira. Devemos respeitar o som e o tex- personagem.
to , e m vez de tomar decisões prévias so b re como De certo modo, Hão ex iste uma coisa chamada perso-
inte rp re tá ·lo . Muitas pessoas dizem a si me smas: "É nagem; existe apenas o acúmulo de detalhes, que o pú-
1 46 O A tor Invisível A fala 147
blico interpreta como traços de uma p ersonalidadeparti- aproximo de um texto . Quando falo ce rtas passagens
cular. Esses "detalhes " incluem o modo como a pessoa em língua es tra ngeira, tenho de prestar muita atenção
fica em pé e se movimenta, que palavras ela escolhe para na lógic a da s frases , do contrári o não consigo
se comunicar, quão rápido ela responde às situações que com p ree ndê-Ias. Tenho de observar a gramática , e pre-
se apresentam, e assim por diante. Usa ndo esses elemen- ciso ver como a sentença está construída. Mas quando
tos, o público gradativamente pinta um retrato, que fi- falo japonês, não penso na gramática ou na lógica da
nalmente revela por si só ser aquela pessoa . Quando os frase , simplesmente falo . E as frases normalmente saem
detalhes mudam, a interpretação do público automati- como um tipo de melodia que incorpora todos os pio-
camente muda. Se a tradução é ruim e não leva em con- res clichês e maneirisrnos de um teatro ruim . Torna-se
ta a importância da sonoridade, as palavras terão uma um tipo de "imitação " em vez de alguma coisa que seja
ressonância completamente difer ente, e o público terá a minha própria e genuína reação humana . Estou sim-
impressão de uma outra personalidade. plesmente imitando a melodia de alguém que ouvi na
Mesmo no caso de uma história (ou produção) idên- vida cotidiana , ou reproduzindo uma tradição teatral.
tica em inglês efrancês, existe um sentimento completa- Se tivermos apenas a melodia sem acompanhamento
mente diferente na apresentação . Até o sotaque cria da lógica que repousa sob o texto, talvez possamos
uma impressão diferente. Quando vemos atores em seduzir o público mas não seremos capa zes de criar o
cena que falam igualmente bem franc ês e inglês, temos sentido de um ser humano real.
a impressão de que a personalidade toda mudou de Alguns a nos atr ás voltei ao Japão para fazer um fil-
uma versão para a outra. Obviamente, a personalidade me no qu al eu fazia o papel de um velho guerreiro
não mudou, mas é como se os "detalhes " tivessem sido sarnura í. Tão logo recebi o roteiro, pude ouvir todos os
alterados. L.M. macios de falar repletos de clichês que são encontrados
na maioria dos filmes de sarnura í. Esse modo convenci-
Qu ando experimentamos so no ridades e sentimen- onal de falar é muito difícil de se r evitado. Ning uém
to s no trabalho com o texto, não podemos perder de sabe ainda como aqueles guerreiros falavam 300 anos
vista a estrutura lógica de cada se ntença . As palavras atrás . Tudo o que temos são estereótipos que vemos
devem fazer se ntido , não importa o que venhamos a nos filme s e na tele visão , os quais não têm uma cone-
fazer com a voz ou com a emoção. Eu jogo com um xão direta com a ve rdade do contexto. Tive de me es-
largo número de possibilidades vo cais, mas ao mesmo forçar um bocado para me desviar dos clichês e fazer
tempo tomo o cuidado de seguir a gramática, para me com que aquelas passagens tivessem vida para mim.
assegurar de que estou comunicando alguma coisa Quando estivermos trabalhando com um trecho es-
muito específica. Dessa maneira, as palavras se tornam pecífico de um texto, vamos tentar jogar com mudanças
minhas, e não meros clichês de respostas. de respiração, intensidade, volume, no momento em que
Pelo fato de eu ser um péssimo falante de inglês e falamos o texto. Iremos descobrir, segundo o que fizer-
francês , não posso fazer grandes papéis nas produções mos com a voz (falar suavemente, lentamente, ou com
de Peter Brook. Ser tão pobre em dominar línguas es- variações de respiração), situações diferentes que pro-
trangeiras me aborrece de tempos em tempos, mas te- vocarão reações. Podemos jogar com o se ntimento do
nho certas vantagens como estrangeiro quando me mesmo jeito . Por exem p lo, dizemos o texto co mo se os
1 48 o Ator Invisível A fala 149
acontecimentos que estamos narrando nos fizessem fi- espetáculo se ele se limitar a um só nível. Porém, a
car tristes. Então repetimos a mesma passagem como se necessidade de contraste vai além da mera questão de
ela nos provocasse ódio. Ou podemos dizê-la como se a manter o público entretido. É essencial para a criação
coisa toda fosse hilária, engraçada. Não se trata de "colo- teatral ser verdadeira para a vida humana.
rir" o texto, banhando-o de emoção, mas, ao contrário, No dia-a-dia existem muitas mudanças de ritmo, an-
de encontrar uma reação emocional diferente para os damento e direção. Podemos, por exemplo, ficar senta-
acontecimentos que o texto traz. Normalmente, os ato- dos por vários minutos e subitamente saltar e ficar em
res exploram apenas um possibilidade emocional quan- pé, ou então perambular pela cozinha para fazer um
do estão estudando as passagens: aquela que está café. Mesmo num curto período de tempo haverá uma
sugerida pela compreensão da psicologia da cena. Mas grande variedade de ações e reações. O teatro tem de
em vez de pré-selecionar nossa resposta emocional des- refletir isso constantemente variando da mesma forma,
se jeito, tentemos experimentar com escolhas arbitrárias de modo que pareça verdadeiro. Além disso, todo tea-
e então ver o que cada uma oferece. tro condensa o tempo. Acontecimentos que ocorreram
No Japão, diz-se que um bom contador de histórias há mais de dez anos, dez meses, ou há poucos dias são
não deve ter uma voz particularmente bela. Se tiver- espremidos numa apresentação que dura no máximo
mos uma bela voz, nos sentiremos seguros e, como poucas horas. No palco, é a essência dos acontecimen-
conseqüência, não trabalharemos duro o suficiente para tos que é reproduzida, e não todos os detalhes. Até
dominar a narrativa. mesmo uma suposta peça "naturalista" de Tchecov não
Há uma história de um narrador de bunraku que se passa no tempo real, o autor meramente cria essa
viveu no Japão há cem anos. Naquele tempo, algumas ilusão.
idéias do teatro naturalista ocidental estavam infiltradas Subconscientemente o público sabe que está assis-
nos espetáculos japoneses. Segundo a prática tradicio- tindo a uma destilação dos acontecimentos em vez de
nal de contar histórias, os narradores simplesmente ten- uma reprodução exata. Na medida em que até a passa-
tam dizer o texto com uma voz alta e bonita. Mas aque- gem de um simples dia traz uma variedade de ações,
le homem tinha, ao contrário, uma pobre voz, e os con- uma produção precisa manter uma extensão similar de
ceitos ocidentais ajudaram-no a descobrir um meio de ritmos contrastantes. Isso cria um espetáculo que é uma
resolver o problema. Em vez de falar com elegância e reflexão crível e palpável da vida real.
sonoridade, ele tentou reproduzir cada personagem, Mesmo se na vida cotidiana nos movimentamos
dando sentido às suas psicologias pessoais de um modo lentamente, depois fazemos longas pausas e nos mo-
mais realista. Rapidamente tornou-se uma estrela, uma vimentamos novamente, isso não aparece como ver-
vez que a intelligentsia japonesa daquele período se dadeiro no palco, pois contradiz as mudanças e alte-
identificou com aquela abordagem. rações que o público reconhece como sendo da vida
real. É por isso que os atores precisam compreender a
importância do ritmo e andamento quando constroem
REFLETINDO A REALIDADE seus papéis. Uma reprodução apurada de uma situa-
Contraste e variação são necessários ao público, ção emocional pode parecer muito verdadeira para o
uma vez que não é possível manter-se interessado num ator, mas não necessariamente para o espectador. An-
15 O o Ator Invisível A fala 151
te s de p ensar sobre produzir uma e moção , devemos Temo s a lg u ma coisa d entro , resu lta n do que a inter-
examina r o q ue p re cisamo s fazer em termos de ritm o p retaçào se p ar e ce m ais com u m a impro visação . É cla-
e andamento. Na ve rdade , se traba lharmos no sso a n - ro que sem p re segui mos o te xto e re spe itamo s as m ar-
dam e nto de m ane ira adequ ada, a emo ção surgir á mu i- caçõ e s d e p alco , mas ao mesm o tempo sentimos q u e
to faci lmente. re almente sa b emos o q u e está aco ntece n do .
É im portante que o teatro tra balhe com o te m p o Q ua ndo esta mos p re p a rando um papel , e m vez d e
co nde nsado. Do co nt rário, tería mo s sim p lesme nte uma no s p reocu parmos e m como falar o te xto , ou para o nde
parte d a vida cortada e posta diante do es pecta dor. As ir, é melhor imergi rmos no uni verso d a p eça e do per-
p essoas vêem a vida cotidiana o tempo todo ; não p re - sonagem. Tomemo s o m áximo de informação possível:
cisam ir ao teatro para isso . Elas vão ao teatro em busca não só ler livro s, m as também conversa r com as p es-
d e algo mais . soas, o lhar fotografias o u quadros , v isitar o ce ná rio (o u
Como ator, te nho de e sta r livre d o te xto . Não po sso a p aisag em) d a p e ça , e assim por d iante . Se tra balhar-
me preocupar com o que virá na seqüência q ua ndo mo s iso ladame nte com o texto , isso não significa n ada .
es tou atua ndo. Se for um texto longo, é necessá rio com- As p alavras do texto sã o a p e n as uma p equena parte do
preender sua estrutura básica. O nd e com eça? Q ua l é a personage m qu e esta mos fazendo o u d a história q ue
p a rte prin cipal? O nd e é o final? Não se pode ir lendo , está sen do co ntada . O texto é como a p onta de um
lendo , lend o o texto como se fosse se m pre a m esma iceberg : ve mos a penas a p onta , e n q ua nto que abaixo
coisa. Co m o um livro de s usp e nse , há se m pre urna es- d a su p e rfície existe urn a m as sa e n o rme que p assa d es-
trutura. E, co m o livro d e suspens e , às vezes p ode ser percebida . Se tentarmos atin gir o sentido de nosso p a-
útil da r u ma o lha da no fina l para poder trabalhar o pel so mente atra vés d o texto , veremos q ue isso é mu ito
começo. Se o fina l é "assim ", então o começo precisa lim itado . Nào b asta. Pre cisamo s d e scobrir todo o resto
ser "assad o ", e assi m vai. É como um queb ra-cabe ça . d o mate rial que não está d is ponív e l no te xto . Se fizer-
Mas não p odemos trapacear, o lha ndo o fin al p ara de s- m o s isso p rimeiro , então o te xto irá simp lesmente sur-
cobrir como res ol ver o p roblema . Do fin al p ara o co- gir q uan do for o m omento de e ns aia r.
meço e d epo is pa ra o me io é u m bom cam in ho . Po demos achar q ue é im porta n te p rende r a a te nção
De ce rta forma , p ara mi m é mu ito fáci l tra ba lhar to tal do púb lico a ca da momento , m as não é assim.
nas p ro d uções d e Peter Bro ok, p o is ele fo rne ce aos Não é possíve l p a ra as pessoas suste nta r um a lto n ível
atores muito mate rial qu e es tim u la a im aginação. Todo d e conce ntração por uma hora o u m ais, de modo que
o tip o de mate ria l: fot o g rafias, músicas , hi st ó rias , es- temo s d e d esc obrir meio s de d ar ao p úblico um d es-
tudo s de caso, ex periê ncias d ire tas , e a té comida . Atra- canso de vez em q ua nd o . O s ato res tê m de ofe recer
vés dessas info rmações começa-se, in co nscientem e n - aos espectadores momentos par a resp irar mesmo no
te, a digerir o universo da peça. Então, quando se me io d a mais inte nsa das p rod uções .
com eça a trabalhar as cenas específic as, o m at erial qu e De scobri isso q ua ndo estava ap rend e n do a técnica
tive rmos e stud ado de algum a m aneira ress urge sem trad icional d e conta r histórias. Meu professor nunca me
pre cisarmo s pensar nele . Sabemos o que e stá se pas- d ava co nselhos de como interpretar bem , mas às ve zes
sa ndo, d e modo que n ão é pre ciso p e nsar e m com o dizia: "Ne sse p onto d a recitação você precisa interpre -
se deve interp re ta r a cena: s im p lesmen te esta mos lã . ta r ma l."
;~
I
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Na verda de, não p reci samo s pensar em co mo inter- tentar falar essas passagens d e maneira comum. Do con-
pretar bem. Isso aca ba ac o n tecend o no d ecorrer d o trá rio , o público não será ca pa z d e se movimentar
tempo . Mas algumas vezes temos de descobrir quando conosco através d o que estiver sendo dito e não reagirá
precisamos atua r de modo corriqu eiro. aos momentos im po rta ntes .
Se formos sempre bons, o público será con sta nte - Em japonês, existe uma palavra, ma , que se refere
mente for çado a se co nc e n trar e m nossas pala vra s. ao vazio do tempo e do es p aç o. Ma contém o nada; é
Depois d e um certo tempo estará cansado e terá di fi- o momento e m que nos abste mos de fazer qualquer
culdades em reagir. coisa. Esse conceito é extremamente útil no teatro, na
Além d isso , se tudo e st iver igualmente bom, o pú- medida e m que a a us ê ncia de ativida d e pode ser em-
blico rapidamente ficar á acostumado com isso, e os pregada para criar um tipo de "mo ld u ra " para o s mo-
momentos-chave do es petácu lo não ficar ão sublinha - mentos grandiosamente importantes. Essas "ausências"
d o s. Perderão seu impacto. Essa mesm a p erda de ca pa- d e ação devem parecer co mo uma parte integral d a
cidade reati va aconte ce na c uliná ria . Se um anfitrião peça , e não ap enas momento s em que nada está acon-
preparar sempre uma refeição refinada para se us con- tecendo. Assim como a música é feita tanto d e som
vid ados, eles co meça rão di zendo "Está maravilhos a- quanto d e silêncio, com teatro é a mesm a coisa.
mente deliciosa!". Mas se a cada refeição o cozin heiro Ma tamhém implica rela ção adequada entre obje-
fizer tudo co m p lexo e refinado, depoi s d e um tempo to s ou acon te ci me ntos. Um bom ator pode manipular
será di fícil di stinguir. Um cozin he iro es p e rto irá alter- ma co m s ucesso. Ele pode se ntir a relação ap ro p riad a
nar uma refeição rica e exóti ca com alguma coisa sim- e ntre dois momentos , duas pessoas, duas ações , duas
ples e cotidiana, para "limp ar" o palad ar e de sperta r se n te nças , duas cenas , e entre () público e o palco.
nov amente o sa bo r. Da mesma man eira, o ato r não deve Ma n à~) é a lgo e státic o, mas uma co isa que trata de
sobrecarregar o público com uma atuação consistente co ne xõ es .
e b rilhante. Há momentos em qu e temos de interpretar Essa prontidão em o pe ra r ta is contraste s funciona
"mal", para despe rtar novamente a habilidade d o pú- também quando utilizamos pausas em nossas falas . Se
blico em apreciar e re agir. suste ntarmos um a pausa longa , as passagens seguintes
Obviamente , quando digo interpretar mal, não estou d o texto não poderão ser ditas de maneira lenta; devem
querendo diz e r com isso que devemos atu ar de maneira ser interpretadas muito rapidamente. Do contrário per-
horrível, egoí sta ou vulgar. Digo apenas que alg uns mo- deremos o público. (I mag inemos o se guinte : uma longa
mentos precisam ser mais trivi ais e "desca rtáveis". Por e len ta fala , se g uida de uma pesada pau sa , se guida ain-
ex emplo, se formos entrar num tre cho de grande monó- da de uma outra lenta e ponderada série de palavras...)
logo, co meçamos a nos preparar, descobrindo como Em to d o o meu trahalho se m p re es to u tentando
começa , como se desenvol ve e co mo va i para o final. O descobrir a lgu ma coisa rara e única (c o nfo rme d e s-
próximo passo é decidir quais são as falas fundamentais. cre ve u Zearni) . A convenção é inimiga do ator, e te-
Essas sã o importantes e têm d e ser int erpretadas muito mos de tr ab alhar duro para nos d es viarmos de ca ir
bem. Então observamos as falas que vêm an tes das prin- nos clichês de interpretação. Se isto aco nte cer, não
cip ais . Essas não devem ser enfatizad as d emais, senão e sta remo s cria nd o um se r humano cr ível. Temos de
irão reduzir o imp acto do que ve m a se guir. Devemos buscar as sutilezas e contradi ções que dão o se ntid o
1 54 () AtorInvisível A fala 155
d e realidade a nosso trabalho. Pe rsonagens co nven- ve rda de da p eça ganhar vida . Noss o intu ito não é o de
cionais ap res e nta m ape nas uma di me nsão . Pessoas a presentar um a produção q ue seja rara e única, mas
re ais são co mp lexas e verdadeiros e nigmas cheios de utilizar um a abordagem q ue seja rara e única p ara ilu-
contradições . Igualmente , não devemos fazer algo to- minar a produção. Raro e único são os meios para se
talmente escandaloso só para se r difer ente. Não se co nta r a história e não os fins.
trata da variação só pela variaç ão . Zeami ide ntifico u a im portância da n ovida de. Pe r-
Muitos anos atrás, interpretei Go n zalo na produção ce beu qu e , na natureza , as coisas nunca perman ecem
de Pet er Brook de A tempestade. Q uando lemos o tex- exatame nte as me smas . Uma árv ore produz flores, fo -
to , nos da mos co nta de qu e todos os personagens na lhas, frutos e depois p arece ficar um tem po "mo rta" ,
peça descre vem Gonzalo co mo se ndo um a figura ge n- até que as flores reapar eçam na pr óxima pr imaver a. O
til e sensata. Então aí temos uma image m muito con- surgimento de um a flor nos toca com sua bel e za por-
ve nc iona l do "velho home m sensato ". Eu tinha de de s- qu e é nova todas as ve zes. Se a árvo re estivesse na
cobrir uma ma neira de retrata r Gonzalo q ue fosse ve r- flor escência o a no inteiro , nosso inter esse cessaria, ape-
da deira , e não simplesmente estampa r o clichê de um a sa r de to da a beleza das flores. No teatro é a me sma
imagem. No começo , e u o fazia reagindo com modos coisa . Como atores, se nos se rvirmos se mp re do s mes-
que n ão fossem obviame nte ge ntis e se nsa tos . Confor- mos me ios de ex p ressào (aind a que virtu osos), perde-
me a peça avan çava, e o p úblico via as ações e reações re mos a possibilida de d e d ele itar o p úblico. Não deve-
de Gonzalo , as pessoas pude ram tirar suas próprias mos perma ne ce r estacado s em velhos pa d rões ; de-
concl usões so bre que tip o de home m ele e ra. No fina l, vemos nos man ter na busca de no vos meios pa ra entrar
concluíram q ue se tratava de um "velho homem se nsa - em conta to co m o pú blico.
to ", ma s chegaram até aí p or elas mesm as. Obviam e n- Go sta ria de dei xar cla ro q ue o conceit o de novida -
te , to dos nós tem os idéias sob re como um home m ve- de não significa q ue temos de bu scar interpretações
lho e se nsa to iria o lhar e falar, de modo que e u delibe- sobre na tura is, choca ntes e bizarras . Não se trata da
radamente tentei me desviar d aquelas imagens conven- mudança pel a mu dan ça . Ao contrário , trata-s e de e n-
cio nais. Se eu tivesse ret ratado Go nzalo de man ei ra co ntra r meios de ma nter n osso trab alho fresco e vivo .
convencio na l desde o começo , o p úblico teri a dito sim- Do ponto de vista d o p úbli co , uma peça q ue traz um a
plesmente: "Oh, aí está um velho homem sensato ." E verda deira no vida de não irá necessariamente parecer
teri a perdido a curiosida de co m relação ao persona- estra nha e chocante. Em vez dis so, o púb lico ficará tão
ge m e suas ações . absorto e toc ado pelo q ue estiver ve ndo , qu e não aten-
Cada simples asp ecto d o te atro deve ter p or objeti- tará pa ra o fato de q ue p res e nciou um bom espetáculo.
vo se r raro e único, e não apenas a inte rpre tação . A Zeami foi lo nge qua ndo disse q ue se o público per-
própria p ro dução precisa ter uma variedade de co n- ce be r q ue está dian te de um es petáculo "inov ador", isso
trastes in esp er ad os. É p reciso que haja surp resas, m u- é sina l de que o ator não está verdadeiramente q ualifi -
dan ças rápidas de dire çã o e momentos únicos. Mais cado . A "flor" do traba lho de um ator de ve se man te r
uma vez , não se trata de simp les mente usa r artifício s e m se gred o, e a habilida de em criar ess a novidad e é
de fantasia com a fina lidade d e chocar o pú blico , mas pa rte daq uela "fl or" , Ningué m de ver ia ver o qu e real-
descob rir ve rdad eiro s ca minhos , o riginais, de fazer a me nte está acontece ndo . Se os es pectadores começ a-
157
1 56 O Ator Invisível
;..i' .
í
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158 oAtor Invisível o aprendizado 1 59
qual dependemos por tanto tempo co meça , aos pou- objetivamente. Se e mbarca rmos na idéia de qu e somos
co s, a desapar ec er. um gê nio do teatro , perderemos qualquer que se ja o
Qu ando atingimos a idade de mais ou menos 16 talento qu e tenhamos. Temos de observar ob jetivamen-
an os, temos de encarar um período difícil tea tralme nte . te o que fizemos, e m ve z de subjetivamente . Se fizer-
Visua lmente e vocalmente par e cemos ad u ltos : nosso mos isto , rapidam ente co mp ree nde remos por que nos-
co rpo se alte ro u e a vo z também mudou, o u está mu- so su cesso p recoce é um tipo de co inc idência , e que
dando. Paralel amente, nossos p adrões de p ensamento não ex iste nenhuma garantia de que ele irá co ntin uar.
estão ma is maduros. Por consegu int e , o público nos Zeami co nside ro u a idade de 33 ou 34 anos como
perceberá como ad ultos e julga rá nosso trabalho se- sendo a fase ma is rica da vid a de um at or. Podemos
gundo aque le padrão. Ha verá a expectat iva de assistir notar os resultad os de todo o nosso treinamento, e , se
a uma int erpretação afinada , e não se re mos tecnica- tivermos atingido um certo padrão de reconhecimento
mente capazes de dar-lhe isso. Ter emos perdido a "flo r" do nosso trabalho, isso será permanente . É igualmente
da infân cia, ao mesmo tempo que ainda não teremos o verdade que se es tive rmos trabalhando como atores
domínio total de nossa capacidade profissional. É um secundários ne ssa fase, é improvável que isto mude no
período muito embaraçoso, e a co isa mais útil a fazer futuro. Aos 24 a nos tudo é possível : podemos de re-
nesse caso é simplesmente nos co nc ent rar no treina- pente nos transformar de medíocres em exce le ntes ato-
mento . Se ac aso nos ocorrer de atuarmos mal, não de- res ; mas depois dos 34... milagres podem acontecer.
vemos no s pr eocupar muito e a penas nos manter tra- Temos de ser muito honestos e analisar o bjetivamente
balhando . nossas habilidades . Além do mais, se não tivermos al-
Esse di ficultoso período acab a mais o u menos aos cançado domín io técnico de nossa art e nessa idade ,
23 anos , quando entramos na fa se mais imp o rtante de teremos um problema. Em mais ou men os 10 anos no s-
no ssa vida profissional. Agora o corpo praticamente sas co m petê ncias físicas começarão a decl inar (pe rto
p arou de cresce r e mudar, de modo que so mos cap azes da idade de 45 anos) , de modo que se não tivermos
de "d ige rir" fisicamente qualquer coisa que tivermos nossa té cni ca o rga nicame nt e instalada aos 35, teremos
ap re nd ido . Nosso treinamento e desenvol vimento físi- muito pouco a fazer. Se, aos 35, formos capa zes de
co vêm juntos, co mo um frut o que amad ure ce u. Nessa "e ncant ar" o p úbli co , esta é a tlor re al de no ssa a rte .
fase , se fizermos um papel jovem, co mo em Romeu e Não a flor da juventude agracia da por um a coi nc id ê n-
[ulieta , muitas pessoas ficarão impressionadas e acre- cia, mas um artigo genu íno.
d ita rão que so mos atores muito bons . É verdade que Entretan to , se não pudermos encontrar esse "e ncan-
parecer emos melhores e talvez mais convincentes na - to " na idade de 35 anos, devemos p ensar sobre nosso
quele jovem papel do que um ator ma is velho, mas não futuro co m muito cuidado. Ou nos co ncent ramos em
devemo s nos deixar levar demais p elo provável suces- nosso trabalh o com esforço dobrado, o u dev emos de-
so. É meramente um tipo de coincidência: estar no pa- sistir. Afora qu alquer outra coisa, temos de examinar
pel certo, no momento certo. Não se trata de avaliar o de maneira re alista onde e como podemos se r escolhi-
virtuosismo da atuação. Quando nos d izem que somos dos para co ntin ua r a trabalhar com teatro.
bons aos 24 anos, é possível que seja verdade que te- Zeami p ercebeu que em volta de 43 o u 44 anos so-
nh amos talento , mas devemos apre nd e r a o lha r isso fremos um a o utra mudança . Nossa beleza física está
162 oAtar Invisível o aprendizado 1 63
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começando a declinar, e nossa energia física começa a sante , compulsiva, encantadora e tocante com relação
ir embora. Enquanto so mos capazes de realizar extra- a seu trabalho. Nesse caso a interpretação é quase que
vagantes e extraordinárias façanhas virtuosas aos 34 totalmente interior.
anos, não podemos realizar as me sma s ações, do me s- Com rela ção a isso , devo lembrar que essa maneira
mo jeito, na idade de 44. Isso não quer dizer que não de "le r" o teatro foi expressa por Zeami há mais de 500
temos nada a oferecer ao público. Em vez de demons- anos e se refere apenas a atores e não a atrizes (uma
trar nossa perícia técnica, devemos nos concentrar exa- vez que as mulheres eram proibidas de atuar no Japão
tamente naquilo que estive rm os fazendo ou diz endo. daquela época). As idéias de Zeami obviamente ainda
Reduzimos a expressão externa, mas mantemos a inte- hoje são relevantes , com algumas exceções. Segundo
gridade de nossas aç ões. Não mais dependemos de minha própria observação, os pontos de transição para
no ssa beleza física , mas o público ainda percebe algu- as mulheres tendem a ocorrer ligeiramente mais cedo
ma coi sa deli cada cujo movimento vem de dentro. Aí do que para os homens. É também útil que nos lembre-
está novamente a "flo r" ve rd ad eira da arte do ato r. mos que o teatro que ele descreveu era muito físico ,
Ze ami também comentou que nessa idade é importan- em alguns casos se parecendo mais com a dança do
te analisar cuidadosamente aquilo que podemos e não que propriamente com o teatro convencional baseado
podemos fazer. E começar a ensinar. Essa combinação no texto .
entre se auto-analisar e alimentar atores mais jovens (c Além disso, a saúde e a nutrição modernas , de um
o diálogo ine vitável que ocorre entre essas du as ativi- modo geral, aumentaram a duração e a qualidade da
dades) nos ajuda a nos manter em desenvolvimento vida humana desde então, e isso precisa ser levado em
como atores, até atingir a terceira idade. conta ; 50 anos era uma idade realmente avançada na
Depois dos 50 anos, Zeami sentiu que era quase época em qu e ele escrevia, e agora não é mais assim . A
impossível para um ator reproduzir fisicamente tudo observação sugere que as fases mais tardias da vida , às
aquilo que tinha feito no passado. Agora , a habilidade quais ele se refere, precisam ser aju stadas em mais ou
em prender a atenção do público não depende de menos 10 anos . Os primeiros anos (da adolescência até
virtuosismos exteriores. Ao contrário, devemos basear os 40) parecem ser mais ou menos os mesmos hoje em
nossa interpretação em alguma coisa que seja interna: dia . Talvez essas idades devessem ser ajustadas em cer-
a parte invisível da atuação. Se isto existir, a atenção do ca de um ano, para baixo (}6 anos significam os atuais
público permanecerá concentrada em nossa interpreta- l li ou 15). Isto também se dá por causa do efeito da
ção . Se um ator tiver aprendido como atuar re al e ver- melhor nutrição que produz uma maturidade física pre-
dadeiramente através de todos os anos antes dos 50, coce. Mas essa diferença é mínima, pois a abrangência
então, mesmo que a árvore esteja velha , um p ouco da observação de Zeami ainda perrnance tão relevante
retorcida e arqueada , ainda será capaz de produzir uma quanto na época em que escreveu.
flor. Não estaremos diante de um encanto extravagan- Uma vez ouvi lima história sobre um brilhante artis-
te , ma s de uma profunda e permanente beleza . Num ta da corda bamba que trabalhava num circo. Depois
velho ato r que esteja verdadeiramente habilitado, a voz de uma de suas habituais espetaculares apresentações
pode estar fraca, o corpo incapaz de su stentar uma ati- e le se virou para o público e disse: "Tenho um filho de
vidade intensa, ma s ainda haverá alguma coisa int eres- se is ano s. Nos dois últimos anos ele esteve aprendendo
'84 li Ator Invisívd
·.,:
T,~ "
a andar na corda bamba . Gost ar ia de ap resentá- lo a na sça da ab ertura do coração. Devemos descobrir como
vr )c0~ esta noite, pois ele vai fazer sua e stré ia diante do isso se dá , uma vez que a qualidade de nossa atuação
público . É evi de nte que não se trata de algué m alta- reflete isto . Mesm o que o corpo e stej a velho e deca-
mente habilidoso , mas por favor façam com que se sin- dente , alg uma coi sa muito especial e límpida p ode sur-
ta bem-vindo. " gir se tivermos cultivado um coração forte e abe rto .
Então a crianç a apareceu e co meço u s ua pequena Isso ultrapassa a té cnica.
caminhada pel a corda. Ele tinha mui ta d ificuldade de Zeami nos ofe rece três conceitos que definem o tra -
equilíbrio ; num momento qu ase chegou a ca ir, mas de balho do ator. Ele os descreve na fo rma de ele me nto s
algum modo conseguiu se recuperar. Finalmente atingiu como pele, ca rne e osso. A pele é a beleza externa do
a outra ponta da co rda e foi sa udado co m um a chuva de ator, a carne é a beleza que vem com o tre inamento, e
ap la usos . Era uma genuína o vaçã o não ape nas pelo bem- o osso é a na tureza essencial da pessoa , é um tipo de
sucedido cumprimento da tarefa , mas porque conseguiu beleza esp iritual. Alguns atores nas cem com Lima qua-
capturar e sustentar a atenção do público durante sua lidade inata , qu e é o esqueleto de seu trabalho. Aí o
intervenção . Na verdade, num certo se ntido , sua atuação treinamento resulta na carne, e o que finalmente surge
era mai s interessante do que a de seu pai. Obviamente externamente, para o público, é a pele .
tudo o qu e fez com que fosse fascin ante de se ver não Uma outra maneira de apresentar ess a noção é ver,
era o domínio técnico ou a cria ção de um "novo estilo" ouvir e sentir. Primeiro, o público vê o ator: a beleza
de andar na corda bamba. Era alg o mais: a criança tinh a que enxergam os é a pele. Segundo, a mu sicalidade da
posto sua vida inteira na ap resentação; o pai tinha ape- interpreta ção . o ritmo e a harmonia da expressão que
nas um a excele nte técnica. ou vimos é a carne. Finalmente, a interpretação no s le va
Um mestre zen uma vez observou que , no momen- a um ní vel mais fundo , quase metafísico ; se ntimos a l-
to do nascimento, cada se r humano co nt é m uma se - guma coisa muito profunda. Esse é o osso do trabalho
mente, a qual pode crescer e se transformar na "flo r" do arti sta. No palc o e stá a beleza do co rp o , a beleza do
da divindade . Pensar nas atitudes div inas como se fos- e spetácul o , e a beleza da mente que crio u a inte rpreta-
se m um tip o de "ch uva " faz com que a se me nte germi- çã o . Para se r um bo m ator, cada um desses elementos
ne e cresça. A compreensão da div indade é a "flo r", precisa se r mantido no mais alto nível.
que p or s ua ve z produz o "fruto " da iluminação. Essa Quando falo da beleza, não me refiro à atração ou
"flo r" é a mesma que aquela do ator. Uma ve z que ti- à beleza da moda. Se nosso espírito (osso) é bonito, é
vermos começado a estudar na infân cia , ca da idade nos isso que e stará na su pe rfície.
trar á um a co mpre e nsão nova e ap rofund ada do que Havia um a ve z um jovem samura í que estudava com
significa se r ator. Olhamos para nós mesmos objetiva- muito afinco e as pessoas começaram a comentar quão
mente, ana lisamos nossa habilidade, treinamos, busca- bom ele era. Notaram que ele era altamente habilidoso,
mos nós mesmos, estudamos, e então, quando a "flor" já que tinha claramente adquirido muita técnica. Um dia,
se abre, b atalhamos para mantê-la. E co ntin uamos a depois de pr aticar no dojo, foi a um rest aurante, ali co-
alimentá-la , de maneira que não murch e e morra. meu e to mou um a taça de vinho de arr oz. Finalmente se
Mas , para produzir uma bela flor , temos de saber no levantou para ir para casa, mas naquele horário estava
que co nsiste a semente. Acredito que essa b ela "flo r" mu ito escu ro e ele não via um palmo ad iante do nariz.
1 66 O Ator Invisível
de um certo tempo, as p essoas vinham até mim e dizi- não me d ive rtindo . Não me im portava com o fato de
am que eu ai nda não era muito bom e que devia consi- que es tive sse repetindo a me sm a coisa d ia após d ia. Na
derar a hipótese de sair do teatro . É claro , elas reco- verda de , não me im portava co m nada . Ao co nt rário, eu
nheciam que e u estava trabalhando d uro e me dedi- me co ncentrava nos detalhe s: mão di re ita para cima,
ca ndo , mas infe lizmente eu não er a tão interessante de ca beça vira , digo um a fras e , e depois a próxima... Como
ser visto. n um ritu al. Um ritua l da vida co tid iana .
Po ucos anos mais tarde, estive q uase pa ra desistir. Achei aquilo comp letam e nte semelha nte à tradicio-
Aceitei o fato de que não era um bom ator e me de i nal ce rimô nia do chá. Na ce rimônia do chá , há muitos
co nta de que tinha pouca chance de su cesso. E, é ló gi- detalhes comp lexos. Toda ação tem um pad rão pr escri-
co, este fo i o mo mento em q ue as pessoas fina lmente to . Co mo lim pamos a xícara , co mo acendemos o fogo ,
co meçaram a di zer que o me u trabal ho afinal não e ra co mo verte m os a ág ua : tud o é c u id a d o sa m e n te
tão ru im ass im . core ografado. Seg uimos essa complicad a o rde m para
O Mab abbarata foi o grande projeto de Peter Brook, produzir um a xíca ra de chá que vam os ofe recer a nos-
tendo durado mais de quatro anos. Eu realmente estava sos convidado s. Na verdade não fazemos nada de es-
interessad o naquilo e queria ver co mo Bro ok iria trazer pecial; ap enas fazemos uma xícara de chá . Não é nada
a co m plex ida de do universo daquela históri a para o tea- fantástico , mas no s dá um grande pr aze r em pr eparar e
tro . Mais uma vez decidi que o mel hor seria co ntin uar servir.
atua ndo, d o co ntrário não me se ria possível testemu nhar Uma vez executei um a ce rimônia do chá para um
o modo como o projeto iria se d esenvol ve r. gra nde mestre . Po r a lg uma razão, de re pente se nti um a
Para mim o p roc e sso foi mara vilhoso . Era fascinante afeição e norme pelo pó ve rde do chá , d e mo do que o
observar co mo um grande d ire to r trabalhava um a peça esmaguei mu ito ca lmament e , com m uito amo r. Este
daq uel a magni tude . Eu desfruta va de ca da um do s se nt imento de amor e afeição ficou co migo durante
momentos d os ensaios. In feli zme nte , de po is de dez todo o resto da cerimô nia. Eu escutava o so m da ág ua
meses, aquela fase terminou , a produção estava p ron- fer vendo. Perce bi a mudança no to m quando acrescen-
ta , e ago ra eu tinha de m e lan çar no traba lho de inte r- tei ág ua fria. Fina lmente dei a xícara ao mestre , que
pretação . De pois dos bons tempos vie ram os ruin s: do is disse: "Este chá deve esta r delicioso ."
anos in ter pretando a mesm a coisa, dia após dia . Um a luno de espada es tava pra ticando um d ia ,
Se e u tivesse atua do do me smo je ito to dos os dias, quando se u p ro fessor ve io a té el e e comentou: "Vo cê é
teria fica do lo uco co m o té d io . Pa ra d riblar esse p rob le- mu ito bom, mas a lg uma coisa ainda não está 'afinada'.
ma , decidi tentar um outro jeito de atuar. Decid i que Está faltando alg uma co isa. "
não pensaria se e u era bom o u ru im , sim ples me nte ten- O es tuda nte refletiu profundamente so bre o que o
taria me d ivertir no palco. Todos os di as, num sentido mestre tin ha observado , mas não cons eg uia e nco ntrar
egoísta , tentava encontrar praz e r na minha interpreta- nenhum sent ido para a observação. Alguns dias depois
çã o . E as pesso as de repente diz iam q ue eu estava ele se aproximo u do professor e di sse : "Não co nsegu i
muito m el hor d o que antes. descobrir o q ue es tava faltando . Obviamente ex iste al-
Então fui tra ba lha r em Tbe Man Wbo . Nessa peça, gum grande se gre do sob re a arte da es pada que e u não
mudei no vamente. Não m e importav a se eu es tava ou sou capaz de compreender."
, .,0 "AIur 11I\'1~1Vl'1 o aprendizado 17 1
( :. II11 aquilo, e le concluiu que não ha via nenhum O sáb io respondeu : "Vo cê é uma bandeja."
;lsP('('lo com que se pre ocupar rel ati vo a como mani- Nas cerimôn ias religiosas do Ocidente uma bandeja
pular a espada. Livrou-se dos pensamentos ligados à especial é usada para oferendas qu e são feitas aos deu-
espada e apenas ficou a li, di ante do mestre . Normal- ses. A ba ndeja co nté m o bje tos preciosos. O sáb io esco-
mente no J apão , quando enca ram os um gra nd e mes- lhe os símbolos da bandeja e das oferendas para distin-
tre, ele se p ar ece muito g rande , enquanto nós nos se n- guir Yu (a existência) e Mu (o nada). Yu é como o f enô-
timos pequeninos . Mas, naquele caso, o jovem de re- meno ; é o efeito visível da ação . Vemos, o uvimos, reco-
p ente se n tiu co mo se o se u própri o corpo fo sse enor - nhecemos. É co mo as oferendas qu e são feita s aos deu-
me , enquanto que o d o mestre parecia encolh id o . ses. Mu é como «forma , é difícil de detectar, ainda que
Naq uele m omento, o mestre sorriu e disse : "Agora esteja diretamente re lacio nada com o fenômeno . Des-
você compre endeu! Agora vo cê d escobriu o se g re do cre ve ndo o es tuda nte como a bandeja, o sáb io o estava
de lutar." lembrando desse nível profundo da existência. Do mes-
Isto só pode acontecer qu ando "joga mos a espad a mo modo , a parte invisível do ator é a bandeja que dá
fora ". Esse vazio interior é um o bjetivo interessante, or igem e sustenta a ação visível da interpretaçã o. Não
mas como chegar lá? Infelizmente, não existe mapa o u se nota s ua presença. Apenas s ua a usê nci a.
g uia, e só p odemos ver co mo chegamos lá depois de Consideremos o sutra do co raçã o no budismo. Reza
ter chegad o. o seg uinte : "o fen ômeno é o vazi o e o vazio é o fenô-
meno". De certa ma neira, tudo surge do vazio e d o
Quando olha mos para trás podem os diz er "Ab, era nada. Ad miramos a bel eza das flo res numa á rvor e . Mas
realmente um momento decisivo; aquelas foram as pa- se a ab rirmos para d escobrir o que cria a beleza , não
lavras que de repente alteraram m inhas prioridades ", e nc ontrare mo s nada: nem brotos de flores, nem códi-
ou "Eu achava que estivesse fazendo 'isto', mas na rea- gos se creto s , ma s apenas madeira. Se pensarmos na
lidade esta va fa z endo 'aqu ilo "', e até mesmo "Qu a ntos natureza em toda sua gló ria e diversidade , ficaremos
acontecimentos tão pequen os se articularam para me espa ntados. Árvo res , flor es , neve , mar, grama... A todas
trazer até aqui. Nunca tinha percebido isto naqueles essas manifestaç ões chamamos natureza , mas o qu e é a
tempos ". E é assim que acontece; enquanto estamos tri- natureza? Onde ela está? Não pode se r e nco ntrada . Isso
lhando o ca min ho, não p odemos vê-lo. E<só tardiamen- é o nada qu e dá orige m a inc o ntá veis fen ômenos. Po-
te que tudo começa a ficar claro. L.M. demos o lhar a inte rpretaçã o sob esse me sm o ângulo .
Como a nature za , o coraç ão do ator p ode dar vida a
Quando falo sobre auto-aprendizado , não es to u fa- pratic amente qua lquer co isa. Como na natureza, há um
lando sob re um p rograma int electual de treinam ento tip o de nada qu e fertili za.
mas, em ve z d isso, de um a abertura e disposi ção ger al Como atores, devemos ter um pouco de cuidado
para se guirmos ad iante. Trata-se de prontidão e não quando estivermos tratando com esses conceitos de
rigidez. nada e fen ôm en os. São co nceitos intelectuais, e se nos
Um sá b io chinês estava re spondendo a p erguntas ape garmos d emais a eles isso p ode nos dei xar perdi-
do se u estuda nte . Uma das questões era: "O que e u dos. Se estive rmos co nsc ie nte me nte pensando sobre o
sou? " vazio, e ntão n ão se trata de um vazio real, ma s de uma
1 72 ()A tor Invisível
o aprendizado 1 73