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Texto para traducción.

Extraído de EL País (30 OCT 2020)


https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-10-30/revisao-de-estudo-fragiliza-esperanca-de-vida-
em-venus.html

……………………….

0)
Revisão de estudo fragiliza esperança de vida em Vênus
Várias equipes questionam a validade da detecção de um gás relacionado à vida no
planeta mais próximo da Terra

1)
Pouco depois de sair a notícia de que um gás associado à vida havia sido detectado em
Vênus, um astrônomo holandês fez o que todo cientista deve fazer quando se publica uma
descoberta assombrosa: tentar reproduzi-la. Era verdade que na atmosfera de Vênus havia
fosfina, um gás que na Terra está associado aos micróbios? Depois de fazer uma segunda
análise dos dados originais, a equipe de Ignas Snellen no Observatório de Leiden (Holanda)
deixou claro: não se pode afirmar que o gás esteja lá.

2)
“É impossível manter os resultados do estudo original”, afirma Snellen a este jornal.
Sua equipe publicou há alguns dias os resultados de seu estudo, que ainda são preliminares,
pois não foram avaliados por especialistas independentes.

3)
Ao mesmo tempo, a equipe científica do radiotelescópio ALMA, no Chile, o mais
potente na sua classe e cujas observações foram fundamentais na detecção da fosfina,
também começou a rever os dados, que podem ter sido invalidados por uma falha na
calibragem das suas ferramentas de análise da luz que chega de Vênus.

4)
Este telescópio – parte do Observatório Austral Europeu (ESO, na sigla em inglês),
composto por 16 países do continente – anunciou a descoberta original com um comunicado à
imprensa intitulado: “Detectado um possível marcador de vida em Vênus”. Já naquele
momento, muitos especialistas estavam céticos de que a vida fosse a explicação mais plausível
para esse sinal, se é que era real. Os responsáveis pelo ALMA não querem dizer se o marcador
sumiu ou não enquanto os autores do estudo original não terminarem de rever os dados com
as ferramentas já bem calibradas, para comprovar se o sinal de fosfina continua presente. A
maioria de especialistas consultados, incluído o próprio Snellen, acha quase impossível.

5)
“A detecção de fosfina na atmosfera de Vênus não se sustenta após nossa segunda
análise dos dados”, conclui uma equipe de quase 30 astrônomos da NASA, da Universidade de
Berkeley e de outras instituições, em um segundo estudo preliminar que desfere um golpe
quase mortal no trabalho original. Seus responsáveis voltaram a analisar os dados originais
usando diferentes ferramentas informáticas e chegam à conclusão de que havia um parâmetro
incorreto no estudo original. Sem esse parâmetro, a observação da fosfina se desvanece.
6)
Os autores deste trabalho mandaram seus resultados para a Nature Astronomy, a
revista que publicou o estudo original sobre a fosfina em Vênus. A revista entrou em contato
com a equipe responsável pelo estudo para que dê uma resposta. Essa resposta pode levar
“semanas”, segundo os responsáveis pelo telescópio ALMA. E, enquanto não se pronunciarem,
não haverá um veredicto definitivo.

7)
As astrônomas Sara Seager, do MIT, e Jane Greaves, da Universidade de Cardiff (Reino
Unido), líderes do estudo original, se recusaram a comentar os dois estudos que questionam
suas conclusões. Mas Greaves reconheceu a este jornal que estão esperando que o ALMA
termine de calibrar suas ferramentas de análise para voltar a comprovar se o sinal da fosfina
continua lá.

8)
Grande parte do problema é que todos esses astrônomos confrontam um desafio
endiabrado: detectar uma molécula com uma concentração de milionésimos na atmosfera de
um planeta infernal, muito desconhecido e que está a mais de 100 milhões de quilômetros da
Terra. Isto representa um desafio tecnológico que só instrumentos como o ALMA, composto
por 66 antenas instaladas em pleno deserto do Atacama, podem encarar. E ainda assim é
possível cair num erro.

9)
Tudo começa com a imagem nua captada de Vênus, a luz bruta que sua atmosfera
reflete e que está cheia de ruído, de sinais confusos que impedem de saber o que é o quê. Para
esclarecer, os astrônomos usam ferramentas de software que foram testadas em ambientes
conhecidos e depois aplicadas a ambientes novos, como a atmosfera de Vênus. Esse planeta
sofre um efeito estufa tão selvagem que sua superfície está a 400 graus Celsius. Por outro lado,
as camadas altas da atmosfera venusiana podem ter uma temperatura similar à da Terra. É
justamente aí que a equipe detectou um sinal de fosfina, um gás que em nosso planeta está
associado à presença de vida microbiana. O sinal original “nu” era muito complexo, cheio de
linhas que se amontoavam, como nos mapas que representam cadeias montanhosas.

10)
O problema principal do estudo original é que o software do ALMA criado para analisar
a imagem original de Vênus estava mal calibrado, como mostra a segunda análise da equipe da
NASA. A equipe usou outros dois softwares alternativos e com eles o sinal desaparece. Pois,
embora houvesse sinal, dizem, ele poderia não ser da fosfina, e sim de outro composto que
emite uma onda muito parecida: o tóxico dióxido de enxofre, onipresente no planeta. Além
disso, haveria uma inconsistência entre o sinal captado e a suposta altura na atmosfera em
que foi detectado: a fosfina deveria estar a mais de 70 quilômetros da superfície, mas a equipe
a viu a 50.

11)
A equipe de Snellen mostra também que o estudo original usou uma função
matemática inadequada para limpar o ruído do sinal original de Vênus. Com essa função, o
sinal da fosfina fica 15 vezes mais forte que o ruído circundante, uma grande descoberta.
Porém, usando outra função mais convencional e aceita na astronomia, o sinal da fosfina é
apenas duas vezes mais forte que o ruído, tão fraco que não se pode dizer que o composto
esteja lá, explica Snellen. O responsável por esse trabalho acredita que a equipe de Greaves
“cometeu um erro ao analisar os dados, mas não fizeram de propósito”.

12)
“Estou decepcionado, mas não surpreso”, explica Kevin Zahnle, cientista da NASA que
atuou como especialista independente na revisão do estudo original. “Fui partidário da
publicação deste trabalho porque queria ver se outras equipes o confirmavam ou o refutavam,
que foi o que aconteceu”. O astrônomo não acredita que o estudo original deva ser retirado.
“Se cada caso de autoerro como este fosse retratado, seria preciso retirar 49% de todos os
estudos publicados na Science e na Nature [as duas revistas científicas mais prestigiosas]”,
acrescenta.
13)
“Fica bastante claro que a detecção não é correta”, opina Víctor Rivilla, astrônomo do
Centro da Astrobiologia de Madri que trabalha na detecção de fosfina como marcador de vida
em objetos astronômicos muito mais longínquos. “O tipo de análise dos dados que fizeram era
muito enviesado; viram fosfina porque era o que queriam ver.”

14
“É pouco provável que o descobrimento original se sustente, os dois grupos que o
questionam e seus argumentos são muito potentes”, opina Ignasi Ribas, astrônomo do
Instituto de Ciências do Espaço (IEEC-CSIC). “Ainda assim é preciso escutar o que os autores do
estudo original tenham a dizer. Isto não é um desprestígio nem nada fora do normal, pelo
contrário. A ciência avança desta forma e, se não fosse assim, é que se teria caído no
dogmatismo”, acrescenta.

15)
“Há outros trabalhos em andamento observando outras longitudes de onda à procura
da fosfina”, explica Miguel Ángel López-Valverde, do Instituto de Astrofísica da Andaluzia (sul
da Espanha). “Alguns já estão publicados e com resultados negativos, como o de Therese
Encrenaz, e outros são trabalhos teóricos também em andamento revisando os modelos da
química das nuvens, que será interessante examinar. Assim, continuará havendo notícias sobre
essa tentativa cada dia mais duvidosa de detecção de fosfina em Vênus”, acrescenta.

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