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INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE – MACAÉ

DEPARTAMENTO DE DIREITO DE MACAÉ


CURSO DE DIREITO
JURISDIÇÃO UNIVERSAL E SUA APLICABILIDADE NO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL

Laís Gomes Maia

1. REFERÊNCIA DA OBRA RESENHADA

MENDES, Frederico R. F.; RODRIGUES, Ana C. R. Jurisdição Universal e sua Aplicabilidade no


Tribunal Penal Internacional. XII Seminário Nacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na
Sociedade Contemporânea, 2016. P. 9-115.

2. INTRODUÇÃO

O artigo em tela, elaborado por Frederico Ribeiro de Freitas Mendes e Ana Carolina
Rubim Rodrigues, tem como escopo apresentar e conceituar o Princípio da Jurisdição
Universal, além de abordar a criação e a estrutura do Tribunal Penal Internacional. Além disso,
possui como objetivo verificar se tal princípio é aplicado ao TPI, promovendo uma análise a
partir de dois relevantes casos concretos - Eichmann e Pinochet – e, por fim, al-Bashir.

A fim de alcançar o propósito do artigo, os autores o subdividiram em: “Jurisdição


Universal”, “O Tribunal Penal Internacional”, “Principais Precedentes” e “Jurisdição Universal
e as Limitações do TPI”. Dessa forma, evidenciaram a importância da criação de um Tribunal
Penal Internacional e a resistência, ainda existente, quando se trata da aplicação do Princípio da
Jurisdição Universal a tal tribunal.

3. JURISDIÇÃO UNIVERSAL

O conceito de jurisdição no Brasil equipara-se, em certa medida, à soberania e está,


segundo o Código de Processo Civil, diretamente vinculado ao Princípio da Territorialidade e
Nacionalidade. (MENDES; RODRIGUES, p. 3). Tal conceito perpassa diferentes ramos do
direito, estando presente no Direito Penal – jurisdição como monopólio do Estado, a fim de
evitar a autotutela da sociedade e o desequilíbrio social – e na Teoria Geral do Processo –
jurisdição se funde à competência dos julgadores, visando a solução imparcial dos conflitos.

Por outro lado, em relação ao Direito Internacional, o “limite territorial” ou o Princípio


da Territorialidade – exercício de jurisdição estatal dentro do seu próprio território - acaba sendo
um empecilho para a aplicação de um direito supranacional. Tendo em vista que existem casos
concretos que geram consequências para além das barreiras territoriais, nem sempre o conceito
de “território”, que é variável de acordo com a época, será suficiente para lidar com os conflitos.
Nesse sentido, quando se trata do plano internacional, a jurisdição pode superar limites
impostos pelo território. (MENDES; RODRIGUES, p. 3).

O Princípio da Nacionalidade, por sua vez, também conhecido como “personalidade


ativa”, foi desenvolvido por Bartolus - jurista medieval - e afirma que a lei estadual poderia
obrigar seus nacionais no exterior. (BARROS, p. 49). Dessa forma, considerando que o Estado
pode exercer o controle de seus nacionais mesmo quando se encontram fora do limite territorial,
este princípio representa uma das primeiras relativizações da territorialidade em favor de uma
jurisdição extraterritorial. (MENDES; RODRIGUES, p. 7).

Todavia, o próprio conceito de Jurisdição Universal relaciona-se diretamente com a


alteração de paradigma do Direito Internacional Clássico, pautado na soberania, para a
Sociedade Contemporânea, marcada pela valorização de Direitos Humanos e Humanitários.
Nesse sentido, em decorrência da Paz de Vestfália, a soberania estatal era o ponto central do
ordenamento jurídico transnacional e, até o século XX, apenas o Estado era tido como o real
responsável por crimes internacionais. Posteriormente, como consequência da própria dinâmica
desenvolvida pela sociedade moderna, houve uma mudança de foco dos Estados e Organizações
Internacionais para os indivíduos, visando também a responsabilização destes por crimes
internacionais. (MENDES; RODRIGUES, p. 6).

Tal alteração, denominada Humanização do Direito Internacional, é tida como base do


Princípio da Jurisdição Universal. (MENDES; RODRIGUES, p. 2). Este, por sua vez,
estabelece que, tratando-se de crimes que ofendem a comunidade internacional em conjunto,
os Estados, mesmo que tais crimes ultrapassem suas fronteiras territoriais, tem competência
para julgá-los. Dessa forma, a jurisdição universal atrela-se diretamente ao caso concreto e não
mais ao Princípio da Territorialidade, Nacionalidade ou Soberania, atuando com base nos bens
jurídicos violados em cada situação e servindo como norteador do Direito Internacional.

Em suma, de acordo com, Tomás Soares da Silva Barros, autor da dissertação


“Fundamento e Alcance do Princípio da Jurisdição Universal”, apresentada à Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, o Princípio da Jurisdição Universal é aquele que concede
o exercício jurisdicional sobre determinados atos considerados “matéria de interesse público
internacional”, atuando a despeito de uma qualquer relação aparente entre o ato e o Estado de
foro. (BARROS, p. 65).

4. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL


O denominado Tribunal Penal Internacional, conhecido como TPI, surge como uma
consequência da propagação de crimes contra a humanidade, genocídios e terrorismos. Criado
por meio do Estatuto de Roma, o TPI entra em vigor em 2002 e apresenta a seguinte estrutura:
juízo de instrução, um juízo de primeira instância, o grau de recurso e um procurador.
O Tribunal Penal Internacional representa um marco no Direito Internacional, uma vez
que é o primeiro tribunal internacional dotado de personalidade jurídica, o que indica uma
efetividade erga omnes. (MENDES; RODRIGUES, p. 8). Além disso, tal relevância se justifica
ainda pois o TPI atua como um tribunal permanente para a apreciação de crimes contra a
humanidade, representando uma inovação frente aos antigos tribunais pontualmente criados,
denominados ad hoc. (CUNHA; VAZ, p. 3). Por fim, outra particularidade que atribui destaque
a tal tribunal, é o fato de ser responsável por julgar indivíduos – pessoas físicas maiores de 18
anos -, e não Estados, como é o caso da Corte Internacional. (MENDES; RODRIGUES, p. 8).

No que tange aos critérios de jurisdição desse Tribunal, temos a ratione materiae, uma
vez que destina-se a crimes mais graves como genocídio, crimes contra a humanidade, crimes
de guerra e de agressão (Arts. 5 ao 8 do ETPI); ratione temporis, tendo em vista que sua
aplicabilidade não retroage para julgar casos anteriores a data de entrada em vigor desse
tribunal, em 2002 e ratione personae, uma vez que limita a jurisdição aos Estados partes do
Estatuto ou o Estado na nacionalidade do acusado (Art. 12 ETPI). (MENDES; RODRIGUES,
p. 10).
Por fim, o objetivo do Tribunal Penal Internacional consiste em aplicar a lei à casos
concretos que, de forma reiterada ou não, compreendem crimes contra a humanidade. Ressalta-
se ainda que o TPI possui caráter subsidiário, pois, a fim de preservar a soberania dos países
signatários do Tratado de Roma, atua como uma atividade secundária. Dessa forma, bem como
posto pelos autores do artigo, possui “a função de recair sobre situações em que os autores dos
crimes contra a humanidade permanecem impunes por omissão do poder judicial dos Estados
dos quais fazem parte”. (MENDES; RODRIGUES, p. 9-10).
5. JURISDIÇÃO UNIVERSAL E TPI: LIMITAÇÕES E PRINCIPAIS PRECEDENTES

De acordo com a Jurisdição Universal, os crimes contra humanidade devem ser julgados
pela comunidade internacional. Entretanto, partindo do Princípio da Subsidiariedade posto
acima, cabe ao Estado onde ocorreu a violação tomar providências legais a fim de evitar ou
reparar tal violação, sob pena de ser responsabilizado internacionalmente em caso de omissão.
Contudo, caso tal Estado não se posicione, cabe a comunidade internacional o fazer, sendo esta
a finalidade do Tribunal Penal Internacional. (MENDES; RODRIGUES, p. 14).

No que tange especificamente à aplicação desse principio pelo Tribunal Penal


Internacional, verifica-se uma aplicabilidade restrita, pois, além do princípio da
subsidiariedade, há a possibilidade de o país não ser signatário do Tratado de Roma, o que
dificulta tal aplicação. Em relação ao segundo ponto, existem três casos nos quais o TPI pode
julgar nacionais desses países: quando um nacional não signatário comete algum dos crimes
postos pelo ETPI em um país signatário; quando o estado não signatário aceita a competência
desse tribunal ou quando o pedido do procurador-cheque for referendado pelo Conselho de
segurança da ONU. (MENDES; RODRIGUES, p. 10).

Além disso, os autores trouxeram os principais precedentes acerca da questão: caso


Eichmann, caso Pinochet e, posteriormente, o caso al-Bashir. O primeiro, trata sobre o caso de
Adolf Eichmann – coordenador das atividades práticas de extermínio durante a Segunda Guerra
Mundial -, que, após fugir para a Argentina, foi sequestrado por um agente secreto israelense,
sendo julgado e condenado a morte, em Israel. Já o segundo, aborda o pedido de extradição
feito pela Espanha, visando o julgamento de Pinochet – ditador chileno que teve seu governo
marcado pela perseguição política e supressão de direitos fundamentais – enquanto este estava
na Inglaterra. Ainda que Pinochet não tenha sido extraditado, tal caso levantou o tema acerca
do principio da jurisdição universal, invocado pelo juiz espanhol. (MENDES; RODRIGUES,
p. 12-14).
Por fim, o caso al-Bashir – ex-presidente do Sudão – aborda a postura do TPI frente às
graves violações de direitos humanos. Nessa situação, ainda que o Sudão não seja membro do
Tribunal e não tenha aceitado se submeter a essa jurisdição, o TPI expediu mandado de prisão
internacional. Tal situação ilustra o conceito de soberania estatal limitada, uma vez que há, cada
vez mais, uma preocupação maior com os direitos humanos. (CUNHA; VAZ, p. 2).
6. APRECIAÇÃO CRÍTICA DO RESENHISTA

Considerando a análise sobreposta, é inegável a importância da criação de um Tribunal


Penal Internacional. Este, além de consistir em um órgão permanente, atua visando a
condenação do próprio indivíduo, não apenas do Estado, como ocorre com a Corte
Internacional. Tal atuação do TPI caminha pari passu com a mudança da própria sociedade,
que passou a atribuir centralidade à proteção dos direitos humanos, além de exigir a condenação
dos indivíduos responsáveis por tais delitos.
Contudo, sem suprimir a importância do Tribunal Penal Internacional, existem críticas
à efetividade desse tribunal na tutela dos direitos humanos, com destaque, na presente resenha,
para aquelas envolvendo o princípio da complementariedade e o crime de agressão. No que
tange ao princípio citado, visando resguardar a soberania estatal, acaba por funcionar como um
conceito abstrato, uma vez que não define com clareza os parâmetros para assegurar que um
Estado está atrasando uma decisão ou eximindo o réu de ser julgado, ilustrando então a não
jurisdição universal desse tribunal. (NETO, 2016, p. 18). Ainda, o TPI deixa a desejar quando
não se impõe sobre a tipificação do crime de agressão, uma vez que, enquanto não o fizer, tal
crime apenas será referido formalmente no Estatuto, sem efeito prático. (NETO, 2016, p.16).

No que tange ao Brasil, o Tribunal Penal Internacional ganhou destaque após a


formalização de uma investigação inicial contra denúncias de graves violações, cometidas pelo
atual presidente da República, contra o meio ambiente e povos indígenas. Diversos atos - ou
omissões - de Jair Bolsonaro corroboraram para a intensificação do genocídio indígena, além
da elevação nos níveis de desmatamento no país. Tal caso encontrava-se, em 2020, em análise
de jurisdição, momento em que verifica-se a competência do TPI para julgar a questão.
(VILELA, 2020).

Por fim, a situação do Brasil no cenário internacional vem sofrendo desgastes devido ao
modelo de gestão vigente no país, além da própria postura presidencial que, por si só, retira
credibilidade. Logo, ainda que o atual presidente não seja julgado no Tribunal Penal
Internacional, a investigação feita por tal órgão configura uma derrota política e diplomática.

7. CONCLUSÃO

À luz do exposto, conclui-se que a criação de um Tribunal Penal Internacional


representa um marco para o Direito Internacional, consistindo em um avanço no combate às
atrocidades. Nesse sentido, ainda que sejam postas críticas em relação a efetividade na tutela
dos direitos humanos, o TPI auxilia na punição de indivíduos que, não raro, saem impunes após
cometerem graves violações.

Por fim, no que se refere ao Princípio da Jurisdição Universal, o Tribunal Penal


Internacional não possui uma aplicabilidade ilimitada, seja tanto por conta do Princípio da
Complementariedade e Subsidiariedade quanto pela não ratificação do Tratado de Roma por
alguns países, o que, mesmo havendo o caso al-Bashir como precedente, dificulta sua atuação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Tomás S. S. Fundamento e Alcance do Tribunal Penal Internacional. Faculdade de
Direito Universidade de Coimbra. Disponível em: <
https://eg.uc.pt/bitstream/10316/42011/1/Tom%C3%A1s%20Barros.pdf>. Acesso em: 10 abr, 2021.

CUNHA, Rogerio V.; VAZ, Heron U. O Tribunal Penal Internacional e o Princípio da Jurisdição
Universal: análise do caso al Bashir. Revista Toledo Prudente, v. 15, p. 177-187, 2010. Disponível
em: < http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/INTERTEMAS/article/view/2777/2563>.
Acesso em: 10 abr, 2021.

NETO, Cícero A. S. O Tribunal Penal Internacional: uma abordagem crítica quanto à sua efetividade
na tutela dos direitos humanos. Revista Transgressões Ciências Criminais em Debate, v. 4, n. 1,
2016. Disponível em: < https://periodicos.ufrn.br/transgressoes/article/view/8714>. Acesso em: 10
abr, 2021.

VILELA, Pedro R. Tribunal Penal Internacional Investiga Bolsonaro; o que isso significa? Brasil de
Fato. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2020/12/18/tribunal-penal-internacional-
investiga-bolsonaro-o-que-isso-significa>. Acesso em: 13 abr, 2021.

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