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FAU Mackenzie

CONFORTO AMBIENTAL I

ARQUITETURA E CLIMA: O CLIMA COMO


FATOR MODIFICANTE

Victor Olgyay
Editora Gustavo Gili S.A. Barcelona, Espanha, 2006.
tradução do espanhol por: Marina B. Rodrigues, 2020.
4. O clima como fator modificante

Apesar de eu ter sugerido que o determinismo climático não consegue


explicar o espectro e diversidade de formas da casa, o clima é, contudo, um
aspecto importante das forças que geram formas e tem grandes efeitos nas
formas que o homem pode desejar criar para si mesmo. É de se esperar isto
em condições de uma tecnologia deficiente e de sistemas limitados de controle
ambiental, em que o homem, não podendo dominar a natureza, tem que se
adaptar a ela.
O impacto do fator climático dependerá de sua violência e rigor e,
consequentemente, do grau de liberdade que permite; eu sugeri o uso da
escala climática. Tratarei este conceito em maior extensão, ainda que seja
óbvio que um habitante dos Mares del Sur [NdT: região de Santiago, Chile] tem
mais opções que um inuíte1, apesar de este último também ter alguma
possibilidade de escolha.
O principal aspecto a examinar é a surpreendente destreza dos
construtores primitivos e agricultores ao tratar dos problemas climáticos e
sua capacidade de usar alguns recursos mínimos para obter um conforto
máximo. (Neste capítulo serão omitidas as soluções não climáticas a que me
referi.) Me chama a atenção repetidamente os conhecimentos e o
discernimento destes construtores ao selecionar as localidades e os materiais
adequados ao microclima específico local e, no caso dos construtores
agricultores, ao adaptar o modelo tradicional a estas condições. As exigências
tradicionais a respeito da localização e a forma, que algumas vezes podem ter
fundamento climático, são frequentemente muito rígidas, impossibilitando os
ajustes do modelo às exigências específicas locais, até nas culturais rurais.
E. B. White escreveu:
Sou pessimista quanto à raça humana, porque é inteligente demais.
Nossa aproximação da natureza é para derrotá-la e subjugá-la.
Teríamos melhores possibilidades de sobrevivência se nos
acomodássemos a esse planeta e o contemplássemos de maneira mais
apreciativa, em vez de fazê-lo de forma cética e ditatorial.

Ainda que isso se refira à ação do homem sobre os recursos e demais


seres vivos, é aplicável também à sua conduta com o clima por meio do uso
dos edifícios. Para os efeitos deste capítulo, os edifícios podem ser

1
Povos indígenas que habitam regiões em torno do Círculo Polar Ártico, também conhecidos como esquimós
(NdT: por motivos socioculturais, não serão chamados desta forma ao longo do texto, embora o texto original
empregue o termo).

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considerados como mecanismos de controle térmico, com exceção do perigo
de isolar variáveis únicas.
A ideia comum de que não há uma área dos Estados Unidos que não
necessite de ar-condicionado, indica que tendemos a ignorar o clima. Com
frequência, nossas soluções aos problemas climáticos não funcionam e
nossas casas se tornam suportáveis mediantes engenhosos mecanismos cujo
custo excede, algumas vezes, o da cobertura do edifício. O conforto criado por
estas máquinas segue sendo problemático e pode levar a perigos imprevistos,
tais como um meio ambiente uniforme e supercontrolado. A pouca
concordância térmica de muitos de nossos edifícios, apesar da quantidade de
equipamentos mecânicos, sugere que não podemos ignorar o ambiente físico
e que menosprezamos seu efeito contínuo em nossos edifícios e cidades.
Os construtores primitivos e agricultores não podem adotar esta atitude,
visto que lhes falta uma tecnologia que os permita ignorar o clima no desenho.
À luz de sua atitude para com a natureza, é de se duvidar que eles usassem
tais instrumentos, mesmo que estivessem disponíveis. Portanto, os
construtores primitivos e, em menor grau, os agricultores enfrentaram a
tarefa de criar um teto para uma variedade de condições climáticas. Tiveram
que criar, para seu próprio conforto (e inclusive para sobreviver), edifícios que
respondessem satisfatoriamente ao clima com uma tecnologia e materiais
muito limitados. Seria possível dizer que, se considerarmos a hostilidade do
ambiente e os recursos disponíveis, os problemas enfrentados pelos inuítes
não são diferentes dos envolvidos no desenho de uma cápsula espacial. A
diferença é menor do que se pode imaginar.
Estes construtores e artesãos aprenderam a resolver seus problemas
colaborando com a natureza. Visto que uma falha significaria ter que enfrentar
as rigorosas forças da natureza — o que não é o caso do arquiteto, que constrói
para os outros —, seus edifícios tinham que ser desenhados com tetos naturais
para proteger e favorecer o modo de vida, qualquer que fosse. Louis Kahn fez
o seguinte comentário depois de voltar da África:
Vi muitas cabanas feitas pelos nativos. Todas eram parecidas e
funcionavam bem. Não havia arquitetos. Voltei com a impressão de quão
inteligente era o homem que resolvia os problemas do sol, da chuva e
do vento.

Frequentemente, o homem primitivo construía com mais sabedoria do


que nós e seguia princípios de desenho que ignoramos, com grandes custos.
Contudo, não devemos “romantizar” suas conquistas. Com respeito a muitos
de nossos padrões de tamanho, delicadeza, segurança e permanência, as
formas atuais destes edifícios são totalmente inadequadas e já foi mostrado
repetidamente quão pouco saudáveis e anti-higiênicos podem ser. Têm valor
os princípios e, em alguns casos, as conquistas; em todo caso, as tentativas de
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solucionar os problemas do clima devem ter consequências importantes na
forma.
A escala climática
O homem enfrentou o problema de desenhar para o clima assim que
abandonou as áreas em que não precisava proteger-se dele e quando saiu das
cavernas, nas áreas menos acolhedoras. A moradia, nestes termos, é um
receptáculo cujo objetivo principal é resguardar e proteger os seus ocupantes
e objeto dos inimigos humanos e animais e das forças naturais conhecidas
como o “tempo”. É um instrumento que libera o homem de outras atividades
criando um ambiente que seja bom para ele, protegendo-o dos efeitos
indesejáveis de seu entorno.
A necessidade de cobrir-se varia com a crueldade das forças
dominantes, e a escala climática é um conceito útil para determinar essa
necessidade. Esta escala englobaria desde a falta de necessidade de se
proteger, somente no campo climático, até as áreas com o máximo de
necessidade. Em cada caso, as soluções proporcionarão a quantidade máxima
de proteção em termos dos recursos tecnológicos dados e das necessidades
definidas socialmente. Quanto mais agudas são as condições climáticas, mais
limitada e fixa será a forma e haverá menos variação do que se poderia chamar
de “funcionalismo climático puro” e, em consequência, menos possibilidades
de escolha. Contudo, a situação crítica nunca limita totalmente as opções.
Ainda que os frios invernos das zonas montanhosas indicam que as pessoas e
os animais têm que passar a maior parte do tempo dentro de casa, a forma
específica do abrigo segue estando aberta a opções consideráveis.
Esperaríamos encontrar as soluções mais esclarecedoras e enérgicas
naquelas áreas em que o clima é mais rigoroso e o ambiente físico é mais
difícil. Tradicionalmente, os exemplos mais comuns têm sido o Ártico,
especialmente o grandioso iglu do Ártico norte-americano; o deserto, em
particular as casas de pedra e lama dos cinturões desérticos do velho e Novo
Mundo; e os trópicos úmidos, com sua solução clássica do piso elevado, beirais
largos e sem paredes. De fato, é essencial considerá-los, mas possivelmente
em um contexto mais amplo. É necessário um número maior de exemplos para
demonstrar a natureza proposital das soluções, o conhecimento da
necessidade e a resposta, e a existência de soluções anticlimáticas.
Em condições difíceis, os construtores, sim, mostram conhecimento
detalhado das formas, dos materiais e do microclima da área. Conhecem as
características absorventes, reflexivas etc., dos materiais locais para um
máximo conforto e sua resistência à chuva e à neve. O conhecimento exato
destes construtores do microclima local se demonstra pelo cuidado com que
estudam as condições para melhor orientação, ainda que tenhamos visto

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exemplos nos que esta se determina mediante considerações cosmológicas,
em vez de climáticas. Temos descrições de como eles estudam a localização
sob todos os tipos de condições climáticas e em todos os momentos do dia, de
como levam em consideração a organização dos ventos locais, os locais
nublados e ensolarados e sua relação com as estações, o movimento do ar frio
e quente, e constroem suas casas consequentemente. Na descrição de Karen
Blixen, de quem já falamos, os africanos posicionavam suas casas com relação
ao vento, ao sol, à sombra e à topografia. Neste caso, todas as casas eram
idênticas em forma e tipo, enquanto os agricultores europeus, por exemplo,
ainda que cada casa seja basicamente igual às demais da área, há variações
individuais no modelo.
Estes construtores trabalham em uma economia pobre, suas fontes de
materiais, energia e tecnologia são muito limitadas e a margem de erro e
desperdício é pequena, mas os resultados mostram um alto nível de execução
mesmo quando são julgados à luza da tecnologia moderna. Isto se refere
também aos colonizadores de países novos, que trabalham sob condições
similares. Ainda que os imigrantes levem consigo formas, às quais se agarram
com grande obstinação apesar de sua falta de adequação ao clima, no fim
fazem adaptações ao microclima. Um exemplo seria o aumento geral dos
beirais dos telhados e desenvolvimento de sacadas. Isso acontece em Quebec,
onde os beirais se alargaram e se converteram em sacadas e varandas. Em
Luisiana se desenvolveram sacadas parecidas e aumentou o número de
janelas, assim como na Austrália (fig. 4.1). A sacada oferece um espaço, para
se sentar e dormir, intermediário entre o interior e o exterior da casa (mesmo
quando chove), da sombra às paredes e janelas e proporciona a possibilidade
de continuar a ventilação da casa durante chuvas fortes.

Fig. 4.1. Desenvolvimento da moradia australiana de 1840 a 1884.

As moradias dos primeiros colonos da Austrália, Estados Unidos e


México são soluções de muito sucesso que estão mais próximas das atitudes
dos construtores primitivos do que as de hoje em dia, e os edifícios são mais
afortunados, em temos do clima, do que os edifícios modernos das mesmas
zonas. Só temos que comparar as casas cômodas e bem orientadas da Nova
Inglaterra, com suas ligações secretas com o celeiro e o armazém, as fazendas

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frescas e ventiladas do Sul, as formas australianas similares e as casas e
fazendas do México e do sudoeste dos Estados Unidos, com suas grossas
paredes e centradas no pátio, com as correspondentes casas atuais destas
zonas.
Todas estas soluções primitivas e nativas mostram uma grande
variedade de desenhos relacionados com as condições que rodeiam um grupo
que pessoas que vivem em uma área, assim como com as interpretações
simbólicas e culturais destas condições por parte do grupo e sua definição de
conforto. Estas moradias não são soluções individuais, mas soluções de grupo
que representam uma cultura e sua resposta às características de uma região
— seu clima geral e seu microclima, seus materiais típicos e sua topografia. A
interação de todos estes fatores explica a similaridade das soluções
separadas por milhares de anos e quilômetros e as diferenças entre soluções,
aparentemente, em áreas e condições parecidas.

Soluções não materiais


Além das soluções climáticas, que se analisam melhor em termos de
orientação, estrutura, forma da planta do edifício e materiais, há outros
enfoques. Um destes, mesmo que siga implicando o uso dos materiais, pode
ser considerado em termos de mudança de moradia em épocas diferentes do
ano sobre uma base climática, em contraposição às mudanças de caráter não
climático ou anticlimático. Em muitos casos, a decisão de utilizar estes
métodos alternativos de tratar o problema pode estar motivada socialmente,
ainda que entre os inuítes, por exemplo, a mudança de moradia seja afetada
pela disponibilidade de materiais durante as diferentes estações, assim como
pela mudança de clima.
Entre os indígenas Paiutes, as moradias de inverno eram estruturas
cônicas como um forno e um furo para a fumaça, construídas com madeira de
zimbro e cascas ou gravetos de salgueiro, cobertas com ramos secos ou
esteiras de cana ou de folhagens. Estes assentamentos invernais tinham
também uma casa que era o dormitório dos jovens, a casa de reuniões dos
homens e a moradia mais importante do assentamento. Durante o verão
deixavam normalmente entes assentamentos por quadrados sem paredes,
com coberturas planas sustentadas por quatro madeiras ou, mais comumente,
por assentamentos circulares ou semicirculares à base de estacas e folhagens
contra os quais se empilhava areia no exterior. Dentro havia uma fogueira e
lugares para dormir ao longo da parede.
Os pastores da Sibéria e da Ásia central apresentavam uma variedade
de soluções deste tipo. Alguns usam durante todo o ano tendas parecidas com
as dos indígenas da América do Norte, mas vão de coberturas de pele, com

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neve empilhada até a metade para aquecê-la, a couro no verão. (Corresponde
ao Yurt dos Mongóis, que muda o número de camadas de feltro de acordo com
a estação.) Em outros casos a variação entre moradias de verão de inverno é
maior, utilizando tendas durante o verão e casas afundadas alguns metros,
cobertas com madeiras e folhagens, durante o inverno.
Entre os Cazaques da Ásia central, o clima modifica o modelo do
assentamento. No verão, os pastos não têm muita duração, é necessária
mobilidade e os assentamentos de tendas se dispersam pelas montanhas. No
inverno obtém-se proteção do frio e do vento concentrando os assentamentos.
Como esta proteção é ainda mais crítica para o armazenamento do que para o
homem, os assentamentos se situam em vales profundos com uma franja de
bosques protetores. As tendas permanecem estendidas ao longo dos vales
mesmo quando mudam os pastos.
Outra solução da Ásia central consiste em substituir as tendas por
cabanas de pedra, madeira ou folhagens, de acordo com a área. Elas são
retangulares e semi-subterrâneas, com paredes de um metro de espessura,
coberturas grossas e janelas fechadas com tripas de animais. Perto da fachada
fica uma casa onde se colocam os animais recém-nascidos; se cozinha e
dorme na parte posterior. Ladeando a cabana principal, há outras cabanas para
os subordinados, os animais doentes e as provisões. Em torno de todo o grupo,
se levanta um muro de cana; uma cobertura de cana mais leve, no lado de
dentro, protege o resto dos animais. A forma básica destes assentamentos
parece ser determinada pelas necessidades do gado do que pelas dos homens.

Método de estudo
Há vários métodos para focar no estudo da influência do clima na forma
da casa. Se poderia observar os diferentes tipos climáticos — quente seco,
quente úmido, continental, temperado, ártico — e tratar as soluções
específicas de cada um em termos de exigências, formas e materiais.
Alternativamente, poderiam ser tratadas as posições de diferentes tipos de
moradias ao longo da escala climática ou, por fim, considerar como são
manejadas as variáveis climáticas que, combinadas, têm como resultado
vários tipos climáticos.
O clima, no que afeta o conforto humano, é o resultado da temperatura
do ar, dos raios solares — incluindo a luz —, o movimento do ar e as chuvas.
Para obter conforto, é necessário manejar estes fatores de modo que se
estabeleça uma espécie de equilíbrio entre os estímulos ambientais, de
maneira que o corpo não perca nem tenha calor em excesso, nem esteja
sujeito a pressões excessivas por parte de outras variáveis, mesmo que, como
havia sido sugerido, algumas podem ser desejáveis. Em termos climáticos,

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portanto, um edifício tem que responder ao calor, ao frio, aos raios solares, ao
vento e a outras pressões e as diferentes partes do edifício podem ser
consideradas como instrumentos de controle ambiental.
Minha intenção é examinar soluções para as diferentes forças
ambientais em áreas diferentes em vez de utilizar o método tradicional de
descrever “os mecanismos clássicos do controle térmico” para as principais
zonas climáticas.

Variáveis climáticas e respostas para as mesmas


Serão consideradas as seguintes variáveis:

Temperatura: calor seco e úmido, frio.


Umidade: baixa, alta.
Vento: desejável ou indesejável e, em consequência, se deve-se facilitar
ou dificultar.
Chuva: entra, sobretudo, na construção; mas implica o clima por
necessidade de
Raios solares e luz: desejável ou indesejável e, em consequência, se
deve-se facilitar ou impedir.

Ainda que pudessem ser classificadas na escala climática segundo sua


severidade, serão examinadas pelas respostas que geram em termos de
forma, materiais e técnicas.

Temperatura. Calor seco.


As áreas quentes e secas se caracterizam por altas temperaturas
durante o dia e baixas durante a noite, flutuação que se satisfaz melhor
retardando o máximo possível a entrada do calor para que chegue ao interior
tarde, quando se necessita. Isto se consegue mediante o uso de materiais com
capacidade térmica, tais como o adobe, o barro, a pedra e várias combinações,
que absorvem calor durante o dia e o difundem durante a noite; mediante uma
geometria o mais compacta possível que proporciona um máximo de volume
com um mínimo de superfície exposta ao calor exterior; mediante o
agrupamento que proporciona sombra e reduz as áreas expostas ao sol,
aumentando por sua vez a massa do grupo e a demora do dia (fig. 4.2). Evita-
se a acumulação de calor separando a cozinha, frequentemente fora de casa;
117
Fig. 4.2. Diagrama que mostra a
planta compacta de elementos
amontoados, típicos das zonas
quentes e áridas.

reduzindo o número e o tamanho das janelas e colocando-as no alto para


reduzir a radiação solar; pintando a casa de branco e de outras cores claras
para refletir o máximo de calor; e minimizando a ventilação durante os
momentos mais quentes do dia.
Outra técnica para aumentar a capacidade térmica da moradia é utilizar
a capacidade, quase infinita, da terra. As moradias podem ser construídas na
face de penhascos, como no sudoeste dos Estados Unidos, no sul da Tunísia,
no Vale do Loire e no sudoeste da França. Também podem ser semi-
subterrâneas; como entre os Siwa do Egito, como os 10.000.000 de Xanxim e
outras zonas da China que vivem debaixo da terra; como em Israel, onde há
povos subterrâneos de mais de 5.000 anos; como as casas dos mineiros da
Austrália; como os “jardins subterrâneos” de Fresno, Califórnia, e como as
casas Matmata do Saara. Nestas últimas, todos cômodos estão debaixo de uma
camada de terra de pelo menos 9 metros; a capacidade térmica é, de fato,
infinita e a casa é mais fresca que qualquer outra construída na superfície (fig.
4.3).

Fig. 4.3. Seção em


perspectiva de uma casa
Matmata, Saara.
(Adaptado de fontes
distintas, principalmente
de Haan em Atchitect’s
Yearbook 11 e New
Frontiers in Architecture).

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Quando as noites são frescas, os habitantes de zonas quentes e secas
dormem no telhado ou no pátio; quando faz frio, dormem dentro. É interessante
que as recomendações da Delegação de Investigação da Construção da
Austrália para áreas quentes e secas são o aumento da capacidade térmica
das áreas usadas durante o dia (na maioria das casas modernas é baixa
demais) e uma área de capacidade baixa para a noite. Isto concorda com a
solução tradicional; os Punjab oferecem um exemplo típico. As casas, com
paredes grossas e poucas aberturas, são construídas no esforço de evitar o
sol; o resultado é que o interior permanece fresco e na sombra todo o dia.
Durante as noites e as tardes quentes, se utiliza o telhado ou os pátios
murados; durante as noites frias, se utiliza o interior. É muito comum dormir
no exterior — nos telhados, nos pátios ou em galerias dos bangalôs usados
pelos ricos —. Muitas casas têm duas cozinhas: uma, no interior para utilizar
no inverno, e outra, fora da casa, para o verão. Como as pessoas trabalham
quase o dia todo no campo, as funções de vida têm lugar no exterior e a casa
se converte em um espaço de armazenamento. De qualquer forma, se
tivessem que utilizar a casa durante o dia, seria muito confortável.
O pátio também é muito útil para solucionar o problema do calor seco e
tem implicações climáticas além das sociais e psicológicas já tratadas. Protege
das tempestades de areia. Quando tem água, plantas e sombra, atua como um
poço refrescante e modifica o microclima diminuindo a incidência de raios
solares e as temperaturas. O uso de plantas e água em um pátio tem também
efeitos psicológicos mitigadores nas zonas de calor seco e proporciona uma
área exterior para viver. Quando se usa um pátio sombreado em conjunto com
um ensolarado, ao que subirá o ar quente, o ar fresco pode fluir do sombreado
ao ensolarado através dos cômodos.
Se o pátio é alto, como nos edifícios de Hadramaute, sul da Península
Arábica, e a ventilação é facilitada no alto mediante fendas em uma “chaminé”
saliente, pode-se produzir uma sucção e induzir a ventilação. Este método tem
muitas variantes locais nesta zona da Arábia.
Quando consideramos os materiais utilizados, se poderia perguntar se
essas fortes paredes são criadas numa intenção deliberada ou se são
simplesmente o resultado dos materiais disponíveis como a pedra e o barro,
que pedem estruturalmente paredes fortes. Em muitas áreas, contudo, pode-
se encontrar outros materiais, como os troncos de palmeira, e pode-se
construir refúgios abertos e sombreados sem a pesada cobertura de barro.
Por exemplo, a cabana Axante da África oferece uma evidência clara do uso
deliberado de paredes e tetos pesados por razões climáticas. Estas cabanas
empregam uma estrutura de madeira que leva uma cobertura de ramos, sobre

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a qual há uma cobertura de barro batido cuja finalidade é claramente o controle
climático, visto que estruturalmente é irracional. Além disso, as paredes que,

Fig. 4.4. Seção


em perspectiva da
cabana Axante.
em termos de estrutura, são paredes cortina e não de sustentação, são de uma
construção extremamente forte e grossa (fig. 4.4).

Esta solução parece ser sem dúvida motivada pelo clima, mesmo que
possa existir um aspecto social, como a influência árabe. A base climática é
ainda mais provável quando se observa que as cabanas Axante de zonas mais
extremas têm paredes mais grossas a fim de aumentar a capacidade de calor;
em áreas mais moderadas, onde a variação de temperatura é menos, a massa
dessas paredes é reduzida combinando o barro com maiores quantidade de
fibras vegetais.
Se poderia fazer uma pergunta parecida a respeito da planta compacta
ou o uso de edifícios agrupados: até que ponto se faz isso para reduzir a
superfície exposta ao sol e aumentar a sombra, e até que ponto para conservar
terrenos valiosos, satisfazer as necessidades defensivas etc.? Certamente
estes fins desempenham um papel, como também as exigências familiares e
sociais, mas podem-se encontrar exemplos de uso deliberado da sombra; por
exemplo, os Yokuts do sul da Califórnia protegiam do sol todo o assentamento
(fig. 4.5). Outros caso é o uso, muito difundido, da cobertura dupla, que se
encontra entre os Masa de Camarões, na planície de Bauchi na Nigéria e na
Índia (fig. 4.6), assim como o das paredes duplas da Nova Caledônia.

Fig. 4.5. Assentamento


Yokut com o toldo
contínuo de ramos.
(Adaptado de Morgan,
Houses and house life
of the american
aborigenes, p. 112).

120
Fig. 4.6. Cobertura dupla em Orissa, Índia.

A cobertura dupla tem quatro consequências.


1. O teto de palha descarga a água e protege o barro na estação das
chuvas (ver capítulo 5).
2. O teto de palha protege o barro do sol direto, reduzindo a acumulação
de calor e, consequentemente, o aquecimento da casa.
3. O espaço oco proporciona um isolamento adicional durante os dias
quentes, enquanto a capacidade térmica do barro defende das
temperaturas diurnas.
4. O barro conserva o calor durante as noites frias e a palha ajuda a
retê-lo por mais tempo ao reduzir a perda de calor ao frio da noite.
O teto de palha seria suficiente estruturalmente e para a proteção da
chuva, mas se utiliza o barro por suas propriedades térmicas e a combinação
resultante é muito eficaz. Também há um componente climático no uso de
sacadas e cortinas, mas a escolha entre as diferentes soluções é determinada
culturalmente, como já se havia sugerido.

Temperatura. Calor úmido.


As zonas de calor úmido se caracterizam por chuvas fortes, alta
umidade, temperaturas relativamente moderadas e com poucas variações
durante o dia e entre as estações e por uma intensa incidência de raios solares.
As respostas necessárias são um máximo de sombra e um mínimo de
capacidade térmica. Armazenar calor não tem vantagens quando ocorrem
poucas variações na temperatura e uma construção fortificada dificultaria a
ventilação, que é o requisito principal para que o corpo perca calor. Os
requisitos, quase os opostos do calor seco, pedem edifícios abertos, com pouca
capacidade térmica e com um máximo de ventilação e, consequentemente,
uma geometria longa e estreita e formas bastante separadas, com um mínimo
de paredes (fig. 4.7).

121
Fig. 4.7. Diagrama que mostra a
geometria longa e estreita e a
ampla separação de espaços
típicos do clima quente e úmido.

A necessidade de aberturas cria problemas de privacidade, sobretudo


de privacidade acústica. As culturas em que são essenciais estas aberturas
toleram níveis de ruído muito altos e aceitam uma privacidade acústica
inferior, como em Singapura, ou desenvolvem controles sociais, como fizeram
os Yagua. (Esta necessidade também cria problemas a respeito da luz; tratarei
mais adiante.) A necessidade de aberturas chega até o solo e, por exemplo, na
Malásia ou entre os Yagua, o uso de pisos de bambu, combinado com casas
altas, permite que o ar flua desde a parte de baixo. As redes, utilizadas
frequentemente para dormir, também contribuem para que o ar flua desde a
parte de baixo e, ao se balançar, o corpo produz uma corrente de ar com muito
pouco esforço. A rede, diferentemente do colchão que pode ser imediatamente
muito pouco confortável, tem uma capacidade térmica insignificante.
As soluções tradicionais estão completamente de acordo com os
recentes estudos climatológicos. Nestas moradias, a cobertura se torna o
elemento dominante e é, de fato, uma sombra enorme e à prova de água, com
uma inclinação para deixar cair as chuvas torrenciais, opaca à radiação solar
e com uma massa mínima para evitar a acumulação de calor e a radiação
subsequente. Também evita os problemas da condensação ao ser capaz de
“respirar”. Os beirais protegem do sol e da chuva e permitem que haja
ventilação durante a chuva. O piso é levantado frequentemente não somente
por motivos religiosos, mas também para obter uma melhor exposição às
brisas, para proteger-se das inundações e como defesa contra os insetos e
animais. Um exemplo típico é a casa Seminola da Flórida, com seu piso quase
um metro acima do nível exterior, coberta de palha e palmas e com os lados
abertos com painéis móveis de cortiça (fig. 4.8). As casas deste tipo são muito
mais confortáveis que as de madeira, tijolo ou pedra que as estão substituindo
nas mesmas zonas.

122
Fig. 4.8. Casa Seminola,
Flórida (planta de 3 x 5
metros aproximadamente).

Já me referi à moradia Yagua; a moradia Melanésia apresenta os


mesmos elementos. Não tem paredes, com uma partição de folhas de coqueiro
ou paredes abertas com nervuras, distribuídas verticalmente, de folhas
similares. O exemplo mais extremo desde tipo de solução é a moradia mínima
da Colômbia, que é somente uma cobertura de ramos sobre uma estrutura que
também sustenta a rede, vários cestos, sacos etc. (fig. 4.9).

Fig. 4.9. Proteção mínima,


Colômbia. (Adaptado de Weis,
Häuser und Landschaften der
Schweiz. 1953, p. 91).

Em regiões muçulmanas, como no Paquistão e no norte da Índia, onde a


necessidade de privacidade visual é socialmente importante devido às atitudes
com relação às mulheres, mas onde a ventilação é essencial para combater o
calor úmido, desenvolveu-se os “Jali”, uma espécie de tela ornamentada [NdT:
semelhante ao muxarabi]. Estas dão sombra e privacidade e permitem, ao
mesmo tempo, uma ventilação eficaz. Nas mesmas áreas, em que o calor
úmido depende das estações, os tetos altos, de 4,5 a 6 metros, das casas
urbanas permitem que entre ar fresco à noite durante a estação quente e seca
e, com efeito, o armazenam durante o dia. Isto tem alguns efeitos durante a
estação quente e úmida sempre que há ventilação, mas é uma desvantagem
durante os invernos frios, quando tais casas são difíceis de esquentar.

123
Temperatura. Frio.
Há diferentes graus de frio e variações de intensidade e duração, mas os
princípios para manter o calor são os mesmo e têm relação com os do calor
seco. Os mesmo princípios são apropriados, exceto que a fonte de calor não
está no exterior e sim dentro da casa e a tentativa de deter a saída do calor é
na direção oposta. Tenta-se esquentar todo o possível a casa, o que implica
em grandes estufas no centro da casa; utilizar o calor da cozinha e o emitido
pelas pessoas e, algumas vezes, pelos animais. Evita-se a perda de calor
mediante o uso de uma planta compacta, um mínimo de superfície exposta ao
exterior, materiais fortes com boa capacidade de isolamento e evitando
correntes e infiltrações de ar. A neve, um bom isolante, é frequentemente
fomentada acumulando-a em grossas camadas nos telhados. Afeta, assim, a
forma, o tamanho e a resistência das coberturas. A única diferença das áreas
de calor seco pode ser o desejo de obter toda a radiação solar possível. Para
isso, se utilizam cores escuras. Contudo, esse desejo se opõe à necessidade
de proteger-se do vento de reduzir a superfície exposta ao frio, de forma que
se encontram frequentemente agrupações compactas e moradias
subterrâneas ou semi-subterrâneas.
É difícil esquecer o iglu e demais soluções inuítes ao considerar as
tentativas de solucionar estes problemas. A necessidade de se opor ao frio
intenso e constante e aos ventos levou ao iglu, feito com neve, mas utilizado
somente pelos povos centrais. Os povos da Groenlândia e Alasca constroem
suas residências de inverno com pedras e ramagens e utilizam o iglu somente
como refúgio para passar a noite quando estão caçando. Em todos estes casos
tenta-se oferecer pouca resistência ao vento e proporcionar um máximo de
volume com um mínimo de superfície. O hemisfério do iglu o protege
perfeitamente e se esquenta maravilhosamente com uma lâmpada de óleo de
foca, fonte de calor que a forma hemisférica ajuda a focalizar no centro.
Os refinamentos do iglu poderiam ser tratados mais extensamente, mas,
como já foi descrito e analisado, somente será mencionado o piso elevado
sobre o túnel de entrada. Este não deixa entrar as correntes e, como o ar
quente sobe e o frio abaixa, os ocupantes se mantêm em uma zona mais
temperada, mediana. No verão se utilizam moradias semi-subterrâneas com
uma planta parecida com a do iglu. As paredes são de pedra, de uma altura de
pouco mais de 1,50m, a entrada é mais estreita e subterrânea e o piso fica, de
novo, a um nível mais alto que a entrada. As vigas de madeira ficam cobertas
com uma camada dupla de pele de foca com musgo entre as duas, o que
constitui um painel sanduíche muito eficaz.
O conhecimento da necessidade de soluções para o frio pode ver-se de
um modo análogo ao exemplo dos Axante. Os Yakut da Sibéria, por exemplo,
assim como alguns inuítes, utilizam uma construção com estrutura de

124
madeira, coberta de madeira e uma camada de folhagens (fig. 4.10). Esta detém
melhor o vento e é mais quente que uma cabana larga, que tem muitas
rachaduras difíceis de preencher, mas estruturalmente é irracional e é uma
resposta às necessidades climáticas.
A casa irlandesa de pedra, baixa e muito junta do solo, é também uma
boa resposta à área fria e varrida pelo vento e se se encontram variações
parecidas em outros lugares. Os camponeses da Suíça guardam o gado na
casa, o que oferece calor adicional e facilita chegar até ele quando faz frio ou
neva, mesmo que isso possa ser solucionado também por meio de conexões
cobertas, como nas fazendas da Nova Inglaterra. O desenvolvimento de ruas
com toldos nas cidades do norte do Japão indica a importância da circulação
invernal que afeta a forma em planta; tanto isso como as conexões
subterrâneas entre os iglus dos inuítes, são parecidos com as soluções
correspondentes nas áreas dos Matmata e nas ruas sombreadas das cidades
árabes.

Fig. 4.10. Seção em


perspectiva da casa
siberiana, de madeira
e folhagens.

Durante os invernos frios e com neves, o ar pode ser bastante úmido, o


qual, junto com as baixas temperaturas, pode tornar a secagem de roupas e
de outros objetos um problema importante. Também é um problema nos
trópicos, mas pode ser solucionado utilizando o exterior e moradias totalmente
abertas. Em zonas frias, isto é impossível porque faz frio demais para abrir a
casa, o exterior não pode ser utilizado e, em muitas áreas, a privacidade
descartaria o uso de casas abertas. Encontramos, portanto, cômodos de
secagem perto do forno, ou galerias e porões abertos como, por exemplo, em
Saboia, França, onde se utilizam as varandas de 3,5m de profundidade para a
secagem de roupas e vegetais.

Umidade.
Foram consideradas a umidade alta e baixa com os tipos de calor
correspondentes porque a temperatura e a umidade operam juntas com
125
relação ao conforto. Onde a umidade é alta, pouco se pode fazer para reduzi-
la por meios não mecânicos e se utiliza a ventilação para que o corpo perca
calor. Onde é baixa, pode-se utilizar a água e a vegetação para aumentá-la e
também algumas obras de engenharia que implicam o gotejamento de água
sobre as janelas, ou a cerâmica porosa, como nas moradias tradicionais da
Índia e do Egito.

Vento.
O vento está relacionado também com a temperatura e, assim, sua
velocidade, a umidade e a temperatura entram no conceito da “temperatura
efetiva” que se utiliza para medir o conforto. A necessidade de conforto leva a
facilitar ou a impedir as correntes de ar. Quando faz frio seco, o vento é, em
geral, indesejável; quando o calor é úmido, o vento é essencial.
O mecanismo mais primitivo para controlar o vento é o abrigo, que se
pode encontrar em uma série de zonas, entre os aborígenes da Austrália, que
utilizam ramos e pele de canguru, os Semang da Malásia (fig. 4.11) e os
indígenas americanos. A tenda árabe utiliza o “backstrip”, que se move segundo
se necessite facilitá-lo ou impedi-lo, e na Melanésia, Samoa, e entre os Coissã
da África do Sul, abaixam, sobem ou movem-se os painéis da parede para
posições distintas para abrir e fechar. Como, geralmente, é mais fácil captar o
vento do que o evitar, considerarei este último aspecto em maior detalhe. No
entanto, a comparação da moradia japonesa com a de adobe do Novo México,
ou da moradia Yagua com a árabe, nos permite compreender imediatamente
as diferenças básicas na forma ocasionadas por fomentar ou reprimir o vento.

Fig. 4.11. Proteção


Semang contra o vento.

Como era de se esperar, as zonas com os problemas mais graves


apresentam as soluções mais eficazes. Os inuítes e os mongóis vivem em
áreas com ventos extremos, sobretudo no inverno, e tanto o iglu quanto o yurt
representam soluções muito muito bem realizadas que se aproximam

126
(especialmente o iglu) da forma esférica, cujas vantagens já analisamos (fig.
4.12).

Fig. 4.12. O vento e as formas do iglu e do yurt.

Também vimos as medidas adotadas pelos pastores da Ásia Central, tanto em


termos de proteção quanto de situação. Os inuítes também tomam precauções
muito elaboradas a respeito da situação, escolhendo os terrenos mais quentes,
com os iglus de frente para a praia (o mar é a principal fonte de alimentação),
à proteção das rochas (fig 4.13).

Fig. 4.13. Situação


do povo inuíte.

A entrada do iglu se dá através de um túnel curvo, para que não entre


vento. Utiliza-se uma entrada principal para um grupo de residências,
interligadas por corredores interiores, o que permite um maior amortecimento
do vento. O túnel tem espaços de transição nos quais se esquenta o ar, o piso
elevado também contribui para evitar o vento. A entrada pode ser paralela à
direção do vento, o que ajuda a evitar a corrente direta, ou pode estar contra o
vento, protegida por uma parede de blocos de neve, porque o lado das rochas
é um problema (fig. 4.14).
Na tenda dos indígenas se controlava o vento com duas línguas ou
orelhas flutuantes, suspensas por duas estacas grandes inseridas em uma
espécie de bolso. Poderiam ser colocados distantes, para admitir o ar e brisas
durante o tempo bom, ou juntas, para proteger da chuva e do vento ou reter o
calor durante a noite (fig. 4.15).

127
Fig. 4.14. Seção
esquemática do iglu (foram
omitidos muitos detalhes).

Fig. 4.15. Tenda com


orelhas para controlar
o vento.
Na Normandia, onde os ventos também são um problema, as fazendas
têm coberturas de palha e folhagens cuja forma se parece com o casco de um
barco, com a proa voltada para o vento oeste e a popa voltada para o tranquilo
e seguro leste (fig. 4.16).

Fig. 4.16. Fazenda da Normandia. (Adaptado de Grillo, What is design?, p. 106


e observações do autor)
Em muitas outras áreas, as casas estão situadas para aproveitar ao
máximo o vento. Podemos ver isso no Canadá, no México, onde a situação foi
codificada pela “Lei dos Índios” e pela tradição, na Irlanda e em Tristão da
Cunha, onde as casas de pedra são meio fundidas no solo para evitar os
temporais. Provença, zona geralmente temperada, tem um vento frio do norte
— o Mistral —. As casas estão localizadas em depressões de modo que a
parede norte tem a altura de um pavimento e é cega ou com pouquíssimas
aberturas, enquanto a parede sul tem altura de dois pavimentos e muitas
janelas protegidas por cortinas, uma vez que na área há poucas árvores (fig.
4.17). Também se utilizam varandas abertas no lugar de árvores. Na Suíça
ocorrem assentamentos similares (fig. 4.18).

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Fig. 4.17. Casa de Provença
protegida contra o vento do norte.

Fig. 4.18. Casas situadas para conseguir máxima proteção dos ventos frios
na Suíça. (Adaptado de Weis, Häuser und Landschaften der Schweiz, p. 188).

Os celeiros do Oregon apresentam uma solução parecida: a face maior


da cobertura para o vento, com beirais muito baixos. No inverno, esse espaço
fica cheio de fardos de alfafa ou de feno para formar uma continuação da
camada de neve que cobre o telhado. A parede sul é pintada de vermelho
escuro para absorver o sol e o calor dos animais e o isolamento da neve
mantêm o celeiro quente.
Na Suíça, foram muito comuns estacas que se cravavam na frente da
casa e rompiam a força do vento (fig. 4.19). Em outras zonas esse efeito é obtido
colocando proteções em frente e ao redor da casa. Estes grupos de árvores
chegaram a dominar a paisagem e atuam também como memoriais na planície.

Fig. 4.19. Estacas utilizadas na


Suíça para proteger a casa da
força do vento. (Adaptado de
Weis, Häuser und Landschaften
der Schweiz, pp. 96-97).

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Chuva.
Os principais efeitos da chuva têm lugar na construção da residência, da
qual se falará mais adiante (capítulo 5). Em zonas áridas, reter a chuva e
protegê-la da evaporação pode ser importante, como em algumas ilhas do
Caribe onde se utilizam cisternas debaixo das casas. Nos trulli da Itália, estas
cisternas têm acesso direto até a casa e podem ter um efeito refrescante e
contribuir para umedecê-la.
Em zonas de calor úmido, os grandes beirais e sacadas, que permitem
manter as janelas abertas para ventilação enquanto chove, se convertem no
principal elemento climático modificador da forma. Algumas tribos de Natal,
África do Sul, utilizam a chuva para controlar a forma de trabalho do edifício.
Constroem casas com uma estrutura leve forrada com esteira tecida. Com o
tempo seco, o tecido se contrai permitindo correntes de ar entre as frestas,
mas com o tempo húmido as fibras se dilatam, transformando-se em
membranas quase impermeáveis e à prova de vento.

Radiação solar e luz.


Geralmente, a radiação solar e a luz não são desejáveis nas zonas
quentes e são empregados vários mecanismos para evitá-las. Em zonas frias,
sobretudo no inverno, a luz e a radiação solar são desejáveis e, ainda que as
aberturas possam criar problemas de frio e perda de calor, se utilizam
frequentemente, como, por exemplo, na Holanda e na Noruega. Os inuítes
usam uma janela de gelo e peles voltada diretamente para o sol de inverno,
enquanto, durante o longo dia do verão, utilizam tendas escuras para não
deixar entrar luz.
Como temos visto, nas zonas de calor seco se evita a radiação solar
direta de várias maneiras. Este é outro exemplo das possibilidades de escolha
porque, uma vez que se decidiu a necessidade de não deixar entrar o excesso
de luz — e a definição de “excesso” é variável —, há muitas soluções possíveis
e cada cultura lida com o problema ao seu modo. Se pode alcançar o mesmo
objetivo tendo poucas e pequenas aberturas, como no norte da África; tendo
janelas de vários tamanhos com cortinas escuras, como na Espanha e Itália;
com beiras grandes, ausência de paredes e materiais escuros na moradia
Yagua; ou com as amplas sacadas de Louisiana ou da Austrália. Podem ser
desenhadas sacadas e beirais que permitam a estrada do sol baixo do inverno
e não deixem passar o sol alto do verão, como foi tradicional no Japão, Áden,
Zanzibar e Grécia Antiga.
Outro componente importante, nas zonas de calor seco, são as ondas
térmicas do solo que podem ser uma fonte importante de luz e calor onde não
há vegetação. Para evitá-la, as janelas tendem a estar colocadas no alto, ou se
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utilizam coberturas ao redor da casa e, ainda que seja muito difícil às vezes,
tenta-se usar a água e a vegetação. Em algumas zonas, plantam-se árvores
caducifólias; quando caem as folhas no inverno, permitem a passagem da luz
solar, que a densa folhagem de verão não deixa passar. Também refrescam o
entorno imediato da casa através da transpiração, da evaporação, da sombra
e das reflexões. Nestas áreas, encontramos o uso de formas geométricas que
se levantam ao sol sem reflexos deslumbrantes. Algumas vezes, tenta-se dar
sombra a assentamentos inteiros, como no exemplo de que falamos no sul da
Califórnia, e no Japão, Espanha, países árabes e no norte da África, onde há
ruas e mercados inteiros na sombra. Nestas zonas, a sombra atrai, pelo geral,
as pessoas e se desenham as construções levando-o em conta.
Nos trópicos úmidos o problema pode ser pior que no sol do deserto. O
céu claro produz um clarão quase insuportável, o que é a razão para ter
paredes permeáveis ao vento em vez de não as ter; a privacidade pode ser
outro motivo. As paredes de bambu entrelaçado ou espaçado verticalmente,
como na Malásia, permitem uma luminosidade suficiente como para fazer um
tecido delicado e eliminam completamente o clarão, como nenhuma janela
conseguiria. Este é também o princípio das telas entrelaçadas da Índia,
Paquistão e outros lugares, aos quais já me referi. Além de permitirem a
ventilação e dar privacidade às mulheres, que podem observar o exterior sem
serem vistas, reduzem o clarão diminuindo o brilho aparente do céu e do solo.
As telas de Seiune, no Hadramaute, e de outros países árabes e as leves
sacadas com telas de Zanzibar, têm a mesma função, ainda que estas últimas
saiam em balanço e deem sombra às calçadas. Em algumas moradias da
Malásia, os beirais baixos e as sacadas largas protegem do brilho do sol assim
como da chuva, permitindo ao mesmo tempo a ventilação, e os tetos brancos
distribuem a luz admitida (fig. 4.20).

Fig. 4.20. Casa malaia.

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