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Mas, qual é a definição deste principal elemento com que a arquitetura trabalha e que
tanto referencia?
Segundo as definições e as origens das duas palavras, entende-se como relação entre os
dois conceitos que o lugar é o espaço ocupado, ou seja, habitado, uma vez que uma de
suas definições sugere sentido de povoado, região e país. O termo habitado, de habitar,
neste contexto, acrescenta à idéia de espaço um novo elemento, o homem. O espaço
ganha significado e valor em razão da simples presença do homem, seja para acomodá-
lo fisicamente, como o seu lar, seja para servir como palco para as suas atividades.
A palavra habitar tem como definição na língua portuguesa: “1. Ocupar como
residência; residir. 2. Tornar habitado. 3. Ter hábitat em. T.c. 4. Habitar (1). T.i. 5.
Morar (com alguém)” (12). Residir apresenta como algumas de suas definições: “2.
Acontecer; estar presente; […] 3. Achar-se; ser; estar” (13). Estar presente, achar-se, ser
e estar, neste contexto, referem-se ao homem e na sua capacidade de habitar. Para nós, o
homem constrói para habitar e não habita para construir.
Tuan (14) discursa que o significado de espaço freqüentemente se funde com o de lugar,
uma vez que as duas categorias não podem ser compreendidas uma sem a outra.
Segundo ele, o que começa como um espaço indiferenciado, transforma-se em lugar à
medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. “O espaço transforma-se em
lugar à medida que adquire definição e significado” (15). “Quando o espaço nos é
inteiramente familiar, torna-se lugar” (16). Tuan define os lugares como “centros aos
quais atribuímos valor e onde são satisfeitas as necessidades biológicas de comida,
água, descanso e procriação” (17).
Na realidade, com a definição de Tuan acerca do Lugar (24), este pode existir em
muitas escalas e modos de ser diferentes. No extremo de uma escala, uma sala de aula
preferida é um lugar inserido num lugar maior que seria a sua escola, em outro, toda
uma cidade.
O geógrafo nos indica duas características válidas para o nosso estudo, as quais
compõem o lugar, o valor a ele atribuído e o tempo, que seria o responsável pelas
experiências vividas.
Norberg-Schulz afirma que o lugar é mais do que uma localização geográfica, ou seja,
mais do que um simples espaço. “O lugar é a concreta manifestação do habitar humano”
(29). O autor coloca que o mundo, como lugar, é constituído por elementos que
transmitem significados. Em sua insatisfação por uma definição sobre o que é o lugar,
ele a busca novamente na filosofia, mais precisamente no filósofo existencialista
Heidegger (30). Este declara que o homem para ser capaz de habitar sobre a terra deve
tomar consciência que habita entre dois mundos dicotômicos, o céu e a terra. “sobre a
terra já significa sob o céu”, diz Heidegger (31). Por isso cabe ao homem não somente
compreendê-los separadamente, mas, sobretudo, entender a relação existente entre eles.
O homem habita entre esses dois mundos completamente opostos, o primeiro tangível e
acessível, o segundo não-tangível e inacessível. Mas para Norberg-Schulz, o habitar
significa muito mais do que o abrigo, habitar é sinônimo do que ele chama de suporte
existencial. O suporte existencial (que segundo ele seria o objetivo da arquitetura) é
conferido ao homem através da relação entre este e o seu meio através da percepção e
do simbolismo. O autor introduz o conceito de espaço existencial, que “não é um termo
lógico-matemático, mas compreende as relações básicas entre o homem e o seu meio”
(33), sendo dividido em Genius Loci em dois elementos complementares: o espaço (ou
seja, a terra) e o caráter (ou seja, o céu), o que o autor entende, respectivamente, como a
orientação e a identificação. Somente através destes dois elementos é que o homem terá
o seu “suporte existencial”, ou seja, o seu Lugar sobre a terra é construído, o Caos é
transformado em Cosmos. Na realidade, o arquiteto baseia-se na definição adotada por
Heidegger; para este último, “O modo no qual você está e eu estou, o modo no qual nós
humanos estamos sobre a terra, é habitar” (34).
“Nós temos usado a palavra ‘habitar’ para indicar a relação total homem-meio. […]
Quando o homem habita, ele está simultaneamente locado no espaço e exposto a um
certo caráter ambiental. As duas funções psicológicas envolvidas, podem ser chamadas
“orientação” e “identificação”. Para ganhar o suporte existencial o homem tem que ser
capaz de orientar-se; ele tem que saber onde ele está. Mas também ele tem que
identificar-se com o meio, isto é, ele tem que saber como ele está num certo lugar” (35).
O espaço (terra), nesta estruturação, é o elemento mais estável, embora algumas de suas
propriedades sejam suscetíveis a mudanças no decorrer do ano. O caráter (céu), o mais
instável, é uma função do tempo, mudando com as estações sazonais, com o curso
temporal diário e do clima. Segundo o autor, há cinco modos básicos para compreender
o aspecto do lugar, natural ou construído, sejam eles: Elementos e Ordem cósmica
(dados pelo elemento espaço: terra), Caráter, Luz e Tempo (dados pelo elemento
caráter: céu). Todos esses modos são analisados segundo a percepção e o simbolismo
(37).
O elemento caráter (céu) é analisado basicamente pelo autor (39) por dois aspectos: (a)
constituição qualitativa (qualidade da luz, da cor e classificação) e (b) constituição
quantitativa (quantidade da luz).
“A floresta nórdica […] O chão é raramente contínuo […] tem uma variedade de
relevos; pedras e depressões, arvoredos e clareiras, arbustos e tufos […].
O céu é dificilmente experienciado como uma hemisfera global, pois ele é espremido
por entre os contornos das árvores e pedras, e muitas vezes modificado pelas nuvens.
O Sol é relativamente baixo e cria uma variedade de spots de luz e sombra, as nuvens e
vegetação funcionam como “filtros”. A água está sempre presente como um elemento
dinâmico […].
“A infinita extensão da monotonia do chão árido; a imensa abóbada que abraça o céu
sem nuvens […] o Sol escaldante que quase dá uma luz sem sombra; a secura, o ar
quente […] O pôr-do-Sol e o amanhecer conectam dia e noite sem os efeitos
transacionais da luz, e criam um simples ritmo temporal” (41).
Uma vez que o lugar é o espaço dotado de valor pelo homem, e este está contemplado
naquele, em presença física e/ou simbólica, propomos como estrutura para o lugar a
intersecção de três mundos, ou atributos: os espaciais, os ambientais e os humanos.
Transitando nas esferas bioclimática e humana está o elemento tempo. Sejam alguns
deles:
Somente com a interrelação dessas três (3) esferas, um espaço torna-se um lugar. Sem
os atributos humanos, o espaço não é um lugar, mas apenas um local onde todos os
atributos espaciais e os ambientais agem, porém sem a interação humana, sem os
valores humanos.
Os atributos espaciais se referem às questões relativas ao espaço tridimensional, em
termos de morfologia. A forma, as áreas, o volume, os planos constituintes e a
proporção entre as suas dimensões, os elementos que dele fazem parte, as relações de
configuração espacial que se fazem presentes e as características físicas dos planos e
dos elementos do espaço quanto à cor e à textura.
Por último, os atributos humanos são a interação do homem neste universo espacial,
influenciando, modificando e concedendo valores aos atributos espaciais e os
ambientais. Presente fisicamente ou simbolicamente, tem-se uma relação de escala entre
o homem e o espaço que o circunda. À medida que se movimenta, seu corpo explora o
ambiente espacial, o usufrui para as suas atividades e estabelece uma comunicação
perceptiva. Concede valores e significados, apropria-se do espaço e o guarda em sua
memória.
Com a inauguração da fenomenologia por Husserl, este a chama de eidos, que é aquilo
“que se encontra no ser autárquico de um indivíduo constituindo o que ele é” (50), ou
seja, seria a idéia fundamental deste ser. Esta definição é reforçada pela etimologia do
cognato, cuja origem provém do latim: “essentĭa, a natureza de qualquer coisa” (51).
Ser a natureza de algo significa o que de mais puro possamos obter deste ser.
“Imaginamos a essência como uma espécie de estrutura inata dos seres, elemento
indecomponível e incorruptível, substância plena impermeável às vicissitudes da
experiência. Para sabê-la, precisaríamos despi-la dos acidentes que a existência lhe
conferiu: estes véus que a encobrem, os adereços, as relações supérfluas, todas essas
coisas que lhe retiram a leveza de uma idéia sem mácula. Conseguimos isso procedendo
a combinações, subtrações, acréscimos, fazendo variar tudo aquilo que aparentemente
lhe pertence, para descobrirmos o que não é mais aparência, mas, essência: um
invariante” (52).
Falar da essência não significa devotar-se a uma “compreensão mística” que permitiria a
somente alguns iniciados ver o que outros não vêem, mas, ao contrário, ressaltar que o
sentido de um fenômeno lhe é imanente e, portanto, que existe sempre nele e lhe é
inseparável.
Cada objeto que percebemos tem uma essência: árvore, mesa, casa, etc., e também as
qualidades que atribuímos a estes objetos: verde, rugoso, confortável, etc. Mas a
essência não é a coisa ou a qualidade e, no caso da Arquitetura, a tipologia
arquitetônica; ela é o ser da coisa ou da qualidade. Dartigues (53) exemplifica-nos que
se tomarmos a IX Sinfonia de Beethoven, a sua essência persistiria mesmo se todas as
partituras, orquestras e ouvintes desaparecessem para sempre. Ela persistiria, não como
uma realidade, como um fato, mas como pura possibilidade. É essa pura possibilidade
que me permite nomeá-la e distingui-la de imediato de toda outra sinfonia.
Assim como ao riscar sem o auxílio do compasso um menino dirá que a forma
ligeiramente oval em seu caderno é um círculo, por muitos que sejam os desenhos de
triângulos sobre os quadros-negros de todas as escolas do mundo, é sempre do triângulo
que se trata, podemos dizer que, por numerosos que sejam os tempos e os espaços em
que se fala do lugar, é pela impossibilidade de ser outra coisa, que é deste lugar que se
refere, e a sua essência nos permite identificá-lo, nomeá-lo e distingui-lo de imediato de
todo e qualquer outro lugar.
notas
1
O presente trabalho foi registrado na Biblioteca Nacional conforme a referência a
seguir: REIS-ALVES, Luiz Augusto dos. O conceito de lugar. Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2004.
il., 10 p. Mimeografado. ISBN 332544., e faz parte do seguinte trabalho: REIS-ALVES,
Luiz Augusto dos. O pátio interno escolar como lugar simbólico. Um estudo sobre a
interrelação de variáveis subjetivas e objetivas do confoto ambiental. Tese de
doutorado. Rio de Janeiro, FAU-UFRJ, 2006.
2
ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. Tradução: Maria Isabel Gaspar e Gaëtan Martins
de Oliveira. 5ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 1996.
3
COELHO NETTO, José Teixeira. A construção do sentido na arquitetura. 4. ed. São
Paulo: Perspectiva, (edição original s/d.) 1999. 178 p.
4
OLIVEIRA, Beatriz Santos de. O que é arquitetura? In: DEL RIO, Vicente; DUARTE,
Cristiane Rose; RHEINGANTZ, Paulo Afonso (Org.). Projeto do lugar: colaboração
entre psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio Janeiro, Contra Capa/PROARQ, 2002,
p. 135.
5
Idem, ibidem, p. 141.
6
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12ª edição. São Paulo, Ática, 2002.
7
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua
portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.
8
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini-Aurélio século XXI escolar: O
minidicionário da língua portuguesa. 4ª edição. Coordenação: Margarida dos Anjos e
Marina Baird Ferreira. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001.
9
CUNHA, Antônio Geraldo da. Op. cit., p. 320.
10
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. cit., p. 433.
11
Idem, ibidem.
12
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. cit., p. 359.
13
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. cit., p. 601.
14
TUAN, Yi-fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Tradução: Lívia de
Oliveira. São Paulo: Difel, 1983.
15
Idem, ibidem, p. 151.
16
Idem, ibidem, p. 83.
17
Idem, ibidem, p. 4.
18
ZEVI, Bruno. Op. cit., p. 22.
19
TUAN, Yi-fu. Op. cit.
20
AUGÉ, Marc. Não-lugares. Introdução a uma antropologia da supermodernidade. 3.
ed., Coleção Travessia do século. Campinas, Papirus, 1994, p. 73.
21
Idem, ibidem.
22
Idem, ibidem, p. 95.
23
CERTEAU, Michel de. L’ invention du quotidien. Paris, Gallimard, 1990.
24
TUAN, Yi-fu. Op. cit.
25
Genius loci é um conceito romano, do latim, que significa Espírito do lugar. Segundo os
gregos cada ser “independente” tinha o seu genius, o seu espírito-guardião, que dava
vida às pessoas e aos lugares, os acompanhava desde o nascimento até a morte e
determinava as suas características e essência. (Paulys Realencyclopedie der
Classischen Altertumswissenschaft, s/d. Apud. NORBERG-SCHULZ, Christian.
Genius loci. Op. cit.)
26
TUAN, Yi-fu. Op. cit.
27
“Etimologicamente, imaginação está ligada a imago, representação, imitação, a imitor,
imitar, reproduzir”. Imago mundi seria a reprodução do ato primordial da criação (ou
ordenamento) do Cosmos, originariamente feita pelos deuses, e agora pelos homens. Cf.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo, Martins
Fontes, 1992, p. 16.
28
ELIADE, Mircea. Op. cit.
29
NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. cit., p. 6.
30
HEIDEGGER, Martin. “Language”. In: Poetry, language, thought. 1971, p. 97-99.
Apud NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. cit., p. 10.
31
HEIDEGGER, Martin. Op. cit., 149. Apud NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. cit., p.
10.
32
NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. cit., p. 5.
33
Idem.
34
HEIDEGGER, Martin. Op. cit., 97-99. Apud NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. cit.,
p. 10.
35
NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. cit., p. 19.
36
Idem.
37
Idem.
38
Idem.
39
Idem.
40
Idem, p. 42.
Não obstante, é importante frisar que geógrafos também consideraram paisagem para
além da forma. Troll (1950), ao referir-se à paisagem, concebia-a como o conjunto das
interações homem e meio. Tal conjunto, para o autor, apresentava-se sob dupla
possibilidade de análise: a da forma (configuração) e da funcionalidade (interação de
geofatores incluindo a economia e a cultura humana). Para ele, paisagem é algo além do
visível, é resultado de um processo de articulação entre os elementos constituintes.
Assim, a paisagem deveria ser "estudada na sua morfologia, estrutura e divisão além da
ecologia da paisagem, nível máximo de interação entre os diferentes elementos". Esta
análise, em sua visão, poderia ser de ordem exclusivamente natural (paisagens naturais)
ou de ordem humana (paisagens culturais).
"Paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que
representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza". Ou ainda,
A paisagem se dá como conjunto de objetos reais concretos".
Nesta perspectiva, diferencia paisagem de espaço: paisagem é "transtemporal" juntando
objetos passados e presentes, uma construção transversal juntando objetos. Espaço é
sempre um presente, uma construção horizontal, uma situação única. Ou ainda,
paisagem é um sistema material, nessa condição, relativamente imutável, espaço é um
sistema de valores, que se transforma permanentemente.
Lugar
Trata-se de um conceito que nos remete a reflexão de nossa relação com o mundo. Para
Milton Santos (1997) resgatando Serres (1990), esta relação era local-local agora é
local-global.
Mas o lugar pode também ser trabalhado na perspectiva de um mundo vivido, que leve
em conta outras dimensões do espaço geográfico, conforme se refere Milton Santos
(1997), quais sejam os objetos, as ações, a técnica, o tempo.
"no lugar, nosso próximo, se superpõe, dialeticamente ao eixo das sucessões, que
transmite os tempos externos das escalas superiores e o eixo dos tempos internos, que é
o eixo das coexistências, onde tudo se funde, enlaçando definitivamente, as noções e as
realidades de espaço e tempo".
Resulta daqui sua visão de mundo vivido local–global. Para o autor, o lugar expressa
relações de ordem objetiva em articulação com relações subjetivas, relações verticais
resultado do poder hegemônico, imbricadas com relações horizontais de coexistência e
resistência. Daí a força do lugar no contexto atual da Geografia.
Ambiente
Em seu período inicial, referia-se a Geografia não ao ambiente, mas ao meio (milieu).
Para Bertrand (1968), o conceito de meio se define em relação a alguma coisa, portanto,
está impregnado de um sentido ecológico. Aliata e Silvestri (1994), em capítulo
referente a passagem do conceito de paisagem ao de ambiente, indica que a idéia de
ambiente ou meio apresenta raízes científicas. Para estes, a origem histórica desta noção
está vinculada à biologia, tendo sido introduzida nesta área de conhecimento, pele
mecânica newtoniana. Em seu desenvolvimento histórico, no entanto, o conceito perde
suas raízes (a de veículo mediando um objeto a outro) e assume a concepção "de
unidade de diversas manifestações entre si relacionadas, sistema, nos termos que o
estruturalismo o redefiniu, organismo". (Aliata e Silvestri,1994).
Nesta perspectiva, o ambiente pode ser lido como algo externo ao homem, cuja
preocupação seria estudar o funcionamento dos sistemas naturais. Ou, incluir o homem,
neste caso "em uma única esfera cuja chave principal de leitura está constituída por
processos naturais" (Aliata e Silvestri, 1994). Para estes autores, a idéia de ambiente
elimina por conseguinte "toda a tensão, toda a contradição e neste particular a tensão
essencial qual seja a de ser o homem sujeito. O único sujeito em um mundo oposto a
ele".
Agora cabe perguntar: a que natureza se refere o autor? Trata- se, neste caso, de uma
concepção de natureza denominada de natureza artificial ou tecnificada. Para Milton
Santos (1997), o período atual, período "Técnico Científico Informacional" não nos
permite pensar a natureza como primariamente natural, ou melhor como decorrente de
processos que advém exclusivamente de sua auto organização.
Figura 3
Por outro lado, acreditamos que conceber esta como uma das possibilidades analíticas
da Geografia, tende a nos permitir a diferença de enfoques, ao mesmo tempo em que
nos articula pelas conexões derivadas da fronteira tênue entre cada um desses conceitos.
Costuma- se dizer na atualidade, que o objeto de estudo se constrói num contexto
relacional (contém e está contido). Por conseguinte, as conexões que permeiam os
conceitos que aqui denominamos operacionais, aproximam as nossas práticas
geográficas, muito mais que nos dividem.
Por último, cabe ressaltar que os trabalhos expressos nesta coletânea, analisam o espaço
geográfico a partir do conceito de ambiente. Apresentam uma leitura do espaço
geográfico, a partir da transfiguração do natural, do social. Dimensionam esta análise, a
partir da perspectiva do lugar, enquanto locus da vida . Buscam resgatar um ambiente
que não se confunda com impactos na natureza, mas que privilegia as derivações e
transmutações destes lugares, a partir da construção da vida em sociedade com a
natureza.
Nota
1.Chamamos a atenção sobre o conceito de apropriação, ele expressa uma concepção diferenciada do
poder sobre o território, tratar-se-ia de um domínio, originalmente como condição necessária a
sobrevivência. Hoje está apropriação se faz sob os mais diferentes objetivos muitas vezes de ordem
cultural. Trata-se conforme Heidrich (1998) em comunicação oral, uma discussão em aberto entre os
teóricos da Constituição do Território.
Bibliografia
ALIATA. F y SILVESTRI, G.El paisage en el arte y las ciências humanas. Buenos Aires: Centro Editor
de América Latina, 1994.
BERTRAND, G. Paisage y Geografia Física Global. In MENDOZA, J.G.; JIMINES, J.M. y CANTERO,
N. O. (Orgs) El pensamiento geográfico. Estudio interpretativo y antologia de textos (de Humboldt a las
tendências radicales). Madrid: Alianza Editorial, 1982.
HUMBOLDT, A. Von. Cosmos. Ensayo de una descripción física del mundo. In MENDOZA, J. G. ;
JIMENEZ, J. M. y CANTERO, N. O.(Orgs.) El pensamiento geográfico. Estudio Interpretativo y
Antologia de Textos (De Humboldt a las tendencias radicales) . Madrid: Alianza Editorial, 1982.
SANTOS, M. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 2º Edição. São Paulo: Hucitec,
l997.
TUAN, YI-FU. Space and Place: Humanistic Perspective. Progress in Geography. V l, nº 6, 1975.
Espaço é um conceito mais abstrato que o de lugar. O que começa como espaço indiferenciado,
transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. "Lugar é uma mistura
singular de vistas, sons e cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais (...) Sentir um lugar
é registrar pelos nossos músculos e ossos" (TUAN, 1983, p. 203). Só nos familiarizamos com um lugar
após algum tempo. Lugar é por sua vez definido por e a partir de apropriações afetivas que decorrem com
os anos de vivência e as experiências atribuídas às relações humanas.
Fonte: http://www.webartigos.com/articles/34813/1/Conceitos-Espaco-Lugar-e-
Territorio/pagina1.html#ixzz13Zgp5bI7
Os conflitos e contradições inerentes às sociedades tem íntima relação com a constituição de territórios,
pois segundo o autor "o território está, igualmente, presente em toda a espacialidade social – ao menos
enquanto o homem também estiver presente" (SOUZA, 1995, p. 96), portanto está repleto desses
conflitos e contradições das sociedades. Há certa volatilidade na composição dos limites territoriais, se
tornam um tanto instáveis e estão em constante mudança: "criação da identidade territorial é apenas
relativa, digamos, mais propriamente funcional do que afetiva" (SOUZA, 1995, p. 88).
Souza (1995) faz algumas menções também sobre o conceito de espaço, lembrando que a Geografia
Política define o espaço como sendo "concreto em si (com seus atributos naturais e socialmente
construídos) que é apropriado, ocupado por um grupo social" (p. 84); isso no que se refere a território
nacional e idéia de Estado Nação.
Sendo assim, podemos concluir que os três conceitos trabalhados nessa disciplina são de fundamental
necessidade para estudo da geografia urbana e para trabalharmos com a história das cidades. Dessa
forma, as cidades seriam monumentos, registros vivos das mais variadas civilizações e grupos sociais
que naquele espaço habitaram, referências de transformações impostas pela sociedade no espaço e as
possíveis relações de afeto que marcaram os lugares e as pessoas.
Referências:
Tuan, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. 1930. Tradução de Lívia de Oliveira, São
Paulo: Difel, 1983.
CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. (org'.s). Geografia:
conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 15-47; 77-116.
Fonte: http://www.webartigos.com/articles/34813/1/Conceitos-Espaco-Lugar-e-
Territorio/pagCarácter da Arquitectura e do Lugar *
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A noção de “carácter” em Arquitectura tem tido várias interpretações, desde que o
termo começou a ser utilizado na segunda metade do Séc. XVIII, tendo sido objecto
de reflexão para alguns teóricos e arquitectos que, desde então, deram contributos
relevantes para a Teoria da Arquitectura.
No seu livro Form, Function and Design, em pleno apogeu do Movimento Moderno,
Paul Jacques Grillo refere-se ao carácter como sendo “uma rara qualidade”, quando
diz respeito ao Homem ou a um edifício. Qualidade que, ao longo da História da
Arquitectura, se manifestou quando um edifício, devido à sua forte “personalidade”,
se afirmou e evidenciou em determinado contexto construído.1 Para ele, o carácter
resulta da perfeita materialização arquitectónica dum programa funcional dum tipo
de edifício específico, a que chama “Group–character”, e diz respeito a edifícios
públicos (escola, hospital, igreja, por exemplo), estruturantes do Lugar urbano.
Existem edifícios que se evidenciam relativamente a uma arquitectura de
acompanhamento, que sobrepõem determinadas barreiras, pelo seu desenho, que
não podem ter uma abordagem tão objectiva como a simples expressão duma
eficaz materialização funcional. Estes não só cumprem rigorosamente o seu
programa, numa perfeita comunhão entre desenho, forma, materiais e função, mas
estão ligados a um sítio como se fossem animais vivos, dando a impressão que a
sua existência nesse lugar é intemporal.
A sua perfeita relação com o sítio e o programa é de tal forma indiscutível que se
torna impossível imaginar esse edifício em outro lugar diferente. A sua pertença ao
Lugar é tão natural que quase chegam a atingir o anonimato de qualquer obra da
Natureza.2 Como exemplos existem palácios, igrejas e lugares que o tempo da
História elegeu como obras de arte notáveis de excepção, onde a importância dos
elementos de detalhe ou o estilo arquitectónico passaram a ter menor relevo,
prevalecendo o todo edificado e a construção do Lugar.
A primeira leitura destes edifícios faz-se a partir da interpretação das suas
fachadas, o que é insuficiente, fazendo sentir a necessidade duma abordagem
espacial e temporal do espaço arquitectónico, do seu todo – interior e exterior –
uma abordagem de cariz fenomenológico.
Werner Szambien, no seu livro Simetria, Gosto, Carácter faz uma profunda reflexão
sobre a noção de carácter em Arquitectura, assumindo-o como um dos “objectivos
da concepção arquitectónica” 3, muito para além de um simples princípio estético.
* A partir da sua Tese de Doutoramento em Arquitectura: Vilegiatura e Lugar na Arquitectura Portuguesa, defendiada na
Faculdade de Arquitectura da UTL em Fevereiro de 2008.
1 Paul Jacques Grillo, Form, Function and Design, Dover Publications, Inc., New York, 1960, p.20.
2 Ibidem, p.20.
3 Werner Szambien, Symetrie, Goût, Caractère – Théorie et Terminologie de L’Architecture
À L’Âge Classique 1550-1800,
Ed. Picard, Paris, 1986, p.174.
O termo carácter pode ser, de certa forma, equívoco, em Arquitectura. Usualmente
refere-se à fisionomia humana que, de igual modo, é transposta para a
caracterização do objecto de Arquitectura, assumindo-se o edifício construído como
justificação da interpretação analógica ou mimética da Natureza, ideia recuperada
de períodos importantes da História que, no Séc. XX, volta a ter um papel relevante
no pensamento artístico de então.
A disciplina de Arquitectura, ao ser questionada pelas novas tecnologias postas à
disposição da criação arquitectónica no Séc. XIX, procurou uma nova especificidade
ao desenvolver a doutrina da composição arquitectónica, aparecendo a Teoria do
carácter como um instrumento de interpretação, preferencialmente direccionada
para a arquitectura pública, onde se põe em evidência a especificidade de cada
género arquitectónico num contexto cultural determinado.
O objectivo da composição passava pela expressão de um uso inerente a uma
determinada tipologia arquitectónica, onde os edifícios, pela sua disposição, pela
sua estrutura e pela forma como são decorados, devem indicar, objectivamente, o
seu uso e destino. Ao não o fazerem contrariam a expressão que se pretende que
seja verdadeira e objectiva.
Jacques-François Blondel (1705-1774), nos seus tratados dedicados à análise da
obra de arte, emprega o termo carácter de forma algo ambígua, hesitando entre a
“qualidade da própria obra” ou a sua “qualidade de expressão”. Para ele todas as
diferentes espécies de produções de que dependem a Arquitectura devem ter
impregnados os objectivos particulares a cumprir por cada edifício, todas devem ter
um carácter que determine a sua forma geral e que anuncie “o tipo que o edifício
quer ser”.4
O “carácter distintivo” definido por Blondel ultrapassa a disposição volumétrica e a
escolha das formas em harmonia espacial – atributos da escultura, das Belas Artes –
procurando a própria maneira de ser do edifício, cuja expressão pode até incorporar
vários simbolismos na sua composição ou ornamentação, mas que emerge logo de
inicio na própria concepção. O carácter expresso pelo exterior do edifício deixará
bem claro o seu uso particular e será, também, uma manifestação de bom gosto.5
Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806) e Étienne-Louis Boullée (1728-1799), com quem
frequentou o curso para “arquitecto artista” na “Ecole deux Arts” de Blondel –
professor e teórico de quem herdaram uma identidade cultural e filosófica que
associava o papel do arquitecto na sociedade à criação arquitectónica baseada em
dois factores indissociáveis: a “distribuição” e o “carácter”. O primeiro era
associado a um nível de novas exigências funcionais e o segundo estava
relacionado com os conceitos de “contraste” e “variedade”, que dão continuidade a
uma tradição de pensamento clássico que se enquadra na “estética sensualista” do
Séc. XVIII.6
Carácter da Arquitectura e do Lugar
108
4 Ibidem, p.179.
5 Ibidem, p.180.
6 Anthony Vidler, Ledoux, Ediciones Akal, S.A., Madrid, 1994, p.15.
O conceito de carácter, considerado por Blondel um dos níveis ou mesmo o nível
mais importante para a criação da “boa arquitectura”, quer se tratasse de edifícios
públicos ou privados, condicionados mais pela sua expressão simbólica ou pela sua
função utilitária, acaba por ser expresso quer na prática profissional como no
discurso arquitectónico duma nova geração de arquitectos que integra Ledoux.
Estes subscrevem e desenvolvem a teoria de Blondel de que tudo o que decorre da
produção arquitectónica tem que ter em conta o destino particular de cada edifício,
e todos os edifícios devem ter o seu próprio carácter, determinante da sua forma
geral, devendo esta ser objectivamente indicativa da sua própria identidade.7
O termo carácter está directamente relacionado com a teoria geral da
caracterização, comum a disciplinas como a Literatura, a Linguística e a História
Natural, que se torna corrente no meio académico do ensino da Arquitectura da
segunda metade do Séc. XVIII com Blondel, com a designação de caracterização.
Esta acaba por ser a solução para contrariar a afirmação progressiva dos gostos
individuais ou colectivos que substituem gradualmente as normas que até ali ainda
poderiam ser consideradas inquestionáveis ou absolutas e que, no conjunto de
novas necessidades institucionais ou sociais, obrigavam à criação de novas
soluções funcionais, de novos tipos arquitectónicos.
“Tanto na arquitectura como no terreno da ciência, o sentido da caracterização dividia-se entre o estudo
de uma expressão adequada – os signos do carácter – e uma análise da organização ou da distribuição –
a constituição do carácter. Entre ambos, para repetir os termos de Michel Foucault, ‘uma teoria da
marca e uma teoria do organismo’. A maior ambição de Ledoux foi sempre superar esta divisão
pretendidamente irremediável entre ‘necessidade’ e ‘representação’, com o fim de que o edifício se
converterá, em suma, no signo perfeitamente transparente do seu próprio destino.” 8
A expressão do carácter próprio a cada edifício passou, então, a ser encarado como
um problema de coerência ou mesmo de verdade em Arquitectura. A discussão dos
critérios fundamentais da Arquitectura começa a ser feita a partir de factores
relevantes como a distribuição – relacionada com a correcta adaptação funcional –,
a integridade funcional – associada aos processos construtivos emergentes – e a
linguagem das formas – que actuam como expressão inequívocas de carácter,
dando origem à muito discutida linguagem dos caracteres criada por Ledoux como
a forma de alcançar e de revelar a nobreza da Arquitectura, independentemente da
sua função ou importância simbólica.
A teoria do carácter é também desenvolvida pelo arquitecto parisiense
contemporâneo de Ledoux, Le Camus de Mézierères (1721-1789), que faz uma
abordagem à obra arquitectónica como um todo. “O carácter não reside somente
no exterior dos edifícios públicos e privados mas, em primeiro lugar, se se
considerar o espaço definido pelo autor, também o seu interior”.9 Entende este
teórico e autor de obras importantes em París (segunda metade do Séc. XVIII)
ARTiTEXTOS06. JULHO 08
109
7 Ibidem.
8 Anthony Vidler, Op. Cit., p.16.
9 Werner Szambien, Op. Cit., p181.
que a vontade de caracterizar o espaço interior deverá ser sistematizada, que as
proporções e o seu jogo de relações devem ser abrangentes ao todo da obra
construída e que a percepção do seu espaço envolvente, da Natureza em que se
integra, não poderão ser tratados de modo independente ou indiferenciado.
A ordem inerente à organização racional do espaço interior revela uma lógica
imperturbável, onde o sistema de caracterização próprio a um determinado
programa, com origem numa concepção definida, faz revelar o carácter no interior.
Cada elemento independente e participante na organização do espaço interior
revela, também, o seu próprio carácter e faz associar a percepção e a vivência do
espaço ao prazer do seu domínio sensorial e intelectual. O jogo de proporções
criadas pela arquitectura interfere nas sensações inerentes à apropriação dos
diferentes espaços, num usufruto progressivo e por vezes ritual, que resulta da
utilização dos espaços – quase num domínio ideal –, onde vestíbulos e antecâmaras
se multiplicam, contribuindo para a satisfação dos prazeres sociais: sala de comer,
salão, bilhar, galeria, etc.10
O carácter está, no interior dos edifícios, tão omnipresente como nas sensações
inerentes à percepção espacial, e pode manifestar-se de modo muito relevante na
própria escolha e colocação do mobiliário e das obras de arte que compõem e
organizam o seu espaço.
A luz tem, também, um papel determinante na definição do carácter interior, sendo
para Mézierères essencialmente o meio que põe em evidência as massas e
volumetrias da Arquitectura.
“Um edifício muito iluminado, bem arranjado, é, acima de tudo o resto, perfeitamente tratado,
devidamente agradável e risonho. Menos aberto ele oferece um carácter sério. A luz, quanto mais
intersectada, fá-lo misterioso ou triste.”11
Devido às utilizações diferenciadas do termo carácter e às várias interpretações
possíveis no final do Séc. XVIII, Quatremère de Quincy (1755-1849) fez a distinção
clara entre os “caracteres da arquitectura histórica” e os da “Arquitectura
contemporânea”, entre o “carácter da ideia expressa” e o “carácter do género do
edifício”, entre os “caracteres da arquitectura pública” e os da “Arte dos jardins”,
introduzindo, assim, uma hierarquia que permitia formular os objectivos da
Arquitectura do seu tempo.12
A noção de carácter aparece, então, classificada em diferentes categorias:
“carácter distintivo”; “carácter essencial” e “carácter relativo” (“ideal” e
“imitativo”).13
O “carácter distintivo” (ou de originalidade) encontra-se na arquitectura que
expressa uma qualidade dominante, real e objectiva, de forma visível; que denota
afirmativamente uma fisionomia resultante de um hábito ou hábitos gerais
provenientes dum carácter cultural de um povo específico.
Carácter da Arquitectura e do Lugar
110
10 Ibidem, p.181.
11 Ibidem, p.183.
12 Ibidem, p.184.
13 Ibidem, p.185.
O “carácter essencial” da arquitectura é menos comum e é sinónimo de força, de
grandeza e domínio. É o carácter por excelência e o mais directamente ligado à
História da Arquitectura e à distinção entre civilizações. A sua conotação com a
ordem dórica, devido à expressão de solidez, por vezes superior à solidez real, e ao
emprego de formas geométricas e regulares, que produzem uma impressão de
força e grandeza, permitem relevar a Arquitectura Grega Clássica como detentora
de “maior força” relativamente à arquitectura Romana e associar à Arquitectura do
Movimento Moderno uma perda ou mesmo falta de carácter.14
O “carácter relativo” está mais relacionado com a prática de concepção particular e
objectiva de um edifício. Poderá partir da imitação ou interpretação de um modelo
de inspiração e expressa-se na arte de caracterizar, de tornar sensível, pelas formas
geométricas, as qualidades intelectuais e as ideias que se podem exprimir no
edifício. Pode dar a conhecer as partes construtivas do edifício, a sua natureza e o
seu destino, e as suas propriedades espaciais associadas a um uso particular. É
fortemente expresso o talento ou génio de quem o concebe, como obra artística
que se oferece a uma leitura interpretativa como um todo completo, em equilíbrio
ideal.
O “carácter relativo” subdivide-se em dois géneros: o ideal e o imitativo. O
“carácter ideal” está mais direccionado para a poética da arquitectura, onde as
regras são subalternizadas relativamente à formação simbólica do objecto criado.
Como exemplo refira-se que, na Grécia Antiga, a arquitectura procurava
materializar a variedade dos caracteres particulares das suas divindades nos
templos construídos. O “carácter imitativo” está directamente relacionado com
regras provenientes de modelos predefinidos e com o rigoroso conhecimento da
natureza do edifício, do seu destino.
A expressão do carácter próprio dos edifícios parte, indiscutivelmente, do
conhecimento das qualidades particulares introduzidas no acto da sua criação, e
cujo resultado estético e arquitectónico só é totalmente entendido pelo uso e
fruição do seu espaço – interior e envolvente.
A “Teoria do Carácter” parte de três pressupostos de percepção: o objecto natural
que possui um determinado carácter e produz uma determinada sensação em
quem o apreende; o objecto arquitectónico que possui o seu próprio carácter e
produz no Homem uma sensação, e a inspiração do arquitecto nos caracteres da
Natureza, com o pressuposto de dotar as suas criações dum carácter análogo que
desperte as mesmas sensações interpretadas do meio natural.15
Boullée foi um dos apologistas de que se deve evitar, de forma consciente, atribuir
o mesmo carácter a mais do que um tipo de edifício. Nesse sentido, a programas
diferentes seriam associados caracteres diferentes: um templo expressava
grandeza; um teatro, delicadeza; um palácio, magnificência; um palácio da justiça,
magestosidade; e um monumento funerário, tristeza.16
ARTiTEXTOS06. JULHO 08
111
14 Werner Szambien,
Op. Cit., p.185.
15 Ibidem, p.193.
16 Ibidem, p.196.
Também para Boullée a “teoria do carácter” aplicava-se, essencialmente, à
arquitectura pública. A sua visão poética da Arquitectura posicionava o carácter no
seio de uma estética da percepção, quando esta assumia a tendência de aceitação
dos princípios de imitação analógica da Natureza e reconhecia a ligação objectiva
entre os determinados caracteres e os tipos de edifícios públicos específicos.
Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834) opunha-se frontalmente a estes princípios,
tendo protagonizado uma Arquitectura utilitária onde o carácter passa a ter um
efeito secundário na observação dos verdadeiros princípios da Arquitectura. Para
Durand, a procura de produção de carácter em arquitectura é um falso problema.
Nesse sentido afirma: “se eu disponho um edifício de maneira convincente ao uso a
que este se destina, não se diferenciará ele de um outro edifício destinado a outro
uso? Não terá ele, naturalmente um carácter, o seu próprio carácter?”17
Em Arquitectura é, ainda, utilizado o termo carácter na procura duma sistemática
de qualidades expressivas, objectivas a determinado tipo de edifícios, a uma
situação particular – Lugar – e a um destino atribuído – programa funcional.
Os arquitectos modernistas tinham muitas dúvidas quanto aos princípios de
composição propostos pelos académicos no início do Séc. XX. Estes princípios, ao
não estarem directamente relacionados com a estrutura e a função arquitectónica,
não poderiam ser aceites na concepção de uma arquitectura autêntica que deveria,
antes, ser fundada por objectivos de ordem racionalista.
A composição era conotada com o privilégio excessivo da aparência formal dos
edifícios, de evidente e perigosa subjectividade. Consideravam que havia uma
preocupação exagerada com os problemas formais da Arquitectura, que teriam que
ser substituídos, no contexto cultural em que se vivia, por uma maior dedicação aos
problemas de construção.
Os autores dos livros de composição que circulavam em Inglaterra e nos Estados
Unidos entre 1900 e 1930, apesar de reconhecerem a importância das disciplinas
funcionais e estruturais na Arquitectura, procuravam, em primeiro lugar, atribuir ao
edifício um verdadeiro significado que seria emergente duma estrutura organizada
segundo os princípios da composição arquitectónica, tendo um conteúdo expressivo
e simbólico que era descrito como carácter.18 Para eles, o êxito de um edifício
adviria de uma boa composição e de um carácter apropriado, mas admitiam que a
primeira poderia não dar origem, obrigatoriamente, ao segundo e vice-versa.
Poderão mesmo existir edifícios com uma muito boa composição mas com uma
expressão funcional desadequada – ex: fábrica com aparência de biblioteca – o que
poderia levar o seu observador ou usufruidor a um completo engano de
interpretação e reconhecimento. Para estes, só o esforço consciente do arquitecto é
que conseguiria atribuir em simultâneo o carácter apropriado e uma boa concepção
com base nos princípios de composição, o que daria, obviamente, origem a uma
obra arquitectónica de destaque.
Carácter da Arquitectura e do Lugar
112
17 Ibidem, p.198.
18 Colin Rowe, Manierismo y Arquitectura Moderna y Otros Ensayos, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 1999, p.65.
A expressão de carácter na Arquitectura não foi um dos atributos mais procurados
para a definição do objecto arquitectónico ao longo da História da Arquitectura. O
carácter foi definido muito raramente mas, em geral, referia-se em simultâneo à
impressão de individualidade artística e à expressão funcional ou simbólica da
finalidade a que o edifício estaria destinado.
No campo estrito da Arquitectura, sempre se admitiu que qualquer edifício tem
como origem uma composição, quer esta seja resultante de um procedimento mais
ou menos correcto, e é evidente que qualquer edifício tem carácter, quer este seja
intencional ou não. A expressão de carácter, apesar dos diferentes sentidos dados à
palavra composição, representou um interesse comum a todos os arquitectos, nas
diferentes épocas históricas.
“Tal como carácter, também o termo composição só se tornou frequente a partir do final do Séc. XVIII. A
atribuição de carácter à composição arquitectónica não era um objectivo expresso dos tratadistas. Para
eles, o desenho de concepção abordava o todo arquitectónico, de acordo com o sentido dado por
Vitrúvio, um processo que incluía ‘invenção’, ‘compartimentação’, ‘distribuição’ e ‘ordenamento’. Nesta
época, o que era entendido por ‘artes da composição’ era o que os críticos anteriores costumavam
descrever – com um sentido talvez distinto – como ‘artes do desenho’.” 19
Quando começou a aparecer o termo composição, no discurso sobre Arquitectura
em Inglaterra, estava já implícita a noção de carácter, como é o caso da definição
de Robert Morris (1734-1806) que definia a composição em Arquitectura como arte
útil e ampla, baseada na “beleza”, “proporção” e “harmonia”, que também dividia a
Arquitectura em três classes – “grave; jovial; encantadora”. No princípio do Séc.
XIX, Edmund Aikin (1780-1820) trata o “contraste” e a “variedade” como “essência
da beleza arquitectónica”, como qualidades que conferem carácter e expressão a
qualquer composição, libertando-a da “monotonia da arquitectura comum”. 20
A concepção de carácter tem, também, que objectivar uma relação com a paisagem
e mostrar uma identidade intencional. A palavra carácter pode ter várias
conotações, ao ser empregue de um modo um tanto indiferente, quando faz
referência a uma classe tipológica ou um estilo arquitectónico – ex: edifício de
“carácter variado ou divertido”, ou edifício construído segundo o “carácter gótico”.21
“Em Arquitectura, como em fisionomia, o carácter deve-se a certas características distintivas – um
edifício é destinguido imediatamente de outros do mesmo tipo. Pode existir uma grande quantidade de
edifícios, como existe uma grande quantidade de seres que não mostram nenhum carácter peculiar. Por
outro lado, pode haver edifícios que mostram, graças à exaltação das suas proporções gerais e à justa
distribuição de todas as
ARTiTEXTOS06. JULHO 08
113
19 Ibidem, p.66.
20 Ibidem.
21 Ibidem.
partes, algo semelhante a nobreza de carácter. O que demonstra que o carácter de um edifício deve ser
evidente e notável, e deve ser expresso mais numa só característica do que em várias.” 22
O carácter passou a ser associado ao belo em Arquitectura, evidenciando os
edifícios, de forma clara e indiscutível, o uso a que eram destinados. Os tipos
arquitectónicos mais comuns eram, correntemente, associados a estilos diferentes
que caracterizavam a sua aparência externa.
As variantes que resultaram da exploração formal de um único tipo arquitectónico,
comum a diferentes programas funcionais, metodologia corrente na tradição
académica, passou a considerar uma abordagem significativa e personalizada,
específica e localizada a um determinado contexto cultural.
A sobreposição do carácter, como valor arquitectónico dominante, à importância,
antes indiscutível, do estilo arquitectónico, permitia apropriar os diferentes estilos
consoante os propósitos predefinidos para o edifício a projectar. Mesmo os temas
vernáculos, até aqui sempre subvalorizados, adquiriam legitimidade arquitectónica
quando faziam parte de uma composição formalmente coerente.
Apesar da sua conotação com um certo empirismo metodológico, a obrigatorieda-
de de atribuir determinado carácter a um edifício garantia uma certa racionalidade
conceptual que se servia das heranças da História da Arquitectura e da Natureza
como materiais para a construção do objecto arquitectónico funcional e
significativo.
O carácter afirma-se como expressão de uma cultura específica, de forma
intencional, em importantes intervenções arquitectónicas de meados do Séc. XIX.
Este era o produto de circunstancias particulares que surgia naturalmente, como
evidência de uma interacção genuína entre as condições naturais, um certo
ambiente cultural e o indivíduo, quer se tratasse de quem concebia arquitectura ou
de quem a usufruía. O carácter deveria ser revelado pela arquitectura e ser extraído
através da sua interpretação, mesmo que de modo implícito. Este perde a
conotação de valor objectivo e empírico e passa a afirmar-se como um conceito
novo enquanto forma de expressão e de revelação de valor da arquitectura,
conceito teoricamente consolidado que punha totalmente de parte a antiga ideia de
característico.
O carácter, directamente ligado à técnica e à representação, passa a interagir com
o carácter como algo intrínseco também ao estilo. Enquanto, por um lado, era
exigido que se mostrassem as qualidades inerentes à substância da arquitectura do
edifício, por outro lado assumia uma tradição que se mantinha presente na sua
expressão formal e simbólica herdadas de uma cultura arquitectónica claramente
afirmada.
Nos finais do Séc. XIX, o carácter é, assumidamente, um dos objectivos da com-
posição arquitectónica que associa os atributos poéticos desta a uma objectividade
metodológica progressivamente mais racionalizada, expressando-se como signo
exterior do comportamento racional identificativo das finalidades funcionais e
espaciais da arquitectura.
Carácter da Arquitectura e do Lugar
114
22 Ibidem, p.70.
O termo composição não teve tantas e tão variadas interpretações como as dadas
ao conceito de carácter. A tendência progressiva para uma arquitectura que
aspirasse à abstracção – Séc. XX –, que defendesse o anonimato, que procurasse o
que é típico, a norma, não o acidental mas sim a forma definida, deixa de necessitar
ter como premissa a “exibição de carácter”. A preferência de soluções impessoais,
neutras e estandardizadas do Movimento Moderno tornaram-se totalmente
incompatíveis com uma ideia de “expressão característica”.23
Quando recentemente se afirmava que a arquitectura do Movimento Moderno tinha
um problema de carácter, contrariamente ao que era evidente na Antiguidade
Clássica, deveria reconhecer-se que, nas questões iniciadas pela implementação do
conceito de carácter, questões praticamente irresolúveis para o Séc. XIX, se
encontram as origens de muitas reflexões e contributos teóricos importantes sobre
o modo de conceber e interpretar a arquitectura, sendo esta entendida como
“Lugar” do habitar.
O conceito de carácter está directamente relacionado com o conceito de Lugar por
Christian Norberg-Schulz (1926-2000) em Espaço, Existência e Arquitectura e em
Génius Loci.
Para Norberg-Schulz, a abordagem da Arquitectura, de certa forma analítica e
científica, do Movimento Moderno, leva à perda do carácter concreto da envolvente
do edifício e das qualidades de identificação do Homem com o Lugar. Para o
contrariar, ele cria o conceito de “Espaço Existencial”, um termo que compreende
as relações básicas entre o Homem e o seu meio envolvente e que é composto por
dois termos complementares – “Espaço e Carácter”, directamente relacionados com
as funções básicas psíquicas de “orientação” e “identificação”.24
“Desde os tempos remotos tem-se reconhecido que diferentes lugares têm diferente carácter. Tal
diferença de carácter é muitas vezes tão forte que é suficiente para determinar as propriedades básicas
das imagens exteriores da maioria das pessoas presentes, fazendo-as sentir o que experimentam e que
pertencem ao mesmo Lugar. [...] o espaço existencial não pode ser compreendido somente por causa
das necessidades do Homem, mas antes unicamente como resultado da sua interacção e influência
reciproca com um ambiente que o rodeia, que tem de compreender e aceitar.“ 25
A necessidade de compreensão qualitativa e fenomenológica da Arquitectura,
depois de um período marcado pela teoria abstracta e científica, fazem-no
desenvolver este discurso entendido como “dimensão existencial”. Esta não é
determinada directamente pelas condições sócio-económicas do Lugar que, no
entanto, podem facilitar ou criar o suporte para a realização de certas estruturas
existenciais, ao oferecerem o espaço para a vida “ter lugar”, mas sem
determinarem, obrigatoriamente, os seus significados existenciais. Significados que
têm raízes profundas, determinadas por estruturas do nosso “estar-no-Mundo”.26
ARTiTEXTOS06. JULHO 08
115
23 Ibidem, p.81.
24 Christian Norberg-Schulz, Existencia, Espacio y Arquitectura,
Ed. Blume, Barcelona, 1975, p.33.
25 Ibidem.
26 Christian Norberg-Schulz, Genius Loci, Towards a Phenomenology of Architecture, Ed. Rizzoli,
New York, 1984, p.6.
Norberg-Schulz recorre-se do conceito de habitar de Martin Heidegger (1889-1976),
dando-lhe o sentido de apoio existencial como propósito fundamental da
Arquitectura.27
“O Homem habita quando se consegue orientar ‘em’ e ‘identificar-se’ a si próprio com o meio envolvente
ou, quando experimenta a envolvente como significativa”. 28
O habitar é entendido muito para além da noção primitiva de abrigo e ocorre em
espaços com carácter distintivo (original), em lugares existencialmente
identificativos. A identidade do Homem depende directamente da sua pertença a
um Lugar e este é, por sua vez, a manifestação concreta do habitar do Homem.
“A palavra habitar indica uma relação total Homem-Lugar. Esta implica a distinção entre espaço e
carácter. Quando o Homem habita, ele é simultaneamente localizado no espaço e exposto a um certo
carácer ambiental. As duas funções psicológicas envolvidas são a ‘orientação’ e a ‘identificação’. Para
ganhar a sua identidade existencial este tem que ser capaz de se orientar, tem que saber onde está,
mas também tem que se identificar com o ambiente, ou seja, tem que saber como está num certo
Lugar.” 29
Apesar da importância significativa da orientação, é a identificação com o ambiente
que dá origem ao habitar. Estes dois conceitos são, de certo modo, independentes
mas pressupõem uma relação de complementaridade inerente à apropriação e, até,
à criação do Lugar. Podemos orientarmo-nos num espaço habitado sem termos que
nos identificar com ele e identificarmo-nos com o Lugar sem termos o completo
conhecimento da sua estrutura. As duas vivências em simultâneo permitem-nos o
reconhecimento e interpretação do espaço e carácter que fazem o Lugar habitado.
Ao identificarmo-nos com o Lugar assumimos, perante ele, um certo sentido de
pertença e de identidade reforçados pela compreensão que temos do espaço para
além deste, que nos é dado pelo sentido imprescindível da orientação.
Qualquer tipo de acontecimento refere-se a uma determinada localização, o que faz
do Lugar uma parte integral da existência humana. O Lugar, mais do que uma
localização abstracta, é entendido por Norberg-Schulz como uma totalidade
composta por coisas concretas, com substância natural, forma, textura e cor. Juntas
estas determinam o “carácter ambiental”, o carácter do meio envolvente que é a
essência do lugar.30
Um Lugar pressupõe sempre a afirmação de um determinado carácter ou atmos-
fera. Como fenómeno qualitativo e total, tem uma abrangência que vai muito para
além das suas relações espaciais. Estas, apesar de muito relevantes, não são
suficientes para a caracterização e interpretação da natureza concreta do Lugar.
Carácter da Arquitectura e do Lugar
116
27 Martin Heidegger, Construir, Habitar, Pensar [Bauen, Wohnen, Denken], In Martin Heidegger, Vortrage und Aufsatze.
Pfullingen: Gunther Neske, 1954. (Tradução do original alemão por Carlos Botelho)
28 Christian Norberg-Schulz,
Genius Loci, Towards a Phenomenology of Architecture,
Op. Cit., p.5.
29 Ibidem, p.19.
30 Ibidem, p.6.
O carácter é determinado pela identidade própria dos objectos que constituem o
Lugar, pelos fenómenos concretos que condicionam o habitar e a identificação do
Homem com um ambiente espacial determinado. A compreensão do Genius Loci ou
espírito do lugar, conceito herdado da Antiguidade, permite-nos reconhecer a
realidade concreta a enfrentar e, através da Arquitectura, cumprir a sua principal
tarefa de criar as condições ideais para habitar através da fundação de lugares
significativos.
“Genius Loci é um conceito romano. De acordo com as crenças romanas qualquer ser ‘independente’
tem o seu ‘genius’, o seu espírito guardião. Este espírito dá vida às pessoas e aos lugares, acompanha-
os do nascimento até à morte, e determina o seu carácter ou essência. Mesmo os deuses têm o seu
‘genius’, um facto que ilustra a natureza fundamental do conceito. O ‘genius’ denota o que um objecto é
ou o que este quer ser - usando um termo de Luis Kahn.” 31
Um Lugar estrutura-se a partir do meio envolvente, duma paisagem e duma
ocupação humanizada. Pode subdividir-se, segundo Norberg-Schulz, em duas
categorias – espaço e carácter. O espaço revela a estruturação tridimensional dos
elementos que constituem o Lugar e o carácter denota as suas propriedades mais
compreensíveis. Estas duas categorias associadas revelam-nos o espaço
vivenciado, o espaço habitado e identificado com um colectivo humano.
“A categoria de ‘espaço’ e ‘carácter´, baseadas na função psicológica fundamental de ‘orientaçao’ e
‘identificação’, introduzida por C. Norberg-
-Schulz para descrever a ‘estrutura do Lugar’, pode gerar maus entendimentos, justificando o
‘característico’ e o fácil ‘ambientamento’. De facto, quando se fala de carácter referimo-nos ao ‘saber
local’ mais do que às funções do edifício”. 32
Podem existir organizações espaciais semelhantes mas que possuem caracteres
muito diferentes, revelados pelo particular tratamento dos elementos definidores do
espaço criado pelo Homem, do seu limite, e do seu ambiente natural envolvente. A
própria organização espacial do Lugar põe certos limites à sua caracterização, o
que torna os dois conceitos interdependentes. O espaço, para além da sua
conotação com uma geometria tridimensional é, aqui, também, entendido como
campo perceptivo, os dois são definidores daquele que podemos chamar, segundo
Norberg-Schulz, “espaço concreto”33.
Carácter é, ao mesmo tempo, um conceito mais geral e mais concreto do que
espaço. Ele denota uma compreensiva atmosfera geral, a forma concreta e a
substância dos elementos de definição espacial.34 Qualquer tipo de presença
humana está ligada a um carácter particular que resulta, também, das exigências
específicas das diferentes acções inerentes ao acto de apropriação no Lugar.
ARTiTEXTOS06. JULHO 08
117
31 Ibidem, p.18.
32 Domizia Mandolasi, lL Luogo e la Cultura del Luogo Nell’Arquitectura Contemporánea, IL Luogo Come Principio di
Ligittimazione del Progetto, Gangemi Editore,
Roma, 1988, p.24.
33 Christian Norberg-Schulz,
Genius Loci, Towards a Phenomenology of Architecture,
Op. Cit., p.11.
34 Ibidem, p.13.
Como exemplos de caracteres particulares associados directamente a tipologias
arquitectónicas podemos referir os seguintes:
1. Habitação – protectora;
2. Espaço desportivo – festivo;
3. Igreja – solene;
4. Escritório – funcional.
Num espaço interior o carácter está implícito no sentido de protecção e conforto
dado pela luz e ambiente controlados, em contraste com o exterior agressivo e
desconfortável. Ao interior é associada a existência de condições para a vida ter
lugar.
O ambiente urbano característico e particular a uma qualquer cidade histórica
revela o seu próprio carácter, com o qual se identificam os seus habitantes.
Qualquer paisagem também possui o seu carácter, de tipo particularmente original,
o que é relevante na afirmação do carácter de qualquer Lugar.
“O Genuis Loci demonstrou, em muitos casos, ser bastante forte para predominar acima dos ciclos das
mudanças políticas, sociais e culturais. Tal resulta, por exemplo, para cidades como Roma, Estambul,
París, Praga e Moscovo. Certamente, a ‘verdadeira grande cidade’ caracteriza-se por um Genius Loci
especialmente pronunciado.” 35
O carácter do Lugar está, também, directamente relacionado com o tempo e
expressa-se de forma diferente com a mudança das estações, com o passar do dia,
com o clima e, associada a estes factores, com as condições diferentes da luz.
A luz não é só o mais genérico fenómeno natural mas, também, o menos constante.
As condições de luz mudam com o decorrer do dia – à noite o escuro preenche a
totalidade do espaço e o mesmo é feito pela luz de dia. Esta está intimamente
ligada aos ritmos temporais da Natureza.
As estações mudam a aparência dos lugares, mais nuns sítios do que noutros, de
forma diferenciada com as várias regiões onde se inserem. Os ritmos temporais não
mudam os elementos básicos que constituem um Lugar natural mas, em muitos
casos, contribuem decisivamente para a definição do seu carácter.
A própria constituição morfológica do Lugar e os seus materiais aparentes são
determinantes para a afirmação do seu carácter. Dos seus limites, onde estão
também incluídos o Céu e a superfície que pisamos, depende a sua articulação
formal e o modo como o Lugar é construído.
A forma como um edifício se encontra no terreno, a sua relação com o Céu, os seus
limites físicos, as suas fachadas, contribuem decisivamente para determinar o
carácter da paisagem urbana. Quando nos referimos ao carácter de um conjunto ou
família de edifícios que constituem um Lugar são, também, tidos em
Carácter da Arquitectura e do Lugar
118
35 Christian Norberg-Schulz, Existencia, Espacio y Arquitectura, Op. Cit., p.33.
consideração os motivos característicos que os compõem, como, por exemplo, tipos
particulares de telhados, portas e janelas. Estes motivos podem funcionar como
elementos convencionais que possibilitam o deslocar do carácter de um Lugar para
o outro.
O carácter depende, também, de como são construídos os elementos constituintes
do Lugar, os seus edifícios, e é determinado pela própria realização tecnológica do
construído, onde a tradição e a cultura do Lugar não são, de todo, alheias.
Um Lugar criado pelo Homem pode ser entendido como um edifício que assenta no
chão e se eleva para o Céu. O carácter desse Lugar é determinado pela forma como
o assentar e o elevar-se é concretizado.
Quando uma cidade nos agrada pelo seu carácter distinto, este é dado pela forma
como a maioria dos seus edifícios se relacionam com a Terra e com o Céu. Eles
expressam uma comum forma de vida, uma comum forma de estar na Terra,
constituindo um “Genius Loci” que contribui para a identificação humana.36
O próprio carácter do Lugar natural é transportado pelos edifícios cujas pro-
priedades individuais o manifestam de forma espontânea ou mesmo intencional. Os
potenciais significados presentes no ambiente original são relevados na
transformação de um sítio num Lugar como um propósito existencial de construir
com a arquitectura.
O tipo de construção usado na Arquitectura é, também, determinante para o seu
carácter. Esta pode ser leve, aberta e transparente ou massiva e fechada, o que
origina, também, diferentes significados e diferentes articulações formais. Estas são
determinadas pelo modo como o edifício assenta na Terra e como se ergue para o
Céu, como recebe a luz. A sua dominante horizontal agarra o edifício ao chão, se for
vertical torna-o potencialmente leve, acentua a sua relação activa com o Céu e com
o desejo de receber luz. Refira-se que a religião esteve, desde sempre, associada à
verticalidade afirmativamente expressa na sua arquitectura.
Como elementos determinantes da composição formal da arquitectura para a
afirmação do seu carácter temos:
1. as aberturas que recebem e transmitem luz;
2. os materiais – elementos decisivos para a caracterização (ex: a madeira e a
pedra têm diferentes presenças que expressam o modo como os edifícios
interagem com o Lugar;
3. a cor – “a cor dum edifício pode ser clara e alegre; indicando festividade e
recreação, outro edifício pode ter uma cor escura e austera, sugerindo trabalho e
concentração”.37
O uso da cor pode ser assumido como uma vontade de independência no acto de
fazer arquitectura. Esta pode ser significativa quando as paredes construídas estão
pintadas com cores que têm uma mera função caracterizante. Uma liberdade
ARTiTEXTOS06. JULHO 08
119
36 Christian Norberg-Schulz, Genius Loci, Towards a Phenomenology of Architecture, Op. Cit., p.63.
O suporte geográfico e o contexto de um lugar são elementos
marcantes na definição da
sua identidade, dado que a relação estabelecida entre o seu meio
natural e o seu meio artificial
traduz-se como um traço identitário. Em adição, as formas e
elementos físicos definidores da
arquitectura de um lugar, constituem a manifestação material da sua
identidade, sendo uma
expressão do carácter daquele lugar construído ou urbanizado. Estas
vertentes morfológicas
da identidade são valorizadas em arquitectura, constituindo um
paradigma do acto projectual,
consubstanciado na tentativa de descodificação e interpretação da
identidade dos lugares.37 MUGA, Henrique Muga, Psicologia da Arquitectura, Colecção Ensaios, Ed.
Gailivro, Vila Nova de Gaia, 2005, p.199.vv
deste tipo é mais comum em espaços interiores e fechados, onde o contacto directo
com o ambiente é mais fraco e onde o carácter implica uma reunião de significados
distantes.38
Nos edifícios de Arquitectura de expressão Clássica, as suas partes constituintes
têm a sua própria identidade individual e, ao mesmo tempo, diferenciam-se do
carácter geral do todo. Cada carácter faz parte duma família de caracteres que
pode, em muitos casos, estar directamente relacionado com uma qualidade
humana. Na Arquitectura Clássica, as forças originais são, também, humanizadas e
apresentam-se, a si próprias, como participantes individuais no mundo
compreensivo e significante.39
Para Norberg-Schulz, o carácter no ambiente urbano produzido pelo Movimento
Moderno distinguia-se por monotonia. Quando era encontrada alguma variedade,
devia-se geralmente a elementos oriundos do passado. Os edifícios não afirmavam
a sua presença de carácter, de modo intencional, e recorria-se às novas tecnologias
de construção, como é o caso da fachada cortina, para afirmar um carácter
abstracto e insubstancial, ou mesmo uma falta de carácter. Ao Movimento Moderno,
que oferecia poucas surpresas e descobertas, ele contrapõe com a experiência das
cidades antigas e com História como património indispensável na afirmação do
carácter e consolidação do Lugar.
Bibliografia
GRILLO, Paul Jacques, Form, Function and Design, Dover Publications, Inc., New
York, 1960.
HEIDEGGER, Martin, Construir, Habitar, Pensar [Bauen, Wohnen, Denken], In Martin
Heidegger, Vortrage und Aufsatze. Pfullingen: Gunther Neske, 1954. (Tradução do
original alemão por Carlos Botelho)
MUGA, Henrique, Psicologia da Arquitectura, Colecção Ensaios, Ed. Gailivro, Vila
Nova de Gaia, 2005.
NORBERG-SCHULZ, Christian, Existencia, Espacio y Arquitectura, Ed. Blume,
Barcelona, 1975.
NORBERG-SCHULZ, Christian, Genius Loci, Towards a Phenomenology of
Architecture, Ed. Rizzoli, New York, 1984.
NORBERG-SCHULZ, Christian, Intensiones en Arquitectura, Ed. Gustavo Gili,
Barcelona, 1998.
MANDOLASI, Domizia, lL Luogo e la Cultura del Luogo Nell’Arquitectura
Contemporánea, IL Luogo Come Principio di Ligittimazione del Progetto, Gangemi
Editore, Roma, 1988.
SZAMBIEN, Werner, Symetrie, Goût, Caractère – Théorie et Terminologie de
L’Architecture À L’Âge Classique 1550-1800, Ed. Picard, Paris, 1986.
VIDLER, Antony, Ledoux, Ediciones Akal, S.A., Madrid, 1994.
ROWE, Colin, Manierismo y Arquitectura Moderna y Otros Ensayos, Ed. Gustavo Gili,
Barcelona, 1999.
Carácter da Arquitectura e do Lugar
120
38 Christian Norberg-Schulz,
Genius Loci, Towards a Phenomenology of Architecture,
Op. Cit., p.67.
39 Ibidem, p.74.ina1.html#ixzz13Zgzy1ef
Dentre as questões relativas aos valores fundamentais para a preservação de obras modernas
mencionadas na chamada para o 2º DOCOMOMO N-NE, merece destaque a que investiga
“Referenciais
para a preservação da obra moderna”. Ali são questionados fatores que podem outorgar o
mérito de validar
a preservação “a determinadas realizações modernas em detrimento de outras”. Entre eles, se
incluem, por
exemplo, articulações espaciais, implantações e resoluções de adequação. A esses fatores, o
presente
trabalho se propõe acrescentar ainda mais outro, indagando: e, por que não, ressaltar as
articulações com o
campo psicológico? Focando a conotação à subjetividade como valor fundamental para o
mérito da
preservação? Pesquisando a percepção de um lugar urbano moderno, de modo a validar sua
preservação?
O trabalho se concentra em investigar a modernidade dos espaços projetados e se preocupa
mais
acentuadamente com o viés teórico de lugar, conferindo maior atenção às variações
contemporâneas
presentes em sua conceituação. Observa-se que a expressão “lugar”, curiosamente, não chega
a ser usual
nas discussões de natureza predominantemente espaciais do período áureo do urbanismo
modernista. A
tentativa de criação de espaços modernos, no entanto, é prática quase legendária em
Arquitetura-
Urbanismo, onde a idéia da busca da modernidade em projetar os espaços é uma prerrogativa
permanente.
Além disso, é um objetivo que transcende aos variados tempos do Movimento Moderno -
inclusive ao
período áureo dos anos 1950s - e que, ainda hoje, consegue sobreviver com surpreendente
resiliência.
Àquela época, a idéia era a de que um espaço moderno deveria celebrar o “zeitgeist” do
período,
oferecendo espaços saudáveis e menos congestionados. São numerosos os exemplos de
espaços
projetados com a intenção de atingir uma situação de “modernidade”. Embora os extremados
cuidados no
desenho dos espaços modernos, nem sempre esses projetos conduziram à criação de
verdadeiros lugares
modernos, no sentido mais simbólico e filosófico da expressão. Quando isso aconteceu, é de
todo válido
batalhar por sua preservação. Para melhor demonstrar como o critério de lugar pode ser útil na
detecção
dos exemplares modernistas mais aptos à preservação, o trabalho irá buscar exemplares
empíricos que
ajudem a explicar o porquê de acreditar que o conceito de lugar possa ser tomado como um
dos valores
fundamentais para a preservação de obras modernas. Serão discutidos dois exemplares
selecionados de
lugares cuja preservação já esteja consagrada: o emblemático “Bund” (Xangai, China); e a
região de
“Ruhrgebiet” (Alemanha). Embora o conceito transpasse variados campos disciplinares
(Psicologia,
Geografia, Antropologia, etc.), na área de Arquitetura-Urbanismo, lugar é uma forma ambiental
criada,
impregnada de significado simbólico para seus usuários. Só que na presente transformação
dos paradigmas
do modernismo a uma situação que alguns denominam de pós-modernismo, a disciplina
arquitetônicourbanistica
passa a se reportar com enorme interesse às implicações psicológicas de lugar, trazendo ao
conceito uma considerável força no sentido de justificar a preservação de algumas obras
modernas. Lugar,
então, move-se de uma antiga condição funcionalista para uma condição fenomenológica, a
refletir seu
importante papel existencial. Dessa maneira, os lugares, em geral, e os lugares
modernos, Dentre as questões relativas aos valores fundamentais para a preservação de
obras modernas
mencionadas na chamada para o 2º DOCOMOMO N-NE, merece destaque a que investiga
“Referenciais
para a preservação da obra moderna”. Ali são questionados fatores que podem outorgar o
mérito de validar
a preservação “a determinadas realizações modernas em detrimento de outras”. Entre eles, se
incluem, por
exemplo, articulações espaciais, implantações e resoluções de adequação. A esses fatores, o
presente
trabalho se propõe acrescentar ainda mais outro, indagando: e, por que não, ressaltar as
articulações com o
campo psicológico? Focando a conotação à subjetividade como valor fundamental para o
mérito da
preservação? Pesquisando a percepção de um lugar urbano moderno, de modo a validar sua
preservação?
O trabalho se concentra em investigar a modernidade dos espaços projetados e se preocupa
mais
acentuadamente com o viés teórico de lugar, conferindo maior atenção às variações
contemporâneas
presentes em sua conceituação. Observa-se que a expressão “lugar”, curiosamente, não chega
a ser usual
nas discussões de natureza predominantemente espaciais do período áureo do urbanismo
modernista. A
tentativa de criação de espaços modernos, no entanto, é prática quase legendária em
Arquitetura-
Urbanismo, onde a idéia da busca da modernidade em projetar os espaços é uma prerrogativa
permanente.
Além disso, é um objetivo que transcende aos variados tempos do Movimento Moderno -
inclusive ao
período áureo dos anos 1950s - e que, ainda hoje, consegue sobreviver com surpreendente
resiliência.
Àquela época, a idéia era a de que um espaço moderno deveria celebrar o “zeitgeist” do
período,
oferecendo espaços saudáveis e menos congestionados. São numerosos os exemplos de
espaços
projetados com a intenção de atingir uma situação de “modernidade”. Embora os extremados
cuidados no
desenho dos espaços modernos, nem sempre esses projetos conduziram à criação de
verdadeiros lugares
modernos, no sentido mais simbólico e filosófico da expressão. Quando isso aconteceu, é de
todo válido
batalhar por sua preservação. Para melhor demonstrar como o critério de lugar pode ser útil na
detecção
dos exemplares modernistas mais aptos à preservação, o trabalho irá buscar exemplares
empíricos que
ajudem a explicar o porquê de acreditar que o conceito de lugar possa ser tomado como um
dos valores
fundamentais para a preservação de obras modernas. Serão discutidos dois exemplares
selecionados de
lugares cuja preservação já esteja consagrada: o emblemático “Bund” (Xangai, China); e a
região de
“Ruhrgebiet” (Alemanha). Embora o conceito transpasse variados campos disciplinares
(Psicologia,
Geografia, Antropologia, etc.), na área de Arquitetura-Urbanismo, lugar é uma forma ambiental
criada,
impregnada de significado simbólico para seus usuários. Só que na presente transformação
dos paradigmas
do modernismo a uma situação que alguns denominam de pós-modernismo, a disciplina
arquitetônicourbanistica
passa a se reportar com enorme interesse às implicações psicológicas de lugar, trazendo ao
conceito uma considerável força no sentido de justificar a preservação de algumas obras
modernas. Lugar,
então, move-se de uma antiga condição funcionalista para uma condição fenomenológica, a
refletir seu
importante papel existencial. Dessa maneira, os lugares, em geral, e os lugares modernos,
em
particular, protagonizam uma conexão tão importante com o contexto ambiental onde se
situam, que
tornam sua preservação um referencial imperativo para o registro e entendimento das
manifestações
modernizadoras.v