Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Espaço
necessita do pulsar da vida humana dentro de si para poder ser denominado Espaço
Lina Bo Bardi.
Não tentaremos aqui buscar por uma definição precisa, unânime, fechada. Tal
tentativa seria um intento improcedente, visto que, para a cada área de interesse, o
Conceituação
Merleau-Ponty (1989), disse que “o espaço não é objeto de visão, mas objeto de
pensamento”.2
1 NIEMAYER, Oscar. apud Okamoto, Jun. Percepção Ambiental e Comportamiento. 2º ed. IPSIS
Gráfica Editora. São Paulo. 1997. p.110
2 MERLEAU-PONTY, Maurice. O Primado da Percepção e suas Conseqüências Filosóficas.
Papiros. São Paulo. 1989. p.23.
Se espaço é objeto de pensamento, tal conceito casa-se perfeitamente bem com a
forma como os modernistas interpretavam o espaço. Estes defendiam que o espaço não
precisava estar confinado entre paredes, explicitamente delimitado, para possuir status
Para os modernistas, espaço era algo subjetivo, objeto de pensamento, por isso
concebiam arquiteturas com planta livre, 3 amplos espaços, sem interrupção física entre
uma e outra atividade, com uma sutil integração entre interior e exterior, a qual era
considerar também, que ela defendia o mesmo conceito de espaço apresentado por
tempo. Cassier (1972), disse que “o espaço e o tempo são o arcabouço que sustenta a
realidade. Não podemos conceber coisa alguma real senão sob as condições de espaço e
3 ZEVI, Bruno. Saber Ver a Arquitetura. 5º ed. Editora Martin Fontes. São Paulo. 2002. Ver pp. 121-127.
tempo”.4
entendiam que uma imagem não poderia ser representada apenas a partir de um
apropriado e utilizado por uma ou mais pessoas. Nesse momento, em que o espaço
passa a ser povoado e ganha vida, a dupla espaço-tempo passa a estabelecer uma
delicada inter-relação, pois é o movimento humano dentro de qualquer espaço que julga
Exemplo de como um espaço vazio não nos dá uma noção precisa de suas dimensões.
altamente subjetivo e difícil de ser contemplado. Por isso, quando num projeto, o
pode até contemplar as dimensões físicas do ser humano, mas certamente não
Uma última definição sobre espaço num contexto mais genérico, antes de nos
sociais para a produção de seus espaços, senão, cairão em uma atuação muito próxima
àquela descrita por Lina Bo Bardi sobre o profissional que fica de sua prancheta
Pompéia.
6 SANTOS, Milton. Metamorphoses do Espaço Habitado. Hucitec. São Paulo. 1988. pp.26-27.
Espaço Arquitetônico
Voltando àquela descrição de Lina Bo Bardi sobre seus primeiros contatos com a
primeira visita, em um dia de semana, o que lhe chamou a atenção foram as estruturas
foco de sua atenção foi atraído por uma alegre movimentação humana e de vida social
grupo social”.7 Ou seja, a presença humana nos galpões da Pompéia, criou espaços e fez
com que esses começassem a existir a partir da apropriação humana. Era nesse espaço
criado pela ocupação humana que Lina Bo Bardi focaria sua atenção para a produção do
para as atividades mais singelas do convívio humano, decidiu que todas elas deveriam
até fixar claramente aquelas alegres cenas populares e pensei: isto tudo
7 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. 1ºed. 8ºreimpr. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2002. p.273.
8 Ibdem.
transformou nada. (...) Nós apenas colocamos algumas coisinhas: um
para poder gravar aquelas imagens, buscava apreender as dimensões espaciais - criadas
pela apropriação humana daquele espaço - com as quais ela teria que trabalhar para
humano. Para a arquiteta, segundo ele, o convívio entre os homens era o grande gerador
de tudo,11 por isso, tanto nas fotografias quanto nos desenhos de seus projetos, sempre
estavam presentes imagens da razão de sua criação arquitetônica: o ser humano. E este
cenas informais, descontraídas, que era como a arquiteta gostaria que seus espaços
fossem utilizados.
9 BARDI, Lina Bo, apud FERRAZ, Marcelo in Lina Bo Bardi. 2º ed. São Paulo: Inst. Lina Bo e P.M.Bardi, 1996. p.220.
10 Para Okamoto (1997, p.112), um espaço arquitetônico nada mais é do que um espaço vivencial, ou seja,
um espaço onde o ser humano encontra-se em permanente deslocamento de uma atividade para outra.
11 FERRAZ, Marcelo. AU nº 40 – fev./mar 92 .
Rossetti (2002), descreve essa vocação de Lina Bo Bardi, de humanizar seus espaços, já
arquiteta:
daqueles galpões, mas ainda assim, os desenhos desse projeto são repletos de cenas
democrática, descontraída, como reflexo de uma sociedade feliz, poderia soar como
utopia para muitos que a ouvissem defender esse tipo de arquitetura, mas argumentava
ela que “arquitetura não é so mente uma utopia, mas é o meio para se alcançar certos
resultados coletivos”.13
uma das grandes bandeiras carregadas pelos arquitetos modernos. Hoje, os arquitetos
Lina Bo Bardi, é possível dizer que o projeto arquitetônico tinha seu ponto de partida na
como utopia.
necessitar estar delimitado fisicamente para ser reconhecido como tal, não era uma
afirmação que eximia a necessidade de haver algum tipo de demarcação para ocorrer
fundamental. No entanto, tal demarcação não ocorre como forma de rotular o espaço
como sendo exclusivo de uma determinada atividade, mas apenas, como forma de
obter grandes espaços com inúmeras atividades concomitantes, sem que uma interfira
na outra e sem haver barreiras físicas para separá-los. Foi essa a forma adotada por Lina
galpão 01.
14 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. 1º ed. Editora Martins Fontes. São Paulo. 1996. p.19.
Para demarcar as diferentes atividades, a arquiteta utilizou: para a biblioteca de
lazer, as lajes de leitura e a videoteca (01) - o concreto aparente; para o grande espaço de
estar, jogos e mostras expositivas (02, 03) – a água e o fogo; para o galpão de exposições
(04) – apenas a estrutura da fábrica, sem nenhum outro elemento; e para dar unidade
01 02
03 04
paredes com dois metros de altura separam as diversas oficinas (01). Contudo, não é
uma divisão radical, pois as paredes não são encerradas por tetos ou qualquer outro tipo
de cobertura. Além disso, nenhuma oficina possui porta, o que permite a todas as
mostruários que apresentam a produção das oficinas (02, 03). Assim, ainda que a oficina
01
02 03
Quanto essas paredes com altura reduzida e a não existência de portas que
meio:
das oficinas (01), partiu do mesmo princípio das meia-portas de Hertzberger. As paredes
evitam que as atividades fiquem muito expostas, mas a não existência da porta, facilita o
contato de quem está passando com quem está trabalhando. O mesmo acontece com os
nichos de leitura (02) e vídeo (03) e com a conformação dos sofás (04) da área de estar
do galpão 01.
01 02
03 04
15 Ibdem, p. 35.
fato de Lina Bo Bardi, como argumenta Rossetti (2002), “pensar a sociabilidade ‘via
mesa’, (...) algo muito próprio da cultura italiana: o ato de comer como fator
Este espaço, assim como todos os outros, também comporta diferentes usos. Nos
agradável espaço para ‘hora feliz’ do descanso, antes do retorno para casa.
Bardi se referia a ele como um teatro-auditorum, o que já lhe atribuía funções mais
tipo de manifestação.
A distribuição das cadeiras e a própria cadeira, era outro ponto polêmico, mas
defendia ela:
Pode-se dizer que essa seja um postura radical, mas o que não se pode negar, é
que essa seja uma atitude audaz diante de uma pesada crítica que ela tinha consciência
que a rechaçaria.
Teatro-Auditório e as
cadeiras de madeira.
17 BARDI, Lina Bo in Cidadela da Liberdade. Catálogo da exposição realizada pelo SESC Pompéia em 1999. p. 38.
Uma outra consideração ao espaço arquitetônico refere-se ao conjunto esportivo
pessoas que por São Paulo passassem, que ali encontrava-se uma metáfora do que
poderia ser a nova sociedade brasileira após o regime militar. Uma sociedade capaz de
cidade, expostas nas paredes das quadras do edifício mais robusto – o das janelas
ele:
Paulo.19
Somente uma pessoa altamente sensível seria capaz de sintetizar de forma tão
Ainda que essa imagem da cidade mude, a intenção de apresentá-la aos usuários
linguagem contemporânea, tem no projeto das torres do SESC Pompéia sua exaltação.
As torres de concreto aparente, com forte teor expressionista de uma crua realidade
formal, tiveram como idéia inicial a arquitetura dos fortes coloniais brasileiros.
Forte de São
Marcelo. Salvador,
BA. Séc. XVII.
balneários europeus anteriores à última guerra - uma alusão às férias de sua infância.
Também no deque, o espaço comporta diferentes usos. Este tanto pode ser
utilizado como platéia para os shows ao ar livre, como para ser o local do banho de sol,
Integração Espacial
inevitavelmente, uma expressão do urbanismo, sendo necessário considerá -la, por isso
mesmo, como parte de um todo, do conjunto urbanístico, e não como um falso avulso”. 20
gigantescas torres estabelecem um diálogo com a cidade, uma espécie de sinalização aos
não só concebe a célula urbana, como reconhece que essa resultará em um impacto no
organismo urbano como um todo. Por isso – fazendo uso de uma referência de Rossetti
(2002) – “em Lina Bo Bardi, desenhar o projeto é desenhar a cidade . (...) A cidade
também é seu projeto e com isso, as arquiteturas de Lina se tornam referências urbanas
ao caminhar pela Avenida Paulista e ter os olhos atraídos pelo MASP (01), ou na região
01 02
03
Retornando ao SESC Pompéia, outras escalas de integração ocorrem nesse
espaço. Gropius, ao falar de escala humana, diz que uma obra arquitetônica pode
símbolo de São Paulo. Para os que se sentem atraídos por elas e se aproximam para
desvendá-las, a árida dureza das moles de concreto é desfeita ao descobrir que aqueles
enormes buracos são fechados por uma delicada trama de madeira, a exemplo dos
açude - como disse Subirats (1986), guardado no interior de uma das torres.
esportivo. Também a entrada, localizada junto aos galpões revitalizados, tem a função
de integrar o centro de lazer à cidade. Ela é a velha rua de integração entre os galpões da
21 GROPIUS, Walter. Bauhaus: Novarquitetura. 5º ed. Ed. Perspectiva. São Paulo. 1997. p.67.
fábrica e destes com a cidade. A antiga função da rua industrial foi preservada. Agora,
essa rua tem a função de relacionar e integrar todos os espaços do SESC Pompéia. Além
disso, ela é uma extensão da malha urbana com configuração e linguagem imagética
idêntica a uma outra rua qualquer, entretanto, ao transpor os portões da velha fábrica,
Pode-se dizer que o SESC Pompéia consegue sublimar as barreiras impostas por
ainda mais – e demonstrar que a cidade e os espaços arquitetônicos somente têm razão