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Discente: Ana Flávia Nunes Cruvinel

Docente: Dr. Wagner de Souza Rezende


Instituição: UFG - Universidade Federal de Goiás
Curso: Arquitetura e Urbanismo
Disciplina: Teorias da Arquitetura

LEITURA CRÍTICA

Interlocuções: A obra de Lina e a ocupação de Olafur Eliasson - SESC Pompéia.

Lina Bo Bardi
A abordagem humanista da arquiteta moderna ítalo-brasileira Lina Bo Bardi em seu
processo criativo é percebida ao se percorrer pelo processo criativo da arquiteta, que
demonstra grande atenção à materialidade e sensorialidade do espaço a ser construído, a
arquiteta valorizava os aspectos experienciais da existência humana e da relação
fenomenológica entre ambiente e usuário.

Lina demonstrou atenção à importância da experiência tátil e sensorial com a obra e


em todas as áreas em que atuou: design de mobiliário, design de joias, editorial da
Revista Habitat, arquitetura, curadoria de exposições sobre arte e cultura brasileiras.
Em todos os seus trabalhos, uma característica marcante da arquiteta traduziu-se na
utilização de materiais e recursos técnicos de contextos locais, de modo a potencializar
as experiências plásticas, estéticas e sensoriais dos ambientes por ela projetados e
executados.

A arquiteta sempre se mostrou presente em revistas acerca dos debates sobre a


arquitetura moderna, assim como sua difusão. Segundo a Dra. Arq. Marina Grinover, a
contundência dos escritos de Lina pode ser avaliada dentro do campo de temas
modernos como o âmbito dos significados do trabalho em arquitetura, ou até a função
do arquiteto na sociedade, ela diz:

A arquitetura descrita em seus textos, era também transformação da


natureza, era o continente de um saber sedimentado na cultura e na natureza
humana e ao mesmo tempo mobilizadora e sensível para os caminhos da
emancipação social, papel atribuído à arte como ação para a liberdade e a
qualidade de vida.”
(GRINOVER, 2017, p.2)

Suas buscas por materiais naturais e soluções técnico construtivas populares ou


arcaicas, ou mesmo seus arranjos formais geométricos, racionais e acomodados às
circunstâncias do lugar, revelaram a consciência de que a forma nova poderia surgir da
desconstrução e reconstrução, do diálogo entre as tradições e o novo contexto.

Outro ponto importante para compreendermos sua estratégia de trabalhar no canteiro, é


a sua noção de “popular”, pois no Brasil modernista este tema era uma bandeira nacional.
A valorização da cultura popular representou a possibilidade de emancipação social.

Lin Bo Bardi esteve atenta à posição da vanguarda modernista brasileira colocada por
autores como Mario de Andrade e Lucio Costa, ela colaborou reforçando o valor das
técnicas construtivas plenas de saberes para “fundação de uma cultura presente e
consciente, legítima e autóctone.” (GRINOVER, 2017, p.3)

Seu trabalho voltou-se para o conceito racionalista de simplicidade, preocupada com a


transformação dos costumes a partir dos objetos renovados, a arquiteta reinseriu o valor
do antigo e do novo nas tarefas e objetos dentro da casa.

Seu discurso rebatia em sua arquitetura, e estes se apoiavam em valores populares


igualitários, de revolução do gosto e dos hábitos da casa para todos os homens e
mulheres sem distinção de classe. Segundo a Dra. Arq. Marina Grinover, Lina valorizou o
tema da pré-fabricação na arquitetura e a democratização desta estética para o público
em geral, escrevendo em periódicos femininos. Empenhada em difundir o projeto
construtivo nacional, a arquiteta colaborou para, ao mesmo tempo, incluir a produção
nacional no debate internacional e definir uma individualidade brasileira, tanto do ponto
de vista da discussão estética quanto da função social.

“Lina Bo Bardi também fez sua crítica, transitando entre a definição de uma
racionalidade construtiva e uma poética formal com o objetivo de estruturar um
significado para a arquitetura enquanto arte coletiva e em nome das urgências
sociais do país.”
(GRINOVER, 2017, p.4)
Ao longo de sua carreira, fortaleceram-se seus preceitos de uma arte ligada à indústria,
de recuperação do significado da simplificação formal, da noção de cultura como fato útil,
da técnica artística que se revela porque há o trabalho valorizado, e então, uma chave de
progresso.

A Dra. Arq. Marina Grinover ainda afirma que Lina pretendeu derrubar uma distância
social que aparecia nos objetos produzidos do cotidiano no Brasil, mas que este suposto
romantismo seria derrubado depois do golpe militar de 1964, ela diz:

“Mas a história nacional do golpe militar desmontou tal romantismo. Entretanto,


estava germinada ali outra chave que a arquiteta articulou nas décadas seguintes,
70 e 80: valor da experiência como fato sensível, a fusão entre pensar e fazer
como ação criativa. O foco não mais no objeto mas no contexto e na assimilação
de um conhecimento no fazer, no trabalho, na prática.”

Em meio à uma crise de sentido que pedia ao mesmo tempo uma revisão dos valores
sociais da arte, e um rompimento dos sistemas tradicionais de percepção de exposição da
obra na relação com o público com o advento da cultura da cultura de massas e da
propaganda, Lina decidiu ir de encontro a um outro processo para fazer e incluir os
valores estéticos e sociais: projetar na obra.

“O processo que fundiu criativo e construtivo nos apontou as qualidades de nossa


cultura híbrida, desencantada do romantismo arcaico porque valorizou seus
aspectos úteis para a vida prática. Úteis para a construção, elaboração,
consciência de uma nação mais igualitária e humanista. Nos apontou que as
formas criadas são uma possibilidade e ao mesmo tempo uma limitação do
universo real, e principalmente que seria no diálogo com as diferentes visões
diante dos desafios técnicos que o desenho e a construção se concretizariam.”
(GRINOVER, 2017, p.5)

Ainda segundo a Dra. Arq. Marina Grinover, esta atitude artística de Lina que
proporcionou a criação de lugares onde o espírito público se exercita de modo muito
democrático e liberto como no Sesc Pompéia.
Interlocução: Sesc Pompéia e a ocupação de Olafur Eliasson

O estudo de caso será focado no processo que Lina desenvolveu ao projetar o Sesc
Pompéia, no qual a arquiteta transferiu seu escritório para o canteiro de obras, o que
demonstrou a importância que dava para a experiência sensorial direta com o edifício.

Em seu ensaio “SESC Pompeia sensorial: experiência na exploração lúdica da


arquitetura” sobre a atuação de Bardi no projeto e execução dessa emblemática
obra da arquiteta, Gorni, diz: “O próprio fato da arquiteta ter mudado seu escritório
para o canteiro de obras e ter encontrado muitas soluções projetuais e construtivas
no mesmo momento e ação de construção, juntamente com os pedreiros e
construtores, denota o quanto o caráter da experimentação está presente desde a
concepção e desenho dos ambientes.” (GORNI, 2012, p. 112).

Fig. 1 - Lina e equipe de arquitetos no escritório da obra do SESC Pompéia, 1980.


(GRINOVER, 2017, p.3)

De fato os ambientes desenhados por Lina Bo Bardi para o SESC Pompeia tiveram
a ativa interação entre arquiteta e os mestres de obras e pedreiros durante a sua
execução, o que fez com que diversos ambientes, materiais, técnicas, ou detalhes,
fossem desenvolvidos juntamente com os construtores diretamente em canteiro. O
resultado passa por uma “experiência sensorial direta com o edifício”, em que o
desenvolvimento do corpo no espaço é caracterizado pelas “qualidades táteis que
conferem [ao mesmo] um ar de mosaico de cores, texturas, sensações, percursos” e
movimentos que legitimam cada ambiente ali implantado. (GORNI, 2012, p. 107)

A partir das observações acerca do processo de Lina e também das características


que ela imprimiu em seu projeto do Sesc Pompéia, podemos realizar uma
interlocução entre sua obra e a ocupação do artista dinamarquês Olafur Eliasson
nesta em 2011, intitulada “Your body of work”.

Fig 2. Ocupação “Olafur Eliasson - Your body of work) no SESC Pompéia em 2011. Foto: Haupt & Binder

Uma das principais características da atitude de Olafur ao ocupar um espaço é a


questão da “reversibilidade entre a exterioridade e a interioridade das coisas e dos
sujeitos, em ambiências enevoadas e jogos ópticos de espelhamento, por meio dos
quais os visitantes dos museus ou galerias se percebem simultaneamente dentro e
fora desses espaços, que se mostram complexos do ponto de vista da percepção.”
(WISNIK, 2018, p.202)
Assim, o artista cria uma nova dimensão da experiência na qual realidade e ilusão
são interconectadas, proporcionando experiências estimulantes em todos os
sentidos: tato, visão, audição, memória, etc.

A ocupação de Eliasson se comporta na obra de Lina como um organismo vivo, que


se entrelaça entre os espaços de formas imprevisíveis, atitude esta que por sua vez,
condiz com a atitude projetual de Lina, que previa a flexibilidade do espaço a fim de
promover novas possibilidades de uso e conexão humana.

Podemos pontuar a relevância que esta interlocução nos aponta, no que diz respeito
à arquitetura sensorial, em “Uma nova agenda para a arquitetura” (Nesbitt),
Norberg-Schulz, Frampton e Pallasmaa, no qual constróem suas próprias análises
a investigação através de uma abordagem experiencial e sensorial da arquitetura
mais pautada em sensações, memórias, ambiências (qualidades de ambientes) e
relações entre as partes que a torne uma arquitetura mais prazerosa, ao ser
vivenciada (obra construída) como um todo, em todos os seus aspectos sensórios,
do que apenas “agradável e bela aos olhos” na fachada, no desenho da planta, na
prancheta e na maquete (projeto), ou seja, em sua estrutura formal, achatada e
distanciada do envolvimento corpóreo mais próximo.

Segundo Braga et al. (2017), Heidegger, filósofo e escritor alemão também


ressignifica em suas análises acerca do habitar, supondo que “não construímos para
habitar, mas construímos na medida que habitamos” (BRAGA et al., 2017, p.27) , ou
seja, só é possível construir a medida em que habitamos o mundo. Heidegger
sugere também, que na ação de construir, damos significado à nossa própria
existência e criamos a sensação de pertencimento ao mundo que nos cerca. A
própria ação de construir é a ação de afirmar a própria existência a partir da relação
direta entre homem e objeto, homem e natureza, homem e mundo físico.

“Cometemos o erro de pensar e julgar um edifício como uma composição


formal, e já não o entendemos como um símbolo ou experimentamos a
outra realidade que está por trás do símbolo.”
(PALLASMAA, 1986 in NESBITT, 2008, p. 483)
Por fim, podemos concluir que a atitude ocupacional de Olafur Eliasson no SESC
Pompéia em “Your body of work”, reforça a perspectiva projetual de Lina Bo bardi,
de modo a potencializar as experiências plásticas, estéticas e sensoriais dos
ambientes criados.
REFERÊNCIAS

BRAGA, Tatiana & GOTO, Tommy & MONTEIRO, Luiz. Ambiente enquanto
fenômeno: ensino de arquitetura na perspectiva fenomenológica. Rev. Nufen:
Phenom. Interd. Belém, 9(2), 24-41, mai. – ago., 2017.

GRINOVER, Marina. “Prática da arquitetura na obra de Lina Bo Bardi, diálogos para


o cotidiano do canteiro”, set. 2017, Paris. Disponível:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3475613/mod_resource/content/1/Marina%
20Grinover.pdf> Acessado: 07/11/21.

GORNI, Marcelina. “SESC Pompeia sensorial: experiência na exploração lúdica da


arquitetura”, jul-dez 2012. VISUALIDADES, Goiânia v.10 n.2 p. 107-13. Disponível
em:
<https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/459/o/Visualidades-V._10__n.2__2012.pdf>
Acessado em 07/11/21.

NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica,


1965-1995. 2. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2008.

WISNIK, Guilherme. Dentro do nevoeiro. 1ªed. Ubu Editora, São Paulo, 2018.

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