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Copyright © 2021 by Mila Porto

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa.

NOIVA PROIBIDA

Design e ilustração de capa: Lunas Editorial


Revisão ortográfica: Mila Porto
Diagramação: Mila Porto

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, organizações,


lugares e situações são frutos da imaginação deste autor e usados
como ficção. Qualquer semelhança com a realidade ou fatos reais é
mera coincidência.

Todos os direitos reservados.


Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer
meios.
Os direitos morais do autor foram assegurados.

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa.
ÍNDICE

ÍNDICE
1 - NINA
2 - MARCO
3 - NINA
4 - MARCO
5 - NINA
6 - MARCO
7 - NINA
8 - MARCO
9 - NINA
10 - MARCO
11 - NINA
12 - MARCO
13 - NINA
14 - MARCO
15 - NINA
16 - MARCO
17 - NINA
18 - MARCO
19 - NINA
20 - MARCO
21 - NINA
22 - MARCO
23 - NINA
24 - MARCO
25 - NINA
26 - MARCO
27 - NINA
28 - MARCO
29 - NINA
30 - MARCO
31 - NINA
EPÍLOGO
Agradecimentos
Conheça “Noiva Indomada”: a história de Vincenzo e Irina
“Eles não sabem
Eles não podem ver
Quem nós somos
Medo é o inimigo
Aguente firme
Agarre-se a mim
Porque esta noite
É tudo sobre nós”
-t.A.T.u.
All about us
1
NINA

As noites mais quentes na Sicília são como as de hoje, fazem o


suor escorrer pelo canto da testa e você se questionar o porquê dos
vestidos de festa serem tão desconfortáveis.
Eu estava tentando fechar meu vestido, mas meu quadril
levemente avantajado dificultava a tarefa de subir o zíper. Quanto
mais eu tentava fechá-lo, mais calor eu sentia.
— Deixe-me ajudá-la, pelo menos... — Escutei os passos e a
voz pesada de minha mãe se aproximarem
— Mamma...
Após um breve esforço minha mãe subiu o zíper. Os olhos dela,
marejados, se encontraram com os meus no espelho.
— Nina... Você está linda!
Me observei no espelho com calma, admirando meu vestido
marsala. Ele era feito de um tecido leve, brilhante e deixava minhas
costas nuas. Um suave franzido, próximo de meus seios, demarcava
um decote delicado em “V”.
Mamma arrumou meus cabelos, puxando e entrelaçando as
pequenas ondas que chegavam até minha cintura.
— Isso terá um fim? — ela me perguntou.
— É pela Liz, mamma...
No canto do meu quarto, em um colchonete surrado, minha
irmã de quinze anos se cobria com os poucos lençóis que tínhamos.
Estava tão calor, e ela insistia em se cobrir da cabeça aos pés. Será
que sua febre havia voltado? Liz nunca teve uma boa saúde, porém
tudo pareceu piorar desde “o incidente”.
— Nós podemos fazer de outra forma, filha... Podemos vender
a casa...
— Não foi isso que papai prometeu para eles.
— Seu pai só serviu para nos deixar com dívidas! Ele morreu,
Nina! E você também irá, se seguir pelo mesmo caminho! — O tom
de voz dela não era mais sereno como antes.
Lancei meus olhos azuis para minha irmã. Me entristeci ao
perceber que ela estava mais magra do que na semana anterior.
Tentei várias vezes, porém não consegui me livrar das
memórias do incidente... Éramos pequenas demais. Estávamos
brincando na praça próxima a nossa casa, quando ouvimos barulhos
de sirenes e tiros. Os policiais gritavam para nos abaixarmos. Eu me
deitei sobre o chão, mas Liz chorava e insistia em não se abaixar.
Puxei tanto suas vestes que rasguei sua blusa, entretanto, não
consegui tirá-la da linha de fogo a tempo.
Liz foi baleada aos sete anos de idade, perdendo os
movimentos de suas pernas. Desde então, minha irmã tinha perdido
a alegria de seu doce olhar. Adoecia em todo inverno, e sofria com
escaras no verão.
Eu pensava nela a todo momento.
Perdi as contas de quantos médicos visitamos, e quantos
valores absurdos nos foram cobrados. Certa vez, nos animamos com
a possibilidade de uma cirurgia que poderia ajudá-la a voltar a andar,
mas ao descobrirmos o custo desumano, foi como coçar uma ferida
quase cicatrizada. Confesso que tentamos, mas não conseguimos
cobertura do valor e tão pouco fomos aprovadas em um empréstimo
para isso.
Assim, eu continuava vivendo em função da minha irmã e, por
mais que eu me matasse trabalhando, limpando casas, lavando
pratos, os valores que eu ganhava pouco cobriam nosso sustento e
suas medicações.
— Como você vai pagar esse vestido? — Minha mãe passou a
mão delicadamente pelos pequenos brilhantes que adornavam a saia
da minha roupa.
— Vincenzo, mamma.
— Não posso aceitar que minha filha está sendo vendida,
oferecida de graça para aqueles criminosos! Olhe para você! — Ela
apontou para meu reflexo no espelho. — Essa não é você!
A maquiagem forte em meu rosto e a roupa tentadora
valorizando minhas curvas também me faziam questionar se aquela
era eu.
— Se eu não for, eles vão matar a todas nós, assim como
fizeram com o papai.
— Se eu pudesse, eu mesma teria mandado seu pai para o
caixão, e não esses desgraçados. Seu pai destruiu a nossa família!
— ela murmurou, indo em direção à cozinha e me deixando só na
penteadeira.
Meu pai. Ele não era aquele pai heroico. Era alcoólatra, de vez
em quando traficante, de vez em quando contrabandista. Não o
culpo. Mesmo que envolvido com toda a sujeira existente na Itália,
cuidava de nós com maestria. Nunca faltou comida em casa, nunca
nos faltou o que vestir, ele estava presente nos aniversários, no
natal, nas datas importantes. Ele levava a Liz e a mim para passeios,
fazendas e para “nosso esconderijo” — como ele costumava chamar
— uma cachoeira de águas cristalinas repleta de pedras naturais e
peixinhos.
Ele era um bom pai.
Era.
Até se envolver com os Caccino.
Um ano depois do incidente com Liz, as despesas médicas
começaram a pesar. Falimos mais rápido do que esperávamos. Meu
pai, Donnie, na incerteza de um futuro para nós, começou a trabalhar
com os Caccino, a maior máfia da nossa cidade, talvez até da região.
Papai fazia algumas entregas para eles, começou a andar armado,
trazer dinheiro e drogas para casa. Ficava agressivo com facilidade,
quebrava nossas coisas.
Começamos a ter medo dele.
Vivemos esse pesadelo por anos, até três meses atrás, quando
ele foi encontrado sem vida.
Meu pai foi achado morto, jogado como lixo no canto de uma
estrada. Ficamos sabendo por terceiros que ele estava devendo uma
quantia de dinheiro assustadora para os Caccino. Pensamos que
teríamos paz quando ele partiu, mas sua morte significou duas
coisas para minha mãe: alívio e uma terrível dívida com a maior
máfia que conhecíamos.
Não demorou para que os soldatos da máfia Caccino batessem
em nossa porta, cobrando a dívida. A surpresa foi que, quando eles
chegaram, não pediram dinheiro.
Pediram por mim.
Antes de lhe cravarem uma bala na cabeça, meu pai me
vendeu em troca de sua dívida e das medicações de Liz. Eu era a
moeda de troca. Pareceu simples para ele oferecer a filha virgem de
vinte e um anos.
Vincenzo, o capo, líder da máfia, me requisitou como um troféu,
porém não veio me conhecer, ou me buscar. Apenas mandou
presentes caríssimos que eu poderia vender e ficar sem trabalhar por
anos. O último deles, o vestido, demarcava talvez o meu fim. Ele
estava com um “belíssimo” cartão que dizia: “Às nove da noite um
carro irá te buscar. Use o que tiver de melhor por baixo e o vestido
por cima”.
Fugindo das lembranças, comecei a abotoar meu salto alto.
— Você está perfeita... — escutei a voz fraca de Liz me
chamar.
Levantei minha cabeça para enxergá-la no colchonete. Seus
olhinhos e corpo mirrado me observavam com admiração.
— Como você está? — questionei.
— A ferida da perna... Está doendo um pouco.
— Se eu ganhar dinheiro hoje, irei comprar o que você precisa.
Os antibióticos estão muito caros, mas irei trazê-los, confie em mim.
O cabelo mal penteado de Liz decaia como caracóis em seus
ombros pequenos. Seus olhos também azulados quase eram
omitidos pelas suas olheiras fundas.
— Você sabe que não precisa fazer isso. — Ela ergueu seu
tronco do colchonete, apoiada sobre suas duas mãos magras.
— Está tudo bem, Liz. Eu quero isso. — Sorri, tentando lhe
passar a confiança que também me faltava.
Liz puxou uma de suas pernas para o lado, movendo-a como
se fosse um objeto qualquer.
— Você pode me colocar na cadeira? — ela balbuciou um
pouco irritada, apontando a cadeira de rodas ao lado do colchonete.
Assenti e fui auxiliá-la. A cadeira de rodas de Liz já estava
velha, o assento rasgado, as rodas tortas e os apoios desgastados.
Com carinho, a ajudei a se levantar e coloquei-a na cadeira.
— Você vai me contar se doer, não é? — a voz dela saiu de
seus lábios entre pequenos risos.
— O quê?
— Você sabe... Dormir com um cara, perder a virgindade….
— Por Deus, Liz! — Meus olhos se arregalaram e senti os cílios
postiços roçarem em meu rosto. — Não vou fazer isso... Não hoje!
As minhas bochechas começaram a ruborizar.
— Você precisa me contar! Nunca vou ter a chance de ter um
namorado.
— Não diga isso. Você é maravilhosa e existe alguém que te
amará exatamente como você é!
Liz revirou os olhos para mim.
— Só me conta, Nina! Não me bajula, só quero saber como é...
Saber, tudo!
Parei de respondê-la e não briguei mais.
Aos quinze anos, talvez eu também achasse que essa situação
me levaria inesperadamente ao meu “felizes para sempre”. Meu
olhar correu para meus livros na mesinha ao lado da cama. Ora, não
posso negar que isto daria uma bela sinopse de um livro que eu
amaria ler. Só que, infelizmente, era real. Não queria amargurar mais
minha irmã ao dizer que isto não era maravilhoso. Isso era a vida
crua como ela é.
E eu estava com medo, muito medo.
Do quarto, entre o nosso silêncio, escutamos uma buzina forte
ressoar por toda casa.
O carro chegou.
O carro chegou.
Senti meu coração acelerar e as borboletas no estômago se
agitarem. Caminhei devagar em direção a saída do quarto, engolindo
em seco e pensando “o que seria daqui para frente?”. O vestido
vermelho com pequenos brilhantes reluzia contra a luz acesa da
minha sala. Eu estava escutando as batidas do meu coração junto do
choro baixinho de minha mãe e da cadeira de roda de Liz, que me
escoltava até a saída.
Próxima à porta que me levaria “ao meu fim”, respirei
profundamente.
— Vai com Deus, minha filha! — mamma disse entre um
soluço.
Movi a maçaneta e fechei meus olhos enquanto a porta se
abria. Mesmo sendo nove horas da noite, o vento bateu quente
contra o meu rosto.
Abri meus olhos.
Uma Lamborghini preta me esperava com um motorista
apressado, pisando no acelerador, ocasionando um som
insuportável. Na porta de casa, dois soldatos de Vincenzo me
esperavam, estavam com traje formais e com um forte cheiro de
colônia importada.
— Te levaremos até o carro, sposa.
Um homem alto, de uns quarenta anos, me pegou pela mão e
me guiou até a Lamborghini. Olhei para trás, para acenar para minha
mãe e minha irmã, e logo fui repreendida:
— Sem despedidas, sposa!
Virei rapidamente meu rosto e, sem poder acenar, entrei no
carro.
O cheiro de bebida e cigarro me afogaram num primeiro
instante, e meu desejo foi sair de lá. O ar condicionado estava ligado
e, por isso, os vidros foram subindo. Com arrependimento, vi o
insulfilme totalmente negro apagar a imagem de mamma e Liz.
— Ande logo! — o homem ordenou. — Vincenzo, o Don, está
desejando sua sposa para agora.
O motorista concordou com a cabeça.
Eu não sabia se estava fazendo a coisa certa.
2
MARCO

Se havia uma coisa que consumia minha paciência, era receber


uma ordem de Vincenzo disfarçada de convite.
Mas dizer “não” ao Capo da máfia Caccino, que por
coincidência era meu irmão mais velho, significava comprar uma
briga perigosa.
E por mais que meu sangue inflamasse e gritasse para eu fazer
o que bem entendesse, uma parte minha queria provar que meu
irmão estava errado.
Fazia pouco tempo que Vincenzo havia assumido a liderança
da família e nomeado seus braços direitos. Eu ainda estava
revoltado por não ter sido escolhido para ser seu Sottocapo — um
substituto para quando ele estivesse fora do país — ou pelo menos
seu Consigliere, aquele que atuaria como conselheiro.
Tudo bem. Talvez eu não fosse a melhor pessoa para
aconselhar alguém, visto que me enrolava em uma merda atrás da
outra, mas, mesmo assim...
Puta que pariu.
Vincenzo adorava mostrar o quanto eu estava abaixo dele, o
quanto ele sempre fora o favorito da família, a figura exemplar, fria,
racional, que não explodia diante do menor deslize.
Aquilo tinha que mudar.
Vincenzo tinha que começar a me respeitar.
E eu estava disposto a tudo para provar isso a ele.
Entrei no salão requintado onde a festa organizada por
Vincenzo acontecia. Meu irmão pretendia fazer um anúncio. Talvez
uma nova aliança, talvez uma nova rota para os negócios que nos
sustentavam.
— Boa noite, senhor Caccino.
— Seja bem-vindo, senhor Caccino.
Respondi aos cumprimentos com o mesmo tédio irritadiço que
me assolava desde as primeiras horas da noite.
Quando me aproximei do grande salão que se abria para a
área externa, com uma vista estonteante para as águas enegrecidas
do oceano, ouvi o zumbido das vozes pelas portas envidraçadas.
Não sabia ao certo quantas pessoas tinham comparecido ao evento
de Vincenzo. Era uma recepção pequena o suficiente para ser
íntima, mas repleta de rostos importantes que confirmavam o status
de Capo do meu irmão.
E era o último lugar onde eu queria estar.
Mas precisava mostrar para Vincenzo que eu não era mais
aquele moleque explosivo e que fazia as coisas sem pensar.
Precisava mostrar que eu era digno de uma posição de respeito ao
seu lado, na hierarquia de nossa família.
Tinha que conquistar a merda da confiança dele, embora uma
parte minha quisesse mandar várias coisas à merda.
Só que já estava na hora das pessoas saberem que eu, Marco,
era tão digno do sobrenome Caccino quando meu irmão.
Uma brisa quente roçou minha pele quando pisei do lado de
fora. O tempo estava bem abafado para uma noite estrelada em um
salão à beira do oceano.
Olhei ao redor, procurando por algo para comer ou por algum
garçom com uma bebida forte que me anestesiasse para aguentar
aquela festa.
E então, quando virei o rosto, com um resmungo entediado
enchendo minha boca, o mundo desacelerou subitamente.
Por um momento, fiquei congelado, paralisado. O que não era
algo normal para um cara do meu tipo. Não perdi o fôlego, mas era
como se o ar escapasse lentamente de mim, até que não me
restasse mais nada a não ser ficar ali, em pé, parado, querendo
desvendar quem era aquela mulher.
Tinha certeza de que nunca a vira em uma recepção íntima dos
Caccino.
Não podia ver o rosto dela por completo, apenas o vislumbre do
perfil, as mãos apoiadas no gradil, as costas que o vestido marsala
revelava, a curva tentadora do pescoço, os cabelos amarronzados
que caíam em ondas até a cintura.
Quem era ela?
Notei que havia alguns soldatos da família por perto; homens
colocados em pontos estratégicos, como se a estivessem mantendo
sob vigia.
Ela parecia ignorá-los, mantendo seu olhar perdido no
horizonte
De repente, uma vontade insana me tomou.
Precisava chegar até ela. Saber seu nome, ver seu rosto, sentir
seu cheiro, saber qual era o som da sua voz.
Talvez aquela festa não fosse ser a merda que eu esperava.
Talvez a noite pudesse terminar de um jeito muito, muito mais
interessante.
Colocando meu melhor sorriso sacana no rosto, avancei por
entre as pessoas, respondendo de forma automática aos
cumprimentos que recebia por ser o irmão do grande Capo.
Em um instante, já estava a poucos metros de distância dela.
Quase podia jurar que a brisa marinha trazia o cheiro de seu perfume
até mim.
Apanhei duas taças de champanhe da bandeja de um garçom
que passou ao meu lado.
Estufei o peito, endireitei os ombros e cobri o espaço que me
separava dela.
— Você deu uma olhada na previsão do tempo hoje?
Minha pergunta a pegou de surpresa. Ela virou o rosto, os
olhos terrivelmente azuis buscando pelos meus. De perto, dava para
ver que ela era muito jovem. E linda. Mais linda do que qualquer
outra mulher que eu já tinha visto na vida.
Puta merda, quem era aquela garota?
Franzindo o cenho, ela balançou a cabeça, os lábios tingidos
de vermelho se entreabrindo.
— Não, não vi ainda.
Aproveitei para ampliar meu sorriso e estender a taça de
champanhe para ela.
— Ah, mas eu vi aqui e parece que vai rolar um clima entre a
gente.
3
NINA

O único clima que estava rolando era o calor insuportável que eu


estava sentindo dentro daquele vestido justo.
Quem era ele?
Prendi e caminhei meus olhos por todo seu corpo, o
observando com atenção. Era um homem alto, de uns trinta e
poucos anos, com traços faciais bem recortados. Seus olhos eram
cor de avelã, em um estranho degradê, e o cabelo castanho escuro
estava mal raspado. O terno lhe agarrava os braços, marcando seus
músculos desenhados, e seu sorriso atraente de dentes
absurdamente alinhados me convidava a conversar um pouco mais.
Como não respondi a investida, percebi seu sorriso safado ir se
apagando aos poucos.
Balancei a cabeça negativamente, me recordando do real
motivo de eu estar lá. Liz precisava de mim e de alguma forma eu
teria que arrancar dinheiro de algum desses mafiosos.
— Eu sou Nina — me apresentei, ansiosa.
— Marco Caccino — ele respondeu, depositando um beijo em
minha mão.
Ótimo. Um Caccino.
Eu estava me aproximando das pessoas certas.
Conforme ele se achegou a mim, o cheiro do seu perfume
amadeirado inundou minhas narinas. Seu aroma era como o de
alguém que tinha acabado de tomar um banho refrescante. Me senti
estranhamente confortável.
Ele estava me devorando com os olhos e quando tocou em
minha cintura, um formigamento percorreu meu ventre.
— Vamos dançar? — Marco sussurrou em meu ouvido com sua
voz grossa e sedutora.
O som alto da batida da música ressoava em meus ouvidos, e
eu o confundia com os batimentos do meu coração. Aquele homem
enigmático me conduzia pelo salão, puxando-me com delicadeza
para mais perto do som, ao passo que roçava suas mãos com
delicadeza em minhas costas nuas.
— É muita coragem tirar a mulher de seu próprio irmão para
dançar — escutamos uma voz de deboche quebrar a sintonia em
que estávamos.
Marco me soltou com pressa, como se eu fosse uma bomba
prestes a explodir.
Virei para trás contemplando uma nova visão: outro homem
alto, um pouco mais velho que Marco, porém igualmente bonito. Os
cabelos dele eram mais compridos e loiros, mas seu sorriso alinhado
e safado era assustadoramente semelhante ao do irmão.
Antes de realizar qualquer outro movimento, o irmão mais velho
me puxou para perto dele, encostando minhas costas em sua virilha
saliente.
— Essa virgenzinha é minha, otário, arranja outra para você —
ele resmungou roçando os lábios em meu pescoço.
Marco revirou seus olhos, irritado e eu torci para ele perceber
que eu estava assustada e me tirar dali.
— Sim, Capo — ele murmurou, deixando meu olhar e corpo
perdido com aquele outro homem.
Vincenzo estava comigo em seus braços agora, passando sua
língua por entre as linhas do meu pescoço. Um arrepio percorria meu
corpo enquanto ele, com facilidade, fazia de mim o que bem
quisesse.
— Acho que não fomos apresentados corretamente, Nina —
enquanto ele falava, percebi que ele sacava do canto de seu corpo
uma arma. — Eu sou Vincenzo — ele declarou, engatilhando e
apontando a arma para seu irmão, junto do movimento de puxar meu
rosto para o dele. — E você, caso não saiba ainda, é minha.
— Abaixa essa arma, ô idiota — Marco vociferou,
extremamente irritado. — Já entendi, para de fazer isso com a moça.
Vicenzo sorriu ao desengatilhar sua arma e guardá-la
novamente nas calças.
Ainda segurando meu rosto, ele me ameaçou:
— Se eu ver você de graça com qualquer um, você terá o
mesmo destino do seu papai. Entendeu?
Notei que alguns soldatos não riam de mim, e sim da situação
em que o irmão mais novo era humilhado.
Bastante insegura, desejava que Marco de alguma forma me
roubasse novamente para dançar, no entanto, ao contrário disso, era
Vincenzo que me puxava para a dança, balbuciando frases prontas
do que faria comigo mais tarde.
Mamma estava certa. Eu não queria mais estar ali.
4
MARCO

Não conseguia saber o que queimava mais forte dentro de mim — o


ardor da humilhação ou a raiva lancinante pela forma como meu
irmão estava tratando aquela garota.
Dava para ver o medo de Nina.
Diabos, onde meu irmão tinha encontrado essa moça?
Porra.
Minha ideia de melhorar minha imagem com Vincenzo já tinha
ido por água abaixo. Mas como eu ia saber que Nina era dele?
Nunca a tinha visto antes. E meu irmão não falara nada dela para
mim.
Ah, que se foda.
Fui para o canto do salão, deixando os dois sozinho enquanto
descartava a taça de champanhe e procurava por uma dose de
uísque. Eu ia precisar mesmo de algo muito forte para aguentar
aquela festa até o fim.
Do lugar que escolhi para mim, conseguia observar cada um
dos movimentos de Vincenzo. A forma como ele puxava Nina para
dançar, colando-a ao corpo dele, insinuando o que faria com ela,
sussurrando algo em seu ouvido. Podia vê-la estremecendo
discretamente.
Porra, já estava me sentindo puto da vida.
Até que horas eu tinha que ficar ali?
Já sabia o que faria quando deixasse aquela festa. Encontraria
algumas das minhas garotas favoritas e foderia com elas pelo resto
da noite. Seria a única forma de aplacar aquele fogo que subia em
meu sangue.
Em algum momento, Vincenzo parou de dançar com Nina e a
largou em uma roda com as mulheres de seus aliados mais íntimos.
E então, quando achei que teria um pouco de paz, meu irmão
se virou e veio andando em minha direção, as pessoas abrindo
caminho como se fosse um rei que estivesse passando por entre
elas.
— Mio fratello! — Vincenzo bradou, chamando-me de “meu
irmão” enquanto acabava com os poucos metros que nos
separavam.
— Vincenzo — respondi, erguendo o copo de uísque.
— Conte para mim... — Ele jogou um braço em volta do meu
ombro; suas roupas exalavam o cheiro dos charutos caros que
costumava fumar. — O que achou da minha noiva?
Quase engasguei com a palavra.
— Noiva? Você vai se casar, Vincenzo?
— Sim. Como Capo, preciso garantir a linhagem da nossa
família. E olhe para ela. — Vincenzo segurou meu rosto, fazendo-me
olhar para onde Nina estava, quase encolhida junto das outras
mulheres, sua beleza reluzindo embaixo das luzes do salão. —
Quem não ia querer foder aquele traseiro?
Sorvi um gole de uísque, ignorando o calor que subia em meu
sangue.
— De onde ela saiu?
— É uma dívida de um velho aliado que nos traiu. Ela vale
muito. Por conta do que o pai de Nina fez, haverá muita gente atrás
dela. Decidi pegá-la primeiro. Essa festa é para apresentá-la
oficialmente como minha noiva. Minha, entendeu?
Tentei encontrar o significado por trás das palavras de
Vincenzo, mas nada do que ele falou fazia sentido.
— Como assim?
Ele riu, retirando o braço dos meus ombros.
— Depois te explico com mais detalhes. Mas saiba que ela é
valiosa demais. Quando eu não estiver por perto, é você quem deve
vigiá-la. Nenhum filho da puta pode colocar as mãos nela.
Só o filho da puta que está falando, pensei, segurando a língua,
um pouco culpado por estar ofendendo minha própria e falecida mãe.
O celular de Vincenzo tocou, interrompendo nossa conversa.
— Tenho que atender a essa ligação — ele disse ao fitar o
visor, o rosto mais sério do que de costume. — Não quero que Nina
fique muito tempo sozinha. Tire-a para dançar.
— O quê? Pensei que...
Vincenzo deu uma piscada para mim, antes de se virar com o
celular apoiado contra a orelha.
— Só para você ter um gostinho daquilo que é meu. — E riu. —
Parece que isso é tudo o que sobra para você.
Observei meu irmão se afastar, o coração latejando nos
ouvidos.
Por um momento, considerei dar meia-volta e ir embora
daquela festa. Mas, trincando a mandíbula, quase bufando, me
lembrei de que estava tentando conquistar a confiança de Vincenzo
e um cargo importante dentro da nossa máfia.
Assim, andei até onde Nina estava.
Antes que eu me anunciasse outra vez, os olhos dela se
ergueram, buscando pelos meus; pude enxergar o desespero mudo
que lampejava nas íris azuis, o sufocamento que ela tentava a todo
custo disfarçar.
Estendi minha mão.
— Quer retomar aquela dança? Com a permissão do meu
irmão, é claro.
Os olhos dela se demoraram sobre os meus, o ar parecendo
esquentar ao nosso redor.
Nina colocou a mão sobre a minha, a pele cálida e macia
enviando uma corrente elétrica por todo o meu corpo.
Levei-a para a pista de dança, descendo uma mão em sua
cintura, a outra deslizando pela pele nua de suas costas. Senti-a se
arrepiar ao meu toque assim que começamos a nos mover junto do
ritmo lento da música; um gesto que quase despertou um lado louco
e inconsequente meu.
— Então... — comecei, esperando que a conversa me
desvencilhasse do cheiro inebriante de seu perfume. — Você vai se
casar com Vincenzo.
— Sim — foi tudo o que ela me respondeu.
— Você o conhece há quanto tempo?
— Fomos apresentados essa noite, senhor Caccino.
Estreitei os olhos, girando-a lentamente, antes de trazê-la outra
vez para os meus braços.
— Quantos anos você tem?
— Vinte e um.
Porra. Vinte e um anos. Meu irmão estava quase fazendo trinta
e seis, enquanto eu acabara de chegar aos trinta. Seja lá qual fosse
o valor de Nina, era alto mesmo.
Por algum motivo, meus batimentos estavam três vezes mais
acelerados.
A música parecia perto das notas finais; deixei que meus
braços conduzissem Nina, puxando-a para mim, meu peito tocando
as pontas de seus seios sob o tecido do vestido.
A sensação efêmera me golpeou, quase me deixando incapaz
de pensar, fazendo meu pau traidor pulsar dentro das calças.
— E você está feliz com o casamento?
Nem sei por que fiz aquela pergunta de merda, sendo que já
imaginava a resposta.
Nina olhou para mim; o espaço entre nós ardia, crepitava.
— Acho que é tudo o que sobrou para mim.
5
NINA

Não sei bem se fui apresentada àqueles homens como uma


vagabunda ou como um troféu. A luz do palco focou em mim, um
holofote com feixes de luz fortes me apresentava como a futura
esposa de Vincenzo. Fizeram brindes e me aplaudiram. Eu era
exibida de todas as formas possíveis e declarada como uma vitória
em cima dos inimigos.
Estava tão atordoada com as luzes que mal senti o aperto de
Vincenzo me tocar em áreas que eu preferia não ser tocada.
Meus pensamentos estavam agitados e meus seios ainda
enrijecidos pela lembrança da dança quente e das mãos grandes de
Marco em minhas costas. O misto de sensações daquele momento
me embriagava. Era uma sinfonia de emoções causada pelo calor,
arrepios no corpo e cócegas no ventre.
Me ofereceram várias bebidas e eu experimentei um pouco de
cada coisa, forçada por Vincenzo a comemorar em inúmeros e
estúpidos brindes. Quando o álcool subiu, comecei a rir, dançar e
conversar com aquelas pessoas como se elas fizessem parte da
minha vida. Aguentei piadas sobre a minha virgindade, meu traseiro
e outras coisas sexuais que só mesmo estando bêbada me faziam
gargalhar.
Quando já havia esquecido até o meu nome, as mãos grandes
me tocaram os ombros, deslizando até os meus cotovelos.
— Acho que está na hora de você ir para casa, Nina. — Era
Marco, seus olhos estavam mais preocupados do que desejosos.
— Hoje vou embora com meu noivo... — a voz saiu torta e
mole, diferente do que eu esperei.
Oh, Deus. No que eu estava me transformando?
O sorriso alinhado apareceu novamente no rosto dele.
— Acho que seus planos mudaram. Ele me mandou te levar
para casa. Disse que tem coisas para resolver.
Liz.
Pensei em Liz.
— Preciso do dinheiro para os remédios!
Ótimo, agora eu parecia uma prostituta. Trocando sexo por
antibióticos. Tudo bem; eu não tinha mais nenhuma reputação para
me preocupar depois dessa festa.
A feição de Marco se transformou em um curioso enigma sobre
mim.
O que ele estava pensando agora?
Que eu era uma vagabunda traficante medicinal?
— De quanto precisa?
Fiquei envergonhada, e nada consegui dizer.
Observei-o, com a mesma feição enigmática no rosto, abrir a
carteira e puxar uma nota de quinhentos euros.
Ele estendeu a nota para mim sem pedir nada em troca.
— Não... É muito.
— Pegue Nina, é para os remédios.
Puxei a nota vagarosamente de sua mão, admirei a quantia e,
com pressa, a escondi em meu decote.
— É para minha irmã... — expliquei, constrangida.
— Não quero saber, só pegue o que precisa e vamos embora.
Fomos conduzidos até a Lamborghini.
Estava claro que Marco queria muito me tirar daquela festa.
Empurrava meus ombros com pressa, para que saíssemos o mais
rápido possível de lá. Enquanto andávamos em direção ao carro, no
caminho, Vincenzo me acenou de longe, fazendo gestos obscenos, e
indicando que resolveríamos “essa questão” — a consumação de
nosso casamento, o sexo — em outro dia.
Senti repulsa e medo.
— Não se preocupe — Marco falou enquanto abria a porta do
carro para mim. — Vamos cuidar bem de você.
Ao entrar no carro, o mesmo cheiro que senti anteriormente de
álcool e cigarro me enjoaram. Fechei meus olhos, apoiando minha
cabeça no encosto do banco traseiro.
Com a respiração bagunçada, puxei o ar, na tentativa de
retomar minha capacidade de comunicação.
Marco sentou-se ao meu lado no banco traseiro.
O vestido que eu usava tinha um corte na frente, que deixava
minha perna à mostra conforme a posição em que eu me sentava.
— Você está bem? — ele questionou, apoiando sua mão sobre
minha coxa. — Está um pouco pálida.
As náuseas causadas pelo movimento do carro e por toda a
situação indigesta da noite reviravam meu estômago.
— Estou bem — respondi, depositando minha mão gelada
sobre a dele.
— Está com frio?
— Estou bem.
— Não me diga que, com vinte e um anos, você não sabe
beber.
De olhos fechados, esbocei um sorriso no canto da boca, o
enjoo aos poucos melhorando.
— É a minha primeira vez.
Ao balbuciar essas palavras, as mãos dele subiram da minha
coxa para próxima da minha virilha. A frase de certa forma não
ganhou o mesmo sentido que eu queria.
— É…? — ele perguntou desejoso, subindo sua mão devagar
pelas extremidades da minha coxa.
Balancei a cabeça, fazendo sinal de positivo.
— Mamma não me deixa beber.
Marco retirou sua mão de mim com pressa, voltando a si.
Maneando a cabeça e fingindo uma falsa tosse ele deu uns tapinhas
no meu joelho.
— Desculpe, não percebi que estava... Er... Desculpe — ele
murmurou, virando o rosto para os vidros escuros.
Fechei as pernas, o proibindo de repetir o toque.
Meu corpo estava na sintonia daquelas mãos.
Eu queria que ele repetisse o movimento. Aos poucos as
pernas se abriam novamente, refazendo o convite para que ele
entrasse.
Meus olhos azuis flamejantes procuraram os dele. Ao se
encontrarem, trocamos olhares por alguns segundos.
— Nina, você está muito bêbada — ele, por fim, declarou, me
dando as costas e fazendo sinal para que o motorista dirigisse mais
rápido.
6
MARCO

Foi uma noite de merda. E o sono — ou a falta dele — não ajudou


em nada a melhorar o meu humor.
Depois que deixei Nina em sua casa, tentei não pensar em tudo
o que havia acontecido na festa, em cada toque inocente e em cada
toque não tão inocente.
Droga, eu tinha que colocar a minha cabeça no lugar.
A garota era a noiva do meu irmão.
Além disso, era nova. Muito nova para o meu gosto. Ingênua
demais. Já passei da fase de caçar as inocentes; a facilidade das
experientes era algo mais prático.
Depois de escoltar Nina até a casa dela, voltei para minha
própria residência. Eu deveria ter seguido o plano inicial. Encontrado
uma das minhas garotas favoritas e fodido até o dia raiar. Mas estava
tão exausto e irritado, que decidi que minha intenção era dormir
profundamente, sem sonhar com nada.
Mas é claro que a minha mente traiçoeira se encheu de
imagens perigosas.
Nos sonhos, na imaginação — não tenho certeza qual dos dois
imperou — eu estava nu sobre a cama, me movendo sobre um corpo
feminino e delicado, as mãos acariciando a pele quente, as
respirações ofegantes se enroscando. E quando afastei meus lábios
da boca que eu beijava, vi o rosto dela.
Nina Rossi.
Me olhando com aqueles olhos cativantes.
Acordei no mesmo instante, duro como uma pedra.
E foi difícil dormir bem quando me sentia tão excitado que
precisei me aliviar não uma, mas três vezes, até me sentir calmo o
suficiente para fechar os olhos.
Acordei antes do sol despontar por completo, com o corpo
ardendo.
A ducha gelada ajudou um pouco.
Um pouco.
Merda, eu precisava tomar o controle da situação. Sou do tipo
imprudente, mas não tão idiota a ponto de arriscar meu pescoço por
causa de um desejo tolo e irracional.
Seria bom sair da Itália.
Isso.
Nossa família possui alguns negócios internacionais; talvez eu
devesse ir para a Espanha ou para a Irlanda por uns três meses, até
que o casamento do meu irmão estivesse resolvido.
Enrolado na toalha, voltei para o meu quarto, mais animado por
conta da minha ideia.
Aquilo era o que eu precisava.
Um tempo longe da Sicília.
Talvez até pudesse fazer alguns serviços para Vincenzo. Talvez
pudesse ficar no exterior por um tempo, como um representante da
família. Nosso último representante tinha tomado um tiro no meio da
cabeça. Cortesia dos russos. Todo mundo sabe que não se deve
mexer no território dos russos.
Enfim, a vaga dele estava disponível.
Poderia ser o cargo perfeito para mim.
Caralho.
Até que era um plano bom.
Troquei de roupa e, enquanto procurava alguma coisa para
comer, meu celular tocou.
Era um dos nossos encarregados.
— Fala — atendi. — Algum problema?
— Deu merda, Marco. Eles o pegaram.
— Pegaram quem?
— O Vincenzo. Houve uma emboscada durante a madrugada.
Todos os seguranças foram mortos. E Vincenzo sumiu.
As palavras rápidas e entrecortadas dele retumbavam em meus
ouvidos.
— Como assim, porra?! Quem está com meu irmão?! Que
merda é essa?!
— Não sabemos. Todos os soldatos já estão se mobilizando.
Vai haver guerra se nosso Capo não for encontrado.
Caralho. Caralho. Caralho.
Meu irmão pode ser um filho da puta, mas era alguém que
impunha medo e que tinha diplomacia. Quem teria coragem de se
meter com o Capo dos Caccino?
Aquilo era um convite para a guerra, para a morte.
Já podia prever a ebulição entre as facções rivais.
Ninguém respiraria até que Vincenzo aparecesse.
— E, Marco, pelo que averiguamos, quem levou nosso Capo
estava atrás de alguma coisa. Algo que não encontrou.
Meu corpo gelou.
“É uma dívida de um velho aliado que nos traiu. Ela vale muito”,
recordei-me das palavras de Vincenzo. “Por conta do que o pai de
Nina fez, haverá muita gente atrás dela. Decidi pegá-la primeiro.
Essa festa é para apresentá-la oficialmente como minha noiva.
Minha, entendeu?”.
Quase derrubei o celular no chão.
— Nina!
7
NINA

Bons antibióticos nunca foram baratos. Mas bons antibióticos curam


mais rápido.
Mesmo com o preço exorbitante, era a primeira vez que eu
voltava da farmácia com sobra de dinheiro nas mãos.
O Sr. Giovano, dono da farmácia, surpreendeu-se ao me ver
estendendo a nota de quinhentos euros. Pude ler em sua feição de
desaprovação que ele pensava algo como “Essa menina está se
metendo com o que não deve!”.
A dor de cabeça insuportável e a tontura da ressaca também
me diziam a mesma coisa: estou me metendo onde não devo.
A máfia não é um lugar para gente decente — era o que
Mamma sempre me dizia. Por outro lado, algo me dizia que Marco
era diferente. Que, com ele, estaria tudo bem. Talvez porque poderia
ter me usado na noite passada, e ao contrário disso, me trouxe como
uma princesa escoltada para casa.
Iludida — era a voz de Mamma gritando em meus
pensamentos.
Revirei minha cabeça, afastando os pensamentos de Marco
que acendiam como uma chama de candelabro em meu peito. Eu
deveria me focar em Vincenzo, em breve ele seria meu marido, e por
proteção aos que eu amo, eu iria me entregar.
Sim.
Por Liz e por Mamma, era um preço que eu estava disposta a
pagar.
Voltando da farmácia para minha casa, enquanto caminhava
em dos bairros mais pobres da cidade, notei alguns carros
estranhamente diferentes pela rua. “Diferentes”, eu digo, pois, eram
carros de gente rica. “Estranho” porque, por essas redondezas, não
andavam pessoas ricas.
Entre um beco e outro, eu escutava passos. Alguém estava me
seguindo? Alguém estava me olhando?
Virei para trás.
Olhei para os lados.
Nada e nem ninguém.
Abracei a sacola com os remédios e continuei andando. Fiquei
me perguntando se alguém havia me visto com tanto dinheiro na
mão, e agora me seguia para me encurralar na próxima esquina.
Apertei o passo. Queria logo chegar em casa.
Depois de mais algumas ruas escuras e esquinas sugestivas
de assalto, consegui enxergar o portão de casa. Acenei para
Mamma, que me esperava impaciente na entrada.
— Foi fabricar o remédio, Nina? Por Deus! Achei que eles
tinham te levado — ela bufou, estendendo os braços para recolher a
sacola com as medicações. — Vamos, Liz precisa se medicar. Entre,
entre, não quero que vejam você na rua, já basta os boatos que
escuto.
Ontem fui flagrada pelos vizinhos entrando no carro “preto,
chique e de gente perigosa”. Carro de mafioso. De bandido. A
vizinhança agora falava de tudo sobre mim: que eu era uma garota
de programa de luxo, que eu tinha achado um senhor de idade para
me bancar, que eu estava grávida de um amante, e entre outras
situações que não soavam tão absurdas perante a realidade.
Dentro de casa, comecei a tirar meu tênis.
O ranger da cadeira de rodas de Liz gerava pequenas pontadas
de dor em minha cabeça.
Enquanto afundava para os quartos, escutei um breve diálogo
de minha irmã com minha mãe:
— Sua irmã está salvando sua vida.
— Nina sempre salva nossas vidas.
Soltei um pequeno riso, contente por ter atingido meu objetivo.
Em anos, aparentemente era a primeira vez que elas estavam
felizes.
Comecei a imaginar Liz saudável, ganhando peso e correndo
pelo jardim. Que bela visão que eu tive, era um sonho que eu
poderia realizar em breve com o dinheiro daquelas pessoas.
Durante meus devaneios ainda escutava as duas conversarem.
Falavam sobre meu antigo sonho de cursar medicina — aspiração
que abandonei por conta dos empecilhos.
Elas estavam rindo.
Estavam felizes.
E de repente, estavam quietas.
Silenciosas até demais.
Sem risos, sem conversas, sem ranger da cadeira de rodas. O
silêncio perdurou por alguns minutos até se tornar suficientemente
incômodo para mim.
— Mamma? Liz? — chamei por elas do meu quarto, em tom
alto o suficiente para ser respondida.
Nada.
O silêncio perturbador continuou.
Franzi o cenho, decidindo procurá-las.
Estavam bravas comigo? Tinham percebido que eu estava
alcoolizada na madrugada?
Sai do quarto tropeçando entre meus pés, correndo como
nunca; no passo seguinte, levei o maior susto da minha vida:
— Nina!
Gritei.
Não era minha mãe ou minha irmã.
Era Marco.
Alto, preocupado, cerrando os dentes alinhados ao me ver.
Estava vestido todo de preto, camuflando-se com a penumbra
causada pelas janelas mal projetadas da minha casa.
— O que está fazendo aqui, Marco?! Mamma! — gritei,
procurando-a através dos ombros daquele silencioso Caccino.
Ele colocou as mãos sobre os meus braços, bloqueando meus
movimentos.
— Elas estão bem, estão conosco.
Tirei as mãos dele de mim, enraivecida.
— O quê? Não! Mamma! Liz! — tentei chamar por elas mais
uma vez. — Saia da minha casa!
— Nina! Você precisa vir comigo, você corre perigo.
Que tipo de homens eu achei que eles eram? Sequestrando
minha família, invadindo minha casa, me tocando e me exibindo
como troféu para aqueles homens.
— Eu não vou a nenhum lugar até você deixar minha mãe e
minha irmã em paz! Elas não tinham nada haver com esse acordo!
— minha expressão de ira, certamente contagiante, fez Marco recuar
uns passos.
Contagiante mesmo, pois a feição dele se transmutou
rapidamente em cólera.
— Você não está entendendo! Você tem que vir comigo! Tem
que vir!
Ri com deboche e, passando por ele, segui para a cozinha.
— Nina! — ele vociferou, me seguindo.
— Onde elas estão?! — berrei ao ver a cadeira de rodas
abandonada na cozinha e cercada por soldatos armados. — O que
você fez com elas?!
—Nina! Confie em mim!
Lágrimas começaram a pinicar meus olhos.
Quase vomitei meu coração para fora naquele momento.
Avancei naquele homem com todo ódio existente na minha
alma. Com as mãos cerradas, soquei seu peito repetidamente,
totalmente fora de mim.
— ONDE ELAS ESTÃO?!
— DÁ PARA CALAR SUA BOCA, SUA IDIOTA?! — Ele
segurou meus punhos com força, me afastando dele. — ME
ESCUTA!
Intimidada, me calei, engolindo meu choro.
— Eles pegaram Vincenzo e vão vir atrás de você! Sua mãe e
irmã estão seguras, vamos acomodá-las e cuidar do que for
necessário!
— Me deixe ir com elas!
— Não posso, Nina, com você é diferente!
— Por quê?!
— Eu preciso te proteger agora!
Estávamos berrando um com o outro, porém antes que
pudéssemos terminar esse diálogo nada civilizado, da janela dos
fundos da cozinha uma espécie de cilindro com barulho de chocalho
metálico foi lançado no chão.
Os olhos enormes de Marco ficaram maiores ainda, e em uma
fração de segundo, ele me tomou no colo e jogou nossos corpos em
direção a porta de entrada da casa, por onde saiam correndo os
diversos soldatos.
A última coisa que vi e ouvi foi uma explosão absurda. Meus
ouvidos começaram a zumbir e apitar.
Que porcaria estava acontecendo?!
8
MARCO

Sempre achei que caçar e interrogar meus inimigos era um dos


trabalhos mais árduos que alguém como eu poderia encarar.
Mas conseguir tirar aquela garota teimosa de dentro da casa foi
infinitamente mais trabalhoso.
Por isso, quando o que pareceu ser uma espécie de coquetel
molotov foi jogado pela janela, não pensei duas vezes.
Agarrei Nina, erguendo-a do chão, e me atirei com ela para o
outro lado, instantes antes da explosão ecoar e reverberar pelos
meus ouvidos.
Por um momento, o mundo zumbiu e apitou.
Senti uma dor lancinante em alguma parte do meu corpo, mas
não havia tempo para prestar atenção a ela.
Meu objetivo era um só.
Tirar Nina dali.
Cumprir o que meu irmão esperava de mim — na ausência
dele, era eu quem deveria proteger a futura esposa do Capo.
Então, ignorei a dor que queimava minha pele, fiquei em pé,
puxei Nina comigo, o corpo pequeno dela colidindo contra o meu
peito; antes que ela pudesse protestar ou gritar, atirei-a em meus
ombros e corri para fora da casa.
— Minha mãe! Minha irmã! — ela berrava, se debatendo.
— Já falei que elas estão seguras, porra!
— Quero vê-las! Quero ir com elas!
— Meus homens cuidarão delas. Você tem que ficar comigo.
— Não! Não até entender o que está acontecendo!
Batendo os dentes com fúria, e irritado por causa da dor que
não passava, abri a porta do carro e joguei Nina sobre o banco de
couro.
— Eu não faço ideia de que merda está acontecendo aqui —
vociferei, meus olhos cravados dentro dos olhos assustados dela. —
Até descobrirmos o que aconteceu com Vincenzo e por que há
pessoas atrás de você, as coisas vão funcionar assim. Você vai ficar
comigo, entendeu?
Ela se encolheu no banco, engolindo em seco e balançando a
cabeça.
Me senti um filho da puta por gritar e assustá-la daquele jeito,
mas eu estava a um fio de perder a cabeça.
Alguém tinha levado meu irmão.
Alguém estava caçando aquela garota indefesa.
E eu estava com uma dor desgraçada no corpo.
Alguns soldatos se espalhavam ao redor do carro, prontos para
bloquear qualquer ataque, enquanto alguns dos meus homens
tentavam rastrear o perímetro para descobrir quem tinha atacado a
casa.
Soltando o ar, me inclinei para dentro do carro, me
aproximando de Nina. O cheiro adocicado do perfume dela fez meu
sangue latejar e meu coração rugir; não fazia ideia do que estava
acontecendo, mas não deixaria que ninguém encostasse em um só
fio de cabelo dela.
Se alguém tentasse machucá-la, poderia se considerar um
homem morto e enterrado.
— Olha, sua irmã e sua mãe ficarão seguras — eu disse,
batendo os dentes.
Nina piscou, se encolhendo ainda mais.
— Não posso mesmo ficar com elas?
— Se alguém estiver atrás de você, é melhor não. Pois...
— Eu sou um alvo. — A voz de Nina estremeceu. Quase jurei
ver a palidez das lágrimas que não caíram embaçando os olhos dela.
— E minha presença pode ser perigosa para elas.
Assenti e entrei por completo dentro do carro.
Fiz um sinal para que o motorista nos tirasse daquele bairro
decadente.
Enquanto o veículo entrava em movimento, voltei meus olhos
para Nina, estudando seus traços delicados, os lábios franzidos, a
respiração ofegante.
— Você não faz ideia de onde meu irmão pode estar, faz? —
Havia um leve tom de ameaça em minha voz. Não podia me
esquecer de que Vincenzo se referira a ela como um “prêmio”. Ela
poderia estar com raiva do meu irmão e ter planejado algo contra ele.
— Ele não te falou nada? Não mencionou nada sobre para onde ele
foi ontem à noite, depois que saiu da festa?
Nina balançou a cabeça e virou o rosto para o vidro fechado.
Precisei controlar meu temperamento, me forçar a não fazer um
interrogatório mais incisivo, a segurar o braço dela e fazê-la olhar
para mim.
Era claro que ela não sabia de nada.
Estava confusa e assustada.
Porra, alguém tinha atacado a casa dela.
Me afundei no banco, esfregando o rosto e praguejando. A dor
que eu sentia estava ficando cada vez mais insuportável. Mas eu
precisava de todo o meu foco para resolver aquela merda.
Passei as instruções para o motorista. Havia um lugar onde
poderia ficar com Nina enquanto meus homens investigavam tudo.
E quando eu descobrisse quem tinha sequestrado meu irmão...
Quando eu descobrisse quem tinha tentado machucar Nina...
A última coisa que o responsável veria seria a cor dos meus
olhos e o cano da minha arma.
9
NINA

Marco nos levou para longe do perímetro urbano da cidade. O carro


avançou pela estrada, a paisagem se transformando em algo mais
deserto e silencioso conforme avançávamos pela estrada, até
pararmos em um hotel de beira de estrada. Apesar de ser um local
isolado, pude notar, pela fachada, que havia requintes de
sofisticação.
Os soldatos nos escoltaram até a porta do quarto solicitado, e
algo me dizia que ficariam ali de vigia o tempo todo.
O quarto luxuoso tinha ar condicionado, televisores,
hidromassagem, uma cama e alguns poucos móveis. Meus olhos
curiosos corriam por todos os detalhes.
Estava anestesiada: de tanto medo que sentia, pouco medo me
sobrava para sentir. Não sentia mais raiva, não sentia mais nada.
Engoli em seco, percebendo que lágrimas grossas desciam
involuntariamente por toda a minha face.
Abracei meus ombros, caminhando pelo belíssimo quarto
amadeirado. Enquanto o fazia, dos meus lábios fugiam pequenos
soluços, sem que eu os controlasse.
Meus olhos procuraram por Marco. Queria que ele respondesse
todas as minhas perguntas.
Quando o encontrei, notei suas roupas com falhas causadas
pela explosão, e seu rosto enigmático retratando seus possíveis
diversos pensamentos. Observei-o cambaleando pelo quarto. Seus
passos fundos e costas arqueadas indicavam que ele estava com
dor. Colocando a mão sobre o peito, o assisti cair sobre a cama.
Ele urrou de dor.
— Você está bem? — perguntei o que qualquer um perguntaria.
— O que você acha, porra? — ele respondeu com os dentes
cerrados de dor.
Percorri o quarto em direção à cama.
Quando estava perto de Marco, coloquei minhas mãos sobre
seu peito.
— Tire a camisa — ordenei.
Com dificuldade, Marco levantou brevemente seu tronco,
tentando desabotoar o que restava da camisa preta.
— Deixe-me te ajudar.
Minhas mãos foram ao encontro dos dedos dele, o afastando
da tentativa de se despir.
Ao passo que eu desabotoava a camisa, os botões se
desfaziam em minhas mãos. A expressão de dor de Marco era pouco
convidativa para que eu continuasse, contudo, prossegui da mesma
forma. Enquanto o auxiliava, com toda delicadeza possível, o peitoral
e abdômen definidos que eram revelados tiravam minha
concentração.
— Ai, meu Deus, Marco... — murmurei ao ver que a camisa se
desfazia; só que alguns pedaços dela mantinham-se aderidos sobre
a pele bronzeada dele.
— O que foi, caralho?!
— Nós precisamos lavar isso agora! Vamos para o chuveiro!
— Virou médica agora?
Ignorando-o, passei os braços ao redor do corpo dele, como se
fosse abraçá-lo. Fiz com que ele se levantasse.
Com dificuldade, ele sentou na cama.
Retirei dele as sobras da camisa que eram possíveis, mas me
mantive preocupada com os pontos em que ela continuava grudada
em seu corpo.
Eu não tinha sofrido nenhum arranhão, como era possível ele
receber todo o impacto sozinho?
— Venha, vou te levar para o chuveiro.
— Meu ombro está doendo, Nina, só meu ombro.
— Venha.
Eu o conduzi até o banheiro, puxando-o pelo braço que não
estava machucado.
Quando entramos no cômodo, fiz sinal para que Marco
esperasse eu abrir a ducha. Dei as costas para ele, entrei no box e
liguei o chuveiro, tentando entender o mecanismo de água quente e
água fria.
Ao atingir uma temperatura adequada, chamei por ele.
— Pronto, venha!
— Tire minha roupa.
Minhas bochechas começaram a ruborizar com a frase.
— N-Não... Não precisa... — gaguejei sem jeito.
— Nina. Não quero molhar a calça, minha arma e dinheiro
estão nela. Tire minha calça, estou com dor no ombro.
Concordei.
Fui até Marco e desabotoei sua calça, a descendo com
delicadeza. As coxas dele eram igualmente definidas conforme todo
seu corpo, e a cueca box justa revelava um volume admirável.
— Por que está olhando para o meu pau?
Fiquei em silêncio, mantive a serenidade, guiando aquele
homem absurdamente atraente até a água morna.
Já debaixo do chuveiro, cada gota d’água que encarava as
partes do corpo feridas faziam com que o homem de olhos degradê
emitisse ruídos incômodos.
A água caia sobre meu corpo e o dele.
— Eu vou tirar as partes que estão grudadas... Você está
pronto?
Ele assentiu positivamente com a cabeça.
Com ajuda da água, fui revelando as feridas por debaixo do
tecido grudado. Não eram grandes, tinham poucos centímetros. A
única que me chamava a atenção era próxima a sua clavícula, com
extensão até o ombro esquerdo. Do tamanho do palmo de minha
mão, aquela queimadura ocasionada pela explosão explicava o
porquê dele cambalear e urrar de dor a cada movimento simples que
fazia.
— Marco, preciso lavar a ferida, para não infeccionar, tirar a
sujeira.
— Tudo bem, faça logo!
— Pode se segurar em mim, se quiser.
Ele levou as mãos para minha roupa molhada, apoiando as
palmas grandes em minha cintura.
Colando meu corpo ao seu, comecei a esfregar a ferida com o
sabão oferecido pelo hotel.
A dor lancinante o fazia apertar meu quadril e jogar sua pelve
volumosa contra meu ventre. Eu sentia o membro dele roçando por
entre minhas pernas, provocando sensações perigosas em mim.
— Estamos acabando... — anunciei, ao notar que as bordas da
ferida estavam ficando rosadas, livres de fragmentos da explosão. —
A dor irá melhorar depois disso, eu prometo.
— Porra, Nina... — Marco sussurrou em meu ouvido, afagando
seu desespero em meus seios.
— Shhh... — pedi para que ele ficasse quieto. — Já acabamos,
Marco, já acabamos.
Aliviado, ele suspirou, me abraçando com força, encaixando
meu quadril com o seu mais uma vez.
E assim ficamos por mais alguns minutos, deixando a água
morna banhar nossos corpos e colar nossas peles através das
vestes molhadas.
10
MARCO

Acordei com o som alto da chuva que caía do lado de fora.


Não sabia quando tinha apagado, mas estava deitado na cama,
com uma dor ainda fodida no ombro.
Praguejando baixo, me sentei no colchão. Uma bandagem
cobria o ferimento em minha pele. Tudo o que eu vestia era apenas
uma cueca.
Alguns relâmpagos ocasionais iluminavam o quarto. Pude ver
que já havia anoitecido. Que horas eram? Há quanto tempo eu
estava apagado?
De repente, um frio insano subiu por minhas veias.
Nina!
E se alguém a tivesse levado enquanto eu dormia?!
Puta merda.
Cambaleando, me levantei da cama, olhando em volta, os
trovões ribombando lá fora; o som quase no mesmo compasso das
batidas do meu coração.
O peso do mundo deixou meus ombros assim que vi Nina
encolhida na poltrona do quarto, enrolada em uma manta fina. Me
aproximei lentamente, não querendo acordá-la. Parecia que ela
estava tremendo.
Encostei minha mão em seu braço que estava por fora da
manta.
Caralho.
Ela estava super gelada.
Nossa, Nina ainda vestia as roupas molhadas. Ela se enfiara
embaixo do chuveiro comigo, para tratar dos meus ferimentos, e eu
desabei na cama sem me certificar se ela precisava de alguma coisa.
— Nina — chamei-a, sacudindo seu ombro da forma mais gentil
que consegui. Parecia que tudo o que eu fazia seria bruto demais
diante daquela garota de rosto angelical.
Ela resmungou alguma coisa, virando o rosto, sem abrir os
olhos.
— Nina, acorde. Nina.
Um suspiro trêmulo deixou os lábios dela.
Sob a luz dos relâmpagos, sua boca era um convite tentador,
um caminho que poderia fazer até o mais controlado dos homens
cair em tentação.
Inclinei-me, meu rosto pairando próximo ao dela, seu perfume
doce inebriando e se enroscando em meus sentidos.
Os olhos de Nina se abriram junto da luz fulgurante de um
relâmpago.
Ela ofegou, surpresa, assustada.
— Marco.
Milímetros nos separavam.
Se eu fosse um pouco mais para frente, só mais um pouco,
poderia provar o gosto de seus lábios. Poderia queimar no inferno.
Poderia trair meu sangue e minha família.
Nina puxou a manta sobre o corpo, os lábios entreabertos, a
cabeça ligeiramente inclinada para trás, como se esperasse por
aquilo.
Como se desejasse queimar no mesmo inferno que eu.
Só que ela era a noiva de meu irmão.
E se eu a beijasse apenas para satisfazer aquele desejo
latejante, egoísta, aquela vontade insana e perigosa, seria punido.
Mas as piores consequências cairiam sobre Nina.
Vincenzo não teria piedade dela.
Por isso, dei um passo para trás, os olhos cravados nos dela.
— Suas roupas estão molhadas. Você está gelada.
Nina engoliu em seco, atônita pela forma como me afastei.
— A roupa que estou vestindo é a única que tenho. Não tive
tempo de pegar nada quando você me tirou de casa.
— Você precisa tirá-las, ou ficará doente.
— E vou vestir o quê?
Vi que ela lutava para manter os olhos nos meus, para não os
descer pelo meu peito. Foi então que me lembrei de que estava
apenas com a cueca. E, em vez de sentir o constrangimento pela
situação, me senti duro.
— Sei lá — resmunguei, ficando de costas para ela,
aproveitando a baixa luminosidade do quarto para tentar dar um jeito
na minha situação. — Mas não vai ter adiantado nada eu ter te
salvado, se você pegar uma pneumonia.
Ela ficou em silêncio, pensativa.
Decidi usar uma tática infalível.
— Pense na sua irmã. Se algo acontecer com você, ela ficará
desolada.
Olhando para Nina de soslaio, vi que ela engoliu em seco.
Ótimo.
Meu argumento que tinha funcionado.
Nina se levantou, ainda segurando a manta, o rosto pensativo.
— Tem um roupão no banheiro, próprio do hotel. Acho que
posso vesti-lo.
— Ótimo. Amanhã, peço para meus homens conseguirem
roupas limpas e secas para nós.
Nina assentiu e rumou para o banheiro.
A chuva batia contra a janela.
Imaginei-a se livrando das peças úmidas e coladas em sua
pele, e a visão que se formou em minha mente me deixou ainda mais
duro.
Porra.
Vincenzo tinha que aparecer logo. Essa história de ficar
cuidando de Nina não ia funcionar de jeito nenhum para mim.
Ela voltou para o quarto, vestindo o roupão, e tudo o que
consegui imaginar foi se ela estava usando mais alguma coisa
embaixo daquilo, ou se não haveria nada além de um caminho livre
para minhas mãos e minha boca.
— Satisfeito? — ela perguntou.
Não. Nenhum pouco. Muito longe disso.
Virei-me, apontando para a cama.
— Pode dormir nela. Ficarei na poltrona.
— Não! — Nina protestou. — Você está ferido. Eu fico na
poltrona. Não ligo.
— Mas eu ligo.
— Então temos um impasse.
— Temos um impasse.
Outro trovão explodiu lá fora, agitando a estrutura do hotel.
Olhei para a cama. Puta merda, eu só podia estar sendo
testado. Aquela era a prova final para saber se eu era digno do
sobrenome Caccino, de ser o braço direito do meu irmão, de ter um
cargo de confiança dentro da máfia.
— Vamos dividir a cama — falei, e emendei antes que ela
protestasse: — Eu não vou ceder, você não vai ceder. Estamos
esgotados e tenho que investigar o ataque à sua casa e ao meu
irmão. No mínimo, precisamos de uma boa noite de sono.
Ela pareceu relutante.
No fim, concordou.
Deitei-me primeiro, usando a coberta para esconder o que
acontecia embaixo da minha cueca. Nina se deitou ao meu lado,
puxando a manta sobre o corpo.
Por um segundo, tudo o que escutávamos era a chuva que caía
e o som baixo de nossas respirações.
— Obrigado — murmurei, a voz arranhada. — Pelo que você
fez com meu ferimento.
— Obrigada por ter salvado minha mãe e minha irmã — ela
murmurou de volta.
Não falamos mais nada.
Nina adormeceu primeiro e, em algum momento de seu sono,
virou sobre a cama, aproximando-se de mim, se aninhando em meu
peito. O contato com sua pele quente foi enlouquecedor. Mas me
limitei a puxá-la para perto, para o calor do meu corpo, sussurrando
que não deixaria nenhum mal acontecer a ela; e então, adormeci.
11
NINA

A água da cachoeira estava quente. Eu e Liz brincávamos,


molhando as roupinhas de verão e correndo por entre as pedras.
Fiquei feliz ao notar que Liz ainda andava.
Éramos duas meninas e tudo era tranquilo. Estávamos no
nosso lugar favorito, no nosso esconderijo especial e secreto.
— Nina, venha aqui com seu babbo! — escutei meu pai me
chamar.
— Sim, babbo!
Papai me pegou no colo e mostrou sua mão. Os punhos
estavam fechados.
— Sabe o que tenho aqui?
— Abra sua mão, babbo! Quero ver.
Devagar, liberando os dedos um a um, ele me revelou uma
pedra. A pedra natural era azul, com alguns rastros de branco e
bege entrelaçados pela cor atrativa.
— Essa pedra não é verdadeira, filha. É uma sodalita falsa,
feita e polida por indústrias.
— Mas é tão linda... — murmurei, observando os mesclados
refletirem os raios solares.
Observei meu pai assentir, retirando outra pedra do short
molhado. Esta segunda era cristalina, também azulada. Lembrava a
primeira pedra, no entanto, não era tão bela quanto a outra.
— Aqui temos um cristal euédrico, retirado das lavas do
Vesúvio — meu pai me explicou, citando sobre o vulcão que me
mostrava sempre em seus livros grossos de geografia. — Essa
pedra é muito rara e muito valorizada, Nina.
— Mas não é tão bonita quanto a outra.
Observei meu pai esboçar um riso curto.
— Nem sempre o mais belo é o mais valioso, filha.

◆◆◆

Acordei, saltando assustada na cama.


Fazia muito tempo que eu não sonhava com meu pai, com
pedras importantes ou com Liz andando.
Comecei a me lembrar do quanto ele gostava de colecionar
pedras. Papai ficava horas polindo e verificando a autenticidade de
sua coleção. Era fanático por suas pequenas brilhantes. Uma pena
ter perdido o gosto por isso ao se afundar nas drogas e na
criminalidade.
Puxei a manta. O roupão que eu vesti na madrugada aquecia
meu corpo brevemente. O dia tinha amanhecido frio, mas
observando os raios solares pela janela, eu sabia que o calor nos
visitaria mais tarde.
Marco não estava mais no quarto.
Por que ele me deixou sozinha?
Antes que eu pudesse ter qualquer atitude desesperada, que
provavelmente me levaria à ruína, escutei os diversos fechos da
porta do hotel se abrirem.
Marco entrou no quartinho novamente, carregando comida e
sacolas nas mãos. Rapidamente, ele encostou a porta, sem virar os
trincos dessa vez.
— Os soldatos nos entregaram alimentos e roupas. Você deve
estar faminta. Venha comer.
Ele estava cuidando de mim e fazia muito tempo que ninguém
fazia isso.
Algo me atraía nele. Os olhos degradê? O corpo definido?
O desejo da noite anterior, junto das pernas se roçando e os
quadris encaixados no chuveiro, me despertavam vontades que
deveriam ser censuradas imediatamente.
Como esquecer o volume da cueca perfeitamente encaixado
entre minhas coxas? E o movimento de vai e vem no chuveiro
implorando para que tirássemos as vestes o mais rápido possível?
Sobre uma mesinha de madeira, que ficava no canto do
quartinho, ele depositou uma bandeja de fastfood.
— Benvenuto su McDonald's Italia — bem-vindo ao McDonald's
da Itália, ele disse em alto tom, sorrindo para a nossa refeição.
Eu não era muito fã de lanches gordurosos no café da manhã,
todavia a fome que eu sentia era assustadora, porém muito bem
explicada: desde o dia anterior, nem eu e nem Marco havíamos nos
alimentado ou bebido água.
— Quer batatinha? — Marco me ofereceu quando me
aproximei da mesa de canto.
Eu sorri ao ouvir o quão doce e gentil essa frase soou. Parecia
um garotinho me oferecendo seu lanche na escola.
Um pouco envergonhado, notei sua expressão endurecer. E
logo vi que esse homem não gostava de parecer vulnerável.
— Come a batata, logo! Ou vai ficar secando a comida o dia
inteiro? — O Marco de antes havia voltado.
Dei de ombros, me sentando na cadeira ao lado dele.
— Como está seu braço?
— Os soldatos me deram medição. A dor está melhorando.
— Como minha mãe e minha irmã estão?
— Estão bem, não se preocupe — Marco dizia com sua boca
cheia, estufada pelo lanche que abocanhou como um animal no
segundo anterior.
Comíamos, e a cada mastigação, um curto diálogo conseguia
ser mantido. Como ele conseguia manter o corpo tão definido
comendo desse jeito?
Entre meus devaneios e mordiscadas nos lanches, um soldato
abriu a porta do quarto, gerando um estrondo ao fazê-lo.
— Marco! Temos informações.
Marco com a comida na boca, mastigou, erguendo as
sobrancelhas como quem ordenava “diga!”
— Precisamos ir, o Consigliere que falar conosco.
Ele engoliu a comida com pressa. Limpou a boca e virou-se
para mim:
— Coloque a roupa, Nina. Vamos partir em alguns minutos.
12
MARCO

Quando meus homens certificaram de que não havia nenhum


perigo nos rondando, Nina e eu deixamos o hotel, entramos no carro
e seguimos viagem para a casa do Consigliere de nossa família.
Poucas pessoas podiam questionar as ações do meu irmão
Vincenzo sem temor; infelizmente, eu não era uma delas, mesmo
partilhando do sangue do Capo. Mas Alessio Tommaso, o
conselheiro do Don, ponderava as decisões de Vincenzo e sempre
fornecia uma segunda opinião, pois tinha experiência e perícia para
intermediar conflitos e negociações.
E se tinha alguém que podia ter uma ideia de quem tinha
raptado nosso Capo, ou dos negócios secretos de Vincenzo, esse
alguém era Alessio.
Já fazia vinte e quatro horas desde o desaparecimento do meu
irmão, e nada de sangue rival ter sido derramado. Vincenzo e eu
podíamos ter nossas diferenças, mas eu esfolaria o filho da puta que
tinha o capturado. O mesmo filho da puta que tinha mandado gente
atrás de Nina.
O pensamento em Nina me fez olhar para o lado.
Ela estava sentada no banco traseiro, próxima de mim, o olhar
virado para a janela, contemplando a paisagem verde, quase idílica,
que se abria ao longo da estrada. Seus cabelos caíam sobre os
ombros, descendo pelas alças do vestido azul que ia até suas coxas.
O pouco do sol que se infiltrava pelo vidro escuro iluminava sua
pele, os fios do cabelo, deixando-a hipnotizante, bela.
“Mia bella”, eu queria dizer, segurando sua mão, sussurrando
em seu ouvido, beijando a curva delicada do seu pescoço.
Puxei o nó da gravata, forçando meu olhar a ir para a janela ao
meu lado.
Nina estava mexendo de um jeito absurdo com a minha
cabeça.
Não conseguia parar de imaginar que, se ela não fosse a noiva
de Vincenzo, o preço de uma dívida, talvez nós...
Bloqueei o pensamento.
Não era hora de gastar tempo com sentimentalismo e ideias
tolas.
Todo o meu foco tinha que estar em encontrar o desgraçado
que havia desafiado nossa família.
— Estamos chegando, senhor Caccino — o motorista informou.
Assenti para ele, escutando Nina suspirar enquanto a mansão
do nosso Consigliere surgia diante de nós.
Alessio vivia no alto da estrada, em um local onde as falésias
eram elevadas. Havia uma ponte que subia pelas colinas,
extremamente vigiada. Se alguém indesejado tentasse passar por lá
sem autorização, seria alvejado e lançado ao mar.
Nosso carro cruzou a ponte sem nenhum problema.
Quando chegamos próximos à entrada da mansão, o motorista
parou para que descêssemos. Desci primeiro e contornei o veículo,
abrindo a porta para Nina e lhe estendendo a mão. O gesto foi aceito
por ela, e o efêmero contato de seus dedos mornos contra a minha
pele quase roubou meu ar.
Pelos deuses, eu estava muito fora de mim.
Não me lembro de alguma vez ter ficado assim por causa de
uma mulher.
— Marco!
Virei-me, minha mão se soltando da mão de Nina, ao ouvir a
voz de Alessio. O Consigliere descia a escadaria de mármore que
recortava a entrada de sua casa. Vestido em um terno branco
impecável, Alessio caminhou até nós.
— Encontraremos o filho da puta que pegou nosso Capo,
Marco. É uma promessa. Ninguém mexe com nossa família e sai
impune. — E então, se virou para Nina, tomando a mão dela e
depositando um beijo no nós dos dedos. — E essa deve ser Nina, a
noiva de Vincenzo. Um prazer conhecê-la, bella.
Ouvir Alessio chamá-la de “bella” tão naturalmente fez meu
sangue ferver de uma forma descomunal.
— Meus homens disseram que você queria falar comigo — eu
o cortei, sem dar à Nina a chance de responder ao cumprimento. —
Você tem informações sobre quem pode estar por trás do sequestro
do meu irmão?
— Sì, sì. Venham, entrem.
Fomos conduzidos para dentro da elegante casa de Alessio.
Nina mal disse uma palavra. Imaginei o que se passava na cabeça
dela. Estaria pensando na mãe e na irmã? No meu irmão? Ou
também estaria envolvida por aquele ar quente que parecia crepitar
ao nosso redor, sempre que estávamos pertos um do outro?
— O que você pode me dizer, Alessio? Vincenzo estava metido
em algum negócio do qual não tenho conhecimento?
Alessio inspirou fundo.
— Ele estava tentando negociar com os russos.
Praguejei, e talvez tenha assustado Nina com minha reação
súbita.
— Os russos não negociam conosco. O que Vincenzo tem na
cabeça?
— Não sei. Tentei dissuadi-lo, mas... Não é sempre que
Vincenzo me escuta.
— Como não fiquei sabendo disso?
— Sabe como Vincenzo é. Ele guarda as coisas para si mesmo
até o último momento.
Corri os dedos pelos cabelos, a cabeça a mil por hora. Aquilo
não fazia sentido. Vincenzo não era do tipo que tentaria um negócio
com a máfia russa. Há anos disputamos o controle do tráfico de
armas. Não consigo imaginar um tipo de acordo pacífico com eles. E
não consigo imaginar Vincenzo se metendo com eles, a não ser que
uma merda gigantesca tivesse acontecido. Tinha coisa faltando
naquela história. E eu iria descobrir.
— Tem mais alguma coisa? — perguntei.
— Vincenzo deixou uns papéis comigo. Não sei se podem ser
úteis.
— Traga-os para mim.
Alessio assentiu e, antes de deixar a sala, lançou um longo e
demorado olhar sobre Nina, como se a estivesse despindo em sua
mente. Aquilo causou outra reação efervescente em meu sangue.
— Vá logo, Alessio. É a vida do meu irmão que está em jogo.
Ele saiu sem dizer mais nada.
Voltei-me para Nina, estudando seu semblante.
— Está tudo bem? — indaguei, a voz mais rouca.
— Eu só... — Ela se abraçou, esfregando os próprios braços.
— Estou com uma impressão estranha. Como se algo ruim estivesse
prestes a acontecer.
— Encontraremos Vincenzo. E, se os russos estiverem
envolvidos, eles irão pagar.
Nina ergueu o rosto, os olhos terrivelmente belos e azuis
buscando pelos meus.
— Não é com Vincenzo que estou preocupada — ela
sussurrou, tão baixo que, se não estivesse perto de mim, mal a teria
ouvido.
Observei-a caminhar pela sala, até parar em uma porta
entreaberta, que levava para a grande biblioteca de Alessio. O
suspiro de admiração que saiu de seus lábios fez meu coração saltar
no peito.
— Eu posso...? — Antes mesmo de terminar a pergunta, como
ímã atraído pelo metal, Nina empurrou a porta e entrou na biblioteca.
Fui atrás dela, mais curioso do que preocupado. Era a primeira
vez que eu via um olhar mais suave, sonhador e gentil em seu rosto.
— Você gosta de livros, Nina?
— Muito. — Ela girou nos calcanhares, correndo os olhos pelas
estantes altas, o vestido azul se abrindo ao redor do seu corpo. —
Sempre sonhei em ter uma biblioteca como essa. Um mundo
particular e só meu, onde eu poderia fugir e nenhum mal me
aconteceria. Onde sempre há um final feliz.
Sem me dar conta, dei um passo para frente; poucos
centímetros nos separavam. O cheiro do perfume de Nina vinha até
mim, me chamando, me convidando a ficar cada vez mais próximo.
Ela entreabriu os lábios, jogando a cabeça levemente para trás, e fui
me aproximando, inclinando o rosto...
— Senhor Caccino! — a voz de um dos meus soldatos
irrompeu dentro da biblioteca. Alessio vinha logo atrás dele,
segurando vários papéis nas mãos.
Nina deu um pulo para trás, fingindo analisar a lombada dos
livros.
— O que foi? — indaguei quase com um rosnado.
— Os soldatos que estão com a mãe e a irmã dela nos ligaram.
Ao ouvir aquilo, Nina se virou, se transformando por completo.
— Aconteceu alguma coisa?! Elas estão bem?!
— É a menina... Tem algo errado com ela.
13
NINA

Marco me explicou calmamente quais seriam seus próximos


passos. Como cuidaria da minha irmã, para onde ele mandaria a ela
e à mamãe, e prometeu de diversas formas que elas ficariam bem.
Não acreditei em nenhuma palavra sequer.
Talvez por pena, ou por receio de eu não colaborar mais, ele
permitiu que eu as visse mais uma vez. Custou a aceitar, mas notou
o tamanho do meu desespero.
— Isso é um risco, Nina! — ele me alertou.
Liz era minha vida e, se tinha algo errado com ela, eu precisava
saber.
Cruzamos a cidade mais uma vez.
O carro comandado por soldatos nos escoltou até uma área
rural, completamente vazia e calma.
Depois de passarmos por um pasto quilométrico, demos de
encontro com uma casa de veraneio.
Saindo de dentro da casa, já percebendo nossa presença, uma
senhora robusta nos convidou a entrar.
Os olhos da mamãe brilharam ao me ver.
— Nina!
— Mamma!
Ela me abraçou forte.
— Como você está, filha? O que eles estão fazendo? Não vá
mais embora! Liz não está bem! Fique conosco!
— Vamos cuidar dela — Marco declarou, tentando acalmar
minha mãe.
Guiada por minha mãe, que se aninhou em meu braço, fomos
ao encontro de Liz. Em uma caminha no canto da casa, um médico a
examinava. Ela não abria os olhos e nem se mexia. Me arrepiei com
a ideia de seu corpo estar sem vida.
Prendi minha respiração ao me aproximar.
— Sepse — o médico murmurou, virando as pernas dela e
percebendo as escaras infeccionadas. — Suspeito que a infecção
tenha se espalhado.
Levei minhas mãos para o corpo dela, querendo ter certeza de
que ela não estava inerte.
Liz fervia.
Estava muito quente.
— Meu Deus, precisamos levá-la para o hospital! — implorei,
tentando tirá-la daquela cama o mais rápido possível. — Os
antibióticos não estão funcionando mais!
O doutor pediu para que eu me afastasse.
Mamãe estava chorando.
Lágrimas doloridas.
Marco, vindo por trás, arrancou-me da cama dela em um
abraço.
— Não! Não! — eu me debatia enquanto ele me segurava. —
Me solta, Marco!
— Nina! Ela já está medicada.
Comecei a escutar um barulho na área externa da casa. Nunca
tinha escutado um som parecido. Estavam nos atacando
novamente?
— Escute, Nina! Escute! Shh... Fique quieta!
Segurei minhas emoções do mesmo jeito que Marco me
segurava.
O som ficava mais alto.
— O que é isso?
— O jato, Nina. Eles vão levar sua mãe e a sua irmã. A equipe
médica da Turquia já está esperando para interná-la.
Senti meus ombros amolecerem e o ar voltar ao peito.
Marco me explicou que ela seria tratada com medicação
venosa durante o voo, e que, na Turquia, receberia o melhor
tratamento possível. Segundo ele, os Caccino tinham um acordo
centenário com os médicos daquela região. Juntos, faziam história: o
maior contrabando de medicações das últimas gerações.
Mamma se despediu de mim, após ser convencida a entrar no
jato. Ela queria que eu fosse junto, mas eu sabia que não podia
correr o risco de serem atacadas mais uma vez. Eu era a futura
esposa do Capo, não elas. Eles me queriam.
Chorei enquanto o jato partia.
Enquanto minhas lágrimas corriam grossas pelo rosto, os
soldatos nos deixaram sozinhos, respeitando minha privacidade na
despedida.
— Quer colocá-las em risco?
— Não.
— Nina, prometo que sua irmã receberá o melhor tratamento
possível. — Marco puxou meu rosto, para que eu olhasse em seus
olhos degradê. — Ela vai ficar bem. Ela receberá o mesmo
tratamento que um Caccino receberia. Pedi para avaliarem a
condição também das pernas, será feito o melhor, confie em mim.
Meu coração estava disparado. Minhas pernas tremiam.
Senti total segurança no que ele me dizia, ele parecia
extremamente sincero.
Por quê?
Por que eu?
— Você é da família agora, e é assim que somos — disse
sorrindo, como se lesse meus pensamentos. — Preciso que confie
em mim para ficar segura também.
Fiquei na ponta dos meus pés.
Meus olhos desesperados correram pelos dele.
Marco segurava meus braços, contudo, não segurava meu
corpo.
O sorriso perfeitamente alinhado confirmava cada frase dita, e
os lábios, os belos lábios desenhados, em minha mente estavam
vibrantes, me convidando para vir mais perto.
Pensei em abraçá-lo em gratidão.
Contudo, o impulso foi diferente.
Ainda nas pontas dos pés, me entreguei, colando minha boca
na sua, como uma pessoa sedenta por água ao encontrar a fonte.
Fechei meus olhos e o beijei.
Senti um arrepio, uma corrente elétrica, como se meu corpo
despertasse, como se tudo em mim finalmente tivesse acordado.
Os braços de Marcos, fortes e possessivos, me envolveram, e
eu me inclinei, suspirando quando nossos corpos se encaixavam,
estremecendo a cada movimento que os lábios dele faziam sobre os
meus.
— Nina — ele sussurrou, deslizando a boca pelo meu queixo,
indo percorrer uma trilha ardente até minha orelha.
Tudo em mim vibrou enquanto ele mordiscava o lóbulo da
minha orelha. Deixei que minhas mãos se erguessem e afundassem
os dedos nos fios sedosos do cabelo dele.
Os lábios de Marco voltaram para os meus, e o beijo ficou
ainda mais urgente, mais desesperado, como se o mundo estivesse
desabando ao nosso redor, e tudo o que eu tinha era aquele
momento. Cada parte dele atiçava fogo em mim. Quanto mais o
beijava, mais meu desejo era que ele me tocasse, jogasse meu
corpo no chão, me tomasse de uma só vez, me fizesse dele e de
mais ninguém.
Deus do céu, eu estava noiva. Mas, mesmo assim...
Como se meu pensamento tivesse fluído até ele, Marco
arquejou, me empurrando até que estivéssemos separados um do
outro.
— Não... — Uma batalha terrível lampejava nos olhos dele. —
Não posso fazer.
14
MARCO

Nina era a noiva do meu irmão.


Eu não deveria desejá-la.
E ela não deveria me desejar.
— Marco. — Nina estendeu a mão, tentando segurar meu
braço quando me afastei, separando nossos lábios, a corrente
quente que ia do meu corpo para o dela, o desejo insano que me
tomava.
— Não, Nina. — Aquelas palavras foram as mais difíceis que já
saíram da minha boca. Dei outro passo para trás. — Isso é errado.
Os lábios dela estremeceram.
— Eu... Eu compreendo.
Puxei o ar, pronto para me virar e sair dali, ou perderia
completamente o controle sobre minhas ações.
— Compreendo que não sou... — Nina continuou falando,
hesitante, enquanto eu me virava. — Que não sou o tipo de mulher
que te atraí e que te desperta o interesse. Que não sou o tipo de
mulher que você quer beijar. Que sou apenas um fardo, o pagamento
de uma dívida. Foi um erro, e...
As palavras dela queimaram a última centelha de razão que
havia em mim.
Me virei outra vez, os olhos flamejando sobre o rosto dela.
Nina se calou assim que capturou meu olhar.
Andei até ela, os passos rápidos, pesados, e a segurei em
meus braços, arrancando um arquejo surpreso de sua garganta.
— Acha que não te desejo?
— Eu...
Puxei-a ainda mais para mim, a encaixando em meu corpo,
passando os braços ao seu redor. Podia sentir cada centímetro dela,
daquela garota que, do nada, subitamente, havia virado minha vida
de cabeça para baixo. Minha coxa avançou entre as pernas de Nina,
sentindo o calor que emanava da pele dela.
— A única coisa que tenho feito desde que te conheci foi te
desejar.
A seda do vestido dela era macia e delicada ao toque dos meus
dedos, e à medida que passava as mãos pelas costas de Nina,
sentia cada uma de suas curvas. Ela me olhava, os lábios
entreabertos, a respiração ofegante.
— Não sei o que é isso que sinto, Nina...
Meu rosto se inclinou para perto do rosto dela.
— Mas sonhei com seus olhos depois da primeira noite em que
te vi.
Nina estremeceu em meus braços. Deixei que minha boca
passasse sobre a dela, mordiscando seu lábio inferior, as mãos
descendo pela lateral do seu corpo.
— Sonhei que te fazia minha. — Beijei-a com avidez, sorvendo
seu gosto, sua delicadeza, seu fogo. Entre um beijo e outro,
continuava falando, continuava a tocando. — Minha. Só minha.
— Marco. — Ela gemeu meu nome, e aquilo me enlouqueceu.
Puxei-a para mim, querendo que ela sentisse minha ereção, o
latejar daquele desejo que ficava a cada instante mais incontrolável.
— Mas não posso te ter, não é? — sussurrei em seu ouvido,
inspirando seu perfume.
Nina respondeu algo que não consegui entender.
Desci meus lábios por seu pescoço, a língua provando o sabor
de sua pele. Ela era perfeita. Tudo nela era perfeito. Enquanto
provocava a pele de seu pescoço, levei uma das mãos até o decote
do vestido, onde a seda descia até a curva dos seios. Nina respirava
rápido, mas não fazia nenhum movimento para me afastar. Tudo o
que saiu dos lábios dela foi um suspiro suave e excitante.
Desci a mão para um de seus seios, tocando-o, provocando-o;
Nina arqueou as costas, estremecendo ao meu toque. Meu pau ficou
ainda mais duro ao ver o deleite no rosto dela.
— Você é proibida para mim, Nina — continuei sussurrando, a
mão em seu seio, a outra descendo por sua cintura, fazendo o
caminho para baixo do seu vestido.
Ela arfou, segurando-se em minha camisa.
Não parei.
Minha mão foi para baixo de seu vestido, acariciando o meio de
suas coxas, meus dedos tocando a borda do tecido fino que me
impedia de chegar aonde eu mais desejava.
— Marco... — A voz dela estava rouca; um misto de desejo e
medo.
Deslizei minha mão para baixo do tecido. Porra. Ela estava tão
molhada. Eu podia tomá-la ali mesmo. Podia me enterrar nela e fazê-
la gritar meu nome enquanto a possuía.
— Saiba que... Talvez você não seja o tipo de mulher com
quem costumo sair. — Em uma provocação, meus dedos deslizaram
para cima e para baixo; Nina se contorceu em meus braços. — Mas
você é a única mulher em quem consigo pensar. E este é o
problema.
Tirei a mão que estava sobre o seio dela e toquei seu rosto,
fazendo com que Nina olhasse dentro dos meus olhos.
— Porque, se fizermos isso, estaremos condenados.
Lutando contra o animal que rugia dentro de mim, puxei minha
outra mão que estava no meio das pernas dela. Nina olhava para
mim, atordoada de desejo, confusa com meus atos. Eu podia ver
cada um daqueles sentimentos em seus olhos.
— E a última coisa que quero é te ver sofrendo, te ver sendo
castigada e ferida. E não vou te arrastar para o inferno onde vivo.
E então, sem dizer mais nada, me afastei, deixando-a ali
enquanto ia para dentro da casa da fazenda, questionando até que
ponto seria leal à máfia e ao meu irmão.
15
NINA

Não nos falamos mais.


Marco sequer conseguia olhar dentro dos meus olhos.
As únicas palavras que ele dirigiu para mim foram “Vamos
passar a noite aqui”.
E mais nada.
Ele se trancou em um pequeno quarto, dizendo que ia fazer
várias ligações e investigar melhor a história de Vincenzo estar
envolvido com a máfia russa, e não saiu mais de lá durante o
restante da tarde.
Quando anoiteceu, vaguei por aquela casa silenciosa e vazia
por diversas vezes. Andei em círculos nos cômodos e questionei as
minhas escolhas mais de uma vez.
Depois de tomar um banho, vesti uma camisola curta, que
estava na sacola de roupas que Marco me entregou.
Não era uma roupa adequada, entretanto, eu queria me olhar
no espelho e gostar do que eu via no reflexo. Me enxergar bonita,
atraente e sensual — pensei, desejando que Marco também me
visse com esses olhos.
Queria o toque debaixo das roupas novamente.
Senti uma pontada de desejo. Uma pulsação que correu de
minha virilha até o peito.
“Você é proibida para mim, Nina” — a voz dele ecoou em
minha mente, aumentando minha vontade de procurá-lo.
Eu afogava as preocupações com minha família, me inundando
em pensamentos insanos e tentadores.
Por Deus, eu estava noiva. Iria me casar com o Capo. Iria me
casar em breve. Estava comprometida.
E doente de desejo pelo irmão dele.
Merda.
Caminhei até a porta do quarto em que ele havia se trancado.
Puxei o ar.
Bati na porta.
— Marco?
Nada. Ele não queria falar comigo.
Insisti mais uma vez.
Novamente, o silêncio.
Testei a maçaneta, e para minha surpresa, não estava mais
trancada. Abri a porta devagar, temendo que ele se revoltasse com
minha intromissão.
— Marco? — sussurrei.
Encontrei-o dormindo, sem a camisa, deitado de bruços, com
seu tronco subindo e descendo conforme a respiração. Observei com
pena suas feridas, que estavam em início de cicatrização.
Será que ele ainda tinha dor?
Nas pontas dos pés, entrei no quarto e, vagarosamente, fechei
a porta, torcendo para que as dobradiças não rangessem.
Girei meu corpo pelo ambiente, observando seus móveis
amadeirados. Era uma mistura de quarto com escritório. Uma mesa
de trabalho, no canto do cômodo, me chamou a atenção. Era
pequena, porém, estava repleta de livros, canetas esferográficas,
lápis, e muitos, muitos papéis.
O que tinha nessas folhas? Por que tantos papéis? Ele deixaria
documentos importantes jogados pela mesa?
Curiosa, me aproximei do móvel, esticando as mãos para
sondar as folhas.
Um maço de papel ocupou minhas mãos.
Mas, o quê?!
Eram desenhos. Belíssimos desenhos feitos a lápis grafite,
ricos em detalhes, com sombras, contraste e traços estritamente
realistas.
Belíssimos desenhos de mim.
Sim, era eu. Por toda parte, com as mais diversas expressões.
A assinatura de Marco estava por todos os cantos: era ele o autor
dessas obras de arte.
— Vai deitar, Nina! — escutei a voz dele embaixo das cobertas,
abafada.
— Marco, você desenha muito bem...
Ele empurrou as cobertas para o lado.
— O que está fazendo no meu quarto? Vai dormir, Nina!
Baixei os olhos outra vez para meu retrato, para aqueles traços
maravilhosos.
— É assim que você me enxerga? — sussurrei. — Como seu
eu fosse... Perfeita?
Marcos ergueu a cabeça, os olhos buscando os meus. Um
milhão de coisas pareciam revolver nas íris dele.
— Você é perfeita. Para mim, você é perfeita.
Depositei os desenhos sobre a mesa de trabalho e, com
passos suaves, fui até a cama dele.
— Eu... Eu quero você.
Marco espremeu os olhos, sonolento, sentando-se na cama.
— Eu quero você — repeti com firmeza.
Ele esfregou os olhos.
— Você não sabe o que está falando. Não entende! Eles vão te
matar! — Ele já parecia mais desperto. — Eu te desejo como um
animal, se eu seguisse meu desejo, te deitaria nessa cama e
arrebentaria você agora de tanto meter, mas eu já disse que não
posso!
Recuei.
Assenti com a cabeça, dando passos lentos para trás.
Ao passo que recuava, mais próxima da escrivaninha ficava.
Marco se levantou da cama, com certeza pronto para me retirar
do quarto à força. No semblante, ele tinha aquela mesma feição de
antes. Feição de impulso. Feição de quem me queria.
Comecei a lembrar do seu toque em meu seio, da penetração
com o dedo no meio das minhas pernas.
Só aquela mera lembrança fez meu corpo ferver por inteiro.
Afastei dele até ficar sem saída: a mesa de trabalho não me
permitia mais fugir. Coloquei minhas mãos para trás, as apoiando no
móvel.
— Você quer que eu seja morto, Nina? — O tom da sua voz
não era suave. — É isso?
Não, não queria pensar em morte.
Não quando me sentia tão viva.
Ergui os olhos, meu rosto quente; uma mistura de
constrangimento e desejo avassalador. As pupilas dele estavam
dilatadas, as íris enegrecidas. Seu cheiro vinha até mim,
despertando tudo o que achei que estava adormecido, queimando a
razão e me dando coragem para encará-lo.
— Quero que você me foda. — A frase saiu sem que eu
pensasse direito.
Marco encostou seu corpo contra o meu e, na tentativa de me
afastar, além do que eu podia, quase sentei-me sobre o móvel.
As mãos grandes dele empurraram o resto do meu quadril, me
deixando com as pernas semiabertas sobre a escrivaninha.
— Puta que pariu, Nina — ele disse, se encaixando em mim. —
Puta que pariu, Nina. Vou te comer agora. Não aguento mais.
Sem tirar minha camisola, ele desceu minha calcinha pelas
pernas.
— Meu Deus, Nina... Você vai me matar.
16
MARCO

Quando minha boca cobriu a boca de Nina, decidi que não pensaria
em mais nada. Somente aquele momento importava. Somente ela.
Minhas mãos puxaram sua camisola para baixo, revelando os
seios que segurei entre meus dedos.
Nina gemeu, jogando a cabeça para trás.
Porra.
Qual era o poder que aquela garota tinha sobre mim?
Eu estava tão duro que seria capaz de fodê-la a noite inteira.
Desci as mãos, apertando suas coxas, deixando que minha
boca tomasse seus seios dessa vez. Os dedos de Nina se agarraram
em meus cabelos. Com um sorriso satisfeito, continuei a tortura,
descendo ainda mais a boca, até estar entre suas pernas, provando
seu gosto, seu calor.
— Marco! Marco, eu...
Continuei com a provocação, fazendo Nina se contorcer em
minha boca.
Eu a queria assim, incapaz de falar, incapaz de pensar.
Tudo o que ela sentiria seria o que eu faria com ela naquela
noite.
Abri minha calça, me livrando dela e da cueca. A forma como
Nina olhou para o meu pau quase me fez ir em um só impulso para
dentro dela.
Não havia mais nada que me tomava além do desejo
escaldante de possuí-la.
Mas não sobre a mesa.
Eu queria sentir todo o corpo dela embaixo do meu.
Com um único movimento, segurei-a nos braços e a levei até a
cama, caindo por cima dela.
Os quadris de Nina arquearam de encontro ao meu, e quando
minhas mãos a livraram completamente da camisola, as pernas dela
se enroscaram nas minhas.
— Nina... — arquejei, apoiado nos cotovelos. — Não sei se
consigo ir devagar.
— Não me importo — ela gaguejou, rouca de prazer.
— Mas eu me importo. É sua primeira vez.
Me encaixei entre as coxas de Nina, meu pau pressionando a
barriga dela.
Sim, era a primeira vez dela. Eu era seu primeiro amante. Eu
queria ser, pensei com uma ferocidade atípica, uma possessividade
insana, o único amante dele. E precisava fazer com que aquela noite
fosse tão intensa e perfeita para ela como estava sendo para mim.
Então, controlando meu desejo de tomá-la de uma única vez, a
beijei. Em todos os lugares. Em cada centímetro da pele. E quanto
mais ela arfava, se contorcia e gemia embaixo de mim, mais louco
eu ficava.
Nós dois estávamos loucos.
E não nos importávamos nem um pouco.
Deslizei um dedo para dentro dela, tocando-a, torturando a ela
e a mim.
A respiração de Nina ficou ainda mais ofegante. Seus olhos
buscaram pelos meus, ardentes e enevoados, implorando por mais.
E eu não aguentei.
Usei minhas pernas para abrir ainda mais as dela, pronto para
fazê-la minha.
— Talvez doa um pouco e...
Nina jogou a cabeça para trás, arfando.
— Só venha, Marco. Eu te quero.
E fui.
Com um impulso, me empurrei para dentro dela, tentando não
ir com muita força, enquanto o corpo dela se acostumava ao meu.
— Está tudo bem? — perguntei, mordiscando o lóbulo de sua
orelha, descendo a língua pela pele quente e suave de seu pescoço,
até chegar em seus seios.
Ela balançou a cabeça, e aquilo era tudo o que eu precisava
saber?
Comecei a me movimentar dentro dela, num ritmo lento e
constante, arrancando gemidos dela a cada impulso, ficando mais
louco de desejo e tesão a cada investida.
Ela era perfeita.
Perfeita para mim.
Nina cravou as unhas em minhas costas, gemendo meu nome
em um murmúrio abafado, agarrando-se a mim enquanto eu
aumentava a força das estocadas, indo e saindo dela sem parar.
Agarrei seus cabelos, indo mais rápido. A cama balançava,
nossas respirações ofegantes enchiam o quarto.
Porra.
Aquela mulher era minha perdição.
Nina arquejou, se contorceu, gritou meu nome, e senti que ela
estava próxima do orgasmo.
Com um puxão, eu a ergui, segurando as costas dela sem
parar de penetrá-la. Nina já não conseguia mais conter os gemidos.
Aquele fogo nos tomou por completo, eu já não ia aguentar
muito tempo. Fui mais forte, mais fundo; e quando aquele prazer
alucinante se descarregou sobre nós, caímos juntos sobre o colchão
outra vez, incapazes de fazer qualquer outra coisa a não ser
ficarmos nos braços um do outro.
17
NINA

Que lugar era esse em que eu estava?


Uma casa estilo palafita, caindo e desbocando sobre o rio. Não
era uma casa bonita, era precária, e diversos besouros corriam por
entre as tábuas do chão.
— Nina, você não pensou em nós? — a voz da minha mãe
surgiu entre as paredes, ecoando de forma tenebrosa.
Procurei por mamma pelos cômodos e não a encontrei.
Que lugar horrível era esse?
— Tivemos que executar Marco por traição — a voz desta vez,
em destaque, era a de Vincenzo.
Corri pelos corredores daquele lugar horrendo. Era como se as
paredes não tivessem mais fim. Quanto mais eu corria, mais vozes
escutava e mais distante da porta de saída eu ficava.
— Nina! — Liz me chamava. — Não deixe que eles façam isso!
Minhas pernas estavam duras. Eu andava e não saía do lugar.
Paralisada, tentei gritar. Percebi que também não tinha voz.
— Jogue a cadeirante no mar, não queremos ninguém da
família daquela vagabunda respirando o mesmo ar que nós.
Eu estava sufocando.
Meu Deus.
Por que eu tinha dormido com Marco?
Travada, quase me rasgando de tanto desespero, comecei a
escutar as batidas do meu coração.
Eu estava viva? Iria morrer?
No fim do corredor, surgindo de uma enorme luz cegante, vi
meu pai.
Babbo estava vestido como da última vez que eu o tinha visto.
Seu semblante tranquilo e calmo fazia meus batimentos
desacelerarem.
Ele estava ficando próximo.
Um silêncio invadiu o ambiente. Nada mais era audível: nem
seus passos, nem meus batimentos, nem as vozes.
A única coisa que eu enxergava era sua mão estendida, com
os punhos cerrados, escondendo algo de mim.
— Você está deixando algo passar, filha. Guardei no nosso
lugar secreto — as palavras de meu pai foram despejadas sobre
mim.
— Pai? — consegui dizer.
— Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu
coração.
A frase bíblica soou como um enigma, e logo que meu pai a
disse, surgiu um buraco no chão, sugando tudo à nossa volta. As
paredes, as tábuas de madeira, eu e muitas pedras preciosas de
meu pai éramos engolidos por uma imensa escuridão.
— Adeus, Nina! — foram as últimas palavras que escutei.

◆◆◆

— Babbo! — gritei ao acordar, desesperada.


Olhei à minha volta, me recordando de onde estava. Não era
naquela casa horrorosa do meu pesadelo, e sim no quarto frio em
que Marco e eu transamos ao anoitecer.
Sozinha na cama, procurei por Marco pelo ambiente.
Ele tinha me deixado só?
Abracei minhas pernas, sentindo frio. Era madrugada e áreas
descampadas, afastadas da cidade, como a que estávamos,
costumavam ser muito geladas nesse horário.
Nua, busquei sem êxito pela minha camisola.
Pensamentos e lembranças começaram a me invadir.
O vai e vem dele, dolorido e quente, dentro de mim.
Os lábios sugando meus seios.
Ele me invadiu, me fez dele.
Um desejo tomou meu corpo novamente, fraquejando minhas
pernas.
O que eu tinha feito?! Dormi com o irmão do meu noivo, e mal
sabia onde estavam minhas roupas.
Que diabos eu tinha feito!
Oh Deus... Não via a hora de fazer novamente.
Me embrulhei em uma das cobertas que estavam pela cama e
levantei para procurar por Marco.
Saindo do quarto, me deparei com uma iluminação falha,
laranja-avermelhada, percorrendo pela sala de jantar da casa.
Era uma lareira, acesa, queimando e estalando de forma
aconchegante. Em frente a ela, Marco, com uma bermuda e peito
desnudo, acomodava-se sobre um tapete de pele de carneiro.
— Marco... — murmurei, anunciando minha presença.
Assustado, ele se virou para me ver, encontrando meu corpo
embrulhado na coberta, apenas com meus ombros e rosto à mostra.
— Nina! — ele sussurrou. — Onde está sua roupa? Se eles te
verem assim...
— Eu que me pergunto — sussurrei de volta.
Marco soltou um riso mole. Olhou para a porta, verificando que
nenhum soldato estava conosco.
— Venha aqui, deve estar com frio. As madrugadas aqui
sempre são assim.
Sentei ao lado dele, sentindo o ardor quente da lareira.
Assim que sentei, ele puxou meu rosto, depositando um beijo
suave nos meus lábios.
— Você é perfeita. E não quero pensar em nada além disso.
Segurando com uma mão meu rosto, ele acariciou com a outra
minha perna. O sorriso alinhado roubou o ambiente.
— Devo estar me apaixonando por você... — ele balbuciou,
quase inaudível.
Encostei meu corpo sobre o dele, me aninhando em seu
peitoral. Era uma das melhores sensações que eu estava sentindo
desde que minha vida tinha virado um pesadelo.
— Com quem aprendeu a desenhar? — questionei, me
lembrando dos retratos.
— Minha mãe era artista. Era pintora de rua, pintava em telas e
tecidos. — Ele lançou os olhos para o lado, levando sua mente para
uma provável memória do passado. — Meu pai comprava todos os
quadros dela. Casaram-se dentro do museu.
— E isso é possível?
— Tudo é possível para um Caccino.
Esbocei um pequeno sorriso, concordando com essa situação.
Realmente, eu não duvidava que tudo era possível.
— Ela morreu por causa dos Russos. Meu pai ficou anos atrás
deles...
— Sinto muito.
— Tudo bem. — Ele deu de ombros, me afastando brevemente
de seu corpo. — Essa história só serviu para foder a gente de vez.
Meu pai nunca superou. E Vincenzo...
O nome do irmão dele, de meu noivo, fez nosso diálogo
esvanecer.
— Vincenzo...? — repeti, esperando que ele continuasse.
— Será que podemos não falar dele? — Ele se afastou um
pouco mais, retraindo-se.
Pisquei meus olhos demoradamente, o convencendo a
prosseguir apenas com meu olhar curioso.
— Vincenzo também nunca aceitou... Ele... Ele era mais velho
que eu na época, se lembra com detalhes. — Marco maneou a
cabeça negativamente. — Isso o destruiu. Não tivemos uma infância
muito boa, e esse acontecimento, esse desejo mútuo dele e do meu
pai por vingança, os aproximou. E eu... Eu não dividia esse
sentimento com eles. Acabei virando a sombra do meu irmão. Mas
agora ele sumiu, e foda-se como eu me sinto.
— A vingança maltrata, foi bom você não ter deixado isso te
consumir. É bom ser diferente daquilo que esperam de nós.
Marco pareceu não compreender minha frase, e decidiu não
dar continuidade ao assunto. Ele pegou um espeto de aço, e fingiu
que estava distraído enquanto movia as toras de madeira
flamejantes da lareira.
— E sua irmã? Por que ela ficou assim? — ele questionou sem
jeito. — Quero dizer... Ela nasceu assim? Er, não era isso. Ah...
Vocês se dão bem? — Marco fez várias perguntas, confundindo-se
por julgá-las inconvenientes.
— Tudo bem — eu o acalmei. — Pode me perguntar essas
coisas, não me ofendo. — Movi minha cabeça positivamente, dando
abertura. — Foi bala perdida, eu estava levando-a para brincar na
praça. Ela tinha só sete anos.
— Porra...
— O médico disse que a bala se alojou na coluna, perdeu os
movimentos no mesmo momento em que foi atingida. A forma como
nós vivemos é muito precária para ela. Com a dívida do meu pai, não
tínhamos mais condições...
— Por isso aceitou o casamento?
— Ela não podia sofrer mais.
— E não irá — ele disse, confiante. — Sua irmã irá receber o
melhor tratamento, eu jamais permitirei menos que isso.
Inclinei meu corpo para frente, almejando beijar Marco mais
uma vez. A verdade era que eu estava me apaixonando também.
— Marco...
— Diga?
— Será que podemos fazer aquilo mais uma vez?
— Os soldatos... — ele murmurou, apontando para a porta
fechada. — Eu...
Coloquei minhas mãos sobre o peito dele, o deitando sobre o
tapete.
— Acho que nunca mais poderemos fazer isso — declarei. —
Preciso te sentir... Mais uma vez. E você...
Marco me puxou para cima dele, encaixando meu corpo nu
sobre sua bermuda já volumosa. Ele observou a porta, conferindo
novamente se estávamos a sós.
Em seguida, levou minha mão para o volume das calças.
— Está vendo, você me tira de mim — ele cochichou. — Deixa
meu pau doente por você, garota.
Apertei o volume em minhas mãos, o fazendo gemer baixinho.
A boca dele, sedenta, procurou pelo meu seio, e com a língua
curiosa, ele percorreu pelo meu bico, sugando-o devagar.
Me soltando dele, escorreguei meu corpo devagar sobre o dele,
até ficar frente a frente com sua virilha. Passei meus lábios devagar
por seu membro, sentindo-o pulsar com meu contato.
— Puta que pariu, Nina! — ele disse, de forma abafada,
segurando ao máximo sua vontade de gritar.
Segurando meus cabelos, ele fez com que eu fizesse o
movimento de vai e vem com minha cabeça.
Ele estava muito duro, latejando dentro de minha boca.
— Caralho... Você é perfeita!
Me afastei dele, puxando o ar, com meu corpo trêmulo de
prazer.
Sem dar tempo para que eu recuperasse o fôlego, Marco se
sentou sobre o tapete, me segurando. Rapidamente, induziu que eu
ficasse sobre os joelhos, mordiscando com desejo minhas costas.
— Preciso entrar de novo, Nina.
Jogando as cobertas sobre nós, ele me penetrou,
movimentando-se mais rápido do que da outra vez, e segurando
qualquer som de desejo.
— Porra, você está muito molhada...
Ele me apertava onde conseguia alcançar e gemia baixinho,
me fazendo ofegar. Olhava a porta, e entrava e saía de dentro de
mim.
Enquanto ele repetia besteiras no meu ouvido, fiquei com os
lábios semiabertos, puxando várias vezes o ar. Ele estava me
chamando de sua quando cheguei ao ápice mais uma vez,
amolecendo meu corpo enquanto ele me fazia dele.
Segurando meus cabelos com uma só mão, ele deixou nossos
corpos o mais próximo possível que conseguiu, afundando-se mais
em cada estocada, acelerando os movimentos!
— Caralho! Vou gozar!
18
MARCO

Fui para baixo do chuveiro com Nina, e a tomei de novo contra a


parede enquanto a água quente caía por nossos corpos.
Aquela garota tinha me intoxicado, reivindicado cada pedaço
meu. Nunca tinha sentido nada assim por alguém antes. E aquilo era
assustador pra caralho. Porque, quanto mais eu a tinha, mais eu a
queria. Como se nunca fosse ser suficiente.
Esgotado depois de três fodas insanas, caí na cama e apaguei,
bolando mil e um planos para convencer Vincenzo — depois que o
encontrasse e acabasse com os russos — a romper o noivado com
Nina. Eu queria aquela mulher para mim. Jamais me contentaria com
uma vida sem ela.
Porra.
Estava lascado.
Mas não mandamos nessas coisas escolhidas pelo coração,
certo?
A última coisa que me lembro foi de Nina vestindo uma
camisola e se deitando ao meu lado, aconchegando-se em meus
braços.
Não soube que horas acordei.
Ao olhar para a janela, vi uma névoa pálida do lado de fora;
sinal de que o dia mal havia amanhecido.
Tateei o colchão, em busca de Nina, e então percebi que
estava sozinho.
Não sei por que, mas um frio estranho subiu por minhas veias.
Levantei da cama em um pulo, vestindo a cueca, as calças e a
camisa enquanto chamava por ela.
— Nina?
Não a encontrei no banheiro.
Deixei o quarto, enfiando a arma no cinto da minha calça.
— Nina?
Merda.
Por que meu coração estava acelerado daquele jeito?
Estávamos no fim do mundo, em um lugar em que apenas as
pessoas de confiança da máfia Caccino conheciam.
— Nina?
Escutei um arquejo feminino e assustado.
Na mesma hora, puxei minha arma e avancei para a sala
principal.
A visão que encheu meus olhos quase fez meu coração saltar
pela boca.
Dois russos seguravam Nina com força, tentando arrastá-la
para fora da casa. A boca dela estava amordaçada. Ela ainda vestia
a camisola e seus pés estavam descalços. Tudo o que podia ouvir
eram grunhidos desesperados.
Ao redor do cômodo, os corpos dos meus soldatos jaziam
ensanguentados.
Havia mais russos espalhados pelos cantos.
Uma raiva selvagem e ardente subiu pelas minhas veias.
Engatilhei a arma.
Quando nossos olhares se encontraram, ela arregalou os olhos
e balançou a cabeça, como se tentasse me dizer a mesma coisa.
Na mesma hora, várias armas foram apontadas para mim.
— Abaixe isso aí, Caccino — um deles, loiro, alto e de olhos
azuis, ordenou com um forte sotaque. — Ou vamos estourar os
miolos dessa gracinha aqui bem na sua frente.
Nina grunhiu e se remexeu, tentando se soltar; mas as mãos
deles nos braços dela não cederam.
— Soltem-na! — vociferei.
Porra.
Como eles tinham nos encontrado ali?!
O russo riu, deslizando o cano da arma pela têmpora de Nina.
— Temos ordens para levar vocês dois.
Meu coração batia violentamente.
— Solte essa arma, Caccino. É a última vez que peço.
Olhei em volta. Estava em desvantagem.
Mesmo que atirasse e derrubasse alguns deles, ainda corria o
risco de perder Nina ou de tomar um tiro.
Porra.
Porra.
Porra.
Erguendo uma das mãos em sinal de rendição, coloquei a arma
no chão e a chutei para longe.
— Pronto — quase rosnei. — Agora deixem Nina em paz.
O russo riu.
Merda.
A casa estava infestada de russos.
Algum traidor tinha nos delatado. Só podia ser isso. Alguém de
dentro tinha traído os Caccino. Foi por isso que meu irmão foi
encurralado. Porque havia um verme traidor entre nós.
Um verme que eu mataria com as minhas próprias mãos.
— Eu já disse — o russo repetiu. — Vocês dois virão conosco.
— Quem mandou vocês aqui?! — esbravejei de volta, minha
paciência no limite. Se aqueles filhos da puta encostassem mais um
dedo em Nina... — Quem foi o verme que ousou trair meu irmão?!
Vocês não chegaram aqui sozinhos!
Os russos se entreolharam, rindo entre eles.
Eu sabia. Estavam zombando de mim.
Tinha mesmo um traidor entre nós.
— Avisem esse traidor que, assim que eu colocar minhas mãos
nele, ele vai se arrepender do dia em que nasceu.
Passos ressonaram atrás de mim, junto do som de mais uma
arma sendo engatilhada.
— Ninguém vai precisar me avisar, Marco. Porque estou bem
aqui.
Meu sangue gelou.
Não podia ser verdade.
Não podia.
Lentamente, olhei para trás, deparando-me com o rosto familiar
de Alessio, o Consigliere do meu irmão.
O conselheiro da máfia Caccino.
— Você.
Alessio abriu um sorriso perigoso.
— Eu, Marco.
Abri a boca para xingá-lo, fechei as mãos para esmurrá-lo.
Não tive tempo de reagir; Alessio foi mais rápido.
A coronha da arma dele atingiu minha têmpora com força, e só
ouvi o grito abafado de Nina enquanto despencava contra o chão, o
mundo escurecendo ao meu redor.
19
NINA

Eu estava com as mãos amarradas e a boca amordaçada. De um


lado, Marco, com a testa ferida, soltava alguns grunhidos de dor
mesmo desacordado. Do outro, Alessio me observava com a feição
sarcástica.
— Não se preocupe com ele, não — Alessio caçoou, passando
os cabelos loiros entre seus dedos. — Nunca vi Caccino morrer por
tomar pancada.
Virei meu rosto, e senti meus olhos lacrimejarem.
Estávamos em uma espécie de van, sendo levados para sabe-
se lá onde. Eu percebia que as ruas pelas quais passávamos eram
esburacadas, pois o veículo tremia e dava trancos sem parar. Só que
essa informação era tudo que eu tinha. As janelas vedadas não me
deixavam ver o lado de fora, tirando qualquer chance de eu me
localizar.
Mesmo escuro, consegui notar que no chão da van tinham
marcas mal lavadas de sangue. Isso me assustava.
— Você sabe o que eu quero, não sabe, doçura? — ele me
disse, aproximando seu rosto do meu.
Tentei me afastar.
— Quero que me conte onde você escondeu o presente que o
papai te deu! Pois é, foi uma delícia meter a bala na cabeça dele. E
mais delicioso foi vê-lo confessando que elas estavam com você.
Me arrepiei imaginando meu pai ser alvejado a sangue frio por
aquele homem. Uma profunda tristeza invadiu minha alma.
Alessio sacou a arma, aproximando-a de meu pescoço.
— Acha que Vincenzo queria casar com uma estúpida como
você só por beleza? Ou por você ser uma virgem de traseiro
extraordinário? Bobagem... — Ele subiu com a arma de meu
pescoço até minha têmpora. — Ele fode com quantas virgens ele
quiser, o momento que ele quiser. Ele só te escolheu porque sabia
que você estava com elas.
Não fazia ideia do que aquele homem estava falando.
Elas? Elas quem?
— Ora, Nina! Não faça essa cara de surpresa. Já sabemos da
herança que o papai deixou. E você vai me contar direitinho aonde
as escondeu.
Tentei dizer alguma coisa, mas a mordaça impediu que
qualquer palavra com sentido saísse dos meus lábios.
— Nos poupe de diálogos agora, querida. Vamos conversar
bastante mais tarde. — Ele roçou a arma em meus cabelos. — Vou
fazer você me contar tudo... Não se preocupe, irei apenas cortar sua
pele devagar, ferir seu corpo de maneira lenta. — Alessio começou a
descer a arma, escorregando-a em meus seios. — Eu farei o que for
necessário... O que precisar... — A arma correu para minha virilha.
— Talvez você até goste, talvez a gente possa brincar um pouquinho.
Marco grunhiu, raivoso.
— Eu... matar...! — escutamos ele resmungar.
— Cala a boca, seu filho da puta.
Um calafrio percorreu minha espinha. Me senti enojada e
assustada. Aquele homem me dava asco.
O único alívio que eu me permitia sentir naquele momento era
por conta de minha mãe e irmã estarem seguras. Longe, muito longe
desse inferno.
Ficamos no carro por mais algumas horas, cheguei a
adormecer várias vezes.
Quando chegamos no destino, Alessio me tirou vendada do
carro. Ele ou alguém me empurrou, fazendo com que eu andasse
contra minha vontade.
A boca e os punhos doloridos foram finalmente soltos quando
cheguei ao destino desejado por eles: um quarto abandonado e
muito sujo.
Infelizmente minha “liberdade” não durou muito tempo, e logo
fui amarrada novamente, desta vez em uma cadeira velha de
madeira.
Enquanto era amarrada, percebi duas coisas. A primeira, que o
homem que me levava para este local, deveria ter dois assustadores
metros de altura, e a segunda, que Marco não estava mais comigo.
— Onde está o Marco? — perguntei, com a voz desesperada.
Alessio surgiu por trás do homem gigante, sorrindo com a
feição sarcástica e nojenta.
— Ele foi fazer uma reuniãozinha familiar. Não se preocupe. —
Alessio entrou no quarto, fechando a porta e trancando nós dois
naquele cômodo sombrio. — Vamos conversar, doçura.
E sorriu mais uma vez, tirando uma faca do bolso.
20
MARCO

Feito um animal, fui atirado para dentro de uma cela.


— Não ousem me deixar aqui, seus filhos da puta! —
esbravejei, me agarrando às grades, soltando um palavrão atrás do
outro. — Voltem aqui! Filhos da puta! Vou arrancar o couro de cada
um de vocês!
Continuei gritando e esbravejando. Nina tinha ficado com
Alessio. Eu precisava dar um jeito de sair daquele lugar e ir atrás da
minha garota.
— Alessio! — vociferei com ainda mais força, esperando que o
traidor me ouvisse. — Se você encostar nela, eu te mato! Você é um
homem morto! Venha aqui e resolva seus problemas comigo, de
homem para homem!
— Poupe seu fôlego, irmãozinho — uma voz familiar soou atrás
de mim. — Não se mate de gritar. Eles não vão voltar.
Com o coração aos pulos, olhei por cima do ombro.
Meu irmão Vincenzo estava sentado no chão, no fundo da cela.
Ele ainda vestia as roupas que usara na festa onde Nina foi
apresentada; as peças estavam sujas, a camisa rasgada. Havia
sangue seco na testa dele, e seu olho parcialmente roxo mostrava
que meu irmão também tinha lutado com o traidor.
Andei até Vincenzo, olhando-o melhor. Sua perna esquerda
estava muito machucada. Me questionei se ele conseguiria ficar em
pé com aquele ferimento.
— Mas uma coisa é certa — Vincenzo rosnou baixo. — Se
sairmos daqui, eu mesmo vou arrancar a cabeça do traidor.
Engolindo em seco, me sentei ao seu lado.
— O que aconteceu, Vincenzo?
— Meu consigliere se aliou aos russos — ele cuspiu. Percebi
que estava ainda mais furioso do que eu. Vincenzo tinha sido traído
por seu braço direito.
O grande chefe da máfia Caccino tinha sido apunhalado nas
costas por seu próprio conselheiro.
De uma coisa eu tinha certeza.
Alessio assinara sua própria sentença de morte.
Porque ele não tinha enfurecido apenas um Caccino.
Eu só sabia que estava louco para colocar minhas mãos em
volta do pescoço daquele traidor.
— E por que Alessio faria isso?
Vincenzo inspirou fundo.
— Por causa das joias que o pai de Nina roubou.
A menção ao pai de Nina fez meu sangue gelar.
— Os russos estão atrás dessas joias faz tempo — Vincenzo
continuou. — Assim como eu. Foi por isso...
— Que você obrigou Nina a se tornar sua noiva? — Bati os
dentes, tremendo de raiva. — Por causa de algumas joias?! Você a
arrastou para o nosso mundo por causa disso?! A vida dela está em
perigo!
Vincenzo arqueou as sobrancelhas, um sorriso irônico na boca.
— Quanto protecionismo com a minha noiva, irmãozinho...
Aconteceu alguma coisa durante a minha ausência?
Controlei minha vontade de enfiar um soco na fuça dele. Se eu
quisesse sair dali, precisava de Vincenzo inteiro. Mas também não
lhe dei nenhuma resposta. O que tinha acontecido entre mim e Nina
ficaria somente entre nós.
— E por que Alessio quer essas joias?
— Não são simples joias, Marco. O pai da Nina... O filho da
puta era bom no que fazia. Quem colocar as mãos nessas joias, vai
poder passar o resto da vida limpando a bunda com dinheiro. E essa
é uma perspectiva muito tentadora para Alessio, que foi estúpido o
suficiente para nos trair e se aliar aos russos.
— Assim que ele encontrar as joias, os russos vão colocar uma
bala na cabeça dele — deduzi.
— Foi o que eu falei. Mas Alessio está determinado a passar
por cima de tudo e de todos.
Engoli em seco, tentando procurar por uma rota de fuga, por
um plano que pudesse nos tirar daquele lugar imundo.
— E por que Alessio está com Nina?
— Porque o pai dela deixou as joias com ela. Somente Nina
sabe onde elas estão. — E deu um sorriso perigoso. — Eu esperava
colocar as mãos nessas joias depois que consumasse meu
casamento com ela.
Outra vez, tive que me controlar para não arrebentar os dentes
dele.
Naquele pouco tempo, tinha tomado uma decisão que mudaria
minha vida para sempre.
Ninguém mais tocaria em Nina contra a vontade dela.
Nem mesmo meu irmão.
Balancei a cabeça, controlando a fúria do meu sangue.
— Nina não me falou nada sobre isso.
— Essa foi a informação que Alessio arrancou do pai dela
antes de matá-lo. E ele não vai medir esforços para...
Todos os meus ossos congelaram.
— Fazer Nina lhe entregar a localização das joias.
Puta merda.
Tinha que sair daquela cela.
Minha garota estava correndo perigo.
21
NINA

Qualquer que fosse o movimento que eu fizesse, a cadeira velha de


madeira rangia, fazendo um som desconfortável.
Tudo era desconfortável naquele cômodo: a cama com um
lençol manchado de suor, o gaveteiro ao lado da cama cheio de
garrafas de vidro cheirando à cerveja velha, os quadros horripilantes
nas paredes, as teias de aranhas penduradas e, principalmente,
Alessio, que estava parado em minha frente, brincando com a faca
em suas mãos.
— Eu e você sabemos porque estamos aqui. Pode me dizer
apenas onde estão as joias que seu pai lhe entregou e você ficará
livre.
— Senhor, eu não sei de que joias...
Como um animal, ele avançou na minha frente, apontando a
faca para meu pescoço e calando minha voz.
— Não banque a esperta, sua vagabunda, sabemos muito bem
que seu papai escondeu e você sabe onde.
Engoli em seco.
— Onde está?! — Ele recuou a faca, me forçando a falar
qualquer coisa.
— Eu não sei.
Com a outra mão, Alessio meteu um tapa ardido em minha
face, fazendo uma das minhas bochechas latejar.
— Onde está, sua putinha?!
— Não faço ideia do que está falando! — gritei para ele de
volta.
Raivoso, ele cravou a faca próxima ao meu joelho, arrastando-a
até abrir um corte. Calmamente, ele perfurou minha pele, me
causando uma dor insuportável.
Dei um grito longo e dolorido.
— Aliviou a cabeça?! Vai dizer onde estão? — ele vociferou,
jogando a faca longe, e atingindo uma das janelas.
Entre lágrimas, eu dizia:
— Eu não sei, eu não sei!
Sem paciência, ele chutou a cadeira velha em que eu estava
sentada, me derrubando no chão. Olhei para minha perna, vendo
uma mancha de sangue se formar e escorrer.
Eu estava muita assustada, mas não deixei de notar que ele
sacava do bolso uma arma pequena.
Meu Deus.
— Foi fácil com seu pai, será fácil com você
Quando a cadeira quebrou, as amarras ficaram livres. Bastou
um movimento do meu corpo para me soltar delas.
Eu podia fugir.
Enquanto ele estava distraído, esfregando a arma já
engatilhada para me causar terror, me levantei com dificuldade.
Usei toda a adrenalina que eu tinha no corpo para correr até a
porta.
Em vão.
— Onde pensa que vai doçura?
Alessio jogou a arma no chão, saltando de onde estava para
me alcançar.
Em poucos passos, suas mãos já dominavam meus punhos.
— Acha que pode brincar comigo?! — ele estava gritando, me
empurrando de volta para o fundo do quarto sujo.
— Não... — murmurei com a voz trêmula.
Alessio me empurrou até a cama do quarto, me lançando
contra o colchão imundo.
— Acha que não posso fazer você falar?
— Não me toque!
Rapidamente, ele sentou em cima do meu quadril, me
prendendo com suas pernas. Estávamos em uma luta corporal: ele
tentava deixar de segurar meus braços para mexer em meu corpo, e
eu usava toda minha força para afastá-lo.
— Vou fazer você falar onde estão — disse entre os dentes. —
Mas antes podemos brincar mais um pouco.
Alessio, prendendo meus braços, beijou meus lábios, correndo
sua boca até meu pescoço.
Eu me contorcia, virava o rosto, tentava fugir.
— Seria um desperdício não usar você. — Ele riu.
Imobilizada, vi aquele rosto redondo de pele bem clara se
aproximar de mim.
— Cansou, doçura?
Em um único movimento, sabe-se de onde retirando forças,
aproveitei a proximidade de nossas cabeças e me movi com força
em direção ao queixo dele, chocando meu crânio contra ele.
Escutamos os dentes dele bater e, ao mesmo tempo, em
reflexo, ele tirou as mãos de mim para pô-las no local da batida.
— Filha da puta!
Aproveitando o momento de vulnerabilidade dele, me movi,
debatendo o corpo até ele sair de cima de mim.
—Vai se foder! — gritei.
De pé, e sentindo mais dor na perna, cambaleei uns passos de
distância da cama.
A boca dele estava sangrando por conta da pancada, e em
seus olhos, eu via o ódio flamejar.
Dei as costas para ele, tentando chegar mais uma vez até a
porta.
Nesse meio tempo, Alessio esticou os braços, pegando uma
das garrafas de vidro do gaveteiro.
Tentei acelerar o passo até a porta, mas foi impossível chegar
até lá.
Só escutei a garrafa quebrar em minha cabeça, e lançar meu
corpo novamente para o chão.
Alessio me puxou pelos cabelos, agora ensanguentados, me
levantando brutalmente.
— Filha da puta, agradeça por ainda estar viva.
22
MARCO

Eu tinha um plano.
Era arriscado pra caralho, mas não havia alternativa. Cada
minuto perdido ali era um minuto a mais que Nina passava nas mãos
de Alessio.
Olhei para Vincenzo, que permanecia sentado no chão, com a
perna toda arruinada. Não sei como ele faria em pé.
Ou talvez soubesse.
A fúria no olhar do meu irmão, no olhar que só um Capo da
máfia possuía, era capaz de anestesiar qualquer dor.
Acho que nunca senti tanto respeito e admiração por Vincenzo
como naquele momento.
— Pronto? — perguntei.
Ele assentiu.
Virei-me e andei até as grades da sala.
Tomei fôlego.
E dei início ao nosso plano.
— Ei! Ei! — comecei a gritar, batendo nas grades, fazendo um
estardalhaço, soltando alguns palavrões pelo meio. — Preciso de
ajuda aqui! Meu irmão não está bem!
Continuei gritando, chutando e chacoalhando as grades, o
coração a mil por hora.
Não demorou muito para os russos que tinham se aliado com
Alessio aparecessem.
— Que porra é essa?! — um deles esbravejou.
Respirei rápido, apontando para Vincenzo.
— Meu irmão, caralho! O capo da máfia Caccino! Ele está mal!
Perdeu sangue! Não está respirando direito!
— E o que temos com isso?
Coloquei meu olhar mais feroz no rosto.
— O que vocês têm a ver com isso, seus merdinhas? Vocês
querem mesmo o sangue do capo nas mãos de vocês? Podem estar
com vantagem agora, mas temos muitos aliados. Quando eles
descobrirem, vocês estarão fodidos. Muito fodidos.
Nunca soei tão ameaçador na vida.
Os caras se entreolharam.
Merda.
Aquilo tinha que dar certo.
Não suportava imaginar o que Alessio poderia estar fazendo
com Nina.
Eles olharam para Vincenzo, observando meu irmão caído no
chão, com uma poça de sangue perto da perna.
— Melhor chamar o italiano — um deles disse para o outro.
Merda. Merda. Merda.
Não, eles não podiam chamar Alessio.
Mas se eu falasse qualquer coisa, poderiam suspeitar de nós.
O outro filho da puta torceu o nariz, balançando a cabeça.
— O italianinho disse que não quer ser interrompido enquanto
está cuidando da garota.
Notei a implicação que ele colocou na palavra e fiquei ainda
mais puto da vida.
— Dá para vocês fazerem alguma coisa?! — ralhei. — Vocês
precisam de Alessio para tomar todas as decisões?! Ele também
está limpando a bunda dos russos agora?!
Os caras não gostaram do que falei.
Ótimo.
Era isso que eu queria.
Eles conversaram um com o outro em russo, e então puxaram
as armas do coldre.
— Vai pra trás, Caccino — ordenaram para mim.
Recuei sem tirar meus olhos deles.
Os dois russos abriram a cela e entraram. Um deles manteve a
arma apontada para mim enquanto o outro ia até meu irmão.
Contei mentalmente até três.
E, junto com Vincenzo, libertei toda a fúria que havia em mim.
Vincenzo, mesmo com a perna ferida, girou no chão e ergueu o
punho fechado, acertando o queixo do russo. A arma disparou para
cima. Não perdi tempo e corri até o outro, aproveitando a confusão
do momento que o distraíra.
Rolamos pelo chão, lutando pela posse da arma.
Outra bala foi disparada para cima.
Esmurrei o filho da puta. Fui nocauteado também. Mas bati
muito mais.
Com o canto dos olhos, vi Vincenzo metendo a porrada no
outro russo, até que ele não fosse nada mais do que um amontoado
de sangue e dentes quebrados.
Assim que meu oponente estava desmaiado, apanhei sua
arma, vendo que Vincenzo fazia o mesmo com o russo surrado.
— Consegue ficar em pé? — perguntei, estendendo minha mão
para ele.
A contragosto, Vincenzo aceitou minha ajuda.
Ele soltou um grito de dor enquanto ficava em pé.
— Acha que...
— Vamos logo, porra, antes que mais russos apareçam por
causa do som dos tiros — ele disse entredentes. — Temos que achar
Nina e o traidor.
Fui andando na frente, com a arma em punho, mantendo um
olhar em cada canto, enquanto Vincenzo vinha atrás de mim,
mancando de dor, mas com os olhos vertendo uma selvageria que só
os homens Caccino possuíam.
— Vira para lá. — Vincenzo apontou com a cabeça. — O
quarto onde o filho da puta me torturou é daquele lado.
Fiz como ele mandou.
Todos os meus pensamentos estavam em Nina.
E quando eu estava prestes a chutar a porta, escutei uma arma
sendo disparada do lado de dentro.
23
NINA

— Puta, desgraçada! — Alessio me xingava, puxando meus


cabelos com força.
Permaneci imóvel.
— Isso, é para ficar boazinha, sua puta! E eu vou foder com
você pra caralho, até você gemer no meu ouvido onde estão essas
pedras! Sua desgraçada!
Alessio me empurrou, chutando minhas costas, e fazendo com
que eu caísse sobre meus joelhos no chão.
Escutei-o soltar o cinto da calça, e comecei a engatinhar para
frente.
— Vai fugir, cadela?
Deixei-o sozinho falando aquelas atrocidades, pois meus olhos
estavam focados em outra coisa no momento.
Me estendi mais um pouco para frente, tomando em minhas
mãos meu objeto de desejo: a arma que ele havia derrubado para
impedir que eu fugisse pela porta.
Vendo que eu estava me aproximando da arma, Alessio, com
desespero, e com as calças arriadas, me puxou pelo pé.
— Puta!
— A PUTA É VOCÊ! — eu gritei, virando meu corpo e
apontando a arma para ele, que ainda segurava meu pé torcido.
Os olhos claros dele cresceram sobre mim.
Com voracidade, ele puxou minhas duas pernas, para que meu
tronco ficasse próximo dele a fim de tirar a arma de minhas mãos.
—Você não vai...
Mas eu fui.
Mesmo que eu morresse.
Mesmo que nunca mais visse Marco.
Mesmo que nunca mais visse Liz ou mamãe.
Mesmo que os russos me encontrassem depois e me
matassem.
Eu levaria alguns deles comigo.
— ESTE É PELO MEU PAI!
Dei um primeiro disparo, atingindo o ombro dele; o impacto
lançando seu corpo para trás.
O som do disparo ensurdeceu meus ouvidos a ponto de eu não
escutá-lo urrar de dor.
Levantei meu tronco, mirando a arma para a genital e cueca
ridícula dele.
— E ESTE É POR MIM, FILHO DA PUTA!
Disparei novamente, o acertando na área desejada.
Junto com o segundo disparo, a porta do quarto foi arrombada,
caindo para frente.
Surda, com a arma na mão, e ofegante, olhei para o que
restava da porta.
Entre o batente envelhecido, Marco e meu noivo surgiram.
Foi como se o mundo parasse, pulsasse, respirasse, e então
voltasse a correr ao meu redor.
Meu olhar cruzou com o de Marco, e comecei a chorar.
Aliviado, ele correu em minha direção, se agachando do meu
lado.
— Eu achei que você... Ah, Nina! — Marco me envolveu em
seus braços, juntando o suor de seu corpo com o meu.
Solucei.
Vincenzo se aproximou de nós, tomando a arma de minhas
mãos.
Cambaleando, ele se aproximou de seu consigliere
ensanguentado, que respirava com dificuldade e gemia no chão.
Engatilhou a arma mais uma vez, a mirando na face do traidor.
— Hora de dormir, seu fodido de merda! — declarou, o
atingindo uma última vez.
24
MARCO

O corpo de Alessio jazia aos pés do meu irmão, enquanto Nina


tremia e chorava nos meus braços.
Eu queria acreditar que tudo havia terminado, mas, ao olhar
para o rosto de Vincenzo, soube que ainda teríamos problemas pela
frente.
— Os russos podem chegar a qualquer momento. Aqueles
bastardos que derrubamos na cela são só subordinados.
Assenti. Por mais que eu quisesse ficar ali, pegar uma arma e
atirar na cabeça de cada russo que aparecesse, sabia que
estávamos em desvantagem. E era arriscado demais deixar Nina na
linha de fogo. Não sabíamos quantos russos poderiam aparecer. Não
sabíamos se tinha mais traidores da máfia italiana junto com Alessio.
É, tínhamos muitas merdas para resolver.
Mas, primeiramente, tínhamos que sair daquele fim de mundo.

◆◆◆

Sair sem sermos notados se mostrou impossível.


Atiramos em mais alguns homens que apareceram pelo
caminho.
O tempo todo mantive Nina perto de mim, pouco me
importando que ela ainda era a noiva oficial do meu irmão. Jamais
deixaria que alguém encostasse nela outra vez enquanto eu
respirasse.
Conseguimos roubar um carro, e meus planos de dirigir para a
sede da máfia Caccino foram por água abaixo quando percebi que
não fazia ideia de onde estávamos.
Em que buraco Alessio tinha nos enfiado?
Bom, eu poderia rodar por aí, mas, se ficássemos expostos, a
chance de sermos localizados pelos russos era maior.
E Vincenzo pensava a mesma coisa que eu.
— Deve ter um localizador nesse carro ou qualquer merda do
tipo. Os russos podem nos rastrear.
Concordando com ele, dirigi até uma distância segura, pois a
perna machucada de Vincenzo impedia que ele fizesse aquilo.
— Ele precisa ir para um hospital — Nina falou, olhando para a
perna dele, ignorando os próprios machucados que Alessio tinha
infligido no corpo dela. — Esse ferimento tem que ser tratado ou vai
infeccionar.
— Nada de hospital — Vincenzo e eu declaramos ao mesmo
tempo.
Ela suspirou, cruzando os braços.
Quando achei que já estávamos longe o bastante do local onde
tínhamos sido mantidos em cativeiro, estacionei e descemos.
Tinha dirigido pela estrada deserta, parando em uma área
montanhosa, certamente usada pelos turistas para acampar. Ao
certo encontraríamos ajuda e conseguiríamos contatar os outros
membros da família.
Aquele ataque e aquela traição não seriam perdoados.
Com ajuda de Nina, deixei o veículo com o motor ligado perto
de um barranco. Coloquei uma pedra pesada sobre o acelerador e,
enquanto saíamos dali, o carro desceu sozinho, caindo e
desaparecendo no precipício.
Passando um braço em volta de Vincenzo, andamos pela trilha
até que encontramos uma cabana de madeira. Bati algumas vezes.
Ninguém atendeu. Ótimo.
A porta foi arrombada sem dificuldade.
Nina, Vincenzo e eu entramos na cabana; o local, apesar de
vazio, estava ajeitado, sinal de que os donos deveriam vir até ali de
tempos em tempos.
— Coloque-o no sofá — Nina pediu para mim, apontando para
Vincenzo.
— Você também está machucada, Nina.
— Meus ferimentos não são nada perto dos dele. Agora
coloque-o no sofá, Marco.
Fiz como ela mandou.
Em pouco tempo, aquela garota tinha encontrado um kit de
primeiros socorros e começou a cuidar da perna do meu irmão, que
praguejava e resmungava de dor sem parar.
Tenho que confessar.
Vê-la cuidando de Vincenzo me deixou com um ciúme visceral.
Mais um sinal de que eu estava fodido mesmo.
Porque já tinha enfiado na cabeça que o casamento de Nina e
Vincenzo não aconteceria se ela não quisesse que acontecesse.
E também porque um lado meu, possessivo e dominador,
queria Nina apenas para mim, pelo resto da vida.
Assim que terminou de cuidar do ferimento de Vincenzo, que
caiu em sono profundo no sofá por conta dos remédios para dor,
Nina cuidou dos próprios machucados, se levantou e foi até a
pequena cozinha rústica. Abriu a torneira da pia e começou a lavar
as mãos.
Pude escutar seus soluços baixos.
Me aproximei dela, abraçando-a por trás.
— Você está a salvo. Nunca mais vou deixar que ninguém te
machuque.
Ela inspirou fundo, como se lutasse para não chorar, e me
afastou gentilmente, lançando um olhar para onde Vincenzo dormia.
Entendi o que ela estava querendo me dizer.
Segurei sua mão e a levei até outro cômodo.
Assim que fechei a porta, não me controlei e a puxei de
encontro ao meu corpo, beijando-a e a tocando até ter certeza que
ela não desapareceria, de que não seria tirada de mim outra vez.
Nina correspondeu cada um dos meus toques, suas mãos
descendo por meus ombros, sua boca se abrindo para a minha,
permitindo que eu sentisse seu gosto, as lágrimas ainda escorrendo
por seus olhos.
Com um movimento, ergui-a nos braços, prensando-a contra a
parede.
Continuamos nos beijando, minha mão descendo para minha
calça, soltando o cinto e deixando a peça cair no chão. Nina ofegou
quando pressionei meu pau duro contra o meio quente de suas
pernas.
Ouvi-la gemer e se esfregar em mim queimou o resto da minha
razão.
Puxei sua calcinha para baixo, entrando nela com uma só
estocada.
Nina agarrou meus cabelos, afundando o rosto em meu ombro
para abafar os gemidos.
Comecei a me mover, entrando e saindo, aumentando o ritmo
freneticamente, marcando aquela garota como minha, apenas minha.
Nina estremeceu, atingindo o orgasmo. Continuei me movendo,
até não aguentar mais, e gozei com tudo, me controlando também
para não gritar.
E, quando terminamos, ainda ficamos ali, um nos braços do
outro.
Não trocamos mais nenhuma palavra, mas nós dois
pensávamos a mesma coisa.
Como sairíamos daquela situação?
25
NINA

Como sairíamos daquela situação?


Era a pergunta que rondava meus pensamentos. Isso não me
incomodava apenas por eu ter me envolvido com o irmão errado,
mas também por agora eu poder ser considerada parte ativa de um
mundo mafioso.
Atirei em um homem, estava fugindo dos russos, cuidando das
feridas de meu noivo mafioso e, de quebra, transando às escuras
com o irmão dele.
Deus.
Tudo isso me incomodava, e ainda me fazia pensar em Liz e
em minha mãe. Eu estava pensando nelas quando fiz minhas
escolhas?
— Era melhor você jogar ácido na ferida, iria doer menos! —
Vincenzo reclamou, enquanto eu limpava sua perna muito ferida.
— Precisamos remover todo o pus. Se eu não remover, a
infecção irá piorar.
Vincenzo pegou uma das almofadas do sofá e a colocou em
seu rosto, abafando seus murmúrios de dor.
— Você poderia me aliviar de alguma forma mais interessante
depois.
Recuei meu corpo.
Vincenzo riu.
— Estou brincando, relaxa. Teremos muito o que fazer na noite
de núpcias.
Sorri de volta, com um riso amarelo nos lábios.
Marco saíra há quase uma hora, disse que estava tentando
contato com o restante da máfia, para chamar as tropas de aliados
para nos apoiarem contra os russos.
— Nina, venha mais perto — Vincenzo me chamou, franzindo o
cenho.
Me aproximei com cautela, levantando meus olhos para ele.
Eu estava ajoelhada ao seu lado, com as mãos cheias
ocupadas por tecidos de algodão para curativos.
— Preciso terminar de ajudá-lo, capo.
— Não quero que me chame assim. — Ele colocou as mãos
em volta do meu pescoço, deixando minha cabeça próxima a dele.
— Pode me chamar pelo meu nome.
— Tudo bem... Agora me deixe ajudá-lo. — Tentei abaixar
minha cabeça para retornar aos cuidados do ferimento.
Ele, segurando meu pescoço, impediu que eu realizasse o
movimento, fazendo com que meu olhar voltasse para o dele.
— Nina, será que um dia você irá me amar? — ele perguntou,
aproximando-se mais ainda de mim, aparentando que iria me beijar.
Antes que eu pudesse ter qualquer reação, escutamos a porta
abrir. Não tive tempo de recuar.
Marco abriu a porta, com várias sacolas de comida de fast-food
nas mãos. Seu sorriso alinhado foi desaparecendo ao me ver tão
próxima de seu irmão.
Ele derrubou as sacolas com os lanches no chão.
— Nina! — Marco berrou, enfurecido.
— Olá — o irmão dele respondeu.
Percebendo que chamar minha atenção foi uma reação um
tanto confusa para seu irmão, Marco tentou corrigir sua fala:
— Nina... Fome, você deve... Estar.
— Ok, mestre Yoda, ela já vai comer.
Vincenzo e eu olhamos para ele, percebendo as bochechas de
Marco ruborizar, talvez de raiva, enquanto colhia as sacolas do chão.
Percebi que a expressão de confusão de Vincenzo passou a
trazer um semblante de compreensão. Como se ele tivesse
entendido o que se passava com seu irmão mais novo neste
momento.
Com as sacolas nos braços, Marco, nervoso, fez sinal para que
eu fosse na cozinha com ele.
— Comer — ele disse por entre os dentes.
Eu o segui, conforme seu comando.

◆◆◆

Na cozinha, ajeitando as sacolas, Marco não me dirigiu


nenhuma palavra.
— Você sabe que... — tentei me explicar.
— Por que você tem que ser assim, Nina? — ele disse com a
voz irritada, no tom mais baixo que conseguiu. — Por quê?
Eu balancei a cabeça, fugindo meu olhar do dele.
— Eu...
— Você é minha, caralho! Não dele! Minha! — ele cochichou,
enfurecido — O que vocês fizeram enquanto eu saí?
— Marco, eu estava cuidando das feridas dele.
— Não estou bravo com você! Estou bravo com toda essa
merda! — Ele socou a mesa. — Eu encontro o amor da minha vida e
me fodo do pior jeito. É isso?!
Abri a boca para falar alguma coisa, porém nenhuma palavra
saiu.
Eu estava com medo dele também ser o amor da minha vida —
uma verdade que eu tentava ignorar com todas as forças.
Um filme se passou em minha cabeça, e neste filme do meu
destino, Marco não podia existir. Em poucos segundos, senti falta de
deitar nos braços dele, de ser beijada, tocada, penetrada.
Meus olhos começaram a pinicar com lágrimas.
— Nina... Eu te amo — ele sussurrou. — Eu estou sentindo
tudo isso, porque eu te amo. Quero passar minha vida com você,
quero ter nossos filhos com os seus olhos. É isso que eu quero!
Comecei a chorar.
Não queria mais participar daquela conversa tão dolorida. Dei
as costas para Marco, fugindo pela porta da cozinha.
Eu também queria passar o resto da minha vida com ele.
Passei correndo pela sala, escondendo meu rosto de Vincenzo.
Na primeira porta que encontrei, entrei e me escondi lá.
Comecei a chorar igual criança, soluçando.
Tudo que eu queria estava acontecendo.
Meu príncipe dos livros estava lá.
Mas as condições não eram as dos meus sonhos — e por isso,
eu me desfazia em lágrimas.
Entre meu choro, comecei a me lembrar de meu pai.
A lembrança era falha. Eu tinha cerca de quatro anos. Liz não
tinha nascido ainda.
Flashes começaram a surgir.

“— Por que você está chorando, filha?


— Eu perdi a pedrinha, Babbo! — resmunguei entre lágrimas.
Meu pai me abraçou, me tomando no colo.
Passei minhas pernas em volta da cintura dele, abraçando-o.
— Eu tenho muitas outras pedras daquela, filha. Vamos pegar
mais uma, no nosso esconderijo.
Ainda em seu colo, entramos na água fria onde a cachoeira
desaguava. Passamos por de trás das águas cristalinas, em queda,
revelando um pequeno vão entre duas montanhas de pedras.
Demorou um dia para meu pai remover as pedras o suficiente
para que pudéssemos entrar naquele local.
Uma caverna, escura e muito úmida, surgiu à minha frente.
— Esse é nosso segredo, Nina. Eu sei que não é bonito, nem
atraente, mas é extremamente precioso.
Meu pai começou a me mostrar seus tesouros, e eu,
encantada, escolhia as pedras mais bonitas e as guardava no bolso.”

Limpei minhas lágrimas.


Agora eu sabia onde estavam as pedras.
26
MARCO

Encarei os lanches.
Tinha perdido completamente o apetite.
Queria me recriminar pelas malditas e sinceras palavras que
haviam saído da minha boca.
Mas eu não podia negar o que estava sentindo. Só precisava
ter a consciência de que aquilo não era a porra de um conto de
fadas.
Se eu me encarasse no espelho, a pergunta máxima que
poderia fazer era “espelho, espelho meu, existe alguém mais
apaixonado e fodido do que eu?”.
Quis rir da minha própria desgraça.
— Quando você faz essa cara, é porque está pensando
demais. Não combina com você.
Olhei para o lado, vendo Vincenzo apoiado na porta da
cozinha.
— Você deveria estar deitado — foi tudo o que consegui dizer.
— Não sou a porra de um inválido.
Revirei os olhos.
Vincenzo nunca mudaria.
— Conseguiu contatar a família? — ele me perguntou,
mudando o assunto.
— Sim. Também consegui um carro para nós. Está lá fora.
Mas...
— Mas...?
— Acho que os russos nos rastrearam. Tive impressão de que
estava sendo seguido. Tentei despistá-los, mas não sei se consegui.
— Pelo localizador do carro que jogamos do penhasco?
— É provável. Daí eles devem ter vasculhado a área.
Vincenzo bufou, correndo os dedos pelos cabelos.
— Vamos sair daqui e começar a planejar a retaliação.
— Isso nunca vai acabar.
— Com os russos, nunca vai haver paz. E, se um dia eu fizer
um acordo com eles, quero garantir que serei o único a sair
ganhando. Quero vê-los se rastejando, Marco. Quero que eles
saibam que tenho tudo em minhas mãos. Quero que eles saibam
que, se saírem da linha, destruirei tudo o que mais estimam.
Fiquei em silêncio, ponderando aquelas palavras. Será mesmo
que nunca conseguiríamos nem mesmo uma paz fria com os russos?
Depois do que eles fizeram com meu irmão, ao se aliarem a Alessio,
as coisas tinham ficado feias. Não consigo imaginar que tipo de
acordo poderia acalmar os ânimos entre as famílias. E pouco me
importo. Só quero que Nina fique a salvo e segura. De preferência,
comigo.
— Está fazendo aquela cara de novo.
Antes que eu pudesse abrir a boca para mandar Vincenzo se
foder, Nina surgiu na cozinha, respirando rápido, os olhos
arregalados.
Por um momento, pensei que estávamos sendo atacados e
corri ao seu lado para protegê-la, ignorando o olhar de Vincenzo para
cada um dos meus atos.
— Eu sei onde elas estão!
— Elas o quê?!
— As pedras que meu pai escondeu. Eu sei onde elas estão.

◆◆◆

Depois de escutar atentamente a teoria de Nina sobre a


localização das pedras preciosas de seu pai, Vincenzo e eu nos
entreolhamos.
Eu havia investigado a região. Tinha descoberto onde
estávamos. E o local onde Nina achava que as pedras estavam
ficavam há três horas dali. Um tempo considerável de estrada. Um
tempo perigoso, se considerássemos que os russos poderiam estar
na nossa cola e que também queriam aquelas malditas pedras.
Se houvesse um jeito de acabar com tudo e...
De repente, uma ideia estalou na minha mente.
E percebi que Vincenzo estava pensando a mesma coisa.
Não foi necessário que trocássemos nenhuma palavra.
Mesmo com nossas diferenças, nossas disputas e nossos
rancores, éramos irmãos. E havia uma conexão inegável entre o
sangue Caccino.

◆◆◆

Como Vincenzo estava com a perna machucada, assumi o


volante e nos conduzi em alta velocidade pela estrada.
Vincenzo permaneceu no banco do passageiro, ao meu lado,
enquanto Nina ficou no banco de trás.
Vez ou outra, meu olhar a buscava pelos espelhos, na mesma
sincronia em que os olhos dela procuravam pelos meus.
Aquela garota tinha se enraizado na minha pele, na minha
alma, no meu coração.
E eu não estava disposto a perdê-la.
Mesmo que tivesse que enfrentar meu irmão, meu sangue, meu
Capo.
— É aqui — Nina falou subitamente, rompendo o contato entre
nossos olhares. — Reconheço aquela trilha.
Seguindo as instruções dela, entrei com o carro na trilha.
Vincenzo permanecia com os olhos voltados para o celular,
colocando nosso plano em ação. Ao mesmo tempo, meus instintos
gritavam que estávamos sendo seguidos.
Em certo momento, foi impossível continuar dirigindo pela
estrada. Mas já estávamos perto. Conseguia escutar o som cadente
das águas da cachoeira que Nina tinha descrito.
Nina e eu descemos, Vincenzo ficou dentro do carro. Ele não
conseguiria nos acompanhar pelas pedras e pelo rio por causa de
sua perna. Mas a arma em sua mão mostrava que, como o Capo da
máfia Caccino, atiraria no primeiro filho da puta que tentasse nos
atrapalhar.
Segurando a mão de Nina, que entrelaçou os dedos mornos
aos meus, entramos na água fria. Não a soltei, temendo que ela
escorregasse nas pedras, mas Nina parecia ter mais habilidade do
que eu ao cruzar o rio e se aproximar de onde a cachoeira
desaguava em um véu brando e espumoso.
— Preciso de ajuda para remover essas pedras maiores. Se eu
estiver certa, meu pai...
Antes que ela pudesse terminar de falar, segurei seu rosto
entre minhas mãos e a beijei. Estávamos longe de Vincenzo e eu
precisava desesperadamente sentir o gosto de seus lábios. Nina
suspirou, correspondendo ao beijo, a boca se abrindo para a minha,
os braços me envolvendo.
— Vou lutar por você, garota — sussurrei. — Você não vai se
casar com Vincenzo.
Pude ver as lágrimas ameaçando brilhar nos olhos azuis dela.
Mas, revelando sua força interior surpreendente, Nina
empurrou o choro para longe e começamos a remover as pedras.
Uma gruta escura e úmida surgiu em nossa frente.
— Não é bonito, nem atraente, mas é extremamente precioso
— Nina sussurrou, mais para si mesma do que para mim, como se
estivesse revivendo uma memória muito particular.
E então, se debruçou sobre a gruta, tateando as pedras e os
cantos, até achar o que estava procurando.
Ela puxou um pequeno saquinho preto e despejou o conteúdo
em sua mão.
As pedras que tinham causado tanta desavença cintilaram à luz
do sol.
— Conseguimos, Marco. — Ela sorriu, emocionada. —
Conseguimos!
— E agora vocês vão entregá-las para nós.
Nina e eu nos viramos na direção da voz carregada de sotaque.
Os russos estavam do outro lado do rio, armados, segurando
Vincenzo de refém.
— Passem as pedras para nós. E daremos a todos vocês uma
morte rápida.
27
NINA

Meu coração disparou enquanto gotas de suor escorriam por minha


testa.
Cerca de trinta homens começaram a surgir de lugares
aleatórios, todos armados, com os semblantes de vitória em suas
faces. Em pouco tempo eles cercaram todo o pequeno trecho do rio
em que estávamos.
Fechei meu punho, protegendo as pedras de meu pai.
— Podemos fazer um acordo — sugeriu Vincenzo.
— Sua cabeça pelo quê? — um dos russos gozou dele,
fazendo todos rirem em um coro a nossa volta.
— Vocês ficam com as pedras — Marco declarou, dando uns
tapinhas em minha mão para que eu lhe entregasse nossas pedras.
Eu fitei os dois, totalmente confusa.
— E nós vamos ficar, seu estúpido — um deles declarou.
— E matar vocês também — o outro disse.
Corri os olhos pelos irmãos Caccino que me aparentavam estar
extremamente calmos.
Marco fez sinal para que eu lhe passasse as pedras, e
Vincenzo assentiu para que assim eu logo fizesse.
Depositei uma a uma as pedras nas mãos de Marco.
— E são elas mesmo... — o que aparentava ser o líder dos
russos murmurou, admirado.
A luz solar bateu nas pedrinhas e refletiu de forma fosca.
Não eram bonitas, nem atraentes. Mas eram o coração do meu
pai.
Entregá-las a Marco me causou extremo desconforto.
Com pouca habilidade, Marco atravessou o trecho do rio,
estendendo o braço que estava com as pedrinhas nas mãos.
— Peguem — Marco disse com firmeza aos russos. — Elas
são suas.
Os homens trocaram olhares rápidos, suspeitando daquilo tanto
quanto eu.
Rapidamente, o líder deles pegou todas as pedras das mãos de
Marco. Enquanto o fazia, seus homens todos miravam para cabeça
do Caccino, preparados para qualquer ataque vindo dele.
Marco levantou os braços, mostrando que estava desarmado.
Então é isso?
— A família Caccino é formada por um bando de burros... Usar
celular que pode ser rastreado? O que você estava pensando? — ele
balbuciou com o sotaque russo que estava me irritando
profundamente. — E agora? Quem quer morrer primeiro? O capo
fracote, o irmão burro e vadio, ou a putinha dos dois?
Marco e Vincenzo começaram rir.
Percebi que um som absurdamente alto surgia do céu,
crescendo em nossos ouvidos.
O que estava acontecendo?
— Marco! — eu gritei, preocupada com aquele barulho.
Nós três e os russos olhamos para cima, procurando de onde
vinha o estranho som.
Foi então que vimos.
Estavam lá, tomando todo o céu, sete helicópteros se
aproximando de nós. Dos helicópteros desciam cordas
bamboleando, e delas, muitos homens com roupas típicas da máfia
Caccino.
Eles urravam como se fossem guerrear, e os russos tentavam
procurar alguma saída.
— Quem vai morrer agora é você, filho da puta! — Vincenzo
apontou para o líder russo que nos ameaçava anteriormente.
Meu coração a qualquer momento escaparia pela boca.
Meu Deus.
Eram muitos homens.
Era por isso que Vincenzo e Marco estavam tão confidentes um
com o outro horas atrás! Eles planejaram emboscar os russos e
cercá-los de todos os lados!
Os russos encararam os italianos que não paravam de brotar
do céu e de tudo quanto era canto, armados até os dentes.
Temi por um conflito, por um tiroteio sem fim.
Se aquilo acontecesse, o rio seria tingido de vermelho de tanto
sangue derramado.
Comecei a rezar, a implorar para que, onde quer que
estivessem, minha mãe e minha irmã ficassem bem.
— Tem certeza de que quer fazer isso? — Vincenzo provocou,
encarando o que parecia ser o líder dos russos. — Eu não me
importo. Estou sedento para enfiar muitas balas na cabeça de vocês.
O líder russo engoliu em seco, avaliando suas possibilidades.
Marco abriu um sorriso perigoso.
— Isso. Pensa mesmo, filho da puta. Confirme a sua
desvantagem.
O russo urrou algo em sua língua materna para seus
comparsas.
Em um movimento único, eles largaram suas armas e deitaram
no chão; um sinal claro de rendição.
Só naquele momento soltei o ar que não sabia que estava
prendendo.
Marco se aproximou do líder, pegando de volta as pedras
preciosas de meu pai.
— Acho que está com algo que é meu.
Corri até Marco, não me contendo e me atirando em seus
braços.
— E agora? O que vocês vão fazer com eles?
Foi Vincenzo quem tomou a palavra:
— Eles terão duas opções. Poderão ir para a cova... Ou
poderão negociar e jurar submissão para nós. O que me dizem?
28
MARCO

Os acontecimentos seguintes passaram como um borrão veloz


diante dos meus olhos.
Assim que os russos se renderam, nossos soldatos os
prenderam e rumamos de volta para a sede da máfia Caccino.
Rapidamente, nosso médico particular foi chamado para
atender Vincenzo. Ele ainda estava com a perna muito machucada,
apesar dos cuidados de Nina.
Enquanto Vincenzo era atendido e Nina desaparecia para um
dos quartos, me encarreguei de dar as ordens para nossos homens.
Todos os russos capturados no rio tinham sido levados para as
câmaras no subsolo de nossa mansão, onde ficariam até que meu
irmão decidisse o que iria fazer com eles.
Depois disso, fui procurar por Nina. Não a encontrei.
— Ela estava falando com o Capo, senhor — um dos soldatos
me avisou.
Meu coração disparou de forma vertiginosa.
Rumei até o quarto onde Vincenzo estava. Talvez Nina
estivesse ajudando o médico. Talvez estivesse querendo aprender
alguma coisa. Ela queria ser médica também, não queria?
Merda.
Odiava aquele ciúme que sentia dela.
Mas era inevitável.
Esperei que o médico saísse e entrei no quarto.
Vincenzo estava deitado sobre a cama luxuosa, com a perna
enfaixada e algumas ataduras pelo corpo. Olhei em volta. Nenhum
sinal de Nina.
Voltei a fitar Vincenzo. Mordi a língua. Não podia perguntar já
sobre Nina, ou ele desconfiaria. Não me importava do que faria
comigo. Mas eu não suportaria que Nina fosse castigada por causa
do que sentíamos um pelo outro.
— Como você está?
— Com a porra de uma dor infernal — Vincenzo bradou.
— E sua perna?
— Alessio garantiu que vou me lembrar dele até o fim dos
meus dias. — Vincenzo tocou as faixas que enrolavam sua perna
lacerada. Imaginei que cicatrizes e marcas ficariam ali
permanentemente. — Mas o médico disse que podia ter sido pior. Eu
podia ter perdido a perna se...
— Se...?
— Se você e Nina não tivessem me tirado do cativeiro. E se
Nina não tivesse cuidado tão bem da minha perna como cuidou.
Acho que encontrei notas de gratidão disfarçadas na voz dele.
Mas Vincenzo nunca admitiria aquilo abertamente. Era muito
orgulhoso.
Decidi mudar de assunto.
— E o que você planeja fazer em relação aos russos?
— Vou me reunir com o líder deles em algumas horas. Um
tempo no cativeiro vai amaciá-lo e fazê-lo aceitar meu acordo.
Teremos os russos trabalhando para nós. Ou, no mínimo, não
interferindo mais em nossos negócios.
Franzi o cenho.
— Sei não, Vincenzo. Eles podem até aceitar a submissão,
mas não hesitarão em se virar contra nós assim que conseguirem.
— Acha que não pensei nisso? Mas o plano que tenho os fará
pensar duas vezes antes de apunhalarem um Caccino pelas costas.
Esperei que Vincenzo me contasse o que pretendia fazer. Mas
ele não contou. Soltei o ar. Certo. Ele queria ser misterioso e
enigmático. Não deixava de ser uma forma de exalar poder. Ele
ainda era o Capo.
Olhei em volta, sentindo o coração acelerar.
Não ia aguentar mais.
— Onde está Nina? — perguntei.
Já não conseguia mais disfarçar o tom ao falar o nome dela.
Tudo em meu corpo reagia de uma forma descomunal à garota que
era a única que havia conseguido entrar em meu coração.
— Cumprindo minhas ordens. Tenho planos para ela.
Entreabri os lábios.
Não gostei da forma como Vincenzo falou aquilo.
Antes que eu pudesse questioná-lo, o médico retornou para o
quarto. Queria fazer mais alguns exames e pediu para que eu me
retirasse.
Diante da ordem, saí a contragosto do quarto para que meu
irmão pudesse terminar o tratamento. Em algumas horas, ele se
reuniria com o representante dos russos. Não conseguia imaginar
que tipo de acordo se passava na cabeça dele ou como ele garantiria
a obediência da família que sempre rivalizou com a nossa.
E, no fundo, não queria saber.
Não eram aquelas palavras que me assombravam.
Cerrei os punhos.
Pensei em Nina, na minha vontade egoísta de estar com ela,
apenas com ela.
Alguma coisa precisava ser feita.
Vincenzo havia movido peões e declarado uma guerra perigosa
ao ser traído por seu fiel consigliere.
O que ele faria quando descobrisse que também tinha sido
traído por seu próprio irmão?
29
NINA

Estava chegando ao fim ou era um novo começo?


As perguntas bombardearam minha mente, me trazendo uma
grande exaustão cognitiva.
Em cima da cama do quarto luxuoso, diversas roupas femininas
estavam espalhadas. Vestidos, calças, blusas, acessórios. Tudo de
muito bom gosto e das franquias mais caras da Itália. Haviam
também muitas peças importadas de marcas conhecidas
internacionalmente.
Eu dobrava as roupas — os presentes de Vincenzo — e as
colocava em uma enorme mala de mão.
As pedras tinham sido recuperadas, mas a dívida da traição do
meu pai ainda existia e pesava sobre meus ombros.
Logo me casaria com um Caccino.
Infelizmente, com o Caccino errado.
Afastando meus pensamentos angustiados, escutei alguém
abrir a porta do quarto.
— Nina, eu... — Vi o rosto de Marco surgir, enquanto ele olhava
confuso pela cama. — O que está acontecendo?
Suspirei.
— Estou arrumando as malas...
— Você vai para onde? — ele questionou, entrando no cômodo
e fechando a porta novamente.
— Vincenzo pediu para eu arrumar as malas.
O rosto de Marco se desfez na minha frente. Havia dor em seu
olhar. Eu só tinha visto aqueles olhos de dor uma vez na minha vida.
Eram os mesmos olhos de dor do meu pai quando o médico
disse que Liz não poderia andar mais. Era a dor da perda, do
desespero, de se sentir insignificante e vulnerável.
— Então... Você vai?
E que outra escolha eu tinha?
— Não quero ir — cochichei, enquanto dobrava mais uma peça
que estava sobre a cama.
Marco olhou para a porta, verificando se ela estava tão fechada
quanto antes. Percebendo que o momento era somente nosso, ele
deu alguns passos, em rumo a minha direção.
— Vamos fugir... — ele cochichou de volta em meu ouvido.
— Você está louco, Marco. Ele irá nos punir, você viu como ele
matou o traidor. E tem minha mãe... E Liz...
Não consegui terminar a frase. Elas estavam longe de mim.
Mas a um passo de Vincenzo. Bastava uma ligação, uma ordem, e
eu seria punida da pior forma possível. Imaginá-las sofrendo ou
sendo machucados por minha causa era dilacerante demais.
Agarrando a minha cintura, enquanto eu estava de costas,
Marco me trouxe para perto dele, colando meu corpo ao seu.
— Por você... Eu faria qualquer loucura.
Desta vez, quem olhou para a porta para verificar nossa
segurança, fui eu. Virei meu corpo dentro dos braços de Marco, e
lancei meu olhar para o dele.
As pupilas dilatadas de Marco navegaram para dentro de mim.
Sem hesitar, eu o abracei com força.
— Qualquer coisa?
— Qualquer coisa.
— Faça amor comigo uma última vez — implorei sem censurar
o que eu desejava.
Achei que ele iria me questionar, brigar por causa do meu
pedido, tentar me fazer mudar de ideia, mas não. Marco me beijou
com ferocidade, encontrando nossas línguas. Ele explorou minha
boca com perícia, e ao passo que me beijava, retirava as peças de
meu corpo com delicadeza.
As mãos grandes dele se encaixaram em meus seios e a língua
logo passou a devorá-los.
— Marco...
Caímos sobre a cama, em cima de todas as roupas, gemendo
baixinho, e nos entregando como cúmplices de um romance proibido.
Marco me apertava contra seu corpo, e eu correspondia, travando
minhas pernas sobre ele. Ele me acariciava em lugares que me
levavam a entregar todo meu ser, me fazia suspirar.
Éramos loucos por estar fazendo aquilo ali, naquele quarto, na
sede dos Caccino. Mas o que era o amor a não ser uma dose de
coragem e loucura?
Abri a camisa dele, expondo seu peitoral à minha frente. Ele me
devorava, descendo do pescoço aos meus seios, me fazendo
desejar ser penetrada mais do que uma última vez.
Já despido, corri a mão para seu membro, sentindo a firmeza
ao tocá-lo.
Ele grunhiu, desejoso.
— Preciso entrar... — Marco sussurrou, enquanto brincava com
o dedo em minha intimidade. — Fica de quatro para mim.
Sem permitir que eu mesma fizesse o movimento, Marco me
virou, me deixando na posição que ele desejava.
— Vou foder você.
— Venha logo.
Senti ele entrar com tudo dentro de mim. Ele latejava entre os
movimentos rápidos e escorregadios.
Mesmo silenciosos, a cama começava a nos entregar. Os
barulhos altos e o ranger dos pés do móvel demonstravam a
velocidade de Marco ao me penetrar.
Viramos na cama, com ele ficando por cima de mim.
Estávamos nos olhando, ele mordia os lábios ao passo
consumava nosso romance proibido, e isso só aumentava meu
desejo.
— Eu te amo, mesmo — ele disse, movendo-se cada vez de
forma mais acelerada. — Amo foder você, quero te foder mais do
que uma última vez, quero te foder a qualquer momento.
Levantando meu tronco, senti o membro dele endurecer mais
dentro de mim
Eu estava prestes a chegar no ápice.
— Nina... Vou gozar, Nina...
— Eu também — declarei, sentindo um arrepio percorrer minha
espinha.
Bastou a frase dele para que meu desejo chegasse ao máximo.
Em suas últimas bombadas, cheguei ao orgasmo junto dele, olhando
firmemente para a expressão de prazer dele e sentindo todo meu
corpo estremecer.
Ofegantes, amolecemos os corpos sobre a cama, amassando
todas as peças de roupa que ali estavam.
No tempo em que eu puxei um lençol para cobrir meu corpo, a
porta do quarto se abriu.
Fomos pegos completamente desprevenidos.
Todo meu corpo congelou.
Eram os homens de Vincenzo.
Não.
Não.
Não.
— Vista-se, Caccino. — Era um dos soldatos, ordenando que
ele se levantasse e o acompanhasse. — O chefe espera por você.
Meu Deus.
Meu. Deus.
Meu Deus!
Marco se cobriu, desesperado, e ao passo em que terminava
de se vestir, foi arrastado para fora do quarto, gritando meu nome
sem parar.
Era o nosso fim.
30
MARCO

Tentei esmurrar aqueles filhos da puta que também eram meus


irmãos de máfia, mas a força deles me conteve até que eu estivesse
em frente ao escritório principal de Vincenzo.
Eu não temia por mim.
Nunca temi pela minha vida fodida.
Era em Nina que eu pensava.
Se Vincenzo fizesse alguma coisa contra ela, se encostasse
em um só fio de seu cabelo ou se ameaçasse machucar a família
dela, eu não hesitaria em me lançar contra ele. E que vencesse o
melhor Caccino.
A porta foi aberta e fui empurrado para dentro do escritório.
Vincenzo, que estava com a perna enfaixada e apoiada em um
estofado, olhou para mim de cima a baixo e fez um sinal para que
seus homens me soltassem.
Sua expressão era indecifrável.
— Sente-se, Marco.
— Porra, faço o que você quiser, Vincenzo! — fui cuspindo as
palavras, o sangue fervendo, o coração rangendo. — Só não faça
nada contra ela!
A expressão de Vincenzo continuou impassível.
— Sente-se.
Achando melhor jogar o jogo dele, sentei na cadeira à sua
frente.
E esperei.
Odiava esperar.
Mas esperei.
Temia que meu temperamento explosivo fosse descontado em
Nina.
Vincenzo mexeu nas pedras preciosas que estavam sobre sua
mesa. As pedras do pai de Nina. As pedras que tinham causado toda
a confusão incessante dos últimos tempos. Ao lado delas, havia uma
arma de fogo.
Puta merda.
— Acabei de me reunir com o representante dos russos.
Arqueei as sobrancelhas, encarando-o com confusão. Por que
ele estava me contando aquilo, se pretendia atirar na minha cabeça?
— Chegamos a um acordo — Vincenzo continuou. — Na
verdade, eu impus o acordo. Eles tiveram que escolher entre aceitá-
lo ou tingir o chão da nossa mansão de vermelho.
Engoli em seco.
Por que Vincenzo estava fazendo rodeios comigo?
Ele moveu o tronco, mantendo a perna apoiada no estofado.
— Você não vai querer saber qual é o acordo, irmãozinho?
Cerrei os punhos.
Controle-se, porra. Controle-se.
— Qual foi o acordo?
Vincenzo não era estúpido. Ele sabia que eu pouco me
importava com o acordo. Mesmo assim, esboçou um sorriso perigoso
e puxou o celular, virando a tela para mim.
Ali estava a foto de uma bela mulher. Pele branca, olhos
terrivelmente claros, cabelos da cor do sol. Pelos traços, parecia uma
russa.
— Irina Orlov — Vincenzo falou.
Franzi o cenho.
Orlov era o sobrenome dos líderes da máfia russa.
— Ela é a “princesinha” da máfia russa. — Vincenzo continuou.
— A filha querida e amada de nosso inimigo Orlov. E é também a
chave principal do nosso acordo. A garantia de que os russos não
vão se virar contra nós.
— Como assim? — Mesmo com o desespero e temendo pelo
meu destino e de Nina, não consegui evitar e a curiosidade falou
mais alto.
— Irina é o preço e a garantia da paz fria e submissa com os
russos. Ela será enviada aqui para a Itália e se casará com um
Caccino. Eles pensarão duas vezes antes de agirem contra nós. Se
nos atacarem, a querida Irina dos Orlov sofrerá as consequências.
Foi o que eu exigi para os Orlov. Acho que você já consegue
imaginar a reação desagradável que tiveram. Mas perceberam que,
se não cumprissem minha vontade, seus homens que estão em
nossa posse morreriam. E as coisas não acabariam por aí. Não
pararíamos até que o último russo da máfia Orlov deixasse de
respirar.
Minha cabeça girava. Porra. Não imaginava que Vincenzo era
capaz de trazer a herdeira dos russos para cá e obrigá-la a se casar
com um dos nossos. O casamento era uma fachada. Ela seria nossa
refém. A vida dela dependeria de como os Orlov agiriam com os
Caccino dali para frente. Alessio e os russos tinham mexido com a
pessoa errada.
Me remexi na cadeira, desconfortável, ansioso.
— E por que está me contando tudo isso?
— Porque quero que se case com Irina e se torne meu novo
Consigliere.
Fiquei encarando Vincenzo, absorvendo suas palavras. Eu
tinha entendido certo? Ele queria que eu assumisse o acordo de
casamento com os russos e me assumisse o cargo deixado por
Alessio?
Puta merda.
Era daquela forma que ele me puniria?
Não pude deixar de avaliar a ironia da coisa toda.
Na noite em que conheci Nina, fui até a festa organizada por
Vincenzo, determinado a mostrar meu valor para meu irmão, pois
queria ganhar seu respeito e ser merecedor de um posto importante
e de confiança dentro da nossa família.
E ali, agora, depois de tudo, o que eu havia desejado por anos
estava sendo oferecido de bandeja para mim.
Mas tudo o que eu sentia na boca era um gosto de cinzas e
amargor.
Pois aquilo não tinha mais nenhum significado para mim.
Como não havia mais nada para fazer, puxei o ar e encarei os
olhos de Vincenzo.
Os olhos do Capo.
Os olhos do homem e irmão a quem eu devia obediência e
submissão.
— Não posso.
Meu irmão curvou o canto da boca, o semblante sério, fechado.
— Por que não?
Não ousei romper nosso contato visual.
— Porque estou apaixonado por Nina.
O silêncio que se espalhou pelo escritório elegante foi o mais
longo que experimentei em toda a minha vida.
Me preparei para a reação de Vincenzo, para sua explosão,
para sua fúria, para ver o cano da arma apontado para mim.
Mas não mudaria minha decisão.
Preferia sangrar em suas mãos do que jurar compromisso para
qualquer outra mulher que não fosse Nina.
E então, Vincenzo riu.
Sim.
Riu.
Sua reação inesperada me deixou ainda mais confuso.
— Porra, Marco, você é previsível pra cacete.
Pisquei, sem entender merda nenhuma.
— É claro que você iria vir com esse papo de amor. Você
sempre foi mais parecido com nossa mãe do que eu. Impetuoso,
descontrolado, mas sentimental.
Se eu não estivesse sentado, teria caído para trás.
— Vincenzo...
— Vocês dois acharam mesmo que eu não ia perceber a troca
de olhares apaixonados que davam um para o outro toda vez que
estavam no mesmo cômodo? Porra, fiquei dois dias com vocês e
saquei toda a merda. É claro que você ama a Nina. E estava mais do
que óbvio que nunca aceitaria minha proposta para se casar com
Irina.
Meu coração batia descompassadamente, alucinadamente.
— Mas os russos...
— Tenho as pedras. — Vincenzo continuou. — E vou me casar
com Irina. Se quero que o acordo seja cumprido da melhor forma
possível, manterei tudo sob meu controle. O amor só serve para um
dos irmãos Caccino, e eu não sou o Caccino escolhido.
Minha mente ainda estava confusa pra caralho.
— Então Nina e eu...
— Vocês dois me apunhalaram pelas costas. — As palavras de
Vincenzo eram frias. — Mas vocês dois também salvaram minha vida
no cativeiro de Alessio. Porra, salvaram minha perna. Tenho uma
dívida com vocês. E um Caccino nunca deixa uma dívida em aberto.
Acho que eu não estava respirando direito.
— Isso quer dizer que Nina e eu estamos perdoados?
Vincenzo deu um riso frio, perigoso.
— As coisas não funcionam assim, irmãozinho. Sou o Capo da
máfia Caccino. Apesar da dívida entre nós, não posso me esquecer
de que você tomou o que era meu. Então, eis minha proposta:
levante-se, pegue Nina e vá embora dessa mansão, do coração
dessa máfia. Vocês têm dez minutos. Nunca mais pisem na Itália
outra vez. Se qualquer uma dessas ordens for desobedecida, farei
chover balas sobre vocês dois. — Vincenzo ergueu a arma,
balançando-a no ar. — Estamos entendidos?
Meu irmão não precisou repetir duas vezes.
Ainda bem que ele também já tinha ordenado para que Nina
fizesse as malas.
Com um movimento brusco, me levantei da cadeira e saí
correndo do escritório, indo atrás de Nina.
31
NINA

— Por favor, me deixem sair!


Eu já havia perdido as contas de quantas vezes tinha repetido
aquelas súplicas para os soldatos desde que Marco tinha sido levado
a força.
Mas os homens de Vincenzo, que mais pareciam armários em
vestes finas, se mantinham imóveis, me impedindo de sair do quarto.
Controlei as lágrimas, sufocando meu desespero e minha
vontade de gritar.
Tudo o que eu pensava era em minha mãe e em minha irmã.
Elas estavam em algum lugar da Turquia. Por enquanto, salvas da
tempestade que eu havia atraído para nossas vidas. Será que eu
voltaria a vê-las outra vez?
Tentei passar pela porta outra vez, segurando o restante da
dignidade que me pertencia, quando vi Marco correndo pelo corredor
na minha direção.
Meu coração disparou.
Pelo menos, ele estava vivo.
— Pegue a mala! — Marco gritou. — Pegue tudo o que
conseguir!
Um pedido estranho, considerando que havíamos assinado
nossa sentença de morte.
Com pressa, puxei a mala pesada com as coisas que Vincenzo
havia me dado. Em um movimento perfeito, os soldados abriram
caminho e disparei na direção de Marco
O olhar dele tinha mudado.
Medo.
Confusão.
Mais medo.
Certo.
Iríamos mesmo morrer.
Ele segurou minha mão, me levando para a saída da mansão.
O que estava acontecendo?!
Deixamos a mansão para trás, correndo pelo jardim, fugindo de
sabe-se lá o quê. Em algum momento, meus sapatos saíram dos
meus pés, a mala se soltou, abrindo e espalhando os pertences pelo
gramado impecável dos Caccino.
— Nina!
Antes que eu pudesse entender qualquer coisa, Marco me
pegou no colo e me ergueu como se eu fosse uma princesa.
O movimento falho, somando a nossas velocidades de fuga, fez
com que nós dois rolássemos no gramado.
E então, ele começou a rir.
Ria de forma doce, como um menino.
Comecei a rir também, mas era de desespero.
— Nina! Ele nos deixou ir, não temos tempo, temos que sair o
mais rápido daqui.
— O quê?
— A gente dá um jeito de arranjar grana, vamos para o
aeroporto, vamos embora daqui, temos dez minutos, vamos!
Muito confusa, e entendendo muito pouco das palavras rápidas
que ele dizia, comecei a rir baixo, desta vez, aliviada.
O semblante de Marco demonstrava que estava tudo bem, e eu
achei graça nisso.
— Quer dizer que acabou, que podemos ficar juntos?
Ainda não conseguia acreditar.
— Podemos, e vamos, Nina.
Eu voltaria para casa? Veria mamma e Liz?
— Minha Nina, aceita ficar o resto da sua vida comigo? — Ele
piscou demoradamente, um pouco inseguro ao esperar minha
resposta.
O silêncio entre nós reinou por alguns minutos. Eu não tinha
dúvidas da resposta, no entanto não estava totalmente pronta para a
pergunta.
— É claro que aceito!
O meu Caccino nos levantou do gramado. Vi que os olhos fixos
dele estavam com algumas lágrimas prestes a escapar. Sem permitir
que eu assistisse mais de sua “fraqueza”, ele me abraçou, beijando
meus lábios três vezes consecutivas.
— Ah, Nina... Vamos ficar fodidos e sem grana, mas vamos
ficar juntos!
Abaixei a cabeça e joguei meu olhar para cima, estreitando
meus lábios em um quase sorriso.
— Que cara é essa?
Coloquei uma das mãos dentro do meu sutiã.
Ainda com a expressão enigmática, arranquei um segredo que
estava em meus seios.
Abri a mão devagar.
— Não estamos fodidos, nem sem grana… — declarei,
revelando para ele uma das pedras preciosas roubadas por meu pai
que eu havia escondido mais cedo, durante toda a confusão da
cachoeira.
Nem os russos, nem os italianos, haviam dado pela falta dela.
Vincenzo tinha ficado com tudo e não sabia quantas eram. Depois de
todo o inferno que passei, merecia ficar com alguma coisa. Nem que
fosse para bancar o tratamento de Liz.
Marco devolveu o sorriso para mim, fechando sua mão sobre a
minha.
Trocamos um olhar cúmplice, demonstrando que era um furto
que concordávamos em assumir.
Nos beijamos mais uma vez, selando nosso contrato
infracional.
— Vamos, temos que ir!
— A mala! — Apontei para onde ela estava aberta, para as
roupas e pertences espalhados no gramado. — Por que Vincenzo
pediu que eu arrumasse a mala?
— Acho que ele já sabia que isso ia acontecer. Mas não
precisamos dela. Fica de lembrança para ele. Só vamos embora
daqui.
Deixei os sapatos e deixei a mala na sede dos Caccinos.
Eu e Marco corremos de mãos dadas em direção às ruas da
Itália, em busca de um táxi, ou de qualquer coisa que nos levasse o
mais rápido embora daquele lugar.
Parecia cena de filme.
Não, de filme não.
Uma cena de livro. Dos livros que eu tanto amava ler e que
sonhava em fazer parte da história. Agora eu estava vivendo a minha
história. Estava correndo para o meu final feliz.
— Marco?
— Diga, meu amor.
— Eu também te amo.
EPÍLOGO
MARCO
Ilhas Cayman
Alguns meses depois

Sentado em uma cadeira confortável, diante de uma visão


estonteante do oceano azul que cintilava à luz do sol, fechei meu
caderno de desenhos. Já havia feito esboços de mais para um dia. E
por mais que amasse desenhar minha musa inspiradora, olhá-la e
tocá-la era muito mais divertido.
Ergui a cabeça, procurando por Nina.
Como se sentisse o chamado do meu olhar, Nina se virou para
mim, os cabelos esvoaçando ao sopro da brisa marinha.
Ela sorriu, e eu sorri de volta.
Meu coração disparava toda vez que a olhava. Ainda mais
agora. Acompanhando meu olhar, a mão de Nina desceu pela
barriga saliente, que marcava sua gravidez avançada.
Eu ainda me lembrava da surpresa que foi quando descobrimos
que ela estava grávida. Surpresa? Bom, nem tanto, visto que não
tínhamos usado nenhuma proteção nas primeiras vezes em que
ficamos juntos. Mas, mesmo assim, uma surpresa por saber que
mais uma vida estava a caminho.
A mãe dela achava que teríamos um menino. Nina tinha
certeza de que carregava uma menina.
E quanto a mim?
Menino, menina... Não me importava. Só queria que nossa
criança tivesse os mesmos olhos da mulher da minha vida.
Me levantei e fui andando até Nina.
No meio do caminho, nossa atenção foi desviada quando um
riso cristalino e divertido imperou pela praia.
— Nina, veja! Que concha linda! Vou guardar para a caixinha
que estou preparando para meu sobrinho ou sobrinha!
Nina sorriu para Liz, e pude ver as lágrimas que se
acumulavam em seus olhos toda vez que ela fitava a irmã.
O tratamento na Turquia tinha dado certo.
Os meses seguintes não foram fáceis, mas, aos poucos, Liz
voltou a andar.
E quase prendi o ar com a cena ao observar a menina
caminhando até Nina, mostrando a concha que tinha encontrado.
— É linda, não é?
— É sim, meu amor. — As lágrimas emocionadas, que Nina
tentava disfarçar, continuavam ali, lampejando no azul de suas íris.
Liz sorriu, extremamente satisfeita.
— Vou mostrar para mamma.
Nina assentiu e Liz se virou, seguindo para dentro da casa
onde eu, minha esposa, a mãe dela e irmã vivíamos. Nosso lar.
Onde eu havia feito questão de construir uma biblioteca gigantesca
para Nina, para que ela tivesse todos os livros que desejasse. Para
que tivesse tudo o que desejasse. Assim que nosso bebê nascesse e
ficasse maiorzinho, também convenceria minha garota a estudar
medicina. Realizaria todos os sonhos dela.
A vida estava sendo boa para nós. A joia penhora também
contribuíra para isso, mas era um mero detalhe.
Vincenzo havia cumprido sua palavra. Não nos caçara, não
mandara ninguém atrás de nós, desde que jamais voltássemos a
pisar na Itália.
Uma regra que tínhamos seguido à risca.
Achei que sentiria falta da minha terra natal, mas descobri que
meu lar era onde Nina — e nosso futuro bebê — estavam.
E por falar em Vincenzo... Não tinha mais notícias do meu
irmão. Não sabia se havia se casado mesmo com a russa. Não sabia
como andavam os negócios da família. E, no fundo, preferia não
saber. A paz que eu conquistara era preciosa demais para ser
arriscada, embora, às vezes, eu me pegasse pensando em como
meu irmão estaria.
— Você está com aquela cara de novo — Nina sussurrou,
passando os braços ao redor do meu pescoço. — Está pensando em
Vincenzo?
— Acho que jamais deixarei de pensar nele. Mas Vincenzo
sabe cuidar da própria vida. E nós... — Desci minha mão para a
barriga dela. — Nós temos a nossa vida preciosa para cuidar.
Nina sorriu, e nossos lábios se encontraram em um beijo
inevitável.
— Você se lembra da noite em que nos conhecemos? — ela
murmurou, a boca roçando na minha.
— Claro que me lembro.
— Naquela noite, eu achava que minha vida tinha acabado.
Que pagar a dívida do meu pai era tudo o que restara para mim.
Hoje, vejo que minha vida estava apenas começando. Que, se não
fosse por tudo o que aconteceu, não estaríamos aqui e agora.
As palavras dela me agitaram por dentro.
Naquela noite, eu também tinha pensado a mesma coisa.
Que minha vida não era nada mais além de viver na sombra de
Vincenzo.
Segurei sua mão, a mão onde eu colocara uma aliança de
casamento, igual a que eu carregava em meu dedo anelar.
— Ainda bem que nós dois estávamos errados — sussurrei de
volta, e a puxei para mim, unindo nossos lábios outra vez.
O tempo todo, sem que soubéssemos, estávamos destinados a
pertencer um ao outro.
— Marco, eu já disse que te amo hoje?
— Já. — Sorri contra sua boca. — Mas pode dizer quantas
vezes quiser. Porque eu também te amo, Nina. Te amei desde o
primeiro instante. E te amarei até o meu último suspiro.

Fim
Agradecimentos
“Noiva Proibida” é o primeiro livro da Máfia Caccino.

Agradeço demais a você que chegou até aqui e que deu uma
chance para a história.

Muito obrigada!
Conheça “Noiva Indomada”: a história de
Vincenzo e Irina
EM BREVE NA AMAZON
Irina Orlov carrega no sangue a herança da máfia russa e sempre
soube que um dia teria que honrar aquele legado. Só não imaginava
que, após um movimento errado de sua família, ela acabaria presa
em um noivado com o Don italiano da temível Máfia Caccino.

Vincenzo Caccino não perdoa traições. Como chefe da máfia que


comanda a Itália, ele se vê com sede de vingança após quase morrer
nas mãos dos russos. E, em um acordo para punir os inimigos, exige
que lhe entreguem a "princesinha" russa para ser sua noiva.

Vincenzo está acostumado a ter tudo aos seus pés. Irina não é o
tipo que abaixa a cabeça. E quando o mundo deles colidirem, nada
mais será o mesmo. É possível que um casamento motivado pela
vingança se torne uma paixão arrebatadora?

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