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Conselho Editorial
Agenor Sarraf Pacheco - UFPA Livia Reis - UFF
Ana Pizarro - Universidade Santiago/Chile Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro - UFAM
Carlos André Alexandre de Melo - UFAC Marcela Orellana - Universidade Santiago/
Elder Andrade de Paula - UFAC Chile
Francemilda Lopes do Nascimento - UFAC Marcia Paraquett - UFBA
Francielle Maria Modesto Mendes - UFAC Maria Antonieta Antonacci - PUC/SP
Francisco Bento da Silva - UFAC Maria Chavarria - Universidad San Marcos
Francisco de Moura Pinheiro - UFAC Maria Cristina Lobregat - IFAC
Gerson Rodrigues de Albuquerque - UFAC Maria Nazaré Cavalcante de Souza - UFAC
Hélio Rodrigues da Rocha - UNIR Miguel Nenevê - UNIR
Hideraldo Lima da Costa - UFAM Raquel Alves Ishii - UFAC
João Carlos de Souza Ribeiro - UFAC Sérgio Roberto Gomes Souza - UFAC
Jones Dari Goettert - UFGD Sidney da Silva Lobato - UNIFAP
Leopoldo Bernucci - Universidade da Califórnia Tânia Mara Rezende Machado - UFAC
Das margens
1ª edição
Apresentação
Tanto os títulos dos textos e falas dos demais colegas quanto minha
fala devoram conceitos que veem sendo elaborados ao longo dos anos por Ibã:
política dos artistas e pedagogia Huni Kuin. A natureza deste texto assim como
do filme O sonho do nixi pae não é explicar, interpretar, mas de experimentação
e bricolagem. Não se trata de compreender, mas de colocar os textos um ao
lado do outro, como as imagens dos cantos huni meka: nai mãpu yubekã (céu
pássaro jiboia). Parataxe, bricolagem.
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Puke Dua Ainbu, obra do MAHKU, realizada durante o IX Simpósio Linguagens e Identidades da/
na Amazônia Sul-Ocidental: “Línguas e literaturas indígenas”
Cosmopolítica
Quando se fala em civilizado, eu não quero esse tipo de
civilização.1
Esta sopa de lama tóxica que desce no rio Doce e descerá
por alguns anos toda vez que houver chuvas fortes e irá
para a região litorânea do Espírito Santo (ES), espalhan-
do-se por uns 3.000 km2 no litoral norte e uns 7000 km2
no litoral ao sul, atingindo três UCs marinhas - Com-
boios, APA Costa das Algas e Refúgio de Vida Silvestre
de Santa Cruz, que juntos somam uns 200.000 ha no mar.
Os minerais mais tóxicos e que estão em pequenas quan-
tidades na massa total da lama, aparecerão concentrados
na cadeia alimentar por muitos anos, talvez uns 100 anos.
Refúgio de Vida Silvestre de Santa Cruz é um dos mais
importantes criadouros marinhos do Oceano Atlântico. 1
hectare de criadouro marinho equivale a 100 ha de flores-
ta tropical primária. Isto significa que o impacto no mar
equivale a uma descarga tóxica que contaminaria uma
área terrestre de de 20.000.000 de hectares ou 200.000
km2 de floresta tropical primária. E a mata ciliar também
tem valor em dobro. Considerando as duas margens são
1.500 km lineares x 2 = 3.000 km2 ou 300.000 hectares de
floresta tropical primária. Vocês não fazem ideia.
O fluxo de nutrientes de toda a cadeia alimentar de 1/3
da região sudeste e o eixo de ½ do Oceano Atlântico Sul
está comprometido e pouco funcional por no mínimo 100
anos! Conclusão: esta empresa tem que fechar. Além de
pagar pelo assassinato da 5ª maior bacia hidrográfica bra-
sileira. Eles debocharam da prevenção e são reincidentes
em diversos casos. Demonstram incapacidade de opera-
ção crassa e com consequências trágicas e incomensurá-
veis. Como não fechar? Representam perigo para a segu-
rança da nação!
O que restava de biodiversidade castigada pela seca ago-
1
Valdelice Veron.
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ra terminou de ir. Quem sobreviverá? Quais espécies de
peixes, anfíbios, moluscos, anelídeos, insetos aquáticos
jamais serão vistas novamente? A lista de espécies desa-
parecidas foram quantas? Se alguém tiver informações,
ajudariam a pensar. Barragens e lagoas de contenção de
dejetos necessitam ter barragens de emergência e plano de
contingência. Como licenciar o projeto sem estes quesitos
cumpridos? Qual a legalidade da licença para operação
sem a garantia de segurança para a sociedade e o meio
ambiente?
Mar de lama... mas não seria melhor evitar que a lama
chegasse ao mar? Quem teve a brilhante ideia de abrir as
comportas das barragens rio abaixo em vez de fechá-las
para conter a lama e depois retirar a lama da calha do rio?
Quem ainda pensa que o mar tem o poder de diluição
da poluição? Isto é um retrocesso da ciência de mais de
1 século!!!!! Sendo Rio Federal a jurisdição é do governo
federal portanto os encaminhamentos devem serem feitos
ao MPF.2
No dia 05 de Novembro, na cidade de Mariana/MG,
duas barragens de rejeitos da Samarco Mineração e Vale
se romperam, causando uma enxurrada de lama que des-
truiu o distrito de Bento Rodrigues, causando mortes,
desaparecimentos, destruindo famílias, e trazendo pânico
àquela população.
Mas o estrago não para por aí! Essa lama, comprovada
que é tóxica, veio passando por diversas outras cidades...
e chegou aqui, na Princesa do Vale, invadiu o nosso Rio,
acabou com nossa água.
A cidade não tem água! É isso mesmo gente: NÃO TEM
ÁGUA! Nem no Rio, nem nas torneiras... não há abaste-
cimento de água e a previsão é que isso irá durar no míni-
mo 30 dias! E o que é ainda pior.... Não temos água nem
para comprar! Sim! É verdade! Acabaram os estoques dos
supermercados! Estamos todos desesperados por água! É
fácil saber quando chega algum caminhão com água...há
filas kilométricas com pessoas e seus galões para comprar
água, que muitas vezes são limitadas as vendas a 1 ou 2
galões por pessoa.
É surreal! As pessoas brigam por água! Boletins de ocor-
rência são feitos por causas das desavenças. Ladrões ago-
2
André Ruschi, Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi, Aracruz, Santa Cruz, Espírito
Santo.
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ra roubam água... é perigoso andar na rua com galão de
água. Estão roubando mesmo! E além dos ladrões desca-
rados, há também aqueles que se aproveitam do momen-
to, comerciantes sacanas que elevaram o preço do galão
para obter lucro exorbitante dessa população que tanto
sofre. Os caminhões com água que chegam a Valadares,
estão vindo escoltados pela Polícia! Acha que é exagero?
Não é não! Saquearam carga de galões de água! Valadares
vive dias de puro terror! O clima é de medo, apreensão,
incertezas, desespero e muita tristeza. Universidades, es-
colas, comércios, estão parados! A cidade fede! As pesso-
as vão para as pontes ver o antigo Rio, incrédulas, e saem
de lá na mais profunda tristeza ao ver milhares de peixes
agonizando, sem água, e não sabendo como será Valada-
res no futuro!3
Quando saí de casa, na semana passada, pensava vir aqui falar do
trabalho que, a partir de uma perspectiva literária e linguística, vem sendo
realizado há anos pelo Ibã, os artistas Huni Kuin e por mim. Porém, algo
mudou no caminho e a Terra entrou em minha fala de maneira devastadora.
A filósofa belga Isabelle Stengers cunhou uma expressão para refe-
rir-se ao que estamos vivendo no planeta e nas ciências humanas: intrusão de
Gaia, isto é a intrusão da Terra. Ela define o conceito de cosmopolítica como
a insistência do cosmos na política. Como não falar hoje sobre isso, se a Terra
irrompe como problema urgente. Estou falando da tragédia da Vale do Rio
Doce sim, mas também dessa lama do código de mineração que vem arras-
tando IIRSA, Belo Monte, PEC 215 etc. E não se trata de falar de ecologismo
ou jornalismo ambiental (duas competências das quais quero aqui, sobretudo,
me distanciar). Estamos tratando de outro assunto. Se o humano e sua força
destrutiva se tornam uma potência geológica isso é sim um problema para as
ciências humanas também. Isso pode ser pensado, inclusive, como o grande
problema das ciências humanas, pois, como pensar agora a perspectiva e os
pressupostos com que olhamos os outros povos, as outras espécies?
É em relação a esse etnocentrismo e esse especismo que gostaria aqui
de apresentar o trabalho do MAHKU e o tipo de pacto etnográfico ou a TAZ
(Zona Autônoma Temporária) ou a máquina de guerra que pensamos resultar
dessa zona de vizinhança (os dois termos são de Deleuze e Guattari) entre
distintos regimes de pensamento. Mas espera... o que tem a ver arte e ecologia?
3
Thatiane Carvalhais, moradora de Governador Valadares.
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Será que é porque nós, no MAHKU, desenhamos animais e plantas? Não, não
é definitivamente o fato de desenharmos animais e plantas, não é disso que se
trata. Pensamos que operamos numa ecologia que não se restringe ao que se
costuma chamar de natureza (em oposição à cultura, separação que constitui
o mito por excelência do pensamento ocidental), mas numa ecologia que atra-
vessa as subjetividades, as socialidades, à ciência. Talvez uma cosmopolítica, já
que começamos com Stengers, termo também utilizado por Gersem Baniwa.4
Desse modo, o que quero fazer a partir daí é começar a tratar do
MAHKU (e do projeto Espírito da Floresta) a partir de um diálogo com a obra
recém-publicada de Bruce Albert e Davi Kopenawa Yanomami, A queda do céu.
Esse livro, que levou quase trinta anos para ser escrito, consiste basicamente
num exercício xamânico em que Davi nos descreve detalhadamente como os
xapiri veem o mundo e, principalmente, com veem os brancos. Ele também
consiste, de certa forma, em um totem para uma antropologia contemporânea
que articula na noção de cosmopolítica dois problemas: o perspectivismo ame-
ríndio e o Antropoceno. Cosmopolítica seria uma outra maneira de ver aquilo
que chamamos de animismo para, de certa forma, zombar do pensamento dos
indígenas quando nos diziam que tudo o que sabiam aprenderam e aprendem
no exercício dessa cosmopolítica.
Feridas Narcísicas
Quero contar uma experiência que vivi quando estive pela primeira
vez entre os Kaiowa, no ano 2000, em Dourados, Mato Grosso do Sul. Passei
um mês acompanhando o trabalho dos professores nas escolas e escrevi um
relatório. Quando estava indo embora, a professora Edina Souza, filha do
grande líder guarani Marçal de Souza, assassinado pelo agronegócio (em 1983),
que era a coordenadora do projeto e me presenteou com Nhande Rembypy, um
grande acervo das artes verbais Kaiowa. Nesse livro ela escreveu uma epígrafe
em que dizia que esperava que eu fosse uma estrela brilhante para o meu povo.
O leve desapontamento que tive na hora (visto que esperava ser uma estrela
brilhante para os Guarani) guardo até hoje como a grande lição que ela me
deu então, algo como: “- Nós não precisamos de ajuda, vocês precisam”.
O crime da Vale escancara de vez como funcionam os tantos poderes
do Estado (e paralelos a ele) no capitalismo. Além do marco de um dos maiores,
senão o maior, crime socioambiental de nossa história, estamos diante de um
4
Cf. capítulo 3 deste livro.
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outro marco. Trata-se de um marco de linguagem: o modo como a empresa
pode se servir dos meios de comunicação que possuem concessão do Estado
como sua gerência de relações públicas: à mídia foi delegada a função de manter
imaculado de lama o novo código de mineração em preparação.
Mas e a universidade? Não a universidade enquanto parte da sociedade
(solidária às vítimas desse crime), mas enquanto potência de pensamento? E
essa universidade de resultados, está comprometida com quem? Como lidar
hoje com o prêmio sustentabilidade da Capes, patrocinado pela Vale? É disso
que se trata, é isso que precisamos refletir quando nos dispomos a “ajudar” os
povos indígenas. Quem realmente precisa de quem? Como afirmou Marcela
Orellana, não tenho respostas, apenas perguntas.
Sabemos que o antropólogo Pierre Clastres, quando revolucionou a
antropologia política cunhando a termo Sociedades contra o Estado, referia-se
não simplesmente a como se organizavam os povos ameríndios, mas à maneira
de percebermos esses povos do continente sempre como povos a quem falta
algo: Sociedades sem escrita, sem história, sem Estado, sem fé, sem lei, sem
rei. Porém, quando as tomamos como Sociedades contra Estado, afirmamos
sua positividade (a possibilidade da multiplicidade, de um outro movimento
que não leva necessariamente até nós, os civilizados), já que são aquelas so-
ciedades que criam dispositivos para inviabilizar a concentração do poder, isto
é, o Estado e tudo o mais que vem com ele.
Com esse movimento, Clastres propunha que o pensamento selvagem,
no sentido que o antropólogo Claude Lévi-Strauss dá ao termo, não era um
instrumento para explicarmos, amansarmos ou até defendermos os indígenas,
e sim um instrumento para percebermos, a partir da perspectiva indígena,
como o Estado está impregnado em nosso pensamento acadêmico, em nossa
percepção, em nossa linguagem.
Vou contar outra história. Ela está no filme O sonho do nixi pae. É
rápida, talvez não se perceba bem. Em 2012, fomos convidados a falar no
CESTA, Centro de Estudos Ameríndios, na USP. Quero que me entendam, não
falo de pessoas, falo de uma mentalidade que pode nos ensinar algo. E reitero
que isso não é uma denúncia, não nos estou vitimizando, só quero apresentar
como se dá o conflito de pensamentos em uma experiência prática. O vídeo
está disponível na íntegra na página do CESTA, no Vimeo. A professora e
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antropóloga Dominique Gallois, que coordena o grupo pergunta a Ibã, que
está ao meu lado:
Dominique: - Vou te dizer que minha pergunta é de muita
curiosidade, por que em geral na Amazônia os programas
de formação de pesquisadores indígenas na universidade
não são lá muito bons. Eu queria entender o que que você
sentiu, qual foi a diferença, se a universidade te trouxe
novas ideias de fazer pesquisa, ou se você continua pes-
quisando como você aprendeu no começo?
Ibã: - Realmente a universidade é uma instituição maior,
mas ao mesmo tempo a universidade tem que aprender
comigo... (...)
Não satisfeitos com a resposta de Ibã, prosseguiram:
Aluna: - Você falou que a Universidade tem aprender com
você. Eu queria saber como que isso acontece?
Ibã: - Meus conhecimentos são diferentes, mas mesminho
conhecimento, eu sou da cultura diferente; eu aprendo
com a Universidade, a universidade tem que aprender co-
migo, é isso que eu tô olhando; eu tô vendo isso acontecer.
Um aluno e Dominique: - Dá um exemplo Ibã!
Ibã: - Eu falo na minha língua: ‘Nai mãpu yubekã’, você
entende? ‘Não’ Aí você tem que me perguntar. (Risos)
Dominique: - Mas você criou alguma disciplina nova ou
você e os outros índios tem que se encaixar dentro das
disciplinas que os acadêmicos... é isso que eu queria en-
tender, se você criou, se a universidade aprende com você,
a universidade mudou o seu programa com base na tua
sugestão ou ainda são vocês que se encaixam dentro do...
Ibã: - Nós se encaixa dentro do...
Literatura indígena
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de escavar a linguagem, e de faze-la escoar seguindo uma
linha revolucionária sóbria? Como devir o nômade e o
imigrante e o cigano de sua própria língua? Kafka diz:
roubar a criança no berço, dançar sobre a corda bamba.5
5
Deleuze e Guattari, Kafka, por uma literatura menor, 2014.
85
Oficina de canto Huni Kuin com a participação do Coral da UFAC, durante o IX Simpósio
Linguagens e Identidades
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Pensamento selvagem
O antropólogo Pierre Clastres, em um pequeno texto, trata de uma
questão que lhe interessa por toda sua obra: de que natureza é “nossa” inca-
pacidade de “nos” comunicarmos com os povos originários deste continente.
O uso que ele faz do “nós” merece atenção. Nós somos os ocidentais, os
colonizadores, os antropólogos, etc. Porém, cuidado, pois aqui se trata de um
texto sobre Lévi-Strauss, o que muda ligeiramente a natureza desse pronome
nós. Quando nos referimos a nós e eles, a partir de Lévi-Strauss, falamos do
pensamento de uma maneira muito distinta da que se falava até então. Até
então, década de 1960, quando este autor escreve O pensamento selvagem, os
indígenas eram considerados primitivos ou como se estivessem numa espécie
de infância do pensamento.
Com Lévi-Strauss e a ideia de pensamento selvagem, isso muda
e abrimos uma dimensão em nossa tradição epistêmica (e ontológica) para
imaginar imaginações diferentes da nossa. Voltando a Clastres, a ele interessa
justamente isso: como podemos imaginar uma outra imaginação se o que de-
fine o nosso pensamento é a violência com o outro, o silenciamento violento
da alteridade justamente no plano do pensamento?
Para resumir, Clastres conclui apontando para as monumentais
Mitológicas de Lévi-Strauss, que se trata de criar uma nova linguagem. Perce-
bam, essa nova linguagem é justamente o que me interessa, pois penso que ela
funciona como uma chave não para explicar o que Ibã está fazendo, mas para
nos darmos conta da dificuldade que é, para nós, sairmos do cerco instaurado
por nossa imagem do pensamento. Trata-se, portanto, de uma chave que nos
permite saber ao menos em que consiste imaginar uma outra imaginação,
ou compreender o que acontece quando nosso pensamento se encontra e se
confronta com um pensamento outro, já que esse é o problema fundamental
que atravessa o obra de Lévi-Strauss.
Não quero, portanto, aqui incorrer no erro de explicar Ibã, explicar
o MAHKU, explicar os huni kuin. O que pretendo é criar referências para que
nós, que estamos aqui, tenhamos a possibilidade de interagir com o tipo de
cosmopolítica que esses pajés-artistas constroem com seus aliados acadêmicos
ou artistas (aliado que é sempre o inimigo possível) por um lado, e com seus
aliados espíritos, por outro, para dar continuidade à sua velha guerra pela
supervivência.
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Por isso acredito que se trata sim de literatura. Porém não de uma
literatura entendida em nossa tradição representacional em que o livro é a
imagem do mundo, mas, para buscar o rizoma que abre o livro para todas
as conexões cósmicas, um livro vivo, um livro cantado, um livro ritual com
todas as suas dimensões semióticas: corpo, tempo, espaço, velocidade, sons,
imagens, etc.
Afirmei para Ana Pizarro que retomaria sua fala do ponto em que a
mesma parou porque penso que outras maneiras de ler a literatura se abrem em
momentos de uma revolução tecnológica dos meios, uma revolução de tantas
dimensões como a pela qual passamos, redefinindo completamente nossa relação
com a linguagem e redefinindo, sobretudo, o que somos. Penso que vivemos
uma revolução nas proporções da que viveram os gregos com a invenção e
prática do sistema alfabético. Assim como aquela transformou a percepção do
mundo, o corpo e a própria “realidade”, instaurando uma ontologia própria,
nesta revolução que vivemos, aprender a ler implica transformar a percepção
e transformar o que entendemos por mundo, corpo, humano. Nesse processo,
aproveitando-se dessa revolução, os Huni Kuin veem aqui uma brecha, uma
entrada para o mundo, até então fechado para essas outras “línguas” e esses
outros pensamentos humanos e extra-humanos – a exemplo da fala da jiboia,
do jacaré, do cipó nixi pae e tantos outros espíritos yuxibu – que nos incitam a
experimentar as delícias da terra, assim como nos incitam a nos impactarmos
com o mar de morte da mineradora Vale/Samarco.
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Referências
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vimiento de los Artistas Huni Kuin” In: Index Revista de Arte Contemporáneo.
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VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. A inconstância da alma selvagem e outros
ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
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