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Motriz, Rio Claro, v.16 n.3 p.620-628, jul./set. 2010 doi: http://dx.doi.org/10.5016/1980-6574.

2010v16n3p620

Artigo Original

Narrativas do corpo e da gestualidade no jogo da capoeira

João Carlos Neves de Souza e Nunes Dias


Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento (GEPEC) da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
Grupo de Estudo e Pesquisa em Docência e Formação em Educação Física (GEPDEF)
da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL Brasil

Resumo: A partir da observação participante de um grupo de capoeira na cidade do Natal/ RN, busca-se
evidenciar nuanças de uma racionalidade tatuada no corpo e no gesto, a partir do jogo da capoeira. Para
tanto, aplicamos o método da fenomenologia proposta por Merleau-Ponty, a partir da sistematização de
notas visuais como ferramenta metodológica para a observação do gesto e do corpo no jogo da capoeira.
São apresentados argumentos a partir da intencionalidade da experiência do corpo na capoeira, que dizem
do humano, da sociedade e da cultura, na medida em que o sentido da gestualidade e do corpo são
tecidos nas ações mútuas, estabelecidas e reconhecidas pelos sujeitos.
Palavras-chave: Corpo. Gesto. Capoeira.

Narratives of the body and gestures in the game of capoeira


Abstract: From the participant observation of a group of capoeira in the city of Natal/ RN, looks to show
nuances of rationality tattooed body and gesture, from the game of capoeira. To this end, we apply the
method of phenomenology proposed by Merleau-Ponty, based on the systematization of visual score as a
methodological tool for the observation of gesture and body in the game of capoeira. It presents arguments
from the intentionality of body experience in capoeira, saying the human society and culture, to the extent
that the meaning of gestures and body tissues are in the mutual actions, established and recognized by the
subjects.
Key Words: Body. Gestures. Capoeira.

Do corpo e do gesto na capoeira metafísica cartesiana, na decifração do mundo a


Solta a mandinga eh/ solta a mandinga partir da objetividade da razão. Nessa
Solta a mandinga eh, colega véi/ solta a perspectiva, às explicações em torno do
mandinga movimento humano e de sua gestualidade, são
Potência de criação de significados, o gesto reduzidas aos princípios da mecânica, que
está diante de mim como uma questão, ele me restringe a compreensão do movimento pelo
indica certos pontos sensíveis do mundo, deslocamento do corpo no espaço, na
convida-me a encontrá-lo ali (MERLEAU-PONTY, objetivação do humano e de suas relações,
1999, p. 252). É da experiência do corpo que negando o sujeito, a subjetividade e seu contexto,
partimos para construir argumentos e sistematizar como também a cultura e seus símbolos
sentidos epistemológicos a partir do gesto e do (NÓBREGA, 2005).
corpo no jogo da capoeira. No corpo inscrevem- Ao considerarmos o corpo e o gesto é preciso
se narrativas, acontecimentos que marcam e se redimensionar a compreensão de movimento, no
materializam no corpo, percebidos a partir de sentido de superarmos dissecações da vida,
fragmentos, representações, imaginários e simplificações objetivas a partir de processos
simbolismos, em uma relação que considera racionalizantes. Ao contrário de se reduzir a um
tanto a história individual do sujeito, como dado mecânico, o gesto possui um sentido, uma
também as memórias coletivas de uma direção, compõe uma diversidade de
população, histórias que podem ser conhecidas significações, nos diferentes contextos
pelas escarificações no corpo, marcadas pela desenhados pela gestualidade do corpo,
relação do sujeito com o mundo e com o outro, caracterizando uma relação sempre original com
mediado pela cultura. o mundo. O sensível aqui não se apresenta como
Não se trata de pensar o corpo e sua algo que deva ser eliminado por conter erros, por
gestualidade a partir de uma perspectiva clássica, ser uma ilusão. O sensível define a essência do
fundamentando-nos em desdobramentos da ser, ele contém significações que singularizam o
Narrativas, corpo, gestualidade, capoeira.

sujeito e ao mesmo tempo permite a realidade, da experiência no mundo, é sempre


intercomunicação com a singularidade do outro, uma tarefa inacabada. No entanto é aqui que a
dando um novo sentido ao acontecimento (IDEM, atitude fenomenológica ganha sentido,
p. 70). Nessa relação de existência, que é tensionada pelo fio da história, pois “porque
corporal, o gesto é signo, significante, significado estamos no mundo, estamos condenados ao
e comunicação, expressão do pensamento sentido, e não podemos fazer nada nem dizer
simbólico. Considerar o gesto como “objeto” de nada que não adquira um nome na história”
reflexão nos leva a pensar sobre as relações (MERLEAU-PONTY, 1999, p .18).
humanas encarnadas no mundo.
A leitura aqui apresentada do gesto e do corpo
Tendo como ponto de partida a compreensão tem como lugar de referência o acompanhamento
que o sentido do gesto não está atrás dele, ele se de um grupo de capoeira da cidade do Natal/ RN.
confunde com a estrutura do mundo que o gesto Em uma participação sistemática (WACQUANT,
desenha e que por minha conta eu retomo, ele se 2002), numa tentativa de “enraizamento” com o
expõe no próprio gesto (IDEM, p. 253). É em grupo investigado, marcada pela aproximação e
direção a essa relação encarnada que aguçamos participação no grupo de capoeira investigado, o
nossa percepção, no sentido de fazer emergir pesquisador esteve presente durante um ano,
relações dessa tessitura, a partir de significações acompanhando o desenvolvimento das atividades
desenhadas pela precisão do gesto, pela do grupo, em treinamentos, em rodas e
plasticidade do corpo que se contextualiza na encontros. Essa aproximação possibilitou o
relação com o outro e com o mundo, acesso a gestualidade da capoeira, ao seu
particularmente no jogo da capoeira. universo simbólico, bem como ao acervo do
grupo, principalmente no que se refere a imagens
Para tanto, a capoeira é compreendida como
dos encontros promovidos pelo grupo nos últimos
um sistema cultural, lugar antropológico de
dez (10) anos na cidade do Natal/RN. Nos últimos
produção de singularidades a partir do corpo em
encontros foi possível estar presente enquanto
movimento, que se articula com uma diversidade
pesquisador, tendo a oportunidade de conversar
de elementos em sua sistematização, a partir da
com alguns mestres e colher depoimentos que
roda, dos instrumentos musicais, das músicas, da
nos falam da capoeira, das relações entre as
ginga, dos ritos, dos movimentos corporais de
pessoas e da vida em geral.
ataque, defesa, traumatizantes, floreio, que tem
como ponto de partida inicialmente a capoeira Os argumentos construídos a partir da
Angola e a capoeira Regional como estilos de participação e do acesso a materiais imagéticos
jogo de corpo, mas que abrem possibilidades (registros audiovisuais) do grupo possibilitaram a
para novas produções da gestualidade do corpo construção de notas visuais (FELDMAN-BIANCO;
em movimento (REIS, 2000). LEITE, 1998), fundamentos vivos de nossas
reflexões. De posse desses registros do grupo,
Percurso Metodológico que somava mais de quinze (15) horas de
Eu vinha pelo caminho/ uma cobra me mordeu encontros, foi realizado uma seleção das imagens
Meu veneno era mais forte/ foi a cobra que seguida de uma edição, no sentido de destacar e
morreu
evidenciar, de forma sintética, fragmentos do
Na aproximação do universo simbólico da repertório gestual sistematizado pelo grupo, nas
capoeira para o desenvolvimento dos rodas de capoeira, o que favoreceu a
argumentos, partimos da proposta visualização da multiplicidade de referências
fenomenológica, em particular a partir das gestuais presentes no grupo investigado. Para
contribuições do filósofo francês Maurice efeito de análise do material, passamos a
Merleau-Ponty. Uma perspectiva metodológica construção de um roteiro que favorecesse a
que tem como pressuposto fundamental a associação da diversidade dos sentidos do corpo
existência encarnada, para a observação e em movimento, somando-se à nossa
descrição do mundo-vivido (lebenswelt). Nesse intencionalidade de evidenciar sutilezas e
processo de descrição da realidade e de contrastes a partir dos elementos da gestualidade
imputação de sentidos, opera-se pela redução e do corpo no jogo da capoeira.
fenomenológica, momento fundamental do
Nesse sentido, a partir da análise das imagens
método, na medida em que a descrição da
destaco algumas categorias para ampliar a

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J. C. N. S. N. Dias

reflexão sobre a gestualidade e o jogo de corpo gestualidade é mobilizada e envolvida por


na capoeira: o estilo de jogo; a identificação e nuanças que exigem diferentes posicionamentos
relação entre os camaradas; o espaço; as do corpo, na relação com o outro, mediado pelo
técnicas e as dinâmicas de movimento do símbolo. Nas notas visuais, percebemos que as
corpo; e a sonoridade. A escolha desses técnicas corporais apresentadas pelo grupo em
elementos remete para a intencionalidade do questão variam entre angola, regional e o
pesquisador, em sua relação e experiência com o miudinho. Quanto a definição dessas técnicas de
sistema simbólico da capoeira. Compreendemos mobilização do corpo no jogo de capoeira, é
ainda que esse roteiro possibilitou articular vários comum o registro nos encontros do grupo de que
elementos simbólicos presentes nesse sistema a capoeira de angola é a capoeira “mãe”,
cultural, ampliando as possibilidades de primeira forma de sistematização, que tem como
atribuição de sentidos e significados nas relações principal referência mestre Pastinha; a regional é
intersubjetivas estabelecidas no jogo de capoeira. a capoeira construída e por mestre Bimba.
Nessas diferentes formas de expressão do corpo
Em síntese, do ponto de vista metodológico, a
no jogo da capoeira, há um hiato entre essas
partir dos registros narrativos e imagéticos que
duas linguagens corporais, como podemos
nos dizem do sistema cultural da capoeira,
observar, de maneira pontual, a partir de alguns
particularmente da apropriação realizada no
elementos sistematizados e divulgados por
grupo de capoeira Cordão de Ouro, foi realizado
pesquisadores da capoeira1:
uma leitura do corpo como símbolo, do lúdico e
da cultura como contexto e do sensível como  Capoeira Angola: original, tradicional, jogo
textura do conhecimento, uma aposta baixo, jogo lento, recreativa e maliciosa, envolta
em religiosidade e misticismo, integrada á cultura
epistemológica, ética e estética do pensamento. negra, praticas pelas camadas sociais
A opção metodológica da identificação de marginalizadas;
 Capoeira Regional: descaracterizada;
categorias de análise para a percepção do gesto
moderna, jogo alto, jogo rápido, agressiva e sem
e do corpo no jogo da capoeira não pretende malícia, secularizada e isenta de símbolos
esgotar as possibilidades interpretativas que religiosos, expressão da dominação branca,
podem ser construídas a partir de outros olhares praticadas pelos estratos sociais médios e
e de outras problemáticas, na medida em que a superiores.
ipseidade nunca é atingida: cada aspecto da É importante destacarmos que essas
coisa que cai sob nossa percepção é novamente compreensões e identificações nem sempre
apenas um convite a perceber para além e uma significam singularidades, mas às vezes
parada momentânea no processo perceptivo preconceitos, construções excludentes,
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 313). afirmações de legitimidade e originalidade, etc.
Compreendendo a relevância do grupo de No entanto, não é como fratura que observamos
capoeira investigado na confirmação, o quadro acima apresentado, mais como uma
continuidade, divulgação e reescrita do ethos da possibilidade de estarmos identificando formas de
capoeira na cidade do Natal/RN, bem como na uso do corpo, modificações da gestualidade no
reorganização de subjetividades a partir da jogo da capoeira, reconstrução de seus símbolos
linguagem corporal, na construção e e de seu sentido social.
desconstrução da tradição, alimentado a
dinâmica da cultura em torno da gestualidade da Considerando o cenário contemporâneo, bem
capoeira, apresentamos uma possibilidade de como uma análise inicial do material empírico
leitura do corpo no jogo da capoeira a partir de coletado, podemos identificar a presença das
nossas notas visuais. técnicas corporais referentes à capoeira angola e
à capoeira regional no grupo investigado; bem
Notas sobre o estilo do jogo como a incorporação de novos elementos na
Ai ai aidê/ Joga menino que eu quero aprender reinvenção da gestualidade no jogo de corpo nas
Ai ai aidê/ Joga bonito que o povo quer ver rodas de capoeira, na expressão do miudinho,
O estilo de jogo diz respeito à técnica evidenciando a constante abertura para a
corporal desenvolvida e utilizada durante o jogo criatividade e originalidade da gestualidade no
de corpo nas rodas de capoeira evidenciadas jogo da capoeira.
durante nossa investigação. Na capoeira, a
1
VIEIRA, 1998, p. 87 e 88.

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Narrativas, corpo, gestualidade, capoeira.

Nesse universo de possibilidades de interpretações, projetando novas possibilidades,


construção de gestualidade do corpo, em termos contrário a uma perspectiva de do tempo e da
semânticos é possível afirmar que o léxico que cultura como elementos fixado, imobilizado
constitui o estilo do jogo presente no grupo (ALMEIDA, 2001).
investigado tem como matriz a hibridez de
movimentos, a partir do diálogo entre as Notas sobre a identificação e relação
diferentes técnicas corporais construídas e entre os camaradas
reconstruídas no jogo da capoeira. Pega esse nego e derruba no chão
Compreendemos as técnicas corporais como “as Esse nego é valente/ esse nego é o cão
maneiras pelas quais os homens, de sociedade a Considerando o sistema cultural da capoeira e
sociedade, de uma forma tradicional, sabem as nossas categorias da análise, passamos a
servir-se de seu corpo” (MAUSS, 2003, p. 401). identificação e relação entre os camaradas,
Considerando as notas visuais, é possível afirmar dos sujeitos que se fazem presentes, constroem
que a gestualidade presente no grupo é e expressam a gestualidade do corpo nas rodas
constituída de traços da escrita histórica da de capoeira. Camaradas! Denominação
capoeira, e em sua reinvenção, afirmando uma comumente utilizada na comunidade da capoeira,
perspectiva dinâmica na compreensão da entoada nos cânticos e confirmada pelo coro:
tradição. camará! Nas rodas de capoeira o encontro
acontece entre camaradas e não entre
De maneira geral, nos registros dos encontros
adversários. Sem o outro camarada não há jogo
observados, a estruturação da roda de capoeira
de capoeira. É na relação com o outro em que o
segue uma narrativa do próprio desenvolvimento
sistema cultura da capoeira é construído e
histórico dessa técnica corporal, que tem
reconstruído.
caracterizando o sistema cultural da capoeira.
Geralmente, começam com o jogo de angola, Muitos camaradas são conhecidos nas rodas
momento em que participam os capoeiristas mais de capoeira por codinomes ou apelidos, o que
experientes. Na continuidade do encontro, o ritmo indica certa modificação ou inversão de suas
é acelerado pelo berimbau e o jogo desenvolvido identidades. Do ponto de vista histórico, quando a
é o de regional. Para finalizar a roda os prática da capoeiragem ainda era proibida pelo
camaradas são convidados a desenvolverem o código penal, o apelido dos camaradas tinha
jogo de miudinho, em uma movimentação como função camuflar a identidade do sujeito,
marcada por um jogo mais solto. evitando uma posterior perseguição por parte das
Incessantemente, os capoeiristas fazem uso de autoridades, notadamente, da polícia. Nos dias
elementos lúdicos e de improvisação para a de hoje essa tradição se manteve, no entanto,
construção do jogo de corpo na roda de capoeira, resignificada, afirmando a dinâmica da cultura,
utilizando-se de uma variedade inusitada de atribuindo novos sentidos, reelaborando seus
possibilidades de movimentação do corpo, como significados. Em nosso contato com o grupo,
marca de suas gestualidades. percebemos que os apelidos, geralmente,
ressaltam alguma característica mais marcante
É importante destacar, ao tratar dos
da personalidade psicológica do camarada, ou
elementos da cultura, considerar a dialética da
mesmo alguma habilidade por ele demonstrada,
tradição, na crítica a uma perspectiva utilitária e
num tom lúdico, por vezes carregado de muita
imobilizante do conceito da tradição, empregado
malícia, evidenciando a astúcia, a manha e a
geralmente no sentido de conservação, uma
vivacidade colocadas pelos sujeitos nas rodas de
perspectiva de compreensão estanque, a partir
capoeira.
de elementos cristalizados na memória coletiva.
Ao observar as rodas de capoeira, é possível É importante ressaltarmos o fato de que a
perceber o movimento como característica dos relação de camaradagem é construída a partir da
saberes da tradição, na medida em que a identificação do outro, tanto de quem entra na
construção desse conhecimento é um campo em roda de capoeira no momento do jogo, quanto de
aberto, em potência. Portanto não opera pela quem desenha a roda, ou seja, tanto dos que
indiferença, ou intransigência ao movimento da jogam dentro da roda, como dos que se fazem
história, na medida em que reorganiza presentes tocando os instrumentos ou
constantemente o que já existiu, a partir de novas delimitando a roda, acompanhando o jogo

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J. C. N. S. N. Dias

cantando e batendo palmas. O outro, na roda, é Ao relacionarmos a capoeira ao sentido de


como uma localidade antropológica que jogo, o sentido de coletividade é potencializado,
possibilita, com sua presença, a construção do pois é na relação dos camaradas que formam a
sistema cultura da capoeira, a confirmação da roda, cantam os versos, tocam os instrumentos,
potencialidade e da virtualidade do gesto, ligando-se ao diálogo estabelecido pelos
produzindo sentidos no jogo de corpo na camaradas que estão dentro da roda, que
capoeira. Nessa relação, o outro não é um objeto possibilitam jogo e o rito acontecerem. O jogo e o
que está diante de mim, na medida em que rito são confirmados pelo olhar e pela presença
jamais se compreenderá que um outro apareça do outro, que desenha e recorta o espaço e que
diante de nós; o que está diante de nós é objeto. também entra na roda. Enquanto grupo de
É preciso compreender claramente que o
capoeira, esse sentido de coletividade acontece
problema não é esse. O problema é
compreender como me desdobro, como me também no dia a dia, na organização do grupo,
descentro. A experiência do outro é sempre a de no convívio entre as pessoas, nem sempre
uma réplica de mim, de uma réplica minha (...).
harmonioso. Quem participa das rodas de
é no mais íntimo de mim que se produz a
estranha articulação com o outro; o mistério de capoeira? As notas visuais registram velhos,
um outro não é senão o mistério de mim mesmo adultos, jovens e crianças, homens e mulheres.
(MERLEAU-PONTY, 2002, p. 169). Nessa teia de relação entre gerações e gêneros
Sem o outro não seriam estabelecidas que o sentido do coletivo revela-se, portanto, na
relações intersubjetivas, não seriam reconhecidos impossibilidade da existência do jogo e do próprio
sentidos e significados atribuídos, não seria rito sem a presença dos outros.
confirmado a cultura, não haveria o jogo de
capoeira. É preciso estar atento de que o No entanto é possível confirmar o
acontecimento do jogo não se refere apenas a estabelecimento de uma comunidade no universo
um somatório de pessoas distribuídas no espaço, da capoeira? Bauman (2003), ao realizar uma
por conseguinte, o encontro dos camaradas não revisão do conceito de comunidade
se reduz ao deslocamento do corpo no espaço, contextualizando às relações sociais
preenchendo um volume, ocupando um espaço, a contemporâneas, ajuda-nos a compreender as
partir de uma perspectiva mecanicista, de um tentativas de construção da unidade da
corpo objeto. Não se trata da redução da comunidade a partir de um “entendimento
gestualidade do corpo a um movimento compartilhado”, ou de um “círculo aconchegante”.
eminentemente mecânico, de engrenagens, de O autor evidencia seus principais fundamentos:
articulações anatômicas que se movimentam distinção, pequenez e auto-suficiência.
“Distinção” significa: a divisão entre “nós” e
desprovidas de intencionalidade.
“eles”(...) “Pequenez” significa: a comunicação
Ao contrário, no jogo o sentido é atribuído entre os de dentro é densa e alcança tudo, e
assim coloca os sinais que esporadicamente
pelos sujeitos que reconhece o outro como uma chegam de fora em desvantagem (...) E “auto-
duplicação de si. Na experiência de minha suficiência” significa: o isolamento em relação a
percepção a articulação com o outro acontece no eles é quase completo, as ocasiões ara rompe-
lo são poucas e espassadas (IDEM, p. 17-18).
reconhecimento de sua percepção, de sua
Essa compreensão alerta para o fato de que a
intencionalidade, atribuindo sentido e significado
unidade construída em torno da uma “pequena
ao movimento. É enquanto duplo que articulamo-
comunidade” sofre constantemente ameaças e
nos, reconhecendo nossos gestos,
dificuldades em sua manutenção, permanecendo
compartilhando nossas intencionalidades,
a todo o momento frágil e vulnerável, na medida
estabelecendo relações intersubjetivas,
em que essa relação deixa de existir no momento
reconstruindo constantemente a cultura
em que a comunicação entre os sujeitos que
e, se me perguntarem ainda, sobre esse papel
estão dentro da comunidade é menor e menos
do sujeito encarnado que é o meu, de que
maneira sou levado a confiá-los a “outros”, e por significativa do que as trocas estabelecidas entre
que enfim os movimentos do outro me os sujeitos e de dentro e do mundo exterior.
aparecem como gestos, por que o autônomo se
Aproximando-nos do conceito proposto por
anima e o outro está ali, é preciso responder em
última análise, que é porque nem o corpo do Bauman (2003), poderíamos interpretar, dada as
outro nem os gestos que ele visa jamais forma devidas proporções, que a formação de grupos,
objetos puros para mim, eles são interiores a no universo da capoeira, é como uma tentativa de
meu campo e a meu mundo, são portanto desde
o início variantes dessa relação fundamental construção e realização de unidades sociais
(MERLEAU-PONTY, 2002, p. 172). aonde é operado um entendimento tácito,
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Narrativas, corpo, gestualidade, capoeira.

compartilhado entre os sujeitos que compõem desenvolvida por mestre Bimba, redimensiona
aquele determinado grupo social. Um lugar em elementos do sistema cultural da capoeira, como
que os sujeitos buscam laços de pertencimentos, por exemplo, a prática da capoeira em espaços
assinalando um processo de reorganização pré-definidos, como as academia de capoeira.
social, marcado pela reinserção dos
Ressalta-se ainda o fato de que é nesse
desenraizados, na busca do estabelecimento de
momento que a prática da capoeira sai das ruas e
laços sociais.
passa a ocupar locais socialmente destinados
para aquela técnica corporal. Sem dúvida a busca
Notas sobre o espaço físico e social
por construir uma nova compreensão em torno da
Canarinho da Alemanha quem matou meu curió/
Eu jogo da capoeira da Bahia a Maceió capoeira e de seus praticantes, fomentado pelo
discurso populista e nacionalista de Getúlio
Considerando a categoria do espaço físico e
Vargas em seu projeto de modernização cultural,
social utilizado para a afirmação da capoeira na
considero que a esportivização da capoeira, do
rede de relações sociais, é significativo observar
ponto de vista histórico, contribuiu para essa
nas notas visuais os locais onde as rodas e
mudança territorial da prática da capoeira, que se
encontros de capoeira têm sido realizados
afastou cada vez mais das ruas, dos vícios e das
ultimamente. É possível perceber a inserção da
confusões, para afirmá-la enquanto “esporte
capoeira em novas localidades de convivência.
nacional”.
Nesse sentido, é interessante destacar que até
meados da década de mil novecentos e trinta, a Notas sobre as técnicas e as
prática da capoeira era proibida e reprimida por dinâmicas de movimento do corpo
força legal. Sua expressão era típica das Jogo de dentro é jogo de fora/
periferias da cidade. Hoje em dia, as mudanças Joga menino essa jogo de mola
são significativas no que tange sua visibilidade
No que se refere à técnica de movimento do
social, sendo praticada e divulgada nos mais
corpo enquanto categoria de análise nas notas
diferentes espaços sociais, como academias de
visuais, o repertório de movimentos utilizados nos
ginásticas, ginásios esportivos, clubes, centros
jogo de corpo na rodas de capoeira, identifica-se
culturais, escolas, universidades, entre outros. Há
uma variedade, uma multiplicidade de
aqui um deslocamento significativo do ponto de
combinações. A seguir apresentamos, de
vista físico e simbólico. A capoeira desloca-se do
maneira sintética, a recorrência dos gestos
espaço público para o privado. Das ruas e da
apresentados nas rodas observadas:
periferia para academias de ginástica, para
espaços reservados. Nas notas visuais pode-se  angola: aú; aú com cabeça no chão; rabo
de arraria; benção; bananeira; passagem
perceber a inserção do grupo de capoeira lateral; queda de rim; parada de mão;
investigado, na cidade do Natal/RN, em praias, cocorinha; chamada de angola; rolê;
praças, centros comunitários, hotéis, áreas de carneirinho; macaquinho; currupio; tesoura;
lazer, shoppings, casas de shows, academias de transformação; rasteira; cabeçada; volta ao
ginástica, bem como o desenvolvimento de mundo; aranha.
 regional: aú; aú de frente; aú de costas;
trabalhos mais sistemáticos em escolas e
aú voltando; aú batendo; aú com cabeça no
universidades. chão; arrependido; armada, queixada, meia
lua de frente; meia lua de compasso; salto
É interessante perceber, ao considerar a
mortal, grupada, parafuso, martelo rodado;
história social da capoeira, que sua visibilidade, “s” dobrado; bananeira; rasteira; parafuso;
bem como os diferentes espaços por ela peão com braços; peão com cabeça; benção;
ocupados, tem variado de acordo com dinâmicas martelo; galopante; rolê; negativa; parafuso
e interesses sociais. A presença da capoeira nas com os braços, com a cabeça; queda de rim;
macaco; carneirinho; transformação;
ruas, praças e largos das cidades de Salvador,
ponteira.
Rio de Janeiro e Recife, nos séculos XIX e início  miudinho: suingue; volta por cima; rabo
do século XX, amplia-se em todo o território de arraia; currupio; aú; tesoura; negativa de
nacional. Na década de mil novecentos e trinta a angola; escorpião; cabeçada.
capoeira passa a ocupar espaços próprios para
No sentido de estabelecer possibilidades de
seu treinamento e a realização de rodas e
interpretação do corpo em movimento, a partir
batizados. A Luta Regional Baiana, mais tarde
das técnicas acima destacadas, distante da
denominada capoeira regional, sistematizada e
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J. C. N. S. N. Dias

pretensão de uma análise que esgote as mais curtos e quebrados, numa flexibilização do
possibilidades de percepção do movimento, gesto, bem como a ênfase no direcionamento
destacamos para na produção desse artigo as para o chão. Homens gigantes que ficam
dinâmicas de movimento do corpo (LABAN, minúsculos. O ritmo do jogo varia de lento a
1978), como um olhar sobre o corpo em moderado, favorecendo o controle do corpo. O
movimento no jogo da capoeira, considerando peso com que o movimento é realizado varia de
para tanto: a posição do corpo no espaço; os firme a suave. Na capoeira angola, os gestos
níveis e planos, se baixo ou alto, vertical ou fluem, nos diferentes planos, quais sejam,
horizontal; o tempo e sua velocidade de horizontal e vertical, com variações da fluência:
andamento, se lento, moderado ou rápido; o livre e controlada. O peso firme acentua a
peso e sua intensidade, se firme ou suave; bem dinâmica e a intensidade do gesto que é luta,
como a fluência do movimento, se livre ou dança, memória e esquecimento de uma tradição.
controlada. No jogo de regional, o tempo é acelerado,
Não buscamos aqui uma descrição analítica ritmando um jogo mais rápido, com a realização
ou biomecânica do movimento para estabelecer de saltos que desenham uma trajetória que se
um vocabulário, posto que a polissemia do corpo apropria do ar, ocupando um novo espaço social
e a plasticidade de sua gestualidade fogem às e simbólico. Durante o jogo, os movimentos
tentativas de uma “alfabetização corporal”, também são realizados no nível médio e baixo.
descritas de “A” a “Z”. Nas notas visuais Nas distintas abordagens do jogo, o corpo cultua
construídas durante a investigação, é possível a plasticidade e cria formas diversas. Essa
perceber a construção de uma memória inscrita expansão do corpo no jogo da regional,
no gesto, no corpo, em uma comunicação abre a possibilidade de utilização do plano alto
permanentemente aberta ao inesperado, à e, simbolicamente, „levanta o negro‟. Outro
exemplo dessa expansão espacial é a
criatividade, pois na recomposição e introdução das acrobacias, dos movimentos
decomposição da gestualidade do corpo nas giratórios no ar, próprios à seqüência de balão,
rodas de capoeira são criadas potencialmente que possibilitam ao capoeira apropriar-se do ar,
um território sem dono (...) Nessa capoeira
outras tantas possibilidades. mestiça, os corpos se tocam nos movimentos
corporais conhecidos como golpes ligados
Nessa movimentação do corpo, o elemento da
(REIS, 2000, p. 197).
repetição está em constante relação com a
O jogo do miudinho, é marcado por uma
criação de novas possibilidades gestuais,
movimentação em que os capoeiristas jogam
emergindo variações na gestualidade. Nessas
mais “dentro um do outro”, aproximando-se de
variações do corpo, elementos singulares são
maneira bem “curtinha”, ou seja, bem “miúda”,
suscitados no jogo, como por exemplo, a
evitando a distância um do outro, para além do
mandinga, ou malícia, “noção altamente
“rótulo”, se angola ou regional, e com recursos
politizadora na medida em que, inspirada na
que também desafiam a todo o momento o limite
surpresa do ataque, subverte as hierarquias e
do corpo na movimentação.
institui um contra-poder” (REIS, 2000, p. 115).
Aqui o corpo reapropria os espaços, reinventa Notas sobre a sonoridade
gestos, transgredindo as tentativas de
Gunga é meu/ Gunga é meu
racionalização do corpo. Gunga é meu/ Foi meu pai que me deu
Nas rodas realizadas pelo grupo de capoeira Considerando a dimensão da sonoridade nas
investigado, os movimentos corporais são categorias destacadas para análise, buscou-se
expressos nas diferentes direções, níveis, formas, evidenciar os ritmos desenvolvidos pelo grupo
planos, tempo, velocidade e peso, elementos investigado nas rodas de capoeira observadas,
semânticos relacionado ao uso da técnica bem como os instrumentos presentes nesse
corporal em questão, se angola, regional ou espaço. Em nossas notas visuais, predomina os
miudinho, articulados aos símbolos produzidos toques de “São Bento Pequeno”, relacionado ao
nesse saber-fazer, marcado permanentemente jogo de angola; o toque de “São Bento Grande”,
pela flexibilização do corpo na relação com a que identifica o jogo de regional, bem como o
técnica e com o rito. toque do “Miudinho”, relacionado ao jogo de
No jogo de angola, perceber-se movimentos miudinho. Nas rodas de capoeira o toque do
berimbau é um elemento constitutivo do jogo de
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Narrativas, corpo, gestualidade, capoeira.

corpo, na medida em que o ritmo empregado ao Nos trechos apresentados, observamos certa
som do berimbau determina o estilo de jogo a ser modificação, por exemplo, ao se pensar a
empregado pelos capoeirista. Há toques que são intencionalidade do jogo de capoeira. No primeiro
próprios à capoeira angola, outros à capoeira fragmento (música 01) enfatiza-se o perigo
regional, bem como os que caracterizam o implícito aos movimentos da capoeira. O que aos
miudinho (REIS, 2000). olhos de um estrangeiro seria mato, referindo ao
termo caá-puêra que significaria “mato que
Amplificando a melodia dos instrumentos, a
deixou de existir” (REGO, 1964, p. 19), o
musicalidade é acompanhada de cantigas,
brasileiro, mestiço, saberia que seu significado
entoadas como narrativas que apresentam
estaria relacionado a movimentos que poderiam
funções simbólicas nas rodas de capoeira,
levar o desafiante a morte. A noção de violência e
redimensionando a compreensão do tempo, que
perigo está implícita à mensagem. No segundo
na circularidade da roda inclui a sincronia e a
trecho (musica 02) destaca-se certa modificação
diacronia, bem como dando andamento ao jogo,
dessa perspectiva, em que o objetivo do jogo da
no sentido de envolver os camaradas ao contar,
capoeira passa a ser o da vadiação, da
cantando, histórias.
brincadeira, valorizando a vida, evitando brigas e
Segundo Vieira (1998), os cânticos de confusões.
capoeira materializam funções: a do ritual, bem
como a de um espaço dinâmico, portanto, Considerações Finais
respectivamente, uma função relacionada a Adeus, adeus/ Boa viagem
manter e recontar tradições. O cântico também é Eu vou embora/ Boa viagem
um lugar de constante repensar dessa mesma As análises e interpretações em torno da
tradição. Marcada pela tradição oral, os cânticos gestualidade do corpo nas rodas do grupo de
permitem um contato permanente com a história capoeira investigado, a partir das categorias
e com a tradição cultural da capoeira, e ao apresentadas para a configuração desse artigo,
mesmo tempo abre brechas antropológicas para nos dizem do sistema cultural da capoeira,
novas narrativas. fragmentos dos gestos e do corpo que constroem
o jogo da capoeira. De maneira sintética,
Destacamos, para esse artigo, dois trechos de
destacamos que na produção desse
cantigas presente no repertório musical do grupo
conhecimento do gesto e do corpo, o grupo de
de investigado e presentes nas notas visuais, que
capoeira investigado tem divulgado os
podem ser consideradas como materialidade que
conhecimentos da capoeira angola e regional,
nos revela nuanças da construção do imaginário
na capoeira, um indicador de novas condutas no reinventando seqüências de movimentos,
jogo da capoeira, bem como de modificações possibilitando novos diálogos corporais, marcada
nesse sistema cultural: pela dialética do espaço e pela relação dramática
de um jogo que é “dentro”, que é “em cima” e que
 Música 01: Capoeira Ligeira joga “em baixo”, desafiando os limites do corpo.
Capoeira pra estrangeiro meu irmão/ É mato
Nesse sentido, o grupo investigado também tem
Capoeira brasileira meu cumpade/ É de matar
Olha o rabo de arraia, olha aí a ponteira e a meia desenvolvido uma movimentação, a partir de uma
lua pra matar releitura da gestualidade construída no sistema
O macaco e o aú, o mortal e a rasteira e o cultura da capoeira, a partir do jogo de miudinho,
arrastão pra derrubar como uma nova possibilidade de movimentação
Galopante faceiro vai se preprando para voar/
do corpo, de reinvenção e experimentação da
Capoeira é ligeira, ela é brasileira ela é de matar
gestualidade do corpo.
 Música 02: Sou capoeira Segundo o mestre de capoeira que iniciou a
Sou capoeira olha eu sei que sou/ Eu vim aqui foi sistematização do miudinho há doze seqüências
para jogar
de movimentação. Em suas palavras, o
Faço bonito por que tenho talento
E solto meus movimentos com uma voz no “„Miudinho‟ veio da Capoeira angola; é a Capoeira
coração angola jogada com mais agilidade, mais
O capoeira é astuto é velhaco/ É inimigo do entrosamento. Eu peguei movimentos que
perigo e confusão estavam „esquecidos‟, movimentos da capoeira
Mais ele sabe o valor de uma vida/ Por isso foge
antiga que eu aprendi na Bahia com grandes
de briga e quer mais é vadiar
capoeiristas como Mestre João Pequeno, Mestre
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J. C. N. S. N. Dias

João Grande, Mestre Papo Amarelo. Peguei NÓBREGA, T. P. Corporeidade e Educação


movimentos do „Jogo de Dentro‟ e movimentos de Física: do corpo-objeto ao corpo-sujeito. 2ª
um jogo conhecido como „Dois por Dois‟, que é edição. Natal: Editora da UFRN, 2009.
bem mais fechado do que o „Jogo de Dentro‟. O
FELDMAN-BIANCO, B. e LEITE, M. L. M.
„Miudinho‟ é basicamente jogo no chão”. A partir Desafios da imagem: fotografia, iconografia e
do depoimento do mestre de capoeira, podemos vídeo nas ciências sociais. Campinas: Papirus,
compreender o miudinho a partir da lógica da 1998.
bricolagem dos saberes disponíveis ao mestre,
REGO, W. Capoeira angola: ensaio sócio-
como uma releitura que possibilita a reinvenção
etnográfico. Salvador: Editora Itapuã, 1968.
da gestualidade do corpo no jogo da capoeira.
Enquanto sistematização de uma técnica REIS, L. V. S. O mundo de pernas para o ar: a
corporal, o miudinho é o mesmo e é o outro, no capoeira no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil,
que se refere à gestualidade do corpo identificada 2000.
até então no sistema cultural da capoeira.
VIEIRA, L. R. O jogo de capoeira: cultura
No jogo da capoeira, o saberes do corpo não popular no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Sprint,
são transmitidos de maneira explícita, mas 1998.
comunicados no silêncio do gesto, no jogo de
WACQUANT, L. J. D. Corpo e alma: notas
corpo, que nos dizem do ethos da capoeira. É a etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de
afirmação enquanto sujeito que partilha, produz e Janeiro: Relume Dumará, 2002.
afirma a capoeira como elemento da cultura que
potencializa os sentidos e significados da
gestualidade do corpo nas rodas de capoeira.
Relação sempre encarnada, que revela e Origem do trabalho:
esconde saberes, que procede a passagem do Esse artigo é parte de uma pesquisa de mestrado
signo à expressão, tornando dinâmica a que tem como título Corpo e gestualidade: o
jogo da capoeira e os jogos do conhecimento.
compreensão dos saberes da tradição. Como A pesquisa realizada entre os anos de 2005 e
metáfora, considerando a imagem do jogo de 2007, sob a orientação da Profa. Dra. Maria da
corpo nas rodas de capoeira, ao fim do jogo, os Conceição Xavier de Almeida, foi desenvolvida no
camaradas se cumprimentam, deixando a roda Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
aberta, até que um novo jogo se reinicie e a da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
na área de concentração Cultura e
capoeira possa se reinventar, pois nesse espaço Representações.
a vida também se pronuncia.
Referências
ALMEIDA, M. C. Complexidade e cosmologias Endereço:
da tradição. Belém: EDUEPA; UFRN/ PPGCS, João Carlos Neves de Souza e Nunes Dias
2001. Rua deputado José Lages, 1230. Bloco Pizon,
apto 503. Bairro: Ponta Verde.
BAUMAN, Z. Comunidade: busca por segurança Maceió AL Brasil
no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 59035-330
Editor, 2003. e-mail: j80dias@yahoo.com.br

LABAN, R. Domínio do movimento. São Paulo:


Summus, 1978.
Recebido em: 25 de agosto de 2009.
MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Aceito em: 8 de abril de 2010.
Paulo: Cosac & Naif, 2003.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da
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Motriz. Revista de Educação Física. UNESP, Rio Claro,
MERLEAU-PONTY, M. A prosa do mundo. São SP, Brasil - eISSN: 1980-6574 - está licenciada sob
Paulo: Cosac & Naif, 2002.
Licença Creative Commons

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