Você está na página 1de 7

Região: Interior de São Paulo

Época: 1930
Local: Orfanato mantido por uma instituição religiosa, mas que se parecia mais com uma
cadeia do que com um orfanato.

Personagens:

Principal:
Claudete, menina negra, com 13 anos, levada a pouco tempo ao orfanato, após a morte de
seus pais por uma virose desconhecida.
Secundários:
Madre Superiora, mulher de uns 60 anos, forte, rígida
Padre Leôncio, 45 anos, aproveitava das crianças ali internadas
Selma, amiga de Claudete, 15 anos, estava à 5 anos ali. Já tinha algumas regalias
Seu Pedro, 52 anos, senhor que morava no orfanato, não tinha família, vivia ali em troca de
serviços de marcenaria.
Irmã Luzia, servia na ordem, e também executava o trabalho de enfermeira.

A Eterna Prisão

Capítulo I

Ela estava ali, sentada, observando pela grade, a imensidão do mundo ao alcance de seus
olhos. O lado de fora era tão bonito, tão cheio de verde. Ela que até pouco tempo corria
solta por entre as árvores que seu pai mantinha no sítio, só podia agora observar...
Ela chamava de sítio... era um pequeno pedaço de terra que seus pais haviam recebido de
herança, e que vinha passando de geração em geração, desde a libertação dos escravos.
Claudete era uma menina simples, porém muito forte e inteligente. Como não tinha irmãos,
o único morrera ainda bebe, seus pais a criavam quase como a um menino. Tinha as pernas
longas e grossas, apesar da pouca idade, e os olhos negros, como os de sua mãe.
Veio então esta doença, que Claudete ainda não tinha entendido bem, mas que em pouco
tempo levara seu pai, e em seguida sua mãe.
Antes da morte da mãe, esta havia procurado ajuda no orfanato mantido pela Igreja, que
ficava a alguns quilômetros dali, perto da cidade.
Irmã Luzia prometeu cuidar dela, até que sua mãe se recuperasse... mas isso nunca
aconteceu, e Claudete foi praticamente esquecida ali.
Estava com 12 anos, e em 2 meses que ali estava, descobriu como se sente um passarinho
numa gaiola.
O orfanato era muito pobre, e com sistemas rígidos de tratamento. As crianças dormiam em
quartos muito cheios, em colchões de palha úmida, com mau cheiro.
Não podiam sair por nada. Apenas algumas crianças que conseguiam madrinhas podiam ir
passear, ou até mesmo serem adotadas. Mas Claudete, por ser negra, tinha certa dificuldade
em ganhar a simpatia das poucas pessoas que vinham visitar aquele lugar.
Selma se aproxima de Claudete...
Era sua melhor amiga... Selma tinha 15 anos, e já estava ali à pelo menos 5 anos. Tanto
tempo que nem se lembrava como chegou neste lugar.
Era uma das crianças mais velhas ali, e já tinha deixado de sonhar com outra vida fora do
orfanato.
- Que faz ai sentada Claudete ?
Claudete se assusta...
- Oi Selma, não escutei sua chegada.... Estou aqui lembrando de como era bom viver lá
fora, com meus pais... Sinto tanto a falta deles.
- Não fique assim amiga, logo você vai descobrir que viver aqui não é tão mal assim.
- Diga-me Selma, como você consegue essas coisas?
- Que coisas?
- Bem... fumo para o cigarro, algumas roupas diferentes, sei até que você já foi para a
cidade sozinha algumas vezes. Como você consegue isso?
- Você ainda é muito nova para saber, mas logo logo você saberá, deixe o padre Leôncio
te observar melhor, que com o tempo você vai entender...

Selma se retirou, deixando sua amiga ali, continuando com seus sonhos.

Capítulo II

Selma estava saindo do confessionário da pequena igreja que se erguia num dos cantos do
orfanato, que servia também de abrigo para os membros da ordem religiosa que mantinha
toda aquela estrutura.
Tinha a capela, a casa das Irmãs e o seminário, que ficava numa construção apegada à do
orfanato.
Padre Leôncio ainda estava arrumando a batina, a garota Selma acabava de pagar seus
pecados, e conseguir mais alguns presentes do Padre, que já estava acostumado a abusar
sexualmente das crianças que viviam ali.
Quando Selma descobriu, passou a tirar proveito disso, já que não tinha escolha mesmo.
Tornou-se a principal companheira do padre.
Neste dia, ela trouxe uma noticia interessante para ele... Claudete queria conhecer o sistema
de trocas que ela participava, e perguntou se o Padre Leôncio estava interessado.
O padre já tinha observado que aquela negrinha tinha coxas grossas e que já estava
chegando mesmo a hora do abate.
Ficaram de estudar uma forma de fazer isso.

Capitulo III

Domingo pela manhã, a missa já estava quase acabando. Podia se notar claramente a
distinção que era feita dentro da pequena igreja.
Numa fileira de bancos ficavam as alunas do convento, do outro, as crianças do orfanato.
As crianças que ajudavam o padre eram todas brancas... a diferença racial era soberana,
mesmo dentro de uma casa de oração onde se pregava que somos todos irmãos.
Já se passavam duas semanas desde a última conversa entre Selma e Padre Leoncio, e tinha
ficado combinado para hoje.
Claudete tinha sido avisada pela amiga que estaria tudo arranjado para que ela também
começasse a ganhar presentes.
Claudete sabia muito bem o que teria que fazer, mas ela não se importava...
Apenas uma coisa passava por sua cabeça: Um dia poderá sair para um passeio mas,
diferente de Selma, ela jamais voltaria.
E aconteceu exatamente o que ela já tinha combinado com Selma. No começo doeu um
pouco. Padre Leoncio não foi nem um pouco delicado, e a tratou com a um animal, mas ela
era forte, tinha que suportar.

Capitulo IV

Claudete, por ser menina nova, acabou sendo a preferida de Padre Leoncio, despertando em
Selma um sentimento que poderia acabar com a amizade das duas, o ciúme.
Selma passou então a tentar criar problemas para sua nova rival, tentando dificultar sua
vida.
Os pequenos presentes que Claudete ganhava apareciam rasgados, ou simplesmente
desapareciam.
Selma não sabia mais o que fazer para prejudicar a antiga amiga então resolveu jogar tudo
num golpe fatal. A Madre Superiora havia chegado da Capital, e como sempre, estava
procurando alguém para descarregar toda a sua fúria.
A Madre era uma mulher forte, apesar de seus quase 60 anos, e que possuía um olhar cruel
e dominante.
Ninguém era mais cruel para aquelas crianças do que a Madre Superiora, até mesmo Padre
Leoncio tinha medo dela. Diziam que a família dela era amiga do Bispo.
Selma foi até a Madre e disse-lhe que tinha visto a Claudete no confessionário com o Padre.
Madre, com as costas da mão deu um violento tapa na cara de Selma, ferindo-lhe os lábios
com um dos anéis que usava.
- Onde já se viu, falar tal coisa do Padre Leoncio, um homem que dedica sua vida a
crianças pobres. O que quer você falando assim? Quer acabar como as pobrezinhas que
temos plantadas nos fundos?
Selma já conhece aquele jardim. É onde são enterradas as crianças que morrem no
orfanato.
Morte é o que não falta por ali, todo mês se perde uma criança. Selma se lembrava dos dias
em que estava brincando, e o sino da Igreja tocava... era o sinal de que mais uma alma
deixava este mundo.

Capitulo V

- Chamou-me Madre?
O Padre Leoncio estava um pouco rouco, tinha acabado de se levantar quando recebeu o
recado, ainda durante o café, que a Madre Superiora queria lhe falar.
- Sim Padre. Aquela menina que você tem quase como companheira veio me procurar.
- Selma? Mas o que ela queria com a Senhora?
- Ela veio me contar que você está de caso com outra menina... é verdade?
- Bem Madre, a senhora me conhece a muito tempo, e sabe que, para não atormentarmos
as pequenas irmãs que ingressam no convento, procuramos então nos satisfazer de outra
forma, mas com todo o cuidado.
- Te perguntei se é verdade - disse a Madre, em tom seco e ríspido.
- Sim Madre, é verdade.
- Quero que se afaste dela, tem apenas 13 anos e não quero confusão por aqui.
- Assim será, Madre.

Capitulo VI

Claudete ficou furiosa quando soube que o Padre não queria mais saber dela, e que perderia
seus presentes e o pior, perderia a chance de poder sair daquela prisão... todo o seu
sofrimento foi em vão.
Claudete se transformou, passou a brigar com suas colegas no orfanato, e Selma então,
passou a ser sua inimiga número 1.
Como Selma era mais velha, praticamente sempre levava vantagem nas brigas, o que
levava Claudete a descontar sua ira em outras crianças.
As irmãs não sabiam o que fazer com ela, Irmã Luzia dava alguns chás para acalmá-la, mas
nada disso tinha resultado.
Mais uma vez entra em cena a Madre Superiora, com toda sua autoridade e arrogância,
transformou a vida de Claudete.
A partir daquele dia, ela ganhou um pequeno quarto, isolada das demais, e passou a ser
tratada quase como a uma escrava.
Era obrigada a lavar os lençóis, limpar os banheiros, ajudar na comida, limpar a oficina, dar
comida aos animais... enfim, todo tipo de trabalho sujo passou a ser obrigação de Claudete.

Capitulo VII

Diariamente, Claudete tentava executar suas funções, a fim de não receber os duros
castigos aplicados pela Madre Superiora, que toda semana vistoriava o orfanato, e tratava
Claudete a chicotadas, caso tudo não estivesse a seu agrado.
Durante esse tempo, Claudete passou a fazer amizade com algumas pessoas, entre elas,
estava Seu Pedro, que cuidava da reforma dos bancos da igreja, das mesas do refeitório do
orfanato, consertava as camas, enfim, tudo que se tratava de madeira, ele consertava, e
também confeccionava os caixotes que serviam de caixão para as crianças que morriam ali
no orfanato.
Claudete observava que sempre que o sino tocava, anunciando uma morte, Seu Pedro
esperava a benção do corpo, e colocava o corpo num dos caixotes, que já ficavam prontos,
pois não dava tempo de fabricar na hora.
O corpo ficava no caixote durante a noite, e era enterrado na manhã seguinte pelo próprio
Seu Pedro e pelo Padre Leoncio, no cemitério que ficava aos fundos do orfanato.
Essa rotina que se repetia despertou na pequena Claudete uma idéia... seria esta a sua
chance de escapar dali.
Primeiro pensou em se fingir morta, mas isso não daria certo, pois o Padre e outras pessoas
passariam por ela e descobririam logo.
Então, teve outra idéia... os caixotes eram grandes, pois nunca se sabia ao certo quem
morreria, e Seu Pedro fazia os caixões todos do mesmo tamanho.
Ela poderia sair dentro do caixote, junto com o cadáver, e depois ser desenterrada por
alguém... mas, por quem?

Capitulo VIII

Claudete estava limpando a oficina e, propositadamente, pois uma roupa que deixava seu
corpo de menina em evidência.
Seu Pedro, viúvo à muito tempo, ficava admirando o corpo da menina, que se mostrava
maliciosamente.
Sem nenhum receio, Claudete chegou mais perto do marceneiro:
- Está gostando do que está vendo, Seu Pedro?
- To sim, menina, mas tome cuidado, pode aparecer alguém e eu não quero confusão.
- Nem eu, mas fique tranqüilo, aqui dentro não acontecerá nada. O senhor terá que se
contentar em apenas me olhar.
Após isso, Claudete saiu.
Por diversos dias, a cena se repetia, Claudete se insinuando, e Seu Pedro ficando em
constante tentação.

Capitulo IX

Era chegada a hora, Claudete achava que já poderia propor o acordo a Seu Pedro, antes que
este resolvesse parar de olhar e agir por conta própria.
- Seu Pedro, tenho uma proposta para te fazer.
- Fale, menina.
- Posso ser todinha sua, mas o senhor precisa me ajudar a sair daqui.
- Sair daqui? Você está louca. Isso é impossível.
- Não é não, tenho uma idéia.

E Claudete contou-lhe a sua idéia:


Quando a próxima morte ocorrer, Claudete virá, de madrugada, e entrará no caixão, junto
com o defunto, e puxará a tampa. Quando Seu Pedro chegar, fechará o caixão e, junto com
o Padre que o acompanha nos funerais, levará o caixão e providenciará o enterro.
Após algum tempo, mais ou menos uma hora, o Seu Pedro voltará sozinho ao local e
desenterrará o caixão e libertará Claudete, e em seguida os dois vão para o bosque que fica
atrás do cemitério, onde Claudete pagará sua dívida. Depois disso, cada um vai para seu
lado.

Seu Pedro gostou da idéia, afinal, era época de fortes chuvas, o que aumentava o número de
mortes no local, provavelmente por doenças causadas pelos mosquitos, que se
multiplicavam muito com as chuvas. Além de deixar a terra mais fofa e fácil para ser
escavada depois.

Capitulo X

Passaram-se 14 dias, e nada de alguém morrer... parecia castigo para Claudete, que
desejava tanto a morte de qualquer pessoa, pois a morte de um seria a liberdade dela, até
que, naquela tarde, o sino tocou.
Já era tarde, perto das 16:00, e ela então ficou ansiosa com a possibilidade de liberdade.
Ela contava os minutos até a madrugada chegar, não pregou os olhos nem por um segundo,
tanta que era a sua ansiedade.
Tinha chegada a hora... ela caminhara silenciosamente pelo corredor escuro que levava até
a marcenaria. Ela já estivera lá tantas vezes que sabia de cor o caminho, não precisando de
lampião, evitando também que alguém a descobrisse.
Chovia muito naquela noite, e a escuridão era total.
Ela chegou na marcenaria e viu logo o vulto do caixão que estava sobre uma grande mesa.
Com muito cuidado ela ergueu a tampa puxou o lençol que cobria o corpo e deitou-se sobre
ele, fechando a tampa logo a seguir.
Devido ao cansaço da noite em claro, ela acabou dormindo, sendo acordada com o barulho
do martelo sendo batido na tampa do caixão, fechando-o.
Claudete quase soltou um grito, mas conseguiu se segurar... qualquer movimento dela
colocaria tudo a perder.
Ela podia ouvir algumas vozes do lado de fora do grosso caixão, mas não podia identifica-
las.
A escuridão era tanta que ela ainda pensava ser noite, mas era por causa da tampa bem
fechada do caixão.
Realmente, - pensou Claudete - o Seu Pedro fizera um bom trabalho com esses caixotes.
Ela sentiu o caixão sendo baixado, e terra sendo jogada sobre ela... bastava esperar mais
alguns minutos e logo estaria salva.
Ela suava, e sentia a umidade da terra molhada escorrer pela lateral do caixão, cada minuto
parecia uma hora, e nada do Seu Pedro chegar. Será que ele virá logo? Claudete se
perguntava enquanto tentava se ajeitar o melhor que podia sobre aquele corpo sem vida que
lhe fazia companhia.
Então ela, num minuto de curiosidade, lembrou que tinha no bolso os fósforos que usava
para acender os lampiões pela manhã, pois se levantava ainda na escuridão da madrugada
para começar sua dura rotina.
Resolveu acender um fósforo e ver quem era seu companheiro ou companheira... pois a sua
ansiedade era tanta que ela nem quis saber quem havia morrido.
Ao riscar o fósforo, ela não conseguiu segurar seu grito de espanto e horror.....
O corpo ali colocado era de Seu Pedro, o único que poderia salvá-la de uma morte tão
cruel.
Enterrada viva!
Até hoje no orfanato não sabem que fim levou Claudete. Algumas crianças juram que
acordam no meio da noite com um grito agonizante de uma criança....

FIM.

Você também pode gostar