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Crônica: "Livros que nunca lerei", de Arturo Pérez-Reverte.

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Mundial do Livro, Don Arturo Pérez-Reverte:

"Às vezes, alguém que vê minha biblioteca pergunta se já li todos esses livros. A
resposta é sempre a mesma: alguns sim, outros não; mas preciso que todos eles estejam aí.
Uma biblioteca é memória, companhia e projeto de futuro, ainda que esse projeto não
chegue a se completar jamais. Uma biblioteca mobilia, e define, uma vida. Estranho é não
perceber o coração e a cabeça de um ser humano depois de um olhar minucioso sobre os
livros que tem em casa, ou os que não tem. Por isso, não me lamento por aqueles que não
lerei. Cumprem sua função, inclusive ali, quietos, silenciosos, alinhados com seus títulos em
suas lombadas. Posso abri-los, folheá-los, percorrê-los devagar, coloca-los na mochila para
uma viagem. E ainda que eu jamais chegue a ler muitos deles, terão cumprido sua missão.
Sua nobre tarefa. Quando compreendi que nunca leria todos os livros que gostaria de ler, e
aceitei essa realidade com resignada melancolia, mudou minha vida de leitor. Fez-se mais
plena e madura, do mesmo modo em que, na primeira guerra que eu conheci, reconhecer
que eu também poderia morrer mudou minha forma de ver o mundo. Os livros que eu
nunca lerei me definem e me enriquecem tanto como aqueles que eu li. Estão ali, e eles
sabem quem eu sei. Se sobreviverem ao tempo, ao fogo, à água, ao desastre, à estupidez
humana, um dia serão de outra pessoa. E graças a mim, que tive o privilégio de resgatá-los
de seus milhares de naufrágios, unindo-os à minha vida."

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Repost: Revista Estado da Arte

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