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REPÚBLICA DE ANGOLA

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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO
ISCED/ LUANDA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
SECTOR FILOSOFIA

“A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA NA VIDA DO CIDADÃO


E O PAPEL DA FILOSOFO EM LUANDA”.

Autor: Waldano Heler Natxari Wanga

Tutor (a): DR. Luciano Segunda


Trabalho Apresentado Para Obtenção do Grau de Licenciatura em
Ciências da Educação

Opção: Filosofia

Luanda, Abril de 2012

1
ÍNDICE
DEDICATÓRIA…………………………………………………………………………I
AGRADECIMENTOS...………………………………………………………………. II
RESUMO...…………………………………………………………………………….III
SUMMARY……………………………………………………………………………IV

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 3
CAPITULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E DEFINIÇÃO DE ALGUNS TERMOS E
CONCEITOS. ............................................................................................................................... 9
1.1. Pragmatismo ........................................................................................................................... 9
1.2. Práxis ...................................................................................................................................... 9
1.3. Perspectivismo ..................................................................................................................... 10
1.4. Revisão bibliográfica............................................................................................................ 10
CAPITULO II – A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA NA VIDA DO CIDADÃO .................. 12
2.1.1. Campos da filosofia........................................................................................................... 14
2.1.2. As revoluções filosóficas. ................................................................................................. 16
2.2. A importância da filosofia. ................................................................................................... 19
2.2.1. A sabedoria........................................................................................................................ 21
CAPITULO III. O PAPEL DO FILÓSOFO NA PÓLIS. ........................................................... 27
3.1. Relação entre Filosofia e Política. ................................................................................... 33
3.1.1. Os filósofos e os políticos ........................................................................................... 33
3.1.2. Os filósofos na “Política” ............................................................................................ 34
3.2. O PAPEL DO FILOSOFO EM LUANDA ..................................................................... 37
3.2.1. Saber e viver ...................................................................................................................... 38
3.2.1. A Filosofia como emprego. ......................................................................................... 39
3.2.2. O culto do "gênio". ...................................................................................................... 42
3.2.2. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO FILÓSOFO ..................................................... 45
3.3. O ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO............................................................................ 51
3.3.1. MÉTODOS CONTEMPORÂNEOS DE ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO. .......... 52
3.3.1.1. O Método Progress. ........................................................................................................ 52
3.3.1.2. O Método «PROJECT».................................................................................................. 53
DIFERENÇA ENTRE O ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO E O PSICOTERAPÊUTICO
..................................................................................................................................................... 55
CAPITULO V. O FIM DA FILOSOFIA? .................................................................................. 56
CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 60
SUGESTÕES E RECOMENDAÇÕES. ..................................................................................... 62
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................ 64
ANEXOS
CASOS PRÁTICOS DE ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO INDIVIDUAL
1. O CASO PARADIGMÁTICO: de John e os métodos Progress e Peace
2. Caso de Soraia
3. Caso de Christina
4. Caso de Dino
5. Caso de João
6. Caso de Maria
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INTRODUÇÃO

Estamos no momento ideal para fazer uma auditoria da filosofia ocidental. A


presente tese avalia o estado actual da arte filosófica, fazendo um exame geral do que
foi realizado nos últimos anos nas áreas mais cadentemente controversas e considerando
as mais recentes abordagens sobre a problemática da utilidade da filosofia.

O presente trabalho, cujo tema é “A importância da Filosofia na vida do cidadão e o


papel do filosofo em Luanda”, está extruturado em quatro capitulos:

As observações terão em vista os, que, pelo uso da palavra e pela formulação
explícita de ideias gerais, puderam ou podem tentar influir na evolução da sua sociedade
e no curso da História. A sua lista é imensa, as questões que as suas palavras ou actos
levantaram são ilimitadas. Portanto remete-se para a breve discussão três pontos
essenciais:

O primeiro diz respeito a dois tipos diferentes de relação entre o pensador e a


comunidade política, como os exemplifica a oposição radical entre Sócrates, o filosofo
na cidade, e Platão, o filósofo que se quer acima da cidade.

O segundo é relativo a tendência que se apoderou dos filósofos, a partir de uma


certa fase histórica, para racionalizar o real, isto é, legitima-lo.

Conclui-se com um terceiro ponto, a questão levantada que realçam da crítica e


da visão do filósofo-cidadão com o facto de que, num projecto de autonomia e de
democracia, é a grande maioria dos homens e das mulheres que vivem na sociedade, o
depositário principal do imaginário instituinte e que têm de se tornar os sujeitos activos
da política explícita.

Por fim apresenta-se várias conclusões, faz-se algumas sugestões e


recomendações, colocamos as referências bibliográficas e os anexos.

Formulação do problema.

A filosofia a par da história e da sociologia é uma das mais importantes ciências


que a sociedade pode possuir e usufruir, mas a filosofia está em crise porque está
deslocada da sociedade e ainda não reencontrou o seu lugar, por isso é normal os
estudantes perguntarem para que serve a filosofia nos dias de hoje?

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Muita gente tem a ambição de ajudar a tornar o mundo, mas há muito poucos,
como os filósofos, que têm um compromisso específico para com esses ideais mais
austeros. É essencial que esse compromisso seja respeitado e mantido, em vez de ser
abandonado ou diluído noutros compromissos em relação a outras ideias ainda que estas
sejam também validas e importantes, mas às quais outras pessoas se podem dedicar.

Por um lado os filósofos têm estado demasiado ausentes do que se passa na


sociedade, parece que até há bem pouco tempo não eram unidos até haver um boato de
se querer eliminar definitivamente a filosofia do sistema de ensino. Levantando a
questão do que representaria o fim da filosofia?

A verdade de que a filosofia anda arredada da vida das pessoas, em Angola esta
afirmação é confirmada pelos comentários que revelam grande desconhecimento do
papel da filosofia.

Tem-se defendido publicamente que os currículos dos cursos de filosofia em


Angola estão desactualizados e dão uma imagem muito negativa daquilo que a filosofia
pode produzir enquanto actividade crítica. A filosofia em Angola está ainda muito
minada pelo discurso pós-moderno do relativismo, subjectivismo, etc.

Devemos originalmente a filósofos ideias que desempenham papel fundamental


para o pensamento em geral, mesmo em seu aspecto popular bem como no âmbito da
política e do desenvolvimento da própria ciência.

Se do ponto de vista metodológico, toda investigação pressupõe a escolha e


selecção dum problema1, a sua transformação em pergunta de partida é o elemento
fundamental para o início da investigação.

É neste sentido que formulamos as seguintes questões:

1- Qual a utilidade da filosofia na vida do cidadão?


2- Qual é o papel da filosofo na polis?
3- O que representa o fim da filosofia?

Estas e outras questões procurar-se-ão ao longo deste trabalho encontrar respostas.

1
Todas as investigações partem de um problema a investigar [Giddens 2007: 644]

4
Importância do estudo.

A filosofia, lamentavelmente, é uma das disciplinas menos compreendidas, tanto


pelo leigo como por quem diz que a conhece.

O presente trabalho é importante por ser uma tentativa de trazer ao campo


académico, uma problemática, muito marginalizada no seio dos estudantes
universitários e dos investigadores sociais em Angola. Pensamos que a pertinência do
presente estudo do ponto de vista académico reside no facto de que à uma grande lacuna
nos materiais a respeito da importância da filosofia e do papel do filósofo na sociedade
e permitirá dar a conhecer a sociedade e as empresas como podem aproveitar as
competências e habilidades dos filósofos.

A escolha deste problema decorre do facto de, por um lado, a filosofia está em
crise não só porque está deslocada da sociedade mas também porque uma grande parte
dos filósofos estão deslocados da própria filosofia.

Por outro lado, o facto de que muitas vezes foram as vezes em que ouvimos
professores Universitários dizerem que a filosofia não serve para nada e deveria ser
retirada dos currículos de ensino.

Outro aspeto que nos motivou a abordar esta temática é o facto de ao longo do
tempo, as pessoas continuarem questionando para que serviria a Filosofia. As respostas
que se obtém à medida que se fala com diversos professores, profissionais de várias
áreas, alunos universitários e do ensino secundário provocam alguma confusão.

Esta é uma realidade idêntica, ou mesmo, operacional a nossa, uma vez que, a
discussão sobre a aplicação da filosofia não tem ganho muito interesse no âmbito da
comunidade filosófica nacional. E o resultado das poucas discussões tem-se
desenvolvido mais numa dimensão da desconstrução do outro, do que trazer a superfície
a realidade deste grupo académico em Angola. De facto a filosofia enquanto ciência tem
sido apresentado como bode expiatório da ociosidade académica da sociedade angolana.

Objectivos do estudo:

Os objectivos são linhas que tendem para um ponto que se deseja atingir, ou
seja, são resultados que se pretende alcançar. Assim o nosso trabalho traça os seguintes
objectivos:

5
Objectivo geral:

 Mostrar a actualidade profissional, a utilidade e a importância do Filósofo


contemporâneo na sociedade angolana.

Objectivos específicos:

 Verificar a atuação do filósofo no equilíbrio da dimensão profissional como


componente da vida pessoal.
 Identificar o papel do filósofo na sociedade
 Identificar as áreas de aplicação da filosofia, realçando em especial a área do
aconselhamento filosófico.

Formulação das hipóteses.

As linhas teóricas que conduzem os trabalhos, ou seja, são afirmações prováveis


avançadas pelo investigador para o problema de pesquisa, que se pretende com a
investigação ser firmada ou infirmada são:

H1. A filosofia é importante na vida do cidadão porque ela busca uma unidade,
uma síntese de todo conhecimento humano, de tal maneira que haja uma possibilidade
de que em qualquer necessidade de expressão, se seja a mesma pessoa e coerente com a
visão do universo e com a visão de vida pessoal.

H2. A filosofia tem o papel de encontrar uma síntese do sentido da vida dos
cidadãos e pode colaborar na construção do equilíbrio da dimensão profissional como
componente da vida pessoal.

H4. O fim da filosofia significa o fim do projecto de autonomia individual e


colectiva.

Delimitação e limitação do estudo.

Factores como metódo, natureza da tecnica e, instrumento podem contribuir para


a diminuição da validade da pesquisa. Às vezes a limitaçoes metodologicas implicam no
procedimento estatistico escolhido e exigem cautela na interpretação dos resultados.

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A delimitação do campo de estudo está mais condicionada à vontade do
pesquisador do que a limitação. A delimitação tem de ser levada em conta para evitar
generalizações improprias, inadequadas dos resultados.

Dentro das formas clássicas de classificação as pesquisas do ponto de vista da


sua natureza são Básicas ou Aplicadas.

Pesquisa Básica: objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da


ciência sem aplicação prática prevista. Envolve verdades e interesses universais

Pesquisa Aplicada: objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos


à solução de problemas específicos. Detem um aspecto envolve verdades e interesses
locais.

METODOLOGIA
Técnicas e instrumentos.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, usou-se:
 Pesquisa Bibliográfica: elaboração a partir de material já publicado, constituído
principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente com material
disponibilizado na Internet.

 Pesquisa Documental: elaboração a partir de materiais que não receberam


tratamento analítico.

 Levantamento: a pesquisa envolveu a interrogação direta das pessoas cujo


comportamento se deseja conhecer.

Modelo de pesquisa.

Do ponto de vista da forma de abordagem do problema trata-se de uma pesquisa


qualitativa.

Este modelo considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito,
isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que
não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de
significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de
métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados
e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar

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seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de
abordagem

Método

O metodo utilizado foi o fenomenológico. Preconizado por Husserl, o método


fenomenológico não é dedutivo nem indutivo, Preocupa-se com a descrição direta da
experiência tal como ela é.

A realidade é construída socialmente e entendida como o compreendido, o


interpretado, o comunicado. Então, a realidade não é única: existem tantas quantas
forem as suas interpretações e comunicações.

É um método que envolve estratégias de coleta de dados (entrevistas não diretivas,


descrição oral das experiências vividas pelos sujeitos) e estratégias de apresentação de
resultados (descrição utilizando as palavras na forma particular em que são expressas
pelo sujeito). Não explica mediante leis nem deduz a partir de princípios, mas considera
o que está imediatamente à frente da consciência, o objeto.

A realidade não é tida como algo objetivo e passível de ser explicado como um
conhecimento que privilegia explicações em termos de causa e efeito.

Procedimentos e dificuldades encontradas.

Dificuldades de várias ordens encontraram-se na realização deste trabalho, de salientar


fundamentalmente as seguintes: a inexistência de bibliografias especializadas no estudo
da actividade dos filósofos em Angola; a falta de dados estatísticos referente a prestação
de serviço dos filósofos em Angola, em Luanda em particular;

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CAPITULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E DEFINIÇÃO DE ALGUNS
TERMOS E CONCEITOS.
1.1. Pragmatismo
O Pragmatismo é antes de tudo um método, do qual decorre uma teoria da
verdade. Para os pragmatistas, a vontade antecipa-se ao pensamento. O conhecimento é
concebido como essencialmente modificador da realidade, portanto, a construção da
verdade deve corresponder à construção da própria realidade. Conhecimento e acção se
convertem em termos equivalentes. O eixo central da teoria pragmatista é a ênfase na
utilidade "prática" da filosofia.

Centrado na análise do significado da experiência, o Pragmatismo foi entendido


como uma perspectiva em torno do conceito de verdade que, em seu processo de
expansão, atingiu os sectores representados pela ética e a religião. A teoria pragmática
da verdade sustenta que o critério de verdade está nos efeitos e consequências de uma
ideia, em sua eficácia, em seu êxito, no que depende, portanto, da concretização dos
resultados que espera obter. Verdadeiro e falso são, portanto, sinónimos de bom e mau,
valores lógicos que têm carácter prático e só na prática encontram significado.

A partir da publicação de The Will to Believe (1897; A vontade de crer) e


Pragmatism (1907; Pragmatismo), William James procurou transpor para o campo da
ética e da religião o que havia sido pensado com sentido científico e metodológico.
Assim, estabeleceu três condições básicas para uma afirmação ser considerada
verdadeira: (1) estar de acordo com a realidade e com os objectos da experiência; (2)
estar de acordo com aquelas relações de índole puramente mental, que são verdades
absolutas e incondicionais e que se conhecem como definição e princípios; (3)
finalmente, estar de acordo com o conjunto de outras verdades já verificadas.

De qualquer forma, o pragmatismo abandonou o conceito tradicional de filosofia


como síntese universal do conhecimento, para considerá-la como instrumento a serviço
do esclarecimento de problemas reais.

1.2. Práxis
Conceito empregado na filosofia marxista para designar um conjunto de acções
orientadas para a transformação do mundo.

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1.3. Perspectivismo
A realidade, como uma paisagem, pode ser vista a partir de inúmeras
perspectivas, todas verdadeiras. A única perspectiva falsa, segundo a filosofia
perspectivista, é exactamente a que pretende ser única. A ingenuidade das filosofias
estáticas consistiria em ignorar que interpretam o mundo como se o filósofo não
estivesse situado no tempo e no espaço, mas fosse "uma pupila anónima aberta para o
universo".

O termo perspectivismo designa a corrente filosófica para a qual o conhecimento é,


acima de tudo, apreensão do objecto a partir do ponto de vista, ou perspectiva, do
sujeito.

1.4. Revisão bibliográfica.


Os autores que sustentam o nosso trabalho cuja dinâmica de abordagem se
inscreve em ciências sociais contribuíram significativamente para a construção do nosso
quadro teórico de referência é de nomear os seguintes:

Louis Marinoff na sua obra intitulada: Philosophical Practice, apresenta um


autêntico projecto para uma «ordem» dos filósofos. Louis Marinoff divide a sua obra
em 5 partes: 1) Fundações da Pratica Filosófica. Neste ponto, o filósofo Americano
reflecte sobre a questão da filosofia como uma forma de vida e afirma que é essa a razão
justificativa da sua «onda de popularidade» na actualidade. 2) Modos da prática
filosófica. Aqui, o autor refere-se aos vários tipos de trabalho que um profissional de
Filosofia pode ter, e divide-o em três tipos – conselheiro filosófico individual, filosofia
aplicada a gupos (filosofia para crianças, filosofia para jovens, etc.) e filosofia aplicada
às instituições (comissões e códigos de ética, consultor Ético nas Empresas, Escolas,
Administração Pública, etc.) 3) profissionalização da prática Filosófica. Nesta parte,
Louis Marinoff apresenta o seu projecto de formação na APPA – American
Philosophical Practioners Association. E termina a sua reflexão com a polémica questão
acerca do «Reconhecimento» versus «Regulação» ou seja, a licença, a certificação ou
registo. 4) Marketing da Pratica Filosófica. 5) Política da Pratica Filosófica. Nesta
ultima parte, o Filosofo Americano reflecte sobre a relação da prática Filosófica com
outras ciências, como s questão da Globalização e sobre as relações internacionais entre
os vários praticantes de Filosofia.

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Um autor fundamental neste itinerário formativo do conselheiro filosófico é
Montesquieu, cuja obra Elogio da Sinceridade. O autor francês refere logo no início a
importância dos estóicos em matéria de filosofia aplicada, sobre tudo porque
aconselhavam as pessoas a «auto-conhecerem-se». No entanto, as críticas vêm logo a
seguir porque para Montesquieu, o caminho não era por ai……em vês da especulação
teórica, o filósofo deveria exercitar-se na prática da sinceridade. Em matéria de ética
pessoal, a sinceridade torna-se uma virtude que transporta o indivíduo para uma
satisfação interior, baseada na transparência da consciência e na paz do sentimento. É
assim que vive, na sua intimidade, o homem de bem, e na vida pública o grande herói.

"Um homem simples que não tem senão a verdade a dizer, é olhado como o
perturbador do prazer público". (MONTESQUIEU)

As críticas deste filósofo francês são realmente duras mas provavelmente por
essa mesma razão por ser tem demasiado reais em pleno século 21 Interessa-nos a
filosofia aplicada de Montesquieu nomeadamente as suas referências éticas, sobre tudo
porque, ao nível da análise pessoal nos fornece preciosos elementos para a prática do
aconselhamento. O exercitar constante da sinceridade, em nome da verdade como valor
máximo tem com a consequência a tranquilidade da consciência que por sua vez conduz
a felicidade.

Também Emanuel Kant teve um papel fundamental no processo de elevação da


filosofia prática a área profissional. Na sua fundamentação da Metafísica dos Costumes,
Kant recorda a divisão da velha filosofia Grega em física, ética e Lógica. A reflexão
Kantiana vai centrar-se sobre a ética enquanto ciência que investiga as leis da liberdade,
é por isso que lhe vai chamar teoria dos costumes:

CAPACIDADE DE SABER VIVER ARTE DE VIVER


 Concepção «epistémica» da vida.  Pressupões uma concepção estética
 Palavra-chave: sabedoria da vida.
 O sábio usa a inteligência (julga,  Palavra-chave: Beleza
compreende…) para ser feliz.  O sábio é feliz por ser sábio e ter o
 Procura-se aquilo que é valido. tipo de vida que preconiza.
 Procura-se evitar o que é falso  Procuram-se os valores
 Preenche a sua vida de sentido  Procura-se o fruir da vida
 A sua preocupação é ser digno da  Dá um sentido a própria vida
felicidade  A ideia directriz é a felicidade
Fig. 01. Teoria dos costumes, Kant.

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CAPITULO II – A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA NA VIDA DO CIDADÃO
A filosofia existe há 26 séculos. Durante uma história tão longa de tantos
períodos diferentes, surgiram temas, disciplinas e campos de investigação filosóficos
enquanto outros desapareciam. Desapareceu também a ideia de Aristóteles de que a
filosofia era a totalidade dos conhecimentos teóricos e práticos da humanidade.

Também desapareceu uma imagem, que durou muitos séculos, na qual a


filosofia era representada como uma grande árvore frondosa, cuja as raízes eram a
metafísica e a teologia, cujo tronco era a lógica, cujos ramos principais eram a filosofia
da natureza, a ética e a política, e cujos galhos extremos eram as técnicas, as artes e as
invenções. A filosofia, vista como uma totalidade orgânica ou viva, era chamada de
“rainha das ciências”.

No século XX, a Filosofia foi submetida a uma grande limitação quanto à esfera de
seus conhecimentos. Isso pode ser atribuído a dois motivos principais:

1. Desde os finais do século XVIII, com o filósofo alemão Emanuel Kant, passou a
considerar-se que a filosofia, durante todos os séculos anteriores, tivera uma
pretensão irrealizável: “As de que nossa razão pode conhecer as coisas tais como
são em si mesmas”. Esse conhecimento da realidade em si, dos primeiros
princípios e das causas de todas as coisas chama-se Metafísica.

Kant negou que a razão humana tivesse tal poder de conhecimento e afirmou que só
conhecemos as coisas tais como são organizadas pela estrutura interna e universal de
nossa razão, mas nunca saberemos se tal organização corresponde ou não a organização
em si da própria realidade. Deixando de ser metafísica, a filosofia se tornou o
conhecimento das condições de possibilidade do conhecimento possível para os seres
humanos racionais. A filosofia tornou-se uma teoria do conhecimento, ou uma teoria
sobre a capacidade e a possibilidade humana de conhecer, e uma ética, ou estudo das
condições de possibilidade da acção moral enquanto realizada por liberdade e por dever.
Com isso, a filosofia deixava de ser conhecimento do mundo em si e tornava-se apenas
conhecimento do homem como ser racional e moral.

2. Desde os meados do século XIX, como consequência da filosofia de August


Comte – Chamada de positivismo – foi feita uma separação entre filosofia e
ciências positivas (Matemática, física, química, biologia, astronomia, sociologia,

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etc.). As ciências, dizia Comte, estudam a realidade natural, social, psicologia e
moral e são propriamente o conhecimento. Para ele, a filosofia seria apenas uma
reflexão sobre o significado do trabalho científico, isto é, uma analise e uma
interpretação dos procedimentos ou das metodologias usadas pelas ciências e
uma avaliação dos resultados científicos.

A filosofia tornou-se assim, uma teoria das ciências ou epistemologia (Episteme, em


grego quer dizer “ciência”). A filosofia reduziu-se, portanto, à teoria do conhecimento, à
estética, à ética e a epistemologia. Como consequência dessa redução, os filósofos
passaram a ter um interesse primordial pelo conhecimento das estruturas e formas de
nossa consciência e também pelo seu modo de expressão, isto é, a linguagem.

O interesse pela consciência reflexiva ou pelo sujeito do conhecimento deu


surgimento a uma corrente filosófica conhecida como fenomenologia, iniciada pelo
filósofo alemão Edmund Husserl. Já o interesse pelas formas e pelos modos de
funcionamento da linguagem corresponde a uma corrente filosófica conhecida como
filosofia analítica, cujo início é atribuído ao filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein.

No entanto a actividade do filósofo não se restringiu à teoria do conhecimento, à


lógica, à epistemologia e à ética. Desde o início do século XX, a história da filosofia
tornou-se uma disciplina de grande prestígio e, com ela, a história das ideias e a história
das ciências.

Desde a segunda guerra mundial, como o fenómeno do totalitarismo – fascismo,


nazismo, estalinismo -; como as guerras de libertação nacional contra os impérios
coloniais e as revoluções socialistas em vários países; desde os anos 1960, com as lutas
contra a ditadura e com os movimentos por direitos (dos negros, índios, mulheres,
idosos, homossexuais, loucos, crianças e os excluídos económica e politicamente); e
desde os anos 1970, com a luta pela democracia em países submetidos a regimes
autoritários, um grande interesse pela Filosofia política ressurgiu e, com ele, as críticas
de ideologias e uma nova discussão sobre as relações entre a ética e a política, alem das
discussões em torno da filosofia da história.

Finalmente, desde o final do século XX, o pós-modernismo vem ganhando


relevância. Seu alvo principal é a crítica de todos os conceitos e valores que até hoje,

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sustentaram a Filosofia e o pensamento dito ocidental: Razão, saber, sujeito, objecto,
historia, espaço, tempo, liberdade, necessidade, acaso, natureza, homem, etc.

Vimos que o optimismo racionalista da modernidade foi constatado no decorrer do


século XX: a crítica das ideologias, a descoberta freudiana do inconsciente, a crítica da
história, da unidade da cultura ou de sua pluralidade nacional, dos benefícios das
ciências e das técnicas, foram contestando os valores e ideais modernos.

Já no início dos anos 20, com as obras dos filósofos Wittgenstein e Heidegger, a
ideia da metafísica como conhecimento da realidade última dos seres foi contestada e
acabou cedendo o lugar ao papel da linguagem na invenção dos próprios seres e dos
objectos de conhecimento.

Também, entre os anos 1915 e 1960, com as filosofia de Husserl e de Merleau-


Ponty, surgiu a ideia de que a concepção moderna da razão era suficiente para dar conta
de todo o pensamento humano, das experiencias e vivencias corporais, da linguagem e
das artes.

Da mesma maneira, os filósofos do chamado Circulo de Viena afirmaram, no início


do século XX, os limites da filosofia e das ciências para conhecer as próprias coisas e
consideraram a ciência apenas “uma linguagem bem-feita”.

Entre os anos 1960 e 1980, a obra do filósofo francês Michel Foucault expressava
todas as críticas que o século XX vinha fazendo ao racionalismo moderno, a sua
concepção de metafísica, história, ciência e cultura.

Com isso, podemos dizer que o pós-modernismo veio sendo gerido no interior da
Filosofia até o momento em que, nos anos 1980, pôde finalmente expressar-se como
uma oposição filosófica.

2.1.1. Campos da filosofia.


Os campos em que se desenvolveu a reflexão filosófica nestes 26 séculos são:

Ontologia ou metafísica (conhecimento dos princípios e fundamentos de toda a


realidade, de todos os seres.);

Lógica (conhecimento das formas e regras gerais do pensamento correcto e


verdadeiro, independentemente dos conteúdos pensados; regras e critérios que

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determinam a forma dos discursos ou argumentos tanto para a demonstração científica
verdadeira como para os discursos não-científicos; regras para a verificação da verdade
ou falsidade de um pensamento ou de um discurso, etc.);

Epistemologia (análise crítica das ciências, tanto as ciências exactas ou matemáticas


quanto as naturais e humanas; avaliação dos métodos e dos resultados das ciências;
compatibilidade e incompatibilidades entre as ciências; formas de relações entre as
coisas, etc.);

Teoria do conhecimento ou estudo das diferentes modalidades de conhecimento (o


conhecimento sensorial ou sensação e percepção; a memória e a imaginação; o
conhecimento intelectual, a ideia de verdade e falsidade; a ideia de ilusão e realidade;
formas de conhecer o espaço e o tempo; formas de conhecer as relações, conhecimento
ingénuo e conhecimento científico; diferença entre conhecimento científico e filosófico,
etc.);

Ética (estudo dos valores morais (as virtudes), da relação entre vontade e paixão,
vontade e razão; finalidades e valores da acção moral, ideias de liberdade,
responsabilidade, dever, obrigação.);

Filosofia política (estudo sobre a natureza do poder e da autoridade; ideia de direito,


lei, justiça, dominação, violência; formas dos regimes políticos e suas fundamentações;
nascimento e formas do estado; ideias autoritárias, conservadoras, revolucionárias e
libertárias; teorias da revolução e da reforma; analise e critica das ideologias);

Filosofia da história (estudo sobre a dimensão temporal da existência humana como


existência sociopolítica e cultural, teorias do progresso, de revolução e teorias da
descontinuidade histórica; significado das diferenças culturais e históricas, suas razões e
consequências);

Filosofia da arte ou estética (estudo das formas de arte, do trabalho artístico; ideia de
obra de arte e de criação; relação entre matéria e forma nas artes; relação entre arte e
sociedade, arte e política, arte e ética.);

Filosofia da linguagem (a linguagem como manifestação da humanidade do homem;


signos, significações; a comunicação; passagem da linguagem oral à escrita, da

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linguagem quotidiana à filosófica, à literária, à científica; diferentes modalidades de
linguagem como diferentes formas de expressão e de comunicação.);

História da filosofia (estudo dos diferentes períodos da filosofia; de grupos de


filósofos segundo os temas e problemas que abordam; de relações entre o pensamento
filosófico e as condições económicas, politicas, sociais e culturais de uma sociedade;
mudanças ou transformações de conceitos filosóficos em diferentes épocas; mudanças
na concepção do que seja a filosofia e de seu papel ou finalidade).

2.1.2. As revoluções filosóficas.


Os filósofos de hoje rememoram pelo menos cinco grandes revoluções nas ideias:

A primeira foi o nascimento da razão como um instrumento para desvendar a


verdade nos séculos V e VI a.C., que chega até nós através das obras sobreviventes dos
filósofos pré-socráticos e dos diálogos de Platão. Fundando-se nas ideias de seu mestre,
Sócrates, Platão sustenta que nossas ideias são correctas ou erróneas na medida em que
correspondem às “Formas” sobrenaturais da Beleza, da Bondade, da Coragem e assim
por diante. Platão afirmava que esses modelos eram objectos em si mesmos reais, de
facto, que os objectos que encontramos no mundo físico eram perfeitos, puros, eternos e
imutáveis. Sustentou que, empregando a razão de maneira apropriada, poderíamos
chegar a ver essas verdades e alcançar o conhecimento genuíno com que devemos
substituir a mera “opinião” que em geral nos satisfaz. O único limite era o material com
que tínhamos de trabalhar, pois o mundo físico contém apenas cópias das verdades
eternas.

A segunda grande revolução foi levada a cabo no século XVII, em Königsberg,


quando Emanuel Kant transferiu a ênfase para o sujeito humano. Tudo que vemos e
ouvimos, tudo que a mente apreende, deve, pensava ele, ser moldado pelos sentidos e o
intelecto para nossa compreensão. Nunca podemos contemplar a natureza intrínseca das
coisas, como sonhava Platão. Só o que podemos conhecer algum dia é uma versão
antrópica de Deus, da Virtude e da Beleza. Na formulação de Kant, quanto mais
conhecemos as capacidades de nossas próprias mentes, mais nos aproximamos do
verdadeiro conhecimento. Só podemos compreender os limites de nosso mundo
examinando os limites do pensamento humano.

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A terceira grande revolução ocorreu mais ou menos na mesma época na Grã-
Bretanha. John Locke e David Hume haviam aplicado a metodologia científica de seu
predecessor do século XVII, Francis Bacon, elaborando um sistema filosófico
conhecido como “empirismo”. Segundo os empiristas, só podíamos conhecer o que
estava no âmbito de nossa experiencia. A razão por si mesma não era capaz de descobrir
nada de novo, mas meramente de rearticular o conhecimento já fornecido pelos
sentidos.

A quarta revolução ocorreu no século XIX, quando o pensador alemão Georg


Hegel iniciou o estudo do que o homem pode vir a ser, em vez do que simplesmente é,
citando as forças históricas que superam a razão na criação de novas ideias e modos de
vida. A sua “dialéctica” acompanha o choque de movimentos opostos para mapear “o
progresso na consciência da liberdade”, e ele definiu o estado que encarna esse
desenvolvimento como “a marcha de Deus através do mundo”. Ali onde Hegel atacou a
razão a partir de cima, seu compatriota Friedrich Nietzsche solapou-a com um apelo ao
motivo. Afirmou que os valores são transformados em verdade pela “vontade de poder”
dos indivíduos, não por qualquer recurso a factos e observação. De um golpe, Nietzsche
forneceu as bases para a anti-filosofia conhecida como “pós-modernismo”, que continua
tão apreciada nos departamentos de humanidades.

No início do século XX, os limites se estreitaram, os filósofos como o austríaco


Ludwing Wittgenstein criaram uma quinta revolução, propondo que os limites do
pensamento eram delimitados pelos limites da linguagem em que era conduzido. Os
padrões para avaliação da verdade não residiam nem no seu nem nos confins da mente,
mas na gramática da prática pública. Quando imaginavam estar examinado a natureza
das coisas, os filósofos estavam apenas, afirmaram Wittgenstein e seus seguidores,
retirando palavras de seu contexto.

Os objectos de estudo apropriados eram, para Platão, entidades semidivinas e,


para Kant, as estruturas da consciência. Agora, filósofos “analíticos” eram limitados a
analisar os grunhidos e as sacudidelas físicas que os seres humanos usam para se
comunicar. Por prazer, podiam perseguir e eliminar vestígios de pensamento metafísico
e declarar problemas “dissolvidos”. Por exemplo, o filósofo inglês Gilbert Ryle
afirmou:

17
“Que a questão de onde localizar o eu consciente era um “erro de categoria”
do tipo cometido por alguém que visita as faculdades de uma Universidade e pergunta
onde fica a “universidade”, ou contempla uma procissão de batalhões e regimentos e
pergunta quando o “exército” vai desfilar.

Hoje os filósofos ocidentais estão imbuídos de todas essas mudanças, mas uma
em particular arrebatou sua imaginação nos últimos anos: a promessa empirista de uma
filosofia “científica”.

Bertrand Russell comparou certa vez os ramos do conhecimento humano com


um arquivo, em que o material discutido pelos filosóficos encontrava-se no
compartimento rotulado “Não Sei”. Depois que descobrimos o bastante sobre
determinado assunto para abordar suas questões de maneira sistemática, os conteúdos
são removidos para um novo compartimento com outro titulo, seja “Física”,
“Psicologia” ou “economia”. Essa é uma descrição razoável da história da filosofia, que
resultou periodicamente em novas disciplinas, novas ciências. Ela explica também a
ilusão de que a filosofia nunca conclui coisa alguma.

Os filósofos nunca obtêm reconhecimento por seus sucessos, pois assim que
fazem um progresso real sobre um problema, este é retirado de suas mãos e entregue a
novos guardiões. Sir. Isaac Newton escreveu os Principia, e Adam Smith escreveu A
riqueza das nações como filósofos, mas hoje são lembrados como físico e economista,
respectivamente. O pensador contemporâneo Noam Chomsky é descrito ao mesmo
tempo como filósofo e fundador da linguística, mas a primeira metade de seu título será
um dia abandonada pelas enciclopédias.

Esse destino conduziu à proposição recente de que, como a filosofia parece ter
sucesso ali onde da origem a novas ciências, toda a disciplina deveria ser transformada
numa ciência. Pedir que o pensamento seja conduzido sempre e unicamente de acordo
com os princípios científicos rigorosos significaria que alguns assuntos – aqueles sobre
os quais menos sabemos – nunca seriam tratados e nenhuma disciplina se desenvolveria.

O que está em questão, no entanto, é mais do que a melhor maneira de cultivar


ideias, uma vez que isso pressupõe que o destino de todo método de investigação útil é
se tornar cientifico. A diferença entre a filosofia e ciência é muitas vezes mais uma
questão de tempo que de assunto. Por vezes a filosofia termina em ciência. Muito

18
ocasionalmente, ela resolve um problema sem gerar uma nova disciplina, e, por vezes,
isso ocorre porque o problema foi dissolvido e não resolvido.

Há uma crença generalizada de que somente a filosofia, entre as artes e ciências,


deve ser democrática. Enquanto poucos de nós possuímos teorias sobre a dinâmica dos
fluidos ou temos a pretensão de escrever como Hemingway: “é comum a crença de que
qualquer um pode apreender conhecimentos filosóficos”. Supõe-se que o mundo, que
mostra tão pouca justiça em relação a todas as outras coisas, é inerentemente justo e
equitativo quando está em jogo o conhecimento e a compreensão das verdades mais
profundas. Algumas verdades encontram-se a fácil alcance, nos ramos mais abaixo, mas
outras provaram-se inatingíveis sem a invenção de um equipamento.

Esse equipamento assume muitas formas: um género especial de raciocínio ou


um instrumento lógico, um auxiliar mecânico como um scanner cerebral ou uma
fotografia da Terra tirada do espaço. Por melhor que seja a nossa visão, nunca iríamos
compreender o nosso cosmo. Não há dúvida de que muitos problemas são insolúveis
hoje porque não dispomos do equipamento que talvez se torne disponível para os nossos
descendentes. O que importa na descoberta da verdade não é tanto a ciência, mas a
tecnologia de uma forma ou de outra. Parte da razão dos fracassos passados da filosofia
é a mesma do fracasso das primeiras máquinas voadoras e dos primeiros esforços para
curar doenças: os meios não existiam. Embora a filosofia pareça flutuar livre de
questões de factos empíricos, grande parte dela depende deles, e nem toda solução são
igualmente acessíveis para todos os povos em todo o momento, muito menos para todos
os indivíduos.

2.2. A importância da filosofia.


Alguns professores de filosofia, mas não certamente os filósofos, diriam que á
filosofia não tem que servir para alguma coisa, quem serve é a ciência, ou a tecnologia,
ou até mesmo a religião. A filosofia seria um pensamento do pensamento e portanto não
estaria a serviço de alguém ou de alguma coisa.

O objectivo final da ciência é, portanto, a formação de um quadro


ordenado e explicativo dos fenómenos Naturais, fenómenos do mundo físico e do
mundo humano, individual e social.2

2
CARAÇA, Bento de Jesus, Conceitos fundamentais de matemática, Lisboa, 1975, pp 108

19
As exigências fundamentais do quadro explicativo da ciência são:

1.ª – Exigência de compatibilidade: (…) Obediência ao princípio de acordo da


razão consigo-própria.

2.ª – Exigência de acordo com a realidade: Os homens pedem a ciência que lhes
forneça um meio, não só de conhecer, mas de prever fenómenos – quanto maior for a
possibilidade de previsão, maior será o domínio deles sobre a natureza; quem sabe
prever sabe defender-se melhor e, além disso, pode provocar a repetição para o seu uso,
dos fenómenos naturais.

A ciência não tem, nem pode ter, como objectivo descrever a realidade tal como
ela é. Aquilo a que ela aspira é construir quadros racionais de interpretação e previsão; a
legitimidade de tais quadros dura enquanto perseverar o seu acordo com os resultados
da observação e da experimentação.3

A ciência e a filosofia têm pontos de convergência (ambas têm uma postura


investigadora) e de divergência (a primeira procura soluções para os problemas e a
segunda lida e põe em evidencia a problematicidade dos problemas e a relatividade das
respostas que neles se originam);4

O grande sábio que foi Berthelot exprimia, sobre este assunto, as convicções do
final do século XIX. A ciência escrevia ele: “reclama hoje, simultaneamente, a direcção
material e a direcção moral das sociedades. Sob o seu impulso, a civilização moderna
avança cada vez mais rapidamente”.»5

Na Grécia antiga, quando se perguntava a Sócrates, para que serve a filosofia?


Ou para quê ele saia as ruas de Atenas fazendo perguntas? Ele tinha uma resposta sobre
a utilidade do trabalho dele. Sócrates dizia exactamente: “Uma vida não examinada, não
vale apenas ser vivida”.

Nesta frase Sócrates, resume o trabalho da filosofia, como ele a desenvolveu. Ele
trabalhou a filosofia no sentido de uma investigação de questões morais dos atenienses e
dele próprio. Era uma espécie de auto-conhecimento, mas não no sentido psicológico,

3
GRÁCIO, Rui Alexandre, GIRÃO, José Manuel – Introdução à Filosofia, Razões em Jogo 11º ano, Texto
Editora, 1998
4
M. M.ª Carrilho, Jogos de Racionalidade, edições ASA, P38.
5
CUSDORF, George – Mythe et Métaphysique, Flammarion, Paris, 1984, pp 322

20
ou sentido moral, cívico, mas no sentido do que podemos fazer para nos conduzirmos
correctamente na vida? Ou melhor, o que devemos saber para melhor portarmos na vida
e sermos felizes?

Mas a filosofia não tem só essa resposta em relação ao para que serve. Quando
estamos diante de um problema como esse que vivemos agora, em que o mundo todo
discute do aquecimento global. Os cientistas podem ter respostas técnicas como: o que
devemos fazer para que o mundo não pereça? Mas a condução destas respostas, a
avaliação dessas respostas, o convencimento de que uma resposta é melhor do que a
outra para os políticos e homens de negócios, recai no papel do filósofo.

O filosofo tem uma visão geral, global e critica para expor questões, ele entra no
debate portanto com uma utilidade clara, à de entender o fenómeno do aquecimento
global e quanto ele é perigoso agora ou mais para diante.

A filosofia trabalha com a parte ética de certo/errado, sobre o comportamento,


sobre o dever; a filosofia trabalha com a estética sobre se aquilo é feio ou não é feio; o
que é belo e para quê? É bela uma coisa ou não? Essas três grandes áreas
(Epistemologia, ética e estética, aparecem com Platão logo depois de Sócrates e definem
o campo do trabalho do filosofo praticamente. Mais cabe ao filosofo ir para outros
campos “dito” aplicáveis, como: a filosofia da ciência, a filosofia da educação ou
filosofia dos meios de educação e assim por diante.

A filosofia tem muitos usos, é como se nós disséssemos a mesma coisa à


respeito da própria razão, da própria capacidade de reflexão. A razão é humana, é uma
só, mas ela tem muitos lugares de chegada e de pontos onde ela parte.

A razão é una, e múltipla como a filosofia, como os usos da filosofia.6 Hoje temos uma
visão académica da filosofia, a visão que se propõe sobre filosofia nesta tese difere um
pouco, ela fundamenta-se na filosofia a maneira clássica.

2.2.1. A sabedoria
Pitágoras falava que não era sábio, estava buscando a sabedoria, porque ele não
tinha sabedoria. Essa é uma condição fundamental para quem busca a sabedoria, saber
que não tem. Esse é um ponto importante, pós ele mostra que qualquer ser humano quer
a sabedoria, quer buscar um conhecimento, quer saber um pouco mais do que sabe, tem
6
- Centro de Estudos em Filosofia Americana, 31 de Janeiro de 2007, São Paulo.

21
uma curiosidade natural, isso distingue muito o ser humano em relação a outras
espécies.

A busca da sabedoria é uma condição natural ao ser humano. As vezes as


condições da nossa vida e nossos interesses ficam mais centrados para sobrevivência e
esquecemos um pouco dessa condição. Mas essa é a base de que se parte.

A filosofia é para todos aqueles que querem a sabedoria. Não se quer apenas
buscar a sabedoria, quer-se encontra-la também, e o entendimento é, que embora a
sabedoria é a meta final, ela só vai ser atingida se na medida em que se busca, se
encontre algum grau de sabedoria que possibilita aplica-la no dia-a-dia.

Não é só buscar a sabedoria, a proposta desta monografia é fornecer ferramentas


para que a pessoa que busca encontre algum grau de sabedoria.

Entende-se sabedoria como a síntese, como a capacidade que nós temos de


diante de qualquer circunstâncias da vida, em função da necessidades próprias de
expressão do ser humano, ele consiga conhecimento que o possibilita manejar qualquer
necessidade específica da vida.

E entende-se que o ser humano tem basicamente quatro (4) necessidades


específicas de expressão. O ser humano tem necessidades: Artísticas; Cientificas;
Políticas, e Religiosas.

Religião Politica

FILOSOFIA
Arte Ciência

Fig. 01
Temos de ter um conhecimento que nos possibilita lidar com qualquer uma das
quatro (4) necessidades específicas de expressão. Isto é, ainda que a nossa tónica de
expressão seja religiosa, temos de ter um conhecimento para que quando descubramos
algo do ponto de vista religioso ou uma lei aplicada a religião, possamos aplica-la ao
nível político e assim por diante.

22
Curiosamente a ciência também busca uma lei que possibilita sintetizar o
conhecimento que ela comporta/abrange. Quando ela estuda a movimentação dos
corpos no universo na micro e macro matéria ela percebe a presença de quatro (4)
elementos, que ela hoje classifica como: força gravitacional; força magnética; força
nuclear fraca e força nuclear forte. Mas a ciência não tem uma lei ou uma fórmula que
sintetize numa visão a relação entre estas forças. A filosofia busca uma lei que sintetiza
tudo.

A síntese de cada campo do conhecimento se chama filosofia. A filosofia busca


uma unidade, uma síntese de todo conhecimento humano, de tal maneira que haja uma
possibilidade de que em qualquer necessidade de expressão se seja a mesma pessoa e
coerente com a visão do universo e com a visão de vida pessoal.

Sabe-se que cada ser humano tem as quatro (4) dimensões de expressão,
analisando em qualquer coisa.

Por exemplo, a sala de aula, tem-se a preocupação em mantela esteticamente


organizada (arte); a comunicação entre o professor e o aluno, esse querer compreender
um ao outro, querer aprofundar um pouco mais, querer engrandecer o ser humano
(politica); o microfone, as técnicas de estudo, o quadro e outras coisas técnicas
(ciência); a capacidade que se tem para relacionar com o mistério, isto é, de estarem
ambos na sala e não saber como será no final. A uma dimensão religiosa muito
importante na vida das pessoas.

A vida como precisa dessas quatro expressões equilibradas, quando não se tem a
síntese criamos uma vida que parece Frankenstein7. Porque as vezes desenvolvemos
uma área apenas do conhecimento, então as vezes temos um cientista maravilhoso e
desequilibrado, ou um religioso que não entende a vida do ponto de vista político e
cientifico e vira fanático.

A proposta da filosofia é uma síntese, a sabedoria; um conhecimento que


possibilita integrar todos factores da vida com as quais o homem tem de se relacionar,
seja ela, da harmonia, do que desconheço, da ciência ou da política. É uma filosofia para
atender as nossas necessidades e da vida.

A filosofia se propõe ao mundo das causas, mas não fica preso somente no
mundo das causas. Não é só uma compressão da tradição através de uma sistematização
do conhecimento e de uma dialéctica, não é só uma preocupação profunda

7
Frankenstein, personagem-monstro no livro de Mary Shelley; a criatura que destrói o criador

23
(dialecticamente falando), tem de dar-se um passo a mais, temos de aprender a aplicar
esse conhecimento na vida em todo o contexto de vida.

Este ponto é importante porque é a essência do que nós chamamos educação, ou


seja quando através de um processo dialéctico aprendo a organizar pensamento de
forma razoável e quando aprende-se a ficar livre dos preconceitos, das dúvidas, do
medo, do momento actual, quando aprende-se a fazer isso se está livre para começar um
pensamento.

É muito importante essa liberdade do pensamento para o filósofo, mais hoje não
temos liberdade de pensamento em geral.

Politicamente, se questionarmos a democracia, provavelmente muita gente vai


para cadeia, porque partimos do princípio de que a democracia é a melhor forma de
governo, quem não é assim é tirano e etc.

Assim como Newton quando descobriu a gravitação universal associou a


premissa para varias coisas e ninguém questionou por muitos anos e depois Aisteins
questionou e descobriu outras maravilhas sem excluir o anterior.

A muitas coisas dentro do campo da política, então se perguntarmos quem é o


político, a visão que se tem é do Demagogo, ou seja do que mente para agradar a
maioria ou tenta agradar a maioria. Essa não é a visão filosófica da política.

Política classicamente é uma forma de relação perfeita dos seres humanos, onde
tem-se de encontrar as regras perfeitas de relacionamento dos seres humanos, da mesma
forma que o organismo encontra a forma perfeita de relacionamento entre as células,
altamente distintas e de funcionalidade distintas.

A nossa sociedade é um organismo, tem elementos distintos mas devem estar


completamente harmonizados dentro do organismo. Essa é a visão da política, a
capacidade de harmonizar todos esses elementos.

Arte: hoje é quase que dogmático total, para começar só algumas pessoas
entendem de arte. Então a uma visão de que não se pode pensar sobre artes, tem de se
fazer um curso ou consultar um especialista.

Cada época tem a sua tónica predominante, algumas civilizaçõs têm uma tónica
predominatemente religiosa, onde o religioso é o único que tem o direito de interpretar a
realidade. Tivemos por exemplo a idade media onde a terra era plana, e quem assim não
pensasse corria o risco de ir ao santo oficio.

Tem épocas que criam-se alienações, hoje temos uma alienação muito grande do
ponto de vista científico.

Ciência: Ao acompanharmos as teorias cientificas descobrimos que a cada 5


anos inventa-se uma teoria totalmente diferente da outra. Há 20 anos atraz a ciência era
tremendamente materialista, agora esta mas espiritualista porque chegaram a cinclusão

24
que matéria concreta(electrões e átomos) são apenas 5% do universo e o resto é algo
desconhecido alguns chamam de energia negra e outros de matéria negra(não tem
electrões nem átomos).

O cientista está sempre navegando nesse campo do desconhecido, como


qualquer ser humano, sempre tem uma faixa de mistério. “Porque tem que ser sempre
eles a interpretarem a realidade para nós”. Chegamos ao ponto de que ao perguntar-se
“o que você acha de como o universo nasceu? Responde-se sem tomar posição.

O filósofo cria uma teoria para fazer uma síntese de toda vida e testa-as na vida.

A essência da filosofia a maneira clássica: “Uma concepção visando a união de


todas coisas, a síntese de todas coisas”.

Ética: é quando temos uma concepção visando a unidade das coisas, uma relação
perfeita entre os seres humanos, uma relação perfeita do homem com sigo mesmo, uma
relação perfeita do homem com o universo. E a aplicação disso, para ver se estou de
facto correcto e para que também ganhe na vida chama-se moral.

Quando falamos de filosofia a maneira clássica estamos fazendo uma proposta


de vivencia da filosofia e não de conhecimento intelectuais que só servem para arranjar
emprego ou que quanto mais se estuda mais confuso se fica. Isto é ensinar a pessoa a
pensar de tal maneira que ela possa tirar de dentro dela, compreender as ideias e trazer
tais ideias para o concreto (dedução).

“Dentro do ser humano tem a capacidade de compreensão dos mistérios


profundos, basta que aprenda a pensar novamente” – Sócrates.

Basta que se saia do dogmatismo de que só a ciência, religião, arte, politica


pode interpretar, a filosofia interpreta a realidade. Temos de ter a capacidade de
transformar as nossas experiencia concretas em conhecimento ou em faculdades da
alma. E isso seria do ponto de vista filosófico o sentido da vida.

O sentido da vida, não é fazer Coisas, mas fazer com que o homem chegue cada
vez mais ao grau mas elevado de sabedoria, para que ele possa cada vez mais aproximar
mais e mais do conceito dos mistérios da vida, saiba interpretar os mistérios da vida.

A filosofia fundamenta-se muito no senso comum, por isso que qualquer um


pode ser filósofo. No senso comum, uma pessoa que não vivencia aquilo que pensa não
sabe. E o conhecimento académico, tem que ser um conhecimento vivencial e prático.

A sabedoria exige a passagem pela vida, e para isso impõe motivações e


aprendizado. Mas esse conhecimento intelectual e prático não é suficiente, tem de se ver
como se relaciona com os mistérios.

Quem não domina os mistérios da vida aliena-se deles e cai num existencialismo
em que nunca pensa na morte até que seja tarde. Essa é a vertente religiosa mal
trabalhada dentro das pessoas.

25
Então usando o senso comum temos o conhecimento teórico, pratico e a
convicção (fé, segurança), temos de desenvolve-la, essa é a função da educação.

As experiencias de vida deveriam transformar-nos em pessoas capazes de lidar


com a realidade dentro e fora de nós, e com capacidades de poder sobre as
circunstancias e nós mesmos.“Nós não viemos na vida fazer coisas, nós viemos crescer
como ser humanos.”

Toda a experiencia de vida tem sentido porque nos faz crescer de algum modo.
Podemos integrar todas as experiencias de vida, algumas mas belas “sob o ponto de
vista da personalidade) e as vezes a mais difícil faz mas sentido.

Para a filosofia o sentido não é somente onde se quer chegar. Isto é, se quer-se
chegar a sabedoria tem que se aprender alguma coisa a cada actitude de vida, atingir um
grau de sabedoria.

Então a arte, politica, religião e a ciência são faces que podemos traduzir a
realidade.

Tem muitas coisas que podemos entender logicamente, mas o universo não pode
ser interpretado logicamente. Essa visão de síntese que não precisa de uma lógica
chama-se arte.

A capacidade de lidar com os mistérios sem precisar de lógica chama-se religião.

A filosofia é o conjunto de conhecimentos que nos ajudam a interpretar a vida e


fazer disso uma faculdade da alma. Antigamente chamava-se ócio, esse conhecimento
que possibilitava transformar a experiencia em faculdade da alma, hoje com o
materialismo cristalizado ócio é não fazer nada.

Esse tipo de coisas faz com que o nosso sistema de educação treine o homem
para fazer coisas, e não para crescer como ser humano. Está treinando máquinas de
produção e não faz com que o homem faça síntese elevada de vida que integra todas
suas necessidades.

Para os filósofos a sociedade é como um ser humano (corpo).

O CORPO SOCIEDADE
Cérebro Pessoas que pensam para a cidade
Coração Centro de decisão da cidade
Veias onde circulam a comida Ruas em que circulam pessoas e bens.
Glóbulo branco Sistema de defesa da cidade.
Etc. Etc.

26
CAPITULO III. O PAPEL DO FILÓSOFO NA PÓLIS.

A Filosofia tal como a ciência, têm também um processo metodológico para a sua
aprendizagem. E é muito parecido com qualquer outro sistema de ciências “ditas”
aplicadas.

 Buscar a tradição humana: sintetizar todo conhecimento do passado e partir


desse ponto ou apoiar-se no que temos de melhor na tradição e partir daquele
ponto.
 Estagio: depois de sintetizar o passado, faz-se o estagio ou aplicar o
conhecimento junto de pessoas que conhecem e depois partir para própria
experiencia.

O processo de sistematização do passado existe em todos ramos do saber, só que o


passado filosófico é mais longo. Temos de buscar o passado porque muitos seres
humanos pensaram nessa síntese da vida, assim como ouve Confúcio, Lautsé, Platão,
Sócrates, J. Cristo, Buda, Maomé, etc. todo um conhecimento passado como cultura
humana, aquilo que foi experimentado, aquilo que foi volvido em algum momento,
pode-se partir desse processo.

A primeira etapa da filosofia é o processo de racionalização, em que busca-se uma


forma de organização do pensamento, para que tenhamos um ponto de partida e para
que a haja comprometimento com a forma de pensar.

A filosofia não se prende em campos racionais, ela usa a razão como elemento de
preparação, de aplicação para as ideias. O filosofo quer traduzir ideias em conceitos e
conceitos em forma de vida.

O cientista traduz ideias em conceitos e conceitos em aplicações ou maquinas. O


cientista tem os laboratórios para desenvolver e a vida para aplicar as máquinas; o
filósofo faz o mesmo, tem ideias que ele capta, traduz em conceitos e experimenta na
vida, artisticamente, religiosamente, politicamente e cientificamente

Uma classe profissional caracteriza-se pela homogeneidade do trabalho


executado, pela natureza do conhecimento exigido preferencialmente para tal execução
e pela identidade de habilitação para o exercício da mesma. A classe profissional é,
pois, um grupo da sociedade, especifico, definido por sua especialidade de desempenho
de tarefa8.

Não temos a necessidade de uns quantos “sábios”. Precisamos que o maior


número possível adquira e exerça a sabedoria – o que por sua vez exige uma

8
SÁ, António Lopes de, Ética Proffissional 9ª edicção Revista e Ampliada, Editora ATLAS S.A. 2010, Pg.
133.

27
transformação radical da sociedade como sociedade política, instaurado não só a
participação formal, mas a paixão de todos pelos assuntos comuns. Ora, seres humanos
sábios é a última coisa que a cultura actual produz. 9

O filósofo foi, na Grécia, durante um longo período inicial, também um cidadão.


Era por isso também que por vezes era chamado a “dar leis”, à sua cidade ou a outra.
Sólon é o exemplo mais célebre. Mas ainda em 443, quando os Atenienses
estabeleceram na Itália uma colónia pan-helénico (Thurioi), foi a Protágoras que
pediram para estabelecer as respectivas leis.

O último dessa linhagem, o ultimo grande, em todo o caso – é Sócrates. Sócrates


é filósofo, mas é também cidadão. Discute com todos os seus co-cidadãos na Agora10.
Tem família e filhos. Toma parte em três expedições militares. Assume a magistratura
suprema, é epíteto dos Pritanes11 (presidente da republica por um dia) no momento
talvez mais trágico da história da democracia ateniense: o dia do processo dos generais
vencedores da batalha dos Arginuses, quando, ao presidir à assembleia do povo,
enfrenta a multidão embravecida e recusa-se a encetar ilegalmente o processo contra os
generais. Da mesma forma, recusar-se-á alguns anos mais tarde a obedecer às ordens
dos Trinta Tiranos e a prender ilegalmente um cidadão. O seu processo e condenação
são uma tragédia no sentido próprio do termo e seria fútil procurar os inocentes e os
culpados. Claro que a demos12 de 399 já não é a dos séculos VI e V, e claro que a cidade
teria podido continuar a aceitar Sócrates como o tinha aceitado durante dezenas de anos.
Mas há que compreender também que a prática de Sócrates transgride o limite do que,
em absoluto rigor, é tolerável numa democracia.

A democracia é o regime explicitamente baseado na doxa, a opinião, o confronto


das opiniões, a formação de uma opinião comum. A refutação das opiniões de outrem é
mais que permitida e legítima, é a própria respiração da vida pública, mas Sócrates não
se limita a mostrar que esta ou aquela opinião é errada (e não propõe uma doxa sua em
substituição). Mostra que todas as doxas são erradas, e ainda mais: que os que as
defendem não sabem o que dizem. Ora nenhuma vida em sociedade e nenhum regime
político, e muito menos a democracia, são possíveis na hipótese de todos os

9
Puplicado em Lettre internacionale, nº 15, 1987, e, em inglês, em Salmagundi, nº 80, 1988
10
Assembleia Política na Grécia antiga.
11
Magistrados das cidades gregas (N. da T.)
12
Povo. Circunscrição administrativa na antiga Grécia (N. da T.).

28
participantes viverem num mundo de miragens incoerentes, o que Sócrates demonstra
constantemente.

Evidentemente que a cidade até isso poderia ter admitido, fizera-o durante muito
tempo, com Sócrates e com outros. Mas Sócrates sabia perfeitamente que teria, mais
tarde ou mais cedo, de prestar contas da sua prática; não tinha necessidades que lhe
preparassem uma apologia, disse, porque passara a vida a reflectir na apologia que
apresentaria se o acusassem. E Sócrates não só aceita o julgamento do tribunal formado
pelos seus co-cidadãos; o seu discurso no Críton, que tantas vezes é visto como um
arrazoado moralizante e edificante, constitui um magnífico desenvolvimento da ideia
grega fundamental de formação do indivíduo pela cidade: polis andra didaskei, é a
cidade que educa o homem, escrevia Simónidas.

Platão retira-se da cidade, e é as suas portas que estabelece uma escola para
discípulos seleccionados. Não há notícia de que tenha participado em alguma campanha
militar. Não se lhe conhece a família. Não fornece a cidade que o alimentou e o fez
aquilo que é, nada do que qualquer cidadão lhe deve: nem serviço militar, nem filhos,
nem aceitação de responsabilidades públicas. Calunia Atenas da forma mais extrema:
graças ao seu imenso talento de encenador, de retórico, de sofista e de demagogo,
conseguira impor para os séculos vindouros esta imagem: os homens políticos de
Atenas – Temístocles, Péricles eram demagogos, os seus pensadores uns sofistas (no
sentido que impôs), os seus poetas uns corruptores da cidade, ou seu povo um vil
rebanho entregue às paixões e ilusões. Falsifica deliberadamente a história, é o primeiro
inventor dos métodos estalinistas neste domínio: se só conhecemos a história da Atenas
por Platão (3.º livro das Leis) ignoraríamos a batalha da Salamina, vitória de
Temistocles e da desprezível demo dos remadores. Platão afirma:

“E eu fui necessariamente levado a dizer, em um elogio à recta filosófica, que é


graças a ela que se pode reconhecer tudo o que é justo tanto nos negócios públicos
quanto naqueles particulares (…)13”

Quer estabelecer uma cidade subtraída ao tempo e à história e governada não


pelo seu povo, mas pelos “filósofos”. Mas é também, e contrariamente a toda a

13
Platão, carta VII, 326 a.b

29
experiencia grega precedente, em que os filósofos tinham mostrado uma phronesis, uma
sageza exemplar no agir – o primeiro a exibir a inépcia essencial que desde essa altura
tantas vezes caracterizará filósofos e intelectuais face a realidade política. Quer ser
conselheiro do príncipe, - nunca mais deixou de ser assim, e falha lamentavelmente,
porque, apesar de fino psicólogo e de admirável retratista, toma as bexigas por lanternas
e o tirano Dinis de Siracusa por um rei-filosofo em potência, como, vinte e três séculos
mais tarde, Heidegger tomará Hitler e o Nazismo pelas encarnações do espírito do povo
alemão e da resistência historial contra o domínio da técnica. É Platão que inaugura a
era dos filósofos que se retiram da cidade mas, ao mesmo tempo, possuidores da
verdade, querem ditar-lhe leis desconhecendo totalmente a criatividade instituinte do
povo, e que, impotentes politicamente, têm a suprema ambição de se tornar conselheiros
do príncipe.

Porém, não é Platão, e com razão, que começa essa outra deplorável parte da
actividade dos filósofos face a história: a racionalização do real, isto é, a legitimação de
facto dos poderes existentes.

A adoração do facto consumado é, de qualquer forma, desconhecida e


impossível como atitude que, como tudo indica, reata após um enorme desvio com as
fases arcaicas e tradicionais da história humana, para as quais as instituições existentes
em cada momento são sagradas, e consegue essa façanha de pôr a filosofia, nascida
como parte integrante da constelação da ordem estabelecida, ao serviço da conservação
desta ordem.

Mas é igualmente impossível não ver no cristianismo, desde os primeiros dias, o


criador explicito das posições espirituais, afectivas, existenciais que, durante mais de
dezoito séculos, servidão a base à sacralização dos poderes existentes. O “ dai a César o
que é de César” só pode interpretar-se conjuntamente com “todo o poder vem de
Deus”. Explorando para seus fins o instrumentarium filosófico grego, o cristianismo
fornecerá durante quinze séculos as condições necessárias para a aceitação do “real” tal
qual é – até ao “transformar-se em vez de mudar a ordem do mundo” de Descartes, e
até, evidentemente, à apoteose literal da realidade no sistema hegeliano (“tudo o que é
real é racional”). Apesar das aparências, é ao mesmo universo – universo
essencialmente teológico, politico, acrítico – que pertencem Nietzsche, proclamando a
“inocência do devir” e Heidegger, apresentando a história como Ereignis e Geschick,

30
advento do ser e doação/destino de e por este. É preciso acabar com a benevolência
eclesiástica, académica e literária.

Mas a mistura mais extraordinária apresenta-se quando o intelectual consegue,


numa proeza suprema, ligar a crítica da realidade com a adoração da força e do poder.
Essa proeza torna-se elementar a partir do momento em que surge algures um “poder
revolucionário”.

Restaurar, restituir, reinstituir uma tarefa autêntica do filósofo na história, é por


certo, primeiro e antes de mais nada, restaurar, restituir, a sua função crítica. Porque a
história é sempre ao mesmo tempo criação e destruição e porque a criação (com a
destruição) diz respeito tanto ao sublime como ao monstruoso, é que a elucida e a
crítica, são um encargo, mais do que qualquer outro, daquele que, por ocupação e
posição, pode distanciar-se do quotidiano e do real: do intelectual.

Claro que estas atitudes tendem a separar o seu sujeito da grande massa dos seus
contemporâneos. Mas há separação e separação. Só nos livraremos da perversão que
caracterizou o papel dos filósofos desde Platão e do novo há setenta anos a esta parte, se
o filósofo voltar a ser cidadão. Um cidadão não é (não necessariamente) “militante do
partido”, mas alguém que reivindica activamente a sua participação na vida pública e
nos assuntos comuns ao mesmo titulo que todos os outros.

Aqui surge claramente uma antinomia, que tem solução teórica, que só a
phronesis, a sageza, pode permitir ultrapassar. O filósofo deve querer-se cidadão como
os outros querer-se também porta-voz, legitimamente, da universalidade e da
objectividade que a universalidade lhe permite; deve reconhecer, e não apenas
formalmente, que o que tenta fazer compreender é ainda a doxa, uma opinião, não uma
epistemé, uma ciência. Precisa sobretudo de reconhecer que a história é o domínio em
que se expande a criatividade de todos, homens e mulheres, sábios e analfabetos, de
uma humanidade na qual ele próprio não passa de um átomo. E isso não deve tornar-se
pretexto para avalizar sem crítica as decisões da maioria, para se inclinar perante a força
por ser maioritária. Ser democrata, é poder, se assim o entender, dizer ao povo:
“enganam-se”, também isso lhe deve ser exigido. Sócrates conseguiu fazê-lo, no
processo dos Arginuses: o caso parece evidente, bem vistas as coisas, e Sócrates podia
apoiar-se numa regra de direito formal. As coisas são muitas vezes bastante obscuras.
Também aqui, só a sageza, a phronesis, o gosto podem permitir separar o

31
reconhecimento da criatividade do povo e a cega adoração da “força dos factos”. E não
se admirem de encontrar o termo gosto no fim dos meus comentários. Bastaria ler cinco
linhas de Estaline para compreender que a revolução não podia ser aquilo.

De forma mais consistente e sustentada, julgo eu, os filósofos que estão


próximos da definição de políticas e conseguem controlar o proteccionismo do tipo que
dá ou retira empregos, subsídios, promoções têm tendência a vigiar os indivíduos que
não se submetem profissionalmente e que, aos olhos dos seus superiores, começam aos
poucos a irradiar controvérsia e não-cooperação. É provável que se alguém quer um
trabalho feito, deve rodear-se de pessoas de confiança que partilhem dos mesmos
pressupostos e falem a mesma língua.

Sempre me pareceu que pertencer a essa posição profissional, onde sobretudo se


serve poder e se recebe recompensas desse poder, não conduz, de forma alguma, ao
exercício daquele espírito de análise e capacidade de juízo críticos e, até certo ponto,
independentes que, do meu ponto de vista, deviam ser o contributo do intelectual.

A questão de base para o filósofo é: como é que se fala verdade? Que verdade?
Para quem e onde? Infelizmente, devemos entender que não há nenhum sistema ou
método suficientemente abrangente e seguro para fornecer ao intelectual resposta
directas a estas questões. No mundo secular, o filósofo tem apenas recursos seculares
para trabalhar; a revelação e a inspiração, embora perfeitamente possíveis como modos
de compreensão na vida privada, são desastrosas e mesmo bárbaras quando postas a
funcionar por homens e mulheres de espírito teórico. De facto, o filósofo tem de estar
envolvido numa disputa perpétua com todos os guardiões de visões cujas depredações
são inúmeras e cuja mão pesada não tolera o desacordo e certamente nenhuma
diversidade.

A liberdade de opinião e de expressão não disposta a cedência ou tolerar


adulterações de qualquer dos seus fundamentos é, com efeito, trair a vocação do
filósofo. Para o filósofo, o debate rigoroso e destemido é o cerne da sua actividade, o
verdadeiro palco e contexto daquilo que os intelectuais sem revelação efectivamente
fazem.

O objectivo de falar verdade significa sobretudo, numa sociedade de massas tão


burocrática como a nossa, projectar um melhor estado de coisas e que tenha uma

32
concordância maior com um conjunto de princípios morais (paz, reconciliação,
diminuição do sofrimento) aplicado aos factos conhecidos. A isto o filósofo pragmatista
americano C.S. Pierce chama de abdução e tem sido usado efectivamente pelo bem
conhecido intelectual contemporâneo Noam Chomsky14.

3.1. Relação entre Filosofia e Política.


Ao examinarmos os textos da filosofia antiga tendo como alvo a relação entre o
filósofo e a política deparamos, em diferentes momentos, com categorias que se
repetem. Para pensar essa relação, duas perspectivas se apresentam: uma primeira,
teórica, compreende as reflexões evadas a termo pelos filósofos sobre a praxis politica;
uma segunda pratica, que podemos subdividir ainda em duas categorias: a primeira em
que encontramos o filósofo actuando indirectamente na vida política como consultor ou
conselheiro de governantes ou, ainda como legislador ou magistrado da cidade que
habita; a segunda, em que vemos o próprio filósofo actuando na qualidade de
governante, para cuja reconstituição contam sobretudo os testemunhos de fontes
secundarias sobre o seu desempenho nas funções públicas.

3.1.1. Os filósofos e os políticos


Devemos recuar no tempo, mesmo antes do nascimento da filosofia, para encontrar
um primeiro exemplo concreto da associação da sabedoria à vida social.

Sólon, poeta e legislador profundamente preocupado com a “ coisa pública”, com a


harmonia e o equilíbrio do espaço político que começava a se consolidar.

Do exame das principais fontes para traçar o Perfil de Sólon, Aristóteles


(Constituição de Atenas) e Plutarco (A vida de Sólon) não é difícil perceber a
influência, directa ou indirecta que exerceu Sólon na vida política de seu tempo.

Segundo Diógenes Laércio, o povo ateniense, em reconhecimento a Sólon pelas leis


dadas a Atenas, quis tê-lo à frente do governo da cidade. Porem Sólon, percebendo-se
antecipadamente da pretensão de seu parente Pisístrastes em impor-se como tirano,
recusou-se. Mas não abatem-se do facto. Diante do inevitável, não conseguindo
convencer o povo a evitar a ascensão do tirano, depôs suas armas em frente ao quartel
dos generais e, antes de deixar a cidade, disse: “Minha pátria! Prestei-lhe serviços com
palavras e actos!”. Mais tarde escreveria aos atenienses: “Sofrestes amargamente por

14
Noam Chomsky, Language and Mind, Nova Iorque, Harcourt Brace Jovanovich, 1972, Pág. 90-99.

33
causa de vosso mau carácter, não deveis imputar esse destino aos deuses, pois vós
mesmos apoiastes inimigos e os engrandecestes; por isso vós suportais a dura
escravidão. Cada um de vós segue as pegadas da raposa e no entanto em conjunto
tendes a mente insensata. Estais atentos às falas e às palavras suaves de um adulador e
não tendes a mínima preocupação com os seus actos”15.

A correspondência de Sólon, segundo os testemunhos, mostra que foi várias vezes


procurado por reis e tiranos em busca de conselhos. Essa necessidade dos governantes
de ter ao seu lado homens sábios, ou de poder consultá-los, parece com frequência na
bibliografia de Sólon apresentada por Diógenes Laércio.

A tradição do sábio-conselheiro preludia uma das actividades em que se verão


envolvidos um bom número de filósofos. De Tales dizem ter dado “conselhos
excelentes a propósito de assuntos políticos”, embora tenha vivido como um solitário e
como um cidadão comum, afastado da vida pública (DL I, 25).

O verdadeiro filósofo é um ser secular. Por muito que alguns intelectuais


aleguem que representam coisas ou valores máximos, a moralidade inicia-se com a sua
actividade neste nosso mundo secular, onde ocorre, e cujos interesses serve, na forma
como se ajusta a uma ética consistente e universalista, na forma como faz a
descriminação entre poder e justiça, o que revela das escolhas e prioridades de cada um.

É certo que ao filosofarmos, o objectivo não é mostrar a todos quão certos


estamos, mas antes tentar induzir uma mudança ao clima moral em que a coisa passa a
ser entendida como tal. Tem de se admitir, contudo, que estes objectivos são idealistas e
muitas vezes não realizáveis, já que na maior parte das vezes a tendência é para recuar,
ou simplesmente submeter-se.

3.1.2. Os filósofos na “Política”


Alem dos que actuaram indirectamente na vida política de seu tempo, ainda a
destacar os que actuaram como governantes; para usar a expressão consagrada por
Platão, os reis-filosofos.

15
DL I, 52

34
O primeiro de que se tem notícias é Arquitas, filosofo pitagórico que, segundo
escreve Diógenes Laércio, foi por sete vezes estratego 16 de seus concidadãos, enquanto
outros não conseguiram permanecer no comando por mais de um ano. Mereceu a
admiração da maioria dos homens por ser dotado de todas as formas de excelência.

Dando um salto enorme na história gostaríamos apenas de citar outro rei-filosofo de


que se tem notícias na antiguidade. Filosofo e imperador, Marco Aurélio governou
Roma sob a influência da doutrina estóica. O estoicismo, como sabemos, atribuía uma
grande importância à participação na vida pública e no governo da cidade.

E para fazer face ao novo contexto político, em que a possibilidade do exercício da


cidadania se encontra agora transposto ao plano do cosmo, vista a dissolução do modelo
político das cidades-estado em razão do surgimento do Império, pregavam: “Alem
disso, os sábios não são somente livres, mas são também reis, porque reinar é uma
forma de domínio isenta de prestação de contas, que pode subsistir apenas nas mãos do
sábio. (…) O conhecimento do bem e do mal é um atributo necessário ao governante, e
que nenhum homem mau possui essa ciência. Da mesma forma, somente os sábios estão
capacitados para governar, para administrar a justiça e para praticar a oratória, enquanto
dos homens maus nenhum é capaz. Tampouco o homem bom viverá na solidão, pois
nasceu para a vida comunitária e activa”.17

Marco Aurélio, Imperador e filósofo, governou Roma de 161 a 180. Hábil


administrador, ele protegeu as artes e as letras. Suas meditações constituem uma espécie
de diário orientado por um estoicismo prático. Algumas delas nos traçam um perfil do
filósofo-rei: “Pensa a todo momento, como romano e como varão, em executar o mister
que tens nas mãos com gravidade exacta e desafecto, com afecto, independência e
justiça, e proporcionar a ti mesmo uma folga de todas as demais cogitações. Consegui-
lo-ás se desempenhares cada acção de tua vida como se fosse a última, isenta de toda
leviandade, de aversão sentida ao arbítrio da razão, de fingimento, de egoísmo e
inconformidade com o destino”.18

16
Actividade que consiste em integrar os objetivos, políticas, e sequências de acção (táctica) num todo
coerente da cidade.
17
DL, Livro VII, 122
18
MARCO AURÉLIO, meditações. Trad. De Jaime Bruna. Coleção “Os Pensadores”, Livro II, 5. São Paulo,
Abril Cultural, 1973.

35
De forma mais consistente e sustentada, os filósofos que estão próximos da
definição de políticas e conseguem controlar o proteccionismo do tipo que dá ou retira
empregos, subsídios, promoções têm tendência a vigiar os indivíduos que não se
submetem profissionalmente e que, aos olhos dos seus superiores, começam aos poucos
a irradiar controvérsia e não-cooperação. É provável que se alguém quer um trabalho
feito, deve rodear-se de pessoas de confiança que partilhem dos mesmos pressupostos e
falem a mesma língua.

Sempre me pareceu que pertencer a essa posição profissional, onde sobretudo se


serve poder e se recebe recompensas desse poder, não conduz, de forma alguma, ao
exercício daquele espírito de análise e capacidade de juízo críticos e, até certo ponto,
independentes que, do meu ponto de vista, deviam ser o contributo do intelectual.

A questão de base para o filósofo: como é que se fala verdade? Que verdade?
Para quem e onde?

Infelizmente deve-se entender que não há nenhum sistema ou método


suficientemente abrangente e seguro para fornecer ao intelectual resposta directas a
estas questões. No mundo secular, o filósofo tem apenas recursos seculares para
trabalhar; a revelação e a inspiração, embora perfeitamente possíveis como modos de
compreensão na vida privada são desastrosas e mesmo bárbaras quando postas a
funcionar por homens e mulheres de espírito teórico. De facto, o filósofo tem de estar
envolvido numa disputa perpétua com todos os guardiões de visões cujas depredações
são inúmeras e cuja mão pesada não tolera o desacordo e certamente nenhuma
diversidade.

A liberdade de opinião e de expressão não disposta a cedência ou tolerar


adulterações de qualquer dos seus fundamentos é, com efeito, trair a vocação filósofo.
Para o filósofo, o debate rigoroso e destemido é o cerne da sua actividade, o verdadeiro
palco e contexto daquilo que os intelectuais sem revelação efectivamente fazem.

O objectivo de falar verdade significa sobretudo, numa sociedade de massas tão


burocrática como a nossa, projectar um melhor estado de coisas e que tenha uma
concordância maior com um conjunto de princípios morais (paz, reconciliação,
diminuição do sofrimento) aplicado aos factos conhecidos. A isto o filósofo pragmatista

36
americano C.S. Pierce chama de abdução e tem sido usado efectivamente pelo bem
conhecido intelectual contemporâneo Noam Chomsky19.

É difícil enfrentar essa ameaça por si só, sendo ainda mais difícil encontrar uma
forma de se ser coerente com as suas crenças, e ao mesmo tempo permanecer
suficientemente livre para evoluir, mudar de opinião, descobrir coisas novas, ou
redescobrir o que outrora se havia posto de parte. O aspecto mais complicado de se ser
um intelectual é representar aquilo que se defende através do trabalho e de intervenções,
sem petrificar numa instituição ou tornar-se num tipo de autómato actuando por ordem.

Todo aquele que tenha sentido a satisfação de ser bem-sucedido ao agir assim e
de igual modo bem-sucedido ao manter-se atento e firme, saberá apreciar quão rara é
esta convergência. Mas a única forma de alguma vez o conseguir é recordando-se
constantemente de que, enquanto filósofo, existe a opção entre representar a verdade de
forma activa e da melhor maneira que se é capaz ou, de forma passiva, resignar-se a ser
governado por uma autoridade ou poder. Para o intelectual secular, esses deuses falham
sempre.

3.2. O PAPEL DO FILOSOFO EM LUANDA

Filosofia é a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência e


vice-versa. Filosofar é partir de um problema colocado pela vida real e, mediante
sucessivos exames, tentar elevar-nos a um ponto de vista universalmente válido a
respeito dele. Em seguida, descer novamente para examinar nossas atitudes práticas,
morais, diante dele. Nestas subidas e descidas, o auto-exame se torna tão importante
quanto o estudo objetivo do problema.

O termo filósofo saiu da moda. Quando as palavras saem da moda, as coisas que
elas designam ficam boiando no abismo dos mistérios sem nome; e como tudo o que é
misterioso e inexprimível oprime e atemoriza o coração humano com uma sensação de
cerceamento e impotência, é natural que a atenção acabe por se desviar desses tópicos
nebulosos e constrangedores. Pois o que desaparece do vocabulário logo acaba por
desaparecer da consciência: o que não tem nome não é pensável, o que não é pensável
não existe — tal é a metafísica dos avestruzes.

Só que a coisa desprovida do direito à existência continua a existir numa espécie


de extramundo, inominada e inominável, tanto mais ativa quanto mais secreta, tanto
mais temível quanto mais envolta nas pompas tenebrosas do nada. A restrição do
vocabulário povoa o mundo de temores e presságios. Desprovido da capacidade de

19
Noam Chomsky, Language and Mind, Nova Iorque, Harcourt Brace Jovanovich, 1972, Pág. 90-99.

37
nomear, eis o homem devolvido a todos os terrores que ele imaginava primitivos, mas
que são uma pura criação da mais avançada e requintada decadência: o barbarismo
artificial.

Se a coisa desprovida de nome é, por acaso, alguma realidade espiritual elevada,


um valor excelso ou aspiração suprema da alma — uma dessas coisas essenciais que se
pode expulsar da consciência, mas não da existência —, é natural que sua reencarnação
obscura assuma, mais ainda, as feições do terrível, do informe, do monstruoso.

É algo assim que acontece com aquela coisa designada pela palavra "ideal" —
uma palavra obviamente fora de moda, cujo significado perde realidade com a rapidez
com que perde sangue um decapitado.

Denomina-se "ideal" a síntese em que se fundem, numa só forma e numa só


energia, a idéia do sentido da vida e a do preço de sua realização: diz-se que um homem
tem um ideal quando ele sabe em qual direção tem de ir para tornar-se aquilo que
almeja, e quando está firmemente decidido a ir nessa direção.

3.2.1. Saber e viver


A filosofia surgiu como um esforço de interiorização do conhecimento, uma
ascetismo do espírito que, ao buscar a unidade do saber, buscava nela a sua própria
unidade e, nesta, a unidade de saber, ser e agir. Em todo o período grego, a
interrogação sobre a alma, o bem e a conduta na vida não era um domínio separado das
investigações físicas e ontológicas, mas formava com elas, na pessoa do filósofo, a
síntese de conhecimento e vida.

As escolas de filosofia não eram apenas centros de ensino e investigação


científicos, mas escolas de sabedoria e, até certo ponto, sociedades iniciáticas. Não
procuravam apenas transmitir a seus membros um certo conhecimento, mas educá-los
numa certa maneira de viver que, para a consciência filosófica, era a maneira certa de
viver.

Essa síntese permanece viva e atuante até o fim do mundo antigo, na escola
estóica e no neoplatonismo. Na Idade Média, ganha ainda mais peso e consistência,
graças à associação que se forma entre o estudo da Filosofia e a prática da moral cristã.
Levando às últimas consequências o ideal grego de cultivo da sabedoria, a Filosofia
medieval torna-se um caminho de santidade, realizando a máxima de Clemente de
Alexandria: "A Filosofia é o pedagogo que conduz a alma até o Cristo". Concepção
similar desenvolve-se no mundo islâmico, onde a Filosofia se alia, na fraternidade de
Basra e em outras escolas de mística, a práticas ascéticas destinadas a obter a máxima
concentração da alma e torná-la plenamente dócil a evidências cada vez mais altas que
lhe vão sendo reveladas pela intuição espiritual.

Mesmo diluído na onda de mundanismo e esteticismo que então se avoluma,


esse ideal sobrevive no Renascimento: nem Descartes, nem Pascal, nem Malebranche,

38
nem Leibniz, nem Newton podiam conceber uma ciência que fosse desligada do
autoconhecimento e do cultivo das virtudes.

3.2.1. A Filosofia como emprego.


A profissão, como á pratica habitual de um trabalho, oferece uma relação entre
necessidades e utilidade, no âmbito humano, que exige uma conduta especifica para o
sucesso de todas as partes envolvidas, quer sejam os indivíduos directamente ligados ao
trabalho, quer sejam grupos, maiores ou menores, onde tal relação se insere,20

A habilitação das classes pode ser legal ou consagrada pelos usos e costumes,
geralmente, a limitação legal ocorre em decorrência de graus maiores de
responsabilidade. Sócrates afirma:

Sócrates disse: “Eu sou a mosca de Atenas” porque ele perturbava toda a Atenas,
então certamente, se a actividade do filósofo é perturbar, ela não é um tédio. Para
entendermos o que faz um filósofo de maneira muito simples, observemos o Karl Marx
em 1845: “Os filósofos têm interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão,
porém, é transformá-lo”.

Essa é uma frase de um filósofo sobre outros filósofos. Ele estava dizendo que
há actividade de interpretar o mundo tinha chegado nos seus limites e que à actividade
do filósofo podia ser de transformação. Isto teve influência no século XX, e
principalmente agora também no século XXI. Concordando, Richard Rorty afirma:

“A questão de transformar o mundo não é só a questão de transforma-lo


materialmente, para que possamos transformar o mundo, nós precisamos transformar
antes de tudo a nossa conversação, a nossa linguagem ou melhor dizendo o nosso
vocabulário, porque se nós dermos novos nomes para velhas práticas, ou se
inventaremos novos nomes para que possamos com novos nomes criar novas praticas,
nós estaremos fazendo uma filosofia de intervenção” 21

Os filósofos como Karl Marx no século XIX, ou Richard Rorty no seculo XX e


XXI, vêm a filosofia por duas áreas:

20
SÁ, António Lopes de, Ética Profissional 9ª edição Revista e Ampliada, Editora ATLAS S.A. 2010, Pg.
156.
21
- Centro de Estudos em Filosofia Americana, 11 de Fevereiro de 2007, São Paulo.

39
a) Primeiro, como uma actividade técnica, (discussão de assuntos internos da
filosofia);
b) Segundo, é uma actividade de discussão dos assuntos do Quotidiano, da política,
de todas as pessoas e não só dos filósofos.

Segundo Richar Rorty: “Os filósofos devem agir menos como padres, que possuem
coisas gerais e já prontas para dizer, e agir mais como engenheiros e advogados, que
precisão pensar caso a caso”22

Os grandes filósofos, como Aristóteles, Emanuel Kant e Ludwing Wittgenstein,


conquistaram seu status porque preferiram revolução a evolução. Preferiram introduzir
novas ideias e sistemas a trabalhar com os materiais de seus predecessores. O resultado
foi que por mais de 2500 anos de filosofia, sucessivos pensadores cobriram a tela de
seus objectos de estudo com tantas pinceladas que não restou nenhuma imagem
discernível. Só recentemente um restauração começou a produzir resultados, isso se
tornou possível graça as novas técnicas de análise de argumentações, novas ideias para
pô-las à prova e nova matéria-prima fornecida pelas ciências.

Durante os últimos 50 anos, a revolução caiu de moda no mundo filosófico – assim


como os pensadores que as proferem, acrescentariam os sarcásticos. Aparentemente há
menos concordância entre essas diversas escolas, mas o consenso é muitas vezes mais
forte do que parece, pois uma vez que um campo tenha sido mais ou menos
solucionado, os que continuam trabalhando nele tendem a ser os excêntricos

Em contraste com essa concepção, que durou dois mil anos, a filosofia que se
pratica no mundo desde o século XIX é uma profissão remunerada, geralmente exercida
numa instituição estatal ou sob a fiscalização do Estado. Seu exercício requer do
praticante apenas a posse de determinados conhecimentos, a obediência aos
regulamentos administrativos e, um certo traquejo social ou habilidade política, que
com muita frequência se revela um fator mais decisivo que os dois anteriores. Toda
ascese interior e busca da sabedoria não apenas se revelam dispensáveis, como também
sua prática se torna extremamente dificultosa nas condições em que a nova profissão se
exerce.

A filosofia torna-se um emprego, um papel social, e a seleção dos candidatos nada


exige em matéria de condições morais, espirituais ou psicológicas: desde que passe no
concurso, qualquer um, pode agora adornar-se do título que um dia significou "amante
da sabedoria". O filósofo é alguém que sabe e que sobretudo fala, mas que não tem a
mais mínima obrigação de ser.

22
Idem

40
A área educacional, ainda consegue oferecer ao filósofo actual um espaço quase
utópico, no qual a reflexão e a investigação podem prosseguir, embora sob novos
constrangimentos e pressões. Portanto, o problema para o filósofo em Luanda é tentar
lidar com as fricções da profissionalização moderna, representando um conjunto
diferente de valores e prerrogativas. Já que a actividade do filosofo é alimentada pela
dedicação e pelo afecto, em vez do lucro e da especialização limitada e egoísta.

O risco de decadência moral, nessas condições, é considerável. Se Kant julgava


ingênuo buscar respostas às questões metafísicas sem antes de fazer uma investigação
preliminar sobre a possibilidade teórica do conhecimento metafísico, mais ingênuo
ainda é julgar que podemos chegar a bom resultado nesta investigação, ou na busca
daquelas respostas, sem antes termos resolvido o problema prático de saber se nossa
mente pessoal é idônea o bastante para tratar desses assuntos sem deformá-los à imagem
e semelhança de sua própria insinceridade.

À medida, porém, que o mundo moderno se imbuía de todas as precauções


kantianas contra a possibilidade de erros teóricos, ao mesmo tempo foi negligenciando
cada vez mais as precauções mais elementares de ordem prática concernentes à
qualificação moral e psicológica requerida para o exercício da filosofia.

Na escola platônica, o estudante não adormecia antes de repassar de memória todos


os seus atos e pensamentos do dia, de modo a não esmorecer no seu empenho de
autoconsciência; e na manhã seguinte, se aparecesse despenteado ou mal vestido, não
era admitido em classe: a ordem no interior da alma devia refletir-se numa aparência
física limpa e saudável.

Na Idade Média, a disciplina interior do aspirante a filósofo tornou-se ainda mais


aperfeiçoada e exigente, com a adoção generalizada das práticas cristãs da confissão, do
exame de consciência e do discernimento dos espíritos.

Desde o Renascimento, e cada vez mais à medida que o mundo Ocidental entrava na
chamada "modernidade", essas exigências foram se afrouxando, até o ponto de se
aceitarem como filósofos, sem a menor reticência, qualquer individuo, desde que este
seja homem.

Uma das causas desse estado de coisas é que a filosofia universitária em Luanda,
tendo adotado os critérios padronizados de informação científica, incorporou, junto com
eles, o modo de discussão e triagem consensual empregado nas "ciências humanas". Isto
é à primeira vista um progresso, mas tem por consequência levar o estudioso para cada
vez mais longe da ascese interior e transformá-lo num trabalhador científico rotineiro,
empregado numa atividade coletiva onde o que interessa é obter um resultado global no
qual o nível de consciência e a perfeição da alma de cada participante não contam para
absolutamente nada.

Nessas circunstâncias, cada nova tese deve antes harmonizar-se com as exigências
do meio acadêmico do que com as demais opiniões e atitudes do homem que a

41
produziu. O pensador tem de prestar mais reverência ao superego universitário do que à
sua própria consciência: pede-se que defenda bravamente suas opiniões, com primores
de dialética e erudição se possível, mas não que acredite nelas sinceramente ou que as
leve a sério fora do horário de expediente. E como a diversidade das perspectivas que se
confrontam nos debates é geralmente grande, e bem extensa a lista de trabalhos
anteriores sobre o mesmo assunto que é preciso levar em conta, cada estudioso, que
tenha uma idéia nova, com mais probabilidade a dispersará em debates acadêmicos
muito antes de ter a oportunidade, ou mesmo o desejo, de averiguar o que ela significa
para ele mesmo e de tirar dela a menor consequência para a conduta da sua vida.

Forçado a amoldar sua idéia o quanto antes aos padrões do intercâmbio acadêmico,
e jamais convidado a assumir por ela uma responsabilidade pessoal, o estudante de
filosofia mal percebe o quanto isto arrisca transformá-lo com mais facilidade num
amante da fala do que num amante da sabedoria.

Ganha-se assim em riqueza do debate geral o que cada participante perde em


profundidade e seriedade de seu próprio compromisso filosófico: a comunidade
acadêmica consolida dia após dia sua autoridade científica, enquanto os filósofos se
tornam pessoas cada vez mais imaturas e inconsequentes, cada vez mais necessitadas,
portanto, de apoiar-se na autoridade do consenso acadêmico.

Ao mesmo tempo, toda elaboração de problemas de consciência é relegada para o


recinto fechado da clínica psicoterapêutica e psicanalítica, onde é tratada como assunto
da "vida privada". Obtida assim a plena consagração da ruptura entre ciência e
consciência, o rolo compressor que, a pretexto de rigor científico, esmaga todo senso de
responsabilidade pessoal, torna-se um mecanismo infernal de auto-reprodução circular:
uma vez caído na máquina, um homem não tem mais como conservar, se não sua
independência de julgamento, ao menos a conexão profunda entre pensar e ser, entre
suas opiniões filosóficas e as camadas mais profundas de sua vida interior. Em troca,
recebe o direito de participar da construção do consenso, bem como o reconhecimento
público de seu estatuto profissional, com todas as vantagens materiais decorrentes. Se
isto não é vender a alma, não sei o que seja.

É por perceber algo dessa atmosfera, mais que por encontrar dificuldades para
dominar a terminologia técnica, que o homem comum não vê em geral nas discussões
acadêmicas nada mais que tediosos e vãos litígios de pedantes.

3.2.2. O culto do "gênio".

Para aqueles que se sentem oprimidos nesse ambiente, mas não desejam
abandoná-lo, há sempre o refúgio do esteticismo, da retórica e da Filosofia literária, que
são ali bem aceitos a título de complemento dialético ao ritualismo da racionalidade
vigente.

42
O que permite este fenômeno é que, perdendo a unidade de ciência e consciência
que constituía a sua identidade específica, a filosofia, ao mesmo tempo que copiava o
modus operandi das ciências especializadas, absorvia das artes e letras o modelo do
"gênio", compreendido como o indivíduo cujo talento especializado pode compensar,
pela singularidade de suas criações, os piores defeitos de caráter, incluindo a
inconsciência moral e a falta de senso do real, que no contexto antigo e medieval o
incapacitariam no ato para o exercício da vida filosófica: sem um rosto próprio,
reduzido a um híbrido de literato e cientista, o novo profissional pode agora correr entre
o templo das Letras e o das Ciências, como um crente inseguro que busca, por via das
dúvidas, a proteção alternada de dois deuses.

Se, quanto mais poderoso se torna o establishment filosófico, mais tendem a


predominar nele as correntes de pensamento anti-espirituais, esquizofrênicas e
alienantes, isto se deve grande parte à dinâmica mesma de um exercício profissional que
exige do praticante a ruptura entre sua faculdade discursiva, desenvolvida até o
paroxismo, e sua consciência íntima, que se cala ou se perde por lhe faltarem ali os mais
elementares meios de expressão legítima.

A inibição de dizer qualquer coisa que não tenha amplo respaldo na bibliografia
existente, o temor de acreditar mais no que vê pessoalmente do que naquilo que afirma
o discurso dominante, fazem com que o modo de pensar do pensador acadêmico se
torne cada vez mais indireto e metalinguístico, até perder toda referência ao mundo da
experiência comum e à pessoa concreta de quem fala.

E se, até certo ponto ao menos, Marx tinha razão ao dizer que o modo de
existência social determina a forma da consciência, o modo de existência da classe
acadêmica acaba por se transpor numa característica Weltanschauung gremial, em que a
realidade aparece diminuída sub specie academiae e o ser humano reduzido a um
fantoche parlé par le langage, exatamente como se cada membro da espécie homo
sapiens fosse um acadêmico a defender numa assembléia científica, como um papagaio
erudito, opiniões ante as quais sua consciência íntima permanece neutra e indiferente, se
não totalmente cética.

O filósofo situa-se sempre entre a solidão e o alinhamento. O filósofo deve estar


ao lado dos fracos e dos que não têm representação. Contudo, o seu papel não é assim
tão simples e, por isso mesmo não pode ser rejeitado como se trata-se de idealismo
romântico. No fundo, o filósofo, não é nem um apaziguador nem um fazedor de
consensos, mas alguém que investe todo o seu ser no sentido crítico, na
indisponibilidade para aceitar fórmulas fáceis, confirmações afáveis, sempre-tão-
conciliadoras, sobre o que os homens poderosos ou convencionais têm a dizer, e sobre o
que fazem. Não só indisponibilizando-se passivamente, mas disponibilizando-se
activamente a dizê-lo em público.

Ser filósofo nem sempre se trata de se ser um crítico da política governamental,


mas sim de encarar a vocação filosófica como algo que mantém um estado de vigília
constante, de disposição perpétua para não permitir que meias-verdades ou ideias feitas
43
guiem o indivíduo. O facto é, isto envolver um realismo firme, uma energia racional,
quase atlética, e apelos para publicar e discursar na esfera pública, é o que faz de tudo
isto um esforço permanente, na sua essência inacabado e necessariamente imperfeito.
Contudo o seu revigore e a sua complexidade, apesar de não tornarem o filósofo
especialmente popular em Luanda são estimulantes.

Vocação vem do verbo latino voco, vocare, que quer dizer "chamar". Quem faz
algo por vocação sente que é chamado a isso pela voz de uma entidade superior —
Deus, a humanidade, a História, ou, como diria Viktor Frankl, o sentido da vida23.

Infelizmente deve-se entender que não há nenhum sistema ou método


suficientemente abrangente e seguro para fornecer respostas directas a todas as
questões. De facto, o filósofo em Luanda, tem de estar envolvido numa disputa perpétua
com todos os guardiões de visões cujas depredações são inúmeras e cuja mão pesada
não tolera o desacordo e certamente nenhuma diversidade. A liberdade de opinião e de
expressão não disposta a cedência ou tolerar adulterações de qualquer dos seus
fundamentos é, com efeito, trair a vocação filosófica. Para o filósofo, o debate rigoroso
e destemido é o cerne da sua actividade, o verdadeiro palco e contexto daquilo que os
intelectuais sem revelação efectivamente fazem.

O compromisso da filosofia com a verdade significa sobretudo, numa sociedade


de massas tão burocrática como Luanda, projectar um melhor estado de coisas e que
tenha uma concordância maior com um conjunto de princípios morais (paz,
reconciliação, diminuição do sofrimento) aplicado aos factos conhecidos.

O objectivo da filosofia não é mostrar a todos quão certos se está, mas antes
tentar induzir uma mudança ao clima moral em que a coisa passa a ser entendida como
tal. Tem de se admitir, contudo, que estes objectivos são idealistas e muitas vezes não
realizáveis, já que na maior parte das vezes a tendência é para recuar, ou simplesmente
submeter-se.

Mas nada é mais repreensível do que aqueles hábitos de espírito no filósofo que
induzem à abstenção, aquele característico virar de costas a uma posição difícil e
baseada em princípios, que se sabe ser a correcta, mas que se decide não tomar. Se há
alguma coisa que possa desnaturar, neutralizar e, finalmente, acabar uma vida filosófica
apaixonada é a interiorização de tais hábitos.

A voz do filósofo é solitária, mas tem ressonância apenas porque se associa


livremente à realidade de um movimento, às aspirações de um povo, à procura comum
de um ideal partilhado. O filósofo tem de circular, tem de ter espaço para se posicionar e

Jornal Vidaqui (São Paulo), Entrevista de Olavo de Carvalho a Fabíola Cidral, 31 de agosto de 2000
23

44
ripostar à autoridade, uma vez que a observância inquestionável à autoridade no mundo
actual é uma das maiores ameaças a uma vida intelectual activa e moral.

É difícil enfrentar essa ameaça por si só, sendo ainda mais difícil encontrar uma
forma de se ser coerente com as suas crenças, e ao mesmo tempo permanecer
suficientemente livre para evoluir, mudar de opinião, descobrir coisas novas, ou
redescobrir o que outrora se havia posto de parte. O aspecto mais complicado de se ser
um filósofo é representar aquilo que se defende através do trabalho e de intervenções,
sem petrificar numa instituição ou tornar-se num tipo de autómato actuando por ordem.

3.2.2. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO FILÓSOFO

Interrogar-se hoje sobre a responsabilidade social do filósofo supõe que se possa


primeiro lugar distinguir um lugar específico como lugar filosófico. É preciso alargar as
competências filosóficas para além das fronteiras institucionais e profissionais estreitas
onde alguns querem encurralá-las. Em outros termos, isso significa que nós não
devemos interrogar o filósofo, mas uma função filosófica. A diferença é importante.
Porque designar um “filósofo” é crer que ocupa uma posição institucional privilegiada,
uma espécie de função sacerdotal, investido de uma missão específica, reconhecida por
não sabe qual poder. Aquilo que nossa modernidade designa como filosofo visa apenas
a uma função que pode ser ocupada por este ou por aquele que é investido
profissionalmente do estatuto de filósofo.

Este deslocamento não anula o sentido da reflexão filosófica. Sustenta-se ao


mesmo tempo, que a função filosófica em nossa tradição ocidental é uma função
específica, que ela recebeu um rosto determinável, e que esta função é positiva.

Os filósofos são hoje interpelados e convocados a dar uma resposta ética às


tarefas às quais nos confronta o mundo moderno. Esta responsabilidade é em primeiro
lugar uma responsabilidade humana, e antes de falar de qualquer responsabilidade do
filósofo, é preciso sustentar a responsabilidade do homem.

Existe uma interioridade absoluta da ética para todo homem, sobre o saber, sobre
a epistemologia e, digamo-lo claramente, sobre a filosofia. Kant afirma:

“Por gosto eu sou um pesquisador. Eu sinto a sede de conhecimento


inteiramente a tudo, o desejo inquieto de ampliar meu saber, ou ainda a satisfação em
ver todo progresso realizado. Existiu um tempo em que eu acreditava que tudo isso

45
poderia constituir a honra da humanidade e eu desprezei o povo, que tudo ignora.
Rousseau foi quem me desenganou. Esta ilusão de superioridade se foi; aprendo a
honrar os homens; e me sentiria bem mais inútil que o comum dos trabalhadores, se
não cresse que este sujeito de estudo pode dar a todos os outros um valor que consiste
nisto: fazer emergir os direitos da humanidade”.24

Mas a responsabilidade ética do homem deve ser especificada. Devemos nos


perguntar se existe uma responsabilidade que nos concerne mais particularmente como
filósofos, isto é, enquanto nos esforçamos para exercer a função filosófica.

Uma primeira especificamente concerne a responsabilidade do intelectual. Não é


uma responsabilidade do pensamento em geral, responsabilidade que se identifica à
responsabilidade ética. O intelectual é o produto de uma história. História da divisão do
trabalho, da divisão entre intelectuais e manuais. História complexa que não se reduz a
dominantes e dominados. É no seio desta divisão do trabalho que cada um tem uma
responsabilidade determinada. Não se trata de barreiras intransponíveis: a função
intelectual tornou-se uma espécie de “profissão”, mas ela é antes de tudo uma função.

É deste ponto de vista que o lugar do intelectual na sociedade democrática


aparece como “traçado” imposto: o filósofo deve assumir a função “Critica”. Luc Ferry
e Alain Renaut mostram com clareza e de maneira convincente os elos intrínsecos entre
a função do intelectual e a crítica do mundo moderno, “as razões estruturais e históricas
pelas quais os intelectuais são obrigados, nas sociedades democráticas, a uma função
crítica”25

A função intelectual resulta de uma divisão social, ela não pode, no entanto ser
definida a priori. Uma boa maneira de aprová-la será situá-la em relação aquilo a que
ela se opõe.

Ferry e Renaut propõem definir o filósofo como um “generalista” do universal:


“por esta própria razão, sempre em oposição ao perito, a atitude do filósofo não é uma
atitude de neutralidade científica, mas uma atitude de engajamento, que supõe

24
Em Remarques touchant les observations sur le sentiment du beau et du sublime |notas que tocam as
observações sobre o sentimento do Belo e do sublime|, citado por V. Delhos, La Philosophie pratique de
Kant |A filosofia pratica de Kant|, Paris: Alcan, 1905, P.117
25
Luc Ferry & Alain Reanaut, Heidegger et les Modernes, paris: grasset, 1989, p. 27

46
distanciamento crítico em relação a positividade”26, com efeito, que o ponto de vista do
generalista seja necessariamente um ponto de vista engajado.

A função filosófica é uma função geral de usuárias do mundo, somos


justificados a ser “críticos generalistas”. Com isso, a função intelectual é uma função
geral de usuários do mundo. Mas aqui se pode ver rapidamente que se trata de uma
função delegada, ou de uma representação. Porque, na repartição actual das funções,
existe uma função intelectual que reflecte sobre o seu papel deve assumir esta função de
engajamento crítico. Para retomar uma distinção dada por Max Weber, “o intelectual
generalista engajado, em oposição ao perito, especialista e neutro, adopta sempre o
ponto de vista da ética da responsabilidade”.27 A voz do filósofo é solitária, mas tem
ressonância apenas porque se associa livremente à realidade de um movimento, às
aspirações de um povo, à procura comum de um ideal partilhado.

Falar a verdade significa sopesar cuidadosamente as alternativas, escolher a


correcta, e depois representa-la de forma inteligente onde possa ter influência positiva e
causar a mudança correcta.

O conhecimento da filosofia, abandonado por certos programas de educação,


como inútil ou supérfluo, diante a dinâmica moderna, foi reconhecido em congresso
internacional de educação que se realizou em Belo Horizonte (Brasil) em 1995, como
imprescindível à formação cultural de todas as profissões.28

A análise verdadeiramente filosófica proíbe que se chame a um dos lados


inocente, e ao outro perverso. Mas se os nossos olhos estão nos nossos protectores, não
poderemos pensar como intelectuais, mas apenas como discípulos ou acólitos. No nosso
inconsciente existe a noção de que se deve agradar, e não desagradar.

O verdadeiro filósofo é um ser secular. Por muito que alguns intelectuais


aleguem que representam coisas ou valores máximos, a moralidade inicia-se com a sua
actividade neste nosso mundo secular, onde ocorre, e cujos interesses serve, na forma
como se ajusta a uma ética consistente e universalista, na forma como faz a
descriminação entre poder e justiça, o que revela das escolhas e prioridades de cada um.
26
Ibidem, p.28
27
Luc Ferry & Alainb Renaqut, op. Cit., p. 29.
28
SÁ, António Lopes de, Ética Profissional 9ª edicção Revista e Ampliada, Editora ATLAS S.A. 2010, Pg.
133.

47
Os princípios e a moral de um intelectual não deveriam constituir uma espécie
de caixa de velocidades selada, que conduz o pensamento e a acção numa direcção e é
alimentada por uma máquina com uma única fonte de combustível. O intelectual tem de
circular, tem de ter espaço para se posicionar e ripostar à autoridade, uma vez que a
observância inquestionável à autoridade no mundo actual é uma das maiores Ameaças a
uma vida intelectual activa e moral.

É difícil enfrentar essa ameaça por si só, sendo ainda mais difícil encontrar uma
forma de se ser coerente com as suas crenças, e ao mesmo tempo permanecer
suficientemente livre para evoluir, mudar de opinião, descobrir coisas novas, ou
redescobrir o que outrora se havia posto de parte. O aspecto mais complicado de se ser
um intelectual é representar aquilo que se defende através do trabalho e de intervenções,
sem petrificar numa instituição ou tornar-se num tipo de autómato actuando por ordem.

Todo aquele que tenha sentido a satisfação de ser bem-sucedido ao agir assim e
de igual modo bem-sucedido ao manter-se atento e firme, saberá apreciar quão rara é
esta convergência. Mas a única forma de alguma vez o conseguir é recordando-se
constantemente de que, enquanto filósofo, existe a opção entre representar a verdade de
forma activa e da melhor maneira que se é capaz ou, de forma passiva, resignar-se a ser
governado por uma autoridade ou poder. Para o intelectual secular, esses deuses falham
sempre.

Observemos enfim que esta posição crítica do intelectual recebe uma justificação
filosófica profunda. “ É próprio de sociedades democráticas (…) que o relacionamento
com a lei, com as normas e com as autoridades aconteça de forma crítica. No seio de
uma sociedade democrática, de uma sociedade que se quer ‘auto-instituída’, ainda que
indirectamente por meio de instituições representativas, todas as normas podem ser
denunciadas pelos indivíduos, aquelas normas que eles não produziram justamente
porque eles não as produziram, e aquelas que lhes aparecem a partir de então como
impostas do exterior, aquelas que, porque eles produziram, possuem a mestria e podem
com direito modifica-las ou muda-las à vontade.”29

Mas ainda é preciso nos perguntar se existe uma responsabilidade específica do


filósofo. Esta questão não teria sentido se procuramos uma espécie de definição a

29
Ibidem, p. 29-30

48
história da filosofia, uma essência da filosofia em si. Repitamos que nos aproximamos
progressivamente da questão da responsabilidade filosófica a partir da questão da
responsabilidade ética e em seguida da responsabilidade intelectual. Mas se a
responsabilidade ética pode ser pensada como transitória e transcultural – não nos seus
conteúdos, mas nas suas exigências – a responsabilidade intelectual nos aparece como
histórica. A função intelectual: os letrados, os juristas, por exemplo, existiu com efeito
em numerosas culturas. A função filosófica, por sua vez, é igualmente histórica, mas ela
parece pertencer à cultura ocidental. Isso significa que os traços característicos de um
emprego específico da função intelectual marcaram nossa tradição histórica e
determinam qual é a posição e intervenção que hoje é possível aos nossos filósofos na
sociedade contemporânea.

Os filósofos são formados para criticar e são recompensados por isso. Os


cientistas sociais, em particular, são ensinados a argumentar e a encontrar os erros. O
pessoal universitário passa grande parte do seu tempo avaliando trabalhos escritos,
comunicações a s seminários e provas de exame. O seu equipamento mental é avaliador.

Quando tratam de desenvolvimento rural procuram os defeitos. Também os seus


pares lhe concedem uma pontuação mais elevada por um estudo que aponte os maus
resultados dum projecto do que por um que realce as suas vantagens. Alguns cientistas
sociais possuem, em todo caso, uma ideologia anti-governamental e partem já com a
intenção de denegrir. Um projecto supostamente com sucesso constitui um chamariz
para certos universitários, um desafio para verem se pode ser transformado num
fracasso, procurando encontrar esforços nocivos e ocultos ou erros que funcionários
tentam esconder30.

Estas atitudes críticas deram um enorme contributo à compreensão do


desenvolvimento da ciência e da humanidade. Olhando para traz, para as últimas
décadas, podemos ver que sem estas atitudes as profissões orientadas para o
desenvolvimento teriam levado muito mais tempo a reconhecer as deficiências da
abordagem, as tendências das elites locais em se apropriarem dos benefícios do
“desenvolvimento”, a miséria de muitas populações mais pobres e o duro fardo de tantas
mulheres.

30
CHAMBERS, Robert, Desenvolvimento Rural, Fazer dos Últimos os Primeiros, Luanda, ed. ADRA,
Outubro de 1995 Pág. 41 (Primeira Publicação m Inglês, 1983)

49
Diante desse quadro, seria de imaginar talvez que em Luanda, onde a filosofia
universitária é incipiente e não alcançou um bom nível de organização profissional, a
vocação filosófica no sentido antigo, o amor à sabedoria, possa ter mais espaço para se
expandir, ainda que não profissionalmente, sem ter de passar pelo rolo compressor.
Infelizmente, isso não se realiza, por três motivos:

Primeiro: Quanto mais incipiente, mais a universidade estatal tende a ser


ciumenta e monopolística: envolvida numa luta sem tréguas pela manutenção de seus
benefícios corporativos (sempre excessivos para quem os paga, mesquinhos para quem
os recebe), ela tende a ver o pensador de fora do grêmio como um intruso, um virtual
inimigo da classe. Daí o culto fanático do "diploma", uma exigência que em ambientes
universitários mais desenvolvidos é muito mais branda e, nos casos de notório saber,
inteiramente dispensável.

Segundo: A inexistência mesma de uma profissão filosófica organizada no


padrão moderno faz com que este padrão se torne um ideal fervorosamente imitado. E
esta, como toda imitação contínua, cai no exagero caricatural: o molde é tão valorizado
que acaba por se tomar como a única encarnação possível da filosofia e por excluir do
campo todas as expressões não-acadêmicas do pensamento filosófico que, nos países
mais desenvolvidos, o academismo respeita e procura absorver.

Nos ambientes letrados angolanos, a palavra "Filosofia" já não evoca um


universo de temas, de problemas ou de atos intelectuais, mas a carreira funcional
correspondente. Quando alguém diz que se interessa por filosofia, não se entende que
pensa em tais ou quais assuntos, nem que lê tais ou quais livros, mas que é ou pretende
ser portador de um certificado, que ocupa ou pretende ocupar certo lugar na hierarquia
funcional. É a completa coisificação burocrática da filosofia, agravada ainda pelo hábito
da "especialização", copiado das ciências particulares (onde é requisito inteiramente
legítimo), o que leva a filosofia a rebaixar-se ao estatuto de mera "ciência da filosofia",
pois, por definição, o conhecimento "especializado" de uma filosofia consiste em expô-
la fielmente segundo os métodos da história e da filologia, e não em filosofar
pessoalmente sobre ela, criando uma outra filosofia que, logicamente, não poderia ser
classificada sob a mesma especialidade (no sentido em que não é na condição de
especialista, mas de filósofo, que Heidegger interpreta Nietzsche ou Sto. Tomás
comenta Aristóteles). Mas ao mesmo tempo esses costumes grotescos e aviltantes são,
da parte do nosso miúdo establishment acadêmico.

Terceiro: Para que poderosas vocações filosóficas se desenvolvessem à margem


do academismo nascente seria necessário existir uma forte presença do elemento
filosófico na cultura geral, na imprensa e no movimento livreiro, coisa que não existe.
Se existisse, muitos homens cultos talvez pudessem retomar, em ligação direta e
passando por cima do cerco acadêmico, o contacto pessoal com antigas tradições
sapienciais da filosofia, e reenxertá-las no diálogo cultural corrente, o que viria a
beneficiar, a longo prazo, a própria cidadela acadêmica, fazendo circular dentro dela um
pouco de ar puro. Mas essa condição não existe na nossa sociedade, e, exceto para o

50
homem de gênio que pode buscar a conexão por conta própria, o acesso a que me referi
está bloqueado.

Em resultado, o estudante, se da universidade recebe apenas a filosofia de tipo


rolo compressor, não encontra, fora dela, senão minguadas oportunidades de adquirir
conhecimento e desenvolver seus talentos; e, por falta de cultura, acaba por cair no mero
diletantismo, dando assim involuntariamente um reforço retroativo, falacioso mas
verossímil, ao preconceito do academismo local contra toda pretensão de filosofar fora
dele.

Mas o mais tristemente irônico de tudo é que, nesse ambiente filosófico de


Terceiro Mundo, o estudante que, não tendo alternativa, se amolde às exigências da
Filosofia acadêmica, acaba por não obter, a oportunidade gratificante de dar uma
contribuição substancial à formação do consenso filosófico internacional, nem a
estabilidade financeira de um próspero cidadão de classe média, que a profissão
universitária confere a outros praticantes das ciências particulares. Ao entrar na
universidade, ele é um joão-ninguém; ao sair, é um joão-ninguém com diploma e sem
alma.

Não admira que brilhe nos seus discursos tanto rancor contra o Estado que lhe
arrancou tanto em troca de tão pouco. Nem que esteja, incapaz de conscientizar sua
situação pessoal exceto pelas vias de pensamento padronizadas que absorveu em sua
formação acadêmica.

3.3. O ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO.

O conselheiro inglês Tim Lebon afirma: “O que distingue o aconselhamento


filosófico dos outros ramos da filosofia aplicada é o facto de implicar o filosofar sobre
problemas concretos; o que separa do aconselhamento é o facto de ele pressupor uma
atitude e métodos e «insights» filosóficos» ”31

Para Tim Libon, a filosofia surge como um procedimento racional na exploração


dos problemas32. O Conselheiro filosófico inglês cita a definição da filosofia da Oxford
Companion to Philosophy: “Um pensamento crítico racional, de índole mais ou menos
sistemático, sobre a natureza global do mundo (metafísica ou teórica da existência), a

31
,Tim, LIBON «Philosophical Counselling: an introducion», in Trevor Curnow, Thinking through Dialogue,
Practical Philosophy Press, Surrey, 2001, pág,5.
32
Tim, LIBON, Wise Therapy – Philosophy for Counsellors, Surrey, 2001, Pag, 2

51
justificativa da crença (epistemológica ou teoria do conhecimento) e a conduta da vida
(ética ou teoria dos valores) ”33

Curiosamente, esta definição é extremamente semelhante ao esquema estóico


(Física, Lógica e Ética), foi também essa a linha de Kant na sua Fundamentação da
Metafísica dos Costumes.

Quanto a sua definição de Aconselhamento filosófico, Tim Lebon apresenta o


seguinte: “O Aconselhamento Filosófico usa o diálogo filosófico para ajudar as pessoas
a reflectir sabiamente sobre as suas vidas e para lidar com problemas não patológicos
da vida quotidiana”.34

Segundo o autor londrino, o aconselhamento Filosófico deveria trabalhar,


essencialmente, quatro questões: a) o sentido da vida (dificuldades em encontrar sentido
nas «coisas» da vida ou em orientar a sua vida); b) as crenças; c) teoria das emoções,
como meio para investigar as razões (sabedoria emocional aplicada a depressão,
ansiedade, carência e baixa de auto estima); d) os dilemas éticos (na tomada-de-decisões
e problemas de relação com outros indivíduos).

Quem pratica a profissão dela se beneficia, assim como o utente dos serviços
também desfruta de tal unidade. Isto não significa, entretanto, que tudo o que é útil entre
as duas partes o seja para terceiros e para a sociedade.35

3.3.1. MÉTODOS CONTEMPORÂNEOS DE ACONSELHAMENTO


FILOSÓFICO.
3.3.1.1. O Método Progress.

O método PROGRESSO36 é um procedimento é um procedimento desenvolvido


com Arnaud e Antónia Maccaro, e que permite clarificar uma tomada de decisão, da
forma mais adequada possível. Pretende assim, alcançar uma visão apropriada do

33
T. Honderlich, The Oxford Companions to Philosophy, Oxford, OUP, 1995
34
Tim Lebon, «Philosophical couselling: a personal view», In Paola Grassi, Philosophy Practice, nº 1,
milaN, April 2003, pág. 29-35.
35
SÁ, António Lopes de, Ética Profissional 9ª edicção Revista e Ampliada, Editora ATLAS S.A. 2010, Pg.
1156.
36
PROGRESS – Procedimento desenvolvido por David Arnaud e Antónia Maccaro.

52
problema, incluindo os sentimentos que são suscitados pela questão e pelas suas
conclusões.

No método PROGRESS as fases não podem alterar a sua ordem. Se faltar algo
numa fase, as posteriores poderão deturpar-se. O método procura alcançar quatro pontos
essenciais:

a) A sabedoria emocional: este método não é exclusivamente racional, visto que


considera que as emoções influenciam as respostas do cliente;
b) Os valores: o objectivo é conseguir algo valioso para o cliente, pelo que será
imprescindível conhecer a sua rede de valores;
c) O pensamento criativo: sobretudo para forjar as alternativas;
d) O Pensamento crítico: valido para todas as fases. No entanto, consiste mais em
descobrir se os valores que perseguimos são compatíveis com as alternativas que
perseguimos.

O objectivo do método PROGRESS é ajudar o cliente a tomara decisões adequadas.


Para tal trilha-se os seguintes passos:
Passo 1 – Compreensão daquilo que está a acontecer, baseado numa perspectiva
pessoal.

Passo 2- Compreensão daquilo que «realmente» acontece. O conselheiro motivará o


cliente a adoptar uma perspectiva «metafísica» e «objectiva».

Passo 3 – Criar alternativa na base daquilo que «realmente» acontece na situação.

Passo 4 – Avaliara as alternativas

Passo 5 – Desenvolver a melhor alternativa.

3.3.1.2. O Método «PROJECT»


O método PROJECT é um procedimento desenvolvido por Jorge Dias, na intenção
de que a filosofia poderia ser útil na abordagem à questão da felicidade, e fornecer-nos,
mesmo que indirectamente, uma certa orientação racional, no caminho que desejávamos
trilhar nesta vida.

A Felicidade é assim definida como a «finalidade»:


 da pessoa

53
 da Sociedade Politica
 da Comunidade Educativa
 da Instituição Familiar

Segundo Jorges Dias afirma:

“A «Felicidade» consiste, no seguinte: em ter um «carácter» (êthos) equilibrado, e


ter um projecto de vida, através de um processo que envolve três valores éticos
essências: o «Amor» a uma família, a «realização» através do trabalho de uma
profissão e cultura espiritual.”37 Sendo assim, quem não tem consciência do sentido,
nem do seu projecto de vida, não poderá nunca ser feliz.

A vontade tem de ser treinada para operacionalizar a organização e planeamento do


«projecto» e não desistir. A infelicidade pode ser resultado de desejos inadequados, de
erros profundos do nosso pensamento. O método «Project» visa activar as
potencialidades do ente na construção de um projecto no tempo, e isso indicará,
posteriormente, uma estrutura sólida para a vivência da felicidade.

O método «PROJECT» Consiste nos seguintes passos:

1. Identificar projectos na vida do Cliente.


2. Analisar a estrutura de um projecto
3. Relacionar o Projecto com a vida do cliente (Valores e sentido)
4. Agrupar Projectos e definir aplicações
5. Reforçar a «filosofia de vida» do cliente.
6. Verificar a sua realidade e importância.

De facto, a faculdade de pensar racionalmente permite ao ser humano lançar sobre o


mundo a rede dos seus projectos, comunicando um sentido e uma finalidade que, de
algum modo, os transcende. Pelo projecto, antecipação imaginativa das possibilidades
oferecidas pela circunstância, o ser humano encontra-se já, de algum modo, onde ainda
espera vir a encontrar.

37
Jorge Dias- Pensar bem, viver Melhor: Filosofia aplicada à vida, edições Ésquilo, 2006, pág. 200-204

54
DIFERENÇA ENTRE O ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO E O
PSICOTERAPÊUTICO38
REFERÊNCIA ACONSELHAMENTO PSICOTERAPIA
FILOSÓFICO
Carácter preventivo, educativo e de Carácter remediativo e
Tipo apoio, voltado para a análise reconstrutivo, voltado para a
De intervenção conceptual, para a clarificação da eliminação/controlo de
situação e para tomada de decisões psicopatologias
por parte do cliente.
No comportamento do indivíduo e Lida com material
Foco no desenvolvimento de inconsciente e enfatiza a
Da intervenção competências filosóficas: «anormalidade». Vivencia
Pensamento crítico e criativo, intrapsíquica do indivíduo e
análise conceptual, etc. lida com o mudanças na personalidade.
consciente e enfatiza a
«normalidade»
Visa promover o desenvolvimento Visa o insight e
do pensamento do indivíduo, de autoconhecimento, no
Objectivos modo a aumentar ao máximo as sentido de proporcionar ao
suas oportunidades e reduzir ao indivíduo uma melhor
mínimo as condições adversas. qualidade de vida.
Menos centrado na expressão Mais intensivo e duradouro,
Processo de emocional profunda e com maior visando aspectos mais
intervenção ênfase nos aspectos conceptuais e profundos da personalidade
racionais. e enfatizando o neurótico e
outros problemas
emocionais.
Conselheiro e cliente situam-se num O Terapeuta mantém num
Papel do plano semelhante e procuram auto- patamar superior ao do
Profissional descoberta. paciente clima
médico/clínico.
Mais centrados no presente, Maior ênfase na exploração
focalizam aspectos conscientes e do passado e na história do
Métodos fazem mais uso da informação e da caso, focaliza aspectos
sugestão; a motivação que leva o inconscientes e faz uso da
cliente ao gabinete do conselheiro é relação de transferência. A
factor determinante no processo. duração do processo é maior
e tende a acompanhar a
resistência do paciente.
O aconselhamento filosófico aplicado à educação teria como objectivo promover
um melhor ajustamento do aluno, no sentido deste desenvolver as suas capacidades
críticas, de análise, de diálogo e de compreensão da realidade.

38
Tabela adaptada de Scheefer, Teorias de Aconselhamento, são Paulo, atlas, 1988 e G. Gazda,
Comparação do aconselhamento de grupos com a psicoterapia de grupo, in H. Kaplan, Compendio de
Psicoterapia de Grupo, 3ª Edição, porto alegre, artes Médicas, 1996 .

55
CAPITULO V. O FIM DA FILOSOFIA?39
Atravessamos um período de crise prolongada da cultura ocidental. O
diagnóstico não é invalidado pelos simples facto de ter sido repetido inúmeras vezes –
desde Rousseau e os românticos até Nietzsche, Spengler, Trotski, Heidegger e outos
depois deles. De facto, as próprias vias pelas quais a maior parte destes autores, e
outros, tentaram estabelecê-lo são em si sintomas da crise e fazem parte dela.

Da crise faz também parte a proclamação – em particular por Heidegger, mas


não só ele – do “fim da filosofia” e toda a gama de retóricas desconstrutivas e pós-
modernistas. Porque a filosofia é um elemento central do projecto greco-ocidental de
autonomia individual e social; o fim da filosofia significaria nem mais nem menos que o
fim da liberdade. A liberdade não é ameaçada apenas pelos regimes totalitários ou
autoritários. Também o é, de maneira mais oculta mas não menos forte, pela atrofia do
conflito e da critica, a expansão da amnésia e da irrelevância, a incapacidade cada vez
maior de pôr em questão o presente e as instituições existentes, sejam ela propriamente
politicas ou veiculem as concepções do mundo.

Nesta crítica, a filosofia sempre teve um papel central, apesar de a sua acção ter
sido, na maior parte de vezes, indirecta. Essa acção de desaparecer, primeiro e
sobretudo sob o peso das tendências socio-históricas contemporâneas, que não
discutiremos aqui. Mas um efeito dessas tendências, que por sua vez as reforça, é a
influência da adoração Heideggerianas “não temos nada a fazer” e “não há nada a
fazer”40. A combinação das duas é facilmente patente na glorificação do “pensamento
fraco” (pensiero debole), isto é, de um pensamento mole e flexível adaptado à
sociedade dos meios de comunicação41. A “crítica” desconstrutiva, que se limita
cuidadosamente á desconstrução de velhos livros, é também um dos sintomas da crise.

A proclamação do “fim da filosofia” não é evidentemente nova. Esse fim já foi


decretado enfaticamente por Hegel. Decorre, tanto em Hegel como em Heidegeer, de
uma filosofia que é, indissoluvelmente, ontologia (ou “pensamento do ser”), filosofia da

*As ideias do texto foram expostos pela primeira vez numa Conferência na Universidade Goethe de
Francforte, em novembro de 1986. A versão publicada aqui é a de uma conferencia no Skidmore College
(outubro de 1989) publicada em Salmagundi, nº82-83.
40
Cf. Por exemplo, e entre muitas outras formulações, “Npus NE devons rien faire, seulement attendre”
(“Por servir de comentaire à Sérénité”, Question III, Paris, Gallimard,1966, p,188). A entrevista póstuma
do Spiegel também acentua fortemente esse aspecto.
41
Assim, II Pensiero debole, Gianni Vatimo e P.A. Rovai ed.,Milão,1983, e Gianni Vatimo, La Finebdella
modernitá, Garzanti Ed., 1985 (tr. Fr. Éd. du Seuil, Paris, 1987).

56
História e Filosofia da Historia da Filosofia. Não é nosso propósito aqui discutir em si
mesmas as ontologias de Hegel ou de Heidegeer. Limitar-nos-emos a algumas
observações que nos parecem pertinentes quanto ao tema.

O fim da filosofia não é um humor ou uma opinião de Hegel, mas a implicação


necessária do seu sistema total, que se sustem ou cai com ela.

A situação, no fundo, não é diferente com Heidegger. Não pode haver discussão
crítica dos filósofos do passado. Os “pensadores” exprimem momentos da “história do
ser”, o Ser fala pela sua boca. (Evidentemente, Heidegger também não foi capaz de se
manter fiel ao seu programa.) os filósofos do passado só podem ser interpretados e
“desconstruídos” (na sua completa literalidade, o programa anunciado em Sein und Zeit
é die Destruktion der ontologie; “desconstrução” é um fruto mais recente). Isso
significa que há que mostrar, em cada caso:

1º) Que todos os filósofos passados participam da “metafísica” entendida como


encobrimento da “diferença ontológica”, esquecimento do Ser, preocupação com o ser
dos existentes e desatenção perante a questão do sentido do ser; e que,

2º) Apesar disso e curiosamente, esse “esquecimento” de certa maneira


“progride” num movimento hegelóide através da história para formas cada vez mais
completas, de modo que o cumprimento e completamento da metafísica, como o
esquecimento do Ser, já estão plenamente em Platão (e talvezes mesmo com os pré-
socráticos), mais são mais completamente realizados com Heggel e depois Nietzsche.
Ao longo deste percurso, os conflitos, as contradições, as lutas entre filósofos são
ignorados ou encobertos e o conjunto da história da filosofia surge como um percurso
linear que atinge o seu resultado predestinado, o fechamento da metafísica e o pensador
desse fechamento, Heidegger.

Com Hegel, todas filosofias são reduzidas ao mesmo, no sentido de que todas
elas não passam de “momentos” no processo de consciência de si e do conhecimento do
Espírito – e todos esses “momentos” estão condenados a ser “momentos” no sistema
(hegeliano). Com Heidegger, todos filósofos são reduzidos ao mesmo. 42 Representam
vias diferentes, mas quanto ao fundo indiferentes, do esquecimento do Ser, do

42
Cf. As últimas páginas de “A Palavra de Anaximandro” (1946) em chemins...onde Platão, Heraclito,
Prmenides e Anaximandro são apresentados como pensando o “mesmo”.

57
pensamento do Ser como presença, da confusão entre presença e o que está em cada
momento. Juntamente quando quase tínhamos conseguido convencer-nos da
inexistência de qualquer “significado transcendental”, somos agora avisados de que
Jeová, as suas leis e a ética dos hebreus podem e devem ser restaurados em lugar de um
tal significado (meta ou pós?) transcendental. De maneira que começamos a poder
esperar que nos seja suficiente substituir a filosofia pela revelação para sermos salvos43.

Nada de espantoso, nessas condições, que, tirando algumas poucas excepções, a


filosofia seja cada vez menos praticada e que a maior parte do que se faz passar hoje por
filosofia não seja mais do que comentário e interpretação, ou antes, comentário ao
quadrado e interpretação ao quadrado. O que acarreta também um academismo
escolástico sem espírito e a irrelevância desconstrutiva.

A faculdade de comunicação efectiva, que é um bem do filósofo, está, portanto,


a ser expropriada, deixando ao pensador independente uma tarefa de grande
importância. Mills pensa:

“O artista e o intelectual independente encontram-se entre as poucas


personalidades que ainda restam preparadas para resistir e lutar contra a
estereotipagem e consequente morte das coisas genuínas vivas. Agora, uma nova
percepção envolve a capacidade de desmascarar continuamente e esmagar os
estereótipos de visão e intelecto com os quais as comunicações modernas nos saltam.
Estes mundos da arte de massas e de pensamento de massas estão cada vez mais
dependentes das exigências da política. É por isso que é na política que a solidariedade
e o esforço intelectual devem concentrar-se. Se o pensador não se associar ao valor da
verdade na luta política, será incapaz de enfrentar, de um modo responsável, a
experiencia viva do seu todo”.44

Nada é mais repreensível do que aqueles hábitos de espírito no filósofo que


induzem à abstenção, aquele característico virar de costas a uma posição difícil e
baseada em princípios, que se sabe ser a correcta, mas que se decide não tomar. Não se
quer parecer demasiado político, tem-se medo de se parecer controverso; quer-se manter

43
Castoriadis, Cornelius – O mundo Fragmentado; as encruzilhadas do labirinto,Ed. Campo da
Comunicação, 2003 pag. 230
44
C. Wright Mills, Power, Politics, and people: The collected Essays of C. Wrigts Mills, ed. Irvings Louis
Horowitz, Nova Iorque, Ballatine 1963, p. 299.

58
a reputação de pessoa ponderada, objectiva, moderada e esperar conseguir um grau ou
lugar.

Para um intelectual, estes hábitos de espírito são uma força de corrupção par
excellence. Se há alguma coisa que possa desnaturar, neutralizar e, finalmente, acabar
uma vida filosófica apaixonada é a interiorização de tais hábitos.

O fim da filosofia significaria o fim do projeto de autonomia. E esse projecto,


parcialmente inacabado na história greco-ocidental, encontra-se ameaçado.

A Expansão autonomizada e letal da tecno-ciencia; evanescencia do conflito


politico e social; a demissão dos intelectuais que se acotovelam à volta dos poderes,
tudo conspira para criar um tipo de ser humano absorvido pelo consumo e pelo prazer
do momento, ao mesmo tempo cínico e conformista. Como, com tais cidadãos, a famosa
democracia poderá funcionar ou mesmo a longo prazo sobreviver?

59
CONCLUSÃO

Por mais importante que seja aquilo que alcança na descrição da natureza e dos limites
do pensamento racional, A filosofia corre agora o risco de se distanciar da vida que a
rodeia, e da antiga promessa da filosofia, que é a de nos ajudar, mesmo se
indiretamente, a viver bem e sabiamente.

No presente trabalho traçamos três hipóteses:

H1. A filosofia é importante na vida do cidadão porque ela busca uma unidade,
uma síntese de todo conhecimento humano, de tal maneira que haja uma possibilidade
de que em qualquer necessidade de expressão, se seja a mesma pessoa e coerente com a
visão do universo e com a visão de vida pessoal.
H2. A filosofia tem o papel de encontrar uma síntese do sentido da vida dos
cidadãos e pode colaborar na construção do equilíbrio da dimensão profissional como
componente da vida pessoal.
H4. O fim da filosofia significa o fim do projecto de autonomia individual e
colectiva.
Deforma articulada, os quadros de referência adoptados, permitiram, por um
lado, firmar as três hipóteses que orientaram o trabalho. É de salientar que o mesmo
trabalho respondeu as inquietações que inicialmente formuladas.

Constatou-se que para além de ser considerado como tal pela universidade, um
filósofo tem de dar atenção a questões com um alto grau de generalidade, e tem de se
sentir à vontade com as ideias abstractas.

Outro critério pelo qual mede-se um verdadeiro filósofo: é a capacidade de


apresentar as suas ideias, e de argumentar a seu favor. Esta atitude tem-se conduzido
quase sempre, entre os filósofos, a um interesse apaixonado pelas ideias uns dos outros;
e tem levado os filósofos a discordar, e se possível a refutar, os argumentos dos outros
filósofos; e também a expor teorias por meio de diálogos, falados ou escritos

A filosofia, enfim, foi deixando de ser uma busca da sabedoria, que envolvia o
homem inteiro, corpo, alma e espírito, numa preparação para a posse das mais altas
verdades, e se tornou uma mera habilidade especializada, como a de cantar, desenhar ou
fazer rimas, completamente autônoma em relação à personalidade moral e à forma
completa da "alma".

O filósofo tornou-se um "pensador" — um homem que tem o talento especial de


produzir pensamentos interessantes. Como toda habilidade particular, essa pode ser
cultivada como um território separado, perfeitamente compatível com todos os defeitos
de personalidade, incluindo a repugnância pela verdade ou mesmo a total incapacidade

60
para captar as evidências mais óbvias. Esta incapacidade, não raro, torna os
pensamentos ainda mais interessantes, no sentido de exóticos e atraentes. Mas, mesmo
quando não se chega a esse extremo, a mera insinceridade basta para conferir a muitos
escritos filosóficos aquela aura de ambiguidade e mistério que rodeia de um prestígio
mágico as obras dos poetas.

Constatou-se também que o filósofo em Luanda, tem de estar envolvido numa


disputa perpétua com todos os guardiões de visões cujas depredações são inúmeras e
cuja mão pesada não tolera o desacordo e certamente nenhuma diversidade. A liberdade
de opinião e de expressão não disposta a cedência ou tolerar adulterações de qualquer
dos seus fundamentos é, com efeito, trair a vocação filosófica. Para o filósofo, o debate
rigoroso e destemido é o cerne da sua actividade, o verdadeiro palco e contexto daquilo
que os intelectuais sem revelação efectivamente fazem.

As respostas filosóficas podem não ser eternas mais a a filosofia tem duas
finalidades:

1º Descrever o mundo como ele é; 2º Orientar a vida do homem.

Ao descrever o mundo como ele é procura alcançar a verdade e ao orientar a vida do


homem procura alcançar o fim último deste “a felicidade”.

Portanto os objetivos da filosofia são permitir que o homem alcance “a verdade e a


felicidade”.

61
SUGESTÕES E RECOMENDAÇÕES.
Aos filósofos em geral

Quando se pretende exercer uma profissão, é fundamental ter uma base legal que
permita regular a garantir a qualidade dos serviços prestados. É necessário promover os
direitos dos clientes, assim como a formação e a responsabilidade profissional do
Conselheiro/consultor filosófico.

1. A semelhança do que acontece em todas as profissões que inicialmente


são desenvolvidas por Associações de Profissionais, e mais tarde se transforma em
Ordens Profissionais, com a correspondente publicação do Decreto-Lei que aprova o
seu Estatuto Profissional, urge a necessidade da criação de uma parar os filósofos.

A referida Associação, deverá ser uma organização cientifica e profissional,


constituída por diversos membros que trabalham em varias áreas e que possuem
múltiplas competências.

Os membros da referida Associação deverão:

a. Promover a dimensão prática da Filosofia, assim como desenvolver a dimensão


ética das várias profissões e instituições.
b. Reconhecer a diversidade e defender uma abordagem multicultural na promoção
da dignidade, do potencial e da singularidade das pessoas.

2. É necessário a criação de um «Código de Ética do Filosofo».

Quanto ao Código de Ética do Filósofo, deveria articular-se do seguinte modo: A


missão da Associação deverá ser a de contribuir para a qualidade ética e de vida em
sociedade, promovendo o desenvolvimento de Conselheiros filosóficos Profissionais, e
usando a profissão e a prática do aconselhamento Filosófico para promover o respeito
pela dignidade e diversidade humana.

O código de ética deverá servir cinco objectivos principais:

a) Legitimação da Associação para clarificar os seus membros relativamente à


natureza das responsabilidades éticas, aceites por todos.
b) Contribuir para realização da missão da Associação.

62
c) Estabelecer princípios, que definem comportamentos éticos e as melhores
práticas dos seus membros.
d) Funcionar como um guia ético, definido como um apoio na construção de um
itinerário profissional, que melhor sirva os clientes dos diversos serviços de
Assessoria filosófica e que melhor promova os valores da profissão do
Aconselhamento Filosófico.
e) Servir como base de avaliação e julgamento relativamente a processos de
acusação nos domínios do comportamento ético, movidos contra membros da
Associação.

Aos professores de filosofia

O papel dos professores de física, matemática e biologia deveria ser o de ensinar aos
alunos não só os resultados finais aos quais os cientistas chegaram, mas como eles
chegaram aos resultados que obtiveram. De maneira análoga, se alguma coisa os
professores de filosofia poderiam mostrar aos alunos é como os filósofos chegaram aos
seus. Isso mostraria aos alunos quão diferentes foram as motivações, os problemas e os
métodos usados pelos vários cientistas e filósofos. Mostraria, entre outras coisas, como
cientistas e filósofos divergem e se opõem. Poria em claro, não a inexistente unidade
temática, problemática e metodológica na ciência e na filosofia, mas sua pluralidade e
diversidade. Mostraria, já na filosofia, que dificilmente encontrarão dois filósofos que
concordem sobre o que é a própria filosofia.

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