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de Araucária- PR
Resumo
Trata-se aqui de apresentar análises parciais sobre a primeira fase do curso de formação
continuada: Fundamentos para uma educação antirracista, ministrado aos
profissionais de educação convidados junto à rede de ensino municipal e uma escola
estadual, do município de Araucária, Paraná. Sob o pressuposto de que ao identificar,
formar e empregar princípios afrocentrados na mediação didática, nas escolas do Ensino
Infantil e Ensino Fundamental I, a partir de metodologias e tecnologias permite-se
fundamentar uma educação antirracista. Assumindo como pressuposto teórico que a
compreensão da identidade negra ou negritude é um dos pilares da tríade (negritude,
diáspora africana e pan-africanismo) a compor a práxis em todos os campos que
envolvem história e cultura africana e afro-brasileira, se faz necessário compreender e
refletir sobre as condições de constituição dessa identidade, ou seja, (re)estruturar o
ambiente da comunidade escolar, através de centro identitário salutar aos indivíduos e
grupos que compõem a instituição. Pois, se a escola é o lugar no qual a axiologia social
se faz mais presente, então a ressignificação epistemológica e identitária a respeito do
povo negro necessita ser transformada junto a este local institucionalizado. Neste
momento, cumpre-se relatar as observações colhidas junto às/aos cursistas, observações
estas que foram colhidas nas interações durante as rodas de conversas e nas atividades
realizadas via plataforma Google Meet.
Justificativa do projeto
1
NOGUEIRA, 2014, p.22-3.
2
A população estudantil negra ao chegar na escola, raramente não percebe o que nos fala Djamila
Ribeiro, em sua obra, Pequeno manual antirracista (2019) “O mundo apresentado na escola era o dos
brancos, no qual as culturas europeias eram vistas como superiores, o ideal a ser seguido. Eu reparava que
minhas colegas brancas não precisavam pensar o lugar social da branquitude, pois eram vistas como
normais: a errada era eu. Crianças negras não podem ignorar as violências cotidianas, enquanto as brancas
ao enxergarem o mundo a partir de seus lugares sociais – que é um lugar de privilégio – acabam
acreditando que esse é o único mundo possível. [...] (RIBEIRO, 2019, p.24).
autônoma mediante as incontáveis manifestações socioculturais possíveis a fim de que a
sociedade global se beneficie da formação desse indivíduo. Em uma só palavra, fazer
compreender que a educação é condição imprescindível na formação humana integral e,
que sob esta condição, a escola é um lugar de apreender, ensinar e exercitar esta
formação.
Entretanto, este acordo sobre o novo papel da escola só é possível quando os
atores escolares se sentem reconhecidos e acolhidos em suas identidades. Portanto, o
primeiro passo para a educação que visa a formação integral de seus(suas) estudantes é
lhes oportunizar vivências no processo de descoberta e redescoberta de si mesmos, a
concordar com Bell Hooks (2017), faz-se necessário propiciar aos/às estudantes
experiências capazes devolve-los/las a si mesmos (HOOKS, 2017, p. 31). Ou seja, que
se tornem indivíduos de autoconhecimento e sentimento de pertença à comunidade da
qual se originam e sentido potencialmente imbuídos das condições de somarem suas
habilidades junto aquelas de outros cidadãos/cidadãs em qualquer lugar que estiverem.
Diante disto, a proposta deste projeto busca propiciar estratégias de abordagem
pedagógica que fomente nos(as) estudantes – sobretudo os(as) educandos(as) negros e
negras – o conhecimento significativo para sua existência e participação na sociedade e
no mundo. Conhecimento este, em parte, fruto um processo de educação freiriana 3, em
outra parte, submetido a noção de “ancestralidade” em consonância com a cultura e
história africana no continente e afrodiaspórica.
Objetivo geral
Promover, por meio uma pratica didática afrocentrada, as bases identitárias que
compõem as formações socioculturais e de pertencimento ético-racial na escola, a fim
de contribuir para o reconhecimento e fortalecimento da noção de pertença à
comunidade negra local e de atitudes de respeito as identidades e diferenças
socioculturais das demais etnias.
Reconhecer e consolidar a noção de pertencimento étnico-racial dos atores
escolares.
Instrumentalizar material e metodologicamente o corpo docente, por meio de
3
Cf. FREIRE, 2019, p.113s.
práticas didáticas, quanto ao letramento afrocentrado.
Ampliar o acervo das escolas sobre a identidade étnico-racial.
Criar uma biblioteca com a temática africana e afro-brasileira.
Criar uma videoteca (física ou virtual) com a temática africana e afro-
brasileira.
Fomentar grupo de estudos a partir da filosofia africana sob a tríade temática,
a saber, Diáspora, Pan-africanismo e Negritude, inerente aos estudos
africanos e afro-brasileiros, buscando parceria com instituição de ensino
superior a fim de consolidar uma política de pós-graduação lato sensu
voltada à formação continuada dos/das educadores/educadores.
Produzir mediações didáticas afrocentradas a fim de que o conhecimento
escolar reconheça, valorize e prova o sentimento de pertença étnica dos(as)
estudantes.
4
Movimento cultural-filosófico que arrebatou filósofos, políticos, artistas europeus e estadunidenses no
período final da Modernidade.
5
Sobre este aspecto, Magnoli (2009) corrobora com a gênese biológica da conceituação do termo, porém
rompe com a perspectiva antropológica do termo. Pois, para ele, a substituição do termo “raça” para a
designação de “etnia” perpetua a dimensão classificatória, na visão do autor de Uma gota de sangue:
história do pensamento racial (2009).
muitas vezes entre indivíduos muito próximo ou mesmo aparentados pelo conceito de
raça existem mais diferenças do que semelhanças, se comparados a outros indivíduos de
lugares distantes no planeta e que deveriam ser de “raças” diferentes.
Falar de “raça” é extremamente importante. Apesar de o termo ser totalmente
infundado ou equívoco, no que condiz ao discurso científico relacionado ao
conhecimento provindo das ciências naturais, mediante a noção pseudocientífica dos
oitocentos, mas sobretudo na pseudociência do XIX. Importante, porque o termo “raça”
ainda vigora na mente e nas conversas como um fato inquestionável e real. Para o senso
comum, o conceito de “raça” descreve algo tão certo, verdadeiro e inequívoco, como o
conceito de “parede de tijolos” (ORUKA, 2003, p. 116).
A aparente lógica empregada pelo conceito de raça – da qual ainda o
pensamento racista busca se servir – infere que a partir de fenótipos 6 seria possível
estabelecer, com boas razões, o caráter do indivíduo e o destino dele na ordem social
determinada. Fatalmente, o abandono da discussão séria e criteriosa sobre esta temática,
na área da educação (formal e informal) enquanto formação do indivíduo humano,
parece apontar que a concepção de raça, também a ideia de etnia seriam apenas noções
do ponto de vista acadêmicos, longe disso chegar como conhecimento aos debates
comuns do cotidiano.
No entanto, a prática de ações afirmativas, tal como a obrigatoriedade do ensino
da História e Cultura africana e afro-brasileira nas escolas do país, as cotas para
concursos públicos, a legalização territorial das comunidades quilombolas, são
elementos e fatores educacionais que evidenciam que ideias e práticas (raça, etnia,
racismo, etc.) quando problematizadas e discutidas, podem (re)significar e mesmo
transformar a existência individual e coletiva. Com isso, torna-se possível abrir novos
horizontes e cearas interrelacionais, como demonstram os exemplos do Teatro
Experimental do Negro7, o Movimento Negro Unificado8 (MNU) e mais recentemente a
Coalização Negra por Direitos9.
6
Conjunto de características físicas de um indivíduo ou grupo étnico.
7
Companhia de teatro criada por Abdias do Nascimento, na qual pessoas negras das mais diversas
ocupações sociais, sem serem artistas profissionais, representavam peças dirigidas pelo idealizador do
grupo.
8
Fundado em 1978, como meio de luta pelo Povo Negro e em prol da liberdade, contra o poder
totalitário.
9
Conjunto das múltiplas organizações associadas que têm com o seu fim último, a promoção e
consolidação equidade cidadã da população negra no Brasil.
Pois haja visto que, se no passado, a acepção de raça negra que foi
sociologicamente ou antropologicamente encarada como determinação identitária
apenas com demérito, então agora cabe uma reconstrução conceitual e transvaloração
destes termos. Cabe enquadrar a postura, intencional ou não, em diminuir ou rechaçar o
sentimento de pertença dos negros e negras (DU BOIS, 1998. p. 42). Diante do senso
comum, a palavra que evoca a ideia de negro está longe de ser aceita com tranquilidade,
isto porque o passado sobre a identidade negra é mais desconhecido (se compõe de mais
ignorância) do que averiguado ou refletido. Deste modo, cabe um processo de inversão
de valores. Processo este que só pode frutificar por meio de uma educação libertária e
libertadora, em consonância com as palavras de Angela Davis (2017) quanto a
necessidade de “se levantar, unir-se e lutar pela paz, por empregos, pela igualdade e
pela liberdade!” (DAVIS, 2017, p.150). A fim de permitir a descoberta e redescoberta
da identidade e ancestralidade de cada um dos atores envolvidos.
Há mais de uma década, o Professor Doutor Jair Santana (2010) trouxe a público
especificidades dos fundamentos da prática docente no município de Araucária. Na
época, Santana era professor da rede municipal e buscava descobrir que tipo de
atividade os demais docentes desenvolviam à luz da Lei n. 10.639/2003. Sua pesquisa se
propunha produzir uma análise a partir do marco legal da lei, qual torna obrigatório o
ensino da Cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras. Concentrando em
estabelecer se havia no cotidiano escolar a implementação da lei, bem como se o modo
pelo qual, se inserida no processo escolar, contribuía com um processo de
aprendizagem/ensino antirracista, sobretudo na disciplina de Artes.
Diante disso, de modo resumido, se traz a seguir os fundamentos da mediação
constatada pelo referido pesquisador, onde se lê que:
Metodologia
10
Salvo os protocolos sobre a Pandemia de CONVID-19 permitirem a realização e aulas presenciais.
mediada) sobre os mesmos, tendo por meta (re)organizar a segunda mediação. Na
terceira e última fase da aplicação, efetiva-se uma segunda mediação pedagógica a
partir do que foi assumido na reflexão.
Produção de
Intervenção Apresentação
Intervenção Reflexão relato de
20h Práxis Pedagógica II do relato de
Pedagógica I 2h (FILME) 2h experiência
2h experiência
4h
REFERÊNCIAS
ADICHIE, Chimananda N. O perigo de uma história única. Trad. Julia Romeu. São
Paulo: Companhia das Letras, 2019.
DAVIS. Angela. Mulheres, cultura e política. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo:
Boitempo, 2017.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 45. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2019.
GIL, Antônio C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2008.
RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.