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Curso de formação política

CURSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA 2004

Realização

APOSTILA E PROGRAMA

Autoria:

Humberto Dantas (organizador e coordenador)


José Paulo Martins Jr.
Luiz Gustavo Serpa
Marcello Simão Branco
Sérgio Praça
Tatiana Braz Ribeiral

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Curso de formação política

PROGRAMA DAS AULAS

Aula 1: Democracia: da direta à participativa – Humberto Dantas


o Definição mais básica de democracia – a regra que permite que a decisão seja tomada
com base no conceito de maioria
o Definição de democracia direta – como funcionava o sistema na Grécia. As
particularidades com relação à participação e a forma do sistema
o Definição de democracia representativa – como surgiu o sistema ao redor do mundo
o A democracia moderna, a diferença baseada no conceito de sufrágio universal – o
diferencial do século XX
o Formas de participação que transcendem as eleições, a democracia semidireta. O
continuum entre as formas direta e representativa
o Os canais tradicionais de democracia participativa: o referendo, o plebiscito e a lei de
iniciativa popular. A utilização desses mecanismos no Brasil e no mundo
o A participação popular no processo Constituinte no Brasil
o Os canais alternativos de participação popular no Brasil: os conselhos gestores, o
orçamento participativo, a legislação participativa e a gestão participativa

Aula 2: Divisão dos poderes – Rafael Marinangelo


o Os autores clássicos da separação de poderes: Montesquieu e Federalistas
o A preocupação central dos pais fundadores da República Norte-Americana: os freios e
contrapesos
o A separação dos poderes em perspectiva comparada
o O Império brasileiro e o quarto poder: o poder moderador
o As relações entre os poderes no Brasil
o A fusão de poderes: poder legislativo do executivo.

Aula 3: Presidencialismo e parlamentarismo – Sérgio Praça


o Critérios para diferenciar
o A origem da legitimidade do Executivo
o A relação entre poderes e entre mandatos
o Os casos clássicos: o presidencialismo americano, o parlamentarismo inglês e o sistema
misto francês;
o Longevidade dos sistemas
o O Parlamentarismo é melhor? Induz a formação de maiorias (governos minoritários)? Gera
disciplina partidária? Gera governos fortes, que passam legislação?
o O Caso Brasileiro e a experiência parlamentarista
o O Presidencialismo de coalizão
o Os Plebiscitos de 1963 e 1993.

Aula 4: Federalismo - História e Atualidade – Marcello Branco


o Federalismo como forma de divisão do Estado e como visão global da sociedade
o Confederação, federalismo e unitarismo: semelhanças e diferenças
o Tipos de federalismo: aqueles que unem e aqueles que mantém unido

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o Federalismo e sua relação com a democracia e o nacionalismo


o Características de alguns países federais
o Breve cronologia histórica do federalismo brasileiro
o O federalismo brasileiro durante o regime militar
o O federalismo brasileiro a partir da redemocratização
o Federalismo e globalização: a ação independente dos governos subnacionais.

Aula 5: A Participação Política no Brasil – Tatiana Ribeiral


o História do voto no Brasil
o Voto dos analfabetos
o Voto censitário
o Voto feminimo, perspectiva comparada
o Retrospectiva dos excluídos do processo eleitoral até a Constituição de 1988
o O legado escravocrata
o A República e a política coronelista no Brasil
o O Estado Novo e a cidadania regulada
o Evolução dos direitos políticos no Brasil, a inserção por meio da lei
o Direitos civis, políticos e sociais no Brasil
o A criação da Justiça Eleitoral
o Lei e participação política no Brasil
o Casuísmos históricos e participação política reprimida
o Cidadania e redemocratização
o Desafios para inclusão política no Brasil.

Aula 6: Partidos políticos no Brasil – José Paulo Martins Jr.


o O surgimento do conceito de partido político
o O nascimento das primeiras organizações partidárias nos EUA e Inglaterra
o O Império e os primeiros partidos brasileiros
o O fim do Império e os partidos republicanos
o Os partidos estaduais na República Velha
o O período sem partidos do Estado Novo
o A democracia liberal de 45-64 e os primeiros partidos nacionais
o O golpe militar, o fim dos partidos da democracia de 45-64 e a instauração do bi-
partidarismo.
o A abertura militar e os novos partidos
o Situação atual dos partidos brasileiros.

Aula 7: Sistema Eleitoral – Humberto Dantas


o Fazer a exposição em perspectiva comparada, utilizando como exemplo uma série de países
ao redor do mundo
o Critérios para participação. Características e quantidade de eleitores e candidatos
o Cargos eletivos e principais características eleitorais
o Eleições majoritárias e eleições proporcionais – regras e critérios
o Utilização de exemplos empíricos para a contagem de votos e eleição de representantes
o O voto de legenda, o voto branco e o voto nulo
o As questões relacionadas aos vices e aos suplentes
o Funcionamento eleitoral – o dia das eleições e as principais regras.

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Aula 8: Sistema político e propostas de reformas – Tatiana Ribeiral


o As recentes alterações no sistema eleitoral: a verticalização e a participação do Poder
Judiciário
o As propostas existentes no Congresso Nacional
o As regras para a filiação partidária
o A alteração no tempo da TV
o A migração de prefeitos para outras cidades
o O financiamento público das campanhas eleitorais
o A lista fechada em perspectiva comparada
o O fim das coligações em eleições proporcionais
o A ampliação do segundo turno
o O aumento das chapas
o Qual a quantidade de espaço para a ampliação de um sistema inflado?

Aula 9: Pesquisas e comportamento eleitoral – José Paulo Martins Jr.


o As eleições no Brasil pós-1974
o As campanhas eleitorais no Brasil e o peso do contexto político
o A propaganda eleitoral e seu papel de reforço das convicções
o A importância da pesquisa de opinião pública para as estratégias eleitorais
o Os métodos quantitativo e qualitativo de pesquisa: suas diferenças e aplicações
o As diferentes formas de análise: uni-variada, bi-variada e multi-variada
o A importância das pesquisas de opinião pública para o avanço da ciência política
o Os estudo sobre o comportamento eleitoral: as abordagens sociológica, sócio-psicológica e
econômica do voto.
o O comportamento eleitoral do brasileiro.

Aula 10: Mídia, Marketing e política – Sérgio Praça


o Relações institucionais entre os campos
o Autonomia relativa do campo político
o Autonomia relativa do campo jornalístico
o Mídia e agenda pública: o agenda-setting
o Relações conjunturais: a mídia no momento eleitoral
o Debates políticos na TV
o Horário Eleitoral Gratuito
o Marketing político.

Aula 11: Democracia e Desenvolvimento Econômico – Wagner Mancuso


o A teoria da modernização e a discussão da relação entre democracia e desenvolvimento
econômico;
o A crise da idéia de modernização e a crise sócio-econômica da década de 80, a tentativa de
solução com o Consenso de Washington;
o A crise do Consenso de Washington e a discussão atual sobre democracia e
desenvolvimento;
o O Estado desenvolvimentista no Brasil;
o A crise do Estado desenvolvimentista no Brasil;
o Os problemas atuais enfrentados pelo Estado brasileiro no trato com a economia;
o Relação Estado-Mercado I, liberdade de ação política frente às restrições econômicas;

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o Relação Estado-Mercado II, a nova discussão sobre o papel do Estado na condução da


economia;
o Relação Estado-Mercado III, o papel da ética e do respeito à cidadania na ação dos agentes
econômicos privados.

Aula 12: Política internacional e o contexto da globalização – Marcello Branco


o O conceito de relações internacionais
o A Guerra Fria
o A globalização e a formação dos blocos econômicos
o A posição do Brasil no contexto globalizado
o A ALCA e a posição do Brasil
o O Mercosul e a posição do Brasil
o Noções de geopolítica

Aula 1 – A importância da conscientização política e a Democracia


Humberto Dantas

O trabalho que iniciamos a partir daqui tem um intuito muito especial. Além da formação política
suprapartidária e da concessão de instrumentos para os alunos estenderem seus conhecimentos
sobre o tema, objetivamos a criação de um corpo de multiplicadores. Esse contingente deve ter em
mente que as informações debatidas devem ser levadas adiante. Seja sob a forma de indicação, ou
seja, encaminhando outros cidadãos para que estejam aqui conosco, ou como emissários de nossas
discussões, levando nossos conceitos para seus lares, ambientes de trabalho e relações sociais.

Vivemos, infelizmente, em um país em que grande parte da sociedade enxerga a política com pouco
interesse. A informação não é debatida e alguns preconceitos afastam os cidadãos de algo
indispensável para nossa sobrevivência. O que temos que ter em mente é que em uma sociedade
como a que vivemos, o desinteresse e a falta de informação política são fatores que influenciam
diretamente a qualidade de nossas vidas. A política está presente em todas as nossas relações.
Fazemos política em casa, no trabalho, em nossos relacionamentos pessoais etc. O homem é um ser
que vive a política em todas as suas relações. A política, nesse sentido, pode ser entendida como um
jogo, onde concedemos e conquistamos espaços em busca de uma posição que nos beneficie, nos dê
segurança e, ao mesmo tempo, faça com que nossos pares também conquistem posições relevantes.

Voltar as costas para a política é virar-se contra os mecanismos que nos possibilitam escolher os
rumos que queremos para nossas vidas. Quando dizemos que não gostamos de política, ou que

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simplesmente não ligamos para ela, estamos na verdade abrindo mão de participar da administração
dos caminhos que nos dizem respeito. Além disso, quando nos desinteressamos por esse assunto,
estamos entregando nosso destino nas mãos de outras pessoas. É desse descuido que podem nascer
práticas como a corrupção, por exemplo. É por conta desse afastamento que muitos dos brasileiros
costumam enxergar, muitas vezes equivocadamente, os políticos de nosso país como ladrões,
corruptos, sujeitos que ganham dinheiro fácil e que trabalham pouco. Se nós, cidadãos interessados,
estivermos próximos desses representantes, a administração pública e o exercício dos mais diversos
mandatos se tornarão ainda mais transparentes e veremos como é trabalhoso administrar um
município, um estado ou um país. Desse modo, gostar de política, informar-se, entender e
acompanhar representa cuidar de nossas próprias vidas. A política pública é um exercício de
responsabilidade, e é por isso que chamamos de prática de CIDADANIA.

Normalmente quando nós, cientistas políticos, realizamos palestras ou aulas como essas nos
deparamos com duas afirmações bastante comuns. É a partir dessas afirmações que conduziremos
parte desse nosso encontro. A primeira diz respeito à participação obrigatória dos cidadãos
brasileiros nas eleições. É comum ouvirmos dizer que se o voto não fosse compulsório, boa parte da
população deixaria de comparecer às urnas. Algumas pesquisas realizadas no ano de 2002 mostram
que esse contingente chegaria a metade dos eleitores. Infelizmente, acreditamos que o voto é
entendido, antes de qualquer coisa, como uma obrigação porque ele não é interpretado pela
sociedade como um DIREITO. Isso acontece porque as pessoas não costumam enxergar, na prática,
as mudanças que o voto é capaz de produzir. Quando um sujeito escolhe, ele está dizendo quem
prefere para lhe representar na administração do país, do estado e do município. Isso é algo
fundamental. O representante é quem vai ocupar nosso lugar no poder enquanto tomamos conta de
nossos assuntos particulares. A despeito dessa delegação de poder, devemos buscar proximidade
com o poder, afinal de contas, o poder é constituído pela nossa vontade, pelo nosso desejo, pelo
nosso VOTO.

A outra afirmação que sempre surge é que os políticos são todos corruptos, são todos: “farinha do
mesmo saco”. Nós, cientistas políticos, chegamos mesmo a ouvir, em oportunidades como essas,
que somos representantes de algum partido político e estamos aqui para pedir voto para alguém.
Obviamente, cada um de nós, envolvidos nesse curso, tem suas preferências partidárias. Nas últimas
eleições existiram aqueles que votaram em um candidato, enquanto outros votaram em seus maiores
adversários. Essa divergência é natural, e faz parte do jogo democrático respeitar as opiniões

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alheias. Também é natural que debatamos a respeito do porque de nossas escolhas. É importante
lembrar que no Brasil costuma-se dizer que política não se discute. Infelizmente, esse é um dos
piores ditados criados no país. A política sem discussão perde uma de suas principais
características. Devemos respeitar a escolha de cada um, mas não devemos deixar de debater os
motivos que levam nossos amigos e familiares a dirigir suas escolhas. O debate ajuda a construir a
sociedade. O importante, no caso desse curso, é deixarmos claro, desde essa primeira aula, que
nosso objetivo não é construir um pensamento voltado para o ideal de algum partido existente no
país. Respeitamos todos os grupos existentes, e nosso maior compromisso será com a informação
suprapartidária, ou seja, desvinculada de bandeiras, números, siglas e figuras do meio político. Sem
deixar, no entanto, de utilizar exemplos empíricos e fatos do dia-dia o que certamente envolverá
nomes e partidos.

Voltando às duas indagações devemos tecer considerações sobre o voto obrigatório e sobre o
sentimento popular de que os políticos são todos corruptos.

O voto obrigatório. Para perguntas e afirmações dessa natureza a resposta é sempre a mesma: a
relação entre participação e obrigatoriedade não é tão automática quando se pensa. E a exposição do
cenário mundial nos mostra isso. Em países com a Itália, a África do Sul, Israel, Suécia e Espanha o
voto é opcional. Nem por isso os eleitores se abstêm desse direito, e mais de 80% do contingente
cadastrado comparece às urnas. Em contrapartida, em países como o Peru, o México, a Venezuela,
o Paraguai e a Guatemala, o exercício é obrigatório e menos de 60% dos cidadãos exercem seu
direito. No Brasil a média de participação é de 78,3% - superior a países desenvolvidos onde o voto
também é obrigatório, caso da Bélgica com 75,2%. Em outras nações onde esse direito é
compulsório os resultados são ainda mais elevados, são os casos do Uruguai, da Costa Rica, da
Grécia, da Austrália e do Chile com mais de 80% de comparecimento. Para não fugir da análise de
todas as situações possíveis, é importante lembrar que também é comum a ausência do eleitorado
em países em que não existe o caráter obrigatório. No Japão, na Suíça, no Canadá, na França (onde
os eleitores se assustaram recentemente) e nos Estados Unidos – países desenvolvidos -, a ausência
supera a casa dos quarenta pontos percentuais.

De acordo com os dados acima podemos supor que existem outros fatores que influem na
participação do eleitorado, além, simplesmente, da característica opcional ou obrigatória desse
direito. O que percebemos então é que o voto é uma questão de consciência, e a participação é um

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sinônimo do envolvimento da população no processo. Sob esse ponto de vista, poderíamos imaginar
que o atendimento ou a resposta dos representantes aos representados é o que estimula a crença da
sociedade no processo de escolha. Além disso, alterações nas vidas das pessoas, promovidas por
mudanças no partido que ocupa a situação, podem dar a idéia aos eleitores de que o processo
eleitoral promove transformações.

Assim, o cenário político de uma cidade, de um estado ou de um país depende dos cidadãos. A
representação é exercida mediante uma escolha. O sujeito quando vai às urnas prefere X ao invés de
Y, W ou Z. Além disso, a insatisfação ou a indignação em relação às opções disponíveis pode levar
o eleitor a recusar as alternativas, o que motiva o voto em branco ou nulo. Em qualquer um desses
casos o cidadão compareceu às urnas, avaliou as alternativas e escolheu. Esse sujeito tem todo o
direito de se queixar, de reclamar e de mostrar insatisfação com qualquer que seja o vencedor. Isso
porque, no momento da escolha, ele disse o que preferia, e recebe assim o direito “moral” de avaliar
a situação. Quando o sujeito não vota, ele está dizendo que os outros cidadãos podem responder por
ele. Que qualquer coisa que os outros resolvam está bom – ele é indiferente, e a apatia é o pior mau
da política. Dessa forma, a discussão sobre a obrigatoriedade do voto deixa de fazer sentido quando
entendemos o seu verdadeiro valor.

A corrupção na política. Deriva dessa questão o segundo tema que escolhemos para iniciar nossa
discussão. Se os políticos são todos iguais, e se envolvem com corrupção, como poderemos votar
tranqüilos? Não acreditamos nisso. Existem representantes que infringem os limites da ética, da lei
etc. Mas sabemos que outra parte significativa é responsável, e busca o melhor para a sociedade.
Independente de quem é bom e quem é ruim - e não é nossa tarefa procurar e apontar esses sujeitos
aqui - os políticos que nos representam são colocados onde estão por nós. Isso significa dizer que se
não estamos satisfeitos com a conduta dos sujeitos que nos representam, boa parte da culpa é nossa.

Lamentavelmente, no entanto, boa parte do eleitorado escolhe seus representantes pautada em


motivos pouco racionais: beleza, aparência, riqueza, boa postura, fama, promessas infundadas, troca
de favores etc. Essa atitude compromete todo o restante da sociedade. A importância da educação
política nesse caso é fundamental. Considerar todos os políticos como corruptos é considerar que
também trazemos dentro de nós um pouco dessa corrupção, ou no mínimo uma dose de
irresponsabilidade. Isso porque cada representante é um pedaço de nós. Que age por nós, afinal de
contas, a lógica da representação é exatamente essa: conceder a outro uma responsabilidade com a

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qual não podemos (ou queremos) arcar. Dessa forma: fiscalizar, acompanhar, cobrar, se informar e
escolher conscientemente faz parte de nossas obrigações conosco e, principalmente, com a
sociedade.

Findada essa introdução, discutiremos um pouco do conceito de democracia. O objetivo aqui é


traçar um caminho capaz de nos mostrar os verdadeiros significados do termo democracia no
mundo político. A tarefa não é das mais fáceis, pois inúmeras teorias apontam caminhos diferentes.
Dessa forma, o que para um autor pode significar democracia, para outro pode ser apenas parte do
que se entende como tal. A única certeza que temos é que a participação consciente e a
responsabilidade de cada eleitor são fundamentais para a plena concretização / entendimento do
termo. Dessa forma, o que dissemos anteriormente é indispensável à democracia. De acordo com o
cientista político italiano Norberto Bobbio, “a apatia é um dos grandes males, se não o maior, da
democracia”.

Popularmente, em nossa vida social, seja no trabalho, em casa ou entre nossos amigos, entendemos
democracia como o desejo da maioria. Isso é, quando queremos tomar uma decisão em conjunto
damos a oportunidade de todos os que estão presentes escolher uma alternativa. A opção mais
votada vence, e o grupo opta por aquele caminho. Essa é a visão mais simples que podemos ter do
termo democracia: o desejo da maioria, expresso em um momento de escolha. Se olharmos para a
sociedade em que vivemos será possível notar que as eleições simbolizam esse tipo de escolha. O
que são eleições se não um processo onde todos os cidadãos escolhem representantes, idéias,
programas ou projetos que julgam ser o melhor para uma cidade, um estado ou um país? A
democracia vista de forma simples é exatamente isso: a possibilidade que temos de escolher e
seguir a orientação daquilo que a maioria escolheu.

Antes de nos aprofundarmos mais nas definições necessárias ao entendimento do termo democracia
é importante destacar a questão da maioria. Quando fazemos uma escolha, devemos entender que
mesmo seguindo o caminho trilhado por uma idéia que pode ser diferente da nossa predileta,
devemos ter em mente a importância de respeitarmos as minorias, ou seja, a relevância de
respeitarmos aqueles que não se tornaram vencedores. Esse grupo tem duas alternativas: juntar-se
aos ganhadores ou compor o que chamamos de oposição. Em um mundo democrático não nos basta
seguir as orientações do vencedor, mas sim estabelecermos as regras que garantam a sobrevivência
das minorias, ou melhor, que respeitem a diversidade de opiniões. O debate, as discussões e a

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possibilidade de haver uma oposição – que também respeite as regras – é fundamental para a
sobrevivência de um regime democrático. Devemos ter em mente que a minoria de hoje pode se
tornar a maioria amanhã, e essa é uma das principais características da democracia: garantir a todos
a chance de expor suas idéias e convencer a sociedade, por meios previstos em lei, que sua idéia é
relevante e pode ser apoiada.

Esse é um dos motivos que nos leva a afirmar que a democracia é preferível em relação a qualquer
outro tipo de regime. A liberdade de expressão, a possibilidade de formar oposição e ser igualmente
respeitado, cultiva em nós cidadãos a crença de que sempre teremos a oportunidade de expressar a
nossa opinião sem sofrermos agressões. A possibilidade de nos expressarmos, e assim construirmos
um mundo democrático, não basta ser garantida na política. Devemos promover essa ação em
nossos lares, em nossos empregos e junto de nossos amigos. O debate, a discussão e o confronto
sadio de idéias são indispensáveis para o nosso desenvolvimento enquanto cidadãos.

Mas vamos voltar para a discussão a respeito da democracia. Nesse caso, vamos nos concentrar em
seu significado para o mundo político. Aprendemos na escola, e ouvimos até hoje, que a democracia
nasceu na Grécia Antiga, há cerca de vinte e cinco séculos atrás. Mas é importante mostrarmos
como o significado desse termo muda ao longo desse tempo. O que se considerou a primeira
experiência democrática é bastante diferente daquilo que entendemos por democracia atualmente.
Faremos aqui um breve histórico, e mostraremos como, ainda hoje, o nosso entendimento sobre o
que é democracia continua mudando.

A Grécia Clássica não era uma nação tal qual entendemos hoje. Era, na verdade, um conglomerado
de cidades, chamadas de cidades-estado. Uma dessas cidades, ou pólis (usando o termo em grego),
era Atenas. Essa talvez tenha sido a mais importante e destacada cidade da Grécia Antiga. É lá que
surgiu a experiência de democracia sobre a qual nos apoiamos hoje. Lá, os cidadãos discutiam os
assuntos públicos em uma praça (Ágora) e a maioria presente definia os rumos que seriam tomados
dali em diante. O grande detalhe é que nem todos os sujeitos que viviam em Atenas eram
considerados cidadãos, ou seja, nem todos tinham o direito de participar dessas reuniões públicas.

Os cidadãos atenienses eram homens, ou seja, as mulheres não tinham o direito de participar. Além
disso, os jovens também não tinham voz ativa, assim como os escravos – que compunham grande
parcela da população. Dessa forma, eram poucos os sujeitos que podiam discutir o futuro da vida

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pública. Ainda assim, a experiência é louvável, pois esse é o primeiro sistema que se tem notícia em
que existia uma possibilidade de debate. As decisões tomadas em praça pública não demandavam
representantes. Isso significa que o cidadão ateniense não escolhia um deputado, um senador ou um
vereador para lhe representar. As decisões eram tomadas por cada um dos cidadãos. Esse modelo de
democracia ficou conhecido como democracia direta, que representa uma forma de escolher /
administrar sem intermediários. Atualmente, a impossibilidade de implementação de um sistema
como esse é explicada, principalmente, por três razões: o enorme contingente de cidadãos existente
em um país, a extensão dos territórios nacionais e o tempo que seria gasto para se decidir algo.

A democracia representativa não pode ser entendida como uma resposta histórica às
impossibilidades geradas pela democracia direta, cuja experiência mais marcante e conhecida foi a
da Grécia Antiga. Isso porque a trajetória do conceito de democracia não é linear. No século XV, na
Suécia, foi criado um parlamento que dava a representantes do povo, da burguesia, do clero e da
nobreza voz num parlamento. Já no século XVII, funcionando com o intuito de limitar o poder
absolutista, a Europa experimentou uma série de experiências de separação dos poderes. Ocupando
lugar nos parlamentos estavam cidadãos eleitos para representar determinadas parcelas da
sociedade, na maioria das vezes as partes que tinham dinheiro ou propriedades. É dessa escolha que
nasce a idéia de democracia representativa, ou seja, o sujeito (eleitor) escolhe um representante para
ser sua voz no poder. Mas é interessante destacar que esse conceito nasceu ligado à posse. O
cidadão que tinha algo a perder, sob o ponto de vista econômico, tinha direito à escolha de
representantes, o restante era desprezado.

Iniciamos o século XX com a percepção de que não bastava mais pensarmos em representação de
determinadas classes no poder. A idéia de que deveria votar quem tinha algo a perder – sob o
aspecto econômico – foi deixada de lado. Passava a vigorar o sentimento de que todos os cidadãos
podiam contribuir para a construção do poder, e isso significa dizer que nenhum adulto deve ser
isentado do voto. Nasce a idéia do sufrágio universal (participação de todos). A mulher passa a
fazer parte da política, assim como os cidadãos das classes mais pobres. Atravessamos grande parte
do século XX sob a crença de que a forma representativa, desde que assegurada a liberdade de
participação de todos os cidadãos, era “ideal” para contemplarmos amplamente o conceito de
democracia.

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Após quase cem anos, chegamos ao fim do século XX acreditando na existência de uma crise dessa
forma representativa. Mas o que nos leva a esse tipo de percepção? Por uma série de motivos os
representantes já não conseguem mais identificar e atender todas as demandas da sociedade. As
exigências vêm se tornando mais complexas, e parece clara a necessidade de interatividade entre o
governo e a sociedade, ou seja, entre representantes e representados.

O conceito de democracia sofre então uma nova guinada em sua trajetória dinâmica. O sistema
representativo já não responde aos anseios da sociedade, mas a democracia direta parece inviável.
Como resultado, começa a se fortalecer o conceito de democracia participativa, com
características semidiretas, ou seja, não desconsidera os representantes, mas aproxima a sociedade
da arena decisória. De acordo com alguns teóricos, a democracia participativa passa a configurar-se
como um continuum entre a forma direta e a representativa. E cabe aos Estados Modernos criarem
mecanismos que viabilizem o estreitamento dessas relações.

Tais mecanismos podem ser divididos em dois grupos: os tradicionais e os alternativos. O primeiro
grupo está garantido, em parte ou integralmente, em quase todas as constituições democráticas do
mundo. São os referendos, os plebiscitos e as leis de iniciativa popular. Medidas inovadoras, no
entanto, surgiram e tornaram-se emblemáticas. O Brasil tornou-se um exemplo mundial no
desenvolvimento de ferramentas alternativas de participação com o Orçamento Participativo de
Porto Alegre (1989). A medida espalhou-se pelo país, e hoje centenas de governos – estaduais e
municipais – implementaram tais ferramentas em suas administrações. Em inúmeras localidades
também foram testadas, com sucesso, experiências de Gestão Participativa. Além de discutir os
investimentos, a sociedade passou a participar de reuniões que visavam democratizar o
gerenciamento de alguns serviços. Adicionalmente, centenas de Conselhos Gestores de Políticas
Públicas surgiram para discutir temas pontuais, dando aos governos diretrizes e idéias a respeito de
serviços específicos. Por fim, surgiram as Comissões de Legislação Participativa, uma iniciativa
inaugurada pela Câmara dos Deputados que, rapidamente, espalhou-se por dezenas de estados e
municípios. A idéia consiste em viabilizar a participação da sociedade nos trabalhos legislativos.

Outros países também se destacaram na criação de ferramentas dessa natureza. A Auditoria dos
Cidadãos sobre a Qualidade da Democracia, desenvolvida na Costa Rica, tem o intuito de medir
como a democracia funciona na vida cotidiana dos cidadãos e o que o governo pode fazer para
melhorar a qualidade do atendimento dos órgãos públicos; o Movimento Poder Cidadão na

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Argentina, onde a sociedade civil regula o funcionamento interno dos partidos, função antes
desenvolvida por agências estatais; a participação da comunidade na elaboração do orçamento
público na África do Sul, na Índia e em Israel; e a participação de entidades da sociedade civil no
processo constituinte da Tailândia em 1997.

O que todas essas experiências apontam é que a implementação de tais ferramentas demanda um
cuidadoso programa de educação política. Além disso, é importante destacar que a democracia não
é mais apenas um sinônimo de escolha, mas também de participação. Ao cidadão moderno já não
basta mais votar, ele tem que estar atento às ferramentas que o poder público coloca a sua
disposição para que lhe seja possível administrar parte daquilo que é seu. Se a sua cidade ou estado
não lhe concede canais de participação é hora de cobrar por isso também. A democracia, dinâmica e
inovadora, transcende o “simples” conceito de escolher, em um momento pontual, candidatos e
candidatas.

Bibliografia adicional
AVRITZER, Leonardo. “New Public Spheres in Brazil: Local Democracy and Deliberative Politics”. In.
www.democraciaparticipativa.org – 2001. No mesmo site existem outros trabalhos em português.
MONCLAIRE, Stéphane (coord.). A Constituição desejada. Brasília: Senado Federal - Centro Gráfico,
1991.
BENEVIDES, Maria Victória de M. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. São
Paulo: Editora Ática, 1991.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1986.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Combatendo a corrupção eleitoral - Tramitação do primeiro Projeto de
Lei de Iniciativa Popular aprovado pelo Congresso Nacional. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.
COMISSÃO PERMANENTE DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Cartilha. Brasília, 2001.
DAGNINO, Evelina (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: EDUSP, 1997.
DAHL, Robert. Sobre a democracia. Brasília: UNB, 2001.
DIAS, Márcia Ribeiro. Sob o signo da vontade popular: o orçamento participativo e o dilema da Câmara
Municipal de Porto Alegre. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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Curso de formação política

MUÇOUCAH, Paulo Sérgio de C. A participação popular no processo Constituinte. Caderno CEDEC 17,
São Paulo, 1991.
ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. “Relatório de Desenvolvimento Humano 2002”.
www.pnud.org.br – ONU – 2002.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
TEIXEIRA, Hélio Janny e SANTANA, Solange M. Remodelando a Gestão Pública. Ed. Edgard Blücher,
São Paulo, 1994.
TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Petrópolis: Vozes, 1996.
WHITAKER, Francisco, COELHO, João Gilberto, MICHILES, Carlos, VIEIRA FILHO, Ammanuel,
VEIGA, Maria da Glória, PRADO, Regina. Cidadão Constituinte: a saga das emendas populares. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1989.

Aula 2 – A Divisão dos Poderes: os freios e contrapesos


Humberto Dantas

A idéia de divisão dos poderes nasce da necessidade de se dividir o poder absoluto e concentrado. O
objetivo, nesse caso, é contrapor as idéias absolutistas, que justificavam a concentração dos poderes
nas mãos de um soberano. Nesses casos, a vontade do soberano se confundia com a vontade do
Estado, exemplificada pela célebre frase de Luis XIV: l’Etat c’est moi (O Estado sou eu). Esta
concentração de poderes levou às arbitrariedades e ao abuso. Com a ascensão da burguesia o seu
fim foi determinado.

A história da separação dos poderes é a história da evolução da limitação do poder político. Tal
limitação pode ser entendida como uma doutrina, e considerações a seu respeito são feitas desde a
Grécia e Roma antigas. Em sua obra Política, Aristóteles defende a idéia de constituição média, ou
governo médio, no qual o equilíbrio entre das classes sociais é o principal objetivo. Já em Roma, a
idéia de constituição mista é retomada, mas com uma pequena diferença. Enquanto no primeiro
todas as classes têm acesso a todos os órgãos constitucionais, no segundo é utilizado um modelo
onde cada classe tem acesso ao órgão constitucional que lhe é destinado.

Ao longo da história a idéia de limitação de poder é desenvolvida principalmente na Inglaterra. O


modelo inglês serviria de inspiração à grande parte das nações democráticas modernas, dando início

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Curso de formação política

ao que se entende por Estado de Direito ou Estado Constitucional – que tem como elemento
essencial a separação dos poderes.

Os principais teóricos da separação dos poderes foram o inglês Locke e o francês Montesquieu. O
primeiro acredita que “para que a lei seja imparcialmente aplicada é necessário que não sejam os
mesmos homens que a fazem, a aplica-la”, o que representa que os poderes Executivo e Legislativo
sejam separados. De acordo com o autor, o principal poder é o Legislativo e os demais devem estar
subordinados a ele. Locke ainda concebe um terceiro poder, atrelado ao Executivo, que é o Poder
Federativo. A incumbência desse é administrar o relacionamento com estrangeiros, com outras
comunidades, formar alianças e decidir sobre a guerra e a paz.

É Montesquieu, no entanto, o responsável pela inclusão expressa do poder de julgar dentre os


poderes fundamentais do Estado. Segundo o autor: “quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo
de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-
se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executa-las tiranicamente.
Também não haverá liberdade se o Poder de julgar não estiver separado do Legislativo e do
Executivo. Se estivesse junto do Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria
arbitrário: pois o juiz seria o legislador. Se estivesse junto do Executivo, o juiz poderia ter a força de
um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou mesmo um corpo de principais ou
nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis (Legislativo); o de executar as
resoluções públicas (Executivo); e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares
(Judiciário)”.

Entretanto, é o temor dos americanos à tirania do legislativo – fortificado nas teorias vistas
anteriormente – que inspirou os federalistas (Madison, Hamilton e Jay) a construir um modelo de
separação de poderes que limitasse a força do Legislativo, equilibrando mais os poderes e
fortalecendo o poder Executivo. Nesse caso, os autores destacam: “para manter a separação dos
poderes, que todos assentam ser essencial à manutenção da liberdade, é de toda necessidade que
cada um deles tenha uma vontade própria; e, por conseqüência, que seja organizado de tal modo que
aqueles que o exercitam tenham a menor influência possível na nomeação dos depositários dos
outros poderes”.

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Curso de formação política

Para os federalistas, a “desgraçada” supremacia do Poder Legislativo requer mecanismos de


equilíbrio, ou seja, um balanceamento no peso dos poderes. O Poder Legislativo deve ser dividido –
o que justifica a existência de duas casas (Senado e Câmara, por exemplo) – e o Executivo
fortificado. O veto é um dos principais exemplos dessa fortificação, senso possível ao Executivo
barrar decisões do Legislativo.

Foi também nos Estados Unidos que se concebeu força equilibrada ao Poder Judiciário. É a partir
de 1803 que passa a competir a esse Poder dizer o que é lei, ou seja, passa a competência desse
definir se os atos do Legislativo estão em conformidade com a Constituição – e podem ser
considerados leis – ou não. Afirmou-se assim o poder daquela corte para a declaração de
inconstitucionalidade de um ato legislativo, principiando o sistema de controle de
constitucionalidade.

Interessante notar que a partir de 1789 a separação dos poderes passa a ser considerada fundamental
em qualquer constituição. O artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão diz que
não há constituição em uma sociedade na qual a garantia dos direitos e a divisão dos poderes não
estejam asseguradas. Dessa forma, a separação dos poderes, enquanto técnica para a limitação do
poder é posta em prática nas Revoluções Liberais Burguesas dos séculos XVII e XVIII: Revolução
Gloriosa, na Inglaterra 1688/89, Independência Norte-Americana, em 1776, e Revolução Francesa,
1789 – em resposta aos abusos da concentração de poderes nas mãos do soberano, típica do
absolutismo da Idade Moderna.

O caso Brasileiro
A Carta Imperial de 1824 utilizava-se do princípio constitucional indispensável da divisão dos
poderes. O documento, no entanto, dividia os poderes da nação em quatro. Adicionou-se à clássica
tripartição o Poder Moderador, que conferia ao Imperador (chefe do Poder Executivo) o direito de
manter a independência, o equilíbrio e a harmonia dos demais poderes. Naturalmente, sua existência
desequilibrava por completo a relação entre os poderes.

Findado o Império, a primeira Constituição republicada do Brasil consagrou a tradicional tripartição


dos poderes, adotando o presidencialismo norte-americano no lugar da monarquia. Salvo alguns
pormenores de rigor jurídico, as demais constituições brasileiras surgidas até 1937 não alteraram de
forma significativa a clássica divisão de poderes.

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Curso de formação política

Foi durante o governo Getúlio Vargas que experimentamos um novo desequilíbrio entre os poderes.
A Constituição de 1937 indica o presidente como autoridade suprema, estando em suas mãos o
direito de dissolver a Câmara dos Deputados em caso de não aprovação por aquele órgão de
medidas tomadas durante o estado de guerra ou emergência. A decisão do Judiciário de tornar
inconstitucional uma lei também foi enfraquecida, podendo o presidente solicitar o apoio do
parlamento para derrubar eventuais decisões contrárias dos juizes. Por fim, o Senado foi substituído
por um conselho de representantes estaduais e membros nomeados pelo presidente.

A retomada do modelo democrático em 1946 marca o reencontro com os preceitos constitucionais


da separação dos poderes. É importante registrar, no entanto, que a Constituição de 1967 introduziu
o instituto do decreto-lei, que conferiu competência legislativa plena ao chefe do Poder Executivo.

A Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã, não inova ao enunciar a separação dos
poderes, reafirmando necessidade de independência e harmonia entre eles. Entretanto, alguns
detalhes fortalecem a inter-relação dos poderes: a possibilidade de edição de medidas provisórias
por parte do Executivo, o que lhe confere características legislativas; a concentração exagerada de
matérias reservadas ao legislativo federal, por força da repartição vertical entre União, estados e
municípios; e o reforço do Poder Judiciário e do Ministério Público na tutela dos interesses das mais
diferentes naturezas.

O sistema de freios e contrapesos (check and balances)


Não podemos, no entanto, falar em divisão de poderes sem entender o que significa o sistema de
freios e contrapesos (check and balances). O balance surge na Inglaterra a partir da ação da Câmara
dos Lordes (nobreza e clero) equilibrando os projetos de leis oriundos da Câmara dos Comuns
(povo), a fim de evitar que leis demagogas, ou formuladas pelo impulso momentâneo de pressões
populares, fossem aprovadas. Nesse caso, o objetivo implícito era conter o povo. Montesquieu, no
entanto, defende a existência de duas Câmaras, mas lembra que ambas devem ter o direito de frear
os impulsos advindos da outra. Dessa forma, adaptando para o caso brasileiro, o Senado tem o
direito de apreciar as matérias da Câmara, e vice-versa.

Na evolução do modelo político inglês podem ser identificadas outras duas formas de freios e
contrapesos: o veto e o impeachment. O primeiro representa o direito do Executivo de impedir

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Curso de formação política

algumas decisões do Legislativo. O segundo é o mecanismo jurídico que permite o controle do


Legislativo sobre os atos do Executivo, lembrando que Fernando Collor de Mello foi o primeiro
caso de impeachment no mundo. Em ambos os casos não há sobreposição de funções, apenas
controle de um poder sobre o outro. O conceito de check surge nos Estados Unidos relacionado ao
controle do Judiciário sobre os outros poderes, limitando a ação pelo julgamento da
constitucionalidade das ações, como já discutimos.

A idéia de controle na Constituição de 1988 está prevista na relação entre todos os poderes. Os
controles podem ser divididos em controle de: cooperação – quando há co-participação obrigatória
de um Poder no exercício da função do outro; consentimento; fiscalização – quando há vigilância,
exame e/ou sindicância; e correção – quando o objetivo é exercer uma função tendo em vista sustar
ou desfazer atos praticados pelo outro Poder. Vale ressaltar que de acordo com a Constituição
brasileira todos os poderes exercem controle sobre os demais em funções específicas delimitadas
legalmente.

Diante do que apresentamos é importante destacarmos a importância da separação dos poderes,


como forma de garantir o funcionamento da nação dentro dos parâmetros de um Estado de Direito.
Além disso, com o intuito de frear ações impulsivas, é necessário destacar a função dos mecanismos
de interação entre esses poderes. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário têm funções específicas,
mas em todos os casos a influência dos demais é indispensável ao pleno funcionamento nacional.

- Texto baseado no artigo de Maurílio Maldonado, publicado em Revista Jurídica da


Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. MALDONADO, Maurílio. Separação dos Poderes
e Sistema de Freios e Contrapesos: desenvolvimento no Estado brasileiro. In. Revista Jurídica “9 de
Julho”, número 2, 2003, Procuradoria da Assembléia Legislativa do Estado e São Paulo.

Bibliografia adicional
ARISTÓTELES. Política. Brasília, Ed. UNB, 1993.
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo, Vozes, 1987.
MADISON & HAMILTON & JAY. Os federalistas. Brasília, Ed. UNB, 1989.
MARTINS, Ives Granda da Silva. A separação de poderes no Brasil. Brasília, PrND, 1985.
METTENHEIM, Kurt Eberhart Von. A presidência brasileira e a separação dos poderes. São Paulo,
EAESP/FGV/NPP, 2001.

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Curso de formação política

MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo, Nova Cultural, 1994


PÁDUA, Marcílio. Defensor Pacis. Lisboa, Edições 77, 1993.
SALDANHA, Nelson. O estado moderno e a separação de poderes. São Paulo, Saraiva, 1987.
SILVA, Jorge Araken Faria da. Poderes de estado: funções atuação e relacionamento. Brasília,
Senado Federal, 1983.
SUORDEM, Fernando Paulo da Silva. O princípio da separação dos poderes e os novos
movimentos sociais: a administração pública no estado moderno entre as exigências da liberdade e
organização. Coimbra, Almedina, 1995.
VIANNA, Luiz Werneck (org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte, Ed.
UFMG, 2002.

Aula 3 - Parlamentarismo e Presidencialismo: sistemas de governo


Sérgio Praça

Presidencialismo e parlamentarismo são sistemas de governo. Fundamentalmente, são as duas


maneiras como as democracias modernas podem se organizar politicamente. A relação Executivo-
Legislativo é o principal fator que diferencia os dois sistemas. Dez anos depois da realização do
plebiscito que colocou o assunto à frente das discussões da ciência política, e quarenta após o
primeiro plebiscito nacional sobre o tema, o debate “parlamentarismo vs. presidencialismo”
continua pertinente para o caso brasileiro. Nosso presidencialismo sobreviveu. Democracias
parlamentaristas ainda são o sistema de governo de boa parte da população mundial. Quais
características diferenciam esses sistemas? Um funciona melhor do que o outro?

De acordo com classificação realizada por um grupo de cientistas políticos em 2000, as


democracias do mundo entre 1950-1990 estão divididas em três tipos: presidencialistas (44
regimes), parlamentaristas (54 regimes) e mistas (9 regimes). Ditaduras não são regimes
presidencialistas. Apenas as democracias foram consideradas. Entre 1946 e 1999, de acordo com os
mesmos estudiosos, 1 em cada 23 regimes presidencialistas se tornou uma ditadura, enquanto
apenas 1 em cada 58 regimes parlamentaristas sofreu o mesmo destino. Assim, democracias
presidencialistas têm uma expectativa de vida menor do que as parlamentaristas. Elencar as
características institucionais que diferenciam um regime do outro, a fim de obter explicações para
essa discrepância de longevidades, têm sido o objetivo de cientistas políticos principalmente

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Curso de formação política

durante a década de 90. Embora nenhuma resposta categórica tenha sido encontrada, a discussão
tem sido academicamente frutífera.

É importante levar em conta, antes de qualquer coisa, a limitação da divisão entre regimes
parlamentaristas e presidencialistas. Além da existência de sistemas mistos (ex: França, Portugal,
Finlândia etc.), há diferenças substanciais entre regimes com instituições aparentemente idênticas.
Por exemplo: Brasil e Estados Unidos são ambos países presidencialistas. No entanto, o presidente
norte-americano não pode indicar o ministro da Fazenda sem que seu nome seja aprovado pelo
Senado, enquanto o presidente brasileiro pode escolher livremente seu gabinete. Mas a relativa
simplificação que segue pretende apenas apresentar o leitor às três diferenças básicas entre
parlamentarismo e presidencialismo e a alguns aspectos referentes ao Brasil. Antes das diferenças,
algumas observações sobre um tipo intermediário de sistema.

O semi-presidencialismo
Vigente em países como França, Finlândia e Portugal, o semi-presidencialismo tem três
características básicas: a) o presidente é eleito por toda a população; b) o presidente tem poderes
consideráveis (por exemplo: dissolver o parlamento); c) o primeiro-ministro e gabinete têm poderes
executivos e só podem ficar nos cargos se o parlamento não se opuser a eles (ou seja, dependem da
confiança do parlamento. Isso significa que o parlamento pode tirar o ministério.)

Mas há um perigo: o presidente pode não ter maioria parlamentar. Assim, o primeiro-ministro pode
ser oposição ao presidente. Isso aconteceu na França entre 1986-1988, 1993-1995 e 1997-2002. Nas
duas ocasiões, o presidente era François Miterrand, da esquerda. E o primeiro-ministro pertencia à
direita. Em 1995, Jacques Chirac, da direita, foi eleito presidente. Até as eleições legislativas de 97,
o primeiro-ministro pertencia ao mesmo partido que ele. Mas em 97 a esquerda conseguiu maioria
no parlamento e apontou como primeiro-ministro o socialista Lionel Jospin. De 1958 até 2002, o
mandato do presidente era 7 anos. A partir do ano passado, tornou-se 5 anos.

Vejamos agora as três principais diferenças entre regimes parlamentaristas e presidencialistas:

No parlamentarismo, o Executivo depende da confiança do Legislativo. No presidencialismo,


o Executivo é independente do Legislativo. Enquanto no sistema presidencialista impera o
princípio republicano de separação de poderes, no parlamentarismo ocorre a fusão entre dois

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Curso de formação política

poderes: o Executivo e o Legislativo. Nos dois sistemas, o Judiciário é independente dos demais. O
que significa depender da confiança do Legislativo? Significa que, no parlamentarismo, o Executivo
tem necessariamente maioria no Legislativo (eleita ou formada por coalizões) – senão pode ser
derrubado através de uma moção de censura. Ou seja: a maioria dos deputados concorda, ao menos
tacitamente, com a figura do primeiro-ministro. O mesmo não ocorre no presidencialismo. Nos
Estados Unidos, por exemplo, onde os dois principais partidos são o de republicanos e os
democratas, é muito comum o presidente pertencer ao partido republicano e o Congresso ser
formado por uma maioria democrata. É o “governo dividido”.

Dessa diferença decorre algo que pode ser visto como uma vantagem do sistema presidencialista: o
incentivo à estabilidade. Salvo raríssimas exceções, o presidente não pode ser derrubado pelo
parlamento. Seu mandato é fixo, assim como os dos deputados. Na França, onde há um regime
misto (alguns autores chamam de semi-presidencialista, outros de semi-parlamentarista...), foram
formados 29 governos diferentes entre 1946 e 1958, período que englobou a 4a República Francesa.
Por outro lado, há quem considere o mandato fixo uma “rigidez excessiva”, a qual não permite que
um Executivo possivelmente aquém dos desafios delegados a ele pela população, e que se torna
impopular, seja rapidamente substituído.

No parlamentarismo, o chefe do Executivo é escolhido pelo Legislativo. No presidencialismo, o


chefe do Executivo é eleito diretamente pelo povo. Como é escolhido um primeiro-ministro
(chefe do Executivo em regimes parlamentaristas)? Existe alguma variação entre os diversos países
que adotam o parlamentarismo, mas é sempre a composição do Legislativo que determina quem é o
primeiro-ministro. Na Inglaterra, onde é adotado um sistema bipartidário, o primeiro-ministro é o
líder do partido mais votado nas eleições. Ele é apontado formalmente pelo rei ou rainha e seu nome
é ratificado pelo parlamento – daí o termo “parlamentarismo monárquico”. No presidencialismo, a
escolha do chefe do Executivo é mais pessoal. A população vota diretamente em candidatos que, às
vezes, possuem fracos vínculos partidários – no Brasil, dois exemplos clássicos são Jânio Quadros
(PTN) e Fernando Collor de Mello (PRN).

Nos Estados Unidos, o povo vota diretamente em delegados partidários que compõem o colégio
eleitoral do país. Para ser declarado presidente, o candidato precisa somar 270 dos 538 votos de
delegados no colégio eleitoral. Como a legislação que rege essa eleição é estadual, as regras para a
escolha de delegados variam de um estado para o outro, mas, em geral, seguem o seguinte critério:

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Curso de formação política

cada partido indica um número de delegados proporcional às bancadas de deputados e senadores do


estado.

No parlamentarismo, o gabinete do Executivo é colegiado. No presidencialismo, o Executivo é


unipessoal (presidente). Essa diferença é um pouco polêmica. Pressupõe-se o seguinte. Em
regimes parlamentaristas, o primeiro-ministro não é chefe dos outros ministros. Precisa consultá-los
antes de tomar decisões importantes. (Novamente, existem variações de grau entre os diversos
países que adotam o sistema parlamentarista.) Ao contrário, em regimes presidencialistas, o
presidente é quem importa de fato. As decisões dos outros ministros são subordinadas a ele, que as
aprova ou não. Os ministros atuam como agentes do presidente. É, portanto, um sistema muito mais
centralizado do que o parlamentarista.

Esse ponto pode ser usado como argumento contra o presidencialismo. Por ser um sistema no qual
“o vencedor leva tudo” (ou seja, o presidente e seu partido ganham todos os cargos do Executivo
nas eleições), é considerado menos inclusivo do que o parlamentarismo, sistema no qual coalizões
de governo seriam indispensáveis para a formação de uma maioria no Legislativo (exceto quando o
sistema é bipartidário). Porém, a lógica não é tão simples. Em países presidencialistas nos quais
existem mais de dois partidos (como o Brasil), coalizões de governo são praticamente
indispensáveis. O presidente distribui ministérios para os partidos mais propensos a lhe apoiar no
Legislativo.

Como se vê, as mesmas diferenças institucionais entre os sistemas podem ser vistas como vantagens
e desvantagens tanto do presidencialismo quanto do parlamentarismo.

A experiência brasileira
Na monarquia, tínhamos um regime parlamentarista, mas o Imperador dispunha do "Poder
Moderador", o que lhe permitia até nomear primeiros ministros que não dispusessem do apoio da
maioria parlamentar. Era o chamado “parlamentarismo às avessas”.

O parlamentarismo que vigorou no Brasil de setembro de 1961 a janeiro de 1963 foi uma
experiência sem igual em nossa democracia. Foi estabelecido para resolver o impasse político
criado pelos ministros militares que, com a renúncia de Jânio Quadros (PTN), em agosto de 1961,
tentaram impedir a posse do vice-presidente, João Goulart (PTB). Alegavam que suas vinculações
políticas com os sindicatos e grupos de esquerda colocavam em risco a segurança do Brasil.

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Curso de formação política

Primeiramente, os ministros militares tentaram obter o apoio do Congresso para o seu veto.
Queriam que fosse votado o impeachment de Goulart por “razões de segurança nacional”. Mas os
partidos não concordaram com esse golpe. Os grupos nacionalistas, sob a liderança de Leonel
Brizola (então governador do Rio Grande do Sul), formaram a Cadeia da Legalidade, com o
objetivo de garantir a posse de Goulart. Com a grande maioria contra o veto à posse de Goulart, o
Congresso articulou uma solução temporária para a crise: a implementação do parlamentarismo.
Temporária porque a mudança de regime teria de ser submetida a um plebiscito (um referendo, na
verdade) nove meses antes do fim do mandato de Goulart, em março de 1965. Porém, foi
antecipado para janeiro de 1963.

No período de 16 meses que durou o parlamentarismo, foram formados três gabinetes. O primeiro,
de setembro de 1961 a junho de 1962, teve Tancredo Neves como primeiro-ministro. O segundo
gabinete, que durou de julho a setembro de 1962, foi comandado pelo ministro Brochado da Rocha.
O último gabinete teve como primeiro-ministro Hermes Lima.

Apenas o primeiro gabinete consistiu em uma tentativa de estabelecer um governo parlamentarista


propriamente dito. Os outros dois funcionaram sob a liderança do presidente Goulart e tiveram
como prioridade o restabelecimento do presidencialismo - sacramentado pela consulta popular feita
em 6 de janeiro de 1963. O resultado final, com 40% de abstenção, foi: 9.457.448 eleitores a favor
do presidencialismo, 2.073.582 contra. Ou seja, 76,9% do eleitorado respondeu não à emenda
constitucional que criou o parlamentarismo em 1961.

Durante a Assembléia Constituinte no fim da década de 80, houve um grande debate a respeito do
regime político a ser instalado na Constituição. Em março de 88, houve a votação final. O
presidencialismo teve 344 votos e o parlamentarismo 212 votos. Mas ficou decidido também que a
decisão final sobre o sistema de governo brasileiro seria decidida em um plebiscito, a ser realizado
cinco anos depois, em 1993. Novamente, venceu o presidencialismo: 37.156.884 a favor (55,45%) e
16.518.028 (24,65%) eleitores contra o presidencialismo.

Bibliografia adicional
CHEIBUB, J. A. & LIMONGI, F. “Democratic Institutions and Regime Survival: Parliamentary
and Presidential Democracies Reconsidered”. Mimeo, s.d.
HUBER, J. Rationalizing Parliament. Cambridge University Press, 1996.
LAMOUNIER, B. (org.) A opção parlamentarista. IDESP/Sumaré, 1991.

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Curso de formação política

PRZEWORSKI, A., ALVAREZ, M. CHEIBUB, J. A. & LIMONGI, F. Democracy and


Development: Political Institutions and Well Being in the World, 1950-1990. Cambridge
University Press, 2000.
SHUGART, M. & CAREY, J. Presidents and Assemblies: Constitutional Design and Electoral
Dynamics. Cambridge University Press, 1992.

Aula 4 - Uma Introdução ao Federalismo e o Caso Brasileiro


Marcello Simão Branco

É possível distinguir duas maneiras diferentes e complementares de se entender o federalismo. Numa


acepção mais imediata, o identificamos com seu lado institucional, dividindo internamente o território de
um país (em estados, por exemplo), para permitir uma convivência mais pacífica e funcional. Mas há
também a acepção do federalismo como uma forma de visão global da sociedade.

Se o primeiro aspecto não é controvertido porque se baseia na teoria do Estado federal, ele não deixa de
ser redutivo. Pois, de um lado, o conhecimento do Estado não é completo, se não se levam em
consideração as características da sociedade, que permitem manter e fazer funcionar as instituições
políticas. Portanto, se o Estado federal é aquele dotado de certas peculiaridades próprias, que o tornam
diferente de outros tipos de Estado, devemos entender que os comportamentos daqueles que vivem neste
tipo de organização política, tenham também um caráter federal. Assim, é possível identificar o
comportamento federalista na Europa, durante os séculos XVIII, XIX e começo do XX, como uma forma
de se contrapor a Estados absolutistas e autoritários. Juntamente com o socialismo e o liberalismo, o
federalismo também foi um movimento sócio-político de relevo que ajudou a modificar a estrutura de
vários estados nacionais daquela época até hoje.

Já do ponto de vista institucional, é importante observar que as teorias e práticas federais foram ganhando
espaço em contraponto com outra organização descentralizada de poder, o confederacionismo. Isso
aconteceu principalmente em decorrência da dificuldade de estabilizar uma unidade territorial num
contexto de subunidades territoriais soberanas, ligadas por vínculos muito tênues.

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Curso de formação política

Assim, temos nas confederações estados independentes que se unem em torno de alguns objetivos em
comum para uma forma centralizada de poder, sem que percam, contudo, sua independência como
entidades políticas soberanas. Já com o federalismo, podemos ter Estados que também se unem em torno
de um centro de poder comum, mas aí eles abdicam de sua soberania, que passa a ser do novo Estado
federal que os reúne.

Outro aspecto relevante é que nas confederações a esfera de poder central se estende até às suas unidades
constituintes. Já no federalismo, a esfera do poder central se estende duplamente, para seus entes
constituintes e os cidadãos que os contém. Em outras palavras, em uma confederação o governo central só
se relaciona com Estados, cuja soberania permanece intacta, em uma Federação esta ação se estende aos
indivíduos, fazendo com que convivam dois entes estatais de estatura diversa, com a órbita de ação dos
Estados definida pela Constituição da União.

É importante também distinguir duas tendências de formação do federalismo. Uma onde o propósito é
“unir” e outra cujo objetivo é “manter unido”. O caso norte-americano se encaixaria no primeiro exemplo
e o brasileiro no segundo. No primeiro caso ocorre um ‘pacto federativo’, no qual unidades até então
soberanas, fazem uma intersecção de suas soberanias em um novo arranjo político que as centraliza em
uma única. Já no caso de dividir internamente o Estado, o objetivo é conceder autonomia às partes
constituintes. Este segundo caso tem sido aplicado com relativo êxito em países com problemas de
nacionalismo e diferenciação étnica e lingüística acentuada como, por exemplo, a Índia e mais
recentemente a Bélgica.

O mérito mais claro do federalismo está no campo das relações de organização e distribuição do poder,
mais do que em uma eventual eficácia econômica-administrativa. Existindo apenas dentro de um regime
político democrático, ele é o meio de organização territorial mais apropriado para garantir estabilidade e
legitimidade política aos governos dos Estados nacionais cujas sociedades são marcadas por grande
heterogeneidade de base territorial, cultural, lingüística, étnica ou religiosa. Seja um país muito extenso
territorialmente e/ou com grande diversidade étnica-linguística, a forma federada de divisão do poder
acomoda as tensões, reconhece e protege as diferenças e promove objetivos de convivência comum.

Em termos contemporâneos, contudo, temos visto com mais freqüência um Estado federal contrapor-se a
um Estado unitário, como meio de organização político-territorial nos mais diversos países. Em verdade, o
federalismo é pouco freqüente como forma de organização jurídico-administrativa. É limitado o número

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Curso de formação política

de países no mundo que são considerados federais: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Áustria, Suíça,
Alemanha, Argentina, Brasil, México, Venezuela, Rússia, Índia, Nigéria, Paquistão e Malásia são os mais
habitualmente considerados. Entre eles, é possível separá-los entre os que têm um regime federativo sob
um regime democrático de longa data (América Anglo-Saxônica e países da Europa Ocidental), os da
América Latina, Ásia e África, marcados pelo subdesenvolvimento e seguidas rupturas institucionais ao
longo de suas histórias, e os do leste europeu, ex-socialistas. Outro aspecto digno de nota é que, entre os
países federais, encontram-se, em sua maioria, aqueles de maior extensão territorial do mundo – como a
Rússia, Canadá, Estados Unidos, Brasil, Austrália e Índia. Chama a atenção a exceção da China. Mas ela
pode ser explicada por uma razão básica: ela não é democrática, ao contrário dos outros países citados.

Brasil
O federalismo no Brasil foi adotado a partir da proclamação da República. Teve o objetivo de “manter
unido” o nosso vasto território, numa reivindicação que já existia com força desde o período monárquico.
República, abolicionismo e federalismo foram as três bandeiras políticas mais importantes durante o
século XIX.

Mas, como já ressaltado, um federalismo pleno só se efetiva sob um regime democrático. E as seguidas
rupturas institucionais que o país viveu durante o século passado tornariam difícil uma análise do
federalismo brasileiro, se nos detivéssemos em um modelo teórico idealizado. Assim, é possível entender
os diferentes momentos do federalismo brasileiro dentro de uma lógica gradualista, que leve em conta
momentos mais centralizados e outros mais descentralizados, do ponto de vista político, administrativo e
fiscal.

Durante os primeiros 30 anos da chamada República Velha havia poucos canais constitucionais de
comunicação entre as esferas de poder federal e estadual. A União e os estados ficavam isolados uns dos
outros politicamente. Apesar disso, o sistema fiscal era relativamente descentralizado, embora os recursos
da União fossem distribuídos de maneira desigual para os estados.

Este caráter de isolamento termina com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930. Mas não com
uma relação de complementaridade e sim de tutela, visto que o regime político não era democrático. Em
1932 acontece uma reforma eleitoral que aumenta a representação política dos estados menores em

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Curso de formação política

relação aos mais populosos, criando um dos problemas centrais do sistema eleitoral e do federalismo
brasileiro: a super-representação dos menores Estados no Congresso Nacional. Neste período o governo
federal passa a regular as relações fiscais externas e entre os estados. Ao negar às oligarquias regionais o
direito de decidir sobre um dos mais importantes aspectos de sua vida econômica, o governo pavimentou
o caminho para a industrialização, por meio da uniformização das regras fiscais.

Esta tendência centralizadora mudou parcialmente com a redemocratização de 1945, quando foi adotada
uma nova Constituição no ano seguinte. Os recursos para os municípios foram ampliados, com o objetivo
de diminuir sua dependência dos Estados. Essa constituição foi, ao mesmo tempo, centralizadora a favor
do governo federal e localista, porque transferiu vários impostos estaduais para os municípios e por fazer
com que os estados passassem a transferir parte de seus impostos para os municípios.

Já em 1964 tivemos o golpe militar que instaurou a mais fechada ditadura da história brasileira. Em termos
estritamente políticos, é possível afirmar que ao menos até 1974, o federalismo deixou de existir no país.
O grau de centralização política e fiscal foi imenso, numa forma de garantir a sobrevivência do regime e
arrecadar recursos financeiros para a União. Em um segundo momento, a centralização política diminui
um pouco, para se livrar de lideranças políticas conservadoras, que não serviam mais aos propósitos do
regime - que agora procurava gradualmente cooptar lideranças políticas mais moderadas. Isso teve efeitos
fiscais e administrativos, com a União repassando mais recursos para os estados e os municípios através de
fundos de participação e impostos sobre circulação de mercadorias.

Com a redemocratização de 1985 e a promulgação da nova Constituição de 1988, o federalismo emerge


novamente com força, do ponto de vista social, político e fiscal. Vários impostos federais foram
transferidos para os estados, aumentando suas bases tributárias, em especial a do seu principal imposto, o
ICMS. A segunda forma de aumento das receitas sub-nacionais se deu pelo incremento do porcentual das
transferências dos impostos federais que constituem os fundos de participação. A esta descentralização
fiscal, manteve-se a tradição de reter grande parte do monopólio legislativo na esfera federal, limitando a
capacidade dos estados de adotarem políticas próprias. Um problema que permanece é o da super-
representação dos estados menos populosos e desenvolvidos, embora ela possa ser entendida como um
meio para o amortecimento das clivagens regionais e para o funcionamento mais equilibrado das relações
entre os estados, dada a grande disparidade de poderio econômico entre o Sudeste e o Nordeste, por
exemplo.

27
Curso de formação política

Um segundo momento do federalismo brasileiro atual está relacionado com a adoção do Plano Real, de
estabilização econômica, em 1994. Estando ancorada numa política de juros altos, vem promovendo
mudanças sensíveis no arranjo federativo, porque ocorre uma recentralização dos recursos. Mesmo no
começo do governo Lula, esta questão continua em aberto, demandando uma reforma tributária que
permita um novo rearranjo fiscal para a distribuição dos recursos federais, além de permitir mecanismos
próprios de receita para as unidades sub-nacionais.

Bibliografia adicional:
KUGELMAS, Eduardo e SOLA, Lourdes (2000). “Recentralização/Descentralização: Dinâmica do
Regime Federativo no Brasil dos Anos 90”, Tempo Social, vol. 11, no. 2, fevereiro.
KUGELMAS, Eduardo e BRANCO, Marcello Simão (2002). “Os Governos Subnacionais e a Nova
Realidade do Federalismo”, Gestão Pública Estratégica de Governos Subnacionais Frente aos Processos
de Inserção Internacional e Integração Latino-Americana – Relatório Final, Cedec-PUC (SP) para
Projeto Temático da Fapesp, dezembro.
LEVI, Lucio (1983). “Federalismo”, Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicolla Matteucci e
Gianfranco Pasquino, editores. Editora Universidade de Brasília, quarta edição.
SOUZA, Celina (2001). “Federalismo e Gasto Social no Brasil: Tensões e Tendências”, Lua Nova, Cedec.
STEPAN, Alfred (1999). “Para uma Nova Análise Comparativa do Federalismo e da Democracia:
Federações que Restringem ou Ampliam o Poder do Demos”, Dados, vol. 42, no. 2, Iuperj.

Aula 5 - A Participação Política no Brasil


Tatiana Braz Ribeiral

Em meados do século XIX votar era um símbolo de status no país. A lista do excluídos da
participação política era grande e incluía mulheres, jovens, escravos, pracinhas, padres e detentos.
Na verdade, o principal critério de exclusão política era mesmo a renda. Ser cidadão significava ter
dinheiro e, portanto, ter direito a opinar nos gastos públicos. Como herança do liberalismo político,
no mundo ocidental somente os abastados poderiam participar das escolhas políticas da sociedade,
no Brasil eram chamados de cidadãos-votantes.

Não podemos nos esquecer que nosso país foi o último país de todas as Américas a decretar o fim
da escravidão, permanecendo por muito tempo com toda a população negra e mestiça distanciada de

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Curso de formação política

qualquer expressão política institucionalizada. Historicamente, passamos por muitas transformações


até alcançarmos o direito ao voto livre, secreto e universal. Tivemos também avanços no Império.
Não podemos nos esquecer que éramos um país Colônia de Portugal, isto significava total controle
político sobre as nossas riquezas, rendas, manifestações políticas ou organização administrativa.

Com a Independência em 1822, precisávamos ainda nos definir enquanto país, seu território e sua
identidade. No primeiro período foi necessária a organização de todo o sistema representativo e a
constituição de um Estado genuinamente brasileiro. Não é difícil supor que qualquer manifestação
política no Brasil Colonial tenha sido violentamente reprimida. Durante toda a fase imperial, pós-
independência, mesmo com direitos políticos muito limitados, o avanço foi em direção à
organização dos poderes e das funções estatais. Como dito anteriormente, no Império, o voto era
censitário e símbolo de status e prestígio social. A participação eleitoral somente poderia realizar-se
uma vez comprovada as posses e rendas do cidadão-votante.

Conquistamos a Independência e durante toda a fase imperial, mesmo com direitos políticos muito
limitados, o avanço foi em direção à organização dos poderes e das funções estatais. Gradualmente,
as regras que definiam o direito de votar e ser votado foram sendo ampliadas. No entanto, a
conquista da cidadania e o avanço dos direitos políticos esbarravam na escravidão e nos altíssimos
índices de analfabetismo.

Com a República Velha algumas mudanças foram introduzidas. Entre elas estaria a o fim do voto
censitário e a conseqüente ampliação do sufrágio masculino. A fraude no jogo eleitoral tomou o seu
contorno mais impressionante da História. Vários foram os mecanismos de manipulação do
resultado das consultas populares. Devido às constantes e violentas modificações na condução do
jogo eleitoral expressões como “voto de cabresto” e “bico de pena” marcaram toda a Primeira
República. A ampliação do sufrágio caracterizou o voto como moeda de troca entre os chefes locais
e a “Política Café com Leite”. Era o tempo dos coronéis e das inúmeras fraudes na apuração e
definição dos representantes no poder.

Caminhando em direção ao fim dos anos vinte, já encontramos o país com uma fisionomia um
pouco diferente. Nesta época, já existiam importantes centros urbanos no país, com indústrias
têxteis, alimentícias e sindicatos. Isto significava uma maior complexidade àquela estrutura rural do
voto de cabresto. A conquista agora dirigia-se para a moralização da política e das suas formas de

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Curso de formação política

representação. A bandeira da moralização do sistema representativo foi levantada com os


movimentos dos anos 30. Depois do período chamado de Revolução de 30 vieram o voto secreto e o
voto feminino, além da criação da Justiça Eleitoral em 1932.

Quinze anos de ditadura interromperam a organização política institucionalizada em partidos e


agremiações políticas, bem como as manifestações da sociedade civil organizada. Com a
implantação do Estado Novo, em 1937, houve o único hiato na nossa trajetória partidária. Até 1945,
a administração dos estados e municípios era realizada por meio de interventorias diretamente
controladas pela organização burocrática criada por Getúlio Vargas. Algumas manifestações
populares foram estimuladas durante o período. As características mais marcantes do populismo
latino-americano estiveram presentes no período com os grandes comícios nos principais centros
urbanos do país, nos veículos de propaganda poderosos como as “conversas ao pé do rádio”, e no
controle e intervenção estatal nas organizações sindicais e de sociedade civil.

Em meio a uma política contraditória de repressão política e interventorias nos estados, o processo
de organização do poder foi permeado por políticas centralizadoras de qualquer controle da
organização sindical. Embora sem expressão política livre, o trabalhador teve suas férias
regulamentadas, salário mínimo definido e décimo terceiro salário. De inspiração fascista, foi criada
em 1942, a CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas. Os principais direitos sociais haviam sido
definidos no país, sempre com o controle autoritário do Estado, com o Congresso Nacional fechado
e a participação política sufocada.

No período entre 1946 e 1964, os partidos políticos puderam se organizar novamente, agora em
amplas bases nacionais. O sistema eleitoral e as regras de condução do jogo político ainda estavam
sendo institucionalizados. A Justiça Eleitoral precisava crescer para abraçar todas as transformações
sociais sofridas no país, migrações internas, urbanização e um crescimento populacional
vertiginoso.

Com a redemocratização, o Decreto Lei nº7.586 de 1945, estabeleceu o monopólio da representação


política por meio dos partidos políticos. A partir de então, todo e qualquer candidato a algum cargo
público deveria ser filiado a algum partido político que deveria ter caráter nacional. Os principais
partidos do período foram: a UDN (União Democrática Nacional), de oposição à influência
varguista; o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), ligado ao sindicalismo criado por Getúlio; e o

30
Curso de formação política

PSD (Partido Social Democrático), herdeiro das interventorias do Estado Novo. O Partido
Comunista Brasileiro (PCB), foi recriado em 1945, logo cassado em 1947, tendo os seus
parlamentares eleitos em dezembro do ano de sua recriação o mandato cancelado logo em 08 de
janeiro de 1948.

Foi no período de 1946 a 1964 que a participação do povo na política mais cresceu, tanto pelo lado
das eleições como da ação política organizada em partidos, sindicatos, ligas camponesas e outras
associações. O aumento da participação eleitoral pode ser demonstrado pelos números que se
seguem. Em 1930, os votantes não passavam de 5,6% da população. Na eleição presidencial de
1945, chegaram a 13,4%, ultrapassando, pela primeira vez, o contingente de 1872. Em 1950, já
foram 15,9%, e em 1960, 18%. Em números absolutos, os votantes saltaram de 1,8 milhão em 1930
para 12,5 milhões em 1960. Nas eleições legislativas de 1962, as últimas antes do golpe de 1964,
votaram 14,7 milhões de brasileiros. O número de eleitores inscritos era em geral 20% acima do dos
votantes, devido à abstenção que sempre existia, apesar do voto obrigatório. Em 1962, por exemplo,
o eleitorado era de 18,5 milhões, correspondente a 26% da população total.

Em 1964, havia uma considerável identificação partidária por parte da população. No total, quase
2/3 do eleitorado das principais capitais brasileiras era capaz de identificar um partido político de
sua preferência. Isto às vésperas do Golpe Militar. Talvez tal identificação, além do
desenvolvimento de movimentos sociais importantes nos grandes centros urbanos, indicando uma
politização crescente do brasileiro, possa também de alguma forma se associar aos diversos
estímulos às manifestações públicas, divulgações oficiais dos comícios nas rádios e emissoras do
governo e, de uma insipiente regulamentação das propagandas políticas no país.

O Segundo Ato Institucional (AI 2), de 1965, cancelou o registro de todos os partidos políticos e
estabeleceu o bipartidarismo no país. Eram tempos de ditadura militar (1964-1985), no qual toda
forma de organização de poder ficou condicionada a apenas duas agremiações: o MDB (Movimento
Democrático Brasileiro), e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional). Neste período, os partidos
políticos representavam apenas manifestações artificiais das demandas da sociedade, uma vez que
nenhum verdadeiro movimento de contestação ao regime foi aceito.

O retorno à democracia foi “lento e gradual”, realizado por meio de um efetivo controle do regime
militar. O fim do bipartidarismo foi estabelecido em 1979, e um ano depois novas organizações

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Curso de formação política

partidárias surgiram, entre elas o Partido dos Trabalhadores (PT), advindo do movimento sindical
do ABC paulista.

Os anos iniciais da década de 1980 consagraram a transição para o regime democrático. Partidos
políticos foram constituídos e alcançaram o direito de participar das disputas eleitorais, e o quadro
político brasileiro tornou-se mais complexo e representativo da sociedade. Entretanto, a principal
conquista para a democracia ainda não havia sido alcançada: a plena recuperação do direito ao voto.
As primeiras eleições para Presidente da República só viriam mesmo acontecer em 1989.

As antigas legendas da Nova República não sobreviveram ao longo período do regime militar e
novos partidos políticos com outras bases sociais nasceram com a década de 80. Os pequenos
partidos foram excluídos, sobrevivendo apenas o PDS (Partido Democrático Nacional), herdeiro
direto da ARENA; o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), sucessor do antigo
MDB e o Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, inicialmente ligado a um trabalhismo moderado.
Gravitando ao redor de outro importante líder do trabalhismo getulista foi criado o PDT (Partido
Democrático Trabalhista), organizado em torno da liderança de Leonel Brizola e Saturnino Braga.

Em 1984, já havíamos participado de um importante movimento de participação popular chamado


“Diretas-Já”. Assim foi definida a mobilização por todo o país para que houvesse eleições diretas no
país, o que só foi ocorrer cinco anos depois. Mesmo no Regime Militar, várias eleições foram
realizadas, mas sempre com a constante mudança de regras para o favorecimento das forças
armadas no poder. Anos em que qualquer crítica ao sistema militar, no plano da literatura, música,
cinema, política ou mobilização social de qualquer ordem era duramente reprimida. Estávamos com
olhos e bocas atados.

Uma nova redefinição do sistema partidário foi estruturada nos anos seguintes. Em 1985, com o
objetivo de livrar-se da identificação com o regime militar novas legendas foram criadas, surgindo o
PFL (Partido da Frente Liberal) e o PL (Partido Liberal), dissidentes diretos do antigo PDS. Foi
também no mesmo ano que o analfabeto readquiriu no país o direito ao voto, suspenso com a Lei
Saraiva em 1881. No mesmo ano, ressurgem os partidos de esquerda doutrinária como PCB, o
chamado “partidão” comunista, o PC do B (Partido Comunista do Brasil) e o PSB (Partido
Socialista Brasileiro), além de legendas formadas por cidadãos anônimos.

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Curso de formação política

Em 1988, de uma cisão do PMDB, nasceu o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Outros partidos políticos como o PPB (Partido Progressista Brasileiro), hoje Partido Progressista
(PP), e o PPS (Partidos Popular Socialista, antigo PCB) vão configurar-se somente nos anos 90. Foi
neste período que o sistema partidário passou novamente por importantes transformações. Os
principais partidos continuavam surgindo de cisões dos antigos partidos instituídos durante o
período militar, acarretando uma organização com 22 partidos em 1990 e cerca de 30 no ano de
2003.

A nossa História de participação popular tem capítulos importantes. As eleições de 1989


representaram um resgate da participação e escolha direta do Presidente da República no país. A
comoção no país foi grande e a participação política intensa. Eleito com 35 milhões de votos e
apenas 40 anos, o mais jovem Presidente da República, Fernando Collor de Melo foi também o
primeiro brasileiro a ser eleito democraticamente após todo o Regime Militar. Em 1992, com uma
administração caótica mesclando uma política econômica baseada no confisco e na desconfiança,
escândalos de corrupção e má gestão pública, Collor sofreu o primeiro processo de impeachment de
toda a História Republicana. A geração dos “cara-pintada” saiu as ruas e, numa reação ao clamor
presidencial do “Não me deixem só”, em que o então Presidente pediu para que o povo se vestisse
de verde-amarelo, o luto se generalizou pelo país. A cor preta tomou as principais capitais, e as
manifestações contra a corrupção assumiram dimensões impressionantes. Em São Paulo, 120 mil
tomaram o Anhangabaú. Em Brasília, 100 mil pessoas foram para frente do Congresso Nacional,
somando 500 mil manifestantes em 17 cidades do país. O impeachment interrompeu o primeiro
governo eleito democraticamente em 29 anos. Na campanha, o “caçador de marajás” anunciou que
derrubaria a inflação com um golpe. Sou derrubado pela por políticos, pela imprensa e por eleitores
inconformados com a corrupção no país.

Depois do Brasil, outros países afastaram o seu presidente por um processo de impeachment. Foi
comum a estratégia da renúncia do mandato antes da cassação do presidente, o caso clássico foi do
Presidente Nixon, em 1974, nos Estados Unidos. A concretização do processo de expulsão ocorreu
em 1997, com o Presidente Abdalá Bucaram (Equador), afastado por incapacidade mental. E
também, em 1993, na Venezuela, quando o Presidente Carlos Andrés Perez foi afastado do poder e
preso um ano depois por envolvimento em corrupção.

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Curso de formação política

Em 2002, nas últimas eleições para Presidente da República, governadores, senadores, deputados
federais e estaduais somaram 91 milhões de votos válidos, em um universo de 115 milhões de
eleitores. Embora com índices de abstenção por volta de 20%, temos hoje no Brasil uma
democracia consolidada, com uma estrutura tecnológica de ponta no cadastramento e apuração
eleitoral. Formalmente organizada, com uma das maiores economias do mundo, a democracia
brasileira convive com índices vergonhosos de distribuição de renda e de escolaridade. A via
eleitoral e democrática representa o único caminho para a resolução de nossos graves problemas
estruturais, no entanto não deve ocorrer sem um constante aprimoramento, e não há outra forma
senão a conscientização política e participação organizada da sociedade. Hoje temos total liberdade
de expressão, o mais importante é sabermos o que fazer com ela.

Bibliografia adicional
DUVERGER, Maurice; GUIMARÃES, Aquiles C. e PAIM, Antonio. Partidos Políticos e Sistemas
Eleitorais no Brasil: Estudo de Caso. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, c1982.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2001.
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. Brasília, Senado
Federal, Conselho Editorial, 2001.
FLEISCHER, David. Manipulações Casuísticas do Sistema Eleitoral durante o Período Militar ou
Como Usualmente o Feitiço Volta Contra o Feiticeiro. Cadernos de Ciência Política. Brasília,
Fundação Universidade de Brasília, nº 10, 1994.
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Ed.Ver. Forense, Rio de Janeiro, 1948.
LIMA Jr, Olavo Brasil de. Democracia e Instituições Políticas no Brasil dos Anos 80, São Paulo,
Edições Loyola.1993.
NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Jorge Zahar, São Paulo, 2002.
SADEK, Maria Teresa. A Justiça Eleitoral e a Consolidação da Democracia no Brasil. Ed
Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung. São Paulo,1995.
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964). São
Paulo, Alfa Omega, 1976.

Aula 6 - Os partidos políticos brasileiros


José Paulo Martins Jr.

34
Curso de formação política

Os partidos políticos são as principais organizações políticas no mundo. Praticamente em todos os


países existem partidos, mesmo aqueles não democráticos.
O homem em sociedade sempre se reuniu em grupos. Podem ser grupos para o cultivo de um
campo, para caça, para a pesca, para produzir equipamentos e insumos, para prática de rituais, etc.
Na política, desde o surgimento do Estado, os homens também se reúnem em grupos. Durante boa
parte da história política da humanidade, os grupos políticos se reuniam em torno de alguma
liderança familiar, patriarcal ou de clã. Normalmente, a maioria dos homens estava excluída dos
negócios públicos e a política era realizada quase sempre em âmbito restrito.
Durante a idade média, os grupos políticos começaram a ganhar o nome de facção. Para os
estudiosos da política de então, a palavra facção era carregada de repulsa. Em toda a tradição do
pensamento político ocidental dificilmente se encontrará algum autor que não tenha adotado essa
perspectiva.

O termo partido entrou em uso substituindo a palavra facção, mas sem o peso negativo dessa última.
Lentamente, começou a se aceitar a idéia de que o partido não é necessariamente uma facção, que
não necessariamente um mal e que não perturba o bem-estar comum.
A passagem da facção para o partido foi lente e gradual, tanto no domínio das idéias, como no dos
fatos. No campo das idéias, os primeiros autores que começaram a diferenciar as duas noções foram
Voltaire, Montesquieu, Bolingbroke, Hume, Burke e os federalistas norte-americanos.
A transição da facção ao partido no campo dos fatos representa a passagem da intolerância para a
tolerância, desta para a dissensão, e da dissensão para a crença na diversidade. Eles foram aceitos na
política, mesmo com a relutância de muitos, mediante a compreensão de que a diversidade e a
dissensão não são necessariamente incompatíveis com a ordem política.
As facções podem ser entendidas como partes contra o todo e os partidos como partes do todo.

As principais funções dos partidos são a expressão, a canalização e a comunicação. Eles são canais
de expressão porque são organizações que representam o povo, expressando suas reivindicações.
Ao se desenvolverem, eles passaram a não transmitir ao povo os desejos da autoridades, mas antes
para transmitir às autoridades os desejos do povo. Eles se tornaram meios de expressão juntamente
com o processo de democratização da política. Os governos responsáveis se tornaram sensíveis
porque os partidos ofereceram os canais para articulação, comunicação e implementação das
demandas do governo.

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Curso de formação política

Os partidos também organizam a caótica vontade pública. Eles agregam e selecionam as políticas.
Mais do que expressar e refletir a opinião pública, eles a modelam e, em certo sentido, a
manipulam.
Além disso, são um canal de comunicação em dois sentidos: transmitem as demandas de baixo para
cima e de cima para baixo. Isso não quer dizer que eles sejam canais descendentes na mesma
medida em que são ascendentes.

Vários autores propõem definições bastante longas, que nem por isso se tornam uma sinopse de
uma descrição. Não é necessário dizer que definições complexas são extensas por definição. Deve-
se compreender que as classificações e tipologias também definem a classe “partido” com relação a
uma ou mais de suas propriedades. Em geral, os partidos são definidos em termos de i) atores, ii)
ações (atividades), iii) conseqüências (propósitos) e iv) campo. Mas os partidos também podem ser
definidos com respeito apenas à sua função, ou à sua estrutura, ou a ambas, ou à luz do esquema
input-output, e ainda de muitas outras maneiras.
Os partidos políticos são instituições básicas para a tradução das preferências das massas em
políticas públicas. (V.O. Key)
Um partido é um grupo cujos membros pretendem agir em concerto na luta competitiva pelo poder
político. (Schumpeter)
Um partido é um grupo que formula questões amplas e que apresenta candidatos às eleições.
(Lasswell e Kaplan)
Partido é qualquer organização que indique candidatos à eleição para uma assembléia eleita. (Riggs)
Partidos são organizações que têm o objetivo de colocar seus representantes declarados em posições
governamentais (Janda)
Partido é qualquer grupo político identificado com um rótulo oficial que apresente em eleições, e
seja capaz de colocar através de eleições (livres ou não), candidatos a cargos públicos. (Sartori)

O mecanismo de surgimento dos partidos políticos é simples. Em geral, eles surgiram a partir de
grupos parlamentares, seguidos da criação de comitês eleitorais.
Nos parlamentos inglês e francês e na nascente república da América do Norte, formaram-se
agrupamentos políticos em torno de questões de políticas públicas e condução do Estado.
No caso dos EUA, tratava-se de constituir um país novo. Com a ampliação do sufrágio, os grupos
parlamentares tiveram que criar instrumentos e estratégias para conquistar novos eleitores.

36
Curso de formação política

Um desses mecanismo foi o comitê eleitoral. Foram os partidos de esquerda, os trabalhistas e


socialistas, que aderiram inicialmente por essa forma de conquistar novos eleitores. Parcelas
consideráveis dos novos eleitores, geralmente trabalhadores urbanos vindos do campo, foram
conquistados pelos partidos de esquerda. Isso forçou uma melhor organização dos partidos de
direita, que passaram também a criar comitês para cativar eleitores.
Nem todos os partidos surgem no parlamento, muitos partidos surgem antes no eleitorado, em
agrupamento e associações, tais como os sindicatos.
Faz diferença a maneira como cada partido surge. A origem dos partidos, seus valores e líderes
iniciais terão sempre algum significado, ainda que apenas simbólico.

O surgimento dos partidos políticos no Brasil difere bastante daqueles do EUA, Inglaterra e França.
Eles não surgiram na esteira da expansão do sufrágio ou para organizar classes para atingir o poder.
Eles nascem atrelados à estrutura do Estado, ligados umbilicalmente à estrutura do poder e
dependentes dela. Os sistemas de partidos no Brasil sofreram diversas alterações, quase sempre
controladas “de cima”.
As raízes dos partidos brasileiros surgem um pouco antes da independência política. Àquela época,
como até muitos anos depois, a palavra partido ou facção eram malvistas. O momento ainda era de
definição da identidade nacional e qualquer noção de parte era considerado ruim. Não obstante, nos
anos de 1821 e 1822, a imprensa nacional fazia inúmeras referências aos partidos e às facções pré-
partidárias. Durante tudo o Primeiro Reinado, esses proto-partidos foram se organizando em torno
dos temas da Constituinte de 1823. A outorga da Carta Constitucional em 1824 e a posterior
abdicação de Dom Pedro I, lançaram os partidos no penoso aprendizado da mediação entre o
liberalismo formal e o autoritarismo real. Surgiram assim o parlamentarismo e as sucessivas
reformas eleitorais.

A abdicação foi o ponto de partida para a vida partidária brasileira, depois dela as facções
divergentes tomaram rumos próprios: os exaltados, os republicanos e os revolucionários de toda
ordem agruparam-se no Partido Liberal; os moderados e os partidários da constituição formaram o
núcleo do Partido Conservador; os reacionários, adeptos da volta do Imperador deposto, o famoso
partido Caramuru, desapareceram com a morte de D. Pedro I.
Um rápido balanço na obra dos partidos imperiais nos traz os seguintes resultados: a crédito dos
liberais temos: a regência, o Código de Processo, o Ato Adicional, a lei orgânica dos presidentes de
província, a Maioridade, a primeira lei eleitoral do Brasil, o esforço de guerra contra o Paraguai, a

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Curso de formação política

eleição direta, a propaganda abolicionista e a preservação dos ideais democráticos, contra abusos de
poder. Coube aos conservadores, o restabelecimento do Conselho de Estado, a reforma do código
de processo, a abolição da escravatura e todas as demais leis abolicionistas, a adoção do sistema
métrico decimal, o primeiro recenseamento geral do Império e o impulso à política de modernas
vias de comunicação.
Os liberais e os conservadores dividiram o poder durante todo o Império, inclusive em governos de
conciliação.

Muito se fala do parlamentarismo brasileiro. Alguns autores o classificam de “às avessas”. Isso
porque, ao contrário do modelo inglês, no qual o resultado das urnas definia o parlamento, este
decidia o governo e o Imperador dava posse ao Primeiro Ministro, aqui, o Imperador definia o
governo e o parlamento convocava eleições para atender suas exigências. As eleições eram
fraudadas para garantir o resultado desejado pelo Imperador.
Ainda durante o Império surgem os partidos republicanos. Podem ser identificadas duas frações
importantes desse “partido”: a paulista, mais conservadora e escravista e a pernambucana, mais
radical e transformadora. Os partidos republicanos ganham muita força com a adesão dos
escravocratas com a abolição de 1888.

Com o advento da república e a ascensão dos republicanos os poder, ocorreu um esvaziamento dos
partidos conservador e liberal, com as classes patrimoniais que dominavam esses partidos buscando,
pela primeira vez, apoio nos quartéis contra as ameaças à ordem impostas pelos republicanos
radicais.
A república, na verdade, não rompeu com a forma de fazer política imperial. As eleições
continuaram a ser fraudadas com o objetivo de manter a situação política sob controle do governo
federal.
Os partidos deixaram de ser formalmente nacionais e passaram a ser regionais. Existiam os partidos
republicanos de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, o Federal, com base no Rio de
Janeiro, entre outros.
Foi nesse período que surgiu a famosa política dos governadores, que incluía a grande autonomia
aos estados, desde que esses seguissem a risca as determinações eleitorais do governo central, que
estabelecia o rodízio dos presidentes entre republicanos de São Paulo e Minas Gerais.

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Curso de formação política

Na Primeira República surgem também os primeiros partidos operários, os partidos socialistas e o


partido comunista. Era o início de organização política dos trabalhadores ainda muito impregnada
de ideais anarquistas e comunistas.
Apesar da incipiente organização, as demandas dos trabalhadores ainda eram consideradas casos de
polícia e não de política.
Durante a década de 1920, a temperatura política começa a subir muito no país. Eclode o
movimento tenentista, a coluna Prestes - Miguel Couto percorre todo o país, que entra em estado de
sítio. Toda essa agitação culmina com a deposição do Presidente Washington Luís e a subida ao
poder de Getúlio Vargas.

O período Vargas poder ser dividido em três partes: governo revolucionário (1930-1934), governo
constitucional (1934-1937) e Estado Novo (1937-1945).
Cabe destacar que durante todo seu governo, as demandas dos trabalhadores começaram a ser
incorporadas na legislação. Isso foi feito como se Getúlio Vargas fosse o pai dessa legislação,
aquele que consciente das necessidades do povo, o presenteava com sua sabedoria e bondade com a
legislação trabalhista.
Ainda que isso tenha sido feito, a agitação política continuou, principalmente porque na Europa
também crescia a agitação e a disputa entre liberais, fascistas e comunistas.
No período Vargas, houve nova reorganização partidária, com muitas organizações rejeitando o
rótulo de partidos. Novamente a idéia de partido era vista como algo pernicioso para o país.
Surgiram clubes políticos, como o 3 de outubro, que reunia os tenentes e os getulistas, a Aliança
Nacional Libertadora e o Associação Integralista Brasileira.

Após sofrer tentativas de golpes de estado por parte de comunistas e integralistas, Vargas dá um
golpe dentro do golpe e declara e extinção dos partidos políticos.
Foi muito fácil para ele responsabilizar impunemente os partidos para justificar seu golpismo. Eles
não tinham estrutura, organização, nem contato permanentes com suas bases, dispersas sem uma
rede de comunicações e transportes, então ainda por aparecer no Brasil.
O antipartidarismo era uma norma ideológica vigorosa e enraizada no pensamento político
brasileiro.

Os partidos políticos voltam a se reorganizar no apagar das luzes do Estado Novo, em meados de
década de 1940.

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Curso de formação política

Os principais partidos surgiram em torno do ditador. O PSD era formado por interventores e
burocratas ligados ao Estado Novo, o PTB surgiu em torno da máquina sindical criada pelo ditador
e a UDN reunia toda uma frente de oposição ao getulismo. O PCB também ressurgiu com força
eleitoral, mas logo foi posto na ilegalidade.
Esses três primeiros partidos citados, PSD, PTB e UDN, dominaram a cena política nacional
durante tudo o período de 1945 a 1964. Eram partidos nacionais, mas começaram com forças muito
desiguais, sendo o primeiro muito mais forte que os demais.
Com o passar dos anos e com o acúmulo de eleições, os outros dois cresceram a passaram a disputar
as eleições em condições de igualdade com o PSD. Volto a lembrar, esses partidos eram
extremamente dependentes do governo, sendo que PSD e PTB nasceram dentro do governo.

A fragilidade desse sistema de partidos ficou evidente quando as crises políticas começaram a se
desenrolar. A renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961 jogou o país em um caminho tortuoso.
Veio o parlamentarismo e com ele grande instabilidade política. O presidente João Goulart
trabalhou contra esse sistema de governo até que conseguiu que o regime voltasse ao
presidencialismo. No entanto, a estabilidade de nossa democracia estava bastante comprometida e
os frágeis partidos de então não conseguiram dar sustentação ao governo, que foi derrubado pelos
militares.

Existem muitas explicações, de teses sobre o golpe de 1964. Algumas privilegiam as respostas
econômicas, argumentando que o Brasil, como país subdesenvolvido, não consegue ter um regime
democrático. Outras optaram por respostas políticas, apontando a instabilidade do governo de João
Goulart, sua inabilidade, o esvaziamento do centro com o racha do PSD, o insistente apelo aos
militares pelos udenistas.

No princípio, os militares mantiveram os partidos existentes, mas após uma derrota nas eleições
para os governos de estado de 1965, eles os extinguiram e criaram normas que permitiriam a
existência de até três partidos.
Foram criados dois, sendo que a eles era proibido se intitularem partidos. Surgiu a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Esses dois partidos existiram até 1979, quando o governo militar, na iminência de perder a maioria
na Câmara dos Deputados e no Colégio Eleitoral que elegia o presidente, voltou a permitir a livre
organização partidária.

40
Curso de formação política

Surgem então o PMDB, herdeiro do MDB, o PDS, herdeiro da ARENA, que hoje é denominado
PP, o PT, o PDT e o PTB. Depois desses surgiram em 1985, o PFL e em 1988, o PSDB. Esses
partidos têm, desde então monopolizado a vida política brasileira, salvo raras exceções.

Os novos partidos começaram a surgir no final dos anos 70 e conquistaram seus registros
definitivos no início dos anos 80. Como sabemos, o regime militar só terminou em 1985.
Essa convivência entre novos partidos e novas demandas por liberdade, de um lado, e militares e
pressões pela manutenção do regime, de outro lado, fizeram com que a transição brasileira fosse
uma das mais longas do período.

O jogo entre partidos e regime teve diversos lances em que os militares cediam um pouco e
pressionavam um pouco, o mesmo ocorrendo com os partidos. Nesse jogo não havia muito espaço
para radicalismos, já que todos os atores políticos envolvidos estavam altamente comprometidos
com a moderação.

Assim, ao mesmos tempo em que abria as eleições para governador em 1982, o governo mantinha a
propaganda eleitoral da Lei Falcão e proibia as alianças eleitorais.
Na votação da emenda Dante de Oliveira, Brasília e o Congresso Nacional ficaram cercados pelo
Exército, ocorreram diversas ameaças de golpe e a emenda não passou. Não obstante, o veterano e
moderado Tancredo Neves conseguiu se eleger no colégio eleitoral, restituindo o governo a um civil
mais de 20 anos depois.

Existem diversos trabalhos acadêmicos e jornalísticos sobre os atuais partidos brasileiros. Até o
início dos anos 80, as análises traziam perspectivas sombrias. A grande maioria delas apontava que
o sistema partidário brasileiro era caótico, desestruturado, frágil, inconsistente e diversos outros
qualitativos pouco nobres.

Esses trabalhos afirmavam que o país nunca desenvolveu um quadro partidário definido e
duradouro. O argumento era o de que desde o Império até hoje, seis ou sete formações partidárias
totalmente distintas sucederam-se umas às outras, atrofiando-se ou sendo supressas, pela violência,
muitas vezes sem deixar rastro organizacional ou um foi simbólico que pudesse ser retomado na
etapa seguinte.

41
Curso de formação política

Os partidos também sofreram e sofrem muitas críticas quanto à falta de uma definição ideológica,
principalmente na arena parlamentar. Durante muitos anos, foi moeda corrente entre os analistas
políticos brasileiros o fato de que no parlamento os partidos não se diferenciavam, que o que valia
de fato eram os parlamentares individualmente.
A face legislativa dos partidos, segundo essa literatura, mostra-se muito frágil, tão frágil que cabe
perguntar se de fato eles existem ou influenciam de maneira efetiva o comportamento dos
parlamentares.

A partir de meados dos anos 90, outros autores começam a discutir outras teses começaram a entrar
no debate. Trabalhos baseados em votações no congresso durante e depois da constituinte mostram
que os partidos brasileiros são bastante diferentes em termos ideológicos.

As diferenças na constituinte forma medidas em termos de nacionalismo, de conservadorismo, de


estatismo e esquerdismo. Da mesma forma, convidados a se posicionarem ideologicamente em uma
escala esquerda-direita, os deputados dos diferentes partidos se posicionavam em posições
coerentes na escala. Essas diferenças estavam correlacionadas a posições políticas em questões
públicas, tais como privatização, forças armadas como polícia, direitos trabalhistas, etc.
Outro trabalho importante mostra que o comportamento dos parlamentares no congresso não é tão
inconsistente e livre como se supunha. Analisando votações nominais na Câmara dos Deputados,
alguns autores descobriram que os parlamentares brasileiros são altamente disciplinados e que na
grande maioria das vezes, os deputados seguem a indicação dos líderes dos partidos.

Bibliografia adicional
CHACON, Vamireh. História dos Partidos Brasileiros. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1981.
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Zahar/UNB, Rio de Janeiro, 1980.
LAMOUNIER, Bolivar. Partidos e Utopias: o Brasil no Limiar dos Anos 90. São Paulo, Ed.
Loyola, 1989.
LAVAREDA, Antônio. A Democracia nas Urnas - O Processo Partidário Eleitoral Brasileiro. Rio
Fundo Editora, Rio de Janeiro, 1991.
LIMONGI, Fernando e FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. “Partidos Políticos na Câmara dos
Deputados: 1989-1994”. Dados, vol. 38, n.º 3. Rio de Janeiro, 1995.
MENEGHELO, Raquel. Partidos e Governo no Brasil Contemporâneo (1985-1997). Ed. Paz e
Terra, São Paulo, 1998.

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Curso de formação política

SARTORI, Giovanni. Partidos e Sistemas Partidários. Ed. UnB, Brasília, 1982.


SOARES, Glaúcio Ary Dillon. Sociedade e Política no Brasil. Difel, São Paulo, 1973.
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estados e Partidos Políticos no Brasil (1930 - 1964). Ed.
Alfa-Omega, São Paulo, 1976.

Aula 7 - Uma Introdução aos Sistemas Eleitorais e o Caso Brasileiro


Marcello Simão Branco

Em termos contemporâneos o regime democrático é entendido, primordialmente, como aquele que


permite que seus cidadãos escolham seus representantes, por meio de eleições. Com o tempo, o
desenvolvimento do sistema político e social ocasionou, de uma forma geral, de um lado uma maior
competição dos políticos aos postos de poder eletivo (se organizando nos partidos políticos), e de outro,
uma maior participação dos cidadãos no processo de escolha dos políticos, com o aumento do chamado
sufrágio universal.

Para estruturar institucionalmente a organização e a competição ao poder, foram organizados os sistemas


partidários. E para dar a mesma estrutura institucional e organizada para a escolha dos representantes,
foram criados e organizados os sistemas eleitorais.

Desta forma, os sistemas partidários e eleitorais – assim como outros –, são instituições voltadas para a
legitimidade e alocação do poder, bem como para o exercício e funcionamento do regime democrático.

Três outras características complementares organizam e legitimam as eleições numa democracia: a


liberdade de voto e organização para a competição; a periodicidade das disputas; e o caráter prévio de
incerteza de seus resultados. A eles poderíamos acrescentar também, a garantia constitucional do
cumprimento do mandato conquistado nas urnas.

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Curso de formação política

Tratando especificamente dos sistemas eleitorais, existem dois modelos principais, que são modificados e
ganham versões diversas de país para país, e de momento histórico a outro. Basicamente, contudo, eles são
os sistemas majoritários e os sistemas proporcionais.

O sistema majoritário foi o primeiro a surgir. Baseia-se no princípio segundo o qual a vontade da maioria
dos eleitores é a única a contar para a eleição dos representantes, estabelecendo que o eleitorado está
distribuído territorialmente em distritos. Assim, cada distrito escolhe o seu representante (um ou mais),
numa disputa direta, vencendo quem tem mais votos, ou por maioria simples ou por maioria absoluta.

Já o sistema proporcional acompanha o desenvolvimento do regime democrático, com a maior


estruturação do sistema partidário e o aumento do sufrágio universal. Parte também do princípio de que
uma assembléia representativa deve criar espaço para todas as necessidades, interesses e idéias que
dinamizam uma sociedade. O princípio proporcional de escolha procura estabelecer uma maior igualdade
do voto e permitir a todos os eleitores um mesmo peso na escolha.

Uma virtude apontada para os sistemas majoritários é que ele permitiria uma base mais sólida para a
formação do governo, na medida em que haveria uma tendência de menor divisão dos partidos
concorrentes. Além disso, existiria um vínculo mais próximo entre o eleito e seu representado. Ambas as
justificativas são discutíveis, pois não há garantia de antemão de que o sistema partidário se organizaria
com menos partidos – outros fatores legais e sociais também influem –, e a eleição de representantes
majoritários (distritais), poderia tornar a política nacional mais provinciana, além de estimular a criação de
chefes políticos locais de grande poder econômico, prejudicando as demais forças políticas.

Já o sistema proporcional tem entre uma de suas principais qualidades a expressão eleitoral aos mais
diferentes segmentos sociais, não excluindo os grupos minoritários da possibilidade de estar representado.
Não há uma situação de “o vencedor leva tudo”, como no sistema majoritário. Várias correntes políticas
podem estar representadas no parlamento. As dificuldades do sistema proporcional estão vinculadas à
forma prévia de como são escolhidos os candidatos que concorrerão à eleição e os efeitos disso durante o
processo eleitoral. Temos, assim, o regime de lista fechada, no qual o partido seleciona e enumera a
relação dos candidatos à eleição. Cabe ao eleitor, votar na lista e não no candidato individual. Isso daria
aos dirigentes partidários um controle muito grande sobre os políticos e sobre o eleitorado. De outra parte
há o regime de lista aberta, no qual o partido seleciona seus candidatos, mas estes disputam livremente o

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Curso de formação política

voto individual do eleitor. Isso permite maior independência ao político e à escolha do eleitor, mas torna o
partido, em tese, mais fraco em controlar o comportamento do político.

Brasil
As eleições e a organização dos sistemas partidários e eleitorais em nosso país têm seguido uma série de
rupturas institucionais, marca da vida política do século passado, com períodos cíclicos de autoritarismo e
democracia. Deixando de lado o sistema político da chamada República Velha, de caráter excessivamente
oligárquico, com baixa competição e participação popular, a primeira experiência concreta de sistema
partidário e eleitoral no país ocorre entre os anos de 1945 e 1964. Depois da ditadura de Getúlio Vargas
(1930-45) e antes da ditadura militar (1964-1985).

Tanto na experiência de 1945-64, quando na atual, o voto é obrigatório e o sistema eleitoral adota o
sistema proporcional com lista aberta e voto de legenda para as eleições parlamentares (vereador,
deputado estadual, deputado federal) e majoritária para o Senado e para os cargos do poder Executivo:
prefeito (municipal), governador (estadual) e presidente (federal). A única diferença importante é que entre
os anos de 1945-64, também os vices presidentes eram eleitos majoritariamente.

Como peculiaridades básicas do período de 1945-64, tivemos a organização do sistema partidário em


torno de três partidos principais: os conservadores (PDS e UDN) e o populista (PTB). Com o
desenvolvimento do sistema, por meio de sucessivas eleições, passa a ocorrer um fenômeno de
crescimento de alguns partidos de âmbito mais regional, que passam a concorrer nacionalmente. Isso
ocasiona uma maior competição entre os partidos, com maior fragmentação do espaço de representação
política no parlamento federal.

Já nessa época tornava-se claro que as eleições no Brasil seguiam uma lógica de atuação estadual, pois,
entre outros fatores, os pleitos ocorriam em datas diferentes, permitindo uma maior autonomia desta ou
daquela eleição e o seguimento de uma lógica própria. Chama a atenção também neste período o grande
índice de votos em branco e nulo para os cargos proporcionais de parlamentares e para vice-presidentes.
Antes de ser entendido como uma forma de protesto e invibialização do sistema político, foi sim um
reflexo de como estes espaços institucionais de representação perdiam terreno – já nesta época –, para os
espaços executivos, uma característica que não tem se modificado substancialmente deste então.

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Curso de formação política

Durante o regime militar de 1964-1985, foi imposto um sistema bipartidário, com um partido do governo
(Arena, depois PDS) e um partido de oposição moderada, (MDB, depois, PMDB), como uma forma de
permitir um verniz de legitimidade eleitoral em nível parlamentar a um regime autoritário, bem como não
cessar inteiramente um canal de diálogo com aqueles que se opunham ao regime. Neste período,
aprofundou-se uma característica presente desde o regime de Vargas: a sobre e sub representação dos
deputados eleitos nos estados. Assim, os estados mais populosos (como São Paulo e Minas Gerais)
ficaram com menos representantes do que deveriam, ao passo que os estados do Norte, Nordeste e Centro-
Oeste, ficaram com mais representantes do que deveriam, levando em conta a pequena população em
comparação com os estados do Sudeste.

No novo sistema partidário e eleitoral vigente, que teve seu nascedouro pleno a partir de 1985, estes
problemas de representação dos deputados no Congresso Nacional permanecem, violando a noção de uma
pessoa, um voto (“one man, one vote”), bem como o equilíbrio político que deveria existir em um regime
federal como o brasileiro.

Mas este não é o único problema contemporâneo do sistema político nacional. Dentro do sistema
proporcional de lista aberta e voto em legenda, tem existido o incentivo racional – permitido pela
legislação – da coligação entre os partidos. Este fenômeno, essencial para a sobrevivência dos partidos
pequenos e dos grandes – nos estados e/ou municípios onde eles não estão bem estruturados –, provoca
uma maior fragmentação partidária, dificultando a formação de maiorias estáveis nos parlamentos e
obrigando o partido no poder executivo a negociar alianças e coalizões para melhor governar.

Há também dificuldades com a vigência das listas abertas, pois os candidatos adquirem uma grande
autonomia de campanha, contrariando, muitas vezes, orientações e objetivos coletivos do partido. Para
alguns analistas, este individualismo, com a competição centrada mais em candidatos do que em legendas,
reforçaria o desprestígio do partido junto aos eleitores. Outra crítica – esta ao sistema partidário – estaria
vinculada ao número excessivo de partidos legalmente aptos a concorrer no processo eleitoral e
participação no parlamento – 30 nas últimas eleições. Isso sem falar no problema sempre sensível do
controle sobre os recursos econômicos da campanha eleitoral.

Fatores como estes tendem a estimular vozes que clamam por uma reforma partidária e eleitoral. A tal
ponto que cada especialista – e mesmo não especialistas –, imagina a “sua” própria reforma. Mas todos
parecem não atentar para o fato de que a mera substituição de regras eleitorais e partidárias não é

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Curso de formação política

suficiente para a melhoria do regime democrático. Que os efeitos concretos de mudanças podem ser
diferentes – e piores –, daqueles idealmente imaginados. Mesmo com problemas sérios (como sobre
representação, coligação, financiamento de campanhas, relação entre o eleitor e o representante), a melhor
forma de depurar e melhor desenvolver os sistemas partidários e eleitorais do Brasil, é – com pequenas
modificações pontuais aqui e ali – deixar que o tempo, com seus sucessivos pleitos, se encarregue disso.

Pois com todas as limitações, o regime democrático-eleitoral brasileiro tem cumprido com relativa virtude
e funcionalidade, características básicas de uma democracia, como apontadas no início deste texto, tais
como competição, participação, incerteza, periodicidade e cumprimento de mandato. Se olharmos outras
experiências contemporâneas na América Latina e para trás em nossa própria história veremos que isto
não é pouco.

Isso, no entanto, não representa dizer que nos posicionamos contra a reforma política, muito pelo
contrário. Existem alguns pontos em nossa legislação político-eleitoral que precisam ser revistos. O que
queremos deixar claro é que reformar simplesmente para mudar pode não ser o suficiente. As alterações
devem ser muito bem avaliadas, para que não precisemos mudar novamente.

Bibliografia adicional
LAVAREDA, Antônio (1991). A Democracia nas Urnas: O Processo Partidário Eleitoral Brasileiro,
IUPERJ e Rio Fundo Editora.
MAROTTA, Emanuele (1983). "Sistemas Eleitorais", Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicolla
Matteucci e Gianfranco Pasquino, editores. Editora Universidade de Brasília, quarta edição.
NICOLAU, Jairo Marconi (1996). Multipartidarismo e Democracia, Fundação Getúlio Vargas Editora.
RIBEIRAL, Tatiana e DANTAS, Humberto. “Participação política e cidadania”. Minas Gerais, Editora
Lê, 2003 – no prelo.
TAVARES, José Antônio Giusti (1994). Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas, editora
Relume-Dumará.

Aula 8 - A Reforma Política no Brasil


Tatiana Braz Ribeiral

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Curso de formação política

Falar em reforma política no Brasil é discutir sobre muitos temas. Por reforma podemos entender
mudança, transformação. Quando falamos em reforma política nos referimos desde a organização
do processo eleitoral em si, quanto ao sistema eleitoral ou representativo no país. Por processo
eleitoral, podemos entender todos os passos relacionados à eleição em si, como a definição da
cédula de votação, o dia e hora da escolha de candidatos, as formas de apuração dos votos etc. Se
partirmos daí, veremos que no Brasil há muitos anos que o processo eleitoral vem passando por
mudanças. Não podemos negar que os resultados das eleições são muito mais confiáveis, que
podemos votar em quem quisermos, que há liberdade de escolha e o que for escolhido pelos
eleitores será respeitado. Esta foi uma longa conquista.

Mas hoje em dia, quando falamos em reforma política na maioria das vezes isto significa uma
mudança no sistema eleitoral e partidário, uma modificação na matemática da escolha dos
candidatos e nas regras de disputa eleitoral. O que vai poder ser feito, e o que não será mais
permitido. Mas a reforma política tornou-se uma unanimidade nacional sem ao menos sabermos do
que se trata ao certo. É preciso um acompanhamento cuidadoso não só dos projetos de lei em
tramitação como das modificações já em andamento das normas que regulamentam o processo
eleitoral no país. É importante que saibamos de fato quais são as suas conseqüências e também os
seus limites.

Em primeiro lugar, em cada partido político, em cada bancada, em cada segmento governista ou
oposicionista de qualquer estado existem, com certeza, opiniões diferentes sobre os temas mais
importantes da agenda de reforma política. Em nosso país o Congresso Nacional é a instância que
possui o maior acúmulo de discussões, especializações temáticas e Projetos de Lei ou de Emenda
Constitucional em torno da reforma política. A Comissão Especial de Reforma Política na Câmara
dos Deputados terá que examinar cerca de 170 projetos que tramitam sobre a matéria, além dos que
vieram do Senado.

A não coincidência entre o número de votos e a distribuição de cadeiras no parlamento, é um dos


grandes problemas do sistema eleitoral brasileiro. Isto significa, que nem sempre os políticos mais
votados são eleitos para os cargos de vereadores, deputados federais, estaduais e distritais que
disputam. De acordo com a matemática eleitoral, as coligações de partidos políticos em eleições
proporcionais são as principais responsáveis por este problema na nossa democracia. Para podermos
entender um pouco mais sobre o assunto, vamos lembrar que em 2002, apenas 32 dos 513

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Curso de formação política

deputados federais conseguiram, nominalmente, votos suficientes para se eleger. Os demais


conquistaram as cadeiras na Câmara dos Deputados em razão dos votos destinados às legendas, aos
seus colegas de partido ou à coligação da qual fizeram parte.

Ao longo dos últimos anos, diversos candidatos tiveram uma votação expressiva, muito superior à
obtida pela maioria dos concorrentes, e não conseguiram se eleger porque o seu partido não atingiu
o chamado coeficiente eleitoral. Neste sentido, tramita no Congresso Nacional – também na
Comissão de Reforma Política - um projeto no qual se proíbem as coligações em eleições
proporcionais, o que controlaria uma parcela importante dos problemas de nosso jogo eleitoral.

A intenção de por um fim às coligações em eleições proporcionais é de acabar com as combinações


mais variadas entre diferentes partidos, em uma mesma eleição. No entanto, como são
especificamente para as eleições proporcionais, somente se aplicaria para os cargos de deputado
federal, estadual (ou distrital) e vereadores. Parte desta transformação já ocorreu no país quando, no
ano de 2002, foi implantado no Brasil a verticalização das coligações eleitorais. Em uma decisão
inédita, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão do Poder Judiciário, proibiu os partidos políticos
de se coligarem, nos estados, com os adversários da disputa presidencial. Foi uma resolução
importante, capaz de transformar toda a disputa para o pleito de 2002. Com a decisão do TSE, os
partidos políticos foram obrigados a reorganizar as suas alianças, redefinindo seus cálculos políticos
em plena disputa eleitoral.

As discussões já estão ocorrendo há anos e, além do fim das coligações em eleições proporcionais,
os principais pontos discutidos são: a fidelidade partidária, o financiamento público de campanha e
o voto distrital misto, entre tantos outros temas.

A fidelidade partidária é a mais dramática distorção do sistema representativo brasileiro. Cerca de


30% dos deputados federais abandonam o partido pelo qual foram eleitos em cada legislatura na
Câmara dos Deputados. Isto significa um rearranjo de forças partidárias na disputados dos
principais recursos públicos como as lideranças das comissões permanentes, os fundos partidários e
o tempo no horário eleitoral gratuito. Estes poderes são distribuídos com base no cálculo da
proporcionalidade das bancadas na Câmara dos Deputados, no entanto, não leva em consideração as
escolhas firmadas no dia da eleição, mas sim, as trocas realizadas às vésperas da diplomação dos
candidatos. A proibição a essa ação, em linhas gerais, pode significar o fim das constantes

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Curso de formação política

mudanças de legenda no país, tão traumáticas para a democracia brasileira. Mais especificamente,
também poder ser entendida como a obrigatoriedade de aceitação das decisões tomadas pelas
lideranças e pelas convenções partidárias, por parte daqueles políticos filiados aos partidos
políticos. Neste sentido o objetivo seria uma maior unidade nas opiniões do partido frente às
votações no Congresso Nacional, ou seja, um fortalecimento dos partidos políticos.

Com relação ao voto distrital, o principal objetivo é que a eleição proporcional se transforme em
majoritária. Ao invés de dividir o país em 27 estados e eleger os representantes proporcionalmente,
o Brasil seria dividido - para os fins eleitorais - em 513 distritos que escolheriam em eleições
majoritárias, seu deputado federal. Isto também ocorreria nas eleições para as Assembléias
Legislativas e os estados seriam divididos de acordo com o número de deputados estaduais. Uma
discussão importante diz respeito à forma como estes distritos seriam divididos. É comum
identificarmos, em países que adotaram este sistema, o favorecimento de partidos e candidatos no
recorte geográfico adotado. Outra limitação é que as minorias perdem força de representação, pois
apenas o candidato mais votado em cada distrito é eleito. Uma outra alternativa seria o voto distrital
misto adotado na Alemanha. Neste caso, metade dos deputados é eleita de acordo com o processo
majoritário e outra metade seguindo as regras da proporcionalidade com lista.

Em linhas gerais, o argumento que justifica o financiamento público de campanhas eleitorais visa
diminuir a diferença econômica entre os candidatos e elevar a fiscalização sobre as doações de
campanha. Uma crítica que pode ser feita em relação ao mecanismo de financiamento público de
campanha, diz respeito ao estreitamento da vinculação entre os partidos políticos e o Estado,
diminuindo a participação da sociedade na gestão dos partidos. O modelo que poderá ser adotado,
no entanto, não está definido.

Além dos recursos para a disputa eleitoral, os partidos políticos precisam de dinheiro para sustentar
a estrutura montada nos municípios, nos estados e na nação como um todo. No entanto, existem
regras para o seu funcionamento e organização, como a proibição de recebimento de verbas de
organizações e governos estrangeiros, órgãos, fundações e empresas públicas, entidades de classe e
sindicatos.

É importante sabermos que cada um dos temas possui muitas possibilidades. O azul pode ser claro,
marinho, celeste, piscina, depende de sua intensidade. Como as cores, as leis também possuem

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Curso de formação política

nuanças e gradações. É preciso atenção aos conteúdos das leis, os seus detalhes escondem as suas
verdadeiras intenções.

Não sabemos ao certo quando tais matérias serão aprovadas no Congresso Nacional. As mudanças
propostas são muitas e podem reconfigurar a relação entre os representantes por nós eleitos, e a
nossa própria decisão de escolha. Como vimos, as propostas de reforma política podem desenhar
com outros contornos o processo de disputa e escolha dos candidatos. Talvez os partidos políticos
sejam financiados totalmente com o dinheiro público, ou pode ser que tenhamos dificuldades para a
mudança de legenda, ou ainda muitos partidos políticos podem apenas deixar de existir com a
reforma política. É importantes termos a nossa própria opinião sobre cada um dos temas. Algumas
mudanças podem ser muito boas, outras nem tanto. Cada assunto deve ser exaustivamente discutido
com a sociedade; e a sociedade somos nós.

Bibliografia adicional (centrada no texto da História do Voto – aula 3)


DUVERGER, Maurice; GUIMARÃES, Aquiles C. e PAIM, Antonio. Partidos Políticos e Sistemas
Eleitorais no Brasil: Estudo de Caso. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, c1982.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2001.
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. Brasília, Senado
Federal, Conselho Editorial, 2001.
FLEISCHER, David. Manipulações Casuísticas do Sistema Eleitoral durante o Período Militar ou
Como Usualmente o Feitiço Volta Contra o Feiticeiro. Cadernos de Ciência Política. Brasília,
Fundação Universidade de Brasília, nº 10, 1994.
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Ed.Ver. Forense, Rio de Janeiro, 1948.
LIMA Jr, Olavo Brasil de. Democracia e Instituições Políticas no Brasil dos Anos 80, São Paulo,
Edições Loyola.1993.
NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Jorge Zahar, São Paulo, 2002.
SADEK, Maria Teresa. A Justiça Eleitoral e a Consolidação da Democracia no Brasil. Ed
Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung. São Paulo,1995.
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964). São
Paulo, Alfa Omega, 1976.

51
Curso de formação política

Aula 9 – Pesquisas políticas e eleitorais


José Paulo Martins Jr.

As pesquisas de opinião pública são ferramentas essenciais para as campanhas políticas e para o
desenvolvimento da Ciência Política em todo o mundo. Mas o que são essas pesquisas, como elas
são criadas, como se define o universo, a amostra, o questionário, a metodologia, como tratar os
dados que emergem dos questionários respondidos, quais são as fases envolvidas, como se analisam
os dados e como se chegam a resultados concretos, tanto para a definição de estratégias de
campanhas eleitorais quanto para o progresso da ciência? Todas essas perguntas são importantes e
pertinentes e tentaremos respondê-las nessa aula.

Existem importantes diferenças entre uma pesquisa de opinião pública destinada a subsidiar o
trabalho de uma campanha política e a destinada à pesquisa científica. No primeiro caso, a
metodologia pode ser um pouco mais flexível, permitindo o uso de ponderações e aproximações.
No segundo, o rigor metodológico deve ser a tônica, para que os resultados tenham validade perante
a comunidade científica nacional e internacional.

Como se faz uma pesquisa? O primeiro passo é definir qual é o problema a ser investigado. No caso
de uma pesquisa eleitoral, o problema é claro. Cabe investigar qual é a intenção de voto no
candidato e como ela se comporta em diferentes estratos sócio-econômicos e em regiões
geográficas diversas. Numa pesquisa científica, os temas a serem pesquisados são muito mais
amplos, dependendo do interesse do pesquisador. Por exemplo, um pesquisador pode estar
interessado em conhecer qual é o impacto dos partidos políticos na estruturação do eleitorado no
Brasil; se eles têm algum peso na cabeça do eleitor no momento em que ele define seu voto.
Portanto, o primeiro passo importante é o planejamento, com a definição do problema a ser
investigado, dos objetivos e da metodologia.

Em nosso dia-a-dia estamos sempre direta ou indiretamente nos baseando em dados observados.
Quando vamos a um supermercado, por exemplo, temos alguma noção sobre o preço de
determinados produtos, sabemos se eles cabem em nossos orçamentos e qual é a sua prioridade
dentre as necessidades de casa.

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Curso de formação política

Na pesquisa científica também precisamos coletar dados que possam nos ajudar a responder as
questões que norteiam o estudo. O pesquisador deve ter muito claro na mente aquilo que pretende
investigar. Se o objetivo geral é conhecer qual é o eleitor alienado, por exemplo, deve-se ter como
objetivo específico saber qual é o grau de informação política do eleitor, em quem ele votou na
última eleição, como ele faz para decidir seu voto, seu grau de satisfação com as instituições
vigentes etc. Também precisamos conhecer algumas outras informações do eleitor, como sexo,
idade, escolaridade, classificação sócio-econômica, lugar onde mora etc.

Para atingir seus objetivos, o pesquisador deve ter em mente o tipo de pesquisa que pretende fazer.
São muitas as opções que podem ser tomadas. Uma pesquisa pode ser qualitativa ou quantitativa.
As pesquisas qualitativas permitem chegar a respostas mais profundas em relação ao tema em
pesquisa. Elas habitualmente utilizam menor número de casos e seus resultados não podem ser
interpretados para toda a população. Um tipo de pesquisa qualitativa muito adotada em campanhas
eleitorais consiste em reunir de 8 a 12 eleitores com algumas características em comum, como sexo,
idade e partido/candidato preferido para testar o impacto de alguma propaganda eleitoral. Em
pesquisa científica são altamente difundidas as entrevistas em profundidade. Nelas, o pesquisador
grava longas entrevistas, pré-estruturadas ou não, com pessoas que têm algo importante a dizer.

As pesquisas quantitativas são as mais comuns, aquelas cujos resultados chegam com mais
freqüência ao ouvido da população. São os índices de intenção de voto, os índices de inflação,
dados do censo, a audiência dos programas de televisão e rádio, a popularidade do presidente, entre
muitos outros. Para esse tipo de pesquisa, o importante é a decisão de quem ou o que se vai
pesquisar. Em uma pesquisa eleitoral, a população ou universo são os eleitores, para o índice de
inflação são os preços dos produtos nos supermercados, para o censo toda a população do país, as
de índices de audiência aqueles que assistem televisão e ouvem rádio.

Normalmente não é possível realizar a pesquisa com o universo. A solução é a amostragem. São
quatro razões principais para se utilizar amostras em levantamento de grandes populações. 1)
economia: sai bem mais barato pesquisar somente uma parte da população; 2) tempo: é mais rápido
entrevistar menos gente; 3) confiabilidade dos dados: quando o número de elementos é reduzido,
pode-se dar mais atenção aos casos particulares, evitando erros; 4) operacionalidade: é mais fácil
realizar operações de pequena escala, como controlar entrevistadores.

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Curso de formação política

O tamanho da amostra depende de uma série de fatores que não vamos discutir em profundidade
nessa aula, principalmente porque são altamente técnicos e temos outros aspectos mais importantes
para tratar. Não obstante é importante ter em mente que é possível fazer boas pesquisas de intenção
de voto nacionais com 1.500 casos. Para ter uma maior margem de confiança nos dados e rigor
metodológico, uma amostra de 3.000 casos é mais que suficiente. Tudo isso depende, é claro, de um
bom plano amostral, que não deixe de fora nenhum setor importante do universo. A amostra deve
ser distribuída de forma a representar o mais fielmente possível a população.

A amostra pode ser probabilística ou não probabilística. O que significa e qual a diferença entre as
duas? Uma amostra probabilística é aquela em que todos os indivíduos do universo pesquisado têm
a mesma chance de serem sorteados para responder a pesquisa. Para obtê-la são necessários sorteios
sucessivos, em que são selecionados a cidade, o cluster, o quarteirão, a casa e o indivíduo dentro da
casa. Uma amostra não probabilística é aquela em que não existe a mesma chance. Normalmente
isso ocorre quando o pesquisador pretende controlar as variáveis. Por exemplo, pode-se querer
estabelecer que a pesquisa será feita com 50% de homens e 50% de mulheres, ou pode-se querer
estabelecer cotas de idade, escolaridade, renda, etc. A amostra não probabilística é mais barata do
que a probabilística, por esse motivo, a grande maioria dos institutos de pesquisa opta por ela.

Para coletar os dados que nos interessam precisamos de um instrumento. O mais utilizado é o
questionário estruturado, contendo uma maioria de perguntas fechadas e algumas perguntas abertas.
Cada variável que se pretende analisar aparece no questionário na forma de uma pergunta ou de
uma bateria de perguntas. O questionário antes de entrar em campo deve passar por uma pré-
testagem, sendo aplicado a alguns indivíduos com características similares aos indivíduos da
população em estudo. Isso é importante para se saber se as perguntas estão suficientemente claras,
se suas respostas não são óbvias, se existe alguma ambigüidade ou indução nas perguntas, e
respostas não previstas.

Um dos momentos mais delicados da pesquisa é a aplicação dos questionários. Sempre é necessário
uma boa supervisão no campo para se evitar falhas e fraudes que podem comprometer a confiança
nos dados. Todos os questionários deveriam ser verificados e criticados, e voltas devem ser feitas
quando alguma lacuna é observada.

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Curso de formação política

Após a aplicação do questionário, os dados precisam ser organizados para facilitar a realização da
análise. São atribuídos códigos às respostas, que podem assim ser armazenadas em programas de
computador. Esses programas transformam questionários em planilhas, tais como a do programa
Microsoft Excel. Simplesmente uma tabela que nas linhas contém os casos e nas colunas as
variáveis. Os softwares de pesquisa estão cada vez mais poderosos, e com mais recursos à
disposição do pesquisador. Eles permitem que se faça a análise exploratória dos dados. Existem
diversas técnicas que permitem organizar, resumir e apresentar os dados de tal forma que se possa
interpreta-los à luz dos objetivos da pesquisa.

Os dados podem ser tratados de maneira isolada, na chamada análise univariada. Com ela
conseguimos obter a distribuição da freqüência e as medidas de tendência central, dependendo da
variável. Pode-se construir gráficos de barras ou de setores. Os dados também podem ser analisados
de dois a dois, uma análise bivariada. É muito freqüente nas ciências sócias e nos estudos eleitorais
verificar se duas variáveis estão associadas em uma amostra. Pode-se ter o interesse de se verificar
se aumenta a intenção de voto em algum partido ou candidato enquanto aumenta a renda ou
escolaridade do entrevistado. Esse tipo de análise é feita através de distribuições conjuntas de
freqüência, chamadas de tabelas de contingência.

A partir de uma base de dados especialmente preparada para seu objetivo, o pesquisador tem a sua
disposição um enorme arsenal estatístico do qual lançar mão, cada qual adequado ao tipo de
problema que ele pretende enfrentar.

Existem diversos exemplos de como as pesquisas de opinião podem ser utilizadas na Ciência
Política. Internacionalmente, os trabalhos mais importantes foram os comandados por Paul
Lazarsfeld, da Universidade de Columbia, nos quais ele mostra que o voto de um indivíduo tem
muito haver com o ambiente em que ele está inserido. Se o eleitor mora na cidade ou no campo, se
ele é católico, protestante ou evangélico, se ele é pobre ou rico, se ele trabalha em grandes ou
pequenas empresas, tudo isso tem um peso significativo no momento de definição do voto.

Outros trabalhos importantes foram os levados a cabo pela chamada Escola de Michigan,
capitaneados por Miller. Nesses trabalhos, os autores investigam quais são os principais norteadores
do voto nos EUA e descobrem que o mais importante é a identificação partidária. Em tal
perspectiva – também conhecida como teoria psicossociológica de explicação do voto - a

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Curso de formação política

identificação se originaria de uma adesão de base psicológica aos partidos, constatada através de
dados de pesquisa sobre o comportamento eleitoral. Tratar-se-ia de uma identidade partidária
forjada em bases afetivas no processo de socialização e, portanto mais resistente a mudanças ou
influências de outra ordem. A tese é a de que, uma vez formada, a identificação partidária tende a
tornar-se estável, ou seja, os eleitores que têm identificação partidária em graus variados, inclinam-
se a 'ver' a política e orientar suas ações numa direção partidária.

Em oposição à abordagem psicossociológica, a teoria da escolha racional dá um outro


significado ao fator identificação partidária na decisão do voto, questionando a idéia de lealdades
oriundas do processo de socialização como fonte única ou principal da identidade partidária. Para
Downs (1957), a identificação partidária se explica porque os partidos (e as ideologias políticas) são
referenciais que os eleitores usam para diminuir custos de obtenção e processamento das
informações políticas necessárias para a sua tomada de decisão. Observando em algumas ocasiões
que um determinado partido se comporta em conformidade com seus interesses, um determinado
eleitor pode, numa próxima eleição, utilizar esse conhecimento prévio para decidir seu voto,
economizando recursos (especialmente tempo) para se informar e fazer sua escolha. Além disso,
como em muitos casos determinados partidos acabam defendendo determinadas idéias mais do que
outros, a identificação com o partido acaba sendo o resultado de uma decisão racional e não
simplesmente de uma identificação afetiva ou normativamente fundada.

Outro autor importante, Morris Fiorina , por sua vez, adiciona um outro elemento a esse debate. Seu
argumento é o de que se a socialização do indivíduo previamente à sua vida adulta tem um peso na
identificação partidária, peso ainda maior tem a avaliação que o indivíduo faz da experiência
acumulada como eleitor, ao longo de sua vida adulta. Neste sentido, os cidadãos, segundo este
autor, monitoram as promessas e performances partidárias ao longo do tempo, encapsulando todas
estas observações em um julgamento sumário chamado identificação partidária (IP). Essa IP é uma
informação sintética e econômica que é utilizada pelo eleitor quando avalia plataformas ambíguas
feitas para lidar com futuros incertos.

A utilização das pesquisas nas campanhas eleitorais também é amplamente difundida e varia muito
de acordo com quem encomenda a pesquisa. Uma pesquisa para divulgação na imprensa, por
exemplo, deve ser registrada no Tribunal Regional Eleitoral, ter toda a sua metodologia divulgada e
estar aberta à investigação de quem quer que seja. Normalmente essas pesquisas apresentam ao

56
Curso de formação política

eleitor apenas os índices de intenção de voto, cruzado por algumas variáveis, tais como sexo, idade,
escolaridade, renda, entre outros.

Em pesquisas de campanhas eleitorais não é necessário o registro, desde que ela não seja divulgada.
Nesses casos, costuma-se utilizar diversas métodos diferentes de pesquisa. Para se avaliar o material
de campanha e as propagandas eleitorais, o método mais utilizado são as pesquisas qualitativas,
para saber a intenção de voto e construir modelos preditivos e explicativos, o método utilizado é o
quantitativo.

Para concluirmos, o que devemos ter em mente é que as pesquisas eleitorais que nos são
apresentadas em épocas de eleições são realizadas dentro dos mais rígidos métodos científicos. Os
cidadãos que acusam alguns institutos de manipulação de dados, ou fraude nos resultados, deixam
de considerar a idoneidade das empresas responsáveis pela divulgação dos números.

Naturalmente, a despeito do rigor utilizado, muitos cidadãos estranham o fato de nunca terem sido
entrevistados nesse tipo de pesquisa. As técnicas de amostragem, entretanto, permitem que um
número muito pequeno de pessoas represente todo o universo sem que os resultados se distanciem
da verdade. Assim, entre 115 milhões de eleitores apenas 3 mil são ouvidos nas pesquisas de
intenção de voto para presidente, por exemplo. Isso representa que apenas 0,0026% da população é
ouvida, ou seja, a chance de um cidadão opinar é de uma em quase 40 mil pessoas.

Bibliografia adicional
BABBIE, Earl. Métodos de pesquisas de survey. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001.
CARREIRÃO, Yan de Souza. A decisão do voto nas eleições presidenciais brasileiras. Editora da
UFSC/FGV, Florianópolis, 2002.
COUTINHO, Ciro. Pesquisas de opinião no jornalismo brasileiro. São Paulo, Scortecci, 2002.
FIGUEIREDO, Marcus. A decisão do voto. São Paulo, IDESP / ANPOCS 1991.
FIORINA, Morris P. Retrospective voting in americam national elections. Yale University Press,
New Haven, 1981.

Aula 10 - Mídia, marketing e política


Sérgio Praça

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Curso de formação política

O país estava deprimido. À queda da Bolsa de Nova York em 1929, seguiram-se anos de recessão e
desemprego em massa nos Estados Unidos. Franklin Delano Roosevelt (FDR nas manchetes dos
jornais) foi o presidente eleito para resolver as emergências sociais e econômicas. Implementou seu
“New Deal” com certa facilidade, inchando o governo federal e gastando milhões em obras públicas
com o objetivo de reaquecer a economia. Se você fosse um(a) americano(a) da época, como ficaria
sabendo dos programas de Roosevelt? Simples. Ele falaria especialmente para você, sentado perto
da lareira, com voz mansa e confiante. Como? Pelo rádio.

FDR foi o primeiro presidente eleito do século 20 que aproveitou, com seus “bate-papos perto da
lareira” (fireside chats), o poder persuasivo da mídia. O advento dos meios de comunicação de
massa mudou a política. A política também mudou os meios de comunicação. Campos com
diversos pontos de tangência, jornalismo e política possuem, no entanto, relativa autonomia em
relação ao outro. É impossível entender inteiramente uma eleição sem prestar atenção nos efeitos da
mídia. Quem define os principais temas de campanha: políticos ou jornalistas? Os debates entre
candidatos são relevantes? Qual é a importância do marketing político? Abordando esses temas,
pretendemos introduzir o leitor à complexa relação entre mídia, marketing e o jogo político.

É necessário entender por que a mídia se tornou indispensável para a política. De acordo com a
concepção clássica do sistema representativo, os políticos (representantes) devem agir de acordo
com os interesses e opiniões de quem os elegeram (representados). Na prática, essa concepção se
enfraqueceu à medida que os políticos passaram a se aproximar, a conviver, nas assembléias.
Tornaram-se profissionais. Buscam se reeleger. Falam a mesma língua, um jargão jurídico-
administrativo cada vez mais distante do vocabulário dos eleitores. Esses fatores, entre outros,
contribuem para o afastamento dos representantes em relação aos representados. Ora, o que a mídia
tem a ver com isso? Ela pode funcionar, positivamente, como elo entre os dois grupos,
simplificando e amplificando as mensagens dos políticos; ou então, negativamente, a mídia pode
contribuir para a alienação dos eleitores ao se recusar a tratar de assuntos públicos relevantes.

Não era à toa que Franklin Roosevelt, o presidente dos “bate-papos perto da lareira”, usava palavras
simples para explicar seus projetos, que o homem comum entendia. Com o surgimento de novos
espaços públicos, há a necessidade de mediações. O rádio funcionava como elo que simplificava as
políticas de Roosevelt. Isso significa que a mídia apenas transmite as mensagens dos eleitos? Não,

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Curso de formação política

pois o campo jornalístico possui certa autonomia. Seus profissionais filtram não apenas as falas dos
políticos, mas mesmo os temas sobre os quais eles se manifestam, e o tempo de que dispõem.
Portanto, quando estudamos a manifestação política na mídia, percebemos que os jornalistas têm
tanto (ou mais) poder de controle sobre o que é expresso quanto os políticos. Para não abstrair
demais, um exemplo: debates políticos televisionados.

Quem ouviu o debate entre John Kennedy e Richard Nixon (candidatos à presidência norte-
americana em 1960) pelo rádio ficou com a impressão que Nixon venceu. Porém, quem assistiu ao
mesmo debate pela televisão não teve dúvidas: Kennedy ganhou. Enquanto Nixon suava, pálido,
com a barba por fazer, Kennedy sorria. O efeito visual pode, portanto, provocar distorções nas
mensagens transmitidas (mas é impossível afirmar objetivamente quem venceu o debate). Outro
tipo de constrangimento em debates é a limitação do tempo das respostas. Cada candidato tem
poucos segundos para transmitir suas idéias. E, geralmente, quem define os temas das perguntas são
jornalistas – embora, para o bem do espetáculo, raramente temas que não são corriqueiros na
política são levantados (como quando Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, perguntou a Marta
Suplicy sua opinião sobre monogamia durante debate nas eleições de 2000).

Um aspecto negativo que mostra como a mídia influencia a política é o fato de alguns dos partidos
brasileiros - talvez muitos - prezarem mais o horário gratuito de propaganda eleitoral do que a busca
por novos militantes. Ora, para que os partidos efetivamente representem interesses de eleitores,
eles necessitam de raízes sociais. Seja por meio de sindicatos, organizações, movimentos sociais
etc. Com a propaganda televisionada, muitos líderes partidários decidiram concentrar seus esforços
em arrecadar dinheiro para custear os programas eleitorais - não para mobilizar a sociedade em
torno de idéias ou mesmo de um tema específico. O contato do partido com o eleitor, mediado pela
televisão, é mais direto, mais pessoal do que através de manifestações de massa. À medida que isso
se torna regra, os filiados a partidos tornam-se raridade. Algo péssimo para a democracia, regime
dependente de partidos políticos.

Os responsáveis pela mídia também são relativamente autônomos em relação a outra categoria
jornalística: a fotografia. Analisando a construção da imagem de alguns dos políticos mais
importantes do país, estudiosos assinalam que, no fotojornalismo, ocorre um processo de ‘criação’
semelhante ao da produção da charge política. Enquanto a fotografia “informa” e documenta, a
caricatura deforma. Assim, o fotojornalismo pode ser utilizado para produzir humor ou sátira,

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Curso de formação política

sempre gozando da legitimidade de informação documental, supostamente isenta. Cada jornal


ocupa-se em produzir uma fotobiografia política dos principais representantes, escolhendo para
cada um desses atores a imagem pública que julga ser a mais conveniente ao público receptor.
Podemos afirmar que a opinião pública é formada por um discurso fotojornalístico que se abastece
no perfil dos seus atores desenhado pela própria imprensa.

Onde entra o marketing político? Em uma função muitas vezes vista como negativa na relação entre
mídia e política, pois pode contribuir para o obscurecimento de temas públicos relevantes. Isso
acontece quando as características pessoais de um candidato à presidência, por exemplo, tomam
praticamente todo o tempo do horário eleitoral concedido a ele. É utópico esperar que apenas os
assuntos que interessam aos eleitores sejam abordados, mas tratar uma candidatura como algo que
deve provocar emoções é despolitizar a política. Muitos analistas consideram que a primeira
campanha no Brasil a usar o marketing de forma eficaz foi a de Fernando Collor de Mello, em
1989. Essa prática se disseminou no Brasil desde então, profissionalizando cada vez mais as
campanhas.

Ao multiplicarem as mensagens dos eleitos e publicizarem temas urgentes da realidade do país, os


meios de comunicação cumprem papel fundamental de qualquer democracia. Porém, a relativa
autonomia daqueles que decidem o que vai ser transmitido pode prejudicar o debate cívico – ao
mesmo tempo, essa autonomia é absolutamente necessária para o regime democrático. Entre esses
extremos se relacionam mídia, marketing e política.

Bibliografia adicional
BARROS FILHO, C. (org.) Comunicação na pólis: ensaios sobre mídia e política. Petrópolis,
Vozes, 2002.
BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.
FIGUEIREDO, Rubens (org.) Marketing político e persuasão eleitoral. São Paulo, Konrad
Adenauer, 2000.
HALBERSTAM, D. The powers that be. New York, Alfred . Knopf, 1979.
ISSLER, B. “As máscaras de Barbie: um estudo dos conflitos simbólicos no fotojornalismo do
Estadão”, in BARROS FILHO, C. Comunicação na pólis: ensaios sobre mídia e política.
Petrópolis, Vozes, 2002.

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Curso de formação política

Aula 11 - Democracia e Desenvolvimento Econômico


Luiz Gustavo Serpa

A formação de sociedades democráticas como conhecemos atualmente, teve início na passagem do


século XVIII (mais especificamente com os eventos ligados à Revolução Francesa e a
Independência dos Estados Unidos) para o século XIX. Nesse período, começaram a acontecer as
primeiras lutas pela conquista de liberdades e direitos políticos que não fossem privilégios de
apenas alguns nobres, característica marcante dos regimes políticos construídos ao longo da idade
média e mesmo após o fim do feudalismo e início da idade moderna.

Em paralelo às conquistas políticas que foram acontecendo nos séculos XVIII e XIX, também era
percebido o avanço da luta por liberdades ligadas a forma de condução da economia, como
liberdade de produção, de contratos de circulação pelos vários mercados que antes eram protegidos
por monopólios etc.

Ao conjunto das lutas por todos esses tipos de liberdade está associada uma corrente de pensamento
conhecida como liberalismo. As idéias liberais nunca separaram os dois tipos de luta, por liberdades
políticas e liberdades econômicas. A reunião dessas idéias também é conhecida como o período de
conquistas burguesas, dado que os maiores beneficiados com as lutas pela liberdade foram as
pessoas que detinham o controle da produção, do comércio e das atividades econômicas em geral.
Durante essa época o avanço do que nós chamamos de capitalismo e o avanço do que nós
chamamos de democracia representativa era entendido como algo comum, tanto que essa forma de
democracia também é conhecida como democracia liberal. No entanto, a democracia não era
entendida como um tipo de organização política da sociedade que pudesse ser implementada em
qualquer sociedade, mas somente naquelas que também estivessem passando pelo processo de
construção de uma economia capitalista liberal, o que restringia a possibilidade de um país ser
democrático a apenas alguns países da Europa e os Estados Unidos.

Essa associação de idéias permaneceu aceita pela maioria das pessoas até o século XX. Nesse
século ocorreram grandes movimentos sociais que procuraram construir novas formas de
organização social apoiadas em idéias que eram concorrentes do liberalismo. As duas experiências
mais famosas ocorreram na União Soviética, que seguia a doutrina comunista, e na Alemanha e
Itália, que seguiram as idéias nazi-fascistas.

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Curso de formação política

Ao final da Segunda Guerra Mundial os países nazi-fascistas haviam sido derrotados e destruídos e
os sistemas capitalista e comunista passaram a concorrer, liderados por seus dois grandes
representantes, Estados Unidos e União Soviética. Foi dentro desse contexto que a associação entre
democracia e desenvolvimento econômico passou a ser mais forte, porque no mundo capitalista
acreditava-se que a conversão ao comunismo acontecia devido ao atraso econômico e social das
sociedades onde ocorriam as revoluções comunistas, enquanto no mundo comunista acreditava-se
que o mau funcionamento econômico e social do capitalismo é que permitia a instalação de
sociedades comunistas. De qualquer forma, para ambos os sistemas, a capacidade de desenvolver
economicamente as sociedades parecia ser vital para justificar as formas de organização da
sociedade e para tentar provar qual era mais eficiente.

A preocupação com o desenvolvimento econômico das sociedades e a associação desse


desenvolvimento com a possibilidade de existência de democracias estáveis passou a ser a grande
preocupação do mundo ocidental depois da Segunda Guerra. Dessa preocupação surgiram vários
órgãos que existem até hoje, como o FMI e o Banco Mundial, que pretendiam ajudar o bom
funcionamento das economias capitalistas e promover o desenvolvimento econômico em todos os
países que fossem simpáticos ao mundo capitalista.

Essas idéias tiveram forte impacto na sociedade brasileira, que a partir de 1945 passou a buscar de
forma mais consciente o desenvolvimento da economia nacional. Empréstimos estrangeiros oficiais,
missões externas que vinham nos ensinar a promover o desenvolvimento econômico, planejamento
econômico, órgãos do governo voltados para essas atividades como o BNDE e a SUDENE
começaram a ser criados no Brasil ao longo dos anos 50 e várias outras atividades, todas sempre
buscando garantir o desenvolvimento econômico do país.

Deve ficar claro para todas as pessoas que estudam essa época que as ações tomadas no Brasil e em
vários outros países do mundo que buscavam o desenvolvimento econômico partiam do princípio
de que era necessário primeiro realizar esse desenvolvimento, para somente depois ter certeza da
consolidação da democracia dentro dessas sociedades. As várias teorias que justificavam essa forma
de ação política ficaram conhecidas como Teorias da Modernização e o período que se inicia com o
final da Segunda Guerra e termina com o Golpe de 1964 ficou conhecido no Brasil como
Desenvolvimentista. Grandes avanços econômicos foram obtidos ao longo desse período, como o

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Curso de formação política

início da exploração do petróleo pela PETROBRAS, o desenvolvimento da indústria


automobilística, vários investimentos na infra-estrutura como em rodovias, produção de energia
hidrelétrica, transmissão de energia, telecomunicações e outros setores importantes.

Por outro lado, o Brasil que após 1945 tinha começado um novo período político com o fim da
ditadura de Getúlio Vargas e o início de um período democrático que só foi interrompido em 1964,
passou a sofrer crescentes dificuldades em manter seu sistema democrático em funcionamento,
devido a problemas causados pela má compreensão da época das prioridades entre desenvolvimento
econômico e democracia. Isto porque, como o desenvolvimento econômico era percebido por todos
como fundamental para a melhoria das condições de vida de nossa população e ao mesmo tempo
como necessário para que a própria democracia pudesse funcionar, ele era priorizado diante da
própria democracia. Em outras palavras, cada vez mais naquele período, se fosse preciso escolher
entre manter o desenvolvimento econômico ou garantir o acesso de todos a direitos políticos e
sociais, a escolha recaia na alternativa de abrir mão do bom funcionamento da democracia em troca
da possibilidade de mais desenvolvimento econômico. Essa forma de agir levou a que grande parte
da população brasileira não tivesse acesso aos frutos do crescimento econômico e que, ao procurar
lutar por esse acesso através de manifestações políticas, fosse rejeitada como um impedimento ao
desenvolvimento econômico do país e a própria consolidação da democracia. A conclusão desse
processo ocorreu com o Golpe Militar de 1964, que em nome da defesa da democracia e do
desenvolvimento econômico do país destruiu o sistema democrático.

A aposta feita pelos militares foi a do crescimento econômico como resposta à falta de democracia.
A situação era justificada da seguinte maneira: quando o desenvolvimento econômico estivesse
consolidado no país não existiriam mais ameaças à democracia e só então ela poderia ser utilizada
sem a tutela dos militares.

O longo período de ditadura militar (1964-1985) apresentou em seu início um sucesso econômico
formidável em conjunto com um progressivo aumento da repressão e destruição das instituições
democráticas. O Brasil passou a ser o país que crescia mais rápido no mundo ao mesmo tempo em
que abandonava a democracia. Era quase que a inversão da idéia original de 1945, de que o
desenvolvimento econômico levaria ao fortalecimento da democracia. As conquistas econômicas
foram impressionantes, como industrialização pesada com setores químicos, petroquímicos,
mecânicos, elétricos, com o desenvolvimento de indústria de aviação, bélica, de equipamentos

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Curso de formação política

eletrônicos etc. Vários outros exemplos poderiam ser citados e não faz sentido negar o
desenvolvimento econômico que foi conseguido durante o período militar. Entretanto, grande parte
da população se encontrava marginalizada politicamente e mesmo socialmente dos benefícios desse
avanço.

Porém, o período militar não foi somente de avanço econômico. A partir da segunda metade da
década de 70 graves problemas na economia internacional, como a crise do petróleo, explosão das
taxas de juro internacionais e o aumento da dívida externa dos países em desenvolvimento levaram
o Brasil a parar de crescer. Nesse momento é que apareceu o grande perigo da aposta feita por nós,
pois agora estávamos sem desenvolvimento econômico possível e sem democracia. Foi diante dessa
situação que os militares foram paulatinamente perdendo legitimidade diante da sociedade
brasileira. O processo de redemocratização do Brasil teve eventos importantes, como a reabertura
de 1979, e a campanha pelas eleições diretas em 1983-4.

Com o final do período militar os governos civis que o sucederam tiveram que enfrentar uma
verdadeira herança maldita. Inflação, recessão, desemprego, fome, crise social e vários outros
problemas sócio-econômicos estavam associados às dificuldades de se recomeçar um sistema
democrático. O Brasil passou toda a segunda metade dos anos 80 enfrentando esses problemas sem
sucesso. E foi então que uma nova “moda” intelectual internacional surgiu. Ela se chamou consenso
de Washington, pois foi elaborada na sede do Banco Mundial que fica naquela cidade, e defendia
que várias das ações que o Brasil e outros países haviam tomado buscando seu desenvolvimento
econômico desde os anos 50 estavam erradas ou precisavam ser mudadas. Economias fechadas ao
comércio internacional, empresas estatais, produção voltada exclusivamente para o mercado
interno, desequilíbrio fiscal nas contas dos governos e outras ações / situações desse tipo passaram a
ser vistas como as causas da falta de crescimento econômico de países como o Brasil. Nesse
momento, agora que não existe mais o desafio comunista devido à queda do mundo socialista entre
o fim dos anos 80 e o início dos 90, a ênfase não é mais na democracia, mas sim no bom
funcionamento das economias. Esse bom funcionamento é entendido por muitos como
privilegiando de forma exagerada a capacidade dos países de garantirem que os investimentos
estrangeiros neles nunca sofram perdas. De qualquer forma, desde o governo Collor o Brasil busca
fazer as reformas apontadas pelo consenso de Washington. Muitas delas já foram feitas, mas nosso
país nunca mais conseguiu iniciar um novo processo de desenvolvimento econômico como aquele
que foi conseguido no período que vai de 1945 a 1975.

64
Curso de formação política

Ironicamente, hoje o Brasil é uma sociedade mais democrática do que jamais foi. Desde 1985
estamos construindo um processo democrático que está consolidando-se de forma muito rápida.
Evidentemente, os desafios que devemos enfrentar são enormes. Nossa sociedade continua muito
desigual e injusta, econômica e politicamente. Mas hoje todos temos consciência de que nosso
desenvolvimento como sociedade mais justa e próspera passa pelo desenvolvimento da economia e
da democracia de forma conjunta. Todos sabemos que o Estado brasileiro tem que enfrentar
restrições econômicas, que a condução da política econômica não pode ser mais feita como foi no
passado e que todos os cidadãos devem rever sua forma de agir economicamente buscando formas
mais éticas, justas e eficientes. Esses desafios são grandes, mas desfrutando de liberdade
democrática podemos esperar que consigamos superar a todos construindo um país bem melhor do
que temos atualmente.

Bibliografia adicional
ALVAREZ, Sônia; DAGNINO, Evelina & ESCOBAR, Arturo. Cultura e Política nos Movimentos
Sociais Latino Americanos; Novas leituras. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2000.
BIELSCHOWSKY, Ricardo. “Ideologia y desarrollo: Brasil, 1930-1964” in: Revista de La CEPAL,
n.º 45 Dez/1991.
- - - - - - - - - - - -. Pensamento Econômico Brasileiro: O Ciclo ideológico do Desenvolvimento. Rio
de Janeiro, IPEA/Inpes, 1988.
BORSANI, Hugo. “Eleições e economia”. Belo Horizonte, Editora UFMG e Rio de Janeiro,
IUPERJ, 2003.
BURKI, Shahid & PERRY, Guillermo. Beyond Washington Consensus. Washington, Banco
Mundial, 1999.
CROOK, Clive. "O futuro do Estado" in: Gazeta Mercantil, Caderno Especial, 28 de outubro de
1997.
DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da Democracia. São Paulo, EDUSP, 1999.
FONSECA, Eduardo Giannetti da. Vícios privados, benefícios públicos. São Paulo, Companhia das
Letras, 1993.
HUNTINGTON, Samuel. A ordem política nas sociedades em mudança. Rio de janeiro, Foerense,
1975.
LAMOUNIER, Bolívar. De Geisel à Collor: o balanço da transição. São Paulo, Sumaré, 1990.

65
Curso de formação política

LANDES, David S. A riqueza e a pobreza das nações: por que algumas são tão ricas e outras são
tão pobres. Rio de Janeiro, Campus, 1998.
LIPSET, Seymor Martin. O homem político. Rio de Janeiro, Zahar, 1967.
MANTEGA, Guido. A Economia Política Brasileira. São Paulo, Polis/Vozes, 1984.
MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.
NUNES, Edson. A gramática política no Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. Rio de
Janeiro, ENAP/Zahar, 1997.
OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva. São Paulo. EDUSP, 1999.
RODRIGUES, Leôncio Martins. Partidos e sindicatos. São Paulo, Ática, 1990.
RODRIK, Dani. The new global economy and developing countries: making openness work.
Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1999.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991.

- - - - - - - - - - - - - . Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro, Saga, 1969.

SMITH, Willian; ACUÑA, Carlos & GAMARRA, Eduardo. Latin America political economy in
the age of neoliberal reform. Princeton, Princeton University Press, 1995.

SOLA, Lourdes & PAULANI, Leda. Lições da década de 80. São Paulo, EDUSP, 1995.
SOLA, Lourdes. Estado, mercado e democracia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993.
- - - - - - - - - -. Idéias econômicas, decisões políticas. São Paulo, EDUSP, 1998.
SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro, Campus, 1998.
STEPAN, Alfred. Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Petrópolis, Vozes, 1996.
WILLIANSON, John. A economia aberta e a economia mundial. Rio de Janeiro, Campus, 1989.

Política Internacional: da Segunda Guerra à Globalização


Marcello Simão Branco

Temos hoje, neste início de século XXI, um mundo bastante diferente daquele saído do maior evento militar
do século passado, a Segunda Guerra Mundial. Em 1945 o contexto internacional mostrava a vitória dos
Aliados frente às forças do Eixo. Com a Europa e boa parte da Ásia em ruínas, começava um mundo novo,
com duas grandes superpotências (Estados Unidos e União Soviética) determinando os rumos ideológicos e

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Curso de formação política

políticos dos demais países do planeta até o fim dos anos 80, num período que ficou conhecido como Guerra
Fria. Do ponto de vista institucional também houve mudanças importantes nas relações internacionais.
Foram criados a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial entre outras, para estruturar e coordenar as relações entre os países, tanto do ponto de vista político,
como econômico.

O que é importante ressaltar é que cerca de 60 anos depois do fim do conflito, o mundo ainda tem
como principais heranças as criações institucionais daquele período sangrento e conturbado. E é por
esta razão que o marco inicial de análise deste texto toma como ponto de partida o mundo incerto
que se vislumbrava em meados dos anos 40. Mas ao invés de repassarmos histórica e
cronologicamente os períodos posteriores, vamos antes tentar entender um pouco da lógica e da
complexidade que motiva os países em suas relações internacionais.

Nos termos mais genéricos a própria expressão ‘relações internacionais’ indica o conjunto de
relações que intermediam entre os Estados e as instituições internacionais. E implica na distinção
entre uma esfera de suas relações internas e de suas relações externas. Pois enquanto as internas se
desenvolvem normalmente sem o recurso à violência, que é monopólio da autoridade soberana, as
relações externas se desenvolvem com a possibilidade da guerra, isto é, envolvem a possibilidade
permanente da guerra ou sua ameaça, quando não sua experiência freqüente.

Soberania e anarquia
O conceito fundamental a ser entendido é que se a soberania, ou monopólio internacional da força, é
o poder de garantir, em última instância, a eficácia de uma ordem jurídica, assegurando a
manutenção das relações pacíficas internas do Estado, ela é também, de outro ponto de vista, a
causa da guerra nas relações externas dos Estados. Isso porque, num contexto internacional, o
Estado não reconhece juridicamente nenhuma outra instância de poder acima de sua própria.
Mesmo que haja autoridades e instituições supra-estatais, o Estado reserva para si mesmo a decisão
final de suas ações no plano internacional. Não é por outra razão que a quase totalidade dos Estados
soberanos e reconhecidos em sua independência política possuem Forças Armadas. No limite, é um
recurso e uma proteção contra eventuais agressões de outros Estados.

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Curso de formação política

Dentro deste quadro, temos o que alguns analistas das teorias de relações internacionais chamam de
uma dicotomia entre ‘soberania estatal-anarquia internacional’. Ou seja, as relações internas são
coesas e tem uma fonte única de poder e legitimidade. Já as externas não são reguladas por uma
fonte única de poder, permitindo a cada Estado defender seus interesses em pé de igualdade teórico
com os outros Estados. Teórico é bem a palavra, pois na prática histórica dos países existem
configurações de poder entre eles que moldam suas relações e definem suas estratégicas externas.

Para resumir o argumento, existe uma hierarquia entre os vários Estados, baseadas em fatores como
maior poderio econômico, militar, populacional e de recursos naturais e tecnológicos, entre outros.
Assim, há uma diferenciação entre as chamadas ‘grandes potências’, ou seja Estados realmente
capazes de se defender de modo autônomo, das potências médias e pequenas, que precisam buscar a
proteção de uma das grandes potências. Uma decorrência desta hierarquia é que as decisões
fundamentais do contexto internacional são as tomadas por uma minoria de países: os mais
poderosos, as grandes potências.

Como se vê, com esta hierarquização se reduziu uma situação de aparente caos, onde todos os
Estados podem tudo contra qualquer outro, para uma de contenção e concentração em alguns
poucos países. E mesmo entre estes, chamados de grandes potências, deve existir um equilíbrio, no
qual não deve haver uma excessiva diferença de força e interesses entre eles, capaz de impedir que
qualquer deles se sobreponha a todos os demais.

A hierarquia entre os Estados e o equilíbrio entre as grandes potências, ao lado do quadro básico de
anarquia do sistema internacional, são os dois elementos estruturais que transformam uma
pluralidade caótica de Estados num sistema que permite uma relativa ordem, tornando mais
compreensível e previsível as relações entre eles.

Ainda do ponto de vista teórico e conceitual é importante entender como este sistema de Estados
mais poderosos vem se configurando e modificando ao longo da História. Pois é,
fundamentalmente, das relações de força e interesses entre eles, que as relações internacionais
adquirem condições de paz ou guerra. Basicamente temos a existência de sistemas de Estados
unipolares, bipolares e multipolares. Unipolar onde apenas uma grande potência domina o cenário
internacional como, por exemplo, o Império Romano. Bipolar onde o mundo está dividido entre
dois países poderosos como, por exemplo, Estados Unidos e União Soviética. E multipolar onde as

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Curso de formação política

relações internacionais se estruturam em um conjunto de países, um número limitado, mas não


propriamente definido. Como exemplo, podemos apontar a Europa de meados do século XIX até a
deflagração da Segunda Guerra Mundial.

Guerra fria
Com estes marcos estabelecidos é possível entendermos de forma mais clara as relações
internacionais deste último meio século. Pois o que tínhamos no cenário que levou à conflagração
armada de 1939-45? Um sistema multipolar que entrou em colapso. Aliás, que já apresentava
problemas desde 1914 com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Do enfrentamento das potências
grandes da Europa (Alemanha, Reino Unido, França e Itália), de uma potência em ascensão na Ásia
(Japão), foi dado o estopim para a Segunda Guerra. E este conflito permitiu ao seu final que dois
grandes países passassem a protagonizar o cenário internacional, transformando a implosão do
sistema multipolar em um sistema bipolar.

Esta competição por poder e hegemonia pelos Estados Unidos e União Soviética se estruturou,
contudo, sob a base de um conjunto de instituições internacionais até então inédito. Como vimos
nasce a ONU e outras organizações multilaterais complementares, com o claro propósito de mediar,
negociar as relações entre os Estados, estabelecendo vínculos, acordos e tratados políticos e
econômicos, como meio de impedir o ressurgimento de um novo conflito de dimensão mundial.

Contudo, pelo fato de a ONU estar sob a égide da ação das principais potências internacionais, ela
fica ‘engessada’, isto é, subordinada em boa parte às decisões dos principais atores do cenário
internacional. Tanto é que ela é estruturada em duas instâncias decisórias principais: 1) a
Assembléia Geral, com a presença de todos os países filiados, onde são deliberadas várias questões
de interesse dos países, desde problemas políticos até sociais. 2) O Conselho de Segurança, que é o
órgão decisório, por meio do qual, os principais países do ponto de vista político e militar decidem
questões da segurança internacional. Apenas eles têm o poder de voto (e veto) neste conselho:
Estados Unidos, União Soviética, China, Reino Unido e França. Exatamente os países vencedores
da Segunda Guerra.

Dentro deste contexto, o que caracteriza de saída a superioridade do gigante do Oeste e do gigante
do Leste, são seus arsenais nucleares. Esta vantagem, que já se configura no próprio fim da Segunda
Guerra, nasce não apenas de uma capacidade militar superior, mas também de um uso deliberado de

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Curso de formação política

recursos econômicos e tecnológicos para fins estratégicos. Mesmo sendo comparativamente mais
‘pobre’ do que os Estados Unidos, a União Soviética concentra vitalmente seus recursos no
desenvolvimento militar, o que acabará, por fim, a sérias distorções internas com efeito decisivo
para a sua derrocada em fins dos anos 80.

Mas a capacidade militar de ambos os países não é tudo. Muito importante também é o cunho
ideológico. Ambos são portadores de uma mensagem universal, que defende uma determinada visão
de mundo muito particular e excludente da sua concorrente. No caso elas são os valores
democráticos e capitalistas dos americanos e os valores socialistas dos soviéticos. Desta maneira a
Guerra Fria entre as duas superpotências se justifica essencialmente por sua defesa ideológica e se
ampara materialmente na corrida armamentista nuclear. Contribui para ampliar o conflito latente a
internacionalização dos assuntos mundiais. Pois estes dois países disputam poder e influência em
todos os cantos do globo.

Assim, quando se somam os elementos militares e ideológicos, articula-se plenamente o exercício


hegemônico das duas superpotências, com a formação de alianças militares (Organização do
Tratado do Atlântico Norte [OTAN], pelo lado americano; Pacto de Varsóvia, pelo lado soviético).
Formam-se, desta maneira, zonas de influência em que a presença do rival deve ser evitada
terminantemente. Uma situação tal que uma alteração deste ‘equilíbrio de terror’ pode levar
decisivamente a uma guerra, como o caso da instalação de mísseis nucleares em Cuba em 1961.

Desta maneira, as relações internacionais de todo o planeta ficam subordinadas aos interesses
maiores de americanos e soviéticos. As políticas internas de potências médias e pequenas são
influenciadas pelos interesses dos dois países, de acordo com o grau de autonomia militar e
desenvolvimento econômico de cada nação. Desta forma, por exemplo, um país reconstruído das
ruínas da guerra, novamente rico e com pequeno arsenal nuclear como a França, tem um poder de
manobra razoável dentro do bloco ocidental. Já um país subdesenvolvido, do Terceiro Mundo, fica
mais dependente dos interesses ideológicos e militares de americanos e soviéticos.

É dentro deste quadro que se assiste durante os anos da Guerra Fria a várias guerras civis e
insurreições militares em países da Ásia, África e da América Latina. Ao fim da Segunda Guerra
dois outros fenômenos foram muito marcantes no cenário internacional. Primeiro um processo de
descolonização acentuado na Ásia e na África, com vários países ganhando a independência política

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Curso de formação política

dos seus antigos dominadores europeus. E em segundo lugar, ao clima de vitória dos Aliados e o
ressurgimento dos valores liberais-democráticos como a melhor forma de organizar uma sociedade,
vários países, entre os descolonizados e outros anteriormente influenciados pelo fascismo, se
tornaram democráticos. Mas dentro deste quadro de mudança acentuada dos regimes políticos,
também o socialismo teve uma influência importante, cooptando muitos países para sua esfera de
influência. E devido a esta concorrência ideológica, que tinha como interesse real, a ampliação da
zona de influência de americanos e soviéticos, foram deflagradas guerras civis, invasões armadas e
golpes de Estado, que terminaram por convulsionar o cenário internacional de forma dramática,
especialmente a partir dos anos 60. Soviéticos incentivavam os países a entrarem para sua zona de
influência, seduzindo-os com armamentos e recursos econômicos. E os americanos passaram a usar
de expediente semelhante, deixando num plano secundário a defesa de seus valores democráticos.
Bastava apenas que os governantes os apoiassem contra os soviéticos. Desta forma, há uma forte
regressão em vários regimes democráticos, com a instalação de ditaduras de perfil militar e
conservador em vários países, especialmente na América Latina.

É dentro deste contexto que podemos entender o que aconteceu em parte com o Brasil, que caiu
como mais um dominó do tabuleiro em 1964. Antes disso, ao fim da Segunda Guerra, o Brasil se
alinhou claramente aos Estados Unidos em sua política externa. O principal interesse do país era
conseguir investimentos financeiros externos para o desenvolvimento industrial, mas quando no
plano interno um discurso nacionalista de viés mais ‘esquerdista’ ganha corpo, dada a precariedade
do sistema político e baixa adesão aos valores da democracia, o Brasil sofre um golpe de Estado
civil-militar em 1964 que perdurará até 1985. E este regime militar adota uma política severa de
ataque a qualquer interesse que não seja o da sua chamada Doutrina de Segurança Nacional, que
estipulava os agentes subversivos socialistas ou não partidários do regime como inimigos internos
do Estado. O Brasil entrava na chamada órbita americana, como um exemplo dos alinhamentos
internacionais das potências pequenas e médias (como o Brasil) no período.

E esta lógica de aumentar a zona de influência e evitar a perda para o inimigo se exacerba com a
disputa armamentista que se dá não só entre Estados Unidos e União Soviética, mas em graus
proporcionais, a todos os países. De toda forma, este processo permanente de construção de armas
cada vez mais poderosas e destrutivas leva a uma situação paradoxal. A capacidade de destruição é
tal que ultrapassa demais as necessidades de segurança de cada um. Ou seja, se utilizados os

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Curso de formação política

arsenais nucleares, levariam, não à intimidação ou destruição do adversário, mas à destruição da


vida na Terra.

Uma conseqüência é a de que, em boa medida, a lógica nuclear se desliga da lógica política. O
emprego da ameaça nuclear como instrumento de intimidação do adversário se dilui. Continua a
valer como um diferencial de poder, consome recursos gigantescos, mas, no limite, seu efeito é
mais simbólico do que prático.

Assim é que a continuação desta corrida armamentista acaba por ser uma das principais causas do
colapso do regime soviético. Em determinada altura, o planejamento econômico estatal não
consegue mais dar conta dos investimentos militares e tecnológicos e ainda atender as demandas
sociais de sua também enorme população espalhada pelo maior território de um país em todo o
mundo. Chegamos em 1989 e o mundo assiste com um misto de júbilo e perplexidade os regimes
socialistas do Leste Europeu caírem um a um e com pouco derramamento de sangue.

Nova ordem mundial


Após a extinção da União Soviética, o mundo assiste ao fim do chamado sistema bipolar que
controlou as relações internacionais de 1945 a 1991. Entramos numa nova fase marcada por outras
ameaças, um legado institucional da ONU e outras organizações afins afeiçoadas a um mundo que
também não existe mais, fenômenos como uma nova onda de democratização em vários países do
mundo e a globalização do comércio e o desenvolvimento de blocos econômicos como dois eventos
importantes, em meio à constatação de que o sistema de Estados é agora comandado por uma única
superpotência: os Estados Unidos.

Para o Brasil, um país de uma região periférica, mas ainda assim a principal potência da região do
planeta em que se encontra (a América Latina), duas opções muito importantes são verificadas: a
restauração da democracia, com o fim da ditadura militar, e a aproximação com seu principal
adversário político na região, a Argentina, criando o Mercado Comum do Sul (Mercosul), já em
1986. Neste sentido a orientação da política externa brasileira tem seguido, com pequenas variações
de governos a governos, a defesa de valores tradicionais de sua diplomacia (como a solução pacífica
dos conflitos e a não interferência internacional em assuntos internos de países), bem como uma
promoção de valores democráticos para os seus vizinhos e uma forte opção de integração regional,

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Curso de formação política

ampliada mais recentemente com as negociações em curso da Área de Livre Comércio das
Américas (Alca).

Já o cenário internacional está marcado pela supremacia econômica e militar americana e em uma
vasta e jamais vista antes interconexão das trocas econômicas. No estágio histórico a que chegamos
é possível falar de capitalismo e sociedade civil com amplitude transnacional. Mas este mundo
socio-economicamente interligado não é propriamente unipolar do ponto de vista político-
estratégico. Apesar das recentes ações unilaterais norte-americanas devido aos atentados terroristas
de setembro de 2001 e suas respostas militares, como as invasões ao Afeganistão (2001) e ao Iraque
(2003), o mundo ainda busca um novo paradigma de equilíbrio entre os principais países, num
sistema que poderia ser mais propriamente compreendido como unimultipolar. Ou seja: uma grande
potência de alcance mundial e potências relevantes, mas de nível regional ou continental, como a
Rússia, a União Européia e a China, por exemplo. É um mundo em transformação e com contornos
indefinidos, potencializados com a ascensão do terrorismo em escala internacional como um
inimigo insidioso e desestabilizador.

A definição de um quadro que seja minimamente seguro para a convivência humana no planeta
passa pela reformulação e um papel de maior importância e poder de decisão da ONU. Mas, como
no passado, ela ainda depende em boa parte dos interesses das maiores potências. E num sistema em
que um país tem uma preponderância gigantesca com relação aos demais esta tarefa fica difícil de
ser concretizada, ao menos no curto prazo dos próximos anos.

Bibliografia adicional:
BATISTA, Paulo Nogueira (1992). “Nova Ordem ou Desordem Internacional?”, in Política Externa
n.1, editora Paz e Terra, junho.
CERVO, Amado Luiz e BUENO, Clodoaldo (2002). Historia da Política Exterior do Brasil.
Editora da Universidade de Brasília.
HOBSBAWM, Eric (1995). Era dos Extremos – O Breve Século XX: 1914-1991. Editora
Companhia das Letras.
HUNTINGTON, Samuel P. (1999). “A Superpotência Solitária”, in ‘Foreign Affairs’ (edição
brasileira), Gazeta Mercantil, 12 de março.
JAGUARIBE, Helio (1992). “A Nova Ordem Mundial”, in Política Externa n.1, editora Paz e
Terra, junho.

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JÚNIOR, Gelson Fonseca (1995). “O Sistema Internacional Durante a Guerra Fria”, in Revista USP
n. 26, junho/julho/agosto.
OLIVEIRA, Pedro Américo Furtado de (1995). “Os 50 Anos da ONU e Seus Desafios para a Era
do Pós-Guerra Fria”, in Revista USP n. 26, junho/julho/agosto.
PISTONE, Sérgio (1992). “Relações Internacionais”, in Dicionário de Política – Volume 2,
Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, editores. Editora da Universidade de
Brasília, quarta edição.
VIGEVANI, Tullo (1986). A Segunda Guerra Mundial. Editora Moderna.

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