Você está na página 1de 45

Esta é uma obra de ficção.

Todos os personagens,
organizações e eventos retratados nesta história são
produto da imaginação do autor ou usados
ficticiamente.

Não fazia a mínima ideia de onde eu estava, ou como


fui parar ali, meus cabelos estavam repletos de folhas, meu
rosto doía de forma estranha. Minha pele morena ganhara uma
palidez descomunal fazendo parecer que estava ali a dias, o que
não me parecia improvável. Tinha em minha mente como
última lembrança, a face de um garoto que veio até mim,
estava sentado em um banco de uma praça no centro da cidade.
Aproximou-se com uma flor amarela em mãos dizendo que
essa tinha um cheiro bom, depois disso não me lembro da mais
nada. Caminhei de onde acordei, que era no meio de uma
floresta que me parece Amazônia, não que eu conhecesse a
Amazônia pessoalmente, mas já havia visto muitos
documentários e fotos. Andei por aproximadamente uma hora
ou duas, até encontrar um lugar para passar a noite, como
geralmente fazem os personagens de filmes de aventuras na
selva.
Ajeitei-me em uma pedreira, era como um moro de
pedras, onde as maiores sobre as menores formavam cavernas
rasas com menos de dois metros de profundidade, porém,
tinham espaço o suficientemente para me deitar pela noite.
Ajuntei folhas de palmeiras e gravetos para uma possível
fogueira caso eu conseguisse ascender com faíscas de atrito de
pedras, passei por uma mangueira que estava carregada de
frutos, e com algumas mangas que estavam caídas ao chão,
consegui derrubar o suficiente para que eu matasse minha
fome. Nesse meio tempo procurei meu celular e não encontrei,
aliás não encontrei nada além das minhas roupas que estavam
em meu corpo, uma camisa branca por baixo de uma blusa de
malha grossa e capuz na cor preta e uma calça jeans azul escura
e uma bota apropriada para trilha de cor marrom, sorte a minha
está com elas… E meu cordão de pedra da lua.

Antes que a noite chegasse, preparei alguns gravetos em


um pequeno monte, tendo entre eles folhas secas variadas, os
cerquei com pequenas pedras para conservar as chamas e
impedir que o vento apagasse a fogueira caso ela tornasse
realidade. Peguei duas pedras do tamanho de minha mão e as
bati uma contra a outra por muito, muito tempo, até o momento
em que uma grande faísca acertou o alvo e produziu então uma
pequena chama, a qual assoprei e esta se propagou ascendendo
minha fogueira. Catei as mangas que recolhi durante a manhã e
ali fiquei, sentado a beira da fogueira, devorando-as, e
pensando.

“Onde eu estou? Como vim parar aqui? Alguém me


trouxe? Se trouxe, por qual motivo? O que eu faço? Busco
ajuda? A saída dessa floresta? Construo um abrigo, uma casa
de madeira e pedra nessa pedreira e faço lanças e flechas e
arcos com fibra de árvore e sobrevivo da caça? Tenho que
achar água! No fim das contas, não há ninguém me esperando
em outro lugar mesmo, sem amigos e sem família, talvez eu
encontre uma tribo indígena por aqui e me torno um membro
dela…”

Meus olhos se fechavam sem eu querer, e sem me


preocupar com animais rastejantes típicos de pedreiras,
adormeci sobre minha cama de folhas de palmeira.
Capítulo 2
Segundo dia- Fogo?

Ao amanhecer e notar que tudo aquilo era real, não me


desesperei como pensei que faria, mas sim mantive a calma e
comi mais algumas mangas. Logo mais, antes do sol estar ao
centro do céu da grande floresta, me embrenhei novamente por
ela, agora em busca de água, ainda que eu consumisse
inúmeras mangas a sede permanecia forte, e eu não estava
disposto a morrer de sede. Durante minha caminha me armei
de um pedaço de madeira que tinha de comprimento o que eu
tinha de altura.

Caminhei por horas sem sucesso, a posição do sol


indicava ser aproximadamente três horas da tarde, e por mais
que fosse horário de verão, dentro da floresta a noite chegava
bem rápido. Ao perceber que já começava a anoitecer, desisti
de minha busca por água, decidi voltar para a pedreira onde eu
havia passado a noite, ao longo da caminhada de volta
passando por uma clareira em meio a floresta, notei uma
pequena cortina de fumaça que subia verticalmente e se
dissipava no céu, que reparei que estava completamente cinza,
o dia ensolarado fora consumido por nuvens escuras e densas.

“Onde tem fumaça provavelmente há fogo.”


Era tudo que minha mente conseguia imaginar.

“De onde vem a fumaça? Uma tribo indígena? Se for lá


tem água? Mas, e se forem cambiais? Quanto tempo gasto pra
chegar lá? E se eu ficar perdido? Espere… Já estou perdido,
mas posso não conseguir voltar para a pedreira! Ah dane-se a
pedreira.”
Parti em direção ao suposto fogo, poderia ser qualquer
coisa, mas eu torcia para ser uma tribo indígena amigável que
me acolhesse e me dê-se água e um peixe assado na fogueira.
Quanto mais tempo eu andava, mais escuro ficava a cor do céu,
uma pequena garoa caia por alguns minutos, porém cessava tão
rapidamente que nem dava tempo de juntar um pouco nas mãos
para beber. Já não tinha mais noção do tempo e também nem
me importava mais, queria apenas chegar logo a fonte da
fumaça antes da chuva me encharcar. Ouvia barulhos por todos
os lados, ruídos de animais, sons que nunca havia escutado
antes, o vento chacoalhando os galhos das árvores, derrubando
folhas e gravetos.

Como se não bastasse todo o clima ruim e assustador, as


nuvens se alvoroçaram, trovões e relâmpagos tratavam de
aumentar o terror da caminhada, não se dava mais pra ver a
fumaça, nem sequer um clarão de fogo. Não fazia a mínima
ideia se ainda estava na direção certa, e também não era mais
minha prioridade, queria apenas encontrar abrigo para me
esconder da chuva e passar a noite, e durante o dia continuaria
minha caminhada. Porém, antes que encontrasse abrigo, ao
atravessar alguns arbustos em meio a trilha que seguia, senti
um enorme cheiro de fumaça e madeira molhada queimada
impregnar em meu nariz.

“Isso, há realmente uma fogueira e está por aqui.”

Dobrei minha cautela, a cada passo tentava fazer menos


barulho, a cada metro a mais de caminhada maior era o cheiro
de madeira molhada, e poucos minutos depois minha teoria se
concretizou, por trás de algumas árvores e arbustos vi uma
grande fogueira, ou o resto de uma, pois as madeiras estavam
molhadas produzindo assim apenas fumaça. Não havia
nenhuma oca, ou tenda ou cabana, nenhum índio ou lenhador,
mas por precaução decidi ficar escondido por alguns instantes
para ter certeza que não havia perigo.

O frio e o cansaço não amenizaram para mim, sentado


no chão encostado no tronco de uma grande árvore adormeci
como uma criança em sua inocência, lembro-me de ter
acordado ao ouvir passos, abri meus olhos assustado olhando
de um lado para o outro a fim de avistar o animal que por mim,
mas para minha surpresa, não fora um animal que me fizeste
despertar de meu sono, e sim uma mulher incrivelmente linda.
Ainda no escuro da Floresta pude ver seus cabelos negros se
sacudirem ao vento, seu rosto era de formato fino e agradável,
seus lábios carnudos, quanto a seus olhos, bem... Não consegui
ver de qual cor eram, vi apenas que seu olhar era de espanto
combinado com raiva e cansaço.

– Oh, até que enfim outro ser humano por aqui! – Exclamei.

Ela porém nada disse, apenas balançou a cabeça para os


lados num gesto de desaprovação, desci olhos ao perceber que
trazia consigo uma madeira em sua mão direita como um
tacape ou uma clava e a última coisa que vi naquela noite com
clareza foi a mulher erguer sua arma e descê-la com força em
minha cabeça deixando-me inconsistente.
Capítulo 3
Terceiro dia- Me explica direito, eu não sou daqui!

Acordei torcendo para acordar em minha cama e meu


quarto, na minha casa, no meu país, em meu estado, minha
cidade, e meu bairro em minha rua em meu quarteirão, mas não
aconteceu, abri os olhos com dificuldade pela luz do sol que
era muito intensa o que pra mim foi estranho já que na noite
passada as nuvens densas e carregadas estacionaram em cima
da floresta. Amarrado a beira de uma fogueira, de frente para
mim estava minha raptora, ou caçadora caso eu fosse virar
comida de canibal, embora logo notei que não se tratava de
uma índia, apenas uma bela mulher de aproximadamente vinte
e cinco à trinta anos de idade, estava a afiar com um canivete
prateado uma vara de madeira, que seria uma provável lança.
Ela me olhava por entre seus enormes cabelos cacheados que
balançavam ao vento suave.

Com a claridade do dia pude ver melhor os seus olhos,


eram castanhos não tão escuros e nem tão claros, tinha cor de
mel como seus cabelos que pensava eu ser negros, mas fui
apenas enganado pela escuridão da noite anterior. Seu rosto era
de uma simetria que nunca havia visto antes, até uma
minúscula pinta abaixo do olho esquerdo, tinha uma réplica
perfeita abaixo do direito.

– Que lugar é esse? – Perguntei a fim de quebrar o gelo, e


esclarecer um possível mal entendido, mas fui ignorado. – Ok,
quer dizer que você me bate, me mantém preso e ainda não vai
falar nada? – Questionei elevando um pouco o tom de minha
voz.

Ela por sua vez se levantou, deixando-me ver com


clareza seu belo corpo dotado de curvas, que pela definição dos
músculos aparentava vir de bastante malhação. Vestia uma
calça de malha justa ao corpo de cor preta e blusa seguindo o
mesmo perfil, não entendia como conseguia estar vestida de tal
forma com todo aquele calor insuportável. Dirigiu-se para
perto de mim e parando em frente , olhou-me nos olhos e
passou o canivete da mão direita para a esquerda onde segurava
a vara de madeira, e lançou um tapa bem colocado em meu
rosto fazendo-me virar a cabeça para o lado de tão forte.

– Filha da mãe! – Gritei, me perguntado de onde saia tanta


força, por mais que fosse uma mulher que fizesse flexões de
braço ou levantasse pesos demais. – Se me bater outra vez eu
juro que…
– Que…? – Indagou a mulher se abaixando ficando assim cara
a cara comigo. – Seu merda!
– Ótimo, iniciamos um diálogo… – Falei, ainda sentindo meu
maxilar doer e minha cabeça latejar por dentro. – Isso é bom,
agora poderia responde minha pergunta?
– Eu descobri sozinha, por que deveria te contar? –
Questionou.
– Você é do tipo de pessoa que responde pergunta com outra
pergunta? --Perguntei.
– Você é do tipo babaca que acha que é engraçado? – Replicou
ela.
– Isso responde minha pergunta, e te respondendo, ultimamente
bastante pessoas me chamaram de babaca então, eu acho que
sou um babaca em termos embora não me ache engraçado. –
Respondi com um leve sorriso.
– Como veio parar aqui? – Perguntou a linda morena voltando
para onde estava.
– Não faço a mínima ideia, já ia te perguntar se foi você que
me deu uma paulada e me trouxe para cá! – Respondi.
– Sério que você tem que fazer piadinha com tudo? –
Esbravejou a mulher.
– Não é piada, estou sem criatividade, ia realmente perguntar
isso mesmo! – Ouvindo isso a moça me olhou atenciosamente
e perguntou:
– Te deram uma paulada e trouxeram para cá mesmo?
– Eu não sei se foi isso, só lembro de ter acordado no meio
dessa floresta, que me parece Amazônia, com meu rosto
doendo. – Expliquei.
– Do que se lembra antes de acordar aqui? – Perguntou ela já
não tão atenciosa.
– Acordei cedo com minha esposa me jogando um balde de
água gelada demais, com minha amante ao lado sorrindo…
Quero dizer, ex-esposa e ex-amante…
– Não o dia todo, não me importo com sua vida de babaca,
avança pra última lembrança que tem da Terra! - Ordenou ela
interrompendo meu desabafo.
– Um garoto… Espera, disse “lembrança da Terra”?
– O que tem o merda do garoto? Ele te deu uma flor? –
Interrompeu-me outra vez.
– Sim o garoto me deu uma flor amarela e…
– E falou que tinha um cheiro maravilhoso?
– Isso mesmo! – Respondi surpreso.
– Daí você inocente meteu o nariz e cheirou o perfume da flor
e desmaiou e acordou aqui! – Concluiu ela.
– Exatamente, como sabe… Não me diga que você é o merda
do garoto? – Brinquei para descontrair.
– Imbecil… Aconteceu a mesma coisa comigo. – Respondeu
ela. – Dois dias depois de eu perder meu marido em um
acidente de carro.
– Eita, que merda, eu sinto muito. – Falei. – Mas me diz uma
coisa, sem piadas agora.
– O que quer saber?
– Você me perguntou sobre minha última lembrança da Terra,
você quis dizer o que eu acho que quis dizer? – Perguntei
temendo a resposta.
– Sim, não estamos precisamente na Terra é muito semelhante
mais não é, eles chamam de terra sem lei.
– Eles quem? Tem mais pessoas aqui? – Perguntei surpreso.
– Há outros como nós aqui, presos nessa floresta tendo que
sobreviver ao frio, a fome, a sede, aos animais selvagens, aos
humanos selvagens.
– Bom você ter falado de água, estou com muita sede desde
ontem, estava procurando água mais não achei, você tem? –
Perguntei. Ela então retirou de dentro de uma bolsa jogada ao
chão perto de si, um cantil, em seguida se levantou e veio até
mim e novamente se abaixou em minha frente, fechei os olhos
me preparando para um novo golpe da moça estressada.
– Isso explica nem sua amante te querer mais, você é um
frouxo. - Disse ela passando seu canivete entre os ramos que
prendiam minhas mãos. Quando abri meus olhos não pude
deixar de notar seus grandes seios junto a meu rosto.
– Uau!
– Não olha muito não babaca! - Orientou ela deixando parto de
mim o cantil e voltando para onde estava.
– Você já tentou achar uma saída, ou saber exatamente que
lugar é esse? – Perguntei após beber um pouco de água.
– Não há como sair daqui, existe uma barreira que não deixa
nada sair ou entrar, e ainda não sei nada sobre este lugar apenas
como sobreviver mesmo… É o que eu tenho feito desde que
cheguei! – Explicou a mulher.
– Quem entraria aqui? – Questionei confuso.
– Nativos! – Respondeu ela. – Do alto da colina é possível ver
cidades, casas… Essa floresta está bem isolada de tudo. -
Explicou ela, apontando para o cume de um grande monte por
trás de mim.
– Então o plano é sobrevivemos aqui para sempre?
– Se esse é o seu plano eu não sei, mais é o meu! - Afirmou ela
sem tirar os olhos de seus afazeres.
– Algum conselho para um novato? - Perguntei.
– Procure um bom lugar para morar, uma caverna de
preferência.
– Tenho um lugar assim em uma pedreira!
– Ótimo! – Parabenizou. – Faça lanças de madeiras para caçar,
arco com madeira e fibras de palmeira ou outra árvore, faça
vasilhas de argila para cozinhar, armazenar água e comer.
– Você tem um lugar assim? – Perguntei inocente.
– Sim eu tenho, mas não vou te dizer onde é, muito menos
lavar você comigo! – Falou encarando-me. – Há aqueles que
construíram cabanas de madeiras, outros de barro e bambu,
alguns de pedras.
– Onde há água por aqui? Um rio ou uma nascente? –
Perguntei sem dar muita atenção para seu olhar de afronta.
– A um rio mais ou menos um quilômetro ao leste daqui.
– Minha pedreira fica ao sul daqui. Então esse rio fica ao norte
de lá!
– Não adianta vir com papinho, não falarei nada sobre minha
localização. – Esbravejou ela.
– Eu sei, e tanto faz! Voltarei para minha caverna e construirei
uma boa cerca, uma boa cama para dormir! – Falei. – Com
certeza deve ter nascentes em meio a floresta, procurarei.
– Ótimo, vou me indo então, desci até aqui para caçar e já
estou tempo demais por aqui, muitos imbecis invadem as
cabanas dos outros e destroem tudo. – Informou ela se
levantando.

levantei-me em seguida, tomei mais um gole da água


que ela me dera, e tapando novamente o cantil, estendi minha
mão para a entregá-lo.

– Tenho outros desse, você precisa mais que eu no momento. –


Disse ela. – Vou até o rio pegar alguns peixes, pode vir comigo
se quiser, até bom que você já fica sabendo onde é e já leva
alguns peixes com você. – Fez uma pausa – E minha dica mais
importante é, não volte para essa região, é perigoso aqui, e
nunca vá onde tem fogo pode ser uma armadilha, pode virar
comida! – Disse ela amedrontando-me.

Ouvindo isso animei-me, e a segui até o leito do tal rio,


onde pescamos com a lança feita por ela. Fiquei com cinco
peixes, enquanto ela levou mais de dez, nos despedimos e segui
para o sul, sentido a correnteza das águas. Não houve
dificuldades para encontrar a pedreira, no caminho catei alguns
gravetos e montei novamente a fogueira dentro de um limite de
pequenas pedras em círculo. Ao ascendê-la, espetei um doa
peixes e o coloquei para assar. E o resto da tarde e a noite
fiquei apenas olhando para a imensa floresta projetando em
minha mente como construiria meu lar.
Capítulo 4
Anos depois- Você outra vez!

Havia conformado-me com o fato não poder mais sair


dali, com a vida de “homem da floresta”. Organizei algumas
madeiras nas quais fazia pequenos riscos a cada noite que
chegava, e já possuía três “madeiras calendários” preenchidas
com trezentos e sessenta e cinco riscos e uma com cento e vinte
e sete, quando em termos realizado como pessoa. Na pedreira
onde me instalei, levantei paredes de pedras, calafetadas com
argila misturada a pó de pedras quebradas. Havia três cômodos,
um onde eu dormia, outro onde eu cozinhava e o terceiro servia
de banheiro. Construí um grande muro também de pedras e em
cima do mesmo fixei madeiras com pontas e ramos de
espinhos, coloquei estacas pontiagudas nas descidas a frente e
nas subidas a atrás de minha cabana na pedreira. Fiz pequenas
mobílias como mesa, e bancos para sentar, e cama para dormir
com colchão de folhas em volta de uma pele de um
hipopótamo que encontrei morto a caminho de uma caça.

No cômodo “cozinha”, fiz um fogão de pedras para


cozinhar e fazer outras coisas tipo café, a havia descoberto uma
enorme plantação de café, e de milho, e de mandioca. Achei
também uma pequena plantação de feijão, a qual utilizei para
fazer uma nova plantação perto de minha pedreira. Em meio a
floresta havia muitos alimentos, tipo bananas, mangas, goiabas,
acerolas, laranjas, tangerinas entres muitas outras, e também
certos tipos de folhas comestíveis como a Serraria, o Almeirão,
a taioba. Enfim… Três anos e alguns meses de sobrevivência
na selva me fez muito bem, aprendi a construir, a projetar, a
caçar, a respeitar a natureza e os animais, respeitar o universo
por inteiro.

Aprendi a dar mais valor a minha vida e a vida das


pessoas ao meu redor, porque essa era a única dor que ainda
carregava comigo, não ter ninguém para me fazer companhia.
E por ter magoado e afastado de mim as pessoas que amava
antes de sumir no mapa. Na manhã do dia cento e vinte e oito,
como de costume me levantei, fiz fogo nas lenhas no fogão,
coei um pouco de café em um caneco de barro, e coloquei um
pouco em um copo do mesmo material. Com isso me dirigir a
minha plantação de feijões, ao lado nas demais plantações de
batatas doces e milhos, o intuito era colher um pouco de feijão
para cozinhar e com um pouco de farinha de mandioca que
havia sido produzida no dia anterior, faria então um tropeiro
com carne de um grande lagarto que havia capturado dois dias
atrás.

Tudo era bem simples, a gordura que usava era da carne


dos próprios animais que quando postos na panela de argila
expeliam aos montes, principalmente os porcos do mato. Pela
floresta havia de tudo um pouco, desde frutas a hortaliças a
temperos, por isso me dediquei em muitos meses a procurar e
colher sementes ou mudas para replantar perto de minha
cabana aos pés da pedreira.

Já estava votando para os limites de meus muros, com o


pensamento de retirar a carne que secava ao vento do lado de
fora da cabana, nem sempre o clima era bom para fazer isso
mais as vezes sim, e isso era aproveitado. Seguia subindo o
morro de pedras quando ouvi um alto grito vindo do meio da
floresta, aparentava ser de uma mulher ou de uma criança, mas
nunca havia visto uma por ali desde a morena que me dera um
soco no rosto e um cantil, e na verdade não passava uma noite
em que não me lembrava da bela mulher.

Gritos eram comuns por ali, já havia visto outros


homens na floresta, e muitos índios nativos também, porém
nunca estive frente a frente com ninguém, pois sempre me
escondia para evitar um combate. Resolvi ignorar o grito e
continuei a subir, passei pelo portão principal do muro feito de
madeira grossa, levei os feijões e as cebolinhas que havia
colhido para a cozinha e as deixei sobre uma mesa ao lado do
fogão ainda com poucas chamas baixas, peguei uma tigela de
argila e fui até dois grandes quadrados também argila de
aproximadamente um metro e meio de altura por um de
largura, estes serviam como reservatório de água que
semanalmente trazia do rio e as vezes de uma nascente que
encontrei dentro da floresta a mais ou menos meio quilômetro
da pedreira.

Já havia iniciado a preparação da comida, na verdade


metade dos afazeres estavam completos, sai para fora a fim de
preparar minha lança, flechas e o meu arco para a caça, pois
minha carne só daria para o almoço e jantar, para o dia seguinte
não haveria. Possuía também algumas facas e adagas de
pederneiras que encontrei aos montes em uma outra pedreira
próxima a minha, voltei para dentro da cozinha para ver o
progresso do meu almoço quando ouvi novamente um grito,
porém este arrepiou-me por inteiro:

– Socorro! Essa fogueira de novo não! Por favor, não me


queime!

Dirigi-me a parte de trás da cabana onde construí uma


pequena guarita colada com o muro, olhei de um lado para
outro até avistar uma grande cortina de fumaça subindo ao céu
vinda de meio da floresta. Espantei-me ao lembrar da última
vez que vi uma cortina de fumaça naquela floresta, fui até ela
pensando ser de uma tribo indígena, mas não havia ninguém lá
além da minha agressora.
“Quem ascendeu a fogueira da primeira vez? Quem
ascendeu agora? Por que aquela mulher estava lá da primeira
vez?”

“Porque queimar alguém numa fogueira? Será um


ritual? Índios? O que acontece na floresta? Quem nos levou
para lá? Por que não podemos sair?”

Tive minha mente invadida por pensamentos que a


tempos não os tinha. Fui então até a cozinha e retirei do fogão a
panela onde preparava o tropeiro com carne de lagarto que
seria meu almoço, vesti por cima de minhas vestes gastadas um
manto de couro de um grande macaco, que também fora
achado morto, como se fosse um poncho. Peguei uma grande
adaga, coloquei nas costas uma aljava feita de couro de coelho
e fibras de palmeira, levei ao ombro direto o arco e nas mãos
levei uma lança com ponta de pederneiras e na cintura junto a
adaga e o cantil cheio d’água, e assim parti para o encontro da
voz que pedia socorro, contrariando o mais importante
conselho que a mulher de cabelos cacheados me dera.

Como sabia o trajeto, caminhei por trilhas e mais


trilhas, com a esperança de encontrar respostas ou a mulher de
cabelos cacheados, ou talvez as duas coisas. Quase chegando
ao lugar, o cheiro de fumaça e madeira queimada aumentava,
acompanhado de um odor de cabelos queimados:

– “Será que cheguei tarde demais?” – Pensei alto.

De repente houve um grande estrondo no céu,


esgueirei-me para uma pequena clareira entre as árvores e
assim pude ver que densas nuvens haviam se aglomerado sobre
a floresta como da última vez. As nuvens carregadas
apareceram no meio tempo em que estava dentro da Mata
fechada:

“Mas será possível? Na última vez também estava


assim o tempo!”

Estava tão perto que não podia sequer pensar em desistir,


mesmo achando tudo muito estranho.
Ao chegar próximo do local, optei por subir em uma árvore a
fim de observar primeiro fora do campo de perigo, era uma
árvore de tronco grosso com galhos grandes que davam para
sentar. Ao subir pude ver a grande fogueira e meu espanto foi
inevitavelmente imensurável, havia em meio da fogueira quatro
corpos já queimados pendurados em estacas, sendo que havia
uma estaca vazia ao meio, subiu-me uma ânsia de vômito até a
garganta, mas me contive. Olhei em volta e não avistei
ninguém, os estrondos no céu continuavam, porém, em escala
menor, uma pequena garoa se iniciou enquanto estava em cima
da árvore, fiquei ali por horas descido a não descer enquanto eu
não entendesse o que estava havendo, quem tinha colocado os
corpos para queimar, e enquanto não me sentisse seguro para
descer.

Foi difícil não pegar no sono, a noite chegara e eu ainda


estava lá, sentado em um dos galhos da árvore. A garoa ainda
caia suavemente, o cheiro dos cadáveres mortos se misturaram
com o de terras e cinzas molhadas, pensava em quanto tempo
mais teria que ficar ali até algo acontecer, ou alguém aparecer,
quando outro grande estrondo veio do céu, era só outro trovão,
o que foi de grande espanto veio em seguida, dezenas de outros
estrondos seguidos de relâmpagos e raio sendo despejados
sobre a fogueira. Um vento forte sacudia as árvores e arbustos,
grãos de areia e terra foram direcionados contra meu rosto
fazendo-me não enxergar direito o que acontecera no céu,
apenas lembro-me de ver um grande buraco se abrir nas nuvens
carregadas, e de descer algo grande, e com suas mãos enormes
pegou um por um dos corpos e levou até sua boca, comendo
então os mortos da fogueira.

Meu coração aparentava que aí pular para fora de meu


peito, minha boca secou, meus olhos se arregalaram mesmo
com ciscos dentro, meu corpo tremia como se estivesse tem um
ataque de hipotermia. Forçava minha vista, mas não conseguia
ver direito o que era, poderia ser um macaco gigante, um
dinossauro, ou um demônio… Minha mente nem sabia no que
pensar ao certo, pensava em apenas me manter firme em cima
daquela árvore para não virar comida de monstro também.

Estava disposto a ficar ali a noite inteira, e ao


amanhecer iria correndo para minha pedreira e nunca mais iria
ir para aquela região, esse era o plano. A criatura ainda pairava
pelos arredores da clareira onde estava a fogueira, caminhava
devagar como se procurasse algo, após dar uma volta ao fogo,
flutuou novamente pelo ar sumindo para dentro do buraco nas
nuvens sendo seguido pelas nuvens que também foram sugadas
para dentro do buraco que ao se fechar sumira diante de meus
olhos, deixando a vista o céu escuro e estrelado. Não sabia
mais o que esperar, se a criatura voltaria ou outra coisa
apareceria, mas minha atenção se voltou para algumas das
perguntas que tinha em minha mente. Deduzi que quem botou
o fogo e queimou as pessoas sabia sobre a criatura e talvez
fosse um tipo de ritual macabro onde se oferece sacrifício para
um deus ou um demônio, lembrei-me de que na primeira vez
que vi a fogueira estava no mesmo lugar, porém não tinha visto
de cima como naquela noite, pode ser que tinha corpos
queimados também e como estava desmaiado não tenha visto e
nem ouvido a chegada da criatura, a saber que a mulher de
cabelos cacheados me arrastou para longe da fogueira.
Restava-me saber quem ascendia as fogueiras, quem
eram as pessoas mortas e que criatura era aquela. Viajava em
meus pensamentos bolando teorias diversas quando algo
inusitado aconteceu, ouvi passos de algo correndo, a princípio
pensei ser um animal caçando seu jantar, mas logo vi ser uma
pessoa. Correndo e olhando para os lados com terror
estampado em sua face, parou bem ali debaixo da árvore onde
estava. Estava muito escuro, não conseguia ver muito bem, mas
vi quando a pessoa se sentou recostando-se no tronco da
árvore. Notei que era uma mulher ao ouvir gemidos da mesma
enquanto mexia em sua perna, aparentemente ferida.

Por um instante pensei em descer e oferecer ajuda, mas


em seguida lembrei-me da voz que gritava por socorro durante
a tarde, pedia para não ser queimada, na fogueira havia quatro
corpos e uma estava vazia, a criatura rondou o local
procurando algo, tudo indicava que a mulher debaixo da árvore
era a fugitiva e logo alguém ou algo apareceria para buscá-la.
Com esse pensamento resolvi ficar ali quieto, e por muito
tempo fiquei a observar, vendo-a mexer em sua ferida, pegando
um pedaço de cipó dependurado nos galhos das árvores, sacou
uma faca aparentemente de aço e cortando o ramo, amarrou em
sua coxa direita a fim de conter o sangramento e minutos após
veio a dormir, ou desmaiar não dava para ter certeza de cima da
árvore, a única certeza que tinha era que
também havia pagado no sono.

Fui despertado por sons de passos se aproximando, por


pouco que não me desequilibro do galho, olhei de um lado a
outro e não via ninguém. A mulher ao pé da árvore acordou
assustada, olhava fixamente para frente de si, e a ouvi dizer aos
prontos:
– Por favor não, ele já se foi merda!

Aos poucos apetecia em meu campo de visão duas pessoas


aparentemente homens, carregavam consigo facões de ferro,
trajavam roupas negras aos trapos, e era tudo que dava pra ver
dali. Um deles se ajoelhou diante da mulher e disse:

– Verdade ele já se foi e não voltará pra comer você… – Numa


pausa levou sua mão direita ao rosto da mulher tocando-a
deslizando seus dedos até pescoço descendo a adentrar por sua
camisa rasgada, num suspiro de terror da moça, ficou óbvio
que o homem apertava-lhe os seios. – Agora, nós estamos aqui,
acho que vamos comer você em nome dele. – Falou o homem
enquanto o outro sorria e desabotoava a calça.

Meu coração novamente se acelerou em suas pulsações,


um frio se fez em minha barriga, um grande pavor se ascendeu
dentro de mim, fui pego de surpresa embora fosse algo tão
óbvio de se acontecer, dois malfeitores na madrugada atrás de
uma mulher sozinha. Inúmeros pensamentos passaram em
minha mente, mas poucos eram heroicos, mas na situação atual
se eu pensasse muito veria os filhos da mãe estuprá-la e jogá-
la na fogueira depois. Com cuidado e silêncio, saquei da aljava
uma flecha, retirei do ombro meu arco e colocando nele a seta,
mirei no homem de pé com a calça abaixada mostrando sua
nudez, a fim de penetrar a mulher a força. Puxei uma grande
quantidade de ar e ao soltá-lo, soltei também a flecha quer em
fração de segundos cravara na cabeça do homem que foi ao
chão com a seta atravessada em seu crânio.

O homem de joelhos frente a moça foi surpreendido por


ela, que rapidamente levou sua faça de aço com força até sua
garganta, enfiando-a em seu pescoço e a retirando, com isso
pude ver jorrar sobre si o sangue de seu agressor.
Agora minha posição estava comprometida, se chamasse mais
homens ali e avistassem os corpos e a garota ali, logo me
descobririam também. Desci da árvore com cuidado, e fui até a
mulher sentada ao chão sem forças.
- Você está… - Espantei-me ao me aproximar e ver que a
mulher era a mesma morena que me dera um soco no rosto três
anos atrás. - Você outra vez! Parece que está encrencada.
- Não sei quem você é, mas obrigada Por me salvar. - Disse ela
olhando-me nos olhos e desmaiando em seguida.

Chequei a pulsação e constatei que ainda está viva, me


levantei as pressas e fui até o homem com a flecha na cabeça,
pisando no corpo puxei-a e limpando-a nas vestes do cadáver
tornei a guardá-la em minha aljava, peguei o cinto que prendia
o facão que ele havia jogado ao chão na esperança de estuprar a
fugitiva, peguei também o cinto do outro cadáver e prendi os
dois à minha cintura, coloquei também a morena de cabelos
longos e cacheados em minhas costas e segui caminhando o
mais rápido que consegui pela trilha que lavava até minha
pedreira, mesmo com medo de ser alcançado por outros
possíveis perseguidores, ou a criatura de sai das nuvens.
Capítulo 5
Uma mulher em minha cama.

Tendo conseguido chegar a cabana, a deitei em minha


cama, rasguei a parte da calça dela onde estava o ferimento.
Pensei em tirar sua roupa e dá-la um banho, mas achei que de
forma alguma seria apropriado, apenas molhei um pedaço de
couro de coelho, do qual tinha aos montes acumulados dentre
outras espécies, e enchendo uma tigela de barro com água, me
sentei a beira da cama e fui molhando o pedaço do couro
felpudo na água e passando primeiro no rosto, em seguida nos
braços e mãos, por último pernas e pés, limpando-a do sangue
e da terra.

Analisei seu ferimento e vi que era apenas superficial, e


como não tinha nenhum a erva para auxiliar na cura, apenas o
limpei, pela manhã procuraria algo para tratá-lo. Terminando
ali então a cobri e fui até a cozinha, botei fogo na lenha que
estava ao fogão e enchendo uma panela com de barro com água
a coloquei sob o fogo, e também a panela que tinha o tropeiro.
Ao ter esquentado a água levei-a para o cômodo banheiro, e
tomei um rápido banho com um sabão feito a partir de gordura
animal e ervas. Saindo do banho comi um pouco do tropeiro
sentado a mesa, e em seguida fechei a porta de entrada única na
cozinha colocando uma escora de madeira, arrastei uma cadeira
para beira da cama e ali peguei no sono.

Acordei pela manhã e ela ainda está a dormir, me


levantei com cuidado para não fazer barulho me direcionei até
a cozinha, peguei uma tigela de argila e a levei ao reservatório
de água enchendo-a pela metade. Levei-a até l fogão, e
colocando alguns gravetos na chamada “boca” do mesmo, ricei
duas pequenas pedras de pederneiras até ascender o fogo. Ao
canto do fogão havia um fecho da chamada “cana de cavalo”
que tinha pegado numa parte da floresta onda havia muitas.
Descasquei três pedaços de mais ou menos quarenta
centímetros e as piquei em cubos pequenos em uma tigela
grande de barro, e com uma madeira soquei-os até espremê-los
todos e assim os despejei junto à água ao fogo, não era muito,
mas adoçava um pouco a água para o café. Ao ferver a água,
coei num coador feito com um pedaço de pano que achei na
floresta o que era comum de se encontra. Em seguida peguei
quatro bananas-verdes que estavam em cima da mesa, e ao
fogo levei uma tigela de argila com gordura da carne dos
animais já preparados, descasquei e piquei as frutas e as fritei,
coloquei em uma tigela rasa também de argila como um prato,
coloquei três bananas maduras e três batatas-doces cozidas
preparadas há dois dias. Preenchi dois canecos de argila com o
café meio amargo e junto às demais coisas preparadas levei
para o quarto onde estava minha hóspede.

Havia uma espécie de banco redondo feito a partir de


um tronco de uma árvore, que era usado como mesa de
cabeceira, e nele coloquei o prato de argila e as canecas com
café. Por um buraco na parede com uma grade de madeira
servindo de janela, entrava a claridade do dia iluminando o
quarto, olhei-a por alguns segundos antes de acordá-la,
lembrei-me da primeira vez que a vi, fazendo uma lança de
madeira, a luz do sol iluminado sua pele morena um pouco
mais clara que a minha, totalmente agressiva e ríspida. Agora
estava ela em minha cama artesanal, com meu cobertor de pele
onça feito a mão, este que nem tão quente era em tempos de
frio intenso. Com um leve toque em seu rosto a chamei.
– Ei, acorda! – E com dificuldades abriu-se aos poucos os
olhos até que pudesse me ver. – Você deve estar com fome,
sente para comer um pouco.

Ela me olhou com desconfiança, observou todo o quarto


enquanto fazia esforço para se sentar, gemia de dor a cada
movimento de seu corpo. Peguei o prato de argila com os
aperitivos matinais e o coloquei sobre a cama ao lado da
mulher misteriosa, em seguida dei em sua mão uma das
canecas com café meio amargo.
– Não é tão bom quanto os de padarias , mas dá pra beber! –
Falei.
Ela por sua vez olhou-me nos olhos por alguns
segundos abriu sua boca como se fosse falar algo, mas nada foi
dito, desviou seus olhares para o caneco e veio a beber. Era
forte a bebida, fizera-a engasgar e tossir três vezes, olhou para
o prato e dele retirou uma das batatas-doces e levou até a boca.
Em silêncio tomamos nosso café, comi apenas uma das batatas
e só, o restante fora devorado por ela.

– Você quer mais? Ainda tem fome? Posso preparar mais um


pouco se quiser! – Falei a ela, e balançando a cabeça para os
lados sinalizou que não queria mais nada. – Na primeira vez
que estávamos juntos você falava um pouco mais… – Sem
obter um comentário continuei. – Também eu estava amarrado
e indefeso, com muita sede… Estava definhando aos poucos,
sabe… Foi você que me incentivou a fazer tudo isso aqui,
disse para que eu achasse um lugar seguro e construir vasilhas
de argila para cozinhar, lanças e arcos com madeira e fibras de
palmeira, me falou sobre cabanas de madeira e de pedras,
enfim já que não há como sair daqui, então que seja boa o resto
de vida…
– Agora me lembrei de você! – Disse ela. – O frouxo que
perdeu a mulher para a amante.
– Olha é uma bela hipótese, nunca tinha pensado que amizade
delas fosse lésbica. – Ironizei. – Mas que bom que se lembrou
do frouxo aqui, espero que se lembre do “frouxo” acertando
uma flecha na cabeça do cara prestes a ser bastante “macho”
com você!
– Estava tudo sobre controle, eu estava esperando eles se
aproximarem, e mataria eles com minha fac… Cadê minha
faca? – Perguntou.
– Está na cozinha, a usei para descascar e picar nosso café da
manhã. – Expliquei.
– Tenho que admitir que pra um frouxo você se virou muito
bem! – Confessou ela.
– Na verdade melhor que você…
– Parece que sim, quando acordei pensei estar de volta a nosso
planeta! – Disse ela olhando para as paredes do quarto. – Como
fez tudo isso? – Questionou surpresa.
– Respondo qualquer coisa depois que você me contar tudo que
sabe sobre este lugar… Onde estamos? Quem nos trouxe pra
cá? Quem eram os caras atrás de você? Por que estavam atrás
de você? Como vocês conheciam a criatura que desce de meio
as nuvens e come cadáveres queimados? Quem eram os mortos
na fogueira? Por que estavam foram mortos e queimados?
Quem queimou? Que criatura era aquela? O que essa fogueira
tem a ver com a fogueira de três anos atrás? E por que você
estava outra vez perto da fogueira? – Questionei abruptamente.
– Uau… Três anos? O tempo passa rápido aqui! – Brincou ela.
– Escolhe uma dessas perguntas e comece a falar! – Falei num
tom sério me ajeitando na cadeira. – Espere, na verdade você
podia dizer primeiro o seu nome, me chamo Ramon.
– Natasha, é meu nome. – Respondeu ela me olhando. – Tem
mais café? Se tiver eu gostaria de mais um pouco.

Tendo eu buscado um pouco mais de café para nós dois,


voltei a me sentar na cadeira, enquanto Natasha permanecia na
cama, porém sentada em posição de lótus com a manta de pele
pendurada em seus ombros.
– Pra ser bem sincera, não sei onde estamos, não faço a mínima
ideia mesmo… – Disse ela após um gole do café. – Mas é o
que tento descobrir desde que cheguei aqui, e já que você está
aqui a três anos, eu devo estar há uns seis anos ou mais,
cheguei aos dezoito e nem sei mais quantos anos tenho.
– Sinto muito! – Falei.
– Quem nos trouxe pra cá também não sei, mas sei que o
garoto da flor amarela é quem escolhe quem vai ser trazido, já
conversei com outros de nós nessa floresta e eles disseram a
mesma coisa sobre como vieram parar aqui, sempre há um
garoto que dá uma flor. – Explicou. – Sobre os caras que queria
me pegar ontem, eram uma espécie de polícia desse lugar, eles
nos prendem na fogueira e botam fogo…
– Por que fazem isso? – Perguntei curioso.
– Para a criatura nos comer! – Respondeu amedrontada. – Não
sei o nome dela, ou o que é aquilo, mas já estive perto de ser
comida pela criatura quatro vezes, inclusive na primeira vez
que vi você e te apaguei…
– Ainda dói minha cabeça! – Brinquei.
– Pensei que estava me caçando, mas depois vi que era só um
novato, te amarrei porque já vi novatos ruins aqui, na verdade
todos que conheci nessa floresta eram ruins…
– Eu sou ruim?
– Ainda não tenho informação suficiente sobre você para ter
certeza. – Respondeu ela. – Voltando ao assunto, eles vivem
rondando a floresta atrás de pessoas para dar para a criatura,
creio eu que recebam algo em troca, mas não sei o que é.
– Notei que eles falam a mesma língua que a gente, eles
também são brasileiros?
– Não tenho certeza… Mas as demais pessoas que conheci aqui
eram todas brasileiras. – Falou ela se ajeitando na cama e
bebendo um pouco mais de café. – Quem eram os mortos eu
não sei.
– Ok, sabe quantos são os guardinhas? – Questionei.
– Não faço ideia, mas são muitos porque já matei alguns, e
outras pessoas também já mataram muitos e mesmo assim
sempre aparecem mais. – Informou-me ela.
– Onde é sua cabana? Me disse três anos atrás que tinha uma,
disse que havia descido para caçar, mentirosa. – Perguntei num
tom de brincadeira.
– E tenho, no alto da colina, o ponto mais alto da floresta, de lá
é possível ver o vilarejo de casinhas de madeira dos nativos. –
Explicou ela. – Não fui eu quem construiu, estava abandonada
quando eu cheguei… Acordei no meio da floresta, andei muita
até achar uma nascente, fiz uma cabana de galhos e folhas
grandes de palmeiras e embaúbas, minha mãe me ensinou
quando eu era criança. – Disse ela demostrando emoção em sua
lembrança. – Sempre fazia uma para mim e meu irmão no
fundo do quintal de nossa casa no interior… Passei muitos dias
na parte baixa da floresta, um dia fui ataca por trás homens eles
arrancaram minha roupa e me tocaram, me abusaram,
forçaram-me a muitas coisas… E me deixaram ali, jogada no
que restou da minha cabana após levarem tudo que fosse útil,
canecas e tigelas de barro e argila, peles e couro de animais,
frutas, tudo… – Seus olhos se enchiam mais e mais de suas
lágrimas a cada palavra que saia de sua boca. – Pensei que ia
morrer… Acho que fiquei ali esperando a morte por mais de
cinco dias sem roupa, sem comer e nem beber nada, até que
choveu uma noite, uma chuva muito forte, foi como se as gotas
que caiam em mim fossem mágicas… Aos poucos tive força
para me sentar e beber da água da chuva com uma folha…
Constatei que não era seguro aqui em baixo, daí decidi ir para o
lugar mais alto da floresta, e levei muito tempo pra chegar lá e
passei por muitas situações difíceis…

– Que história, você é uma mulher muito forte! – Comentei


encarando-a.
– Tive que ficar, era ser forte eu ser estuprada uma vez por
semana. – Falou ela sorrindo, o primeiro sorriso desde que
acordara. – Quando cheguei no alto da floresta, vi o vilarejo,
decidi ir até lá, mas há uma barreira eletromagnética que ao
encostar te empurra com muita força como uma cerca elétrica,
desde então venho procurando resposta pra tido isso.
– Conseguiu alguma? – Questionei, notando que havia algo
ainda não dito.
– Sim, encontrei a mais importante… Como sair daqui. –
Respondeu ela com um leve sorriso no rosto.
– Mas como? Você acabou de dizer que há uma barreira
eletromagnética em volta da floresta.
– Sim, ela é real, mas há um momento em que ela é desativada.
– Explicou.
– E quando é? – Perguntei.
– Quando a criatura desce das nuvens! – Disse ela. – Ontem era
meu plano ficar próxima da barreira e quando fosse desativada
eu passaria, mas os guardas estavam na colina e me
perseguiram durante o dia todo até o momento em que você me
salvou…
– Como você sabe que ela é desativada?
– Na descida anterior da criatura há mais ou menos sete ou oito
meses, vi pássaros passando para fora daqui aos montes quando
a criatura está desceu, o que nunca vi acontecer em tempos
normais, parece que enquanto ele não sobe a barreira continua
inativa…
– Quando ele desce outra vez? – Questionei interessado.
– Ele desce sempre que a fogueira é acesa…
– Então tudo que precisamos fazer é acender fogueira e correr
para a barreira?
– Basicamente…
– Impossível! – Falei um pouco ríspido. – Do local da fogueira
até o alto da floresta onde é o limite mais perto deve ter uns dez
quilômetros, pode ser que ele chegue mais rápido que o normal
e vai tudo por água a baixo…
– Eu sei, mas notei que você tem uma mira ótima com o arco e
flecha, do alto da floresta é possível ver perfeitamente o local
da fogueira, e só prepararmos a fogueira primeiro e subimos,
ao chegar no lugar que falei, você atira algumas flechas para
ascender a fogueira… – Explicou ela me convencendo. –
Assim esperamos a criatura aparecer e saímos sentido ao
vilarejo dos nativos, talvez podemos viver lá.
– Parece bom, mas temos que nos preparar, como comida,
água, e você tem que se recuperar primeiro, talvez duas
semanas sejam o suficiente, o que acha? – Fiz minha proposta.
– Acho uma boa ideia, isso nos dá tempo de esquematizar tudo
muito bem. – Respondeu ela sorrindo.

Minha esperança de sair da floresta se ascendeu


novamente naquele dia, por mais que tenha aprendido a gostar
da vida naquele lugar, plantando e colhendo, e construindo e
buscando água, ainda sim o fato de ter a oportunidade de não
estar preso a um lugar me enchia os olhos, durante todo o dia
ficamos ali sentados bebendo do meu café meio amargo e
conversando sobre nossos passados, e planejando nossa saída.
Capítulo 6
Algo em comum

No dia seguinte sai em busca de ervas e frutas novas


mesmo tendo medo de me encontrar com um dos tais guardas,
ou de que eles achassem minha cabana e levassem Natasha
com eles. Pensando nisso não demorei, rapidamente voltei para
casa com um punhado de ervas e algumas bananas e mangas.
Durante o resto do dia ficávamos conversando sobre vários
assuntos sentados na cama comendo e bebendo, contei a ela
que fui casado por cinco anos, no início do quinto conheci uma
moça pela qual tive um grande interesse, não era amor nem
paixão, apenas desejo.

– Por oito meses nos relacionamos até o dia em que conheci


outra mulher, indignada minha amante foi até minha esposa e
contou sobre nosso caso, e em seguida a matou, e matou
também a terceira, apela qual sentia realmente algo especial,
queria realmente ficar com ela, e abriria mão de tudo. Minha
então amante disse ter matado suas “rivais” para que eu ficasse
só com ela, estava cansada de me dividir, assim disse, mas não
fiquei, e com a dor da rejeição e a remorso das mortes ela se
matou, três mortes num mesmo dia por minha causa, fez-me
sentir um lixo, um ser humano desprezível o único pensamento
que tinha era suicídio, até conhecer uma garota em um parque a
qual me consolou e após muito tempo de conversa estávamos
aos beijos, foi aí que percebi que realmente não havia jeito para
mim, era um caso perdido que não dava a mínima para os
sentimentos e nem para a vida dos outros. – Relatei com aperto
na alma, e lágrimas empoçadas nos olhos a ponto de
transbordarem. – Porém, tudo mudou nos três anos e meio de
vida na floresta, aprendi muito sobre mim mesmo e como era
importante ter por perto as pessoas que amamos, e tratá-las
com amor, respeito e carinho, aprendi que a perda de quem
você ama dói mais com o passar do tempo, pois a cada
lembrança se aparenta com uma espetada de uma agulha
pontuada direto no coração. – Terminei olhando fixamente para
minha mãos aberta sob minha coxa.

– Sinto muito por ter que aprender com a dor, isso é terrível…
Sei bem como é. – Disse ela. – Minha história também é cheia
de tragédias. Tinha cinco meses que estava casada, fazia
faculdade de educação física…
– Isso explica sua força, e o corpão! – Falei sorrindo.
– Já vi personais gordos! – Brincou. – Meu marido estava no
último ano de Marketing e Publicidade, o sonho dele era abrir
uma agência de Marketing digital, queria ser coach, enquanto
eu só queria terminar minha faculdade e viver minha vida
trabalhando na área, mas nunca quis ser rica, do contrário a ele
que essa era a meta, um dia estávamos voltando de uma festa,
era casamento do irmão dele, que por sinal era muito rico e
promoveu uma festa gigantesca e absurdamente cara. –
Relatava Natasha. – Mordido de inveja na volta para casa em
nosso carro, não parava de falar em que um dia iria ter mais
dinheiro que o irmão casula e ser melhor que ele… – Numa
pausa, seus olhos se encheram de lágrimas e rapidamente
rolaram por seu rosto. – Num momento me disse que isso
aconteceria naquela semana, que ganharia um dinheiro alto,
mas infelizmente eu não estaria lá pra ver, e dito isso
desprendeu meu cinto de segurança, quis não acreditar no que
estava prestes a acontecer, mas nem deu tempo pra isso… Ele
levou o carro para o acostamento no momento em que
passávamos por cima de uma ponte muito alta onde por baixo
passava um rio, uma ferrovia e uma estrada de terra. –
Explicava ela aos choros. – Quando vi que ele estava tentando
desprender seu sinto de segurança, entendi logo que jogaria o
carro da ponte, assim sem pensar duas vezes abri a porta e
pulei para fora do carro e rolei pelo acostamento, mas ele não
consegui se soltar, não consegui me levantar para ver a queda
ouvi apenas a explosão… – Disse mostrando-me cicatrizes em
seus braços e pernas. – Dias depois uma agência de seguros me
ligou dizendo que meu caso estava em análise e que só me
indenizaria após o resultado das investigações da polícia, e
terminada a investigação fui indiciada por homicídio
qualificado, mas antes de ser julgada vim parar aqui. - Ao
terminar seu relato, aos prantos se deitou em meu colo e
acrescentou. – Eu o amava mais que tudo nessa vida, mas ele
só se importava com dinheiro, acho que planejou tudo por um
bom tempo, pois o tal seguro já estava sendo pago desde que
casamos.

Ouvido aquela frase pude ter certeza da sinceridade de sua


história, expressava a dor de sua perda e a vontade de poder
voltar no tempo para estar com a pessoa amada.
– Sinto muito por sua perda, mas convenhamos que ele foi
muito burro em ter tirado seu cinto ao invés do dele. –
Comentei.
– A burrice dele me manteve viva! – Disse ela.
– O estranho é que viemos parar aqui na mesma situação,
desolados,
depressivos e sem rumo, sozinhos no mundo após perder
pessoas amadas. – Observei.
– Pra min já é normal, todos que conheci por aqui perderam
alguém amado, e chegou aqui no fundo do poço por situações
diversas. – Falou ela me fazendo perceber algo importante.
– Não… Espere… – Gaguejei organizando meus pensamentos.
– Todos que estão aqui tem isso em comum, passados
traumáticos, perdas, todos somos sozinhos no mundo de onde
viemos, talvez porque ninguém senti nossa falta fica mais fácil
nos raptar e trazer para cá.
– Faz sentido! – Disse Natasha secando seu rosto molhado de
lágrimas. – Já pensei em tantas coisas, mas isso nunca pessoa
pela minha cabeça.
– Creio que essa teoria nos ajudará a descobrir mais coisas
quando sairmos daqui! – Falei me levantando da cama.
– Com certeza vai sim, não vejo a hora de sair deste lugar! –
Comentou ela se levantando também.
– Vou colher algo para comermos, consegue andar? É logo
abaixo da pedreira. – Falei.
– Sim consigo, vamos. É bom que vejo a luz do sol e recebo
vento no rosto. – Brincou ela, abrindo um lindo sorriso que por
um instante me fez lembrar minha esposa quando sorria para
mim, ludibriado em um profundo devaneio acordado fiz um
sinal com as mãos para que ela fosse na frente, e assim ela o
fez e fui logo em seguida.
Capítulo 7
Vamos embora!

Passado o tempo estimado para a recuperação de


Natasha, estava tudo pronto para nossa tentativa de fuga,
montaríamos a grande fogueira pela manhã seguiríamos para o
alto da floresta antes que o sol estivesse no topo da floresta,
assim daria tempo de chegar antes do anoitecer. Um dia antes
da aventura, produzimos uma grande quantidade de cauim,
tradicional bebida do índios brasileiros feita a partir da
fermentação farinha da mandioca e do milho, durante a noite
fizemos uma fogueira e sentados a beira dela nos
embebedamos.

Conversamos sobre muitas coisas com o sempre, o


tempo está abafado, por esse motivo estava sem minha camisa
desde a tarde durante a produção da bebida, estava apenas
vestido de minha velha calça surrada. Já Natasha fizera dobra
na calça preta fazendo-a parecer um short curto bem acima do
joelho, e amarrara a camisa fazendo parecer um top.

No dia seguinte recordo-me de acordar em minha cama


nu, não me lembrava de ter tirado minha calça, e muito menos
de ter me deitado na cama já que todos os dias anteriores havia
dormido no chão. Permaneci em silêncio por alguns instantes e
tentando me lembrar de algo, um braço veio me abraçar, senti
um corpo quente, suas pernas entrelaçadas as minhas, e seus
seios imprensados em minhas costas, virei-me devagar para
não acordar e para ter certeza do que estava acontecendo ali.
Dei de cara com aquele lindo rosto angelical adormecido, eu
queria estar feliz, e devia estar, pois era ela incrivelmente linda,
belíssima, e seu jeito era tão diferente que causava uma forte
atração, porém o fato de não me lembrar de nada era brochante,
se houve ou não algo era a dúvida que me consumia, e se
realmente acontecera algo na noite anterior foi mérito do cauim
que sempre fora descrito como afrodisíaco e fortemente
embriagante.

Tentei me levantar sem acordá-la, mas foi em vão.


– Uau, que noite. – Disse ela me puxando para junto e me
beijando como se fossemos namorados que só se vem nos fins
de semanas. – Está pronto para o grande dia?
– Sim… É claro! – Respondi ainda confuso.
– Então vamos preparar um café para ficarmos bem, pois
precisamos. – Falou ela saindo da manta de pele e se
levantando da cama, totalmente nua, passou por mim rebolando
em direção cozinha, e por mais que tentei não pude conter
meus olhos que como se tivessem vontade própria fixou em seu
caminhar, seu bumbum balançante que passara por mim,
avantajado e perfeitamente simétrico. Seguindo-a fomos para a
cozinha e preparamos nosso café da manhã, e após, tomarmos
banho juntos, ela totalmente a vontade e eu tímido e
desconfortável por ainda não lembrar de nada, nos vestimos e
saímos com mochilas, feitas com panos e couro que tinha
guardado na cabana, repleta das frutas e água em um cantil e
adagas. Levava nas costas também minha aljava com muito
mais flechas, o arco no ombro direito e na cinta um dos facões
dos guardas mortos, o outro estava com Natasha, e assim
partimos para o local da fogueira.

Não tivemos dificuldades em amontoar as madeiras


folhas secas, despejamos também gordura de animal nas lenhas
para o auxílio e para gerar mais fumaça pois acreditava que
através dela que criatura sabia a hora de descer para se
alimentar.
– Tenho certeza que isso tem algo haver com a coisa toda, e se
não tiver tanto faz! – Falei ao jogarmos outra coisa em meio as
madeiras. Tendo terminado a montagem tomamos uma trilha
para o alto da floresta, onde ao chegarmos observei que o sol
estava perto de se pôr.

Juntamos algumas madeiras e folhas secas, e com minhas duas


pedras de pederneiras que usava para ascender o fogo do fogão
em minha cabana, ascendi a pequena fogueira. Retirei minhas
flechas da aljava, todas elas foram confeccionadas com pano
em suas pontas, tirados das mangas de nossas roupas, úmidos
de gordura animal.
– Tudo bem, vamos ascender aquele negócio e esperar o
satanás aparecer. – Falei sorrindo.
– Satanás mora no céu? – Perguntou ela.
– Ora, segundo a bíblia foi de lá que ele veio da primeira vez
pra desgraçar com a terra no início, porque não fazer outra vez
no final? – Brinquei, ascendendo uma das flechas e armando-a
em meu arco, mirei e atirei, e por poucos metros errei a
fogueira que realmente dava para se ver completamente.

Repeti mais alguns tiros e no quarto acertei, e em


seguida acertei mais algumas vezes suficientes para incendiar
as madeiras e produzir uma grande chama, e dela logo subiu
uma grande quantidade de fumaça negra, então nos sentamos
em uma pedra de frente para a grande fogueira, observando
parte baixa da floresta.
– Eu tenho uma coisa pra te contar...
– Não venha me dizer que está grávida? Tem certeza que o
filho é meu? – Zombei caindo em gargalhada.
– Claro que não cara! – Respondeu ela sorrindo
descontroladamente.
– Então diga, o que é? – Perguntei olhando nos olhos de
Natasha sem fazer ideia do que seria.
– Te digo se sairmos daqui! – Respondeu me abraçando forte.
– Tudo bem, não sou muito curioso mesmo! – Falei retribuindo
seu afago.
– Não mesmo, ficou três anos e meio nesse lugar sem sequer
procurar resposta. – Ironizou ela sorrindo em meus braços
encarando-me.
– Claro, a única vez que fui atrás de resposta levei uma paulada
e um soco no rosto. – Retruquei.
– Tudo bem, você venceu! – Falou. – Eu estava errada, você
não é um frouxo…
– Estava certa, eu era… Mas tive que deixar de ser, tive de ser
forte, era isso ou ser espancado por uma mulher uma vez por
semana! – Brinquei.
– Duas semanas com você e me sinto uma nova pessoa, é até
difícil acreditar que você era um babaca antes de acabar aqui.
– Mas eu era… Pode acreditar, um babaca que nunca mais
tornarei a ser.
– Pode até ser, mas o importante é que agora é uma pessoa
diferente. – Disse deslizando sua mão em meu rosto, tendo seu
corpo colado ao meu.
– Tipo um drogado que se converte numa igreja evangélica! –
Falei sorrindo, a fim de quebrar o tom sério da conversa.
– Só que sem paranoia fanática depois… – Retrucou ela. –
Quando sairmos daqui, viveremos juntos, dois mal caráteres
reabilitados e de volta a sociedade…
– Por que dois? Pelo que me contou você não era uma pessoa
ruim com eu. –Indaguei confuso.
– Tem umas coisas que eu te disse sobre mim que, há uma
versão mais exata.
– Uau. Que casal inusitado o mentor da amante assassina e a
esposa assassina do marido! - Ouvi uma voz vinda de trás,
virei-me rapidamente me levantando e puxando da cinta o
facão de ferro preto.
– Quem é você? O que quer? – Perguntei ao homem de estatura
mediana, pele branca, vestido socialmente, sapato de verniz
brilhante, calça e blazer.
– Não se lembra de mim senhor Ramon? - Perguntou a mim,
se aproximando.
– Se me lembrasse não perguntaria!
– Eu ia te contar! – Disse Natasha.
– Depois falamos sobre isso. – Respondi.
– Ah, que deselegante Natasha, não contou pra ele que matou
seu marido para ter o dinheiro do seguro que o fez assinar sem
saber para não levantar suspeitas do seu plano? Que coisa feia.
– Disse o homem parando frente a fogueira e estendendo sua
mão para o fogo.
– Isso não importa! – Falei. – Ela não é a mesma pessoa, e nem
eu… E se sabe tanto de mim, saberia que não fui mentor de
ninguém, a Sandra fez o que vez por ciúmes…
– Ciúmes de que? Ah, de você? Um homem casado que jurou
amar sua esposa, e mais tarde jurou amar sua amante e logo
mais jurou amar a ninfeta se dezessete aninhos do terceiro ano
que sua esposa contratou para cuidar de sua filha de um ano de
vida. – Argumentou o homem sem sequer olhar para mim ou
para Natasha.
– Uau! – Disse ela.
– Vejo que vocês ascenderam a grande fogueira, mas eu tenho
uma notícia ruim para dar… – Fez uma pausa dramática. – O
Kranor só desce se houver ao menos um corpo na fogueira, e
me sente o cheiro de pele queimada e fica faminto.
– Ah droga! – Gritou Natasha. – Merda!
– Agora que vocês sabem uma das maneiras para sair daqui,
terei que matá-los e os queimar na fogueira!
– Antes me diga quem você é seu merda! – Bradei, e como
num passe de mágica, vimos o homem se encolher a metade de
seu tamanho.
– Me reconhece agora Ramon? – Perguntou retirando do bolso
do blazer uma flor amarela.
– Filho da mãe! – Gritou novamente Natasha passando por
mim e acertando um soco em cheio no rosto do então garoto,
jogando-o no chão e subindo em cima do mesmo para acertá-lo
outra vez. – Você me trouxe para este fim de mundo pra virar
comida de demônio.
– Isso não foi inteligente! – Murmurei.
– Não mesmo! – Retrucou o garoto socando-a na barriga,
arremessando-a para o alto como se fosse um urso de pelúcia,
caindo a metros a frente. – Qual o problema Ramon? Não
consegue lutar com uma criança tio? – Levantou-se.
– Minha mãe me ensinou a não bater nos garotos mais novos.
– Não seja por isso! – Disse ele voltando a ser um homem
adulto e vindo em minha direção.
Tentei golpeá-lo com meu facão várias vezes, mas sem sucesso,
a cada ataque ele se esquivava e me acertava em algum lugar
aleatório, até que com um chute arrancou de minha mão o
facão, e com outro chute jogou-me ao chão.

Golpeou-me algumas vezes ao rosto, a ponto que senti


sangue escorrer por meu nariz e passar em meus lábios e
espirrar por todo meu rosto, pensei ser o meu fim, quando uma
pedra do tamanho de um abacate o acertou na cabeça
arremessando para fora de mim, era Natasha, partiu para cima
do homem com a pedra em mãos o acertou várias vezes no
rosto desfigurando-o por completo, ao notar que já não se
movia mais, saiu de cima e foi até mim.
– Você está bem? – Perguntou ela!
– Que pergunta idiota! – Falei me sentando. – Olha só minha
cara. – Arrastei-me até o homem morto ao lado e limpei meu
rosto em seu blazer, e pra minha surpresa, o homem misterioso
voltou a vida, e pegando pelo pescoço, se levantou do chão
sem me soltar, minha cabeça parecia que ia explodir pela força
usada pelo homem, Natasha tentou acertá-lo, mas com sua
outra mão ele a pegou pela garganta e suspendeu ao meu lado.

Olhando para ela ficando sem ar, com veias a mostra


em sua testa, novamente pensei ser o meu fim, porém outra vez
fui salvo, dessa vez por uma grande agitação nos céus, trovões
e relâmpagos distraíram nosso agressor, e aproveitando desferi
dois rápidos socos em seu rosto e com isso nos soltou.
– Como é possível? Por que ele virá se não há corpo na
fogueira? – Questionou o homem aos gritos.
– Quem te disse que não há corpos na fogueira? – Perguntei
sorrindo.
– Han?
– Há alguns dias matamos dois de seus guardas lá em baixo,
hoje os colocamos na fogueira… – Falei olhando para Natasha.
– Eu não disse que tinha haver os corpos queimados com a
descida do satanás.
– Sim você estava certo! – Respondeu ela.

Abriu-se um buraco nas nuvens e de lá desceu


novamente a criatura direto onde estava a fogueira, ao posar
levou as mãos ao fogo e tirou de lá os corpos queimados e os
comeu.
– Natasha, temos que ir, a barreira vai se fech…

– Ainda não senhor Ramon! - Disse o homem gravado uma


adaga de cor preta na barriga de Natasha e jogando-a ao chão.
– NÃO! – Gritei, me abaixando diante da minha companheira
de aventura.
– Quando a você não o matarei, Kranor o devorará. – Disse ele
assoviando alto, a grande criatura alada então olhou para onde
estávamos e levantou vou em nossa direção.
– Ah, ferrou… Resista Nat, precisamos sair daqui agora, a
barreira está aberta é nossa chance de dar no pé.
– Não dá, me deixe aqui e vá… Não é justo você morrer por
minha causa. – Disse ela em soluços.
– Três pessoas já morreram por minha causa, por que fui
imaturo e frouxo, por não ter coragem de assumir minhas
responsabilidades. Nunca mais isso vai acontecer! – Falei me
levantando e indo em direção o uma das flechas que ficaram
perto da pequena fogueira e a peguei, em seguida corri de volta
para Natasha e a tomei no colo, correndo fui em direção ao
limite da barreira que a ela havia mostrado. Juntei um pouco de
folha seca e gravetos e com minhas pederneiras fiz uma
fogueira menor que a primeira.
– Vai jogar uma flecha de fogo nele? – Perguntou o raptor
gargalhando alto.
– Na verdade não, essa é pra você! – Falei ascendo a flecha e
armando-a em meu arco e mirando em seu rosto atirei.
– Sério? Está de brincadeira Senhor Ramon? Não funcionou! –
Falou ele segurando a flecha em chamas na mão direita.
– Sabe este era meu único plano… – Novamente peguei
Natasha em meus e braços. – Contei com sua soberba, se você
não pegasse eu apenas ia correr esperando meu fim… Agora se
vire com Kranor! – Dei as costas e comecei a caminha, a
grande criatura que se aproximava posou atrás do homem que a
chamara. – Você disse que quando sente o cheiro de pele
queimada ela fica faminto não é mesmo? – Perguntei.
– Que merda senhor Ramon! – Disse ele após desviar de um
golpe do grande ser escamoso como um lagarto, possuía três
chifres e três olhos, e um par de asas também escamosas. – Eu
vou atrás de vocês, e eu mesmo vou devorá-los. – Disse ele
sumindo da mesma forma que chegou, enquanto eu caminhava
tranquilo para fora dos limites da floresta carregando Natasha,
uma vez que já havia passado da barreira, estávamos livres. A
criatura não tendo mais nada para comer bateu suas asas e
subiu de volta para seu buraco nas nuvens e após entrar, todas
as nuvens carregadas entraram atrás de si, e o seu estrelado foi
exposto.
Capítulo 8
O que acha de sermos felizes aqui?

Por muitas horas caminhei com Natasha em meus


braços, parei para descansar a beira de uma estrada de terra que
avistei durante a descida do morro que dá na floresta. O
ferimento dela parecia grave, mas ainda respirava devagar, o
vilarejo era longe dali, não podia ficar muito tempo parado,
pois ela precisava de cuidados. Mesmo com fome e sede
continuei a caminhada, havia deixado para trás as mochilas
com os mantimentos, tinha apenas meu arco, as pedras de
pederneiras e a faca que estava com Natasha.

Em meio ao barulho dos animais nos arredores da


estrada, ouvi um som de diferente parecia com o som de uma
carroça, ficando cada vez mais forte, me alegrei por um
momento mas em seguida temi ser o homem que criança
novamente, corri para a beira da estrada e me escondi nos
arbustos, e em instantes vi passar de fato uma carroça,
percebendo que não era o meu raptor, saltei para fora do
arbusto com Natasha no colo.
– Ei! Me ajude por favor... - Gritei, na carroça havia um senhor
de aproximadamente cinquenta à sessenta anos de idade, ele
parou a carroça e se virou para me ver.
– Quem é você forasteiro? De onde vens? – Perguntou o
senhor.
– Meu nome é Ramon, e essa é Natasha… Ela está muito
ferida, me escondi ao ouvir o som de sua carroça, pois pensei
que fosse o mesmo homem que a fez este ferimento.
– Não respondeu de onde vocês vem senhor Ramon! – Falou
ele fazendo meu coração acelerar a pulsação, de medo.
– Da floresta senhor, conseguimos escapar de lá ao anoitecer. –
Respondi.
– Oh, pelos deuses! – Disse o senhor descendo da carroça. –
Venha, coloque-a aqui senhor Ramon, levarem vocês para
minha casa, há muito tempo esperamos por vocês dois.
– Como assim? – Questionei confuso.
– Te explico tudo quando estiver alimentado e de banho
tomado.

Sem pensar muito apenas consenti, acomodei Natasha


em meio a alguns sacos abertos que transbordavam algodões na
parte traseira da carroça, e após dar um beijo em seu rosto subi
ao lado do senhor.
– Como posso te chamar? – Perguntei.
– Merouk, o fabricante de tecidos mais conhecido da Cidade
Nova...
– Cidade Nova?
– Sim, ganhou esse nome após destruição das antigas pirâmides
e a queda dos antigos deuses ilusionistas, agora reina Betourk
filho de Notaurk, o domador do cão fantasma, dizem que após
sua morte seu cão passou a vagar pelo calabouço do Castelo
Real… – Explicou o senhor.

E assim fomos conversando por horas até chegar em


sua casa pela manhã. Chegando lá sua esposa e suas duas filhas
trataram de Natasha, Merouk junto de seu único filho tirou
minhas medidas e no mesmo dia fez roupas novas típicas da
região para mim, uma sandália de couro, uma calça e uma
camisa de mangas longas de tecido de algodão. Tive uma
grande e deliciosa refeição e após comermos me contou sobre
uma antiga profecia que falava sobre um casal que conseguiria
fugir da floresta de Kranor, e ajudaria o povo a se livrar do
terrível monstro.

– Nem todos aqui, concordam com o que acontece naquela


floresta senhor Ramon, mas vivemos sobre um reinado, e o rei
ordenou que fosse feito dessa forma, e isso acontece desde
antes da geração do meu avó.
– Entendo.
– Havia uma civilização muito antiga aqui, tinham seus deuses,
demônios e costumes. Houve uma guerra com um povo que
aparecera do nada, ninguém sabia de suas origens. Tendo este
povo chegado com uma magia diferente e extremamente forte,
invocaram demônios nunca vistos, e com isso, nem os
demônios nem os deuses antigos foram capaz de derrotá-los…
– Os invasores ganharam a guerra! – Presumi bebendo uma
bebida que me dera, semelhante ao whisky.
– Sim, muitos de meu povo morreram, executaram todos os
antigos monarcas, mas pouparam os sobreviventes, disseram
que apenas queriam um lugar para viverem, e assim início as
reformas das cidades e a miscigenação do país.
– Quando começou o lance da floresta? Quando começaram a
prender meu povo lá?
– Alguns anos depois do fim das obras no país, tudo estava
indo bem até um dos vários demônios aparecer no palácio do
rei sem ser invocado, demostrou poder trazendo vários outros
consigo. Meu pai dizia que meu avô relatava de suas poucas
memórias da infância, que a criatura mais forte soltava fogo
pelas mãos, incendiando as pessoas vivas, para que os demais
as comecem.
– Nossa, que horrível!
– Sim, foi mesmo. O rei a muito custo, consegui um acordo
com os demônios…]
– Alimentá-los através de uma fogueira na floresta?
– Exatamente. A princípio eram prisioneiros de guerra, ou
criminosos do país, mas com o tempo, as guerras acabaram, e
ninguém mais cometia crime algum. A burguesia começou
fazer armações para prenderem os pobres e ofertá-los, mas
também não durou muito… Afinal, nenhum povo sofre para
sempre, surgiram na época grandes guerreiros entre as famílias
pobres, e até os burgueses que não compactuavam com tais
crueldades. Assim muitos demônios foram mortos, mas ainda
há alguns espalhados em várias florestas, cada demônio tem a
sua.
– Isso é bem pior do que eu imaginava.
– Agora, sobre seu povo. A ideia foi do novo rei, um de seus
magos lhe deu a ideia de atravessar dimensões e raptar pessoas
criminosas, ou as que simplesmente fossem ruins em sua
sociedade de origem, mas sabemos que atá pessoas boas com
pequenos erros acabam parando lá, ou até mendigos, ou
aqueles dos quais ninguém sentirá falta, ninguém procurará!

Você também pode gostar