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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

RAFAEL KEIDI KASHIMA

LARCI (Laboratório de Regência Coral Infantil): proposta de formação


acadêmica para regentes de coros infantis.

CAMPINAS
2019
Rafael Keidi Kashima

LARCI (Laboratório de Regência Coral Infantil): proposta de formação


acadêmica para regentes de coros infantis.

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas


como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em
Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Jorge Luiz Schroeder.

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO


FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO
ALUNO RAFAEL KEIDI KASHIMA, E ORIENTADO PELO
PROF. DR. JORGE LUIZ SCHROEDER

CAMPINAS

2019
1.1.1 BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

Rafael Keidi Kashima

ORIENTADOR: Prof. Dr. Jorge Luiz Schroeder.

1.1.2 MEMBROS:

Prof. Dr. Jorge Luiz Schroeder.


Prof.(a). Dr(a). Silvia Cordeiro Nassif.
Prof. Dr. Angelo José Fernandes.
Prof(a). Dr(a). Susana Cecília Almeida Igayara de Souza.
Prof(a). Dr(a). Maria Flávia Silveira Barbosa.

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto


de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora


encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa
da Unidade

DATA DA DEFESA: 14.02.2019


Dedicatória

Dedico esta tese à minha querida mãe, Regina Maria Ferrarezi Kashima, e ao meu pai,
Regino Kashima.
Agradecimentos

Agradeço aos meus familiares!

Pai, obrigado por estar no começo desta trajetória e tenho certeza que você sabia
que eu iria conseguir.

Considero minhas amigas e amigos como minha família. Assim, obrigado


imensamente por existirem.

Professor Jorge, obrigado pela confiança! Você sempre acreditou e iluminou as


minhas ideias!
Resumo

Esta pesquisa-ação apresenta as reflexões acerca da implementação do Laboratório de


Regência Coral Infantil (LARCI), onde atuei como coordenador, analisando os objetivos,
as justificativas e os procedimentos deste laboratório de formação em regência, por meio
do desenvolvimento de um coral infantil com crianças de 6 a 9 anos no PRODECAD
(Programa de Desenvolvimento e Integração da Criança e do Adolescente da UNICAMP),
regido pelos alunos e alunas de graduação em Música desta mesma universidade. Este
laboratório tem como modelo inspirador o projeto Comunicantus Laboratório Coral (USP,
Ramos, 2003). Tendo como base conceitual o autor Sacristán (2000, 2005 e 2013), inicia-
se com uma pesquisa documental dos currículos dos cursos de licenciatura e bacharelado
em música da UNICAMP. O trabalho também apresenta os conteúdos da prática coral
infantil na intenção de propor um aporte teórico para a formação em regência, nesta
perspectiva (Coll, 1998). Por fim são relatados e discutidos os processos ocorridos no
período de implantação do Laboratório no primeiro semestre de 2018, por meio da
análise do diário de campo deste pesquisador e de entrevistas realizadas com as alunas
e alunos regentes participantes. Os dados auxiliam o processo de reflexão acerca das
grades curriculares de ambos cursos, pois, dentre outros motivos, devido à sobrecarga
de disciplinas obrigatórias, ocorre a tendência em uniformizar os perfis dos egressos, o
currículo analisado parece não atender às demandas formativas daqueles interessados
profissionalmente em reger coros infantis. A participação no laboratório das alunas e
alunos de graduação evidenciou também a relevância de espaços práticos de ação
educativa efetiva como forma de englobar as diversas demandas formativas necessárias
ao regente coral infantil.

Palavras chaves: Regência coral infantil; Educação musical; Formação docente.


Abstract

This action-research presents the reflections on implementing the Children Choir


Conduction Laboratory (LARCI), where I worked as coordinator, by analyzing the goals,
justifications and procedures in this laboratory of Choir Conducting Graduation through
the development of a children choir on PRODECAD (Campinas University's Children and
Teenagers Integration and Development Program), conducted by the undergraduate
students of Music Program in this same University. This laboratory was inspired by the
Comunicantus Laboratório Coral project (São Paulo University, Ramos 2013). For this
purpose, at first we perform a documentary research on the curricula of Music
Undergraduate Programs for Bachelors and Licentiates, using the author Sacristán (2000,
2005 and 2013) as conceptual basis. Then this paper also presents the contents for
children choir practice aiming to propose a theorical contribution to the Choir Conduction
Undergraduate Program based on this perspective (Coll, 1998). Finally, we report and
discuss the processes that happened during this Laboratory implementation in the first
semester of 2018 by analyzing the researcher's field journal and the interviews made with
the students of the Conducting Program participating in this project. Data supports the
reflection procedure on the program of both courses because due to the excess of
mandatory classes—among other reasons—the profiles of alumni tend to be
standardized, and the current curriculum seems to not meet the formative demands to
those interested in professionally conducting children choirs. These students'
participation on the Laboratory also highlighted the importance of practical spaces with
effective educational action as a way of including the many formative demands required
to the children choir conductor.

Key words: Children choir conduction; Music education; Teacher Training.


Sumário

Sumário ............................................................................................................................................................. 9
Primeiros pressupostos .................................................................................................................................. 11
1. A atuação e formação das/os regentes de coros infantis .......................................................................... 19
1.1 LARCI (Laboratório de regência coral infantil) .......................................................................... 28
1.2 Considerações sobre o Currículo............................................................................................... 31
1.2.1 Contexto exterior ...................................................................................................................... 35
1.2.2 Contexto do sistema de ensino ................................................................................................. 38
1.2.3 Contexto didático ...................................................................................................................... 50
2. Construindo o LARCI ................................................................................................................................... 63
2.1 O que aprender ......................................................................................................................... 63
2.1.1 Conteúdos Conceituais.............................................................................................................. 65
2.1.2 Conteúdos Procedimentais ....................................................................................................... 76
2.1.3 Conteúdos atitudinais ............................................................................................................... 84
2.2 Pressupostos pedagógicos ........................................................................................................ 89
2.3 Entrevista com coordenadores do COMUNICANTUS, projeto inspirador desta tese ............... 93
2.3.1 Análise da entrevista ................................................................................................................. 96
3. Implementação do LARCI.......................................................................................................................... 105
3.1 Acesso ao PRODECAD.............................................................................................................. 106
3.1.1 Ficha de Inscrição LARCI .......................................................................................................... 113
3.2 Registro dos dados .................................................................................................................. 114
3.3 Primeiro Planejamento ........................................................................................................... 118
3.3.1 Debate das atividades ............................................................................................................. 118
3.3.2 Estrutura do ensaio (panorama geral) .................................................................................... 123
3.3.3 Mais reflexões do observador ................................................................................................. 129
3.4 Primeiro encontro com as crianças ......................................................................................... 129
3.4.1 Mais reflexões do observador ................................................................................................. 130
3.4.2 Debate das atividades ............................................................................................................. 134
3.4.3 Estrutura do ensaio (panorama geral) .................................................................................... 140
3.5 Oficinas experimentais ............................................................................................................ 143
3.5.1 Debate das atividades ............................................................................................................. 143
3.5.2 Estrutura do ensaio (panorama geral) .................................................................................... 163
3.5.3 Mais reflexões do observador ................................................................................................. 169
3.6 Ensaios abertos ....................................................................................................................... 170
3.6.1 Debate das atividades do planejamento anteriores aos ensaios (primeiro momento) ........... 170
3.6.2 Estrutura dos ensaios abertos (panorama geral) .................................................................... 193
3.6.3 Mais reflexões do observador ................................................................................................. 195
4. Entrevista com as/os estagiárias/os do grupo ........................................................................ 198
4.1 Motivações para participação do LARCI .................................................................................. 201
4.2 Diferenciais formativos propostos pelo LARCI ........................................................................ 206
4.3 Auto avaliação do aprendizado das/os estagiárias/os ............................................................ 213
4.4 Sobrecarga de disciplinas obrigatórias .................................................................................... 219
4.5 Sugestões para encaminhamentos futuros............................................................................. 225
Considerações Finais..................................................................................................................................... 229
Referências Bibliograficas ............................................................................................................................. 238
Anexo 1. Entrevista Comunicantus ............................................................................................................... 243
Anexo 2. Entrevista Estagiárias/os I.............................................................................................................. 258
Anexo 3. Entrevista estagiárias/os II............................................................................................................. 273
Anexo 4. Partitura “Lamento da Lavadeira” ................................................................................................. 281
Anexo 5. Partitura “Garota do Tacacá” ........................................................................................................ 291
Anexo 6. Parecer Consubstanciado do CEP .................................................................................................. 291
11

Primeiros pressupostos

Esta pesquisa analisa o desenvolvimento do LARCI (Laboratório de Regência Coral


Infantil) na Unicamp buscando discutir uma formação acadêmica que atenda melhor às
demandas de competências necessárias para a prática de regência focada na atuação
específica de coros infantis. Ao longo dos capítulos se estabelecerão reflexões que, por
um lado, justifiquem a implementação do LARCI como complemento da formação dos
regentes e educadores musicais e, por outro, foquem como se deu a sua implantação e
quais os procedimentos e avaliações realizadas ao longo de sua efetivação no primeiro
semestre de 2018.

O LARCI é inspirado no projeto “Comunicantus Laboratório Coral”, do


Departamento de Música da ECA (Escola de Comunicação e Arte da Universidade
Estadual de São Paulo), do qual participei, antes do meu ingresso no Ensino Superior em
Música na Unicamp, durante a minha adolescência como cantor em um dos corais do
projeto. Lembro-me de ficar bastante interessado com as relações entre as alunas e os
alunos que nos regiam, coordenados pelos docentes responsáveis pelo projeto, o
Professor Doutor Marco Antonio da Silva Ramos e a Professora Doutora Susana Cecília
Igayara.

Em funcionamento desde 2001, o Comunicantus Laboratório Coral


oferece aos alunos da Graduação e da Pós-graduação do Departamento
de Música da ECA-USP a oportunidade de realizar estágio
supervisionado como regentes, monitores ou preparadores vocais
(entre outras funções relacionadas ao canto coral) em coros
comunitários formados por pessoas que não necessariamente possuem
conhecimento ou prática musical anterior. Com objetivos não somente
artísticos, mas também educativos, as atividades têm foco no ensino-
aprendizagem tanto dos coralistas quanto dos alunos estagiários, que
são orientados pelos Professores Marco Antonio da Silva Ramos e
Susana Cecília Igayara. (HAUK-SILVA, 2012, p.01).

A minha primeira graduação na Unicamp foi em canto lírico, sendo influenciado e


motivado pela minha participação no Comunicantus. Nessa mesma instituição, logo no
12

segundo ano de graduação, iniciei também o curso de licenciatura, pois comecei a


trabalhar como professor auxiliar em uma escola privada, neste caso, motivado pelas
minhas dificuldades financeiras. Neste período, como forma de complementar a minha
renda, ingressei como estagiário em um projeto social voltado para coros infanto-juvenis.
Em ambos os espaços permaneci durante 7 anos, tornando-me professor.

Eu havia cantado em coros infantis, permaneci na juventude no Comunicatuns e


durante a graduação no Coro Contemporâneo de Campinas; o interesse pelo canto coral
já era evidente, porém, nunca havia me imaginado regente. Da mesma forma que me
tornei professor dando aula, como regente tive o mesmo processo.

Tanto na escola quanto neste projeto social, pude perceber e vivenciar a validade
do exercício prático docente com o contato real com as crianças. Estas situações me
conduziram a refletir sobre a relevância dos estágios na formação docente e sentir
algumas formas de distanciamento que ocorriam entre o que eu aprendia como aluno do
Ensino Superior e as competências que se demonstravam emergentes na minha vida
profissional naquele momento.

Avaliei que boa parte das competências que desenvolvi para esta prática foram
gradualmente sendo sedimentadas durante as vivências que tive no contato direto com
as crianças – planejando em casa, experimentando junto com o coral e avaliando, na
perspectiva constante de alcançar a melhor performance possível. Era nesses momentos
que as ideias e palavras se tornavam ações, que consequentemente resultavam na
música como sendo o principal objeto compartilhado entre regentes e cantores.
Durante a licenciatura não ocorreram espaços que me proporcionassem a possibilidade
de reger algum grupo coral, com exceção de um semestre na disciplina de técnica de
regência, uma disciplina obrigatória. No meu caso, como se tratava de uma disciplina
obrigatória, essa disciplina de iniciação à regência poderia ser um dos locais mais propícios
para essa experiência acontecer, no entanto, seu objetivo principal, no período em que a
cursei, estava voltado especificamente para o desenvolvimento do gestual técnico, não
havendo espaços para o debate sobre os processos que envolvem o ensino do cantor
coral durante os ensaios. Não me lembro de nenhuma ênfase dada para questões de
performance ou interpretação vocal, por exemplo. Porém, como eu já tinha, por conta
13

própria, interesse pelo canto coral – e também já havia concluído o bacharelado em canto
lírico –, esse interesse somado a outros caminhos profissionais me levaram inclusive a
perceber a escassez destes assuntos na minha formação.

Ao término do meu mestrado, já envolvido nos estudos de formação de


profissionais da educação musical, aventei a possibilidade de desenvolver um projeto que
fosse similar ao Comunicantus da USP, o que poderia ser uma alternativa viável para
aqueles que estivessem interessados em atuar na regência e que, assim como eu, não
tivessem espaço para se dedicar e estudar especificamente esta área de atuação durante
a graduação na Unicamp. Evidentemente, as alunas e os alunos poderiam, com
autonomia, buscar a observação de ensaios corais nas disciplinas de estágio, mas ainda
assim são poucas as chances de que a/o regente responsável pelo local do estágio
permita que o ensaio seja conduzido por uma estagiária/o. Assim, o que geralmente
ocorre com a/o regente graduada/o é que seu primeiro contato com a condução se dá
quando a pessoa é a responsável pelo coral.

Como parte deste doutorado, no ano de 2018 implementei o LARCI (Laboratório


de Regência Coral Infantil), obtendo dados para analisar a sua relevância e os principais
fundamentos da sua existência que possam servir de inspiração para outros projetos
similares da mesma forma que o Comunicantus serviu para esta Tese.

Inicialmente, Laboratório é um termo comum na área da saúde e das ciências


exatas. Desde a Educação Básica, os espaços mais privilegiados já costumam conduzir
seus alunos e alunas para experiências práticas, buscando vinculá-las com os conteúdos
básicos a serem desenvolvidos durante suas disciplinas. Assim, o laboratório é um recurso
didático a partir do qual se espera obter vivências e experiências mais ricas do que aquelas
do cotidiano, onde os conhecimentos prévios são explorados com maior profundidade e,
a partir das análises que ele permite, impulsionar novas descobertas.

As autoras Afonso e Leite (2000) discutem a existência de dois tipos de laboratório


de formação; no primeiro deles, a/o docente responsável somente demonstra as ações
enquanto as demais pessoas observam. Este modelo de laboratório, segundo as autoras,
não seria tão eficiente, pois ainda não ocorreria obrigatoriamente a comunicação e a
relação direta entre a/o futuro regente e quem canta. O tipo de laboratório proposto
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pelas autoras busca colocar a aluna e o aluno no centro do processo, para que sejam
ativos efetivamente no manuseio e na compreensão de seus instrumentos. No caso do
LARCI, a hipótese desta tese é que a participação do laboratório complementaria a
formação em regência na Unicamp, acrescentando a ela experiências práticas com o coral
infantil.

Essa formação laboratorial não busca substituir uma formação teórica. O sentido
de sua existência é que as teorias discutidas nos currículos de formação pedagógica e
musical possam ser apropriadas de um modo mais significativo pelos aprendizes, na
medida em que seja possível verificar as implicações destes saberes no cotidiano
educacional, buscando a melhoria na qualidade da instrução e nos processos de
aprendizagem.

A descrição e análise da implementação do LARCI na Unicamp poderia ser


realizada de perspectivas variadas, desvendando olhares diversos (dos teóricos
educacionais, dos teóricos da regência, dos docentes, dos discentes, das crianças etc.)
que justificassem, ou não, a significância deste tipo de laboratório formativo na Unicamp.
Neste sentido, ao longo deste trabalho, são analisados 4 principais tópicos que buscaram
construir a ideia desta tese.

O primeiro capítulo apresenta os fundamentos do papel da regência coral infantil.


A intenção dessa discussão inicial é deslocar a sua função de mero condutor das práticas
musicais para a área da docência e a todas as questões que justifiquem as diferenças no
trabalho a ser desenvolvido com crianças, ou grupos de cantoras e cantores amadores,
comparado à condução de grupos composto por musicistas profissionais.

Entender o papel da regência vinculado à função docente é uma premissa desta


pesquisa. Na atuação em coros infantis e amadores é ainda mais necessária esta
perspectiva, já que as/os coristas não têm relações diretas de trabalho com quem rege,
e normalmente seu ingresso no coral é a primeira experiência de prática musical coletiva
com características mais formais. No caso das crianças, o respeito das características e
peculiaridades da infância, além de fundamentais para um aprendizado significativo e
amplo, é um direito (ECA, Brasil, 1990) que, contudo, pode ser negligenciado e até
mesmo desconhecido pelos profissionais em regência.
15

O LARCI foi implementado na Unicamp e disponibilizado principalmente para as


alunas e os alunos da graduação em música, tanto da licenciatura quanto do bacharelado.
Além de contar com a minha experiência pessoal como egresso destes cursos (do
Laboratório da USP e da graduação da Unicamp), inicialmente foi realizada uma pesquisa
documental de ambos os cursos de graduação para que, por meio da comparação entre
as cargas horárias e ementas, disponíveis nas grades curriculares e nos Projetos Políticos
Pedagógicos, fosse possível identificar a viabilidade de implementação de um novo
projeto de formação. Também procurou-se saber se, neste caso, um laboratório de coral
infantil seria inovador ou necessário, caso a área da regência coral infantil já estivesse
contemplada nos planejamentos curriculares ou nos Projetos Políticos Pedagógicos.

Por meio da análise dos Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação
associada à organização da grade curricular, desvenda-se um caminho que torna possível
verificar se ocorre uma formação que possa suprir a vasta rede de saberes e
conhecimentos necessários ao regente, na perspectiva da atuação em acordo com as
pedagogias modernas de ensino e o complexo desempenho técnico musical. Além disso,
valho-me também das minhas reflexões acerca da importância dos planejamentos nos
cursos de Ensino Superior e os caminhos possíveis para a formação docente.

O autor Sacristán (2013) descreve que o currículo a ensinar representa uma


seleção organizada de conteúdos e as regulações que organizarão as práticas didáticas.
Sua estrutura está associada ao tempo de aprendizagem e à sucessão de assuntos que
serão abordados: representa aquilo que se compreende como desenvolvimento da aluna
e do aluno dentro do espaço educacional por meio da ampliação do acesso à escola e por
meio da lógica serial de transmissão dos saberes do séc. XVI e XVII. Nas palavras do autor:
“o currículo se transformou em uma invenção decisiva para a estrutura do que hoje é a
escolaridade e de como a entendemos” (SACRISTÁN, 2013, p. 17).

O currículo não está descolado dos seus contextos sociopolíticos globalizados,


assim, no primeiro capítulo desta Tese, também se discute as diversas maneiras como as
mudanças ideológicas da sociedade interferem na sua estrutura e implementação. Neste
sentido, entendo que é pertinente discutir as diretrizes que legislam sobre os cursos de
música e que, desta forma, influenciam nas estruturações curriculares. Destaca-se que em
16

2016 ocorreu uma mudança no currículo da licenciatura em música da Unicamp e


novamente, no ano de 2018, outra modificação curricular foi implantada para este curso.
Nesta pesquisa atualizei os dados para contemplarem o catálogo vigente durante a
implementação do LARCI, que começou em 2018.

Antes do início do laboratório, para possibilitar a organização dos principais


assuntos que seriam debatidos e categorizar os conteúdos da prática coral infantil que
nortearam o trabalho pedagógico do LARCI, o segundo capítulo apresenta um
aprofundamento do trabalho desenvolvido pelas autoras Braga e Tourinho (2013)
relacionado aos conteúdos da prática coral infantil. A ideia de aprofundar o contato com o
trabalho dessas autoras foi a de obter uma documentação pedagógica consistente que
pudesse conceituar os procedimentos que seriam utilizados durante o planejamento e
ensaios do Laboratório.

O segundo capítulo também busca contribuir para que as/os regentes possam ter
uma bibliografia em português que pontue os tópicos que envolvem o aprendizado e
ensino no canto coral, concebido aqui como uma prática que envolve mais do que o ato
de cantar. E mesmo o aprendizado do canto também incorpora diversas questões que
convergem para um canto afinado, expressivo e tecnicamente aplicado na perspectiva
da saúde vocal.

Também se encontra nesta seção a entrevista realizada com os coordenadores do


Comunicantus. O meu acesso a eles foi razoavelmente fácil devido à minha participação
como aluno do projeto. Destaco que esta experiência que tive enquanto cantor no
Comunicantus foi muito marcante e determinante na minha relação com o fazer musical.
Ao ingressar na Unicamp, tive a oportunidade de participar do Coro Contemporâneo de
Campinas, onde também fortaleci o meu interesse e prazer com a prática coral e tive
mais uma vez o contato com um regente totalmente dedicado à sua área, o Professor
Doutor Ângelo Fernandes. O trabalho com as crianças veio posteriormente, espaço onde
me encontro atualmente e através do qual tenho a oportunidade e o privilégio de
contribuir socialmente. Neste sentido, já parto do pressuposto que, em minha
experiência, o contato com a prática real coral e o fazer musical com pessoas muito
dedicadas ao assunto foram determinantes na minha trajetória, e isto é, de alguma
17

forma, o que eu gostaria de transmitir aos meus estagiárias/os na idealização do LARCI.

Durante o período do doutorado troquei de orientação, e esta mudança também


foi determinante para a implementação do LARCI. O contato com o novo orientador
Professor Doutor Jorge Schroeder possibilitou a minha compreensão da posição
fundamental da experimentação do meu projeto para que eu pudesse investigar as
consequências de sua implementação e o significado que teria para seus participantes.

Sendo assim, no terceiro capítulo encontra-se descrito o processo de


implementação do projeto, desde a busca e o contato com o espaço que seria
implementado e, posteriormente, a análise dos dados coletados. A partir deste capítulo
esta tese busca discutir os acontecimentos que julgamos como principais e que podem
contribuir para outros laboratórios ou práticas similares no Ensino Superior.

Nesta pesquisa estão presentes a análise dos treze encontros ocorridos durante a
implementação do LARCI no PRODECAD (Programa de Desenvolvimento e Integração da
Criança e do Adolescente) dirigido pelo DEDIC (Divisão de Educação Infantil e
Complementar) da Unicamp. Este espaço acolhe as filhas e os filhos das servidoras,
servidores, professoras, professores, alunas e alunos da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas), como um espaço socioeducativo, e é organizado com 3 núcleos:

• CECI Parcial: acesso à educação de bebês e crianças que compreende a


faixa etária de 6 meses a 05 anos e 11 meses, meio período;

• CECI Integral: acesso à educação de bebês e crianças que compreende a


faixa etária de 6 meses a 05 anos e 11 meses, período integral;
• PRODECAD: programa de educação não formal com crianças e
adolescentes que compreende a faixa etária de 6 a 14 anos.

Buscou-se discutir as análises dos diários de campos realizados semanalmente


após as visualizações de todos os encontros. Primeiramente, o difícil desafio foi o de
manter atualizações metódicas dos dados coletados para que não ocorresse acumulação
de dias sem a transcrição dos dados no diário. Como pesquisador, encontrei diversos
desafios ao longo desses meses, durante os quais também tive a oportunidade de
18

constantemente me autoavaliar como coordenador do laboratório e formador das/os


estagiárias/os.

No quarto capítulo estão contidas as análises das entrevistas realizadas com as/os
estagiárias/os participantes do LARCI. Após a primeira experiência de efetivação deste
projeto, estas entrevistas buscaram compreender a opinião do grupo participante sobre a
validade em participar deste tipo de programa de formação de regentes corais infantis,
além de avaliar e levantar sugestões para melhoria da estrutura e da metodologia
adotada, visando a continuidade do Laboratório.

Por meio da transcrição das falas destes sujeitos, é traçada uma discussão que
busca associar os assuntos debatidos ao longo desta tese, tais como: as possíveis
diferenças entre a formação proposta pelo LARCI e os cursos de graduação dos
participantes; os principais aprendizados possíveis durante a participação do laboratório;
os aspectos da formação em regência coral infantil, dentre outros.

O objetivo durante a escrita deste quarto capítulo foi de que, por meio das falas,
fossem levantadas concepções que justificassem e auxiliassem no desenvolvimento do
LARCI como um espaço que pudesse servir tanto para formar regentes de coros infantis
quanto para exemplificar um modelo que valoriza a participação da criança neste tipo de
formação. Interessante destacar que este tipo de processo valoriza a atuação da criança
na formação docente. A infância é um momento único e peculiar do desenvolvimento
cognitivo e social da humanidade, assim, uma formação que possa compreendê-la desta
forma precisa se aproximar da realidade das crianças, suas concepções, compreensões
de mundo, comportamentos, sua impressionante capacidade afetiva de aceitar a
diferença, sua curiosidade e entusiasmo em aprender e descobrir o novo.
Por fim, são apresentadas as considerações finais, resumindo os principais
conceitos discutidos, além de propor novos desafios que despertaram a vivência deste
laboratório. Este é um começo de um trabalho que apresenta inúmeras questões a serem
discutidas e também o ponto de partida de sua leitura.
19

1. A atuação e formação das/os regentes de coros infantis

A ideia desta tese originou-se como proposta de pesquisa posterior sugerida a


partir da dissertação “A função e o desenvolvimento do jogo didático nos ensaios de
coros infantis” (KASHIMA, 2014), deste mesmo autor. Nesta dissertação, defendi que o
jogo é funcional e importante para o desenvolvimento da criança, inclusive na prática
coral infantil, e que um dos entraves de seu uso durante os ensaios está associado à falta
do debate pedagógico durante as formações das/os regentes corais infantis.
Isso porque, em respeito às peculiaridades da infância, a/o regente precisa ter
conhecimentos pedagógicos, além dos musicais, para que seu ensaio seja um espaço de
construção de conhecimento e que busque estimular o maior número possível de
cantores de forma significativa e efetiva.
Por meio da análise das entrevistas coletadas na minha dissertação, observei a
necessidade das/dos regentes entrevistados buscarem cursos de capacitação, além da
formação fornecida durante suas graduações, especificamente associados a oficinas
especificamente de regência coral infantil. Elas e eles buscavam aperfeiçoamento na
formação pedagógica que auxiliasse o próprio desenvolvimento e atuação durante os
ensaios. Destaco que todas/os entrevistadas/os disseram que compreendiam que em
seus cursos de graduação não foram suficientemente abordados os temas que envolviam
a regência coral infantil.
Teoricamente e legalmente difundida, a formação continuada é uma condição
inerente da/o profissional da educação para que sua atuação projete processos de ensino
e aprendizado que busquem atender às demandas sempre variadas das/os
educandas/os. Neste sentido, torna-se fundamental estimular que as futuras professoras
e professores, neste caso inclusas/os as/os regentes, conscientizem-se de que não existe
especificamente o momento que a pessoa está plenamente formada para a docência.
Trabalhar com educação é um processo de constante transformação, inclusive pela
velocidade em que a sociedade se modifica, sendo necessário que esse profissional esteja
atento, além de envolvido, a estas mudanças. Porém, sem descartar a relevância das/os
entrevistadas/os se manterem em formação, existe uma possibilidade de não haver
20

espaços nas formações para este tipo de atuação.


Parto do princípio de que são diversos os campos da atuação na regência e,
concretamente, qualquer pessoa que estiver conduzindo um grupo musical pode ser
considerada a regente, independentemente de ter algum tipo de curso formal. Em grupos
totalmente amadores, quem conduzirá o ensaio provavelmente será a pessoa
considerada mais bem preparada musicalmente ou que tiver uma personalidade de
liderança, duas características importantes para a regência. Neste sentido, não existe
uma habilitação oficial obrigatória para esta profissionalização.

Porém, entendo que é pertinente a discussão da formação no Ensino Superior em


música que habilite a atuação em corais com crianças, promovendo espaços onde esta
prática possa ser discutida ou até mesmo ser aplicada. Mesmo que não ocorra uma
habilitação específica para este campo profissional, não é viável desconsiderar a
necessidade de abarcar os assuntos que envolvem a regência de crianças, sendo esta
uma prática distinta daquela realizada com adultos.

Em sua pesquisa a autora Mateiro (2009) descreve que, nos quinze cursos de
licenciatura analisados por ela, existe a tendência das formações se direcionarem para
um único modelo estrutural de currículo, promovendo, assim, a formação de docentes
principalmente para o Ensino Fundamental e Médio, ainda que existam as demandas e
intenções em obter “profissionais capazes de trabalhar com educação infantil, com
adultos e idosos, com crianças portadoras de necessidades especiais, como regentes
corais, regentes de pequenas orquestras, bandas ou qualquer tipo de conjunto musical”
(MATEIRO, 2009, p. 65). Destaco que mesmo que não seja desenvolvido necessariamente
um coral, a própria condução de qualquer atividade musical coletiva exige competências
específicas relacionadas com a mediação/regência para a condução de ensaios.

Considera-se que a vivência do coral infantil é uma atividade de possível


realização na Educação Básica, e o uso da voz cantada ou falada costuma perpassar pela
maioria das performances e atividades musicais realizadas durante as aulas, ou pelo
menos durante os processos de ensino e aprendizagem. Além disso, o coral é uma
atividade que exige poucos recursos humanos e estruturais. Por meio do aprendizado
essencialmente em grupo a/o regente basicamente pode se responsabilizar pelo
21

processo de ensino, sem a necessidade de instrumentos musicais variados ou


equipamento tecnológico.

O pesquisador Figueiredo (2006), após estudo realizado em um curso de


licenciatura em música com a finalidade de averiguar a importância da regência coral nas
formações das/dos participantes, corroborando com um dos pressupostos desta
pesquisa1, constatou que:

As respostas dos participantes incluem a regência como uma atividade


que sintetiza diversas áreas estudadas ao longo do curso. Desta forma, o
estudo de regência não só se aplica para a atuação do professor de
música em sala de aula, como também contribui para o
desenvolvimento musical pessoal. Além disso, alguns estudantes
consideraram o aprendizado da regência importante porque abre
possibilidades de trabalho não só na escola, mas também em outros
espaços onde as práticas corais e instrumentais acontecem.
(FIGUEIREDO, 2006, p. 888)

Observa-se também que a criação e o desenvolvimento de mais grupos corais


escolares têm potencial de motivar as/os participantes a ampliar o interesse e a
motivação em se manter nesta atividade artística, além de propiciar o surgimento de
futuros grupos juvenis e posteriormente corais adultos, além de também favorecer a
formação de público.
Já os cursos de bacharelado em regência, mesmo que sem um direcionamento à
formação exclusivamente para a prática com crianças, não precisam negligenciar esse
campo de atuação profissional. Diversos projetos de educação formal e não formal
utilizam o canto coletivo como vivência musical. Porém, quando não acontecem as
discussões pedagógicas nos cursos superiores para o trabalho a ser desenvolvido com
crianças, principalmente em corais amadores, direciona-se muitas vezes a um tipo de
formação com características conservatoriais tecnicistas, desconsiderando as diversas
questões de ensino e aprendizagem exigidas. Neste sentindo, Just (2013), por meio da
avaliação de sua própria prática, analisa que:

1
O pressuposto da regência como ferramenta para a educadora ou educador musical
22

Por muitos anos, relutamos com a ideia de assumir essas características


pedagógicas no trabalho do Coro Curumim, talvez por não nos
sentirmos merecedores do título de educadores; ou porque essas
práticas de ensino foram realizadas de maneira intuitiva, de acordo com
a formação musical da mestranda, observando o trabalho de outros
regentes, colhendo informações esparsas em livros, ouvindo e
praticando músicas, colocando a “mão na massa”, e indo buscar
recursos para dar suporte e enfrentar as dificuldades inerentes ao
ensino da música (JUST, 2013, p. 105).

Mesmo nas disciplinas práticas destes cursos, observa-se a tendência em


construir a técnica em regência exclusiva para atuação em grupos que já tenham
formação musical prévia, direcionando-se para regentes de coros adultos profissionais
ou com considerável conhecimento musical nesta área.

Importante perceber que a regência engloba uma complexa gama de desafios,


dentre eles: a condução musical, os aspectos educacionais da criança e, muitas vezes, a
gestão administrativa do coro. Esta sobrecarga de tarefas envolve temas diversos e
interdisciplinares, acarretando no desafio complexo da estruturação das formações.

O trabalho com o coro infantil não é uma tarefa simples. Grandes


responsabilidades são destinadas aos profissionais que se dedicam a
esta prática. Ao considerar estes profissionais como educadores, a
tarefa de “educar” se remete não somente ao sentido musical, mas
também ao cuidado especial referente à formação global da criança
(LEAL, 1999, p.10).

O trabalho da/o regente é medido principalmente pela qualidade de condução


dos seus ensaios, sendo o espaço onde são desenvolvidas as habilidades e competências
necessárias aos cantores para a prática coral. Como proponente, quem rege é
responsável por organizar as atividades que promovam o desenvolvimento
musical-artístico do grupo. Por meio destas atividades planejadas são estimuladas as
ações que buscam a aquisição e assimilação dos conteúdos, possibilitando a melhor
execução do repertório.

O regente coral como agente de um processo educacional, pode


desenvolver com maior eficácia os diversos aspectos envolvidos na
23

prática coral através do planejamento. [...] as etapas a serem


desenvolvidas necessitam de organização, pois só assim promoverão
crescimento. Um problema apresentado de forma inadequada ou no
momento inoportuno pode significar frustração, provocar desinteresse
ou promover aprendizagem inconsistente (FIGUEIREDO, 1990, p.19).

Mesmo em um coral novo constituído por crianças com habilidades e


competências pré-existentes que favorecem esta prática, o ensaio é o único momento
em que é possível ensinar e aprender determinados conteúdos que só serão assimilados e
realizados coletivamente. A performance do coral como uma prática essencialmente
coletiva será o resultado das potencialidades e dificuldades combinadas das/dos
cantoras/es junto à sua comunidade coral2.

A dissertação de mestrado do autor Viegas: Questionamentos sobre a atuação do


regente: o ensino da performance, defendida em junho de 2009 pelo Programa de Pós-
graduação em Música da UFMG, contém três entrevistas realizadas com os seguintes
regentes: Osvaldo Colarusso, Mateus Araújo e Roberto Minczuk, nas quais uma das
perguntas trata da formação em regência no país.

Um dos entrevistados, Colarusso, diz em sua fala: “Eu tenho muitas críticas a
respeito do ensino da regência. Da mesma forma que ninguém é compositor porque tem
diploma de compositor, ninguém é regente por que tem diploma de regência” (2009,
p.108), neste sentido, este regente entende que a formação acadêmica em regência não
é obrigatória para aqueles que desejam reger ao longo de suas carreiras profissionais:

Calarusso: eu costumo dizer que ninguém entra em um seminário para


ser Papa. O mesmo deve acontecer com a regência. Ele tem de estudar
muito, para que a regência seja a culminância daquele estudo. Eu
conheço maestros que não tem um gestual tão bom, mas em termos de
cabeça são muito interessantes. São muitos mais “maestros” estes que
os que têm um gesto tecnicamente perfeito, mas que possuem várias
lacunas na sua formação e não têm nada a dizer. [...] (VIEGAS, 2009, p.
108)

2
Na comunidade coral encontramos as/os coristas, regente, músicos auxiliares e acompanhadores, eventuais
funcionários administrativos, responsáveis e cuidadores.
24

Segundo o autor, o ensino da regência não pode se reduzir ao gestual técnico sem
a possibilidade de relacioná-lo às suas intenções musicais, e é fundamental que possam
ser aplicados e/ou vivenciados na prática (nos ensaios). Nesta perspectiva, o regente
Minczuk ressalta que: “não há regente sem orquestra, assim como também não há
pianista sem piano. Mas no caso do regente é ainda pior, pois seu instrumento pensa, um
instrumento que tem uma ideia de como a música deve ser” (VIEGAS, 2009, p.127).

Minczuk: o regente na verdade não precisa começar propriamente com


uma orquestra. Qualquer grupo com mais de cinco integrantes já serve
para um estudante de regência colocar em prática seus conhecimentos.
O mais importante é começar a lidar com músicos, com pessoas, e
conseguir ser um líder. Às vezes o melhor regente é até o que tem menos
técnica, mas é líder, que o que tem técnica, mas não é líder. Então a
questão da liderança, a questão de conduzir, a questão de comandar, o
regente precisa refletir sobre tudo isto. Ele tem de comandar, inspirar,
liderar, e quem tem estas qualidades será um melhor regente que
aquele que possui uma técnica melhor, mas não tem estas qualidades.
(VIEGAS, 2009, p.127)

A última citação evidencia que a formação em regência é engrandecida quando é


possível aplicar todos os saberes que envolvem a sua prática em momentos reais de
ensaio, isto é, quando a/o estudante conduz um grupo real, todos os saberes são exigidos
de forma combinada: seu gesto, seus métodos pedagógicos, sua percepção auditiva e seu
canto são responsáveis para a realização de um ensaio eficiente, onde seus objetivos são
alcançados por meio das atividades propostas.

Evidente que os papeis pedagógicos e administrativos não excluem a necessidade


de se obter conhecimentos musicais que perpassam a teoria e a prática. A/o regente é
uma referência musical importante para as crianças. Desta forma, faz-se necessário
adquirir conhecimento musical abrangente, além de habilidades técnicas para conduzir o
grupo de forma eficiente. Oliveira (2011) observa que para a/o regente:

[...] é necessário o domínio da expressão e da musicalidade, de forma


que, ao entrar em contato com a partitura ele consiga lê-la no sentido
mais completo do termo “ler”, ou seja, uma leitura em que o indivíduo
reconstrua o texto, assimilando tanto as questões e significados
25

musicais que se apresentam à primeira vista, quanto aquelas que


exigem o conhecimento do contexto e da obra e um conhecimento
musical que vá além do que está escrito nos limites do papel (OLIVEIRA,
2011, p.49).

A formação em regência que contemple os diversos saberes existentes


correlacionando-os dá suporte para que as ações da/o regente sejam embasadas
teoricamente e favoreçam o desenvolvimento do grupo social e artisticamente. Inspirado
na pesquisa de Amato (2008), abaixo, encontra-se uma reorganização dos saberes
necessários, categorizados pela autora, projetando uma atuação em regência eficiente
em seus variados campos de ação, mesmo que não citado, todos estes saberes estão
associados a uma proficiência musical:

• Saber agir: como líder, torna-se fundamental a compreensão de que suas escolhas
e atitudes repercutem no resultado geral do trabalho. Observa-se a figura da/o
regente como um modelo a ser seguido pelas pessoas demais;

• Saber comunicar, liderar e motivar: é fundamental ao regente conseguir gerir os


recursos humanos do grupo e estimular o desenvolvimento de relações sociais
positivas entre todas e todos que participam. A comunicação também se
enquadra na habilidade do coral de se expressar musicalmente durante as
performances e está fortemente ligada à capacidade de a/o regente conseguir
conduzir e indicar artisticamente o que suas cantoras e cantores realizarão para
alcançar os resultados performáticos almejados;

• Saberes pedagógicos: a/o regente é responsável pelos processos de ensino e


aprendizagem do coro. Existem grupos nos quais cabe inteiramente ao regente
organizar e executar os planejamentos de ensaio com total autonomia, incluindo
sua direção e produção artística;

• Saber mobilizar recursos: a/o regente pode ter que administrar as condições
estruturais para os ensaios e apresentações, além de também precisar obter
recursos financeiros para a sua realização, principalmente nos grupos em que não
existem recursos humanos que contemplem essas funções (coros autônomos e/o
26

desvinculados de projetos onde a/o regente também os produzam).

Corroborando com esta ideia, segundo o autor Ramos, “ensinar regência coral é
promover uma imersão no meio, seja estudando, regendo, cantando, ensinando,
tocando, administrando, ou quantas mais atividades paralelas o ambiente coral propicie e
necessite” (2003, p. 13). Neste sentindo, a formação teórica não deve ser descartada,
porém é importante perceber que caso ocorra a supervalorização destes conteúdos,
podem ser desvalorizadas as vivências práticas.

As vivências práticas reais nas formações acadêmicas são geralmente alcançadas


com os estágios, que proporcionam o espaço formativo onde, a partir das discussões
teóricas realizadas nos cursos de graduação, as alunas e os alunos podem refletir
criticamente “as teorias estudadas com as situações práticas” (ALMEIDA E PIMENTA,
2015, p.29), buscando a articulação dos diversos elementos que estão sendo observados
com a finalidade de desenvolvimento pessoal.

Entendemos o estágio como um campo de conhecimento que envolve


estudos, análise, problematização, reflexão e proposição de soluções
para o ensinar e o aprender, e que compreende a reflexão sobre as
práticas pedagógicas, o trabalho docente e as práticas institucionais,
situados em contextos sociais, históricos e culturais. Nesse sentido,
caracteriza-se como mediação entre os professores formadores, os
estudantes em curso e os professores das escolas. (ALMEIDA E
PIMENTA, 2015, p.29)

Quando se trata de coros infantis, a prática da regência se torna mais complexa,


pois é necessária a presença das crianças para que efetivamente ocorram as vivências
que proporcionem experiências reais das dinâmicas e os desafios de organização e
procedimentos de ensaio. Mesmo que ocorram as simulações com adultos, o que é
comum na formação das/dos regentes, dificilmente elas se aproximarão das reações
diversas e espontâneas características da infância. Desta forma, caberia às disciplinas de
estágios promover a possibilidade de se ter contato com as didáticas relacionadas ao coral
infantil, além das próprias Instituições de Ensino Superior serem incumbidas de
desenvolverem projetos de extensão que poderiam aproximar a comunidade à
27

universidade, promovendo benefícios para a sociedade.

Em síntese são levantados três campos formativos: a formação teórica, a


formação prática-técnica e a experiência de palco (experiência real de ensaio e
apresentação). O regente Araújo acrescenta na regência o papel da performance e, sendo
assim, a fundamental experiência em palco com apresentações públicas durante a
formação (VIEGAS, 2009, p.118). Caso não haja um grupo para ensaiar, também não
ocorrem momentos na formação onde ocorrem as experiências de apresentação pública
ou mesmo a oportunidade para adquirir algum tipo de experiência em produzir os
concertos, prática comum para quem rege grupos amadores. Neste sentido, durante a
formação em regência, faz-se necessária a abordagem de diversas perspectivas visando
múltiplas áreas de conhecimento:

A atividade coral, como prática complexa, composta por fatores


humanos, e como manifestação artística de valor social, cultural e
educativo, não deve ser superficialmente abordada pelo regente em
suas concepções e no cotidiano dos coros. Assim, a educação do
regente coral urge ser delineada sob uma ótica multidimensional,
permitindo que sejam formados profissionais capacitados musical e
pedagogicamente. (AMATO, 2008, p.25)

Esta demanda formativa complexa da regência coral acarreta a dificuldade de


organizar sua formação. Nos currículos dos cursos de graduação com a intenção de
formar regentes corais infantis, deve haver a reflexão sobre como seria possível
proporcionar uma formação técnico-musical envolvendo as habilidades da regência, de
em associação aos saberes pedagógicos sobre ensino e aprendizagem, debates estes mais
comuns nos cursos de licenciatura em música em comparação com os cursos de
bacharelado em regência.
Estas questões justificam e buscam compreender o cenário em que propus o
surgimento do objeto desta pesquisa, o LARCI (Laboratório de Regência Coral Infantil), na
qual a minha hipótese é que a criação de um espaço onde seja possível reger crianças
permite o desenvolvimento de uma alternativa para a formação tanto para os cursos de
28

licenciatura em música quanto para o bacharelado em regência, buscando equilibrar a


formação técnico-musical com a pedagógica. Além de proporcionar o contato real com
esta área profissional.

1.1 LARCI (Laboratório de regência coral infantil)

Avaliando como possibilidade de auxiliar a formação em regência coral infantil na


Unicamp, esta pesquisa propõem a criação de um Laboratório inspirado no projeto
Laboratório Coral-escola3, desenvolvido e aplicado na Universidade Estadual de São
Paulo com coros adultos. O projeto se chamou Comunicantus: Laboratório Coral criado
em 2001 na USP, idealizados pelo Professor Doutor Marco Antônio da Silva Ramos e pela
Professora Doutora Susana Cecília Igayara. Esse projeto foi inserido no programa de
graduação da USP após seu criador pesquisar as razões pelas quais muitos dos egressos
não se encaminhavam para o mercado de trabalho na área de regência coral.
Avaliou-se que, durante a formação, as alunas e alunos somente regiam coros de
músicos “regendo obras complexas, [...], mas ao deixar a escola, eles se encontravam
com uma realidade na qual muito desses aspectos eram quase inúteis, frente a uma
situação em que a educação musical é negligenciada” (RAMOS, 2003, p.12). Na prática
coral, mesmo sendo esse um grande espaço de atuação profissional, são raros os coros
de musicistas profissionais no Brasil. No âmbito dos coros infantis principalmente, nos
quais é indissociável a estância de formação educacional, por ser tratar
fundamentalmente do trabalho a ser desenvolvido com crianças.
A implementação deste projeto buscou proporcionar às alunas e alunos as
vivências em trabalhos com coros amadores visando ampliar sua formação durante a

3
A ideia de desenvolver o Conceito Coral-escola despertou com o coral do Museu Lasar Segall (1977 – 1997),
no qual, mesmo com a alternância de cantores e regentes, buscava-se o aperfeiçoamento musical constante.
“O conceito CORAL ESCOLA, pensando como um espaço onde formação e performance aconteçam
indissoluvelmente associadas; onde toda ação é educativa; onde a qualidade artística é objetivo primeiro, mas
é também objetivo educativo; onde as aulas não são um espaço separado de aprendizado e treinamento
musicais; onde ensaios são aulas; onde apresentações são aulas; onde aulas se confundem em profundidade
com a atividade artística enquanto tal. ” (RAMOS, 2003, p.10)
29

graduação. Justificando sua ideia, Ramos (2003) ressalta que:

Meus alunos estavam sendo preparados para serem bons regentes de


coros de músicos, mas não sabiam trabalhar em um coro de leigos. Era
preciso ensiná-los a trabalhar também em uma realidade mais dura,
para que eles não se sentissem frustrados e consequentemente
desencorajados ao se lançar no mercado de trabalho. E também
prepará-los para transformar essa realidade. (RAMOS, 2003, p.12)

Ressalta-se que, neste processo que propus de implementação do Laboratório de


Regência Coral Infantil (LARCI), tantos as/os regentes quanto as/os coralistas são
aprendizes. As/os regentes, sob orientação e supervisão constante e coletiva,
desenvolveram suas práticas em regência e puderam experimentar a eficácia dos
procedimentos escolhidos, que já haviam sido anteriormente discutidos de forma
horizontal e democrática em reuniões de formação e planejamento ocorridas nos
planejamentos de ensaio. Seguimos, nesse sentido, as diretrizes do Laboratório pioneiro
da USP.

Para o Comunicantus: Laboratório Coral, o projeto do coral oficina tinha


como principal objetivo a criação de um coro no qual as questões de
técnica de ensaio, de ensino coletivo de canto e de construção de um
grupo desde seu início pudessem ser planejadas e realizadas em
conjunto por um grupo de estudantes, fortemente supervisionado
pelos professores coordenadores. Os estagiários participaram de todo o
processo de concretização do coro, que envolveu desse atividades de
produção _ divulgação do Coral no campus da Usp (elaboração e
distribuição de cartazes), organização dos espaços físicos (salas) para o
os ensaios, preparação e transporte do material necessário (teclado ou
outros instrumentos, estantes, etc) _, passando pela definição do perfil
do coro, até chegar ao desenvolvimento de estratégias de ensaio e de
ensino-aprendizagem para o grupo real que se formou. (HAUCK- SILVA,
2012, p.29)

Durante os ensaios com as crianças, as/os estagiárias/os regentes possuem a


oportunidade de treinar procedimentos de ensaios variados e, junto com os seus pares
sob coordenação, refletir sobre todo o planejamento dos processos de ensino de
aprendizado da prática coral. Cria-se um ambiente onde é possível integrar a teoria e a
prática e, a partir da aproximação e vivência destes elementos, aprofundar-se na
30

formação em regência coral infantil.

[...] os alunos estagiários do Comunicantus: Laboratório Coral, durante


toda a preparação, realização e avaliação das atividades corais são
incentivados a utilizar de forma integrada e interativa os
conhecimentos musicais adquiridos nas disciplinas cursadas durante a
graduação [...]. A integração e a interação de conhecimentos musicais e
pedagógicos são realizadas em nível prático durante os ensaios e aulas
e também em nível teórico, por meio da reflexão escrita nas avaliações
de ensaios, [...]. (HAUCK-SILVA, 2012, p.34)

O diferencial do LARCI é a possibilidade de se desenvolver um trabalho com


crianças, que acarreta demandas e responsabilidades diferentes do trabalho com
adultos. Na medida em que as situações reais surgem, criam-se espaços para os assuntos
que remetem a demandas formativas em regência. Desenvolvendo determinadas ações
com os grupos em ensaios reais, oportuniza que os/as regentes atuem buscando
estratégias de ensino que de fato aprimorem artisticamente o grupo, podendo realizar
uma análise de sua própria prática, à luz de um planejamento e treinamento anteriores,
elaborados de forma contextualizada.
Existe uma série de fatores combinados que são responsáveis pela formação de
alunos e alunas em qualquer nível de escolaridade ou contexto. Nesta pesquisa busca-se
encontrar relações entre a formação que a Unicamp pretende oferecer e o que o LARCI
proporcionou para seus participantes, associadas ao aprendizado específico da regência
coral infantil. A ideia também é justificar a implementação do LARCI e a relevância de seu
modelo formativo.
Iniciamos o debate pelas questões vinculadas ao currículo. Por meio dele, os
conteúdos e procedimentos escolares são organizados e transmitidos, carregando
valores e tradições daqueles que o estruturam e também do público para o qual é
destinado. Sua análise permite observar que tipo de formação e perfil de egresso os
cursos superiores planejaram e oficializam.

Toda política curricular é, assim, uma política de constituição do


conhecimento escolar: um conhecimento construído simultaneamente
para a escola (em ações externas à escola) e pela escola (em suas
práticas institucionais cotidianas). Ao mesmo tempo, toda política
curricular é uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção
31

da cultura e é um campo conflituoso de produção de cultura, de embate


entre sujeitos, concepções de conhecimento, formas de entender e
construir o mundo (LOPES, 2004, p. 111).

Sacristán (2000) elenca alguns problemas que normalmente surgem para o


tratamento dos currículos. Resumidamente são questões acerca de qual ideologia
embasa o funcionamento estrutural da escola (tipo de organização de tomada de
decisões, democratização do ensino e a cultura) e questões voltadas aos assuntos mais
pedagógicos (objetivos, conteúdos e métodos de transmissão de conhecimento). Estes
temas relacionados podem esclarecer “as ideias e valores que orientam as decisões em
torno de seus conteúdos até a racionalização dos meios para obtê-los e comprovar seu
sucesso” (SACRISTÁN, 2000, p. 125). Ressalta-se que as questões ideológicas criam os
sistemas que estruturam os cursos através das políticas públicas que, por sua vez,
ordenam o funcionamento das tomadas de decisões, inspiradas nos valores e atitudes da
cultura dominante.

1.2 Considerações sobre o Currículo

O termo currículo basicamente assume dois sentidos no cotidiano, o primeiro


deles está vinculado aos percursos profissionais resumidos em um documento, o
Curriculum Vitae, nele estão contidos todos os feitos considerados importantes para
almejar uma carreira profissional qualquer. O outro sentido trata do planejamento dos
caminhos formativos das/os estudantes, descrevendo aquilo que será apreendido e em
qual ordem se dará (SACRISTÁN, 2000, p. 16).

O planejamento educacional, tendo o currículo como um de seus componentes,


caracteriza-se pela organização de ações, visando atender às demandas das/os
estudantes e da sociedade por via de análises sistemáticas. Contextualizando-se histórica
e geograficamente sua implementação e possibilidade de flexibilização se tornam
fundamentais para atingir seus objetivos. Para a continuidade e efetivação dos planos
32

faz-se necessário o acordo com planos posteriores, e isso pode ser prejudicado caso os
currículos estejam vinculados apenas a interesses políticos temporários ou atendam
apenas a benefícios particulares (COOMBS, 1972, p. 61). Na perspectiva das políticas
públicas o planejamento reflete o projeto de sociedade pretendido e “trata-se de uma
leitura específica a respeito da realidade social que é própria daqueles que estão no
comando do setor concernente em determinado momento” (AZEVEDO, 1997, p.66).

Os processos de ensino são incialmente discutidos nos planos curriculares, mas é


na prática pedagógica que o plano se torna realidade. Assim, pela experiência real, por um
lado as atividades buscam atingir os objetivos gerais do currículo e, por outro, também
podem modificar as suas intenções iniciais. Neste sentido, Sacristán (2000) sugere que o
ensino seja visto não somente pelos planos, tornando-se importante analisar de alguma
forma as práticas que transformam o currículo em aprendizado concreto para alunas e
alunos.

Desde o início do seu uso no contexto educacional, contudo, o currículo tem sido
utilizado para expressar a ideia de fragmentação e segmentação dos conteúdos que serão
ensinados. Cabe ao currículo organizar uma sequência de conteúdos, já que todas as ações
separadas, ao se juntarem, devem corresponder ao perfil almejado de egresso. Porém,
devido a esta fragmentação é possível que se criem entraves para realização de conexão
entre esses conteúdos.

O autor Sacristán (2013) levanta duas questões dicotômicas de grande relevância


sobre as consequências da organização escolar por currículos: uma projeta a organização
dos assuntos que serão debatidos incentivando que alguns temas fundamentais sejam
discutidos e não negligenciados; outra, como consequência, com ou sem moderação,
limita a atuação pedagógica privando as/os docentes de autonomia para abordar e
desenvolver os assuntos de seu interesse pessoal ou de seus alunos e alunas.

Em tempos modernos, poderíamos dizer que, com essa invenção


unificadora, pode-se em primeiro lugar evitar a arbitrariedade na
escolha de o que será ensinado em cada situação, enquanto, em
segundo lugar, se orienta, modela e limita a autonomia dos professores.
Essa polivalência se mantém nos nossos dias. (SACRISTÁN, 2013, p.16)
33

As demandas educacionais, pela perspectiva que adotamos aqui, são sempre


diversificadas e contextualizadas sócio-historicamente. Observa-se, assim, que o
currículo não é um elemento neutro ou mesmo de âmbito universal. Por isso, a reflexão
constante de sua estrutura e eficácia é necessária e enriquecedora, pois, segundo esta
concepção, não existem processos únicos e exclusivos no ensino. Neste sentido, ao fim e
ao cabo, o currículo escolar reside na expressão de um projeto de sociedade almejado
elencando conteúdos considerados adequados para este objetivo. Destaca-se ainda o
desafio dos currículos não representarem a realidade.
O currículo é o lugar onde se “entrecruzam processos, agentes e âmbitos diversos
que, num verdadeiro e complexo processo social, dão significado prático e real ao
mesmo” (SACRISTÁN, p.129, 2000). Assim, pela observação das relações entre estes
processos, é possível analisar o currículo real e o resultado de sua aplicação. Abaixo estão
listados os referenciais que auxiliam no estudo do currículo dentro do contexto em que
eles são realizados:
 Contexto didático: o ambiente pedagógico por meio de seus métodos e
procedimentos condicionam os resultados obtidos (p.130);
 Contexto psicossocial: as relações entre os sujeitos e o que será ensinado acarreta
as motivações para as/os alunas/os;
 Contexto organizativo: as estruturas da Instituição de Ensino associadas às
condições de trabalho;
 Contexto do sistema educativo: as Instituições de Ensino não são unidades
isoladas, assim seguem regulamentações gerais curriculares;
 Contexto exterior: questões ideológicas resultantes de “pressões econômicas e
políticas, sistema de valores que preponderam, culturas dominantes sobre
subculturas marginalizadas, [...], influência da família, [...], incidem na
hierarquização dos saberes escolares” (SACRISTÁN, p.131, 2000).
Tomando como um processo contextualizado socialmente, ao se observar o
currículo deve-se levado em conta as impressões dos sujeitos envolvidos, além da própria
documentação, já que os processos de ensino e aprendizagem não são unilaterais. Muitas
vezes os conteúdos que foram planejados pelo profissional da educação para sua aula
34

não são os mesmo que as alunas e alunos assimilaram. Existe um lado que é a
intencionalidade curricular oficial, que expressa suas ideias e objetivos, e um outro lado
oculto, que é o que concretamente é aprendido. Nessa mescla se encontra o currículo
real. (SACRISTÁN, 2000).

O currículo oculto, que tem sido também conceitualizado como


currículo não escrito, latente ou implícito, faz referência aos efeitos sutis
resultado da experiência escolar, tal como se desenvolve no presente,
refletindo a dimensão educativa de ensino paralela das intenções do
currículo explicito, manifesto ou escrito, e que é produzido através das
práticas desenvolvidas. (SACRISTÁN, p.17, 2005)

Além do currículo oculto observado por Sacristán (2005), o mesmo autor destaca
também a existência do currículo nulo, que é caracterizado pela dimensão de práticas e
conteúdos que são negligenciados pelo currículo real. Neste sentido, além do currículo
oficial, faz-se necessário compreender aquilo que as instituições de ensino não declaram
oficialmente e o que concretamente decidiram não ensinar, buscando identificar suas
razões contextualizadas culturalmente.
A autora Chauí (2001) descreve a universidade como uma instituição social que
tende a representar uma realidade sócio-histórica de uma determinada sociedade. Nesta
perspectiva é importante analisar as suas estruturas a partir dos valores impostos pelos
grupos dominantes que encaminharam o desenvolvimento dos cursos de graduação e
pós-graduação. É importante observar que quanto mais dinâmicos forem os valores de
uma determinada sociedade, mais rápido exigirão transformações educacionais que
atendam as novas demandas surgidas.
Porém, Veronica (2011) discute que as Universidades mantêm estruturas
positivistas curriculares, nas quais os assuntos são ensinados linearmente, com
finalidades neles mesmos e transmitidos verbalmente de forma hierarquizada pelos
professores e professoras. Nesse cenário, faz-se necessário desenvolver outros
paradigmas que possam atender aos novos contextos sociais e históricos, além das
mudanças da própria sociedade.
Na perspectiva documental, sendo um dos elementos de estudo curricular, utilizo,
como exemplo para discutir a formação em regência coral infantil, os contextos que
envolvem o sistema de ensino, sua organização e sua didática. Uso como objeto de
35

investigação os cursos de Licenciatura em Música e Bacharelado em Regência da


Unicamp.
Para o Ensino Superior, as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação são
normativas obrigatórias que orientam os planejamentos curriculares para os cursos de
graduação. Sua análise possibilita verificar as intenções oficiais almejadas para os perfis
dos egressos e, nesta pesquisa, busca-se também identificar a existência da possibilidade
da formação de professoras e professores regentes que estejam habilitados para a
atuação em coros infantis.

O autor Sacristán (2005) destaca que a análise de um currículo que proponha


alterações de disciplinas ou sequências metodológicas, mesmo que elas se tornem
efetivas, não implica necessariamente na mudança da qualidade do ensino. Ele considera
que as substituições podem apenas buscar atribuir novos sentidos ao próprio
aprendizado: “é preciso ver que fatos e condicionantes devem mudar, para que essas
práticas se transformem em verdade” (p. 141). Esta perspectiva implica que sem a
participação das alunas e alunos nestes processos de mudança, eles tendem a manter as
mesmas estruturas hierárquicas curriculares, distanciando-se de seus interesses e
contextos sócio históricos.
A seguir, selecionei alguns contextos que envolvem os currículos dos cursos de
licenciatura e bacharelado em regência da Unicamp, espaço onde foi realizada esta
pesquisa, buscando também justificar a criação do Laboratório de Regência de Coros
Infantis como uma alternativa formativa nesta área, sem necessariamente precisar de
grandes alterações curriculares.

1.2.1 Contexto exterior

O contexto exterior trata dos aspectos que envolvem a forma com que as
ideologias políticas interferem em todas as tomadas de decisões e ações que organizam
os sistemas de ensino. Essas ideologias são provenientes dos contextos sociais nos quais
as instituições de ensino estão inseridas e variam de acordo com o grupo dominante
36

sócio-culturalmente contextualizado. A implementação dessas ideologias afirma


determinados valores que influenciam as políticas públicas e, por consequência, a
qualidade do bem-estar de cada sociedade.

1.2.2.1 Planejamento e política pública educacional

Na perspectiva das políticas públicas, o planejamento nos contextos escolares


reflete o projeto de sociedade pretendido, pois “trata-se de uma leitura específica a
respeito da realidade social que é própria daqueles que estão no comando do setor
concernente em determinado momento” (AZEVEDO, 1997, p.66). A realidade social é
constituída por diversos elementos que formam o universo cultural de um determinado
grupo. Observa-se desta forma que um planejamento na perspectiva neoliberal4, por
exemplo, tende a promover culturas e ações visando o desenvolvimento do bem-estar
individual em detrimento das ideologias mais voltadas s questões de direitos sociais
igualitários.

Para o planejamento no ensino superior é fundamental a compreensão da função


social que ocupam as universidades e suas carreiras na sociedade, associando-os aos
contextos em que estão inseridos. No séc. XX foi possível observar a ampliação e a
massificação das universidades, principalmente nos países em desenvolvimento. Em seus
estudos sobre o assunto, Santos (2016) ressalta dois grandes fatores que ocasionaram a
expansão e massificação do Ensino Superior após a Segunda Guerra Mundial, sendo o
resultado, de um lado, das lutas sociais pelo direito a educação e, por outro, a economia
exigindo mão de obra qualificada em alguns setores da indústria. Especificamente no
Brasil, a partir da LDB de 1996 foram redefinidos os estatutos do Ensino Superior
propondo sua identidade, área de atuação e estrutura organizacional.

A autora Wozniak (2012) analisa que no Ensino Superior houve um aumento


quantitativo significativo na oferta de cursos (em sua maioria privados e nas

4
Neoliberalismo remete ao livre mercado em contraponto aos ideais do Estado de bem-estar social. Por meio da
internacionalização do capital, a partir dos anos 70, estas ideias passaram a influenciar as gestões dos EUA e
Inglaterra, inspirando e posteriormente globalizando estas estratégias de governo. O que principalmente nos países
subdesenvolvidos gerou grande desigualdade de classes e dificuldade de acessos aos direitos igualitários.
37

Universidades Federais durante a gestão do governo Lula/PT), principalmente ocorreu a


ampliação das organizações que ofertam os cursos em modalidade a distância, porém,
está destacado em seus estudos que este aumento não significou a melhoria necessária
da qualidade de ensino.

No Brasil a demanda por educação superior é grande. No entanto, esse


crescimento não provocou massificação do atendimento por meio das
universidades públicas como foi regra na América Latina. Ao contrário, o
sistema público tornou-se mais qualificado, com expansão mais no
último mandato do governo Lula, sendo a expansão numericamente
mais significativa feita pelas vias do ensino privado (WOZNIAK, 2012,
p.146).

Um dos principais marcos destas mudanças foram causados pelas alterações


sociais em escala mundial, ocorridas no início dos anos 70 com a crise do modelo
capitalista difundido, crise gerada pela incapacidade do Estado de organizar o acúmulo
do capital das grandes empresas em detrimento da oferta de serviços públicos, isso junto
aos processos inflacionários incontroláveis, preservando as discrepâncias violentas das
diferentes condições das várias classes sociais. A autora Chauí (2001) analisa que o Estado
teria como meta principal buscar a estabilidade financeira 1) por meio da contenção de
gastos sociais gerando aumento do desemprego e quebrando o poder dos sindicatos; 2)
pela reforma fiscal com o incentivo de investimentos privados, diminuindo os impostos
sobre o capital e as fortunas; 3) aumentando os impostos sobre a renda individual,
“portanto, sobre o trabalho, o consumo e o comércio” (p.18), evidenciando assim
estruturas mercadológicas de gestão. Como consequência destas medidas é possível
destacar: desemprego estrutural; poder financeiro determinando as ações do Estado;
terceirização estrutural; a ciência e a tecnologia como agente de acumulação de capital;
a trasnacionalização da economia; aumento das discrepâncias sociais.

[...] surgem perspectivas, apoiadas no modelo de acumulação flexível, e


imposições de reformas aos estados-nação, que passaram de
interventores a gestores, ou seja, transferiram funções específicas do
setor de serviços para o mercado, adotando a privatização como forma
de superação dos problemas que afetavam suas economias e alterando
38

significativamente a concepção das relações entre os setores públicos e


privados. (SANTOS, 2016, p. 163)

As universidades então absorvem e são geridas pelos ideais neoliberais que,


segundo a Chauí (2001), podem ser evidenciados nos seguintes pontos: aceitação dos
sistemas de vestibular e avaliação que não consideram as desigualdades encontradas nos
níveis de ensino anteriores; critérios quantitativos de avaliação de produção; aceitação
de distribuição de recursos públicos a partir da ideia de “linha de pesquisa” tendendo a
financiar prioritariamente grandes laboratórios ou grupos; aceitação da terceirização e
da universidade a serviço das empresas privadas.

Na intenção de promover a construção de um currículo emancipatório e vinculado


aos contextos e interesses socioculturais das alunas e alunos, caberia às gestões a missão
de promoverem ferramentas de participação democrática efetivas, distanciando-se de
propostas clientelistas e de interesses individuais. Neste sentido, independentemente do
nível escolar ou carreira educacional, faz-se necessária a constância avaliação, análise e
alterações dos programas curriculares para que eles possam atender as demandas da
sociedade e possam contribuir para a formação de sujeitos críticos e capazes de
transformar a realidade.

1.2.2 Contexto do sistema de ensino

O contexto do sistema de ensino se refere a normatizações oficiais que regulam a


construção dos currículos nas Unidades de Ensino, em todos os níveis de escolarização. Em
caráter de Lei as instituições devem desenvolver seus currículos à luz das diretrizes
oficiais. Os países democráticos almejam que todo o processo de desenvolvimento e
implementação das legislações educacionais possa ocorrer com a participação ativa da
sociedade visando sua melhoria de forma equilibrada e distribuída em todo território
nacional.

1.2.2.1 Diretrizes e Referenciais Curriculares dos cursos de música


39

Veiga (2011) sintetiza pontos básicos para a elaboração curricular. Em sua


concepção, o currículo não é um elemento neutro. Ele representa uma ideologia na qual
as instituições de ensino precisam identificar seus elementos para revelar se ocorre a
presença da manutenção de privilégios da classe dominante: “[..] a determinação do
conhecimento escolar, portanto, implica uma análise interpretativa e crítica, tanto da
cultura dominante, quanto da cultura popular. O currículo expressa uma cultura” (VEIGA,
2011, p.27). A autora observa que a forma de organização hierarquizada fragmenta o
conhecimento escolar, dificultando as possibilidades de relações que buscariam uma
concepção mais integradora de ensino, visando diminuir as diferenças e isolamentos das
disciplinas.

Orientar a organização curricular para fins emancipatórios implica,


inicialmente, desvelar as visões simplificadas da sociedade, concebidas
como um todo homogêneo, e de ser humano, como alguém tende a
aceitar papéis necessários à sua adaptação ao contexto em que vive.
Controle social, na visão crítica, é uma contribuição e uma ajuda para a
contestação e a resistência à ideologia veiculada por intermédio dos
currículos escolares. (VEIGA, 2011, p.29, grifos da autora)

O Parecer CNE/CES nº 195 de 5 de agosto de 2003 (BRASIL, 2003) apresentou as


Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em música, dança, teatro e designer e
foi homologado pela Resolução CNE/CES nº 2 de 8 de março de 2004 (BRASIL, 2004).
Segundo estes documentos, os cursos de música devem almejar que a aluna e/ou aluno
aproprie-se de:

[...] pensamento reflexivo, da sensibilidade artística, da utilização de


técnicas composicionais, do domínio dos conhecimentos relativos à
manipulação composicional de meios acústicos, eletro-acústicos e de
outros meios experimentais, e da sensibilidade estética através do
conhecimento de estilos, repertórios, obras e outras criações musicais, e
revelando habilidades e aptidões indispensáveis à atuação profissional
na sociedade, nas dimensões artísticas, culturais, sociais, cientificas e
tecnológicas, inerentes à área da música. (BRASIL, 2003, p.3
40

A autora Hentschke (2003) relata que o projeto das diretrizes curriculares em


música, finalizado em 2002 pelo CEE/Música e em seguida apresentado ao CNE, era um
projeto distinto do homologado, o que evidencia mais uma vez a discrepância dos
interesses e necessidades da sociedade em relação às normativas aprovadas. A autora
pontua uma problemática em relação aos currículos dos cursos de bacharelado que não
oferecem necessariamente as disciplinas de cunho pedagógico. Nesta perspectiva,
aqueles que cursam o bacharelado em regência não necessariamente precisam
percorrer, durante suas graduações, disciplinas de cunho pedagógico interdisciplinar, e
isso reduz a formação desses alunos a uma instrução exclusivamente técnica. Sabe-se
que na atuação em grupos infantis e/ou amadores, além das questões musicais, diversos
outros campos de análise são necessários para uma atuação que valorize e respeite a
infância fortalecendo a função social do/a regente como educador/a.

Os educadores musicais, além de terem uma formação pedagógica


sólida, estão continuamente atualizando-se, no sentido de buscar
formas mais adequadas e contextualizadas para a sua prática docente.
Por outro lado, tradicionalmente, o músico docente universitário (daí
falo enquanto estereótipo) tem praticado uma proposta educacional
mais tecnicista e tradicional de educação. O objetivo desses docentes é
a formação do músico profissional (erudito, na maioria dos cursos),
baseado em critérios absolutos de perfil de profissional. (HENTSCHKE,
2003, p. 54)

Segundo a autora, esta disparidade provoca a necessidade de reflexão em relação às duas


formações, bacharelado e licenciatura, para que as concepções sobre o que é um músico
preparado para a performance ou para a docência sejam capazes de enfrentar as difíceis
demandas apresentadas nos espaços educacionais. Nas instituições de ensino em que
existem as duas modalidades (bacharelado e licenciatura), normalmente é o mesmo
grupo docente que organiza ambas as estruturas curriculares, o que pode resultar na
dificuldade de se constituir as identidades específicas de cada um dos cursos, além da
resistência encontrada comumente na atualização dos programas curriculares.
Especificamente a aluna ou aluno do curso de bacharelado provavelmente atuará
também em áreas com demandas pedagógicas em conservatórios, cursos livres, aulas
41

particulares como profissional autônomo, dentre outros espaços, e isso cria uma
demanda importante para se rever as grades curriculares que contemplem uma
formação de qualidade para estas atuações educacionais futuras do bacharel.

Com as mudanças cada vez mais aceleradas da nossa sociedade, não


podemos ignorar o que está acontecendo do lado de fora da
universidade, as novas exigências dos múltiplos espaços de atuação
profissional. Nesse caso, é importante dar voz aos nossos alunos, pois
muitos exercem atividades profissionais concomitantes ao curso de
graduação. (HENTSCHKE, 2003, p.55)

Devido ao grande número de modalidades na formação em música, aprovadas


por meio dos Artigos 2, 3 e 4 da Resolução CNE/CES nº 2 de 2004, as Diretrizes
apresentam orientações gerais relacionadas às competências e habilidades ensejadas,
nas quais a/o egresso possa atuar e intervir na sociedade em acordo com as diversas
manifestações culturais com sensibilidade, criatividade e excelência prática. Seguindo
orientações do Art. 10, desta mesma Resolução, as instituições de ensino devem “adotar
formas específicas e alternativas de avaliação, internas e externas, sistemáticas,
envolvendo todos quantos se contenham no processo do curso, observados em aspectos
considerados fundamentais para a identificação do perfil do formando” (BRASIL, 2004).
Também está proposto que a/o egresso esteja apto a pesquisar cientificamente, atuar
em espaços culturais diversos, inclusos os educacionais, específicos em música e a criação
musical junto à sua divulgação.
Especificamente para a licenciatura em música, por meio da Resolução nº2 de
julho de 2015 (BRASIL, 2015) foram definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior, enquadrando-se as diversas licenciaturas para a
Educação Básica e distanciando-se oficialmente dos cursos de bacharelado. O documento
considera a consolidação da normatização de professores um ato indispensável para o
desenvolvimento do Plano Nacional de Educação junto ao fortalecimento do Sistema
Nacional de Educação articulando assim as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial e Continuada, em Nível Superior junto às Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica. Abaixo umas das considerações que expressam a
42

educação como direito para todos justificando a existência desta legislação específica:

CONSIDERANDO que a educação em e para os direitos humanos é um


direito fundamental constituindo uma parte do direito à educação e,
também, uma mediação para efetivar o conjunto dos direitos humanos
reconhecidos pelo Estado brasileiro em seu ordenamento jurídico e
pelos países que lutam pelo fortalecimento da democracia, e que a
educação em direitos humanos é uma necessidade estratégica na
formação dos profissionais do magistério e na ação educativa em
consonância com as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos. (BRASIL, 2015, p.2)

Neste documento também se encontram as normativas curriculares das


licenciaturas relacionadas aos grandes assuntos a serem abordados e à carga horária
mínima, estipulando duração de 4 anos de integralização curricular. São valorizadas as
atividades práticas como fundamentais para a formação docente, além de seu caráter
interdisciplinar, incentivando o fortalecimento da formação continuada para os
profissionais da rede básica já prevista nas demais leis vigentes. Os assuntos a serem
abordados nos currículos encontram-se no § 2º:

§ 2º Os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos


específicos da respectiva área de conhecimento ou interdisciplinares,
seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos relacionados
aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e
gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos
humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de
faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e
direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de
medidas socioeducativas. (BRASIL, 2015, p.12)

Entendo que em 4 anos, com contextos socioculturais tão variados no país, é


extremamente complexa a criação de uma normatização formativa rígida. Assim, as
diretrizes curriculares mais abertas possibilitariam que as Instituições de Ensino Superior
pudessem se organizar de acordo com os interesses da comunidade envolvida. Porém,
43

ressalto que sem a presença da gestão democrática nas construções dos Projetos
Políticos Pedagógicos, e, consequentemente, dos currículos, caso não haja interesse do
corpo docente ou ocorram conflitos de interesses corporativos, as formações certamente
não atenderão às demandas das alunas e alunos e suas diversas possibilidades de campos
de atuação e/ou de interesse.
5
Os Referenciais Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura
(BRASIL, 2010) iniciam a discussão sobre a adoção de denominação comum dos cursos
de graduação que seria justificada para facilitar a mobilidade estudantil, fortalecer a
identidade dos cursos e facilitar o levantamento de dados de pesquisa para avaliação dos
cursos que se dispõem às mesmas formações (BRASIL, 2010, p.5).

As cargas horárias mínimas estabelecidas neste documento são 2400 horas para o
bacharelado no período de 4 anos e para a licenciatura 2800 horas em 3 anos.
Especificamente para a licenciatura ocorreu um aumento da carga horária para 3200,
com 4 anos de integralização por via da Resolução nº 2 de julho de 2015 (BRASIL, 2015)
em caráter de Lei.

Segundo Souza (2014), a partir dos anos 80 o teoricismo era reinante, sendo essa
uma das fragilidades de formação inicial para a docência. A Resolução nº2/2002 (BRASIL,
2002) tentou alterar esta composição por meio da ampliação da carga horária de prática
de estágio para 800 horas:

I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente


curricular, vivenciadas ao longo do curso;

II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a


partir do início da segunda metade do curso; (BRASIL, 2002).

Inúmeros eventos no país apontaram a dificuldade de implementação desta carga


horária, e após diversas consultas ao CNE sobre os modos de aplicação o Conselho Pleno
do CNE elaborou em 2006 um parecer favorável à diminuição para 300 horas, porém isso

5
Os Referenciais Curriculares não são propostas obrigatórias respaldadas pela Lei. Estes documentos sugerem as
estruturas e conteúdos que podem ser abordados nos currículos.
44

não se traduziu em nova resolução (SOUZA, 2014). As soluções encontradas


concretizaram-se no aumento da carga horária sem que isso significasse o aumento de
trabalho ou número de docentes, traduzindo-se na ampliação de tempo sem ganhos
acadêmicos efetivos. Porém ressalta-se o avanço da compreensão relacionada à maior
inserção nos espaços educacionais, favorecendo a formação crítica do contexto
educacional contemporâneo.
Para o bacharelado, o perfil almejado descreve a/o egresso como conhecedor
profundo de técnicas e fundamentos da música associados aos conhecimentos teóricos e
práticos nos aspectos “técnico-criativos, estéticos, culturais, históricos e sociais” (BRASIL,
2010, p. 84). Também dentre as suas competências estão as pesquisas científicas que
analisam as produções musicais e o conhecimento de história da música. Destaca-se que,
dentre os principais ambientes de atuação profissional, diversos deles são espaços com
características mais direcionadas a atividades de músicos amadores, isso de certa forma
já prescreve uma atuação pedagógica:

[...] pesquisador em Instituições de Ensino Superior; em grupos vocais;


montagens de óperas, espetáculos e recitais; em orquestras; em conjuntos
musicais, religiosos e folclóricos; em empresa de comunicação, estúdios de
gravação, teatros, igrejas ou agências de propaganda; em editoras de
partituras musicais. Também pode atuar de forma autônoma, em empresa
própria ou prestando consultoria. (BRASIL, 2010, p. 84)

Dentre os temas que deverão ser abordados, encontram-se: linguagem e


estruturação musical, percepção musical, história da música, assuntos relacionados à
cultura, práticas em grupo, questões vinculadas à performance, saúde, ética, meio
ambiente, tecnologia e suas relações com a ciência. Não há, nessa resolução, um
componente obrigatório que discuta assuntos pedagógicos. Assim, mesmo na
perspectiva de que o egresso do curso do bacharelado certamente ensinará o seu
instrumento, reproduzindo a metodologia que aprendeu, pode ser que suas
competências e recursos não atendam à variedade de perfis e processos pedagógicos dos
seus futuros aprendizes. Por conta dessa ausência, subentende-se que não caberia ao
bacharelado em música atuar na docência em nenhuma instância, fato que está
45

discrepante com a vida profissional.


No referencial para o curso de licenciatura em música a pessoa formada torna-se
professora com a possibilidade central de atuação na Educação Básica. Além da prática
direta em sala de aula, a licenciada “elabora e analisa materiais didáticos, como livros,
textos, vídeos, programas computacionais, ambientes virtuais de aprendizagem, entre
outros” (BRASIL, 2010). É importante que este profissional possa compreender as
relações entre diversos assuntos escolares, contribuindo para a educação e promovendo
cidadãos éticos, autônomos e com pensamento crítico. Além disso, sua profissionalização
também pode ocorrer em espaços de ensino não formal ou de forma autônoma.
A partir das orientações legislativas para as graduações em música constata-se
que ocorreram avanços significativos em relação à abertura das Instituições de Ensino
em organizarem seus programas curriculares com autonomia. No caso da licenciatura em
música são previstas nas normatizações: a carga horária de estágio, duração dos cursos
e ensino de Libras. A normatização da carga horária favorece que as instituições privadas,
na perspectiva de aumento de lucros, não encurtem a duração de seus cursos, o que
prejudicaria a qualidade formativa. Os demais temas obrigatórios visam aproximar as
professoras e professores dos contextos reais da Educação Básica, o que acredito ser
fundamental para uma atuação que valorize a educação democrática e pública no âmbito
do direito.
Aprofundando o debate relacionado ao currículo na perspectiva da formação em
regência coral infantil utilizei os cursos de licenciatura em música e bacharelado em
regência da Unicamp como referência curricular. Além de que nesta mesma universidade
cursei o doutorado e desenvolvi Laboratório de Regência Coral Infantil, que será discutido
mais adiante.

1.2.2.2 Diretrizes da Unicamp que estruturam os cursos de licenciatura e bacharelado em regência

O documento oficial do regimento interno das Instituições de Ensino é o Projeto


Político Pedagógicos, que contém as estruturas do desenvolvimento curricular e
46

apresenta as ideologias, os processos e todo o seu funcionamento. Desde a organização


geral da escola até a dinâmica da sala de aula, o PPP contribui para a formação da
identidade do espaço onde será executado, desenvolvendo uma cultura de relações e
processos de sociabilidade. Para sua construção, os referenciais teóricos e metodológicos
visam buscar os alicerces de sua viabilidade, nutrindo-se de subsídios técnicos e
financeiros das estâncias superioras como o MEC (Ministério da Educação) e Secretarias
de Educação Estaduais e Municipais.
Segundo o Art. 12 da LDB de 1996, os estabelecimentos de ensino, respeitando as
especificidades do núcleo a que pertencem juntamente com as leis comuns de seus
sistemas, são incumbidos de desenvolver e executar seus projetos políticos pedagógicos.
Neste panorama, segundo o Art. 13 desta mesma legislação, cabe aos docentes: “I -
participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II -
elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do
estabelecimento de ensino”. (BRASIL, 1996).
O Projeto Político Pedagógico dos cursos de graduação deve ser criado e seguir os
princípios norteadores da gestão democrática prevista no Art. 206 da Constituição
Federal de 1988, na forma de lei do ensino público, e corroborada pelo Art. 56 da LDB de
1996 referente ao ensino superior:

As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio


da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados
deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade
institucional, local e regional. (BRASIL, 1996)

Segundo Veiga (2011), o conceito de PPP (Projeto Político Pedagógico) vai além
da documentação legal que será encaminhada às autoridades. Faz-se necessário que ele
se torne vivenciado por toda uma comunidade escolar. O termo político refere-se à parte
do projeto que indica as ações socioeducativas que serão colocadas em prática,
destacando os interesses políticos majoritários. O pedagógico define quais escolhas
pedagógicas serão consideradas e vivenciadas, também cumprindo sua intencionalidade.
É importante que sua criação esteja associada aos contextos que serão implementados,
47

“[..] nesse sentido é que se deve considerar o projeto político pedagógico como um
processo permanente de reflexão e discussão de problemas na escola, na busca de
alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade [...]” (VEIGA, 2011, p.13).

A gestão democrática desperta a socialização do espaço escolar, princípio que


promove a participação coletiva e a reciprocidade, superando a opressão, e seu
funcionamento “anula a dependência de órgãos intermediários que elaboram políticas
educacionais das quais a escola é mera executora” (VEIGA, 2011, p.18). A autora observa
que a implementação da gestão democrática é um enorme desafio, já que implica em
uma ampla participação crítica dos envolvidos para a construção do Projeto Político
Pedagógico.
Ressalta-se a difícil tarefa de construção, manutenção e efetivação dos projetos políticos
pedagógicos para a melhoria da qualidade dos serviços educacionais, “[...] que devem
gerar capacitação técnica, produção intelectual e indivíduos educados com autonomia
necessária para contribuírem para melhoria da qualidade de vida da população”
(BUSSMAN, 2011, p.48). Sua implementação é condicional para definir a escola como
espaço de construção de conhecimento com um movimento dinâmico sócio-histórico. As
ferramentas que garantem sua construção no viés da gestão democrática podem
acontecer por meio de assembleias, associações de pais e mestres, conselhos, grêmios
estudantis, conselhos de pais e mestres, representações discentes e docentes, entres
outras formas de consulta da comunidade escolar. Porém, na medida que estas
6
organizações mantiverem a dominância de poder, será mantido também o sistema
hierárquico não democrático. Destaca-se também que muitas vezes ocorre que o projeto
fica no nível do desejável, mas não atinge o nível do aplicável, o que gera um ambiente
de insatisfação e desqualifica essas organizações.

A impotência diante dos problemas educacionais tem se constituído no


sentimento mais frequente entre os educadores que, corroídos pelo
“cansaço pedagógico” e principalmente por uma grande angústia,
anseiam em chegar ao como, às receitas ou aos possíveis modelos de
um paradigma que melhor explique o fazer educativo. Mas pelo fato de
não terem sido “gestados” e gerados no cotidiano, acabam não sendo

6
De forma genérica pode-se definir organização como um conjunto de pessoas e recursos articulados para a
realização de um objetivo ou conjunto de objetivos, mantendo interação com o meio. (BUSSMAN, 2011, p.39)
48

absorvidos, vividos. (RESENDE, 2011, p.63)

O projeto político-pedagógico com base na sua construção coletiva supõe a


necessidade do rompimento do pensamento fragmentado de organização, definições e
diretrizes claras do que pretende a instituição de ensino, envolvimento político da
comunidade escolar, rompendo com os individualismos, análise e avaliação dos sistemas
educacionais, estudos constantes teóricos, formação continuada e valorização dos
profissionais da educação e gestores competentes (BUSSMAN, 2011).

1.2.2.3 PPP dos cursos de licenciatura e bacharelado em música da Unicamp

O curso de licenciatura foi criado em 2005, iniciando suas atividades em 2006 após
deliberação do CONSU 281/205 (Conselho Universitário da Unicamp) como uma
modalidade do curso de música, e posteriormente, em 2015, tornou-se um curso de
graduação específico. Saliento que o reconhecimento como uma área exclusiva é
fundamental para a valorização desta área de conhecimento, além de contribuir para a
ampliação dos debates específicos de cada uma destes campos formativos.

Dentre os objetivos gerais do curso almeja-se a formação musical e educacional


altamente qualificada, além de promover e incentivar a pesquisa na área: “incentivar o
aluno a ser um pesquisador constante, buscando suas próprias soluções para os
problemas pedagógicos que se colocam no dia a dia de um educador musical”
(Departamento de música/Instituto de Artes – Unicamp, 2015). A pesquisa é fundamental
para o profissional da educação para que sua prática esteja em constante reflexão e
adequação. Neste sentido, a formação continuada relacionada à pesquisa favorece o
surgimento de “mecanismos que garantam a ele maior autonomia (individual e
coletivamente), espaço para investir em novos modos de pensar e fazer seu trabalho e
meios de melhorar seu reconhecimento social” (PEREIRA, 2006, p.280).

O PPP da Licenciatura em Música da Unicamp pressupõe a habilitação do egresso


49

para o trabalho em diversos tipos de instituições escolares e não escolares em dimensões


de trabalho variados. Não se prevê diretamente a atuação em regência da pessoa
licenciada em música, porém, como uma prática recorrente da educação musical,
subtende-se esta possibilidade profissional.
O curso de bacharelado em música da Unicamp7 possui o Projeto Político
Pedagógico vigente construído no ano de 2012. Observa-se que neste PPP, o curso de
licenciatura em música ainda era uma modalidade oferecida, e não uma graduação
específica. Assim, o PPP naquele período se referia tanto ao bacharelado quanto à
licenciatura. Neste documento para o perfil profissional é proposta uma formação teórica
e prática que possa conferir versatilidade para atuar em suas diversas possibilidades.
Destaco o seguinte trecho revelando a intenção de atuação do egresso do curso de
bacharelado em regência em grupos amadores:

Um regente deve necessariamente estar apto a reger uma grande


orquestra, mas ele também deve estar apto a organizar um coral
comunitário em um local onde não haja nenhuma atividade musical, ou
mesmo toar, compor ou criar arranjos originais, ou ainda atuar em
novas frentes da prática musical como a área de técnico e produtor de
estúdio musical, computação musical, relação música e novas
tecnologias, música e cena. (Dep. de música- IA/Unicamp, 2012)

Dependendo das intenções dos grupos musicais, ao convidar ou selecionar uma


pessoa para ser condutora dos ensaios, automaticamente ela é definida como regente.
Para o exercício dessa profissão não existe uma regulamentação que exija a formação
acadêmica para a profissionalização, diferente das licenciaturas, que são normatizadas
como obrigatórias para atuar na Educação Básica, segundo a LDB 9394/96 (BRASIL, 1996).
No ano de 2017 ocorreram a alterações da LDB 1996, durante a gestão do Presidente
Temer, possibilitando a contratação de docentes sem licenciatura (LDB, 1996, art. 61,
inciso IV, incluso em 2017), representando um retrocesso nas lutas dos movimentos
educacionais.

Segundo o PPP de 2012 não é possível fornecer formação acadêmica especializada

7
Projeto vigente até o ano de 2016, mesmo período de realização desta pesquisa.
50

que englobe todos os conhecimentos nas áreas de atuação, porém os cursos se propõem
a fornecer uma “educação contínua e permanente” (Dep. de música- IA/Unicamp, 2012).
Não existindo neste documento definições claras de como aconteceria esta
continuidade, observa-se que por meio dos reingressos e modalidades combinadas, além
das disciplinas eletivas, subentende-se a existência de caminhos alternativos em que a
aluna ou aluno possam traçar suas respectivas formações. A Unicamp, dentre as
universidades públicas do estado de São Paulo, é a única que possibilita o reingresso e a
modalidade combinada nos cursos de música sem a obrigatoriedade de concorrer a uma
vaga específica durante o vestibular regular anual. Nos demais espaços universitários
públicos do estado, o egresso precisa novamente se submeter aos processos tradicionais
de ingresso, o que dificulta o trânsito entre os cursos.

1.2.3 Contexto didático

O contexto didático é constituído pelos métodos e procedimentos de ensino que


cada instituição elege como norteadores de suas atividades. Neste caso, foi observada a
estrutura curricular dos cursos de licenciatura e bacharelado em música, sendo esse um
dos objetos de análise que auxiliaram na identificação de como os conteúdos são
abordados nos cursos de graduação. Reconhecemos que os programas curriculares não
podem traduzir com clareza a qualidade do ensino durante as aulas, porém, é possível
verificar se os planejamentos dos cursos favorecem, ou não, a formação em regência
coral infantil.

1.2.3.1 Estrutura curricular

Em análise dos catálogos de graduação dos cursos de licenciatura e bacharelado


em regência de 2018 da Unicamp, ambos os cursos apresentam dois núcleos de
51

disciplinas, constituídos pelas disciplinas obrigatórias e as eletivas. Observa-se que dentre


as eletivas, existe um grupo de créditos a serem cumpridos dentro do Instituto de Artes
ou Departamento de Música, e um outro grupo daqueles créditos que podem ser
cumpridos em qualquer Instituto ou Departamento da Unicamp. Existem também os
créditos obrigatórios do curso de línguas pertencentes ao núcleo comum de ambos os
cursos de música, em cujas disciplinas é possível a escolha de qual idioma de língua
estrangeira será cursado.
A previsão para a conclusão da licenciatura é de 4 anos, e o curso é composto por
236 créditos (entre disciplinas eletivas e obrigatórias), somando 3540 horas de atividade.
O bacharelado apresenta 204 créditos, com 3060 horas de atividade, podendo ser
integralizado em 5 anos. Abaixo é apresentada uma tabela com os dados relacionados à
quantidade de créditos obrigatórios e eletivos/eletivos-obrigatórios (2018):

Obrigatórias Eletivas
Licenciatura 188 créditos 48 créditos
79,66% 20,34%
Bacharelado em 188 créditos 16 créditos
regência 92,15% 7,85%
Tabela 1: quantidade de créditos de disciplinas eletivas e obrigatórias.

Destaca-se que também é possível separar as disciplinas eletivas de ambos os


cursos em mais duas variáveis: disciplinas eletivas livres e disciplinas
eletivas/obrigatórias8, representadas no quadro abaixo:

Licenciatura Bacharelado
06 créditos em qualquer 08 créditos em tópicos de
disciplina do IA regência
12 créditos de instrumento 06 créditos de instrumento
28 créditos em disciplinas
que envolvam teoria
musical
02 créditos livres 02 créditos livres

8
Nesse grupo, deve ser cursado um conjunto de disciplinas optado dentre aquelas propostas nos catálogos
52

Tabela 2: disciplinas eletivas e eletivas/obrigatórias.

Inicialmente é possível observar que os currículos de ambos os cursos


apresentavam maior número de créditos obrigatórios, resultando em pouco espaço para
escolha das alunas e alunos dos seus respectivos caminhos formativos. Além disso,
livremente só é sugerido escolher uma disciplina (equivalente aos dois créditos livres) em
toda a integralização curricular de ambos os cursos. Esses dados demonstram-se distintos
das intenções previstas no PPP de 2012 (sendo este o vigente do curso de bacharelado),
que no período de sua criação também projetava o curso de licenciatura, que afirmava a
possibilidade e a importância das alunas e alunos construírem seus próprios caminhos
formativos, destacado na citação a seguir:

O aluno do curso de música recebe uma formação interdisciplinar e


humanística por meio de uma abordagem mais profunda da linguagem e
de amplas possibilidades de pesquisa. Para tanto, é oferecido um
núcleo de disciplinas obrigatórias, bem como disciplinas eletivas,
inclusive de outros Institutos ou Faculdades, que podem ser escolhidas
de acordo com as preferências ou demandas pessoais. "O aluno
direciona a sua própria formação da melhor maneira possível e ainda
encontrará facilidades para dar continuidade à sua formação musical e
acadêmica", esclarece o coordenador. (Dep. de Música/IA – Unicamp,
2012)

Similar ao PPP de 2012, o de 2015 (exclusivo do curso de licenciatura) também


incentiva e discute a autonomia formativa, segundo o trecho destacado:

O aluno do curso de Licenciatura em Música receberá uma formação


interdisciplinar e humanística por meio de uma abordagem mais
profunda da linguagem musical e de amplas possibilidades de pesquisa.
Para tanto, serão oferecidos núcleos de disciplinas obrigatórias e
disciplinas eletivas, inclusive de outros Institutos ou Faculdades, que
poderão ser escolhidas de acordo com as preferências ou demandas
pessoais. O aluno direcionará a sua própria formação da melhor maneira
possível e ainda encontrará facilidades para dar continuidade à sua
formação musical e acadêmica. (Dep. de Música/IA
– Unicamp, 2015).
53

Pela leitura desses documentos compreende-se que os cursos desejam


proporcionar às alunas e alunos caminhos para direcionarem suas formações da “melhor
maneira possível” (PPP 2012, PPP 2015). Porém, observa-se que esses currículos não
permitem que ocorra muita autonomia neste caminho formativo, dessa forma,
tornam-se incoerentes e distantes do que é proposto no Projeto Político Pedagógico de
ambos os cursos. A dificuldade centra-se no fato de que, documentalmente, os cursos
preveem formações múltiplas, porém, a existência de muitas disciplinas obrigatórias
tende a homogeneizar os perfis de egresso, além de exigir um tempo considerável para a
integralização curricular.
No caso de as disciplinas obrigatórias não oferecerem a formação em regência
coral infantil, o currículo muito fechado não propicia que a/o graduando busque com
autonomia se matricular em alguma outra disciplina na qual, de alguma maneira, possa
haver espaço para o desenvolvimento de sua formação de acordo com seu interesse.

A leitura dessa estrutura me sugere a seguinte alternativa: o importante é


fornecer assuntos variados obrigatórios, desenvolvendo uma formação na qual a/o
graduanda/o se apropria razoavelmente de temas distintos, ou que de alguma maneira
a estrutura curricular proporcione uma formação inicial sólida, e posteriormente cada
pessoa possa se aprofundar em alguma área de acordo com seu interesse. Além de que
cursar muitas disciplinas ocupa um tempo que pode dificultar o estudo individual.

1.2.3.2 Análise das disciplinas pedagógicas musicais e exclusivamente pedagógicas

Para a formação em regência coral infantil, faz-se necessário o estudo das


questões pedagógicas que envolvem os processos de ensino e aprendizado musical em
grupo com foco nas particularidades da infância. Para esta reflexão foram considerados
os conteúdos pedagógicos musicais para o curso de licenciatura e bacharelado de todas
as disciplinas que envolvem a teoria e a prática de ensino geral e, especificamente, o
ensino de música, descritos nas ementas. Em relação às cargas horárias, não foram
54

contabilizadas para a licenciatura as horas de estágio prático extraclasse, somando-se


somente as horas-aula dentro de sala de aula.

Observa-se que para o bacharelado as disciplinas de regência coral e orquestral


preveem em suas ementas a atuação em grupos variados, tendo a/o regente o papel de
educador musical, sendo assim, subtende-se a existência da intenção em abordar
questões pedagógicas musicais nestas disciplinas.

Na Licenciatura existe um núcleo exclusivamente pedagógico, que engloba os


assuntos relacionados à educação geral, à arte e à escola, somando o total de 46,80% de
disciplinas voltadas às questões pedagógicas (2018):

Disciplinas Créditos
MU068 Laboratório de Instrumentos Harmônicos 2
MU070 Percussão Aplicada 2
MU119 Pedagogia e Didática Musical I 6
MU219 Pedagogia e Didática Musical II 6
MU319 Pedagogia e Didática Musical III 2
MU419 Pedagogia e Didática Musical IV 2
MU573 Estágio Pedagógico I 6
MU673 Estágio Pedagógico II 8
MU147 Iniciação à Regência I 6
TOTAL DE CRÉDITOS 40
Tabela 3: disciplinas pedagógicas musicais.

Disciplinas Créditos
AR101 Fundamentos Filosóficos da Arte Educação 4
AR301 Psicologia do Desenvolvimento Aplicado às 4
Artes I
AR601 Processos Pedagógicos Voltados para o Corpo 4
na Arte
EL212 Política Educacional: Organização da Educação 6
Brasileira
EL213 Libras e Educação de Surdos 6
EL511 Psicologia e Educação 6
EL683 Escola e Cultura 6
EL774 Estágio Supervisionado I 8
EL874 Estágio Supervisionado II 8
AR101 Fundamentos Filosóficos da Arte Educação 4
TOTAL DE CRÉDITOS 52
Tabela 4: disciplinas pedagógicas gerais.
55

A regência abrange as seguintes disciplinas (2018):

Disciplinas Créditos
MU147 Iniciação à Regência I 6
MU247 Iniciação à Regência II 6
MU148 Regência Coral I 6
MU248 Regência Coral II 6
MU348 Regência Coral III 6
MU448 Regência Coral IV 6
MU175 Regência Orquestral I 6
MU275 Regência Orquestral II 6
MU375 Regência Orquestral III 6
MU475 Regência Orquestral IV 6
MU147 Iniciação à Regência I 6
TOTAL DE CRÉDITOS 60
Tabela 5: disciplinas pedagógicas musicais II.

O curso de licenciatura não tem a intenção exclusiva de formar regentes de coros


infantis, porém, pela incorporação da disciplina de Iniciação à Regência no currículo
obrigatório, supõe-se que o programa curricular pretende abordar a perspectiva de que
as competências e habilidades da regência são importantes e fundamentais para a
atuação da professora ou professor de música.

Em relação à formação pedagógica, a licenciatura evidentemente apresenta uma


demanda de estudo superior em temas mais variados, já que contempla uma quantidade
considerável de disciplinas que preveem este tipo de debate. Já o curso de regência não
prevê especificamente a atuação em grupos infantis, porém, caso a/o aluna/o tenha
interesse nesta área (ou mesmo na atuação em coros amadores) é possível que as e os
interessados se matriculem nas disciplinas relacionadas às pedagogias, espaço onde
seriam debatidos os métodos ativos da educação musical, além dos diversos assuntos
que envolvem os processos de ensino e aprendizagem em contextos diversos. Neste
sentido, as/os ingressantes dos cursos de bacharelado em regência precisariam ser
instruídas/os nesta perspectiva para tomarem ciência desta possibilidade. Observa-se
que no currículo do bacharelado não prevê muito espaço para a matrícula em pedagogia e
56

didática, já que só possui 02 créditos de disciplina de livre escolha, além de que esta
matéria (MU 119 Pedagogia e Didática Musical I) possui 06 créditos.

No currículo do bacharelado em regência não existem obrigatoriamente as


disciplinas de estágio, assim, entende-se que o tempo formativo prático deve acontecer
nas próprias disciplinas de regência. A ampliação e o incentivo de formação a partir da
prática em ambientes reais para a/o regente, com grupos variados, seria uma alternativa
para vivências mais diversificadas, além das práticas de regência já existentes que
envolvem a prática da regência de grupos instrumentais ou corais formados pelas/os
musicistas do curso de graduação. Seria importante que as universidades, junto aos
cursos, proporcionassem e incentivassem estes estágios. A ideia não seria incorporar
mais disciplinas obrigatórias no currículo da regência, mas sim rever o modelo estrutural
organização das disciplinas existentes na regência coral.

A lista dos instrumentos do currículo da licenciatura se refere aos cursos


existentes no bacharelado, porém, não foram encontradas disciplinas de regência após a
MU 147 Iniciação a Regência I. Isto é, quem cursa a licenciatura não tem garantias de que
poderá se matricular, por exemplo, em MU Regência Coral I, diferente das outras
modalidades do bacharelado. De fato, existe uma pequena parcela de créditos nesse
curso que permite a matrícula em outras disciplinas de regência, caso a aluna ou aluno
ache necessário, mas elas representam apenas 2,5% de toda a estrutura curricular. Já no
curso do bacharelado, normativamente não são valorizadas as disciplinas
interdisciplinares que envolvem o trabalho pedagógico e o estágio em espaços fora da
Universidade. Mantendo-se a quantidade de disciplinas obrigatórias propostas,
estruturalmente este quadro dificilmente poderia ser alterado ou exigiria o aumento da
quantidade de semestres para a integralização curricular.

1.2.3.3 Análise das disciplinas técnico-musicais

As disciplinas técnico-musicais visam a formação teórica musical da/o regente e


da/o licenciado e sua formação musical prática. Além de toda a compreensão musical
57

que é possibilitada pelo domínio destes saberes, uma formação ampla e sólida
proporcionará ao futuro profissional o potencial de análise do repertório junto ao
contexto do coro, e quais são os melhores procedimentos técnicos que devem ser
utilizados nos ensaios. Destaco que os conhecimentos teóricos, em especial o histórico,
fornecem elementos que promovem a conscientização estilística das obras associadas
aos seus contextos, lógica que aplicada à escolha do repertório para o coral favorece a
construção identitária do grupo.
As disciplinas analisadas foram selecionadas a partir de suas ementas, que as
descrevem como exclusivamente teóricas e relacionadas aos conceitos musicais e
históricos. Abaixo a tabela para a licenciatura presente no catálogo de 2018:

Disciplinas Créditos
MU049 Introdução à Pesquisa 2
MU105 Estruturação Musical I 2
MU205 Estruturação Musical II 2
MU114 Análise I e MP 110 Arranjo I 4
MU214 Análise II e MP 210 Arranjo II 4
MU314 Análise III e MU 111 Música Industrializada I 4
MU414 Análise IV e MU 211 Música Industrializada II 4
MU146 Harmonia do Período Barroco e MP 130 Harmonia I 4
MU246 Harmonia do Classicismo ao Romantismo e MP 230 4
Harmonia II
MU346 Harmonia do Romantismo ao Século XX e MP 330 4
Harmonia III
MU446 Harmonia do Século XX e MP 440 Harmonia IV 4
MU360 História da Música I 2
MU460 História da Música II 2
MU560 História da Música III 2
MU660 História da Música IV 2
MU190 História da Música Brasileira I 2
MU290 História da Música Brasileira II 2
Total de créditos 50
Tabela 6: disciplinas teóricas musicais/licenciatura.

O bacharelado em regência apresentava as seguintes disciplinas (2018):


58

Disciplinas Carga horária


MU049 Introdução à Pesquisa 2
MU114 Análise I 2
MU214 Análise II 2
MU314 Análise III 2
MU414 Análise IV 2
MU105 Estruturação Musical I 2
MU205 Estruturação Musical II 2
MU146 Harmonia do Período Barroco 2
MU246 Harmonia do Classicismo ao Romantismo 2
MU346 Harmonia do Romantismo ao Século XX 2
MU446 Harmonia do Século XX 2
MU360 História da Música I 2
MU460 História da Música II 2
MU560 História da Música III 2
MU660 História da Música IV 2
MU155 Contraponto e Fuga I 2
MU255 Contraponto e Fuga II 2
MU165 Orquestração I 2
MU265 Orquestração II 2
MU355 Contraponto I 2
MU455 Contraponto II 2
MU512 Dicção I 2
MU612 Dicção II 2
MU190 História da Música Brasileira I 2
MU290 História da Música Brasileira II 2
TOTAL DE CRÉDITOS 50
Tabela 7: disciplinas conceituais musicais regência.

A estrutura é baseada na lógica serial com a presença de pré-requisitos em todas


as disciplinas, com exceção daquelas que são as primeiras de uma sequência. Os cursos
aparentemente demonstram grande preocupação na formação teórica, e para a/o
futura/o regente de coros infantis este núcleo é de grande importância. Em
contraposição, as disciplinas com pré-requisitos distribuídas em muitos semestres de
forma serial podem compartimentar abusivamente o conhecimento, resultando em
extensas cargas horárias de disciplinas pouco interdisciplinares.

Para o curso do bacharelado em regência todas as disciplinas oferecidas provêm


do curso de música erudita, em contraponto a isso, diversos regentes, principalmente os
59

de corais infantis no Brasil, trabalharão com o repertório popular. Na Unicamp, diferente


das demais universidades públicas paulistas, por causa da existência do curso de
bacharelado em música popular, seria possível esta perspectiva formativa, ou seja, o
conhecimento também dos gêneros da música popular pelas/os regentes.

A formação prática musical é representada pelas disciplinas que instrumentam as


competências técnico musicais. A licenciatura apresenta as seguintes disciplinas:

Disciplinas Créditos
MU058 Rítmica I 5
MU059 Rítmica II 5
MU060 Rítmica III 5
MU061 Rítmica IV 5
MU193 Percepção Musical I 5
MU293 Percepção Musical II 5
MU393 Percepção Musical III 5
MU493 Percepção Musical IV 5
MU 112 Técnica Vocal I 2
MU 212 Técnica Vocal II 2
AC145 Expressão Corporal I 2
AC245 Expressão Corporal II 2
MU120 Coral I 2
MU220 Coral II 2
Crédito em qualquer instrumento 12
TOTAL DE CRÉDITOS 64
Tabela 8: disciplinas musicais práticas licenciatura.

Para o bacharelado em regência:

Disciplinas Créditos
MU058 Rítmica I 5
MU059 Rítmica II 5
MU060 Rítmica III 5
MU061 Rítmica IV 5
MU193 Percepção Musical I 5
MU293 Percepção Musical II 5
MU393 Percepção Musical III 5
MU493 Percepção Musical IV 5
AC145 Expressão Corporal I 2
AC245 Expressão Corporal II 2
60

MU 112 Técnica Vocal I 2


MU 212 Técnica Vocal II 2
MU120 Coral I 2
MU220 Coral II 2
MU320 Coral III 2
MU420 Coral IV 2
MU520 Coral V 2
MU620 Coral VI 2
MU998 Recital 6
Crédito em qualquer instrumento 6
TOTAL DE CRÉDITOS 72
Tabela 9: disciplinas musicais práticas do bacharelado.

A formação musical prática proporciona às/aos ingressantes vivências e


desenvolvimento artístico pessoal com propostas individuais ou coletivas. Em especial a
percepção e a rítmica compõem os fundamentos musicais básicos na produção musical
envolvendo diretamente a capacidade de perceber e analisar o objeto auditivo produzido
9
pelas práticas musicais . Dessa forma, independentemente do campo de atuação, o
profissional em música será beneficiado com estes saberes. Não é, contudo, previsto em
ementa que a/o aluna/o estudará nestas disciplinas os conteúdos na perspectiva também
de ensiná-los. É evidente que a própria experiência do aprendizado oferece elementos e
referências também para a prática do ensino, mas, supondo a situação de a/do regente
recém-formado se confrontar com a formação de um coral infantil, o contexto em que se
encontram as crianças em ensino coletivo é muito distante do universo por ela/ele
vivenciado nas aulas de graduação, cabendo, então, exclusivamente às disciplinas de
cunho pedagógico proporcionar estas experiências e discussões.
Importante perceber que este núcleo de disciplinas mostrado acima pertence a
uma parcela significativa da formação de ambos os cursos. Para as/os regentes corais as
práticas de ensaiar e de reger são intrinsicamente conectadas. Desta forma, o ensaio
consiste em momentos nos quais o/a regente identifica os desafios e momentos nos
quais, junto ao grupo, encaminha as propostas com a finalidade de desenvolver as
performances. Assim, como responsável pelo resultado sonoro do grupo, é necessário
que durante as conduções a/o regente seja capaz de identificar os aspectos do som para

9
A MU212 Técnica vocal II é a única deste grupo que descreve em ementa o direcionamento de conteúdos para
técnica vocal de coros.
61

poder modificá-los. Neste sentido, as disciplinas de percepção musical e rítmica são


fundamentais para que se estimule e desenvolva este tipo de habilidade.
No currículo dos cursos de música da Unicamp prevê-se o cumprimento das
disciplinas de percepção em quatro semestres, subentendendo uma quantidade de
tempo que representa metade do curso de graduação para quase todas as habilitações.
Retomo que a/o licenciada/o pode encontrar dificuldades em se matricular nas
disciplinas da regência coral, o que dificulta a melhoria da formação da percepção vocal
no sentido de desenvolver ferramentas que possibilitem o melhor e mais consciente
desenvolvimento sonoro do coro.

Nas disciplinas que constroem a performance são engrandecidas e ampliadas as


relações pedagógicas com as performances musicais e artísticas. A/o regente experiente
em palco, tanto conduzindo grupos quanto cantando, tem mais ferramentas para
resolução de problemas recorrentes nas organizações dos concertos. Nota-se que não é
garantido que um bom performer seja também um bom ensaiador, mas quanto mais
ferramentas e bagagens anteriores forem obtidas, mais recursos terão os futuros
profissionais para desenvolverem com segurança as performances dos coros nos quais
atuarão. Nesse grupo de disciplinas especificamente o coral caracteriza-se mais para a
formação como cantor, já que para as alunas e alunos da licenciatura não é possível a
atuação como regente, sendo essa uma atividade exclusiva daqueles que cursam o
bacharelado em regência.

Observa-se que o curso de Licenciatura reserva 74 créditos que constituem


disciplinas essencialmente práticas, nas quais é desenvolvido especificamente o
aprendizado técnico musical, representando apenas de 31% a 35% do total de créditos,
aspecto que caracteriza o curso como mais direcionado aos assuntos teóricos; isso pode
reduzir o espaço para o desenvolvimento da aprendizagem prática musical daqueles que
frequentam esse curso, consequentemente, há menos tempo disponível para dedicação
a essa área. O bacharelado em regência dedica 64,7% dos créditos às práticas musicais ou
aprendizado técnico musical. Além de oferecer mais disciplinas na área, também elas são
diluídas em mais tempo, já que no bacharelado há um ano a mais de integralização em
comparação com a licenciatura. Para a regência coral infantil, como já dito
62

anteriormente, não deveria ser descartado o aprendizado pedagógico, porém, caso a/o
regente não tenha formação musical, sua atuação tende a ser mais limitada, dificultando
suas habilidades para o ensino do repertório.

É importante ressaltar que a mudança da estrutura curricular representa uma


série de alterações e discussões das intenções e formato dos cursos, vinculado à
construção e efetivação das propostas dos PPP’s. Observa-se que essas discussões
precisam ser acompanhadas impreterivelmente do aumento do quadro docente e da
estrutura física para atender com qualidade às formações nas graduações.

Com esta reflexão, identifico que os currículos tanto do bacharelado em regência


quanto da licenciatura não são suficientes para uma formação — mesmo inicial — dos
egressos nas práticas corais do coro infantil. As razões seriam, principalmente:

1) falta de abordar a situação específica do coro infantil e amador; 2) falta da


prática com crianças reais e não musicistas (no sentido de não terem formação musical
anterior); 3) falta de discussão mais frequente e aprofundada dessa situação que,
contudo, é bem comum na vida das/dos licenciados e das/dos regentes, qual seja: a
organização e condução de corais infantis; 4) a inclusão da organização e condução do
coral infantil como ferramenta fundamental dos processos de musicalização em ambos
os cursos.
63

2. Construindo o LARCI

Este capítulo abordará as áreas de debate que fundamentaram as propostas


pedagógicas e os procedimentais do LARCI. Este material conduziu os debates do grupo
e, consequentemente, os planejamentos. A primeira área se refere aos temas que, no
nosso julgamento, devem ser ensinados nos coros infantis. A ideia é partir desses
conteúdos e habilidades para discutir então o que a/o regente precisaria aprender para
abordar estas informações. A segunda se refere às escolhas pedagógicas que foram
tomadas para a abordagem destas informações, isto é, quais foram os fundamentos
teóricos que embasaram as escolhas e como foi o desenvolvimento dos procedimentos,
tanto nos ensaios com as crianças quanto na formação das/os regentes.

2.1 O que aprender

A/o regente, medida em que obtém um norteador de conteúdos, acaba por ter
facilitada de alguma maneira a escolha dos métodos e repertórios, pois, assim julgamos,
pode ter mais clareza sobre as diversas habilidades simultâneas que são responsáveis
para o desenvolvimento do coral, tanto as artísticas quanto as sociais. Nesta pesquisa
entende-se que os conteúdos dos ensaios precisam ser pensados e organizados em
acordo com as habilidades e necessidades de aprendizado demandadas por cada coral,
relacionando essas demandas com as possibilidades de atuação e interesse, e priorizando
uma proposta de aprendizado musical significativo. Neste sentindo a/o regente poderia
ser formada/o para conseguir estruturar seus ensaios acessando o maior número possível
de cantores e respeitando sua diversidade e interesses. Nesta perspectiva, a nosso ver,
toda a escolha dos procedimentos e repertório levaria a uma melhoria da qualidade
musical nos processos de ensino e aprendizado.

Para a criação de um coro infantil e estruturação pedagógica do LARCI iniciei o


64

processo investigando quais seriam os principais conteúdos a serem ensinados nos


ensaios; a intenção era de buscar compreender o que precisaria ser ensinado ao futuro
regente para que ele pudesse, com maior autonomia, realizar um trabalho com qualidade
em seus grupos. Como perspectiva teórica de organização de conteúdos utilizei o autor
César Coll (1998).
10
Para Coll (1998), os conteúdos representam uma série de saberes culturais, cuja
assimilação é de grande importância. A base dessa organização propõe que os saberes a
serem eleitos nos espaços de ensino não sejam desarticulados do contexto social e
cultural de seus participantes, e que permitam reelaborá-los e associá-los às diversas
realidades existentes. Além disso, entende-se que alguns tipos de saberes precisam ser
organizados e planejados para serem transmitidos de forma mais eficiente e específica.

O discernimento dos conteúdos a serem ensinados permite uma escolha facilitada


dos métodos e repertórios, pois assim se obtém mais clareza de quais são as diversas
habilidades simultâneas a serem estimuladas para o desenvolvimento do coral, tanto
artísticas quanto sociais. Os conteúdos nas formações em regência e nos ensaios de coros
infantis precisam ser pensados e organizados em acordo com as habilidades e
necessidades apresentadas por cada grupo discente e/ou coral, relacionados com as
possibilidades de atuação e interesse, e priorizando uma proposta de aprendizado
musical significativo.

César Coll (1998) sugere uma organização de conteúdos divididos em três


categorias: conceituais, procedimentais e atitudinais. A ideia não é enrijecer o processo
por meio de uma categorização que priorize ou hierarquize métodos ou propostas de
ensino, em contraponto a isso, a organização parte da concepção de repensar os
processos e valores de ensino e aprendizagem de conteúdos específicos e também
refletir sobre o papel que eles desempenham no desenvolvimento humano no espaço
escolar. Nesta perspectiva, o autor ressalta que:

10
A ideia deste trabalho não é utilizar as pesquisas de C. Coll pragmaticamente. Escolhi sua categorização pois a
entendo como uma facilitadora conceitual interessante para repensar a hierarquia dos conteúdos escolares
associados aos conteúdos do canto coral infantil.
65

Isso não quer dizer, contudo, que a classificação deva ser interpretada
de maneira rígida. Uma simples leitura das propostas curriculares
permite-nos observar como frequentemente um mesmo conteúdo
aparece ao mesmo tempo nas três categorias. Ou seja, a distinção, da
forma como é introduzida nas propostas curriculares, é principalmente e
antes de mais nada, uma distinção do tipo pedagógico. (COLL, 1998,
p.16)

O ensino tradicional tende a supervalorizar o ensino de dados e fatos por


memorização, direcionando todo o seu sistema de organicidade e avaliação para esta
finalidade. Sendo assim, observa-se que a ampliação dos conteúdos poderia proporcionar
que o aprendizado acontecesse em diversas instâncias e processos variados, tanto
individualmente quanto coletivamente. A categorização dos termos, segundo Coll (1998),
não implica na compartimentação do ensino, e sim na inter-relação necessária para que o
aprendizado seja significativo e motivador, respeitando e valorizando as alunas e alunos
em seus contextos. Coll (1998) busca também pensar nas/os aprendizes como ativas/os
durante o processo de aprendizagem, de forma a tornar as propostas mais significativas,
visando o desenvolvimento humano e social durante os processos.

2.1.1 Conteúdos Conceituais

Os conteúdos conceituais implicam na capacidade de interpretar dados e fatos de


maneira significativa e de relacioná-los com outros saberes de características culturais
e/ou científicas. A diferença entre dados e fatos e os conceitos é a maneira como eles são
apresentados e aprendidos nos espaços educacionais. Para Pozzo (1998), dados e fatos
são especificidades que demandam aprendizado mais voltado para os assuntos a serem
memorizados, sem a necessidade de saberes prévios. Considera-se importante o
aprendizado de dados e fatos porque, por meio deles, determinadas informações podem
ser dialogadas e possibilitam a reconstrução, interpretação e ressignificação de
conceitos. Os dados e fatos foram a base da educação formal e dos instrumentos de
avaliação durante considerável tempo na educação. Porém, sabê-los não garante que o
conhecimento seja desenvolvido caso não se consiga estabelecer relações significativas
66

necessárias, que é a condição sem a qual não se pode dispor de conceitos para decifrar
os dados e fatos. Em contraponto a isso, “os conceitos permitem-nos organizar a realidade
e poder prevê-la” (POZZO, 1998, p.21). O autor ressalta que:

Tais mudanças, não representam uma redução da importância dos


conteúdos tradicionais e, sim, mais uma reconsideração do seu papel
na educação. Não consiste em eliminar os conceitos e fatos do
currículo, embora em algum caso suponha a redução do tempo
dedicado aos mesmos, mas estabelecer uma relação complementar, de
dependência mútua, entre os diversos tipos de conteúdo. (POZZO,
1998, p. 20)

Na formação em regência estes assuntos são aqueles que se vinculam às


disciplinas teóricas dos cursos de graduação. Na perspectiva de ensiná-los, além de
compreendê-los, as/os regentes precisam ter ferramentas pedagógicas para transmitir
estes conhecimentos de modo eficaz, contextualizado, e que contribua para as
performances do grupo. A seguir é apresentada uma análise de quais dados/fatos e
conceitos são básicos nas práticas corais infantis.

As autoras Braga e Tourinho (2013), após analisar a avaliação e proposta curricular


no curso Técnico de Instrumento Musical aplicado no Centro de Educação Profissional
Pracatum (Salvador, BA), em 2008, propõem três aspectos da prática coral a serem
considerados e proporcionados às alunas e alunos, para seu aperfeiçoamento musical: o
do “INDIVÍDUO”, relacionado às questões teóricas e práticas da voz; os “SABERES
MUSICAIS JÁ ADQUIRIDOS” característicos da cultura e experiência anterior; e “O
GRUPO”, vinculado às habilidades do fazer música coletivamente. Observa-se que,
comumente, não existem nos corais aulas individuais, desta forma, todos os aspectos
precisam ser estimulados em vivências coletivas durante o espaço e tempo do ensaio.

Porém, não se descarta a necessidade de a/o regente conhecer cada habilidade


individualmente, pois assim poderá refletir sobre as potencialidades e sobre como cada
uma pode contribuir para a construção da performance do coletivo.

Retomando a categorização, Braga e Tourinho selecionam os seguintes conteúdos


como conceituais, inspiradas também na categorização proposta por Coll (1998):
67

Conteúdos conceituais – Conhecimento de notação musical: leitura de


partituras específicas para coral, sinais musicais, intervalos, repertório,
fraseologia, harmonia, desenho melódico, características estilísticas,
esquemas analíticos de uma peça, estrutura da obra (estilo, forma,
motivo, andamento, textura, timbre, dinâmica – em momentos de
apreciação musical, utilizando vocabulário musical adequado–,
tessitura, extensão, linha melódica, letra, arranjo, entre outros), criação
de arranjos e composições vocais, aspectos de fisiologia e higiene vocal,
classificação vocal, tessituras e tipo de vozes. (BRAGA & TOURINHO,
2013, p. 51)

Observa-se que Braga e Tourinho (2013), não delimitam quais dos conteúdos são
considerados como conceitos diferenciando-os dos dados e fatos em sua proposta de
categorização. Para iniciar esta discussão, torna-se fundamental compreender que os
processos de ensino e aprendizagem de dados e fatos são distintos dos conceitos. Desta
forma, acredito na importância do discernimento das diferenças dentre ambos para não
ocorrer a supervalorização do ensino baseado apenas na memória, característico do
aprendizado de dados e fatos, em relação ao ensino significativo, favorável à assimilação
de conceitos.

Aprofundando a categorização das autoras Braga e Tourinho (2013), os conteúdos


conceituais foram divididos em cinco áreas temáticas: os relacionados 1) ao letramento
musical; 2) ao funcionamento da voz; 3) ao ensino da letra da canção; 4) aos aspectos
composicionais e 5) à apreciação musical. Todas as áreas temáticas apresentam conceitos
e dados/fatos, porém, refletidos e praticados de forma independente, possibilitam a
ampliação e otimização do aprendizado musical.

Em seguida elaborei um quadro comparativo dos conteúdos, diferenciando-os


entre dados/fatos e conceitos:

Dados/Fatos Conceitos
68

Alfabetização musical: nomeação das notas na Letramento musical: solfejo musical e análise
musical.
pauta e compreensão teórica das figuras
rítmicas.

Funcionamento da voz (fisiologia e anatomia).


11
Letra da canção. Comunicação textual .

Apreciação musical. Capacidade de distinguir e interpretar


sensivelmente a música escutada.
Tabela 10: conteúdos conceituais.

2.1.1.1 Letramento musical

O ensino da leitura musical pode ser compreendido em duas instâncias: por meio
da nomeação das notas na pauta junto ao conhecimento teórico das figuras rítmicas —
característico do ensino de dados e fatos (alfabetização musical) — e por meio do solfejo
métrico e/ou cantado e afinado buscando realizá-lo com musicalidade — sendo o
conjunto de habilidades melódicas, rítmicas e técnica vocal que originam uma
competência conceitual (denominarei esta competência conceitual de letramento
musical). Assim, a/o regente precisa ter discernimento da diferença dos processos de
ensino e aprendizagem destas duas ações. O ensino do solfejo cantado (letramento
musical) em parte cabe também à área dos conteúdos procedimentais, uma vez que
cantar exige habilidades técnicas vocais, além do domínio da leitura em si. Observa-se
que toda a execução prática de uma atividade abrange ambos os conteúdos, conceitual e
procedimental, além da própria atitude resultante das relações que os sujeitos têm ao
em exercer determinada ação.

Para desenvolver e possibilitar o avanço do nível técnico e da dificuldade do


repertório, o letramento musical se torna uma ferramenta eficiente para as/os coristas e
regentes, fazendo que o aprendizado não se paute exclusivamente pela memorização das

11
Comunicate the text. (LECK, 2009, p.4)
69

melodias e letras, proporcionando mais autonomia aos cantores do grupo.

Incialmente saliento que o aprendizado do letramento musical por meio do


solfejo cantado tende a ser mais lento que a nomeação ritmada das notas na pauta
(solfejo métrico). Isso acontece porque o solfejo melódico/rítmico (solfejo cantado) exige
habilidades vocais específicas e percepção auditiva treinada resultante de dois principais
procedimentos: a ação da leitura rítmica associada ao canto.

Em grupos infantis e/ou amadores é comum que o nível de leitura do repertório


esteja aquém do seu potencial performático, ou seja, as/os coristas podem cantar melhor
do que ler o repertório com autonomia. Assim, pode-se afirmar que os processos e
métodos de ensino e habilidades não ocorrem simultaneamente. É interessante destacar
que solfejar uma canção já conhecida do repertório é mais fácil que a leitura à primeira
vista, outra habilidade distinta, já que o grupo já se apropriou de memória da linha
melódica e a métrica.

Corroborando sobre a importância do letramento musical na prática coral infantil,


Leck (2009, p.3), dentre suas bases temáticas para o desenvolvimento do coral infantil,
propõe ensinar as habilidades de leitura justificando que à função da/o regente não
caberia somente ensaiar as canções, mas também promover o desenvolvimento musical,
o que, segundo o autor, inclui o aprendizado da notação musical. Por meio da leitura, a/o
corista terá possivelmente um desempenho mais eficiente, já que pode prever
antecipadamente o que necessita realizar, em comparação com o/a cantor/a que utiliza
somente os recursos de memória, repetição e musicalidade pessoal. A assimilação deste
tipo de conteúdo faz também com que “[...] cada cantor deva ser capaz de tomar decisões
musicais em acordo com as convenções estabelecidas [...]” (LECK, 2009, p.157),
estimulando certa autonomia do fazer musical individual.

Associado ao letramento musical, o ensino da compreensão musical (LECK, 2009,


p.2), outra temática abordada pelo autor, refere-se aos conhecimentos de harmonia e
estruturação da obra, fornecendo mais ferramentas à performance da corista. É
imprescindível esse tipo de conhecimento para a/o regente, pois oferece a ela/e as
ferramentas para transmitir estas ideias e funções desses conteúdos, justificando-os para
a interpretação musical, mesmo que as/os coristas ainda não sejam capazes de
70

decifrá-los de forma autônoma, somente pela leitura ou escuta.

As autoras Braga e Tourinho (2013) não acrescentaram em sua proposta de


organização o ensino de harmonia e estruturação musical, por isso completou-se na
Tabela 10 estes dados. Porém, decidi substituir o termo “ensino da compreensão
musical”, proposto por Leck (2009), por “análise harmônica e estrutural”, porque entendo
que “compreensão musical” seja um conceito muito amplo, já que saber harmonia e
estruturação não significa compreender toda a abrangência de informações que
promovem a compreensão da música como um todo. Observa-se que os conteúdos de
harmonia e estruturação requerem saberes (análise de intervalos musicais) posteriores à
alfabetização musical, porém, pelo estimulo sensorial, a/o regente pode ensinar
auditivamente as variações harmônicas anteriormente à compreensão formal
sistemática destas estruturas.

Ressalta-se que o funcionamento eficaz da proposta de ensino do letramento


musical utilizando o repertório será potencializado caso a edição da partitura esteja em
acordo com o que será realizado. No Brasil ocorre a dificuldade de acesso e compra de
partituras coral, principalmente aquelas que já apresentem a linha do piano completa
escrita, o que leva as/os regentes ou correpetidores a construírem arranjos ou, por
diversas instâncias administrativas e estruturais, a utilizarem apenas o recurso da
memória para o ensino do repertório. A questão em torno de utilizar ou não partituras
nos ensaios sugere que o ensino da alfabetização musical pode perder a função, já que
nada será lido realmente com a finalidade da performance, tornando esses processos de
ensino descolados das vivências dos ensaios. Porém, ainda assim a perspectiva do
letramento musical continua válida, já que parte de experiências sensíveis para a
assimilação destes conteúdos.

Diversos são os métodos e processos que podem ser utilizados para o letramento
musical. O mais importante é que a/o regente consiga captar no grupo quais são as
ferramentas mais eficientes, não se esquecendo de que em grupos heterogêneos faz-se
necessário utilizar vivências variadas para favorecer o aprendizado dentro das diferenças
sociais. No caso dos coros infantis, vale lembrar que a utilização dos jogos pode ser
extremamente eficiente e importante no desenvolvimento infantil, além de se
71

apresentar como um recurso que pode ser muito motivador. Por fim, a utilização do
próprio repertório para ensinar estes conteúdos também otimiza o aprendizado dos
mesmos.

2.1.1.2 Funcionamento da voz

Entende-se que os assuntos relacionados ao funcionamento da voz são os


associados à fisiologia e anatomia vocal. Para a/o regente o conhecimento destas
singularidades da voz fornece elementos que podem esclarecer quais são as dificuldades
de uso vocal enfrentadas pelas cantoras e cantores de forma mais minuciosa. Por meio
dessa constatação, a/o regente pode propor exercícios vocais específicos para
determinado problema, além de contribuir para a sua própria compreensão global da
prática do canto. O ensino do canto se apresenta por diversos métodos resultando
sonoramente em qualidades distintas. O autor Fernandes (2009) analisa que este
resultado se apresenta nos seguintes aspectos:

De forma generalizada, existem essencialmente três áreas da produção


vocal, que devem ser estudadas e trabalhadas: a administração da
respiração; a função laríngea (coordenação eficiente da respiração com a
produção do som) aliada à busca do relaxamento do pescoço,
mandíbula e músculos faciais; e o desenvolvimento e exploração da
ressonância vocal. Neste processo o regente deve considerar fatores
como a postura apropriada, o aquecimento vocal, a função e o valor dos
vocalizes, bem como buscar meios de trabalhar o ataque do som, os
diferentes tipos de articulação musical, a flexibilidade vocal (agilidade),
a extensão vocal, os vários aspectos ligados à dicção, os registros da voz,
os timbres e o vibrato. (FERNANDES, 2009, p.205)

Ressalta-se que as três áreas de produção vocal apresentadas estão todas ligadas
ao funcionamento fisiológico e anatômico da voz, exigindo que este conteúdo esteja
esclarecido ao regente. Já para cantoras e cantores, principalmente com foco na prática
infantil e amadora, dependendo da forma como são apresentados, esses conteúdos
72

podem enfrentar dificuldades ao serem incluídos nos ensaios, pois a nomeação técnica
pode não estar no espectro de linguagem dos conhecimentos prévios das crianças, o que
exige o uso de outros recursos de comunicação para a assimilação desses conteúdos e da
própria prática do canto.

Comumente professoras/es e regentes utilizam de metáforas imagéticas para


abordar o funcionamento e aperfeiçoamento vocal em suas aulas, “[...] essas expressões
metafóricas são exemplos de um jargão conhecido no meio musical como ‘imagens’, e
são utilizadas por professores de canto de abordagens técnicas e estilísticas as mais
variadas em seu processo de ensino” (SOUSA; SILVA; PEREIRA, 2010, p.317).
Compreende-se que não se aprende a cantar teoricamente, porém, é possível agregar
elementos teóricos para facilitação do aprendizado.

[...] O cantor em geral resiste ao contato com a perspectiva científica


da voz, pois encontra dificuldade em utilizar esses resultados isolados
em seu fazer artístico cotidiano, que abarca não somente o aspecto
físicoacústico da voz, mas inúmeras questões pertinentes ao universo
musical, marcado pela subjetividade e pela importância do processo
criativo. Faz-se necessário, portanto, um esforço para a construção de
pontes de comunicação entre os dois universos, para que um possa
expandir seus conhecimentos a partir do diálogo com o outro. (SOUSA;
SILVA; PEREIRA, 2010, p.318).

Nesta pesquisa, os assuntos vinculados à saúde vocal também se enquadram nos


conteúdos de funcionamento da voz. É de extrema importância o ensino das condições
salutares que favorecem ou desfavorecem a prática do canto, buscando estimular no coro
e individualmente o uso otimizado da técnica vocal também para evitar danos fisiológicos
vocais posteriores.

2.1.1.3 Letra da canção

Tanto Braga e Tourinho (2013) quanto Leck (2009) descrevem o ensino da letra
como uma das bases de conteúdo, porém a terminologia letra da canção pode não
73

esclarecer todos os conteúdos envolvidos com o aprendizado da letra do repertório.


Como não há especificação de cada item no trabalho de Braga e Tourinho (2013), nesta
pesquisa, letra da canção é associada à aprendizagem e memorização exclusivas do texto
utilizado (dados/fatos). Já os conceitos são as inflexões, prosódia e a necessidade da
compreensão poética para a interpretação, proposta por Leck (2009) como indicações
para o trabalho da/o regente. Desta forma, preferi utiliza a mesma terminologia deste
autor: “comunicação textual” (2009, p.4).

Comunicação textual.
Entender as sutilezas da linguagem. A ativação dos articuladores
consonantais promove a compreensão e comunicação musical do texto.
Obter tempo para aprender a sutileza da poesia. A expressão artística
só pode resultar da compreensão aprofundada do texto. (LECK, 2010,
p.4)

Comumente os grupos infantis, pelo seu caráter cênico (tendência das


performances atuais dos coros infantis), costumam se apresentar sem o uso de
partituras, e isso faz surgir a necessidade da memorização da letra. Esse processo inclui
pelo menos outros dois campos: a memorização da letra e sua compreensão. Quando a/o
regente explica e discute com seu grupo sobre o que a canção almeja transmitir, promove
mais possibilidades relacionais, inclusive favorecendo a memorização. As crianças têm
possibilidades de vincular aquilo que está sendo cantando com suas experiências
pessoais, atribuindo significado à própria performance.

Na minha experiência verifiquei que é mais eficiente ensinar pequenos trechos de


músicas diferentes simultaneamente, ao invés de decorar uma música inteira para
posteriormente ensaiar a próxima. Esta variedade de repertório faz com que o conjunto
das canções fique finalizada somente próximo aos concertos, porém proporciona mais
dinamicidade aos ensaios, fator que otimiza muito o aprendizado com crianças.
74

2.1.1.4 Apreciação Musical

Acrescenta-se que a ampliação da apreciação musical, por meio de repertórios e


performances variadas, favorece que o grupo tenha mais elementos e inspirações para a
performance, além de promover na criança a consciência das múltiplas possibilidades
interpretativas do fazer musical. A inclusão no currículo de apreciação musical como
conteúdo incentiva a construção de um programa de apreciação musical que venha
auxiliar a própria performance do grupo. A autora Freire (2001) descreve que:

O uso da apreciação, frequentemente omitido, praticado de forma


apenas "intuitiva", sem qualquer respaldo teórico de professor ou,
ainda, praticado de forma apenas "ilustrativa", sem qualquer pretensão
de construir, a partir da apreciação, um corpo conceitual que interfira,
produtivamente, na construção do conhecimento musical, na criação
musical, na "performance". (FREIRE, 2001, p.71)

Dentro do programa de apreciação, assistir às próprias gravações também


estimula a autoavaliação do grupo e a percepção mais minuciosa das habilidades das
crianças, já que a/o corista ou regente, durante o momento de sua atuação, não pode
perceber o real resultado performático que está sendo produzido por motivos acústicos e
espaciais. Um acervo de gravações de apresentação também pode fornecer elementos
avaliativos para a/o regente se organizar em relação aos conteúdos a serem propostos
posteriormente.

Igayara (2007) analisa que a escolha do repertório12 também constitui a


identidade do grupo, como resultado da recusa ou aceitação das escolhas dentre a
comunidade envolvida. Na medida em que as pessoas se identificam com a prática
(repertório cantado e apreciado) elas acrescentam elementos à proposta e obtêm
determinadas características, promovendo a constituição da identidade do grupo. A

12
Nesta pesquisa o repertório inclui todas as músicas a serem executadas pelo coro junto as que serão ouvidas nos
programas de apreciação musical.
75

autora ressalta que promover um repertório novo, muitas vezes desconhecido,


beneficiaria a abertura para as diferenças, também fornecendo elementos identitários
que estão em constante transformação. Observa-se que são raros os corais infantis de
constituição estanque. Normalmente, por diversas instâncias, as/os integrantes dos
coros podem se alterar, principalmente os vinculados a programas sociais e/ou de
contraturnos escolares. Desta forma, a organização dos conteúdos de apreciação sem a
atenção a estas mudanças pode não atender à diversidade das constantes “novas”
comunidades envolvidas.

Nos coros escolares, Igayara (2007) explicita a problemática do repertório quando


direcionado exclusivamente aos interesses da coordenação administrativa das
instituições que os abrigam, destacando principalmente as festividades. Nesses casos, as
escolhas se tornam de certa forma comprometidas, ao deixar de buscar também atender
às demandas de interesses das alunas e alunos. Assim, a proposta do repertório como
projeto de musicalização perde seu propósito e se direciona a finalidades que não são
necessariamente benéficas para o desenvolvimento musical ou cultural do coral. É
importante compreender que independente da demanda e do contexto em que o grupo
está inserido, a escolha do repertório precisa se adequar e adaptar-se, pois:

[...] penetrar no universo coral não é, apenas, participar de uma


atividade musical, mas adaptar-se, transformar e criar novas
comunidades de leitura de um suposto repertório coral, com seu
cânone e com suas aberturas, descobrir e construir sua identidade
como grupo. Nesta discussão, assumem um papel importante os
arranjos ou adaptações corais, que sempre fizeram parte da história do
repertório coral e, por diversas vezes, operaram mediações entre os
universos cultos e populares, ou entre universos culturais distintos.
(IGAYARA, 2007, p.5)

Sabe-se que, por meio da expansão e acessibilidade da internet, assistir vídeos


variados tornou-se uma prática mais comum, e isso propicia, então, uma apreciação musical
associada a imagens oriundas de diversas fontes midiáticas. Observa-se que, a princípio, a
apreciação musical exclusivamente auditiva pode não prender a mesma atenção da
criança, na medida em que ela somente tenha vivências ou hábitos em que escutar
música esteja vinculado à visualização de vídeos, com isso, esse recurso se faz necessário,
no entanto, isso não necessariamente mudar o objetivo da proposta.
76

[...] vale a pena ressaltar, é que estamos em uma era de referências


eminentemente visuais. Os meios de comunicação investem na criação
de recursos que prendem a atenção dos interlocutores, inovando em
procedimentos que sejam eficientes para manter o ouvinte atento. [...]
nada melhor que aproveitarmos recursos visuais para a fixação e
incorporação de conteúdos no trabalho com crianças (SHIMITI, [s.d.],
p.5).

Reitero que para o ensino de conteúdos de dados/fatos e conceitos visando um


desenvolvimento global e humanizado, a/o regente poderia se desenvolver muito no
13
papel de educador musical ao obter conhecimentos relacionados aos métodos ativos de
educação musical, que partem do pressuposto da busca de uma educação significativa.
Esses conhecimentos são obtidos a partir de estudos da infância, psicologia do
desenvolvimento e métodos de ensino variados que podem de alguma forma vincular-se
à prática coral, além das habilidades de regência para conduzir o ensaio de forma a
construir musicalmente os conhecimentos de caráter mais teóricos que viabilizem a
prática.

2.1.2 Conteúdos Procedimentais

Os conteúdos procedimentais se referem, na perspectiva de Valls (1998), ao


aprendizado de ações otimizadas e organizadas de determinada atividade. Nos espaços
educacionais os procedimentos são comumente ensinados nas práticas educacionais e
são justificados por meio de conhecimentos científicos; porém, “é possível afirmar que,
apesar disso, os procedimentos não mereceram na escolarização o reconhecimento,

13
Os métodos ativos são os processos pedagógicos que buscam possibilitar a experiência direta da aluna e aluno, a
partir do contato e vivência dos elementos musicais. No início do séc. XX, “como resposta a uma série de desafios
provocados pelas mudanças na sociedade ocidental” (FONTERRADA, 2003, p.107), estes ideais foram disseminados e
aprofundados por diversos educadores musicais, visando a preocupação “específica em cuidar do desenvolvimento e
do bem-estar da criança, ou mesmo do jovem e do adulto” (FONTERRADA, 2003, p.109).
77

como o que agora é solicitado” (VALLS, 1998, p.76).

A experimentação variada de determinadas ações proporciona a vivência e


assimilação de dados/fatos e conceitos de forma mais significativa. Na medida em que
ocorre esta experimentação por parte das alunas e dos alunos, ampliam-se suas
potencialidades para realizar determinadas tarefas, pois elas se tornam mais familiares.
Desta forma, na intenção de promover autonomia nos procedimentos, entende-se que
“o grau de domínio maior de um procedimento é demonstrado talvez, quando a atuação
fica sob controle automático e não se precisa de consciência para realizá-la” (VALLS,
1998, p.88).

Na assimilação de conhecimentos associados à aquisição de ferramentas


procedimentais, as pessoas podem demonstrar diversas maneiras para realizar
determinada tarefa. Torna-se, então, importante que a/o docente ou a/o regente
responsável pela mediação do grupo investigue quais foram as razões das escolhas da
aluna ou aluno para aquele fim e, consequentemente, analise e promova a ampliação e
otimização do repertório para aquele determinado fazer. É evidente, também, que uma
atitude incoerente ou negativa na realização de um procedimento, mesmo que já
assimilado, torna-o dificultoso ou irrealizável.

Os procedimentos são diferenciados como algoritmos, isto é, aqueles que contêm


exatamente os mesmos passos para realização da meta de forma correta, e como os
heurísticos, que orientam as ações de maneira geral, de modo que seu uso e implicação
nem sempre tornem os resultados similares entre os sujeitos. Saliento que o ensino
heurístico não garante que a solução seja encontrada rapidamente pelo indivíduo, visto
que são propostos caminhos para este fim. No ensino coletivo normalmente as instruções
de caráter algorítmico podem não atender à compreensão de todos, pois para a
realização destas atividades são necessários determinados procedimentos e habilidades
prévias. Dentro de um grupo heterogêneo torna-se complexo que todas e todos
alcancem simultaneamente, a partir das mesmas instruções objetivas, por isso quase
sempre é mais viável o ensino com caraterísticas mais heurísticas.
78

Mas isso não impede que, mediante os heurísticos, seja possível


enfrentar, com grandes possibilidades de sucesso, as exigências que se
apresentam nas metas propostas. E mais, já que é quase impossível que
possam ser construídos e aprendidos algoritmos para todas as ações
escolares orientadas para metas, pode-se muito bem dizer que a maior
parte do trabalho procedimental consiste e deve consistir na
aprendizagem e ensino de heurísticos. Ou seja, sob as fórmulas dos
desenhos curriculares enunciam os procedimentos a serem ensinados e
aprendidos, cabe entender na maioria dos casos que se está propondo
um curso de ação de natureza heurística e não algorítmica. (VALLS,
1998, p.85)

O aprendizado de procedimentos nas formações em regência se dá durante as


matérias que proporcionam algum tipo de vivência prática musical. Na regência coral são
situações em que as/os graduandas/os participam como cantoras/es ou regentes durante
ensaios e apresentações. As técnicas de regência e de canto são aprendidas quando
vivenciadas fisicamente e, por esta razão, são tidas como conteúdos de grande
importância. É importante salientar que também são procedimentos as ferramentas
metodológicas práticas que a/o regente possui para conduzir melhor as dinâmicas do
ensaio e que quanto mais variado for a sua experiência anterior maior serão suas
possibilidades de alternativas para resolução de problemas encontrados.

Existem diversas metodologias para o ensino do canto, por isso a/o regente
precisa ter clareza de quais são suas prioridades e quais as propostas que se adequam
melhor às habilidades vocais das coristas, vinculando-as com os objetivos técnicos
desejados. Fernandes (2009) descreve que “é importante, portanto, que o regente
determine suas prioridades e trabalhe para alcançá-las através de um programa
sistemático de preparo vocal” (FERNANDES, 2009, p.198). No coral infantil a
sistematização de qualquer metodologia a ser utilizada está relaciona à organicidade
mental da/o regente de poder visualizar as etapas e funcionalidades de cada vocalize, ou
qualquer outra atividade, com finalidade do desenvolvimento vocal. Acrescento que o
uso de um exclusivo exercício para resolver alguma carência técnica pode não atender à
compreensão e assimilação de todas as crianças. Portanto, é importante observar que esta
sistematização não pode gerar o enrijecimento das escolhas metodológicas
79

procedimentais.

Outro influenciador da produção sonora do grupo também é resultado de


variantes além da própria técnica vocal.

[...] não poderíamos deixar de ressaltar que há uma série de fatores


que, embora não participem diretamente da formação sonora coral,
influem no resultado sonoro de qualquer coro na performance, tais
como: o tipo de grupo coral, a idade e a maturidade musical dos
cantores, a realidade sociocultural dos membros do coro, a saúde geral
dos cantores, o ambiente acústico dos ensaios e das performances, a
frequência de ensaios por semana, o tempo de cada ensaio e o tipo de
cantores que formam o grupo – se profissionais ou se amadores.
(FERNANDES, 2009, p. 202-203)

Fernandes (2009) analisa três áreas da produção vocal que precisam ser
abordadas para o desenvolvimento da técnica vocal. Durante a prática do canto todas as
habilidades são exercidas de forma simultânea, assim, apenas o estímulo de um dos
pontos não garante o aprendizado efetivo do canto. No entanto, esses pontos podem ser
estimulados ou priorizados de maneira independente, conforme o objetivo principal de
cada vocalize ou repertório. A tabela abaixo apresenta os conteúdos e suas
especificidades:

Conteúdos procedimentais Especificidades


RESPIRAÇÃO Postura;
Fonação/Afinação;
Homogeneidade vocal.
RESSONÂNCIA Uniformidade das vogais
DICÇÃO
REGISTRAÇÃO VOCAL
Tabela 11: conteúdos procedimentais.

O controle da respiração promove o “bom fôlego, o vibrato estável, a melhor


afinação, a execução refinada do legato e a capacidade de cantar homogênea e
equilibradamente em variados níveis de dinâmica” (FERNANDES, 2009, p.205). A postura
corporal é uma das responsáveis para a respiração otimizada, sendo uma das bases do
80

ensino do canto. Comumente entende-se postura adequada para o canto como sendo a
verticalização e o alinhamento postural, desta forma, caso o coro cante nesta posição, as
propostas precisam ser direcionadas a esta finalidade. Em grupos nos quais exista a
movimentação corporal, o cantar em movimento construído também durante o
aquecimento vocal otimiza o desenvolvimento destas habilidades simultaneamente.

Ao longo da minha prática como regente de coros infantis percebi que, quando
era ensinada alguma canção anterior à movimentação corporal, após inserir os
movimentos as crianças cantavam com uma qualidade inferior daquela normalmente
executada. Elas precisavam estar bem seguras com a coreografia para novamente
voltarem a cantar de forma tecnicamente mais aplicada. Como alternativa para este
cenário, sugiro que sejam inseridos exercícios vocais e o aprendizado do repertório
incluindo a movimentação corporal em todos os processos, mesmo que ainda não seja
aquela a ser utilizada na coreografia final.

A exclusividade do uso de uma única linha corporal pode diminuir as


potencialidades e necessidades apresentadas pelas coristas. Leck (2009) descreve que as
crianças rapidamente adquirem o hábito postural nos ensaios, porém ele pode ser
construído exclusivamente pela imitação forçada ou adquirido de forma mais
significativa, resultado de um trabalho de exploração e consciência corporal. É
importante considerar que, na medida em que se variam as propostas, as vivências
distintas levam à experimentação e compreensão de qual seria a melhor adaptação da
respiração e função laríngea para cada desafio técnico e necessidade do repertório.

Analisando a proposta de Leck (2009), a autora Rheinboldt (2014) descreve que


“a postura adequada para se cantar em pé é composta pelos pés bem apoiados no chão
e posicionados em uma distância confortável (largura dos ombros), tronco ereto, pescoço
e ombros sem tensões e braços e mãos para baixo” (2014, p.21). Acrescento que esse
pensamento precisa ser devidamente relativizado e adequado ao tipo de performance e
perfil das/os coristas, isso porque mesmo que a intenção dessa posição seja otimizar a
respiração para o canto, ela pode gerar tensão muscular, contrapondo-se com a
finalidade do ensino da postura no coral com a finalidade em promover a consciência
corporal.
81

Segundo Leck (2009), o trabalho postural pode ser desenvolvido por meio de
imitação e de comandos da/o regente de forma que a criança organize seu corpo até a
postura acreditada ideal para o canto:

Enquanto os alunos ainda estão em silêncio de frente para o regente, o


instrutor pode levá-los através de uma série de posições, como uma
proposta lúdica, e mover-se até a postura adequada para cantar. Por
exemplo; sentado, com uma mão para cima, polegar na orelha,
contorcendo-se para a frente e para trás na cadeira. Sentando-se para a
frente, caindo, cruzando e descruzando as pernas. Ombros para trás, etc.
(LECK, 2009, p.18)

Na perspectiva crítica desta citação a palavra silêncio foi grifada por ser um
requisito aparentemente fundamental na proposta e prática do autor Henry Leck, muito
difundida e utilizada no Brasil em coros infantis (principalmente depois do evento Gran
Finalle realizado em São Paulo, para o qual esse regente é convidado bienalmente a
ministrar cursos e reger coros infanto-juvenis inscritos). O enrijecimento de como chegar
ao SILÊNCIO pode gerar processos de ensino condicionantes e impositores, com pouco
espaço de reflexão e atuação criativa da aluna e aluno. Ressalto a importância
fundamental de se considerar o discurso individual-cultural proveniente de cada sujeito
para a promoção de uma educação mais significativa. À medida que a/o regente toma
consciência dessa questão, pode repensar qual é real função da exigência do silêncio e
em quais momentos é fundamental respeitá-lo, principalmente abrindo espaços para os
indivíduos se posicionarem. O silêncio pode ser tanto doutrinador impositivo, colocando
os indivíduos como meros reprodutores mecânicos dos interesses da/o regente, quanto
construído de forma pedagógica em respeito às características da infância, visando
inclusive propostas democráticas. No coral, considerado uma prática com número grande
de integrantes, torna-se um desafio cotidiano valorizar os interesses individuais; porém
dentro do trabalho pedagógico é importante não descartar esta perspectiva de
procedimento.

Não desconsidero a importância do silêncio dentre as práticas musicais, mas nos


conteúdos relacionados ao desenvolvimento postural pode direcionar os estímulos a
82

condicionamentos posturais, sem garantir o desenvolvimento da consciência do corpo.

Destaca-se que as práticas corporais também são favorecidas pela troca de


impressões sensoriais dentre as pessoas do grupo. Como é possível que cada corpo
assimile seu aprendizado de formas muito distintas, fazem-se necessários elementos
variados de discurso para a compreensão da maioria. Assim, a fala socializada dos
participantes traria mais elementos assimilativos a todos.

Em relação à corporalidade das crianças é importante ressaltar que a/o regente é


modelo para o grupo e todo o conjunto de sua movimentação gera respostas tanto
corporais quanto musicais. Nesta perspectiva, a autora Branco (2010) ressalta que:

[...] todas as atividades do ensaio ocorrem sob o impacto da figura e da


presença corporal do regente. A sua postura corporal geral, reveladora
de suas características físicas e psicológicas construídas ao longo de sua
vida; a postura dinâmica, sinal de seu momentum corporal global em
dado instante; a consistência e flexibilidade de sua movimentação; a
expressão facial; a técnica de regência - todas essas características em
conjunto levam a uma comunicação ampla com os cantores. (BRANCO,
2010, p.1)

Nos coros cênicos comumente são contratados coreógrafos ou coreógrafas para


desenvolverem o trabalho corporal com as crianças. Caso esta pessoa não possa ir em
todos os ensaios, a/o regente também precisa se preparar para manter a qualidade dos
movimentos, não estimulando erroneamente certos vícios que podem ser prejudiciais à
performance.

A fonação como um dos “fundamentos de uma boa técnica vocal é a consciência


de como as pregas vocais se fecham no momento do ataque do som, ou seja, como exata
e precisamente elas se encontram para que a produção do som aconteça” (FERNANDES,
2009, p. 216). A fonação também é uma das responsáveis pela afinação individual e,
consequentemente, coletiva do coral. Desta forma, é fundamental desenvolver durante
os vocalizes propostas que sejam constantemente relembradas durante a execução do
repertório.

A afinação é um conteúdo que visita todas as três categorias de conteúdos, e


83

dentro das subdivisões diversas são responsáveis pela afinação desejada na performance.
Segundo Leck, “[...] a desafinação é o resultado do apoio da respiração inadequado,
formação incorreta de vogais, formação insuficiente de solfejo, percepção auditiva
subdesenvolvida, ou apenas falta de atenção. Quando você prioriza a boa entonação, os
cantores logo se atentam à produção vocal correta” (LECK, 2009, p.3). Além das questões
técnicas específicas que resultam na desafinação, também se ressaltam as
particularidades comportamentais e socioculturais das/dos coristas:

Vários fatores podem interferir na desafinação das crianças: entre os


mais comuns estão os problemas psicológicos, como a timidez, o
sentimento de inferioridade, o medo, o excesso de emoção ou agitação e
a ansiedade; todos estes fatores podem ser responsáveis por um canto
desafinado. O tipo de ambiente musical que a criança tem em casa, bem
como a falta de controle dos mecanismos da voz cantada são também
determinantes na desafinação. (SOBREIRA, 2003, p.172)

As cavidades orais também são responsáveis pela uniformidade das vogais,


resultando inclusive em melhor desempenho na afinação e equilíbrio dos timbres. As/os
coristas, por meio da escuta inicial da própria voz durante a prática do canto, podem não
ter clareza de sua real produção vocal e, assim, todo o seu empenho e avaliação de sua
produção não estaria baseado no que de fato está sendo realizado vocalmente. Desta
forma, a/o regente precisa construir um meio para que as crianças confiem em suas
propostas e entendam a necessidade de modificar uma prática que seja considerada
eficiente.

Os exercícios de voz que favorecem a dicção não podem se deter apenas na


compreensão do texto, porque na voz cantada a dicção precisa ser desenvolvida em prol
da produção do som eficaz. As atividades são desenvolvidas não apenas na voz falada,
portanto, há a necessidade de adaptações da produção das vogais e consoantes.
Simultaneamente ao desenvolvimento da dicção a produção do som é otimizada e a
compreensão do texto também é favorecida.

Historicamente, como muitos dos mecanismos fisiológicos do funcionamento da


voz eram desconhecidos na pedagogia do canto, tornou-se habitual que seu ensino fosse
baseado nas impressões sensoriais de ressonância da voz. “[...] Relacionou-se, assim, o
84

registro aos termos ‘peito’ e ‘cabeça’, que são as regiões onde ocorrem adaptações
ressonantais, mas que não são as que geram de fato os diferentes registros, o que
originou as discordâncias e variadas terminologias existentes” (PACHECO; MARÇAS;
PINHO, 2004, p.429). Para que o cantor consiga dominar e equalizar seus registros vocais,
são necessários estímulos que se adequem às necessidades do repertório e que também
possam variar, produzido, assim, variação nas cores sonoras do grupo.

A fim de utilizar todo seu potencial vocal, o cantor precisa encontrar


condições favoráveis para dominar o uso das cavidades de ressonância e
a musculatura envolvida na produção da voz. No tocante à registração
vocal, a difícil tarefa do regente é orientar seus cantores a respeito de
cada registro, bem como ajudá-los a desenvolver a habilidade de
“transitar” de um registro para outro sem perda da qualidade sonora.
(FERNANDES, 2009, p.256)

O uso do registro da voz de cabeça, para as crianças, pode ser desconhecido tanto
na sua prática quanto em sua escuta musical anterior. Assim, com a finalidade da
produção da voz saudável nesta tessitura e a ampliação de sua extensão vocal, faz-se
necessária a persistência das cantoras e dos cantores e regentes em exercitar esta
habilidade. De acordo a variação do repertório, principalmente aquele vinculado ao
repertório popular folclórico, mesmo que a tessitura da canção não exija o uso da voz de
cabeça necessariamente, sua prática não deveria ser descartada, já que quanto mais
elementos a crianças obtiver sobre o domínio da própria voz, maior, exponencialmente,
será a sua capacidade de variação em performance.

2.1.3 Conteúdos atitudinais

Conteúdos atitudinais são relacionados à organização de ações e aspectos da


afetividade oriundos da personalidade individual e de fatores sociais, vinculados às
85

relações criadas entre os sujeitos e os “objetos” que disparam as atitudes. De forma a


valorizar as relações interpessoais, torna-se fundamental esclarecer e propor
pedagogicamente vivências nas quais seja promovido o desenvolvimento do convívio
coletivo, para favorecer a comunidade relacionada de maneira otimizada e significativa.
Neste sentindo, segundo Saraiba, “podemos definir, então, as atitudes como tendências
ou disposições adquiridas e relativamente duradouras a avaliar de um modo
determinante um objeto, pessoa, acontecimento ou situação e a atuar de acordo com
essa avaliação” (1998, p.123, grifos do autor).

Saraiba (1998) descreve ainda que, por meio de processos avaliativos, os sujeitos
relacionam-se com coisas, objetos, situações ou pessoas, promovendo as atitudes que
são expressas pela linguagem verbal e não verbal. Diferente do hábito, a atitude tende a
refletir preferências conscientes e verbalizadas dos atuantes, possuindo um caráter mais
de escolha.

É conveniente esclarecer, no entanto, que, embora uma pessoa tenha


uma atitude clara e concreta em relação a algo ou a alguém, nem
sempre pode ou escolhe atuar de acordo com ele, já que as atitudes não
são os únicos fatores que intervêm na decisão tomada por uma pessoa,
a de agir de uma maneira determinada. (SARAIBA, 1998, p.125)

Saraiba (1998) analisa que as pessoas têm necessidades biológicas e sociais, desta
forma, determinadas atitudes auxiliam a satisfação destes desejos. Além de sua função
utilitária, são propostas quatro funções psicológicas das atitudes, principalmente de
natureza motivacional: fatos desagradáveis que nos conduzem a tomar atitudes para nos
proteger, resultando em uma característica defensiva; ações que auxiliam a alcançar
objetivos ou minimizar punições, apresentando a característica funcional; a necessidade
das pessoas em expressar seus valores e demonstrar o conceito de si mesma são as de
função expressiva; para ordenar, esclarecer e dar estabilidade ao cotidiano, possuem a
função cognoscitiva.

Por meio das atitudes é possível fazer as leituras de quais valores constituem os
sujeitos, porém, é possível que o valor não influencie diretamente em uma escolha
86

atitudinal ocasionada por diversas razões distintas. Cabe acrescentar que o observador
que fará uma análise, buscando justificar uma determinada atitude, precisa compreender
que definir a justificativa de uma atitude sempre será fruto do seu olhar e valor em
relação à ação observada. Consequentemente poderá fazer julgamentos que não são os
reais devido às diversas instâncias, criando uma rede motivacional que dispara as nossas
atitudes constantemente. Dentro dos espaços educacionais, independentemente de seu
tipo de atuação, “os valores se constituem em um projeto ou ideal a ser compartilhado
que dá sentido e orienta a formação de atitudes na escola, como opções pessoais
adquiridas livre e refletidamente” (SARAIBA, 1998, p.128).

No que se refere aos valores, a escola procura desenvolver na criança


uma moral cidadã e critérios de autonomia que sejam solidários e
representem um compromisso com a sociedade onde vivem. Os novos
currículos reservam um espaço importante nos seus conteúdos, para
que os alunos se conscientizem e despertem a sua curiosidade por
outras formas de vida, valores, línguas e raças existentes no mundo e
dentro de sua própria nação. (SARAIBA, 1998, p.127)

As atitudes também são construídas por meio das normas socioculturais ou


institucionalizadas. A vida cotidiana nos apresenta formas padrão de conduta que são
compartilhadas e interiorizadas por meio da consciência ou da imposição social e/ou
hierárquica. Nos espaços educacionais as regras e normas são estabelecidas para otimizar
o funcionamento de acordo com a finalidade e proposta existente, regida pelo próprio
espaço junto à comunidade envolvida. Cabe aos atores sociais determinar o modo como
estas atitudes serão estabelecidas e quais as razões de sua existência.

Quando o sujeito é inserido em um espaço novo as atitudes tendem também a


buscar a sua adaptação à novidade para seu próprio conforto, já que por meio de suas
ações também ocorrerá o julgamento dos demais, inclusive para analisar o quanto cada
pessoa se enquadra ou é representada dentro do grupo. Na medida também em que o
espaço se contrapõe aos valores e hábitos do indivíduo, é necessário que ocorra alguma
forma de adaptação para a sua permanência no grupo.

O coral, como mais um espaço social e essencialmente uma atividade coletiva,


87

tem padrões sociais de comportamento com a finalidade de otimizar a sua prática.


Grupos com características mais recreativas, direcionados à alta performance, ou
escolares, entre outros, dispõem de necessidades atitudinais diferentes e, por meio de
escolhas político-pedagógicas, organizam como serão propagadas e estimuladas as
atitudes da comunidade envolvida. Porém, é importante ressaltar que a prática, a
vivência ou qualquer outro aspecto esperado do sujeito relacionado ao coral pode não
ser conhecido nem similar à sua cultura anterior, principalmente porque o coral é uma
atividade musical bem específica. Assim, o modelo mental de como é o processo
metodológico, musical e administrativo do novo integrante não correspondente ao
esperado.

Os conteúdos atitudinais compreendem “participação, cooperação com o grupo,


respeito e valorização ao colega e a diversidade musical e desenvolvimento de atitude
corista: frequência, pontualidade, disciplina, cuidado com material didático” (BRAGA;
TOURINHO, 2013, p.51). Este é um grupo de conteúdos que otimiza o convívio, e espera- se
que sejam estimulados por meio de propostas significativas.

Ressalta-se que as atitudes coristas descritas por Braga e Tourinho (2013), com
foco no coro infantil, não correspondem necessariamente às propostas a serem
desenvolvidas diretamente e exclusivamente com as cantoras e os cantores. As crianças
podem não ter desenvolvido determinada maturidade ou autonomia para ir aos ensaios
com frequência e pontualidade, por exemplo, já que precisam ser acompanhadas pelos
seus respectivos responsáveis, de forma que, por essa perspectiva, culpabilizar a criança
especificamente pelo atraso seria ineficiente. Durante o ensaio, são responsabilidades da
criança as atitudes que ela tem em relação aos outros, ao espaço e às atividades.
Portanto, as demais questões apresentadas, fora dessa restrita área de atitudes, não
seriam funcionais se dialogadas sem a participação dos seus respectivos responsáveis.

Caso exista a obrigatoriedade em ser integrante do coral, as motivações


tornam-se, pelo menos inicialmente, exclusivamente extrínsecas. As atitudes sem
motivações intrínsecas tendem a encontrar maior resistência a mudanças, já que não
ocorrem desejos interiores em cooperar com a proposta. A criança, moldando-se apenas
pelo seguimento das regras, pode se afastar do fazer coral/artístico/musical
88

posteriormente, além de outras implicações, caso essas regras sejam propostas a ela de
maneira pouco significativa ou até mesmo violenta.

Observa-se que nos corais escolares (ensaios ocorridos dentro do espaço escolar),
mesmo que não obrigatórios, por conta das atitudes construídas dentro da escola, as
crianças levarão consigo os mesmos comportamentos do seu cotidiano.
Consequentemente, as atitudes, inclusive da/do regente, serão similares às dos
profissionais da educação durante o período regular, também resultado do projeto
político-pedagógico. Caso a escola tenha atitudes de organização comportamental que
não correspondam às expectativas da/do regente, para este/esta faz-se então necessária
a reconstrução destas atitudes durante os ensaios para que correspondam aos ideais pré-
concebidos da/do regente. Ressalta-se que, do ponto de vista que sustento, este
desacordo dificultaria a mudança atitudinal e o desenvolvimento em diversos aspectos
de ambas das propostas.

A/o regente precisaria compreender que a indisciplina não é uma relação única
da criança com a atividade. Destaca-se que “[...] um entendimento suficientemente
amplo do conceito de indisciplina escolar precisa integrar diversos aspectos. É preciso,
por exemplo, superar a noção arcaica de indisciplina como algo restrito à dimensão
comportamental [...]” (GARCIA, 1999, p.102). Observa-se, então, que a indisciplina parte
de uma incongruência de expectativas comportamentais resultantes de toda a
comunidade envolvida. Segundo Garcia (1999) cabe à escola compreender que:

É papel da escola considerar o quadro concreto das condições e


desenvolvimento dos alunos e de suas necessidades, bem como
garantir as condições apropriadas ao processo de ensino aprendizagem.
Assim, as expectativas da escola, por exemplo, devem refletir não uma
disposição autoritária elaborada por um determinado grupo
responsável por processos decisórios na escola, mas uma orientação de
base consensual que reflita a contribuição de toda a comunidade ligada
à escola, e não apenas dos profissionais da educação que nela atuam.
(GARCIA, 1999, p.102)

O próprio resultado musical do grupo não é consequência exclusiva de sua


disciplina durante o ensaio. Comumente espera-se que crianças mais “disciplinadas”
89

tenham mais disposições na aprendizagem, no entanto, essa concepção descarta que


cada um tende a aprender de maneiras diferentes. Assim, não há garantias de que uma
criança considerada indisciplinada não desenvolverá as habilidades musicais e sociais
eficientes para a prática coral e as demais relações de sua vida social.

A expectativa da/o regente com as atitudes das crianças requer estar em acordo
com as características do grupo, e suas propostas se encaminhariam neste sentido. Na
medida em que a promotora ou o promotor das atividades não visualizar as
peculiaridades do universo em que está atuando, suas escolhas e maneiras de
transmiti-las tenderão a métodos impositivos. A dificuldade da/do regente encontra-se
em promover determinada regularização atitudinal com tantas peculiaridades, porém,
respeitando-se e valorizando-se as características, as habilidades e os valores distintos de
cada criança, elas conseguirão se desenvolver coletivamente sem violentar suas
individualidades. aprendizado atitudinal para a prática coral infantil na formação da/o
regente acontecerá com mais significância na vivência de ensaios de coros infantis com
crianças. Neste sentido, a formação mais eficaz proporciona e/ou incentiva a existência
de espaços em que haja a possibilidade da existência de grupos reais oferecidos tanto
por estágios externos quanto por programas vinculados à própria instituição de ensino.
A simulação de ensaios realizada com participantes adultos é mais limitada na condição
de proporcionar experiências que se aproximem das relações surgidas entre adultos e
crianças, além das relações desenvolvidas entre elas mesmas.

Para que todos estes conteúdos possam ser assimilados de forma eficaz e
equilibrada tanto nas formações, quanto nas atuações reais como regentes, o
planejamento das ações e conteúdos específicos para a regência coral infantil requer a
abrangência de diversas perspectivas e áreas de conhecimentos distintos. Como é um
trabalho que envolve aspectos educacionais visando uma atuação contextualizada, é
indispensável que ele seja repensado, ressignificado e reorganizado constantemente.

2.2 Pressupostos pedagógicos


90

Para discutir a base dos processos pedagógicos do LARCI partimos da premissa de


que a aprendizagem inicia muito antes dos contextos escolares, isto é, todas as
experiências da criança anteriores ao ingresso na escola junto ao contexto sociocultural
no qual estava inserida. A escola, na maioria das vezes, oportuniza outro tipo de
experiência, única e diferente das vivências anteriores. Desta forma, a aprendizagem e o
desenvolvimento se dá desde os primeiros anos de vida por meio da vivência inicial com
os adultos.

Todas as atividades propostas nos ensaios corais têm o objetivo de preparar as


pessoas para a performance vocal. É importante destacar que a criança é diferente do
adulto e, por isso, outras necessidades diferentes daquelas dos adultos surgem durante
os processos de ensino e aprendizagem desta performance. Incialmente, a análise do
contexto social no qual o grupo está inserido, tanto do ambiente de ensino no qual será
construído o coral quanto dos lares das crianças, fornece informações relevantes para a
escolha do repertório e a identificação dos assuntos mais familiares e das propostas
seriam mais eficientes, para se buscar estratégias educativas através das quais as crianças
consigam relacionar esses novos saberes com os já pré-existentes. Além disso, a retórica
das explicações precisa ser compreensível ao grupo, ou pelo menos atenda à demanda
da maioria. Neste sentido, o autor Coll (2000) ressalta que para o aprendizado de
conteúdos específicos, a atribuição de sentido àquilo que se aprende é de extrema
importância para os processos de ensino.

Somente na medida em que se produz este processo de construção de


conteúdos de significados e de atribuição de sentido se consegue que a
aprendizagem de conteúdos específicos cumpra a função que lhe é
determinada e que justifica sua importância: construir para o crescimento
pessoal dos alunos, favorecendo e promovendo seu desenvolvimento (COLL,
2000, p.14)

Após uma primeira observação do contexto sociocultural inicia-se o processo de


escolha do repertório. Vale lembrar que ao mesmo tempo o conjunto de canções precisa
91

ser musicalmente realizável, também é importante que ele seja motivador, de forma que
as crianças, durante os ensaios, tenham interesse em cantar as canções com muitas
repetições, pois o aprendizado do repertório leva determinado tempo. As músicas serão
escutadas e cantadas em vários ensaios. Observa-se que é mais complexo saber a
quantidade das canções adequadas para uma primeira organização do repertório quando
o grupo é desconhecido ao regente. Sinteticamente é mais interessante começar com um
número reduzido de canções que sejam mais fáceis para que, depois desse primeiro
momento, escolher quais serão os próximos passos para desenvolver a qualidade da
performance do grupo.

Após a definição do repertório, chega-se ao momento de construir a estrutura do


ensaio, ou seja, os planejamentos das rotinas, organizadas dentro de uma estrutura
temporal. As ideias pedagógicas são organizadas tanto nos procedimentos dos ensaios
como no modo em que eles serão propostos. Existem diversas pedagogias que podem
ser escolhidas, o principal é promover que todas as crianças possam desenvolver o seu
máximo potencial nas atividades.

Sabe-se que as propostas lúdicas são mais eficientes e importantes na infância e


que elas podem ser promovidas pelo uso dos jogos. Sendo assim, o uso de jogos faz com
que as repetições sejam mais motivadoras, promovendo o prazer na realização das ações
(KASHIMA, 2014). As crianças, jogando, podem simultaneamente aprender a se
desenvolver como coralistas e também se divertirem, favorecendo a sua permanência no
coral. Para o autor Freire “[...] essa é uma característica muito marcante do jogo. É o
prazer funcional da ação, a repetição de atividades que já foram dominadas”. (2001, p.
168).

Para Figueiredo (1990), a variedade das atividades também é importante para que
ocorram mais possibilidades de aprendizado dentre a heterogeneidade das crianças,
além de evitar determinados condicionamentos que dificultem um desenvolvimento
mais amplo da criança.

Quanto mais variado for o perfil do grupo, mais diversificadas precisam ser as
atividades para que todos tenham a oportunidade de aprender. Porém, é importante
sempre se atentar para a finalidade que foi proposta para o coral, já que é fundamental
92

que as crianças cantem. Quando não há muito interesse em cantar, as escolhas


pedagógicas devem se estar voltada para a criação de um ambiente agradável para que,
aos poucos, seja possível que as experiências positivas das crianças nos ensaios
transformem-se em prazer pelo canto coletivo.

O principal avaliador da qualidade do ensaio é a criança, neste sentido,


independentemente do que será feito, é importante que ela seja a protagonista do
processo e que, na maior parte do tempo, possivelmente no ensaio todo, todo o seu
potencial seja estimulado.

Tendo então a sua rotina estruturada, a/o regente precisa se preparar para o
ensaio estudando o repertório e analisando as possíveis ocorrências que podem
acontecer durante os processos. Quando se planeja um ensaio, normalmente é
organizada uma estrutura de forma idealizada, considerando-se que todas as atividades
acontecerão sem nenhuma intercorrência. Porém, algumas vezes as crianças respondem
de forma inesperada ou se recusam a realizar as propostas, ou ainda não compreendem
o que deveria ser feito ou não necessariamente alcançam os objetivos almejados. Nessa
hora a/o regente precisa estar preparado para ter uma alternativa. Evidentemente não é
possível prever tudo o que pode acontecer num ensaio, porém, não é descartada a ideia
de reflexão sobre algumas outras ferramentas que possam facilitar ou reorganizar o que
foi proposto para se obter um ensaio com a melhor qualidade possível.

Após o ensaio, inicia-se um novo processo de reflexão. Primeiro, avalia-se o que


foi feito, buscando compreender o que é entendido como eficiente, isto é, o que foi
percebido, quais ações foram interessantes para o desenvolvimento tanto social quanto
musical do grupo. Depois reflete-se sobre aquilo que a atividade não gerou, seus
resultados negativos (como por exemplo: causar estresse e desinteresse nas crianças)
visando levantar hipóteses sobre as razões do fracasso e propostas de modificações que
poderiam ter sido realizadas para que ela tivesse sido percebida como mais positiva.

Surge, a partir desse movimento reflexivo e prático, um ciclo de planejamento,


execução e ação importante em todo os ensaios.
93

2.3 Entrevista com coordenadores do COMUNICANTUS, projeto inspirador desta tese

Com a finalidade de levantar dados e discutir experiências relacionadas à criação


do LARCI, realizei uma entrevista com a coordenação do Comunicantus – Laboratório
Coral da ECA-USP.

As atividades corais do Departamento de Música da ECA-USP são


planejadas e desenvolvidas neste Laboratório, que reúne os professores
da área coral e dialoga com professores de outras áreas e de outras
instituições ligadas ao Canto Coral. Além das disciplinas curriculares, o
Laboratório mantém vários coros, com perfis diferenciados de público,
sempre como oportunidade de estágio e de aprendizado prático e
reflexivo, preparando os futuros músicos para as múltiplas
possibilidades de trabalho em Canto Coral. O Comunicantus tem
incentivado a produção discente, com muitas composições e arranjos
estreados pelos coros que fazem parte do laboratório. Realiza também
projetos especiais de extensão, tais como cursos, workshops, palestras,
seminários. Tem recebido importantes profissionais ligados ao Canto
Coral, tanto brasileiros como internacionais, objetivando a formação
dos alunos, o crescimento da atividade coral e o desenvolvimento da
pesquisa e da atividade artística. As atividades são supervisionadas
pelos professores Marco Antonio da Silva Ramos (coordenador) e
Susana Cecília Igayara. (http://comunicantus.blogspot.com/p/o-que-e-
o-comunicantus.html, acesso em: 07/2018).

Esta entrevista foi realizada simultaneamente com ambos os coordenadores do


Comunicantus: Prof. Dr. Marcos Antônio da Silva Ramos e a Prof.ª Dr.ª Susana Cecília
Igayara, aprovada com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE)
53116216.2.0000.5404. O trabalho grupal vem sendo utilizado nas ciências sociais e na
saúde denominado como grupo focal. Ele surge inspirado nos grupos operativos
desenvolvidos nas investigações de caráter interdisciplinar, realizadas na década de 50
na Argentina por Pichon-Rivièri (1998). Este autor define grupo como o “conjunto restrito
de pessoas, ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, e articulados por sua
mútua representação interna, que se propõe de forma explícita ou implícita, uma tarefa
que constitui sua finalidade” (PICHON-RIVIÈRI, 1998, p. 234). Os participantes do grupo,
além de aprenderem a pensar e a discutir algo, obtêm a oportunidade de refletir sobre
as opiniões alheias, interagindo com ideologias e pensamentos distintos, participando de
alguma atividade em equipe.
94

Segundo as autoras Aschidamini e Saupe (2004) o grupo focal se assemelha ao


grupo operativo na sua estrutura e operacionalização com indicações para pesquisas
terapêuticas e sociais, sendo recomendado para as pesquisas de campo, já que “em
pouco tempo e baixo custo permite uma diversificação e um aprofundamento dos
conteúdos relacionados ao tema de interesse” (2004, p.10). Essa metodologia representa
uma estratégia de pesquisa qualitativa que tem a intenção de criar e atribuir “significados
às coisas e às pessoas nas interações sociais e estas podem ser descritas e analisadas,
prescindindo de quantificações estatísticas” (FREITAS, 2002, p. 222).

O grupo focal se diferencia das entrevistas individuais por possibilitar a interação


entre as pessoas para obtenção dos dados em torno de um tema de interesse em comum
dentre aqueles que participam. Para a escolha dos sujeitos, as autoras Aschidamini e
Saupe (2004) ressaltam a fundamental relevância que a decisão em participar deve ser
livre de coação, sendo devidamente convidadas e motivadas a participar, o que acarreta
na difícil tarefa de selecionar as pessoas participantes.

O número de participantes pode variar, porém é necessário que esteja associado


à quantidade dos encontros e à sua duração para que haja espaço suficiente para a
participação de todos os envolvidos; além de se considerar a complexidade dos temas
abordados e o grau de polêmica que envolverá as perguntas (BONFIM, 2009). Essa
entrevista foi realizada somente com duas pessoas devido à relevância do
posicionamento desses sujeitos em relação ao tema desta pesquisa.

A autora Bonfim (2009) destaca ainda a importância da organização dos recursos


para o dia da coleta de dados, dentre eles: a escolha do local adequado onde não ocorram
muitas interferências externas, possível gravação dos dados e organização de um
ambiente favorável e acolhedor. A ideia também é evitar possíveis posicionamentos
hierárquicos que possam coagir a participação. Neste sentido, a autora sugere realizar a
entrevista em torno de uma mesa, onde também o moderador pode ter livre visualização
dos sujeitos. Neste caso não foi necessário identificá-los com crachás, já que participaram
somente duas pessoas.

Bonfim (2009) apresenta uma lista de regras que também foram apresentas antes
da entrevista, sugerindo comportamentos que facilitariam a transcrição dos dados e
95

condução das entrevistas:

1) falar uma pessoa de cada vez; 2) evitar discussões paralelas para que
todos possam participar; 3) dizer livremente o que pensa; 4) evitar o
domínio da discussão por parte de um dos integrantes; 5) manter a
atenção e o discurso na temática em questão (BONFIM, 2009).

A entrevista foi organizada com um guia de temas, configurando-se como


perguntas semiestruturadas, sendo uma “série de perguntas abertas, feitas verbalmente
em uma ordem prevista, mas na qual o entrevistador pode acrescentar perguntas de
esclarecimento” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p.188). A ideia é facilitar que o moderador
(entrevistador) fomente o debate, mantendo claro os objetivos da pesquisa para que o
grupo não desvie o foco durante o debate ao mesmo tempo em que todos se sintam
confortáveis para expor suas opiniões.

A tarefa de condução do grupo focal, enquanto instrumento de


pesquisa, exige do moderador habilidades específicas no manejo de
discussões em grupo. Ele deverá ter sensibilidade e bom senso para
conduzir o grupo de modo a manter o foco sobre os interesses do
estudo, sem negar aos participantes a possibilidade de expressar-se
espontaneamente (BONFIM, 2009).

A estratégia abordada para a análise dos dados denomina-se emparelhamento,


que “consiste em emparelhar ou, mais precisamente, em associar os dados recolhidos a
um modelo teórico com a finalidade de compará-los” (LAVILLE; DIONE, 1999, p.227),
seguida de uma categorização.

O pesquisador agrupa inicialmente o melhor possível as diversas unidades de


conteúdo nas categorias previamente fixadas [...]. Depois, se sucedem as
revisões críticas tomando muitas vezes como ponto de partida os elementos
não classificados na primeira vez, que podem acarretar a criação de novas
categorias ou, então, a ampliação ou subdivisão de categorias existentes e a
definição de novos critérios de pertinência (LAVILLE; DIONNE, 1999, p.222).
96

2.3.1 Análise da entrevista

Iniciamos a conversa abordando os assuntos estruturais do funcionamento do


Comunicantus. O objetivo de abordar essas questões foi de buscar compreender o
modelo de funcionamento para utilizá-lo como referência para o LARCI. Mesmo que o
projeto da USP não contemple coros infantis, sua estrutura de planejamento pode ser
usada em projetos de grupos corais amadores variados.

Uma das diferenças dentre o Comunicantus e o LARCI é que, na USP, o projeto


está diretamente associado ao curso de graduação e pós-graduação, já que seus
idealizadores são docentes do Dep. de Música da ECA. Assim, as disciplinas que esses
idealizadores lecionam também buscam auxiliar na formação e organização das alunas e
alunos que atuam no Comunicantus. No LARCI o projeto é considerado uma atividade
totalmente extracurricular, sem vínculos com nenhuma disciplina (não exige matrícula
para a participação). As/os estagiárias/os participantes podem utilizar o espaço como
estágio obrigatório, porém, as questões e dificuldades apresentadas nas atividades do
laboratório são exclusivamente debatidas no próprio LARCI. Avalio que esta é uma
condição inicial de implementação do projeto e futuramente, ocorrendo sua efetivação,
será possível aproximar as atividades do laboratório com a graduação de forma mais
efetiva. Destaca-se também que o Comunicantus já oferece auxílio financeiro via bolsas
institucionais para as alunas e alunos atuantes, favorecendo a assiduidade e permanência
no projeto.

Neste subcapítulo são apresentados recortes da transcrição na entrevista que


foram mais relevantes para análise do funcionamento do Comunicantus. Os temas
geradores das perguntas foram: estrutura do funcionamento do Comunicantus;
processos de escolha do repertório; divisão das funções e responsabilidades nos ensaios
dentre as alunas e alunos bolsistas; procedimentos para desenvolver as competências
para a regência; fluxo de bolsistas.

Susana: O laboratório é o espaço que reúne todas as atividades práticas. Então os


grupos que ensaiam apresentam, cada um tem sua “subidentidade”... a gente, além
97

disso, tem espaço de workshops, coisas mais eventuais. Tem também um espaço que a
gente faz seminários, mesas redondas e etc., com os próprios participantes dos níveis
de mestrado e doutorado, e professores convidados às vezes, que aí é acoplado com o
grupo de pesquisa, que aí é uma outra vertente. [...]. Os comunitários estão vinculados a
uma disciplina de graduação, tem também a participação de alunos que estão no
mestrado e no doutorado... eles entram por uma outra disciplina ou pelo projeto PAE
(projeto de aperfeiçoamento de ensino) [...].
Marcos: é uma disciplina... porque agora tem o mestrado e o doutorado em
performance. Então, tem uma disciplina que se chama “Práticas Laboratoriais”. Então
muitas vezes eles se engancham lá para participar... tem disciplina na pós-graduação e
disciplina para a graduação. Para a graduação ela está desenvolvida em módulos, de
forma que a pessoa possa dar sequência, e elas são todas no mesmo horário. O que a
gente chama de ensino multiseriado, né?
SUSANA: Você tem várias séries num mesmo espaço de educativo.
RAFAEL: Ela é eletiva para todo mundo?
MARCOS E SUSANA: Para todo mundo.
SUSANA: Ela só é eletiva, não é obrigatória em nenhuma grade. É... então nisso a gente
tem alunos nos vários níveis: desde primeiro ano até último ano de doutorado no
mesmo espaço. Então essa ideia do planejamento e avaliação é o que guia o cotidiano
da atividade. A gente faz esses planejamentos coletivamente, mas a gente tem sempre
uma pessoa designada para ser o avaliador e outra pessoa para ser o produtor. Por
que? Porque vai cuidar do ensaio, não consegue avaliar o ensaio. Às vezes tem até que
sair porque faltou uma cadeira e você tem que ver… Então essas funções não podem ser
concomitantes, ou é uma coisa ou é outra né... Na função de avaliador, você também é
quem fecha o planejamento. O planejamento é coletivo, a gente faz durante a aula:
divide em grupos, tem dois coros Então a estrutura é essa. Agora, durante a aula a
gente divide os horários, então têm assuntos que tem que discutir, assuntos do
cotidiano, tem coisas de estrutura, tem avaliação e planejamento, e tem a leitura e ai
planejamento mesmo do ensaio “oh, quem vai fazer? Cuidado com esse lugar aqui o
gesto que você está fazendo não está bom ”, daí entra os apoios.
MARCOS: tem a classe de “Regência Coral”, que também é multiserial. Então a primeira
98

hora é só com os iniciantes, depois tem mais duas com todo mundo. Então, a primeira
hora geralmente o que é? Técnica... “ato você bate assim, corte você faz assado...”, essa
coisa bem do gesto, tenho uma escola muito bem definida. Olha, eu tô ensinando uma
tradição, não estou ensinando a reger. É uma tradição, o que quer dizer é que outros
regentes têm outras tradições. Então, eu provoco eles irem olhar as outras tradições, e ai
às vezes a gente faz assim “o que vocês viram no último mês que se incorpora facilmente
nisso que a gente faz? ”. Então eles vão trazendo, às vezes eles trazem vídeos de
concerto que assistiram [?] “olha, eu vi o cara fazendo assim...”, traz a gente olha... é
bem bacana.

O Comunicantus é formado por mais grupos corais em comparação ao LARCI. Em


consulta na página oficial da internet do projeto, este laboratório é responsável pelo
Coral-escola e Coral da terceira idade (grupos amadores) e mais cinco grupos formados
por alunas e alunos da graduação e pós-graduação: Coral da ECA, Coro de Câmara
Comunicantus, Coro Universitário Comunicantus, Classe de regência coral e Madrigal
Comunicantus. Devido ao grande número de espaços práticos, o projeto oferece amplas
possibilidades de atuação, de acordo com os interesses e disponibilidades de seus
integrantes. Como esta pesquisa está voltada para coros infantis, considerados
amadores, permanecemos discutindo principalmente as questões que envolvem o Coral-
escola e o Coro da terceira idade, mais próximos do LARCI.

Sinteticamente, faz-se necessário criar espaço para o planejamento dos ensaios


de forma intermitente, com encontros semanais para o aperfeiçoamento das/os
estagiárias/os. É nesses espaços que ocorre o aprendizado técnico musical e pedagógico
direcionado especificadamente para cada um dos coros do Comunicantus. Durante a
entrevista foi enfatizada a necessidade do treino e preparo da/o regente antes do
encontro com os cantores. Durante as próximas falas é importante destacar que o
contexto do grupo influencia diretamente quais as posturas que a/o regente precisa ter
para conduzir de forma mais eficaz os ensaios.

MARCOS: Eles nunca vão para frente do coro antes que todo mundo esteja com fluência em
99

cantar aquilo lá e a pessoa em reger.


SUSANA: É, e a gente nunca escolhe uma música e passa direto para o coro. Primeiro
precisa passar pela aula.
SUSANA: É, e a gente nunca escolhe uma música e passa direto para o coro. Primeiro
precisa passar pela aula.
MARCOS: O ponto nosso é: o coralista. O coro é um laboratório, mas eles não são
cobaias.
SUSANA: É, com a gente é parecido. Porque a gente também tem um grupo de
universitários que trabalha com coro de terceira idade. Eles respondem de maneira
diferente, nunca simula. Mesmo sonoramente, quando canta às vezes a gente fala
“esse andamento está ótimo para vocês”, mas eles vão cantar mais lento. Então é legal
isso, porque você testa na aula é vai para o ensaio e volta e fala “é verdade aquilo
funcionou, aquilo não funcionou”.
MARCOS: a gente faz o ensaio de naipe-aula, que a gente chama. A gente vai e faz um
ensaio mostrando pra eles o que tá fazendo. “Né”, você vai assim: “o que eu fiz? ”, “fiz
isso, isso, isso, isso...”, “e o que eu vou fazer? ”, “Isso, isso, isso...”. Presta atenção. Aí, no
próximo ensaio eles já tão fazendo bons ensaios de naipe.

Ambos os laboratórios possibilitam que as/os estagiarias/os discutam assuntos


concretos que vivenciaram em seus ambientes de atuação e que, nos planejamentos,
possam analisar e desenvolver soluções reais para o aperfeiçoamento dos seus coros.
Esse tipo de formação permite que a pessoa utilize, de forma cíclica, a teoria em prol de
uma prática real, podendo tanto avaliar os resultados e desenvolvimento do coro quanto
ter a oportunidade de verificar se as escolhas para o ensaio foram eficientes, retornando
novamente a um grupo que está especificamente reunido para discutir estes assuntos.

As reuniões de planejamento precisam ser bem estruturadas para que ocorra o


mínimo possível de erros das/os regentes no encontro com seus cantores, pois mesmo
que elas e eles estejam em processo de formação, para quem canta no coral este fato
não deve ser relevante, pois, como disse o Prof. Dr. Marcos, quem canta nesse tipo de
projeto não é cobaia.

Retomando a discussão curricular na Unicamp, quem cursa a Licenciatura, devido


100

ao excesso de disciplinas obrigatórias, possivelmente não teria condições de participar e


praticar a regência na mesma proporção que quem cursa o bacharelado em regência. Isso
poderia acarretar uma defasagem na formação procedimental e atitudinal. O que ocorre
é que as disciplinas de estágio não garantem necessariamente, e de forma organizada, o
direcionamento das propostas para que efetivamente as/os estagiárias/os possam
retomar aos seus ambientes de atuação com propostas concretas – pois cada aluna e
aluno pode escolher livremente em qual espaço atuará –, ocorrendo o distanciamento
da/o docente responsável pela disciplina do espaço em que as/os estagiárias/os estão
frequentando.

Seguimos discutindo qual seria o perfil das alunas e alunos da USP que
frequentam o Comunicantus.

MARCOS: ele é bem misturado. Regência, licenciatura, instrumentos....

SUSANA: a gente chama todo mundo o tempo todo, inclusive, a gente tem ótimos
alunos de instrumento. [ ]. Eu acho que a diversificação de atividades, assim, vem do
que eles dizem, por que que eles vieram procurar. Então, assim, “eu também sempre
cantei em coro”, “eu gosto”, “na minha igreja tem” ou “na escola eu vejo que tem um
espaço”[ ].

Aproveitando este perfil, questionei aos coordenadores se havia relação entre


querer participar do Comunicantus por conta da profissionalização na área da regência,
já que sua atuação pode acontecer em espaços variados, característica que favorece e
promove a importância da existência deste tipo de formação acadêmica.

SUSANA: […] tudo bem, eu sou um instrumentista eu gostaria de tá numa orquestra


mas eu tenho que diversificar, eu tenho que garantir que eu vou sobreviver de música,
né? Não necessariamente do meu instrumento”.
MARCOS: os nossos, os alunos que saíram daqui se eles querem ir pra área, pode
demorar seis meses pra ele sair bem empregado. [ .. ] porque a gente prepara mesmo
para enfrentar.
101

RAFAEL: sempre vai cantar.

SUSANA: é, acho que a gente aqui tem um atrativo para o pessoal de regência, que vem
fazer, que é: tem muito tempo a disposição na frente de algum grupo, algum (músico).

RAFAEL: tempo de pódio, “né”?

SUSANA: tempo de pódio, exatamente. Então, isso, quer dizer, tem os comunitários,
mas por exemplo, mesmo no comunitário você também está na frente de um grupo de
adultos, né?
MARCOS: nas aulas de regência também está regendo na classe de regência.
SUSANA: e também tá regendo na classe de regência. Aí aqueles que tão no final de
curso, eles chamam para serem assistentes do coral da ECA, ou mestrado ou graduação,
no final da graduação.

Rafael: para reger.

SUSANA: e aí, é um superdesafio.

O tempo de pódio se refere aos momentos em que a/o regente está à frente de
um grupo real, conduzindo os ensaios. Além de ter consciência e habilidades para
perceber e trabalhar quais as informações precisam ser ditas ou demonstradas aos
cantores, a/o regente precisa aperfeiçoar sua forma de comunicação para que, em
diferentes contextos, quem canta no coro (ou pelo menos a maioria das/dos
participantes) compreenda e consiga executar o que está sendo almejado na
performance. Este tipo de prática somente acontece quando o coral é real, pois no
planejamento fictício não acontece a troca com quem canta, e dificilmente seria possível
prever todas as reações e soluções para problemas apresentados no desenvolvimento
das performances. É importe ressaltar que não é possível desenvolver um programa de
Ensino Superior no qual houvesse espaços tão distintos de formação para todos os
campos da/o regente ou licenciado. Porém, a ideia é valorizar a existência desse tipo de
laboratório e que os programas de extensão possam ser uma das alternativas para uma
formação acadêmica que busque vincular a teoria à prática.
102

Retomando a entrevista, o próximo tópico foi relacionado à distribuição de função


dentre as/os estagiárias/os, e foi relatado que existe a alternância de todas as atividades
de acordo com os interesses pré-existentes e com as habilidades de cada integrante.
Também foi ressaltado que aqueles mais experientes, ao longo do tempo participando
do Comunicantus, começam a ajudar os novos integrantes. Esta estrutura se repete nas
disciplinas pelas quais os coordenadores são responsáveis, pois elas são multiseriais,
como dito anteriormente.

Perguntei para ambos se, caso alguém escolhesse alguma função específica e
fosse verificado que a pessoa não conseguiria executá-la com qualidade nos ensaios,
quais eram as providencias tomadas pelo Comunicantus.

SUSANA: a gente tenta resolver isso um pouco pela aula. Já teve caso: o aluno vem no
começo, está entusiasmado, vê a música que ele gosta e escolhe. A música não seria
impossível para o coro, mas ainda é um pouco difícil para ele. Ele foi lá tentar reger a
classe, sentiu dificuldade, a gente dá um suporte, ajuda, resolve.... Mas ele não ia
conseguir crescer na velocidade necessária [...]. Então o que a gente faz “Ah, a peça é
legal. Mas e se a gente... vamos por uma outra? ”. Daí a gente escolhe alguma coisa no
nível dele

Devido à heterogeneidade dos participantes, no caso do LARCI faz-se necessário


que toda a prática que será realizada no ensaio seja verificada anteriormente nos
planejamentos, evitando assim o máximo possível de erros nas execuções musicais
das/os regentes. Este tipo de ação também permite que a/o regente ganhe mais
segurança no ensaio, além de ter mais claro quais questões devem ser estudas e
preparadas individualmente fora dos momentos de planejamento e ensaio.

Por fim, discutimos os processos de escolha do repertório coral e suas relações


com quem canta e quem o rege.

SUSANA: tem que ver todos os detalhes. Por exemplo, tem um momento do ano,
quando a gente começa, digo assim “pessoal, o que a gente vai cantar esse ano?
Tragam ideia repertório” [?]. Vem pouquíssimas, porque todo mundo ainda está
103

procurando... Então você tem: “Vamos lá ler essa música que vocês trouxeram”, aí tem
quinze, vinte minutos para ler. Chega um momento do ano em que todo mundo
procurou, aí chegam, assim sete músicas: “aí eu quero ler essa, eu quero ler essa”.
Então a gente tem que organizar, distribuir. Eu vejo com eles a dificuldade: “isso daqui
vai demorar duas aulas para acabar, porque não vai dar tempo... isso daqui a gente
tem que fazer primeiro isso... então vamos trazer uma gravação para facilitar, para a
pessoa ter uma referência? ”. A gente programa todas essas atividades...[...].
Geralmente a gente incentiva que eles busquem um repertório e a gente não tem
pressa, assim de “tem que achar para amanhã! ”. Então assim “oh, essa peça, legal. O
que tem de positivo nela? Isso é aqui é bom oh, o texto é interessante... mas o que tem
de negativo? Essa tessitura tá muito extrema, nosso tenor vai ter dificuldade para
cantar tanto agudo assim”. Então você teria que procurar “isso aqui tá bom, a
dimensão, o tempo de duração dela é bom para o nosso ritmo de ensaio mas nesse
ponto não está bom”, daí a pessoa vai procurar. Ou fala “a peça é bom, mas esse estilo é
muito... precisaria de uma peça que preparasse. Ah então vamos deixar ela um pouco
mais para frente, vamos colocar uma outra coisa que possa preparar para chegar lá....
MARCOS: Não vamos fazer essa obra com esses coros porque eles não têm fôlego, até
porque não tem técnica vocal, a gente já mostra meio que diretamente para o próprio
aluno. Mas quando a obra está ali no limiar, a gente não faz escolha enquanto a gente
não passa pelo coro que a gente chama de CUCU, que é o Coro Universitário.
[...]
SUSANA: com relação a essa história de repertório que é uma das coisas que eu mais
falo para os alunos e peço que eles falem para as outras pessoas, que as pessoas têm
tendência a achar que coro é só uma coisa “ah” “ cê faz um coral”, né? “Um coral”.
Acontece que assim, um coral com cento e cinquenta pessoas tem um perfil, tem um
repertório, tem um tipo de expressão. Um coral com dez pessoas que também existe.
[…]
SUSANA: cada coral pode fazer um tipo, um outro tipo de repertório, é outra
sonoridade, é outra PESQUISA, então na verdade a questão do repertório, a primeira
coisa que a gente tem que ver, que existem formações corais então e aí eu passo por
vários gêneros, compositores e suas obras.
104

Sinteticamente foram levantados os seguintes pontos que são fundamentais para a


escolha do repertório dos coros no Comunicantus:
• As/os estagiárias/os realizam uma pesquisa individual com o repertório de
interesse, de acordo com o grupo que fica responsável, porém, também são
estimulados a auxiliarem na escolha dos demais coros do projeto;
• São consideradas as questões técnico musicais e vocais do repertório para que, ao
longo do tempo, ele corresponda às necessidades e habilidades de aprendizagem
do coro;
• As disciplinas envolvidas com o Comunicantus auxiliam na preparação e escolha
prévia das obras;
• Organizar o repertório pelo seu nível de dificuldade associado ao calendário de
ensaio e apresentações;
• Verificar o perfil do grupo, tanto na quantidade de cantores, quanto no seu contexto
social para uma escolha que favoreça o aprendizado das performances.
No próximo capítulo será relatado o processo de implementação e desenvolvimento
do LARCI na Unicamp no primeiro semestre de 2018.
105

3. Implementação do LARCI

Esta pesquisa se enquadra naquilo que muitos pesquisadores consideram ser uma
pesquisa-ação, já que uma das fontes de colheita de dados foi o desenvolvimento do
LARCI com a minha participação, das/os estagiárias/os e das crianças, junto à
coordenação do espaço onde ele ocorreu. Segundo a autora Baldissera (2001), uma
pesquisa-ação acontece quando há “realmente uma ação por parte das pessoas
implicadas no processo investigativo, visto partir de um projeto de ação social ou da
solução de problemas coletivos e estar centrada no agir participativo e na ideologia de
ação coletiva” (BALDISSERA, p.6, 2001).

Para que seja efetiva, faz-se necessária a integração ativa e permanente, durante
o tempo da pesquisa, entre pesquisadores e as pessoas envolvidas no processo, visando
ampliar o conhecimento tanto dos que investigam, quanto daqueles que participam do
projeto como sujeitos a serem investigados. Nesse caso, o pesquisador base sou eu,
porém, nos espaços de planejamento, a participação das/os estagiárias/os foi
fundamental, contribuindo para o debate e, consequentemente, fornecendo mais dados
para análise. Além das crianças que, mesmo não sendo o objeto de análise, a partir das
participações no ensaio, contribuíram fornecendo dados para continuidade do projeto.

A pesquisa-ação por ser participativa, supõe uma co-implicação no


trabalho dos pesquisadores e das pessoas envolvidas no projeto onde
se faz intercâmbio, socialização das experiências e conhecimentos
teóricos e metodológicos da pesquisa. (BALDISSERA, p.08, 2001)

O momento investigativo da pesquisa-ação se divide em várias fases. Inicialmente


pela escolha do tema (associado ao referencial teórico, apresentado nos capítulos
anteriores desta tese) a ser investigado, junto ao espaço e população-alvo. O segundo
passo é a sistematização da informação, isto é, como serão organizados os registros para
análise posterior. Em seguida, a elaboração de uma estrutura pedagógica, que organiza
106

as diretrizes e os encaminhamentos do projeto ao longo do tempo. Após o projeto


estruturado, ocorre a sua implementação com os encontros dentre os participantes, por
fim, a avaliação e análise dos dados coletados.

3.1 Acesso ao PRODECAD

Após a minha qualificação, iniciei a reestruturação desta pesquisa. Durante a


qualificação foi evidenciado que o LARCI seria o principal objeto de análise e que, pela
sua implementação, eu teria mais clara as questões mais relevantes para serem
abordadas no desenvolvimento da tese. Já que defendo a formação prática da regência
em ambientes reais, seria necessário vivenciar o Laboratório para observar as principais
demandas deste processo. A partir da produção e do desenvolvimento dele, recolheria
os dados que trariam as contribuições para responder e justificar o potencial deste tipo
de espaço no Ensino Superior em Música.

O projeto para o desenvolvimento foi previsto para ser implementado no primeiro


semestre de 2018, desta forma, iniciei a sua produção no segundo semestre do ano
anterior. Inicialmente precisei escolher um espaço onde haveria a possibilidade em
organizar um coral infantil que aceitasse que eu realizasse a pesquisa.

Para a escolha do local do LARCI, a princípio, foi importante considerar se o coral


seria criado em um local onde já houvesse as crianças, como escolas ou espaços de
educação não formal, ou se ele seria proposto via um curso de extensão da Unicamp,
para convidar a comunidade no entorno a se matricular nele, de modo que se criasse um
espaço novo de formação. Acordou-se que a primeira opção seria mais viável, já que
garantiria que as alunas e alunos já estivessem alocadas/os, evitando assim a necessidade
de divulgação de um curso novo, correndo o risco que não houvesse inscritos, além de
diminuir a tramitação burocrática e de produção deste curso.

O primeiro local que contatei, via e-mail, foi o Programa de Desenvolvimento e


107

Integração da Criança e do Adolescente (PRODECAD), espaço da Unicamp onde é


oferecida a educação complementar das alunas e alunos de 6 a 14 anos, em sua maioria
matriculados na E. E. Sérgio Pereira Porto, exclusivamente direcionado aos filhos e filhas
das/os funcionárias/os e discentes da Unicamp e da Fundação de Desenvolvimento da
Unicamp (FUNCAMP). O PRODECAD foi criado em 1987 pertencendo à Divisão de
Educação Infantil e Complementar da Unicamp (DEDIC).

Solicitei uma possível reunião com a intenção de apresentar uma proposta de


oficina de música para as crianças. Neste primeiro encontro, fui recebido pela
Coordenadora de Projeto Socioculturais daquele período e durante essa conversa falei
brevemente sobre o meu projeto de doutorado e sobre o interesse em criar um coral
com as crianças matriculadas. Neste mesmo dia foi solicitado que o meu projeto fosse
enviado para ser avaliado pela coordenação pedagógica e que a princípio, havia o
interesse de implementação da proposta. Seria importante também que eu propusesse
o número de crianças no coral, quantos encontros aconteceriam por semana e a duração
dos ensaios, isto é, estruturasse melhor a minha proposta.

O PRODECAD, além de ser vantajoso por já oferecer um público de crianças


matriculadas e tanto a instituição quanto as próprias crianças estarem habituados a
proporem oficinas como parte de sua rotina pedagógica, também fica dentro da
Unicamp, fato que facilita aos graduandos e graduandas a participação no LARCI,
evitando custos e tempo de locomoção.

Para a estrutura do projeto foram discutidas as seguintes questões:

1. A faixa etária dos cantores e cantoras foi estabelecida para no máximo 10 anos,
já que este projeto está direcionado para coros infantis, sendo que inicialmente
não havia a intenção em abordar com profundidade os assuntos que envolvem os
aspectos da adolescência e juventude. Para também determinar um perfil do
grupo foi sugerido que fosse para aquelas crianças que estivessem pelo menos no
2º ano do Ensino Fundamental I, cuja média etária é de 7 anos de idade. A ideia
foi reduzir o número de crianças que não estivessem alfabetizadas, já que
também foi pensado o uso de partituras musicais como parte do ensaio, e h á
108

a leitura das letras das músicas do repertório, pois não haveria sempre muito
tempo para memorização do repertório. Apesar de não se necessário ser letrado
para a prática coral, já que as canções também podem ser aprendidas
exclusivamente por memorização, sem o recurso do uso da leitura, no caso de
grupos em que a maioria das crianças não sabe ler, a estrutura do ensaio precisa
ser elaborada à luz deste contexto, é normalmente é necessário fazer mais
repetições para que as letras das canções sejam memorizadas;
2. Acordamos que após o carnaval seria o momento ideal para iniciarmos os ensaios.
Na minha avaliação, quanto mais perto do início do semestre letivo da graduação,
que geralmente ocorre em março, maior seria a chance de as/os integrantes do
LARCI já estivessem disponíveis, devido à proximidade com o fim das férias de
verão da graduação na Unicamp. Para a Coordenadora de Projetos Sociais, após o
carnaval as crianças já estariam mais adaptadas, retomando as suas atividades e
rotinas no PRODECAD. Combinamos então de iniciar o projeto na última semana
de fevereiro. Necessitaríamos também de um encontro de planejamento para
este primeiro ensaio com as crianças, dessa, também aconteceria, alguns dias
antes do início das atividades com as crianças, uma reunião com as/os integrantes
do LARCI já no PRODECAD, para observarmos o espaço;
3. Para a escolha do dia da semana em que aconteceriam os ensaios no PRODECAD
foi importante destacar que as/os integrantes do LARCI precisariam de dois
momentos de encontro, um para planejamento e estudo e outro para o ensaio
com as crianças, para a prática. Verifiquei os horários das disciplinas que seriam
fornecidas no primeiro semestre de 2018 do curso de graduação em música.
Também conversei com uma docente desse mesmo curso buscando uma
sugestão de horário e dia da semana com menos aulas oficiais do curso, para que
pudéssemos escolher esse dia, para que houvesse mais disponibilidade e,
possivelmente, mais inscritos no LARCI. Nessa conversa com a docente do curso
decidimos: que as alunas e alunos da licenciatura provavelmente se interessariam
em participar do LARCI e que, por isso, seriam convidados; e que daríamos
preferência para aqueles que estariam no começo da graduação, ou seja, os que
normalmente têm mais disponibilidade de horário, já que ainda não tiveram
109

muito tempo para se envolverem em outros projetos. Assim, investiguei melhor


o horário do 3º semestre da licenciatura em música, este é o período em que se
iniciam os estágios obrigatórios do curso. A grade do curso de bacharelado em
regência, outro público-alvo desta pesquisa, também foi utilizada como
referência para esta escolha. Terça-feira foi então a data escolhida e pensei
inicialmente no horário das 10h às 11h. Tendo decidido isso com base nas
informações que obtive dos cursos, comecei a divulgar um primeiro encontro para
quem estivesse interessado em desenvolver um coral infantil, com postagens no
Facebook, grupos de e-mails e cartazes pelo Instituto de Artes da Unicamp.

Recebi 18 e-mails de pessoas interessadas e para cada uma delas enviei a


seguinte resposta:

Olá NOME DA PESSOA!

Tudo bom? Sou aluno do doutorado e supervisor do Projeto Primeira Nota. Minha
pesquisa é voltada aos currículos no Ensino Superior em formação de Regência Coral.
Como proposta prática criarei este laboratório, onde os integrantes regerão.
Serão dois encontros por semana, o ensaio no PRODECAD com as crianças e um segundo
110

momento de planejamento e formação, onde serão discutidos os assuntos que envolverão


os ensaios e a formação teórica e prática nas questões acerca da prática de regência coral
infantil no geral.

Aguardo você na nossa reunião. Assim que eu confirmar quantas pessoas irão, aviso em
qual sala será!

Desde já, obrigado!

No dia do encontro, estavam presentes quatorze pessoas, incluindo o meu


orientador. Recebi três e-mails justificando a ausência. Éramos cinco homens e nove
mulheres, em sua maioria da licenciatura em música, duas pessoas do bacharelado em
regência e uma ingressante no Mestrado em Música. Uma das alunas da licenciatura
também cursava a modalidade combinada com o curso de bacharelado em piano.

Em roda, iniciei falando sobre minha pesquisa justificando as intenções de


começar um coral infantil no PRODECAD. Ao meu ver, naquele momento todas e todos
se demonstraram interessadas/os. Expliquei que ainda não havia sido completamente
decidido o horário dos ensaios, porém, das 10h até as 11h (como informado no cartaz de
divulgação) aconteceria um dos encontros: ou o planejamento ou o ensaio. Assim, ter
esta disponibilidade de horário seria impreterível para participar. Acordou-se que após o
dia 23 de novembro (data que seriam divulgados os horários das disciplinas da
graduação) eu enviaria uma planilha com as propostas de horários e que aquela que
tivesse o maior número de inscritos disponíveis seria a escolhida para o segundo
encontro semanal.

Eu havia confirmado uma segunda reunião com a coordenação do PRODECAD e


já haviam me enviado um documento que oficializava a viabilização do projeto,
aprovando minha proposta. O coral que imaginei para o LARCI teria um ensaio por
semana de uma hora e meia de duração. Seria um grupo fixo de no máximo trinta
integrantes, considerando também que poderia haver evasões ou novas crianças
interessadas ao longo do semestre. Provavelmente aprenderíamos três ou quatro
canções, além de alguns jogos cantados. Esse repertório seria escolhido junto aos
discentes inscritos do LARCI, mas eu levaria uma canção para o planejamento do primeiro
111

dia.

Nessa reunião no PRODECAD fui recebido por uma professora que já havia
organizado variados projetos de música com aulas de instrumentos e musicalização com
as crianças. Informalmente, ela me orientou sobre a rotina do espaço, me contando um
pouco de sua trajetória naquele lugar. Cordialmente ela me ofereceu sua ajuda e aceitei
imediatamente. Em seguida, fui recebido pela coordenação do espaço e iniciamos
oficialmente a reunião esclarecendo algumas dúvidas sobre o projeto.

As crianças no PRODECAD não têm uma rotina obrigatória de oficinas a toda


semana, isto é, elas podem circular livremente pelas as atividades que estiverem
acontecendo, o que impossibilitaria, a princípio, a existência de um grupo fixo.
Explicaram-me que anteriormente houve um projeto que obrigava a participação das
crianças e que não gerou resultados positivos para as crianças e nem para o docente
proponente. A coordenação tinha receio que o coral se tornasse desgastante e pouco
motivador, tornando-se diferente das propostas implementadas normalmente neste
espaço. Sendo assim, o coro não teria um grupo de participantes fixo. Todas as semanas
teríamos que aceitar, provavelmente, crianças diferentes, o que exigiria que os ensaios
tivessem o caráter de oficinas de curta duração. Isto é, mesmo que algumas crianças
pudessem se interessar e ir a todos os encontros, algumas poderiam ir somente alguns
dias. Por conta dessa situação específica não poderia haver canções no repertório que
demorassem muito tempo para serem apreendidas. Explicaram-me que normalmente
quando as crianças gostam das atividades, costumam frequenta-las com frequência. Na
expectativa que o LARCI pudesse desenvolver ensaios eficientes e envolventes, parti da
premissa que tínhamos potencial para isso, já que o resultado positivo do laboratório
favoreceria a minha pesquisa.

Também discutimos que as crianças não conheciam exatamente a proposta.


Então haveria uma chance que iniciássemos o projeto com um grupo itinerante e, na
medida que houvesse um número relevante de crianças fixas, poderíamos repensar o
modelo ou mesmo ampliá-lo.

Decidimos então que começaríamos como uma oficina livre. Este tipo de oficina
requer que o grupo de crianças aprenda a realizar algum tipo de performance vocal em
112

um único ensaio. Mesmo que as canções se repetissem ao longo dos encontros seria
importante que o repertório não requeresse muitos encontros para assimilação. Sendo
assim, canções muito curtas e jogos que associassem o uso da voz ou algum tipo de
performance cênico-corporal seriam fundamentais. Importante destacar que o objetivo
inicial seria cativar as crianças para que se interessassem pela prática coral e,
futuramente, caso fosse bem-sucedido, pudéssemos criar um coro com crianças
definidas e constantes. Entendi a importância das questões oferecidas pelo PRODECAD
e, mesmo com esses aparentes limites, decidi que poderíamos tentar. De qualquer
maneira as/os inscritas/os no LARCI teriam a possibilidade de praticar a condução dos
ensaios. Não seria o que normalmente acontece, ou seja, quando a/o regente programa
um longo período de ensaios para o aprendizado do repertório; mas tínhamos que
começar de algum lugar. Também considerei que quanto mais adversas fossem as
condições, mais questões surgiriam para o debate, situação que poderia ser positiva para
a coleta de dados.

Para facilitar a frequência das/dos estagiárias/os nas reuniões e nos ensaios,


decidimos que ambos os encontros aconteceriam no mesmo dia, e a coordenação do
PRODECAD disponibilizou uma sala para que ficássemos toda a manhã realizando as
atividades do LARCI. Às terças-feiras pela manhã poderíamos ensaiar às 9 horas, com
duração de 50 minutos. Em seguida, também faríamos o planejamento no próprio
PRODECAD. Também foi considerada a possibilidade de algum funcionário ou funcionária
do espaço que também quisesse participar do projeto nos ensaios.

Como ampliação do LARCI, foi proposto que ocorresse quinzenalmente uma


oficina com as próprias professoras do PRODECAD, buscando aproximá-las do projeto.
Discutimos naquele momento a importância de toda a comunidade escolar se envolver
com a proposta, promovendo maiores vínculos com a atividade coral. A ideia era que
fossem proporcionadas vivências com as professoras similares às das crianças durante os
ensaios, discutindo a relevância dos processos de ensino na prática coral. Desta forma o
LARCI começaria atuando em três frentes: o coral com as crianças, a formação das/os
regentes e um curso de educação musical para as profissionais da educação do
PRODECAD.
113

Aproveitamos esse encontro e marcamos uma apresentação às professoras da


proposta para o início do mês seguinte. Pensamos que seria interessante realizar a
apresentação básica do projeto e proporcionar algum tipo de vivência prática,
aproximada daquelas previstas para os ensaios do coral. O principal objetivo era justificar
a minha pesquisa para elas e também, caso elas gostassem, poder contar com a ajuda
delas em sua implementação com relação às crianças. Também naquele momento, elas
seriam convidadas a se integrar ao projeto.

Organizamos, então, a seguinte estrutura:

• 07h30 às 08h20: formação quinzenal com as professoras e professores


do PRODECAD;
• 08h40 às 09h: chegada das/dos integrantes do LARCI para produção do
ensaio;
• 09h às 09h50: ensaio com as crianças;
• 10h às 11h30: planejamento do ensaio.

Estando então o período estipulado, com a divulgação aos interessados iniciais


recebi 13 fichas de inscrição preenchidas. A ficha seguia o seguinte modelo:

3.1.1 Ficha de Inscrição LARCI

1. Nome:
2. Curso e período:
3. Instrumento:
4. Experiência com o canto coral:
5. Qual a razão que levou você a se interessar pelo LARCI?

O objetivo foi organizar os dados básicos das/dos participantes e levantar


hipóteses de motivação da participação no LARCI para poder avaliar, após o fim deste
114

semestre de implementação, se as expectativas e intenções da participação no


laboratório seriam atendidas ou transformadas ao longo do processo.

Incialmente tivemos dez mulheres inscritas e três homens. Dez participantes eram
graduandas/os de variados semestres da licenciatura, com exceção de duas pessoas já
formadas, sendo uma delas ingressante no mestrado em música nesse mesmo período.
Também houve uma inscrição de uma aluna já formada no bacharelado em flauta
transversal. Nesse grupo havia também três pessoas que cursavam a modalidade
combinada da licenciatura com o bacharelado em cursos diferentes. As habilidades
instrumentais deste grupo eram compostas por pianistas, cantores, flautistas
transversais e violonistas.

Todas as pessoas relataram experiência como cantores em grupos corais


amadores e sete deles haviam cantado em coros quando crianças ou adolescentes,
preservando uma memória da vivência nesta prática como coralista. Destaca-se também
que a intenção geral do grupo de participar do laboratório era desenvolver a prática de
regência com vistas à profissionalização nesta área. Uma das participantes também se
inscreveu para desenvolver seu Trabalho de Conclusão de Curso associado ao
laboratório; e ainda outra tinha interesse em enviar um projeto para o PIBIC (Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da CAPES).

3.2 Registro dos dados

Organizei três fontes básicas para o registro das atividades. A primeira delas foi o
registro em vídeo, totalizando vinte e uma horas de gravação que abarcam todos os
encontros de planejamento e ensaio.

Como segunda fonte, durante os ensaios com as crianças uma das/os


estagiárias/os ficaria responsável por observar e registrar por escrito, numa espécie de
diário de aulas, como havia sido o desenvolvimento das atividades. Também
115

realizaríamos a leitura destes relatos nos planejamentos seguintes para deflagrar o


debate. Por fim, como terceira fonte e associando estes dois tipos de registros,
semanalmente eu mesmo redigi um diário de campo de caráter mais pessoal, onde, após
a visualização dos vídeos, relatei os assuntos debatidos, as falas dos participantes e
análises prévias do que havia ocorrido tanto no ensaio quanto no planejamento.

O diário de campo foi um instrumento de registro de dados realizado de forma


intermitente durante todo o tempo de realização da pesquisa para ser analisado
posteriormente. Embora seja desenvolvido para relatar as ações ocorridas, também abre
espaço para análises e interpretações imediatas, além da enumeração das ocorrências.
Nesta pesquisa a enumeração das ocorrências também ficou sob encargo dos registros
de ensaio das/os estagiárias/os realizados semanalmente. Deve-se destacar que nesse
montante de registros escritos as notas descritivas tendem a ser mais extensas
comparadas às reflexivas. Porém, foi importante que as reflexões já estivessem no diário,
mesmo que elas tivessem um caráter mais interrogativo, tendo sido colhidas
praticamente no “calor da hora”. Isto porque, segundo Roese, a partir das interrogações
do/a observador/a e organizador/a do diário, o/a pesquisador/a tem a oportunidade de
avaliar e alterar suas próprias ações e conceitos. (ROESE, 2006)

A autora Roese (2006) destaca seis aspectos para serem considerados na


construção de um diário de campo: retrato dos sujeitos; reconstrução dos diálogos;
descrição do espaço físico; relatos de acontecimentos particulares; descrição das
atividades e comportamento do observador. Estes aspectos também foram utilizados
como temas geradores da categorização para análise do diário e são mais bem
detalhados a seguir:
 Retrato dos sujeitos: apresenta os aspectos físicos, etários, culturais,
particularidades dos sujeitos. A ideia é descrever todos os aspectos
significativos que influenciem de alguma forma suas ações. Nesta pesquisa,
para a análise do diário, estes dados descrevem as/os estagiárias/os e as
crianças, buscando relacioná-los;
 Reconstrução dos diálogos: descreve as falas e expressões corporais que
foram observadas como relevantes para as ações que se deram em seguida.
116

Busca-se valorizar as/os participantes da pesquisa como ativas/os no


desenvolvimento da mesma. No LARCI, as/os estagiárias/os são o grupo que
foi mais atentamente observado, embora não se descarta a importância da
observação e participação das crianças na construção das relações e,
consequentemente, no desenvolvimento dos ensaios e planejamento;
 Descrição do espaço físico: relatam as estruturas físicas dos espaços
buscando relacionar as influências que estas condições impõem para o dado
analisado;
 Relatos de acontecimentos particulares: descrevem casos pontuais que
foram observados como geradores de fatos relevantes de análise, a partir da
observação do relato do diário. No caso particular desta pesquisa, foram
anotadas as ocorrências que geraram debates ou atividades relevantes
durante os ensaios e planejamentos. Destaca-se que normalmente o que
acontecia no ensaio determinava o que seria debatido ou praticado no
planejamento;
 Descrição das atividades: detalham todas as atividades incluindo reflexões
relevantes à pesquisa. No ensaio, foram descritas como as/os estagiarias/os
conduziam suas propostas, avaliando a participação das crianças. Já no
planejamento foram apresentados os temas debatidos e as propostas
práticas, tais como aquelas realizadas nos ensaios musicais;
 Comportamento do observador: apresentam como as ações do observador
interferiram na pesquisa. Ou seja, como eu atuei e me autoavaliei na
coordenação do projeto. É interessante destacar que ao longo da construção
do diário tive a oportunidade de ver nos vídeos como eu me comportava
normalmente nas aulas e pude, aos poucos, ir buscando referências para a
minha auto avaliação (isso quis dizer, em resumo, buscar outras formas de
agir que eu entendi que seriam mais eficientes na coordenação do LARCI).

Todos o diário foi organizado pelo seu dia, realizado semanalmente e divido em
duas partes: ensaio e planejamento. Para a análise foram determinadas categorias,
buscando agrupar, a partir dos temas geradores propostos pela autora Roese (2006), as
similaridades das ocorrências e assuntos, organizadas nos principais tópicos:
117

 Estrutura do ensaio: apresenta as discussões dos momentos de


planejamento (tais como horário e sequência de atividades) focado em
desenvolver as atividades que aconteceriam com as crianças.
 Debate das atividades: foram descritas todas as propostas e análises dos
planejamentos a partir dos ensaios conduzidos pelas/os estagiárias/os
com ou sem a minha interferência. Buscou-se relacionar como a
organização e as ocorrências do planejamento foram influenciadas
pelo ensaio;
 Mais reflexões do observador: apresenta as observações, ações e
reflexões realizadas pelo autor desta pesquisa.

Estas categorias serão apresentadas em 4 etapas. A primeira (PRIMEIRO


PLANEJAMENTO) retrata o primeiro encontro com as/os estagiárias/os em que somente
foi realizado o planejamento do primeiro ensaio com as crianças, além da apresentação
dos principais objetivos e conceitos que envolviam o projeto. A segunda etapa (PRIMEIRO
ENCONTRO COM AS CRIANÇAS) observa o primeiro dia com as crianças, dando início aos
ensaios reais. A terceira (OFICINAS EXPERIMENTAIS) discute os cinco encontros seguintes
nos quais as/os estagiárias/os já conduziram as atividades, porém, as crianças eram
conduzidas pelas professoras de sala até o local do ensaio). A quarta e última etapa
(ENSAIOS ABERTOS) apresenta a segunda fase do projeto na qual as crianças, com
autonomia, começariam a frequentar os ensaios e começaríamos de fato buscar
desenvolver um grupo fixo coral no PRODECAD. Também nesta fase as funções dentre
as/os estagiárias/os já estariam mais bem estabelecidas e já conheceríamos o perfil
básico das crianças daquele espaço.

A seguir, a tabela apresenta as datas (1º semestre de 2018) de realização de cada


uma das etapas analisadas:

ETAPA DATA
Primeiro planejamento 20/02
Primeiro encontro com as crianças 27/02
118

Oficinas experimentais 06/03 até 03/04


Ensaios abertos 10/04 até 22/05
Tabela 12: calendário dos ensaios.

Observe que o texto escrito em itálico representa a transcrição direta do diário de


campo, isto é, copiei as informações que foram escritas por mim durante a execução do
mesmo. O texto escrito em negrito são as transcrições das falas. As análises são
apresentadas a seguir.

3.3 Primeiro Planejamento

O Primeiro planejamento (20/02) aconteceu exatamente uma semana antes do


ensaio com as crianças. Como eu mesmo conduziria o primeiro ensaio, o principal
objetivo de planejamento seria apresentar os conceitos-base do projeto e a estrutura e
funcionamento gerais associados ao cronograma proposto, além de apresentar o ensaio
que seria realizado por mim com as crianças.

No dia do primeiro encontro participaram oito estagiárias inscritas no semestre


anterior. Neste caso, decidimos que essas oito pessoas que foram na primeira reunião de
planejamento seriam as primeiras a assumirem alguma função no próximo ensaio com
as crianças, como a correpetição do repertório.

3.3.1 Debate das atividades

Iniciamos o primeiro planejamento com a entrega de cópias do cronograma, de


alguns fundamentos dos conteúdos da prática coral e rotinas de ensaio, resumindo os
119

temas apresentados nos dois capítulos anteriores desta Tese. Uma das minhas principais
preocupações era que as/os inscritas/os no LARCI pudessem constatar que o Laboratório
estava bem organizado, proporcionando maior segurança em participar. Assim, me
dediquei bastante em explicar a estrutura e o planejamento do projeto. Esse dia foi um
encontro mais expositivo.

Expliquei ao grupo que o fundamento do canto coral obviamente é a prática do


canto coletivo. Sendo assim, ensinaríamos as crianças a cantar, e a consequência desse
aprendizado geraria uma performance musical e cênica, pois como os coros também
normalmente se apresentam em público, também seria nossa intenção produzir uma
apresentação pública do repertório do coral. Teríamos, contudo, que tomar certos
cuidados para não direcionar os ensaios somente para o concerto, situação que acontece
normalmente e gera ensaios muito repetitivos e estressantes, desgastando as atividades
e prejudicando a participação motivada das crianças. Além de cantar, as crianças teriam
a oportunidade de se desenvolver globalmente e socializar, por essa razão nos
comportaríamos sempre buscando processos de ensino e aprendizado significativos e
motivadores. O objetivo também era buscar atividades prazerosas e com muito potencial
de aprendizado, buscando criar laços afetivos consistentes das crianças com a prática
coral.

Após esta primeira explicação foram apresentados os conteúdos-base da prática


coral, compilados desta mesma tese. O objetivo foi explicitar o que poderia ser ensinado
e depois discutir quais os procedimentos que utilizaríamos.

Enfocamos que, independentemente de observarmos estes conteúdos de forma


separada, todos os processos de ensino envolveriam os Procedimentos, isto é, as
atividades seriam ensinadas na prática e, somente após a primeira experiência,
retomaríamos a reflexão e planejamento para em seguida vivenciarmos novamente. Isto
é, quando fossemos ensinar um conteúdo musical qualquer ele não poderia estar em
separado de uma vivência musical. Tudo que envolvesse o ensino de um conceito, de
uma ideia específica, buscaríamos atividades através das quais ele pudesse ser
experimentado durante uma ação, por exemplo: caso quiséssemos ensinar a nomeação
das notas da clave buscaríamos utilizar alguma partitura do repertório ou algo que em
120

seguida pudesse ser cantado ou solfejado; não utilizaríamos atividades nas quais
somente é preciso nomear as notas sem nenhum sentido musical.

Após a apresentação da estrutura do ensaio (que será discutida no subcapítulo


posterior), em que foi apresentada a canção Maré (Domínio Público), iniciamos o
planejamento estudando essa canção inicial para o preparo do ensaio.

De modo geral as partituras precisam ser decifradas pela/o regente para que os
ensaios possam ser organizados de maneira mais eficaz para otimizar o aprendizado.
Expliquei então ao grupo que eu regeria o primeiro ensaio para que fosse possível
proporcionar um momento de observação a todos, pretendendo que as/os estagiárias/os
pudessem partir de um exemplo real de condução das atividades, assim como também
poder observar como as crianças reagiam às propostas.

Cantei uma vez a música inteira e em seguida todo o grupo repetiu. A canção foi
executada com certa facilidade por todas/os, precisando somente de algumas sugestões
em relação à precisão rítmica das frases para que a música adquirisse mais movimento,
isto é, ao invés de executá-la com o canto legatto, seria mais adequado usar o stacatto
entre as notas. Neste sentido seria necessário estimular a dicção das consoantes para
maior compreensão textual, tornando a música mais “ritmada”.

Comentei neste momento que os dois primeiros compassos, iniciados com a nota
Ré 2, possuem uma frase com extensão de uma oitava, acarretando provavelmente uma
mudança de registro vocal da criança: da voz de peito para a de cabeça. Esse tipo de
alteração costuma desequilibrar os timbres, deixando a frase pouco uniforme. Assim,
para evitar esta dificuldade técnica, a minha sugestão inicial seria tentar realizá-la toda
com voz de cabeça. Para isso, caso as crianças estivessem com dificuldade de acessar esse
registro, seria sugerido que elas cantassem de forma “bem leve”, isto é, com pouca
pressão de ar, mesmo que ocasionasse na diminuição da intensidade do som, pelo menos
inicialmente.

Em resumo, não poderíamos em nenhum momento sugerir que elas cantassem


mais forte, sempre buscando esta sonoridade leve e aveludada, similar de uma flauta de
madeira. Deveríamos nos atentar também caso o som produzido tivesse muita
121

soprosidade, isto é, uma voz na qual se pode escutar a saída do ar (como um sopro). Seria
necessário estimular que as crianças cantassem um pouco mais claro, isto é, de uma
forma que ocorresse uma sonoridade mais brilhante. O aconselhado seria um vocalize
com a existência de mais vogais frontais, tais como o I e o E, precedidas de uma
consoante, como Brim, Trin, tim, Mi, reduzindo assim a fenda das pregas vocais.

As respirações foram marcadas para que as/os regentes, durante seu gestual,
realizassem as indicações adequadas para que o grupo inspirasse. Esta canção possui
poucas notas longas, o que facilita a técnica respiratória. Seria importante observar como
as crianças inspiram, principalmente em relação à movimentação os ombros, gesto que
comumente sugere tensão e respiração torácica. O adequado seria que estivessem
executando a respiração intercostal. Perguntei se haviam dúvidas e todas disseram que
poderíamos prosseguir.

Em seguida propus a primeira atividade experimental do grupo com exercícios de


gestual simples de regência, nas fórmulas de compasso 2/4, 4/4, 3/4 e 6/8. O grupo não
demonstrou dificuldade.

Embora o ensino da regência enfatize a importância do gestual correto da/o


regente na condução musical, com crianças, quando se percebe que elas não estão
cantando, pode ser necessário outro tipo de estimulo gestual, além da marcação do
andamento da música. Faz-se necessário algumas vezes, por exemplo, gesticular que o
som está baixo; que elas precisam abrir mais a boca; gestos que auxiliem na memorização
da letra; ou até mesmo aproximar-se de alguma criança e encostar em seus braços para
que ela retome a atenção quando dispersa. De maneira geral o ensaio é o momento em
que é necessário fazer todo o possível para que as crianças executem melhor a canção,
mesmo que haja prejuízo do gestual correto da/o regente. Ao longo do processo o gestual
técnico pode voltar a ser introduzido, na medida em que as crianças consigam
compreendê-lo.

Após esta primeira vivência prática com as estagiárias, sugeri que alguém fosse
reger a canção para as demais cantarem. Neste momento duas participantes se
ofereceram. Nessas regências algumas correções foram necessárias. Observei que
inicialmente as regentes estavam muito aflitas com o gestual e por conta disso não se
122

conectavam com as/os cantoras/es. Importante ressaltar o contato visual com o grupo,
facilitando a compreensão dos gestos e estimulando a atenção das crianças. Assim, sugeri
que a regência fosse realizada mais uma vez, porém a partir deste foco. A primeira a reger
teve maior dificuldade inicial em marcar as respirações no seu gesto, porém, após
algumas tentativas, estava já executando com mais facilidade.

Uma dificuldade em comum dentre as duas voluntárias era a de traduzir no


gestual a musicalidade, além da marcação do andamento. A corporalidade da/o regente
de forma clara e simultânea deveria transmitir diversas informações para as crianças, e
isso exige um estudo dos gestos em favor da expressividade. Propus que o gestual
também fosse realizado dançando, isto é, marcando o ritmo pela movimentação
corporal, podendo também favorecer a construção e compreensão do caráter mais
ritmado desta canção.

Regente: regendo esta música em dois, preciso de 4 tempos para conseguir me preparar
bem para dar a entrada

Comentei com o grupo que cada uma delas buscasse compreender qual forma de
dar entrada seria mais segura. A ideia era de que ao começar a música a regente estivesse
preparada para prosseguir no andamento correto. Como não havia ninguém no grupo
com experiência em regência, entendo que neste momento seria importante motivar a
atuação independente das dificuldades, principalmente considerando-se que estávamos
no começo do projeto.

Por fim, cantamos algumas vezes a música, o que também entendi que seria
importante que todos conhecessem o repertório. Como eu conduziria o primeiro ensaio
com as crianças conclui ser importante explicitar às estagiárias quais são as minhas
considerações para planejar um ensaio, fornecendo a elas pelo menos uma referência.

Assim, encerramos o primeiro encontro com uma visita ao espaço físico do


PRODECAD, junto à coordenação do espaço.
123

3.3.2 Estrutura do ensaio (panorama geral)

No primeiro planejamento apresentei uma proposta de rotina de ensaio. A ideia


era ter quatro momentos distintos, porém, não necessariamente numa mesma ordem
cronológica. Esta sequência serviria como organizadora das propostas, porém, ao longo
dos ensaios, poderia ser necessário mais atenção e tempo para uma das atividades ou
conteúdos em relação às outras. Desta forma, em todas as semanas seguintes seriam
revistas as rotinas de acordo com os objetivos de cada encontro:

• Acolhida e dinâmica corporal (alongamento, aquecimento);


• Canção do repertório associada com a atividade deflagradora;
• Atividade de musicalização curta;
• Passagem do repertório;

Para explicar melhor o que representam cada um dos momentos da rotina, li os


seguintes os seguintes tópicos:

1. Com cada grupo, no primeiro encontro, é necessário obter propostas dinâmicas e


motivadoras já que o principal objetivo é incentivar as crianças a se inscrevam
posteriormente na oficina. Desta forma, o ensaio precisaria ser bem entretido e
divertido, isto é, as propostas precisariam proporcionar a participação do grupo
sem gerar desconforto ou desinteresse. De maneira geral, nosso objetivo seria
cativá-las proporcionando um ensaio divertido;
2. Existia a possibilidade de, caso apresentássemos a oficina chamando-a de “coral”,
isso não gerasse tanto interesse nas crianças devido aos estereótipos da prática
coral tradicional. Assim, um nome mais atrativo poderia obter mais inscritos.
Escolhemos então o nome de Oficina de Canto em Movimento;
3. A escolha do repertório seria o fio condutor dos conteúdos musicais a serem
desenvolvidos, isto é, após a escolha e estudo das canções seriam organizadas as
atividades que possibilitariam o aprendizado da mesma;
4. Nestes ensaios o repertório precisaria ser composto inicialmente por uma música
124

curta com a intenção de o grupo apreendê-la em uma aula ou, pelo menos,
possibilitar a construção de uma pequena performance curta. Em uma aula as
crianças precisariam ter a experiência de como seriam normalmente todos os
ensaios, porém através de uma versão curta, isto é, atividades simples, de fácil
assimilação e com resultados imediatos. Como demoraria um tempo para o
próximo encontro com o mesmo grupo não seria possível organizar um
planejamento que necessitasse de mais de um encontro para a assimilação dos
conteúdos eleitos;
5. Com o primeiro grupo de crianças as atividades seriam conduzidas por mim para
que as/os licenciadas/os tivessem uma referência prática inicial. Com os outros
grupos, as funções seriam distribuídas dentre as/os integrantes de acordo com os
interesses e habilidades de cada um;
6. Somente duas funções do laboratório já seriam de responsabilidade dos
participantes no primeiro ensaio: acompanhamento musical no violão e
percussão para facilitar o trânsito entre as salas e a avaliação/registro do primeiro
dia.

Perguntei se havia alguma dúvida e ninguém se manifestou. Prossegui explicando


quais seriam as funções e o que cada uma delas realiza no ensaio, lendo o seguinte
trecho:

• Produtora/Produtor de ensaio: responsável pelas partituras e organização do


espaço e informes;
• Preparadora/Preparador vocal: responsável pelo aquecimento corporal e vocal;
• Educadora/Educador musical: responsável pela organização dos conteúdos
conceituais (leitura musical, história e cultura musical com um viés de
musicalização);
• Pianista correpetidora/correpetidor: responsável por acompanhar as músicas no
ensaio;
• Regente: responsável em reger a peça pré-escolhida;
• Avaliadora/Avaliador: responsável pelo registro dos acontecimentos do ensaio.

Para esta primeira fase era necessário já levar escolhida alguma música do
125

repertório, pois não haveria tempo para que ocorresse uma pesquisa, pois na próxima
semana já seria o primeiro ensaio. Sendo assim eu mesmo escolhi a primeira canção do
repertório e apresentei ao grupo. Expliquei que para escolhê-la considerei os seguintes
tópicos:

1. A canção precisaria ser em português e curta, isto é, poucas estrofes para


possível memorização rápida.
2. Interessante ela possuir um caráter animado e dançante, privilegiando
canções mais rítmicas do que melódicas, assim, pelo próprio repertório já se
cria um ambiente mais descontraído e motivador.
3. A tessitura melódica precisa ser média, neste caso do Dó 3 ao Ré 4, já que não
conhecíamos quais as crianças que cantariam, o ideal era possibilitar uma
música sem grandes desafios técnicos.
4. Na intenção de que a canção seja apreendida em uma aula já haveria o
desenvolvimento da performance inteira em um ensaio. Caso o repertório
possuísse alguma temática motivadora ou que já sugerisse algum tipo de
movimentação corporal seria mais simples organizar todas as atividades
inspiradas na letra da canção para promover maior significado para a sua
prática.
5. O acompanhamento instrumental da música também não poderia ser muito
complexo pois eu não tinha certeza de quais alunos e alunas da graduação
compareceriam no primeiro dia, assim, o melhor seria apresentar um
repertório que facilmente as/os regentes conseguissem executar.

A música escolhida para este momento foi Maré de Domínio Público:


126

Iniciamos o planejamento das atividades retomando que o ensaio seria curto, com
50 minutos. Nesta etapa foram retomados os pontos relevantes das rotinas de ensaio e
propus as atividades que havia planejado para o primeiro ensaio. Elas foram completadas
com sugestões palas/os estagiárias/os, como não ocorreram muitas falas, rapidamente
chegamos na seguinte estrutura:

1. Alongamento e aquecimento: para este momento foram escolhidas duas


atividades. Inicialmente pensamos em realizar o alongamento corporal com
um jogo que pudesse proporcionar movimento corporal, noções de
espacialidade e trabalho cooperativo, ao mesmo tempo que fosse bem
divertido e motivador. Planejamos um jogo de estátuas coletivas, isto é,
acompanhadas por uma música todas as crianças caminham pelo espaço
realizando movimentos variados de acordo com a sugestão do condutor do
jogo, como: andar nas pontas dos pés, pulando, de costas, acompanhando os
ritmos com palmas, entre outros, alternando em cada parada musical.
Quando a música para a/o regente sugere um ambiente: escola, hospital,
praia, e o grupo precisa montar estátuas que simulem o que as pessoas fazem
neste local ou objetos pertencentes ao local sugerido. A ideia é que eles criem
um repertório de movimento corporal e se organizem com autonomia no
espaço, isto é: uma criança que fizesse a estátua nadando, demarcaria onde
127

está a água, neste sentido, não poderia haver outra criança muito próxima
dela tomando sol, já que aquele lugar tem água. Esta regra seria explicada
antes da execução da atividade;
2. A segunda atividade seria similar à primeira, porém, quando a música parasse
as crianças precisariam se organizar em diferentes formas de agrupamento,
como trios, quintetos, rodas e por fim três filas do mesmo tamanho em
posicionamento coral. A ideia era já explicar o posicionamento que
normalmente o coro ensaia;
3. Para estimular a fonação das crianças iniciaríamos o desafio do contrário. Isto
é, escolheríamos palavras e elas teriam que responder com outras que seriam
suas contrárias correspondentes: João – Maria, Dentro – Fora, Pão – queijo,
sempre entoadas num intervalo melódico de terça menor. Assim, quando a/o
regente cantasse João, João, João, as crianças responderiam, Maria, Maria,
Maria, criando sequencias mais complexas: João lá dentro comento pão =
Maria lá fora comendo queijo. O objetivo era investigar a afinação, estimular a
fonação e também a atenção das crianças;
4. Em seguida, para possibilitar a exploração da voz de cabeça na criança,
buscamos também associar esse objetivo com uma atividade que pudesse já ir
estimulando a criança a prestar atenção na condução – regência. A proposta
consiste em que uma criança sorteada (para evitar conflitos) vá até a frente do
grupo e realize um desenho no ar. As demais crianças seguem vocalmente este
desenho com a vogal U (a vogal U facilita o acesso ao registro de cabeça).
Iríamos revezando algumas crianças sorteadas para que não ficasse
desgastante;
5. Para a passagem do repertório resolvemos que as crianças aprenderiam por
meio da repetição, isto é, o regente cantaria e em seguida elas repetiriam o
que foi cantado. Uma das regentes sugeriu que fosse ensinado o texto de
forma ritmada antes. Discutimos que ao ensinar com a melodia ganharíamos
tempo e evitaríamos que elas se acostumassem a declamar o texto com a voz
de peito, assim, elas já começariam cantando. Para facilitar foi combinado
escrever a letra em um painel grande acelerando o processo de memorização
128

por parte das crianças. Caso o grupo estivesse muito desafinado seriam
realizadas algumas correções. Contudo, sem não surtem efeito rapidamente,
deixaríamos momentaneamente o repertório cantado e ensinaríamos a
parlenda “tumba la catumba, tumba, tá”, que está associada com percussão
corporal simples de palmas e batidas com os pés;
6. Apreendida razoavelmente a canção Maré, ou pelo menos uma parte dela,
seria sugerido ao grupo que retomasse as estátuas de mar realizadas na
primeira atividade e durante a introdução da música as estátuas iriam sendo
montadas e desmontadas até a música iniciar, na qual todas as crianças
começariam a cantar;
7. Por fim, cantaríamos a canção da D. Maroquinha de despedida em roda e
realizaríamos o convite da oficina, agradecendo a participação.

Por fim foram divididos os acompanhamentos musicais, isto é, quem tocaria os


instrumentos neste primeiro dia, procedimento que buscaríamos alternar a cada ensaio.
Ensaiamos com o acompanhamento no violão e piano executado por duas pessoas que
se comprometeram a estudar a execução para a semana seguinte. Também tivemos uma
pessoa selecionada para ser a observadora.
129

3.3.3 Mais reflexões do observador

Até o momento do ensaio que aconteceria com as crianças eu havia organizado


todas as etapas de estruturação do LARCI, de forma que não ocorreram grandes
problemas para que o projeto iniciasse dentro dos prazos previstos. Uma das
preocupações iniciais foi se haveria inscrições das/os alunas/os da graduação para os
estágios, mas tínhamos pessoas suficientes para o início do projeto. Assim, o desafio
seguinte foi estimular o interesse das crianças em participar do coral, já que elas
poderiam circular livremente pelas várias atividades do PRODECAD oferecidas no mesmo
horário do laboratório.

Como eu mesmo realizei o primeiro ensaio, inicialmente pensei que seria


importante observar as crianças em aula para obter mais informações de como poderia
ser o desenvolvimento das atividades no ensaio, para, assim, obter mais informações que
auxiliassem no planejamento dos demais encontros. Também entendi que eu serviria
como referência de regente demonstrando uma forma de propor as atividades que
havíamos planejado, além disso, como esse já que seria também o primeiro ensaio, havia
certa insegurança das/os estagiárias/os em assumir alguma atividade.

Não descarto a confissão de que eu também estava inseguro. Caso o primeiro


ensaio desse certo, isso seria encorajador para que as/os integrantes do LARCI se
oferecessem, durante o planejamento, para assumir alguma função no próximo ensaio.
Retomo que duas funções já haviam sido distribuídas, a correpetição no violão e a
observação; e que a observadora já registraria o ensaio com a ficha de observação.

3.4 Primeiro encontro com as crianças

A segunda etapa apresenta o primeiro ensaio com as crianças (27/02), realizado


pelo pesquisador. Este foi o primeiro dia em que experimentamos as atividades
planejadas e conhecemos as crianças. Após esse encontro ainda tivemos mais cinco
130

ensaios que fizemos baseados neste primeiro, todos com a intenção de convidar as
crianças para as oficinas regulares durante o semestre. Havíamos combinado que, a partir
do que observássemos neste ensaio, planejaríamos o que viria a seguir. Manteríamos
essa estrutura para buscar sempre aperfeiçoar a condução das atividades. Este primeiro
encontro seria o único em que eu faria a condução completa do ensaio; nos seguintes
aconteceria um rodízio para que cada pessoa pudesse experimentar todas as funções.

A primeira categoria que será apresentada é a atuação do observador, já que foi


o próprio que conduziu as atividades com as crianças. Este ensaio seria o principal tema
a ser debatido no planejamento seguinte, assim, compreendo que é mais interessante e
esclarecedor saber como ele ocorreu.

3.4.1 Mais reflexões do observador

Como eu fiz o primeiro ensaio com as crianças início o debate desta fase (primeiro
encontro com as crianças) com o relato do diário de campo que representa as minhas
impressões e escolhas para este dia.

Iniciei com a roda de apresentação. Quando comecei a falar da oficina de música,


algumas crianças comentaram sobre os instrumentos que tinham em casa,
principalmente ao verem o violão, despertando interesse para com o instrumento. Então,
sugeri que na roda falássemos os nossos nomes e alguma música ou instrumento que
gostávamos. A maioria delas falou que gostava de música, porém não sabia dizer
exatamente o nome de uma. Percebo a complexidade desta resposta, já que
normalmente as crianças pequenas escutam o que é oferecido, assim, não
necessariamente escolhem as músicas que escutarão dificultando a memorização dos
nomes. Também houveram várias respostas sobre possuir os instrumentos em casa,
variando entre violões e guitarras.

Em seguida, expliquei o jogo das placas. Quando as crianças são um pouco mais
velhas normalmente eu não mostro as placas antes, com a intenção de que elas de forma
131

autônoma consigam realizar as formas com o grupo. Neste dia decidi mostrar as placas
antes para inicialmente discutir quais seriam as possíveis posições, já que não conhecia o
perfil da turma resolvi facilitar. Observo que neste momento havia algumas estagiárias
na roda e outros estavam de pé observando do lado de fora. Ocorreram também alguns
atrasos, e quem chegou mais tarde não entrou na roda, com exceção de uma criança que
participou assim que chegou na aula.

A professora da sala também estava na roda. Ela auxiliou nas respostas com as
crianças. Ao meu ver, avaliei que era positivo ela se integrar e que eu não interferiria na
participação dela em nenhum momento. Seria melhor observar primeiro como seria e em
seguida, junto aos integrantes do LARCI, discutir durante o próximo planejamento. Ao
mesmo tempo, com a professora da sala auxiliando nesta atividade eu não poderia
observar como as crianças responderiam com autonomia. Após a explicação das placas
começamos o jogo.

As estagiárias que estavam na roda junto com a professora brincaram com as


crianças. Eu não interferi por que realmente não havia pensado isso antes. O jogo foi bem
divertido e me pareceu bem eficaz, já que observei a participação motivada de todas as
crianças. A última forma que eles montaram sugeria que o grupo formasse duas filas.
Quando ela foi construída pelo grupo expliquei que aquela posição seria chamada de FILA
CORAL e normalmente os corais cantavam nesta posição. Sugeri que as estagiárias que
quisessem participar fossem para as filas de trás, para não se posicionar na frente das
crianças (parecia óbvio, mas precisou ser dito).

Neste momento havia esquecido que haveria o jogo das estátuas e fui direto para o
jogo do contrário. Iniciei a atividade para facilitar a compreensão com o morto-vivo ao
contrário, isto é, quando eu dissesse vivo, as crianças teriam que fazer o morto. Após essa
primeira proposta comecei a parte cantada. De forma gradativa as crianças conseguiram
responder às sequências que eu criei. Neste momento observei também o potencial de
afinação do grupo de forma bem positiva. Não houve dificuldades em cantar a 3º menor
proposta neste jogo, mesmo com as alterações da tonalidade, já que cada vez que eu
cantava subia de tom, e elas conseguiram acompanhar.

Lembrei do jogo das estátuas e expliquei que ele iria acontecer. Comecei direto
132

com o tema MAR (já estávamos na segunda metade do ensaio e fiquei preocupado que
não daria tempo de aprender o repertório). Observei que as estátuas eram bem variadas e
interessantes, resultado provável de atividades corporais deste tipo em contextos
anteriores ao ensaio. Este jogo durou quatro rodas e o tema sempre foi o MAR, porém,
solicitei que as crianças não fizessem sempre a mesma estátua. Ao fim mostrei a placa da
fila coral e elas montaram sozinhas a formação. Destaco que a primeira experiência das
crianças com o auxílio dos adultos nesta atividade resultou de forma positiva, já que neste
segundo momento elas conseguiram realizar a atividade com autonomia.

Todas já nas filas, comentei sobre o Rio Catolé, que ficava localizado na Bahia.
Algumas crianças comentaram que conheciam o Estado ou que já haviam estado em
algum outro rio. Em seguida, cantei a canção inteira para as crianças. O meu objetivo era
proporcionar um momento de apreciação do repertório antes do seu aprendizado.
Saliento a importância das referências e quanto elas auxiliam no aprendizado musical.
Decidi começar pela segunda metade da música, já que ela era mais curta. Cantei uma
oitava abaixo daquela que seria executada pelas crianças. Na minha tessitura vocal este
registro seria o mais possível de ser executado tecnicamente aplicado e de forma musical,
já que sou tenor, resultando na melhor qualidade na minha performance e
consequentemente na referência musical apresentada.

Em seguida, perguntei ao grupo se alguém lembrava o nome do Rio da música e


muitas responderam CATOLÉ. Comecei então por esta frase, onde eu cantava e parava
exatamente onde estaria a palavra Catolé para que eles completassem a frase. Elas
responderam cantando, assim, decidi que por imitação eu ensinaria este final inteiro.
Neste momento as estagiárias cantaram junto com as crianças. Foi bem positivo pois
auxiliou na formação do som, além de desinibir o grupo. Entendo que para a criança,
como todas as pessoas da sala estavam cantando, isto proporcionaria uma motivação
para ela cantar também, incentivada pelo grupo.

Necessitamos algumas repetições para decorar a frase e, mesmo assim, senti que
nem todas as crianças estavam cantando. Para não haver tanta repetição, podendo
desgastar a atividade para a criança, sugeri que realizássemos repetições com vozes
variadas. Isto é, cantamos com os dentes serrados, com a boca aberta, em uma tessitura
133

bem mais aguda e outra bem mais grave. O meu objetivo era que elas memorizassem a
letra e também a melodia. Estas atividades também proporcionaram que as crianças
explorassem os timbres possíveis da voz. Depois de quatro variações, contudo, começou a
dispersão do grupo.

Para motivá-las sem que houvesse uma repreensão da minha parte decidi
incorporar o jogo das estátuas na passagem do repertório. Enquanto a música tocava
todas as crianças ficavam andando pela sala. Assim que eu desse um sinal, todos
congelavam na posição de algum animal do mar e cantaríamos o refrão.

Depois de algumas rodadas novamente pedi que as crianças se organizassem


novamente em fila coral e pedi para que o grupo cantasse com a voz normal e sem o
auxílio de nenhum dos/as integrantes do LARCI. Avaliei o resultado positivo pois o trecho
havia sido memorizado. Não houve a necessidade de correção da afinação pois percebi
que o resultado sonoro do grupo estava positivo em execução da melodia. O timbre
estava muito metálico, mas para o primeiro ensaio me dei por satisfeito.

Solicitei que ficássemos em roda e ensinei uma música de despedida que possui
uma movimentação dos dedos da mão. Esta movimentação deixou o grupo curioso e foi
possível repetir a canção algumas vezes com a participação atenta das crianças.

No fim uma das crianças pediu para cantar uma música. Esta mesma criança
durante o ensaio em diversos momentos vinha me perguntar algo ou interrompia. A
professora da sala auxiliou positivamente também quando alguma criança interrompia a
fala de outra. Acredito que este já deve ser um combinado do grupo fora dos nossos
ensaios. Por fim, a criança cantou o refrão da música Nossa Senhora do compositor
Roberto Carlos. Ela cantou com voz de peito e de forma bem afinada e também comentou
que foi sua vó que havia ensinado a canção. Todas as pessoas bateram palmas. Ela
provavelmente queria cantar a música desde o início, caso eu tivesse proporcionado isto
antes havia a possibilidade de que durante o ensaio ela não tivesse interrompido as outras
crianças durante as demais atividades.

Pela minha experiência, entendo que este é um cenário comum na prática coral.
134

Como os grupos são normalmente grandes e existe grande preocupação com o


aprendizado do repertório, isso dificulta que hajam momentos em que as crianças
possam se colocar, expressar suas ideias e vontades. Porém, valorizando estes
momentos, destaco que para a criança que cantou durante a roda final, este momento
pode ter sido para ela o mais significativo de todo ensaio; e, por fim, ela cantou, uma das
finalidades da prática coral. Além disso pude perceber seu potencial vocal. Por fim, me
despedi e iniciamos a reunião de planejamento.

3.4.2 Debate das atividades

Após o ensaio iniciei a reunião de planejamento relatando para o grupo as minhas


impressões sobre o ensaio.

De maneira geral achei o grupo motivado e as atividades foram interessantes.


Reexpliquei que as crianças teriam faixas etárias variadas e que, por um lado, seria
positivo, pois teríamos experiências com diferentes perfis de cantores. Porém, teríamos
que sempre nos adaptarmos de acordo com os centros de interesse do grupo.

Desta forma, quando as crianças escolhessem as atividades que fôssemos


conduzir, seria necessário levar em conta como grupos variados de crianças podem
responder as mesmas atividades de formas variadas. Deveríamos tentar levantar
hipóteses das possíveis ocorrências do ensaio ao invés de imaginar um contexto onde
tudo que foi planejado ocorresse como esperado.

Exemplifiquei que as crianças do primeiro grupo eram as mais novas que teríamos
e, dessa forma, isto significa termos tido a experiência da oficina com um determinado
perfil: com outra classe poderia ser completamente diferente durante a participação das
propostas. Minha experiência pessoal indica que crianças mais velhas poderiam assimilar
os conteúdos apresentados com mais velocidade. Independentemente da faixa etária,
contudo, alertei ao grupo de estagiárias/os que avaliassem constantemente o modo e a
velocidade como as crianças iam se desenvolvendo durante o ensaio. Quando fosse
135

percebido que elas não estavam conseguindo executar algo, que fosse reexplicado de
forma mais simples, não avançando no nível de dificuldade do desafio.

Em seguida retomamos o planejamento do que seria feito no próximo ensaio.


Expliquei ao grupo que o desafio inicial se dá durante o processo de estimular as crianças
a vocalizarem, isto é, existe a possibilidade de que seja proposto a elas que cantem algo
e que poucas crianças de fato cantem. Algumas podem não querer cantar ou se sentirem
constrangidas. Quando as crianças já estão habituadas a cantar em outras situações
domésticas tendem a participar com mais facilidade deste tipo de atividade,
diferentemente daquelas que não cantam, podendo estas últimas terem mais resistência
para começar. Quem conduz o ensaio pode continuar pedindo a elas que cantem
incansavelmente, porém, essa insistência pode criar um ambiente estressante tanto para
as crianças quanto para o próprio regente.

Ressaltei o desafio de organizar o aprendizado do repertório ao longo do semestre


com 50 minutos de ensaio. Toda a rotina do ensaio costuma ir mudando na medida em
que as crianças sabem mais músicas do repertório. No começo do semestre teríamos
mais tempo para realizar atividades que não tivessem necessariamente ligadas à
passagem do repertório e, no fim do semestre, ficaríamos mais voltados para os ensaios
da mostra. O começo é a chave do sucesso! Este período é que precisa ser focado no
ensino do repertório, pois no final, dependendo da quantidade de músicas, só haveria
tempo para a passagem das músicas e não teríamos tanto tempo para ensinar coisas
novas.

Começamos a distribuir as funções do próximo ensaio (que será discutido no


próximo sub tópico deste texto) e, de acordo com o interesse das/os participantes, todas
as atividades foram rapidamente preenchidas.

Após a divisão das funções iniciamos nossas práticas com um exercício de


marcação de tempo e gestual básico de regência. Focamos principalmente na precisão
rítmica dos gestos, limpando possíveis movimentações desnecessárias. A maior
dificuldade estava em marcar o tempo corretamente executando-o com a musculatura
mais relaxada. Em seguida regemos, cantando e marcando as entradas e respirações.
136

Destaco que para a/o regente desenvolver o aprendizado musical do coral,


incialmente é necessário dominar os conteúdos musicais necessários para a sua
performance. Este estudo precisa ser minucioso, facilitando o processo de planejamento
e organização das rotinas de ensaio. A formação em regência, ou até mesmo para quem
for trabalhar na disciplina de arte da Educação Básica, quando não estrutura espaços que
oportunizem o desenvolvimento técnico musical por meio de experiências concretas do
fazer musical, reduz e desvaloriza um dos principais elementos dessa prática: o som.

Algumas estagiárias/os estavam com dificuldade de lembrar corretamente do


gestual de regência, não conseguindo demonstrar com clareza os locais da canção onde
deveriam ocorrer as respirações. Exercitamos algumas repetições. Enfatizei ao grupo que
a execução vocal deveria ser bem articulada para valorizar a precisão rítmica, ao invés do
canto legatto. Foram necessárias correções de afinação, além de indicar que seria
necessário tentar fazer com que as crianças emitissem vogais menos metalizadas para
auxiliar na afinação e no equilíbrio dos timbres.

Perguntei quem tinha interesse em reger o grupo.

A primeira estagiaria que se ofereceu para participar foi a regente que estava
incumbida de ensaiar a canção Maré na próxima semana. Ao iniciar a simulação do
discurso de recepção das crianças a estagiária espontaneamente não conseguiu explicar o
que seria a aula:

Estagiária que propôs a atividade: Bom dia crianças, nós estamos aqui para fazer uma
aula e… me perdi.

Ressaltei neste momento que precisamos praticar os procedimentos além de


organizá-los apenas mentalmente, dando o seguinte exemplo: caso for necessário contar
uma história para as crianças, faz-se necessário treinar as entonações e a própria
narrativa para que no momento do ensaio não ocorram erros e tudo possa ser explicado
da forma mais clara possível. Além do que, ao exercitarem oralmente a comunicação
previamente, também é possível avaliar se a proposta está compreensível, já que é
possível se escutar. Realizar este processo mentalmente pode não suprir todo o estudo da
prática, mesmo porque a música na prática é sonora, sendo assim, faz parte a escuta para
137

a sua total compreensão.

A segunda estagiária também exercitou a explicação do jogo das placas.

Inicialmente ela começou o seu discurso da seguinte maneira:

Estagiária que propôs a atividade: nós vamos fazer um jogo de estátuas e vocês
precisam montar um cenário de uma lagoa.

Sugeri a ela que seria interessante explicar todas as regras do jogo antes de
iniciá-lo, pois seria possível que, caso ela começasse falando que as crianças precisariam
montar um cenário de lagoa, as crianças já se levantassem e começassem a atividade
antes mesmo de escutar o restante da explicação. Desta forma, poderia ocorrer a
dispersão da atenção das crianças.

A próxima simulação foi o exercício do contrário com a preparadora vocal. Ao


iniciar cantando o primeiro intervalo ela começou cantando numa tonalidade muito
grave. Retomei a necessidade de começarmos em uma tessitura mediana para o alcance
das crianças, que nesta atividade poderia ser a partir do sol 3. A ideia era ir subindo a
tonalidade aos poucos, mas caso iniciasse numa região muito grave iria demorar muito
tempo para as crianças precisarem acessar o registro de cabeça.
Estagiária que propôs a atividade: vocês acham que esta atividade não seria
desinteressante para as crianças mais velhas?

Rafael: para tornar mais desafiador, seria necessário realizar sequencias de intervalos
mais longos e progressivamente mais difíceis.

Decidimos então pelas seguintes possibilidades: João – Maria, dentro – fora,


branco – preto, pão – queijo. Também foi sugerido que, se houvesse tempo, a atividade
de seguir a regência com uma vogal poderia ser proposta. Destaquei que fosse utilizada a
vogal U, já que ela também facilita o acesso da criança ao registo da voz de cabeça.

No momento do treino da regente, comecei solicitando que ela cantasse e regesse


a música sozinha. Ela executou bem, porém, vocalmente ocorreu uma pequena
dificuldade. A estagiária estava com dificuldade de cantar a parte mais grave da canção,
pois ao executá-la, sua voz saía soprosa. Primeiro perguntei se ela percebia o que
138

acontecia neste trecho. Caso ela não tivesse notado inicialmente seria importante
identificar que estava com um problema técnico vocal; mas como ela percebeu, sugeri
que executasse a música inteira com a vogal I. Esse exercício auxiliou que ela mantivesse
sua voz no foco, não ocorrendo a saída de ar.

Ressaltei que seria importante que, na primeira vez que a canção fosse cantada
para as crianças, deveria ser executada musicalmente de forma correta e musical. Já os
regentes masculinos que alcançassem as notas na tessitura da canção poderiam cantar a
primeira vez uma oitava abaixo, para mostrarem para as crianças a melhor referência
vocal possível.

O Laboratório propõe a possibilidade do exercício prático do planejamento das


atividades. Quando é mantido o estudo do planejamento apenas no seu sentido teórico
não há espaço para os conteúdos procedimentais, que envolvem diretamente a ação.
Mesmo que fale sobre como fazer algo, o ato de executar exige outras habilidades que
somente são desenvolvidas em exercícios práticos.

Após algumas correções nos procedimentos, perguntei ao grupo, por qual parte
começaríamos ensinando a música. Sugeri que fosse por aquela que achássemos mais
fácil.
Estagiária E: eu acho que o refrão é mais curto, então podemos começar por aí.

Não ocorreram objeções. Assim decidimos que iríamos priorizar o ensino da


segunda parte da música para buscar uniformizar o que os grupos saberiam. Solicitei que
ela praticasse em casa na frente de um espelho e com um gravador para que pudesse
avaliar sua performance e aprimorar sua precisão rítmica e melódica, além de tirar os
portamentos do seu canto.

Destaquei que, no caso do violão como instrumento correpetidor, o


acompanhamento muito dedilhado poderia dificultar a assimilação das crianças do
andamento da música. Assim iniciaríamos com um acompanhamento mais preciso e
rítmico, simples e, na medida em que as crianças mantivessem o andamento com
autonomia, poderíamos aperfeiçoar o arranjo da correpetição.
139

Começamos em seguida a dividir as funções para o próximo ensaio. Expliquei que,


após a divisão, cada pessoa responsável simularia ali entre nós como proporia a
atividade. Nós não precisaríamos simular cenicamente o comportamento das crianças,
somente levantaríamos hipóteses e possíveis problemas para fomentar o debate e
estimular que a/o regente desenvolvesse estratégias variadas para ensinar o mesmo
conteúdo.

O primeiro cargo foi a produção. Neste momento sua única obrigação seria chegar
mais cedo para poder verificar as salas comigo e montar a câmera. Também, para
organizar o tempo do ensaio, seria responsabilidade da produção informar o tempo de
cada atividade para a/o regente durante o ensaio, para auxiliar na organização da rotina.
Além de ir buscar o violão no depósito. Mantivemos o violão como instrumento
correpetidor para facilitar o transporte.

É interessante observar que os cargos que não têm o contato direto com as
crianças foram mais rapidamente preenchidos. Um dos desafios neste tipo de laboratório
é estimular que as/os estagiárias/os assumam as funções mais práticas da regência. As
inseguranças, devido à superexposição que a situação exige, podem gerar um clima de
tensão e consequentemente diminuir a qualidade das nossas relações com as crianças.

O segundo cargo (regente) seria a pessoa que faria a roda da acolhida e também
quem passaria o repertório, uma estagiária se ofereceu e consequentemente todos os
cargos foram distribuídos: preparador/a vocal, correpetição, educador/a musical e
observador/a.

Estagiária D: o coro vai cantar a duas vozes? Faremos classificação vocal?

Comentei que primeiro buscaríamos um uníssono afinado, já que quanto mais


crianças conseguissem cantar afinadas maior seria nosso sucesso na polifonia
subsequente. Expliquei que provavelmente não seria possível no primeiro semestre, pois
o processo de afinar e timbrar o grupo normalmente demora considerável tempo em
coros iniciantes. Caso fosse possível, no segundo semestre buscaríamos algum repertório
que tivesse ostinatos ou frases musicais com “perguntas e respostas”. E posteriormente
140

até talvez algum cânone.

A próxima dúvida foi em relação à classificação vocal. Comentei que o repertório


inicial seria em uma tessitura média de possível realização para crianças mais agudas ou
graves (sopranas ou mezzos-sopranas). Ressaltei que para a classificação vocal correta
seria necessário também treinamento vocal anterior, para que pudesse ser realizada uma
avaliação mais adequada, já que as crianças conseguiriam vocalizar com mais facilidade
após um tempo de experiência vocal.

Por fim, a estagiária que se ofereceu para ensinar a canção final cantou uma vez
para recordar e ensinar a letra para todo o restando do grupo. (Ela já conhecia a música).

No dia deste planejamento, conduzindo as atividades e visualizando o vídeo


posteriormente, percebi que o grupo não falava muito. Evidente que pode ser porque eu
mesmo falo muito, ou certamente por conta de ser um primeiro contato com esse tipo
de discussão coletiva, algo não muito comum nas aulas dos cursos de música; mas
também compreendi que as pessoas que tinham mais experiência vocal, isto é, as
cantoras do grupo, se colocaram mais durante os debates. Entendo que elas têm mais
experiência prévia para avaliar o resultado sonoro técnico produzido pelas crianças e,
como sabem cantar, já compreendem quais são os assuntos que são abordados
basicamente no ensino de canto. Avaliei que buscaria no próximo planejamento não falar
tanto e motivar mais intensamente as falas das/os integrantes.

3.4.3 Estrutura do ensaio (panorama geral)

A primeira questão estrutural discutida no planejamento após o ensaio foi sobre


o que todos faríamos quando não estivéssemos em ação nas atividades. Alguns
participantes manifestaram que pessoas paradas no fundo da sala poderiam ficar
“estranhas” e, se todas participassem, talvez as crianças também ficassem mais
motivadas.
141

Para fomentar o debate comentei que, caso houvesse sempre adultos


participando, não saberíamos como as crianças cantariam sozinhas.

Como não ocorreram mais falas, sugeri que se alguém ficasse inibido ou não
quisesse, não seria necessário participar, respeitando os seguintes procedimentos:

• Quando participasse, não auxiliasse diretamente as crianças, somente quando


fosse solicitado por aquela pessoa que tivesse na frente da proposta;
• Na passagem do repertório todo o grupo poderia cantar junto. As vozes dos
adultos poderiam auxiliar como referência para as crianças, porém, seria
necessário que em alguns momentos houvesse somente as crianças cantando e
quem determinaria estes momentos seria a/o regente;
• Eu me comprometi com o grupo que não interferiria diretamente com as crianças e
nem interromperia as atividades. (Para mim seria um processo de desapego).
Porém, alertei que quem tivesse conduzindo as propostas se mantivesse em
constante observação atenta das crianças e, caso percebesse que algo não estava
indo bem, pedisse auxílio ou sugestão de outra pessoa do grupo: “Não espere o
barco afundar para ir buscar seu colete salva vidas”;
• Seria importante também que a atuação dos adultos não se sobressaísse em
relação às crianças;
• Caso houvesse o interesse em participar, seria necessário também realizar todas
as atividades para que as crianças também tivessem essa referência, não podendo
abandonar a atividade no meio.

Eu considerei também que a sala de ensaio que estamos realizando as atividades


não tem espaço suficiente para que todas as pessoas, simultaneamente, realizem as
propostas. Como um dos objetivos era observar as crianças, daríamos prioridade a elas.

Estagiária C: Rafael, eu vi a professora ajudando e participando, ela também interferiu


com as crianças. Como vamos fazer?

Perguntei se alguém se sentiria incomodado caso a professora quisesse ou não


participar. Ninguém se manifestou. Então, sugeri que não interferíssemos na atuação da
professora. Quando ela quisesse participar ou interviesse nos ensaios, respeitaríamos as
142

ações e decisões dela.

Para o LARCI os fatos de as professoras gostarem do projeto e se sentirem


confortáveis em participar dele é bem relevante, já que elas são as pessoas que passam
mais tempo com as crianças e possuem muitas oportunidades para motivá-las em
participar do coral. Inclusive lembrando os dias em que aconteceriam as oficinas.

Continuarmos a discussão:

Solicitei que a observadora A realizasse a leitura de sua ficha. A principal


observação que ela fez, e que despertou a fala dos demais presentes, foi a questão de não
ter tido tempo de realizar todas as atividades planejadas.

O grupo discutiu que o momento da acolhida demorou mais do que havíamos


imaginado, porém, uma das participantes relatou:

Estagiária A: senti, durante a roda, que o grupo precisava ter um espaço para se
apresentar. As crianças queriam falar coisas sobre elas.

Estagiária B: eu acho que seria estranho as crianças entrarem e já fossemos


começando as propostas.

Rafael: a roda é um espaço imprevisível durante as aulas e que já havia entrado em


conversas imensas. Eu já entrei em fendas no tempo durante conversas em roda!

Obter espaços no ensaio em que as crianças possam falar sobre elas, sobre o que
gostam de fazer, além de proporcionar que a/o regente obtenha mais informações sobre
o contexto sócio-cultural do grupo, também favorece que sejam criados laços afetivos
entre todos os participantes. Além do interesse no aprendizado musical e na prática coral
em si, as crianças, ao criar vínculos entre elas e com a/o regente, adquirem mais razões
para se manterem motivadas em continuar no coral.

Acordamos que manteríamos a roda, porém, seria necessário ficarmos atentos


para que não desviássemos muito do assunto proposto.

O espaço do LARCI, ao ter um grupo real de crianças, mesmo que não


soubéssemos exatamente como o grupo seria, possibilita que as/os estagiárias/os
143

tenham pelo menos uma referência para contribuir com o debate, auxiliando aqueles
que não possuem experiências com coral infantil anteriormente.

3.5 Oficinas experimentais

As oficinas experimentais são os cinco encontros seguintes ao primeiro ensaio


com as crianças (06/03 até 03/04). Neste momento as/os estagiárias começam a
alternância da condução das atividades. Porém, os grupos foram levados pelas
professoras como forma de divulgar a oficina, isto para que, posteriormente, as crianças
estivessem motivadas e com interesse suficiente para participar do LARCI com
autonomia.

Nos planejamentos, através do que era observado nos ensaios, busquei


apresentar quais eram as dificuldades que na minha perspectiva dificultaram a condução
das atividades e debater orientações de como a/o regente poderia se preparar melhor
para que, da próxima vez, estivesse mais habilitada/o e soubesse direcionar o seu estudo.

3.5.1 Debate das atividades

Este subcapítulo apresenta os debates e atividades que ocorreram durante os


planejamentos das oficinas experimentais. A organização dos assuntos que aconteceriam
nestes planejamentos seriam fruto das ocorrências dos ensaios para que fosse a mais
contextualizada possível e viesse contribuir para a melhora da performance das/os
estagiárias/os, observando a atuação de todos a alternando nas funções. Estes debates
estão organizados por categorias temáticas que resumem os principais temas abordados:
sonoridade; estudo prévio para o ensaio; dificuldades musicais e procedimentos;
144

planejamento dos ensaios abertos.

3.5.1.1 Sonoridade

O primeiro debate desta fase foi relacionado à sonoridade vocal. Já que a nossa
intenção era desenvolver um coral, teríamos que escolher antecipadamente qual a
sonoridade almejada. Assim as propostas teriam que buscar este objetivo. Resolvi iniciar
por este ponto para também debater a importância de a/o regente desenvolver sua
percepção, tendo mais condições de avaliar como o grupo melhorará sua performance.
Além disso, seria importante exemplificar elementos que precisariam ser analisados para
avaliar a resposta das crianças durante a atividade.

Comecei o debate no planejamento, após o primeiro ensaio que as/os


estagiárias/os realizaram, comentando que para a/o regente poder definir qual será a
sonoridade vocal que seu grupo terá, precisaria conhecer os diversos usos da voz,
buscando compreender qual a técnica vocal que resultará na sonoridade desejada. Além
de organizar tecnicamente como seu coro canta também é preciso desenvolver a
percepção vocal para identificar como seu coro está cantando e articular os melhores
caminhos para desenvolver o potencial vocal do seu grupo.

Saber cantar certamente ajuda muito na regência coral, já que pelo menos, de
acordo com a formação universitária, um processo de aprendizado de canto foi
vivenciado pela/o regente. Mesmo que a/o regente não conheça diversas técnicas de
ensino de canto concretamente, ao menos uma ela ou ele certamente vivenciou na sua
formação anterior. Além de conseguir compreender corporalmente quais são os
procedimentos vocais para adquirir determinada sonoridade. No entanto, observo que
saber cantar também não descarta o estudo da pedagogia vocal, já que esses saberes
precisam ser transmitidos para perfis variados de aprendizes, principalmente dentro de
coros infantis e amadores.

Destaco que eu já fui regido por regentes que não cantavam, porém, na minha
perspectiva, conseguiam transmitir com clareza quais eram os procedimentos para
145

realização de um determinado modo de cantar. Penso que para este tipo de habilidade
faz-se necessária uma trajetória longa de ensaios em grupos variados, presenciando
diversas pessoas diferentes aprendendo a cantar, adquirindo um vasto repertório de
propostas e concepções de atividades que melhorem a qualidade do canto.

Expliquei a importância da uniformidade sonora das vogais, proporcionando a


melhora na afinação e equilíbrio entre os timbres das vozes das crianças. O exercício
consistia em cantar as vogais alterando as formas da boca: uma vez com a boca bem
aberta, outra vez com a boca mais verticalizada. Dividi o grupo de estagiárias/os pela
metade e, enquanto uns cantavam, outros observavam. A ideia era trabalhar tanto o
aprendizado individual da técnica vocal quanto a percepção vocal. Por fim, o grupo
comentou a necessidade de escutar muitos corais infantis variados para poder ampliar as
suas referências.

No primeiro dia de planejamento, resumidamente, destacamos que os


procedimentos naquele momento para a correção da técnica vocal envolveriam as
seguintes etapas:

• Escutar atentamente e ver a corporalidade da criança: formato de lábios,


tensões na face ou ombros, equilíbrio postural;
• Após a observação atenta, buscar imaginar o que as crianças estão
fazendo que resulte nesta sonoridade;
• Buscar as indicações corretas e diretivas para que as crianças assimilem as
informações;
• Corrigir um aspecto sonoro por vez para que o processo seja gradativo,
sendo que caso as crianças não tenham conseguido realizar algo, não
continuar avançando na complexidade do desafio proposto;
• Evitar ao máximo que as crianças cantem algo musicalmente errado ou de
forma inadequada para que elas não viciem nos erros.

3.5.1.2 Estudo prévio e preparo individual para o ensaio


146

Os ensaios durante as oficinas experimentais apresentaram questões similares ao


longo dessas cinco semanas. Durante esta fase dedicamos grande parte dos nossos
debates e práticas à importância de a/o regente se preparar para os ensaios. Além de
planejar é necessário treinar as habilidades para executar o planejamento, tais como
saber cantar bem a música e dominar as regras dos jogos, requisitando para isso um
grande preparo individual prévio. Não descarto a possibilidade de, durante os encontros,
as flexibilizações no planejamento sejam necessárias para dar continuidade a uma
determinada atividade que parece estar funcionando bem, mas não é a mesma coisa que
não compreender os objetivos do que se é proposto.

Como exemplo de situação ocorrente no ensaio que gerou este tema, na primeira
atividade realizada pelas/os estagiárias/os nas oficinas experimentais, a responsável pelo
jogo cooperativo de acolhida e a regente que realizaria a passagem da primeira canção
do repertório não estavam seguras em relação aos procedimentos que deveriam buscar
seguir na condução das atividades planejadas:

(Transcrição do primeiro ensaio conduzido pelas/os estagiárias/os)

Estagiária que propôs a atividade: pessoal, vocês são da mesma sala certo? Então agora a
gente vai jogar um jogo que é no coletivo. Eu vou mostrar uma placa e vocês vão fazer todos
juntos o que estiver na placa.
Criança: como assim?

Estagiária que propôs a atividade: vamos testar?

Eu não estava entendendo se ela estava mudando os procedimentos do jogo (você


explica uma placa e em seguida inicia o jogo e observa como as crianças respondem às
demais) ou se ela tinha esquecido como se joga. Ao começar mostrando todas as placas
e falando para as crianças como elas deveriam se organizar não dando tempo para que
jogassem com autonomia. Após ela mostrar a placa fila coral percebi que ela já havia
terminado a atividade, isto é, ela não lembrava mesmo de como era jogo.

Neste momento levantei e recordei discretamente para ela que havia a parte do
jogo em que as crianças caminhavam pelo espaço e, quando a música parasse, elas
147

deveriam formar os desenhos das placas sozinhas. Destaco que a possibilidade de


interferência imediata no laboratório favorece que alguns problemas sejam contornados
imediatamente.

Em seguida, após a instrução, ela iniciou o jogo como havia sido combinado.
Porém, no primeiro caminhar ela já sugeriu que as crianças utilizassem a imaginação e
caminhassem pelo espaço como se estivessem andando na lua. Em seguida, mesmo antes
de parar a música e mostrar uma das placas, ela pediu que as crianças andassem como
se estivessem jogando futebol.

Observei que ela estava misturando o jogo das estátuas com o das placas. Após
alguns minutos ela mostrou uma das placas. As crianças formaram a forma: ela então se
lembrou parcialmente como era.

A regente iniciou cantando a música para as crianças conhecerem. Ela demonstrou


dificuldade na respiração, mas executou bem a canção. Porém, quando começou a passar
para as crianças, claramente teve dificuldade em manter o andamento.

As repetições foram variando de andamento durante a música deixando-a cada


vez mais lenta. Ela também teve dificuldades em marcar qual seria o andamento para a
correpetidora acompanhar, dificultando a parte instrumental. Como as crianças estavam
cantando e a ideia era conhecer a música decidi não interferir, porém as/os estagiárias/os
começaram a cantar para ajudá-la a manter a pulsação.

Ela focou mais no refrão para que as crianças decorassem a letra. Também foi
solicitado que cantassem de formas diferentes: boca fechada e boca muito aberta. Esta
proposta auxiliou que elas cantassem em seguida sem utilizar a letra, isto é, de memória.
O timbre das crianças estava metálico, porém as afinações, em sua maioria, se
mostraram satisfatórias. Como eles decoraram rapidamente ocorreu que a regente não
sabia mais o que fazer com o grupo, pois, no momento, parece que não imaginou que
poderia focar na música inteira, ao invés de somente o refrão. Provavelmente ela se
inspirou no ensaio anterior, no qual não ouve tempo para ensinar a música inteira, e não
imaginou que neste novo contexto poderia avançar.

Quando eu percebi que ela não sabia mais o que fazer assumi o restante da
148

passagem do repertório. Organizei com as crianças que elas construíssem corporalmente


estatuas que remetessem a atividades realizadas na praia, como nadar e tomar sol.

Organizamos os espaços e elas repetiram o refrão mais 3 vezes associando o


movimento corporal. Sugeri para as crianças que não imaginassem que o mar e essa
canção fossem muito fortes, que era necessário cantar de forma mais suave. A ideia era
reduzir o timbre metálico diminuindo a pressão do ar para acessar com mais facilidade o
registro da voz de cabeça. O resultado foi positivo, porém realmente diminui a projeção
sonora. Observei que as crianças são bem familiarizadas com propostas corporais, tendo
bastante repertório de movimentação com criatividade.

Por fim, solicitei que formássemos a roda para cantar a canção de despedida. A
última estagiária assumiu a função de ensinar a canção. Ela conseguiu demonstrar bem
a canção para as crianças, mas foi possível observar que estava nervosa, já que sua voz
saia tremula e não conseguiu controlar bem a respiração. Porém, as crianças receberam
bem a proposta, principalmente na movimentação dos dedos. Neste momento a voz das
crianças já estava com um timbre mais aveludado e suave, provavelmente devido à
correção realizada na proposta anterior.

[...]

Houve outras ocorrências similares em que eu tive que auxiliar as/os


estagiárias/os. A princípio, como todas as pessoas participantes fariam um rodízio na
condução nas atividades, só seria possível a cada pessoa exercer a condução do ensaio
uma única vez. Assim não foi possível avaliar neste momento a evolução das/os
estagiárias/os individualmente.

A dificuldade musical foi bastante recorrente e constantemente discutida nos


planejamentos. É importante perceber que nesse formato de laboratório existe a
possibilidade de acontecer algum tipo de auxílio de uma pessoa mais experiente que
mostra exemplos de alternativas naquele contexto a serem imediatamente
experimentadas para que a/o estagiária/o tenha uma experiência real com os problemas
que ocorrem nas práticas corais. No planejamento após o primeiro ensaio, a observadora
relatou:
149

(Transcrição do Planejamento após o primeiro ensaio realizado pelas/os estagiárias/os)

Observadora: O jogo do contrário eu não sei o que aconteceu. Da primeira vez eles
cantaram. A segunda vez, ela cantou (a estagiária que propôs a atividade), e eles
falaram.
Estagiária que propôs a atividade: eu comecei e senti que estava muito grave, depois
eu subi e eles não me acompanharam.

Rafael K: pode ser o salto que você deu. Foi muito grande o intervalo (uma quinta), caso
fosse mais gradativo, poderia ser que funcionasse, estruturando melhor a dificuldade
da atividade.

Estagiário A: a impressão que eu tive é que eles estavam na voz fala e a estagiária
proponente sacou isso e subiu a tonalidade. Ela poderia neste caso dizer para eles que
existem duas vozes, a falada, e a outra voz, a cantada e pedisse novamente que elas
cantassem.

Interessante destacar que comparado ao planejamento anterior, certamente pelo


fato das/os estagiárias/os estarem à frente das atividades, foi maior a quantidade de falas
durante os planejamentos seguintes. Percebi, a partir deste momento, que a participação
foi mais motivada e menos passiva. Como existem mais pessoas observando e temos um
momento de discussão logo após o ensaio, diversos olhares podem contribuir para a
melhoria das propostas, favorecendo a formação de todos os integrantes, inclusive a
minha.

Ao longo dos encontros com as crianças, na medida em que todas as pessoas


participantes fossem passando por essas vivências, possivelmente contribuiriam com
mais opiniões e sugestões durante os debates. Tendo tido a experiência direta com as
crianças elas podem, com mais propriedade, refletir sobre suas experiências e sobre
aquelas observadas nas outras regências, ampliando as perspectivas em relação aos
procedimentos da/o regente durante os ensaios.

O procedimento de investigação costuma fornecer maiores informações para a


escolha de quais as ações serão tomadas. Após a investigação, buscando possíveis razões
sociais, cognitivas ou pedagógicas, busca-se desenvolver a melhor estratégia pedagógica
150

para alcançar o objetivo estipulado. Ressalto também que o resultado sonoro do coral é
decorrente das vozes simultâneas, portanto, quanto mais treinadas individualmente,
melhor será o resultado sonoro total. Mesmo assim algumas dificuldades podem ser
diluídas dentro do grupo, onde uma pessoa auxilia a outra.

No segundo ensaio realizado pelas/os estagiárias/os, corroborando com a ideia


da importância de vivenciar as experiências para ter mais ferramentas para avaliá-las, a
observadora comentou:

(Transcrição do planejamento após o segundo ensaio realizado pelas/os estagiárias/os)

Observadora: eu achei que a passagem do repertório também foi muito afobada: de


repente já estava a música inteira com mil coisas e as crianças não estavam cantando.
Poderia ter voltado um pouco só para elas cantarem.

Estagiária F: você poderia ter focado no Maré (refrão) mesmo. Você já viu que nas
placas elas já não conseguiam fazer, tiveram mais dificuldade do que a outra turma.
Seria mais melhor começar pela parte mais fácil.

Quem fez este último comentário foi a primeira estagiária que regeu no ensaio
anterior e neste dia estava como observadora, isto é, a única do grupo (exceto eu) que já
tinha passado pela experiência de ensinar esta música, mesmo que não para o mesmo
grupo, porém para um grupo com um perfil similar.

Discutimos nos planejamentos deste período a necessidade de praticar a


simulação dos ensaios para que haja maior segurança na condução dos mesmos. Isto é,
mesmo que a/o estagiária/o acredite que sabia o que solicitará às crianças, à frente do
grupo às vezes se demonstra confuso. A consequência avaliada nesta falta de preparo
anterior da/o regente é a dificuldade da percepção do que o grupo está realizando para
consequentemente realizar a próximas instruções com mais eficiência, à luz dos objetivos
de cada proposta.

3.5.1.3 Dificuldades musicais e procedimentos


151

Para exemplificar situações de dificuldade musical, no segundo ensaio, uma


estagiária levou um pandeiro e perguntou se poderia tocá-lo no ensaio com as crianças.
Eu disse que sim e que poderia ajudar:

Quando ela começou a tocar, não conseguiu entrar no mesmo andamento do


violonista, eu tentei indicar o andamento para que eles tocassem juntos, mas não foi
possível. Fiquei com um dilema:

• Musicalmente o acompanhamento musical não estava ajudando no jogo.


O ideal era que a música estivesse corretamente executada para auxiliar
as crianças na assimilação do ritmo;
• O jogo poderia acontecer mesmo com uma música mal tocada, já que a
proponente continuou conduzindo a proposta;
• Para a estagiária que levou o pandeiro tocar melhor, precisaria praticar
muito e este poderia ser um momento para isso.

Decidi naquele momento que ela prosseguisse. Imaginei que ela melhoraria ao
longo das experiências que adquiriria. Mesmo com a dificuldade musical do
acompanhamento, a regente conseguiu manter a atividade.

Durante os planejamentos que se seguiram começaram a surgir mais falas a


respeito das dificuldades musicais:

(Transcrição do planejamento após o segundo ensaio realizado pelas/os estagiárias/os)

Estagiária B eu acho que além da ansiedade tem que tomar cuidado para não cantar
desafinado porque as crianças aprendem super-rápido.
Uma das questões interessantes e relevantes deste tipo de formação laboratorial
é que quando a/o estagiaria/o esquece algo ou fica perdida/o durante a atividade pode
ser possível a ajuda e correção imediata pelos outros participantes, mesmo após ser
percebido e alterada a proposta. Nesse ambiente também podem ser verificados
imediatamente os resultados das mudanças ou esquecimentos de determinados
procedimentos para ajudar as crianças nos processos de aprendizado.
152

Em outro caso similar, no terceiro ensaio, o regente fez a contagem regendo para
a violonista e, ao entrar cantando, começou errando o desenho melódico da primeira
frase da música. Imediatamente eu cantei a frase para que ele conseguisse perceber o
engano. Ao começar a cantar mais uma vez fiz um sinal para que todas as estagiárias e
estagiários cantassem juntos com o regente para ajudar.

Ao fim da canção ele começou pedindo que as crianças repetissem a letra, após
ele realizar a primeira leitura da primeira metade da canção uma frase de cada vez. Em
seguida já pediu que elas cantassem e, neste momento, todos os adultos cantaram juntos
novamente.

Percebendo que as crianças não estavam cantando parou a canção e mostrou a


primeira frase da canção, porém cantando em falsete (na oitava das crianças). Acredito
que ele queria estimular o uso da voz de cabeça nas crianças, mas cantou a frase
desafinada e, ao solicitar que as crianças cantassem, não surtiu efeito; as crianças não
cantaram. Depois, ele sugeriu que as crianças cantassem fazendo uma coreografia, onde
cada frase musical fosse executada com um gestual com os braços. E passou a música
inteira uma única vez.

Ao pedir para que cantassem e dançassem sozinhas elas não cantaram nem a
primeira frase. Ele parou e comentou para elas que estava difícil fazer tudo ao mesmo
tempo e iria fazer junto com elas para ajudá-las. Ao reiniciar, todos na sala precisaram
cantar porque as crianças não cantaram. Não ocorreu a proposta de pedir que elas
cantassem de formas diferentes, atividade que poderia ter estimulado o canto e a
memória.

Em seguida ele pediu que elas ficassem em pé e se dividissem em dois grupos.


Pediu para que elas fizessem alguma movimentação corporal que representasse uma
ação realizável na praia: nadar, tomar sol, pescar, entre outras. Ele pediu então que elas
cantassem se movimentando. Novamente elas não cantaram e ele parou a proposta e
retomou o gestual que havia criado na segunda vez que mostrou a música.

Parecia que ele estava confuso e, por fim, elas não cantaram nenhuma frase
sozinhas. Decidi não interferir pois queria ver até onde a proposta chegaria. Me pareceu
153

que não chegou a lugar nenhum. Ocorreram tentativas de tentar estimular as crianças,
falando que não estava escutando ou fazendo o sinal de levar as mãos aos ouvidos.
Porém, em nenhum momento ele parou o que estava fazendo e disse a todos com clareza
e atenção que elas não estavam cantando, ou cantando muito baixo.

No cenário em que a/o estagiária/o possui as habilidades para estudar com


autonomia, a dificuldade musical pode ser fruto da falta de preparo prévio. Caso estas
habilidades não estejam bem desenvolvidas faz-se necessário buscar treinamento para
supri-las. A dificuldade deste momento é que não tínhamos tempo para que eu
acompanhasse o estudo musical individual de cada estagiária/o.

Destaca-se a fundamental importância do papel da regência de ser uma referência


musical para as crianças. Ao buscar dar exemplos vocais, caso estes sejam executados de
forma incorreta, as crianças cantoras tendem a imitar o modelo apresentado, assimilando
indevidamente a música. Também destaco que caso a/o regente não perceba seus erros
musicais dificilmente terá condições de detectar os mesmos erros nas crianças.

Em relação ao currículo, as práticas musicais da Licenciatura possuem menor


carga horária comparada às disciplinas teóricas. Me refiro às práticas musicais, às
vivências que proporcionam o fazer musical além do estudo da percepção e da rítmica.
Seriam as situações nas quais as/os estudantes teriam acesso à realização musical de
algum tipo de repertório e a prática de formação em grupo.

Para as questões procedimentais, no segundo planejamento das oficinas


experimentais houve algumas dúvidas principais e tentamos esclarecer tudo. Os
principais procedimentos levantados foram:
• Caso as crianças não cantem, propor que utilizem vozes diferentes, porém
ao invés de pedir, desafie o grupo, como no exemplo:
SOLICITAR: cantem agora somente a vogal U.
DESAFIAR: quem consegue cantar somente com aa vogal U?
Por meio do desafio, as crianças entram no contexto lúdico do jogo e ficam
mais motivadas para executarem as propostas;
Quando as crianças cantarem a linha melódica com uma única vogal,
faz-se importante estimular o legatto, almejando um fluxo de ar contínuo,
154

sem mudança de registro e sem articulação entre uma nota e outra, com
a melhor afinação e precisão rítmica possível. A ideia é buscar um timbre
uniforme, sem ataques glóticos desnecessários e musicalmente bem
executado;
• Todas as propostas que forem solicitadas às crianças precisam ser
demonstradas com referências para que elas executem com mais
facilidade;
• Ao fazer algum tipo de demonstração vocal, faz-se necessário exagerar no
modelo para deixar bem claro qual mudança sonora seria a desejada;
• Quando for percebido que as crianças não estão realizando algo
corretamente, sempre lembrá-las da forma correta, porém associada a
algum estímulo positivo: “crianças ainda não estou ouvindo todas
cantarem, mas já melhorou da última vez”. Mantendo o grupo animado
com a proposta e acreditando que estão melhorando.

No terceiro ensaio realizado pelas/os estagiárias/os:

O proponente da atividade decidiu começar a explicação do jogo do contrário, pelo


jogo vivo ou morto (as crianças ficam em pé quando é dito “vivo” e abaixadas quando é
dito “morto”). Ele começou com a seguinte sequência: vivo, morto, vivo. A maioria das
crianças realizaram a movimentação ao contrário e ele comentou, alertando para o
gesto. Porém, em seguida, ele já propôs a segunda parte: ele falaria um movimento,
porém faria outro, para confundir as crianças. Realmente, todas se confundiram a
maioria das vezes.

No jogo do contrário cantado as crianças não conseguiram cantar nenhuma


sequência no início. Ele falava muito rápido e estava difícil de memorizar. Mesmo não
tendo resultado positivo das crianças ele continuou acrescentando elementos no jogo,
dificultando mais ainda a proposta.

Vendo que as crianças não estavam conseguindo, pedi para o estagiário que
mostrasse, numerando com os dedos, a quantidade de palavras da sequência auxiliando
as crianças, e falasse mais devagar. Ele começou a fazer a contagem e o resultado foi
155

positivo, já que algumas crianças começaram a acertar mais vezes as sequências. Porém,
ele não conseguiu que elas cantassem, tornando o jogo apenas falado. Ele parecia ansioso
atropelando algumas etapas, e quando elas erravam as sequências ele não comentava
que aquela não era a resposta correta.

Devido a esta ocorrência debatemos a importância de estimular primeiro a


fonação de algum trecho da música antes de continuar a passagem da canção. O
importante é motivá-las de formas variadas para que elas comecem a cantar e só depois
realizar as devidas correções. Vale ressaltar que isso deve acontecer quando for
percebido que o grupo não está cantando. Ressaltei a importância de não corrigir as
crianças em tudo de uma vez só para não ficar confuso, a ideia é ir ajustando as ações
para que elas consigam melhorar sua performance por etapas.

Visando uma solução para auxiliar no estudo musical, no planejamento da quarta


oficina experimental, uma das estagiárias/os sugeriu:

(Transcrição do planejamento após o terceiro ensaio realizado pelas/os estagiárias/os)

Estagiária A que propôs a primeira atividade: acho que podemos chegar mais cedo para
podermos passar as partes musicais.

Estagiária F: concordo! E podemos combinar as frases musicais para o jogo das placas,
por que achei que ficou muito tempo tocando. Sugiro duas frases musicais e assim
também já fica combinado com quem estiver tocando violão. Pode ser duas vezes o
refrão também.

Decidimos que a partir do 4º encontro, chegaríamos mais cedo para o ensaio


musical. A partir desta decisão tínhamos um momento anterior em que realizávamos os
ensaios musicais. Eu acompanharia e auxiliaria nas questões musicais.

Constantemente neste período retomávamos: para que serviam as propostas e


quais seriam os principais objetivos a serem alcançados. Busquei salientar que quando
observamos que o grupo não consegue realizar determinada ação, ao invés de não
interferir, pode ser mais interessante alterar a atividade para que elas alcancem os
objetivos da proposta. A ideia é fornecer uma referência visual concreta para as crianças
156

de como elas ocupam o espaço para estarem de fato bem distribuídas.

A experiência adquirida ao longo do tempo em ensaios é fundamental para que


a/o regente consiga lidar com as situações adversas. Qualquer coisa pode acontecer
durante os encontros, principalmente com crianças. Destaca-se que, especificamente em
grupos novos, leva considerável tempo para compreender os melhores processos de
ensaio para o coral, para que eles estejam de acordo com o contexto em que ele está
inserido. É importante notar que o planejamento é fundamental para que as atividades
sejam organizadas, auxiliando a/o regente durante a sua rotina de ensaio. Porém, esse
planejamento não pode ser encarado como uma bula a ser seguida, faz-se necessário ter
flexibilidade para conseguir avaliar se a atividade proposta está funcionando e, caso
contrário, qual será a alteração necessária e imediata para que a atividade ocorra da
melhor forma possível e almejando os melhores resultados.

Dificilmente poderíamos avaliar o grupo em um encontro só ou compará-lo com


os coros dos encontros anteriores, primeiro por serem crianças diferentes e, segundo,
porque os procedimentos dos ensaios também não foram exatamente cumpridos como
combinado. Sendo assim, ressaltei nos planejamentos a necessidade de cada pessoa se
preparar mais para desenvolver as atividades e ensaiar em casa como se estivessem
falando com as crianças. Quando a/o regente está mais preparada/o e consciente dos
objetivos de cada proposta, pode alterá-la com mais facilidade quando ela não funciona,
pois sabe concretamente quais são suas intenções, mantendo o grupo ativo e
aprendendo. No caso das crianças, quando a/o regente se perde, se desconcentra ou não
consegue conectar uma atividade a outra, isso pode gerar a dispersão da concentração e
foco das crianças, e retomada leva tempo considerável.

Após a terceira semana observei que as atividades estavam bem incorporadas


pelas/os estagiárias/os. A prática tanto na ação durante o ensaio quanto observando as
e os colegas auxiliou a diminuição das dificuldades e os planejamentos, antes ocupado
pelas passagens musicais e relembrando como funcionam as atividades, começaram a
ter mais espaço para discutir quais seriam os próximos objetivos das atividades, já que
havia segurança na execução daquelas que estavam sendo propostas.

A melhora nos estagiárias/os também foi observada por eles. Após apontarmos
157

com mais clareza os problemas musicais, as/os estagiárias/os começaram a se autoavaliar


com mais frequência nas reuniões:

(Transcrição do planejamento após o quarto ensaio realizado pelas/os estagiárias/os)

Estagiária que propôs o jogo das placas: eu achei que as crianças ficaram muito
grudados e eu esqueci de falar para as crianças andarem em silêncio para ouvir o
acompanhamento musical. (Neste caso, ainda bem que não estavam muito atentas à
música, por que estava sendo mal executada.) [..] eu tentei caminhar pelo espaço
indicando os buracos para as crianças preencherem, mas foi muita informação ao
mesmo tempo, elas estavam entretidas em resolver as formas de caminhar.

O interessante nesta fala é que a estagiária relatou sua dificuldade e já avaliou


seus procedimentos simultaneamente, observando como as crianças responderam às
atividades. De forma positiva as reuniões podem ter despertado nela o olhar crítico sobre
as propostas e sobre como a escolha dos procedimentos afetam a qualidade dos
resultados. Foi a primeira fala com este perfil durante os planejamentos até aquele
momento. Além de poder ser um bom observador das crianças a/o regente precisa
também se autoavaliar para verificar se o problema não está na forma como conduz ou
se comunica com o seu grupo, dificultando a compreensão de todas as crianças.

Outro aspecto relevante deste momento, e que justifica a existência e


participação no LARCI, relaciona-se à dificuldade das/os estagiárias/os de estimular as
crianças quando a proposta não acontece da forma esperada ou alterá-la quando é
avaliada como ineficiente, isto é: as crianças não estão conseguindo realizar bem o que
o foi proposto e a/o regente não sabe como corrigir ou não percebe o erro.

Avalio também que como utilizamos as mesmas propostas em todos os ensaios,


as/os estagiárias/os foram adquirindo referências mais variadas, ampliando o potencial
do debate.

3.5.1.4 Planejamento dos ensaios abertos


158

Após o quarto ensaio, no quinto planejamento das oficinas experimentais, nos


dedicamos discutis os planejamentos dos ensaios que aconteceriam quando a oficina
estivesse de fato aberta e com livre circulação. Na medida em formos conhecendo as
turmas, as/os estagiárias/os também começaram a apresentar mais hipóteses, sugerindo
para seus pares alternativas de melhoria:

(Transcrição do planejamento após o quarto ensaio realizado pelas/os estagiárias/os)

Regente: achei que tem que arredondar as vogais


Rafael: por que?
Regente: achei muito estridente
Rafael: concordo, mas além das vogais estarem muito abertas, elas estavam cantando
com muita pressão de ar. Seria interessante suavizar, buscar uma sonoridade mais leve.
O que você sugeria para o grupo?
Regente: que eles mudassem a forma da boca
Rafael: mas eles simplesmente não iam fazer isso só porque você pediu. Normalmente
elas precisam de mais instruções para compreender.
Regente: para começar eu faria um exercício de vogal com o posicionamento dos lábios.
Rafael: costuma funcionar mesmo, mas só cuidado que este exercício, quando o grupo
não é afinado, não costuma ajudar muito. Fazer exercícios técnicos com arpejos ou
escalas quando as crianças são muito desafinadas só reforça que elas continuem
cantando desafinado e viciem na desafinação. Importante no começo afinar o grupo e
aos poucos ir introduzindo propostas de ajuste técnico vocal. Evidente que a técnica vai
auxiliar na afinação, mas é mais fácil corrigir dentro de um contexto musical. Isto é, ao
invés de corrigir afinação no vocalize, utilizar uma frase musical bem cantabile como
exercício técnico. Corrigir a afinação dentro de um contexto musical e não somente um
exercício técnico. A música vai ajudar.
Regente: entendi, posso pedir para elas cantarem a mesma frase de jeitos diferentes,
uma vez bem estridente e outra suave.
Rafael: costuma ser mais interessante desta forma, pois proporciona uma experiência
mais prática de técnica vocal e também ajuda que elas vão decorando a canção. Só não
esquece de sempre ressaltar qual será a voz que usaremos em cada trecho que este tipo
159

de exercício for solicitado. Tenta também utilizar referências lúdicas: canta com
carinho, canta como estivesse contando um segredo, canta como se estivesse falando
com uma pessoa muito longe, canta superaberto, etc... Lembrem-se que quando elas
começarem a cantar com menos pressão ou de registro de cabeça, perde ressonância,
sendo assim, diminui a intensidade do som. Mas os desafios técnicos são resolvidos por
etapas. Primeiro ela se acostuma com o registro de cabeça e depois buscamos uma voz
com foco. Só evitem que as crianças cantem com muito vasão de ar, aquele som aerado.

Achei interessante e positivo a regente conseguir perceber as variações do timbre


vocal das crianças e já conseguir simultaneamente levantar hipóteses que visam a
melhoria da performance vocal. No geral, as/os participantes conseguem com mais
autonomia discutir os problemas e as soluções dentro dos ensaios.

Neste dia (após o 4º ensaio), discutimos a tessitura vocal do repertório que seria
escolhido para os ensaios abertos.

Após uma explicação sobre as notas de passagem, em que as crianças conseguem


fazer a passagem de voz de peito para a cabeça entre a nota sol 3 e lá 3. Evidentemente
aquelas que possuem pouca ressonância, fruto de uma voz com pouca pressão de ar,
muito leve, acessam a voz de cabeça com mais facilidade entre as notas mi 3 e fá 3. Do lá
3 para cima poucas crianças afinariam com o registro de peito sem um preparo vocal ou
algum tipo de experiência ou familiaridade com o timbre nesta tessitura (belting).
Dificilmente o ataque no dó 4 seria com facilidade acessado com a voz de cabeça. Porém,
além da tessitura, ao escolher o repertório, faz-se necessário observar os intervalos entre
as notas e o seu desenho melódico. Um ataque vocal em uma nota muito aguda costuma
ser tecnicamente mais difícil que cantá-lo comparado quando a mesma nota está dentro
de uma frase musical com intervalos gradativos.

• A tessitura é uma das questões que definem a dificuldade do repertório,


porém, os desenhos melódicos influenciam os mecanismos técnicos
necessários para a realização com uma sonoridade tecnicamente aplicada.

Uma das estagiárias trouxe duas canções e cantou para o grupo. Aparentemente
o grupo se interessou pelas canções. Combinei com o grupo a criação de um grupo de
160

WhatsApp para podermos enviar as partituras que escolhermos ou discutirmos assuntos


relacionados ao grupo. Decretei que estava proibido o envio de qualquer questão que não
estivesse relacionada diretamente com o LARCI.

A estagiária responsável pela produção do grupo foi designada para criá-lo no


WhatsApp e que fossem enviadas fotos das partituras no grupo, além da rotina descrita
por e-mail com cada função determinada.

Retomamos o debate do repertório que seria escolhido. Começamos com uma


pergunta:

(Transcrição do planejamento após o quarto ensaio realizado pelas/os estagiárias/os)

Estagiária que propôs o jogo das placas: Rafael, você sempre escolhe o repertório antes
de conhecer o perfil do grupo?
Rafael: quando o grupo é novo, eu escolho uma canção para começar que eu já tenha
utilizado em algum outro grupo e avaliei como positiva. Normalmente pode ser
interessante ter alguma canção falada para começar também que é mais fácil que uma
cantada. Comece com alguma coisa que você acredite que dará certo para motivar o
grupo e ao longo do processo, você vai organizando o repertório de acordo com a
dificuldade de execução. Mas é bom lembrar que precisam ser músicas realizáveis, bom
ficar atento. Não existe uma receita de bolo, mas algumas canções são realmente mais
simples que outras. Quando for reger algum grupo que já existia é melhor olhar antes
o que eles já cantavam e escutá-los uma vez, a partir daí, escolher o repertório. Quando
eu era criança, participava de um coral infantil, então uso até atividades que eu lembro
de ter realizado.
Neste encontro foi solicitada uma pesquisa individual de propostas de repertório
preferencialmente buscando referências gravadas.

No 5º planejamento lemos 2 canções (Lamento da Lavadeira, Garota do Tacacá e


Vocalize14) que foram sugeridas pelas estagiárias, e escolhemos em quais momentos
seriam utilizadas durante os ensaios. A ideia foi que a maioria dos momentos da rotina

14
As partituras estão nos anexos 4 e 5 respectivamente
161

fosse cantada para ampliar o repertório vocal, já que seriam apenas 50 minutos. Desde o
aquecimento corporal ao repertório normal em si seriam utilizadas pequenas canções.

Acordamos que no próximo ensaio poderiam ser levadas mais alternativas, mas
essas três já seriam utilizadas. Sugeri que no próximo planejamento tentaríamos fechar
boa parte do repertório e dividiríamos as canções entre as/os regentes para todos se
prepararem. Durante a leitura das três canções foram necessárias correções no solfejo.
Realizamos a leitura juntos, pode ser que separados não fosse possível devido à
dificuldade musical de alguns integrantes. Após as correções musicais conversamos sobre
outras ideias de músicas.

Escutamos algumas versões das canções que encontramos na internet e


discutimos um pouco algumas correções na partitura, já que uma delas tinha sido
transcrita por uma das estagiárias. Destaco que quem levou mais repertório foi uma
estagiária que era cantora infantil, isto é, possuía mais vivências na área, as demais
pessoas perguntaram sugestões de onde poderiam achar, então sugeri:

• Procurem na internet vídeos de coros infantis para ter um panorama de


referências de grupos diferentes e possibilidades de repertório;
• O acesso a partituras é mais complicado, provavelmente algumas
canções teremos que escrever o arranjo;
• Buscar canções com estilos variados, favorecendo a dinâmica dos
ensaios;
• As crianças costumam ser mais agitadas que adultos, neste sentido,
perceber o repertório também a partir da “energia” do grupo. Crianças
mais agitadas podem se interessar mais por canções mais ritmadas;
• Buscar melodias agradáveis e também é importante a/o regente gostar do
repertório;
• Lembrar que as canções serão repetidas diversas vezes durante o
semestre, neste sentido, quanto mais pessoas gostarem da música, mais
agradáveis serão os ensaios;
• Evitar clichês do repertório dito infantil. As crianças podem executar
qualquer canção, no entanto, é necessário ter atenção ao conteúdo das
162

letras.

Dedicamos os dois últimos planejamentos para também organizar como seria o


início da oficina aberta. Estudamos as canções trazidas para organizarmos como seriam
os próximos ensaios e em qual sequência ensinaríamos as músicas para as crianças.

A princípio começaríamos por duas, Lamento da Lavadeira e Garota do Tacacá. As


estagiárias que trouxeram essas canções seriam as responsáveis pelos ensaios. Nos
ensaios também haveria um momento para a prática da percussão corporal, que seria
realizado por algum dos estagiárias/os, além do aquecimento vocal realizado por outra/o.
Também dividiríamos os acompanhamentos musicais e a observação para todos
realizarem pelo menos uma função.

No último planejamento, antes da abertura da oficina oficialmente com o livre


trânsito das crianças, começamos a passagem do repertório com a primeira música para
começar essa aula:

A regente responsável pela música sugeriu também utilizar o manossolfa na


canção. Sugeri que fosse alterada a última parte da música, realizando uma frase
ascendente ao invés de descendente como havia sido composto originalmente, porém,
deixei que a regente escolhesse em casa como achasse melhor. Um dos estagiários se
ofereceu para tocar piano para esta canção. Decidimos também, como procedimento do
primeiro dia, marcar a mão das crianças o lado direito ou esquerdo para facilitar. Em
seguida sugeri algumas formas de passar pela primeira vez uma canção nova: repetição,
estímulos positivos, uso do gesto corporal.

Foi solicitado por uma as estagiárias o envio de algum texto teórico. Combinei que
depois do primeiro ensaio no formato novo, verificaríamos qual foi a maior dificuldade e
a partir dele, eu escolheria a bibliografia e discutiríamos semanalmente.

A próxima canção foi o Lamento da Lavadeira, a regente começou falando sobre


a necessidade de refazer a partitura. Um estagiário ficou responsável por tocar o violão.

(Transcrição do planejamento após o 5º ensaio conduzido pelas/os estagiárias/os)


163

Regente: acho que faz mais sentido começar pelo começo da música mesmo, por conta
de letra. Não consigo imaginar esta música segmentada. Prefiro começar da primeira
parte.
Estagiário A: vai ter coreografia? Porque qualquer coisa você cantava e eles iam
aprendendo os gestos ou vice-versa, porque a letra é grande. E eles cantando mesmo,
só o refrão que é mais fácil, já que tem pouco tempo para cada música.

Achei ótima a sugestão e é possível verificar que as/os estagiárias/os conseguem


com mais autonomia refletir sobre as questões do ensaio. A regente também gostou da
ideia e se programou para pensar em um gestual para as estrofes e ensinar o refrão
concretamente para as crianças.

3.5.2 Estrutura do ensaio (panorama geral)

Este subcapítulo apresenta os assuntos discutidos nos planejamentos em relação


a estrutura do ensaio com as crianças levantando pequenas alterações necessárias
durante as oficinas experimentais. Neste sentido, o primeiro encontro com as crianças
foi fundamental para podermos avaliar se as atividades que eu havia previamente
apresentado ao grupo na semana anterior seriam relevantes e eficientes. Em toda a
primeira fase de implementação das oficinas experimentais utilizaríamos a mesma
estrutura de rotina de ensaio, porém, a forma como íamos apresentando as atividades
foi sendo alterada à medida que eram discutidos os problemas que as/os estagiárias/os
foram encontrando enquanto conduziam as propostas.

A questão estrutural do ensaio não sofreu muitas mudanças ao longo destes


primeiros 6 encontros. Mantivemos todas as atividades para que as/os estagiárias/os
fossem se aprimorando a partir da observação de seus pares.

A partir do quarto planejamento, após o ensaio realizado pelas/os estagiárias/os,


começamos então a discutir o repertório futuro do grupo, já que no planejamento
164

anterior foi sugerido que todos realizassem uma pesquisa para termos algumas
possibilidades, além da música Maré que já estava incluída.

Acordamos que os ensaios com os grupos manteriam a mesma estrutura de


propostas: 1) acolhida, 2) jogo, 3) aquecimento e 4) repertório, não necessariamente na
mesma ordem. Quando estivéssemos mais próximos do fim do semestre e da
apresentação dedicaríamos mais tempo para a passagem do repertório.

Para termos uma quantidade razoável de canções o ideal seria que todas as
propostas estivessem vinculadas com a atividade do canto: um jogo cantado, roda de
acolhida cantada, aquecimento com pequenas canções ao invés de exercícios
convencionais, entre outros. Também pensei que para termos um tempo razoável de
repertório para a mostra teríamos que começar os ensaios já com o repertório completo,
pois só teríamos dois meses e meio para a preparação.

Descrevi para o grupo a sequência da rotina para que, na semana seguinte, todos
pudessem trazer sugestões de como seria desenvolvido o primeiro ensaio da oficina
aberta:

• O ensaio será iniciado pela atividade de percussão corporal como proposta de


alongamento. Um estagiário na semana anterior ficou responsável por montar
uma coreografia. A ideia era buscar uma proposta para o despertar do corpo
simultaneamente com a estimulo do aprendizado do pulso rítmico e memória
coreográfica;
• Após a percussão corporal será proposto o aquecimento vocal, neste caso,
iríamos usar as mesmas atividades;
• Ensino do repertório novo. A ideia era no começo dos ensaios passar o repertório
novo, enquanto as crianças estão mais dispostas. Após a passagem do repertório
novo, retomamos a canção Maré que as crianças já conhecem;

No quinto planejamento, outra estagiária levou uma sugestão de canção que ela
acreditava que seria interessante como aquecimento vocal. Decidimos incorporar no
começo do ensaio, após as atividades de técnica vocal. Ensinaríamos a canção
progressivamente para não desgastar as crianças, já que ela não estaria a princípio
165

incluída no repertório.
(Transcrição do quinto planejamento após os ensaios realizados pelas/os estagiárias/os)

Estagiário A: mas tudo na mesma aula?


Rafael: a ideia não é ensinar a música inteira. Nós ensinamos partes de cada canção
para que não haja tanto desgaste na passagem do repertório. Nos organizamos para
que no fim do semestre as músicas fiquem preparadas quase que simultaneamente.
Assim os ensaios sempre terão novidades e o repertório não fica enjoativo, já que não
cantamos a música inteira durante todo o período do ensaio. Ensinamos por pedaços.
Escolhemos de acordo com a dificuldade do repertório. Os ensaios também ficam mais
dinâmicos.
Estagiária B: você acha que apresentamos a música inteira para as crianças?
Rafael: normalmente vale a pena, mas depende de qual é o objetivo e qual habilidade
você quer desenvolver. Mas sempre é valido escutar a canção inteira antes de
aprendê-la. Por exemplo: no “Para começar esta aula”, uma das dificuldades está
centrada nas crianças conseguirem saber o lado direito e o esquerdo cantando.
Podemos no primeiro momento propor alguma atividade que aborde esta questão.
Mesmo que não estejamos cantando necessariamente a música já projetamos quais são
os desafios que as crianças encontrarão e vamos construindo o repertório
gradativamente.
Estagiária C: mas no caso da direita e esquerda como exemplo, você acha que vale a
pena escolher outra música para também ensinar isso?
Rafael: acho que seria válido se tivéssemos mais tempo de ensaio. No nosso caso, como
são poucos encontros e rápidos, acho mais eficiente ir direto com a canção que vai ser
utilizada para otimizar. Fica um pouco mais focado. Faz uma dinâmica de direita
esquerda e já começa a canção que fala sobre esse pedaço. Vamos conversando sobre
cada momento do ensaio e estagiário, começa mostrando qual é a sua coreografia de
percussão corporal. Já decidimos também quem irá tocar o acompanhamento musical.

Também no quinto planejamento, o estagiário responsável pela percussão


corporal, enquanto debatíamos, criou uma sequência e apresentou sua criação para o
grupo.
166

O primeiro ponto foi que sua coreografia começava com o pé esquerdo e as demais
atividades normalmente começamos pela direita. Sugerimos seguir esse padrão.
Retomamos a importância de a/o regente conseguir realizar tanto começando pela
direita, quanto pela esquerda, para ajudar as crianças enquanto estiver de frente para
elas (espelho).

O grupo deu sugestões de movimento. Eram três partes. Sugeri que


provavelmente no primeiro dia elas não conseguiriam aprender todas as três partes. As
duas primeiras já seriam interessantes. Todo o grupo aprendeu a sequência. Perguntei
ao estagiário:

(Transcrição do quinto planejamento após os ensaios realizados pelas/os estagiárias/os)

Rafael: para ensinar as crianças, o que você faria primeiro?


Estagiário: primeiro eu faria algo sobre direita e esquerda para começarmos do lado
certo.
Rafael: mas como você começaria?
Estagiário: eu faria e eles repetissem.
Rafael: eu acho importante e fundamental a imitação, mas eu sugiro que você
acrescente comandos vocais para as crianças irem fazendo e falando: pé, volta, palma,
peito. Falando no ritmo para auxiliá-las tanto na memorização da sequência quanto na
assimilação do pulso. Estimular a criança ao falar no ritmo os gestos auxilia que ela
organize seu pensamento e, simultaneamente, realize com mais facilidade. Importante
você fazer a contagem para começarmos juntos.

Após alguns treinos o estagiário conseguiu realizar a contagem antecipando a


entrada da percussão e treinou também a condução da atividade. Também escolhemos
a estagiária para acompanhar no piano a proposta.

Destaco que na formação, além de discutir a importância do planejamento das


atividades, faz-se necessário o preparo de como será a condução da proposta, isto é,
como será explicado e dirigido de modo que seja mais eficiente e compreensível. Neste
sentido, quanto menos experiência no trabalho didático com crianças, mais importante
167

o treino da oratória, além de tentar imaginar como o grupo responderia normalmente ao


tipo de atividade que será proposta e já prever possíveis conflitos na intenção de
evitá-los.

Combinamos que já que a percussão corporal seria realizada em filas, como


seriam 30 crianças o limite, ao chagarem já organizaríamos 3 filas com 10 crianças em
cada. Foi sugerido também que fosse proposto um pequeno alongamento de pescoço,
braços e coluna antes de propor a percussão.

Após a escolha das canções do repertório, passamos a fala para a estagiária que
se ofereceu para ser a responsável pela proposta de aquecimento vocal:

(Transcrição do quinto planejamento após os ensaios realizados pelas/os estagiárias/os)

Estagiária: o que nós vamos propor como meta vocal neste começo?
Rafael: no começo a fonação e a exploração do registro agudo.

Ressaltei a importância de falarmos também sobre o alinhamento corporal com


as crianças, enfatizando a postura adequada para a prática coral. Começamos a discutir
qual seria o modo de nos referirmos à postura coral. Alguns comentaram sobre a
complicação de solicitar para as crianças “ficarem retas” ou na “postura correta”, pois ao
ouvir essas expressões elas poderiam ficar enrijecidas, duras, como a pose do “soldado”.
Decidimos que íamos dizer termos como “alinhados” ou “postura para cantar” ficando
atentos com relação a um possível enrijecimento corporal das crianças. Buscaríamos um
corpo alinhado, porém relaxado.

Caso as crianças não estivessem cantando corretamente na primeira tonalidade


não haveria motivos para a mudança da tonalidade. Importante primeiro elas afinarem
e depois ir subindo a tonalidade para que não fiquem repetindo a melodia de forma
incorreta, evitando vícios melódicos desnecessários.

Demarquei os seguintes pontos para o preparo vocal:

• Fonação;
• Articulação.
Caso eles estejam muito desafinados, como o vocalize não trabalha uma extensão
168

vocal muito grande, vale a pena direcionar a nossa atenção para a correção da afinação.
(Transcrição do quinto planejamento após os ensaios realizados pelas/os estagiárias/os)

Estagiária: o que você acha de corrigir afinação com boca chiusa?


Rafael: o boca chiusa serve para que?
Estagiária: ressonância.
Rafael: então pode ser que não ajude na afinação, além do que você não conseguirá
distinguir nem escutar tão bem as desafinações.

A/o regente pode perceber quais são os pontos problemáticos vocais antes de
propor alguma atividade que de fato vá auxiliar no preparo vocal. O uso de vocalizes
como “receitas de bolo” costumam não ter uma finalidade efetiva, tornando-se algumas
vezes atos mecanizados que não realizam necessariamente o desenvolvimento do
quesito técnico para que foi proposto. Não existe vocalize mágico. Existe, sim, boa
percepção vocal para escolher e ir corrigindo a produção vocal até que a sonoridade
alcance o objetivo almejado.

No 6º e último planejamento antes dos ensaios abertos, combinamos que seriam


inclusos no planejamento exercícios do canto da escala diatônica. Todo o nosso
repertório, inicialmente, utilizou essa escala como estrutura musical, então, decidiu-se
que as crianças também praticariam a escala. Adotamos também os gestos clássicos do
manossolfa para ajudar.

Neste dia, concluímos o seguinte planejamento para a abertura das oficinas:

• Chegar 30 minutos antes para a passagem musical e, nesse período, quem


não tivesse o que ensaiar ou já havia terminado, iria fazer os convites nas
salas, lembrando as crianças da oficina;
• Iniciaríamos o ensaio com a passagem da coreografia de percussão
corporal;
• Seria ensinada a canção Para começar essa aula. A estagiária ficou
responsável por planejar uma proposta para ensinar a letra da canção ou o
seu gestual, já que seria incorporado o manossolfa;
• Em seguida, ensaiaríamos a canção Garota do Tacacá. A responsável
169

prepararia uma pequena explicação para apresentar a canção para as


crianças;
• Ensaiaríamos a canção Maré, para retomar o que as crianças já haviam
cantado da primeira oficina;
• Por fim, mostraríamos a música Garota do Tacacá, caso a dançarina fosse.

Estruturamos os seguintes horários:

• 09h às 09h30 – passagem musical e preparo do ensaio (primeiro momento);


• 09h30 às 10h30 – ensaio;
• 10h30 às 11h30 – planejamento (segundo momento).

3.5.3 Mais reflexões do observador

A minha primeira observação ao escrever o diário de campo, revendo os vídeos


deste dia, foi a alteração de postura das/os estagiárias/os nos planejamentos. No início,
quando apresentavam uma questão qualquer eu falava algumas possibilidades e
alternativas tentando justificar as minhas escolhas. Após refletir, decidi que tentaria
sempre responder com uma outra pergunta ou, pelo menos, iniciar o debate realizando
outras perguntas ao invés de dizer as respostas. Tinha a intenção naquele momento em
estimular a autonomia na reflexão das/os estagiárias/os e que favorecer que pudessem
fazer relações com outros saberes adquiridos fora daquele espaço.

É importante destacar que os ensaios seguintes não teriam sempre o mesmo


formato, como consequência, haveria menos tempo para que organizássemos treinos de
como conduzir as propostas.

Eu, a princípio, também contei com que o estudo musical individual fosse mais
eficiente e percebi que existe uma defasagem dentre as habilidades. Quando a/o regente
ou condutor de qualquer atividade tem problemas musicais, também tem mais
dificuldade para organizar a condução do ensaio. Completando a dificuldade deste
quadro as/os estagiárias/os precisam de mais tutoria para corrigir as questões musicais,
170

por não perceberem eventuais erros.

Sendo assim, a realização do laboratório sem uma pessoa com mais experiência e
proficiência musical poderia ser prejudicada. Essa supervisão não teria como ocorrer
somente nos planejamentos, já que os erros aconteciam nos ensaios e prejudicavam o
andamento do mesmo, além de prejudicar o aprendizado das crianças.

Mesmo na condução das atividades, quando a/o estagiária/o é inexperiente,


mesmo que a pessoa saiba o que precisaria ser feito, por nervosismo ou por alguma
ocorrência inesperada, não consegue dar prosseguimento à atividade, desviando-se dos
objetivos ou mesmo não conseguindo mais que as crianças realizem qualquer outra
proposta, sendo necessária a interferência direta, auxiliando-a/o.

3.6 Ensaios abertos

Os ensaios abertos representaram a última fase de implementação do LARCI neste


1º semestre de 2018 (10/04 até 22/05). Eles totalizaram seis encontros com as crianças.
Inicialmente planejamos que teríamos nove ensaios, lembrando que no último dia
ocorreria uma apresentação pública (ou um ensaio aberto) para finalizarmos o semestre.
Porém, devido à greve dos funcionários da Unicamp, o atendimento no PRODECAD das
turmas que as crianças do coral frequentavam foi interrompido. Assim, tive que terminar
a coleta de dados antes do planejado e não foi possível realizar a finalização.

Neste momento cada pessoa já estava com sua função definida, ou como
condutor da atividade ou no acompanhamento musical. Algumas canções, na intenção
de contemplar a participação de todas as pessoas, tinham dois ou três instrumentos
acompanhando: piano, violão e flauta doce.

3.6.1 Debate das atividades do planejamento anteriores aos ensaios (primeiro momento)
171

Com o intuito de ensaiar e apresentar as canções para as crianças, tivemos


durante o planejamento correções práticas musicais, visando desenvolver a performance
da/o regente e também vocalmente as/os integrantes do grupo de estagiárias/os. Foram
debatidas questões sobre a clareza dos gestos e características sonoras e performáticas
(coreografia e expressão) para que o grupo pudesse apresentar as canções para as
crianças com a melhor qualidade possível.

O principal relato do diário de campo desse momento faz referência à falta de


experiência das/os estagiárias/os em práticas musicais coletivas, fazendo com que a
percepção auditiva associada à habilidade de tocar junto fossem desafiadoras para boa
parte deles:

O primeiro estagiário, responsável por ensinar a percussão corporal começou


propondo sua coreografia. Ele começou mostrando e explicando para o grupo o que seria
feito. Em seguida solicitou ao grupo que executassem a percussão corporal fazendo a
contagem. Ele errou algumas vezes a coreografia e estava fora de ritmo, demorando
alguns minutos para conseguir se comunicar bem com as crianças.

Me pareceu que o estagiário havia estudado, já que tinha montado e mostrado a


coreografia na semana anterior durante o planejamento, mas a prática de conduzir a
atividade na frente no coral desestabilizou um pouco sua organização interna. Precisaria
de mais experiência para conseguir realizar ações simultâneas sob pressão de um
resultado positivo no aprendizado.

Começamos pela Maré. O pianista e o violonista estavam com dificuldade de


compreender o gestual da regente. De maneira geral eles pareciam que não estavam
muito seguros com a entrada do acompanhamento da canção. A regente estava com um
gestual e com uma movimentação excessiva que complicava a clareza do andamento.
Neste momento treinamos algumas vezes a entrada da canção, mas sugeri que fosse
realizado um estudo doméstico em frente ao espelho. Como não havia muito tempo antes
das crianças chegarem, ainda teríamos que passar as outras músicas, após mais algumas
poucas passagens, pareceu-me que já estavam mais entrosados.
172

Nas semanas seguintes realizamos novamente as passagens musicais do


repertório. O acompanhamento instrumental das canções ainda estava com problemas
e prejudicando o ensaio. Sugeri que se encontrassem fora do nosso horário de
planejamento para ensaiar mais. Sabendo, contudo, das dificuldades de horários devido à
sobrecarga de atividades dos respectivos cursos, também aconselhei que fizessem
gravações das passagens musicais para que pudessem em casa estudar com alguma
referência auditiva mais próxima do real.

(2º ensaio aberto)


Em seguida, a estagiária responsável pela atividade de técnica vocal estava com
algumas dúvidas nos gestos da música D. Marquinha que havíamos combinado e
passamos primeiro isso. Sugeri que fizéssemos uma vez a escala para treinar o
acompanhamento, ela estava com dúvidas sobre se usaríamos obrigatoriamente os
gestos do manossolfa. Eu sugeri que poderia ser outro gestual, porém, que mantivesse a
ideia de um movimento para cada nota associada a alguma lógica de movimento
ascendente.

Começamos verificando como seria a correpetição. O pianista não estava


conseguindo realizar a melodia na mão direita e algum tipo de acompanhamento
harmônico ritmado na mão esquerda. Sugeri que ele tentasse ir marcando de alguma
maneira o pulso do vocalize e que treinasse em casa algum acompanhamento a partir de
alguns exemplos que demonstrei. Ocorreu que na canção D. Maroquinha, o pianista
também não conseguia tocar a melodia junto com a acompanhamento harmônico
simultaneamente. Sugeri que fizesse somente a base harmônica e treinasse em casa.

Quando ele se ofereceu para tocar o piano no planejamento anterior imaginei que
como a escolha do pianista foi um processo voluntário, provavelmente não teríamos
dificuldades musicais. De qualquer maneira, aconteceu a necessidade do treino em grupo.

A pianista do “Para começar essa aula” tem muita dificuldade para realizar a
melodia acompanhada ao piano, similar ao pianista que tocou a canção Maré. Ambos
também não conseguem cantar e tocar a canção simultaneamente. Me parece que
estudaram errado o repertório em casa. Quando a/o regente solicitou também alterações
no andamento, ambos não conseguiram rapidamente tocar no andamento correto e
173

algumas vezes continuaram tocando errado, principalmente a pianista do “Para começar


essa aula”.

(3º ensaio aberto)


Começamos o planejamento com a passagem da canção, Para começar esta aula,
com a estagiária responsável. Inicialmente, escutando a regente cantando junto com o
correpetidor, sugeri que ela articulasse vocalmente as palavras, pois havia um problema
com a dicção, achei que isso ajudaria na projeção vocal, já que ela canta com a
intensidade muito baixa. Entendo que os exercícios de técnica vocal são muito
importantes para as/os regentes também para cantarem corretamente nos ensaios e
fornecerem uma referência musicalmente eficiente para as crianças. Em seguida,
ensaiamos o Maré para apresentar para as crianças. A regente apresentou um pouco de
dificuldade em organizar gestualmente a entrada do correpetidor e das crianças, mas
após algumas repetições, assimilou melhor esse ponto musical.
(4º ensaio aberto)
Observei inicialmente a dificuldade da pianista em manter uma pulsação e
sincronizar o acompanhamento com a melodia. Ela já melhorou desde o primeiro ensaio,
porém, musicalmente ainda é bastante limitada. Destaco que me parece que ela sabe
dessa dificuldade e está se empenhado para executar melhor a sua performance ao piano,
já que se ofereceu para tocar. Os momentos de treino musical em grupo também são mais
desafiadores para a/o musicista que está habituado a estudar o repertório solístico
sozinha/o. São outras as necessidades e atenção que a/o correpetidor/a precisa obter para
exercer com eficiência sua função.

A prática musical em grupo vai favorecer que ela treine melhor esta habilidade, já
que, normalmente, a/o regente ou educador/a musical precisa ensaiar grupos, pois as
classes de educação musical com crianças costumam ser coletivas.
(5º ensaio aberto)
O planejamento antes do ensaio começou com a passagem musical da canção
Lamento da Lavadeira. A pianista e a regente estavam combinando as entradas e o
andamento e elas conseguiram organizar bem o arranjo, porém, havia um pouco de
dificuldade na comunicação gestual para a entrada correta. Me parece que ambas não
174

estavam com a ideia musical da canção bem construída mentalmente. Conversamos um


tempo para que ambas pudessem ter clareza de como gostariam de realizar a introdução
da música.

(6º ensaio aberto)


De maneira geral ela é uma das pianistas com menos experiência em correpetição
no grupo, mas observo que ela está se empenhando para estudar e conseguir tocar nos
ensaios. Ela ainda possui uma dificuldade no andamento para conseguir acompanhar as
crianças, pois me parece que ela não é muito flexível no que diz respeito ao andamento
no piano. Quando ela estuda de uma forma não consegue muito alterar sua execução,
mesmo que sejam pequenas mudanças. Destaco de qualquer forma que já observo uma
melhora no seu desempenho, principalmente sua confiança ao executar a canção.

Como observado na primeira fase do projeto, destaca-se a importância de realizar


a passagem do repertório também sob supervisão, com ensaios frequentes além do
planejamento, para que as habilidades técnicas musicais já estejam superadas nos
ensaios. Além das/os correpetidores, para as/os regentes também se faz necessário
reservar um tempo de estudo dedicado à clareza do gestual da regência vinculada com o
canto simultaneamente.

As habilidades musicais das/os estagiárias/os eram distintas, sendo que alguns


possuíam mais experiência e domínio técnico-musicais do que outras/os. Como as
propostas do LARCI são organizadas e praticadas sempre em grupo, o resultado não
depende exclusivamente da habilidade individual dos sujeitos. As experiências em
práticas musicais coletivas exigiram das/os participantes o estudo de procedimentos com
os quais pareciam não estar muito habituadas/os. Foi percebido que ocorria o estudo e
preparo em casa, mas não em grupo. Assim, ao chegar nos encontros, este estudo não
era tão eficiente.

Como tivemos 10 participantes, a tendência foi que as facilidades e dificuldades


fossem diluídas de acordo com as funções escolhidas. Como cada pessoa escolheu o que
exerceria, tiveram condições de se dedicar e perceber que, mesmo numa atividade na
qual a pessoa acreditava estar habilitada, ainda precisavam de mais estudo e preparo,
pois ocorreram diversas dificuldades musicais.
175

O ensaio com as/os instrumentistas também foi importante para a/o regente
organizar como seria o arranjo das canções. Normalmente as partituras de coros infantis
do repertório em português brasileiro são arranjos que incluem somente os acordes,
como indicação harmônica, sem a transcrição do que seria exatamente executado pelos
musicistas acompanhadores. Assim, cabe ao regente junto aos seus acompanhadores
analisarem e desenvolverem seu próprio o arranjo musical. Se a/o regente não tiver
muito claro como gostaria que a música soasse, será mais difícil a compreensão das/os
instrumentistas.

Com os arranjos montados, também utilizamos os espaços de planejamento para


que todo o grupo apreendesse a canção e realizassem a performance completa antes de
ensinar com as crianças a canção completa. Combinamos que sempre buscaríamos
apresentar em coro o repertório novo que seria proposto ou quando tivéssemos que
mostrar alguma coreografia.

Quanto às questões vocais, devido à minha formação, eu tinha mais condições de


auxiliá-los. E observei que a maioria também tinha mais facilidade para cantar do que
para tocar. Porém, houve situações em que as/os estagiárias/os não percebiam os seus
próprios erros.

Discutindo a importância de conhecer outros grupos infantis e regentes perguntei


para as/os estagiárias/os se eles conheciam. Somente duas pessoas já tinham vistos
outros ensaios ou grupos se apresentando ao vivo. Não são apresentadas referências
musicais e estéticas nos cursos. Estas referências inspiram caminhos para a construção
da performance. Não adianta conhecer razoavelmente um método de ensino se você não
souber onde quer chegar artisticamente com o processo que ele propõe.

Uma parte considerável das/os estagiárias/os não realiza nenhuma atividade


artística pessoal, somente estudando as matérias da licenciatura que são em sua maioria
teóricas. Cadê a arte? Como vou ensinar algo que é prático somente ouvindo falar sobre o
assunto?

Ao longo dos quatro primeiros ensaios as questões musicais foram mais


abordadas. Dentre as/os estagiárias/os, percebi que todas/os que cursavam as
176

modalidades combinadas tinham mais facilidade na assimilação do repertório, enquanto


as alunas e alunos da licenciatura tinham perfis mais heterogêneos. É interessante
destacar que as habilidades musicais não se apresentaram relacionadas ao semestre
cursado, isto é, não significou que quanto mais adiantado estivesse no curso, melhor
musicista seria.

Nos casos mais complexos a participação no LARCI se mostrou ineficiente para


estimular o desempenho musical ao ponto de, até o fim dos encontros, não haver mais
problemas musicais no acompanhamento. As/os regentes melhoraram mais
rapidamente que as/os instrumentistas correpetidores. Foi, contudo, possível avaliar
alguma melhora significativa nas performances musicais das/os estagiárias/os, ainda que
para alguns fosse preciso mais tempo para assimilação do repertório. Possivelmente
essas questões precisariam ser resolvidas em conjunto com a formação fora do LARCI.

3.6.1.1 Debate das atividades do planejamento posteriores aos ensaios abertos (segundo
momento)

No primeiro ensaio aberto tivemos dez crianças participando.

Fiquei tenso devido à quantidade reduzida de crianças, mesmo após a divulgação.


Perguntei na roda como funcionava a escolha das oficinas. Havíamos tido o feedback de
que as oficinas tinham sido bem aceitas pelas crianças e que provavelmente teriam
muitos participantes, mas no primeiro dia foram poucas.

Imagino as seguintes hipóteses:

• A divulgação feita pelas estagiárias foi ineficiente. Esta mesma hipótese


foi sugerida pelo coordenador do PRODECAD em uma conversa,
posteriormente;
• As primeiras crianças não lembraram como foi a oficina, então precisamos
de outra estratégia para convidá-las novamente;
• Existe algum problema com o horário;
177

• As crianças já estão habituadas a irem para as outras oficinas que são em


área externa, ao contrário da nossa que ocorre numa sala fechada.
Acredito ser o espaço externo mais atraente, já que o contexto escolar
costuma mantê-las muito tempo dentro da sala. Um ensaio ao livre seria
mais atrativo? Musicalmente seria muito complexo escutar e cantar com
tranquilidade nas áreas externas;
• As atividades do coral não são tão atrativas quanto as que já acontecem
no espaço.

Antes de conseguir identificar as causas da pouca frequência inicial e buscar


soluções para que as crianças frequentassem o coral (assunto que será discutido no
subtópico seguinte), prosseguiremos com a análise dos ensaios.

Após o primeiro ensaio, perguntei para o estagiário que propôs a percussão


corporal o que ele havia achado de sua proposta. Ele disse que havia dado tudo certo
apesar das dificuldades no começo. Em seguida comecei a debater sobre como o
nervosismo atrapalha a proposta e favorece que sejam cometidos erros. Ao longo do
tempo a experiência aliviará os sintomas.

Prossegui falando sobre a necessidade de corrigir as crianças quando tiverem


cometendo algum erro musical, a estagiária da atividade de técnica vocal comentou:

(Transcrição do planejamento após o primeiro ensaio aberto)

Estagiária da atividade de técnica vocal: como é a primeira experiência que eu tô vivendo,


eu fico tensa e eu paro de perceber a criança. Eu vi que o planejamento é só um ponto do
que vai ser feito.

Essa fala corrobora a ideia de que, mesmo que tivéssemos praticados os ensaios
com os adultos, a experiência com as crianças é bem diferente. De forma impactante
ocorrem as necessidades de flexibilidade no planejamento das atividades para manter as
propostas em andamento, principalmente quando se percebe que aconteceu algum tipo
de imprevisto. O mesmo ocorreu com o comentário da estagiária responsável neste
mesmo ensaio pela canção Para começar esta aula:
178

(Transcrição do planejamento após o primeiro ensaio aberto)

Estagiária responsável pela canção Para começar esta aula: eu achei que deu tudo certo,
mas o difícil é saber o que corrigir primeiro.
O desafio inicial desta fase foi a importância do desenvolvimento da percepção vocal
associado ao conhecimento de procedimentos de correção durante a execução das
crianças. Mesmo que percebido o erro, é bastante desafiador conseguir imediatamente
obter alguma ferramenta pedagógica que traga resultados positivos imediatos, evitando
que as crianças repitam muitas vezes incorretamente a mesma canção.

Este tipo de percepção só pode ser desenvolvido na escuta de crianças cantando,


ou por meio de gravações ou em contato direto com elas. Mesmo falando sobre a voz
infantil, a percepção e análise do som parte de um refinamento auditivo que precisa ser
estimulado com a audição de crianças cantando. Quando, durante a formação, não são
apresentadas essas referências, é mais difícil que a/o regente desenvolva seu ensaio a
partir de uma sonoridade mental bem desenvolvida, já que não consegue avaliar com
clareza as possibilidades, incluindo qualidades e defeitos, desta produção.

Percebendo isso, neste planejamento realizamos uma atividade de percepção


vocal. Duas regentes foram escolhidas para participar. Todos cantamos a música e
sorteamos, em sigilo, uma pessoa que cometeria erros na execução. A/o regente
precisaria identificar a pessoa que estava errada e qual seria o erro. As duas tiveram
dificuldades para identificar qual seria o erro exato, porém conseguiram saber quem
estava errando.

Sugeri como atividade para estudo em casa que as/os estagiárias/os escutassem
diversos grupos amadores no Youtube e buscassem identificar possíveis erros de
execução e como resolveriam o problema identificado. A ideia foi oferecer formas e
ferramentas de estudo com grupos corais variados. A internet é uma ótima ferramenta
para isso.

Ainda nesta perspectiva, realizei a seguinte observação:

Existem fatores externos que influenciam as trajetórias acadêmicas, porém,


179

faltam tanto conhecimentos teóricos dos métodos de ensino quanto referências práticas
de como desenvolvê-los. As/os estagiárias/os não se organizam pensando no perfil dos
alunos. Ficam mais preocupados com o que será ensinado e não como será ensinado e
em qual contexto. Essa estagiária que vai sempre bem também sempre conduz as
atividades com mais energia, além de ser muito simpática. As crianças aprenderam o
refrão da música.

Além de saber o que corrigir, conseguir se comunicar com as crianças para que
elas se mantenham motivadas, para que elas consigam aperfeiçoar as performances
também se mostrou ser necessária a experiência prévia. Destaca-se o difícil desafio de
preparar as/os estagiárias/os para os imprevistos além do planejamento. Observei que,
sem a minha interferência imediata durante os ensaios, normalmente ocorre que as/os
regentes ficam perdidos quando não alcançam os objetivos que haviam traçado durante
a preparação individual anterior ao ensaio. Neste caso, as crianças também estão
envolvidas nos processos do ensaio, assim, garantir simultaneamente que elas tenham
uma boa aula e as/os regentes também aprendam com o processo é um dos fatores
relevantes do laboratório com a interferência de um supervisor em todo os ensaios.

Realmente é complexo decidir quando ainda é eficiente corrigir um erro antes de


prosseguir ensinando algo novo. É preciso desenvolver um tipo de sensibilidade para
perceber que o grupo está ficando desgastado e pode ser que ainda não seja o momento
de corrigir determinados erros e prosseguir com o ensaio.

Percebi que uma das dificuldades nas estratégias procedimentais para o ensino
dos conteúdos é que não necessariamente faltava conhecer os métodos ativos de
educação musical, mas como eles podem ser utilizados em certos contextos. Me pareceu
que as/os estagiárias/os pensavam que simplesmente basta solicitar que as crianças
cantem e elas sairão cantando tudo corretamente. Não conseguiam perceber e nem
escolher os processos que utilizariam para o ensino do repertório, fora a repetição
imitando a/o regente.

Sendo assim, durante os ensaios a minha interferência buscou ajudar nos casos
em que a/o regente solicitava algo para as crianças, mas não conseguia o resultado
almejado, o que foi constante em todos os ensaios:
180

(1º ensaio aberto)

A segunda estagiária era a responsável pelo aquecimento vocal com duas


principais atividades. O ensino da escala diatônica com os nomes das notas e cantar a
canção D. Maroquinha em tonalidades diferentes.

A escala aconteceu sem grandes problemas, e observei que as crianças já sabiam


a nomeação das notas memorizadas (dó - ré - mi). Já na passagem da D. Maroquinha,
após ela relembrar a canção, as crianças cantaram uma vez com erros na melodia. Ela, já
em seguida, solicitou a mudança da tonalidade para o pianista. Neste momento, interferi
sugerindo que ela fizesse mais uma vez e observasse se as crianças estavam cantando
corretamente a melodia antes da mudança da tonalidade. Haviam ocorridos alguns erros
de afinação. Ela percebeu o erro na segunda passagem da canção e ajudei com a
correção. A dificuldade neste momento está em desenvolver a percepção vocal e ter
ferramentas técnicas para corrigir possíveis erros, de forma que as crianças não fiquem
executando incorretamente os trechos musicais para os erros não serem memorizados.

O mesmo ocorreu com a segunda estagiária que ficou responsável pelo ensino da
canção Para começar esta aula. Ela cantou uma vez e já pediu para as crianças cantarem,
resultando que nenhuma conseguiu. Ela não percebeu que as crianças não sabiam a letra
e a melodia, já que escutaram e praticaram poucas vezes, necessitando que houvesse
acontecido a passagem do trecho mais gradativamente: primeiro a letra no ritmo, depois
a melodia e por fim, a sequência coreográfica. Sugeri que ela retomasse do princípio e fosse
ensinando as partes separadamente. As crianças após a mudança do método,
conseguiram realizar melhor o trecho cantado. Os gestos ainda estavam desorganizados,
mas já havia sido melhor.

(2º ensaio aberto)


Antes de chamar a responsável pelo aquecimento vocal, como ela ia ensinar
também a nomeação da escala diatônica, passei com as crianças antes o nome das notas.
Depois organizei um sorteio e elas precisariam falar na sequência, caso não soubessem,
o grupo ajudaria. Ela ainda não conseguiu estimular as crianças cantando. De alguma
maneira a estagiária não sabe o que fazer. O problema que não há tempo para prepará-la
181

completamente, já que, como ela está terminando o curso de licenciatura, esperei que ela
tivesse mais repertório de atividades ou algum tipo de vivência com crianças. Mas, a
princípio, parece que não. A dificuldade dela está em se comunicar com as crianças.
Ajudei-a, conversando com as crianças e pedindo que elas cantassem com mais energia.
Melhorou, mas começou a ficar gritado. Depois solicitei que elas mantivessem a mesma
energia, porém, não poderiam gritar. Resultou em uma sonoridade mais aveludada com
menos erros de afinação.

(3º ensaio aberto)


De maneira geral ele conduziu melhor o grupo. O desafio agora é ele conseguir
avaliar quando deve ficar repetindo um trecho até que as crianças acertem e quando é o
momento de prosseguir, mesmo que as crianças ainda não tenham conseguido realizar
toda a performance.

(4º ensaio aberto)


Auxiliei a regente na passagem desta canção, pois ela não conseguiu decidir no
momento como prosseguiria com a passagem do repertório. De maneira geral, as
crianças participaram bem, porém, observamos que havia ainda uma dificuldade na
primeira parte da letra. Após algumas repetições variadas, chamamos as/os
estagiárias/os para retornarem e organizamos uma apresentação. As crianças se
demonstraram bastante animadas e cantaram razoavelmente bem.

Na canção Maré a estagiária começou falando a letra e as crianças repetiram.


Depois ela me olhou com uma cara de espanto, pois mesmo assim, elas não cantaram.
Ela também passou mais de uma frase de uma vez, o que dificulta a memorização.
Interferi estimulando as crianças a repetirem a canção de formas variadas. Elas ficaram
mais atentas à coreografia, mas também era a primeira vez que passávamos esta canção
completa.

As crianças apresentaram a canção, mas cantaram com mais confiança o refrão.

Voltamos para a roda e distribuímos a letra da Maré. A estagiária responsável


pediu para as crianças repetirem duas vezes de formas diferentes e depois me lançou
aquele mesmo olhar de dúvida da estagiária anterior. Devido à falta de experiência às
vezes o repertório de propostas que a/o regente possui ainda não inclui ferramentas
182

suficientes para manter as crianças cantando ou corrigir erros da execução. Nesta hora
conduzi o restante do ensaio perguntando para as crianças as seguintes questões: Agora,
só irá cantar quem gosta de estar de férias! Quem de vocês gostam? Muito bem, vamos
cantar como se estivéssemos de férias. Repeti isto com: quem gosta de chocolate e quem
gosta de nadar. Normalmente, quando são usados temas bem familiares da infância a
maioria delas costuma cantar e foi o que ocorreu no nosso coro.

Interessante novamente observar que além do desafio de saber o que ensinar,


após esta fase do planejamento, como ensinar seria o próximo passo. Observei que as/os
estagiárias/os chegavam com uma ideia planejada que normalmente era uma proposta
de repetição mecanizada. A/o regente executa e as crianças repetem até que elas
assimilem e, principalmente, não havia instruções de como elas poderiam melhorar. De
maneira geral as/os estagiárias/os não decodificam o conjunto de habilidades
necessárias para cada performance musical almejada, assim, durante a execução, não
visualizam exatamente qual seria a dificuldade do grupo para corrigir e conduzir a
atividade de forma mais diretiva. Destaco também a dificuldade de saber o que priorizar
nos ensaios.

Algumas vezes uma dificuldade não precisa ser corrigida imediatamente quando
observada, já que são outros objetivos que precisam ser priorizados. Com o acúmulo de
experiência, fica mais fácil saber a hora de corrigir e a hora de relevar, mas essas escolhas
precisam ser pautadas por algum processo metodológico previamente estudado.

Outro debate significativo e constante nos planejamentos foi sobre como a/o
regente precisa ser interessante e atrativo, isto é, demonstrar certa animação com as
propostas:

(Transcrição do planejamento após o segundo ensaio aberto)

Estagiário A: eu fico pensando que isso vai de cada pessoa, da personalidade. Mas
também não precisa mudar a personalidade, você pode pensar em técnicas que pode
usar nos ensaios para estimular.
Estagiaria B: eu acho que nessa situação fica mais difícil porque você fica sendo
observado por todos. Você fica sendo assistido. Se a gente tivesse fechado em uma sala
183

de aula somente com crianças, seria diferente, teríamos outros recursos. Aqui fica o
triplo de difícil.
Estagiária C: eu me sinto mais intimidada.
Rafael: pode até ser mesmo que as pessoas fiquem intimidadas. Mas o que tenho
observado é que quando não sabemos o que fazer quando estamos sozinhos,
normalmente, a/o regente trava. Quando as crianças não realizam o esperado ou o
planejamento não acontece, caso a/o regente não tenha experiência, ela ou ele dá uma
travada. Não sabe muito bem para onde ir.
Estagiária D: quando você vê que não está dando certo e rapidamente não pensa em
algo, as crianças já enlouquecem! Por isso que sozinho é muito pior.
Estagiária E: eu vou falar por mim, eu to vendo que a gente tem que arriscar mesmo,
experimentar. Nós já tivemos vários encontros e se acontecer alguma lambança
enorme, o Rafael tá aqui e vai ajudar.

Achei extremamente válido este debate. Inicialmente, uma das questões que
apresentaram foi como desenvolver um laboratório com tantos observadores, sem que
as pessoas observadas se sentissem intimidadas. As crianças parecem não se incomodar
tanto quanto os adultos. Mas de qualquer maneira, a ideia inicial era não obrigar ninguém
a realizar as atividades. As/os estagiárias/os estariam livres para participarem ou não.
Refleti que seria pior caso fosse obrigatório e as/os estagiárias/os não se empenhassem
e se tornassem referências negativas para as crianças. Nada mais esquisito do que um
adulto fazendo uma atividade infantil malfeita.

Assim como a/o professor, a/o regente ao entrar em uma sala de aula não precisa
ser necessariamente outra pessoa, mas a sua performance é medida pelo seu ensaio.
Assim, ao ensaiar um grupo, sua personalidade ou estado emocional não
necessariamente afeta a funcionalidade e eficácia do seu trabalho. A ideia é que ao
começar um ensaio a/o regente se torne uma performance, assim, não é mais a sua
identidade que está sendo vista, e sim uma combinação de habilidades artísticas e de
ensino combinadas. Observo que, dependendo do dia, as pessoas lidam de modos
diferentes com determinadas situações, mas isso não deveria afetar o seu desempenho
como profissional. Um médico não poderia se recusar um atendimento ou maltratar um
184

paciente no pronto-socorro por estar de mal humor, mesmo que estar de mal humor seja
uma situação comum.

Nos dois primeiros planejamentos, como as/os estagiárias/os apresentaram


dificuldade no ensaio, dedicamos boa parte do tempo discutindo quais tinham sido os
problemas, e não sobrou muito tempo para organizar como seriam os procedimentos do
ensaio seguinte. Montávamos uma proposta de rotina, porém, cada pessoa era
responsável individualmente por organizar, a partir do problema que havíamos
levantado, como conduziria o próximo ensaio.

A minha principal sugestão foi que não fosse desperdiçada nenhuma passagem
do repertório sem um objetivo bem claro, visando a melhora da performance. As crianças
poderiam se envolver com o ato de cantar de maneiras variadas. Construindo um
ambiente onde o cantar fizesse parte de um contexto motivador as repetições seriam
menos enfadonhas e, também por esta ludicidade, seria possível desenvolver aspectos
técnico-musicais.

Neste dia, apresentei o capítulo quatro da minha dissertação com propostas de


jogos que poderiam ser interessantes e eficientes na prática coral infantil, justificando-os.
Enviei a dissertação com as partituras por e-mail e sugeri a leitura e adaptação das
propostas para o nosso repertório.

Durante essas duas primeiras semanas de ensaio aberto, retratando a dificuldade e


os problemas da repetição descontextualizada, organizei uma proposta prática na qual em
pequenos grupos, deveriam levantar hipóteses e propostas de atividades que não
utilizassem tanto a repetição.

Na semana seguinte, a estagiária responsável pelo Lamento da Lavadeira


começou ensaiando o refrão da canção. Ela organizou a roda e sugeriu que as crianças
repetissem o refrão com timbres e andamentos variados. As crianças cantaram bem esse
momento. A estagiária dessa canção é bastante expressiva vocalmente e corporalmente,
tanto na passagem do repertório quanto na forma como se comunica com as crianças.
No geral as crianças ficam bem interessadas pelo que ela falou. Ela começou a lembrar a
primeira estrofe e, junto com as crianças criou uma pequena coreografia para auxiliar na
185

memorização da letra.
Em seguida, ela havia preparado um cartaz com a primeira estrofe, porém, com
algumas lacunas na letra. A ideia dela era que as crianças completassem as lacunas para
memorizarem a letra. ADOREI! Ela foi a primeira que organizou com autonomia uma
proposta alternativa no ensaio, além da repetição ou sugestões que eu havia dado.

Como as crianças têm livre acesso e permanência nas oficinas, quando elas se
desinteressam ou se cansam, vão embora. Existe a parte positiva que não tivemos em
momento algum tipo de conflito ou problemas com as crianças. Elas sempre executaram
todas as propostas com bastante interesse e nunca discutiram entre si, assim, sempre
tivemos um grupo atento e disposto a realizar as propostas, independentemente de
alguns terem saído. Tanto as crianças quanto as estagiárias e estagiários não passaram
por situações de desconforto ou estresse, não havendo tensão nas relações pessoais. A
dificuldade deste contexto é organizar um ensino contínuo e progressivo, sem tantas
certezas do resultado como normalmente acontece nos corais. Porém, avaliamos que um
grupo foi constante e aquelas crianças que estavam sempre presentes estavam cantando
as canções.

Até o terceiro ensaio as/os estagiárias/os planejaram a passagem do repertório


utilizando a repetição como ferramenta principal. Começamos a observar que as crianças
nos últimos 15 minutos do ensaio começavam a sair da aula. Entendemos naquele
momento que as atividades do começo estavam muito repetitivas, deixando as crianças
desgastas e desestimuladas, já que ao longo do ensaio elas iam cantando cada vez menos,
até a evasão.

Retomando um ponto relevante deste debate, mesmo em outros contextos


corais, existe a dificuldade de ensinar o repertório além do recurso da imitação, o que
implica em pouco espaço para a criança que se sente desgastada ou vê a repetição como
algo desnecessário, sem sentido. É difícil que ela seja estimulada ao aprendizado. Desta
forma, a/o regente precisa pesquisar os interesses do grupo e organizar estímulos
indiretos para que as crianças repitam as canções.

Inspirada pela regente do Lamento da Lavadeira, na semana seguinte a regente


do Garota do Tacacá trouxe também a mesma ideia para a sua canção (Acho que para
186

ajudar na memorização das letras, já que elas alternam no ensaio, farei cartazes de todas
as músicas). Interessante destacar que as/os estagiárias/os assistindo a performance dos
seus pares também são inspirados a novas propostas, que normalmente não teriam
organizado anteriormente sem vê-las em um ensaio.

As crianças cantaram bem neste primeiro momento, porém, quando ela solicitou
que elas levantassem e se movimentassem ao cantar as crianças, em sua maioria, não
realizaram as ações. Acredito que faltaram estímulos e referências para que elas
conseguissem. Decidi não interferir, pois, mesmo que as crianças não estivessem
realizando a movimentação, pareciam bem atentas no cantar. Após este momento a
regente chamou a próxima estagiária para o Lamento da Lavadeira. Sugeri que as
crianças montassem uma roda para variar um pouco o posicionamento. Mesmo que
pequena, a mudança (posição para o ensaio), já cria uma nova ambiência para a
atividade e também a roda facilita a conversa, porque neste momento, falamos da
apresentação.

Buscando também alternativas para evitar as repetições descontextualizadas, a


regente responsável pela canção no Para começar esta aula havia me dito que precisava
de uma sugestão para a repetição. Sugeri que fizéssemos a primeira parte como um jogo
de mãos. Assim, conduzi esse momento no ensaio.

As crianças se organizaram bem em duplas e mostrei variedades possíveis de


combinação de movimentos e pedi para que elas escolhessem. Conseguimos cantar a
canção 9 vezes desta forma. No começo, algumas crianças estavam mais atentas ao
gesto, mas observamos que algumas já estavam cantando. Podemos incluir este jogo
também na performance final desta canção. Me parece mais interessante que a
coreografia que tinha sido criada pela regente.

Na intenção de estimular que as/os estagiárias/os pensassem e experimentassem


outras alternativas de propostas para ensinar o repertório, solicitei que o planejamento
do sexto ensaio fosse organizado sem a minha interferência. A indicação era que, a partir
do que observamos nos ensaios anteriores (onde estava ocorrendo a dificuldade de saber
identificar as dificuldades das crianças e planejar as atividades com mais variedades),
as/os regentes precisariam organizar propostas em que as crianças fossem estimuladas
187

de outras formas a cantarem o repertório.

A observadora começou falando para o grupo sua primeira impressão do ensaio


da canção Garota do Tacacá. Ela comentou que as crianças não dançaram quando foi
solicitado e que seria interessante que pudessem se movimentar mais, a regente que
ensaio a canção respondeu:

(Transcrição do planejamento após o terceiro ensaio aberto)

Regente da Garota do Tacacá: você estava aqui atrás, eu lá da frente observei que as crianças
estavam se movimentando.
Estagiário A: elas até estavam se movimentando, mas acho que era pouco
Estagiária B: a gente tem que lembrar que no começo ou elas cantam ou elas dançam.
Acho que você pode ajudá-las mais na letra durante a canção, elas estavam cantando
atrasadas porque não lembravam muito bem o começo da frase.
Estagiária C: hoje elas aprenderam a segunda parte, então é mais difícil mesmo. Mas
hoje foi bem, porque pareceu que elas estavam cantando bem a primeira parte. Depois
se você quiser que elas dancem, trabalhe isso.
Regente da Garota do Tacacá: eu não gosto muito de coral com coreografia, mas
também não quero que elas fiquem engessadas.

As/os estagiárias/os continuaram debatendo a movimentação e o problema que


observaram em relação ao andamento. Elas e eles concluíram que precisam trabalhar
mais a segunda parte. A regente solicitou que no próximo ensaio todas/os as/os
estagiárias/os cantassem uma vez para as crianças, como havia sido feito nas outras
canções.

Considero que o debate deles foi bem interessante, tanto avaliando o


desempenho das crianças quanto da regente. De maneira geral, elas e eles conseguiram
formular questionamentos sobre o que aconteceu e concretamente projetar os próximos
passos de forma gradativa.

(Transcrição do planejamento após o terceiro ensaio aberto)

Regente do Lamento da Lavadeira: as crianças não sabem muito bem a estrutura, elas
188

até conhecem a música, mas me parece que elas não sabem concretamente. Acho que
as crianças saíram no começo porque eu comecei a minha parte igual na semana
passada.
Estagiária D: eu acho que a roda que você fez ficou um pouco longa, por isso, as crianças
saíram neste momento.
Regente do Lamento da Lavadeira: pode ser mesmo, por que a gente já estava em roda e
já estávamos conversando
Estagiária D: exatamente, se na roda já começasse a fazer. Você tem razão, eu não
tinha percebido desta maneira.

Destaco que foi possível observar que as/os estagiárias/os já estavam utilizando
as reações das crianças em relação à recepção das atividades como fundamentais para
avaliar o ocorrido e organizar as ações futuras. Quanto mais elementos possuir sob o
perfil das crianças cantora, melhores condições a/o regente tem em organizar o
planejamento do que será ensinado e como serão transmitidas estas informações.
Quando a/o regente durante o ensaio está muito focada/o na sua própria performance
e não consegue ir analisando o desempenho do grupo pode tomar decisões não muito
eficazes sobre os procedimentos seguintes, pois não avaliou realmente como o grupo
executou e respondeu às questões anteriores.

As/os estagiárias/os começaram a discutir a entrada da parte vocal, pois as


crianças estavam adiantando o tempo. Junto, o grupo chegou à conclusão de que poderia
facilitar a entrada das crianças se houvesse um sinal executado por algum instrumento
de percussão. Eles também sugeriram que houvesse mais preparo vocal antes do
repertório. Me parece que eles ficaram meio divididos em relação a isso, pois uma parte
acreditava que seria possível realizar este tipo de processo de ensino durante a passagem
do repertório. Por fim, decidiram experimentar novamente os primeiros modelos nos
quais começavam o ensaio com a preparação vocal.

O quarto ensaio planejado foi o mais variado em propostas, pois cada canção
tinha uma atividade deflagradora, porém, como não executaram na prática, ainda
precisei auxiliar no ensaio:

As crianças começaram em roda com os estagiários responsáveis pela primeira


189

parte do ensaio: a acolhida e o alongamento e aquecimento. O estagiário teve um pouco


de dificuldade de se comunicar com as crianças na organização das filas. Durante a
condução da proposta da coreografia rítmica o estagiário propôs que as crianças o
ajudassem, considero esta ideia muito interessante. A sua dificuldade está em conseguir
informar para as crianças as correções que elas precisariam fazer para melhorarem a
execução da coreografia. Observei isso, pois a aluna que se voluntariou para ir à frente
mostrar a coreografia estava executando bem a sequência, mas em outro andamento,
ela estava fazendo bem mais rápido. Ele não a informou, e acredito que, se comentasse,
ela iria se corrigir imediatamente: desperdiçou este momento. O que ocasiona este tipo
de ação é que as crianças ficam somente repetindo a atividade sem propósito, já que não
são motivadas pelo regente a melhorarem ou corrigirem os seus erros. Fazia algumas
semanas que ele não conduzia esta atividade no ensaio, pois havia faltado.

As crianças na quinta repetição já estavam realizando no andamento somente


pela imitação no andamento correto. Entendo que mesmo que o objetivo fosse alcançado,
se houvesse as correções antes, não seria necessário esse desgaste no início do ensaio que
tendeu a se acumular durante o restante das atividades, o que no fim dificulta bastante
a motivação e a atenção das crianças para as propostas.

O estagiário também teve problemas na segunda parte da coreografia rítmica. Ele


não compreendeu a organização rítmica dos movimentos e a pulsação. Neste momento
ajudei na manutenção da pulsação que estava desencontrada com o acompanhamento
dos instrumentos.

A próxima atividade foi o aquecimento vocal. As crianças cantaram muito bem,


com autonomia, logo que a estagiária responsável perguntou quem lembrava da canção
D. Maroquinha. Auxiliei no fim, para sugerir uma questão expressiva. As crianças, na
parte falada da canção, estavam executando de forma monofônica, assim sugeri que
falassem de maneiras diferentes, buscando uma entonação mais exagerada.

A terceira estagiária, na canção Para começar esta aula, não conseguiu ainda
organizar propostas que possam ensinar as crianças para além da imitação e repetição.
A pianista melhorou, mas ainda tem dificuldade com a pulsação. Acho que é um problema
tanto na técnica como pianista quanto na sua habilidade rítmica. Pode ser que seja
190

necessário colocar outro acompanhador com o violão para ajudar. O problema é cobrir a
flauta doce. Esta estagiária está no começo do curso de Licenciatura em música, mas já é
formada em Licenciatura em biologia. Ela tem menos experiência em propostas de
educação musical, comparada aos demais.

Em seguida começou a passagem da canção Garota do Tacacá. A estagiária


organizou placas com a letra para ajudar as crianças. Ela ia fazer como a primeira
estagiária do Lamento da Lavadeira, porém, sugeri que solicitasse para as crianças
colocarem a letra na ordem para dar uma variada. Foi interessante e as crianças
participaram bem ativas. A dificuldade dessa canção está nas palavras indígenas, mesmo
que já tenha sido explicado o significado dos termos, elas têm mais dificuldade de
memorizar, pois não estão familiarizadas com a linguagem.

Para a última proposta, a estagiária responsável pela canção Maré havia impresso
fotografias do rio Catolé (citado no poema da canção) e de algumas espécies de animais
de água doce e sugeriu para as crianças cantarem com a voz do peixe. Haviam imagens
que mostravam animais. Havíamos discutido no dia anterior, brevemente, como
organizaríamos esta proposta e destaco que ela é a segunda estagiária que já organizou
uma variação lúdica para o ensaio, demonstrando positivamente a melhora na sua
performance como regente no nosso contexto de ensaio. As crianças avançaram bem na
técnica vocal, principalmente em relação à amplitude da abertura da boca e posição dos
lábios, imitando a boca do peixe. Esta posição auxilia o acesso do registro agudo da voz
e favorece o equilíbrio do timbre.

Consideramos, no planejamento posterior a este ensaio, que tivemos mais


variedade de atividades na passagem do repertório. Mesmo que ainda não tivéssemos
um modelo que pudesse abordar todas as questões, já era visível que, para as/os
estagiárias/os que regem as canções, aumentava o repertório de propostas de ensaio e
conseguiam se envolver mais com as atividades do laboratório com autonomia.

Em análise deste ensaio, o grupo levantou os seguintes pontos:

• Precisa melhorar a questão do andamento e consciência rítmica da


coreografia. O estagiário precisa estudar mais a atividade em andamentos
191

variados para melhorar a sua consciência rítmica e coordenação corporal;


• A canção de aquecimento D. Maroquinha está bem cantada e agora seria o
momento de estimular a mudança das tonalidades;
• Sobra a canção Para começar esta aula, uma das estagiárias levantou a
seguinte questão:
(Transcrição do planejamento após o quarto ensaio aberto)
Estagiária A: não sei se é uma impressão só minha, mas parece que a
coreografia da música está fora do tempo, tem algo que não encaixa.
Regente responsável pela canção Para começar esta aula: realmente na
segunda parte da estrofe não encaixa tão bem a palma final, fica um
pouco fora da prosódia.
Rafael: regente, se você sabia que tinha um problema por que não
trocou?
Regente responsável pela canção Para começar esta aula: como
havíamos ensinado assim desde o começo, achei que seria complicado
mudar. Eu tinha outra ideia para esta parte, mas iria dificultar mais a
coreografia, pois teria mais elementos.
Estagiária: se colocar mais uma palma, já dá certo.
Rafael: acho que dá para colocar duas palmas nas duas partes.

Experimentamos com as duas palmas e deu certo. O trabalho desenvolvido em grupo


permitiu que as dificuldades de cada um pudessem ser amenizadas pelo restante das pessoas.
Entendo que se no planejamento anterior já tivessem cantado a música, teriam resolvido mais
rapidamente este problema. Destacamos neste momento a importância do planejamento no
seu sentido prático mais uma vez.

Seguimos com a Garota do Tacacá. A canção possui uma dificuldade rítmica


devido aos contratempos. Resolvemos que seria interessante que o acompanhamento
musical auxiliasse melhor ritmicamente. A violonista responsável por esta canção estava
com dificuldade de executar o acompanhamento no tempo correto de maneira que
ficassem evidenciados os contratempos da canção. A regente também toca violão, mas
não estava conseguindo explicar como gostaria que fosse executado, pois percebeu que
192

a violonista tem algumas limitações técnicas. Ficamos um tempo tentando ajudar a


violonista e mostramos uma forma de acompanhamento para ela estudar durante a
semana.

A afinação não tinha tantos problemas, porém, como as crianças estavam com
dificuldades na letra, ainda não cantavam toda a melodia corretamente, primeiro
teríamos que resolver esta questão.

Para ensinar a letra usaríamos mais uma vez as placas com a letra, porém elas
teriam que ser refeitas com imagens para facilitar a leitura e ajudar na memorização,
trazendo outras informações para as crianças.

A próxima canção foi a Maré. Discutimos um tempo outras possibilidades de


imagens que podem ajudar as crianças na técnica vocal. Avaliamos que o uso das placas
foi bastante interessante e sugerimos que no ensaio seguinte a regente retomasse as
imagens, buscando a sonoridade desejada.

Perguntei para os estagiários quais são as habilidades que temos que obter para
conseguir realizar a coreografia rítmica. Foram levantados os seguintes conteúdos:

• Consciência do pulso rítmico;


• Coordenação e lateralidade;
• Memorizar a coreografia.

O grupo sugeriu propostas que conheciam para principalmente desenvolver o


pulso rítmico, pois entendemos naquele momento que como o estagiário responsável
também está com a mesma dificuldade, pode ser uma alternativa interessante. Como
seria suspenso o ensaio da semana seguinte devido à greve, decidimos que todos
buscassem propostas que pudessem trabalhar o pulso, porém de alguma maneira
ensinassem a coreografia e estimulassem a lateralidade, com a finalidade de que a
atividade auxiliasse diretamente no aprendizado da coreografia.

Sinteticamente, nesta fase do projeto nos dedicamos a refletir e treinar a


importância do domínio da atividade a ser proposta e ter o conhecimento prévio de
alternativas para solucionar os possíveis problemas que surgem inesperadamente
193

durante os ensaios quando o planejamento não corresponde com o esperado. Destaco


que ao longo desse processo, as/os estagiárias/os tinham mais facilidade para falar sobre
as propostas do que para executá-las nos ensaios. Aparentemente ocorre um
distanciamento entre as habilidades de organizar o que será feito e as de colocar isso em
prática.

O LARCI permitiu que simultaneamente pudéssemos realizar tanto o debate


quanto a experimentação, para que pudéssemos adquirir mais referências para ampliar o
debate seguinte. Interessante destacar que, devido à proposta pedagógica do
PRODECAD, onde as crianças podem circular de acordo com seus interesses, aconteceu
de não termos, em nenhum ensaio, que resolver questões de conflito pessoal, tanto entre
as crianças quanto embates com as/os regentes. As questões ficaram mais centradas nas
dificuldades de conduzir e aperfeiçoar as conduções das propostas, já que as crianças,
quando participando ativamente do ensaio, não apresentavam dificuldades de realizar o
que era sugerido. O cerne dos problemas estava mais em como a atividade era proposta.

3.6.2 Estrutura dos ensaios abertos (panorama geral)

Quando ocorriam faltas, eu assumia as propostas daquelas pessoas que não haviam
comparecido. Mesmo enviando por e-mail a rotina, ninguém se habilitava a ocupar o
espaço do outro. O paradigma é que mesmo sabendo o que era para ser feito, as/os
estagiárias/os, caso não fossem exatamente incumbidos a se preparar para algo, não
tinham flexibilidade para ocupar emergencialmente qualquer outra função. Acredito que
isso era fruto de uma insegurança já esperada, devido à falta de experiências do grupo.

Após o problema de no primeiro encontro terem ido poucas crianças, conversei


com a coordenação do PRODECAD pedindo ajuda para que as professoras das salas
recordassem às crianças que às terças-feiras seriam os ensaios. Me sugeriram que ao
chegar no espaço, eu mesmo fosse andar pelas salas para que as crianças pudessem ver
que naquele dia haveria a oficina. A partir dessas medidas, em todos os outros encontros
194

tivemos em média vinte crianças.

Observamos que ao longo do ensaio, após os quarenta e cinco primeiros minutos,


as crianças começavam a sair dos ensaios. Normalmente saía de três a cinco crianças. É
interessante notar que nunca saía uma criança sozinha. Sempre elas iam em duplas ou
trios. Observo também que, como as atividades do ensaio eram muito parecidas entre as
músicas, isso poderia estar gerando um desgaste nas crianças, levando algumas à evasão.
Neste momento também estávamos discutindo a necessidade de variedade de propostas
nos ensaios.

Sugeri no planejamento do quarto ensaio que no fim do ensaio fizéssemos algo


muito diferente, que no caso foi ensinar as crianças a fazerem um origami de peixe.
Tínhamos pensado que também poderíamos usá-lo na performance da canção Maré.

Neste dia, fizemos o origami do peixe para a canção final Maré. Neste momento
todas as crianças e as/os estagiárias/os participaram. As crianças pediram para levar os
peixes para casa, então fizemos mais de um peixe para cada criança. Destaco que foi o
primeiro momento que todos estavam socializando, isto é, todas/os as/os estagiárias/os e
as crianças. Penso que precisamos de mais momentos como este, foi bonito de ver.

Antes desta atividade no ensaio, duas crianças haviam saído. Como fizemos o
origami no fim, durante a proposta nenhuma criança saiu e ainda cantamos fazendo as
dobraduras. Foi possível avaliar que esta música já estava decorada e vocalmente bem
executada. Estava meio estridente, mas já havia melhorado. Essas práticas, junto aos
debates, repercutiram na mudança do quinto e sexto ensaios, como já discutido no
subcapítulo anterior.

No quarto ensaio também foi solicitado pela coordenação do PRODECAD que uma
criança com deficiência cognitiva frequentasse nossas aulas, pois foi sugerido pela sua
equipe médica que ela participasse de atividades musicais. Sugeri que organizássemos as
seguintes ações:

• Toda a semana alguém deve ir buscá-la em sua sala de aula para que ela
venha à oficina;
• Nas atividades em dupla sempre ajudaríamos que ela encontrasse alguém
195

para ser sua companheira;


• Observamos que ela, de maneira geral, se mantinha ativa no grupo
realizando as atividades, embora com certa dificuldade, porém,
geralmente parece que ela compreendia o que havia sido solicitado ao
grupo. As demais crianças também a aceitaram sem problemas. Quando
ela precisasse realizar algo individualmente, percebendo que ela não havia
compreendido ou não conseguia, alguém deveria auxiliar.

Nos ensaios seguintes, a criança participou de forma bem integrada ao grupo.


Tanto ela quanto as demais crianças pareciam estar habituadas às questões que
envolvem a inclusão. Ela não executava a parte vocal, isto é, não cantava, porém, dançava
e respondia às perguntas assim como as demais crianças. Não tivemos problemas em
incluí-la.

Nessa fase, fomos mais rigorosos com o controle do tempo. Cronometrávamos


cada proposta com mais precisão e conseguimos manter nos ensaios o que havia sido
planejado. Não foi um processo tão simples, pois algumas vezes as/os regentes sentiam
que o controle do tempo gerava certa ansiedade, mas ajudava a organizar as ideias.

Observamos que, mesmo com a alternância, tínhamos uma média de quatorze


crianças que foram em quase todos os ensaios neste período. Avaliamos como positivo,
já que era possível avançar com o ensino do repertório, não sendo necessário sempre
recomeçar. Mesmo que pequeno, esse grupo fixo auxiliava as crianças que vinham visitar
o coral esporadicamente.

3.6.3 Mais reflexões do observador

Na primeira fase, a repetição das mesmas atividades com turmas diferentes


favoreceu que os objetivos e potencialidades de cada proposta fosse mais sedimentada
nas/os estagiarias/os. Na fase de ensaios, como toda semana era necessário dar um novo
196

passo com o grupo, apareceu a dificuldade de colocar em prática o que era planejado,
mesmo que o sujeito acreditasse que compreendia o que deveria ser feito.

Quando eu realizava as interferências imediatas no ensaio e demonstrava uma


alternativa para ajudar na condução da atividade com as crianças, durante o
planejamento havia maior participação das/os estagiárias/os no debate. Principalmente a
pessoa que foi ajudada.

A interrupção das atividades devido à greve não possibilitou verificar até onde
chegaríamos com as crianças. Neste momento, observando a gravação do último ensaio,
avalio os seguintes resultados com as crianças:

• A percussão corporal estava parcialmente decorada, o condutor teve


dificuldades para organizar e provavelmente iríamos facilitá-la ou deixá-la
de lado;
• A canção Para Começar Esta Aula estava decorada. A coreografia que a
regente havia escolhido tinha um problema que já havia sido discutido, e
decidíramos uma forma de resolvê-lo. A pianista ainda não estava muito
segura, mas já havia melhorado sua precisão rítmica. Já havia sido
sugerido formas de estudo;
• Em O Lamento da Lavadeira seriam cantadas as duas primeiras estrofes,
porque não haveria tempo para decorar todas. Reorganizamos ao arranjo
devido a isso;
• A canção Garota do Tacacá estava com o refrão bem decorado, porém, a
dificuldade com a letra estava prejudicando a memorização de algumas
partes. Porém, já havia também melhorado e acreditávamos que seria
possível aprender a canção inteira;
• A canção Maré era aquela que estava mais pronta do repertório.
Precisaríamos mantê-la aprendida e incorporar de alguma forma os peixes
que haviam sido construídos.

Nestas perspectivas, penso que seria possível apresentar o repertório, ou boa


parte dele, no final do semestre. Além do que as/os estagiárias/os poderiam também
cantar junto com as crianças, pois já tinha sido ensaiado anteriormente nos
197

planejamentos das performances e arranjos.

Observei a tendência de que o nervosismo e a ansiedade na frente das crianças


criam um bloqueio para que a pessoa possa avaliar com clareza o que está acontecendo
com o grupo, principalmente por não ter referências de como resolver determinadas
situações que não foram previstas. A insegurança da/o regente também dificulta que
ocorra a observação da performance do coro, pois o excesso de concentração no que
precisa ser feito embota a percepção, não deixando espaço para que haja a análise dos
resultados do que está sendo executado.

Sinteticamente, tivemos as seguintes questões principais:

1. As dificuldades musicais da prática em grupo;

2. Dificuldade de realizar ações combinadas: reger e cantar;

3. Dificuldade em aplicar as atividades no ensaio, devido à falta de experimentação


prévia;

4. Dificuldade auditiva de reconhecimento da produção vocal das crianças e a partir


disser realizar as correções diretivas;

5. Dificuldade em improvisar alguma proposta quando o planejamento não ocorre


como o esperado;

6. Desconhecimento de propostas que organizam o ensino do canto.


198

4. Entrevista com as/os estagiárias/os do grupo

Para avaliar o processo de desenvolvimento do LARCI e os seus resultados foi


realizada uma entrevista com as/os estagiárias/os que ao longo do primeiro semestre se
disponibilizaram a participar do laboratório. Devido à greve dos Sindicato dos
Trabalhadores da Unicamp (STU), a finalização do projeto no primeiro semestre foi
antecipada, assim, a entrevista também ocorreu antes da data que havia sido agendada
no início das atividades.

Da mesma forma que a entrevista apresentada no capítulo 2, “Entrevista com a


coordenação do Comunicantus”, neste caso também foi utilizada a entrevista na forma de
grupo focal. Como todas as atividades foram realizadas coletivamente entendo, que
estaríamos habituados ao debate em grupo, já que durante o semestre sempre ocorria o
momento de discussão. Além disso, a proposta de grupo focal viabiliza a possibilidade de
entrevistar todas as pessoas juntas, sendo catorze participantes nesta pesquisa. Esta
coleta de dados foi aprovada com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
(CAAE) 53116216.2.0000.5404.

Para organizar a entrevista iniciei enviando um e-mail ao grupo pré-agendando


uma data. Duas pessoas não poderiam participar no dia em que a maioria estaria
disponível, assim, decidi separar a entrevista em duas datas para garantir que todos
participassem. Ambas foram realizadas e gravadas na própria sala no PRODECAD, onde
ensaiávamos. Como não estavam indo as crianças por conta da greve, o espaço estava
silencioso e pouco frequentado, favorecendo a ambientação para a entrevista.

Previamente ao encontro, organizei as seguintes perguntas:

• Porque vieram ao LARCI?

A ideia desta questão foi identificar quais as expectativas que cada um tinha ao
se inscrever no laboratório para que, ao fim, fosse avaliado se as propostas foram
interessantes para o grupo ao longo do semestre.
• Qual que é a diferença do que é oferecido nos respectivos cursos comparado ao
199

que é proposto pelo LARCI?

Nessa pergunta busquei compreender se o LARCI propunha algum procedimento


diferencial para entender a relevância do desenvolvimento deste laboratório.

• O que vocês pensam sobre a quantidade de disciplinas obrigatórias dos seus


cursos?

A ideia desta pergunta era buscar as relações entre o LARCI e a grade curricular,
já discutida no primeiro capítulo.

• Vocês conseguem avaliar o que aprenderam aqui e se isso é importante na


profissionalização futura?

Tendo em mãos esta guia inicial, que julguei incluir os pontos principais que
desejava discutir posteriormente na tese, encaminhei as entrevistas então a partir deste
eixo.

Nos dois dias do encontro, iniciamos a entrevista explicando os procedimentos de


fala e inscrição. A principal dificuldade nesse tipo de coleta de dados é estabelecer que
as pessoas não falem ao mesmo tempo ou se interrompam, situação que dificultaria as
transcrições posteriormente. Para isso, cada participante recebeu um número de
identificação escrito em um crachá. Expliquei que haveria perguntas que todos
responderiam e outras que somente quem tivesse interesse. Quando houvesse o
interesse de falar, a pessoa interessada levantaria a mão, e eu, anotando a sequência de
intenções, iria indicando o momento que a fala aconteceria, similar à inscrição de uma
fala em assembleias deliberativas. Esta anotação com os números das inscrições de fala
também facilitou a transcrição, pois eu já tinha em mãos, previamente anotado, a ordem
das falas.

Destaquei ao grupo a relevância de estarmos atentos para não desviarmos dos


assuntos propostos nos debates, o que prejudicaria os objetivos da coleta de dados.
Desse modo, caso alguma pessoa começasse a discutir um tema que não abordaríamos,
e não havendo qualquer outra fala posterior que completasse ou retomasse a discussão
200

principal, o grupo todo seria alertado e buscaríamos rapidamente retomar os assuntos


em questão.

No primeiro dia de entrevista, como o grupo se compôs com maior número de


pessoas (12 ao todo), não ocorreram interrupções nesta perspectiva, pois entendo que,
como havia mais pessoas para darem as suas opiniões sobre os temas propostos, não
houve tempo para a dispersão do assunto. Diferentemente disso, no segundo dia (2
pessoas) algumas vezes a entrevista desviava de assunto e era necessário retomar ao
tema da pergunta para não perdermos o fluxo estabelecido para a coleta de dados. A
primeira durou duas horas e a segunda, uma hora.

Para a transcrição das falas neste capítulo e no anexo 2 e 3, os nomes ditos


durante as entrevistas foram substituídos por XX. A primeira entrevista está na íntegra,
com exceção da explicação do funcionamento que antecedia o começo das perguntas.
Na segunda entrevista também foi retirado um trecho que desviamos dos assuntos em
questão e as/os estagiárias/os pediram privacidade.

Tentei manter as falas mais próximas da oralidade. Como qualitativa, esta


pesquisa busca compreender “as motivações, as representações, consideremos os
valores, mesmo se dificilmente quantificáveis; deixemos falar o real a seu modo e o
escutemos” (LAVILLE & DIONNE, 1999, p.43). Para esta análise o primeiro passo foi o
recorte de conteúdos: a ideia foi buscar dentro das falas pequenas unidades que
posteriormente poderiam se tornar categorias. Neste caso, as unidades selecionadas
buscaram temas em comum, isto é, falas que abordavam assuntos similares, mesmo que
dentro de uma única fala, sendo possível fracioná-las em unidades diferentes. Destaca-se
que, ainda que tratando de temas variados, é comum que alguns temas “[sejam] apenas
aflorados, ao passo que outros ocuparão um lugar central. ” (LAVILLE & DIONNE, 1999,
p.217). Para definir as categorias segui o modelo misto definindo categorias iniciais e, ao
longo da análise, reagrupando as unidades comuns até a categorização final.

As categorias iniciais foram elaboradas conforme os itens principais das


entrevistas:
201

• Motivações que levaram à inscrição no LARCI;


• Impressões pessoais da experiência;
• Comparar formação com e sem LARCI;
• Sobrecarga de matérias obrigatórias em relação às eletivas;
• Contribuições para aprendizagem individual.

As falas que abordaram estes temas foram recortadas da transcrição completa e


reorganizadas. Após análise mais detalhada foi possível reagrupá-las novamente. A seguir
estão escritas as categorias finais e suas respectivas análises.

4.1 Motivações para participação do LARCI

Nesta categoria, o objetivo é identificar qual o perfil de aluna ou aluno que se


disponibilizou para participar e as demandas e razões que as/os levaram a se inscrever
no laboratório. Abaixo, apresenta-se a lista com o curso de todos os 14 participantes e o
semestre que estavam cursando durante o 1º semestre de 2018, junto ao seu
instrumento de proficiência, em uma ordem aleatória:

• Licenciatura – 9º semestre/canto, violão e um pouco de piano;


• Licenciatura – 3º semestre/ violão;
• Licenciatura – 3º semestre/piano;
• Licenciatura 9º semestre e Bacharelado Canto Lírico – 7º semestre/voz,
violão (básico), piano (básico) e acordeom;
• Licenciatura - 7º semestre e Bacharelado em piano – 7º semestre/ piano, voz
e ukulele;
• Licenciatura – 3º semestre/piano;
• Licenciatura – 5º semestre/piano;
• Licenciatura – 3º semestre/ flauta transversal, piano e canto;
• Licenciatura – 3º semestre/ violão, canto e percussão;
• Licenciatura - 9º semestre e Bacharelado canto lírico/ voz;
202

• Licenciatura 9º semestre/ violão;


• Licenciatura- 7º semestre/ flauta;
• Licenciatura – 9º semestre/ violão e piano;
• Licenciatura – 5º semestre/ violino.

Destaca-se que não houve inscrições das alunas e alunos do bacharelado em


regência. Acredito que tenha ocorrido uma incompatibilidade com os horários do curso
de regência, já que o interesse pelo laboratório havia sido externado por algumas alunas e
alunos com quem tive contato durante a divulgação. Ao privilegiar um período para o
funcionamento do LARCI que coincidisse com a previsão de poucas disciplinas para o
curso de licenciatura no quadro de horários, facilitando uma maior adesão de
participantes neste estágio, acabou-se por dificultar a participação para quem cursava o
bacharelado em regência, pois no mesmo horário ocorria a disciplina de práticas
orquestrais que as alunas e alunos da regência são obrigados a assistir, e em alguns casos
reger os ensaios.

A questão de ter um horário disponível é bem complicada para quem cursa a


licenciatura, porém, esse grupo foi privilegiado por entendermos que teriam maior
interesse na atuação com crianças. Contudo, para o aprimoramento das atividades e
maior participação futura de regentes faz-se necessário repensar os horários ou abrir
outras propostas similares ao LARCI simultaneamente, aumentando as possibilidades de
participação.

As entrevistas ocorreram após a participação do LARCI, assim, as falas se


misturam entre impressões pessoais a partir das vivências que já haviam acontecido e a
experiência anterior ao Laboratório. Neste sentido, na pergunta sobre as motivações que
levaram à participação do LARCI, as motivações pessoais mesclam-se com colocações
sobre aspectos que as pessoas acharam mais relevantes nas respectivas formações.

Para apresentar as motivações que levaram as/os estagiárias/os a se inscreverem


no LARCI a seguir são apresentados alguns recortes de suas próprias falas:

1: Bom, é.... eu vim para o LARCI porque eu estou na licenciatura e faço bacharel
também, em canto, e eu sempre busquei coisas que pudessem unir as duas frentes. Eu
203

acho que o LARCI foi um momento que me deu uma luz e quando o Rafa propôs o
laboratório, eu fiquei muito interessada em poder trabalhar com esses dois assuntos
que sempre me acompanharam durante toda a minha vida na Unicamp de uma
maneira única, né? [...].

2: Bom Parecido com a 1, o fato, também, de ser do canto e da licenciatura, o canto


coral é como a união. Eu sempre me interessei por canto coral. Já tinha participado de
outras coisas sobre esse assunto [ ].

3: É. O meu interesse, na verdade, pelo ensino de canto coral começou no PIBID do ano
passado. A gente foi para uma escola e tal... e eu vi que essa área despertou um
interesse bem grande em mim. Coisa que eu não imaginaria, porque eu toco violão, né?
Já dei aula de violão particular e tal... E a partir do PIBID... e depois eu fiquei sabendo
logo no finalzinho que a oficina ia ser oferecida no ano seguinte [ ].

4: [...]. O fato de ser uma oficina supervisionada, né? A oportunidade de discutir a


prática e não ficar só em uma discussão teórica. E não é uma prática sem
fundamentação teórica, né? Por mais que a gente não tenha só parado para ler um
texto e tudo o mais, a gente sempre teve muita direção sua e tudo o mais, né?

5: Concordo com o 3, mas o meu interesse foi, também, porque eu sempre achei que o
curso é muito teórico. O curso de música da licenciatura é muito teórico e, talvez para
mim, seja o principal motivo, dentro de vários, foi a oportunidade de ter uma
experiência de aprendizado da minha formação na prática. Porque em nenhum
momento, na minha formação, eu tive uma experiência mediada de oportunidade de
aprendizado. Eu tive o PIBID, mas o PIBID não tinha essa mediação durante esse
processo. Então você ia, só que você não tinha essa mediação de alguém que é da área [
].

6: Mais para complementar, mais, a minha formação, ter mais experiência,


principalmente com criança mais nova. Porque é a primeira vez que eu realmente
comecei a trabalhar com criança abaixo de oito, nove anos.

7: No meu caso também tem a ver com essa falta de experiência, que eu nunca tive
contato de ensino diretamente infantil, né? Com crianças. E eu sempre participei de
204

coro, mas é totalmente diferente de você reger um coro... e essa experiência, na


realidade, na nossa faculdade, a gente não tem a prática que a gente cobra muito nas
aulas. E eu acho muito importante, né aqui a gente desenvolver isso. Basicamente é
isso.

8: Eu sempre gostei muito de cantar e de coral, e eu tenho experiências de coro infantil,


mas eu nunca tive aulas de regência que fossem direcionadas exatamente para reger
um coro infantil. Porque um coro adulto é extremamente diferente. Então eu vi no
LARCI uma oportunidade de ter uma experiência direta com coro infantil, aprender
como lidar a, não fazer só um ensaio, mas inserir elementos de musicalização.

9: É. Eu fiz Técnica Vocal e Preparo Vocal Para Coro Infantil com a XX, e isso me chamou
muito a atenção para o coral infantil, as coisas que ela falou durante essas aulas. E isso
me incentivou muito a vir para cá e a falta de laboratórios que a gente tem na
licenciatura. O LARCI foi uma oportunidade de ter um laboratório mais prático e guiado.

10: Para mim, eu já conhecia o Rafael, porque eu trabalhei com ele no CEMMANECO
por dois anos... e foram bem começo da licenciatura. Então eu basicamente aprendi
fazendo, né? Eu aprendi na prática e aí... depois eu fui entendendo o teórico e aí
quando eu soube que era o Rafael que ia dar a oficina, eu me interessei, porque,
primeiro que eu canto também, e é uma questão de ensino, que são coisas que estão
ligadas.

11. [...]. Apesar de eu não ter o interesse específico de ser regente de coro, eu acreditei
que essa experiência podia melhorar as minhas aulas como professora, me dar mais
ferramentas para trabalhar com músicas cantadas com as crianças [ ].

12: Meu principal motivo é por estar lá no coral infantil do CEMMANECO desde o meio
do ano passado, e eu nunca tinha trabalhado com canto coral, nem com crianças e
porque eu estava procurando atividades agradáveis na Unicamp.

13: [ ] O que me atraiu foi principalmente a questão de que eu não tinha experiência
em dar aula, ou coisa assim, e ver as crianças na sala de aula. Então isso foi o que me
interessou.
205

14: Eu pretendo seguir a área de canto coral mesmo. Então já era um interesse meu e,
aí, quando eu vi que você estava dando essa oficina eu achei bem bacana, porque seria o
meu primeiro contado com regência coral mesmo. [ ]

As falas 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 14 apontam inicialmente para o interesse na área do canto


coral infantil, oriundo de uma vivência anterior nesta prática e/ou na possibilidade de
vincular o ensino de canto em suas práticas pedagógicas. Este grupo representou o
público inicialmente almejado para integrar-se ao LARCI, já que um dos principais
objetivos deste projeto foi proporcionar um laboratório de formação específica para
regentes corais infantis.

A possibilidade de atuação prática durante os ensaios com as crianças foi também


o elemento motivador dentre as falas 4, 6, 7, 10, 11, 12 e 13. O diferencial do LARCI para
uma oficina ou curso de regência é a participação das crianças durante todo o processo
formativo. Este grupo relatou certa dificuldade de acessar disciplinas, programas ou
projetos que contemplem a formação teórica e prática pedagógica simultaneamente
durante suas formações, favorecendo e justificando a existência deste laboratório.

A fala 5 ressalta que a existência de uma supervisão e discussão mais direcionada


foi o aspecto mais significativos para a sua inscrição no laboratório. As três motivações
apresentadas são os principais objetivos do desenvolvimento do LARCI: a formação em
regência coral infantil; a prática na condução dos ensaios com crianças; a supervisão
direta nos ensaios de alguém com mais experiência, além do próprio grupo de regentes.

Destaca-se que todos os participantes do LARCI já haviam cursado a disciplina


obrigatória “Coral I e II”15, mas ninguém citou essa experiência como motivadora para
buscar aperfeiçoar os estudos de canto coral. Nessas disciplinas as alunas e alunos
cantam no coro, assim, não têm a oportunidade de reger ou participar dos planejamentos
do ensaio. A participação cantando em um coral é fundamental para a formação em
regência, pois representa um espaço no qual são estimuladas as habilidades
performáticas da/o regente em sua prática vocal, além fornecer referências para

15
Esta consulta foi realizada conferindo as integralizações curriculares solicitadas previamente.
206

desenvolver estratégias na condução dos seus futuros ensaios como regente. Em


contrapartida, como todo o coral do departamento é formado por discentes do curso de
música, no ensaio não são necessárias propostas voltadas para grupos infantis ou até
mesmo grupos de adultos amadores que necessitam de estímulos diferentes comparados
com cantores com algum tipo de estudo de música técnico, e consequentemente, leitura
musical.

Todas/os estagiarias/os cursaram também a disciplina “Iniciação a regência I”,


porém, ela também não foi citada como um dos despertares do interesse pela área. No
caso da Licenciatura em música, elas seriam as principais disciplinas que envolveriam a
prática do canto coral e da regência. Diferentemente da entrevista 4, em que foi citada a
participação de uma disciplina eletiva relacionada diretamente com técnica vocal para
coros infantis, tornando-se um espaço gerador de interesse na formação continuada
nesta área.

Neste cenário de comparações sobre o que havia sido realizado no LARCI com as
demais disciplinas que o curso oferece, a seguir, a segunda categoria de análise apresenta
estas considerações. É evidente que essas falas não retratam o que a maioria das alunas
e alunos da licenciatura pensam sobre o próprio curso, dando conta de uma amostragem
pequena que são aquelas e aqueles que participaram do Laboratório. Porém, como a
entrevista foi realizada em grupo, uma reflexão sobre as respostas críticas dos
entrevistados leva a crer que essa amostragem tem um peso significativo, já que, caso
não fosse um consenso para os presentes, ocorreriam outras falas que pontuassem
outras perspectivas ou pontos de vista menos incisivos na crítica ao curso de licenciatura.

4.2 Diferenciais formativos propostos pelo LARCI

Como citado na categoria anterior, algumas falas apontam para uma dificuldade das
alunas e alunos ao sentirem que nas disciplinas de seus cursos as práticas parecem estar
distantes das teorias estudadas, além do que, nos estágios que frequentaram, observa-se
207

que as/os estagiárias/os sentem que os procedimentos não são necessariamente


orientados para melhorar a qualidade de suas aulas. Em contraponto a esta crítica mais
contundente, outra fala aponta que o entrevistado reconhece que ocorre a mediação
prática durante as disciplinas, porém, ainda assim, não são apontados quais são os
procedimentos para chegar em alguma realização musical

8: Acho que a prática mesmo, né? Porque, nas nossas aulas, fica tudo no hipotético: o
grupo de crianças é hipotético, o que a gente vai fazer é hipotético... E a gente, às vezes,
até planeja aulas com crianças, só que, na hora, você vê que... o planejamento, você
usa, mas às vezes você muda tudo. Então, eu acho que a grande diferença não é nem a
mediação, porque na aula você também tem mediação, você sempre apresenta o
projeto de planejamento e a professora vê, mas eu acho que é mais a prática mesmo.
Ter um grupo de crianças reais no qual você pode planejar e aprender a ter jogo de
cintura...

4: Eu acho que também dentro da... pelo menos é o que eu sinto, que dentro das
disciplinas que eu fiz no IA, de licenciatura, nenhuma delas incentiva a gente a pensar
no processo, sabe? É sempre no produto final. Quando a gente vai fazer um
planejamento, é: “Ok, o que que a gente tem que fazer para aquecer a voz? ”, “Ah! A
gente tem que cantar”, ok! Então a gente vai lá e escreve “cantar”. Ninguém fala como
cantar, de onde partir e, depois que você cantou, aonde você quer chegar, sabe. Eu acho
que esse ponto também é muito importante para a prática.

10: Eu queria complementar a fala da 8. A gente fica muito no planejamento, né? E eu


sinto também que a gente tem o começo e o fim. A gente não tem o meio. Tipo... o
começo ser muita teoria, e o fim o que você vai fazer. Só que fica esse buraco de “como
fazer? ”.

4: Eu acho que o que a 10 quis dizer é que o LARCI contempla tanto o início quanto o
meio e o fim, enquanto a licenciatura fica faltando aí...

5: Eu acho que... em relação ao LARCI e das outras experiências e disciplinas que eu tive
no curso, comungando com o que meus colegas acabaram de falar, eu acho que aqui
está muito bem orientado com relação a procedimento. Tanto em função da estrutura
208

que você mesmo propõe, quanto por estar em um espaço prático, né? E isso é possível.
Sem isso, acredito que, se isso fosse proposto na disciplina teórica não faria, então,
sentido se hoje eu falasse assim: “Não... Então falta o ensino de procedimentos no
curso”. Só que não faz sentido você tentar ensinar procedimentos sem uma experiência
prática, né? Só que ao mesmo tempo é necessária essa noção procedimental de como
que é o processo de ensino, né? De você aprender a ensinar. Então faz muita diferença
em você pensar em cada procedimento, porque não é só você pensar: “Ah, começa aqui
e você tem que fazer cantar”. Tá! Mas e como é que canta? Quais são as etapas? Eu
faço o quê? Eu só abro a boca e....? Esses procedimentos são fundamentais para você
entender: “Ah, então fazer cantar... dar uma aula de canto é isso, isso, isso, isso e isso,
né? ”. Então isso deixa muito mais claro. Você tem clareza do que tem que fazer e como
você vai chegar lá. Se não tem isso, você não tem nada, na verdade.

13: Ah! Tem uma diferença bem grande. Começa que essa disciplina (LARCI), ela
funciona de forma mais prática, obviamente... e vinculada à disciplina. Não,
necessariamente, Pedagoga e Didática Musical, que é uma disciplina que (se) propõe a
falar de pedagogia e que tem uma parte de estágio de observação e o estágio não é
vinculado à professora e tudo o mais. Então você tem que ir atrás do seu. Essa disciplina,
ela é útil nesse sentido, né? Ela propõe a prática e eu acho que é o diferencial, assim.
Não tem no curso de música.

14: Eu acho que a liberdade de poder experimentar, né? No curso a gente fica muito
ligado à questão teórica, muito sentado na cadeirinha debatendo quais vão ser os
pontos a serem trabalhados, quais as reações de uma criança, como que acontece isso e
a gente não vê. Então, se a gente não vê, a gente nunca vai saber se é isso mesmo que
acontece ou não. As pessoas podem falar várias coisas de referências bibliográficas “x”,
super “tops” e a gente pode ver que, às vezes, no ambiente que a gente vai trabalhar,
isso não funcione. Porque, na prática, a teoria é outra.

Estes recortes apresentam uma questão estrutural da organização do


planejamento da aula. Como exemplo, a/o estagiária/o está consciente de que é
importante realizar o aquecimento vocal antes da execução do repertório, faz o
planejamento em tópicos e descreve quais serão os exercícios vocais possíveis de serem
209

realizados. Porém, quando não existe um coral ou uma sala de aula real para observar se
os procedimentos escolhidos são eficientes é mais complexo fazer uma avaliação mais
próxima dos contextos dos ensaios com crianças. Essas falas apontam que no contexto
das disciplinas são discutidas hipóteses, e a/o docente responsável realiza a mediação
explicando as alternativas para melhora da performance tanto da/o regente quanto do
coral ou qualquer grupo abordado, porém com poucas referências e/ou práticas
procedimentais.

Retomando o debate do capítulo 3, em que é analisado o diário de campo do


laboratório, cito um exemplo na perspectiva do que foi dito nesta fala: as/os
estagiárias/os sabem que é importante realizar o vocalize e conseguem pensar em
alternativas de exercícios, porém, concretamente, pela sua falta de conhecimento vocal
e procedimental, não sabem como estimular as crianças a cantarem e realizar as
correções no momento em que elas estão cantando.

Parece existir um hábito de construir o planejamento de um grupo considerado


ideal no qual a/o regente solicitaria o que deveria ser feito e todas as crianças, sem
dificuldade, conseguiriam realizar. Caso o grupo não consiga, sem a discussão das
questões procedimentais nas quais se encontram as etapas das habilidades necessárias
para o ato de cantar, me parece que a/o regente tende a deslocar a dificuldade para o
coro, isto é, considera que o grupo não compreende bem, ao invés de imaginar quais
seriam os problemas que ocorreram na proposta desenvolvida pelo próprio regente. De
maneira geral parece mais comum culpabilizar quem não compreende do que se
autoavaliar, visando a mudança do próprio procedimento.

Quando não existe muita experiência no contato real com crianças, as alunas e
alunos da graduação não têm referências de possíveis ocorrências e soluções que
acontecem quando são propostas determinadas atividades em contextos variados, aliás,
mesmo que houvesse esta experiência, o distanciamento do docente da graduação com o
espaço de atuação das/os graduandos dificulta que as ações tomadas sejam debatidas ao
ponto de favorecer a melhora da qualidade das aulas.

As próximas falas trazem a relevância do LARCI possibilitar a prática musical, além


da prática pedagógica:
210

14: […] [...] E tem uma outra questão também, que o 13 falou... da questão de tocar. Eu
vejo bastante dessa característica em mim e nele, né? Tipo... a gente gosta da música
também, a gente não gosta só da educação musical. A gente quer ser músico, a gente
quer tocar, a gente quer estar aí tocando com a galera do bacharel, porque, meu... a
gente faz um curso de música e isso tem que vir em primeiro lugar. Antes de você ser
professor, você tem que ser alguma coisa antes, né? Você tem que ser geólogo, você
tem que ser historiador para depois poder dar aula disso, né? Eu acredito que você tem
que ter um conhecimento.

12: [...]. Porque, assim... É a oportunidade do aluno da licenciatura ter uma aula
prática. E, não que seja fácil vir aqui todo dia, mas, querendo ou não, para mim, é um
prazer vir aqui, sabe? É uma hora que eu dedico, não só para a minha profissão, mas
para o meu fazer musical... que eu gosto de estar fazendo.

O fazer musical necessita e é fruto da ação prática. Nesse sentido, apenas falar
sobre música não permite que todas as habilidades musicais sejam estimuladas. Similar à
situação de realizar um ensaio ou dar uma aula. Saber o que vai fazer organizando
teoricamente o planejamento do ensaio, sem o treino prático, não garante que a pessoa
conseguirá transmitir os conhecimentos com clareza e eficiência para conduzir os seus
cantores e cantoras.

Outro assunto pertinente levantado é a possibilidade de todas as pessoas


poderem reger. Os programas como o LARCI podem descontruir o discurso, de tendência
mais ultraconservador e elitista, que coloca a/o regente como um ícone, distanciando
esta prática daqueles que cursam a licenciatura. É interessante evidenciar que a criação
de um coral infantil é uma forma de ensino musical

10: Eu acho que tem uma fala muito forte, assim, no IA, da coisa assim: “Quem rege é
o regente, quem rege é o regente, quem rege é o regente”...
0: Ah! Tem esse... o ícone, né?
10: Exatamente! E, principalmente para a gente da licenciatura, que existe o madrigal.
A gente no madrigal... a gente é tipo rato de laboratório. É só isso, né.
0: O madrigal que você fala, é o que quem tem que fazer iniciação à regência, tem que
cantar no madrigal?
211

10: É. E essa fala, assim, né... que ecoa, né? Para mim ficou uma coisa assim: “Ai! Eu
não posso reger, então, porque eu estou fazendo licenciatura”, “Eu não sei fazer isso”,
“Quem sabe é o regente”. Aí, com o LARCI aqui, eu vi que eu tenho muitas
possibilidades. Acho que, inclusive, em alguns casos, melhor que os regentes... porque
eles só abanam o braço para a gente.

Destaca-se também que dois estagiárias/os que cursaram a mesma disciplina no


1º semestre de 2018, Pedagogia e Didática Musical I, ficaram mais satisfeitos com a
possibilidade de ter uma discussão teórica mais aprofundada, proporcionada por esta
disciplina, e ter a oportunidade de verificar as práticas que envolvem os assuntos
abordados durante a aula. Quando ocorre maior conexão entre as ações teóricas e
práticas, os processos de aprendizado de ambas áreas de conhecimento parecem se
oferecer de modo mais facilitado, atribuindo referências práticas à discussão teórica e
vice-versa.

11: Bom.... Eu vou dar exemplo da Pedagogia e Didática Musical. Por que a XX, ela falou
de autorregularão, de... dessas coisas, também, que a XX, né... na FE falou. Sobre
planejamento e sobre replanejamento, autoavaliação. Eu acho que esses conceitos,
essas ideias, deu pra ver já aqui sendo aplicado. Antes mesmo de a gente aprender lá....
Porque desde o início a gente vai fazendo exatamente, né... isso. Acho que nos
primeiros cinco encontros, assim... foi tipo um universo novo que surgiu, porque um
monte de coisa que eu não sabia, eu comecei a aprender logo na primeira aula que a
gente fez aqui. Em dez, quinze minutos a gente já tava tendo contato com coisas que
não imaginava como é que ia ser. E daí, quando a gente volta para a aula de Pedagogia
e Didática musical, a gente vê tudo que a gente viu aqui, falado lá, mas de forma
teórica. Então eu acho que tem uma troca legal, assim. Provavelmente outras
disciplinas também. É porque, tipo assim... O curso de licenciatura, o que eu acho ótimo,
ele é voltado para a educação do ensino regular, né? Então, uma coisa que acontece
muito são as pessoas entrarem no curso pensando em dar aula de instrumento e tudo
o mais... que eu acho que a metodologia, ela varia muito, né? Ela tem que ser sempre
readaptada, reapropriada... os métodos que tem por aí, também. A pessoa vai dar aula
de piano, aí vai pegar o método lá: “Piano virtuoso”, aí tem que readaptar tudo, porque
212

não funciona. E, acho que, aqui... aula para tantas crianças, a gente tendo que se
readaptar toda hora, as crianças saindo quando quiserem, as crianças tendo idade que
a gente não sabe... aleatória Tudo isso, acho que, ajuda a gente a aprender a ter
ferramenta para adaptar o nosso planejamento, a nossa avaliação tudo isso.

12: É. Eu acho que essa questão da Didática e Pedagogia Musical foi bem importante,
assim... essa matéria, a gente estar fazendo em conjunto com aqui. Foi a primeira...
são quatro, né? A gente está na primeira. [...] e eu achei legal dessa da gente ver a
teoria em um dia e executar aqui várias coisas, levar as coisas que a gente executou e
entender um pouco o que que aconteceu também, né? Tem essa questão posterior da
avaliação. Também, acho que a questão de ver o quanto é ruim algumas coisas que a
gente tem na faculdade. Por exemplo: a disciplina de coral. Como está fraco, né? Porque
a gente não tem um aquecimento, direito, lá. E, aqui, a gente vê, assim... “como você
deve fazer”, e lá “como você não deve fazer”. Eu acho isso importante; ter gente que
saiba o que está fazendo. Porque é complicado achar que aquilo é um coral. Num nível
de graduação para pessoas que vão ser músicos. Talvez não sejam coralistas...

1: [...]. Foi diferente da Faculdade de Educação, da disciplina que eu fiz com a XX. Porque
ela tinha uma proposta de estágio e a gente teve que se encaixar dentro da proposta
dela. Isso foi muito interessante. No começo ficou todo mundo meio relutante, mas foi
legal. Era uma proposta de adolescentes, numa condição e num contexto determinado
por ela e, em grupo, a gente ia nas escolas que abriam espaço para a gente fazer
intervenções e atividades rolavam e era muito legal. E lá a gente tinha muito espaço de
conversa, de explicar o que aconteceu, o que deu certo, o que deu errado, como é que
foi na sala de aula. Isso foi muito interessante, assim, mas foi num contexto muito
voltado...

As pessoas que não conseguiram associar o que estavam aprendendo durante sua
participação no LARCI com as disciplinas de seus cursos tiveram falas mais
questionadoras e críticas em relação ao curso.

1: [...] a minha última disciplina de estágio na licenciatura, [...], nada era discutido. Eu
juro! Porque foi um absurdo isso. A gente não discutia sobre os espaços. Eram
213

pouquíssimas as coisas que eram trazidas, as aulas eram extremamente monótonas...


é.... eu juro que eu não entendi aquele semestre. Então, assim... a minha última
experiência foi muito ruim nas aulas de estágio. Eu tive uma experiência muito boa no
Estágio Supervisionado que eu tive que fazer na Faculdade de Educação. Aí foi legal! O
Estágio Supervisionado da Educação foi um espaço onde a gente dialogava.

10: Só complementando, o que falta... o que eu vejo no meu estágio da música... Estágio
I da música... é direcionamento. Então, se deu certo para ela, é porque a professora
estava preparada para fazer isso. Ela tinha um planejamento, ela tinha base e aí ela
teve o espaço... ela conseguiu o espaço e deu certo. Nas nossas aulas de estágio,
assim... é difícil.

Ocorrendo a possibilidade simultânea de discutir questões pedagógicas e


musicais, diversas habilidades são abordadas com a perspectiva de serem desenvolvidas,
além do que os conceitos teóricos ganham vida para as/os estagiárias/os. Não tivemos
uma só pessoa que não executou alguma atividade no LARCI, todos alternaram entre
correpetição ou regência, de acordo com os interesses pessoais, assim, a próxima
categoria discute o que individualmente as/os participantes compreendem que
aprenderam no LARCI.

4.3 Auto avaliação do aprendizado das/os estagiárias/os

Nesta categoria foram identificados dois principais grupos de possível categorização: as


pessoas que regeram tiveram impressões similares em relação ao próprio aprendizado,
assim como aquelas que tocaram, tiveram outro tipo de experiência, porém, bastante
significativa da mesma maneira. Início a discussão por aquelas que regeram.

6: Eu acho que aqui no LARCI eu comecei a pensar e prestar muito mais atenção no meu
papel de professor enquanto eu estou lá na frente das crianças, como eu devo me
portar, não só o que eu tenho que falar, ou como meu corpo deve agir... E para ter uma
experiência melhor, não só para mim, mas para as crianças aprenderem com mais
214

facilidade. Eu acho que isso da gente, no final de toda aula, parar e ver o que é que nós
fizemos, o que deu certo, o que deu errado, está ajudando muito mais para fora daqui
também. Para eu conseguir chegar e pensar: “Não! Ok! Durante essa atividade eu vou
ter que ter esse jogo de cintura. Eu vou ter que fazer desse jeito e não desse porque, da
última vez que eu fiz, deu errado. Então na hora mesmo se está dando alguma coisa
errada, tentar prestar atenção, não só também no que as crianças estão demonstrando,
mas no que eu estou passando para elas. Acho que é muito importante esse “durante
da aula” que o LARCI deu.

10: Eu sozinha não pensava muito nisso. Acabava que chegando, assim... e antes de
começar a próxima aula que a gente decidia, porque era um grupo. Mas eu sozinha
pensava: “O que que eu posso fazer para melhorar? ”. E, tendo essa anotação e depois
discutindo, eu comecei a pensar mais sobre o que eu estou fazendo para a próxima aula.
E como tem muita gente no grupo e tinha muitos momentos que não havia atividades
para todo mundo, né? Natural. E por eu ser muito observadora, gostar mesmo de ver o
que está acontecendo, começou a cair mais essa ficha de ficar bem mais claro para mim
que: “Aquilo ali foi legal e então dá para eu colocar”, quando eu dou uma aula...

0: Absorver né?

10: Exatamente! [...] É... Só para finalizar: Eu acho que, na verdade, todo o processo,
né? Uma coisa muito importante que a gente acaba... que a gente aqui fez, né... e que
eu acho que a gente acaba não fazendo fora daqui é a questão de anotar o que
acontece, né? Durante a aula e depois pensar no que pode melhorar. [...].

A possibilidade de se autoavaliar e ser avaliado por um grupo de observadores,


quase que em seguida da execução da ação, favoreceu que as vivências do LARCI fossem
mais memorizadas. Neste sentido, a estrutura do planejamento, ação e avaliação
contínua foi valorizada como um dos fundamentos que esta tese entende como
necessários para que o coral se desenvolva de forma progressiva e contínua, de acordo
com os contextos e desenvolturas técnicas apresentadas, já que cada grupo coral tende a
compreender e executar a performance à sua maneira, não sendo possível desenvolver
o mesmo método para todos os grupos, ou seja, não existem receitas prontas. Além
215

disso, nessas falas as pessoas começaram a olhar para a própria performance como uma
das fontes de análise para avaliar a qualidade do desempenho do seu coral.

A relevância do estudo de procedimentos também surgiu nesta categoria,


diversos estagiárias/os consideraram a possibilidade de praticar seus planejamentos e
compreendê-los como formas de organizar as atividades, porém sendo necessário levar
em conta certa flexibilidade, como um dos elementos mais importantes vivenciados no
LARCI. Destaca-se que o fato também de ter a minha interferência direta nas atividades
quando algo não ocorria da forma esperada, ou não dava certo, também os estimulava a
ver que alterar a proposta é possível para que sua efetividade seja alcançada a partir dos
objetivos pedagógicos pré-estabelecidos, ao invés de insistir na programação
rigidamente até o desgaste das crianças.

2: Para mim o que mais ficou mesmo, na realidade prática, foi a questão de você
realmente observar o que você precisa mudar, do que ficar só, né? Na Foi mais uma
questão de segurança. Eu acho que eu ganhei um pouco mais de segurança e de você
poder corrigir, né? Você falava: “Tem que corrigir”, “Não pode deixar passar”, que é
uma coisa que para mim, às vezes.... Sei lá Não sei porquê. Acho que até mesmo pela
insegurança, né? De você não corrigir, não deixar passar pequenas coisas mesmo, né?
Então eu acho que isso, nas minhas outras práticas, também teve reverberação...

2: [ ]. Outra coisa que eu acho que para mim ficou, é a coisa do planejamento de uma
forma prática, né? Você realmente ver que você tem que planejar no ponto de vista de
vivenciar aquilo, né? Então, não sei sempre que se fala de planejamento, a gente
sempre vê muito planejamento, mas fica aquela coisa assim, de: “Eu planejo ali, mas
executo outra coisa”, né? Mas você pode juntar as duas coisas, né? “Eu planejo, não só
para seguir um roteiro, mas porque eu sei onde eu quero chegar, como (eu quero
chegar) e eu sei o grupo que eu estou...”. Bom, para mim, na última, o planejamento
fez mais sentido. Saber o que eu queria exatamente e como.

6: Eu acho que, para mim, o que mais me pegou, que eu acho que eu vou levar daqui...
primeiro é a questão do corpo, do movimento corporal que, como eu fiquei muito mais
com isso.... É e entender um pouquinho mais do que a criança é capaz de fazer nessa
idade que a gente pegou. Porque, realmente eu cheguei com algumas coisas que, para
216

mim eram as coisas mais fáceis de fazer, sei lá: dar três pulinhos e dar uma rodadinha...
eu não preciso treinar para fazer isso. [...] E uma criança tem outros processos
completamente diferentes dos meus. Que a gente... eu, pelo menos, acabei esquecendo
de levar em conta quando eu estava criando a coreografia. E também essa coisa de você
conseguir olhar, prestar atenção no que as crianças estão fazendo enquanto você está
fazendo, e ver no que que elas precisam ser corrigidas. Acho que esse foi o ponto que
eu mais prestei atenção e que quero melhorar mais.

Como também discutido nos capítulos 2 e 3, a percepção vocal precisa ser


estimulada para que a/o regente consiga identificar a qualidade da performance do seu
coro, assim traçando os melhores caminhos que escolherá para desenvolvê-la. Pelo diário
de campo e as entrevistas, nota-se que além de as/os estagiárias/os perceberem as
dificuldades e erros, ocorre ainda a dificuldade sobre o que fazer após esse diagnóstico e
como realizar as interferências.

As entrevistas indicam que a experiência real com o coro favoreceu que as/os
estagiárias/os avaliassem essa habilidade desafiadora necessária à regência, na qual,
fazer as interferências ao longo do trabalho com o coral é o cerne da qualidade do seu
trabalho, pois estas são as ações que resultarão na melhora da performance.

1: Para mim foi a experiência direta, né? O trabalho de preparação vocal, técnica vocal
é. Foi muito interessante poder sentir na prática mesmo, como é que aquilo funcionava.
Perceber que você... é tem que estar realmente muito atento ao que você está fazendo.
Então às vezes eu ficava muito mais preocupada em executar, mas sem ver o resultado,
né? Então você falava: “XX, não tem como você avançar sobre o tom se eles não estão
afinando esse”, aí eu: “Ah! Tá! É verdade”. [...]. Lidar com os aspectos técnicos vocais,
assim... é pensar: “Porque que a gente tá fazendo u? ”, “Porque que a gente está
fazendo exercícios de fala? ”, “Qual que é a importância de fazer com que eles falem?
”, sabe? Isso, para mim, são coisas importantes que eu nem pensava, assim: “Nossa! Eu
preciso fazer com que eles falem primeiro”, “Que eles emitam som”. E muitos daqui não
tinham tido muita experiência... não tinham tido experiência com coral.

2: E é um pouco o que a gente aprende e.... assim... É um pouco o que às vezes tem nos
conteúdos, né... de você... e que é válido, né? A gente tem que realmente respeitar, mas
217

às vezes eu via até reverberar na minha prática de ensino de canto lírico, que é você
falar: “Não! Isso está errado”, “Eu sei que você pode cantar assim, mas se você quiser
cantar determinado repertório, se você quiser cantar lírico, isso não está bom”. Isso para
mim sempre foi uma dificuldade... que é uma certa segurança de você saber: “Isso eu
sei. Bom, pelo menos dessa forma, e você não está fazendo assim”. Então eu acho que
para mim, isso teve muita reverberação, muitas consequências nas questões práticas e
da performance do professor como eu nunca tinha refletido sobre isso. Sobre o professor.
Ele está em uma performance. Sempre refleti isso na minha performance como cantora,
não como professora. Isso também, acho que teve consequências nas minhas outras
práticas.

0: Que legal!

Para quem realizou o acompanhamento instrumental das canções do coral,


alternando em todos os vocalizes, canções e jogos que tinham algum tipo de
acompanhamento musical, houve experiências e auto avaliações similares ao regente,
porém as habilidades destacadas estiveram mais voltadas a possibilidade de exercitar
seus instrumentos de proficiência em uma prática coletiva, tanto acompanhando o coral,
quanto tocando junto com outros instrumentos.

5: Eu me coloquei aqui mais como... acompanhei algumas músicas, né? E aí eu queria


fazer um comentário também, que tem a ver com a primeira pergunta, mas eu acho
importante falar: Eu acho que aqui existe um processo de apropriação progressiva das
habilidades necessárias para você ser um educador musical, por exemplo. E em outros
espaços, eu acho que isso é mais difícil. Porque, por exemplo, se a gente vai fazer um
estágio ou alguma coisa em algum outro lugar, você tem todos os problemas de uma
vez, né? E aí você tem um teórico que não lida com problema nenhum, ou você lida com
todos os problemas de uma vez. Aqui você consegue falar: “Não, escolhi esse”, no meu
caso, por exemplo... escolhi como é acompanhar melhor. Então aí eu fui estudando
alguns ritmos. Só que é isso. Eu acho que eu entendi melhor essa relação, né? Nessa
conjuntura específica que é você ter um regente, você ter um grupo e você ter que
acompanhar. E acho que preciso melhorar muito mais em estudos de ritmo, muito mais!
Mas agora eu já tenho uma noção melhor. Antes eu não tinha noção nenhuma, porque
218

eu nunca tinha feito isso. [...] Eu pude tocar. Hoje eu posso dizer que eu consigo tocar,
pelo menos. Né? Pelo menos o básico, sim.

3: [...] É que, assim... às vezes eu estudava uma coisa, aí ficava lá..., que mecanicamente
estava ok para mim, mas eu chegava na hora, assim: “Ah, vai precisar mudar”, aí: “O
que eu faço? ”. Eu percebi que preciso estudar e estudar para chegar em um nível que,
por exemplo, que eu já consigo dominar mais o violão. E é mais natural, sabe? Então,
se precisar mudar alguma coisa na hora, eu sei que eu vou conseguir. E tipo... não só
mecanicamente, mas também alguma coisa de cifra. Porque às vezes eu tenho a
harmonia na minha cabeça e não está escrito, mas eu consigo tocar no violão. No piano,
às vezes, está na minha cabeça, (mas) aí não sai por causa de mecânica mesmo. Então
eu percebi que... para mim, pegou, mas isso... eu percebi que... como que... lógico que
como o abismo que tem entre os dois, né? Mas eu percebi como que é importante você
ter domínio do instrumento para...

8: [...]. Eu estava acompanhando e acho que foi algo muito importante para mim de,
não só prestar atenção no que eu estava fazendo, mas no que o regente também estava
realizando. No tempo que ele estava dando. Se as crianças estavam atrasando, eu tinha
que prestar atenção se ele estava puxando as crianças para frente, ou se ele estava
acompanhando as crianças, porque daí eu tinha que seguir ele. Se as crianças não
estavam conseguindo cantar muito a melodia, eu tinha que tocar a melodia mais forte,
ou se elas já estavam ok, eu podia fazer a harmonia. Acho que, para mim, foi algo que
foi muito marcante: Acompanhar prestando atenção principalmente no regente, mas
também nas crianças, no contexto geral e não só no que eu estou fazendo.

Nas disciplinas obrigatórias da licenciatura em música, a única disciplina que


predispõe uma prática musical em grupo é a “Coral”. A disciplina Iniciação à Regência
também possibilita a participação de um semestre no “Madrigal”, porém, somente como
cantores, pois quem rege são exclusivamente aqueles que cursam a Regência.
Reforçando que as disciplinas da regência não são disponibilizadas como eletivas para a
Licenciatura, isso dificulta o aprofundamento na área deste grupo de discentes.

Destaca-se que mesmo que a/o regente não tivesse o privilégio de obter um
correpetidor para auxiliar nos ensaios e apresentações do coro, seria o caso de o próprio
219

regente desenvolver a habilidade de conseguir tocar algum instrumento acompanhador,


pelo menos nos ensaios. Para poder tocar em grupo a percepção se mostra muito mais
complexa, pois é necessário avaliar a própria execução tanto quanto estar atento às
execuções das demais pessoas. Não exageramos ao afirmar que parece ser possível
desenvolver esta habilidade somente na prática, na presença de outros instrumentistas
ou cantores.

Para o exercício no instrumento de proficiência e ensaios em grupo faz-se


necessário tempo de estudo. Discutindo as questões do tempo, a seguir são apresentadas
as impressões relacionadas às sobrecargas horárias do currículo da licenciatura, um dos
assuntos já discutidos nesta tese.

4.4 Sobrecarga de disciplinas obrigatórias

As duas primeiras falas conectam-se com o subcapítulo anterior, que debateu a


angústia das/os licenciadas/os sobre a dificuldade que encontram para estudar e
aperfeiçoar a técnica dos seus próprios instrumentos.

3: Uma coisa que eu vejo, mais no começo do curso, é que... eu imagino como isso deve
ser para a galera que faz combinada, mas parece que a licenciatura, ela vai sufocando
a prática do seu instrumento. Então você entra tocando e tal... estuda né? Antes de
entrar aqui. Mas parece que, quando você chega, a sua prática, do seu instrumento, a
licenciatura parece que vai sufocando e você vai tipo: “Ah, mas eu não preciso nem...”.
Porque não se espera Você ouve isso de pessoas, sabe? Que você não é músico.

3: [ ]. Para que que eu vou precisar estudar música? Para que eu vou me dedicar se eu
só tenho que ler textos? Então é isso que eu vejo. Foi uma das coisas que mais pegou
comigo. Eu senti que o meu estudo de instrumento que... eu acho que é uma coisa que
é necessária. Eu sei que tenho que saber da minha prática pedagógica, mas eu preciso
conhecer meu instrumento também. E eu preciso conhecer muitas outras coisas, tipo...
220

bem... assim... eu acho que de música, tipo: de análise, harmonia. Eu acho que você
precisa saber.

Na perspectiva da regência, o domínio das artes do canto é o instrumento base


da/o regente, além das habilidades que envolvem a condução de ensaios e organização
dos grupos. Nesta situação mais específica, o domínio no canto facilitaria que a/o regente
organizasse indicações claras e assertivas para o desenvolvimento vocal do grupo.
Mesmo nos corais que podem contratar preparadores vocais especializados, caso esse
privilégio não pudesse ocorrer em todos os ensaios, a/o regente precisaria saber o que
fazer para não permitir que seus cantores permanecessem muito tempo cantando de
forma prejudicial e/ou incorreta.

2: […] Quando eu dou aula de canto no começo acho que é bem difícil, porque é
difícil você transmitir aquilo que você vive no seu corpo, né? Ainda mais uma coisa tão
abstrata. Mas no momento em que você se dedica a conhecer o teu instrumento, no
caso, você consegue acessar o instrumento do outro, você consegue ter ferramentas
para fazer o outro acessar aquilo que é o que eu acho que falta com outros conteúdos
que a gente não domina e então, não consegue ter ferramentas para fazer o outro
dominar.

Uma das premissas para poder participar do LARCI, ou de qualquer outra eventual
atividade complementar, é que é necessário dispor de tempo, tanto presencialmente
quanto o tempo de estudo individual. No capítulo 1 foram apresentadas as grades
curriculares dos cursos de licenciatura e bacharelado em regência da Unicamp.
Principalmente na licenciatura evidenciou-se uma sobrecarga de disciplinas obrigatórias.
Como já discutido, os Projetos Políticos Pedagógicos propõem um curso no qual os
egressos teriam a possibilidade de profissionalização em diversos campos da Educação
Musical, assim, sua formação busca ser bem ampla na intenção de atender a contextos
variados. Porém, cria-se uma dicotomia, pois o acúmulo de disciplinas obrigatórias tende
a homogeneizar o perfil do egresso, não restando muito espaço para que cada aluna e
aluno construa sua própria trajetória formativa com autonomia. Além da falta de
disciplinas que envolvam o contato com práticas musicais.
221

6: [...]. Em todos os meus semestres, eu tive o mínimo de 28, 30 créditos quando eu


tentava pegar poucos, e sempre tentando fazer alguma coisa a mais: um laboratório,
um estágio, uma extensão, alguma coisa. É bem complicado, isso, nessa nossa carga
horária. Tem dia que eu acordo cedo e vou até a noite fazendo aula, ou então dando
aula, e eu sinto que falta tempo para a gente estudar e tentar aprender novas coisas.
Eu queria aprender a tocar piano, por exemplo e não tenho tempo para isso. Nem
mesmo para estudar ao piano. Então eu acho que seria muito bom ter menos
obrigatórias e mais optativas, porque assim a gente poderia, pelo menos, manejar
melhor o tempo.

Considerando que nem todas as pessoas que cursam a licenciatura


necessariamente se envolveriam com o canto coral, mesmo quando atuam na Educação
Básica, sua limitação de habilidades e saberes musicais pode diminuir sua capacidade
criativa, limitando os elementos musicais que poderão ser usados ao longo da vida
docente. Embora a pessoa possa, após a finalização do curso, permanecer se
aperfeiçoando, ela tende a realizar a formação continuada quando está ciente dessa
necessidade ou quando já está empregada em algum contexto no qual isto seja
valorizado.

5: E acho que é um curso que, na teoria, é para ser amplo, né? Se você conversa com os
professores, eles falam... não é um curso, por exemplo, de licenciatura em violino,
licenciatura em canto. Então quando você conversa com os professores, eles até falam:
“Ó, você pode escolher fazer isso, você pode escolher fazer aquilo”... uma prática
pedagógica teoricamente ampla. Só que o curso na teoria é teoricamente amplo, mas
na prática você tem que fazer tanta coisa que você não consegue, na verdade, escolher,
né? Então no meu ponto de vista, se não é para ser um curso guiado, orientado em
algum sentido específico, por exemplo: seja licenciatura voltada para alguma coisa;
voltada para alguma prática de instrumento, ou algo do tipo, que você tenha mais
disciplinas eletivas e aí você possa escolher dentro de uma gama de possibilidades, ali,
o que que você considera mais relevante para a sua prática pedagógica.

A organização do curso de licenciatura de forma a serem criadas mais disciplinas


eletivas certamente favoreceria que as/os estagiárias/os tivessem mais tempo de estudo
222

e conseguissem organizar quais os caminhos formativos corresponderiam melhor aos


seus próprios anseios profissionais. Evidente que o Ensino Superior não visa somente a
formação para a profissionalização, porém, no caso da licenciatura da Unicamp, para a
regência coral infantil não há espaço. Lembrando mais uma vez que a habilidade de
conduzir grupos musicais com crianças vai muito além da prática coral.

11: Eu acho que a gente tem muitas matérias, como já falaram, e que a expectativa do
curso, que é para ser feito em quatro anos, é completamente irreal. Se você fizer ele
em quatro anos, você não consegue participar de nenhum outro projeto. Não consegue
participar de nada. [...]. E com essa carga horária tão grande, no fim você tem que
escolher se você se dedica às matérias, ou se você se dedica aos outros projetos. Então
eu me dedicava mais aos projetos em que eu estava dando aula, ou aprendendo a dar
aula, que eu achei que seriam mais importantes para a minha formação e várias das
disciplinas obrigatórias, eu fiz de qualquer jeito só para poder passar e me formar.

2: Eu acho muito sobrecarregado. Até me questionei se eu viria aqui, porque eu,


querendo ou não, estou atrasando uma matéria que é o Inglês Instrumental, que eu
teria que fazer nesse horário de terça, das oito às dez, e quinta das oito às dez. Então
seriam dois horários que eu teria que me abster de qualquer outra atividade para fazer
essa obrigatória. Só que eu coloquei na balança o porquê que eu precisava fazer o LARCI
e o porquê que eu precisava fazer o inglês agora, e eu optei por aqui. Mas, se for ver, a
gente fica em uma sinuca de bico. Entre poder pegar coisas que vão agregar ao nosso
cotidiano como profissionais, e no que a gente tem que cumprir obrigatoriamente
porque a gente é do curso. Só que eu, por exemplo, já sei muito bem o que eu quero,
então isso me facilita. Mas, eu fico pensando: alguém que está na licenciatura e não
sabe se vai mais para a musicalização, se quer trabalhar mais com a questão de aula
particular, se quer dar aula de instrumento... e você não pode priorizar as coisas que
você quer. Você não pode dar uma direção para o seu estudo. Eu acredito que no estudo
da faculdade você tem que dar uma direção, porque não dá para você ser bom em tudo.
Já está provado, isso, né?

Considerando que o curso está previsto para ser concluído em quatro anos,
documentalmente, este tempo seria o necessário para que a formação planejada tivesse o
223

êxito almejado. Neste sentido, quando é esperado que as/os alunas/os participem de
atividades de extensão ou projetos variados parece não ser levada em conta a carga
horária excessiva que de alguma forma prejudica a progressão curricular visando a
integralização no tempo previsto. Esta fala acima não representa a realidade de todas e
todos que cursam a licenciatura, porém, o currículo extenso é uma realidade quantitativa
factual. O curso de licenciatura e bacharelado em música também se organizou de modo
a ser cursado no período integral e, devido ao número exíguo de docentes, nem sempre
as disciplinas obrigatórias são oferecidas em todos os semestres, mesmo aquelas que são
pré-requisitos para uma sequência de outras seis disciplinas a ela atreladas. Assim,
quando uma pessoa decide participar de algo que aconteça nos mesmos horários das
disciplinas obrigatórias, ela concretamente atrasará pelo menos um ano de algum grupo
atrelado de disciplinas, mesmo que sua participação em algum projeto extracurricular
seja apenas de um semestre.

As dificuldades do LARCI, e dos projetos similares, esbarrou na indisponibilidade


dos participantes. O Comunicantus disponibiliza bolsas auxílios para seus participantes,
favorecendo a permanência ao longo do tempo de aceite do auxílio financeiro. No nosso
laboratório as/os alunas/os ficam sem muitas alternativas, principalmente aqueles que
precisam desses tipos de auxílios institucionais, pois, além de não terem tempo
normalmente para as atividades extracurriculares, muitas vezes ainda precisam se
ocupar com outras propostas remuneradas para auxiliar sua permanência no sistema
universitário.

Um estagiário que estava cursando outra carreira, antes de ingressar na música,


considera que seu curso anterior estava com sobrecargas de disciplinas eletivas,
diferente do curso de licenciatura em música, situação que ele também considera
desfavorável para a formação.

Ele compara os esquemas estruturais e avaliativos da licenciatura em música com


o da Educação Básica, que tem diversos conteúdos divididos em disciplinas que não
necessariamente se complementam e organizam sistemas avaliativos que valorizam
somente os conteúdos conceituais, descartando os procedimentos e as atitudes que
envolvem a prática docente e musical.
224

13: Eu acho que o curso de música, de licenciatura em música... eu fazia XX, antes...
então eu acho ele um curso bem melhor. Tipo assim... ele é incomparavelmente melhor
que o curso de estudos literários. Não tem... sabe... são coisas totalmente diferentes.
Parece que um é da Unicamp e o outro é, tipo... nada a ver. , mas, justamente porque
são cursos inversos: o curso de XX só tem eletivas e o curso de música só tem
obrigatórias, por exemplo. Eu acho que a quantidade de obrigatórias que a gente tem,
e quais elas são, são coisas que podem ser repensadas a longo prazo, ou também a
curto prazo. Eu acho que a gente tem muita aula muita hora aula e muita matéria
que é teórica e, por isso mesmo, tem muita prova e trabalho. Eu sinto falta de
disciplinas práticas que voltem a gente para a educação musical, por exemplo, e que
também, tipo... não necessariamente tenha, tipo O LARCI é uma disciplina que, se
tivesse uma disciplina assim na graduação, seria uma disciplina que teria esse
componente prático de a gente conseguir dar aula e ser avaliado no, sei lá numa
avaliação mais formativa, mais processual, e não precisar ficar fazendo trabalho
teórico de dez páginas, que é uma coisa que não dá tempo de fazer.
14: Eu vejo uns trabalhinhos que a gente tem que fazer, que eu fico, tipo: “O que? ”
13: É. Parece ensino médio. Eu falo para a minha... lá Eu falo para ela: “Mano! É
ensino médio, o curso de música são totalmente ensino médio”. Você sai de um curso
de humanas e vai para um curso de música, parece que é curso de ensino médio.
Porque, nas humanas, todo mundo acha que você é adulto o suficiente para fazer umas
coisas nada a ver e, na licenciatura em música, parece que eles querem puxar você para
como se você estivesse em no ensino médio.

Esta tese não busca discutir qual seria o melhor currículo para o curso de
Licenciatura em música. Neste subcapítulo a ideia foi discutir que no formato que a grade
se encontra durante o recorte temporal desta pesquisa, a participação no LARCI foi
ficando mais difícil ao longo do tempo devido à sobrecarga de atividades que o curso
obriga suas e seus estudantes a participar para a sua integralização. Como não tivemos
estagiárias/os do bacharelado em regência, não foi possível levantar dados sobre as
impressões desses sujeitos, mas, já se sabe que o bacharelado é composto por menos
disciplinas obrigatórias, que são distribuídas em 5 anos, de forma que há mais tempo
para que a/o discente organize e planeje sua formação.
225

Uma pessoa no Ensino Superior considerada inapta para organizar sua própria
formação conceitualmente não teria condições de projetar e planejar a formação de um
outro grupo, por exemplo. Já que parece não ter havido em nenhum momento da
educação oficial uma preocupação no sentido de que este planejamento seria uma
questão fundamental. Ao ingressar no Ensino Superior, novamente o sujeito se vê em
uma estrutura de formação de conhecimento serial e rígida tal qual o ensino médio
(como foi mencionado nas entrevistas), não havendo muito espaço para autonomia, tão
defendida nos próprios teóricos sobre pedagogia musical debatidos nos cursos. Ao se
formar, as alunas e alunos são colocados em realidades onde precisarão sozinhos
resolver tudo, sem terem vivenciado momentos de organizar a própria autonomia
formativa e de auto avaliação.

4.5 Sugestões para encaminhamentos futuros

Para avaliar a estrutura e procedimentos do LARCI o último subcapítulo incorpora


as falas que apontam sugestões de encaminhamentos que buscam a melhoria do
laboratório na perspectiva das/os estagiárias/os. Iniciamos o debate sobre as questões
estruturais, referentes à ordem das ações: ensaio musical, ensaio com crianças e
planejamento.

A princípio esta estrutura foi aprovada por todas as pessoas em ambas as


entrevistas, mas as/os estagiárias/os solicitaram a possibilidade inicial de termos mais
rotatividade entre as funções ao longo do tempo:

1: Eu gostei dessa estrutura de ter planejamentos semanais junto com as aulas,

porque no próprio planejamento a gente já se baseava na próxima aula com o

que foi feito na aula anterior.

0: Logo em seguida o planejamento, você está falando? Aula e planejamento?

1: Sim. Logo em seguida para a próxima: “Ah! Então isso já deu certo”...
226

0: Fica mais na cabeça, né?

1: É fica mais na cabeça, fica mais fresquinho.

10: Eu concordo com a XX, mas eu queria falar um pouco do que você fala muito, né... que a
gente tem que saber que isso aqui é tipo, um plano ideal, né? E que na hora a gente tem que
saber fazer tudo ao mesmo tempo. E, levando em consideração a isso, eu acho que seria
interessante se a gente fizesse esse treinamento aqui. Do tipo...
0: Mais práticas entre nós?

10: É. Da gente fazer essa rotação. Porque chagou num ponto que cada um tinha a sua
música fixa, então a gente já sabia o que ia acontecer. “Essa pessoa vai fazer isso,
aquela pessoa vai fazer aquilo, e a outra pessoa vai fazer aquilo”. Então essa é a minha
sugestão: Que tenha isso, que é o planejamento, mas que tenha uma rotatividade.

Na fase de apresentação do laboratório para as crianças, momento que fizemos a


mesma estrutura de ensaio para grupos diferentes do PRODECAD foi possível que as/os
estagiárias/os experimentassem mais a condução das atividades variadas. Porém ao
longo do semestre, quando o repertório já estava escolhido, ficaria mais complexo
conseguir a continuidade do processo de aprendizado das canções alternando a/o
regente. Também seria impossível colocar uma canção para cada pessoa conduzir, pois
isso resultaria em um repertório muito extenso de difícil finalização para organizar o fim
do semestre ou algum tipo de apresentação pública. Neste panorama foi sugerido por
uma estagiária que cada canção, ao invés de ter uma pessoa responsável em reger,
poderia ter duas pessoas que combinariam e se organizariam nas atividades.

Cogitamos também a possibilidade de ter dois grupos de crianças, mas eu entendo


que a princípio não daríamos conta de aumentar a nossa estrutura de atendimento até
que o laboratório esteja bem estabelecido e as/os estagiárias/os tenham mais autonomia
durante os ensaios, de forma que não haja necessidade de intervenções frequentes como
o ocorrido no primeiro semestre de implementação. Concretamente não teríamos tanto
tempo sobrando para que as atividades fossem todas treinadas e discutidas pelo grupo
aula a aula.

A organização de duplas e trios responsáveis por cada canção do repertório pode,


a princípio, amenizar esta dificuldade encontrada pelas/os estagiárias/os por não terem
227

tanto tempo de planejar as propostas durante os nossos encontros. Com o auxílio de mais
uma ou duas pessoas as questões que não foram possíveis de serem resolvidas nos
nossos encontros ficariam para serem debatidas nestas pequenas equipes.

Tivemos no primeiro semestre a necessidade de correções musicais durante os


planejamentos. O primeiro momento de 30 minutos, dedicado para a passagem musical,
não foi suficiente para que em todos os ensaios fosse possível passar todas as canções
juntos, pois cada dia ficava dedicado a uma canção devido à dificuldade das/os
estagiárias/os. Observa-se que elas e eles não conseguiam se encontrar fora do tempo
dedicado ao LARCI para ensaiarem com as/os regentes ou os demais musicistas, assim, o
único momento em comum que restava era durante este período.

A alternativa seria conseguir mais salas no PRODECAD para que as/os várias/os
musicistas acompanhadores conseguissem ensaiar com as/os regentes
simultaneamente. A questão de ter mais salas disponíveis ou até mesmo outro piano fica
extremamente complicada no contexto do espaço escolhido para a realização do coral,
pois todas as salas do PRODECAD costumam estar ocupadas por todo o período da
manhã, que é o mais concorrido do dia. Porém, a cada semestre isto pode ser reavaliado
de acordo com a estrutura que o PRODECAD oferece.

A estratégia de colocar somente as/os musicistas mais preparadas/os como


responsáveis pela regência ou pelo acompanhamento excluiria a participação de alguns
estagiárias/os para além da observação. Situação que é contraposta à ideia do LARCI, em
que todas as pessoas precisariam de um momento de ação prática, independente da área
musical.

Também foi sugerido que o LARCI se institucionalize de alguma forma, pois existe a
relevância de que caso ele possa oferecer créditos de eletivas, as/os estagiárias/os, pelo
fato de que precisam obter muitos créditos para a sua integralização curricular, ficariam
mais motivadas/os e com condições de participar por mais tempo do projeto.
Evidencia-se que o desenvolvimento do coral e, consequentemente, de seu repertório
leva determinado tempo e a alternância das/os estagiárias/os prejudicaria ou dificultaria o
desenvolvimento do aprendizado, já que quase sempre a mudança da/o regente ou dos
acompanhadores representa um novo recomeço.
228

12: É. Porque, querendo ou não, isso pesa, né? Tipo... é uma manhã que a gente tira
para vir aqui. Mas eu acho que deveria continuar o laboratório, não só para o benefício
da gente que está estudando, mas para o benefício das crianças. O trabalho coral, ele
não tem como ser feito só seis meses. Não tem como a gente chamar aquilo: “Ah! A
gente fez um coral”. Não! Coral é um processo gradativo. Acho muito importante
continuar e ver o tanto de mudanças que ele pode ter, tanto na educação... aqui,
quanto nas relações pessoais. Eu acredito na música, não só como puramente ensino
de música; teoria e técnica, mas sim na questão pessoal também. Na questão do
desenvolvimento da criança...

Sinteticamente, elaboramos as seguintes diretrizes:

• Organizar mais regentes por canção para que, em grupo, possam ser
planejadas e ensaiadas as canções para além do momento destinado para
isso;
• Organizar a possibilidade da participação no LARCI oferecer créditos
favorecendo a integralização curricular das/os estagiárias/os;
• Fortalecer o projeto para a criação de mais de um coral de crianças.

14: Foi muito útil. Além de útil, assim... agregar à nossa vivência musical, né? A
oportunidade de a gente poder tocar aqui, de poder reger e de poder conhecer um
repertório diferente. Foi muito bacana. O que eu gostei muito, assim, para mim, é a
questão das suas falas sobre técnica vocal. Eu adorei. Me engrandeceu muito à questão
de como lidar com criança

Infelizmente não tivemos a oportunidade de terminar o semestre com


apresentação pública devido à greve dos servidores da Unicamp. Porém, em respeito as
pautas, não considero que a pesquisa foi prejudicada, mesmo que antecipando seu fim,
já que no semestre posterior o LARCI se manteve e a perspectiva é que ele exista ou se
perpetue independentemente do seu formato.
229

Considerações Finais

Esta tese buscou analisar e justificar a implementação do LARCI (Laboratório de


Regência Coral Infantil), durante o primeiro semestre de 2018, sendo um espaço de
formação complementar em regência coral infantil, oferecido para as alunas e alunos de
graduação em música da Unicamp, que possibilitou a criação de uma oficina coral para as
crianças matriculadas no PRODECAD (Programa de Desenvolvimento e Integração da
Criança e do Adolescente) no período matutino.

Uma das ideias centrais que projetaram todas as análises e práticas posteriores
desta tese revela-se no pressuposto de que o papel da regência coral, ao transmitir os
saberes necessários para que o grupo consiga se aprimorar na sua performance, prevê
que a/o regente tenha conhecimentos pedagógicos que compreendam os processos de
ensino e aprendizagem dentro de práticas com grupos coletivos, e acima de tudo,
heterogêneos, independentemente do nível de conhecimento musical e vocal de seus
cantores e cantoras.

Além de oferecer ferramentas pedagógicas que favoreçam o trabalho da/o


regente, o conhecimento musical é inerente para que exista uma compreensão mais
consciente possível das questões musicais do repertório, de forma que todas as
estruturas musicais e poéticas utilizadas sejam possíveis de decodificação, fornecendo
uma lista de elementos que precisam ser estimulados para que as crianças consigam
realizar as canções de acordo com a estética almejada.

Mesmo não havendo diretrizes legais que explicitem e qualifiquem a formação


para a atuação em regência, já que qualquer pessoa que está à frente de um grupo
musical pode ser considerada regente, os cursos de graduação em música preveem esta
habilitação ou atuação, como no caso da licenciatura em música e bacharelado em
regência.

Em síntese, compreende-se a existência de três principais campos formativos: o


teórico, o prático e a experiência em apresentações públicas (Viegas, 2009). De forma
230

complementar, já que as/os estagiárias/os cursam as disciplinas de seus cursos e


possuem algumas experiências com a prática coral anteriormente, o LARCI propôs a
possibilidade de organizar um processo de ensino no qual tanto os aspectos teóricos
musicais e pedagógicos quanto a prática em ensaios reais com crianças aconteceram
simultaneamente.

Como um dos elementos observados com a finalidade de compreender a


formação em regência coral infantil na Unicamp, buscando também justificar a
implementação do LARCI nesta instituição, foram realizadas as análises dos currículos do
curso de Licenciatura em Música e Bacharelado em regência. Ressalta-se mais uma vez
que estes cursos foram escolhidos pois apresentam nos seus Projetos Políticos
Pedagógicos a atuação profissional no campo da regência com corais amadores,
enquadrando-se os coros infantis nesta categoria, além da atuação evidente dos egressos
da licenciatura na Educação Básica, onde é normalmente previsto a utilização do canto
coletivo como ferramenta e conteúdo de ensino e aprendizagem.

Iniciei o debate pelo estudo curricular e destaco que os planejamentos


educacionais, construídos nos Projetos Políticos Pedagógicos e nas grades curriculares,
são fundamentais para que as ações das unidades de ensino, em todos os seus níveis,
sejam organizadas para buscar a melhor forma de desenvolver os seus objetivos
pedagógicos e sociais. Porém, sua eficácia precisa também ser avaliada na prática, já que
os resultados de sua eficiência se dão na medida em que o aprendizado dos discentes
atinge os interesses explícitos e implícitos dos Projetos Políticos Pedagógicos, além das
grades curriculares.

Os currículos podem ser observados por três grandes categorias: currículo real,
currículo oculto e currículo nulo (Sacristán, 2005) e simultaneamente, eles influenciam
diretamente quais são as principais ideologias e teorias pedagógicas que projetam o perfil
da sociedade almejado, reproduzindo e desenvolvendo a cultura dominante. O contexto
exterior, referindo-se às políticas neoliberais (CHAUÍ, 2001) que tendem a aumentar a
oferta de cursos sem necessariamente promover a melhoria da qualidade da instrução,
destaca-se pela fundamental importância de as políticas públicas legislarem e atuarem
para que as instituições de ensino sejam geridas democraticamente, visando um ensino
231

de qualidade como direito para todas e todos.

Neste sentido, na intenção de ajudar a desenvolver um currículo emancipatório,


as instituições de ensino poderiam fortalecer as instâncias de participação democrática, à
luz de políticas públicas que incentivem a criação de espaços efetivos de atuação
democrática para toda a sociedade, visando o surgimento de currículos que atendam as
variadas demandas sociais e profissionais.

Em relação aos contextos de ensino, destaco que as Diretrizes oficiais dos cursos
de graduação em música para os bacharelados não preveem a atuação profissional no
campo pedagógico, situação esta que não corrobora a ideia de que o egresso em regência
não atue profissionalmente neste âmbito. Assim, a partir dessa premissa profissional
inicial, as graduações não precisariam necessariamente organizar nesses currículos
alguma forma de valorização dos assuntos que envolvem diretamente as teorias
educacionais e sociais que, se existissem, viriam muito a contribuir para o surgimento de
uma formação em regência que projetasse de forma mais contextualizada a
profissionalização na área. Isto porque possivelmente diversos egressos desses cursos
estarão desenvolvendo seu trabalho com grupos amadores e/ou infantis.

É interessante considerar como positiva a flexibilidade existente tanto das


Diretrizes, quanto das Referências Curriculares. Embora os cursos de Licenciatura tenham
maiores entraves legislativos, por conta das políticas de normatização da carga horária dos
estágios e integralização curricular, além do ensino de LIBRAS, ainda existe um espaço
considerável para que as Unidades de Ensino possam com autonomia organizarem o fluxo
curricular, possibilitando a existência de cursos bem variados no país.

Na Unicamp, ambos os PPPs da Licenciatura (2015) e do Bacharelado (2012),


visam igualmente a atuação profissional de seus egressos em espaços variados. Assim,
busca-se formar a/o regente coral na perspectiva de que ele tenha os saberes necessários
para atuação com crianças, mesmo que não explicitamente em disciplinas específicas. No
caso da Licenciatura, entendo que mesmo que não seja obrigatória a prática de regência,
os saberes relacionados à condução de ensaios auxiliarão no ensino de qualquer tipo de
repertório e performance, já que a idealização de uma prática musical com grupos exige
algum tipo de condução.
232

Analisando o contexto didático, no qual se observam a sequência de disciplinas e


carga horária, destaca-se que a Licenciatura tem uma carga superior de disciplinas
obrigatórias, resultando em pouco espaço de mobilidade disciplinar autônoma, em
contraponto ao PPP que prevê um perfil de egresso variado. A conclusão a que chego é: o
engessamento curricular promove a homogeneidade de perfil formativo.

O curso de Licenciatura valoriza mais os assuntos pedagógicos em comparação à


regência, em que não há previsão de nenhuma disciplina obrigatória do curso de
Licenciatura vinculada ao debate das teorias sociais e pedagógicas, além de não existir
uma disciplina de estágio, no qual a aluna e aluno da regência teria a oportunidade de
atuar frente a grupos fora o contexto de discentes universitários. Porém, o curso de
bacharelado em regência prevê mais tempo de integralização curricular, situação que
possibilitaria a matrícula em outras disciplinas, enquanto a licenciatura possui um
número de créditos superior com uma integralização curricular em menor tempo.

Destaca-se também que o curso de licenciatura pressupõe um tempo menor


dedicado às práticas musicais. Mesmo que não seja seu enfoque exclusivo, uma formação
musical de qualidade possibilita que no futuro a professora e o professor tenham mais
ferramentas para trabalhar com o seu principal objeto de estudo, a música. Como
amplamente difundido, o ensino e aprendizado musical perpassam a sua prática, sendo
assim, entende-se que para ensinar música na prática é necessário ter conhecimentos
musicais sólidos do que se pretende ensinar e realizar. Especificamente no coral infantil,
independentemente de o repertório musical não exigir muito tecnicamente da/o
regente, quando não se obtém o domínio técnico do que se espera do grupo, são
limitadas as referências e metodologias para transmitir ao grupo as informações claras e
variadas visando que dentro da heterogeneidade existente dentre as/os cantoras/es,
pelo menos a maioria possa compreender e realizar o que se espera.

Os currículos demonstram que ambos os cursos possuem potencial para a


formação em regência coral infantil, mesmo que nenhum dos dois tenha intenção de
formar exclusivamente para esta prática, porém, observa-se a falta de espaço
institucional para aqueles que tiverem interesse em estudar as práticas de coros infantis.
O LARCI, neste cenário, apresentou-se como uma alternativa importante, criando um
233

espaço que integrou a teoria e a prática. Destaco que este laboratório tem a ideia de
difundir sua proposta como formação complementar e não exclusiva.

Dentro do LARCI os principais conteúdos conceituais, procedimentais e


atitudinais, esperados durante a formação de regência de corais infantis podem
acontecer simultaneamente. A presença e participação ativa das crianças projetam a
sequência dos assuntos na medida em que eles surgem como uma necessidade real,
promovendo intenso significado naquilo que a/o estagiária/o aprende. O fio condutor
dos assuntos a serem debatidos e habilidades técnicas adquiridas caminham através da
reflexão e da experimentação simultaneamente.

As responsabilidades da/o regente, à frente de coros infantis, requerem


habilidades musicais e conhecimentos teóricos que resultam de uma formação longa e
demorada. Neste sentido, não seria possível nenhum curso de graduação afirmar
peremptoriamente, em um período de tempo fechado, a garantia de uma formação que
englobe e desenvolva todos estes saberes simultaneamente. Na perspectiva curricular,
uma grade muito rígida com sequências fixas e com poucas possibilidades de escolha
dentre as disciplinas, caso não seja uma habilitação específica para a regência coral
infantil, não cria muitos espaços para que todas as potencialidades fundamentais sejam
desenvolvidas para este campo profissional. Assim, a flexibilização curricular em um
espaço onde exista tanto a modalidade da licenciatura quanto a do bacharelado em
regência, favorece o trânsito das alunas e alunos nas disciplinas que visem complementar
esta formação.

O processo de implementação do LARCI, além da minha experiência como aluno


de um projeto similar na USP, iniciou pela escolha do espaço de implementação,
acarretando na parceria com o PRODECAD da Unicamp; este processo foi seguido pela
convocatória das pessoas interessadas pela internet e cartazes impressos no
Departamento de Música desta mesma Universidade.

Destaco o quanto a experiência, cantando em uma prática coral infantil, pode ser
de extrema significância na vida futura. Assim como eu, todas as estagiárias e estagiários
(14 pessoas) tiveram experiência anteriores em coros amadores e 7, especificamente,
cantaram em coros infantis.
234

A participação das/os estagiárias/os foi fundamental para a realização deste


projeto e entendo que ocorreu um número de procura satisfatório, já que o LARCI estava
em fase de experimentação. Sinteticamente, os principais pontos analisados sobre as
atuações durante os ensaios e planejamento estão discutidos a seguir:

As/os estagiárias/os demonstram a dificuldade de traduzir o planejamento na


prática, isto é, mesmo que esteja compreendido o que precisa ser feito para a condução
de determinadas atividades no ensaio, foi necessário estimulá-los a praticar fora do
tempo de encontro, simulando como se estivessem falando com as crianças. Além da
compreensão do procedimento, faz-se necessário o treino das atitudes que a/o regente
precisa tomar a frente do grupo. A ideia é estimular o hábito da comunicação clara e
assertiva entre regentes e crianças.

As/os estagiárias/os da licenciatura têm maiores dificuldades no trabalho de


correpetição. Mesmo que se considerem aptos nos seus respectivos instrumentos, foi
possível observar a falta de práticas musicais em conjunto, ocasionando na dificuldade
perceptiva e entrosamento musical. Esta dificuldade resultou que metade do tempo de
planejamento foi utilizado para os ensaios musicais visando preparar e sedimentar as
canções entre as/os regentes.

A/o regente quando está conduzindo o ensaio, caso esteja muito preocupado com
a própria atuação, isto é, não tem sedimentado e com segurança o que precisa fazer,
demonstra mais dificuldade de observar e avaliar o que as crianças estão realizando
durante as propostas. Assim, ao conduzir o que o grupo precisa fazer, costuma não
atender às reais necessidades do grupo devido à sua dificuldade em avaliar
auditivamente e visualmente o que as crianças estão realizando.

A experiência à frente do coral fomentou melhor os debates durante os


planejamentos. Após a fase de rodízio, em que todas e todos estiveram conduzindo algum
tipo de proposta com as crianças, ampliou-se a participação ativa e significativa das/os
estagiárias/os durante os debates. Entende-se que quando a pessoa está envolvida
diretamente com projeto torna-se mais motivada potencialmente favorecendo a
permanência no mesmo.
235

As questões pedagógicas das/os estagiárias/os são mais fáceis de serem


desenvolvidas no LARCI comparadas as dificuldades musicais, já que esta precisa de um
estudo autônomo prévio fora os momentos de encontros. Neste sentido, o planejamento
semanal é fundamental para a existência e eficácia deste tipo de laboratório, porém, não
é suficiente para que todas as demandas formativas sejam contempladas, considerando
assim o LARCI como um programa de formação complementar.

As/os estagiárias/os que tinham experiência prévia como cantores de coros


infantis apresentaram também mais facilidade em escolher o repertório e exemplos de
propostas para os ensaios. Evidencio que a prática de pódium possibilitou a melhora da
performance das/os regentes, tendo sido observado o avanço na qualidade da condução
dos ensaios ao longo do semestre, principalmente quando ocorreram imprevistos,
acarretando na mudança da atividade planejada.

A participação das crianças no projeto é fundamental para que o planejamento


seja eficaz no sentido de concretizar as ideias e possibilidades que podem ocorrer nos
ensaios. Em diversos momentos dos planejamentos foram ressaltados que as crianças
reagiram e responderam às atividades de forma bem distinta daquela que foi praticada
nos planejamentos entre nós, adultos. Ressalta-se que também por meio da voz das
crianças é possível desenvolver a percepção vocal da/o regente, ferramenta básica para
a/o regente coral infantil.

Observei também uma tendência das/os estagiárias/os terem dificuldade de se


planejar por longos períodos, mesmo que os ensaios sejam planejados semanalmente, a
cada ensaio, a/o regente precisa projetar os objetivos performáticos do grupo vinculado
ao tempo e calendário de apresentações, para assim, conseguir organizar quais são as
prioridades de conteúdo a serem desenvolvidos para que o coral consiga realizar a
performance considerada de qualidade, podendo assim avaliar como positivo o
desenvolvimento artístico do coro.

A formação laboratorial no formato escolhido pelo LARCI exige a participação de


alguma pessoa com mais experiência para conduzir e corrigir as propostas quando
necessário. Principalmente durante o encontro com as crianças, para não prejudicar o
desenvolvimento musical e performático das mesmas, quando a/o regente estagiárias/os
236

encontra um problema e é observado que não consegue resolvê-lo, para manter as


crianças ativas sem muita dispersão durante o ensaio, faz-se necessária a intervenção
imediata, já que no caso do PRODECAD, quando as crianças se sentiam desmotivadas ou
desinteressadas nas propostas poderiam sair livremente da aula. Assim, um erro da
regência pode prejudicar todo a continuidade do encontro. Mesmo que as crianças não
pudessem sair do ensaio, caso a/o regente estivesse ensinando algo erroneamente, seria
mais difícil corrigi-las de algo que já tivesse sido memorizado e viciado.

Neste cenário onde as crianças podiam circular livremente pela oficina,


observamos que esta proposta pedagógica do PRODECAD favorece que não haja conflitos
nos ensaios entre as crianças e a/o regente. Não tivemos nenhuma ocorrência onde foi
necessário haver algum tipo de embate entre as crianças ou indisciplina durante os
ensaios, o que dificultaria a condução das atividades somada à falta de experiências
das/os regentes em resolução de conflitos. Assim, os temas que envolvem a indisciplina
não fizeram parte dos conteúdos abordados neste semestre.

Utilizamos o número de evasão das crianças para constantemente avaliar a


estrutura e qualidade dos ensaios. Desta forma foi possível identificar a diminuição da
evasão e aumento da participação e assiduidade das crianças ao longo do semestre,
concomitantemente vinculado à melhora do desempenho das/os estagiárias/os.
O grupo de estagiárias/os, durante a entrevista, demonstrou certo descontentamento
em relação as disciplinas de estágio, pois sentem um distanciamento do que é discutido
em aula com questões procedimentais que podem auxiliar as atuações para a melhora
das aulas. Além de uma sobrecarga de disciplinas obrigatórias, criando um empecilho
temporal para que realizassem práticas musicais ou trânsito dentre as disciplinas de
interesse.

Avalio que a experiência em participar do LARCI foi relatada como positiva e que
favoreceu o aprendizado em áreas variadas, além de possibilitar uma vivência que não
havia acontecido anteriormente dentre as/os estagiárias/os. Foi destacada também a
interessante oportunidade de ter um espaço de atuação musical prática e contato direto
com as crianças de forma supervisionada.

Fiquei bastante satisfeito com o semestre de implementação. Espero que a ideia


237

prossiga, projetando futuras pesquisas, inclusive no próprio espaço do PRODECAD e toda


a DEDIC que possui potencial e uma abertura muito rica em perspectivas variadas da
Educação Musical, podendo haver estudos variados no âmbito dos processos de ensino
e aprendizagem da criança e da professora e professor, além de programas de formação
para pedagogas e pedagogos vinculados ao uso da música no contexto escolar.

Como estudo posterior, o aprofundamento das questões curriculares tem muito a


contribuir na melhoria do ensino também no Ensino Superior, buscando novas formas de
interpretar a sociedade e projetá-la também na perspectiva da formação de professoras
e professores. Entendo também que um estudo sobre a profissionalização dos egressos
e suas complexidades possam também trazer novos olhares paras as questões das
atualizações curriculares. Incluso a busca de programas curriculares em que possam
proporcionar de forma equilibrada o desenvolvimento técnico musical e os assuntos que
envolvam a linguagem musical e as teorias educacionais. Considero esta uma tarefa
complexa.

Em relação ao PRODECAD, entendo como um privilégio a existência de um espaço


como este dentro da Universidade. A existência de um programa educacional
institucionalizado provê a existência e participação das crianças em pesquisas voltadas
aos assuntos que envolvem a educação, além da carência de profissionais formados
especificamente concursados em arte no trabalho pedagógico junto ao DEDIC,
favorecendo o ensino destas linguagens para as alunas e alunos matriculados nos
diversos níveis de atendimento.
Por fim, espero que esta experiência de implementação deste laboratório possa
contribuir como referência para modelos similares, além de buscar vias para a existência
permanente do LARCI, independentemente da minha coordenação. Isto é, organizar vias
de auto-gestão e despertar o interesse do Departamento de Música a fortalecer espaços
de parcerias com o DEDIC.
238

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239

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Anexo 1. Entrevista Comunicantus

Transcrição da entrevista com a coordenação do Laboratório Coral Comunicantus.

Iniciamos com uma conversa não formal e partimos para a entrevista.

RAFAEL: primeiro é sobre a estrutura: como que é a estrutura de hoje? Aqui eu tenho o material de vocês,
eu vi que têm várias funções no laboratório que foi o professor MARCOS que escreveu: que tinha o
observador, não sei se é Pós-Doutorado, o que que é aquilo... tese de alguma coisa...

SUSANA: tese dele?

RAFAEL: isso.

SUSANA: de livre docência.

RAFAEL: isso, é essa que eu estou usando como referência.

SUSANA: o ensino da Regência Coral.

RAFAEL: é. E o modelo de funções, que é essa ideia do planejamento, de ter os espaços reais. Como que
funciona hoje o Comunicantus? Vocês se reúnem, tem os grupos...

MARCOS: É ..... Ela [Susana] é mais clara para essas coisas.

SUSANA: Bom, eu acho que só tem que ter uma introduçãozinha. O laboratório é o espaço que reúne todas as
atividades práticas. Então os grupos que ensaiam apresentam, cada um tem sua “sub-identidade”, a gente
além disso tem espaço de workshops, coisas mais eventuais. E tem também um espaço que a gente faz
seminários, mesas redondas e etc com os próprios participantes ai dos níveis de mestrado e doutorado, e
professores convidados às vezes, que ai é acoplado com o grupo de pesquisa, que ai é uma outra vertente.
Então quando a gente fala como ele é, depende um pouco do grupo. Então eu acho que talvez a gente podia
dividir é pelo menos os coros que são coros comunitários, né? E os coros que são coros de alunos.
Acho que é. Útil isso, né? Então é nesse sentido, você queria saber como funciona...

RAFAEL: A estrutura mais dos comunitários. Que eles regem.

SUSANA: Os comunitários estão vinculados a uma disciplina de graduação, tem também a participação de
alunos que estão no mestrado e no doutorado. .. eles entram por uma outra disciplina ou pelo projeto PAE
(projeto de aperfeiçoamento de ensino), então os alunos de graduação...

MARCOS: é uma disciplina ... porque agora tem o mestrado e o doutorado em performance.

RAFAEL: Uhum.

MARCOS: Então nesse ... tem uma disciplina que se chama “Prática Laboratoriais”. Então muitas vezes eles
se engancham lá para estar fazendo...

RAFAEL: Para estar fazendo a prática mesmo.

MARCOS: É.

SUSANA: É, tem disciplina na pós-graduação e disciplina para a graduação. Para a graduação ela está
desenvolvida em módulos, de forma que a pessoa possa dar sequência, e elas são todas no mesmo horário. O
que a gente chama de ensino multiseriado, né?

RAFAEL: Uhum.

SUSANA: Você tem várias de séries num mesmo espaço de educativo.

MARCOS: O nome da disciplina...


244

SUSANA: O nome da disciplina é “Práticas

Multidisciplinares em Canto Coral com Estágio

Supervisionado”.

RAFAEL: Ela é eletiva para todo mundo?

MARCOS E SUSANA: Para todo mundo

SUSANA: Ela só é eletiva, não é obrigatória em nenhuma grade. É Então nisso a gente tem alunos nos
vários níveis: desde primeiro ano até último ano de doutorado no mesmo espaço. Então essa ideia do
planejamento e avaliação é o que guia o cotidiano da atividade. A gente faz esses planejamentos
coletivamente, mas a gente tem sempre uma pessoa designada para ser o avaliador e outra pessoa para ser
o produtor. Por que? Porque vai cuidar do ensaio, não consegue avaliar o ensaio. Às vezes tem até que sair
porque faltou uma cadeira e você tem que ver então essas funções não podem ser concomitantes,
ou é uma coisa ou é outra né Na função de avaliador, você também é quem fecha o planejamento. O
planejamento é coletivo, a gente faz durante a aula: divide em grupos, tem dois coros...

RAFAEL: registrar ali...

SUSANA: É, a pessoa ela é responsável por ver. Então ela vê e registra por escrito o que ficou planejado: de
tanto a tanto vai ser isso, qual o objetivo do ensaio...

MARCOS: Frequentemente ela acaba vendo coisas que o grupo não viu. RAFAEL:

Que está fora né?

SUSANA: É que na verdade ela não está fora

MARCOS: Não, no planejamento ela não vai fixar a mesma coisa. Eu gosto de escrever a mão, na hora que
eu vou colocar no computador, tem coisas que “puxa isso daqui podia ser aqui. ”

RAFAEL: Ele dá uma limpada, né?

SUSANA: Essa figura ... ele é responsável por escrever o planejamento, que foi feito em conjunto, mas se
faltou alguma coisa ele tem que decidir.

RAFAEL: É alternado?

SUSANA: É alternado.

RAFAEL: Mas eles se oferecem? Tipo: “é minha vez”

SUSANA: Não, a gente faz um rodízio

MARCOS: É um rodízio obrigatório.

RAFAEL: Obrigatório para todo mundo?

SUSANA: Exatamente. Nesses últimos semestres a gente tem tido também um outro apoio que é uma outra
bolsa. Ela foi bolsa de monitoria em algum semestre, depois ela entrou por um outro projeto, como bolsa
de continuidade dos trabalhos, que é um outro aluno, que faz comigo um pré-planejamento da aula, não
dos ensaios dos coros, mas do que vai acontecer nessa aula que planeja os ensaios dos coros.

RAFAEL: Entendi

MARCOS: E esse ... a obrigação dele é: como é que tudo está continuando dentro do laboratório? Então ele
não só olha para isso, mas olha para outros coros também.... “olha, tal coro tá faltando isso, tal coro tá
faltando aquilo; cadê aquele planejamento? ”

RAFAEL: Ele é um gestor.


245

SUSANA: mais ou menos isso...

MARCOS: Ele vai aprender ... a gente chama de “continuísta”. Um termo trazido do cinema. Não é bem um
gestor, gestor somos nós mesmos.
SUSANA: É, porque tem que ver todos os detalhes. Por exemplo, tem um momento do ano, quando a gente
começa, digo assim “pessoal, o que a gente vai cantar esse ano? Tragam ideia repertório” [?]. Vem
pouquíssimas, porque todo mundo ainda está procurando... Então você tem: “Vamos lá ler essa música que
vocês trouxeram”, ai tem quinze, vinte minutos para ler. Chega um momento do ano em que todo mundo
procurou, ai chega assim sete música: “ai eu quero ler essa, eu quero ler essa”. Então a gente tem que
organizar, distribuir. Eu vejo com ele dificuldade: “isso daqui vai demorar duas aulas para acabar, porque
não vai dar tempo... isso daqui a gente tem que fazer primeiro isso... então vamos trazer uma gravação para
facilitar, para a pessoa ter uma referência? ”. A gente programa todas essas atividades...

RAFAEL: É um pré planejamento do planejamento para dar referências para eles, né?

SUSANA: É mais uma pessoa que faz parte dessa estrutura, mas isso não é garantido. Por exemplo, para o
semestre que vem, eu vou ter... porque depende de projetos, você manda o projeto e aprova ou não aprova.
Então tem ano que não tem isso. No ano passado eu tive, por exemplo, no semestre passado por exemplo
a gente teve uma pessoa do mestrado, que veio pela bolsa PAE, para cuidar especificamente de preparação
vocal. Então ela vinha, fazia exercícios, propunha[?] exercícios etc. É uma eventualidade, dai ela vai acabar
o mestrado dela, não sei se vou ter outro. No semestre que vem eu vou ter uma pessoa de mestrado e uma
de doutorado com bolsa PAE nesse mesmo espaço. Então elas trazem questões, adiantam, propõe...

RAFAEL: E ao mesmo tempo ajuda nesse ponto

SUSANA: Então a estrutura é essa. Agora, durante a aula a gente divide os horários, então têm assuntos que
tem que discutir, assuntos do cotidiano... tem coisas de estrutura, tem avaliação e planejamento, e tem a
leitura e ai planejamento mesmo do ensaio “oh, quem vai fazer? Cuidado com esse lugar... aqui o gesto que
você está fazendo não está bom...”, dai entra os apoios.

RAFAEL: Um grupo ensaia...

MARCOS: Eles se ensaiam[?]. Eles nunca vão para frente do coro antes que todo mundo esteja com fluência
em cantar aquilo lá e a pessoa em reger.

SUSANA: É, e a gente nunca escolhe uma música e passa direto para o coro. Primeiro precisa passar pela
aula.

MARCOS: O ponto nosso é: o coralista. O coro é um laboratório, mas eles não são cobaias.

RAFAEL: Não, entendi. A gente faz uma coisa assim lá, que a gente monta as performances com os alunos
antes de ir com as crianças. A gente não consegue fazer a simulação real do ensaio porque os adultos não
simulariam crianças. Dai a gente levanta situações problemas...

MARCOS: Exato, é a mesma coisa...

RAFAEL: Por exemplo: normalmente uma criança vai responder dessa maneira.

SUSANA: É, com a gente é parecido. Porque a gente também, tem um grupo de universitários que trabalha
com coro de terceira idade. Eles respondem de maneira diferente, nunca simula. Mesmo sonoramente,
quando canta às vezes a gente fala “esse andamento está ótimo para vocês”, mas eles vão cantar mais lento.
Então é legal isso, porque você testa na aula é vai para o ensaio e volta e fala “é verdade aquilo funcionou,
aquilo não funcionou”.

RAFAEL: Na hora que vocês, como por exemplo, os alunos chegam com um repertório e diz “eu escolhi essa
música, eu quem vou reger”?

MARCOS: Não.

RAFAEL: Como que funciona isso? Quem faz o que?

MARCOS: Não necessariamente.


246

RAFAEL: Por exemplo, a gente tem alunos com habilidades para umas coisas e habilidades para outras, ai
como lidar com uma dificuldade musical, por exemplo?

MARCOS: A gente tem uma especificidade muito forte ainda em termos de Brasil que é o fato de ter a
disciplina de “Repertório Coral” e uma professora específica voltada para isso. O repertório coral na história
da música é o maior repertório que existe porque existe a mais tempo e é mais disseminado. Então quer
dizer, se você olhar para os últimos dez anos é capaz de ter produzido mais música do que a renascença
inteira. Com a quantidade de coisa que se produz todos os dias. Então o trabalho que ela faz também reflete
dentro porque é.... “Você pode trazer”. Quando é alguma coisa que está absurda porque o coro....

SUSANA: Não está conseguindo...

RAFAEL: Está muito difícil ou não tem nada ver....

MARCOS: Não vamos fazer essa obra com esses coros porque eles não têm fôlego, até porque não tem
técnica vocal, a gente já mostra meio que diretamente para o próprio aluno. Mas quando a obra está ali no
limiar, a gente não faz escolha enquanto a gente não passa pelo coro que a gente chama de CUCU, que é o
Coro Universitário.

RAFAEL: Tipo experimenta?

MARCOS: É, experimenta. Que é esse CUCU[?] são os regentes do Coral da Terceira Idade e do Coral Escola
juntos, que estão dessa aula, são os alunos dessa aula. E eles se apresentam, esse coro a gente faz cantado
porque você só sabe porque você faz. Então... eles vão indo e a Susana vai questionando “isso, isso, isso. ”,
às vezes eu falo alguma coisa, mas em geral...

RAFAEL: Mas como é? É assim: você vai reger?

SUSANA: Não, ai é que tá: geralmente a gente incentiva que eles busquem um repertório e a gente não tem
pressa, assim de “tem que achar para amanhã! ”. Então assim “oh, essa peça, legal. O que tem de positivo
nela? Isso é aqui é bom oh, o texto é interessante mas o que tem de negativo? Essa tessitura tá
muito extrema, nosso tenor vai ter dificuldade para cantar tanto agudo assim”. Então você teria que procurar
“isso aqui tá bom, a dimensão, o tempo de duração dela é bom para o nosso ritmo de ensaio mas nesse ponto
não está bom”, dai a pessoa vai procurar. Ou fala “a peça é bom, mas esse estilo é muito...
precisaria de uma peça que preparasse. Ah então vamos deixar ela um pouco mais para frente, vamos
colocar uma outra coisa que possa preparar para chegar lá...

RAFAEL: Deixa descansar um pouco...

SUSANA: É, deixa na gaveta...

MARCOS: Às vezes ela arma assim uma cadeia de três peças...

RAFAEL: Entendi.

MARCOS: ... com os objetivos cruzados que vão chegando lá. Agora outra coisa...

SUSANA: Tem também a aula de regência, né?

MARCOS: É, eu vou chegar lá. Mas ainda nesse processo, quando eles começam a ficar mais velhos e ganhar
mais fôlego em procurar repertório, em se virar internet, ir e achar as coisas na fonoteca...

RAFAEL: Eles vão chegando aos pouquinhos então.

MARCOS E SUSANA: Vão...

MARCOS: Eles vão chegando, eles vão aprendendo...

SUSANA: Eles vão aprendendo a orientar os outros...

RAFAEL: Entendi. Eles começam mais coadjuvantes...

SUSANA: É.
247

MARCOS: Não, eles trazem cinco, seis peças que

eles acharam...

SUSANA: É, e às vezes trás para o colega.

MARCOS: E às vezes não é para ele mesmo, “Olha eu trouxe essa assim, eu sei tô no Coro Escola, mas acho
que ela funciona no Coro Terceira Idade”. Dai no outro no Coro da Terceira Idade “Nossa eu achei uma coisa
que eu fiquei com vontade de fazer, mas acho que... vamos fazer no CUCU?

RAFAEL: Essa é a vantagem do multiserial, por exemplo, né?

SUSANA: Exatamente, tem vários níveis e aos poucos as pessoas que estão no mestrado e no doutorado elas
já ajudam... Às vezes eu até falo: “ai eu nem sei por onde começar a perguntar... Começa por fulano, pede
algumas ideias... não precisa ser eu”, eu sei que o outro aluno já vai saber dizer “oh isso sim, isso não, por
aqui, por ali... tenta a base de dados”... sabe?

MARCOS: Ai tem a classe de “Regência Coral”, que também é multiserial. Então a primeira hora é só com os
iniciantes, depois tem mais duas com todo mundo. Então, a primeira hora geralmente o que é? Técnica... “ato
você bate assim, corte você faz assado...”, essa coisa bem do gesto, tenho uma escola muito bem definida
armada com tradição [?]. Olha, eu to ensinando uma tradição, não estou ensinando a reger. É uma tradição o
que quer dizer é que outros regentes têm outras tradições. Então, eu provoco eles irem olhar as outras
tradições, e ai, às vezes a gente faz assim “o que vocês viram no último mês que se incorpora facilmente
nisso que a gentefaz? ”. Então eles vão trazendo, às vezes eles trazem vídeos de concerto que assistiram [?]
“olha, eu vi o cara fazendo assim...”, traz a gente olha... é bem bacana.

RAFAEL: Ai depois nesse segundo momento depois ai tem as [?] ...

MARCOS: Eles podem ir nessa disciplina a partir do segundo semestre, mas eles vêm sem se matricular já
depois de um mês no primeiro ano.

SUSANA: É que às vezes na regência detalha mais depois traz todo o trabalho do coro comunitário “olha
aquela peça que eu já trabalhei, agora eu estou me sentindo seguro porque já fiz na aula de regência, então
agora eu quero reger com o coro”.

MARCOS: Então é tudo muito integrado.

RAFAEL: É, lá não teve nenhuma pessoa que, por exemplo, quis o repertório… Eles também trouxeram, a
gente ficou um tempo debatendo. , mas não teve ninguém que escolheu e que conduziu o grupo que não
teria muitas condições. Mas tem algumas pessoas no grupo que têm... as habilidades musicais são
diferentes...

Susana: A gente já teve isso aqui...

RAFAEL: E tem que resolver isso...

SUSANA: Mas então a gente resolver isso um pouco pela aula. Já teve caso: o aluno vem no começo, tá
entusiasmado, vê a música que ele gosta e escolhe. A música não seria impossível para o coro, mas ainda é
um pouco difícil para ele. Ele foi lá tentar reger a classe, sentiu dificuldade, a gente dá um suporte, ajuda,
resolve Mas ele não ia conseguir crescer a velocidade necessária para ir fim. Então o que a gente faz “Ah, a
peça é legal. Mas e se a gente vamos por uma outra?”. Dai a gente escolhe alguma coisa no nível dele. AÍ
às vezes a gente traz. Eu trago muito repertório, só que eu fico assim “Eu não vou trazer nada, tá? Eu não
vou trazer música para o coro”. É mentira, eu vou trazer. Mas...

RAFAEL: Não, eu entendi. É para fazer a galera [gestos] também...

SUSANA: Quando você vê que uma semana não veio nada nada muito bom. Na outra, não. Ai eu trago,
entendeu? “Olha, vamos tentar isso aqui? É puxa, então quem pode ser? Ah, acho que fulano não tá
regendo. ”, ai é até bom quando a gente traz porque a gente mesmo já sugere. Ou “quem quer reger?”,
porque às vezes a pessoa...
248

RAFAEL: [algum comentário ??]

SUSANA: Não, às vezes a gente fala “Você tem que reger alguma coisa” para alguns alunos que já estão lá há um
semestre inteiro, ficou lá fazendo ensaio de naipe semestre que vem você tem que reger.

MARCOS: “Vamos começar por aqui?” RAFAEL: Entendi.


SUSANA: Às vezes dar desafios pequenos, e ir crescendo.

RAFAEL: E também para os correpetidores? Porque no nosso, lá no programa do LARCI, eu estou fazendo
eles todos pegarem uma função... A maioria da licenciatura, eles tocam instrumentos harmônicos. E como o
repertório também da criança de início é bem simples na parte musical [?]

RAFAEL: E faz tudo com piano e violão. E eu também os coloco para alternar.

SUSANA: É a gente vai usando o que tem. Você viu lá que tinha um saxofone...

RAFAEL: Porque tem mais gente de música, sabe? Não da colocar todo mundo para reger.

SUSANA: Claro, a gente também faz isso. Põe solo, põe instrumento... você viu hoje os meninos fazendo...

MARCOS: Põe solo para eles cantarem...

RAFAEL: Eles não podem cantar com as crianças também, fica esquisito.

MARCOS: e Susana: É...

MARCOS: É, mas a gente põe solo dos nossos alunos no meio do coro.

RAFAEL: Para dar função! Porque também se não tem função, não fica, né?

SUSANA: Exatamente.

RAFAEL: Eu tive um pouco essa impressão[?]. Nem que a pessoa fique lá contando as crianças. Se não tem
função, não fica.
MARCOS: Outra coisa: [?] o piano toca quem toca piano. Porque a gente faz coisas que precise de algum
piano. Mas às vezes não dá... Se é músico popular, bom... vai com o violão, “então você”...

RAFAEL: Quem faz, quem toca...

SUSANA: É, eu acho que a gente deveria usar mais o violão, eu sempre estou falando para os alunos que...

RAFAEL: É ruim de passar a melodia.

SUSANA: Não, é assim: na tradição do canto coral a gente sempre precisou de um instrumento de teclado.
Mas no Brasil, o violão é outro instrumento muito mais aquecido. E você pode adaptar! Você pode adaptar
tudo.

MARCOS: Mas tem um problema...

SUSANA: Tem o problema do violão que é a amplificação. Então a gente tem feito testes de como a melhor
forma de amplificar, se é com microfone, se é com tubos[?]...

MARCOS: Nós mandamos fazer uma caixa de amplificação específica para o violão. Mandamos fazer com a
engenharia ai

SUSANA: Na nossa sala tem as caixas acústicas, já fizemos pela mesa e o violão e deu certo...

RAFAEL: A gente usa o violão com o repertório folclórico porque combina mais para cantar, por exemplo,
uma catira... Ai com as crianças, fica mais dentro do estilo.

SUSANA: Ai com dois violões...

RAFAEL: Mas passar a melodia no violão é uma dificuldade que a gente tem, porque não segura.
249

SUSANA: É, ai que tá. Não é atoa que o piano é instrumento mais principal

MARCOS: Mas dai a gente ensina a afinar, ensina a ir corrigindo enquanto está tocando...

SUSANA: A ouvir também, eles têm dificuldade de ouvir o violão e afinar. É uma coisa que tem que aprender.

SUSANA: o coro tem mais dificuldade pra se afinar com violão do que com piano, mas eu acho que a gente tem
que incentivar muito mais.

RAFAEL: é costume.

RAFAEL: qual que é o perfil de vocês? Dos estagiários?

MARCOS: dos alunos?

RAFAEL é, dos alunos.

MARCOS: “eh”, ele é bem misturado. Regência.

RAFAEL: mas a pessoa entra assim: quero cantar, quero ser regente, o curso, experiências anteriores.

MARCOS: não, não, não. “Ó”, vou falar pra você.

SUSANA: não, a gente chama todo mundo o tempo todo.

MARCOS: os alunos que chegaram esse ano em regência.

SUSANA: “tão” todos aí.

MARCOS: entraram cinco.

MARCOS: nós temos três lá

RAFAEL: entram cinco por ano?

SUSANA: isso. É.

MARCOS: até cinco. Não, pode entrar até dez se não entrar ninguém em composição.

SUSANA: é, composição e regência. Composição e regência são dez.

MARCOS: entendeu? Composição e regência a FUVEST resolve.

RAFAEL: lá tem três vagas.

SUSANA: é pouco.

MARCOS: “hein”?

RAFAEL: lá tem três vagas só.

SUSANA: é muito pouco.

MARCOS: pra tudo?

RAFAEL: pra regência.

SUSANA: pra regência.

MARCOS: é?

RAFAEL: e é intransponível.

MARCOS: então, a nossa experiência com grupo, com grupo maior de alunos é que todos estudam mais.

SUSANA: mas eu tenho ó.


250

RAFAEL: mas é que no ano passado não aprovou ninguém de regência na Unicamp.

SUSANA: a gente tem ótimos alunos de instrumento.

RAFAEL: lá não aprovam os alunos.

SUSANA: a gente tem ótimos/ a gente tem ótimos alunos de instrumento na/ nas práticas corais.

MARCOS: é.

SUSANA: é bacharelado em violão.

RAFAEL: “uhum”

SUSANA: bacharelado em flauta.

RAFAEL: nossa.

MARCOS: bacharelado em trombone.

SUSANA: é.

MARCOS: tá cheio.

SUSANA: porque eu acho que a diversificação de atividades, assim, vem do que eles dizem, por que que eles
vieram procurar. Então, assim, “eu também sempre cantei em coro”, “eu gosto”, “na minha igreja tem” ou
“na escola eu vejo que tem um espaço” e assim, “tudo bem, eu sou um instrumentista eu gostaria de tá numa
orquestra mas eu tenho que diversificar, eu tenho que garantir que eu vou sobreviver de música, “né”? Não
necessariamente do meu instrumento”.

RAFAEL: é.

MARCOS: e a gente ensina a se profissionalizar.

SUSANA: é aí eles, é uma das/ e é isso mesmo, pode ser parte do tempo

MARCOS: os nossos, os alunos que saíram daqui se eles querem ir pra área, pode demorar seis meses pra
ele sair bem empregado.

RAFAEL: é, com certeza.

MARCOS: porque a gente prepara mesmo pra enfrentar.

RAFAEL: sabe o que fazer “né”?

SUSANA: é, exatamente.

MARCOS: é, exato.

RAFAEL: lá, a gente recebeu tem muitos alunos, a maioria deles são das modalide combinada, mas o foco
foi na licenciatura, já que no coro também são crianças.

SUSANA: é, claro.

RAFAEL: então isso/ “é”/ chama bastante atenção principalmente na educação básica. É uma prática que
precisa de instrumento tem diversas questões que mesmo que não se monte um coro, as crianças irão
cantar.

SUSANA: exatamente. Tá difícil “né”?

RAFAEL: mesmo que/ não é um coral, mas vai cantar.

SUSANA: é

RAFAEL: sempre vai cantar.


251

SUSANA: é, a gente aqui acho que tem um atrativo pra/ pro pessoal de regência, que vem fazer, que é: tem
muito tempo a disposição na frente de algum grupo, algum (músico).

RAFAEL: tempo de pódio, “né”?

SUSANA: tempo de pódio, exatamente. Então, isso,

quer dizer, tem os comunitários, mas no/ por

exemplo, para estar no comunitário você também

está na frente de um grupo de adultos “né”?

MARCOS: e também/ e também está regendo na classe de regência.

SUSANA: e também “está” regendo na classe de regência. Aí aqueles que “tão” no final de curso eles
chamam umas assistentes do coral da ECA, ou mestrado ou graduação, no final da graduação.

RAFAEL: para reger

SUSANA: é um super desafio porque é só aluno de música

MARCOS: não, o coro da ECA é complexo.

SUSANA: repertório difícil.

RAFAEL: e gente chatíssima né. É uma chatice.

SUSANA: no coro de câmara que é o coro mais selecionado que são aqueles que já tem alguma prática
“ne”, fazem um repertório avançado.

MARCOS: não é que é tão chatice é que assim.

RAFAEL: músico é chato, gente.

MARCOS: não, não, não, tanto é que a gente conseguiu, pois parece que os músicos estão gostando de
cantar. O que acontece não é chatice, é exigência.

RAFAEL: não, eles gostam de cantar. Só que músico vai esperar o outro errar. Tem essa pressão.

SUSANA: é, a gente tenta quebrar isso.

RAFAEL: tem essa pressão, “né”.

SUSANA: mas eu não consegui ir até o fim do que eu ia falar que é: tem o coral da ECA que tem um nível de
aluno de fim de graduação ou mestrado e o coro de câmara que tem alunos de doutorado em performance.

SUSANA: mas isso é muito legal porque o pessoal que “tá” lá “né” no último pedaço e muita gente que surgiu
daqui da graduação então também pro aluno fala “bom, eu tenho então um caminho que de, né, de longo
prazo”. Agora esse negócio do chato, da prática, desse/ um pouco, esse jeito do músico que só toca por
cachê ou “deu um minuto em vou embora e tal”, isso existe, é parte do nosso ambiente. O que a gente tenta
fazer? Mostrar que realmente é muito chato.

RAFAEL: muito chato.

SUSANA: é muito mais legal quando você está envolvido. Então a gente tenta modificar. Todos os dias a
gente tenta modificar esse comportamento.

MARCOS: no coro escola como tem essas variações de, de, de funcionalidade, e os regentes vão girando,
preparação vocal quatro semanas um, quatro semanas outro...

SUSANA: é
252

MARCOS: a coisa vai andando assim. Eles, eles. E eles/ a única coisa que a gente obriga é o seguinte: na hora
que for fazer o aquecimento, você pode ter cantado, você pode ter feito aula de canto, você pode ter
quebrado a perna, é obrigatório estar junto com o grupo.

SUSANA: tem que “tá” lá

MARCOS: mesmo que você não vai cantar, você tá no meio do coro.

RAFAEL: entendi.

SUSANA: tem que “tá” presente.

MARCOS: tem que “tá” presente.

RAFAEL: uma outra coisa, como que vocês lidam com a alternância dos alunos?

SUSANA: alternância em que sentido?

RAFAEL: porque eles saem, outros entram...

SUSANA: a gente (...)

RAFAEL: é sempre um recomeço.

SUSANA: é.

RAFAEL: não? Não tem essa questão de sair tudo mundo?

SUSANA: tem. Às vezes tem.

RAFAEL: não é normal?

MARCOS: todo mundo?

SUSANA: não, todo mundo não.

RAFAEL: a maioria.

SUSANA: mas vamos supor: tem um naipe que estava com três monitores de fim de curso de repente eles
formam, os três se formam. Agora, a gente sabe quem vai sair né.

RAFAEL: entendi

SUSANA: mesmo não avisando.

MARCOS: Eles vão fazendo o processo de análise. Não somos nós.

SUSANA: vai tentando chamar.

RAFAEL: entendi.

SUSANA: mas acontece sim. E as vezes a gente tem que o coro tem que também saber “ah, que saiu um
cara que estava super bem no coral e agora entrou um iniciante, ele vai errar”.

RAFAEL: vai recomeçar ali de outro.

SUSANA: é, ai você põe um mais experiente com outro, a gente pesquisa que continuaria melhor com as
propostas, para dar continuidade no trabalho.

MARCOS: pessoal da terceira idade reclama mais.

SUSANA: é, a gente fica num impasse.

RAFAEL: é que também eles têm esse laço afetivo

SUSANA: a gente fica num stand by que é: faltou alguma coisa, a gente faz.
253

RAFAEL: faz.

SUSANA: então, a gente não tem sobrando, ok. A gente vai lá, “né”.

MARCOS: não só isso, mas a gente faz o ensaio de naipe-aula, que a gente chama. A gente vai e faz um ensaio
mostrando pra eles o que tá fazendo. “Né”, você vai assim: “o que eu fiz?”, “fiz isso,isso, isso, isso” “e o que
eu vou fazer?” “Isso, isso, isso”. Presta atenção. Aí, no próximo ensaio eles já tão fazendo bons ensaios de
naipe.
RAFAEL: entendi.

MARCOS: porque você, porque a gente foi lá e deu risco. Porque senão fica aquela coisa que não tem risco.

RAFAEL: é, eles precisam de um modelo pra ver também como seria “né”.

SUSANA: é, exatamente

MARCOS: é

SUSANA: você tem que, primeiro você tem que experimentar porque você só percebe se tá sendo efetivo
na hora que você vai fazer. E aí tem uma regra também que a gente tenta fazer que é: os colegas que tão/
porque as vezes tem o monitor fazendo e mais algum colega cantando dependendo do naipe. O colega que
“tá”, tem que tentar se segurar pra deixar o outro resolver, “né”? E aí as vezes a gente tem alguém que fala
“ó, ce fica lá meio de/ “né”/ como ele nunca fez, se você perceber que tá saindo muito você dá uma ajuda”.
mas, no geral, a gente quer/ a pessoa tá lá no espaço, tá na função, ela tem que resolver.

RAFAEL: Entendi.

SUSANA: e aí a gente vai tentando propor, “né”, soluções “né”. Tentar isso, tentar aquilo

MARCOS: é, senta do lado, fica olhando o cara

SUSANA: percebeu que deu mais certo nisso do que naquilo. Por que? É a região da voz que a pessoa se encontra
melhor? É a parceria de quem “tá” do lado que ele se ouve melhor pelo timbre? O que que é?

RAFAEL: uma coisa que eu vejo que eles têm dificuldade, pelo menos os alunos de lá, uma que é a
organização do tempo

SUSANA: é,isso.

RAFAEL: se organizar ao longo do tempo, “né”: o que fazer hoje, o que é importante ser corrigido hoje, o
que não é tão importante.

SUSANA: é, a gente também e faz isso pelas avaliações porque as vezes é isso: a gente vai lá, ele quer
resolver um problema que é depois de ter resolvido o anterior.

RAFAEL: é.

SUSANA: aí o que acontece no ensaio? Nada. Aí quando a gente vai avaliar fala “ih”, “funcionou? ”, “Não”,
“Por que? ” Então vai até que a pessoa mesma consiga sozinha.

RAFAEL: precisa estimular o treino da percepção;

MARCOS: muitas vezes.

RAFAEL: porque na aula eles também não escutam, tem essa dificuldade, como você escutar e saber o que
exatamente está acontecendo de errado.

SUSANA: é, eu tenho uma coisa que eu queria dizer.

MARCOS: claro.

SUSANA: com relação a essa história de repertório que é uma das coisas que eu mais falo pros alunos e peço
que eles falem pras outras pessoas, que as pessoas tem tendência a achar que coro é só uma coisa “ah” “
você faz um coral”, né? “um coral”. Acontece que assim, um coral com cento e cinquenta pessoas tem um
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perfil, tem um repertório, tem um tipo de expressão. Um coral com dez pessoas que também existe. Cada
coral pode fazer um tipo, um outro tipo de repertório, é outra sonoridade, é outra pesquisa, então na
verdade a questão do repertório, a primeira coisa que a gente tem que ver, que existem formações corais
então/ “ah” e aí eu passo por vários gêneros, compositores e suas obras.

MARCOS: ninguém mais chama de madrigal, né?

SUSANA: agora voltando de novo.

RAFAEL: como que chama agora?

SUSANA: ensemble, agora todo mundo chama de Ensemble.

RAFAEL: “ah”. Nossa!

SUSANA: e aí a gente vai/ “o que que é o Ensemble”, “se o Ensemble é vocal ou instrumental”. Mas o que
que é isso? O que que é um coro de câmara? Qual o repertório típico de um coro de câmara? E porque as
vezes aquele repertório funciona bem com isso/ não há/ o coro que vai entre vinte e quatro e quarenta. Se
você passa de quarenta pessoas já não funciona.

RAFAEL: “uhum”

SUSANA: é, exatamente. Então, o que que vai dar certo, “né”? “Ah” porque você tem várias formas de
classificar uma delas é a formação. Assim, o coral da ECA é o perfil de coro sinfônico, se não vai fazer só o
repertório sinfônico que é aquele repertório para coros grandes.

RAFAEL: mas não vai soar diferente.

SUSANA: mas não. “Você” tem que fazer coro de massa, então, tem muita música para coro de massa. Mas
tem uns certos tipos de arranjo, pensado para oito pessoas que não vão funcionar, mesmo que sejam ótimos
cantores, caso a obra exija muitas vozes.

RAFAEL é

SUSANA: “eh”, a formação é outra e isso eu falo muito porque assim: aí vem e convidam o seu coro pra
cantar a “Nona Sinfonia”, o seu coro tem vinte e cinco pessoas, amadores, tal “Não, mas não é um coro? ” “
O coro tem que saber cantar a nona sinfonia. ”

RAFAEL: “Carmina Burana”, “né”

SUSANA: é, “Carmina Burana” ou “Requiem”, de Mozart...

RAFAEL: é, mas aí chama dois grupos.

SUSANA: é, chama.

SUSANA: mas é, a gente, a gente tem que educar inclusive outros músicos entendeu? De que coro não é
uma coisa só. São formações diferentes e aí a primeira coisa então é entender o perfil do seu coro. Acho que
coro infantil tem isso também, tem várias classificações

RAFAEL: claro

SUSANA: se é coro infantil, é infanto-juvenil, é jovem, é juvenil, que no/ que nomes dão.

RAFAEL: o espaço é fundamental porque ele que determina também porque que as pessoas estão ali as
crianças estão ali

SUSANA: é, claro, claro. Mas é isso, e quantos são, né porque você pode ter um coro infantil de massa e
pode ter um coro infantil, um grupinho pequeno. Isso já também/ o que que você vai cantar vai fazer
diferença.

RAFAEL: é.

SUSANA: aí que é a questão de ter/ que acho que é importante o que você tá falando, ter a atividade, a
255

prática “né”, a/ o real e ter vários reais porque o próprio cantor, eles falam muito isso “aí quando eu canto
com o coral da ECA eu me sinto melhor porque tem muito mais gente então eu consigo soltar melhor a
minha voz”

RAFAEL: e quando a voz mais treinada, mais no começo do treino, é difícil segurar “né”

SUSANA: é difícil

SUSANA: e os regentes também. Sabe? Uma coisa que a gente observa que esses alunos, por exemplo,
regem o coral da terceira idade e também regem a mesma música no coral de alunos que é menor e um
grupo mais treinado, mais ágil. “Eh” eles também têm que fazer alguma diferença no próprio gesto.

RAFAEL: claro.

SUSANA: “né? ”, no próprio gestual, no tempo. Então tem várias coisas no âmbito da regência que o fato de
ter dois grupos diferentes também faz diferença, tem que ter o seu código. Quando você tem um negócio
imenso, tem que se posicionar diferente. Mas é assim: o repertório e a técnica de ensaio dependem dessa
formação coral em primeiro lugar. Depois o nível do coro, se o coro é um coro que lê por partitura, é coro
que lê pela letra, que trabalha por memória, é um coro que trabalha obras de frases que necessitam de
fôlego, ou só pode fazer peças curtas pelo ritmo de trabalho. Se ensaia uma vez por semana, você não pode
fazer obras longas.

RAFAEL: não dá.

SUSANA: não, não pode ter isso como objetivo, “né”? A não ser que elas sejam assim, uma sucessão de
peças curtas que no final seja uma “né”?

RAFAEL: vocês têm alguma sugestão?

SUSANA: Eu acho que tudo que você tá falando tem muita coisa que tem identidade e também tem os
caminhos próprios “né”? Acho que o fato de trabalhar com esse público “né”, dessa faixa etária, isso é uma
das coisas particulares importantíssimas tem que ser a/consideradas. Acho que tem que ser considerado.
Mas eu acho que tem coisas, eu vejo meus alunos lá. Que mesmo as coisas que a gente fala que não são
para coro infantil, quando eles usam para coro infantil, muita coisa eles conseguem aplicar porque o
pensamento é maior. Quer dizer, cada público exige mesmo isso, o aluno de música que você falou exige
um tipo de resposta, um tipo até de linguagem e outros públicos existem outras, exigem outras linguagens,
mas a estruturação, o pensamento em todo natural, ele serve para coisas diferentes.

MARCOS: o meu primeiro coro foi no Jardim São Luis, um bairro de periferia aqui de São Paulo, quer dizer,
naquele tempo era mais periferia do que hoje porque a periferia se estendeu, mas continua sendo bairro
pobre, favelado. E eu comecei lá, acho que com vinte e três anos, eu fiquei lá até os vinte e oito até um ano
antes de eu entrar aqui.

MARCOS: nesse momento quando eu “estava” começando a minha vida aí, foi um trabalho ali com a
garotada da escola, então era assim: os ensaios eram de sábado das seis às sete e meia da noite e domingo.

SUSANA: tá louco, “hein”?

MARCOS: domingo das duas as seis.

RAFAEL: das duas as seis da tarde?

MARCOS: é.

SUSANA: é.

RAFAEL: desafio para quem gosta de cantar mesmo.


MARCOS: com um intervalinho.

MARCOS: exatamente.

RAFAEL: deve ter sido primeiro acesso de vários cantores.


256

SUSANA: sim.

MARCOS: claro. E era assim, garotada de ginásio e fundamental dois, alguns que já tinham idade pra tá
terminando a faculdade misturado, mas que estavam lá no meio da escola. E, e aí esse trabalho resultou em
uma coisa enorme tanto que no fim eles estavam cantando século vinte, estavam catando música de
vanguarda e participaram de eventos.
RAFAEL: sete anos?

MARCOS: participamos duas vezes do festival de Música Nova de Santos, duas vezes convidados pago pelo
festival pra cantar lá porque era uma coisa que o pessoal ficava maluco quando eles cantavam.

RAFAEL: que legal.

MARCOS: chegou um momento que eles brigaram entre si por motivos políticos, assim, eram setenta e oito.
Então todos já estavam ficando mais estruturados no campo da esquerda então metade entrou num
movimento sindical mais forte vamos dizer.

RAFAEL: entendi

MARCOS: e outros mais começaram a brigar entre si, o coro acabou, mas, essas pessoas, elas continuam me
procurando de vez em quando, elas aparecem nos concertos, elas aparecem nos meus ensaios, são sessenta
anos “né”.

RAFAEL: caramba.

MARCOS: “né”? E aí, eu tinha vinte e três anos, eles tinham quatorze, eu “tô” com sessenta e oito, então
(...)

RAFAEL: “tá” todo mundo aí.

MARCOS: “tão” aí “né”. Então eles aparecem de vez em quando. “Eh”, uma das pessoas que mais seguiu,
vinha mais nos ensaios, um dia, ela vinha muito no coro da ECA, ela conseguia fugir do trabalho que ela
trabalhava aqui em Vinhedo, corria aqui, assistia o ensaio na hora do almoço e voltava para o trabalho. E um
dia, enfim, “ah, vamos comer alguma coisa? ” A gente foi comer por aí no campus e ela falou o seguinte “você
não tem muita ideia do que você fez na vida da gente: fulano tá terminando o doutorado em história, fulano
isso, fulano aquilo, foi dando um histórico do que tinha acontecido. E por uma coisa só você fez isso, foi pela
música, porque a música, você foi abrindo a cabeça, a gente só ouvia porcaria”. “E aí a gente começou a
ouvir coisas boas e aquilo que era porcaria a gente começou ou a ligar ou a transformar a maneira de fazer”
e aí você pegava as coisas da Rita Lee que pra gente, a gente fez arranjos e cantava Rita Lee e ficava bonito
“né”. Foi uma vida muito interessante essa, essa de ir percebendo essas transformações e isso significou na
vida de todo mundo.

RAFAEL: também precursor né, esses arranjos de música popular.

MARCOS: a gente fazia coletivo.

SUSANA: é, é.

MARCOS: a gente fazia arranjo coletivo.

RAFAEL: legal.

MARCOS: mas, tudo bem. O que eu quero dizer é que quando a gente recebe um aluno “sem base”, aí esse
trabalho que a Susana tá relatando do repertório, é absolutamente fundamental. Para a transformação do
repertório, é a transformação com muito potencial.

RAFAEL: do sujeito mesmo, “né”?

SUSANA: é.

MARCOS: do sujeito, é.

SUSANA: agora, a gente não trabalha com, quer dizer, eu não trabalho com a perspectiva de que “ah, tem este
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repertório que é melhor” .

MARCOS: esse é melhor que aquele, é...

SUSANA: e, sim, tem/ a gente quer coisas de qualidade. Coisas de qualidade são aquelas que todo mundo gosta,
quem canta gostou. O público gostou, E assim, tentar, “eh”, não ter preconceito estético né, porque tem muito
preconceito de todo tipo.

RAFAEL: tem.

SUSANA: tem preconceito de uns com a música popular, de uns com um certo tipo de música considerada
comercial, também de quem só faz música popular tem um enorme preconceito com a música erudita, tem
preconceitos religiosos com este, com aquele repertório da parte de quem é religioso e de quem não é,
então, como a gente trabalha?

SUSANA: as vezes, as vezes as pessoas reclamam e aí vai ter alguma razão cultural (...)

RAFAEL: é

SUSANA: acontecem coisas que a gente não captou. Ou pessoal, sei lá. Tem gente que tem problemas
pessoais e algumas músicas, elas associam com momentos desagradáveis. Acho que isso a gente tem que
trabalhar e tentar entender, “né”? Mas eu acho que quando a gente trabalha tentando ouvir o outro, “eh”,
se/ se ele trouxe uma coisa achando que ele achou que é muito legal mas você tá achando que é um lixo,
vai ter que ter uma negociação.

RAFAEL: “uhum”.

SUSANA: e ver no que que aquilo pode se transformar ou não.

SUSANA: é, e você tem que ir achando histórias “né”

RAFAEL: o mesmo repertório, esse é a dificuldade porque elas cansam.

SUSANA: mas o adulto também.

RAFAEL: repete muito tempo.

SUSANA: é.

RAFAEL: e inclusive acha que já tá bom, a criança.

SUSANA: é exata/ mas o adulto também, é igualzinho.

RAFAEL: “ah, vamos fazer de novo? Ficou ótimo essa vez”...

SUSANA: é, exatamente. E eu acho que tem que desmistificar essa coisa que o regente é o cara que sabe
mais, que sabe tudo.

MARCOS: é.

SUSANA: você tem uma função de liderança naquele momento, é, é desejável que você saiba muito.

RAFAEL: é.

Seguimos com uma conversa particular.


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Anexo 2. Entrevista Estagiárias/os I

0: De uma maneira geral, (essa) é uma conversa aberta. Mas é importante que todos falem, mesmo que seja
apenas em um momento. Mas se vocês pudessem falar o que que levou vocês, individualmente essa... essa é
individual, tá? Claro que é evidente que a fala de um vai fazer despertar uma memória do outro, mas de
uma maneira geral, os interesses foram, a princípio, individuais. Porque vieram ao LARCI?

1: Bom, é Eu vim para o LARCI porque eu estou na licenciatura e faço bacharel também, em canto, e eu
sempre busquei coisas que pudessem unir as duas frentes. Eu acho que o LARCI foi um momento que me
deu uma luz e quando o Rafa propôs o laboratório, eu fiquei muito interessada em poder trabalhar com
esses dois assuntos que sempre me acompanharam durante toda a minha vida na Unicamp de uma maneira
única, né? E usando a questão da regência, (de) como trabalhar nessa questão do coro infantil, mas, não só
isso; trabalhar também a alfabetização musical das crianças através do canto, né? Porque a gente tem várias
ferramentas aqui, não só como regente, mas como educador também. Então foi por isso.
2: Bom Parecido com a XX, o fato, também, de ser do canto e da licenciatura, o canto coral é como a união.
Eu sempre me interessei por canto coral. Já tinha participado de outras coisas sobre esse assunto. Acho,
também, que ter a oportunidade de ter um local prático foi o mais importante. Acho que o que mais me
chamou a atenção. não só teórico, que a gente teve, mas algo mais prático e de a gente aprender com as
crianças, né? Estando na ação mesmo.
3: É. O meu interesse, na verdade, pelo ensino de canto coral começou no PIBID do ano passado. A gente
foi para uma escola e tal. e eu vi que essa área despertou um interesse bem grande em mim. Coisa que
eu não imaginaria, porque eu toco violão, né? Já dei aula de violão particular e tal... E a partir do PIBID e
depois eu fiquei sabendo logo no finalzinho que a oficina ia ser oferecida no ano seguinte. E eu me interessei,
porque com essa experiência que eu tive, eu vi que tem tantas coisas envolvidas como, não só a parte vocal,
mas toda a parte de acompanhamento e de como pensar um repertório para ser trabalhado com um público
específico a parte de arranjos de músicas tudo que a gente tem que considerar para trazer para esse
contexto de canto coral. Então, tudo isso aliado a oportunidade de estágio da disciplina da licenciatura... é....
o LARCI veio para veio bem para aliar essas duas coisas: tanto o meu interesse que criei ano passado, que
fui descobrindo, quanto a oportunidade de estágio.

5: Concordo com o XX, mas o meu interesse foi, também, porque eu sempre achei que o curso é muito
teórico. O curso de música da licenciatura é muito teórico e, talvez para mim, seja o principal motivo, dentro
de vários, foi a oportunidade de ter uma experiência de aprendizado da minha formação na prática. Porque
em nenhum momento, na minha formação, eu tive uma experiência mediada de oportunidade de
aprendizado. Eu tive o PIBID, mas o PIBID não tinha essa mediação durante esse processo. Então você ia, só
que você não tinha essa mediação de alguém que é da área. Acho que esse é o principal motivo. Aliado a
isso, também, que eu estou no CEMMANECO e que aí isso me ajuda a essa prática profissional que eu estou
começando a exercer, e aos meus interesses também. Eu comecei a estudar canto. enfim: tudo isso está
caminhando no mesmo sentido.

6: Para mim foi muito parecido também, no negócio do PIBID. Eu também fiz o PIBID ano passado com a
experiência do coral e foi muito gostoso. Eu me interessei bastante com essa ideia do canto coral infantil e
tal... a pesar de eu não me sentir um bom cantor, muito longe disso. E daí, depois, quando eu entrei no
CEMMANECO, eu também achei muito interessante. Mais para complementar, mais, a minha formação, ter
mais experiência, principalmente com criança mais nova. Porque é a primeira vez que eu realmente comecei
a trabalhar com criança a baixo de oito, nove anos. Porque antes eu estava participando também da oficina
da XX de sábado, só que lá o perfil das crianças é mais... de crianças um pouco mais velhas de nove anos
para frente e também a condição social é bem diferente, né? Do LARCI, do PRODECAD que são também
diferentes. E eu achei que seria interessante complementar essa minha experiência.

7: No meu caso também tem a ver com essa falta de experiência... que eu nunca tive contato de ensino
diretamente infantil, né? Com crianças. E eu sempre participei de coro, mas é totalmente diferente de você
259

reger um coro... e essa experiência, na realidade, na nossa faculdade, a gente não tem a prática que a gente
cobra muito nas aulas. E eu acho muito importante, né... aqui a gente desenvolver isso. Basicamente e isso.

8: Eu sempre gostei muito de cantar e de coral, e eu tenho experiências de coro infantil, mas eu nunca tive
aulas de regência que fossem direcionadas exatamente para reger um coro infantil. Porque um coro adulto é
extremamente diferente. Então eu vi no LARCI uma oportunidade de ter uma experiência direta com coro
infantil, aprender como lidar a, não fazer só um ensaio, mas inserir elementos de musicalização.

9: É. Eu fiz Técnica Vocal e Preparo Vocal Para Coro Infantil com a XX, e isso me chamou muito a atenção
para o coral infantil, as coisas que ela falou durante essas aulas. E isso me incentivou muito a vir para cá e a
falta de laboratórios que a gente tem na licenciatura. O LARCI foi uma oportunidade de ter um laboratório
mais prático e guiado.

10: Para mim, eu já conhecia o Rafael, porque eu trabalhei com ele no CEMMANECO (por) dois anos... e
foram bem começo da licenciatura. Então eu basicamente aprendi fazendo, né? Eu aprendi na prática e aí...
depois eu fui entendendo o teórico e aí quando eu soube que era o Rafael que ia dar a oficina, eu me
interessei, porque, primeiro que eu canto também e é uma questão de ensino, que são coisas que estão
ligadas. Mas acho que, para mim, foi muito mais a questão de ser o Rafael. Eu aprendi mais com ele do que
com a faculdade em si.

11: Bom, é Eu também fiquei sabendo desse projeto porque eu trabalhei com o Rafael no CEMMANECO.
Também foi um fato importante para eu estar aqui: ser o Rafael dando o projeto, porque eu gostei muito de
trabalhar com ele e aprendi muito. E durante a minha graduação, eu não tive nenhuma oportunidade de
trabalhar especificamente com o coral. Eu queria ter participado do coro no CEMMANECO, mas eu não
consegui por causa dos dias e horários, então eu trabalhei com a musicalização lá. A pesar de eu não ter o
interesse específico de ser regente de coro, eu acreditei que essa experiência podia melhorar as minhas
aulas como professora, me dar mais ferramentas para trabalhar com músicas cantadas com as crianças e,
pela experiência que eu tive nesse semestre dando aula no colégio, eu acredito que ajudou bastante. Sim!
Melhorou bastante o meu trabalho como professora, em si.

12: Meu principal motivo é por estar lá no coral infantil do CEMMANECO desde o meio do ano passado, e
eu nunca tinha trabalhado com canto coral, nem com crianças e porque eu estava procurando atividades
agradáveis na Unicamp.

4: Bom, é para falar o meu principal motivo de estar aqui? O meu principal motivo... é que todos
contemplaram muito tudo. É. O fato de ser uma oficina supervisionada, né? A oportunidade de discutir a
prática e não ficar só em uma discussão teórica. E não é uma prática sem fundamentação teórica, né? Por
mais que a gente não tenha parado para ler um texto e tudo o mais, a gente sempre teve muita direção sua
e tudo o mais, né? E de todos nós, mesmo, né? Acho que a gente se ajudou nisso. Eu acho que foi muito
importante. E o fato de ser você também conta muito, como falou a XX. e a XX antes falaram. Porque
como a gente já tinha trabalhado juntos antes no CEMMANECO, eu aprendi bastante. Acho que essa é a
forma de aprender a aprender e a ensinar, do tipo. leva a gente para esses caminhos. E o fato de ser o
canto coral, porque eu gosto de cantar, a pesar de não ser o meu instrumento principal. E, quem sabe, né?
Algum dia reger um coro. Mas, enfim.

0: Agora a gente não precisa falar na ordem. Vocês só. quem vai falando, vai levantando, eu vou anotando
e a gente vai apontando e tentando não falar um em cima do outro. Qual que é a diferença que vocês acham
do que propõe o LARCI em relação à formação de vocês... e do que é oferecido no curso nos respectivos
cursos que vocês realizam? Tanto quem faz as modalidades combinadas, quanto quem faz exclusivamente
a licenciatura. Alguma coisa que vocês sentem que o LARCI traz de diferente, tirando o fato de ser mediado,
se tem algum outro ponto. Comparando o que que seria a formação sem o LARCI e a formação com o LARCI.

8: Acho que a prática mesmo, né? Porque, nas nossas aulas, fica tudo no hipotético: o grupo de crianças é
hipotético, o que a gente vai fazer é hipotético... E a gente, às vezes, até planeja aulas com crianças, só que,
na hora, você vê que... o planejamento, você usa, mas às vezes você muda tudo. Então, eu acho que a grande
260

diferença não é nem a mediação, porque na aula você também tem mediação, você sempre apresenta o
projeto de planejamento e a professora vê, mas eu acho que é mais a prática mesmo. Ter um grupo de
crianças reais no qual você pode planejar e aprender a ter jogo de cintura...

7: A questão também, depois de você fazer a prática (é) você refletir sobre ela e depois falar tudo o que deu
certo, tudo o que deu errado, o que precisa melhorar. E também a questão de estimular... aí, no caso, o
professor que está... a buscar atividades, a criar... o que você faria, o que está bom, o que não está. Então isso
é uma formação pessoal mesmo.

4: Eu acho que também dentro da... pelo menos é o que eu sinto, que dentro das disciplinas que eu fiz no
IA, de licenciatura, nenhuma delas incentiva a gente a pensar no processo, sabe? É sempre no produto final.
Quando a gente vai fazer um planejamento, é: “Ok, o que que a gente tem que fazer para aquecer a voz? ”,
“Ah! A gente tem que cantar”, ok! Então a gente vai lá e escreve “cantar”. Ninguém fala como cantar, de
onde partir e, depois que você cantou, aonde você quer chegar, sabe. Eu acho que esse ponto também é
muito importante para a prática.

10: Eu queria complementar a fala da XX. A gente fica muito no planejamento, né? E eu sinto também, que a
gente tem o começo e o fim. A gente não tem o meio. Tipo... o começo ser muita teoria, e o fim o que você
vai fazer. Só que fica esse buraco de “como fazer? ”.

0: Aí você acha que o LARCI estaria nesse meio?

10: Não. Isso é o curso de licenciatura.

0: Ah, tá! Entendi?

10: O curso de licenciatura traz isso, porque ele não está muito equilibrado... a parte de... na teoria, para ela
ter uma continuidade e o planejamento ser efetivo e concreto.

4: Eu acho que o que a XX quis dizer é que o LARCI contempla tanto o início quanto o meio e o fim, enquanto a
licenciatura fica faltando aí...

5: Eu acho que... em relação ao LARCI e das outras experiências e disciplinas que eu tive no curso,
comungando com o que meus colegas acabaram de falar, eu acho que aqui está muito bem orientado com
relação a procedimento. Tanto em função da estrutura que você mesmo propõe, quanto por estar em um
espaço prático, né? E isso é possível. Sem isso, acredito que, se isso fosse proposto na disciplina teórica não
faria, então, sentido se hoje eu falasse assim: “Não... Então falta o ensino de procedimentos no curso”. Só
que não faz sentido você tentar ensinar procedimentos sem uma experiência prática, né? Só que ao mesmo
tempo é necessária essa noção procedimental de como que é o processo de ensino, né? De você aprender
a ensinar. Então faz muita diferença em você pensar em cada procedimento, porque não é só você pensar:
“Ah, começa aqui e você tem que fazer cantar”. Tá! Mas e como é que canta? Quais são as etapas? Eu faço
o quê? Eu só abro a boca e ? Esses procedimentos são fundamentais para você entender: “Ah, então fazer
cantar dar uma aula de canto é isso, isso, isso, isso e isso, né? ”. Então isso deixa muito mais claro. Você
tem clareza do que tem que fazer e como você vai chegar lá. Se não tem isso, você não tem nada, na verdade.

6: Eu acho que aqui no LARCI eu comecei a pensar e prestar muito mais atenção no meu papel de professor
enquanto eu estou lá na frente das crianças, (em) como eu devo me portar, não só o que eu tenho que falar,
ou como meu corpo deve agir E para ter uma experiência melhor, não só para mim, mas para as crianças
aprenderem com mais facilidade. Eu acho que isso da gente, no final de toda aula, parar e ver o quê que nós
fizemos, o que deu certo, o que deu errado, está ajudando muito mais para fora daqui também. Para eu
conseguir chegar e pensar: “Não! Ok! Durante essa atividade eu vou ter que ter esse jogo de cintura. Eu vou
ter que fazer desse jeito e não desse porque, da última vez que eu fiz, deu errado. Então na hora mesmo
(se) está dando alguma coisa errada, tentar prestar atenção, não só também no que as crianças estão
demonstrando, mas no que eu estou passando para elas. Acho que é muito importante esse durante da aula
que o LARCI deu.
261

0: Vamos continuar. A ampliação dos laboratórios gera uma consequência: Precisa ter tempo para vir. E é
uma coisa que demanda mais que duas horas porque você vai vir, tem o planejamento, e tem a coisa que
você faz na sua casa: o seu estudo pessoal. Porque precisa estudar como qualquer outra coisa. . O que que
vocês pensam sobre isso? Em relação à quantidade de disciplinas obrigatórias do curso?

6: Desde que eu comecei aqui na Unicamp, eu senti muito isso que você falou; de realmente ser atropelado
por muitas matérias. Em todos os meus semestres, eu tive o mínimo de 28, 30 créditos quando eu tentava
pegar poucos, e sempre tentando fazer alguma coisa a mais: um laboratório, um estágio, uma extensão,
alguma coisa. É bem complicado, isso, nessa nossa carga horária. Tem dia que eu acordo cedo e vou até a
noite fazendo aula, ou então dando aula, e eu sinto que falta tempo para a gente estudar e tentar aprender
novas coisas. Eu queria aprender a tocar piano, por exemplo e não tenho tempo para isso. Nem mesmo para
estudar ao piano. Então eu acho que seria muito bom ter menos obrigatórias e mais optativas, porque assim
a gente poderia, pelo menos, manejar melhor o tempo.

5: E acho que é um curso que, na teoria, é para ser amplo, né? Se você conversa com os professores, eles
falam... não é um curso, por exemplo, de licenciatura em violino, licenciatura em canto. Então quando você
conversa com os professores, eles até falam: “Ó, você pode escolher fazer isso, você pode escolher fazer
aquilo”... uma prática pedagógica teoricamente ampla. Só que o curso na teoria é teoricamente amplo, mas
na prática você tem que fazer tanta coisa que você não consegue, na verdade, escolher, né? Então no meu
ponto de vista, se não é para ser um curso guiado, orientado em algum sentido específico, por exemplo: seja
licenciatura voltada para alguma coisa; voltada para alguma prática de instrumento, ou algo do tipo, que
você tenha mais disciplinas eletivas e aí você possa escolher dentro de uma gama de possibilidades, ali, o
que que você considera mais relevante para a sua prática pedagógica.

1: Sem contar que quando a gente entra no curso de licenciatura, a gente é jogada para a faculdade de
educação pra fazer três disciplinas de quatro horas e, nas quais, você lida, ali, com assuntos completamente
novos, em que tudo é muito novo pra você, e você fala: “Tá, qual que é a aplicação direta que eu vou ter
disso na música? ”, “Como é que isso vai funcionar? ”. E você não tem esse acesso. E muitas vezes o seu
professor não sabe nem que você é do curso de música. Então fica uma coisa muito perdida, aí. Isso, para
mim, foi o mais duro, acho.

O: O núcleo da educação, né?

1: Foi! Não direcionado para a sua área.

4: Eu fiquei pensando.... Você falou em prática pedagógica. Mas é engraçado, porque pensando nas
disciplinas de licenciatura, eu não sinto que eu tenha absorvido muito sobre práticas pedagógicas, entende?
Por exemplo, as disciplinas na faculdade da FE... é que elas também não são sobre práticas pedagógicas, mas
eu tive uma professora que ensinava bastante sobre pedagogias e eteceteras e tals, só que não tinha um
vínculo com o IA e, mesmo quando eu trazia, assim, para as aulas, as professoras ficavam: “Ah! Sim... é. E tals”,
ou “Ah! Isso existe”, ou sempre quando a gente tenta tratar sobre esse assunto, é uma coisa super superficial
assim...

1: Porque é distante deles....

4: É. Sim. Mas teoricamente superficial. Entende? Tipo... enfim acho que era isso que eu ia falar.

10: Eu, particularmente, acho que a gente perde uma oportunidade muito grande, tendo a faculdade de
educação, sendo usada desse jeito com o curso de licenciatura. Porque a Faculdade de Educação, no
contexto Unicamp, ela é muito boa, mas para a gente, o que acontece é que, às vezes, a gente vai e acaba
sendo meio que cobaia dos professores. Porque eles desenvolvem os projetos deles e aí, tipo, a gente fica:
“Tá... pra que que precisa disso, e ” principalmente na hora do estágio obrigatório da educação. Eu tive
sorte de pegar um professor que era sociólogo, então ele sabia direcionar muito bem todo mundo. Mas eu
conversei com outros colegas e tinha gente que falou assim: “Ah, meu professor... ele pesquisa não-sei-o-
quê do meio ambiente... não sei o que que vou fazer com isso” e fecha a matéria.
262

11: Eu acho que a gente tem muitas matérias, como já falaram, e que a expectativa do curso, que é para ser
feito em quatro anos, é completamente irreal. Se você fizer ele em quatro anos, você não consegue
participar de nenhum outro projeto. Não consegue participar de nada. Durante a minha graduação eu
participei de todos os projetos que consegui, por exemplo: O PIBID, o CEMMANECO, as oficinas de
musicalização. Então eu concluo o curso em cinco anos e, mesmo assim, foi com bastante esforço. Tinha
dias que eu ficava aqui de manhã até a noite estudando. E com essa carga horária tão grande, no fim você
tem que escolher se você se dedica às matérias, ou se você se dedica aos outros projetos. Então eu me
dedicava mais aos projetos em que eu estava dando aula, ou aprendendo a dar aula, que eu achei que seriam
mais importantes para a minha formação e várias das disciplinas obrigatórias, eu fiz de qualquer jeito só
para poder passar e me formar. Falaram da FE e eu também concordo. A gente tem uma carga horária bem
grande lá, mas muitas dessas disciplinas a gente tem quando a gente nunca nem deu aula em uma escola.
Então fica tudo muito num campo teórico. Eu acho que, no ponto do curso em que a gente tem essas
disciplinas, talvez a gente ainda não tenha maturidade para realmente entender o que está acontecendo. E
os professores também... tem alguns que parecem que dão as aulas, assim... tanto faz. Os professores bons
da FE... dizem que eles dão aula para a pedagogia... e os professores que, assim, querem usar a gente como
rato de laboratório, dão aula para licenciatura.

12: Eu ainda não fiz boa parte das minhas disciplinas pedagógicas. Nem da FE, nem do IA. Mas eu sinto muita
falta de um jeito, assim, de treinar a gente para (se) comunicar e transferir coisas. Porque o professor seria
alguém que profere coisas e eu sinto muita falta disso. Mesmo na UFSCar, eu fiz várias das matérias
pedagógicas lá e sempre só ler, ler e ler... e depois “se vira”. E tendo contato, assim, direto, com dar aula,
principalmente lá no CEMMANECO e agora teve aqui o LARCI, ajuda bastante isso de se comunicar, mesmo
com o outro, que sejam crianças. Tem um jeito específico de se comunicar com elas.

6: Sobre a minha experiência na FE, tem alguns pontos que eu concordo e outros que eu discordo. Eu
também acho que a gente entra assim, na faculdade e já é “tuchado” para essas matérias e a gente fica
totalmente perdido, sem conseguir entender o que está acontecendo. Porém eu acredito também que um
pouquinho do nosso papel como estudante de música (é) a gente tentar pegar todas essas experiências que
a gente entra em contato nessas aulas da FE e tentar levar para o nosso lado. Apesar de ser supercomplicado
e às vezes, de você não ter nenhum apoio de nenhum professor pra fazer isso. Só que, por exemplo, uma
das matérias que eu mais gostei de fazer e mais me ajudou na minha, assim... na minha vida foi, eu acho que
a matéria de psicologia da educação, que mexeu muito comigo, assim, como pessoa.... E também foi durante
um tempo que eu estava fazendo. dando aula no CAPS (Centro de Apoio Psicossocial e Juvenil). E lá tem
uma realidade também, super diferente da minha e super complicada e juntou as experiências que eu
estava tendo com a aula de Psicologia da Educação e realmente, me fez pensar muita coisa da minha vida.
Então, eu acho assim; a gente depende muito do momento para a gente conseguir pegar o melhor ou o pior
de cada matéria. No meu caso, eu tive também ótimos professores das matérias da FE. Não consigo reclamar
de nenhuma. Só que eu entendo os motivos de vocês reclamarem. Eu consigo super ver a falta de tempo
que a gente tem, a falta de comunicação que os professores da FE têm com a gente porque realmente, ao
meu ver eles não são preparados para conversar sobre educação e música.

3: Uma coisa que eu vejo, mais no começo do curso, é que eu imagino como isso deve ser para a
galera que faz combinada, mas parece que a licenciatura, ela vai sufocando a prática do seu instrumento.
Então você entra tocando e tal. estuda né? Antes de entrar aqui. Mas parece que, quando você
chega, a sua prática, do seu instrumento, a licenciatura parece que vai sufocando e você vai tipo: “Ah, mas
eu não preciso nem...”. Porque não se espera Você ouve isso de pessoas, sabe? Que você não é músico.

4: Nossa! Quantas vezes!

3: Você ouve isso. Isso é real. E tipo: Para que que eu vou precisar estudar música? Para que eu vou me
dedicar se eu só tenho que ler textos? Então é isso que eu vejo. Foi uma das coisas que mais pegou comigo.
Eu senti que o meu estudo de instrumento que... eu acho que... é uma coisa que é necessária. Eu sei que
tenho que saber da minha prática pedagógica, mas eu preciso conhecer meu instrumento também. E eu
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preciso conhecer muitas outras coisas, tipo... bem... assim... eu acho que... de música, tipo: de análise,
harmonia. Eu acho que você precisa saber. Não dá para você fazer pela metade, sabe? Ou tipo... não ter
isso. E eu acho que, para mim, isso é um ponto que pega bastante. Porque você... você acaba assim, tipo... a
licenciatura acaba sufocando o seu lado de músico, no caso.

02:52

10: E eu vejo também uma distância muito grande do curso de licenciatura com o real. Por exemplo; a gente
ser obrigado a fazer Análise I, II, III e IV. A gente vai analisar o que de Debussy na nossa vida como professor
no Brasil, sabe? Tem essas coisas...

0: Ah! Acho que repertório até que não é o problema.

4: É... Eu acho que, assim... Na verdade, eu acho que o problema é a aula de análise....

0: Dois anos, né? É bastante.

4: Sabe aquele negócio, assim? Aquele negócio de que quando você olha no relógio e o tempo não está
passando é porque você não está curtindo o negócio? Tipo. eu acho que o problema maior dessas
disciplinas de Harmonia, também, de Análise, acho que é mais isso, sabe? Porque o problema, como o
Renato falou. eu acho que a gente entra no curso de licenciatura em música, só que parece que cada vez
mais que passa dentro do curso, você vê menos música, de fato, sabe? E assim, por exemplo, pelo menos
para mim Harmonia, Análise, principalmente Análise, foi um dos cursos que eu fiz do tipo, assim: “Ah,
vai... vamos fazer e...”, entendeu? Sendo que era para ser um dos cursos que é mais importante, sabe? Você
está analisando o seu produto. Se você faz música, você trabalha com o som. Eu acho que o mínimo que
você tem que saber é sobre música, sabe? E não também só sobre o seu instrumento, sabe? Isso é
importante. Eu acho que a gente tem que ter um instrumento, tem que saber tocar, mas eu acho que tem
que ir além disso ainda, como educador musical, sabe? Como esse pessoal aí que toca três instrumentos. Eu
aposto que sabem o repertório de mais vários outros instrumentos e etecetera, e etecetera. E não do tipo...
decorar o número da sonata, mas tipo. realmente saber o que está acontecendo ali. Sentir, né? Tipo:
“Ah! Aqui tem uma cadência.”. Não simplesmente um: “Ok, um I – V – I”, mas você sente isso de fato. Acho
que (é) isso que falta um pouco no curso de licenciatura. É que pensando nesse ocupamento de disciplinas,
você não tem além de não ser direcionado, você tem um monte de disciplinas ruins e ainda te ocupa o
tempo que você poderia estar estudando.

10: Acho que ficou meio mal colocado (o que eu disse antes). Acho que o problema não é a análise. O
problema é como ela é feita... e ela não tem ligação nenhuma com harmonia. E isso é uma coisa, assim a
gente perde muito. Se houvesse uma conversa entre as duas matérias, eu acho que, a Harmonia seria mais
fácil e a Análise não seria tão penosa.

0: Eu acho que na Harmonia, de uma maneira geral, você ainda aprende um método para analisar. Bem ou
mal, existe um método.

12: A gente aprende mais a analisar na aula de Harmonia que na aula de Análise.

9: E uma outra coisa nessa questão de Harmonia e Análise que também é uma coisa que me chama a atenção
desde que eu entrei, é que a gente tem as matérias todas voltadas para o erudito e, muitas vezes (quando)
você vai dar aula, você vai estar muito mais próximo da realidade do aluno que vai ser uma realidade muito
mais popular. Então como lidar com isso? Como dialogar com isso?

6: Queria comentar um pouquinho do que a XX falou da prática musical. Quando eu cheguei aqui, tipo... eu
sempre ouvi muita música, sempre passei o dia inteiro ouvindo música. Hoje eu chego em casa e eu escuto
muito menos música do que.... Tipo... às vezes eu quero ficar em um momento de paz, silêncio, para não
ouvir nada, do que mesmo ouvir a música... às vezes tinha que estar estudando, ouvir a música que eu tenho
que analisar.
264

11: Eu acho importante ter as aulas de harmonia, ter uma noção de como era a música barroca, romântica e
clássica, etecetera. Mas eu sinto falta de ter uma coisa mais voltada para a prática docente. Por exemplo; eu
senti falta de aprender como fazer arranjo de música, como compor músicas para cantar com as crianças...
que foram coisa que eu só comecei a fazer depois que eu me formei, depois que eu comecei a trabalhar e
fui precisando. Mesmo assim eu só sei fazer umas coisas, assim, bem simples, porque eu não tive nenhuma
ferramenta que me foi ensinada durante a graduação para fazer melhor do que isso.

0: No caso das disciplinas de Percepção e Rítmica, né? Um ponto é: A gente estaria preparada para ensinar
percepção e rítmica tendo feito Percepção e Rítmica?

4: A gente sabe o que não fazer.

2: É. Falando com o XX sobre a perspectiva do bacharel junto com a licenciatura, né? Que é o nosso caso....
Eu acho que, falando por mim, eu tive que fazer uma escolha nos primeiros anos entre licenciatura e
bacharelado, inclusive, eu larguei o CEMMANECO no começo. Larguei toda prática de qualquer coisa da
licenciatura. Eu realmente assumi que ia fazer só o bacharelado. ainda fazendo as matérias da licenciatura.
Então eu acho que quem faz só a licenciatura acaba não tendo essa oportunidade de mergulhar primeiro na
música e depois no ensino. Quando eu dou aula de canto. no começo acho que é bem difícil, porque é difícil
você transmitir aquilo que você vive no seu corpo, né? Ainda mais uma coisa tão abstrata. Mas no momento
em que você se dedica a conhecer o teu instrumento, no caso, você consegue acessar o instrumento do
outro, você consegue ter ferramentas para fazer o outro acessar aquilo. que é o que eu acho que falta com
outros conteúdos que a gente não domina e então, não consegue ter ferramentas para fazer o outro
dominar.

0: Eu tenho uma outra pergunta. O que que vocês levam daqui para o curso e o que do curso, vocês trazem
para cá?

1: Posso ser muito sincera? Eu não sei como é que o pessoal está fazendo agora que tem o pessoal da Ana
Terra e tudo o mais. Ela traz propostas, né? De alguma maneira tudo é ainda muito grande. Mas ela ainda
abre espaços. Mas a minha última disciplina de estágio na licenciatura, que foi Estágio Supervisionado II no
Instituto de Artes, nada era discutido.

0: Vocês ficavam ?

1: Não, não! Eu juro! Porque foi um absurdo isso. A gente não discutia sobre os espaços. Eram pouquíssimas
as coisas que eram trazidas, as aulas eram extremamente monótonas... é eu juro que eu não entendi
aquele semestre. Então, assim a minha última experiência foi muito ruim nas aulas de estágio. Eu tive
uma experiência muito boa no Estágio Supervisionado que eu tive que fazer na Faculdade de Educação. Aí
foi legal! O Estágio Supervisionado da Educação foi um espaço onde a gente dialogava. A professora, que
era a pode falar o nome da professora?

0: eu não estou fazendo um trabalho que critica o curso. Então as falas que falam mal do curso, na verdade
elas vêm com a ideia de trazer uma justificativa para a existência do laboratório, não para que o curso mude,
entendeu? Então eu não vou falar: “Ah, as matérias são ruins, o LARCI é importante”.
1: as matérias do IA foram diferentes da Faculdade de Educação, da disciplina que eu fiz com a Dirce a
Dirce Zan. Porque ela tinha uma proposta de estágio e a gente teve que se encaixar dentro da proposta dela.
Isso foi muito interessante. No começo ficou todo mundo meio relutante, mas foi legal. Era uma proposta
de adolescentes, numa condição e num contexto determinado por ela e, em grupo, a gente ia nas escolas
que abriam espaço para a gente fazer intervenções e atividades rolavam e era muito legal. E lá a gente
tinha muito espaço de conversa, de explicar o que aconteceu, o que deu certo, o que deu errado, como é
que foi na sala de aula. Isso foi muito interessante, assim, mas foi num contexto muito voltado...

0: Específico...

1: É… específico e voltado para a educação. Até que a gente teve sorte de trabalhar com outros alunos da
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licenciatura que estavam e da dança, então, tinha meninas da dança também. Então a gente conseguiu
fazer um projeto artístico na escola que foi muito interessante e essa foi a sorte.

0: Mas por que você acha que esse deu certo?

1: Porque a gente tinha espaço para discussão e espaço de atuação. Os dois.

0: Estavam relacionados.

1: É. Então a gente ia na escola e depois discutia sobre isso. E além de discutir sobre isso, a professora
discutia o que a gente falava. E ela tinha a informação dela, porque ela foi até a escola. Ela foi nas escolas
de todos os grupos para visitar, ver o projeto, ver como a gente estava indo e como é que a escola estava
recebendo aquilo. Então foi muito bom.

0: A vinculação do docente com o espaço de atuação?

1: Exato! Que acho que é a mesma coisa que acho que aconteceu aqui no LARCI, que foi o diferencial para

os cursos relacionados ao instituto de artes.

10: Só complementando: O que falta... o que eu vejo no meu estágio da música... Estágio I da música é
direcionamento. Então, se deu certo para ela, é porque a professora estava preparada para fazer isso. Ela
tinha um planejamento, ela tinha base e aí ela teve o espaço. ela conseguiu o espaço e deu certo. Nas
nossas aulas de estágio, assim... é difícil. Assim porque é aula de planejamento de estágio, sendo que a
professora não planeja a aula. Aí você fica assim: “Tá”.

0: Na sua impressão? Ou é uma coisa que você considera declarada? 10: É fato.

0: Pode ser fato, amiga. Mas eu quero saber se é declarado pela pessoa que não planeja, ou é uma percepção
do grupo.

4: Não é declarado.

10: Não é declarado.

4: Tem um cronograma.
2: Pra mim os estágios da FE, embora não tivessem nada a ver com o. bom, nos que eu fiz eu era a
única das artes, então tinha gente mais vinculada com outras matérias, porém eles traziam toda semana
uma coisa de você descrever o que você está vivenciando, quais são suas angústias, o que você está
fazendo.... O professor, ele levava... embora, assim nem sempre direcionadas à música, (mas) mais
vinculadas à escola, né? À prática mais escolar mesmo, né? E na música a gente acaba não tendo esse espaço
onde é que, assim como eu estou tendo estágio aqui, eu não tenho essa necessidade, né? Porque a gente
está discutindo aqui. Mas, se eu estivesse num lugar como, para mim é um pouco, o CEMMANECO eu não
estou declarando o meu estágio lá, mas eu estou fazendo estágio lá. Eu me sinto muito mais angustiada. Eu
não me sinto orientada em nada no CEMMANECO, né? Então, para mim, né? Nem eu não tenho espaço,
tanto, para a discussão, né? Do que eu faço ali no CEMMANECO, por ser uma circunstância de ensinar teoria
musical, né? Que é algo, também, bem específico para uma idade, né? Maior adolescente. Eu acho que a
diferença...

0: De uma maneira geral. Uma outra pergunta... e essa é importante para que todo mundo dê uma
pensadinha e responda para avaliar a sua aprendizagem, né? No que que o LARCI, você entende, que
contribuiu concretamente para a sua aprendizagem? Não no sentido só teórico, né? “Ah, eu aprendi a
pensar sobre...”. Não! “Eu fiz isso”, “Preciso melhorar isso”, tipo. quem é você aqui e o que que você fez?
Você sente, tipo: “Ah, não aprendi muitas coisas, mas vivenciei”, “Estava envolvido com ensaios”, “Vi como
é que é”, “Toquei...”, enfim, né. O que que você sente? Olha... A sua autoavaliação para que em seguida, a
gente possa fazer a avaliação do grupo como um todo para a gente tirar as diretrizes do que virá.
266

5: Eu me coloquei aqui mais como... acompanhei algumas músicas, né? E aí eu queria fazer um comentário
também, que tem a ver com a primeira pergunta, mas eu acho importante falar: Eu acho que aqui existe um
processo de apropriação progressiva das habilidades necessárias para você ser um educador musical, por
exemplo. E em outros espaços, eu acho que isso é mais difícil. Porque, por exemplo, se a gente vai fazer um
estágio ou alguma coisa em algum outro lugar, você tem todos os problemas de uma vez, né? E aí você tem
um teórico que não lida com problema nenhum, ou você lida com todos os problemas de uma vez. Aqui
você consegue falar: “Não, escolhi esse”, no meu caso, por exemplo... escolhi como é acompanhar melhor.
Então aí eu fui estudando alguns ritmos. Só que é isso. Eu acho que eu entendi melhor essa relação, né? Nessa
conjuntura específica que é você ter um regente, você ter um grupo e você ter que acompanhar. E acho que
preciso melhorar muito mais em estudos de ritmo, muito mais! Mas agora eu já tenho uma noção melhor.
Antes eu não tinha noção nenhuma, porque eu nunca tinha feito isso.

09:58

0: Tocou, né? Você pode tocar.

5: É... Eu pude tocar. Hoje eu posso dizer que eu consigo tocar, pelo menos. Né? Pelo menos o básico, sim.

1: Para mim foi a experiência direta, né? O trabalho de preparação vocal, técnica vocal... é. Foi muito
interessante poder sentir na prática mesmo, como é que aquilo funcionava. Perceber que você... é... tem
que estar realmente muito atento ao que você está fazendo. Então às vezes eu ficava muito mais preocupada
em executar, mas sem ver o resultado, né? Então você falava: “XX, não tem como você avançar sobre o tom
se eles não estão afinando esse”, aí eu: “Ah! Tá! É verdade”.

7: Oh Rafa! Eu só vou falar agora porque o meu ponto mais forte foi esse realmente, de... depois que você
fez, você tentar avaliar. Então isso ficou muito para mim... uma coisa que ficou foi isso. Tipo... uma coisa que
você fez, ok! Agora... o que eles fizeram? Como você vai avaliar o que você pode fazer para melhorar? Então
é o ponto forte...

0: Entendi! Que é esse ponto de observar o grupo, mesmo.

1: Para mim, lidar com os aspectos técnicos vocais, assim... é pensar: “Porque que a gente tá fazendo u?”,
“Porque que a gente está fazendo exercícios de fala?”, “Qual que é a importância de fazer com que eles
falem?”, sabe? Isso, para mim, são coisas importantes que eu nem pensava, assim: “Nossa! Eu preciso fazer
com que eles falem primeiro”, “Que eles emitam som”. E muitos daqui não tinham tido muita experiência...
não tinham tido experiência com coral.

0: Parece bobeira, né?

1: É! Parece tão bobo: “Ai... vamos fazer falar”. Mas isso foi muito interessante, assim... eu não tinha noção
nenhuma e hoje eu sinto que eu tenho um pouco mais de noção. Quando for pergunta para mim: “Ah, canto
coral infantil...?”, nossa! Eu acho que vou trazer muitas lembranças. Eu tenho que melhorar muitas coisas...
não que eu domino. Eu não domino nada delas ainda, mas hoje eu tenho uma noção muito melhor, nesse
sentido, acho.

0: Por onde começar?

1: Por onde começar. Exato!

3: Pensando um pouco no que o XX falou... é... eu também me propus a tocar, no caso, o violão e o piano...
é... eu percebi que, às vezes, você precisa ter um certo nível de... é... não sei se de proficiência, mas de
articulação, assim, com o instrumento. É... tipo... você tem que saber trabalhar naturalmente com o
instrumento num nível que você consiga fazer coisas que... demandas da hora, assim. É que, assim... às vezes
eu estudava uma coisa, aí ficava lá..., que mecanicamente estava ok para mim, mas eu chegava na hora,
assim: “Ah, vai precisar mudar”, aí: “O que eu faço?”. Eu percebi que preciso estudar e estudar para chegar
em um nível que, por exemplo, que eu já consigo dominar mais o violão. E é mais natural, sabe? Então, se
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precisar mudar alguma coisa na hora, eu sei que eu vou conseguir. E tipo... não só mecanicamente, mas
também alguma coisa de cifra. Porque às vezes eu tenho a harmonia na minha cabeça e não está escrito, mas
eu consigo tocar no violão. No piano, às vezes, está na minha cabeça, (mas) aí não sai por causa de mecânica
mesmo. Então eu percebi que... para mim, pegou mas isso... eu percebi que... como que... lógico que como
o abismo que tem entre os dois, né? Mas eu percebi como que é importante você ter domínio do
instrumento para...

0: Isso tem a ver com o domínio musical de uma maneira geral; quanto mais músicas você souber, no sentido
música mesmo, músico-artístico, mais você vai conseguir fazer limonada com um quarto de limão. Porque,
se você tem pouca maleabilidade... se você não tem uma visão artística muito, assim, desenvolvida, muito
estimulada, a tendência é que você tenha pouca criatividade. E o que é pouco criativo é mais repetitivo.
Como que desenvolve isso? É aumento do capital cultural. É ver coisas. Tem que assistir, gente. Tipo assim...
faz uma lista dos últimos livros que você leu... é que, também, a gente... volta o problema do tempo, do
dinheiro, de todo mundo. Mas eu falo, assim, num panorama hipotético, ideal, ne? Quais os últimos
concertos, espetáculos de dança, de teatro, de.... não vou falar cinema... é difícil ir no cinema e não assistir
um filme da Marvel. mas assim, que você assistiu? Mesmo! Não no sentido de você ir lá fazer um curso
porque é da matéria, (mas) que você foi lá mesmo pra ver o role porque achou legal, bonito. E apreciou,
né? Porque isso que traria, ne? Quais são os três últimos livros de literatura que você leu? Não assim... um,
sei lá... literatura, né? Sei lá Cem Anos de Solidão. Pode parecer uma questão, mas o capital cultural
interfere muito na sua atuação. Né? Tipo: quem vai mais em museus tem mais condições de montar uma
exposição dentro de um espaço fechado do que uma pessoa que não vai em exposição. Não que museu é
uma obrigação, né? Mas estou falando de museu no sentido de ter contato com as artes, numa esfera geral.
Mas isso também é muito. tem que ter tempo, tem que ter dinheiro, tem que ter uma série de coisas. Mas,
enfim, é um ponto, né? A gente não costuma nem ir assistir recital de formatura, né? Vamos continuar? Outra
avaliação?

12: É. Eu não sei se minha fala vai ser meio incoerente com o momento, assim, porque...

0: Ah, mas tudo bem. Eu edito.

12: É mais um desabafo. Então vai ser quase um desabafo, assim, de roda mesmo. pra rasgar
mesmo. Porque, tipo, comecei lá no CEMMANECO em aula prática de coral, assim, e eu: “Meu deus! A água
está batendo”. E daí, aqui foi vim aqui mais para assistir outras pessoas da minha faixa etária estudando a
mesma coisa para fazer a mesma coisa, dar aula e ver o perrenge. Estou começando a decidir, assim, que
quero ser professor de teoria, assim. 0: Mas é importante saber!

12: É uma decisão que eu estou tomando quase agora, assim. Porque, meu deus! Que perrengue que é dar
aula prática para um grupo. É isso.

0: Mas é... olha .... precisamos de bons professores de teoria. Principalmente de análise. Vai, próximo!
Alguém quer falar mais dessa questão?

8: É. Eu acho que a minha questão também vai na do XX, que eu estava acompanhando e acho que foi algo
muito importante para mim de, não só prestar atenção no que eu estava fazendo, mas no que o regente
também estava realizando. No tempo que ele estava dando. Se as crianças estavam atrasando, eu tinha que
prestar atenção se ele estava puxando as crianças para frente, ou se ele estava acompanhando as crianças,
porque daí eu tinha que seguir ele. Se as crianças não estavam conseguindo cantar muito a melodia, eu tinha
que tocar a melodia mais forte, ou se elas já estavam ok, eu podia fazer a harmonia. Acho que, para mim, foi
algo que foi muito marcante: Acompanhar prestando atenção principalmente no regente, mas também nas
crianças, no contexto geral e não só no que eu estou fazendo.

0: Que é uma questão musical também. Que é o tipo de coisa que você só aprende correpetindo. É claro
que você também precisa estudar em casa.
268

10: É... Só para finalizar: Eu acho que, na verdade, todo o processo, né? Uma coisa muito importante que a
gente acaba... que a gente aqui fez, né... e que eu acho que a gente acaba não fazendo fora daqui é a questão
de anotar o que acontece, né? Durante a aula e depois pensar no que pode melhorar. Mesmo trabalhando
lá no CEMMANECO... mesmo tendo isso, né? Falando, né? Falando que é bom pensar sobre a prática. Eu
sozinha...

0: é difícil, né?

10: Eu sozinha não pensava muito nisso. Acabava que chegando, assim... e antes de começar a próxima aula
que a gente decidia, porque era um grupo. Mas eu sozinha pensava: “O que que eu posso fazer para
melhorar?”. E, tendo essa anotação e depois discutindo, eu comecei a pensar mais sobre o que eu estou
fazendo para a próxima aula. E como tem muita gente no grupo e tinha muitos momentos que não havia
atividades para todo mundo, né? Natural. E por eu ser muito observadora, gostar mesmo de ver o que está
acontecendo, começou a cair mais essa ficha de ficar bem mais claro para mim que: “Aquilo ali foi legal e
então dá para eu colocar”, quando eu dou uma aula...

0: Absorver né?

10: Exatamente!

2: Para mim o que mais ficou mesmo, na realidade prática, foi a questão de você realmente observar o que
você precisa mudar, do que ficar só, né? Na Foi mais uma questão de segurança. Eu acho que eu ganhei
um pouco mais de segurança e de você poder corrigir, né? Você falava: “Tem que corrigir”, “Não pode deixar
passar”, que é uma coisa que para mim, às vezes.... sei lá Não sei porquê. Acho que até mesmo pela
insegurança, né? De você não corrigir, não deixar passar pequenas coisas mesmo, né? Então eu acho que
isso, nas minhas outras práticas, também teve reverberação. E é um pouco o que a gente aprende. A gente
tem que realmente respeitar, mas às vezes eu via até reverberar na minha prática de ensino de canto lírico,
que é você falar: “Não! Isso está errado”, “Eu sei que você pode cantar assim, mas se você quiser cantar
determinado repertório, se você quiser cantar lírico, isso não está bom”. Isso para mim sempre foi uma
dificuldade que é uma certa segurança de você saber: “Isso eu sei. Bom, pelo menos dessa forma, e você
não está fazendo assim”. Então eu acho que para mim, isso teve muita reverberação, muitas consequências
nas questões práticas e da performance do professor como eu nunca tinha refletido sobre isso. Sobre o
professor. Ele está em uma performance. Sempre refleti isso na minha performance como cantora, não
como professora. Isso também, acho que teve consequências nas minhas outras práticas.

0: Que legal!

10: Acho que só tem mais uma coisa: Essa do corrigir. Para mim isso, às vezes, fica uma questão do tipo:
“Estou fazendo a coisa certa em corrigir, ou estou sendo autoritária?”.

2: É. Por isso eu falei da mistura que a gente tem de ouvir muito que a gente tem que respeitar, mas também
quando que a gente tem que corrigir.

1: E tem uma coisa também do processo, né? Às vezes tem coisas que .... acho que é entender a linha tênue
entre “parar tudo e vamos corrigir” e “Calma! Isso vai, né .. ”

2: É... “Isso vai ser corrigido com o tempo”, né? O discernimento do que tem que ser agora, se não vicia....

0: Quando você entende o que ela está fazendo, é parte do caminho para aquele lugar que você quer que o
grupo chegue, ou quando o que ela está fazendo não vai levar a lugar nenhum, entendeu? Aquilo só está
fazendo errado mesmo. É difícil, é difícil. Mas você sabe uma coisa que é interessante? Essa é a minha
perspectiva: A gente vê bastante as dificuldades da criança, mas a gente tem que ver é o potencial. Ela está
fazendo, mas ela teria condições de fazer certo. É diferente de você corrigir uma pessoa que não vai
conseguir mesmo. Tipo... você até avisa: “Ó! Não está muito bom, tal”, mas se a XX consegue fazer certo,
porque eu não aviso ela que ela está fazendo errado?
269

2: Eu acho que é o conhecimento do grupo que você, também, tá trabalhando, né? Eu percebo isso com os
meus alunos particulares, que à medida que eu vou conhecendo, eu sei aonde ele vai chegar e aonde ele
não vai chegar. No momento, né? Outra coisa que eu acho que para mim ficou, é a coisa do planejamento
de uma forma prática, né? Você realmente ver que você tem que planejar no ponto de vista de vivenciar
aquilo, né? Então, não sei... sempre que se fala de planejamento, a gente sempre vê muito planejamento,
mas fica aquela coisa assim, de: “Eu planejo ali, mas executo outra coisa”, né? Mas você poder juntar as
duas coisas, né? “Eu planejo, não só para seguir um roteiro, mas porque eu sei onde eu quero chegar, como
(eu quero chegar) e eu sei o grupo que eu estou...”. Bom, para mim, na última, o planejamento fez mais
sentido. Saber o que eu queria exatamente e como.

6: Eu acho que, para mim, o que mais me pegou, que eu acho que eu vou levar daqui... primeiro é a questão
do corpo, do movimento corporal que, como eu fiquei muito mais com isso.... É.... e entender um pouquinho
mais do que a criança é capaz de fazer nessa idade que a gente pegou. Porque, realmente eu cheguei com
algumas coisas que, para mim eram as coisas mais fáceis de fazer, sei lá: dar três pulinhos e dar uma
rodadinha... eu não preciso treinar para fazer isso.

0: Precisou sim! Eu acho que esse é o grande aprendizado: Temos que treinar!

6: Não... digo que...

0: Sim. Você tem condições de aprender rapidamente?

6: Isso! Exatamente! E uma criança tem outros processos completamente diferentes dos meus.

0: A última coisa agora é a nossa avaliação no sentido de como foi, se vocês têm... a gente... pode ser o que a
gente quiser. Então se existe uma sugestão de alteração de estrutura Porque a gente começou fazendo o
que? Nos primeiros seis encontros, a gente... foram os mesmos grupos Quer dizer? Grupos diferentes, a
mesma aula. A gente dava a aula e planejava depois. Aí, com a mudança depois da alternância, que ficou
oficina aberta, a gente tinha aquele meio período de ensaio. Acabou que o primeiro momento era um
ensaio musical, que eu achei importante fundamental ter um ensaio musical. Eu achei super importante.
Além do teórico, do debate, é nesse momento que a gente ensaia a música, mesmo, né? E tinha as crianças e
depois vinha o planejamento. Mas ele pode se estruturar de uma maneira diferente: pode também ter dois
grupos simultâneos, pode ter uma outra sequência, a gente pode tentar organizar planejamentos ao longo,
tipo, a gente planeja duas aulas. Bem não sei. “Eu acho que essa estrutura está ok”. A gente pode tentar
voltar a ter turmas fixas. Sei lá o que que a gente imagina que isso pode chegar? A gente pode um dia ter
um grupo fixo é que eu acho que aqui vai ser mais difícil.

1: Eu gostei dessa estrutura de ter planejamentos semanais junto com as aulas, porque no próprio
planejamento a gente já se baseava na próxima aula com o que foi feito na aula anterior.

0: Logo em seguida o planejamento, você está falando? Aula e planejamento?

1: Sim. Logo em seguida para a próxima: “Ah! Então isso já deu certo”...

0: Fica mais na cabeça, né?

1: É .... fica mais na cabeça, fica mais fresquinho.

10: Eu concordo com a Bia, mas eu queria falar um pouco do que você fala muito, né que a gente tem
que saber que isso aqui é tipo, um plano ideal, né? E que na hora a gente tem que saber fazer tudo ao
mesmo tempo. E, levando em consideração a isso, eu acho que seria interessante se a gente fizesse esse
treinamento aqui. Do tipo...

0: Mais práticas entre nós?

10: É. Da gente fazer essa rotação. Porque chagou num ponto que cada um tinha a sua música fixa, então a
gente já sabia o que ia acontecer. “Essa pessoa vai fazer isso, aquela pessoa vai fazer aquilo, e a outra pessoa
270

vai fazer aquilo”. Então essa é a minha sugestão: Que tenha isso, que é o planejamento, mas que tenha uma
rotatividade.

0: Mas você acha que a rotatividade na mesma música? Porque assim, ou mais grupos ao mesmo tempo,
ou meio, tipo, uma dupla por música?

10: É! De ter tipo... de mudar, por exemplo: “Ah! A Lara fez amarela...”.

0: Aí, na próxima semana, pode ser outra pessoa?

10: É.

0: Mas você acha que essas pessoas sempre se alternam, ou a gente combina sempre duas? Porque, sabe o
que eu acho também? (Que), se as pessoas que forem reger... a pesar de que aqui podia tá já bem decidido.
A gente planeja junto a atividade, mais ou menos.

4: Ah! Mas mesmo assim, Rafa... Eu acho que mesmo assim. A didática é diferente...

0: O jeito?

4: A postura, tudo...

0: Mas se combinasse fixamente...

4: Não. Se fosse fixo, sim. Agora eu acho que quebra. Porque assim... por mais que a gente combine tudo
junto, por mais que etecetera e etecetera...

0: Tem o caráter, né?

4: É!

2: Eu acho também.

4: O que a pessoa está pensando também, sabe? Do tipo... Por mais que a Lara verbalize tudo o que ela está
pensando sobre a música, eu acho que, às vezes... do tipo... tem algumas coisas que ela faz, mesmo que
inconscientemente, que é dela mesmo, para ensinar.

0: Eu concordo até, mas eu acho que é mais fácil de ver isso quem estava com a música.

4: Como assim?

0: Você também tinha uma música.

4: Sim.

0: Então é mais fácil de ver isso do que quem não estava com uma música.

4: Ah, Tá! Entendi, entendi.

0: Entendeu? Uma alternativa para isso é que... não dá para ter mais músicas. Eu acho que é uma cagada.

2: Eu acho que a coisa das duplas... porque daí, seria discutido também, entende? Porque daí, a pessoa não
ficaria tão sozinha.

10: É. Não foi nem no sentido de tipo: “Vou trocar a pessoa, sabe?”, mas assim... se a gente for imaginar
que, ah... de repente tal pessoa não veio... tipo...

0: Sempre tem a dupla.

10: É. Não ter que ser aquela coisa de ser...

0: Mas ter duas ..... Vocês não são obrigados a estar aqui no semestre que vem. Independente de
271

quem estiver, um outro grupo que seja: Valeria a pena ter dois grupos simultâneos fazendo? Porque
teriam mais ocupações para todos. Dois grupos...

4: Mas será que tem criança para isso?

0: Não sei.

2: É. Eu pensei assim: Eu acho que a coisa da dupla, eu acho legal e eu acho que trabalhar em dupla
sempre é positivo, tipo.... Pra você durante a semana, você vai levar tarefa de preparar aula, discutir o
que é a pessoa enriquece...

0: Contrapõe também, né?

2: Ajuda! E se você chega atrasado, ou não chega se já falta. Ajuda. E outra coisa que eu ia propor: Eu
gostei de quase toda a estrutura. Eu ia falar de ter espaço, não sei também como, talvez Por exemplo,
eu penso numa atividade. Em vez de eu só trazer, tipo: “Surpresa! Trouxe” e aplico direto, ou seja, vocês
só viram o que eu planejei. A gente comentou que a gente ia fazer mais na hora de eu pensar, trazer e
a gente discutir o que foi pensado, entendeu. Mas não sei, porque daí, a gente teria que antecipar o
planejamento em duas semanas, né?

0: Não. Até daria. Ou...

2: Eu digo, para a gente poder compartilhar as atividades que eu estou pensando, em vez de a pessoa
só assistir...

0: Bom na prática eu acho que até pode ser, mas a gente teria um problema com o tempo. Porque não
é muito tempo. É pouco tempo, né? Na verdade, assim para pensar em todos. Porque a gente está em
média em seis atividades por aula. Se a gente fosse experimentar a aula, aí não daria tempo de
experimentar, planejar e avaliar. Alguma coisa ficaria dispersa. Mas eu acho que se entrassem as duplas,
ou os trios por repertório, você já teria alguém para fazer isso. Que não fosse necessariamente aqui. E
se houvesse uma dúvida grande do grupo, aí a gente descobriria isso no grupo.

2: É que, também, a gente faz a reflexão posterior, que também é válida, né? De: “Viu a atividade, aí
você faz ”.

0: Não. Mas eu entendo. É importante agente fazer ela. Tipo. Se a gente não tivesse falado na segunda
noite sobre o desenho dos peixes porque a gente meio que conversou sobre isso à noite, né? Tipo: “Ah,
tá! É isso. Deixa eu ver essa ideia.”

2: Porque eu, por exemplo, além de vir mais insegura... porque é uma coisa que você pensa sozinho. E
você não sabe se funciona, se vai. Aí eu recorri a você, né?

0: Mas é que foi uma coisa, um ponto. Mas eu acho que pode ser que com os grupos isso seja uma
alternativa mesmo. Participar mais e que tenha mais alguém. E a gente poderia diminuir o tempo,
também, de Porque o que que aconteceu? A gente teve dois momentos. No primeiro momento a gente
ficava bastante tempo discutindo o que acontecia e teve menos tempo para falar o que ia vir. 2: É. Às
vezes ficava mais vago, né?

0: Mais vago. É. As pessoas ficavam responsáveis por organizar e mandar por e-mail e eu mandava
depois o que a pessoa decidiu. Pode ser também que a gente diminua com o tempo essa observação e
vai. o que foi os dois últimos encontros. Mudou um pouco. A gente ficou mais tempo pensando no que
vai fazer, né? Mas tá! Até achar esse equilíbrio. Mas eu ainda acho que, se juntar as pessoas, já dá uma
aliviada. Não sei se resolve, né? Mais alguém quer comentar alguma coisa sobre estrutura, sugestões?

2: Eu gostei bastante das seis aulas fixas. Do fato de aí a gente circular bastante, né? Porque daí a gente
272

tem referência das outras etapas. Eu fiquei só com o repertório na parte fixa, mas pude vivenciar o
aquecimento vocal na outra...

0: É. As primeiras seis semanas foi mais louco, né? Porque todo mundo teve que fazer quase tudo, de uma
maneira geral.

10: Eu gostei bastante:

2: É mais desafiador.

0: Mas é que a gente teve um cenário perfeito, né? (Em) que a gente pode dar a mesma aula. Assim... não
era uma questão. É o que é o processo longo. Que é o que é mais fácil de fazer, porque é o que nós estamos
habituados a fazer, que é oficina. De uma maneira geral nós sabemos dar oficinas. Você sabe... você
conseguiria dar uma oficina.

2: É. O difícil é você fazer o contínuo. Pode ser que dois grupos realmente, aqui não tenha. Poderia ser um
grupo aqui e um grupo no CECI, mesmo que com crianças pequenas. Alguma prática vocal...

2: Isso seria legal, eu acho, de dividir. Porque eu não sei o quanto o laboratório também vai ter mais gente,
talvez, né?

0: Não sei. Eu acho que nunca vai ser mais que isso. Acho que serão outros, normalmente. Não sou apegado.
Eu acho que acontece isso. Tem mais chance de ter alternância, do que a superlotação. Principalmente
porque não tem nenhum vínculo. É que é assim: Ele foi feito, estruturalmente, para os alunos do segundo
ano na grade horária, que eles também não estão aqui.

8: Tão sim. Aqui, ó!

0: Ah! É verdade. Então até que deu certo.

0: Qual que é a perspectiva da profissionalização em regência coral, para vocês, em relação a antes e depois?
Assim... tipo... Era uma coisa que você, até, na fala de vocês, vocês até pensavam sobre, mas vocês entendem
que é real? É possível? É um espaço? O que vocês acham?

2: Eu acho que sim. Assim... para mim, eu já tive uma experiência prévia, mas eu acho muito mais inseguro
eu ir sem base, do que se eu encarar hoje, né? Eu acho. E, bom... eu sempre fico muito na perspectiva. Então
eu acho que ainda mais, assim.

10: Eu acho que tem uma fala muito forte, assim, no IA, da coisa assim: “Quem rege é o regente, quem rege
é o regente, quem rege é o regente”...

0: Ah! Tem esse... o ícone, né?

10: Exatamente! E, principalmente para a gente da licenciatura, que existe o madrigal. A gente no madrigal...
a gente é tipo rato de laboratório. É só isso, né.

0: O madrigal que você fala, é o que quem tem que fazer iniciação à regência, tem que cantar no madrigal?

10: É. E essa fala, assim, né... que ecoa, né? Para mim ficou uma coisa assim: “Ai! Eu não posso reger, então,
porque eu estou fazendo licenciatura”, “Eu não sei fazer isso”, “Quem sabe é o regente”. Aí, com o LARCI
aqui, eu vi que eu tenho muitas possibilidades. Acho que, inclusive, em alguns casos, melhor que os
regentes... porque eles só abanam o braço para a gente.

0: pessoal, o tempo está encerrando, mas alguém pensa que trabalhar no coral infantil profissional é uma
possibilidade.

Todos afirmaram que sim.


273

Anexo 3. Entrevista estagiárias/os II

0: O que que levou você a se inscrever aqui no programa? Como você viu? Se você esteve em alguma
reunião? Alguém te avisou?

13: É. Você foi lá no coral e avisou. Aí, no dia que você avisou, eu olhei, vi a sua propaganda e achei da hora. O
que me atraiu foi principalmente a questão de que eu não tinha experiência em dar aula, ou coisa assim, e
ver as crianças na sala de aula. Então isso foi o que me interessou.

14: Eu pretendo seguir a área de canto coral mesmo. Então já era um interesse meu e, aí, quando eu vi que
você estava dando essa oficina eu achei bem bacana, porque seria o meu primeiro contado com regência
coral mesmo. Eu já tinha feito o curso, mas nunca tinha colocado em prática e achei uma oportunidade
muito boa de conseguir colocar em prática algumas coisas que eu já tinha visto, e para aprender mais coisas
também. Coincidiu que eu também comecei a reger outros três grupos nesse ano. Então foi bem bom
praticar, conversar, debater algumas ideias aqui. Mesmo que não tinha tanto a ver com as crianças, mas sim
com a regência coral. Porque eu acho que falta para quem é da licenciatura.

0: Qual é a diferença entre participar do LARCI, comparado com o que é oferecido no curso de licenciatura
de vocês?

13: Ah! Tem uma diferença bem grande. Começa que essa disciplina, ela funciona de forma mais prática,
obviamente... e vinculada à disciplina. Não, necessariamente, Pedagoga e Didática Musical, que é uma
disciplina que (se) propõe a falar de pedagogia e que tem uma parte de estágio de observação e o estágio
não é vinculado à professora e tudo o mais. Então você tem que ir atrás do seu. Essa disciplina, ela é útil
nesse sentido, né? Ela propõe a prática e eu acho que é o diferencial, assim. Não tem no curso de música.

14: Eu acho que a liberdade de poder experimentar, né? No curso a gente fica muito ligado à questão teórica,
muito sentado na cadeirinha debatendo quais vão ser os pontos a serem trabalhados, quais as reações de
uma criança, como que acontece isso e a gente não vê. Então, se a gente não vê, a gente nunca vai saber se
é isso mesmo que acontece ou não. As pessoas podem falar várias coisas de referências bibliográficas “x”,
super “tops” e a gente pode ver que, às vezes, no ambiente que a gente vai trabalhar, isso não funcione.
Porque, na prática, a teoria é outra.

13: É verdade.

0: Entendi.

13: Eu acho que ela é retirada da prática, né? Para falar de aula, com certeza! Tem também a questão de
que... eu acho que, de certa forma, nós que fizemos parte da oficina, a gente tem para dizer que nos anos
de graduação a gente teve essa experiência, que é uma coisa que agrega na nossa formação.

0: O fato de ter participado?

13: É.

14: Com Certeza!

0: Como vocês compreendem as questões da quantidade de disciplinas eletivas e obrigatórias?

13: Eu tenho uma facilidade... porque como eu fazia XX antes de entrar na música, eu eliminei várias coisas,
tipo... mais de eletiva. Eu eliminei línguas e eliminei algumas eletivas. Mas isso não...

0: Mas isso é a menor parte. Tirou assim... nove por cento.

13: É. É tipo bem pequeno. Mas assim... até agora eu não tive a oportunidade de ver o que eu eliminei,
porque o curso inteiro foi só obrigatório. O Primeiro semestre foi a grade que eles montaram, mas no
274

segundo semestre eu já tive trinta, trinta e dois, trinta e quatro créditos e nesse semestre eu já estou
fazendo trinta e quatro créditos de novo.

0: O que você acha disso? Você se sente como em relação à sua formação°

13: Eu acho que o curso de música, de licenciatura em música... eu fazia teorias literárias, antes... então eu
acho ele um curso bem melhor. Tipo assim... ele é incomparavelmente melhor que o curso de teorias
literárias. Não tem... sabe... são coisas totalmente diferentes. Parece que um é da Unicamp e o outro é,
tipo... nada a ver, mas, justamente porque são cursos inversos: o curso de estudos literários só tem eletivas e
o curso de música só tem obrigatórias, por exemplo. Eu acho que a quantidade de obrigatórias que a gente
tem, e quais elas são, são coisas que podem ser repensadas a longo prazo, ou também a curto prazo. Eu acho
que a gente tem muita aula... muita hora aula e muita matéria que é teórica e, por isso mesmo, tem muita
prova e trabalho. Eu sinto falta de disciplinas práticas que voltem a gente para a educação musical, por
exemplo, e que também, tipo... não necessariamente tenha, tipo... O LARCI é uma disciplina que, se tivesse
uma disciplina assim na graduação, seria uma disciplina que teria esse componente prático de a gente
conseguir dar aula e ser avaliado no, sei lá... numa avaliação mais formativa, mais processual, e não precisar
ficar fazendo trabalho teórico de dez páginas, que é uma coisa que não dá tempo de fazer.

0: Entendi. Não ficaria para o fim, essa loucura.

13: É.

0: Entendi. E você (14)? O que que você acha?

14: Eu acho muito sobrecarregado. Até me questionei se eu viria aqui, porque eu, querendo ou não, estou
atrasando uma matéria que é o Inglês Instrumental, que eu teria que fazer nesse horário de terça, das oito às
dez, e quinta das oito às dez. Então seriam dois horários que eu teria que me abster de qualquer outra
atividade para fazer essa obrigatória. Só que eu coloquei na balança o porquê que eu precisava fazer o LARCI
e o porquê que eu precisava fazer o inglês agora, e eu optei por aqui. Mas, se for ver, a gente fica em uma
sinuca de bico. Entre poder pegar coisas que vão agregar ao nosso cotidiano como profissionais, e no que a
gente tem que cumprir obrigatoriamente porque a gente é do curso. Só que eu, por exemplo, já sei muito
bem o que eu quero, então isso me facilita. Mas, eu fico pensando: alguém que está na licenciatura e não
sabe se vai mais para a musicalização, se quer trabalhar mais com a questão de aula particular, se quer dar
aula de instrumento... e você não pode priorizar as coisas que você quer. Você não pode dar uma direção
para o seu estudo. Eu acredito que no estudo da faculdade você tem que dar uma direção, porque não dá
para você ser bom em tudo. Já está provado, isso, né?

0: A gente comentou no outro grupo que no bacharelado isso é um pouco mais claro; o que a pessoa precisa
saber e estudar. Você fica lá tocando violino dez horas e é isso que você tem que fazer. Na licenciatura tem
uma sobrecarga de matérias e, no fundo, mesmo assim, ainda acarreta que, ao longo do semestre, pode ser
que a gente não saiba muito bem o que ficar fazendo. Né? Você vai ficar lendo um livro? Você vai ficar
estudando música?

13: É. Eu, profissionalmente, particularmente ainda não tenho uma certeza, porque realmente é isso, assim.
A gente tem um curso que tem muito conteúdo... acho que dos cursos de música ... não sei se incluso a
regência, mas em relação aos cursos de bacharelado, a gente tem muito mais créditos, a gente tem muito
mais coisas para fazer. É engraçado isso, porque, às vezes, a gente forma um grupo musical...Eu
particularmente, sou uma pessoa que sempre gostei muito de tocar e eu gosto de tocar em grupo, gosto de
estar por aí tocando. A gente formou, por exemplo, o grupo: eu, ela, o Leandro e uma amiga nossa do
bacharelado... e a nossa amiga do bacharelado, por mais que faça várias outras coisas, exigiu da gente um
comprometimento que a gente não tinha tempo de ter. Acho que só porque ela não é do nosso curso, ela
não sabe como é que é. Porque se ela soubesse mais um pouco sobre como os nossoS créditos são, da nossa
carga horária, não ia rolar isso.

0: E os estágios.
275

13: Que são três, né?

0: É. São três anos de estágio. Você começou agora. Você vai fazer estágio até o fim. E vai aumentar as horas,
né? Ano que vem são setenta por cento.

14: E tem uma outra questão também, que o XX falou... da questão de tocar. Eu vejo bastante dessa
característica em mim e nele, né? Tipo... a gente gosta da música também, a gente não gosta só da educação
musical. A gente quer ser músico, a gente quer tocar, a gente quer estar aí tocando com a galera do bacharel,
porque, meu... a gente faz um curso de música e isso tem que vir em primeiro lugar. Antes de você ser
professor, você tem que ser alguma coisa antes, né? Você tem que ser geólogo, você tem que ser historiador
para depois poder dar aula disso, né? Eu acredito que você tem que ter um conhecimento.

0: Você sente que no curso de licenciatura, o fazer musical está meio...

14: Jogado de lado. Displicente.

13: Vou dar um exemplo. A oficina de percussão aplicada, é uma disciplina muito boa. Eu acho que foi uma
das melhores disciplinas desse semestre. Porque ele se propões a dar uma aula que fosse simples, direta e
clara e ensinou para a gente vários instrumentos, assim... o básico do básico. Mas eu sinto falta de poder,
por exemplo, ter um acompanhamento com algum instrumento. É claro que a gente não está falando da
mesma realidade de outros países que têm um investimento em educação a nível superior, também, mais
elevado...

0: O que vocês acham que vocês levam daqui para o curso de vocês, lá? E o que vocês conseguem imaginar
que vocês usaram, de lá, aqui?

13: Bom Eu vou dar exemplo da Pedagogia e Didática Musical. Por que a XX, ela falou de autorregulação,
de... dessas coisas, também, que a XX, né na FE falou. Sobre planejamento e sobre replanejamento,
autoavaliação. Eu acho que esses conceitos, essas ideias, deu pra ver já aqui sendo aplicado. Antes mesmo
de a gente aprender lá.... Porque desde o início a gente vai fazendo exatamente, né isso. Acho que nos
primeiros cinco encontros, assim foi tipo um universo novo que surgiu, porque um monte de coisa que eu
não sabia, eu comecei a aprender logo na primeira aula que a gente fez aqui. Em dez, quinze minutos a gente
já tava tendo contato com coisas que (eu) não imaginava como é que ia ser. E daí, quando a gente volta para
a aula de Pedagogia e Didática musical, a gente vê tudo que a gente viu aqui, falado lá, mas de forma teórica.
Então eu acho que tem uma troca legal, assim. Provavelmente outras disciplinas também. É porque, tipo
assim O curso de licenciatura, o que eu acho ótimo, ele é voltado para a educação do ensino regular, né?
Então, uma coisa que acontece muito é (de) as pessoas entrarem no curso pensando em dar aula de
instrumento e tudo o mais que eu acho que a metodologia, ela varia muito, né? Ela tem que ser sempre
readaptada, reapropriada os métodos que tem por aí, também. A pessoa vai dar aula de piano, aí vai pegar
o método lá: “Piano virtuoso”, aí tem que readaptar tudo, porque não funciona. E, acho que, aqui. aula
para tantas crianças, a gente tendo que se readaptar toda hora, as crianças saindo quando quiserem, as
crianças tendo idade que a gente não sabe... aleatória Tudo isso, acho que, ajuda a gente a aprender a ter
ferramenta para adaptar o nosso planejamento, a nossa avaliação. tudo isso.

14: É. Eu acho que essa questão da Didática e Pedagogia Musical foi bem importante, assim essa matéria, a
gente estar fazendo em conjunto com aqui. Foi a primeira são quatro, né? A gente está na primeira.

0: Depois tem Estágio I e II.

14: É verdade. Então... e eu achei legal. dessa da gente ver a teoria em um dia e executar aqui várias
coisas, levar as coisas que a gente executou e entender um pouco o que que aconteceu também, né? Tem
essa questão posterior da avaliação. Também, acho que a questão de ver o quanto é ruim algumas coisas
que a gente tem na faculdade. Por exemplo: a disciplina de coral. Como está fraco, né? Porque a gente não
tem um aquecimento, direito, lá. E, aqui, a gente vê, assim “como você deve fazer”, e lá “como você não
276

deve fazer”. Eu acho isso importante; ter gente que saiba o que está fazendo. Porque é complicado achar
que aquilo é um coral. Num nível de graduação para pessoas que vão ser músicos. Talvez não sejam
coralistas...

0: É muito amador?

14: É horrível!

13: Mas, depois da apresentação do madrigal, foi, até que... É que, assim gente... as pessoas... a gente tem
esse ouvido. Vou dar um exemplo: A gente cantou o madrigal lá, da disciplina do XX, logo em seguida cantou o
coral. O coral desafinava, tipo... na apresentação final. Mas quando eu falo que desafinava, é porque tinha
cinquenta, sessenta pessoas cantando branco, rápido e em alemão. Aí, tipo assim... eu olhei e falei assim:
“Maravilhoso!”. Eu olhei o resultado do coral e falei: “Palmas para a regente!”, porque eu boto fé que deva
ser difícil estar no lugar dela.

0: É. Mas ela poderia ter feito outra coisa, né?

13: Eu boto a maior fé, entendeu? Porque quando eu fui...

0: Eu acho melhor ela escolher um repertório que você consegue...

14: Eu também penso isso...

13: Também acho. Ela escolheu um repertório em espanhol, quando eu fui aluno dela no coral, e foi
impossível de cantar algumas coisas por causa do espanhol e ler a partitura ao mesmo tempo... uma música
modal em espanhol em seis por oito. Você tá lá estudando outras coisas... música brasileira nada a ver e, sei
lá.... E também, tipo... a parte que sempre me incomodou é exatamente o que a XX falou: aquecimento,
mano! Eu acho imprescindível que tenha, pelo menos, trinta minutos de aquecimento. Em todo coro.

0: Mas é que para fazer esse repertório, vocês não iriam dar conta dela fazer esse tempo de aquecimento,
porque fica um semestre inteiro lendo uma partitura. Demora muito para ler.

13: É. Tem que melhorar a metodologia, ou melhorar o repertório.

14: Acho que para a graduação também, foi legal a gente ter feito aqui e falado com outras pessoas. Porque
muita gente se interessou, tipo: “É! Você está fazendo o LARCI?”, e eu falei, tipo: “Tô!”. Várias pessoas
querem... tipo, procurando... perguntaram como é que é e tal. Porque, assim... É a oportunidade do aluno
da licenciatura ter uma aula prática. E, não que seja fácil vir aqui todo dia, mas, querendo ou não, para mim,
é um prazer vir aqui, sabe? É uma hora que eu dedico, não só para a minha profissão, mas para o meu fazer
musical... que eu gosto de estar fazendo.

14: Sabe uma coisa que me ajudou muito? Eu nunca fiz música em grupo, assim... “Vou fazer música em
grupo”... Eu sempre toquei na igreja.

0: Não. Mas você sempre cantou em coro. O seu ouvido faz assim: “Puc!”.

13: E grupo da igreja também é grupo. Assim.... por mais que não seja a mesma coisa...

0: É. O pessoal da igreja... aquela menina que toca... que é pianista.

13: Manda muito! A XX, por exemplo.

0: ela se vira nos trinta super bem.

13: É que você não viu no dia que teve uma disciplina lá, que a XX deu... de piano para a gente. E no recital
final da disciplina ela tocou uma composição dela. Parecei Beethoven. Parecia Beethoven, mano. Na moral.

0: Mas ela já entrava nessa... ela já sabia tocar.

13: É. Ela manda bem.


277

14: Ela sabe... Ela não é...

0: O que vocês fizeram aqui no LARCI que vocês acham que vocês aprenderam? O que que vocês avaliam...
não da estrutura, né... mas da atuação de vocês aqui? O que vocês fizeram? Conversar um pouco, também,
se vocês viram nos outros...

14: Eu aprendi a lidar com criança, mesmo. Porque eu nunca tinha lidado. Nunca tive essa questão de ter
um público com uma idade tão...

0: Eles eram pequenos, né?

14: É. Acho dificílimo trabalhar. Acho mais difícil com crianças, do que com jovem, adolescente, adulto. Eu
prefiro. Tem mais facilidade de comunicação, tal. Para mim foi difícil fazer o lúdico... fazer muito lúdico.
Porque eu não sou. eu sou mais prática. Então trabalhou uma questão que eu precisava, e preciso
trabalhar mais. Então foi bem baca...

0: Você percebeu isso em você, né?

14: É. Eu achei bem bacana. E olhar como os outros estavam fazendo, também me auxiliou... ver gente
que conseguiu fazer funcionar, tipo... encantar as crianças e elas quererem fazer, cantar a música...

13: Às veze por uma diferença, né? Não é que a atividade... é a mesma coisa...

14: Só que a forma de você lidar, às vezes, acho que às vezes é excessivo, né? Também teve coisas que eu
não gostei. Tipo, nossa! Podia ser menos. Manos infantilizado. Mas teve coisas que eu achei importante eu
ver, assim, e que funcionam, né? Por mais que eu não goste, eu acho que funciona e tem que fazer. Ou
buscar uma coisa que eu goste e que funcione também.

13: Eu fui uma das pessoas que, talvez, mais observou, assim. Eu diria que... bom em termos práticos, eu
acho que aprendi bastante em relação a... por exemplo. como levar esse som conjunto para as crianças,
porque... por exemplo. as crianças estão ligadas a coisas rítmicas mais simples, tipo, um batidão de violão,
assim. Não adianta tocar muito dedilhado de violão na aula, ali. Então... tipo... essas coisas, assim, básicas...
de fazer o som ali para correpetir, para o professor ministrar a atividade, acho que me agregou bastante. Da
observação dos outros professores, também acho que teve uma coisa curiosa: cada um leva de um jeito
muito diferente, as atividades. A XX, por exemplo, tem um jeito de levar as coisas, o XX teve outro jeito de
ensinar a mesma música, antes de ela ensinar que foi totalmente diferente. E cada um vai tentando adaptar
essa maneira de fazer, conforme o tempo passa, né? Enfrentando essas dificuldades todas. Eu acho que...
não sei. nesse sentido, ver as pessoas fazendo me levou, também, a ver uma maneira de como eu poderia
levar uma atividade como essa. Só que é muito, assim é uma coisa muito prática. Na hora você tem o
planejamento, você tem uma avaliação toda e as circunstâncias podem te forçar a ter que refazer tudo. Igual
àquela vez que chegou uma galera de treze anos aqui. Porque, assim se não fosse por você (0), Não teria
tido aula nenhuma, né? A gente não estava preparado para dar aquela aula.

0: O que que vocês acham... que além de trazer essa experiência prática que discute isso, vocês encaram o
LARCI como importante? Ou esse modelo de formação, (como importante)? Como ter mais, né? Teriam
outras coisas? Tipo sugestões...

14: Ah! Acho que é bem importante. Poderia continuar o projeto. Tipo... ser uma oficina...

0 Regular?

14: É. Um projeto de extensão regular, ou um Tópico Especial... acho que talvez nem contando créditos.
Assim... contar créditos é chamativo, né? Para os alunos irem participar...

0: Principalmente no meio dessa loucura, né?


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14: É. Porque, querendo ou não, isso pesa, né? Tipo. é uma manhã que a gente tira para vir aqui. Mas eu
acho que deveria continuar o laboratório, não só para o benefício da gente que está estudando, mas para o
benefício das crianças. O trabalho coral, ele não tem como ser feito só seis meses. Não tem como a gente
chamar aquilo: “Ah! A gente fez um coral”. Não! Coral é um processo gradativo. Acho muito importante
continuar e ver o tanto de mudanças que ele pode ter, tanto na educação... aqui, quanto nas relações
pessoais. Eu acredito na música, não só como puramente ensino de música; teoria e técnica, mas sim na
questão pessoal também. Na questão do desenvolvimento da criança...

0: Mas você acha que dá para manter esse modelo em outros... 14:

Outros espaços?

0: É... a estrutura do modelo? O fato de a gente... se reúne, passa a música, combina coisas, faz o ensaio,
depois fala sobre ele. Essa estrutura.

14: Ah! A estrutura, eu achei bacana também. Eu acho que falta, talvez, a prática dos professores... não sei. 0:

Mais tempo de prática deles?

14: É. Mais tempo de formação nossa.

0: Mas no sentido da prática, eles sentiram falta de poder experimentar mais o que eles iam fazer com os
professores.

14: Também!

0: Só que precisaria de muito tempo.

14: É. Precisaria. Seria tipo pegar a aula do XX e fazer tudo de novo.

: Tudo de novo. Porque a gente fica um tempo na parte musical. Um bom tempo a gente ficou corrigindo
coisa musical.

14: É. Isso, na verdade...

13: Eu acho que, a longo prazo, se considerar que as crianças têm uma faixa etária variada... porque aí
surgem vários problemas, né? Por exemplo, para a gente, como aluno da licenciatura, é muito bom uma
disciplina assim. Eu acho que ela é mais útil para a formação de professores do que outras disciplinas de
pedagogia que são obrigatórias no curso. Mas existem outras problemáticas também, em relação às
crianças. Tipo... uma criança de seis a dez anos e daí, tipo... esse ano ela veio lá, ela fez a oficina, no semestre
que vem ela vai fazer a oficina No semestre que vem ela já vai ter aprendido algumas coisas, daí outras coisas
entram... vão ter aprendido. vão estar em outro nível, né?

0: Aí vai querer voltar a ensinar coisas que alguns já fizeram, né?

13: É, mas o esquema de cantar, eu acho... de ter um repertório, formar, eu acho que já ajuda, também, um
pouco nisso. Porque o repertório vai mudando e não vai ficando, também, tão cansativo. 0: Mudam os
regentes também.

14: É. Eu acho que, assim, se você conseguir formar um grupo legal, assim, bom os que chegarem vão
acompanhando, assim, meio aos poucos vão conseguir. Se você tiver uma base sólida, os que vierem vão
continuar o trabalho. Eu acho que a gente conseguiu, por mais difícil que tenha sido, manter um grupinho
mais fixo. Eu acho que, assim as pessoas que foram chegando, foram conseguindo acompanhar porque tinha
esse grupo aqui com a gente.

0: Tinha algumas que vinha sempre. Uma coisa também, dos vídeos, é que elas aprenderam boas partes das
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músicas... eu acho que dentro desse contexto em que elas não vinham sempre, né? E onde os professores
estavam aprendendo juntos eu acho que rolou, até.

14: Eu também achei que rolou.

0: A gente vai conseguir apresentar algumas coisas.

14: Eu achei que ia ser muito bacana.

13: E dá para trabalhara vários aspectos da sonoridade do grupo junto, mesmo que seja um grupo que não
tenha se repetido sempre com as mesmas pessoas, mesmo número, mesma...

0: Tem um perfil vocal também, né?

13: E tem também, tipo... várias crianças que tiveram uma frequência, que voltaram e que você conseguia
observar, tipo... quando tava o som do conjunto, vários aspectos...

0: As que vinham muito, também dava para identificar que elas sabiam mais.

13: É. Lembravam letra, coreografia, participavam da...

14: Tinha mais empatia com a gente...

0: Mais íntimo, né? Tem uma coisa de possibilidades, também, de como fazer com que muitos... é que aqui,
no caso, também tinha mais professores do que... também eram muitos, né? De algum jeito de equilibrar
melhor a participação, mas ao mesmo tempo, também, se colocasse duas salas, pode ser que não
houvessem crianças suficientes...

14: Eu acho que não conseguiria.

0: Eu também acho que não. Teria que ser, acho que de duas vezes por semana, de repente. E então um
grupo atende as crianças...

13: As oficinas são duas vezes por semana, não são?

0: Aqui eles têm todo dia.

13: Todo dia? Nossa! Se fosse duas vezes por semana, isso ia ser muito interessante. 0:

Aí alternava o grupo...

13: É.

14: É, então. Eu gosto disso, mas ao mesmo tempo, fico um pouco receosa à questão de... tipo...

0: Deixar para a galera fazer, né?

14: É. Eu não sei. Essa questão de confundir as crianças mesmo, tipo: “Ai! O que que eu tenho que fazer,
assim? ”.

13: O grupo, que você fala, é o grupo de regentes, né?

0: É. Mas eles poderiam fazer coisas diferentes, aulas diferentes, não o mesmo curso.

14: Ah! Isso acho que isso funcionaria.

0: Não daria para ser o mesmo curso. O da segunda ensina uma coisa, o da quarta ensina outra coisa. Não é
continuação. Porque a gente jamais iria conseguir um registro maravilhoso do grupo saber onde estava...

13: Ia ser a avaliação de um professor versus a avaliação de outro professor.

0: É. E (também) de saber onde está. Não dá. Uma coisa que o outro grupo sugeriu é que a gente colocasse
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duas pessoas por música, ao invés de uma por música.

13: Eu acho que seria bem interessante também.

0: Isso já ajudava a pessoa a ter com quem ela conversar durante a semana para preparar a música e,
também, cobriria a falta em uma emergência. Ao invés de separar os dois grupos. Mas, aí, isso vai depender
de quem vem, quem não vem...

14: E também é difícil trabalhar em dupla. Ainda mais quando você fala de música... é... quando você quer
um resultado musical e seu parceiro, talvez, queira outro.

0: É que a tendência é que... vocês se conhecem... é que você entraria em uma dupla que você queira. Eu
não acho que... é. Porque, como escolhe a música, poucas as chances de você escolher... porque eu não
escolheria as duplas... de você cair em uma dupla que não tivesse tanta afinidade. E, como somos muitos,
isso se resolveria rápido, eu acho. Do tipo: “Gente! Não está rolando. Vamos trocar”.

14: É. Sinceramente, na correpetição da música que eu trabalhei, eu queria falar assim: “Olha! Vamos trocar”

0: Mas eu acho que se ela não aprendesse a tocar a música mais para frente, ela não iria tocar na
apresentação. Em nenhuma hipótese. Seria tocado por outra pessoa na apresentação. Um pouco antes, até.
É que, ao mesmo tempo, tem que dar aquela chance, né?

14: Não... é. Eu acho que que, assim... no seu papel... é fundamental e você fez o que você tinha que ter
feito. É que, assim... Não tem o que a gente fazer, né? A gente fica vendo que não tá funcionando e a gente
sabe fazer, aí a gente fica...

0: É difícil, mas eu te entendo também. A gente teve essa questão de resolver esse ponto da música, é difícil.
Porque se a gente não tivesse que resolver questões musicais, se chegasse a falasse sobre como ensinar as
crianças e as ideias viessem mais prontas, tipo: “A música é assim, o arranjo é esse, tenho essa ideia”... não.
Aqui a gente tem que construir. Foi interessante também. Como que a gente escolhe o repertório? Quais os
pontos levados? Depois que escolhe, como lê? Tipo assim: “Ah! Agora essa música... qual a dificuldade
dela?”, “Agora vamos montar uma performance que faça sentido”. É um processo também, né? Só que
andaria mais rápido se tivesse uma oportunidade de se pular. Porque, também, não se resolve na hora. Não
é uma questão só assim: “Ah! A gente está um som caído”. A vantagem é que as crianças também demoram
para aprender. Aí você repete bastante. A pessoa tem essa oportunidade. Não, mas eu te entendo. Vocês
queriam colocar mais alguma coisa?

14: Ah. Eu acho que eu queria agradecer a oportunidade. Eu achei bem bacana estar trabalhando aqui.

0: Eu espero ter sido útil, né?

13: Foi bastante.

14: Foi muito útil. Além de útil, assim... agregar à nossa vivência musical, né? A oportunidade de a gente
poder tocar aqui, de poder reger e de poder conhecer um repertório diferente. Foi muito bacana. O que eu
gostei muito, assim, para mim, é a questão das suas falas sobre técnica vocal. Eu adorei. Me engrandeceu
muito à questão de como lidar com criança. Eu gosto da forma como você trabalha. Acho muito clara e
sucinta... no ponto que precisa ir, se enrolação, sem volta. Eu gosto de um trabalho assim: conciso.

0: Que vai reto, né?

14: Isso. E que espelha você.

0: Ah! Que bom! É isso, gente. Obrigado! Queria agradecer a vocês pelo semestre.
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Anexo 4. Partitura “Lamento da Lavadeira”
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Anexo 5. Partitura “Garota do Tacacá”
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Anexo 6. Parecer Consubstanciado do CEP
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