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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Epistemologia das Ciências Sociais – CSO7304


Docente: Rodrigo da Rosa Bordignon
Discente: Laura Battisti

RESUMO DO ARTIGO “GÊNERO: UMA CATEGORIA ÚTIL PARA


ANÁLISE HISTÓRICA”
O artigo “Gênero: uma categoria útil para análise histórica”, da autora Joan Wallach
Scott, é um importante instrumento para analisarmos o contínuo processo de busca de
legitimação acadêmica para os estudos feministas. Esta autora é uma respeitável historiadora
norte-americana, nascida em 1941, dedicando sua pesquisa a história das mulheres a partir da
perspectiva de gênero.
Inicialmente, Scott aponta que a percepção das palavras é histórica, ou seja, não é
possível fixar um significado e nem codificar seu sentido sem dar importância ao jogo da
imaginação humana. Assim, a autora observa uma mudança recente na utilização da palavra
“gênero”, a qual vem sendo usada em um sentido mais literal, para demonstrar a organização
social da relação entre os sexos. A historiadora aponta que esse uso se deu primeiro entre as
feministas americanas, com o objetivo de rejeitar o determinismo biológico que está implícito
nas palavras “sexo” ou “diferença sexual”. Ainda, o termo “gênero” enfatiza que as distinções
baseadas no sexo são sociais e que há aspectos relacionais nas definições normativas de
feminilidade. Dessa forma, o uso do termo iguala homens e mulheres e não aceita a separação
dos sexos para seu estudo.
O objetivo da autora e das feministas americanas era de criar uma nova história, a qual
incluía a narrativa das oprimidas e que compreendesse as relações de poder envolvidas ao longo
de três eixos. Para isso, seria feita a exposição do leque de papéis e de simbolismos sexuais nas
diferentes sociedades e períodos, incluindo as experiências das mulheres por meio da categoria
de análise de gênero. Diversas abordagens foram feitas para esta nova história, algumas
obtiveram sucesso e outras falharam. Além disso, Scott afirma a inclusão de duas categorias
além do gênero: classe e raça. Estes três termos não têm equivalências semelhantes, todavia são
igualmente relevantes para a criação dessa nova história.
Os/as historiadores/as feministas, em grande maioria, optam pelas formulações
teóricas, ao invés da descrição, para tratar deste assunto. Isto porque, a história das mulheres
possui experiências sociais radicalmente diferentes e os estudos de caso teriam dificilmente
uma perspectiva sintética para análise. Além de que, a abordagem descritiva não busca
transformar, tampouco problematizar os conceitos dominantes, algo que os/as historiadores/as
das mulheres procuram fazer. Esta abordagem do termo não foi feita entre o século XVIII até
o século XX, ou seja, esta atenção teórica dada ao gênero como uma categoria analítica
começou somente no fim do século XX. Desde então, as feministas contemporâneas procuram
reivindicar um certo terreno de definição do termo “gênero”, examinando os métodos existentes
de análise, as hipóteses de trabalho e como ocorrem as mudanças. Estas não só buscam as
origens, como também estudam os processos interconectados ao contrário de isolá-los. Este
esforço tem como objetivo sublinhar a incapacidade das teorias existentes sobre gênero e
explicar, de maneira contundente, as persistentes desigualdades entre homens e mulheres.
Neste contexto, a utilização da palavra “gênero” revela uma conotação mais objetiva
e neutra do que o termo “mulheres”, trazendo mais seriedade aos trabalhos e ajustando-se
melhor à terminologia científica das ciências sociais. Em outras palavras, o termo dissocia-se
da política do feminismo e não assume uma evidente posição sobre a desigualdade ou o poder.
Assim, uma das razões principais para o uso do termo “gênero” é o intuito da legitimação
acadêmica dos estudos feministas. Além deste fator, há o aspecto de que reúne o mundo das
mulheres e o mundo dos homens, não há informações sobre as mulheres sem haver sobre os
homens, um implica o estudo do outro - sobre as relações sociais entre os sexos. Reconhece-se
então, que os “papéis sexuais” e as relações entre os sexos indicam construções culturais, isto
é, são criações totalmente sociais sobre as funções dos homens e das mulheres. Contudo, a
autora ressalta a importância de não se ater apenas a esta identificação, sendo necessário estudar
e compreender as razões que levaram a construção desses papéis, para poder entender como
elas funcionam e como mudá-las.
Na análise do gênero, três posições teóricas se destacaram. A primeira abordagem é
uma tentativa em explicar as origens do patriarcado. Estas teorias explicam a subordinação das
mulheres devido a “necessidade” masculina de dominar as mulheres. No fim das contas, define
e fixa a fonte das relações desiguais entre os sexos nas próprias relações. Falta assim, uma
explicação atenta de como funciona este sistema. A segunda busca uma análise marxista com
compromisso às críticas feministas. Contudo, esta abordagem falha por não reconhecer ao
gênero um status analítico independente e próprio. Em virtude da corrente marxista, o conceito
de gênero é tratado nesta abordagem como um subproduto de estruturas econômicas
cambiantes. Por último, esta procura explicar a produção e a reprodução da identidade de gênero
dos sujeitos por meio da psicanálise. Estas teorias baseiam-se na influência da experiência
concreta e no papel fundamental da linguagem na comunicação, interpretação e representação
do gênero. Todavia, estas estruturas têm interações relativamente pequenas para produzir tanto
impacto na identidade de gênero, além de não associar o conceito a outros sistemas, como os
econômicos, políticos, sociais ou de poder.
Durante os últimos anos, diversos/as historiadores/as feministas utilizaram destas
teorias para embasar dados, pois demonstram oferecer uma formulação teórica relevante ao
gênero. Contudo, a autora Joan Scott vê estas teorias como pouco utilizáveis pelos/as
historiadores/as. Isto porque, não deixam claro as razões das articulações em termos de uma
divisão sexual do trabalho, também não se atentam às formas que as diferentes sociedades
representam o gênero. Estes aspectos têm relevância para a compreensão das regras de relações
sociais e para a construção do significado da experiência. Dessa forma, para uma apropriada
análise histórica da categoria gênero deve-se dar atenção a realidade social, sem fazer leituras
redutivas dos dados do passado e tampouco fixar as questões relativas ao sujeito individual de
maneira universalizante. Para buscar o significado, precisa-se articular as inter-relações entre o
sujeito individual e a organização social. O gênero não deve ser visto, então, como um
antagonismo que foi produzido subjetivamente entre homens e mulheres, mas sim a associação
destes elementos citados anteriormente. Para que os/as historiadores/ feministas estejam
devidamente preparados para teorizar suas práticas e desenvolver o gênero como uma categoria
analítica, deve-se recusar a construção hierárquica, em seus próprios contextos, da relação entre
masculino e feminino, com o propósito de reverter ou deslocar suas operações, rejeitando um
caráter fixo e permanente da oposição binária.
Em seguida, Scott apresenta sua definição de gênero, dividida em duas partes que se
relacionam, mas devem ser analiticamente diferenciadas. Primeiramente, o gênero é um
elemento constitutivo das relações sociais que advém das diferenças observadas entre os sexos.
Em segundo, o gênero é uma forma primária de manifestação e articulação das relações de
poder. Ainda, o gênero implica elementos como identidade subjetiva, símbolos culturais que
lembram representações simbólicas e conceitos normativos que expressam erroneamente o
significado do homem e da mulher, através de uma oposição binária fixa. Cabe a pesquisa
histórica relacionar estes aspectos de maneira sistemática e precisa.
Para que haja mudanças na organização das relações sociais, precisa-se então que
ocorra alterações nas representações do poder. Isto porque, a posição dominante se apresenta
como a única possível e escreve a história como se essas posições normativas fossem o produto
do consenso social, quando na verdade são resultado do conflito. Assim, o desafio da nova
pesquisa histórica é romper com essa noção de fixidez na representação binária do gênero e
descobrir a origem desta aparência permanente de sua reprodução, examinando como são
construídas estas identidades generificadas e relacionando com as representações sociais
historicamente específicas. Ainda, a análise histórica deve incluir uma concepção de política,
fazendo uma referência das relações de gênero às instituições e organizações sociais. Por fim,
esta nova história, ao sugerir que o gênero deve ser redefinido e reestruturado em associação a
uma perspectiva de igualdade social e política que inclui sexo, classe e raça, possibilita
reflexões sobre estratégias políticas feministas atuais.

REFERÊNCIAS
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. In: BUARQUE DE HOLANDA,
H (org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo,
2019.

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