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7 | wrewse. so anb sarayynur st 2 soraypnt sens werapo sab suawiopy OAs Op vioIe PrEATOy UEsNg “IC UHAIA 4G HAVCMAgIT V UV edd NOY HZINVOOANS VONANSTUINI V UVaadAS OWOD SOOIXOL Siva yong oivao - CUVANIO' Nysns mq | PAIS TOXICOS Pais que provocam dor fisiea ou emocional, ignoram as necessidades, de seus fillios e os sobrecarregam de culpa, so alcodlatras, exploradores ou simplesmente cruéis, causam da- nos itrepardveis. O resultado da ‘‘in- toxieagdo” a que eles submetem os fi Thos € que estes se tornam, ao chegar a idade adulta, pessoas incapazes de alcangar éxito em seus relacionamen- tos, carreira ou decisées. ‘A Dra. Susan Forward, autora de Homens que odeiam suas mulhe- res & as mulheres que 0s amam, exa- mina em seu novo livro a heranga do- lorosa legada por pais téxicos e mos- tra como ¢ possivel enfrenté-la, mes- mo queo filho viva em conflite aber- to com os pais ou tenha tido que su- perar a sua morte. Partindo da premissa que ‘‘vocé jamais responsdvel pelo que the ‘aconteceu como crianga indefesa’, Susan Forward prova que o funda- mental “€ 0 que voc® vai fazer ago- ra”, Thustrado com casos vividos ¢ tes- temunhos reais, este livro apresenta ainda técnicas de auto-ajuda desen- volvidas pela Dra. Forward para scus clientes, incluindo um programa pa- ra vitimas de incesto, Guia para uma vida renovada, Pais téxicos desvenda para o leitor um mundo insuspeita- do de autoconfianga, forya interior € independéncia emocional DRA. SUSAN FORWARD E CRAIG BUCK PAIS TOXICOS Tradugio de ROSE NANIE PIZZINGA 2! EDIGAO Teac Rio de Janeiro - 2001 ‘ital original TOXICPARENTS Copyrigh © 1989 by Susan Forward abled como consantiento de Bantam Books, ums divisfo de ‘Bartem Dovbleday Dll Publishing Group In. Diets parea lings porque reser ‘com encuividade prs Bral 2 'EDITORA ROCCO LTDA ‘ua Rodigo Sta, 26 ~ 3¥andhr 20011010 — Rie de Jane, 8S Tel: 507-2000— Fe. 3072244 ‘emaloeo@roee.com br ‘wonareeco. com be Prnied Brat peso no Brasil prepacaso de oignais, ‘WENDELL SETOBAL ‘car-Basl. Cutslogaso na font Siaieato Nacional dos Baltore de Lives, RI Fisip Forward, Susa0 Pais toxiear Prsingn, Rio de Jncio: Rosco, 1990. ‘Tadugto de: Toxic parents Paine foe. Celngas ~ Maus-tstos— Estado de esos 1, PecolrapiaL Buck, Cai. Hl Tilo, SEN 85-525-0050-1 so-04ie ‘opp —155.6/155 646 {COU — 1599-055 8 150.9-085.621 utanForwatd e Craig Buc; tradugdo de Rose nie AGRADECIMENTOS Foram muitas as pessoas que deram suas importantes contri- buigdes para a realizacao deste trabalho: Meu colaborador, Craig Buck, esctitor dedicado e de stande talento, deu a forma necesséria & estéria que eu que- ria contac. Nina Miller, M-F.C.C., terapeuta de valor incontestével, nio eonomizou tempo, esforco e apoio. Ela é também a amiga ais Ieal que alguém pode ter. Marty Farash,"M.F.C.C., contribuiu grandemente com set vyasto conhecimento em sistemas de familia ‘Meu extraordinério editor, Toni Burbank, foi, como sem: pre, perspicaz, senstvel ¢ compreensivo. Eu no poderia ter tum guia mais calmo para atravessar meus momentos ctiativos imais. conturbados. ' Linda Grey, diretora e editora da Bantam Books, que acte- ditou em mim e no meu trabalho desde 0 inicio, E infinita minha gratidgo aos meus clientes, amigos outros que me confiaram seus mais intimos sentimentos © se- fredos para que outras pessoas pudessem ser ajudadas. No pposso citar seus nomes, mas eles sabem que estou me refe- rindo a eles. ‘Meus filhos, Wendy © Matt, e meus amigos — especial- mente Dorris Gathtid, Don Weisberg, Jeanne Phillips, Basil ‘Anderman, Lynn Fischer ¢ Madelyn Cain — constituem minhas raizes pessoais, ¢ eu os ato muito. Agradego a meu padrasto, Ken Peterson, por seu incen- tivo © generosidade, E finalmente quero agradecer & minha mie, Harriet Pe- terson, por sea amor e apoio, € por ter tido a coragem de mudar. Introdugio. . Capttuto 1: Capitulo 2: Capitulo 5 Capitulo Capituio Capital Capitulo Capitulo Capitulo 9: Capitulo 10: Syaes SUMARIO Primeira Parte PAIS TOXICOS Pais endeusados ..... "S6 porque nao era sua intencé nifiea que no magoasse” . “Pot que eles nao deixam que eu ha propria vida?” ee “Ninguém nesta familia é aleodlatra” . As feridas ficam dentro de nés ..... As vezes as feridas também sio externas ‘A méxima traigio 6 Rane Por que os pais se comportam dessa_ma- neira? é Segunda Parte RECONDUZINDO SUA VIDA Voct no tem que perdoar .. Sou um adulto. Por que no me sinto assim? 23 39 36 79 103 123, 144 it 191 196 Capitulo 11: Os primeicos passos da autodefiniggo .... Capitulo 12: Quem é realmente responsével? Capttulo 15: Confront: 0 caminho para a independéncia Capitulo 14: Curando a ferida do incesto Capitulo 15: Interrompendo o ciclo Epilogo: Abandonando luta . 208 219 237 274 306 317 INTRODUCAO. “£ claro que mew pai costumava me bater, mas so- mente para que eu andasse na linha. Nao vejo o que isto tem a ver com o fracasso do meu casamento.” Gordon Gordon, um bem-sucedido cirurgiéo ortopedista de 38 anos, io ao meu consultério quando sua mulher, casada com ele hd seis anos, 0 abandonou. Ele estava desesperado para que cla voltasse, mas ela The disse que ndo iri sequer pensar no assunto se ele ndo procurasse uma solugéo para seu tempera- mento incontrolével. Ela sentia-se amedrontada com as crises repentinas do marido ¢ estava cansada de ouvir suas eriticas implacdveis. Gordon sabia que tinhe um temperamento forte © que podia ser um chato, mas mesmo assim teve um choque quando a mulher © deixou, Pedi que me falesse dele, ¢ para orientivlo ia fazendo algumas perguntas. Quando indaguei sobre seus pais, dew um sorriso e descreveu um quadro de cores-muito vivas, especial- mente quando falou do pai, um ilustre cardiologista da regio eentro-oeste dos Estados Unidos: “Se no fosse por ele eu nfo seria médico hoje. Ele € 0 melhor. Seus pacientes consideram-no um santo.” Perguntei como era seu relacionamento com o pai agora. Riu nervosamente e respondeu: “Era timo... até que eu Ihe disse que estava pen- sando em fazer clinica geral, Parecia que eu queria ser um assassino, Disse-the isto hd uns trés meses, € agora, toda vez que conversamos ele comeca com seu discurso, dizendo que nfo me mandou para a escola de medicina para que eu me tornasse um curandeiro. As coisas ficaram realmente ruins ontem. Ele ficou aborrecido © pediu que eu esquecesse que um dia jé fiz parte da familia. Aquilo magoou de verdade. Nao sei. Talvez clinica geral nao seja mes- mo uma boa idéia.” Enquanto Gordon descrevia seu pai, que obviamente no era tio maravilhoso como cle gostaria que eu acteditasse que fosse, percebi que apertava as mios nervosamente. Ao se fla- ‘grar nessa atitude, contevese e juntou os dedos sobre a mesa ‘como fazem normalmente os professores. Pareceu-me um gesto copiado do pi Perguntei se seu pai ha sido sempre tao tirano, “No, realmente no. Quer dizer, cle gritava e zan- gava muito comigo, e me batia de vez em quando, (© que acontece com qualquer outra crianga. Mas no © chamaria de tirano.” Alguma coisa na maneira como ele mencionou a palavra batia, uma mudanga emocional sutil em sua voz, chamou mi nha atenco, Pedi que me falasse mais sobre aquilo. Descobri que seu pai the batia dues ou trés vezes por semana com um into! Nao precisava muito para que Gordon levasse uma sur- ra: uma teimosia, um boletim com notas abaixo da média ou ‘uma tarefa que ele esquecesse de cumprir, tudo constitufa um “crime” venal. Seu pai também nao se preocupava quanto 20 Jugar em que espancava 0 filho; Gordon se lembrava de tet 10 apanhado nas costas, pernas, bracos, méos e nidegas. Per- guntei até que ponto scu pai tinha Ihe machucado. Gordon: Eu nao sangrava ou coisa parecida. Quer dizer, no final eu ficava bem. Ele s6 pre- cisava me manter na linha. Susan: Mas vooé tinha muito medo dele, nfo ? Gordon: Moria de medo. Mas nfo é assim que a gonte tem que se sentir com relagdo aos pais? Susan: Gordon, é assim que voo8 quer que seus filhos se sintam com relagdo a vocé? Ele evitou meu olhar. Tudo isto fez com que se sentisse extremamente constrangido. Puxei minha cadeira para mais perto dele e continue gentilmente: “Sua mulher é pediatra. Se ela visse uma crianga em seu consult6rio com marcas no corpo como as que voc8 tinha depois das ‘palmadas’ do seu pai, a lei a obtigaria a comunicat o fato as autoridades?” Ele nao precisou responder. Seus olhos enheramse de lagrimas quando percebeu a realidade. Falou baixinho: “Esté me dando um né terrfvel no est6mago.” Ele ficou sem defesas, Embora estivesse sentindo uma enorme dor de fundo emocional, tinha descoberto pela primei- ra vez 0 principal motivo, por tanto tempo oculto, do seu temperamento, Desde pequeno carregava dentro de si um vul- cio de édio contra seu pai, ¢ toda vez que se via muito pres- sionado descarregava na pessoa que estivesse mais préxima, normalmente sua mulher, Eu sabia o que precisévamos fazer agora: reconhecer a existéncia € curar o menino maltratado que Gordon tinha dentro de si. Quando fui para casa naquela noite, percebi que ainda estava pensando nele. Via seus olhos se encherem de lagrimas no momento em que petcebeu o quanto havia sido maltratado. Pensei nos milhares de homens ¢ mulheres com quem traba- rn Ihei, cujas vidas estayam sendo influenciadas — até mesmo controladas — por padres estabelecidos por pais destrutivos enquanto eram criancas. Cheguei & concluséo de que deve ha- ver milhdes de pessoas que néo tém a menor idéia de por que suas vides néo dio certo, mas que poderiam ser ajudadas. Foi quando decidi eserever este livro. Por que olhar para tras? A histéria de Gordon ndo € incomum. Jé lidei com mi- Thares de pacientes nesses 18 anos como terapeuta, em mew consultério particular ou em. grupos em hospitais, a grande maioria sofria de baixa auto-estima porque o pai ou a mie batia neles com freqiiéncia, ou os ctiticava, ou “faziam piar das” por serem esttipidos ou feios ou indesejéveis, ou facia com gue se sentissem culpados, ou cometia abuses sexuais, ‘ou jogava muita responsabilidade em cima deles, ou os super- protegia desesperudamente. Como Gordon, eram poucos os que faziam agora alguma ligagio entre seus pais © os problemas que tinham. Este era um ponto cego emocional comum. AS pes- soas simplesmente tinham dificuldade de ver que sua relagio com os pais tinha um enorme impacto sobre suas vidas. ‘As tendéncias terapéuticas, que costumavam dar enorme Enfase a andlise de experiéncias da primeira infancia, passa- ram do “naquela época” para o “aqui e agora”. A énfase hoje € examinar e mudar 0 comportamento, os relacionamentos ¢ ‘© modo de viver atuais. Acho que essa mudanca se deve 20 fato de os clientes se negarem a gastar tanto tempo e dinheiro com terapias tradicionais cujos resultados sio quase sempre Go pequen Acredito muito em terapias breves que se detém na mu- danga de padrdes destrutivos de comportamento, Mas @ expe- Fiéneia me ensinou que no basta tratar os sintomas; temos {que lidar com as fontes desses sintomas. A terapia ¢ mais efi- 12 ccaz quando segue um caminho duplo: mudar o atual compor- tamento de autodestruicdo e climinar os traumas do pas- sado. Gordon tinha que aprender as técnicas para controlar sua raiva, mas para efetuar mudangas permanentes,, aquelas que resistiriam a qualquer estresse, ele precisava olhar para trés ¢ lidar com 0 sofrimento que vivenciou na infancia, Nossos pais plantem sementes mentais e emocionais den- tro de nés — sementes que crescem conosco. Em algumas fa- mifias, elas sio 0 amor, 0 respeito ¢ a independéncia, Mas, em muitas outras, sio sementes de medo, obrigagio ou culpa. Se voce pertence a este segundo grupo, este livro foi feito para voc’. A medida que voce crescia e se tornava adulto, essas sementes transformaram-se em etvas daninhas invisiveis aque invadiram sua vida de vérias maneiras que voce jamais imaginou. Suas gavinhas podem ter arruinado seus relaciona- mentos, sua carreira ou sua familia. Elas com certeza mina- ram sua autoconfianca e auto-estima, Vou ajudélo a descobrir essas ervas daninhas ¢ ar rancé-las. © que sio pais téxicos? Todos os pais falham de vez em quando, Eu cometi erros terriveis com meus filhos que thes causaram (¢ a mim tam- bém) muito sofrimento, Nenhum pai ou mile pode estar dis- ponivel emocionalmente o tempo todo. & perfeitamente nor- mal que gritem com 05 filhos uma vez ou outra. Todos os pais am muito controladores as veres. E a maioria bate nos filhos, mesmo que raramente. Esses pequenos erros fazem com que sejam cruéis ou imprestaveis? Claro que nio! Os pais sio humanos © t8m muitos pro- blemas. E a maioria dos filhos pode lidar com ocasionais ex- 13 plosdes de raiva, uma vez que tenham muito amor © com- preensio para contrabelangar isto, Mas existem muitos pais cujos padres negatives de comportamento sfo sisteméticos e dominantes na vida de uma crianea. Esses slo os que realmente prejudicam sous filhos. Enquanto procurava uma expressiio que melhor descre- vesse as atitudes comuns entre esses pais nocivos. a palavra que vinha & minha eabega 0 tempo todo era “téxicos”. Da mesma forma que uma toxina quimica, os danos emocionais causados por esses pais se espalham por toda a crianga, e, & medida que ela cresce, cresce também seu sofrimento. Que outra palavra melhor que “t6xicos” para deserever os pais que causam constantes traumas, abusos e manchas em seus filhos e, ma maioria dos casos, continuam a fazer isto até mesmo depois que estes cresceram? Existem cxcegdes para os aspectos “constantes” ¢ “repe- tidos” dessa definigio. © abuso ffsico ou sexual pode ser téo traumatizante que, freqiientemente, uma tinica vez € suficiente para causar um dano emocional tremendo, Infelizmente, 2 educacdo dos filhos, ‘uma de nossas tare- fas mais cruciais, é ainda um esforgo que se bascia muito no instinto. Nossos pais aprenderam como criar os filhos de pes- soas que (alvez nao tenham se saido bem: seus pais. Muitas das técnicas consagradas pelo tempo, ¢ que passaram de gera- do a geragdo, constituem simplesmente conselhos erréneos mascarados como sabedoria (lembra-se do ditado “E de pe- uenino que se torce 0 pepino © que os pais téxieos fazem com voce? Quer os adultos filhos de pais t6xicos tenham apanhado quando pequenos, quer tenham sido tratados com indiferenca, ou softido abusos sexuais, tratados como idiotas, sido supet- “4 protegidos, ou sobrecarregados com sentimentos de culpa, quase todos sofrem de sintomas surpreendentemente pareci- dos: baixa auto-stima que leva a comportamentos autodes- trutivos. De um modo ou de outro, quase todos acham que no tém valor, nfo sfo dignos de amor ou nfo prestam. Esses sentimentos otiginam-se, em grande medida, do fato de que filhos de pais téxicos se culpam pelo abuso come. tido por seus pais, as vezes conscientemente, outras vezes nfo, E mais fécil para uma crianga dependente e indefesa sent se culpada por ter feito algo de “errado” para merecer a ira do pai do que aceitar 0 fato assustador de que o pai, seu protetor, nao merece confiang: Quando essas criancas se tornam adultas, continuam a carregar o fardo de culpa, ficando muito dificil para elas desenvolyerem uma imagem positiva de si préprias. A falta de confianga © auto-estima que resulta disso pode, por sua vvez, afetar todos os aspectos de sua vida, Como tomar 0 pulso psicolégico Nem sempre € facil saber se seus pais séo t6xicos ou nfo. Muitas pessoas tm um relacionamento dificil com os pais. Isto, por si s6, nio quer dizer que os pais sejam des- tutivos do ponto de vista emocional. Muitas pessoas vivem num dilema, perguntando-se se foram maltratadas ou se esto sendo “supersensfveis”. Elaborei o seguinte questionério para ajudélo a dar os primeiros pasos na solugao desse dilema. Algumas das per- iuuntas podem fazélo se sentir ansioso ou constrangido. Tudo bem, E sempre dificil encarar a verdade no momento em que procuramos saber 0 quanto nossos pais nos magoaram. Em- hora seja doloroso, uma reacdo emocional € perfeitamente sauidavel. 15 Para simplificar, as perguntas referem-se a pals no plural, mesmo que sua resposta se aplique a apenai um deles. 1 — Seu relacionamento com seus pais quando voc? a criangaz 1, Seus pais the diziam que voc era mau ou nip prestava para nada? Eles 0 xingavam? Viviam criticaridy yoce? 2. Seus pais castigavam-no fisicamente para edus.jo? Usa- vam cintos, vassouras ou outros objetos? 3. Bles se embebedavam ou usavam droges? Vow se sentia confuso, constrangido, amedrontado, magoado o envergo- hado com isto? 4, Sous pais eram depressivos ou no Ihe davam'tencao por terem problemas emocionais ou doencas fisicas y mentais? 5. Vocé cuidava dos seus pais por causa dos problemas que eles tinham? 6. Seus pais Ihe fizeram alguma coisa que precisara ser man- tida em segredo? Vocé foi molestado sexualmente de al: guina forma? 7. Tinka medo dos seus pais a maior parte do tempo? 8. Vocé tinha medo de expressar a raiva que sentia dos seus pais? TM — Sua vida adulea: 1. Voc se encontra em relacionamentos destrytivos ou agressivos? 2. Acredita que se ficar’muito intimo das pessoas elas vio magoé-lo c/ou abandoné-lo? 3. Vocé espera o pior das pessoas? Da vida em geral? 4. Costuma pasar muito tempo na descoberta de si mesmo, do que senie © do que quer? 5. Vocé tem medo que as pessoas descubram sey modo de ser verdadcito © nfo gostem de vocs? 16 6. Voc8 se sente ansioso quando é bem-sucedido ¢ teme que as pessoas descubram que € um impostor? 7. Fica aborrecido ou triste sem motivo aparente? 8. Voo8 & perfeccionist 9. E diffeil para vocé relaxar e se divertic? 10. Mesmo com as melhores intengdes, vocé se flagra agindo “exatamente como seus pais”? IIT — Seu relacionamento com seus pais depois de adulto: 1. Seus pais ainda o tratam como se fosse uma crianga? 2. As decisoes mais importantes da sua vida tém por base 4 aprovagao deles? 3. Voc8 tem reagdes fisicas ou emocionais intensas depois ou quando sabe que vai passar algum tempo com seus pais? 4. Tem medo de discordar deles? 5. Seus pais o manipulam com ameagas ou sentimentos de culpa? 6. Eles o manipulam com dinheiro? 7. Voe8 se sente responsével pela mancira como scus pais se sentem? Se eles esto infelizes, acha que a culpa € sua? # sua obrigagdo fazer com que melhorem? 8. Voc pensa que, néo importa 0 que faca, nunca ¢ 0 sufi ciente para seus pais? “9. Acha que algum dia, de alguma forma, seus pais vio mu- dar para melhor? Se respondeut “sim” a pelo menos um tergo dessas per- guntas, este liveo pode Ihe ajudar muito. Mesmo que alguns capitulos paregam nio ter muita importincia para sua situa fo, € importante lembrar que todos os pais t6xicos, inde- pendente da natureza dos maus-tratos, deixam basicamente as mesmas seqiiclas, Por exemplo, talvez seus pais nfo tenham sido aleodlatras, mas 0 caos, a instabilidade © a perda da 7 Infancia que caracterizam os lares de alcodlatras so exata- mente os mesmos para filhos de outros tipos de pais téxicos. Os principios e as técnicas de recuperagio sio parecidos para todos 0 filhos em idade adulta. Por isto, insisto que voce nfo deixe de ler nenhum capitulo. Libertando-se da heranga dos pais téxicos Se vocé € filho de pais t6xicos, existem muitas coisas que pode fazer para se libertar de sua heranga deformada de sentimento de culpa c falta de confianga em si proprio. para isto neste livro, E quero que comece a Ieitura com muita esperanca, Ndo que tenha ilusGes de que seus pais vao mudar como num passe de mé. gica; mas que tenha uma esperanca realista de que pode se desvincular psicologicamente da forte e destrutiva influéncia que cles exercem sobre voce. Tudo 0 que precisa ter € co- ragem. E essa coragem esté dentro de vocé. ‘Vou guidlo em alguns passos que o ajudardo a ver clara: mente essa influéncia, e entéo vai poder lidar com ela, nio imporia se est atravessando uma fase de conflito com seus pais, se tém um relacionamento amistoso mas superficial, se ho 0s vé ha anos, ou mesmo se uum deles ou os dois jé morreram! Embora pareca estranho, muitas pessoas, continuam a ser controladas pelos pais depois que estes morreram. Os fan- tasmas que perseguem essas criaturas podem nao ser reais no sentido sobrenatural, mas 0 s40 psicologicamente. Os ertos cometidos pelo pai ou pela mae em suas exigéncias, expecta- tivas ¢ culpa podem permanecer até muito tempo depois que ele ou ela tenha mortido. ‘Voeé talvez j4 tenha reconhecido a necessidade de se Jibertar da influencia de seus pais. Quem sabe até jé dis- cutiu o problema com eles. Uma de minhas clientes gostava de dizer: “Meus pais no tém nenhum controle sobre minha vida... Bu os odeio e eles sabem disso.” Mas acabou perce- 18 bendo que ao atigarem sua raiva, scus pais a estavam mani pulando ainda, e que a energia que ela jogava nessa raiva era uma vélvula de escape para outros aspectos de sua vida. © confronto ¢ um paso importante no exorcismo dos fan- tasmas do passado e dos deménios do presente, mas no deve set feito jamais num momento de ira. “Nao devo ser 0 responsivel pelo meu jeito de ser?” A cesta altura voce deve estar pensando: “Espera um mi- hnuto, Susan, Quase todos os livros © especialistas dizem que info posso culpar ninguém pelos meus problemas.” Tolice! Seus pais so responsiveis por tudo que fizeram, E claro que vocé € responsdvel pela sua vida adulta, mas essa vida esté, em grande medida, moldada por experiéncias sobre as quais vocé nao teve nenhum controle. O fato é que: Vocé nao é responsivel pelo que the jizeram quando era uma crianga indejesal Vocé tem a responsabilidade de tomar medidas posi- fivas agora para fazer alguma coisa sobre isto! © que este livro pode fazer por yoo? Estamos comecando juntos uma importante viegem. Trata- se de uma busca da verdade e de varias descobertas, Quando cla acabar, voce estaré ditigindo sua vida como nunca, No estou dando garantias exageradas de que os problemas vio desaparecer da noite para o dia, Mas se vocé tiver coragem © fora para fazer o trabalho proposto neste livro, serd capaz de recuperar de seus pais grande parte da autori- dade ¢ da dignidade que Ihe so devidas como ser humano ¢ adulto. Esse trabalho tem seu prego emocional, No momento em que abandonar suas defesas, vocé vai descobrir sentimentos 19 de fiiria, ansiedade, migoa, confusio ¢, especialmente, dor. A destruigéo da imagem que fez dos seus pais durante toda a vida pode dar origem a sentimentos muito fortes ds perda e abandono, Quero qué elabore o material aptesentado neste livro respeitando seu proprio ritmo. Se algum trabalho fizer com que se sinta constrangido, dedique bastante tempo a ele. © importante aqui € 0 progresso, © néo a velocidad, Para ilustrar os conceitos apresentados, recorti a mui- tos casos extraidos da minha experiéncia profissional, Al- guns deles foram transcritos diretamente de gravagSei, ¢ ou- tros reconstituidos a partir de minhas anotapées. Todas as cartes apresentadas neste livro fazem parte dos meus atquivos ¢ sio reproduzidas exatament® como foram eseritas, As yessoes de terapia nfo gravadas que reconstitul para este trabalho ainda estao vivas na meméria, e fiz todo esforgo para rectiée Jas exatamente como ocorreram. Apenas nomes e cireunstin- cias que pudessem ser identificados foram mudedos por mo- tives de ética, Nenhum desses casos foi “dramatizado”. Eles podem parecer sensacionalistas, mas na verdade so casos tipicos. Nao procurei em meus arquivos as hist6rias ‘mais provocentes ou draméticas. Ao invés, escolhi aquelas que representam mais claramente os casos que ougo todos os dias. ‘As questées que levanto nfo constituem aberragbes da con digo humane; sio parte dela. © livro € dividido em duas partes. Na primeira, exami- naremos 0 modo pelo qual diferentes tipos de pais téxicos atuam, Vamos explorar diversas maneiras pelas quais seus pais podem té-Jo magoado ou ainda o estejam magoando, Essa compreensio vai preparé-lo para a segunda parte, onde apre- sento téonicas comportamentais especificas que © (omatZo capaz de reverter 0 equilibrio de poderes em seu telaciona- ‘mento com seus pais t6xicos (© proceso de redugio do poder de seus pais ¢ gradual, Mas no final vai liberar sua forca interior, o set que vem sendo ocultado por todos esses anos, a pessoa extraordindria terna que quer ser. Juntos, ajudaremos a libertar essa pes- soa para que vocé possa finalmente viver sua vide, 20 PRIMEIRA PARTE PAIS TOXICOS Capitulo 1 PAIS ENDEUSADOS © mito do pai perfeito Os antigos gregos tinham um problema, Os deuses olhavam de seus jardins etéreos no topo do Monte Olimpo e julgavam tudo 0 que os gregos faziam. E se esses deuses ndo estives- sem satiseitos, enviavam Togo um castigo. Nao precisavam ser bondosos, justos, ou tet razlo. Na verdade, podiam ser total- mente irracionais. Segundo seu capricho podiam transformar uuma pessoa num eco, ou fazer com que cla empurrasse uma rocha montana acima por toda a eternidade. Desnecessério dizer que imprevisibilidade daqueles poderosos deuses disse- minou muito medo ¢ confusio entre seus mortais seguidores. Este quadro ndo ¢ diferente de muites relagdes pais t6- xicos-filhos, Um pai imprevisivel é um deus terrivel para os olhos de uma erianca. Quando somos muito pequenos, nossos pais divinizados so tudo para n6s. Sem sua presenca ficariamos desamados, desprotegidos, desabrigados © sem slimento, vivendo em cons- tante estado de terror, sabendo que nao conseguirfamos viver sozinhos. Sio noss0s provedores todo-paderosos, Temos neces- sidades, e cles suprem essas necessidades. 23 Como niio podemos julgé-los com relagio a nada e nit guém, prosumimos que sejam pais perfeitos. A medida que fhosso mundo fica mais amplo, indo além do bergo, desen- volvemos a necessidade de manter essa imagem de perfeicio como uma defesa contra o desconhecido, com o qual nos deparamos continuamente. Na medida em que acreditamos que nossos pais szo perfeitos, sentimo-nos protegidos. No segundo ¢ teteeiro anos de vida, comegamos a afir- mar nosea independéncia. Mostramos resistencia quando -30- mos treinados @ usar 0 banheito, ¢ nos deliciamos com nossos “dois extremos terriveis”. Agarramo-nos ao no porque ele nos. permite exercer algum controle sobre nossas vidas, a0 asso que o sim é puramente uma aquiescéncia. Lutamos pata desenvolver uma identidade Gnica, estabelecer nossa propria vontade. © proceso de separaciio dos pais atinge seu ponto cul- minante durante a puberdade e adolese@ncia, quando confron- tamos de modo ativo os valores paternos, seus gostos € auto- ridade, Numa familia razoavelmente estével, os pais si ca- pazes de resistit a grande parte da ansiedade gerada por esses transformagées. Na maioria dos casos tentatio tolerar, quando ‘nao encorajar realmente, a independéncia que comeca a nas- cer em seus filhos. A expresso “€ apenas uma fase” torna-se uma confianca estabelecida para pais compreensivos, que. se recordam de sua prépria adolescéncia e reconhecem a rebeldia ‘como um estégio normal do desenvolvimento emocional, (Os pais téxicos nfo sfo to compreensivos. Desde 0 treinamento para ir ao banheiro até a adolescéncia, tendem a ver a rebeldia ou mesmo diferengas individuais como um ‘aque pessoal. Defendemse, reforgando a dependéncia ¢ im- poténcia dos seus filhos. Em vez de promover um desenvol- Vimento saudvel, esses pais inconscientemente prejudicam-no, Guase sempre pensando que esto agindo para o bem dos fi- thos. Podem usar expresses como: “E assim que se forma o carter”, *Ela precisa discernir entre o certo ¢ 0 errado"; mas seus arsenais de negativismo realmente prejudicam a auto- 24 estima da crianga, sabotando qualquer indicio de independén- cia, Nao importa © quanto acreditem que estejam certos, essas agressGes confundem a crianca, atordoam-na por sua animo- sidade, veeméncia e imprevisibilidade, Nossa cultara ¢ religides sfo quase undnimes em manter 4 onipoténcia da autoridade paterna, Pode-se aceitar que al- udm expresse seu rancor contra 0 matido, a mulher, aman- les, inmios, patres ¢ amigos, mas ¢ quase um tabu enfrentar os pais. Quantas vezes ouvimos: “Nao responda & sua mae", ou “Nao se atreva a gritar com seu pai”? A tradigdo judaico- crista encerra o tabu em’ nosso inconsciente coletivo ao pro- lamar’ “Deus 0 Pai” “e nos levar a “hontar pai e mie”. A idéia encontra ressondncia em noses escolas, igrejas e governo (ur retorno aos velores da familia”), ¢ até mesmo nas em- presas. Segundo a sabedoria convencional, nossos pais tém o poder de nos controlar simplesmente porque nos deram vida. © filko esté & mercé de seus pais endeusados ¢, como acontecia com os antigos gregos, nunca sabe quando vird o préximo relimpago. Porém, o filho de pais t6xicos sabe que © relémpago vem mais cedo ou mais tarde. Esse temor € cada vex. mais arraigado, crescendo junto com # erianga. No &mago de cada adulto que foi maltratado quando pequeno — mesmo aqueles que conseguem grandes realizagSes na vida — existe uma criancinha que se sente impotente e medrosa, O prego de aplacar os deuses _ Com a destruigio de auto-estima da crianca, sua depen- déncia cresce, e com cla auimenta a necessidade de acteditar ‘que seus pais estio ali para dat protege © suprir suas neces- sidades. A tinica forma pela qual as agressdes emocionais ou fisicas fazem sentido para uma crianca é quando esta chama a si a responsabilidade pelo comportamento dos pais téxicos. 25 Nio importa o quanto seus pais sejam txicos, voc8 ainda sente uma nevessidade de transformé-los em deuses. Mesto que compreenda, em algum nivel, que seu pai estava errado 20 Ihe bater, pode ainda acreditar que seu ato era justificado, A compreensio intelectual néo é suficiente pata convencer suas emogdes de que voce nfo era o responsével Como disse um dos meus clientes: “Eu achava que eles eram perfeitos, entio quando me tratavam mal imaginava que estava errado.” Existem duas doutrinas centrais nessa erenga em pais endeusados 1. “Eu sou ruim; meus pais so bons.” 2. “Eu sou fraco; meus pais sio fortes.” Estas sio duas crengas poderosas que podem sobreviver por muito tempo & dependéncia fisica que voc® tem dos seus pais. Elas mantém viva a f€, e fazem com que voce evite enfrentar a dura realidade de saber que seus pais na verdade trairam-no quando yoo’ era mais vulneravel. © primeiro paso que deve der para controlar sua vida € encarat essa verdade por si proprio. Isto requer coragem; mas se voc8 esté londo este livro, é porque jé est disposto a mudar. Também isto foi um ato de coragem. ““Bles jamais me deixam esquecer como eu estraguei sua vida” Sandy, uma morena de belcza impressionante, de 31 anos, que parecia “ter tudo", encontrava.se setiamente deprimide na primeira vez que yeio ao meu consulidrio, Disse-me que estava infcliz com relagdo a tudo em sua vida, Tinha sido uma designer de arranjos florais durante muitos anos em uma loja de prestigio. Sempre sonhou em ter seu préprio negécio, mas. estava convencida de que nfo era esperia o suficiente para ter sucesso, Tinha pavor do fracasso. 26 Ha mais de dois enos estava tentando engravidar, mas nilo conseguia, Pela nossa conversa, comecei a ver que isso tava fazendo com que ela tivesse um forte ressentimento cdo marido ¢ se sentisse incapaz em seu relacionamento, em- hora ele demonstrasse compreensio e amor genuinos. Uma conversa recente que eve com a me piorou a situagio: “Bysa histGria de gravidez tomouse uma verdadeira obsessio para mim. Quando almocei com mamie, dissehe o quanto estava decepeionada, Entio ela me disse: ‘Aposto que & por causa daquele aborio. Qs caminhos do Senhor sio mistetiosos,’ Desde en- ‘io mo consigo parar de chorar. Fla nfo me deixa esquecer nunca.” Perguntei-Ihe sobre o aborto. Depois de hesitar um pou- co, relatowsme a hisi6r “Aconteceu quando eu estava no segundo grau. Meus pais eram extremamenie catdlicos, af eu fui para uma escola parcquial. Cedo eu jé tinka me desenvolvido, e quando tinha 12 anos media 1,68m, pesava quase 59kg € usava sutié nimero 40, Comecei a chamar 1 atengio dos rapazes, e gostava disso. Iss enlou- queceu. meu pai. A primeira ver que ele me vit dando um beijo de despedida em’um rapaz, me cha- ‘mou de puta aos gritos, para que toda a vizinhanca ouvisse. E da{ por diante as coisas foram ficando cada vez piores, Toda vez que cu sala com um rapaz, papai dizia que eu estava indo para o in- ferno. Nao safa do meu pé. Achei que j@ estava perdida mesmo, entdo aos 15 anos fui pera a cama com um rapaz, Pata meu azar, fiquei gravida. Quan- do eles souberam, perderam o jufzo. Af eu thes disse que queria abortar, e eles ficaram doidos de vez. Devem ter gritado comigo umas mil vezes sobre 7 ‘pecado mortal’. Se eu jf nio tinha ido para o in- ferno, cles tinham certeza de que aguilo seria o suficiente para que isto acontecesse. O tinico jeito que encontrei para fazer com que assinassem uma autorizagio foi ameagé-los, dizendo que ia me matar.” Perguntei a Sandy como ficaram as coisas depois do aborto. Fla se afundou na cadeira com uma expressio de desa- Jento que me fez doer 0. coragio. “0 tempo todo ouvia que tinha caido em desgraca. Quer dizer, papai ja me fazia sentir horrivel antes, mas depois senti que nfo tinha ditcito sequer de estar viva. Quanto mais eu me envergonhaya, mais tentava fazer as coisas direito. A nica coisa que queria era voltar no tempo, recuperar 0 amor que tinha quando era pequena. Mas eles nunca perdem vuma chance de voltar 20 assunto. Parece um disco quebrado; vivem lembrando © que fiz © como des- gracei a vida deles. Néo posso culpé-los. Jamais de- veria ter fei tas expectativas morais com relacéo a mim. Agora quero compensi-los por té4os magoado tanto com meus pecados. Entdo fago tudo que me pedem. Isto enlouquece meu marido. Temos brigas horrorosas por isto. Mas no consigo evitar. Sé quero que meus pais me perdoem,” © que fiz — quer dizer, tinham tan- Enquanto ouvia aquela jovem adorével, sentia-me emo- cionada pelo sofrimento que 0 comportamento dos seus pais, The causou e pela necessidade que tinha de negar a respon- sabilidade deles por esse sofrimento. Ela patecia quase deses- perada para me convencet de que era culpada por tudo quanto The acontecera, A auto-acusagio de Sandy era resultado da religiosidade obstinadz dos pais. Eu sabia que tinha que tra- balhar muito se quisesse que ela percebesse 0 quanto scus pais tinham sido crugis € 0 quanto a agrediram emocional- mente. Decidi que n@o era hora de me omitir 28 Susan: Sebe de uma coisa? Estou realmente abor- recida por aquela mocinha. Acho que seus pais foram horriveis com vocé ¢ abusaram da religido para punia, Néo creio que voce merecesse isto. Cometi dois pecados mortais! Susan: Olha, vocé era apenss uma crianga, Pode ter cometido erros, mas no precisa pasar © resto da vida pagando por eles. Até mesmo 4 Tgreja permite que uma pessoa expie por seus pecados e continue a vida. Se seus pais fossem to bons como vocé diz que. so, te- iam mostrado alguma compaixao. Eles estavam tentando salvar minha alma, Se nfo me amassem tanto, nfo se importariam, Vejamas a questo sob uma outta perspec E se vocé néo tivesse abortado? Diga- ‘mos que nascesse uma menina, Ela teria uns dezesseis anos agora, certo? Susat Sandy fez que sim com a cdbega, tentando descobrit onde cu queria chegar. Susan: Suponha que ela engravidasse. Voce a tra- taria como seus pais trataram yoo? Sandy: Nunca! Nesse momento, ela percebeu as implicagSes do que aca- bava de dizer. Susan: Vocé seria mais amével. E seus pais deve- riam ter sido assim, Foram eles que fraces- saram, e no voce. Sandy havia passado metade da sua vida construindo um claborado muro de defesa, Esses muros so muito comuns entre os filhos adultos de pais téxicos. Podem set feitos de 29 uma variedade de blocos psicolégicos, mas 0 mais comum, (© material fundamental do muro de Sandy, € um tijolo parti cularmente obstinado chamado “negagio”. O poder da negagio ‘A negagdo € a mais primitiva também a mais poderosa das defesas psicol6gicas. Ela emprega uma realidade ficticia para minimizar, ou até mesmo negar, o impacto de certas experineias dolorosas da vida, Fax inclusive com que alguns de nds esquegamos 0 que nossos pais nos fizeram, levando- ‘nos a manté-los em seus pedestais. Na melhor das hipsteses, 0 alivio proporeionade pela ne- gngdo seré tempordtio, e seu prego & alto. A negagio é a tampa de nossa panela de press emocional: quanto mais dei xarmos tampada, mais pressfio se acumula. Mais cedo ou mais, tarde a pressio tende @ estourar a tampa, ¢ nés (emos uma crise emocional. Quando isto acontece, temos que encarar as verdades que tentamos to desesperadamente evitar, s6 que agora as enfrentamos sob intensos esiresses. Se pudermos i- dar com nossa negacdo abertamente, seremos capazes de evitar a ctise, abrindo a valvula de pressio © deixando que ela os- cape trangiiilamente. Infelizmente, sua propria negagdo nfo & a Gnica contra @ qual voc precisa Iutar. Seus pais ttm seus préprios sis- femas de negaco. No momento em que voce estiver se esfor- sando pata reconstruir a verdade do passado, especialmente ‘quando essa verdade tiver reflexos ruins sobre seus pais, eles podem insistir que “nao foi assim tio mau”, “no foi dessa maneira que as coisas aconieceram”, ou até mesmo que “néo aconteceu: nada disso”. AfirmacSes como estas podem frustrar as tentativas de reconstruir sua histéria pessoal, levandoo a questionar suas préprias impresses ¢ lembrangas. Elas minam sua confianga na capacidade de perceber a realidade, tornando ainda mais dificil reconstruir sua auto-estima. 30 A negacio de Sandy era tio forte que nfo apenas im- possibilitava-a de enxergar a propria realidade, como tam- bém impedia que ela percebesse a existéncia de uma outra realidade, Fui solidéria com sua dor, mas tinha que fazer com que ela pelo menos considerasse a possibilidade de que ‘a imagem que tinha dos pais era falsa, Procurei nfo ser uma fameaga para ela: “Respeito o fato de voc amar seus pais ¢ acreditar que eles séo bons, Tenho certeza de que fizeram coisas muito boas na época em que eslava ctes cendo. Mas tem que existir um lado seu que sabe, fou pelo menos sente, que os pais que amam seus fihos no agridem sua dignidade © autostima tao cruelmente. Nao quero afasté-la deles ou da sua re- ligido. Vocé nfo tem que renegé-los ou renunciar & Igreja. Mas uma boa parte do esforco para melhorar a depressio que vocé tem pode exigit que abandone a fantasia de que scus pais so perfeitos. Eles foram crugis com vot, Eles a magoaram. Néo importa 0 ‘que voc’ fez, esté feito. Nada do que eles disseram mudatia a situagio. Nao consegue perceber como foi profunda @ mégoa que eles causaram & menina sen- sivel que existe dentro de voce? E nfo vé que isto no era necessirio?” Mal se podia ouvir o “sim” que Sandy respondeu. Per- gunteithe se ficava assustada de pensar sobre isto. Ela ape- as concordou com a cabeca, pois estava impossibilitada de falar sobre a profundidade do seu medo. Porém, teve a co- ragem suficiente para persistit em seu esforgo. Esperanca irrealizavel Depois de duas semanas de terapia, Sandy fez algum progtesso, mas continuava a se apegar a0 mito da perfeigio 3 dos seus pais. Enquanto nio destruisse aquele mito, continue ria a se culpar por toda a infelicidade de sua vida. Pedi-the que convidasse os pais para uma de nossas sessdes. Espe Tava que verificassem 0 quanto seu comportamento afetou a vida de Sandy; se cles admitissem alguma responsabilidade, facilitariam 0 trabalho dela de reparagio de sua auto-imagem negativa. Mal tivemos tempo de nos conhecer, seu pai foi logo falando: “A senhora nfo imagina como Sandy era mé quando era menor, doutora, Ficava maluca com os rapazes € vivia provocando-os. Todos os seus problemas co- megaram com aquele maldito aborto.” Pude ver as ligrimas aflorarem nos olhos de Sandy. Apressei-me em defendé-la: “Nao 6 este 0 motivo dos problemas dela, e eu nio os convidei aqui para que me dessem um relat dos seus crimes. Nés nfio vamos chegar a lugar ne- num se vores vieram aqui para isto.” Nao funcionou, Durante toda a sesso, 0 pai e a mie se revezaram nos ataques a filha, apesar das minhas repreen- s6es. O tempo no passava. Depois que Se foram, Sandy apres- sou-se em pedir desculpas por ele: “Sei que ndo se sairam muito bem hoje, mas espero que tenha gostado deles. Sao boas pessoas, de yer dade. Acho que estavam nervosos de estar aqui. Tal- vez eu nio devesse ter pedido que viessem... Pode set que isto os tenha aborrecido. Néo esto hab tuados a esse tipo de coisa. Mas eles me amam real- mente... dé um tempo e vooe verd.” ‘Aquela.sessio ¢ algumas outras que se seguiram com os pais de Sandy indicaram claramente como eles estavam fe- chados para qualquer coisa que desafiasse a percepedo que tinham dos problemas da filha, Em momento algum, mostra- 32 ram interesse em aceitar alguma responsabilidade por aquelés problemas. E Sandy continuow a idolatré-los. “Bles s6 estavam querendo ajudar” Para muitos adultos fithos de pais t6xicos, a negagio é lum processo inconsciente simples que serve para afastar de- terminados acontecimentos © sentimentos da esfera da _cons- cigncia, fingindo que jamais ocorreram. Mas outros, como Sandy, adotam um método mais sutil: a racionalizagao. Quando racionalizamos, usamos “bons motivos” para atenuar a dor © 0 constrangimento. Aqui estdo algumas racionalizagées tipicas: © Meu pai s6 gritava comigo porque minha mie o per. turbava, © Minha mie s6 bebia porque se sentia s6. Eu devia ter ficado mais em casa com ela. © Meu pai me batia, mas ele nao queria me machucar, 56 queria me dar uma ligéo. © Minha mée nunca prestou atenc#o em mim porque era muito infeliz © Nao posso culpar meu pai por me molestar. Minha mae s¢ recusava a dormir com ele, ¢ homem precisa de sexo, Todas tém um ponto em comum: servem para aceitar 0 inaceitavel. Superficialmente parece funcionar, mas alguma coisa dentro de voc8 sabe da verdade. “Ble 96 fer isto porque. Louise, uma mulher baixa de cabelo castanho-avermethado na faixa dos quarenta, estava se divorciando pela terceira vez. Ela comecou a fazer terapia por causa da insisténcia de sua 33 filha, j4 adulta, que ameacou cortar relagdes sc cla nio fi- zesse alguma coisa para conter sua hostilidade incontrolavel. Quando a vi pela primeira vez, sua postura extrema- mente rigida e sua expresso lacdnica revelaram seu. tempe- ramento. Era um vuledo de ira reprimida. Perguntei-lhe’ so- bre 0 divércio, € ela me disse que os homens sempre a aban- donavam; seu atual marido era apenas mais um exemplo: “Sou dessas mulheres que sempre ficam com 0 ho- mem errado, No infcio da relagio € matavilhoso, mas sei que ndo tem possibilidade de durar.” Escutava-a atentamente enquanto discorria sobre seu tema preferido: os homens nfo prestam. Ento comecou a compa- rar os homens de sua vida 20 seu pai “Deus, por que ndo consigo encontrar um homem como meu pai? Ele parecia um artista de cinema todos simplesmente 0 adoravam, Sabe, ele possuita aquele carisma que atrafa as pessoas. Minha mae era muito angustiada, © meu pai me levava para sair... 56 nés dois. Aqueles foram os melhores mo- mentos da minha vida. Depois do meu pai, acho que quebratam molde, Perguntei se ele ainda estave vivo, Louise ficou muito tensa quando respondeu: “Nao sei, Ele desapareceu um dia. Acho que tinha uns 10 anos. Era insuportével viver com minha mae, eum dia ele se mandou. Nenhum recado, nenhum telefonema, nada, Meu Deus, como senti sua falta. Durante um ano, eu tinha tanta certeza que ouvitia seu carro chegando a cada noite... Nao posso culpa lo pelo que fez. Ele tinha tanta vida! Quem gostaria de ficar amarrado a uma mulher doente e uma crianga?” Louise levava a vida esperando que seu pai idealizado voltasse. Incapaz de perceber como ele fora désumano e irres- ponsével, ela racionalizava o tempo todo para conservélo como 34 um deus aos seus olhos — apesar da dor que seu compor- tamento causou, Sua racionalizagio também permitia negara raiva que sentia dele por té-la abandonado, [nfelizmente, essa raiva era extravasada em suas relagdes com outros homens. Toda vez que comecava um relacionamento as coisas iam bem por tum’ tempo, enquanto ela ia conhecendo-o. Mas quando fice vam mais intimos, 0 medo dé ser abandonada era incontro- livel ese transformava invariavelmente em hostilidade, Ela ho conseguia perceber ser essa a tazlo pela qual todos os homens a deixavam: quanto mais intimos ficavam, mais hostil Louise se tornava. Em ver disto, cla insistia que sua hosti- lidade era justificada pelo {ato de eles sempre a abandonarem. A raiva extravasada no momento certo Quando estava na universidade, um dos meus livros de psicologia continha uma série de desenhos que ilustrava como fas pessoas transferem seus sentimentos — particularmente @ raiva. O ptimeiro quadro mostrava um homem sendo chamado & atengdo por seu chefe. Obviamente, néo era aconselhavel que ele respondesse, entio, 0 segundo quadro mostrava trans- ferindo sua raiva, gritando com a mulher ao chegar em casa. terceiro quadro mostrava a mulher gritando com as crian- gas. As criangas chutaram 0 cachorro, e 0 cachorro mordeu (© gato, O que me impressionou naquelas imagens foi que, apesar de sua aparente simplicidade, sio um retrato surpreen: dentemente fiel da maneira como transferimos nossos senti mentos da pessoa apropriada para um alvo mais fécil. ‘A idéia que Louise tem dos homens € um exemplo per- feito: “Eles so uns canalhas, todos. Nao se pode confiar neles. Sempre sc voltam contra vor’, Estou cheia de ser usada pelos homens.” (© pai de Louise abandonou-a. Se ela tivesse se conscien- tizado disso, teria que renunciar As suas fantasias douradas 35 fe & imagem divinizada que fazia dele. Teria que deixi-lo ir embora. Em yez disso, deslocou sua raiva ¢ falta de con fianga em seu pai para outros homens. ‘Sem saber, Louise insistia em escolher homens que a tratavam de um jeito que a decepcionava e enfurecia, Con- tanto que pudesse liberar sua raiva neles, nfio precisava zan- garse com o pai, Sandy, de quem felamos no inicio deste capitulo, trans feriu pata seu marido 0 ddio e a decepgio que sentia por seus pais pela maneita com que trataram sua gravidez © seu aborto. Ela ndo se permitia ficar zangeda com os pais — isto teria ameagado demais a divinizagéo que fizera deles. ‘Nao fale mal dos mortos ‘A morte no acaba com a divinizagdo dos pais téxicos. Na verdade, pode sumenté-la. Se jé € dificil admitir 0 dano causado por um pai ou mie que ainda cstio vivos, é infinitamente mais dificil acusé- los depois de mortos. Existe wm poderoso tabu contra a erf- tica aqueles que j4 morreram, pelo fato de ndo poderem mais se defender. Como resultado, a morte confere uma espécie de santidade até mesmo a mais agressivo dos homens. A nizagio de pais morios ¢ quase automética Infelizmente, enquanto 08 pais téxicos esto protegidos pela santidade que o timulo thes confere, os sobreviventes suportam os restos mortais emocionais. "Nao fale mal dos mortos” pode ser um lugar-comum valorizado, mas. freqiien- temente inibe a resolugdo realista de conflitos com os pais que ja morreram. “Yoct seca sempre meu pequeno fracssso” Valerie, uma cantora alta de tragos delicados, perto dos seus 40 anos, ycio A minha procura por recomendacio de 36 Jum amigo comum que estava preocupado de que a falta de confianga dela a estivesse impedindo de procurar novas opor- funidades em sua carreira. Depois de uns 15 minutos de nossa primeira sesso, Valerie admitiu que sua carreira no estava progredindo. “Nao consigo emprego como cantora — nem mesmo, em piano-bar — hé mais de um ano. Arranjei um emprego temporério num escritério para pagar met aluguel, Ndo sei. Talvez seja um sonho impossivel. Uma noite dessas estava jantando com meus pais, & falamos do meu problema, Entao meu pai falou: ‘Nao, se preocupe. Vocé ser sempre meu pequeno fracas- so.’ Tenho certeza de que ele nfo faz idéia do quanto isto me magoou, mas aquelas palavras me atrasaram.” Disse a Valerie que qualquer um se sentiria ferido nessas cirounstincias. O pai dela tinha sido cruel e inoportuno, Ela responde *Acho que no é nenhuma novidade. a histéria da minha vida. Eu era sempre o depésito de lixo da familia, Tinha culpa de tudo que acontecia. Se ole © mamie tinham problemas, a culpa era minha. Mas ainda assim, quando eu fazia alguma coisa para agra- déslo, ficava radiante de orgulho ¢ me elogiava para seus colegas. Céus! Era maravilhoso ter sua aprova- go, mas ew me sentia um ioiS emocional.” Eu e Valerie mantivemos um lago bem estreito em nosso trabalho conjunto nas virias semanas qite se seguiram. Bla cstava apenas comegando a ter contato com a magnitude da raiva e tristeza que sentia do pai. EntGo, ele morreu de derrame. Foi uma morte repentina, horrivel € inesperada; um tipo de morte para a qual ninguém esté preparado, Valerie estava esmagada pela culpa de ter expressado tanta taiva contra © pai durante a terapia, “LA estava eu sentada na igreja, enquanto ele era elogindo. Fiquei ouvindo aquela ladainha de como 3 cle tinha sido maravilhoso a vida inteite, © me senti uma estiipida por estar tentando culpélo por meus problemas. A tinica coisa que queria era reparar a dor que Ihe causei. Nao parava de pensar o quanto © amava € que tinha sido sérdida 0 tempo todo. Nao quero mais falar dessas coisas ruins... nada disso interessa_ agora.” ‘A dor de Valerie afastou-a do caminho por um tempo, ‘mas no final ela acabou percebendo que a morte do pai nfo poderia mudar a realidade de quanto ele a tratara mal em sua infaneia ¢ mesmo em. sua vida adulta, Valerie esti fazendo terapia hi seis meses. Estou feliz em ver sua autoconfianga crescer cada ver mais. Ela ainda esti Iutando para conquistar seu lugar como cantora, mas agora nao desiste de tentar. Tirando os pais do pedestal Os pais endeusados ditam regras, fazem julgamentos ¢ causam sofrimento. Quando voce os diviniza, estejam cles vi- vos ou mortos, est concordando em viver segundo a versio que cles tém da realidade. Vocé esté accitando sentimentos dolorosos como parte da sua vida, talvez até os racionalize, acreditando que sejam bons. E hora de parar. ‘No momento em que trouxer seus pais para a terra, quando fiver coragem de olhar para cles de forma realista, poderé equilibrer 0 poder na relagio de vocés. 38 Capitulo 2 “SO PORQUE NAO ERA SUA INTENCAO, NAO SIGNIFICA QUE NAO MAGOASSE” Pais imprestaveis ‘As criangas possuem direitos. bésicos inaliendveis: direito & ilimentacio, roupa, abrigo e protecio; além desses aspectos de natureza fisica também tém direito a ser nutridas emo- cionalmente, respeitadas em seus sentimentos tratadas de forma que possam desenvolver um sentido de autovalorizagao. As criancas tém também o direito de ser orientadas em seu comportamento, a cometer erros € a ser cotrigidas scm sofrer agressio fisica ou emocional Finalmente, elas tém o direito de ser criangas. Devem passar seus primeitos anos brincando, sendo espontineas ¢ irresponsdveis. £ natural que, & medida que crescam, os pais alimentem sua maturidade, dando-lhes certas responsabilidades © tarefas domésticas, mas nunca prejudicando sua inféncia. Como aprendemos a fazer parte deste mundo ‘As criangas absorvem mensagens verbais ¢ ndo-verbais como esponjas — indiscriminadamente. Escutam seus pais, 39 observam-nos ¢ imitam seu comportamento. Como é limitada a referéncia que tém fora da familia, as coisas que aprendem fem casa sobre si mesmas e sobre as outras pessoas tornam-se verdades universais que fieam profundamente gravadas em suas mentes, Os modelos que recebem dos pais sio uma parte central para 0 desenvolvimento do senso de identidade numa crianca, particularmente quando ela descnvolve sud identidade sexual. Apesar das grandes mudancas nos papéis dos pais nos ‘iltimos anos, scus deveres sf os mesmos dos nossos pais: 1, Eles devem suprir as necessidades fisieas dos filhos. 2. Dever proteger os filhos de danos fisicos € emocionais. 3. Dever suprir as necessidades de amor, atencao ¢ afeto. 4. Devem estabelecer dirétrizes éticas e morais para os fithos E claro que esta lista poderia ser bem maior, mas estes itens formam a base de uma criagio adequade. Qs pais téxi- cos que estamos deserevendo neste livro raramente vao além do primeiro item. Na maioria das vezes, eles estio (ou es tavam) bastante prejudicados por sua sade mental ou emo- cional, Néo apenas esto incapacitados de suprir as caréncias dos seus filhos, como também esperam ¢ exigem, em muitos 2505, que os fihos atendam as suas necessidades. Quando os pais impingcm suas responsabilidades as criangas, os papéis na familia ficam confusos, distorcidos ou (rocados. A crianga que se vé forcada a ser seu proprio pai, fou mesino a se tornar 0 pai de seu pai, ndo tem ninguém de ‘quem possa seguir o exemplo, respeitar ou com quem possa aprender. Sem um modelo paterno ou materno nessa fase critica do desenvolvimento emocional, a sua identidade fica a deriva, num mar hostil de confuséo. Les, de 34 anos, proprietdrio dé uma loja de artigos esportivos, velo me procurar porque s6 vivia pensando no trabalho, € isto o fazia infetiz “Meu casamento foi por digua abaixo porque minca fiz nada a no ser trabalhar. Minha mulher se can- sou de viver com um rob ¢ foi embora, Agora esté acontecendo a mesma coisa com minha namoreda, Eu odeio isto, Odeio mesmo. Mas simplesmente nao sei relaxar.” Les contou que tinhe dificuldade em exprimir qualquer tipo de emogio, em particular ternura, sentimentos de afoto. wlavra diversdo, ele me disse com grande amargura, no parte do seu vocabulério. “Queria tornar minha namorada feliz, mas toda vez que comegamos a conversar, no sei como, sempre acabo falando em trabalho, ¢ cla fica aborrecida. Talvez seja a tnica coisa da qual eu possa falar sem ficar confuso ou dizer besteira.” Les passou a maior parte da primeira sesso ten- lando me convencer dos estragos que fezla em seus relacionamentos. “As mulheres com as quais me envolvo vivem re clamando que no tenho tempo pata elas ou que rio thes dow carinho, E é yerdade. Sou um namo- rado desagradavel, ¢ fui assim também como matido,” Interrompi-o € disse: “E tem uma imagem desagradével de si mesmo, Parece que s6 se sente bem quando esté tra- bathando. Por qué?” “Porque € uma coisa que sei lazer... © fago bem. Trabalho umas 75 horas por semana... mas sem- pre trabalhei at& nfo agtientar mais... desde que era crianga. Sabe, eu era o mais velho de trés me- nninos. Acho que mamie teve uma espécie de esgo- tamenio nervosd quando eu tinha oito anos. A par- tir dai, nossa casa vivia escura, com as cortinas fe- chadas, Ela parecia estar sempre de robe, © nunca falava muito, A lembranca que guardo é de ‘véla com uma xicara de café em uma das mios e um cigerro ma outra, grudada naguelas malditas nove- Jas, Nunca se levantava antes de nés jé termos safdo para a escola. Entdo, eu tinha que alimentar meus 4 iemios mais novos, preparar as merendas € colocé- los no Snibus escolar. Quando voltava para casa, encontravara deitada na frente da televisio, tirando uma de suas sonecas que duravam trés horas. Me- lade do tempo que meus colegas passavam brincando de bola, et ficava preso em casa preparando © jan- tar ou limpando tudo, Afinal, alguém finha que fe er isto.” Perguntei a Les onde estava seu pai esse tempo todo. “Ele viajava muito a servigo, & praticaniente deixou minha mie de lado. A maior parte do tempo dormia no quarto de héspedes... era um casamento bem estranho, Ele a mandou a alguns médicos, mas mio ajudaram em nada, © entio ele jogou a toalha.” _ Disse-a Les que me dofa saber o quanto aguele me- nino devia ter sido solitério. Ele dispensou minha solidarie- dade com esta resposta: “Eu tinha muito o que fazer para sentir pene de mim mesmo.” Ladrées de infancia ‘Quando crianga, Les freqtientemente estava sobrecarre- gado de responsabilidades que, por diseito, eram dos seus pais. Como foi obrigado a ctescer rapido © cedo demais, sua infncia Ihe foi roubada. Enquanto seus amigos brincavam de bola na rua, ele cumpria com as obrigagGes dos pais. Para manter a familia unida, teye que se tomar um adulto em miniatura, Tinha poucas oportunidades de brincar ¢ ser livre. Uma vez que suas nécessidades eram ignoradas, aprenden a lidar com a soliddo e a caréncia afetiva, negando-as. Estava Jd para tomar conta dos outros, Ele mesmo nio interessava, a2 © que torma esse quadro duplamente triste € que além de ter sido o principal responsdivel pelos irmdos, Les tam- bém foi 0 pai de sua mie: “Quando papai estava na cidade, sala para traba- Ihar as sete horas e muitas yezes nfo chegava an- tes da meiamnoite. Na hora que estava stindo, sempre me dizia: ‘Nio se esquera de fazer todo 0 servico de casa e cuide de sua mic, Faga com que ela se alimente bem. Mantenhe seus irmios quietos... vyoja se consegue arrancar um sorriso dela.’ Eu pas- saya muito tempo tentando descobrir como fazer mi- nha mée sorrir. Tinha certeza de que havia alguma coisa que eu pudesse fazer, ¢ a partit dai tudo ccaria bem novamente, .. principalmente com ela; Mas nada mudou, Sinto-me horrivel com relagdo a isto.” Além da responsebilidade de ctridar da casa ¢ educar as criangas, 0 que jé seria uma sobrecarga para qualquer um, Les devia ser o protetor emocional de sua mac. Iss0 fol ums receita para o fracasso, Criangas que se véem nessa troca confusa de papéis, consiantemente no conseguem dar conta de suas obrigagées. F impossivel agirem como adultos, porque tio so adultos. Mas elas néo compteendem por que fracas- sam; sentemse apenas incapazes © culpadas por isso. No caso de Les, sua necessidade de trabalhar muitas ho- ras além do necessitio tinha dois objetivos: evitava 0 con- fronto com a solido e o sentimento de perda de sua infan- cia e de sua vida adulta, ¢ reforgava sua crenga arraigada de que nunca faria o suficiente, Sua fantasia era a de tra- bathar durante muitas horas, para provar que cra uma pessoa capaz e de valor, que daria conta de sua obtigagio. Em essén- cia, cle ainda estava teniando fazer sua mie feliz. Quando & que isto vai acabar? Les ngo via que seus pais continuavam a manipular seu poder xico sobre cle em sua vida adulta. Algumas semanas 43

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