Você está na página 1de 225

D, Bastos

D, Bastos

D a d o s I n te r n a c io n a is d e C a ta lo g a ç ã o n a P u b lic a ç ã o (C IP )
( C ã m a r a B r a s ile ir a d o L iv r o , S p ' B r a s il)

L o m b ro so , C e sa re , 1 8 8 5 -1 9 0 9 .
O h o m e m d e lin q ü e n te / C e s a r e L o m b r o s o ;
tr a d u ç ã o S e b a s tiã o J o s é R o q u e . - S ã o P a u lo :
Íc o n e , 2 0 0 7 . - ( C o le ç ã o f u n d a m e n to s d e d ir e ito )

T ítu lo o tig in a l: U o m o d e lin q u e n te .


IS B N 9 7 8 -8 5 -2 7 4 -0 9 2 8 -5

1 . A n tr o p o lo g ia c r im in a l 2 . C r im e s e c r im in o s o s
3 . C r im in o lo g ia 4 . D ir e ito - F ilo s o f ia I . T ítu lo .
lI . S é tie .

0 7 -1 2 5 8 C D U - 3 4 3 .9 1

Í n d ic e s p a r a c a tá lo g o s is te m á tic o :

1. D e lin q ü e n te s : A n tr o p o lo g ia c r im in a l:
D ir e ito p e n a l 3 4 3 .9 1

r
f1
j
i
i
I
,-
D, Bastos

Cesare Lombroso

o HOM EM D E L IN Q U E N T E

. Tradução e Seleção:
S e b a s tiã o José R oque
.. A d v o g a d o e A s s e s s o r J u r íd ic o E m p r e s a r ia l
P r o f e s s o r d a U n iv e r s id a d e S ã o F r a n c is c o ,
• • •c a m p i" d e S ã o P a u lo e B r a g a n ç a P a u lis ta
tr P r e s id e n te d a A s s o c ia ç ã o B r a s ile ir a d e A r b itr a g e m - A B A R
L A u to r d e 2 6 o b r a s ju r íd ic a s
Á r b itr o e M e d ia d o r

r
fi1<
l' r e im p r e s s ã o - 2 0 1 0

--Icone
j
i
i edi.tora

I
D, Bastos
I
D, Bastos
II D, Bastos

@ C o p y rig h t 2010.
Íc o n e E d ito ra L td a .

T ítu lo O rig in a l
L 'U o m o D e lin q u e n te

T ra d u ç ã o
S e b a stiã o Jo sé R o q u e

C a p a e D ia g ra m a ç ã o
A n d ré a M a g a lh ã e s d a S ilv a

R e v isã o
R o sa M a ria C u ry C a rd o so
;
~-

P ro ib id a a re p ro d u ç ã o to ta l o u p a rc ia l d e sta o b ra ,
d e q u a lq u e r fo rm a o u m e io e le trô n ic o , m e c â n ic o ,
in c lu siv e a tra v é s d e p ro c e sso s x e ro g rá fic o s,
se m p e rm issã o e x p re ssa d o e d ito r
(L e i n º 9 .6 1 0 /9 8 ).

T o d o s o s d ire ito s re se rv a d o s p e la
•. , ÍC O N E E D IT O R A LTDA.
R u a A n h a n g u e ra , 5 6 - B a rra F u n d a
C E P 0 1 1 3 5 -0 0 0 - S ã o P a u lo - S P
F o n e !F a x .: (1 1 ) 3 3 9 2 -7 7 7 1
w w w .ic o n e e d ito ra .c o m .b r
li e -m a i!: ic o n e .le n d a s@ ic o n e e d ito ra .c o m .b r
II

.J
I
I

!
- - - - - - ~ ._ - ---~ -~ ------~ -
;
D, Bastos

V ID A E OBRA DE CESARE LOM BROSO

1 . B io g r a fia d e C e s a r e L o m b r o s o - 2 . O b r a s - 3 . A E s c o la
P o s itiv a d o D ir e ito P e n a l - 4 . I d é ia s s u c e s s o r a s à s d e L o m b r o s o
5 . S u p e r a ç ã o d a M e d ic in a 'L e g a llo m b r o s ia n a

1 . B io g ra fia d e C e sa re L o m b ro so

C e sa re L o m b ro so n a sc e u m i c id a d e d e V e ro n a , b e m
c o n h e c id a c o m o a te rra d e R o m e u e Ju lie ta , e m 1 8 3 5 . Q u is
e stu d a r m e d ic in a , m a tric u la n d o -se n a U n iv e rsid a d e d e P a v ia ,
la u re a n d o -se e m 1 8 5 8 , a o s 2 3 a n o s. P ro fissio n a lm e n te , fo i
m é d ic o , e in te le c tu a lm e n te u m filó so fo .
~ C om eçou o e x e rc íc io d a m e d ic in a im e d ia ta m e n te ao
se r la u re a d o m é d ic o , e sp e c ia liz a n d o -se m a is n a p siq u ia tria .
A o se r n o m e a d o d ire to r d o m a n ic ô m io n a c id a d e d e P e sa ro ,
I in ic io u su a lig a ç ã o c o m o s d o e n te s m e n ta is, a q u e m d e d ic o u
!';'
g ra n d e p a rte d e se u s e stu d o s e su a v id a . Im p o rta n te fo i su a
t
v iv ê n c ia p siq u iá tric a , a o re la c io n a r a d e m ê n c ia c o m d e lin -
••f q ü ê n c ia . S u a s e x p e riê n c ia s n e ssa á re a fo rn e c e ra m a e le a s
~ b a se s p a ra a p ro d u ç ã o d e su a o b ra G ê n io e L o u c u r a , p u b lic a d a
fiJ em 1870.

.J.•.
!
D, Bastos

C edo tam bém passou a ser m édico da penitenciária de


T urim e de outras cidades; foi nom eado m édico m ilitar, o
que justifica seu vínculo intelectual com os delinqüentes e
os m ilitares, m orm ente os m arinheiros. G rande parte de suas
pesquisas contou com a-participação-de m arinheiros.
A os 30 anos assum e a cátedra na F aculdade de M edi-
cina de T urim , que só deixou no final de sua vida.

2. O bras

• 1874 -G ênio e loucura


• 1876 -O hom em delinqüente
• 1891 -O delito
• 1891 -O anti-sem itism o e as ciências m odernas
• 1893 -A m ulher delinqüente, a prostituta e a m ulher
,. norm al
• 1893 -A s m ais recentes descobertas e aplicações da
psiquiatria e antropologia crim inal
• 1894 - O s anarquistas
• 1894 - O crim e, causas e rem édios

3. A E scola P ositiva do D ireito P enal

L om broso não foi só criador da A ntropologia C rim inal,


m as suas idéias revolucionárias deram nascim ento a várias
iniciativas, com o o M useu P siquiátrico de D ireito P enal, em
T urim . D eu nascim ento tam bém à E scola P ositiva de D ireito
P enal, m ovim ento de idéias no D ireito P enal, constando da
form a positiva de interpretação, baseada em fatos e inves-
tigações científicos, dem onstrando inspiração do positivism o
de A ugusto C om te. M ais precisam ente, a escola de L om broso
é a do positivism o ev.olucionista, inspirada por D arw in, de

~
D, Bastos

quem L om broso fala constantem ente. A E scola P ositiva do


D ireito P enal surgiu com a vida de L om broso, no século X IX .
U m apego positivo aos fatos, por exem plo, é o estudo
dedicado às tatuagens, com base nas quais L om broso fez elas-
sificaçãodos aiversõs tipos de crim inosos. "D edicou ex;íus~ tivos
estudos a essa questão, investigando centenas de casos e lou-
vando-se nos estudos sobre as tatuagens, desenvolvidos por
vários cientistas, com o L acassagne, T ardieu, de P aoli, e até
m esm o os da antiga R om a. F ato constatado e positivo é que
os dem entes, em grande parte, dem onstram tendência à
tatuagem , a par de outras tendências estabelecidas, com o a
insensibilidade à dor, o cinism o, a vaidade, falta de senso
m oral, preguiça, caráter im pulsivo .
O utro apego científico, para justificar suas teorias, foi
a pesquisa constante na m edicina legal, dos caracteres físicos
e fisiológicos, com o o tam anho da m andíbula, a conform ação
do cérebro, a estrutura óssea e a hereditariedade biológica,
referida com o atavism o. O crim inoso é geneticam ente deter-
m inado para o m al, por razões congênitas. E le traz no seu
âm ago a rem iniscência de com portam ento adquirido na sua
evolução psicofisiológica. É um a tendência inata para o crim e.
P elas idéias de L om broso, e é o ponto m uito criticado
de sua teoria, o crim inoso não é totalm ente vítim a das cir-
cunstâncias sociais e educacionais desfavoráveis, m as sofre
pela tendência atávica, hereditária para o m al. E nfim , o delin-
qüente é doente; a delinqüência é um a doença.

, A reação desfavorável à teoria lom brosiana baseia-se


na consideração de que ele despreza o livre-arbítrio e não
deve o crim inoso ser responsabilizado, um a vez que ele não
tem forças para lutar contra seus ím petos. E ssa idéia seria a
~ form a de defesa dos advogados crim inalistas. T odavia,

I
L om broso não era defensor dos crim inosos; o crim inoso de
ocasião deveria ser segregado da sociedade, por ser perigo

~-
D, Bastos

c o n s ta n te p a ra e la . E le n ã o fa la e m p e n a d e m o rte , m as se
m o s tra fa v o rá v e l a e la e à p ris ã o p e rp é tu a .
N um o p ú s c u lo p u b lic a d o em 1 8 9 3 , d e n o m in a d o As
~mais recen.cesflescobercase aplicações d a psiquiatria e antropologia
criminal, L o m b ro s o e x p re s s a o s e g u in te p e n s a m e n to :

" N a re a lid a d e , p a ra o s d e lin q ü e n te s -n a to s


a d u lto s não há m u ito s re m é d io s ; é n e c e s s á rio
is o lá -lo s p a ra s e m p re , nos casos in c o rrig ív e is , e
s u p rim i-lo s quando a in c o rrig ib ilid a d e o s to rn a
d e m a s ia d o p e rig o s o s " .

A pesar d a c ru e z a e a d u re z a d e s e u p e n s a m e n to , Lom -
b ro s o p ro c u ra s e r b ra n d o c o m a s p a la v ra s , m a s o tre c h o a c im a
e x p o s to n o s fa z ,e n te n d e r q u e a ú n ic a s o lu ç ã o é a m o rte ou,
quando m u ito , a p ris ã o p e rp é tu a .
T o d a v ia , v a m o s . re p e tir. q u e L o m b ro s o . n ã o c o n s id e ra
d e s c u lp á v e l o c o m p o rta m e n to d e litu o s o , causado p o r te n d ê n -
c ia s h e re d itá ria s . N ão apenas o s tra ç o s fís ic o s e c e rta s fo rm a s
b io ló g ic a s le v a m o ser hum ano a o c rim e . O u tra s c a u s a s e x is -
te m e e s ta s p o d e m m a s c a ra r o u a n u la r a s te n d ê n c ia s m a lé -
v o la s d e c e rto s in d iv íd u o s . N ã o s e ju s tific a a re n ú n c ia à lu ta ,
p o r p a rte d o d e lin q ü e n te e d o s q u e e s te ja m a s u a v o lta , c o n tra
o s fa to re s c o n g ê n ito s o u in a to s q u e o in c lin a m p a ra a v id a
d e litu o s a .
O s fa to re s e x tra s s ã o m u ito v a ria d o s : o c lim a , o g ra u
• d e c u ltu ra e c iv iliz a ç ã o , a d e n s id a d e d e p o p u la ç ã o , o a lc o o -
lis m o , a s itu a ç ã ó e c o n ô m ic a , a re lig iã o . A c o n s id e ra ç ã o dada
a e s s e s fa to re s to rn a p é tre o u m C ó d ig o P e n a l p a ra u m v a s to
p a ís , p o is e m c a d a re g iã o p re d o m in a m fa to re s m u ito d ife re n te s .

M a is d e u m s é c u lo d e p o is , p a re c e q u e a s id é ia s d e L o m -
b ro s o ganham c o rp o (p e lo m enos n o B ra s il a tu a l.

li'l
I'
1'1'1

:J
D, Bastos

4. Id é ia s s u c e s s o ra s à s d e L o m b ro s o

É p a te n te a in flu ê n c ia d e L o m b ro s o s o b re s e u s p o s te rio -
re s , n a s á re a s d o D ire ito P e n a l, d a C rim in o lo g ia e d a M e d ic in a
L e g a l. É p rin c ip a lm e n te n a A n tro p o lo g ia C rim in a l, c iê n c ia
d a q 'u a l'e lê fo i o fu n d a d o r, 'é o m a c o la b o n iç a o â in d a em v id a
d e F e rri e G a ro fa lo , que L o m b ro s o assum e papel d e m a io r
re le v â n c ia . Ín tim a s u c e s s o ra d e le fo i s u a filh a , G in a L o m b ro s o
F e rre ro , b ió g ra fa e c o la b o ra d o ra , re s p o n s á v e l p e la d iv u lg a ç ã o
in ic ia l d e s u a s id é ia s . A liá s , G in a c o la b o ro u com o pai em
v á ria s o b ra s .

O u tra filh a d e L o m b ro s o , P a o la , n o ta b iliz o u -s e na peda-


g o g ia e n a p s ic o lo g ia in fa n til, e s c re v e n d o n u m e ro s a s h is tó ria s
in fa n tis e c ria n d o a p s ic o lo g ia in fa n til, c o m n ítid a in flu ê n c ia
d e s e u ilu s tre p a i. O m a rid o d e P a o la , n o tá v e l c rim in a lis ta
M á rio C a rra ra , e s c re v e u v á ria s o b ra s d e D ire ito P e n a l e C rim i-
n o lo g ia . C a rra ra fo i a in d a o d ire to r do M useu d e P s iq u ia tria
e C rim in o lo g ia , c ria d o p o r L o rn b ro s o . e m 1 8 9 8 . L o m b ro s o
. te v e c in c o filh o s , m a s s ó G in a e P a o la a d q u irira m fa m a . G in a
p o r s u a v e z fo i c a s a d a c o m o h is to ria d o r G u ilh e rm e F e rre ro ,
g ra n d e d iv u lg a d o r d a te o ria lo m b ro s ia n a .

In fe liz m e n te , a fa m ília d e L o m b ro s o s o fre u p e rs e g u iç ô e s


p o r s e r d e o rig e m is ra e lita , sendo o b rig a d a a re fu g ia r-s e na
S u íç a , o que v e io a tru n c a r o tra b a lh o d e d iv u lg a ç ã o das
o b ra s d o m e s tre . A p rin c íp io , a Itá lia fa s c is ta n ã o tin h a c o n o -
ta ç ã o a n ti-s e m ita , m a s o tra ta d o com a A le m a n h a n a z is ta
fe z o p a ís a c o m p a n h a r a p e rs e g u iç ã o a o s ju d e u s ; e m b o ra L o m -
b ro s o já fo s s e fa le c id o , s u a fa m ília s o fre u a s c o n s e q ü ê n c ia s
d a o rig e m .

O s s u c e s s o re s m a is im p o rta n te s d e L o m b ro s o e p a rtic i-
p a n te s d o tra b a lh o e d o s e s tu d o s d o g ra n d e m e s tre , fo ra m
G a ro fa lo e F e rri. R a ffa e lle G a ro fa lo (1 8 5 1 -1 9 2 0 ) fo i c o m
L o m b ro s o e F e rri fu n d a d o r d a E s c o la P o s itiv is ta d o D ire ito
P e n a l e d a C rim in o lo g ia ; e le c o n s id e ra v a e s ta c o m o o con-

.,~;4.,..
"" ~ ~ -~
D, Bastos

junto de conhecim entos referentes ao crim e e ao crim inoso.


Seus estudos previram a form ação da Psicologia Crim inal.
Por outro lado, Enrico Ferri (1856-1929), professor da
U niversidade de Turim , era advogado crim inalista e pendeu
m aispara0 aspecto sociológiéô;~éoque atesta sua m ais i~por-
tante obra: Sociologia Criminal, publicada em 1892. Fez parte
da com issão elaboradora do Código Penal italiano, m as o
projeto dessa com issão foi substituído por outro. Ferri form ou
com G arofalo, Ferrero, Carrara, G ina e Paola, os grandes
vultos da Escola Positiva do D ireito Penal, m as esta escola
teve poucos seguidores, um a vez que as idéias da M edicina
Legal evoluíram para outra direção.

5. Superação da M edicina Legal Lom brosiana


"
,;
O s m odernos cultores da M edicina Legal consideram
fracas as teorias lom brosianas. A s pesquisas nos crânios e
esqueletos não chegam a form ar segura conclusão sobre as
correlações da ossatura com o com portam ento psicológico.
O s fatos são insuficientes para autorizar a tendência heredi-
tária (atávica) de um ser hum ano para a vida crim inal, cau-
sada pela conform ação física.
A s pesquisas de Lom broso ocorreram por volta de 150
anos atrás, quando não havia recursos suficientes para os
exam es, com o por exem plo, o D N A . Lom broso não pôde
contar com dados m ais seguros e científicos em que pudesse
se basear.
A lguns de seus críticos se apegam até m esm o na litera-
tura, com o a história dos irm ãos corsos: eram xifópagos e do
m esm o sangue; nasceram ligados e foram separados. Todavia,
viveram em am bientes diferentes e cada um form ou seu tipo
de personalidade. Portanto, pode o crim inoso nascer com
certos caracteres degenerados, m as poderá m odificar-se por

,I'

11:1,
D, Bastos

seu esforço e pelo tipo de educação que receber. O ser hum a-


no é, portanto, fruto do m eio em que vive e se desenvolve.
Ele pode nascer doente, m as a doença pode ter cura, o que,
~?ttás, Lom !:>Joso nunç~J)egou. ,,~_
Segundo os crim inalistas, o autor de um crim e deveria
ser então encam inhado a um m édico e não a um juiz. O utros
afirm am que m uitos crim inosos se recuperam e outros en-
traram na vida crim inal em fase adiantada de sua vida, tendo
revelado anteriorm ente vida norm al. Poderíam os estar gene-
ralizando alguns fatos isolados. É a razão pela qual a Escola
Positiva do D ireito Penal teve curta duração, e sua revives-
cência, m uitos anos m ais tarde, m udou os critérios adotados,
a princípio, por Lom broso.
Todavia, o m undo todo reverenciou a figura de Lom -
broso, com o a cidade de São Paulo, que deu o nom e de "Pro-
fessor César Lom broso" a um a rua no bairro do Bom Retiro.
Entretanto, são incontáveis os m éritos de Lom broso,
segundo reconhecem os próprios críticos. Estudou apaixo-
nadam ente, m as com seriedade e dedicação, durante anos e
sem esm orecim ento, o crim e e suas causas, bem com o a figura
do crim inoso. M uitas de suas conclusões tornaram -se rele-
vantes e úteis ao direito. É m arcante seu em penho à procura
das causas do crim e e seus rem édios; procurou ainda conhecer
o crim inoso e suas diferenças do ser hum ano com um e norm al.
É conveniente ainda ressaltar que não apenas os fatores
atávicos, hereditários, influenciaram a tendência para o
t. crim e. O m eio am biente, a educação, o clim a e vários outros
fatores foram analisados e invocados por Lom broso. O livre-
t' arbítrio não foi colocado à m argem . H á pois um com plexo
•..l'I' de fatores influenciando a form ação do delinqüente.
•• U m fato, porém , foi confirm ado pela psicologia m oder-
na e por m uitas teorias m édicas e psicológicas: há correlação
entre o físico e o psíquico, ou seja, a conform ação física pro-

'"~ti,-(.""i'"
D, Bastos

voca caracteres psicológicos e psiquiátricos, e vice-versa. P or


outro lado, os sucessores de L om broso defenderam a teoria
de que fatores psicológicos influenciam a form ação fisiológica
e os caracteres físicos. P or exem plo, a vida crim inal acaba na
form ação de caracteres fís;cos,~de iiC fõrm a que o crim inoso
pode trazer na face os traços reveladores de sua vida facino-
rosa. D a m esm a form a com o estados de angústia, inveja, in-
conform ism o, revolta, vingança, ódio, desavenças na fam ília,
no trabalho e dem ais am bientes em que vive o ser hum ano,
podem causar transtornos na sua fisiologia, com o diabete,
úlceras, desacertos de pressão, hipertensão arterial, aum ento
da, taxa de colesterol e outros fatores patológicos.

"
I ;..,"
1
I ll
:''t" 'F<
':i
D, Bastos

,
Indice

1. O S D E L IT O S E O S O R G A N IS M O S IN F E R IO R E S , 21
1. A s aparências do delito nas plantas e nos anim ais, 2I
2. O delito no m undo zoológico, 23
3. M orte para o uso das fêm eas, 24
4. M orte por defesa, 25
5. M orte por cobiça, 25
6. M ortes belicosas, 26
7. C anibalism o sim ples, 26
8. C anibalism o com infanticídio e parricídio, 26

2. T A T U A G E N S NOS D E L IN Q Ü E N T E S , 29
1. C olaboradores, 29
2. C rim inosos, 32
3. O bscenidade, 33
4. M ultiplicidade, 34
5. P recocidade, 36
6. A ssociação. Identidade, 36
7. C ausas: R eligião - Im itação - E spírito de vingança -
O ciosidade - V aidade - E spírito gregário - P aixão -
1, P ichação - P aixões eróticas - A tavism o, 37

lili ~. -ç 13
<.,o("'"'I''''~''''~
~.-<'F,-",t!;!
D, Bastos

8 . T atu ag em n o s d em en tes, 4 4
9 . T rau m as, 4 5

..3 . S O B R E A S E N S IB IL ID A D E G E R A L , 4 7 ..
.
1 . A n alg esia, 4 7
2 . S en sib ilid ad e g eral, 4 8
3 . A lg o m etria, 4 8
4 . S en sib ilid ad e táctil, 4 9
5 . V isão , 4 9
6 . A cu id ad e v isu al, 5 0
7 . S en sib ilid ad e m ag n ética, 5 0
8 . S en sib ilid ad e m eteó rica, 5 0
9 . D in am o m etria, 5 1
1 0 . C an h o tism o , 5 1
:tl 1 1 . A n o m alias d a m o b ilid ad e, 5 2
,".
'I"
K' 4 . S O B R E A S E N S IB IL ID A D E A F E T IV A , 5 3
1 . A u sên cia d ela (L acen aire e M artin ati), 5 3
2 . T ro p p m an n e B o u tellier: In d iferen ça à p ró p ria m o rte, 5 4
3 . O s crim in o so s d ian te d a ex ecu ção , 5 6
4 . C o n clu são , 5 8

5 . A D E M Ê N C IA M O R A L E O S D E L IT O S E N T R E A S
C R IA N Ç A S , 5 9
1 . C ó lera, 5 9
2 . V in g an ça, 6 1
3 . C iú m es, 6 1
4 . M en tiras, 6 2
5 . S en so m o ral, 6 4
6 . A feto , 6 5 t
7 . C ru eld ad e, 6 6

14
8 . P reg u iça e ó cio , 6 7
9 . G íria, 6 8 "
I
~
,
• D, Bastos

1 0 .V aid ad e,6 8
1 1 . A lco o lism o e jo g o , 6 9
1 2 . T en d ên cias o b scen as, 7 0
1 3 . Im itaçõ es, 7 0
, .. ~ .-T 4 .'D eseh v o lv iin en to d a d erriên ciã"rrió raC 7 r" ~~

6 . C A S U ÍS T IC A (d e d elito s n o s m en in o s), 7 3

7 . S A N Ç Õ E S E M E IO S P R E V E N T IV O S D O C R IM E D O S
M E N IN O S , 8 5

8. D A S PEN A S, 87
1 . O s p rim ó rd io s d as p en as, 8 7
2 . V in g an ça p riv ad a, 8 8
3 . V in g an ça relig io sa e ju ríd ica, 8 9
4 . P rep o tên cia d o s ch efes. D elito s co n tra as p ro p ried ad es, 8 9
5 . T ran sfo rm ação d a p en a. D u elo , 9 1
6 . C astig o . R estitu ição , 9 3
7 . O u tras cau sas d a co m p en sação , 9 3
8 . P o sses p atrim o n iais, 9 4
9 . C h efes, 9 5
1 0 . R elig ião , 9 5
1 1 . S eitas, 9 6
1 2 . A n tro p o fag ia ju ríd ica, 9 7
1 3 . C o n clu são , 9 7

9 . S U IC ÍD IO D O S D E L IN Q Ü E N T E S , 99
1 . F req ü ên cia. T em p eratu ra, 9 9
2 . P risão . É p o ca d a d eten ção d o s d elin q ü en tes, 100
ti
3 . Im p rev id ên cia e im p aciên cia, 1 0 1

I
~
(~,
:" '~ ~ -
, • • •;O ~ '"
.
4 . R elaçõ es co m a ten d ên cia ao crim e, 1 0 3
5 . A n tag o n ism o , 1 0 4

15
D, Bastos

6. Suicídio indireto e misto, 105


7. Suicídio por superstição, 105
8. Suicídio simulado, 106
9. Suicídio duplo, 107
1O.'SuiCídio nos~dementesáimiri.osos, 108

10. AFETOS E PAIXÕES NOS DELINQÜENTES, 1I 1


1. Afetos, 111
2. Instabilidade, 113
3. Vaidade, 113
4. Vaidade do delito, 114
5. Vingança, 115
6. Crueldade, 116
7. Vinho e jogo, 118
8. Outras tendências, 121
9. Comparação com os dementes, 124
10. Comparação com os selvagens, 125

11. A RELIGIÂO DO DELINQÜENTE, 127

12. INTELIGÊNCIA E INSTRUÇÂO DOS DELIN-


QÜENTES, 133
1. Dados estatísticos, 133
2. Preguiça, 135
3. Inconstância mental, 136
4. Imprevidência, 136
5. Especialistas do delito, 138
6. Envenenadores, 140
7. Pederastas, 140
8. Estupradores, 141 ~
I 9. Ladrões, 141
I! 10. Estelionatários, '142
I ~
~
I 1!
''I 16 u
4R

Il~
11
I!"
E
r D, Bastos

11. Assassinos, 142


12. Ociosos e vagabundos, 143
13. Delinqüentes geniais, 144
14. Delinqüentes científicos, 148
'~ 15. Comparação com a inteligência âcis deriú,;ntes;--150

13. REINCIDÊNCIA PRÓPRIA E IM PRÓPRIA. M ORAL


DOS DELINQÜENTES, 153
1. Estatísticas italiana, russa e francesa das reincidências, 153
2. Reincidência e sistemas prisionais. Crimes nas prisões, 154
3. Reincidência e instrução, 156
4. Reincidência imprópria: Reincidência segundo os vá-
rios crimes - Reincidentes jovens - Provérbios popula-
res - Senso moral, 156
5. Remorsos, 160
6. Não sentem, ainda quando compreendem o mal. Idéia
da justiça freqüentemente certa, 163
7. Injustiça recíproca, 167
8. Comparação com os dementes, 169
9. Comparação com os selvagens, 170
10. Origem provável da justiça, 171

14. ]ARGÂO (GÍRIA), 173


1. Atributos substitutos, 173
2. Documentos históricos, 174
3. Desfiguração de palavras, 174
4. Palavras estrangeiras, 175
5. Arcaismos, 175
6. Caracteres e índole das gírias, 175
7. Difusão, 176
~;-- 8. Gênesis do jargão, 177
9. Gíria em sociedades, 177
10. Caracteres: extravagâncias, 178
~
~
u..'-- .
R'o~ ..••.•...
" , ,"'. 17
E;"';:'.
D, Bastos

11. Causa: contato, 179


12. Causa: tradição, 179
13. Causa: atavism o, 180
14. Causa: prostitutas, 181
15. Dem entes, 182

~ 15. ASSOCIAÇÃO PARA O M AL, 185


1. Banditism o, m áfia e cam orra, 185
2. Sexo, idade, condição, 186
3. Organização, 186
4. Cam orra, 187
5. M áfia, 188
6. Código dos crim inosos, 190

i: 16. DEM ENTES M ORAIS E DELINQÜENTES NATOS, 193


1. Justas hesitações, 193
t.~!
1 > 2. Estatísticas dos dem entes m orais, 195
:;1 "
3. Peso, 196
4. Crânio, 196
5. Fisionom ia, 197
6. Insensibilidade à dor, 198
7. Tato, 199
8. Tatuagem , 199
9. Reação etílica, 199
10. Agilidade, 200
11. Sexualidade, 200
12. Senso m oral, 200
13. Afetividade, 203
14. Altruísm o, 203
15. Vaidade excessiva, 204
16. Inteligência, 204

l' 18
17. Astúcia, 206
18. Preguiça, 206 ,,'

1
I1
!t
'!', ," .,
', ,,! ~
-- -" --- .._-- _ .. - ------ - '---- . .~ ~ ----
-----,----.
fl, D, Bastos

.'
(

19. Atividade doentia, 207


20. Pretensões de diferenças, 207
• 21. Prem editação, 208
22. Espírito de associação, 209
~",.
23. Vaidade ao deli io~210" .
24. Sim ulação, 211
25. Sintom atologia da dem ência m oral nas outras, 211
26. Histologia patológica da dem ência m oral, 211
27. A hereditariedade da dem ência m oral, 212

17. FORÇA IRRESISTÍVEL NO ÍNTIM O DOS DELIN-


.,. QÜENTES M ORAIS, 217
~ 1. Força irresistível, 217
2. Força irresistível dos crim inosos. Confissões, 220
3. Outros exem plos de crim inosos, 220
4. Livre arbítrio, 223

I
1t
1% <-
19
',' ...• - ,'~'"' '.
. """-"'~..
D, Bastos

,
r D, Bastos

,-

1. Os D E L IT O S E OS

O R G A N IS M O S IN F E R IO R E S

1. P.s .aparências d o delito nas plantas e n o s animais


delito n o mundo zoológico - 3 . Morte para o uso
2. O
das fêmeas - 4 . Morte por defesa -- 5 . Morte por cobiça
ó. Mortes belicosas - 7 . Canibalismo simples
8. Canibalismo com infanticídio e parricídio

1 . A s a p a rê n c ia s do d e lito nas p la n ta s e nos a n im a is

A pós te r E s p in e s a p lic a d o o e s tu d o d a z o o lo g ia à s c iê n -

c ia s s o c io ló g ic a s e A g n e tti à s e c o n ô m ic a s e H o u g la n à s p s ic o -

ló g ic a s , e ra n a tu ra l que a nova e s c o la p e n a l, que ta n to se

se rv e d o s m o d e rn o s e s tu d o s s o b re a e v o lu ç ã o , p ro c u ra sse a p li-

cação d e le s à a n tro p o lo g ia c rim in a l, e te n ta s s e , a n te s , fa z e r

d e le s o p rim e iro fu n d a m e n to . R e a lm e n te , à m in h a p rim e ira

te n ta tiv a a e s te p ro p ó s ito se g u e -se lo g o o u tra de L acassagne

e um e s tu d o , q u e , s e p o d e ria d iz e r, q u a s e c o m p le to , d e F e rri.

A ta re fa p a re c e bem s im p le s ; d ir-s e -ia a n te s , dar um

o lh a r s u p e rfic ia l a o s fe n ô m e n o s n a tu ra is com apenas o s m ío -

p e s c rité rio s hum anos, p a ra 's e v e r c o m o o s a to s re p u ta d o s ,

21
..•.•. .- ....•••• - .,....-

J;,
D, Bastos

,
nós, com o m ais crim inosos, sejam os m ais naturais. S ão "
lifusos e freqüentes nas espécies anim ais e até nas plantas,
, ndo-nos com o bem disse R enan na natureza o exem plo
'"ais im placável.insensibilidacle e clfl IT laiqJi111or~ Jidad~ ~ '.,
ot'
Q uem não conhece as belas observações que, depois
'arw in, D rude, K olm , R ies e W ill, fizeram sobre as plantas
lÍvoras, em não m enos do que onze espécies de droserá-
, quatro de saracênias, cinco de nepentáceas, onze de ultri-
rias, além do Cephalotus follicularis, que com etem verda-
;.os assassinatos entre os insetos. Q uando, por exem plo,
inseto, por m enor que seja, até m esm o m ais leve do que
.,i m ilésim o de gram a fica sobre o disco folhar de um a dro-
':a e parece que nem sem pre isso acontece por acaso, m as
,crai com o odor de certas secreções da folha, é, por esta

r4:
.~ ,;;tam ente envolvido e com prim ido por num erosos tentá-
; .•. : '.los, cerca de 192 por folha, que se com prim em nas costas
~~
.
,',' 1 dez segundos, e atingem em um a hora e m eia o centro da
..• ~-

}
~j ;("na. S ó se relaxam quando a vítim a estiver m orta e parcial-
'"."...
~ -;
" 'ente digerida, graças a um ácido e um ferm ento m uito aná-
,C ;oà nossa pepsina, segregada em grande quantidade pelas
'Jndulas. E stas glândulas agem sobre o tentáculo vizinho e
us circunstantes, com m ovim ento sim ilar, crê D arw in, àque-
do m oto reflexo nos anim ais.
• Q uando um inseto pousa de um lado do disco folhar,
tentáculos circunstantes se curvam sobre o ponto de exci-
ção, em qualquer parte que seja; o im pulso m otor, quando
defende de um a ou m ais glândulas, atravessa o disco, pro-
~ ga-se até a base dos tentáculos vizinhos, age por sua vez
ÍJre um ponto de excitação, aum enta a secreção das glându-
" e a acidifica, e estas por sua vez, agem sobre o protoplasm a.
N a Dionea muscípula não se provocam as contrações
i
's crinas hom icidas com sopro ou corpo líquido, m as apenas
,m corpo sólido, que sejam nitrogenados e úm idos. N ota-
\

I"",
."i~l.J l
,. ----- . -~ -- - '~ 7 - _ .- ._ ,

D, Bastos

se m ais que as crinas cruzadas deixam escapar o inseto m iúdo


que não servia para sua nutrição.
N as Pinguicoles, as gotas de água não fazem encrespar
as folhas e nem absorvem a substância sólida que não seja
orgâci~ a. O s fluídos não';';itrogénados~ m as densos,provocam ~ .. '

a secreção das glândulas, m as não copiosa nem ácida, en-


quanto que m uito copiosa e fatal seja a secreção e o rápido
encurvam ento quando se trata de um corpo azotado (com o
de um inseto).
A Genlisea ornara prende os pequenos anim ais precisa-
m ente com o os pescadores usam na arm adilha para a enguia .

2. O delito no m undo zoológico

T anto m ais clara se torna a analogia quando se passa ao


m undo zoológico. E já pelos crim es de m orte entre os anim ais,
F erri pôde distinguir não m enos de 22 espécies, das quais não
poucas são análogas àquela contem plada nas nossas coletâneas.
A ssim , a m orte pela procura de alim ento, da qual creio
inútil dar exem plos, tantos são eles com uns, e correspon-
deriam aos nossos delitos por causa da fom e ou da carestia.
D a m esm a form a, os m aus-tratos e a m orte pela chefia do
grupo, que seriam os nossos delitos por am biç~ o e outros, e
que se vêem nos cavalos, touros e veados.
B asta um a m acaca entrar na jaula de um jardim zooló-
gico, as com panheiras exam inam os m úsculos e os dentes
dela, exam inando os lábios para ver se é o caso de respeitá-
la, ou se a possam m altratá-la im punem ente. A i dos m acacos
pequenos e débeis, de dentes curtos, ou vacilantes, se não
encontrarem protetores que gostam de proteger e acariciar
os pequenos, ainda que sejam de espécies diferentes.
O m acaco que tenha dente m ais robusto e m ais longo
é adulado, esfregado, acariciado pelos m ais débeis; as hom e-

23
,.
l i,.;-,';" .•.
""~n.
D, Bastos
".~
••
~
f"
n a g e n s se e ste n d e m ta m b é m à su a p ro le , a in d a q u e se ja fe ia
e ra q u ític a .
••
-.
O s g o rila s c o stu m a m te r u m só c h e fe , u m m a c h o a d u l-
to . A ra z ã o é a d e q u e o m a is fo rte c a ç a se m p re o s o u tro s e o s
m a ta ~ 'O s jo v e n s m a ê h o s; d e p 6 isq ü e c i-e s'c e m 'e a .d q tiire m ~ ' -
to d a a su a fo rç a , a ta c a m o s v e lh o s e n ã o se d e tê m e m m a tá -
lo s q u a n d o q u e re m liv ra r-se d e le s. O s rarpans, c a v a lo s se lv a -
g e n s d a R ú ssia , se b a te m c o m irrita ç ã o p e lo c o m a n d o , que
c a b e a u m só .

A s a b e lh a s só tê m u m a ra in h a e se a c a so su rg ire m a lg u -
m a s c o n c o rre n te s, e sta s sã o m o rta s. T a m b é m é c o lo c a d a à
m o rte a v e lh a ra in h a q u a n d o n a sc e a su a riv a l. A v e lh a so b e -
ra n a , p o r su a v e z , fa z to d a s a s te n ta tiv a s p a ra to rn a r im p o ssív e l
;
a a sc e n sã o a o tro n o d e su a riv a l; p re c ip ita -se n o s a p o se n to s ,
q u e g u a rd a m a ra in h a -la rv a , fe re e m a ta to d a s a s h a b ita n te s.

3 . M o rte p a ra o u so d a s fê m e a s

P a ra to d o s o s a n im a is d e g e ra ç ã o se x u a l é tã o c o m u m
a lu ta d o s m a c h o s p a ra sa tisfa z e r o in stin to d e p ro c ria ç ã o ou
a p o ssa r-se d a fê m e a e e ste fa to d e u o rig e m à h ip ó te se d a rw i-
n ia n a d a e sc o lh a se x u a l.

C o m o a m o r c re sc e o c iú m e e o ó d io c o n tra o riv a l;
c o m b a te m -se a sp e ra m e n te e a té o s m a is tím id o s to rn a m -se
o u sa d o s e lu ta d o re s. O s le õ e s, o s tig re s, o s ja g u a re s, o s le o p a r-
d o s sã o te rrív e is n a s lu ta s a m o ro sa s. H e rn e c o n ta q u e o s b o is
a lm isc a ra d o s se c o n fro n ta m d e fo rm a tã o e n c a rn iç a d a nos
m o m e n to s d e e x c ita ç ã o se x u a l q u e m u ito s m o rre m e a s fê -
m e a s e n tã o e x c e d e m , n e ssa e x c ita ç ã o , os m achos e m a lta
p ro p o rç ã o . B re h m fa la d a s lu ta s a m o ro sa s d o s g a to s, d o s
c a n g u ru s, d o s c a m e lo s. O s c e rv o s e o s a lc e s e stã o e n tre o s
m a is e n c a rn iç a d o s litig a n te s. O s c e rv o s d a V irg ín ia sã o tã o
fe ro z e s n a lu ta q u e tra v a m d u ra n te o d ia in te iro , e , à v e z e s,

,
24
J_
D, Bastos

o s d o is a d v e rsá rio s, e n tre la ç a n d o c o m v ig o ro so g o lp e d e c a b e -


ç a o s se u s c h ifre s, n ã o c o n se g u e m m a is p a ra r e su c u m b e m .

4 . M o rte ~ e ,< > rd e fe sa

S a b e -se q u e o s h a b ita n te s d e u m a c o lm é ia n ã o a c e ita m


a b e lh a s e stra n g e ira s e m se u m e io . U m a p ic u lto r p e g o u u m a
a b e lh a e a c o lo c o u n o m e io d e o u tra s q u e e sta v a m d e se n ti-
n e la n a e n tra d a d a c o lm é ia . E sta s c a íra m so b re a in tru sa in -
v o lu n tá ria , m a ta ra m -n a e a a tira ra m fo ra d o lo c a l. P o d e a c o n -
te c e r q u e u m a ra in h a te n d o -se p e rd id o , v o lta n d o do vôo
n u p c ia l, se in tro d u z a n u m a c o lm é ia a lh e ia , c u ja e n tra d a e ste ja
m a l p ro te g id a ; nada p o d e ria sa lv á -la d a m o rte c e rta ,p e la
fo m e , p o r su fo c o o u p o r v e n e n o .
É sa b id o q u e o s m a c h o s tê m a ú n ic a m issã o d e fe c u n d a r
a ra in h a , e n q u a n to q u e a s a b e lh a s o p e rá ria s p ro v ê m à m a n u -
te n ç ã o d a so c ie d a d e d e la . P o ré m , n o o u to n o , a o fim d o v e rã o ,
u m a v e z te rm in a d o o v ô o n u p c ia l e c o m e ç .a n d o a e sc a sse z d e
a lim e n to s, a s o p e rá ria s a p u n h a la m o s m a c h o s c o m se u s fe r-
rõ e s, o u o s e x p u lsa m d a c o lm é ia , q u a n d o e n tã o e le s m o rre m
d e frio e m e la n c o lia .

5 . M o rte p o r c o b iç a

A s fo rm ig a s, q u e c ria m o s a fíd io s p a ra c h u p a r a d o c e
se c re ç ã o d e le s, p re fe re m c o m a ra p in a c u id a r d e se u re b a n h o .
F o re l o b se rv o u u m a c o lô n ia d e fo rm ig a s exeere a g re d ir in tre p i-
d a m e n te d o is n in h o s d e o u tra s d u a s e sp é c ie s. D e p o is d e h a v e r
e x te rm in a d o m u ito s in im ig o s, a s a ssa lta n te s se p re c ip ita ra m
so b re o s filh o te s q u e a li c re sc ia m e d e ra m c a ç a d e sa p ie d a d a
à s fo rm ig a s, p a ra a p o d e ra r-se d o s a fíd io s d e la s.
Ig u a lm e n te e n c a rn iç a d a s sã o a s g u e rra s e m p re e n d id a s
d e te m p o s e m te m p o s p e la s fo rm ig a s a m a z ô n ic a s p a ra c u id a r

_ 25
D, Bastos

I
l'
d o m a io r n ú m e r o
q u e e la s c r ia m
p o s s ív e l d e c r is á lid a s d e f o r m ig a s e s c r a v a s ,
e m r e g im e d e s e r v id ã o . P e lo m e s m o m o tiv o
J
a s f o r m ig a s sanguines a s s a lta m o s n in h o s d a s a m a z o n a s e e m - ~
p re e n d e m e x p ~ d iç õ e ~ p le p a s d e p e r ip é c ia s . '"<'-
~

6 . M o r te s b e lic o s a s l
í,
T o d o s s a b e m q u e m u ito s a n im a is , a in d a q u e d a m e s m a
e s p é c ie , tr a v a m , f r e q ü e n te m e n te ,
d a s in d ir e ta m e n te
g u e r r a e n tr e s i, d e te r m in a -
p e la lu ta p o r s u a s o b r e v iv ê n c ia , m as com
I
I
\
. o f im im e d ia to d e m a ta r p o r m a ta r . É f a to s u g e s tiv o que o
.;;-
g o r ila , la n ç a n d o - s e
c o m p a rá v e l
a o c o m b a te ,
a o d o s e lv a g e m ,
s o lta
e s e a r r e m e te
um g r ito d e g u e rra ,
s o b r e o in im ig o I I
;'"

':t,
t\.
c o m a f ú r ia e o e x c e s s o d o h a b ita n te
m e n to
d a f lo r e s ta . M a s , o s e n ti-
d e e x c lu s ã o e d e o p o s iç ã o n ã o s e m a n if e s ta e m p a r te I
~.
,-

"'".;;.,
. a lg u m a tã o n o tá v e l

7 . C a n ib a lis m o
c o m o e n tr e

s im p le s
a s f o r m ig a s e o s c u p in s .

•,
:.in .

" M a lg r a d o o p r o v é r b io , o s lo b o s s e c o m e m e n tr e s i; a s s im
a c o n te c e ta m b é m c o m o u tr o s a n im a is : u m e n g o le o o u tr o .
N o z o o ló g ic o d e L o n d r e s , d u a s s e r p e n te s v iv ia m na m esm a
g a io la ; u m d ia o g u a r d a d o z ô o te v e te m p o d e s a lv a r a s e r p e n te
m e n o r q u e já e s ta v a n a g o e la d a m a io r .
I
8 . C a n ib a lis m o com in f a n tic íd io e p a r r ic íd io I
ú n ic a
T am bém
f a n ta s ia
m a te r n o
p a r a o s a n im a is , n o ta r a m
s o b r e a f o r ç a in a ta do sangue,
e f ilia l s o f r e g r a v e s d e s m e n tid o s
H ouseau e F e r r i, a
so b re o a m o r
p e la o b s e r v ã n c ia
II
d o s J a to s m a is c o m u n s . I
-!
A s f ê m e a s d o s c r o c o d ilo s com em , m u ita s vezes, seus
,< '.
,1,
f ilh o te s q u e n ã o s a b e m ;. n a d a r . M a s , é p r e c is o o b se rv a r que ~, t
N
~l 'iV
<
~ ,z
26
"1',t
••
-;!< ~

-- - -~ .•. i; '"
",.~
D, Bastos

e m m u ita s e s p é c ie s a n im a is , c o m o e m a lg u n s p o v o s b á r b a -
r o s , u m a in f e r io r id a d e d o c o rp o p o d e se r c a u sa d e d e sp re z o
e v e rg o n h a . V im o s u m a g a lin h a que tin h a . a lg u n s f ilh o te s .1 .

d é b e is - e d õ e n te s , àbandon~r o ~ in h o c ~ m a p a r te sã de sua
p r o le , sem s e in c o m o d a r com a s o r te d a q u e le s pequenos

,
in f e liz e s ..,
C om o c e r to s p á ssa ro s ro m p e m s e u o v o e d e s tr o e m
seu n in h o quando p e rc e b e m que fo ra m to c a d o s ; com o
c e r to s r a to s d e v o r a m s e u s f ilh o te s q u a n d o s ã o p e r tu r b a d o s .
E n tr e os m acacos, a s fê m e a s d o hapales com em a cabeça e
jo g a m s e u s f ilh o s c o n tr a u m a á rv o re , q u a n d o e s tã o c a n s a d a s
d e le v á - lo s .

L
,-

"

.
ti.,
V"'
<l,(-
z:
27
•.•~
~.

t~.
",,*I....••.
D, Bastos r
•,

._ -;::" : . _ ~ , '" ,. ~ - _ . ~ . ~ . . - - .

':-, '::.~~

";,,,.
~- ~ - - - - - - - --- ---~ ----------
D, Bastos

2. TATUAGENS NOS D E L IN Q Ü E N T E S

1 . C o la b o ra d o re s o - 2 . C rim in o so s - 3 . O b sc e n id a d e
4 . M u ltip lic id a d e - 5 . P re c o c id a d e - 6 . A sso c ia ç ã o .
Id e n tid a d e - /. C a u sa s: R e lig iã o - Im ita ç ã o - E sp írito
d e v in g a n ç a - O c io sid a d e - V a id a d e - E sp írito g re g á rio _
P a ix ã o - P ic h a ç ã o - P a ix õ e s e ró tic a s - A ta v ism o
8 . T a tu a g e m n o s d e m e n t e s - 9 . T ra u m a s

1 . C o la b o ra d o re s

T e m o s tra ta d o a té a g o ra d o s c a ra c te re s s o m á tic o s dos


d e lin q ü e n te s e m g e ra l, h a v e n d o e n o rm e d ific u ld a d e d e te r
s o b re a m e s a a n a tô m ic a e m e s p é c ie , e ta m b é m a s ilu s tra ç õ e s
e m á lb u m fo to g rá fic o , d o c u m e n to s q u e d is tin g u e m o s d e lin -
q ü e n te s -n a to s d o s h a b itu a is o u d o s o c a s io n a is . V im o s c o m o
o s c a ra c te re s d ife re n c ia d o re s d o h o n e s to vêm d im in u in d o e
ta m b é m d e sa p a re c e n d o nos d e lin q ü e n te s m e n o re s, por
p a ix ã o e s o b re tu d o n o s d e lin q ü e n te s d e o c a s iã o .

O q u e c o rre s p o n d e b a s ta n te à q u e la g ra n d e d iv e rs id a d e
e m re la ç ã o à re in c id ê n c ia c rim in a l, d a q u a l in s is te F e rri n o s
s e u s e s t u d o s s o b r e L im ite s d a A n tro p o lo g ia C rim in a l, q u e m u d a -

29
I'.~
D, Bastos

ra m a o rie n ta ç ã o
c o n e c ta n d o -a
q u e e u h a v ia im p rim id o
c o m a p rá tic a fo re n s e .
a e s ta p e s q u is a ,
.~
'"l

.1
~
D e s te s h o m e n s q u e c o n c e n tra m n o o rg a n is m o h u m a n o
~
ta n ta s a n o m a lia s , c o m o n o s c rim e s , ta n ti'L c o o s tã n c ia .o a s r~ L n -
c id ê n c ia s , p re te n d o e s tu d a r a b io lo g ia e a p s ic o lo g ia . E c o m e - 'f
.~
ç a re i d a c a ra c te rís tic a q u e é m a is p s ic o ló g ic a d o q u e a n a tô - i
m ic a : a ta tu a g e m . ~
U m a d a s c a ra c te rís tic a s m a is s in g u la re s do hom em
I
p rim itiv o

o p e ra ç ã o
o u e m e s ta d o
q u e s e s o b re p õ e a e s ta ,
q u e re c e b e u
d e s e lv a g e ria
a n te s
e x a ta m e n te
c irú rg ic a
é a fre q ü ê n c ia
do que
em
e s té tic a ,
d e u m a lín g u a o c e â n ic a ,
I
o nom e d e ta tu a g e m . T am bém na Itá lia e s ta p rá tic a se
e n c o n tra d ifu n d id a sob o nom e de marca, sinal, m as só
n a s ín fim a s c la s s e s s o c ia is ; n o s c a m p o n e s e s , m a rin h e iro s ,
" o p e rá rio s , p a s to re s , s o ld a d o s , e m a is a in d a e n tre o s d e lin - I
.~,~
..
;-:
, q ü e n te s ; e s ta , p e la g ra n d e fre q ü ê n c ia , c o n s titu i um novo
I
':.•. ': e e s p e c ia l c a rá te r a n a tô m ic o -le g a l, e d o q u a l d e v e re i d e p o is
';; '.
','
m e ocupar
ta d o
lo n g a m e n te ,
e e x a m in a d o ,
s e e x p lic a no hom em
m a s n ã o s e m a n te s
p e la ju s ta
n o rm a l.
c o m p a ra ç ã o ,
haver
de que m odo
le v a n -

I !I
C onsegui a lc a n ç a r is to c o m o e s tu d o d e 9 .2 3 4 in d iv í-
duos, d o s q u a is 3 .8 8 6 s o ld a d o s h o n e s to s e 5 .3 4 8 c rim in a is ,
o u m e re triz e s o u s o ld a d o s d e lin q ü e n te s , e n tre e le s 2 0 0 m u lh e -
re s , 3 7 8 fra n c e s e s e is s o g ra ç a s a a ju d a e p a c iê n c ia d e m a is
de um a dezena d e m é d ic o s .

O lh a n d o o s v e rd a d e iro s s ím b o lo s , a q u e a s ta tu a g e n s
a lu d e m , o c o rre u -m e d is tin g u ir ta tu a g e m s o b re o a m o r, re li-
g iã o , g u e rra e p ro fis s ã o . S ã o tra ç o s e te rn o s d a s id é ia s e d a s
p a ix õ e s p re d o m in a n te s n o h o m e m d o p o v o . O s d e a m o r e ra m
com uns e n tre o s lo m b a rd o s e p ie m o n te s e s . São o nom e ou
a s in ic ia is d a m u lh e r a m a d a , e s c rito s e m le tra s m a iú s c u la s ;

I"
ou a época d o p rim e iro a m o r; o u u m o u m a is c o ra ç õ e s tre s p a s -
sados por um a fle c h a ; ou d u a s m ã o s q u e s e a p e rta m . Uma

30

J
~•,1
,
D, Bastos

~
~ v e z n o te i
ponesa,
a fig u ra in te ira
com
d e u m a m u lh e r
u m a flo r n a m ã o , e , o u tra
v e s tid a de cam -
v e z , v i u m b re v e
v e rs o d e a m o r.
O s s ím b o lo s d e g u e rra s ã o o s m a is fre q ü e n te s n o s m ili-
ta re s e é riâ i:ú ra l; c o m o o s q u e c o n c e rn e m à p ro fis s ã o d o ta -
tu a d o , e s ã o d e s e n h a d o s c o m ta l fin u ra e re a lis m o n a s m in ú -
c ia s , q u e tra z e m à m e n te a m in u c io s a p re c is ã o d a a rte e g íp c ia
e m e x ic a n a .

A q u e le s q u e tra z e m e s s a c a ra c te rís tic a s ã o g e ra lm e n te


p ie m o n te s e s e lo m b a rd o s , O s s ím b o lo s , d e p o is , s e re d u z e m à
é p o c a d o a lis ta m e n to , e s c rita e m c ifra s , c o m o p o r e x e m p lo
1 8 6 0 , o u n a d a ta d e u m a b a ta lh a m e m o rá v e l, à q u a l a s s is tira
o s o ld a d o ; o u a a rm a d o p ró p rio c o rp o ; o u a to d a s e s s a s c o is a s
re u n id a s . U m c a n h ã o d a n d o tiro s ; o u d o is c a n h õ e s c ru z a d o s
n u m triâ n g u lo s u p e rio r, o u u m a p irâ m id e d e b a la s n u m triâ n -
g u lo in fe rio r, s ã o s ig n o s p re fe rid o s d a a rtilh a ria d e c a m p a n h a ,
d a e s p é c ie d o s q u e s e rv ira m n a Á u s tria . U m m o rte iro d e b o m -
b a é o s ig n o d a a rtilh a ria d e te rra ; u m a b a rc a , u m b a rc o a
v a p o r, u m a â n c o ra s ã o o s s in a is p re fe rid o s p e lo s fu z ile iro s e
m a rin h e iro s . D o is fu z is e m c ru z , d u a s b a io n e ta s e n tre la ç a d a s
s ã o s ím b o lo s p re d ile to s d a in fa n ta ria ; o c a v a lo , d a c a v a la ria .
U m a v e z e n c o n tre i u m c a v a lo n u m c a v a le iro e u m e lm o n u m
e x -b o m b e iro .

D e p o is d o s s ím b o lo s p ro fis s io n a is , o s p re d o m in a n te s
s ã o o s d a re lig iã o , e é n a tu ra l a quem conhece o e s p írito
d e v o to d e n o s s o p o v o . T o d a v ia , d e v o a c re s c e n ta r q u e m u ito s
d e le s fo ra m fe ito s a n te s d e e n tra r n a m ilíc ia , e que são
fo rn e c id o s p e lo s p a s to re s d a L o m b a rd ia o u p e lo s p e re g rin o s
d e L o re to . C o n s is te , o m a is d a s v e z e s , d e u m a c ru z p o s ta e m
c im a d e u m a e s fe ra , e m u m c o ra ç ã o (lo m b a rd o s ).

'I".~;.
D esenho quase e x c lu s iv o d o s h a b ita n te s d a E m ilia -
R o m a g n a e d a p o p u la ç ã o d e C h ie ti e d e Á q u ila é o c o n ju n to
d e trê s le tra s IH S c o m u m a c ru z n o a lto . À s v e z e s , e s s e

31
.i.'..;.
,~.,
•,1 ,'>,';;
rj
D, Bastos

sím b o lo e n c o n tra -se e m in d iv íd u o s d e o u tra s re g iõ e s, c o m o ' .•


c a la b re se s, lo m b a rd o s, q u e fo ra m a A n c o ra e d e p o is a L o re to ,
p o r a c a so o u d e p ro p ó sito , ta lv e z e m p e re g rin a ç ã o , e re c o rd a m
a ssim a c o n te c im e n to fe liz n a p ró p ria c a rn e . 1
o' E n tre 'o s v á rio s d e se n h o s, a lg u n s sã o d e p o u c o sig n ifi- ~ "t
c a d a , c o m o flo r, á rv o re , a n e lo u a s p ró p ria s in ic ia is. O u tro s
sã o m a is im p o rta n te s; u m c o m o re tra to d a ra in h a d e N á p o le s
e a p a la v ra G a e ta , e ra c o m o rg u lh o m o stra d o p o r u m v e te -
ra n o , u m b o u rb o n . C in c o v e z e s n o te i u m d e se n h o m u ito b iz a r-
ro , q u e m e fo i re v e la d o , o ra fig u ra n d o u m a ta rã n tu la , o ra
u m a rã , q u a tro v e z e s e m n a p o lita n o s, c in c o v e z e s e m sic ilia -
n o s, su je ito s d e se re m filia d o s à C a m o rra : m a s n ã o m e fo i
p o ssív e l sa b e r o sig n ific a d o p re te n d id o , n e m e u fic a ria su r-
p re so e m a c re d ita r q u e fo sse u m re c o n h e c im e n to , c o m o , se
não m e engano, u m n ã o m u ito d ife re n te , tin h a m o s c a rb o -
n á rio s e m 1 8 1 5 . U m a rtilh e iro tin h a ,u m a se re ia , q u e a p e rta v a
u m p e ix e n a s m ã o s, d e se n h a d a c o m e sm e ro d e u m a m in ia -
tu ra , d e c o r v e rm e lh a e a z u l. T rê s in d iv íd u o s q u e e stiv e ra m
n a le g iã o e stra n g e ira n a Á fric a tin h a m u m a m e ia -lu a ; d o is
o u tro s, v in d o s d a Á fric a , o ste n ra v a m a fig u ra d e u m tu rc o
c o m o c e tro n a m ã o e u m a fa ix a n o d o rso .

2 . C rim in o so s

É e sp e c ia lm e n te n a triste c la sse d o h o m e m d e lin q ü e n te


q u e a ta tu a g e m a ssu m e u m c a rá te r p a rtic u la r, e e stra n h a te n a -
c id a d e e d ifu sã o . V im o s já , c o m o a tu a lm e n te n a m ilíc ia , o s
d e te n to s a p re se n ta m u m a fre q ü ê n c ia o ito v e z e s m a io r de
ta tu a g e n s d o so ld a d o liv re ; a o b se rv a ç ã o to rn a -se tã o c o m u m ,
q u e u m d e ste s, so lic ita d o p o r m im p o r q u e n ã o tin h a ta tu a -
g e m , re sp o n d e u -m e : " p o rq u e sã o c o isa s q u e fa z e m o s c o n d e -
n a d o s" . S o u b e p o r u m ilu stre m é d ic o m ilita r, c o m o o s ta tu a -
d o s se c o n sid e ra m , a priori, c o m o m a u s m ilita re s. E sta m o s
lo n g e d a é p o c a e m q u e a ta tu a g e m c o n sid e ra v a -se p ro v a

32
L
D, Bastos

d e v irilid a d e , e e ra n a a rm a d a p ie m o n te sa a d o ta d o s p e lo s
m a is c o ra jo so s.
O e stu d o m in u c io so d o s v á rio s d e se n h o s a d o ta d o s p e lo s
d e lin q ü e n te s d e m o n stra c o m o a lg u m a s v e z e s a ssu m e m não
só 'e sjje c ia l fre q ü ê n c ia , m a s u m 'c u n h 6 to â b p a rtic u la r, c rim i~
n a l. R e a lm e n te , e m q u a tro so b re 1 6 2 d e le s a ta tu a g e m ex-
p rim ia e stu p e n d a m e n te o â n im o v io le n to , v in g a tiv o , o u tra ç o
d e d e sp u d o ra d o s p ro p ó sito s. U m tin h a , n o p e ito , n o m e io d e
d o is p u n h a is, in sc rito o triste c h iste : " ju ro v in g a r-m e " ; e ra
u m a n tig o m a rin h e iro p ie m o n tê s, e ste lio n a tá rio e h o m ic id a
p o r a to d e v in g a n ç a . U m v ê n e to , la d rã o e re in c id e n te , tin h a
n o p e ito a s p a la v ra s: " m íse ro e u , c o m o d e v e re i a c a b a r? " , lú g u -
b re s p a la v ra s q u e re c o rd a v a m a q u e la s ta m b é m lú g u b re s q u e
F e lip e , o e stra n g u la d o r d e m e re triz e s, tin h a d e se n h a d o , m u i-
to s a n o s a n te s da condenação, n o b ra ç o d ire ito : " n a sc id o
so b m á e stre la " . T a rd ie u n o to u u m m a rin h e iro , já e n c a rc e -
ra d o , c o m a ta tu a g e m : " se m e sp e ra n ç a " , e m la rg a s le tra s n a
fro n te . D ir-se -ia q u e o d e lin q ü e n te te m g ra v a d o n a p ró p ria
c a rn e o p re ssá g io d e se u fim . O u tro c o lo c o u n a fro n te : " m o rte
a o s b u rg u e se s" , so b o d e se n h o d e u m p u n h a l.

3 . O b sc e n id a d e

O u tro in d íc io n o s o fe re c e a o b sc e n id a d e d o d e se n h o ,
o u a re g iã o d o c o rp o e m q u e a ta tu a g e m v e m se n d o p ra tic a d a ,
c o m o o s p o u c o s q u e m o stra ra m d e se n h o s o b sc e n o s, o u tra ç a -
d o s e m p a rte s im p u d ic a s, e ra m fre q ü e n te s e n tre a n tig o s d e se r-
to re s e n c o n tra d o s n o s c á rc e re s. E m 1 4 2 d e lin q ü e n te s, e x a m i-
n a d o s p o r m im ,c in c o tin h a m ta tu a g e n s n o p ê n is. T rê s tra z ia m
a o lo n g o d o p ê n is a fig u ra d e m u lh e r; u m tin h a d e se n h a d o
n a g la n d e o ro sto d e m u lh e r; u m tin h a a in ic ia l d e su a a m a n te ,
o u tro u m m a ç o d e flo re s. E sse s fa to s re v e la m n ã o só a im p u d i-
c ic ia , m a s a e stra n h a in se n sib ilid a d e d e le s, p o r se r e sta u m a
d a s re g iõ e s m a is se n sív e is à .d o r.

33

L~
D, Bastos

~
U m m o r to p o r e s f a q u e a m e n to tin h a o b ra ç o e o p e ito
ta tu a d o s com desenho d e m u lh e r e s suspendendo a s s a ia s . "1
O u tr o q u e tin h a e s ta d o n a le g iã o e s tr a n g e ir a , d e p o is d e p r a ti- ••
c a r h o m ic íd io ta tu o u s e u m e m b r o v ir il n o b r a ç o . L a c a s s a g n e , 1
e n l 1 " :3 3 3 ta tu a g e h s â F ttim in O s O s ; e h c o n tr o u O h z e 'n ó p ê n is ,- = ="
t,
2 8 0 e m b le m a s a m o r o s o s , o u m e lh o r lú b r ic o s : b u s to d e m u lh e r , j
• m u lh e r n u a , f ig u r a s q u e r e le m b r a m c o ito e m p é ; m a is u m a
I
s é r ie d e c e n a s e r ó tic a s im p o s s ív e is d e se re m d e s c r ita s . No !
v e n tr e , e m b a ix o d o u m b ig o p r e f e r e m
c o s , c o m o in s c r iç õ e s d e s s e tip o : " to r n e ir a
s e m p r e a s s u n to s
d o a m o r", "p ra z e r
lú b r i-
I
1
I
d a s m u lh e r e s " , "venham , s e n h o r ita s , à to r n e ir a d o a m o r",
" e la p e n s a e m m im " . T ã o v a r ia d o é o s e n tim e n ta lis m o que I
",
f a z a s m u lh e r e s h is té r ic a s

O s p e d e r a s ta s , te n d o
b a b a re m -se

m a io r
to d a s .

te n d ê n c ia q u e o s o u tr o s
I
\
~:

,.,~~
p a r a a g r a d a r a o u tr e m , tê m m a is ta tu a g e n s , e ta lv e z d a s e s p e - !
c ia is . Q u a tr o d e le s , p e s q u is a d o s por L acassagne, tin h a m as I,
i:.l>_~.
..~ :- . j
><:'-,-
;:~' m ãos m a rc a d a s, as duas com in ic ia is e em c im a d e la s a
!;t- in s c r iç ã o " a a m iz a d e u n e d o is c o r a ç õ e s " . Q u a tr o o u tr a s in i- I,
'.~t'
t
c ia is d o a m a n te e s o b u m c o r a ç ã o in f la m a d o o u c o m a p a la v r a
" a m iz a d e " . Q u a tr o vezes o nom e d o a m ig o ; e m u m c a s o o
i
s e u n o m e e , e m c im a , o r e tr a to d e le . P e d e r á s tic a ta m b é m me
p a r e c e a in s c r iç ã o " a m ig o d o c o n tr á r io " .

É p ro v á v e l q u e e s te s f o s s e m a q u e le s p r is io n e ir o s em
que L acassagne e n c o n tr o u , n a s n á d e g a s , s ím b o lo s lú b r ic o s ;
u m o lh o e m c a d a n á d e g a , u m m e g a n h a c tu z a n d o u m a b a io - I
""f n e ta q u e s u s te n ta u m a b a n d e ir o la e m q u e e s tá e s c r ito "não i
. e n tr a " , u m a s e r p e n te q u e s e d ir ig e a o â n u s .

4 .' M u ltip lic id a d e

O u tr o c a r a c te r ís tic o d o s d e lin q ü e n te s , q u e tê m e m c o -
I
I
m u m c o m o s s e lv a g e n s e o s m a r in h e ir o s é o d e im p r im ir d e s e -
.:.{
n h o s n ã o s ó n o s b r a ç o s 'e n o p e ito , c o m o é d e u s o g e r a l, m a s

34
~
"~ :
;~a
D, Bastos

em to d a s a p a r te s d o c o r p o . O b se rv e i n e le s 1 0 0 s in a is n o s
b ra ç o s, n o tr o n c o e no abdom e, c in c o n a s m ã o s , tr ê s n o s
d e d o s , o ito n o p ê n is , tr ê s n a c o x a .

.._. _ _ . L a c a s S ! lg n g , e m 3 6 7 t! ltu a d o s .e n c o n tr o u :
•••••••••••• _. __ ••••• _ •• 0 .0 ••••••
u m n o s d o is " '_
b r a ç o s e n o v e n tr e a p e n a s , q u a tr o n o s d o is b r a ç o s e n a s c o x a s ,
o ito n o p e ito , q u a tr o s 6 n o v e n tr e , o n z e n o p ê n is , 2 9 e m
to d o o c o r p o , 4 5 n o s d o is b r a ç o s e n o p e ito , 8 8 s 6 n o b r a ç o
d ir e ito , 5 9 só n o e sq u e rd o , 1 2 7 s ó n o s d o is b r a ç o s . O u tr o ,'
q u e tin h a p a s s a d o m u ito s a n o s e m p r is ã o , n ã o tin h a , f o r a a s
f a c e s e a s c o s ta s , u m a s 6 s u p e r f íc ie la r g a q u e n ã o e s tiv e s s e
ta tu a d a . N a te s ta e s ta v a e s c r ito " m á r tir d a lib e r d a d e " e, em
c im a , u m a s e r p e n te d e o n z e c e n tím e tr o s e s o b o n a r iz u m a
c r u z q u e tin h a te n ta d o c a m u f la r c o m tin ta .

T a r d ie u o b s e r v o u u m la d r ã o ta tu a d o to ta lm e n te com
u n if o r m e d e a lm ir a n te . Um p o e ta s e n tim e n ta l tin h a , a lé m
d e ta tu a g e m o b s c e n a , u m n a v io n o b r a ç o e s q u e r d o , c o m d u a s
in ic ia is d a a m a n te e e m b a ix o o d a m ã e ; n o p e ito u m a s e r p e n te
e d u a s b a n d e ir a s ; n o b r a ç o d ir e ito o u tr a s e r p e n te , um a ânco-
r a , e u m a m u lh e r v e s tid a to ta lm e n te . O u tr o hom em tin h a
a n é is n o s d e d o s , u m a c o b r a n o b r a ç o d ir e ito e u m a b a ila r in a
n o e sq u e rd o .

O lu g a r d a ta tu a g e m , e s o b r e tu d o o n ú m e r o , s ã o d e g r a n -
d e im p o r tâ n c ia a n tr o p o ló g ic a , p o r q u e p r o v a m a v a id a d e in s tin -
tiv a q u e é c a r a c te r ís tic a n o c r im in o s o . U m la d r ã o v e n e z ia n o
tin h a n o b r a ç o d ir e ito u m a á g u ia d e d u a s c a b e ç a s , a o la d o o
n o m e d a m ã e e o d a a m a n te L u ig ia , c o m e s ta e p íg r a f e , s in g u -
la r p a r a u m la d r ã o : " L u ig ia , c a r a a m a n te , m e u ú n ic o c o n f o r to " !

O u tr o tr a z ia n o p e ito e n o s b r a ç o s tr ê s in ic ia is d e a m i-
g o s, u m a c ru z , u m c o ra ç ã o p e rfu ra d o . O u tr o la d r ã o tin h a n o
b r a ç o d ir e ito u m p á ssa ro c o m u m c o ra ç ã o n o b ic o , e s tr e la s ,
u m a â n c o ra e u m m e m b ro v ir il. U m vagabundo tin h a d o is
v a so s, d u a s c ru z e s, u m c a c h im b o , r o s to d e b e d u ín o , nom e
o u so b re n o m e .

: 35
:~u.:
ar.
r
D, Bastos

\1
lid a d e
T o d a e ssa m u ltip lic id a d e é n o v a p ro v a d a p o u c a se n sib i-
à d o r, q u e o s d e lin q ü e n te s tê m e m c o m u m com os
nJ
se lv a g e n s. ,
..
'f~
5 . P re c o c id a d e 1
O u tro fa to q u e d istin g u e a ta tu a g e m d o s d e lin q ü e n te s
é a p re c o c id a d e ; se g u n d o T a rd ie u e B e rc h o m , a ta tu a g e m n ã o
se o b se rv a , n a F ra n ç a , a n te s d o s 1 6 a n o s e m p e sso a s n o rm a is.
E n tre ta n to , e n c o n tra m o s ta tu a d o s a p a rtir d e 5 a té 2 0 a n o s;
I
e n tre 3 7 8 c rim in o so s, h a v ia 9 5 ta tu a d o s n e ssa fa ix a e tá ria .
!\
B a ttiste le , e m N á p o le s, 1 2 2 ta tu a d o s n o g ru p o
n o to u
d e 3 9 4 m e n o re s d e u m re fo rm a tó rio , 3 1 d o s q u a is e ra m o s
p io re s; u m d e le s, p o r 'e x e m p lo , tra n sfe rid o d o re fo rm a tó rio I
p o r se r in c o rrig ív e l, a n te s d e p a rtir tra ç o u
a lg u n s a m ig o s, e x o rta ç ã o v e e m e n te
e sse s a m ig o s e ra m to d o s ta tu a d o s.
n a p a re d e ,
p a ra p e rd u ra re m
p a ra
n o m a l; I
6 . A sso c ia ç ã o . Id e n tid a d e

E sse s fa to s m o stra m -n o s c o m o o s e stu d o s d a ta tu a g e m


p o d e m c o n d u z ir a lg u m a s v e z e s a o s tra ç o s d e a sso c ia ç õ e s c ri-
m in o sa s; n o te i q u e m u ito s c a m o rrista s tra z ia m sin a l p a rtic u -
la r; u m tin h a n o b ra ç o u m a lfa b e to m iste rio so q u e d e v ia se rv ir
p a ra c o m u n ic a r-se
o s d e te n to s a d o ta m
se c re ta m e n te , c o m o n u m c á rc e re e m q u e
u m a lfa b e to p a ra e sc re v e r u m jo rn a l se -
II
j
c re to , se g u n d o L a c a ssa g n e .
T am bém o s d e se n h o s d e ta tu a g e m que nada tê m d e
p a rtic u la r, q u e to rn a m c o m u m in te ira m e n te o s d e lin q ü e n te s
c o m o s c id a d ã o s, p a sto re s, m a rin h e iro s, podem se r ú te is à
Ju stiç a e à m e d ic in a le g a l: a ju d a m e x a ta m e n te p a ra re v e la r a
id e n tid a d e d o in d iv íd u o , a su a re g iã o , o s a c o n te c im e n to s im - I

p o rta n te s d e su a v id a .
[

I
36

d"_
D, Bastos

A ssim , 2 2 tin h a m a d a ta d e a p re se n ta ç ã o e e n g a ja -
m e n to c o m o m ilita r, 2 4 a in ic ia l d e se u n o m e , 7 o n o m e d e
a m ig o s o u d e a m a n te s, 1 2 o sig n o d e u m a p ro fissã o , u m m ilita r
o d e u m so ld a d o , o u tro d e u m a b a n d e ira , o te rc e iro o da
á g u ia a u st1 -ia e a "'u rn g a fib à ld in õ ' a D u sto d e G a rib a ld i; um
m a rin h e iro o ste n ta v a u m a â n c o ra e u m n a v io .
A v a n ta g e m q u e p o d e n o s tra z e r e ssa re v e la ç ã o in v o -
lu n tá ria é tã o c o n h e c id a d o s d e lin q ü e n te s q u e o s m a is sa g a z e s
e v ita m ta tu a r-se o u te n ta m re m o v e r a s e x iste n te s e d o is d e le s
m e c o n fe ssa ra m a re m o ç ã o . O u tro s m u d a ra m o s v e lh o s d e se -
n h o s, so b re p o n d o n o v a s, c o m v á ria s c o re s. E m 8 9 ré u s ta tu a -
d o s, 71 fo ra m ta tu a d o s n o s c á rc e re s o u n o re fo rm a tó rio , o ito
n a c a se rn a , q u a tro n o s sa n tu á rio s, q u a tro n a p ró p ria c a sa .
D e 5 0 ta tu a g e n s, 3 7 e ra m c o lo rid a s d e a z u l, 6 d e v e rm e lh o ,
1 d e p re to , 6 d e a z u l e v e rm e lh o .

7 . C a u sa s

S e ria c u rio so a o a n tro p ó lo g o p e sq u isa r a c a u sa p e la


q u a l se m a n té m n a s c la sse s b a ix a s e n a s c rim in o sa s e ste u so
tã o p o u c o v a n ta jo so e a té p re ju d ic ia l. V a m o s te n ta r, e n tre ta n to .

A - Religião

A re lig iã o , q u e p o d e ta n to n o s p o v o s e q u e ta n to te n d e
a c o n se rv a r o s a n tig o s h á b ito s e c o stu m e s, c o n trib u iu c e rta -
m e n te p a ra m a n te r e sse u so . A q u e le s q u e se ja m d e v o to s d e
u m sa n to a c re d ita m q u e , te n d o -o n a p ró p ria p e le , d ã o -lh e
p ro v a d e a fe to . S a b e m o s q u e o s fe n íc io s ta tu a v a m -se n a fro n te
c o m sím b o lo s d iv in o s. N a ilh a M a rsc h a ll a c re d ita -se q u e se
d e v e p e d ir a D e u s p e rm issã o p a ra ta tu a r-se , e , p o r isso , só o s
sa c e rd o te s fa z e m e sse se rv iç o . E n tre o s m e m b ro s d a ig re ja
O rto d o x a , a m u lh e r q u e n ã o te n h a ta tu a g e m n ã o g o z a rá d a
e te rn a sa n tid a d e .

37
_'"
D, Bastos

O s p rim itiv o s c ris tã o s u s a v a m g ra v a r c o m fo g o o n o m e


d e C ris to o u a c ru z n o s b ra ç o s e n a p a lm a d a m ã o , q u e s ã o o s
m a is u s a d o s e n tre n ó s . E n tre 1 0 2 d e lin q ü e n te s ta tu a d o s , 31
tin h a m desenhos re lig io s o s . A té 1 6 8 8 , e ra u s o d o s c ris tã o s ,
q u e fic a v a m e m B e lé m , ta tu a r-s e n o s a n tu á rio .

B - Imitação

A segunda c a u s a é a im ita ç ã o . U m b o m s o ld a d o Lom -


b a rd o , q u e tin h a a ta tu a g e m d e u m a s e re ia , d iz ia -m e rin d o ,
" v e ja , n ó s s o m o s c o m o a s o v e lh a s ; não podem os ver um de
n ó s fa z e r u m a c o is a , q u e não o im ite m o s lo g o , a in d a que
c o m o ris c o d e n o s p re ju d ic a r" . P ro v a c u rio s a d e s s a c a u s a é o
fa to d e q u e a m iú d e u m b a ta lh ã o in te iro tra z d e s e n h o ig u a l,
com o p o r e x e m p lo , u m c o ra ç ã o .

N um a p ris ã o , la p re so s tin h a m fe ito ta tu a g e m p a ra


im ita r u m c o le g a , c o m a e x p re s s ã o n o b ra ç o : " p a s d e c h a n c e "
(se m c h a n c e ). U m d e le s d is s e q u e o fe z p o rq u e to d o s n o c á r-
c e re a tin h a m . E m u m re g im e n to , c o m b o a p a rte d o s m e m b ro s
ta tu a d o s c o m o s e m b la n te d e C ris to , p o rq u e u m s o ld a d o d e s s e
re g im e n to é d e v o to d e C ris to e re a liz a e ssa o p e ra ç ã o por
pouco d in h e iro e u m a ra ç ã o d e p ã o .

C - Espírito de vingança

H á ta tu a g e n s p o r e s p írito d e v in g a n ç a . U m fe ro z h o m i-
c id a e x ib ia d iv e rs a s ta tu a g e n s n o s b ra ç o s (c a v a lo , ã n c o ra ,
e t c .) , m a s p o r c o n s e lh o d o p a i a s fe z a p a g a r, p o r n o ta p a rti-
c u la r que p o d e ria fa c ilita r s e u re c o n h e c im e n to em caso de
d e te n ç ã o . M a s , a n o s m a is ta rd e , a o s e r p e g o p e la p o líc ia , e
opondo re s is tê n c ia a e la , u m d o s p o lic ia is o a g a rro u d e ta l
m o d o q u e o d e ix o u c o m o o lh o a v a ria d o . E n tã o e le , n ã o c u i-
dando d a p ru d ê n c ia re fe z a ta tu a g e m n o b ra ç o d ire ito , com I
t
~
38 I
~-
Jl A
!1l __~.
D, Bastos

o a n o d o fa to , 1 8 6 8 , e u m v a s o n o " b ra ç o q u e d e v e g o lp e a r"
e m e d e c la ro u q u e a iria c o n s e rv a r p o r 1 0 0 m il a n o s , a té q u e
fo s s e v in g a d o , m a ta n d o a q u e le p o lic ia l.

D - Ociosidade
A o c io s id a d e te m s u a p a rte n is s o . É p o r is s o q u e se
n o ta m n u m e ro so s desenhos n o s d e s e rto re s , n o s p ris io n e iro s ,
n o s p a s to re s , n o s m a rin h e iro s . E n c o n tre i 7 1 e m 8 9 q u e e ra m
ta tu a d o s n o c á rc e re . O s e m b le m a s d e p e n d e m d a fa n ta s ia dos
ta tu a d o s , que s e to rn a fre q ü e n te nos c á rc e re s, s e ja p a ra
g a n h a r o u s ó p a ra s e d is tra ir: " is s o fa z p a s s a r o te m p o " , d is s e -
m e um d e le s , e o u tro : " g o s to d e d e s e n h a r e não havendo
p a p e l, a d o to a p e le d e m e u s c o m p a n h e iro s " . M u ito s ig n o ra -
vam o s ig n ific a d o d a p ró p ria ta tu a g e m , que, m u ita s vezes,
re p re s e n ta v a a re p ro d u ç ã o de um desenho q u a lq u e r: g a z e la
s e lv a g e m , g a lo , c h in ê s , s e re ia . A o c io s id a d e fo i c e rta m e n te
u m a d a s c a u s a s d e s s a s ta tu a g e n s .

E - Vaidade
M a is a in d a in flu e n c ia a v a id a d e . T am bém a q u e le s q u e
n ã o s ã o a lie n is ta s sabem q u e e s ta p re p o te n te p a ix ã o , q u e s e
e n c o n tra e m to d a s a s c la s s e s s o c ia is , e ta lv e z a té n o s a n im a is ,
p o s s a im p e lir a s a ç õ e s m a is b iz a rra s e m a is to rp e s . É p o r is s o
q u e o s s e lv a g e n s , que andavam n u s , p o s s u ía m os desenhos
n o p e ito , e os nossos, que s e v e s te m , p in ta m a q u e la p a rte
m a is e x p o s ta e m a is fá c il d e s e r v is ta , c o m o o b ra ç o , e m a is o

d ire ito q u e o e sq u e rd o .
U m v e lh o s a rg e n to p ie m o n tê s m e d is s e q u e n a a rm a d a ,
em 1 8 2 0 , n ã o h a v ia s o ld a d o in tré p id o , e s o b re tu d o o s b a ix o s
o fic ia is , q u e n ã o s e ta tu a s s e m p a ra d e m o n s tra r c o ra g e m em
s u p o rta r a d o r. N a N ova Z e lâ n d ia a ta tu a g e m é v e rd a d e iro
b ra sã o d e n o b re z a de que não podem d e s fru ta r o s p le b e u s ,

39
-~ .
A t:,
~.
D, Bastos
1

nem ta m p o u c o o s c h e fe s podem o rn a t-s e com c e rto s dese-


nhos quando n ã o te n h a tid o s u c e s s o num e m p re e n d im e n to .

F - E s p ír ito gregário
'-. .~,--~ .. -"'"~.:,~. == . _ .~

C o n trib u i ta m b é m o e s p írito g re g á rio , e c o m o m e fiz e ra m


s u s p e ita r a lg u m a s in ic ia is d o s in c e n d iá rio s d e M ilã o , e m o u tro s
desenhos o e s p írito d e s e c ta ris m o . D e p o is d o e x e m p lo d a rã e d a
ta tâ n tu la , e u n ã o fic a ria c o m m e d o d e a c re d ita r q u e o g ru p o d e
c a m o tris ta s te n h a a d o ta d o ta m b é m e s te n o v o g ê n e ro d e o rn a -

II
m e n to p rim itiv o , c o m o d is tin tiv o d e s u a fa c ç ã o , c o m o a d o ta v a o s
a n é is , c o rre n te s e c e rto s tip o s d e b a rb a . E n tre o s s e lv a g e n s das
Ilh a s M a rc h e s i, a ta tu a g e m d is tin g u e a s v á ria s fa c ç õ e s in im ig a s :
u m a te m u m triâ n g u lo , o u tra s u m o lh o . T a m b é m a s trib o s n e g ra s
\
s e d is tin g u e m p e lo c o rte q u e e le s fa z e m n a fa c e . O u tta s trib o s
tê m v in te c o rte s d e c a d a la d o d o ro s to , s e is p a ra c a d a b ta ç o , s e is
. p a ra a s p e rn a s , q u a tro p o r p e ito , a o to d o 9 1 . N a Id a d e M é d ia
Ii
h a v ia .ta tu a g e n s e s p e c ia is p a ra o s a rte s ã o s , os desenhos de sua I
;,
p ro fis s ã o , c o m o n a F ra n ç a , o s 's a p a te iro s e o s a ç o u g u e iro s .

G - Paixão

A té u m c e rto p o n to devem c o n trib u ir ta m b é m o s e s tí-


m u lo s d a s m a is n o b re s p a ix õ e s hum anas. Os rito s da casa
p a te rn a , a im a g e m d o s a n to p a d ro e iro , a in fâ n c ia , a a m ig a
a u s e n te ,
tin u a m e n te ,
é c o is a m u ito n a tu ra l q u e re to rn e m
fa to s m a is v iv o s d a le m b ra n ç a .
e re c o rre m , con-
I
N a s c la s s e s c iv is e n c o n tre i u m a s ó ta tu a g e m , p o r a s s im
d iz e r e n d ê m ic a : fo i e n tre o s c o le g ia is d e u m c o lé g io b a s ta n te
re n o m a d o d e C a s te lo m o n te , em quase v in te ra p a z e s no m o- {
m e n to e m q u e e s ta v a p a ra fe c h a r, s e fiz e ra m
n h o s q u e a lu d ia m
p lo , o n o m e d o d ire to r
à m e m ó ria
ta tu a r com dese-
d o d ile to c o lé g io , c o m o p o r e x e m -
o u d e u m c o le g a . T o d o s ig n o ra v a m que
'
'. - "~

â':.
".
-1j,
j,,.~
a ta tu a g e m fo s s e u s o d é 'b á rb a ro s e condenados à p ris ã o .
,
- '; . . " , ; "

~ -~ :

40

IE
,;

i~;'
;.'.: ',,:
.
D, Bastos

H - P ic h a ç ã o

A s p a re d e s , d iz e m o s p ro v é rb io s , são os m apas dos de-


m e n te s , a s g ra fite s d e P o m p é ia s ã o v e rd a d e ira s ta tu a g e n s das
p a re d e s . A s s im ,.e m u m a e s ta v a p in ta d o u m c o ra ç ã o e n tre a .• -
fra s e " p s ic h ê " e q u e ria d iz e r q u e P s ic h ê e ra o c o ra ç ã o d e le .
S ã o e x a ta m e n te p ic h a ç õ e s a n á lo g a s a s ta tu a g e n s v is ta s nas
p a re d e s d a s p ris õ e s , com o cabeça d e m u lh e r, de advogados,
nom es p ró p rio s com a in s c riç ã o e m b a ix o : " d e z a n o s d e tra -
b a lh o s fo rç a d o s " . O u tro e s c re v e u : "condenado à m o rte , in o -
c e n te " ; e le tin h a a ta tu a g e m de um a m u lh e r a rm a d a com
espada, com a in s c riç ã o a b a ix o : " lib e rd a d e " .

N o s e m b le m a s -m e tá fo ra s , o e s p írito d o p o v o e v id e n c ia -
s e . A s n a tu re z a s pouco e v o lu íd a s p ro c u ra m s e m p re re p re s e n -
ta ç õ e s o b je tiv a s d e u m a id é ia ; d e p o is a fre q ü ê n c ia d o s c o ra -
ç õ e s a b e rto s , e s tre la s , s in a is d e b o m o u m a u a g o u ro , â n c o ra s
d a s a lv a ç ã o o u d a m a rin h a ; m ãos e n tre la ç a d a s com o s in a l
d e a m o r e c o m u m a v io la ; p u n h a l n a re g iã o m a m á ria e s q u e r-
d a , q u e s im b o liz a um fe rim e n to m o rta l o u a b e rto , havendo
a b a ix o a lg u m a s g o ta s d e s a n g u e .

O e m b le m a m a is c o m u m é a v io le ta ; a o in v é s , s e ria a
e s p é c ie p re v a le n te n a flo ra , c o n ta n d o -s e e m m a is d e 9 7 flo re s
u m a s ó m a rg a rid a , s e te e n tre ro s a s e flo re s e x ó tic a s e 3 9 v io -
le ta s c o m a in s c riç ã o : " a m im , a v o c ê , à m in h a m ã e , à irm ã ,
a M a ria " . F re q ü e n te m e n te , o re tra to d a m u lh e r am ada en-
c o n tra s o b re a flo r e s u a s p é ta la s e e m b a ix o o seu nom e.

Paixões eróticas

C o n trib u e m , e n tre o u tra s , a s p a lx o e s a m o ro s a s , ou


m e lh o r, a s e ró tic a s , com o d e m o n s tra m a s fig u ra s o b s c e n a s e
::e t: a s in ic ia is a m o ro s a s d e n o s s o s d e lin q ü e n te s e d a s m e re triz e s .
~'{'
N a O c e a n ia a lg u m a s m u lh e re s desenham a v u lv a com s ím -

..
~
> ,C {\
" r ~ '~ ;

,,"':; b o lo s o b s c e n o s . A s m u lh e re s ja p o n e s a s , h á a lg u n s a n o s , ta tu a -

:~ ~:~.
~~.

E ..
. "• .- k _

'r'".-. 41
: .ít;;.
D, Bastos

1
v a m a s m ã o s c o m sin a is a lu siv o s a se u s a m a n te s, q u e c o b ria m
quando o tro c a v a m p o r o u tro .
A s in d íg e n a s se ta tu a m c o m lin h a s e sp e c ia is e c ic a triz e s
p a ra d e m o n stra ç ã o d e se re filx irg e n _ sg llp re te n d e n te sd e ç ,a sa :
m e n to . T am bém nos hom ens a ta tu a g e m c o in c id e m u ita s- 1
,
v e z e s c o m a v irilid a d e ; é u m in d íc io , e ta lv e z , c o m o im a g in a v a
,
D a rw in , u m m e io d e o p ç ã o se x u a l.
A s p ro stitu ta s á ra b e s e x ib e m c ru z o u flo r n a s fa c e s e
,
n o s b ra ç o s, e â n c o ra s n o s se io s, n a v irilh a , n a v u lv a e n a s ,
p á lp e b ra s. E m trê s c a so s, o n o m e e a s fe iç õ e s d e u m a m a n te i
n u m b ra ç o e u m a m u lh e r n o o u tro , E ste sím b o lo d a s p a ix õ e s,
lig a d o à m enor se n sib ilid a d e d o lo ro sa e x p lic a o sa c rifíc io
m o n e tá rio a q u e se su b m e te m p a ra se fa z e r ta tu a r.
1
E m P a ris e L y o n , o s ta tu a d o re s p ro fissio n a is tê m o fic in a ,

II
l"!
,;"
w.1 ,r' á lb u n s d e d e se n h o s e c o b ra m b e m p e lo tra b a lh o . Q uando
f"., n ã o u sa m tin ta n a n k in , q u e p ro v o c a m enos re a ç ã o e d u ra
~ '~

f:~~
1;0~
m a is, u sa m o c a rm in , q u e p ro d u z v iv a irrita ç ã o e c o c e ira ,
c o m g ra v e s in c o n v e n ie n te s.
I
I E sse e stím u lo d a p a ix ã o , lig a d o a o e x a to c o n h e c im e n to
d o s p o rm e n o re s, p a ra a q u e le s q u e , te n d o p o u c a in te lig ê n c ia , a
d e sc re v e m , e x p lic a ria a su tile z a q u e m e fa z e m re c o rd a r a d o s e g íp -
c io s, c h in e se s e m e x ic a n o s, p a ra o s q u a is, n o s se u s m o n u m e n to s
a n tig o s p o d e -se d istin g u ir m u ito b e m a fo rm a d o s a n im a is e I
v e g e ta is e o s in stru m e n to s q u e d e se ja v a m re tra ta r, E ssa p e rfe iç ã o
d o s d e se n h o s m e le m b ra a d e lic a d e z a d a s c a n ç õ e s p o p u la re s, e m II
q u e a p a ix ã o , à s v e z e s, su p e ra o s e la b o ra d o s a rtifíc io s d a a rte .
P o d e -se ta lv e z , e n tre o s n o sso s, e c e rta m e n te
g e n s, a n u d e z , c o m o fo rm a d e m a n to
n o s se lv a -
e o rn a m e n to . R e a l-
I
'm '~ n te , o s m a rin h e iro s, q u e v ã o n u s n o p e ito e b ra ç o s, e a s I
i
m e re triz e s q u e fre q ü e n te m e n te se d e sp o ja m d e su a s v e ste s, ,
sã o a q u e le s q u e m a is p re fe re m e sse u so ; e ta m b é m o s m in e iro s
e c a ip ira s. P o r o u tro la d o , e m u m h o m e m v e stid o , a v a n ta g e m
~
i:: c;W
d a ta tu a g e m n ã o te ria ~ ~ z ã o d e e x istir, n ã o se ria o b se rv a d a .
,-t1-

m
~:~,_
42
- -'"" - ~
D, Bastos

Atavismo

A p rim e ira , a p rim e iríssim a c a u sa d a d ifu sã o d o u so d a


ta tu a g e m , e n tre n ó s, c re io q u e se ja o a ta v ism o (h e re d ita rie -
,'d a d e ); oua e sp é c ie d e -a ta v ism o -h istó ric o , q u e é a tra d iç ã o , I
c o m o se a ta tu a g e m fo sse u m d o s c a ra c te re s e sp e c ia is d o h o -
m e m p rim itiv o e do hom em e m e sta d o d e se lv a g e ria .

N a s g ru ta s p ré -h istó ric a s e n o s se p u lc ro s d o a n tig o E g i-


to se v ê e m o s e stile te s q u e se rv e m a in d a a o s se h .a g e n s m o d e r-
n o s p a ra ta tu a r-se . O s a ssírio s, se g u n d o L u c ia n o , o s d á c io s e
sa m a to s, se g u n d o P lín io , p in ta v a m fig u ra s n o c o rp o e n a fro n -
te e n a s m ã o s o s fe n íc io s, e o s h e b re u s c o m lin h a s, q u e c h a m a -
v a m "sin a l d e D e u s".

E n tre o s b ritâ n ic o s o u so e ra d e ta l fo rm a d ifu n d id o


q u e o p ró p rio nom e "b ritâ n ic o " p a re c e te r d e riv a d o d e le .
E le s m a rc a v a m , d isse C é sa r, fig u ra s c o m fe rro n a c a rn e d o s
m e n in o s, e c o lo ria m o s g u e rre iro s c o m tin ta s, p a ra to rn á -lo s
m a is te rrív e is n a g u e rra . O s e sc o c e se s, d iz Isid o ro , d e se n h a -
vam com e sp e to s e stra n h a s fig u ra s n o c o rp o . O s so ld a d o s
ro m a n o s o ste n ta v a m n o b ra ç o d ire ito o n o m e d o im p e ra d o r
e a d a ta d o e n g a ja m e n to n o e x é rc ito .

N ã o h á , p e n so , se lv a g e m q u e n ã o se ja m a is o u m e n o s
ta tu a d o . O s p a riá g u a s p in ta m o ro sto d e a z u l n o s d ia s d e
fe sta e d e se n h a m triâ n g u lo s, a ra b e sc o s n a s fa c e s. O s p o v o s
n e g ro s d istin g u e m -se , d e trib o a trib o , e sp e c ia lm e n te os B am -
b a ra s, fa z e n d o c o rte s h o riz o n ta is o u v e rtic a is n o ro sto , n o
p e ito e n o s b ra ç o s. O s g u e rre iro s "k a firs" tê m o p riv ilé g io d e
fa z e r lo n g o c o rte n a s p e rn a s, q u e to rn a m in d e lé v e l c o lo rin d o -
o d e a z u l. O s "b o rn u s" d a Á fric a c e n tra l d istin g u e m -se por
v in te c o rte s d e c a d a la d o d o ro sto ; se is e m c a d a b ra ç o , q u a tro
n o p e ito , e tc .; a o to d o 9 1 .
:
~i
W.-'.
N a s Ilh a s M a rsh a ll a s m u lh e re s sã o ta tu a d a s n o s o m b ro s
e n o s b ra ç o s; o s h o m e n s e sp e c ia lm e n te o s c h e fe s, n a s c o sta s,
-'.,'~.

m
_.-.
43
'
- - - - _ .- -~ ------

D, Bastos

n o lo m b o , n o tó ra x , o re lh a s. N o T a iti, a lg u m a s m u lh e re s na
v u lv a e no abdom e (u m a tin h a d e se n h a d o sím b o lo s o b sc e -
n o s); o s h o m e n s p o r to d o o c o rp o , a té n o n a riz , c o u ro c a b e lu -
do, g e n g iv a s, e fre q ü e n te m e n te , n a sc e m g a n g re n a s p e lo
c ~ rp ó . P á ra -p ro i:e g e t q u e ii:n e n h a sid o o p e ra d o sã o -re c e ita d o s
d ie ta e re p o u so . O ta tu a d o r é re sp e ita d o e a c o lh id o , re c o m -
p e n sa d o c o m p re se n te s, c o m p o rc o s.
N a s ilh a s M a rc h a ta tu a g e m é u m a v e stim e n ta e um
sa c ra m e n to . D o s 1 5 a o s 1 6 a n o s c o lo c a -se n o s ra p a z e s u m a
c in tu ra e se c o m e ç a a ta tu a r n o s d e d o s, n a s p e rn a s, m a s se m -
p re e m u m b o m lu g a r sa g ra d o . T o d a fa m ília ric a te m o se u
m a q u ia d o r q u e tra n sm ite a h o n ra ria d e p a i p a ra filh o , d e
m o d o q u e n a m o rte d o p rim e iro é n e c e ssá rio e sp e ra r a lg u n s
a n o s p a ra q u e o se g u n d o p o ssa su c e d ê -lo . À s m u lh e re s, m e s-
. m o a s p rin c e sa s, fa z e m só n o s p é s e se e m b a ix o o d e se n h o é
d e lic a d o , 'n o ro sto g ro te sc o e h o rrív e l, p a ra fa z e r m e d o .
A , ta tu a g e m é a v e rd a d e ira ' e sc ritu ra d o se lv a g e m , o
. p rim e iro re g istro . d o e sta d o c iv il. C o m c e rta s ta tu a g e n s, os
d e v e d o re s le m b ra m a o b rig a ç ã o d e se rv ir o c re d o r p o r d e te r-
m in a d o te m p o , e in d ic a v a m a q u a lid a d e e o n ú m e ro dos ob-
je to s re c e b id o s e m g a ra n tia . O s ja p o n e se s ta tu a m o c o rp o ,
d e se n h a n d o le õ e s, d ra g õ e s e sím b o lo s o b sc e n o s.
A in flu ê n c ia p o is d o a ta v ism o e d a tra d iç ã o p a re c e -m e
c o n firm a d a a o e n c o n tra r a ta tu a g e m d isse m in a d a e n tre o s h a -
b ita n te s d o c a m p o , o s c a ip ira s e o s p a sto re s, tã o te n a z n a s a n tig a s
tra d iç õ e s e d e v ê -la já a d o ta d a n a Itá lia , e sp e c ia lm e n te p e lo s
p ie m o n te se s e lo m b a rd o s; o s p o v o s c e lta s e ra m o s ú n ic o s n a a n tig a
E u ro p a q u e tin h a m c o n se rv a d o e ste u so d e sd e o te m p o d e C é sa r.

8 . T a tu a g e m n o s d e m e n te s ,,
.

T u d o o q u e fo i d ito b a sta p a ra d e m o n stra r à m e d ic in a


I.
1"
le g a l q u e isto d e v e a ju a a r c o m o in d íc io lo n g ín q u o d e d e te n -
.
fI'. ~
..•. _ 'r
. ..:
~.~
44 -.~t~
~ : f ( .t
t;ji;~
...
._ - - - - - - - - - - - - - - - - '- - - - - _ . _ - - - - - - - - ~ - - - - - - -
D, Bastos

ç ã o p re g re ssa , d a p re se n ç a d a ta tu a g e m , m o rm e n te se fo i e m
p e sso a e stra n h a à c la sse d o s m a rin h e iro s, d o s m ilita re s, d o s
p e sc a d o re s, e q u e te n h a a d o ta d o d e se n h o o b sc e n o o u m ú l-
tip lo , o u a in d a fa ç a a lu sã o a a lg u m a fo rm a d e v in g a n ç a , o u
d e d e se sp e ro . ~ _ _ "_,~ " .' '" ,_ _ _ ~ _ ~ . _ ~_~-"
_ .. " _

C e rta m e n te , a p re d ile ç ã o p o r e ste c o stu m e b a sta rá


p a ra d istin g u ir o d e lin q ü e n te d o d e m e n te , m a lg ra d o te n h a
em com um com e le a fo rç a d a re c lu sã o e a v io lê n c ia das
p a ix õ e s o u o lo n g o ó c io . D e v id o a isso , e le re c o rre a o s m a is
e stra n h o s p a ssa te m p o s: a fia p e d ra s, c o rta a s v e stim e n ta s,
fa z ta tu a g e n s.

T a m b é m o e g ré g io D e P a o li e m Notas sobre a Tatuagem


no Manicômio d e Gênova (1 8 8 0 ), e n c o n tro u 1 9 ta tu a d o s e n tre
2 7 8 d e m e n te s, m a s d e sse s 1 9 , 1 1 e ra m p ro v e n ie n te s das
p risõ e s. E n tre o s o u tro s 8 , u m p e rte n c ia à C a m o rra d e G ê n o v a
e ta n to e ste c o m o o u tro s 5 fo ra m ta tu a d o s quando a tu a v a m
n a m a rin h a e n o e x é rc ito . D o is fo ra m ta tu a d o s n o m a n ic ô m io ,
m a s d e sse s,. u m e ra m a rin h e iro e fo i ta tu a d o a se u p e d id o
p a ra m o stra r-se b e m a o s se u s c o m p a n h e iro s; a su a ta tu a g e m
q u e e x a m in e i e ra D e u s n u m triâ n g u lo e u m a n jo v o a n d o , o q u e
in d ic a a n a tu re z a d e se u d e lírio .

9. Traumas

O u tro sin a l q u e p o d e to rn a r-se p re c io so a o m é d ic o


le g ista p o r, d istin g u ir u m m a la n d ro e u m la d rã o de um ho-
m e m h o n e sto e p a c ífic o c id a d ã o , é a fre q ü ê n c ia d a s c ic a -
triz e s n a c a b e ç a e n o s b ra ç o s. C o n te i só 1 7 d e le s e m 3 9 0 , e
a n te rio re s à é p o c a e m q u e fo i c o m e tid o o d e lito . E isso se
a p lic a ta m b é m à s p ro stitu ta s. P a re n t-D u c h a te le t, em 391
m e re triz e s a b rig a d a s e m h o sp ita is p o r g ra v e s d o e n ç a s não
;, sifilític a s, e n c o n tro u 9 0 , u m q u a rto d o to ta l, a tin g id a s por
",
~ ..'.
r." ,~~.
:d n .
~':';.,,~
fe rim e n to s e c o n tu sõ e s g ra '(e s.

~-.\'i'"",,'~
+,'t, " 45
~ t';.f-~ t-
..
D, Bastos
'1
i
~
•,
.~

1
.=<-_--
.•.

.'
.."
~
'h-'
- k ,.

t1,1i<-'-t
N ••
s:~
::-2 ::4 ,
~..~!<:.;'
W'"•.
S~
"ts::'<f.!' "
" ', '
f ''w ,
~ .;:

I
I
;,.J '

.!
I
"',
A ~
:ªL1
D, Bastos

~ . ,.. - -= -

~
,./'

3 . SOBRE A SENSIBILIDADE GERAL

1. Analgesia - 2 . Sensibilidade geral - 3 . Algometria


4. Sensibilidade tátil- 5 . Visão - 6 . Acuidade visual
7. Sensibilidade m a g n é t i c a - 8 . Sensibilidade meteórica
9, Dinamometria - 10. C a n h o t i s m o
1 1 . A nU1nalias d a mobilidade

1 . A n a lg e s ia

A s in g u la r p re fe rê n c ia d o s d e lin q ü e n te s por um a ope-


ra ç ã o tã o d o lo ro s a e fre q ü e n te m e n te lo n g a e p e rig o s a com o
a d a ta tu a g e m e a g ra n d e fre q ü ê n c ia n e le s d e tra u m a s , le v a -
ra m -m e a s u s p e ita r que h a ja n e le s um a s e n s ib ilid a d e à d o r,
m a is a b a fa d a do que a das pessoas com uns. É o q u e a c o n te c e
ta m b é m e n tre o s a lie n a d o s .

In te rfo g a n d o o s v ig ila n te s e m é d ic o s c a rc e rá rio s , c o n s e -


g u i c a ta lo g á r a lg u n s c a s o s d e v e rd a d e ira a n a lg e s ia (in s e n s ib ili-
d a d e à d o r) m a s , n a m a io r p a rte d a s v e z e s , tra ta m -s e d e d e lin -
q ü e n te s a lie n a d o s ou quase. U m v e lh o la d rã o , p o r e x e m p lo ,
d e ix o u -s e a p lic a r um fe rro q u e n te no e s c ro to , sem dar um
p io , e d e p o is p e rg u n to u s e e s ta v a te rm in a d a a o p e ra ç ã o , com o

;'~~' s e n ã o s e tra ta s s e d e le . O u tro , com a m á x im a a p a tia , d e ix o u

'.
,::
~.~ 47
1i{;:~..
r
D, Bastos

I,

que lhe am putasse um a perna, e depois, tom ando o m em bro


cortado entre as m ãos e fazendo piada sobre ele. Um ladrão
condenado já treze vezes recusava-se a trabalhar sob o pretex-
to de dores na perna direita; o m édico lhe disse que haveria •
,
='-~' necessidadede-am putá-lae
concordância dele. Algum
colocar,um a de m adeira, com ao
tem po depois, o enferm eiro da
"-~--,
,

prisão descobriu que ele tinha realm ente séria lesão na perna,
m as era a esquerda. Evidentem ente era um im becil, que
depois foi internado num m anicôm io.

1
2. Sensibilidade geral I

O argum ento da sensibilidade dolorífica dos delinqüen- 1


tes era m uito im portante e delicado para que pudéssem os !
nos contentar com dados com pletam ente aproxim ativos e
não controlados pela experiência direta.
Exam inam os 66 delinqüentes, dos quais 56 eram reinci-
dentes ou habituais e 4 ocasionais; havia ainda um a prostituta
e 2 ladrões alienados m entais e 3 alcoólatras. Esse exam e foi
não apenas para averiguar a insensibilidade à dor, m as tam -
bém a sensibilidade geral e topográfica.
Estudando esta últim a com o sim ples contato de dedo,
foi ela encontrada em 38 dos 66. Em 46, em que se notou a
diferença entre os dois lados, em 16 no lado direito e em 12
no esquerdo; em 18 em am bos os lados.

3. Algom etria

M ais im portante é o estudo da dor, conseguido pelo


m eu m étodo de algom etria (apertão) do são e do alienado,
com experiência no dorso da m ão. A m édia de sensibilidade
em 21 hom ens norm ais foi de 49,1, enquanto nos delin-
qüentes foi de 34,1. Nos,hom ens norm ais, nenhum apresen- .
"
':-,.~ .
.a..>. ~
,,,,,
48 :fr~
W":'I\
,it >
D, Bastos

toU total insensibilidade quando houve pressão dolorosa sobre


o dorso da m ão, m as entre os delinqüentes a sensibilidade
zero atingiu 4 e em outros foi bem fraca a sensibilidade.

4:- Sensioilidade tátil ~... -, _. -'"'":7" -- _.~::::-

Num conjunto de 27 indivíduos sãos encontrei 8 com


bloqueio m aior na esquerda e só 5 com bloqueio na direita,
sendo em parelhado em 14; em m édia 2,2 no lado direito e
2,0 no esquerdo, ao contrário do que ocorre com os crim i-
nosos, nos quais o lado em que prevalece a resistência é o
direito, em 10 sobre o núm ero de 37, sendo 20 nos dois lados
e só em 7 se nota m aior insensibilidade no esquerdo.
Olhando o tato no tocante aos vários crim es, encontra-
m os a seguinte estatística sobre a sensibilidade obstruída:

• Ladrões: Direita: 1,60 Esquerda: 1,78


• Agressores: 2,30 2,00
• Assaltantes: 1,92 1,74
• Estelionatários: 1,58 1,80

5. Visão

Quanto à vista, o Dr. Bono, em inteligente estudo no


m eu laboratório, em 227 crim inosos, a m aior parte adoles-
centes, encontrou 15 daltônicos (6,6), ou seja, cego às cores,
o dobro do que encontrou em 800 estudantes (3,09) da
m esm a faixa etária e em 590 operários (3,89).
Tam bém Holm gren em 321 crim inosos encontrou 56
daltônicOS, enquanto a m édia geral era de 32. Esta descoberta
torna-se tanto m ais im portante, porque todo dia m ais se vai
apurando com o no processo de sensação das cores tom a um a
" :~.
,',

..;v_
~""::~
,,,,'w:l<. 49
~~.
\:ol'".
>'%'...1
"
D, Bastos
..

I
i
p arte im p o rtan te o céreb ro em co n fro n to co m a retin a, e
p o rq u e as p esq u isas d e S ch m itz m o straram q u e m u ito s d esses •
d eficien tes têm g rav es d istú rb io s n o sistem a n erv o so , ep i- ~
l
... -..•",+
lep sia, co réia, trau m as m en tais.
=- <"'~.-; 'c'. ~ ::.~ -~ -.~ .-'--7 -= -.-'- ,.,. --""._-"-.'-"""""~---.-'

6 . A cu id ad e v isu al \
I
S o b o p o n to d e v ista crim in al d ev o o u tro s d ad o s p recio so s
à co rtesia d o D r. B an o , q u e, ex am in an d o 3 8 0 o lh o s d e 1 9 0 d elin -
I

I
q ü en tes, o s m ais n o v o s in tern ad o s em refo rm ató rio s e alg u n s jo -
v en s m en o res d e 2 6 an o s, lad rõ es o u b an d o leiro s, 2 estelio n atário s,
co n fro n tav a co m 2 2 0 o lh o s d e o u tro s jo v en s co etân eo s h o n esto s,
» in tern ad o s n o in stitu to ag ríco la B o n afo u rs, su jeito s à m esm a
lim itação d e lib erd ad e e ao m esm o tratam en to , o b tev e resu ltad o s
!I
;.

'I
q u e d em o n stram a fraca acu id ad e v isu al d o s d elin q ü en tes.
J~
f,t,

~.
gp,: 7 . S en sib ilid ad e m ag n ética
;:&, I
~•..-:~: E n q u an to
ciam en co b ertas,
as v árias esp écies d e sen sib ilid ad e p erm an e-
a m ag n ética é, ao rev és, m ais v iv a. É cu rio so
q u e ao in v erso d o q u e o co rre n as p esso as n o rm ais, ao m en o s,
seg u n d o n o ssa ex p eriên cia, h o u v e seis q u e se m o straram sen - I
sív eis ao ím ã n a n u ca, três n a fro n te e n ão em o u tras reg iõ es
d o co rp o . E m d o is, o ím ã tin h a p ro d u zid o v erm elh ão em to d o
•l,
o ro sto , em b o ra esse n ão ap resen tasse q u alq u er sen sação .
••

8 . S en sib ilid ad e m eteó rica

O u tra sen sib ilid ad e esp ecial é a d a v ariação m eteó rica,


q u e tem sid o en co n trad a b em clara em 1 9 d e 1 0 2 ex am in ad o s:
u m em 7 h o m icid as e saltead o res, 1 0 em 4 7 lad rõ es, 2 em 2 5
ag re'sso res, 3 em 1 0 estelio n atário s, 2 em 7 v ad io s, 2 em 6
estu p rad o res. D estes, 8 acu sam p ro stração , 7 frio , 6 trem o res
n o co rp o , 7 to rn aram -se ag ressiv o s.

50
L
D, Bastos

,,~
til-.,
9 . D in am o m etria b
:'
Q u em q u iser in d ag ar as co n d içõ es d a fo rça m u scu lar
'1"1

d o s d elin q ü en tes n ão co n seg u e, m esm o co m p erfeito s d in a-


~ m ô m etro s (ap arelh o .d estin ad o ,a .m ed ir.aJo rça .m u scu lar),
fazer seq u er u m a id éia ap ro x im ativ a, tratan d o -se d e in felizes
en fraq u ecid o s p ela lo n g a d eten ção o u p ela in ércia. A cresce
ain d a q u e p o r essa fo rm a d e m alig n id ad e, q u e é o caráter
co n stan te d e su a ex istên cia, eles fin g em serem m ais d éb eis
d o q u e são . N ão reag em ao d in am ô m etro q u an to p o d eriam .
P u d e v erificar em A n co n a, n as casas d e d eten ção , em q u e
eles ex ercem trab alh o co n tín u o , a fo rça m u scu lar se m o stra
m ais en érg ica d o q u e n o s lo cais em q u e p o u co o u n ad a se
trab alh a.
C aracterística d e m u ito s crim in o so s é a ex trao rd in ária
ag ilid ad e, esp ecialm en te n o s assaltan tes; assim era o C e-
ch in i, o P ietro rro , o R o ssig n o l, q u e fu g iu n ão só d o cárcere,
m as p ro cu ro u ain d a a ev asão d e su a am an te n o m esm o d ia.
E ssa ag ilid ad e assem elh a-se à m acaq u ice, co m o a d e M aria
P ierin o , q u e trep av a n as árv o res e d elas saltav a so b re o s
telh ad o s, en trav a n as casas e p o d ia assim su b trair-se à ação
d a p o lícia.

1 0 . C an h o tism o

F ato cu rio so é q u e a d in am o m etria ap resen ta p ro p o rção


m ais elev ad a d e can h o to s, o u q u e ten h am m ais fo rça n a m ão
esq u erd a d ó q u e n a d ireita. E sses d ad o s m e fazem su sp eitar
d iferen ça d e m o v im en to m en o r n a d ireita d o q u e n a esq u erd a.
D ig o q u e su sp eito ap en as, p o rq u e p o u cas p ro v as d in am o -
m étricas já b astam p ara co n v en cer d e q u e d ão id éia d e fo rça
e ain d a m esm o d a d estreza m u scu lar e q u e to d o m o d o n em
sem p re co rresp o n d em à am b id estria (am b id estro é q u em u sa
a d ireita e a esq u erd a d e fo rm a ig u al).

51
D, Bastos
",.,
J

1 1 . A n o m a lia s d a m o b ilid a d e
I
,
,.

í
J á o e s tu d o d e V irg ílio , q u e s o b re 1 9 4 c rô n ic o s e n c o n tra
u m a c o ta p ro p o rc io n a l e n o rm e d e e p ilé tic o s , a tá x ic o s e m o r-
m e n te
p e ita r
n o s la d rô e s
co~o
e m c o n fro n to
a 'm o b i l i d a d e
com h o m ic id a s ,
s e ja -m u ito a n ô m a l~
fa z -m e su s-
n e le s p a ra le la -
.~
,
I
m e n te à s e n s ib ilid a d e . É fre q ü e n te s o b re tu d o a e p ile p s ia .
"

i
I,
r
!
I

;"., '\
I
'f ; t

52 :L

.'l.
k - .'.
D, Bastos

~,

4 . SOBRE A SENSIBILIDADE AFETIVA

1 . A u s ê n c ia d e la (L a c e n a ir e e M a r t i n a t i )
2. T roppm ann, B o u te llie r : In d ife r e n ç a à p r ó p r ia m o r t e
3 . O s c r i m i n o s o s d i a n t e d a e x e c u ç ã o - 4 . C o n c lu s ã o

1 . A u s ê n c ia d e la

G e ra l q u a n to à s e n s ib ilid a d e à d o r fís ic a (e ta lv e z e fe ito


in d ire to d e s ta ), a s e n s ib ilid a d e a fe tiv a é ta m b é m g e ra l n o s
c rim in o s o s . N ã o é q u e n e s te s o s e fe ito s c a la m c o m p le ta m e n te ,
c o m o im a g in a m o s m a u s ro m a n c is ta s , m a s o s q u e m a is in te n -
s a m e n te b a te m n o c o ra ç ã o d o s se re s h u m a n o s, a o in v é s , m a is
n e le s p a re c e m m u d o s , e s p e c ia lm e n te a p ó s o d e s e n v o lv im e n to
d a p u b e rd a d e .

O p rim e iro a apagar é o s e n tim e n to da c o m p a ix ã o


p e la d e sg ra ç a a lh e ia , que há, segundo a lg u n s p s ic ó lo g o s ,
m u ita ra iz n o n o s s o e g o ís m o . L a c e n a ire c o n fe ssa v a não te r
p ro v a d o nenhum a a v e rsã o a a lg u m c a d á v e r, com o se fo sse
o de seu g a to . " A v is ã o de um a g o n iz a n te não p ro d u z em
m im q u a lq u e r e fe ito . E u m a to um hom em com o bebo um
copo d e v in h o ."
t_ ~ .

L~
{ :: 53
.~.""
'"
. -
-,
D, Bastos

I
É realm ente com pleta a indiferença diante das próprias
de seus delitos. É o
I
vítim as e ante o sanguinário testem unho
!
caráter constante de todos os delinqüentes habituais, que bas-
taria para distingui-lo do caráter do hom em norm al. M arti-
.
~

II
nari visava sem pestanejar a fotografia dà própria m ulher, cons-
'"ratava a identidade dela, e tranqüilam ente lhe dava um golpe,
com o se depois lhe pedisse perdão, que não lhe seria concedido.
L a M arquet jogou num poço a própria filha, para poder
acusar a vizinha que o ofendera. V itou envenenou o pai, a
m ãe e o irm ão para herdar
jovem , assim que com etera
um a ninharia.
hom icídio
M ilitelo,
de um seu com pa-
m uito
I
nheiro e am igo, estava tão pouco com ovido, que tentou I•
subornar 'os serviçais que tentaram im pedir seu ato. I
~
r
,~

\I
e
2. T roppm ann e B outellier: Indiferença à própria m orte

A ssim se explica com o T roppm ann pediu, do cárcere,


I
",1'

'i? ao seu irm ão, com o se pedisse um a laranja, ácido prússico e


..;:t éter para m atar seus carcereiros. C om o tivesse ânim o de re-
'.
produzir, acreditando auxiliar sua própria defesa, a cena da
horrível m atança, da qual foi só ele o autor e a testem unha
sobrevivente de seu grosseiro projeto, forneceu-m e os porm e-
nores dele em que duas de suas vítim as já eram cadáveres e
as outras quatro levantavam desesperadam ente as m ãos sob
• os seus golpes. Para com pletar com o últim o torm ento, calu-
nia a vítim a após m atá-la, e ainda tenta provar, ou m elhor,
acusar com o autor da carnificina o próprio pai, o pobre K ink,
com essa expressão: "E assim aconteceu que K ink, o pai m ise- I
rável que m e enveredou à perdição, m atou toda a sua fam ília".
I
i
Q ualquer delinqüente de ím peto ou de ocasião sentiria
horror de um a cena sim ilar e teria necessidade de apagá-la da
jr
m em ória de todos, e ele, ao contrário, tenta eternizá-la, entrando
:t ".
a com placência ao crim e"que é especial nesse tipo de pessoas. i.l;"
~
...•."M3'
~
, .•....t
_.
"
::- ~.:.'
54 ,_.~~:
t~
:';;.;j'illl"
D, Bastos

B outellier, aos 21 anos, m atou a m ãe com 50 facadas e


sentindo-se cansado, deitou-se ao lado do cadáver da m ãe e
,
dorm iu tranqüilam ente, e, ao acordar, tom ou sua refeição. C lau-
sen e L uck falavam de seus delitos perante o tribunal com tanta
. frieza el:iariqüilidáde, com o se fossem testem unhas e não autores:' .
E sta estranha apatia, essa insensibilidade ante a desventura
alheia, devida talvez ao egoísm o, o ponto de partida para a falta
de com paixão, não raro a conserva para si m esm a, pois, em bora
tenham sido encontrados facilm ente alguns casos, com o o da
M arquesa de B rinvilliers, A ntonelli, B oggia, V allet, B ourse, que
foram tom ados de terror diante da execução deles, a m aior parte
conserva um a singular frieza e indiferença até a sua últim a
hora. M ostram -se assim isentos do am or à própria conservação,
que é a m ais universal e o m ais forte instinto do ser hum ano.
Pantoni, nosso em érito facínora, m e contou que quase
todos os assaltantes e hom icidas cam inhavam à m orte brin-
cando. U m assaltante de V oghera com o seu últim o pedido,
poucos m inutos antes de m orrer, para com er um frango cozido
e com eu-o calm am ente. U m outro quis escolher, entre três
carrascos, o seu, que cham ava de "professor". V alle, o assas-
sino da cidade de A lessandria, que tinha ferido de m orte
dois ou três de seus com panheiros por puro capricho, en-
quanto o levavam ao patíbulo, gritava a plena voz: "N ão é
verdade que a m orte seja o pior de todos os m ales".
O rsolato, levado à pena capital, acenava, zom bando a
quantas m oças que via pelo cam inho, que, se fosse livre, repe-
tiria seus horrendos crim es. D um olard, ao padre que o exor-
tava ao arrependim ento antes de m orrer, cobrou um a garrafa
de vinho que lhe tinha prom etido dias antes. A últim a coisa
que quis fazer foi recom endar à sua m ulher e cúm plice para
cobrar um crédito de 37 liras.

.:y O s livros estão cheios de epigram as de delinqüentes


"~ levados ao cadafalso. C om en,ta-se sobre aquele assassino que
~ -
t-..•....
"""'-
.

'....,"';'
:J:ftlji' 55
~" tJ
.•.•
T
D, Bastos

I
i
d iz ia a o se u c o m p a rsa
q u e e stá v a m o s
q u e se la m e n ta v a
su je ito s a u m a d o e n ç a
R ú ssia , R y le se ff, d e sc o n te n te
d a so rte : "N ã o sa b ia
a m a is!" U m p o e ta n a
c o m a d e m o ra d e su a e x e c u ç ã o
'i
d e v id o à le n tid ã o d a fo rc a , e x c la m o u : "N e m m e sm o e n fo rc a r i
se sa b e n e ste p a ís!" .i
C la u d e o b se rv o u o s ú ltim o s m o m e n to s d e m u ito s c o n -,
'(
d e n a d o s à d e c a p ita ç ã o , V e rg e r se p re o c u p a v a c o m su a s o b ra s !
m é d ic a s. L a P o m m e ra is d a v a a u la s d e h ig ie n e a o s c a rc e re iro s.
B o c a rm é , a o c a rra sc o q u e o a d m o e sta v a q u e já tin h a p a ssa d o
a h o ra m a rc a d a , fa z ia h u m o r: "N ã o se in q u ie te ; se m m im
n ã o se c o m e ç a !"

3 . O s c rim in o so s d ia n te da execução

E sta in se n sib ilid a d e é p ro v a d a p e la fre q ü ê n c ia dos ho-


t
m ic id a s pouco
d e d u z d a s d iv e rtid a s
in stru m e n to s
d e p o is d a c o n d e n a ç ã o c a p ita l, p e lo q u e se
p a la v ra s q u e , n o ja rg ã o , se re fe re m
e a o s e x e c u to re s d a p e n a , o u se ja , d o s c a rra sc o s,
aos II
e d o s re la to s q u e fa z e m n o s c á rc e re s e m q u e o e n fo rc a m e n to •I
é o te m a p rin c ip a l. E ste é u m d o s m a is p o te n te s a rg u m e n to s
i
!
p a ra a a b o liç ã o d a s p e n a s d e m o rte . A p e n a c a p ita l c e rta - !

m e n te d issu a d e d o c rim e u m n ú m e ro b e m e sc a sso d e fa c ín o - I

ra s. T a lv e z se ja m e n o r d e o u tra s
im ita ç ã o
c a u sa s q u e o s in d u z e m ,
q u e d o m in a p e sso a s v u lg a re s e a o tip o d e h o rre n d o
p re stíg io c ria d o e m to rn o d a "v ítim a d a ju stiç a ", a o a p a re lh o
a

I
lú g u b re e so le n e e m u ito a d a p ta d o a e stim u la r a e stra n h a I
v a id a d e d o s c rim in o so s e q u e le v a a té a v e n e ra r o c o rp o d e le s,
c o m o se fo sse m d e m á rtire s e sa n to s.
I,
E m 167 condenados à p e n a c a p ita l n a In g la te rra ,
tin h a m a ssistid o à ú ltim a e x e c u ç ã o . E sta in se n sib ilid a d e
164
p e la s
I
d o re s p ró p ria s e d e o u tro s e x p lic a c o m o a lg u n s d e lin q ü e n te s
J~
I
p o ssa m te r c o m e tid o a to s q u e p a re c e m se r d e e x tra o rd in á ria "

c o ra g e m . P o r isso H o lla n d , D o in e a u , M o ttin o , F ie sc h i, S a n ti- \


~~,"j;'-

"1'.. •...;'
':;.'";~
'
..~~
"

56
~~
"".'I

)i~~
D, Bastos

C la ir tin h a m g a n h o m e d a lh a d e v a lo r m ilita r e m c a m p o d e
b a ta lh a . C o p p a jo g o u -se d e sa rm a d o d e fu z il e m m e io a o n o sso
b a ta lh ã o , m a ta n d o e sa in d o ile so . F o i m o rto e x a ta m e n te p e lo s
se u s c o m a n d a d o s, q u e n ã o tiv e ra m c o ra g e m d e a c o m p a n h á -
lo n a q u e la a v e n tu ra im p o ssív e l e te m ia m a v in g a n ç a p o r p a rte
d e le . O u tro c h e fe d e q u a d rilh a , P a lm ie ri, fe z -se m a ta r, la n ç a n -
d o -se n o m e io d a s b a la s. M a sin i, F ra n c o lin o , N in c o , C a n o sa ,
P e rc u o c o , p re fe rira m a m o rte c o m o h e ró is, à p risã o ,
T o d a v ia , a m a io r p a rte d o s d e lin q ü e n te s se d istin g u e
p e la g ra n d e v e lh a c a ria quando e n fre n ta m o p e rig o a sa n g u e
frio e in e sp e ra d o . P o u c o s a n o s a trá s, o in tré p id o q ü e sto r de
R avenna, S e ra fin i, m a n d o u , c h a m a r u m d o s m a is te m id o s
a ssa ssin o s, q u e se g a b a v a d e q u e re r m a tá -lo . P ô s-lh e u m re -
v ó lv e r n a m ã o e lh e m a n d o u q u e e x e c u ta sse su a p ro m e ssa ,
m a s e le fo i-se e m b o ra se m n a d a fa z e r.
T am bém E la m -L in d s fe c h o u -se n a c e la c o m um dos
, m a is fe ro z e s e n c a rc e ra d o s e q u e lh e h a v ia p ro m e tid o m a tá -
lo e m a n d o u -lh e fa z e r a b a rb a . D e sp e d iu -o a p ó s, d iz e n d o :
"S a b ia q u e su a in te n ç ã o e ra m a ta r-m e , m a s e u o d e sp re z o
d e m a is p a ra a c re d ita r q u e v o c ê se ja c a p a z d e ta n to . S ó e se m
a rm a s e u so u m a is fo rte d o q u e v o c ê s to d o s ju n to s".
O m e sm o E la m , q u a n d o u m a re v o lta se m a n ife sta v a
e n tre o s se u s d e te n to s, a c a lm o u -a c o lo c a n d o -se n o m e io
d e le s. E m S in g -S in g , 9 0 0 d e te n to s tra b a lh a v a m no cam po
se m c o rre n te s, v ig ia d o s só p o r 3 0 g u a rd a s; ju stific o u a q u e le
ilu stre d irig e n te : "O h o m e m d e so n e sto é um hom em e sse n -
c ia lm e n te v il e p a tife ".

É p ro v á v e l q u e o s a to s d e c o ra g e m d o s m a lfe ito re s se -
ja m só o e fe ito d a in se n sib ilid a d e e d a in fa n til im p e tu o sid a d e ,
q u e n ã o o s d e ix a c re sc e r o u te m e r u m p e rig o se g u ro e q u e o s
c e g a d ia n te d e u m o b je tiv o a a tin g ir, o u d e u m a p a ix ã o p a ra
~_.
.
""''';;''~'
sa tisfa z e r. E ssa in se n sib ilid a d e , q u e n ã o fa z p a re c e r a e le s tã o
g ra v e a m o rte d o a lh e io e a p ró p ria , ju n to c o m o ím p e to das
.';. •.--<
_ _ .~
~ ..
57
~f;'
I~',~-

~:
D, Bastos

p a ix õ e s , e x p lic a a pouca ou nenhum a c o rre s p o n d ê n c ia e n tre


a g ra v id a d e d o d e lito e d a d e s u a c a u s a . A s s im , u m c o n d e n a d o
m a to u o o u tro p o rq u e ro n c a v a m u ito a lto . N a p e n ite n c iá ria
d e A le s s a n d ria , u m p re s id iá rio fe riu d e m o rte u m o u tro , p o r-
q u e n ã o q u is e n g ra x a r-lh e o s s a p a to s . M a rk e n d o rf m a to u seu
b e n fe ito r p a ra ro u b a r-lh e u m p a r d e b o ta s . E s ta in s e n s ib ili-
d a d e m o ra l d o s d e lin q ü e n te s e x p lic a o u tro fa to c o n tra d itó rio :
a fre q ü e n te c ru e ld a d e e m in d iv íd u o s q u e a lg u m a s v e z e s p a re -
cem ser capazes de boas ações.

4. C o n c lu s ã o

E m s u m a , a a b e rra ç ã o d o s e n tim e n to é a n o ta c a ra c te -
rís tic a dos c rim in o s o s , com o d o s d e m e n te s , podendo um a
g ra n d e in te lig ê n c ia c o in c id ir com u m a te n d ê n c ia c rim in o s a
e d e m e n te , m as nunca com ín te g ro s e n tim e n to a fe tiv o . Is to
fo i o b s e rv a d o p o r P u g lia e d e p o is p o r P o le tti. Is to ta m b é m
fic a d e a c o rd o c o m o fa to d e q u e c e rta m e n te te rá s e n s ib iliz a d o
• os m eus le ito re s desde o s p rim e iro s c a p ítu lo s : q u e a s a lte ra -
ç õ e s d a te s ta p re d o m in a m m a is d o q u e a s d a s fa c e s , q u e a d a
cabeça e d o s o lh o s s o b re to d a s a s o u tra s .

A s a lte ra ç õ e s fa c ia is , e s p e c ia lm e n te a s o c u la re s , a o in -
v é s d o s e n tim e n to , q u e ta n to s ã o fre q ü e n te s e in s e p a rá v e is
no v e rd a d e iro c rim in o s o -n a to , e que tê m , d e o u tra p a rte ,
um a base o rg â n ic a . T em c e rta m e n te um a conexão com a
s e n s ib ilid a d e o b tu s a e n a q u e la re a ç ã o , o ra e x c e s s iv a o ra m u ito
escassa. C o n s e g u im o s re c o lh e r p ro v a s e x p e rim e n ta is d is s o .
M as e s te a rg u m e n to é bem v ita l, ra z ã o p e la qual não nos
s e n tim o s n o d e v e r d e re to rn a r m a is m in u c io s a m e n te n a s p ró -
x im a s c o n s id e ra ç õ e s .

I
I
58
t~

1
D, Bastos

5. A D E M Ê N C IA M ORAL E O

D E L IT O ENTRE AS C R IA N Ç A S

1 , C ó le r a - 2 . V in g a n ç a - 3 , C iú m e s - 4 . M e n tir a s
5 , S e n s o m o r a l- 6. A fe to - 7, C r u e ld a d e - 8, P r e g u iç a e ó c io
9 , G ír ia - 1 0 . V a id a d e - 1 1 . A lc o o lis m o e jo g o
1 2 . T e n d ê n c ia s o b s c e n a s - 1 3 . I m ita ç ã o
1 4 . D e s e n v o lv im e n to d a d e m ê n c ia m o r a l.

1 . C ó le ra

É u m fa to fu g id io ta lv e z a o s o b s e rv a d o re s , e x a ta m e n te p e la
s u a s im p lic id a d e e fre q ü ê n c ia , e a p e n a s le v a n ta d o p o r M o re a u ,
P e re z e B a in , q u e o s g e rm e n s d a d e m ê n c ia m o ra l e d a d e lin q ü ê n c ia
e n c o n tra m -s e , n ã o e x c e p c io n a lm e n te , m a s n o rm a lm e n te n a s p ri-
m e ira s id a d e s d o s e r h u m a n o . N o fe to , e n c o n tra m -s e fre q ü e n te -
m e n te c e rta s fo rm a s q u e n o a d u lto s ã o m o n s tru o s id a d e s . O m e-
n in o re p re s e n ta ria com o um ser hum ano p riv a d o d e s e n s o m o ra l,
e s te q u e s e d iz d o s rre n ó lo g o s u m d e m e n te m o ra l, p a ra n ó s , u m
d e lin q ü e n te -n a to . H á n is s o to d a a v io lê n c ia d a p a ix ã o .

P e re z d e m o n s tra a fre q ü ê n c ia e a p re c o c id a d e d a c ó le ra
n a s c ria n ç a s . N o s p rim e iro s .d o is m e s e s e le s m o s tra m com o
,
~ :.'i ~ 59

1i
D, Bastos
I
"

i
",
m o v im e n to d a s s o b ra n c e lh a s , d a s m ã o s , v e rd a d e iro s acessos •
d e c ó le ra , q u a n d o n ã o q u e re m to m a r b a n h o , q u a n d o q u e re m •
)
pegar u m o b je to . A u m a n o d e id a d e a s u a c ó le ra le v a -o a
b a te r n a s p e s s o a s , q u e b ra r p ra to s , jo g á -lo s c o n tra quem os
f
t,

d e s a g ra d a , p re c is a m e n te com o o s s e lv a g e n s . É com o os i
d a c o ta s , q u e e n tra m e m fu ro r q u a n d o m a ta m o s b is õ e s , c o m o
o s fid ja n e s q u e s e m o s tra m , nas em oções, m u ito e x c ita d o s ,
f
m as pouco te n a z e s (P e re z ).
i
A c ria n ç a s e e n ra iv e c e q u a n d o s o fre d o r o u q u a n d o te m
n e c e s s id a d e

h á b ito s ,
d e d o rm ir o u d e m o v e r-s e , q u a n d o
fa z e r c o m p re e n d e r
o u s e q u e re m
ra iv a o d o m in a q u a n d o
o u s e lh e in te rro m p e m
im p e d i-lo
não pode se
a lg u m de seus
d e c h o ra r, d e d e s a b a fa r. A
é o b rig a d o a fa z e r fe s ta p a ra o s e s tra -
I
n h o s , o u v e m in te rro m p e r d u a s c ria n ç a s q u e s e b a te m . F re -
~
q ü e n te m e n te a c a u s a é , a b s u rd a : p o rq u e d o m in a n e le s , c o m o
b e m d is s e P e re z , a o b s tin a ç ã o e a im p u ls iv id a d e , que bem se
v ê e m q u e m s e la v a , s e d e s p e , o u v a i d o rm ir. E a c ó le ra e n tã o 1
to m a a e x p re s s ã o a g u d a d o c a p ric h o , d o c iú m e , d a v in g a n ç a , I
e p re ju d ic a o d e s e n v o lv im e n to d e le s , p rin c ip a lm e n te n o s p re -
!
d is p o s to s a d o e n ç a s c o n v u ls iv a s e a tin g e p ro p o rç õ e s e s p a n to s a s .

C e rto s ra p a z e s , d is s e M o re a u e m 1 8 8 2 , n ã o p o d e m e s ta r
u m s ó m o m e n to n a e x p e c ta tiv a d a s o rte p ro c u ra d a , sem en-
tra r e m c ó le ra . E le c o n h e c e u u m m e n in o d e 8 a n o s , in te lig e n -
tís s im o , q u e à m ín im a o b s e rv a ç ã o d o s p a is o u d e e s tra n h o s ,
e n tra v a

q u a n to s
e m c ó le ra v io le n ta ,
q u e lh e c a ía à s m ã o s e q u a n d o
o b je to s p o d ia a p a n h a r.

N ã o s e p o d ia p õ r n o b e rç o
tra n s fo rm a n d o e m a rm a tu d o o
s e v ia im p o te n te ,

u m m e n in o
q u e b ra v a

de 4 m eses a
I
n ã o s e r c o m a u x ílio d e o u tra s pessoas. A os 6 m eses a m ãe
te n to u c o lo c á -lo e n tre a lm o fa d a s n o p ró p rio le ito , m a s o fu ro r
t
re c o m e ç a v a quando ia p a ra o b e rç o . C o m 1 a n o e ra a le g re , I
1,
m a s a in d a te n a z e m c e rto s h á b ito s , c o m o p o r e x e m p lo , ser .1 _
~
c o lo c a d o n o le ito p e lo ~ s e u p a i. •• I'
1.
~
':,,.~~
60 ~
-.f -t!
:.~
..•.. -

.Is_
D, Bastos

Uma m e n in a , que e ra u m ta n to v io le n ta , to rn o u -s e
b o a c o m 2 a n o s . V i o u tra , d e 1 1 m e s e s to rn a r-s e fu rio s a p o r-
q u e n ã o c o n s e g u ia to rc e r o n a riz d o a v ô , e u m a o u tra de 2
a n o s p o rq u e v iu u m m e n in o c o m m a m a d e ira ig u a l à s u a ; p ro -
c u ro u m o rd ê -lo e to rn o u -s e d o e n te p o r trê s d ia s , O u tra d e 2
a n o s tin h a ta l a c e s s o d e ra iv a q u a n d o a c o lo c a v a m p a ra d o rm ir.

Um m e n in o de 1 5 m e s e s m o rd ia a m ãe quando lh e
d a v a b a n h o . U m o u tro d e 3 a n o s , a fa s ta d o d a s a la d e ja n ta r,
jo g o u -s e p o r te rra n o v ã o d a p o rta , d a n d o g rito s fe ro z e s . A
c ó le ra p o rta n to é u m s e n tim e n to e le m e n ta r no ser hum ano,
q u e d e v e s e r d irig id a , m a s n ã o s e d e v e e s p e ra r q u e s e ja e x tra íd a .

2 . V in g a n ç a
~
E s s e s c a s o s m o s tra m a , fre q ü ê n c ia e a p re c o c id a d e do
s e n s o d a v in g a n ç a n o s m e n in o s . P u d e v e r ta m b é m aos 7 ou
8 m e s e s u m m e n in o a rra n h a r a a m a d e le ite q u a n d o p ro c u ra v a
re tira r a te ta . C o n h e c i u m m e n in o h id ro c e fá lic o , d e d e s e n v o l-
v im e n to e e n te n d im e n to ' ta rd io , q u e s e irrita v a à m a is le v e
a d v e rtê n c ia a té a id a d e d e 6 a n o s . S e p u d e s s e g o lp e a r a q u e le
q u e o tin h a irrita d o , te r-s e -ia tra n q ü iliz a d o ; s e n ã o c o n tin u a v a
a g rita r. M o rd ia a s m ã o s , a to q u e e u o v i re p e tir, q u a n d o não
p o d ia v in g a r-s e d a a m e a ç a fe ita a e le . À s v e z e s re a g ia m u ita s
h o ra s a p ó s a s ú b ita irrita ç ã o e s e m p re p ro c u ra v a g o lp e a r o u -
tro s n o p o n to e m q u e fo ra a tin g id o o u a m e a ç a d o . E ra v io le n -
tís s im o , s o b re tu d o s e a c re d ita s s e s e r p u n id o o u s e r a lg o d e
s u p o s to ó d io . M e lh o ro u a o s la a n o s . O u tro q u e e ra fe ro c ís -
s im o a o s 4 a n o s , a té b a te r n a m ã e e m p le n a ru a . A o s 1 1 a n o s
to rn o u -s e d ó c il e b o m .

3 . C iú m e s
,<
_ • •,.
~' •• i, É c o m u m a to d o s o s a n im a is e s e m o s tra ta m b é m n o s
C~F~.-

-~ i.~ _ ", s e re s h u m a n o s m a is c a lm o s . O ra e x p lo d e com o in c ê n d io ,


,.t.,-
~ .,';<
~...~
!~:tJíi;!+..
~ -; 61
.. ...•.. ;.
- ..

_i".
""-
D, Bastos
':~;'

I
ora am oita com o cinza. P ode ter com o excitante o am or, m as
tam bém a posse. É violento nos m eninos. P erez notou o ciúm e
num que não só era cium ento de quem chegasse perto de sua
i
f

I
am a-de-leite, m as tam bém um objeto, para não cedê-lo a outrem .
_ F énélon escreveu: "N os m eninos o ciúm e é m ais vio-
. lento do que se im agina e há m uitos que em agrecem insensi-

I
velm ente ao sentir-se m enos acariciados do que outros. T ie-
dem ann, em um m enino de 22 m eses observou que queria
ser louvado quando fosse louvada sua irm ã, e batia nela se
não lhe cedia de súbito o que ela ganhava. U m garoto de 3
anos, que falava com grande prazer da futura irm ã, quando
a viu nascer e ser acariciada logo perguntou se ela devia
.•... m orrer logo.
1.-
~ V i esse sentim ento desenvolvido no prim eiro m ês, nos
E
{
prim eiros dias do nascim ento em um a m enina que não to-
m ava m ais o leite quando via sugado o outro seio pela irm ã I
~~:---
~ gêm ea, razão porque era separada im ediatam ente. C om 4
anos, ela não com ia m ais se via pela janela um a m enina vesti-
~
"'<l'. da com o ela. C om 14-15 anos, depois de um grave tifo, com e-
çou a tornar-se boa; era porém m uito tarde. A os 25 anos,
m ais hipócrita que boa, com crânio hidrocéfalo e hiperestesia
histérica. V albust fala de um m enino de 6 anos, cium ento de
seu irm ãozinho, que apresentava freqüentem ente aos próprios
pais a faca para que o m atassem .

4. M entiras

M ontaigne dizia que a m entira e a obstinação crescem


nos m eninos tanto quanto seu corpo. P erez o adm ite e aduz \
com o causa prim eira a facilidade que tem os em enganar as
crianças desde os prim eiros m eses para tranqüilizá-los, lavá-
J:
-
los, etc. E les m entem p;lra conseguir aquilo que lhes foi proi- ('I.

~ ,

bido; m uitas vezes para evitarem um a repreensão ou para ~t,._"

...'
, .',
62 ~; . "
~/Ii: t"
~,
D, Bastos

!j
"l'

11
não parecer que a m erecem . O utras vezes m entem por causa
1',
t,.;I'
da m erenda, fingindo não a ter com ido antes e sob a im pressão
1:11
,
de um a forte dor após um a queda, ou para m ostrarem -se i~
fortes, ou querendo im aginar-se não estarem na aviltante
posição em que estão. O u ainda por ciúm e (um a m enina,
vendo a m ãe acariciar seu irm ãozinho, inventou que foi agre-
dida por ele); ou por preguiça (por exem plo, não querendo
fazer algum a coisa dizem estarem doentes). E u m e recordo
ter, com tal pretexto, evitado por m eses um a enfadonha lição
de aritm ética; tinha 5 ou 6 anos, enganando até os m édicos.
D epois dos 3 ou 4 anos, eles m entem por m edo de serem
punidos e a isso são levados da m aneira com que são interro-
gados e pressionados para darem a resposta. F reqüentem ente
m entem para satisfazer a vaidade. H á m eninos que por vai-
dade se dão prêm ios im aginários. U m a m enina se dava ao
gosto de narrar a si m esm a fábulas em que se tornava rainha
e ficava absorta com elas todo o dia.
U m a das razões das freqüentes m entiras deles é a im -
pulsividade e o senso m enos com pleto, m enos profundo do
verdadeiro, que custa m enos para eles do que para os outros
em dissim ulá-los, m udá-los diante de um objetivo, m esm o
leve de atingir, exatam ente com o nos selvagens e delinqüen-
tes. P or isso, vê-se aplicar a dissim ulação, da qual acreditam os
que sejam incapazes pessoas m ais m aduras. C onheci um a
m enina que, com 4 anos, roubava o açúcar com tanta destreza
que não se deixava surpreender, e depois fazia crer que a
ladra fosse .a servente.
U m passo a m ais e vim os outra que só para criar
rum or em torno dela fingia expelir secreções vaginais e
enganou por anos m édicos experim entados. O utra, de 5

:
,1', ~,-. '
ou 6 anos, ouviu a m ãe adotiva
cesso escandaloso; alguns
fôra m olestada obscenam ente
ler em um jornal um pro-
dias depois ela inventou
pelo pai e pelo avô. Iniciou-
que

",:'4'-'
~
'?': 63
't.,.,.
""'"
".ff:i;:~.
D, Bastos ;i.
'.1
se um g ra v e p ro c e s s o , a ré que
q u e tu d o e ra m fá b u la s ; ú ltim o e ú n ic o o b je tiv o
b a ru lh o e m to rn o d e s i.
B o u rd in , q u e fo i e n c a rre g a d o
os exam es d e m o n s tra ra m
e ra p ro v o c a r

d e fa z e r tra b a lh o e s p e c ia l
I
!
s o b re a m e n tira
in v e n to u
p a ra c h a m a r
e n tre o s m e n in o s , c o n ta -n o s
te r u m c o rp o e s tra n h o
a a te n ç ã o
n o o u v id o
s o b re s i. O u tro ,
q u e u m m e n in o
e g rita v a d e d o r,
com o m esm o fim ,
Ii
I
s im u lo u um a doença c o m p lic a d a . D o is m e n in o s de 5 ou 6
a n o s , n a m e s a , e s ta b e le c e ra m a c o rd o e n tre e le s d e e s c o n d e r

I
da m ãe um pequeno c rim e d e u m d e le s (d e te r d e rru b a d o
v in h o n a to a lh a ), e c o m is s o im p e d i-lo d e ir a o te a tro , que
fo ra p ro m e tid o s ó a e le .
U m a m e n in a d e a p e n a s 3 a n o s , c u ja m ã e p ro ib iu de
e s m o la r c o m id a d is s e a u m a s e n h o ra : " S e m e d e s s e n e g a rá à
..m ã e h a v e r a c e ita d o " ..É a m b ic io s a , e , d e s e ja n d o ser bem ves- t
tid a , d is s e à m ã e : ''A q u e la
in d e c e n te " . E n tre ta n to
s e n h o ra
n ã o e ra v e rd a d e .
m e re p re e n d e u
Q uando
por ser
fo i re p re - JI
e n d id a por essa nova m e n tira negou v e e m e n te m e n te . E la
í
m e s m a u m d ia n e g o u
E s te c a s o é fre q ü e n te
te r a lm o ç a d o
n o s m e n in o s .
p a ra te r n o v o a lm o ç o .
i
I
;
5 . S e n s o m o ra l ,
O s e n s o m o ra l fa lta c e rta m e n te n o s m e n in o s n o s p ri-
m e iro s m e s e s e a té n o p rim e iro a n o d e v id a . P o r is s o , o b e m
e o m a l é o q u e fo r p e rm itid o o u p ro ib id o p e lo p a i o u p e la
m ã e , m a s , a lg u m a v e z , s e n te m por si quando u m a c o is a s e ja
m á . D is s e u m m e n in o a P e re z : "É v il m e n tir e desobedecer
- is to d e s a g ra d a à m am ãe". D iz ia u m g a ro to : " Q u a n d o cho-
ro , m a m ã e m e p õ e a d o rm ir e e n tã o m e d á u m a a lm o fa d a " .
A s s im fa z e m p e la s a ç õ e s m o ra is o u e n c o n tra m a quem os
lo u v e . U m m e n in o d e 2 a 5 a n o s a c re d ita v a te r fe ito b e m .
D iz ia : " O m u n d o d ir8 .: é u m b o m ra p a z " (P e re z ). U m a v e z

64
.~"
I
D, Bastos

I
I

u m m e n in o d e 4 a n o s q u e tin h a d ito m e n tira s fo i p u n id o


p e la m ã e c o m c a s tig o n a a d e g a , m a s e le a in d a d is s e : " M e -
re c ia b e m p io r" . A o in v é s , p u n id o p e la a v ó , c o m s im p le s
a b a n d o n o n u m q u a rto e s c u ro , n ã o s e a d a p ta v a , ju lg a v a -s e
in ju s tiç a d o e g rita v a .

A d o r p e lo c a s tig o , p o rta n to , n o s m e n in o s , v a ria s e g u n -

I
d o a s p e s s o a s q u e o a p lic a m . A id é ia d e ju s tiç a , d e p ro p rie -
d a d e , v e m a o m e n in o a p ó s h a v e r p ro v a d o a dor de ser desa-
p ro p ria d o e te r o u v id o d iz e r q u e is to é m a u . O d e ia g e ra lm e n te

I
a in ju s tiç a , p rin c ip a lm e n te quando e le p ró p rio a s e n te . P a ra
e le , e la c o n s is te e m u m d e s a c o rd o e n tre o m o d o h a b itu a l d e
tra ta m e n to e o a c id e n ta l.

E m c irc u n s tâ n c ia s n o v a s e s tá e m p le n a in c e rte z a . U m
m e n in o le v a d o d e s u a c a s a a P e re z m o d ific o u s e u s h á b ito s
s e g u n d o a n o v a s itu a ç ã o : com eçou a d irig ir a fú ria d o s g rito s
e s ó o b e d e c ia a e s s a fú ria . O s e n s o m o ra l é , p o rta n to , um a
d a s fa c u ld a d e s m a is s u s c e tív e is d e s e r m o d ific a d a p e lo a m -
b ie n te m o ra l. A noção d o b e m o u d o m a l q u e é o g e rm e
in te le c tu a l d e la n ã o s e c o n s ta ta a n te s dos 6 aos 7 m eses.
P e re z v iu u m m e n in o d e 7 m e s e s , c u ja m ã e tin h a e n s in a d o
q u e e ra e rra d o g rita r q u a n to to rn a v a b a n h o . A o re v é s , q u a n to
m a is g rita v a m a is s e irrita v a , o b s tin a v a e c h o ra v a .

O p rim e iro a c e n o d o s e n s o m o ra l é q u a n d o c o m p re e n -
d e m c e rta s a titu d e s e c e rta s e n to n a ç õ e s q u e te n h a m o b je tiv o
re p re s s iv o , q u a n d o com eçam a obedecer por m edo ou por
h á b ito . O in te re s s e , o a m o r p ró p rio , a p a ix ã o , o d e s e n v o lv i-
m e n to d a in te lig ê n c ia e d a re fle x ã o d e te rm in a m a e x te n s ã o
d o b e m e d o m a l e m a is , ta lv e z , a s im p a tia , a fo rç a d o e x e m p lo ,
o m e d o d a re p re e n s ã o ; d e to d o s e s s e s e le m e n to s s e fo tm a a
c o n s c iê n c ia m o ra l. O m e s m o p o d e s e r m a is o u m e n o s e n c a m i-
n h a d o s e g u n d o a s a titu d e s d o c a rá te r e d o s a c id e n te s do m o-
m e n to . A filh a d e L u ig i F e rri d is s e -lh e u m d ia : " S in to q u e
h o je n ã o p o s s o s e r b o a " .

65
;:r-
D, Bastos

:'t,

6. A feto
t
É escassa neles a afeição. Provam sim patias sobretudo tf
pelos rostos belos e por aqueles que procuram um prazer,
.com o por exem plo, pelos pequenos anim ais que se deixam
,
,
prender, e antipatia, sobretudo pelos objetos novos que cau-
~ sam m edo. N ão sentem afeto e tam bém depois dos 7 anos os J
m eninos esquecem a própria m ãe, a quem aparentavam am ar. ,
I
U m m enino de 4 anos perdeu seu m elhor am igo; o pai deste,
tom ou-o nos braços soluçando, m as ele de súbito lhe disse:
"A gora que Pedro está m orto, o senhor m e dará o seu cavalo
e seu tam bor, não é verdade?"
T
Q uando alguém acredita no am or deles, no fundo,

. com o as m ulheres venais, revelam não ser ligados a nada, a


não ser por bens e pela esperança de receber novos, e o am or
.~, se vai quando lhe apareça qualquer esperança de vantagem .
~ ;.~ .
H á algum as exceções. E você está, anjinho m eu, entre aqueles
~~. cujos olhos doces, vivazes, brilham ainda no sepulcro e que
'~;<
não parecem desfrutar, m as conviver com os outros!
~,
••• M as a raridade dos casos, com o dos poucos selvagens, bons,
os \V edas, os santala, confirm a a regra, tanto m ais que, quase
sem pre, exatam ente porque exceção precoce de sensibilidade
não pode perm itir um bom desenvolvim ento do organism o.

7. Crueldade

"Esta é sem piedade", disse da natureza dos m eninos


' •. La Fontaine, o fiel pintor da natureza. A crueldade é, de
fato, um dos caracteres m ais com uns do m enino. Broussais
'" disse que não há quase garoto que não abuse de sua força
sobre aqueles que são m ais velhos do que ele. Tal é o seu
prim eiro m ovim ento, m as os lam entos da vítim a o detém .L.
i
quando não é nascido para a ferocidade até que um novo , I:";"
~J~
im pulso instintivo não"o faça com eter um novo erro. '!f~
~t".
,"'---~
li' .;r
"f' . ,;-"_

I'(
66 4 ;~
:';~--
- D, Bastos

G eralm ente ele prefere o m al ao bem ; é m ais cruel que


bom , porque experim enta assim m aior em oção e pode provar
a sua ilim itada potência, e por isso o vê rom per com prazer
os objetos inanim ados. Ele se diverte em cortar anim ais, m atar
m oscas, bater nos cães, sufocar pássaros, revestir besouros
de cera quente, prolongar a agonia de seres vivos por m eses
inteiros.
Foi um m enino que inventou a gaiola de junco e de
vim e, a ratoeira, a rede para as borboletas, e m il outros en-
genhos de destruição, disse-m e um cientista. D isse ainda o
D r. Blatin que viu engenhosos garotos jogar tênis com peque-
nos besouros, que eles jogavam de um para outro com a
raquete. N o m ês de julho de 1865, na arena de M onte-de-
M arsan, vim os m eninos de uns 10 anos lançarem -se furiosa-
m ente contra touros quase m ortos e m atá-los a golpes de
espada. Em M úrcia, na Espanha:vim os rapazes descerem na
arena e fazerem serviço de m atador.

8. Preguiça e ócio

O utro' caráter que torna sem elhante o m enino ao


delinqüente nato é a preguiça intelectual, o que não exclui a
atividade pelo prazer e pelo jogo. Eles fogem de um trabalho
contínuo e sobretudo a um novo trabalho a que se sentem
desadaptados. Q uando constrangidos a um estudo fazem o
prim eiro esforço, repetem sem pre esse, m as evitam outros,
pela m esm a lei da inércia pela qual não gostam de m udar de
atividade o=uconhecer fisionom ias novas. Isto porque o inte-
lecto nosso sofre com toda sensação enérgica nova, enquanto
se apraz com as antigas, ou com as novas que sejam de pouca
im portância.
..
", •., À s vezes, não se revela a verdadeira preguiça m uscular.
~'-'~~.
~~~Contrasta m as não contradiz com essa tendência, a de m udar
.~'""",.
.. "<;
_

('~'~
~;
67
-4: ...
,
1--
D, Bastos

c o n tin u a m e n te d e p o sto , d e te r n o v a s d o id ic e s, e n c o n tra r-


se ju n to a m u ito s c o m p a n h e iro s, m a lg ra d o se ja m p o u c o a fe i-
ç o a d o s u m c o m o o u tro , fa z e n d o o rg ia s, d e v o z e s e m o v im e n -
t,
to , p rin c ip a lm e n te c o m o fo i n o ta d o d o s m e te o ro ló g ic o s, o
d ia p rim e iro d o s te m p o ra is, e n ã o ra ra s v e z e s n a s c o sta s d o s
v e lh o s, d o s c re tin o s e d o s c o m p a n h e iro s m a is d é b e is.
Isto , c o m o n o s d e lin q ü e n te s,
g u iç a . E le s se to rn a m
n ã o c o n tra sta c o m a p re -
a tiv o s d ia n te d e u m p ra z e r fá c il d e c o n -
1
se g u ir e m u m d a d o m o m e n to . A m am a s in o v a ç õ e s quando
e sta s n ã o sa c rifiq u e m o s m io lo s e q u a n d o sa tisfa z e m o p ra z e r
d o m ú tu o c o n ta to q u e n ã o te m re la ç ã o d ire ta c o m a in te n -
sid a d e d o a fe to e q u e e x a ta m e n te a ssim se o b se rv a n o s c rim in o so s. \
9 . G íria \
"'-..
E sse h á b ito te m a té in tro d u z id o
c ie d e g íria , c o m o s sin a is d e m ã o s d ife re n te s
e n tre e le s u m a e sp é -
p a ra su b tra ir-se
à p re ssã o d o s su p e rio re s, q u e n o te i e m u so n o s m u ito s c o lé g io s
I
e e sc o la s p ú b lic a s, e n tre m e n in o s d e 7 a 1 2 a n o s.

1 0 . V a id a d e
I
T a m b é m e ste fu n d a m e n to d a m e g a lo m a n ia e d a c rim i-
I
I
n a lid a d e n a ta , q u e é a v a rie d a d e e x c e ssiv a , a p re o c u p a ç ã o
d e si m e sm o , é e n o rm e
q u e o s p rin c íp io s
n o s m e n in o s.
d e ig u a ld a d e
E m d u a s fa m ília s, e m
sã o in a to s n o s g e n ito re s, os 1
filh o s a in d a a o s 3 a n o s re v e la v a m
d e c la sse s so c ia is, e tra ta v a m
a s p re te n sõ e s,
c o m a rro g â n c ia
d ife re n ç a s
o s p o b re s. I!
U m a m e n in a m u ito ta c itu rn a , d e m e d ío c re d e se n v o lv i-
m e n to in te le c tu a l, educada p o r m ã e b o n íssim a , c h e ia de t
id é ia s n o b re s, b rin c a n d o c o m a filh a d a se rv e n te , im p u n h a -
;{
lh e p re te n so s se rv iç o s e a re p re e n d ia . H á n e ssa a titu d e um
p o u c o d e im ita ç ã o , m a s a in d a m u ita id é ia d e g ra n d e z a . ~~Q
".; :.'
:' -
'" '::'
~
68 '!*J~
*!i ttil(:
D, Bastos


O s m e n in o s se fa z e m p e tu la n te s d e sd e 7 e 8 m e se s,
,
1 ~;,
".:

d ã o -se b o ta s e c h a p é u s e lu ta m p o r n ã o q u e re r p e rd ê -lo s. V i
c a so s p a re c id o s d e m e n in o s q u e se re v e la ra m d e p o is d e p o u c o
engenho e pouca p re c o c id a d e , a 9 ou la m e se s c h o ra re m
p a ra q u e fo sse m v e stid o s c o m d e te rm in a d a ro u p a v isto sa .
U m , d e 2 2 m e se s q u e ria ro u p a a z u l, u m o u tro d iz ia se m p re
q u e q u e ria ro u p a d e c a sa m e n to .
F a z e m -se o rg u lh o so s d o p a i p ro fe sso r, c o n d e , e m p re sá rio ,
e tc . H á a lg u n s q u e , m e sm o se n d o re strito s, re v e la m p a ra a s a m ig a s
e m p ro p o rç ã o re le v a n te , p a ra se p a ssa r p o r ric o s. O s m e n in o s
m a is ig n o ra n te s n ã o a d m ite m ja m a is se re m re p re e n d id o s, g e ra l-
m e n te p e lo s m e stre s, p e la in c a p a c id a d e . E x p lic a m a s re p re e n -
sõ e s c o m fa lsa s ra z õ e s, se m p re e stra n h a s a o s p ró p rio s e rro s.
T o d o s a c re d ita m su p e ra r o s o u tro s n a s p e q u e n a s o p e ra -
ç õ e s .. O b se rv o u P e re z u m m e n in o q u e n o b a la n ç o g rita v a :
" O h ! V e ja m c o m o m e b a la n ç o b e m ! C o m o v o u fa c ilm e n te ;
n in g u é m p o d e fa z e r c o m o e u !" . T o d a v ia , o s se u s c o m p a n h e i-
ro s ta m b é m fa z ia m . E is a í u m a ilu sã o tra z id a p e lo a m o r-p ró p rio .
A p e rso n a lid a d e n o g a ro to v a i a té o e g o ísm o , à p re -
su n ç ã o , a té o p e d a n tism o , e fre q ü e n te m e n te c o m te n d ê n c ia
à sim p a tia , à te rn u ra e à c re d u lid a d e o q u e c o n trib u i a o d e se n -
v o lv im e n to d o se n so m o ra l. A id é ia d a p e rso n a lid a d e é apenas
e sb o ç a d a n o p rim e iro a n o , c o m o n a s fe ra s. E n tre os 2 e 4
a n o s, o se n tim e n to p e sso a l a firm a -se a té o e x a g e ro . Um
g a ro to d e 2 6 m e se s g rita v a p o r q u a lq u e r a rra n h ã o . T om ado
d e a m o r-p ró p rio , m o d ific o u -se , e m e sm o g o lp e a d o , n ã o se
q u e ix a v a e le v a v a tu d o p e lo la d o c ô m ic o . U m d ia n ã o q u is
a p re n d e r a le r d ia n te d e u m a g a ro ta d iz e n d o : " E la ri d e m im !"

11. A lc o o lism o e jo g o

Q uem v iv e n a a lta so c ie d a d e n ã o te m id é ia d a p a ix ã o
Q~'~'::.i.
~:.~
q u e tê m a s c ria n ç a s p e lo á lc o o l, m a s n a b a ix a so c ie d a d e é
-.~f" ~
"',
t'F,:~:
~:.:.. 69
~?,::+:'~
::';;-.t-~,
~ - .< ,~ l;.,_
rr
D, Bastos

I
m uito óbvio observar até os lactentes tom arem vinho e licor
com vontade toda especial e os genitores se divertirem em
vê-los cair na em briagues (M oreau). M uitas vezes os presidiá-
i
.rios m e contaram que se em briagavam desde a infância e
diante dos genitores. A paixão pelo jogo é um a nota caracte-
.' rística da vida infantil.

12. Tendências obscenas


I
N em quando lim itado pelo desenvolvim ento incom -
pleto faltam as tendências obscenas desde a prim eira idade,
de 3 a 4 anos. Em todos os asilos foram apresentados um ou
I
I
;t;-

'. dois m eninos dedicados ao onanism o. Todos os am ores anô-


m alos e m onstruosos, com o quase todas as tendências crim i- !
lf'>
''j-''

5.:.;,
~}
~,
nosas, têm princípio na prim eira idade .
II
~.'fZ 13. Im itação
.'-'>' ..
~~
.•
~.•1'"
:..
~.
A té a form a de cam inhar
m eninos, são efeito da im itação,
e de falar, escreve Perez, nos
e naturalm ente se im ita o
bem com o o m al. U m a m enina que tinha o pai irascível, aos
15 m eses com eçava a enrugar a sobrancelha à m aneira do
pai e gritar a seu m odo. A os 3 anos dizia a um com quem
discutia: "C ale-se, você não m e deixa term inar a frase", exata- !
m ente com o o pai. H á portanto im itações m orais antes que
nós possam os perceber.
,; U m idiota, disse G al!, depois de ver m atar um porco,
pensou logo depois em degolar um hom em e o degolou. Prós-
pero Lucas cita o exem plo de um m enino de 6 a 8 anos que
.sufocou seu irm ão m ais jovem. Q uando o pai e a m ãe entra-
ram e tom aram conhecim ento do ocorrido, ele jogou-se nos
braços deles chorando e declarando ter desejado im itar o
diabo, que tinha estr~.ngulado Pulcinel!a.

70
r D, Bastos

Por pouco, disse M arc, um m eu am igo de infância não


sucum biu ao jogo do enforcado. Tendo assistido na cidade
de M etz a um a execução, ele e outros com panheiros pensa-
ram em im itá-lo. Ele foi escolhido com o paciente, outro com o
confessor e um outro com o o carrasco. Prenderam -no no
balaústre de um a escada e, com o foram perturbados no jogo
deles, fug(ram , esquecendo o pobre garoto, que teria m orrido
se alguém 'que chegou a tem po não o soltasse e o reanim asse.
O s m eninos têm em com um com os selvagens e os
delinqüentes a m esm a previdência: um futuro que não seja
im ediato ou não pareça assim , não tem qualquer influência
sobre a im aginação deles. Ter um prazo após oito dias ou
após um ano é igual para eles.

I 14. D esenvolvim ento da dem ência m oral

D o conhecim ento dos fatos descritos e narrados, tem -se


a natural explicação de com o a dem ência m oral se originou só
por falta de todo freio nos excessos desde a infância, cujos m aus
hábitos não interrom pidos pela educação, seria com o um a conti-
nuação. Esses m eninos, disse C am pagne falando dos candidatos
à dem ência m oral, são insensíveis aos louvores e às censuras.
N ão sentem quando o seu com portam ento se torna penoso à
sua fam ília. Ficam indisciplinados, descuidados, briguentos.
O ócio, o onanism o e o deboche, as excitações de todo tipo
são os grandes estágios que percorrem aquela exaltação, dita
dem ência racional, que os leva irresistivelm ente à ação.
A crueldade foi notada na prim eira juventude de C a-
racala, de Luiz XI e C arlos IX, que fazia torturar anim ais .
Tam bém de Luiz XIII que am assou entre duas pedras a cabeça
de um passarinho, e tanto se irritou contra um gentil hom em
que lhe era antipático que fingiu m atá-lo. Feito rei, divertia-
se em assistir a agonia dos protestantes condenados a m orte.

71

D, Bastos

Sendo a dem ência m oral e as tendências crim inosas


unidas indissoluvelm ente, explica-se porque quase todos os
grandes delinqüentes tiveram que m anifestar suas m edonhas
tendências desde a prim eira infância. L a L afarge estrangulava
frangos desde criança com grande prazer. Feuerback conta o
caso de um parricida que gostava de fazer girar os frangos em
torno de si depois de cegá-los. D um bey aos 7 anos era ladrão.
A ssaltante B , com 9 anos, já era ladrão e estuprador. C artou-
che aos 11 anos era ladrão. C rocco aos 3 anos divertia-se em
depenar aves vivas.
L ocatel1i observou que a tendência ao furto se m ani-
festa na idade m ais tenra; com eça com pequenas subtrações
dom ésticas e progride. O s assassinos tornam -se tais de re-
pente e tam bém em idade jovem . D e outro m odo, observou
R ousse1 em sua grandiosa obra Inquérito sobre a Menoridade -
1883, no que se refere à França, a prostituição tem um a larga
cota dc m cnorcs: 1.500, por exem plo, em 2.582 prostitutas
detidas em 1877. E m B ordeaux, continua ele, notava-se que
461 prostituíam -se por situação fam iliar ou por corrupção
direta (32) dos pais, apenas 14 por perversão de seus instintos,
entre outras a filha de um engenheiro e a de um rico presidente.

72 I
~
~.
D, Bastos

6. C A SU ÍST IC A (D E D E L IT O S NOS M E N IN O S)

E is por que a cota dos delitos nos m eninos é m ais do


que escassa, dos quais apontam os alguns.

1. V im ont, no seu Tratado de Frenologia -1838 - fala de


um m enino de 11 anos que convidou um garoto de 5 para
passear em um brejo e chegando lá bateu nele, enfiou-lhe
um bastão no reto e depois o afogou. A cusado do crim e, não
só o negou, m as acusou outros m eninos.

2. E m 15.6.1834, na cidade de B el1esm e, retirou-se de


um poço o cadáver de um a m enina de 2 anos. D ois dias depois
foi retirado do m esm o poço um garoto de 2 anos e m eio. U m a
jovem de 11 anos, conhecida por hábitos perversos, não encon-
trava m eninos m enores do que ela sem bater neles ou atorm entá-
los de m il m odos cruéis. E la tinha atirado sucessivam ente no
poço os dois m eninos fazendo-os cair com um em purrão (M oreau).

3. O T ribunal do Júri de D oubs julgou um incendiário de


8 anos que ateou fogo na casa de sua aldeia e tudo isso, com o
confessou, só para divertir-se e ilum inar os m eninos (M oreau).

73
.
w
D, Bastos

4 . U m b a n d id o e sc o c ê s, c o n d e n a d o p o r a n tro p o fa g ia ,
U
d e ix o u u m a m e n in a q u e a o s 1 2 a n o s e ra u m a fe ro z a n tro p ó - ~
:...
fa g a . P e rg u n to u e la : "E p o r q u e te r d e sg o sto ? S e to d o s so u - J:
b e sse m c o m o é b o a a c a rn e h u m a n a ,
filh o s" (M o re a u ).
to d o s c o m e ria m o s se u s
~t
~
./

bundo,
5 . A .M ., d e 1 1 a n o s, d e tid o p e la o ita v a v e z c o m o v a g a -
d e c la ro u q u e e ra b e m n u trid o
m a s q u e se n te n e c e ssid a d e
se m p re d a m ã e se fo r e n c a m in h a d o
e c u id a d o p e lo s p a is,
d e se r liv re e q lle e le se lib e rta rá
a e la . E stá n o se u sa n g u e ;
II
p re fe ria fic a r n a c a sa d e c o rre ç ã o q u e fic a r n a p ró p ria c a sa .
I
I
6 . E m L a g n y , d o is m e n in o s,
1 0 , te n d o m o tiv o d e ra n c o r c o n tra
u m d e 1 3 a n o s, o u tro
u m se u c o m p a n h e iro
de
de
t
~
.~ 7 a n o s, c o n v id a ra m -n o a n a d a r n a m a rg e m d o M a rn e , em
.~ .:
",',
.\
::.,.. lu g a r a fa sta d o . Jo g a ra m -n o e m lu g a r p ro fu n d o e a g o lp e s d e

~;
p é e d e p e d ra re p e lira m
g u in te ,
a te n ta tiv a d e sa lv á -lo . N o d ia se -
u m d e le s, o m e n o r, c o n fe sso u a v e rd a d e (M o re a u ).
I I

J. I
7 . A o s 1 3 a n o s, B .A ., b ra q u ic é fa lo , ín d ic e 8 7 , o x c é fa lo , í•
c o m o lh o s o b líq u o s, z ig o m a s sa lie n te s, m a n d íb u la s v o lu m o sa s,
!
o re lh a s d e a sa , c o m p a p o , fe riu m o rta lm e n te c o m u m fa c ã o I
n o c o ra ç ã o u m c o m p a n h e iro q u e lh e n e g o u d in h e iro v e n c id o
n o jo g o . C o m 1 2 a n o s já e ra e n c o n tra d o n o s p ro stíb u lo s.

I
S e is v e z e s fo i c o n d e n a d o p o r fu rto . T in h a u m irm ã o la d rã o ,
u m a irm ã m e re triz e a m ã e c rim in o sa . E ra re lig io so , p o is fre -
q ü e n ta v a a o m e n o s a s ig re ja s, m a s n u n c a d isse a o c o n fe sso r
o s d e lito s c o m e tid o s.
!
[
8 . M a in e ro , u m m e n in o d e fisio n o m ia p re c o c e e d e se n -
v o lv im e n to e sc a sso , u m a v e z q u e a o s 1 2 a n o s a p a re n ta v a 6;
i;
f'[
a ltu ra

74
d e 1 ,2 4 m , o re lh a s d e a sa , z ig o m a s sa lie n te s, o lh o s

~1._
";li c,'
w- D, Bastos

v iv o s, a o s 8 a n o s c o m e ç o u a ro u b a r. N e to d e u m a ssa ssin o ,
g a b a v a d e tê -lo se g u id o n o s g o lp e s d e le e te r o rg a n iz a d o b a n d o
d e la d rõ e s d a s e sm o la s d a s ig re ja s, e te r ro u b a d o a m iú d e a
~i p a rte q u e p e rte n c ia a se u s c ú m p lic e s m e n o re s, o que deu
c a u sa a e le s p a ra q u e o d e n u n c ia sse m .

~i
9. L B ., de G ênova, c râ n io a m p lo , fro n te e stre ita , ta -
tu a d o n o b ra ç o c o m a fra se : "M o rte a o s v is, e v iv a a a lia n ç a "
(ro u b o u d e sd e o s 8 a n o s). G a tu n o , te m se te irm ã o s, d o s q u a is
trê s e stã o p re so s.

1 0 . U m c e rto G., d e fa m ília h o n e sta , com 7 anos co-


m e ç o u a ro u b a r n a e sc o la , e sp o lia n d o a té o s p ro fe sso re s. T e v e
u m a irm ã su sp e ita d e fu rto e litig io sa . C h e g o u a sim u la r p e -
ra n te a ju stiç a m a u tra ta m e n to , p a ra fa z e r e n c a rc e ra r se u s p a is .

1 1 . U m m e n in o , L .P ., a o s 1 9 a n o s se m o stro u e ste lio -


n a tá rio h a b ilíssim o , la d rã o c o m te n ta tiv a d e h o m ic íd io , p e r-
fe ita a p a tia m o ra l, e sta tu ra a lta , te sta p e q u e n a a lo n g a d a , se m
b a rb a , n a riz d e sp ro p o rc io n a l e re c u rv o . F ilh o d e a lc o ó la tra e
m ã e la sc iv a , c o m a v ô m a te rn o su ic id a . C o m a id a d e d e 3
a n o s, a n d a n d o c o m se rv e n te s n o m e rc a d o , c o m e ç o u a ro u b a r
c e sta s d e d in h e iro , p e ix e s, fru ta s, e se g u iu ro u b a n d o e m c a sa ,
d e p o is n a e sc o la .

I 1 2 . O b a n d id o a n tro p ó fa g o
q u e , p o r trê s v e z e s, sim u lo u d e m ê n c ia ,

ç õ e s, p a ra d a r a o s c o m p a n h e iro s.
F . S a lv a to re , d e C a tâ n ia ,
m e d e ix o u e m le m -
b ra n ç a e sc rita c o m o já n o s 6 a n o s ro u b a sse d o s p a is a s re fe i-
M a is ta rd e , a o s 9 a n o s,
ro u b a v a d o re sta u ra n te p e ç a s in te ira s d e q u e ijo . E m u m a lid e
; .. p o r jo g o c o m u m a m ig o , a rra n c o u -lh e u m p e d a ç o d a o re lh a ,
[ ~.
~~.""~.
_~~~i.'
' ;".t~
m a lg ra d o o p a i fo sse h o n e stíssim o e o c a stig a v a p o r sa n ta s

75
'r
D, Bastos

'J
I
r a z õ e s p a r a c o r r ig i- lo . A o s 1 4 a n o s f e r iu c o m u m f a c ã o g r a v e -
m e n te
d in h e ir o
u m c o m p a n h e ir o d e jo g o . C o m f a ls a c h a v e
d o p a i. A o s 1 9 a n o s m a to u um hom em .
ro u b o u o
iI
1 3 . D e u m a m ã e h is té r ic a d e g r a n d e ta le n to e p a i ta m -
I
b é m ta le n to s o
u m c a p a c ita d o ,
m a s b iz a r r o e a b u s a d o r
o u tr o a lie n a d o ,
d o tr a b a lh o ,
d e r iv a r a m q u a tr o
d o is tio s ,
f ilh o s : u m I
h o n e s tís s im o ,
m ic íd io c o m e tid o
m e r c a n tis ,
m e n in o
u m e x c e s s iv a m e n te

r a q u ític o
la s c iv o , s u ic id a a p ó s o h o -
p o r p a ix ã o ; u m b r a v ís s im o n a s n e g o c ia ç õ e s
d e s d e jo v e m a v e s s o a q u a lq u e r
c o m f r o n te e s tr e ita ,
e s tu d o ; u m o u tr o
f o i la d r ã o tã o te n a z a
I
p o n to d e r o u b a r a té o r e ló g io e o s o b je to s q u e e n c o n tr a v a na
c a s a d o s p a is . A o s 1 6 a n o s s e f e z h o n e s to , ta lv e z p e lo g r a n d e 1
c u id a d o d a m ã e . T o rn o u -se h a b ilís s im o n a s n e g o c ia ç õ e s . !
-i
1 4 . E n tr e d o is m e n in o s c e g o s e n c o n tr a d o s e m u m in s ti-
tu to p r iv a d o o c u lta v a r e c íp r o c o m a l- e s ta r . U m a ta r d e , p a s s a n -
d o a c o n v e rsa r, c h e g a ra m à s v ia s d e f a to . O m a is d é b il, p o r é m
I
a s s o c ia d o a o u tr o c o m p a n h e ir o q u e a n te s h a v ia p r e v e n id o , !
f
d o m in o u s e u a d v e r s á r io : e n q u a n to u m o se g u ra v a p e la s p e r -
n a s , e le o e s g a n a v a , ta n to q u e o te r ia m a ta d o s e o b a r u lh o -
1
não tiv e s s e f e ito a c o r r e r o u tr a s p e s s o a s . E s te é d e 1 2 a n o s ,
~
f ilh o d e u m c id a d ã o h o n e s to , e m b o r a ig n o r a n te . D e sc u ra d o
.!
na sua educação, f o i a b r ig a d o c o m 8 a n o s e d e m o n s tr o u m e- 1

l
i,t.
m ó r ia e x tr a o r d in á r ia , a ta l p o n to d e r e c o r d a r - s e d e u m a lis ta
d e n o m e s n a o rd e m e m q u e f o r a m p r o n u n c ia d o s .

E n tr e ta n to , a educação c o n s e g u ia a m a n s a r s ó e m a p a -
r ê n c ia o s e u g ê n io o r g u lh o s o e s e lv a g e m . L o g o s e f e z n o ta r
q u e n ã o s ó r e a g ia c o m o s c o m p a n h e ir o s p e la m e n o r o fe n sa ,
m a s ta m b é m p e la s a d m o e s ta ç õ e s in f r in g id a s p e lo s s u p e r io r e s ,
q u e , p a r a e le , e r a m s e m p r e in ju s ta s . P a ra c a u sa r danos aos
o b je to s d o in s titu to , u J 'la v e z f o i v is to p o r ta l m o tiv o jo g a r
u m a m e ia n a la tr in a . .

76
~ - ---_ ._ - - - - '" '- - - ~ - - - ~ - - - _
D, Bastos

V á r ia s v e z e s , te n to u s u ic id a r - s e d e v á r ia s m a n e ir a s . T i-
n h a e s tr a n h a s p r á tic a s r e lig io s a s ; q u a n d o ia p a s s e a r , à s v e z e s
c a ia d e jo e lh o s . N ã o q u e r ia c o m e r g o r d u r a s e m d ia s d e v ig ília ,
a p e s a r d a s c o n c e s s õ e s e c le s iá s tic a s . Q u a n d o q u e r ia m le v á - lo
à m is s a f o r a d a s f e s ta s r e c a lc itr a v a , a p e la n d o a té a o s in s u lto s .

C o m e tid o p o r é m o a to a n te s n a r r a d o , e m b o r a n ã o m o s -
tr a s s e a r r e p e n d im e n to e d is s e s s e q u e e s ta v a p r o n to a c o m e te r
o u tr a v e z o d e lito , s u p o r to u c a lm a m e n te a p r is ã o . P o ré m ,
e n c o n tr o u m odo d e c o m u n ic a r a o c o m p a n h e ir o com um
a lf a b e to c u ja s le tr a s e r a m r e p r e s e n ta d a s p o r g o lp e s . D e c o r
p á lid a , e r a s u je ito a f r e q ü e n te s c o n v u ls õ e s n o s m ú s c u lo s d a s
f a c e s , d o s d e d o s e d o tr o n c o . D e c a b e lo s lo ir o s , o r e lh a s d e a s a .

1 5 . B .R ., d e 7 a n o s e m e io , m o r e n a , in d o le n te , e s tr á -
. b ic a , m a c r o c é f a la , d e m ã e d e s o r g a n iz a d a e p o u c o b e n é v o la à
f ilh a e n a d a a f e iç o a d a a o m a r id o d o e n tio , pegava em casa
la r a n ja s e c o n f e ito s q u e v e n d ia p o r d in h e ir o . C o m p r a v a b r in -
q u e d o s c o m d in h e ir o ro u b a d o da casa da m ãe. D eu um a vez
d u a s lir a s , o u tr a v e z 5 0 c e n ta v o s , a u m a c o m p a n h e ir a p a ra
te r u r n a m e d a lh a . T ir o u d a ir m ã u m a m o e d a d e o u r o d e v in te
lir a s e m o s tr o u - a à c o m p a n h e ir a d iz e n d o tê - la g a n h o d e p r e -
s e n te ; d e p o is - r e c o lo c o u - a n o lu g a r , c o m m e d o d e s e r d e s c o -
b e r ta . Q u a n d o s o u b e q u e s e r ia in te r r o g a d a a d v e r tiu a c o m p a -
n h e ir a p a r a q u e d is s e s s e a h is tó r ia a o s e u m o d o e in v e n to u
u m a f á b u la .

,~ 16. Obscenidade -

o b se rv a d o
J á tin h a d ito q u e n ã o f a lta m a o s m e -
n in o s c a s o s d e p r e c o c e o b s c e n id a d e . H á m u ito te m p o e u tin h a
q u e to d o s o s c a s o s d e f o r m a m o n s tr u o s a de am or
sexual ( m e n o s o s o r ig in a d o s d a d e c r e p itu d e ) s ã o in ic ia d o s
n a id a d e im p ú b e r e e ju n to c o m o u tr a s te n d ê n c ia s c r im in a is .

T a l e r a o c a s o d e B , la d r ã o q u e a o s 9 a n o s e s ta v a s u je ito
a c o n tín u a s e re ç õ e s e e s tím u lo s d e ta l m o d o e x a g e ra d o s a

77
D, Bastos
r
!
,
{

p o n to d e c o n d u z i-lo
E le já a p re s e n ta v a
a o e s tu p ro quando v ia ro u p a s ín tim a s .
e s s e e s tra n h o s in to m a n a p rim e ira in fâ n c ia ,
•,
aos 3 ou 4 anos, quando andando
c o le g a s c o m a v e n ta is b ra n c o s . O c o n ta to
n o re fo rm a tó rio v ia s e u s
c o m ro u p a s b ra n c a s
f
.i
p ro v o c a v a -lh e p ra z e r c o m o s e fo s s e o c o n ta to c o m o u tra m u -
lh e r. F o i e s ta a c a u s a d e o u tro s e s tu p ro s e d a n e c e s s id a d e
t
c o n tín u a d e c o ito e p a ra s a tis fa z ê -lo te rm in o u c o m o la d rã o . I
E le fo i a tin g id o , quando
fo rte tra u m a e s o fre u lo n g a m e n te
d e s c e n d ia d e n e u ro p á tic o s ;
c ria n ç a , na cabeça por um
c o m e le , e c o m o d e h á b ito ,
a m ã e s o fria d e e m e c ra n ia , a irm ã
I
e ra h is té ric a , o a v ô m o rre u d e q u e d a d e â n im o e m s e g u id a a

'. u m d e s a s tre fin a n c e iro , a a v ó m o rre u e n v e n e n a d a , u m p rim o


é s e m i-im b e c il, u m irm ã o b a lb u c ia n re .
~f.\ N ã o s e p o d e a c re d ita r, a p rin c íp io , d a v e ra c id a d e das
.~~
':'~. s u a s c o n fis s õ e s , p o r s e tra ta r d e u m c rim in o s o q u e p o d e te r

~ir" s e u s in te re s s e s e m u m a s im u la ç ã o , quando m e vi em duas

:~.. ~ : h is tó ria s d e M a g n a n e C h a rc o t,
c o m a m in h a in te rp re ta ç ã o ,
q u e o fe re c e m
p ro v a v e lm e n te
ta n ta a n a lo g ia
n ã o tã o s e g u ra s .
~;
'tt
"t?
1 7 . O u v i fa la r d e u m c a m p o n ê s de 37 anos, com pai
a lc o ó la tra , tio a lie n a d o , m ã e e irm ã n e rv o s a s e m e la n c ó lic a s ,
u m irm ã o d e m e n te , e le m e s m o c o m p ro b le m a s c e fá lic o s . A o s
1 5 a n o s , v e n d o s e c a r a o s o l, u m a v e n ta l b ra n c o , a p o s s o u -s e
d e le , e n ro lo u -o n o c o rp o e s e m a s tu rb o u . D e p o is d a q u e le
d ia , n ã o p o d ia v e r a v e n ta is s e m u s á -lo s c o m o m e s m o o b je -
tiv o , jo g a n d o -o s fo ra a p ó s . Q u a n d o v ia a lg u m a p e s s o a c o m
a v e n ta l, n ã o s e e x c ita v a , m a s à v is ta d e s s a c e n a s e g u ia a trá s
d e le p a ra d e rru b á -lo .

E m 1 8 6 1 o s p a is o p u s e ra m n a m a rin h a , e , d e fa to , n ã o
v e n d o a v e n ta is s e a c a lm o u . T o d a v ia , e m 1 8 6 4 , re to rn a n d o à
v 'id a a n tig a , re p e tia a e s tra n h a te n d ê n c ia e ro u b o u o u tra v e z
u m a v e n ta l. À n o ite , p e n s a n e le , a o d ia , im a g in a -o ta l c o m o
lh e a p a re c e u p e la p r~ ~ e ira v e z e s e s e n te le v a d o a ro u b a r

78
r D, Bastos

a q u e le e não o u tro s . P o d e ria te r à d is p o s iç ã o m ilh a re s de


c o is a s , m a s s ó p e g a ria a v e n ta is . P o r q u a tro v e z e s fo i c o n d e -
n a d o a b re v e p e n a p o r fu rro .

1 8 . S in g u la r fo i o c a s o d e M .X ., d e 1 4 a n o s , q u e te m
fim o s e e p re p ú c io m a is lo n g o q u e a g la n d e , n a s c id o d e g e n i-
to re s n e u ró tic o s , q u a s e d e m e n te s . D e in te lig ê n c ia p re c o c e
d e s d e c ria n ç a . J á lia c o m 3 a n o s , m a s d é b il d e fo rç a , d e 6 a
8 a n o s e ra d o ta d o d o h á b ito in s tin riv o e s tra n h o , d e o lh a r
o s p é s d a s m u lh e re s , p a ra v e rific a r s e n ã o h a v ia p re g o n o
s a p a to d e la s , e a v is ta d a q u e le s p re g o s o e n c h ia d e e x tra o r-
d in á rio p ra z e r.

A p o s s a v a -s e d o s c a lç a d o s d e d u a s d e s u a s p rim a s p a ra
c o n tá -la s e re c o n tá -la s . À n o ite , n a c a m a , p e n s a v a n o s a p a te i-
ro q u e o s fa z ia e n a to rtu ra d e u m a g a ro ta e m q u e o s p re g o s
e n tra v a m n o p é , c o m o n o s c a v a lo s , e , a o m e s m o te m p o , s e
m a s tu rb a v a . F o i e n tã o e s te o p o n to d e p a rtid a q u a s e p re d o m i-
n a n te , s e b e m q u e p re fe ria a v is ta d o s s a p a to s d e m u lh e re s à s
re la ç õ e s s e x u a is . F o i p re s o e n q u a n to s e m a s tu rb a v a e m fre n te
a u m a s a p a ta ria .

F a z a ju s ta r a im a g in a ç ã o à v e rd a d e desses a m o re s
p a ra d o x a is , a a n a lo g ia c o m o u tro s d e s c rito s p o r m im n o s
a lie n a d o s , e , o q u e é p rin c ip a l, a a n a lo g ia re c íp ro c a . Todos
e s s e s a m o re s s e n o ta m e m n e u ro p á tic o s , e m u ito n o s c rim i-
nosos, por a p ro x im a ç ã o , e s e m p re ou quase s e m p re ,
m a s tu rb a d o re s . E m to d o s se vê, com o o c o rre n a s m a n ia s
im p u ls iv a s e n a s id é ia s s is te m a tiz a d a s , um a dada sensação
q u e o s a tin g iu n o m o m e n to d a in fâ n c ia , e n q u a n to nos de-
m a is fa v o re c e a e re ç ã o c o m o d e s e jo s e c u n d á rio , por asso-
c ia ç ã o de id é ia s que s u b s titu e m a id é ia -m ã e e pouco a
pouco age com o c e rto s v íru s , não s ó fix a n d o , m a s in v a -
d in d o o o rg a n is m o a té d o m in á -lo , a to rn a r-s e irre s is tív e l,
im p e lin d o a té a a to s c rim in o s o s .

79
,[..,..,.
r '
D, Bastos

~
t
19. Amor precoce - E to d o s esses am o res se fo rm aram I
~
o u g erm in aram ao m en o s n a p rim eira in fân cia. O p rim eiro
J
d esd e 3 o u 4 an o s, sen d o a p reco cid ad e u m o u tro d e seu s
1
caracteres. A in v ersão d o sen so g en ital fo i n o tad a q u ase sem - •
p re p reco cem en te ao s 8 an o s, p o r ex em p lo ,
W etfalia. E is n o v o s ex em p lo s.
n o d o en te de

I
I
P .R . co m eço u a sen tir o im p u lso p ara d esfru tar a v ista
d e h o m en s n u s, m o rm en te d e su a g en itália e d esd e en tão
ten tav a v estir-se d e m u lh er. D esd e essa h o ra m an ifesto u -se
a ten d ên cia ao s fu rto s. U m d ia, p o r ex em p lo , ro u b o u um
tin teiro d o p ro fesso r. N asceu d e u m p ai v elh o e tev e u m a
av ó ex cên trica. A d u lto , era b astard o , p ro g n ato , m as co m o re-
lh as v o lu m o sas.

2 0 . U m a m en in a, q u e eu tiv e so b tratam en to ,
sim a n a fisio n o m ia, filh a d e m u lh er h o n esta,
p reco cís-
m as d e av ó
Ii
i
,.
lasciv a, p rim o crim in o so e av ô alco ó latra, m an ifesto u d esd e
o s 1 3 an o s ten d ên cia à m astu rb ação , sem ced er às cen su ras,
j
n em às am eaças, n em ao tratam en to m éd ico . A o in v és, d o J
m esm o in stru m en to q u e ad o tav a p ara in jetar an afro d isíaco , I,,
u sav a p ara se m astu rb ar.
'

,
1-

2 1 . D e u m p ai co n v u lsio n ário ,
d e n eu ro p ático s,
in telig en te,
ep ilép tico , d e fam ília
n asceu u m a sen h o ra p eq u en a, d o lico céfala,
m en stru ad a ao s 1 2 an o s. C o m 8 an o s, in stru íd a
I
p o r u m a co leg a, co m eço u a m astu rb ar-se
tam b ém ap ó s o m atrim ô n io p rin cip alm en te
e co n tin u o u assim
q u an d o g ráv id a.
T ev e d o ze filh o s, d o s q u ais cin co m o rto s p reco cem en te, q u a-
II'
I
t.
tro m al co n stitu íd o s n a cab eça, h id ro céfalo s, co m d eficien - f
tes d isp o siçõ es m o rais, im p etu o so s e v io len to s. U m d eles, te
If
in telig en te, co m 7 an o s se m astu rb av a co m m u ita in sistên - .t~
cia, e o u tro , tard io d ~ in telig ên cia, d esd e a id ad e d e 4 an o s -:
e m eio . - .
~
.' ~
~
80 '"

-""'
•••.

~
..
' D, Bastos

2 2 . Z am b aco n o s d escrev e u m a m en in a d o m in ad a por


estran h a p aix ão o n an ística e crim in al. N .R ., d esd e a id ad e
d e 1 0 an o s, co m ar d e m atu rid ad e p reco ce n a fisio n o m ia e
n o trato , v aid o sa, o rg u lh o sa, p rep o ten te n o s jo g o s, fazia-se
p erd o ar as v io lên cias co m as carícias e am ab ilid ad es, esp ecial-
m en te co m o s m en in o s q u e p referia. D esd e o s 5 an o s m o stro u
ten d ên cias ao fu rto , até p o r o b jeto s q u e p o d eria o b ter facil-
m en te, m as n eg av a o b stin ad am en te o s fu rto s.
D e im ag in ação q u en te, am av a a b eleza, m as d esd e-
n h av a D eu s. C o m 8 an o s co m eço u a so frer d e leu co rréia
(co rrim en to b ran co ), q u e se atrib u i ao o x iú ro , ju n to co m o
em ag recim en to . N o to u -se d esd e en tão q u e p ro cu rav a iso lar-
se em u m a cab an a co m m en in o s p ara jo g ar, m as, em v ez d isso ,
m astu rb av a-se co m eles.
A o s 9 an o s, as ex cessiv as m astu rb açõ es p ro v o caram
in ch aço d a v u lv a. E x p erim en to u as ch ico tad as, m as estas a
.
to rn aram 'estú p id a, falsa e feia, sem p ro v eito . D e n ad a ad ian -
to u a cam isa d e fo rça, n em a ág u a fria, co m q u e ten tav a
p rim eiram en te acalm ar-se. A p arte su p erio t,d o co rp o em ag re-
cia, m as a in ferio r d esen v o lv ia m ais. B o lin av a-se d ian te d as
o u tras e d izia: "P o r q u e m e p riv ar d e u m p razer tão in o cen te?".
-
E d ep o is: "S ei q u e é in co n v en ien te, m as n ão p o sso fazer d e

I
m en o s". À s v ezes se arrep en d ia, ch o rav a ao v er as lág rim as
d a m ãe, m as d ep o is era to m ad a d e n o v o s acesso s. E n q u an to
u m p ad re a aco n selh av a, ela se m astu rb av a co m a so tain a.
C h eg o u a q u eim ar o clitó ris, m as in u tilm en te. D izia ela: "É
h o rrív el ter v o n tad e d e fazer e n ão p o d er. É p ara to rn ar lo u co
'' q u alq u er u m . S eria cap az d e m atar q u em m e im p ed isse. N a-
q u ele m o m en to so u p risio n eira d e u m a v ertig em . N ad a v ejo ,

e
f'.,
n ad a tem o p ara fazê-lo ".
R eco rd o -m e de J u m a d o m éstica q u e se m astu rb av a
~
:-~~:~. q u an d o m en in a. M ais tard e a m estra p ro ib iu -a d e to car a
~,,,
~~,'" p ú b is, o q u e ag u ço u su a cu rio sid ad e. D aí p o r d ian te to cav a-

~~/ 81
.' o"':!"

'-'-,--
- Oi.!'.
D, Bastos

r,I
s e s e m p r a z e r m a s p o r p u r a c u r io s id a d e . D e p o is s e im a g in o u
e s ta r d o e n te e , p o r d iv e r tim e n to a p lic o u c a ta p la s m a e e sfre -
gava com u m b a s tã o a s p a r te s pudendas. D e p o is , o s d e s e jo s
lh e v ie r a m e m h o r a s d e te r m in a d a s . C o rro m p e u a ir m ã q u e
tin h a 4 a n o s e q u e n ã o s e n tiu p r a z e r a n ã o s e r q u a n d o a tin g iu
8 a n o s . D e p o is s e d e p r a v o u c o m m e n in o s .

2 3 . E s q u ir o l e M a r c n a r r a m d o is c a s o s c u r io s o s e m q u e
ju n to c o m a s te n d ê n c ia s o b s c e n a s , e e m p a r te p o r c a u s a d e s ta s ,
m a n if e s ta v a m - s e a s v e le id a d e s m a tr ic id a s . U m a m e n in a d e s c r ita
p o r E s q u ir o l e r a lú c id a e d e in te lig ê n c ia p re c o c e , d a n d o -n o s
a s s im u m e x e m p lo c o m p le to d e d e m ê n c ia m o r a l e d e c r im in a li-
d a d e . E r a v iv a z n o a s p e c to , d e c a b e lo s c a s ta n h o s , n a r iz a c h a -
ta d o , m o s tr o u - s e d e sd e o s 5 a n o s p re o c u p a d a c o m a id é ia d e
m a ta r a m ã e , p a r a p o d e r liv r e m e n te m e s c la r - s e c o m o s m e n in o s .

A m ã e , e s ta v a a d o e n ta d a p e la d o r , e e la lh e c o n f e s s o u
,
q u e a s u a m o r te n ã o a d e s a g r a d a v a , p o is a s s im p o d e r ia e n tr a r
n a p o s s e d e s u a s c o is a s .

- "Q uando d e sp re g a re m s e u s v e s tid o s , o q u e f a r e i?


C om s e u d in h e ir o c o m p ra re i o u tr o s . E d e p o is ? A n d a r e i com
os hom ens.

- V o c ê n ã o s a b e o q u e é a m o r te . S e u e u tiv e s s e q u e
m o rre r n e s ta n o ite , r e s s u s c ita r ia am anhã. O Senhor não
m o rre u e r e s s u s c ito u ?

- O Senhor r e s s u s c ito u p o rq u e e ra D e u s, m as você


n ã o r e s s u s c ita r á ; a m in h a ir m ã m o r r e u e n ã o v o lto u m a is .

- C o m o fa re i p a ra m o rre r?

- S e você andasse num a s e lv a e u m e e s c o n d e r ia no


m a to , s o b a s f o lh a s e n a h o r a que você passasse f a r ia c o m
q u e c a ís s e e lh e m e te r ia um punhal n o c o ra ç ã o .

- N ã o p e n se q u e e u n ã o a n d a re i n u n c a e m u m b o sq u e
p a r a f a z e r - m e m a ta r ! '

82 ,
l,

l
,c ,:'
r
I
D, Bastos

- A h! m am ãe, is to é p a r a m im d e e n o r m e d e sp ra z e r.
P o d e r e i à n o ite m a tá - la c o m u m f a c ã o ,"

- " P o r q u e v o c ê n ã o f e z is s o q u a n d o e s ta v a d o e n te ? "

- " M a m ã e , p o r q u e v o c ê e s ta v a c o n tin u a m e n te g u a r d a d a ,"

- " E p o r q u e n ã o o f e z d e p o is ? "

- " P o r q u e v o c ê tin h a o s o n o le v e e p e lo m e d o d e q u e
v o c ê m e v is s e p e g a r o f a c ã o " .

- " M a s , s e v o c ê m e m a ta s s e , n ã o te r ia m in h a s c o is a s ,
p o is tu d o f ic a r ia p a r a te u p a i" .

- " A h ! S e i q u e in f e liz m e n te p a p a i m e f a r ia p a r a r n a
p r is ã o , m a s a m in h a in te n ç ã o é m a tá - lo ta m b é m ,"

2 4 . E r e a lm e n te T a m b u r in i e S e p p illi n o s f a la v a d e u m
c e r to tip o a q u e m a f o r ç a ju n ta v á r io s d e s e jo s . C e r to S ., n e to
e f ilh o d e a s s a s s in o s e e s tu p r a d o r e s , c o m c r â n io a s s im é tr ic o ,
p e r f e ita a n a lg e s ia , p a ra poder te r d in h e ir o p a ra u m a v id a
sensual e m q u e e ra p re c o c e e p a ra n ã o s e r c o n s tr a n g id o a
r e to r n a r à r u d e v id a d o s c a m p o s , e n v e n e n a r a o p a i, e p e n s o u e m
m a ta r u m a m u lh e r q u e o tin h a d e n u n c ia d o , M a tq u ta m b é m o
ir m ã o e tu d o f e z c o m ta l h a b ilid a d e q u e n in g u é m te r ia s u s p e i-
ta d o s e n ã o s e tr a ís s e e m s u a s m e m ó r ia s : e r a u m im b e c il m o r a L

E a in d a b e m q u e s e p o d e d iz e r q u e e s te s s ã o c a s o s d e
d e m ê n c ia : q u e e s s e s o b s e r v a d o s c o m o a d u lto s , s e r ia m a b s o lu -
ta m e n te c o n s id e r a d o s c r im in o s o s . D e q u a lq u e r m o d o , p ro -
v a m n ã o p o d e r c o lh e r - s e n a p r im e ir a r e v o lta d e le s a d if e r e n ç a
e n tr e o d e lito e a d e m ê n c ia .

,
"! 83
lii
' o - o " ,'
';'.fr
D, Bastos

,'t'
1 ':'I

- ~V
.! l' +

l,'"
ft_
,' .
,

:'

r
I
I.

1:
I
t-
t
I
I
I,
t
f,,.,,
I'

I
I'
,
~
1 .-

,
I

I
.1

~,_."
f"
I
~
I
,

.
!
.
_ ,~
rO
1,,
~.;
~
l-", .
r~:.;:x D, Bastos

';';~~'
I/t'tlr'

!l~"~
;
+ I " '~ .- _ .
V;';',,-~'
"S ,
_.~L.*,"
',~
..•...
',:' ""

:: ': .~
'.
.

:'-
I~
'~"-
;';, . 7. SANÇÕES E M E IO S P R E V E N T IV O S
'
D O C R IM E D O S M E N IN O S
, .
~ i~
,...;.';•••..• '
-c ,.
F ic a e n tã o d e m o n s tr a d o
c r im in o s o s a r a iz d o c r im e r e m o n ta
que em u rn a c e r ta c o ta
d e s d e o s p r im e ir o s a n o s d o
de

- n a s c im e n to , in te r v e n h a m o u n ã o c a u s a s h e r e d itá r ia s ,
d iz e r m e lh o r , q u e s e h á a lg u n s c a u s a d o s p e la m á e d u c a ç ã o , e m
o u p a ra

'
m u ito s n ã o in f lu i n e m m e s m o a b o a . A s u a g r a n d e a ç ã o b e n é f ic a
~
s u r g e e x a ta m e n te d o f a to d e s e r g e r a l a te n d ê n c ia c r im in o s a n o
m e n in o , d e m o d o q u e s e m e s s a e d u c a ç ã o n ã o s e p o d e r ia e x p lic a r
a n o r m a l m e ta m o r f o s e q u e a c o n te c e n a m a io r p a r te d o s c a s o s .
"
.-'
"' .• 's. D e r e s to , e n te n d e m o s por educação, a lé m d a s s im p le s
,.
... in s tr u ç õ e s te ó r ic a s q u e r a r a m e n te a ju d a m , ta m b é m a o s a d u l-
~ to s , p a r a q u e m v e m o s tã o p o u c o a p o n ta r a lite r a tu r a , o s d is -
c u r s o s , a s a r te s d ita s m o r a liz a d o r a s . M e n o s a in d a , a v io lê n c ia ,
; com que m a is e m a is s e r e a lç a m o s h ip ó c r ita s , tr a n s f o r m a
n ã o o v íc io e m v ir tu d e , m a s o v íc io e m u m o u tr o v íc io . H á
, r e a lm e n te um a s é r ie d e m o v im e n to s r e f le x o s s u b s titu in d o
.,," ,"

.~~
~ ,.t..:;~ ; le n ta m e n te o u tr o s que fo ra m causas d ir e ta s ou ao m enos
O"_~-
,1."';; f a v o r á v e is à m a n u te n ç ã o d a s te n d ê n c ia s m a ld o s a s , e is s o p o r

; -i" m e io d a im ita ç ã o , d o s h á b ito s g r a d u a lm e n te in tr o d u z id o s c o m


ii;,:~ '.a c o n v iv ê n c ia c o m p e s s o a s h o n e s ta s e c o m p re c a u ç õ e s bem
l,,~""'~.-
iJ"'&I'.
"""~~~-
85
D, Bastos
r:
t
orientadas para evitar que surja em terreno adequado à proli-
.1
feração de idéia fixa que vem os tornar-se tão fatais na infância. t
Tam bém a sanção aqui não se m ostra tanto eficaz com o

I
certos m eios preventivos, tais com o condições favoráveis do ar,
da luz e de espaço, de alim entação, com prevalência, por exem plo,
de vegetais nas privações sanguinárias dos alcoólatras, abstinência
com pleta e, em determ inados casos, de prudente ginástica sexual. I

I
O corre evitar os fáceis ciúm es para im pedir a violência im -
pulsiva, acalm ar o orgulho precoce com provas palpáveis e tão
fáceis de revelar a hum ana espécie infantil, inferioridade, cultivar
o intelecto por via dos sentidos e do coração, com o faz adm iravel-
m ente o sistem a Froebeliano. H á crianças tristes, violentas,
m asturbadoras, porque estão doentes de raquitism o, de oxiúros,
etc. e a cura hem atológica ou verm ífuga só é feita por correção.

..
~)

..
""0.°

i~
m inosos
Im pedir a conjunção

que, quando
seria pois a única
fecunda
prevenção
dos alcoólatras
do delinqüente
é tal, com o se vê em nossa história,
e dos cri-

nunca
nato,
se
I
~~A m ostra
Roussel,
suscetível de cura. Se com Bargoni, com Benelli, com
com Barzillai e com Ferri encontram os
casos de correção, que com triste discussão
censuráveis
poder-se-ia dizer
I
;

I
de oficial correção, acreditam os que seria de enorm e vanta;
gem do país, em vez do m anicôm io crim inal, m elhor ainda
seria um a casa de abrigo perpétuo de m enores afetados pelas
1
tenazes tendências crim inosas e da dem ência m oral.
Para esses, o m anicôm io crim inal torna-se útil quase
(
tanto e m ais do que nos adultos,
os efeitos das tendências
pois sufoca no nascim ento
que não levam os em consideração
I
I.
a não ser quando se tornam fatais. Essa idéia não é algo novo
- ou revolucionário. Sob um a form a m ais radical e m enos hu-
m anitária, a Bíblia já a havia ordenado ao pai apedrejar o filho
_ o

'
m aldoso. A educação pode im pedir os que nasceram bons de •.•.
.
:

passarem da crim inalidade infantil transitória para a habitual.


/
O s que nasceram m aus nem sem pre se conservam m aus.

86
r- D, Bastos

I
I

I 8. DAS PEN A S

1. O s prim órdios das penas - 2. V ingança privada

I
3. V ingança religiosa e jurídica - 4. Prepotência dos chefes.
D elitos contra as propriedades - 5. Transform ação da pena.
D uelo - 6. C astigo. Restituição - 7. O utras causas da
com pensação - 8. Posses Patrim oniais - 9. C hefes

I
;
10. Religião - 11. Seitas - 12. Antropofagia
13. C onclusão
jurídica

I 1. O s prim órdios das penas

D e tudo o que tem os exposto, com eça a se ver com o as


penas se originaram : por m eio do próprio abuso do m al e graças a

I novos delitos. N ão havendo ainda conceito do delito, não se so-


nhava sequer com as sanções penais. A vingança era não só per-
m itida m as, antes, um dever. N as ilhas Caraíbas, a adm inistração

I.
o.£:
"' .. .
_.. ~
da justiça não era feita pelo príncipe; a pena se reduzia a um a
vingança pessoal do ofendido e de seus am igos: quem se crê lesado
...,.." .... faz justiça com o pode e não deixa que outros se introm etam .

'
: '.:co

D o ponto de vista sociológico, os indígenas da Califór-


nia seriam quase exem plos para os fulganis. V ivendo ainda

87
D, Bastos nr
n a a n a r q u ia ig u a litá r ia , e le s n ã o c o n h e c ia m o u tr o s d ir e ito s a
não s e r o s d o s m a is f o r te s . T o d o s o s v íc io s , to d o s o s d e lito s
f ic a m s e m p u n iç ã o , e , a n te s , n o p e n s a m e n to d e le s , n ã o h á
v íc io s n e m h á d e lito s . C a d a u m d e v e d e f e n d e r - s e c o m o p u d e r.
A s s im d e sc re v e o je s u íta B a e g e r t, q u e v iv e u e n tr e e le s p o r
d e z e s s e te a n o s . E n tr e o s to n g a n is , e s c r e v e u M a r in e r , n ã o h á
p a la v r a s p a ra e x p r im ir a id é ia d e ju s tiç a e d e in ju s tiç a , de
c r u e ld a d e e d e s u m a n id a d e . O f u r to , a v in g a n ç a , o r a p to e
a s s a s s in a to , n ã o s ã o c o n s id e r a d o s p o r e le s , e m m u ita s c ir c u n s -
tâ n c ia s , c o m o d e lito s .

2 . V in g a n ç a p r iv a d a

O s á r a b e s b e d u ín o s n ã o q u e re m q u e o h o m ic id a s e ja

t
f e r id o p e lo s o b e r a n o ; q u e r e m f a z e r g u e r r a a e le e à s u a f a m ília
e a tin g ir a q u e le s q u e e le s e s c o lh e r e m , d e p r e f e r ê n c ia o c h e fe
d a f a m ília , a in d a q u e e le s e ja in o c e n te . O s a b is s ín io s e n tr e g a m
. o m a ta d o r a o m a is ín tim o p a r e n te d o m o r to , q u e p o d e p u n i- .~

lo a o s e u b e l ta la n te . E n tr e o s c u r d o s , s e n in g u é m la m e n ta r
u m h o m ic íd io , e s te f ic a o r d in a r ia m e n te im p u n e ; O ll são os I
v iz in h o s que devem o b te r a re p a ra ç ã o ; to d a v ia , é m a is
h o n ro so v in g a r - s e p o r si m e sm o d o q u e re c o rre r à ju s tiç a .

E n tr e o s k u r a n g o s , o h o m ic íd io é p u n id o c o m a m o r te ,

d o h o m ic id a , m as o condenado p o d e se m p re se re sg u a rd a r,
in d e n iz a n d o o s a m ig o s e p a r e n te s d o m o r to ; a q u e s tã o é
c o n s id e r a d a in d iv id u a l, s e m q u e a lg u é m p e n s e n o in te r e s s e
.,-
~

s o c ia l. E s te c o n c e ito to r n a v a a ju s tiç a d e s s a f o r m a g r o s s e ir a ,
.\
e a in d a e x is tia e m v á r io s lo c a is d a Á f r ic a . N ã o h á m a is d e lito
m a s a p e n a s d a n o s a o c h e f e o u a u m p a r tic u la r .

O s a u s tr a lia n o s s e n te m c o m g r a n d e v io lê n c ia a p a ix ã o
d a v in g a n ç a q u e e le s s a tis f a z e m in d if e r e n te m e n te e m c im a d e
q u a lq u e r m e m b r o d a tr ib o a q u e p e r te n c e o o fe n so r. S e , p o r
e x e m p lo , u m in d íg e n a ' f o i o f e n d id o p o r u m b r a n c o , b a s ta - lh e

88
r-- D, Bastos

a v in g a n ç a s o b r e o u tr o b ra n c o q u a lq u e r . P e lo v is to , c o m o
to d a m o r te d e r iv a d e u m m a le f íc io c a u s a d o e d e v e s e r v in -
g a d a , e x p lic a - s e e s s a c o n tín u a s é r ie d e d e v e r e s s a n g u in á r io s
q u e d e v e m s e r c u m p r id o s . C a d a u m e x e r c ia p o r s i a r e a ç ã o e
a sanção p e n a l; s 6 m a is ta r d e p a s s o u a e x e r c ê - I a d e a c o rd o
c o m s u a tr ib o . A v in g a n ç a a q u e s e r e d u z ia e s s a r e a ç ã o e ra
u m d e v e r r e lig io s o e c ív ic o .

3 . V in g a n ç a r e lig io s a e ju r íd ic a

A v in g a n ç a e r a a p a ix ã o dos deuses d e W a lh a la , do
d e u s d o s h e b re u s e ta n to s o u tr o s . G u d r u n a , q u e p a r a v in g a r
o s ir m ã o s m o r to s p o r Á tila , m a to u u m f ilh in h o d e le e o f e z
c o m e r o c o r a ç ã o , e r a to m a d o c o m o m o d e lo d e v ir tu d e . N a B í-

t
b lia , r e c o n h e c e - s e , e n tr e p e s s o a s p r iv a d a s , o d ir e ito e o d e v e r
d e v in g a r o s a n g u e , is to é , a m o r te d e p a r e n te p r 6 x im o , a in d a
q u e p o r im p r u d ê n c ia . N a s le is g e r m â n ic a s m a is v e lh a s d á - s e
u m a a u to r iz a ç ã o ilim ita d a à v in g a n ç a . N a s le is b á r b a r a s v ê - s e
a v in g a n ç a s e r to m a d a c o m o m e d id a o f ic ia l. T a m b é m a p e n a ,

If c o m o n o s a n im a is e n o s s e lv a g e n s , c o m e ç a c o m o c a r á te r d e
v in g a n ç a , o u s e ja , c o m o e s p é c ie d e d e lito . A r e a ç ã o c o n tr a o
m a is f o r te e p r e p o te n te im p e le a v in g a n ç a p o r a s s o c ia ç ã o e

,j; s e e s ta s tr iu n f a m , o d e lito to r n a - s e u m in s tr u m e n to m o r a l.

P o r é m , e s ta v in g a n ç a n ã o e r a ju s tiç a ; e ra u m a re a ç ã o
ir q u e v a r ia v a e x a ta m e n te d e a c o r d o c o m a g r a v id a d e d a o f e n s a
-:1' e , o q u e é p io r , d a s u s c e tib ilid a d e d a v ítim a e d e s e u s p a r e n te s e
~ :-t

~ a m ig o s . D e p o is , q u a s e s e m p r e s e r e d u z ia à m o r te o u a o ta liã o ,
\ .
"'c -;;.' o lh o p o r o lh o , d e n te p o r d e n te ( D e u te r o n ô m io ) , m u tila ç ã o
~. d o s d e d o s o u à r e s titu iç ã o d o o b je to f u r ta d o .

4 . P r e p o tê n c ia d o s c h e fe s. D e lito s c o n tr a a s p r o p r ie d a d e s

A s s im c o m o a v id a h u m a n a te m pouco v a lo r p a r a o s
p o v o s p r im itiv o s , a m o r te d e s p e r ta v a re a ç ã o m enor ou ne-

89
~
D, Bastos

nhum a, n e m s e to rn a v a u m c rim e g ra v e , s e n ã o fo s s e p e rp e -
tra d a c o n tra u m c h e fe o u u m s a c e rd o te q u e re p re s e n ta v a
D e u s n a te rra , o u e n tã o , s e tiv e s s e s id o c a u s a d a p o r u m e s tra -
• n h o à trib o . V ic e -v e rs a , e la n ã o e ra n u n c a c o n s id e ra d a g ra v e -
m e n te d e litu o s a s e fo s s e c a u s a d a p e lo c h e fe o u p e lo s a c e rd o te .
U m q u im b u n d o q u e m a to u u m e s c ra v o pagou o seu
d e lito s a c rific a n d o u m b o i, c u jo s a n g u e la v o u o d e rra m a d o
p e lo e s c ra v o . N a Á fric a , e n tre o s a c h a n te s , m a ta r u m e s c ra v o
é a ç ã o to ta lm e n te in d ife re n te , m a s o h o m ic íd io c o n tra um
g ra n d e p e rs o n a g e m a tra i p a ra o a s s a s s in o a p e n a d e m o rte ,
p e rm itin d o -s e a o c u lp a d o m a ta r-s e . A o re v é s , n ã o s e p u n ia
nunca c o m a m o rte u m d o s filh o s d o re i, q u a lq u e r q u e fo s s e
.'
o s e u d e lito .

.' '.
". N a s ilh a s F id ji a p e n a lid a d e ju ríd ic a v in d a d a h ie ra rq u ia
~• q u e d o m in a v a a s o c ie d a d e , e a g ra v id a d e d e u m d e lito v a ria
""~ lj segundo o g ra u s o c ia l d o c u lp a d o , c o m o n o s e s ta tu to s m e-
~t; -
d ie v a is . O fu rto c o m e tid o p o r u m p o p u la r é m u ito m a is g ra v e

I
~>
j:t." d o q u e o h o m ic íd io c o m e tid o p o r u m c h e fe .
;'!';!j
'R U m a v e z p o ré m , c o m o c re s c im e n to d o n e p o tis m o e
-~
p e la fo rç a d a s a rm a s n a s in v a s õ e s g u e rre ira s , e m v e z d a trib o ,
o s c h e fe s s e fiz e ra m p ro p rie tá rio s d e tu d o . O fu rto c o n tra
e le s , p e la p rim e ira v e z , to rn o u -s e d e lito , e c o m o e ra m e le s
O

q u e d ita v a m e a p lic a v a m a s le is , to rn o u -s e o m a io r d o s d e lito s .


-- D o m e s m o m o d o q u e o a d u lté rio , quando e ra a d a n o d e le s e
c a s o p e s s o a l, p a s s o u d e p o is a s e r a p lic a d a a e le a m e d id a p u -
n itiv a e ta m b é m quando s e tra ta v a d e o u tra s pessoas. P or
" is s o o fu rto é q u a s e s e m p re o lh a d o c o m o m a is c rim in o s o do
'. q u e o a s s a s s in a to d e s d e q u e n ã o im p lic a s s e a p ro p rie d a d e e
o s in te re s s e s d o s c h e fe s . C o m o b e m o b s e rv a F e rri, h á ra ç a s ,
c o m o a d o s d a ia c h is , p a ra a s q u a is o h o m ic íd io é a d e fe s a d a
h o n ra , e n q u a n to tê m h o rro r a o fu rto e à m e n tira .
N o C ó d ig o d e M a n u s e d e c la ra a m o rte p o r q u a lq u e r
d e lito s e c u n d á rio , ig u 'â l a o d e d e s fo lh a r u m a p la n ta . O rd e n a -

90
~I~ D, Bastos

s e c o rta r e m p e d a ç o s a n a v a lh a d a s o o u riv e s q u e a d u lte re o


o u ro , p o rq u e na L ei das D oze T ábuas c o n d e n a -s e à fo rç a
quem à n o ite c o rta s s e a s s e a ra s , e o in c e n d iá rio à fo g u e ira .
P e rm itia -s e c o rta r o c o rp o d o s d e v e d o re s in a d im p le n te s e
e ra líc ito a o p a i m a ta r o filh o . P o r 3 0 0 m o e d a s a lg u é m p o d ia
s e r a b s o lv id o p o r te r q u e b ra d o osso de um hom em liv re e 1 5 0
d e u m s e t)l.? (q u e m n ã o p u d e s s e p a g a r n ã o e s c a p a v a d a p e n a ).

N a P o lin é s ia e s ta b e le c e u -s e u m a g ro s s e ira m o ra lid a d e :


o fu rto e o a d u lté rio e ra m tid o s c o m o m a io re s d e lito s e p u n id o s
fre q ü e n te m e n te c o m a m o rte . N a N o v a Z e lâ n d ia d e c a p ita v a -
s e o la d rã o e a c a b e ç a e ra d e p e n d u ra d a n u m a c ru z . E n tre ta n to ,
c o m o o s c h e fe s c e n tra liz a v a m a ju s tiç a , e le s n ã o a e x e rc ia m , a
n ã o s e r s e o s c rim e s fo s s e m c o m e tid o s c o n tra e le s . N a Á fric a ,
e n tre o s c a fre s , o fu rto e ra re a lm e n te p u n id o c o m c a s tig o s e
ta m b é m c o m a m o rte , c o m o ta m b é m o a d u lté rio . P o r o u tro
la d o , a v id a h u m a n a e ra m u ito p o u c o p ro te g id a : o m a rid o p o d ia
-,
m a ta r a m u lh e r p o r m o tiv o s fú te is . N o T ib e te , o la d rã o p o d ia
to rn a r-s e e s c ra v o d a v ítim a d o ro u b o . E m L o b u k e e n tre o s
~i a s te c a s o fu rto e ra p u n id o c o m a m o rte . N a A m é ric a , e n tre o s
,!.,
g u a ra n is , d o is d e lito s s ã o s e v e ra m e n te p u n id o s : são as duas
'., fo rm a s d e a te n ta d o s à p ro p rie d a d e : o fu rto e o a d u lté rio . N a
Á s ia , e n tre o s m o n g ó is , o s tib e ta n o s e o s b irm a n e s e s , o fu rto
O i~
e ra c o n s id e ra d o c o m o c rim e m a is g ra v e d o q u e o h o m ic íd io .

5 . T ra n s fo rm a ç ã o da pena. D u e lo

A v irtg a n ç a e a p e n a , c o n fu n d in d o -s e u m a c o m a o u tra ,
re d u z ia -s e a u m fe rim e n to ta l q u e b a s ta s s e p a ra re s s a rc ir a
v ítim a o u s e u s a m ig o s , o u a d o r c a u s a d a a o o fe n d id o . M as,
a p lic a v a -s e n a tu ra lm e n te , segundo o s im p u ls o s e in s tin to s
d e c a d a u m e d e a c o rd o com o dano.

A s s im c o m o p ro v a v e lm e n te a s re a ç õ e s s e m p re m a io re s
q u e s e s u c e d ia m , u m a à o u tra , te ria m te rm in a d o p o r e x tin g u ir

91
D, Bastos
W, f~
"'I,
:
••
;

". o.,

a trib o , e sta , p a ra p o d e r d u ra r n a su a e stru tu ra , e sta b e le c e u


u m a le i a n te e ssa s re a ç õ e s e e ssa s v in g a n ç a s in fin ita s; d iria ,; ~ ;

u m rito q u e tin h a m u ito d a s p rim itiv a s, m ~ s q u e a p re se n ta v a


já u m a m itig a ç ã o , u m a fo rm a o rd e n a d a . E a ssim q u e v e m o s
n o T a iti o h o m ic id a se r a ta c a d o p e lo s a m ig o s d a v ítim a ; e le
se d e fe n d e c o m o e sc u d o , e , se fo r v e n c id o , to d a s a s su a s
p o sse s to rn a m -se p re sa d e le s. E v id e n te m e n te , h á n isso a re -
p ro d u ç ã o ra d ic a liz a d a d a v in g a n ç a p e sso a l.
A lg u m a s v e z e s, sã o e m m u ito s a a p lic a r e ssa p e n a ; u m ,
p o r e x e m p lo , fe riu tra iç o e ira m e n te e m d u e lo u m m e m b ro d a
trib o v iz in h a e n q u a n to e ste se a b a ix a v a p a ra c o lh e r a a rm a ;
d e p o is, c a n sa d o d a v id a d e v a d ia g e m , o fe re c e u -se à p u n iç ã o .
C in c o a m ig o s d a v ítim a , a q u in z e p a sso s d e d istâ n c ia , te n ta -
ra m g o lp e á -lo c o m a la n ç a ; q u a n d o e le fo i a tin g id o em um a
p e rn a d e c la ro u q u e a re p a ra ç ã o e ra su fic ie n te e o fe rid o se
re tiro u ju n to à su a trib o .

N o m e sm o d ia , c in c o m u lh e re s a p a re c e ra m n a q u e le
lo c a l, fiz e ra m u m se m ic írc u lo , c o m p o rre te n a m ã o . S u rg ira m
d e p o is trê s h o m e n s a rm a d o s d e e sc u d o s; e ra m e le s a c u sa d o s
ir
d e a ssa ssin a to e m u m a trib o v iz in h a . A s m u lh e re s d e v e ria m
re c e b e r, c o m o p u n iç ã o , g o lp e s n a c a b e ç a , m a s q u a tro d e la s
só fiz e ra m sim u la ç ã o . A q u in ta m u lh e r, m a is c u lp a d a , fo i e s-
b o rd o a d a se ria m e n te . L e sso n v iu u m a a c u sa d a d e fe itiç a ria se r
g o lp e a d a n a c a b e ç a d e m o d o a fic a r q u a se m o rta (H o v e la q u e ). ,
A s p u n iç õ e s a ssu m e m p a p e l d e rix a s, o u m e lh o r, e m
d u e lo s o u d e b a ta lh a s, q u e n e sse s p a íse s sã o fo rm a d o s. As
trib o s se c o m u n ic a m p rim e iro , fo rn e c e m a rm a s a o a d v e rsá rio ;
a u m sin a l a tira m -se a s a z a g a ia s; a p ó s u m c e rto n ú m e ro de
m o rto s se d ã o a s m ã o s e te rm in a m . O u , à s v e z e s, lu ta m a té o
fim . C o m o se v iu , a s p rim e ira s fo rm a s d e p e n a s le g a liz a d a s
fo ra m , d e fa to , d u e lo s o u b a ta lh a s c o n tra u m c u lp a d o p re su -
m id o c o m o se n o ta n o s a n im a is: rix a s d e u m o u d e p o u c o s,
tra n sfo rm a d a s d e p o is. c ;m ritu a is ju ríd ic o s.
"
92
~- D, Bastos

6 . C a stig o . R e stitu iç ã o
;

E m itig a n d o se m p re m a is o s â n im o s e to rn a n d o a v id a
h u m a n a m a is p re c isa e , a o m e sm o te m p o , p re c io sa a p ro p rie -
d a d e , a c a b a ra m p o r e n c o n tra r a c o m p e n sa ç ã o n ã o m a is n o s
fe rim e n to s, m a s n a re stitu iç ã o g a ra n tid a à trib o . E , e m c o m -
p e n sa ç ã o , se g u e m -se a s m e sm a s n o rm a s d a v in g a n ç a ; v a ria v a
a ssim , se g u n d o o g ra u so c ia l d o o fe n so r e d o o fe n d id o . E n tre
o s a ssin o s e o s a c a n tis, q u e m ro u b a sse e sta v a su je ito a m u lta .
T am bém n o T ib e te a p lic a v a -se a p e n a , o u m e lh o r, a m u lta
a o s p a re n te s d o la d rã o .
O s a c a n tis p re n d e m q u e m ro u b a o re i, q u e m a b u sa d e
su a s e sc ra v a s o u c o n d e n a m à m o rte q u e m v io la r su a s m u lh e -
re s e q u e m a c u sa fa lsa m e n te . Q uem m a ta u m e sc ra v o , p a g a
o p re ç o a o p ro p rie tá rio d e le , q u e m m a ta r um hom em liv re
d e c la sse in fe rio r p a g a o v a lo r d e se te e sc ra v o s e ta m b é m
q u e m d e stru ir u m m a rc o d e fro n te ira . P a ra u m fu rto d e p o u c o
v a lo r, se fo r a b a sta d a a fa m ília d o ré u , e la se rá re sp o n sa b i-
liz a d a ; e sta p o d e rá m a tá -lo se fo r in c o rrig ív e l.
Q uando o se r h u m a n o n ã o p o ssu ía c o m o se u a n ã o se r o
p ró p rio c o rp o , a c o m p e n sa ç ã o p o r to d o d e lito e ra a m o rte o u a
fe rid a e m d u e lo , m a s q u a n d o se m u n iu d a p ro p rie d a d e , e c o n si-
d e ra v a -se n o d e lito , m a is d o q u e tu d o , o d a n o c a u sa d o , e n c o n -
tro u -se n o s v a lo re s a c o m p e n sa ç ã o m a is v a n ta jo sa . V e m o s a in d a
,.
q u e , e n tre o s a fe g ã o s, d o z e m u lh e re s e ra m a c o m p e n sa ç ã o p o r
u m h o m ic íd io , se is a m u tila ç ã o d a m ã o , d a o re lh a o u d o n a riz ,
trê s p o r u m d e n te . O A lc o rã o p re sc re v e v in te c a m e lo s p o r
u m h o m ic íd io , e , n a B íb lia , q u e m ro u b o u u m b o i é c o n d e n a d o
a p a g a r c in c o se já o p e rd e u e d o is se a in d a o b o i e stiv e r v iv o .

7 . O u tra s c a u sa s d a c o m p e n sa ç ã o

P a ra a tra n sfo rm a ç ã o d a v in g a n ç a e m c o m p e n sa ç ã o
c o n trib u iu o p ró p rio e x a g e rç > d a v in g a n ç a . E n tre o s g ra c a s, a

93
D, Bastos
II'r
~t

;;
v in g a n ç a e ra p e rm itid a por um a n o e m e io a o s p a re n te s e '.'
.,.
..
r
a o s p re s e n te s a o d e lito . D e p o is d e tra n s c o rrid o e s s e te m p o ,
n ã o s o b ra v a o u tro m e io d e v in g a n ç a a n ã o s e r a v ia ju d ic iá ria .
P e rm itia -s e a v in g a n ç a p e s s o a l c o m o u m a e x p lo s ã o d e c ó le ra ;
p o ré m , quando e ra p a s s a d o u m c e rto te m p o , s ó s o b ra v a o
dano p e s s o a l, que d e v e ria ser com pensado. T am bém na
•• m e n o s re m o ta le g is la ç ã o d o g u la th in g s e n a s le is irla n d e s a s
p o d ia -s e v in g a r c o m a m o rte a lg u m d a n o o U fe rim e n to , desde
que não e s tiv e s s e c ic a triz a d o ; quando s e tra ta s s e só de
c o n tu s ã o , n ã o s e p o d e ria v in g a r a n ã o s e r n a q u e le m o m e n to .
P o r is s o s e v ê q u e s e o fe rim e n to e ra le v e , c o m e ç a v a , a um
c e rto p o n to , a s u b tra ir-s e à v in g a n ç a , q u e e ra n a tu ra lm e n te
p ro p o rc io n a l à causa.

4., A s s im a le i m o s a ic a p e rm itia a o v in g a d o r m a ta r o h o m i-

~r-
~,
:"'.:•..•.
c id a , a in d a
p ro v ia
q u e fo s s e o c rim e
trê s c id a d e s
apenas c u lp o s o ,
d e a s ilo a fa v o r d o c u lp a d o .
m a s d e p o is
No F u e ro
1 f .J
~. )u z g o e s p a n h o l n ã o s e p e rm itia a pena de talião a o s d e lito s
:C ; ..
1:;r.t'" d o c h e fe p o rq u e a re p a ra ç ã o e x c e d ia à o fe n s a . E n ã o s e c o n -
! : '~
"'..-o i"
-;"Y..( c o rd a v a a in d a s e o d e fu n to n ã o c o n ta s s e c o m u m p a re n te
~
m u ito d e s p ro v id o d e m e io s .

8. P osses p a trim o n ia is

S o b re tu d o c o n trib u iu a v a n ta g e m s o b re v in d a e a posse
d e u m a p ro p rie d a d e , c o m a q u a l s e p o d e ria m com pensar m a is
p ro p o rc io n a lm e n te os danos. E s s a d is p o s iç ã o , por sua vez, ,
a u m e n to u o p o d e r d o s c h e fe s , q u e e ra m c o m p e te n te s p a ra '
d e te rm in á -lo s e in frin g i-lo s . U m a v e z in tro d u z id o o uso da
com pensação, e m v e z d a v in g a n ç a , p a ra o h o m ic íd io v in h a
• n a tu ra lm e n te a in te rv e n ç ã o d a te rc e ira p e s s o a d a a u to rid a d e , ,:::

q u e d e v ia fix á -la . V in h a ta m b é m a e x te n s ã o d o m e s m o s is te - ,.
~
m a a to d o s O s o u tro s d e lito s , q u e s e m p re s e re s o lv e m n a a p re -
c ia ç ã o d e u m d a n o re a l.

94
--~_. - .•.. -._ -~ - ~..._ -----
D, Bastos
r.-'
t

9 . C h e fe s

A d ic io n e -s e q u e fo ra m m a n tid a s as penas quando os


p riv ilé g io s q u e tin h a m o s c h e fe s e o s s a c e rd o te s s e m u d a ra m
p a ra a s c o m p e n s a ç õ e s . N o T ib e te , o ric o p o d e re m ir u m h o m i-
c íd io , p a g a n d o in d e n iz a ç ã o a o ra já , a o s g ra n d e s fu n c io n á rio s
e à fa m íli:;l d o m o rto . S e fo r p o b re , o h o m ic id a p o d e s e r a ta d o
a o c a d á v e r d a v ítim a e jo g a d o n a á g u a . E m U g a n d a , e ra c o n -
denado à m o rte quem d e ix a s s e a p a re c e r a p e rn a a o s e n ta r
d ia n te d o re i, o u n ã o e s tiv e s s e v e s tid o d e a c o rd o c o m o p ro -
to c o lo , o u s e to c a s s e n o re i e n a s s u a s v e s te s o u n o tro n o .

N o ta -s e e m tu d o is s o a in flu ê n c ia d o p o d e r d e s p ó tic o ,
q u e , u m a v e z in ic ia d o , a tin g e o a b s u rd o , m a s p a re c e c e rto q u e
m u ito s d e s s e s d e lito s d e le s a -m a je s ra d e tiv e s s e m s id o in v e n -
ta d o s p e lo re i, c o m o m a is ta rd e s e v iu c o m o s C é s a re s . C o n ta
S p e k e q u e u m o fic ia l n ã o e s ta v a n a C o rte v e s tid o c o m e le g â n -
c ia , e p o d e ria p e rd e r a c a b e ç a , m a s , e n tre ta n to , a p e n a fo i s u b s -
titu íd a p o r u m a m u lra e m a n im a is , c o m o c a b ra s , g a lin h a s , e tc .

1 0 . R e lig iâ o

C o m o s e m p re , a re lig iã o a tu a p a ra u s u fru ir e p e rp e tu a r
o u s o e a s s im fo i a p rim e ira a p re v a le c e r-s e m a is d o e le m e n to
te o c rá tic o d o q u e o d o g u e rre iro ; e s s a p e rp e tu a ç ã o v e io a té
n ó s . E m s e g u id a , o in s tru m e n to m a is p o d e ro s o à re a ç ã o c o n tra
o s d e lito s , b e m e n te n d id o , s e m p re te n d o c o m o p re fe rê n c ia o s
,
d e lito s s U lie rs tic io s o s , q u e , p a ra n ó s , n ã o s e ria m n e m m e s m o
c o n tra v e ~ ç õ e s , fo ra m , d e p o is d o s c h e fe s , o s s a c e rd o te s , fre -
q ü e n te m e n te ta m b é m c o n s id e ra d o s m é d ic o s e a d iv in h o s . Is o -
la d o s o u a lia n d o -s e a o s c h e fe s , to m a v a m c o m o p re te x to não
".,;.
s ó to d o d e lito o u p e c a d o , m a s ta m b é m to d o d e s a s tre , to d a
."""".
~" m o rte , to d a e s ta ç ã o d o a n o , p a ra m o s tra r q u e d e v ia h a v e r'
a lg u m p e c a d o p a ra s e r p u n id o . E s c o lh ia m u m a v ítim a , p e rs e -
g u ia m o s c u lp a d o s v e rd a d e iro s o u s u p o s to s , e a c re s c e n ta v a m

95
-1-.
D, Bastos

a p ró p ria a u to rid a d e - e e m m e io a to d a in ju stiç a , fre q ü e n te - I


m e n te condenavam o v e rd a d e iro ré u . i
N o C ó d ig o de M anu, o re i e ra a u to riz a d o a dar aos I
b râ m a n e s to d o s o s p ro d u to s d a s m u lta s. O c o stu m e d e ssa s I
m u lta s d e v e te r sid o b e m fo rte , ta n to q u e já n a B íb lia se e n -
c o n tra m a s p a la v ra s "p e c a d o " e "c u lp a ", sin ô n im o s d e "sa c ri-
fíc io " q u e se fa z p a ra o p e c a d o e p a ra a c u lp a . D e ssa in flu ê n c ia
te o c rá tic a , o s fa m o so s "Ju íz o s d e D e u s" m e d ie v a is, c o m sin -
g u la r u n ifo rm id a d e fo ra m a d o ta d o s p o r to d o s o s p o v o s p rim i-
tiv o s. Q u a n d o fa lta v a m te ste m u n h a s a u tê n tic a s, com o não
p o d ia p a re c e r ju sto à s p o p u la ç õ e s q u e c o n fu n d ia m a re lig iã o
c o m a ju stiç a , e o s ju íz e s c o m o s p a d re s, re fe ria -se a D e u s,
c h e fe d o s c h e fe s, q u e g o v e rn a o d e stin o d o s se re s h u m a n o s.
N a A n tíg o n e , d e S ó fo c le s, a lg u é m d e m o n stra n ã o se r c ú m -
p lic e d e u m d e lito a o e m p u n h a r u m fe rro q u e n te e a tra v e ssa r
a s c h a m a s.

11. S e ita s

A lg u m a s v e z e s c o n trib u í p a ra e ssa tra n sfo rm a ç ã o e p a ra


a in tro d u ç ã o da pena o su rg im e n to d e a lg u m a a sso c ia ç ã o
se c re ta , m u ita s vezes com a p a rê n c ia re lig io sa , com uns nas
ra ç a s p o u c o e v o lu íd a s e n o s p a íse s m a l d e se n v o lv id o s e o p ri-
m id o s p e la tira n ia . S ã o , a o m e n o s, o s d é b e is, que to c a d o s
p e lo d e se jo d e re a g ir c o n tra a p re p o tê n c ia d o s m a is fo rte s,
c o m e te m d e lito s q u e , n o fu n d o , sã o a p lic a ç õ e s g ro sse ira s d a
p e n a , in stru m e n to s e sp ú rio s m a s e fic a z e s d a m o ra l e p o r isso
a c a b a m u ita s v e z e s p o r triu n fa r.

A ssim o c o rre u , a p rin c íp io , c o m a C a m o rra , q u e e ra u m a


e sp é c ie d e d e fe sa d o s p re p o te n te s re g im e n ta is c o n tra o s p re p o -
te n te s a n a rq u ista s. E a ssim fo ra m n a Á fric a o s sin d ig is, a sso c ia -
ç õ e s se c re ta s p a ra fa z e r o s d e v e d o re s p a g a re m . E ssa s a sso c ia ç õ e s
a p a re n te m e n te m o ra liz í\d o ra s, n o fu n d o , sã o c rim in o sa s.

96
D, Bastos

1 2 . A n tro p o fa g ia ju ríd ic a

M a is b ru ta l, c e rta m e n te , m a s d a m e sm a fo rm a in ju sto e
c rim in o so é o o u tro m e io d e re p re ssã o q u e fo i a a n tro p o fa g ia ju rí-
d ic a , c o m o a c h a m o u L e to u rn e a u . A ssim , v e m o s c o m o o s a d ú l-
te ro s, o s la d rõ e s n o tu rn o s e o u tro s d e sse tip o , e ra m , e n tre o s b a ta s,
condenados a se re m c o m id o s p e lo p o v o . A se n te n ç a e ra in a p e -
lá v e l, m a s p o d ia se r re ta rd a d a d o is o u trê s d ia s p a ra se r e x e c u -
ta d a n o lo c a l e m q u e a c o rre sse o p ú b lic o . P a ra o a d u lté rio , p o d e -
ria se r re ta rd a d a a té q u a n d o o s p a re n te s d a s p a rte s p u d e sse m
to m a r p a rte n o fe stim . O m a rid o tin h a d ire ito a o m e lh o r p e d a ç o .
O condenado e ra d e p e n d u ra d o num a e sta c a e a um
d a d o sin a l a m u ltid ã o se p re c ip ita v a so b re e le e sq u a rte ja n d o -
o com m achado o u c u te lo , o u só c o m unhas e d e n te s. Os
pedaços a rra n c a d o s e ra m d e v o ra d o s im e d ia ta m e n te , c ru s e
sa n g u in o le n to s: e le s e ra m m o lh a d o s c o m u m a m istu ra p re p a -
ra d a a n te s e m u m a c u ia d e c o c o e fe ita c o m su c o d e lim ã o ,
sa l, e tc . N o s c a so s d e a d u lté rio , o m a rid o tin h a d ire ito de
e sc o lh e r o p rim e iro bocado. E ta n ta e ra a b rig a q u e m u ita s
v e z e s u n s fe ria m o s o u tro s n o s c h o q u e s.

T a m b é m n a s Ilh a s B o w se d e v o ra v a m o s a ssa ssin o s e e ste


é o c o stu m e d a P o lin é sia , o n d e fo i c o n sta ta d o o c a n ib a lism o
ju ríd ic o , q u e , se g u n d o B o u rg a re l, p ra tic a v a -se ta m b é m n a N o v a
C a le d ô n ia , c o m o v in g a n ç a p ú b lic a , c o n tra o s c o n d e n a d o s à m o r-
te , e q u e , se g u n d o M a rc o P ó lo , e ra u sa d o e n tre o s tá rta ro s. Q u e m
p o d e rá sa b e r q u a n ta s se n te n ç a s te rã o sid o p ro v o c a d a s p e la g u la ,
p e lo a p e tite p o r u m b ife h u m a n o ? E q u a n to e ssa h o rrív e l p rá tic a
c rim in o sa q u e se c o n se rv o u q u a n d o a c iv iliz a ç ã o e ra u m p o u c o
m a is a v a n ç a d a , p ô d e c o n trib u ir p a ra e rra d ic a r o s d e lito s?

1 3 . C o n c lu sã o

..t..•. R e c o rd a n d o tu d o : re c o rd a n d o com o o im p u lso que


m a is c o n trib u iu p a ra a re a ç ã o c o n tra o d e lito fo i o d a v in -

97
V"
D, Bastos
..,", ~.,.'
'1 :'

g a n ç a ; c o m o a p ro m is c u id a d e
a o in c e s to in tro d u z id o
d a lib id o fo i e lim in a d a
p o r u m a fa n ta s ia
tiria e p o lig e n ia , o rig in a d a p e la p re d ile ç ã o
g ra ç a s
d e n o b re z a , p o lia n -
q u e tin h a o c h e fe
l t
o u o m a is p re p o te n te d a trib o p o r d e te rm in a d a m u lh e r. A s s im
ta m b é m a c o n te c e ria e m u m h a ré m p e la v io lê n c ia de um
.a m a n te , e m a is ta rd e p e la a g re s s iv id a d e e m a io r p re d o m ín io
~ d e u m c h e fe . D o m o d o q u e e ra d e lito to c a r n a m u lh e r do
c h e fe , n ã o e ra to c a r n a s o u tra s m u lh e re s .
C om o a p e n a p e lo fu rto c o m e ç o u a a p a re c e r s o b re a
p re v a lê n c ia d a s c o n q u is ta s d o s c h e fe s o u d o s m a is p re p o -
te n te s , q u e q u e ria m c o n s e rv a r a s p o s s e s s u rru p ia d a s e não
d iv id i-la s c o m o s m a is fra c o s , c o m o e ra s o b re tu d o d o fu rto
c o n tra a p ro p rie d a d e d o s c h e fe s q u e s e in ic ia v a a ju s tiç a ,
c o m o ta m b é m s e in ic io u a re a ç ã o c o n tra o a d u lté rio d o ro u b o
tiO .
r.1
L
d a s m u lh e re s d o s c h e fe s - p o d e -s e c o n c lu ir, s e m q u e p a re ç a
'-~'
.•.:..
~ ~- u m a b la s fê m ia , q u e a m o ra lid a d e e a p e n a n a s c e ra m , e m g ra n -
~~.
'. .,;,.... d e p a rte d o c rim e .

""; •.
I
!

..
'';'

;..,.'

98
"-' D, Bastos

l 'li

í
'.

'j1

9. S U IC ÍD IO D O S D E L IN Q Ü E N T E S

1 . F req ü ên cia . T em p era tu ra - 2 . P risã o . É p o ca d a d eten çã o


d o s d elin q ü en tes - 3 . Im p revid ên cia e im p a ciên cia
4 . R ela çõ es co m a ten d ên cia < to crim e - 5 . A n ta g o n ism o
6 . S u icíd io in d ireto e m isto 7 . S u icíd io p o r su p erstiçã o
8 . S u icíd io sim u la d o - 9. S u icíd io d u p lo
1 0 . S u icíd io n o s d em en tes crim in o so s.

1 . F re q ü ê n c ia . T e m p e ra tu ra

A in s e n s ib ilid a d e a u x ilia , e n fim , p a ra e x p lic a r u m fe n ô -


m e n o , q u e , c o m o b e m a d v e rtiu M o rs e lli, é q u a s e c a ra c te rís -
tic o d o d e lin q ü e n te : a m a io r fre q ü ê n c ia d o s u ic íd io . D e fa to ,
o s u ic íd io n o s d e lin q ü e n te s s e g u e a s le is d a o s c ila ç ã o , q u e s e
n o ta e m to d o s o s h o m e n s , ta is c o m o :
• A - p re v a lê n c ia n o s e x o m a s c u lin o ;
• B - n o s s o lte iro s e v iú v o s ;
.
''-'-f
• C - n a id a d e e n tre 2 1 e 3 1 a n o s ;
• D - in c re m e n to n a s p o p u la ç õ e s c iv is e n a s e m q u e o
I
s u ic íd io e s tá e m a u m e n to , m a is fre q ü e n te na
S a x ô n ia e n a D in a m a rc a .

99
;rl-
D, Bastos

Para distinguir m ais m inuciosam ente a cota de suicídios


com etidos pelos grandes delinqüentes, calcula-se um a base
de 4,52 por m edo da justiça, 2,65 por vergonha, rem orso,
preguiça, 2,4 nos hom ens e 1,47 nas m ulheres, 0,96 apreensão
pelas penas disciplinares nos soldados e o desgosto pelo
serviço m ilitar.

2. Prisão. Época da detenção dos delinqüentes

A m aior freqüência dos suicídios não se pode crer que


seja só o efeito da condenação ou da tortura, causada pela
longa prisão, ou pela falta de m aior convívio. A penas é sen-
sívelo aum ento dos suicídios nas prisões celulares em com pa-
ração com as m istas. Isto se coaduna, certam ente, nas prisões
celulares pela m inoria e notando-se o m aior núm ero nos
denunciados (Itália: 38% ) e entre os condenados, inúm eras
vezes, se não exclusivam ente, nos prim eiros m eses da detenção.
A ssim , em M azas, em 79 suicídios, ocorreram :
15 - do 2 Q ao 5 Q dia da entrada
10 - do 5 Q ao 10 Q dia da entrada
8 - do 1O º ao 15 Q dia da entrada
5 - do 15 Q ao 20 Q dia da entrada
2 - do 20 Q ao 25 Q dia da entrada
5 - 25 Q ao 30 Q dia da entrada
25 - do 1Q ao 2 Q m ês da entrada
4 - do 2 Q ao 3 Q m ês da entrada
2 - do 3 Q ao 6 Q m ês da entrada
1 - no 12 Q m ês da entrada.

A estatística das prisões européias


suicídios ocorridos, os seguintes dados:
apresenta, em 36 -
,. ':
t':'
100
~ :=
.~
"Ibi,~

;
'->
~
.'.'i,.
i..
-- D, Bastos

• 11 nos prim eiros m eses da detenção


• 7 no prim eiro ano de detenção
• 7 no segundo ano de detenção
• 7 no terceiro ano de detenção
• 4 depois do terceiro ano de detenção

Por isso, abundam m uito m ais nos cárceres judiciários


do que em outros e m ais entre aqueles que devem cum prir
pequenas condenações. A o revés, ele não se nota entre os
condenados só há quinze dias. Esta freqüência parece tríplice
se nós ajuntarm os os num erosos casos de suicídio tentados
nas prisões, que na Inglaterra sobem ao triplo e entre nós
quase ao dobro dos suicídios consum ados.
. Evidentem ente

esta freqüência de suicídios, entre os
.. delinqüentes, na prim eira fase da Teclusão, e tam bém antes
'da.condenação, e por condenações leves, depende de um a
. tendência especial. A ntes de tudo, dessa insensibilidade, dessa
faltado instinto de conservação, de que, pouco atrás, aduzi-
m os tantas provas, e que aparece nos estranhos m odos de
suicídio, com o do uxoricida G ranié, m orto depois de 63 dias
de com pleto jejum . É tam bém o caso de Bruno, citado por H off-
m ann, que se m atou engolindo um enornle pedaço de osso.

3. Im previdência e im paciência

D eve-se adicionar nisso a im previdência e a im paciên-


cia que os dom ina. Para eles, preferem suportar um m al gravís-
sim o e rápido a um m al leve e por m uito tem po. Eles acham
m enos dura a m orte do que ver insatisfeitas as próprias pai-
xões m om entâneas. La Lescom bat escreveu à sua am ante,
-
:\T'
exortando-o a m atar seu m arido. "N ão tem o a m orte; farei
de bom grado o sacrifício da vida para que fique aliviada
'-~f
=--=
:ll>.\..
~~
101
,ôl'ri"
>\:••
.' . :'.
D, Bastos

T
desse bárbaro que eu odeio. Se eu vir você ao voltar, darei f
m il vidas por você".
"D ou adeus ao m undo, porque viver com um a paixão
I•
é pior do que m il m ortes", escreveu D elitala antes de tornar-
i
se hom icida e depois suicida. M ackenzie, não tendo podido t
seduzir um a jovem , fez com que ela se suicidasse e depois,
denunciado o seu cúm plice, suicidou-se. C om enta-se
rapaz que um dia antes de ser posto em liberdade enforcou-
de um I
se, dizendo a um com panheiro de pena que se aborrecia de- t
m ais e, por isso, deviam enforcar-se.
Em diversos deles, principalm ente nos alcoólatras, o
I
~- suicídio ocorre quase autom aticam ente, quase sem causa,
l.
por um capricho, com o no caso que verem os em breve, de
~- '!'< um carrasco da N ova C aledônia, que se enforcou porque
,k,i m udaram sua guilhotina preferida. H á outro, contado por
.:1;~~.: M orselli, que se m atou porque achou horrível o chão. H ouve
~~l~'outro que se jogou no rio Pó, sem qualquer causa aparente.
t!_~~
.
":-i'!
<
D obus, antes de m atar a am ante, tinha-lhe escrito: "Es-
tou pronto a dar o m eu sangue por você; antes m orrer do
que deixá-la". D avid, antes de golpear a cunhada disse: "Eu
!
I
m e m atarei, m as prim eiro falarão de m im ". E pouco depois:
"A cunhada não m e am a, m as se arrependerá disso; com prei
dois revólveres, um para m im , outro para ela".
Tam bém a M arquesa de B rinvilliers tentou várias vezes
o suicídio; envenenou-se um a vez para provar a eficácia do
contraveneno (singular prova da im paciência deles). Tentou
m ais tarde para dem onstrar seu am or a Santacruz, a quem
enviou diretam ente carta assim redigida: "A chei oportuno
term inar m inha vida; por isso será dotada de veneno que r
--você m e vendeu a preço tão caro e você notará nisso com o \"

eu a sacrifiquei voluntariam ente. N ão prom eto, porém , que vou


esperá-lo antes de m orrer para dar-lhe o extrem o adeus" (pa- .•.1.
lavras estas que nos fazem entrever a sim ulação de suicídio). ,-...:
. ~r

102
-~
joo-;'~
_"o.,.,
---:; ~
'rt'< ~
~ ).,
,'.'
D, Bastos

4. R elações com a tendência ao crim e

I C om o aconteceu com m ais freqüência o suicídio dos


crim inosos, por paixão, é fácil de ser com preendido. U m
pouco é pelo rem orso pela operação executada, um pouco
pela perda do objeto caro, quando se trata da am ante m orta.

I Em todos os réus o suicídio é, ora um a válvula de segurança,


ora um a crise e um suplem ento
dente ou apenas potencial.
da tendência ao delito evi-
Para alguns é um a espécie de
instrum ento de reabilitação do delito praticado ou a praticar,
um a form a de desculpa perante os outros e a si m esm o, que
dem onstre a violência irresistível da paixão que os im pele,
ou a força do arrependim ento que está atrás deles.
Q ue verdadeiram ente o delito seja um a relação estreita
com a tendência ao suicídio, bem o dem onstram , com suas
confissões, Lacenaire e Trossarello. "H ouve um dia em que
não tive outra alternativa a não ser o suicídio ou o delito.
Perguntei-m e se eu era vítim a de m im m esm o ou da sociedade
e depois que conclui que era um a vírim a da sociedade eu a golpeei."
Estudando os anais judiciários de 1852, D espine pôde
ver um verdadeiro antagonism o entre delito e suicídio. N os

I
14 bairros franceses, que apresentaram , em 100 denunciados,
m ais delitos contra a pessoa, não se encontrou senão 14 suici-
das em 460 m il habitantes. A o revés, em 14 outros que deram
m enos de crim es de sangue, houve 14 suicídios em 170 m il
habitantes. A C órsega, célebre pela sua tradição sanguinária,
em 100 denunciados, 83 por crim es contra a pessoa e um
suicídio em 55 m il habitantes. O bairro de Sena dá em 100
denunciados 17 só por delitos contra a pessoa e um suicídio
para 2.341 habitantes.
Enquanto a m aior tendência ao suicídio se encontra
..•...
o.
,. na R ússia, no N ordeste há no B áltico 65 suicídios para um
.+'" m ilhão, em Petroburgo 102 e no Sudeste em Poltava 50 e em
:I;l~ Podólia 44, geralm ente nos G overnos do O este o hom icídio
r •
~t'-'"

~
~-
.~
.~,~,
~{'1"'1:l
~~,,"1
103
_ _ IF""
D, Bastos ,11
j\~

~i
."'f'
t."
W4'
-.
a u m e n ta em d ir e ç ã o o p o s ta . A R ú s s ia e u r o p é ia pode ser
".'t:
d iv id id a e m d u a s p a r te s s e g u n d o s u a te n d ê n c ia a o h o m ic íd io . ..;.'
U m a a b r a n g e o L e s te e o S u l d a R ú s s ia , c o m m u ito h o m ic íd io .
Na o u tr a , N o r o e s te d o B á ltic o eao S u d e s te d a P o d ó lia , a J
te n d ê n c ia a o h o m ic íd io
m e n o s d o q u e n o s U r a is .
c h e g a a o m ín im o . U m a v e z e m e io
!
5 . A n ta g o n is m o
!
I s s o e x p lic a b a s ta n te bem p o rq u e a e s ta tís tic a s o c ia l
tin h a n o ta d o u m a e s p é c ie d e a n ta g o n is m o e n tr e a c if r a d o s
d e lito s de sangue e a d o s s u ic íd io s , e p o rq u e e s te s ú ltim o s ,:

e s c a s s e ia m n o s p a ís e s m a is q u e n te s , onde o s p r im e ir o s são
m a is n u m e r o s o s , c o m o p o r e x e m p lo , n a E s p a n h a , C ó rse g a e
e n tr e n ó s n a s p r o v ín c ia s m e r id io n a is e in s u la r e s .

O c o n tr á r io o c o r r e n a I tá lia d o N o r te e C e n tr a l, onde
.h
l-
m u ito s h o m ic íd io s f o r a m , p o d e - s e d iz e r , p r e v e n id o s , e d im i-
n u íd o s d o q u e o s s u ic íd io s . E x p lic a - s e
e .a s c o n tr a v e n ç õ e s
f r e q ü e n te s
n o s c á rc e re s
a in d a c o m o o s d e lito s
sã o , c o m o v e re m o s,
n o s p a ís e s e m q u e m a is s ã o o s s u ic íd io s . O m e s m o
m enos l,:
s e d ig a , e m g e r a l, d o s p a ís e s e é p o c a s m a is c iv iliz a d a s e em f, -
p"
q u e a c u ltu r a c r e s c e , e n g r o s s a a c if r a d o s s u ic íd io s ( n a F r a n ç a
"
d e 1 8 2 6 a 1 8 6 6 a u m e n ta r a m q u a s e u m tr ip lo ) e d im in u iu a
d o h o m ic íd io .

O n ú m e r o m a io r d o s d e lin q ü e n te s s u ic id a s r e c o lh e - s e
e n tr e a q u e le s q u e c o m e te r a m in f r a ç õ e s c o n tr a a pessoa (2 4
n a I tá lia ) e c o n tr a a o rd e m p ú b lic a ( 1 2 ) , o u m u ito s (1 2 ),
c o n tr a a p r o p r ie d a d e .

O r a é n a tu r a l q u e q u a n to m a is o s u ic íd io s e ja a u m e n -
ta d o , e x o r b ita n te , d im in u ir ã o o s h o m ic id a s ; ta n to m e n o r s e r á
o n ú m e ro d e d e lito s c o n tr a a p e sso a . S e a M a rq u e sa d e B re -
v illie r s e L a c e n a ir e tiv e s s e m s e s u ic id a d o r e a lm e n te , quando
te n ta r a m , p o r e s s a r a z ã 9 .te r ia m e c o n o m iz a d o o n ú m e r o d e v ítim a s .

104
D, Bastos

.~ c~~>

:
'. " 6 . S u ic íd io in d ir e to e m is to

A o c o n tr á r io , e m a lg u n s c a s o s r e a lm e n te r a r ís s im o s n ã o
J é m a is o s u ic íd io q u e p r e s e r v a o h o m ic íd io , m a s e s te é a c a u s a

! d a q u e le . G e n te v il, lo u c a m e n te s u p e r s tic io s a e d e s e jo s a d e

!
m o r r e r , m a ta p a r a s e r c o n d e n a d a à m o r te e liq u id a r - s e p e la s
m ã o s d e o u tr e m . E s tr a n h a f o r m a d e e g o ís m o e d e p a ix ã o
r e lig io s a . D e s p in e r e c o lh e u q u a tr o d e s s e s c a s o s . P o r e x e m p lo ,
J o b a r t e r a u m jo v e m c o m e r c ia n te , q u e , d e v id o à v id a d is s o -

.f;_ .•
lu ta , c o n tr a iu d é b ito s e s e r v iu - s e d a c a ix a a lh e ia . O r e m o r s o
f e z n a s c e r n e le a id é ia d o s u ic íd io , m a s m u d o u p a r a h o m ic íd io
: ~."
p o r a s c e tis m o , q u e lh e te r ia d a d o te m p o d e a r r e p e n d e r - s e . A
p r in c íp io pensou e m a lis ta r - s e e c o m u m a in f r a ç ã o fa z e r-se
f u z ila r d e p o is d e m a ta r o P r e s id e n te d a R e p ú b lic a . F in a l-
m e n te , c o m u m a f a c a d a , m a ta u m a jo v e m g r á v id a , e p e r m a -
h'"

'~.
-.
- ~ '- \ . n e c e p a r a d o e m s e u p o s to , d iz e n d o a o m a r id o : " N e m m e s m o
conheço v o c ê s ; s o u u m m is e r á v e l; m a te i p a r a s e r m o r r o " .

l:- M a r g a r id a , d e 2 3 a n o s , s e n d o la n ç a d a n a C a s a d e R e c u -
p e ra ç ã o , e x p e r im e n to u ta l d e s p r a z e r q u e r e s o lv e u c o m e te r
u m h o m ic íd io p a ra se r c o n d e n a d a à m o r te . F o i d e ix a d a ju n to
-, com u m a im b e c il e lh e c o r to u a g a r g a n ta com u m fa c ã o .
" Q u is a c a b a r c o m a e x is tê n c ia d e la , m a s p e n s e i q u e , m a ta n d o
o u tr a p e s s o a , p e r d e r ia ig u a lm e n te a v id a , m a s te r e i te m p o
d e a rre p e n d e r-m e e D e u s m e p e rd o a rá ". D e p o is d o d e lito ,
r e z o u p a r a D e u s e d o r m iu tr a n q ü ila . Q uando a c o n v e n c e ra m
d e q u e , e m v e z d e te r c o n q u is ta d o o p a r a ís o , te r ia a tr a íd o a
ir a d e D e u s , c h o r o u a m a r g a m e n te .

7 . S u ic íd io p o r s u p e r s tiç ã o

O u tr a v e z , c o m o e r a o c a s o d e N a g r a l, a lg u n s c o m e te m
u m a s s a s s in a to p o rq u e e s tã o cansados d e v iv e r e n ã o tê m
f o r ç a d e s u ic id a r - s e . E s ta p a r e c e ta lv e z a c a u s a d o te n ta d o
r e g ic íd io d e P a s s a n a n te , pouco a p ro fu n d a d o na sua causa

105
D, Bastos

"\
q u e d e v ia e s tu d a r. V e n d o -m e , d is s e e le a o q u e s to r, m a ltra ta d o
p e lo s m e u s p a trõ e s , sendo a m in h a v id a s o m b ria , a n te s de
s u ic id a r-m e , b ro to u -m e a id é ia d e " a te n ta r c o n tra a v id a d o
" re i, n a s e g u ra n ç a d e q u e , e m to d o c a s o , e s ta ria m o rto .

8 . S u ic íd io s im u la d o
II
O ser hum ano m u ito m a is te n d e a s im u la r e fin g ir a lg u -
m a a ç ã o p a ra a q u a l s e s e n te in c lin a d o . A s s im s e e x p lic a
c o m o e n tre o s d e lin q ü e n te s , m u ito s s ã o o s s im u la d o re s de
s u ic íd io , q u e fa z e m e m s i .s im p le s c o rte s s u p e rfic ia is , ta n to
q u e N ic h o ls o n d e c la ro u q u e , d e trê s s u ic íd io s te n ta d o s no
c á rc e re , d o is s ã o s im u la d o s . E le c h e g a a d u v id a r, a té , q u e
I
ta m b é m a lg u n s d o s s u ic íd io s c o n s u m a d o s p e rte n c ia m a essa
~~ e s p é c ie e c ita u m q u e s e e n fo rc o u n a h o ra e m q u e d e v ia s e r
~;,I;i le v a d o p e lo s g u a rd a s e m o rre u , te n d o o s g u a rd a s chegado,
'1lt" e v e n tu a lm e n te , m u ito ta rd e .

,~
\~
'-"I!>
Q u e e u m e re c o rd o , o a s s a s s in o d r. B ra n c a rd , que não
s ó s im u lo u o s u ic íd io e s c re v e n d o c a rta s a o s s e u s p a re n te s ,
a m ig o s , a o irm ã o , e m q u e re c o m e n d a a o ú n ic o a m ig o o s e u
c ã o , m a s d e ix o u p re p a ra d o o e p itá fio : " A q u i re p o u s a u m fra n -
c ê s q u e fo i in fe liz , J u lio B ra n c a rd . G ra n d e s d e s v e n tu ra s m an-
c h a ra m s u a ju v e n tu d e . S e m p re fo i e le to m a d o p e la tris te z a .
V is ita n te s , d e d iq u e m -lh e u m a lá g rim a " .
R e c o rd o -m e a in d a d a e n v e n e n a d o ra e a d ú lte ra D u b la s -
s o n , q u e , d e s c o b e rta , e n v e n e n o u -s e c o m o m a rid o , s e u c ú m p lic e
d e o rg ia s e d e d e lito s , m a s a d v e rtin d o a n te s , c o m m u ita s c a rta s ,
a s a m ig a s , p a ra q u e a s a lv a s s e m a te m p o , com o re a lm e n te
a c o n te c e u . A s s im ta m b é m a c o n te c e u ta lv e z , a o m e n o s d u a s
v e z e s , e n tre a s m u ita s te n ta tiv a s d a m a rq u e s a d e B rin v illie rs .
D a v id , a n te s d e m a ta r, p o r a m o r in s a tis fe ito , a c u n h a d a ,
v á ria s v e z e s fa lo u a e la e a o s o u tro s e m s u ic id a r-s e . E s c re v e u -
lh e a n te s : " R e c e b a o s < h te u s b e ijo s a n te s q u e e u m o rra " . D e -

106
D, Bastos

p o is , a s s a s s in o u -a , d e u s u m iç o a o re v ó lv e r e s e fe riu , p a ra
p o d e r a le g a r u m a p ro v a d a in te n ç ã o d e m a ta r-s e . Q uando a
g u a rd a e n c a rre g a d a d e p re n d ê -lo , c o m o v id a , o fe re c e u -lh e
o p o rtu n id a d e d e jo g a r-s e d a p o n te , re c u s o u -s e , a le g a n d o q u e
lá h a v ia m u ita g e n te .

E s s a e s tra n h a te n d ê n c ia te m , n o s p re s id iá rio s , fre q ü e n -


te m e n te 'p o r c a u s a , o p ra z e r d a v in g a n ç a c o n tra o s g u a rd a s ,
o s d ire to re s , a e s p e ra n ç a d e la n ç a r s o b re e le s a s u s p e iç ã o d e
o h a v e r im p e lid o a o d e s e s p e ro , fa z ê -lo fa la r d e s i, m u d a r d e
c á rc e re . O u tra c a u s a , s o b re tu d o , é a in c lin a ç ã o a o fin g im e n to ,
q u e fa z d o c á rc e re u m v e rd a d e iro te a tro . P a ra q u e m e s tiv e r
s o lto é u m m e io ta n to m a is p re fe rid o , p o rq u e m e lh o r c o rre s -
p o n d e à s u b ita n e id a d e e à v io lê n c ia d a ín d o le d e le s q u a n d o
q u e re r a tin g ir d e te rm in a d o o b je tiv o , o u ju s tific a r a s i m e s m o s
e a o s o u tro s u m h o m ic íd io o u s im u la r u m a lu ta . A s s im fe z o
C ic a re lli q u e fo i s u rp re e n d id o quando ro u b a v a M a ria , s u a
v ítim a fe rid a , o u p a ra e s c o n d e r-s e d a ju s tiç a , c o m o fe z B ra n c a rd .

O fa ls o s u ic íd io é , e n tã o , u m a e s p é c ie d e á lib i p ro c u ra d o
e m o u tro m u n d o . F re q ü e n te m e n te e le s a g e m c o m o c ria n ç a s
v ic ia d a s , q u e s im u la m m a ta r-s e o u fe rir-s e p a ra c o a g ir o s
p a re n te s a c e d e r a o s d e s e jo s d e le s .

9 . S u ic íd io duplo

H á s u ic íd io s -h o m ic íd io s , o u m e lh o r, s u ic íd io s p o s te rio -
,
re s a o s h o m ic íd io s , q u e p e rte n c e m , e s s e n c ia lm e n te a o s d e lito s
p o r p a ix ã o , q u e s ã o a c ris e fin a l e q u e s ã o o s g ra n d e s p a ro x is -
m o s d o a m o r, n a id a d e m a is jo v e m , n o s s o lte iro s , e n o s m a is
m a d u ro s p o r e x c e s s o d e a m o r filia l: p a rric íd io -s u ic íd io .

A s s im , o c a b o R e n o u a rd , d e 2 3 a n o s , e n a m o ra -s e de
u m a flo ris ta , c o n s o m e o q u a n to te m , re d u z -s e à m is é ria e lh e
p e rg u n ta a té q u e p o n to o s e g u iria . O u v in d o -a re s p o n d e r:
" A té a m o rte " , p re p a ro u tu d o p a ra o d u p lo s u ic íd io . P o u c o s

107
T
D, Bastos

i
d ia s d e p o is se fe rira m , o u m e lh o r, e le fe riu -a c o m a u to riz a ç ã o
d e la e a p ó s a si m e sm o , d e ix a n d o so b re a m e sa u m e sc rito
e m q u e sa u d a v a m o s a m ig o s. E le tin h a p a i e irm ã a ta c a d o s
d a m a n ia su ic id a .
M u ito c o m o v e n te n a F ra n ç a fo i o c a so d o o fic ia l
sa n itá rio B ancai (1 8 3 5 ), q u e , v o lta n d o d e u m a e x p e d iç ã o
lo n g ín q u a , e n c o n tro u a e sp o sa , q u e fic a ra m ã e . O s a m o re s
se re a ta ra m , m as não podendo c o n tin u a r e m d e so n ra , com -
b in a ra m um d u p lo su ic íd io , c u jo s p re p a ra tiv o s d u ra ra m
d ia s in te iro s; e le so b re v iv e u e re n o v o u a te n ta tiv a duas
v e z e s. F o i a b so lv id o .
A lg u m a ra ra v e z o d u p lo su ic íd io p o r p a ix ã o se a sso c ia
e c o n fu n d e c o m c rim e p u ro , c o m o n o c a so d o D e n u re . São
h o m e n s c o n stra n g id o s a o su ic íd io p a ra su b tra ir-se a u m a p e n a
in fa m a n te , e in d u z e m o s m a is c a ro s a se g u ir a so rte d e le s.

1 0 . S u ic íd io n o s d e m e n te s c rim in o so s

O su ic íd io é , p o ré m , m a is fá c il a in d a d o q u e n o s d e lin -
q ü e n te s p u ro s, n o s p o r p a ix ã o , a in d a m a is n o s d e m e n te s-
c rim in a is, Isto é n a tu ra l. O su ic íd io , se n d o fre q ü e n te nos
d e m e n te s, se rá ta n to m a is n o s d e lin q ü e n te s e d e v e se r a in d a
m a is n a q u e le s q u e sã o u m e o u tro ju n ta m e n te , ta n to m a is se
fo r e x c ita d o p o r u m a fo rte p a ix ã o .
V e m o s d e sse je ito o P a lm ie ri, a ssa lta n te e d e m e n te e
trê s v e z e s su ic id a . T a m b é m M a ssa g lia , u m se m i-d e m e n te , que
se c o n fe ssa v a c u lp a d o d e 1 2 8 d e lito s, m a s e ra só d e 4 0 , te n ta r
d a r m o rte a si m e sm o jo g a n d o -se d o a lto . B u sa la , d e p o is d e
m a ta r o irm ã o , te n ta r a fo g a r-se , e p e rg u n ta r p rim e iro : se o
tin h a m a ta d o , " p o rq u e a g o ra m e a fo g o ; se n ã o fo r, c o n su lto
u m a d v o g à d o " . D e lita la , d e m e n te , o u m e lh o r, se m i-d e m e n te ,
d e u -se trê s tiro s d e re v ó lv e r
v á rio s h o m ic íd io s,
na cabeça
d o s 'q u a is a in d a fa la re m o s ..
d e p o is d e c o m e te r J~
. '~,:"
(:.: ,i«
;~ ~->
108 iJ!i:;
~
D, Bastos

D a n ie l V o lk u e d , d u a s v e z e s so ld a d o , fo rm o u , e m 1 7 5 3 ,
e sta n h a s id é ia s so b re o h o m ic íd io . A id é ia d e g o z a r a b e a titu d e
a n im a -o a m a ta r p a ra se r m o rto , d e p o is d e fa z e r a s p a z e s
c o m D e u s. U m d ia d e p o is d e d iv id ir a re fe iç ã o com duas
m e n in a s d e g o la u m a c o m fa c ã o p re p a ra d o u m d ia a n te s, e
d e p o is fo i e n tre g a r-se , n a rra n d o c o m o a in q u ie ta ç ã o que o
tin h a d o m in a d o tin h a d e sa p a re c id o n o m o m e n to d o c rim e .
D o rm iu d e p o is tra n q ü ila m e n te . Foi condenado.

U m a jo v e m d e D e p tfo rd , p e rto d e L o n d re s, S a ra D i-
c k e n so n , fo i e n c o n tra d a , u m d ia , b a n h a d a n o p ró p rio sa n g u e ,
e e ste n d id a a o la d o d e se u s d o is filh o s, q u e e la tin h a d e g o la d o .
O p a i, o p e rá rio , e ra h á m u ito te m p o d o e n te e a g o ra a fa m ília
e sta v a re d u z id a à m isé ria . S a ra , p a ra liv ra r se u s filh o s d a a n -
g ú stia d e u m a e x istê n c ia tã o triste , c o m o te v e q u e c o n fe ssa r
n o a to d e su a p risã o , a rm o u -se d e u m a n a v a lh a , c o rto u o
p e sc o ç o d o s d o is m e n o re s q u a n d o d o rm ia m e fe riu le v e m e n te
o te rc e iro , d a n d o -lh e te m p o d e fu g ir e c o rre r n a ru a e d a r o
a la rm e . E la , n o e n ta n to , a sse g u ra -se d a m o rte d e su a s v ítim a s
e q u e r se g u ir o d e stin o d e la s. D á u m a n a v a lh a d a n o p e sc o ç o ,
m a s fa lta -lh e c o ra g e m e só fa z u m a le v e in c isã o . U m m é d ic o ,
e n v ia d o p a ra e x a m in a r o e sta d o m e n ta l d e S a ra , d e c la ra -a
c o m o a fe ta d a d e m a n ia in te rm ite n te .

Z a n e tti, q u e fe riu p o r v in g a n ç a d u a s v e z e s n o e sp a ç o
d e se te a n o s M a g g io to , d e q u e m tin h a sid o d e sp e d id o , e p o r
d u a s v e z e s fe ito a p e n a s o fe rim e n to , te n ta v a su ic id a r-se ; tin h a
sid o já in te rn a d o n o m a n ic ô m io d e S ã o S é rv u lo , e m V e n e z a .
E d ig a -se a ssim d o s su ic id a s e p a rric id a s a lc o ó la tra s V a le s sin a ,
C a lm a n o , q u e d e sp e rd iç a m tu d o , la n ç a m -se so b re se u s filh o s
e o s m a ta m , d o s q u a is fa la re m o s m a is ta rd e .

~c
"" ,
«.~'.
' •.
>;r.-
;:;
109
'~
D, Bastos

\
I

II
I

~.; :1:- L
I
.~
jI;-o " r . .,

:.~ .
.•~, ')/;.'t
;."õ f' I
~ $ r.;''''j;
,-
~" '& ,C
I
,
,1 , ,!
i
,1 ~
I
I


.
~':~";
:.,.' '.
~r D, Bastos

10. AFETOS E P A IX Õ E S N O S D E L IN Q Ü E N T E S

1 . A fe to s - 2 . In sta b ilid a d e - 3 . V a id a d e - 4 . V a id a d e d o d e lito


5 . V in g a n ç a - 6 . C ru e ld a d e -7 . V in h o e jo g o
8 . O u tra s te n d ê n c ia s - 9 . C o m p a ra ç ã o c o m o s d e m e n te s
1 0 . C o m p a ra ç ã o c o m o s se lv a g e n s.

1 . A f e to s

S e r ia p o ré m g ra v e e rro su p o r que to d o s o s s e n tid o s


te n h a m s id o e x tir p a d o s d o s c r im in o s o s . À s v e z e s , a lg u m
s o b r e v iv e a o d e s a p a r e c im e n to d o s o u tr o s . T ro p p m a n n , que
tin h a m a ta d o ta n to m u lh e r e s c o m o c r ia n ç a s , c h o ro u a o o u v ir
o nom e de sua m ãe. O ' A vanzo, que assou e com eu a b a r r ig a
d a p e rn a d e u m h o m e m , com punha v e r s o s d e a m o r . B e z z a tti
a m a v a a m u lh e r e o s f ilh o s . L a S o la , q u e a m a v a o s f ilh o s " u m
p o u c o m a is q u e o s g a tin h o s " , c o m o e la d is s e , e q u e f e z m a ta r
o a m a n te , e r a a f e iç o a d a a o c ú m p lic e A z z a r io e c o m p ô s o b r a s
d e v e r d a d e ir a c a r id a d e , f ic a n d o , p o r e x e m p lo , n o ite s in te ir a s
n a c a b e c e ir a d e p o b r e s m o r ib u n d o s .

L a c e n a ir e , n o d ia e m q u e m a to u L a C h a rd o n , s a lv o u ,
e n f r e n ta n d o p e r ig o , u m g a to q u e e s ta v a p a r a c a ir d o te to , e


- - ,." ~ '

,h ~ .
,,;'; 111
D, Bastos \l
i
\
poupou Scribe que o havia socorrido. O s ciganos, que são
delinqüentes natos, estelionatários, têm vivíssim o afeto
fam iliar, e as m ulheres (não na Índia) têm senso singular de •
I,
pudor. A "lacki" (integridade virginal) é a coisa m ais preciosa
que tu tens; não vás perdê-la", dizem as zíngaras às suas filhas.
N oelle, por am or ao filho preso, fez-se pianista célebre,
a protetora, e com o a cham avam , a "m ãe dos ladrões". O
I
assassino M oro, piem ontês, vestia e dava banho nos seus
garotos. Feron, assim que com etia um crim e, corria para os
filhos de sua am ante e presenteava-os com doces. M aino
I
della Spinetta era fiel e apaixonado e foi preso por causa da
m ulher. Pela sua esposa o terrível Spadolino se fez assaltante,
M orcino ladrão, Castagna envenenador. O ferocíssim o
Franco gastava m ilhares de liras para que nada faltasse à sua
am ante. Por obra desta foi preso e durante o processo só se
preocupou em salvá-la.
M icaud era tão enam orado e cium ento de sua am ásia
que fazia traços de .gesso nos sapatos para im pedir que se
afastasse de casa. H olland confessa ter com etido hom icídio
para enriquecer a m ulher e o filho que ele am ava. "Eu assim
fiz pelo m eu pobre m enino." N ão se pode ler, sem se
espantar, as palavras do assassino D e Cosim i: "Tantos beijos
ao m eu m enino. Ele será direito com o o pai, porque o lobo
gera o lobinho".
Parent D uchatelet m ostrou que se m uitas prostitutas ~
perdem inteiram ente laços de fam ília, há algum as que pro-
vêm , m esm o com desonra, o pão dos filhos, de seus velhos
pais ou seu com panheiro. Têm portanto verdadeira, exces-
siva paixão por seus am antes. U rna dessas infelizes, após l
ter quebrado um a perna saltando de urna janela para fur-
:
tar-se aos golpes de seu am ante, retornou a ele. A gredida
de novo, teve um braço fraturado, m as não perdeu o in- -''t
($
tenso afeto. --
t;
~~
112 :f
:if;
l- D, Bastos

i
\
2. Instabilidade


I,
N a m aior parte, entretanto, os nobres afetos dos delin-
qüentes vão tom ando sem pre um traço doentio, excessivo e .

I
instável. Pissem bert, por um am or platônico, envenenou sua
esposa. A M arquesa de Brinvilliers m atou o pai para vingar
seu am ante, m atou os parentes para enriquecer os filhos. Cur-

I
ti e Sureau m ataram as m ulheres porque não queriam se re-
com por com elas. M abille, para alegrar os am igos im provisa-
, dos de urna cantina executou um assassinato. M aggiu m e disse:
''1\ causa de m eus delitos é porque sou m uito levado pela

I am izade; não posso ver um am igo ser ofendido sem vingá-lo".


Se quiserm os exem plos de pouca estabilidade dos afe-
tos, recordem os G asparone, que declara ter-se feito assassino
por m uito am or à sua am ante, a qual, poucos dias depois a
m atou com as próprias m ãos, por causa de urna sim ples sus-
peita. O utro, Thom as, que am ava desm esuradam ente a m ãe,
m as num acesso de cólera jogou-a da sacada.
M artinati tinha am ado ardentem ente por anos um a
m ulher, m as após dois m eses de casam ento já pensava em
m atá-la. A s prostitutas que se deixam agredir até sangrar
por seus am antes, m as, por um pretexto fútil, de repente, os
abandonam e com o m esm o calor assum em novo am or.

3. V aidade
~
Em lugar de afetos fam iliares e sociais, que se encontram
apagados ou desligados nos delinqüentes, as outras paixões res-
tantes dom inam com constante tenacidade. Prim eiro, entre
l' todos, o orgulho, ou m elhor, a consideração excessiva pela
1;__ própria pessoa, que notam os crescer no vulgo, na razão inversa
:l1}.><-
F do m érito. É com o se na psique se repetisse a norm a que dom ina
t.'~,~; no m oto-reflexo, sem pre m ais ativo quanto m ais dim inui a ação
$ .•

;~f'~'.~' dos centros nervosos, m as que adquire proporções gigantescas.

~~
fr~!~ 113
;1!Jt.
D, Bastos

A vaidade dos delinqüentes supera à dos artistas, dos


literatos e das mulheres galantes, Na cela de La Galla encon-
trei escrito pela mão dele: "Hoje, 24 de março, La Galla apren-
deu a fazer as meias", Crocco procurava salvar o irmão, dizen-
do: "Senão a estirpe de Crocco será perdida", A denúncia
capital, a própria condenação, não comoviam Lacenaire,
como a crítica de seus sofríveis versos, e o medo do desprezo
, público, Disse ele: "Não temo ser odiado, mas ser desprezado",
Satisfazer a própria vaidade e brilhar no mundo é o
que mal se chama "figurar"; é a causa mais comum dos mo-
dernos delitos, Denaud e sua amante mataram, ele a esposa,
ela o marido, para poderem se casar e conservar a "reputação"
no mundo. O equivocado ponto de honra: não poder pagar
;. suas dívidas, foi o ponto de partida dos crimes de Faella.
,.
J

to: Quando um famigerado ladrão adotou um certo tipo


:l1'
'~~ .• de colete e de gravata, os seus comparsas o tomaram como
;~, modelo. Yidocq, em um bando de 22 ladrões presos num só
!i!~

~ ~- dia, encontrou 20 que vestiam colete da mesma cor.


-'1"
•• 4. Vaidade do delito

São vaidosos da própria força, da própria beleza, da


própria coragem, das mal conquistadas e pouco duradouras
riquezas, e o que é mais estranho e mais triste, da própria
habilidade em delinqüir. Escreveu o ex-presidiário Yidocq: I
''A princípio, os delinqüentes se gabam como se fosse uma !\
glória", E outro diz: "Na sociedade, teme-se a infâmia, mas em
uma massa de condenados a única vergonha é não ser infame. L
É. um escarpe (assassino); é por isso o maior dos elogios". i
Foi morto, há anos atrás, em uma cidade da Romagna,
um sacerdote de índole terna, e não tinha inimigos. Por isso
não se podia suspeitar do possível autor do crime. Era um ._
rapaz que, para demonstrar aos próprios colegas ter ânimo

114
~
.;
iI
.l't.;,
..
D, Bastos

capaz de cometer um homicídio, indicou o sacerdote que


saiu da igreja e pouco depois, em pleno dia, o matou. Matou
só para provar que era capaz de matar.
Os bandos de ladrões ingleses, disse Mayhew, cotejam
um com os outros os seus golpes. Gabam-se de superar o
rival; garantiriam, se pudessem, as páginas dos jornais.
Cotto as prostitutas, dividem-se em vários graus profis-
sionais; atribuem-se pertencer a um grau superior, e a frase "Você
é mulher de uma lira" é tida como ofensa máxima. Também nas
prisões, os ladrões de milhares de liras riem do ladrãozinho vulgar.
Os homicidas, ao menos na Itália, acreditam-se superiores aos
ladrões e aos assaltantes. Os falsários se crêem superiores aos
homicidas e evitam contatos com eles. Por outro lado, os
assaltantes desprezam os gatunos. Um deles, recusando-se a
sentar-se ao lado de um ladrão vulgar, disse: "Posso ser também
um ladrão, mas, graças a Deus, sou um homem respeitável".
Vasco, que, com I9 anos, matou uma família inteira,
deliciava-se quando ouvia dizer que toda Petrogrado falava
dele. "Creio que agora verão meus colegas da escola se eram
justos quando diziam que eu jamais seria alguma coisa na vida."
Grellinier, um ladrão barato, gabava-se, perante o Tri-
bunal, de imaginários delitos para poder equiparar-se a um
grande assassino. Mottino e Rouget contam em sofríveis ver-
I sos seus crimes. Lemaire, De Marsilly, Yidocq, Winter, De
!\. Cosimi, Lafarge e Collet transmitiram a história da vida deles ..

L 5. Vingança
i Natural conseqüência de uma vaidade ilimitada, de
sentimento desproporcional da própria personalidade, é a
F~"
I".,, própria inclinação à vingança por causas mínimas. Tínhamos
_.i~
visto como um presidiário matou o outro porque não quis

~I~-
!~~-
lustrar-lhe os sapatos. Ledue matou um amigo porque o con-

115
Ii
, .. '.;-:t.
~';
D, Bastos

d e n a ra p o r ro u b a r só um a c a ix a d e fó s fo ro s . M ilite llo , por


um a pequena o fe n s a d o c o m p a n h e iro d e in fâ n c ia , m e d ito u
s o b re e la e d e p o is o m a to u , achando q u e e le m e re c ia a m o rte .

A m esm a te n d ê n c ia s e m o s tra nas p ro s titu ta s . D is s e


P a re n t: " d ir-s e -ia que o senso d a p ró p ria b a ix e z a excede o
o rg u lh o e o a m o r p ró p rio d e la s q u e le v a m a u m g ra u e x c e s s i-
v o " . A c ó le ra é fre q ü e n te n a s m e re triz e s e por causas m a is
le v e s , por um a c e n s u ra , p o r e x e m p lo , d e a lg u m a c o is a que
fic o u fe ia ; s ã o , q u a n to a e s s a q u e s tã o , m a is in fa n tis do que as
p ró p ria s c ria n ç a s ; s e n tir-s e -ia m d e s o n ra d a s s e n ã o re a g is s e m .

E s ta v io lê n c ia d a s p a ix õ e s , m o rm e n te d a v in g a n ç a , que
u ltra p a s s a a té m e s m o o a m o r p ró p rio , e x p lic a m u ito s re q u in -
te s d e fe ro c id a d e , com um d o s p o v o s a n tig o s e s e lv a g e n s , m as
ra ro s e m o n s tru o s o s p a ra n ó s .

6 . C ru e ld a d e

H o je e m d ia , c o m m u ita fre q ü ê n c ia o d e lin q ü e n te s e e n fu -


re c e s e m c a u s a o u s ó p e lo lu c ro . E m 8 6 0 fu rto s c o m a rro m b a m e n to
c o m e tid o s e m L o n d re s h á d e z a n o s , s ó c in c o e ra m s e g u id o s d e
v io lê n c ia p e s s o a l. O s s a n g u in á rio s q u e m a ta m p o r m a ta r são
o lh a d o s com c a u te la , d is s e F re g ie r, p e lo s s e u s c o m p a n h e iro s .
C o n tu d o , in c ita d o s à p a ix ã o d a v in g a n ç a e d a c u p id e z in s a tis fe ita
o u d a v a id a d e o fe n d id a , o s in s tin to s c ru é is do ser hum ano
p rim itiv o re to m a m
m o ra l lh e a n u la o h o rro r
à to n a fa c ilm e n te , e n q u a n to
e a d o r p e lo s s o frim e n to s
a in s e n s ib ilid a d e
a lh e io s .
l
'\

T am bém re to m a a fe ro c id a d e d e n o s s o s s a lte a d o re s e a
s e lv a g e ria d a s re g iõ e s o n d e e le s s ã o fre q ü e n te s (tiv e ra m quase
s e m p re c o m o c a u s a u m a v in g a n ç a a c u m p rir). C oppa e ra p o b re
e b a s ta rd o . V o lta n d o à s u a re g iã o c o m u n ifo rm e b o u rb õ n ic o fo i
in s u lta d o e a g re d id o p e lo s c id a d ã o s , e p o r is s o ju ro u v in g a r-s e e, ,!
o :. ,

d e fa to , m a ta v a o s d e s u a re g iã o . M a s in i, p o r ig u a l ra z ã o , a m a n ti-
nha c o n tra . o s d e P a te rn o . T o rto ra com o s d e S a n fe le fa z ia a

116
D, Bastos

m e s m a c o is a . G a le to a s s a s s in o u u m a m e re triz p a ra fu rta r, e c o m o
e s ta s ó tiv e s s e u m re ló g io , d e ra iv a c o m e u a c a rn e d e la . C a rp in -
te ri, p a s to r e c ria d o r d e p o rc o s , d ó c il e b o m a té o s 1 8 a n o s ,
s e n d o in s u lta d o p o r u m c o m p a n h e iro , to m o u -s e d e re p e n te fe ro z
a a rre b e n to u -lh e a cabeça. T o m o u -s e s a lte a d o r, c o m e te u 29
h o m ic íd io s e m m e n o s d e n o v e a n o s e m a is d e c e m a s s a lto s .

E x p e rim e n ta n d o e s s e h o rro ro s o p ra z e r d e s a n g u e , e s te
s e to rn a u m a n e c e s s id a d e , a ta l p o n to que o ser hum ano não
p o d e d o m in á -lo , e , c o is a e s tra n h a , n ã o s ó n ã o s e n te v e rg o n h a ,
m a s ta m b é m s e to rn a u m a g ló ria . M is tu ra -s e a in d a um pouco
d a e s tra n h a v a id a d e d o d e lito q u e n ó s v e m o s n a v id a d e to d o s
e le s . M o rib u n d o S p a d o lin o s e la m e n ta v a d e te r m a ta d o só
99 hom ens, sem te r c o m p le ta d o um a c e n te n a . T o rto ra se
v a n g lo ria v a d e te r m a ta d o d o z e s o ld a d o s e tin h a â n im o de
a tin g ir a 1 0 0 . N o d ia e m q u e n ã o p o d ia m a ta r a lg u é m dego-
la v a . T e n d o s e q ü e s tra d o u m p o b re q u e n a d a p o d ia re n d e r lh e
d is s e : " P o is b e m , v o c ê n o s d a rá s e u s a n g u e , e lh e d e u 2 8 fa c a d a s " .

P a re c e que nesses c a s o s m is tu ra m -s e fre q ü e n te m e n te


um a p a ix ã o sensual que p ro v o c a e x c ita ç ã o quando se vê
sangue, e n c o n tra n d o -s e e s ta s c e n a s s a n g u in á ria s m is ta s c o m
a s d e e s tu p ro , ou nos hom ens fo rç a d o s à c a s tid a d e , com o
p a d re s , p re s id iá rio s , s o ld a d o s , p a s to re s , o u lo g o a p ó s o a d v e n -
to d a p u b e rd a d e . H á o u tro s , te n d o c o m o c a u s a o e x e rc íc io de
fu n ç õ e s d e c o n ta to com sangue, com o a ç o u g u e iro s , ou que

l o b rig a m a u m a p ro fu n d a
o u o e s p e tá c u lo d e o u tra s
s o lid ã o , c o m o o s p a s to re s ,
c ru e ld a d e s ,
c a ç a d o re s ,
e , m a is d o q u e tu d o , a
h e re d ita rie d a d e . M u ito s fa c ín o ra s p a s s a ra m p o r e s s a s fu n ç õ e s ..

A d ic io n a -s e e n fim u m a e s p é c ie d e a lte ra ç ã o p ro fu n d a
d a p s iq u e , q u e é v e rd a d e ira m e n te p ró p ria d o s d e lin q ü e n te s
e d o s d e m e n te s , e que o s s u je ita a um a ira s c ib ilid a d e sem
!'~A".
...••
. .;..-.--,
~ ~ ' .. ~ ,'
c a u s a , q u e o s c a rc e re iro s conhecem b e m e q u e e n c o n tra m o s
n o s a n im a is e n o s s e lv a g e n s , m a s to d o s tê m "um a h o ra fe ia "
n o d ia , n a q u a l n ã o s a b e m d o m in a r-s e .

117
-l-
D, Bastos

F o i n o tad o p o r to d o s q u e, q u an to à fero cid ad e e cru el-


I
d ad e,
su p eram
as p o u cas m u lh eres
o s h o m en s.
afetad as p o r essas características,
A s façan h as q u e criaram o b an d itism o
I
i
i
n a B asilicata, em P alerm o o u P aris n ão se p o d e d escrev er.

7 . V in h o e jo g o

D ep o is d o p razer d a v in g an ça e a v aid ad e satisfeita, o


d elin q ü en te n ão en co n tra d eleite m aio r d o q u e o v in h o e o
jo g o . A p aix ão p elo álco o l é p o rém m u ito co m p lex a, p o r ser
cau sa e efeito d o crim e. T ríp lice cau sa, ao co n trário , q u an d o
se p en sa q u e o alco ó latra d á o rig em a filh o s d elin q ü en tes, e o
álco o l é tam b ém o in stru m en to e u m a razão d o crim e. A lg u n s
d elin q ü em p ara em b riag ar-se, o u p o rq u e, co m a b eb ed eira o s
i: " -v elh aco s p ro cu ram a co rag em n ecessária ao s ato s n efan d o s,
fi
;;.-
""
""-d ep o is u m arg u m en to p ara fu tu ra ju stificação , e co m a p reco ce
..•• ,.~ ii:. em b riag u ez sed u zem o s jo v en s ao d elito . P o rém , m ais d o q u e
ilJi .•

.'/.
~l:. tu d o , p o rq u e o b ar é o p o n to d e en co n tro d e seu s cú m p lices,
;.~
;fl

..~ ;,-:-s u a sed e n atu ral, em q u e n ão só se p ro jeta m as se u su fru i o


-}J-
d elito , e p ara m u ito s é o ú n ico e v erd ad eiro d o m icílio .
A d icio n e-se en fim q u e o b ar é o b an co e b an q u eiro fiel,
em m ão s d o q u al o d elin q ü en te d ep o sita o ren d im en to m al
p erceb id o . E m 1 8 6 0 , em L o n d res, co n tav am -se 4 .9 3 8 b ares, em
q u e eram en co n trad o s só lad rõ es e p ro stitu tas. E m 1 0 .0 0 0 crim es i
j
san g ren to s n a F ran ça, 2 .3 7 4 fo ram co m etid o s n o s b ares, E m
4 9 .4 2 3 crim in o so s d e N o v a Y o rk , 3 0 .5 0 7 eram alco ó latras; 8 9 3
.~~ ão en tre 1 .0 9 3 p reso s d a A lb ân ia. E m T o rin o , d ez an o s atrás, !
;o rg an izav a-se u m b an d o co m o ú n ico o b jetiv o d e ro u b ar g arrafas. I
É ao álco o l q u e p ro v av elm en te d ev em o s atrib u ir certas
d o en ças q u e v em o s rep etir n o s d elin q ü en tes e n as p ro stitu tas.
L
D isse P aren t-D u ch atelet: "O s rico s ab u sam d o ch am p ag n e, o s
p o b res d o ag u ard en te, p rim eiro p ara afastar as tristes lem b ran ças,
d ep o is p ara co n q u istar \Im m o m en tân eo v ig o r, n ecessário à

118
- D, Bastos

in fam e ativ id ad e e to d as p ara en trar n a o rg ia d e seu s p o u co s


só b rio s am an tes. "S em o lico r, n ó s n ão p o d em o s lev ar a v id a a
q u e so m o s o b rig ad o s", d izia u m d eles. T o d av ia, h á ex ceçõ es e se
en co n tram lad rõ es e p ro stitu tas, so b retu d o estelio n atário s
ab stêm io s o u m o rig erad o s. D izia-m e u m estelio n atário : "N esta
p ro fissão n ão se p o d eria trab alh ar sen d o b êb ad o ".
B em '1 :)o u co S , ao rev és, são o s m alfeito res q u e n ão sen -
tem v iv íssim a a p aix ão p elo jo g o , E screv eu F reg ier: "E sses
in felizes q u e se co n ten tam co m tão p o u co , q u an :d o têm o ca-
sião d e se ap ro v eitar d o s o u tro s, são to m ad o s d e u m a esp écie
d e fú ria d e g asto s q u an d o alg u m a rap in a in esp erad a o s co lo ca
n a p o sse d e alg u m a so m a m ais elev ad a. A s em o çõ es d o jo g o
são as m ais caras q u e eles têm . E sta p aix ão o s seg u e n as p ri-
sõ es. S ão citad o s caso s d e p risio n eiro s q u e, d ep o is d e h av er
p erd id o , em u m m o m en to , o p ro d u to d e u m a sem an a d e tra-
b alh o , co n seg u em jo g ar u m , d o is e até três m eses an tecip ad o s.
O q u e m ais? O s m éd ico s d a casa d e d eten ção d e S ain t
M ich el o b serv aram u m p reso q u e, d o en te, jo g av a a m ag ra
ração d e so p a o u v in h o , até q u e m o rreu d e in an ição . B eau -
seg u i era d e tal fo rm a m erg u lh ad o n a p aix ão d o jo g o a p o n to
d e esq u ecer-se d a ex trem a ex ecu ção q u e o esp erav a. A co n -
teceu ao b an d o d e L em aire jo g ar p o r d o is d ias em seg u id a
sem p arar. E m 3 .2 8 7 h o m icíd io s e ferim en to s n a Itália, 1 4 5
. fo ram cau sad o s p elo jo g o . A s p ro stitu tas são ap aix o n ad as
p elo jo g o d as cartas, esp ecialm en te p ela tô m b o la.
O falsário D u ran d n arro u ao m éd ico co m o su a m ãe o
tin h a ed u cad o n o jo g o , n o q u al ela d issip av a seu s b en s.
"Q u an d o ela p erd ia, co m íam o s tristem en te o p ão seco . D ep o is
d e u m a n o ite d e jo g o , co stu m av a m an ter-m e aco rd ad o to d a
a n o ite p ara ten tar sen ão o p razer d e g an h ar, ao m en o s o d a
v itó ria. E sto u aq u i p o rq u e tiv e o ô n u s d e rep arar a p erfíd ia
d e u m a carta. P ara m im as cartas eram sereias; a v ista d e
u m a "d am a" m e cau sav a u m sen tid o m ág ico ; era p ara m im

119
D, Bastos

r
m a is a g r a d á v e l d o q u e q u a lq u e r p in tu r a . Q uando m a is a r d ia
o jo g o , e u , a p e r ta n d o a m ã o n o c o ra ç ã o , s e n tia - m e tr e m e r
d e a n s ie d a d e . S e a s o r te s e to r n a v a a d v e rsa , e u , s e m s e n tir ,
e n te r r a v a as unhas n a c a r n e ." E a s s im d iz e n d o , m o s tr a v a ao
m é d ic o o s s in a is d a a n s ie d a d e , q u e o tin h a jo g a d o n a p r is ã o .

A p a ix ã o p e lo jo g o e x p lic a a c o n tín u a c o n tr a d iç ã o que


m e x e c o m a v id a d o s m a lf e ito r e s , a q u a l, d e u m la d o m a n if e s ta
a a v id e z d e s e n f r e a d a p e la s c o is a s d o s o u tr o s , d e o u tr o o des-
c u id o e m d is s ip a r o m a l c o n q u is ta d o d in h e ir o , ta lv e z , ta m b é m
p o rq u e m u ito f a c ilm e n te c o n q u is ta d o . E x p lic a com o quase
to d o s o s m a lf e ito r e s , m a lg r a d o possuam , à s v e z e s, e n o rm e s
so m a s, p e rm a n e c e m q u a s e s e m p r e p o b r e s . A o jo g o d o f u r to ,
e sc re v e M a y h e w , p e rd e -se s e m p r e . T u d o te r m in a e m o r g ia e
em despesas com a ju s tiç a . M ayhew conheceu um la d r ã o
g e n ia l, q u e tin h a n a m e n te o s m é to d o s m a is g e n ia is d e f u r to ,
c o n h e c ia to d o s o s ju íz e s d a I n g la te r r a , to d o s o s a r tig o s do
C ó d ig o Penal e a h is tó r ia d o s d e lito s d o s ú ltim o s 25 anos, i
I
m as nem p o r is s o a m e a lh o u u m s ó to s tã o . I

com um
P o r o u tr o
p a re c e
la d o , a quem e s tu d a
n ã o s e r a a v id e z p o r s i u m im p u ls o
a v id a d o m a lf e ito r
a o d e lito . !
I
A a v id e z e n tr a apenas p o rq u e s e m d in h e ir o n ã o p o d e r ia m If
s a tis f a z e r à s b r u ta is p a ix õ e s . O a v a r e n to é in c lin a d o a o c r im e .

P a r e n t c a lc u la v a s e r e m r a r ís s im o s o s c a s o s d e p r o s titu ta s
e n r iq u e c id a s ; a m a io r ia te r m in a n o s a b r ig o s d e m e n d ic id a d e . E s s a
p o b r e z a in te r m ite n te , e x p o n d o -o s a o s e x c e s s o s o p o s to s , é u m a
d a s p r in c ip a is c a u s a s d a m o r te p r e c o c e d e le s . E la é n o tá v e l p o r q u e
in d u z in d o a v e r s ã o e s u s p e iç ã o n a s o u tr a s p e s s o a s é o b s tá c u lo a o s I
s e u s p r o p ó s ito s d e s o n e s to s . T o d a v ia , d e v e ta m b é m p a r tic ip a r a
f a lta d e c u id a d o d a f a m ília , e s o b r e tu d o a in é r c ia e a p a tia , q u e é
u m d o s e s p e c ia is c a r a c te r e s d e le s , c o m o é d o s p o v o s s e lv a g e n s .
I
C r e io d e v e r te r tr a ç a d o a q u i e s te c a r á te r d o s d e m e n te s , p o r q u e
b e m s e h a r m o n iz a c o m u m ju s to p r o v é r b io , s e g u n d o o q u a l a
p u r e z a d o c o r p o s e r ia o i! íÍ c io d a p u r e z a d o â n im o .

120
D, Bastos

8 . O u tr a s te n d ê n c ia s

O s d e lin q ü e n te s tê m , e m b o r a m e n o s v iv a , o u tr a s te n -
d ê n c ia s , c o m o à m e s a , a o e r o tis m o , à d a n ç a . U m d o s p o u c o s
la d r õ e s q u e m e c o n f e s s a r a m s e u c r im e e r a u m to s c a n o q u e a o
d is c o r r e r s o b r e c o m id a , c o m e ç a v a a s o lu ç a r e m e d iz ia q u e h a v ia
com eçado a ro u b a r p a ra c o m p ra r m a c a rrã o . C h a n d e le t não
p o d ia f ic a r q u ie to n o c á r c e r e , a n ã o s e r c o m a a m e a ç a d e lh e s e r
d im in u íd a a c o m id a . Os la d r õ e s jo v e n s , d iz ia F a u c h e r,
c o m e ç a ra m ro u b a n d o f r u ta s e c a rn e ; m a is ta r d e pequenas
m e r c a d o r ia s , q u e r e v e n d ia m p a r a c o m p r a r d o c e s . N o v e e n tr e
d e z la d r õ e s to r n a r a m - s e ta is p o r s e r e m s e d u z id o s p e lo s m a is
v e lh o s c o m a o f e r ta d e f r u ta s o u d e p ã o , s e f o s s e m m is e r á v e is , e
s e f o s s e m r ic o s , c o m m e r e tr iz e s , im p u ls io n a n d o - o s a o d e lito .
L u c k e s e f e z a s s a s s in o p e la p a ix ã o p o r b a ile s . H o lla n d e C o s ta
f o r a m d a n ç a r n a n o ite d o h o m ic íd io c o m e tid o . M u ito s e m P a r is
e e m T u r im f iz e r a m - s e la d r õ e s p a r a p a g a r e n tr a d a e m e s p e tá c u lo s .
i . R a r a m e n te o d e lin q ü e n te e x p e r im e n ta v e r d a d e ir a p a i-
I x ã o p e la m u lh e r . Seu am or é m a is c a r n a l e s e lv a g e m , um

I
!
a m o r d e b o r d e l, q u e s e v e r if ic a n u m
em L o n d re s d o is te r ç o s
p r o s tíb u lo ( c e r ta m e n te
d e s s e s s ã o c o v is d e m a lf e ito r e s ) e
I.
f. te m p o r e s p e c ia l c a r a c te r ís tic a a p r e c o c id a d e e a in te r m itê n c ia
q u e o s f a z p a s s a r r a p id a m e n te d o a m o r a o ó d io m a is in te n s o .
E x e m p lo c lá s s ic o é o d e A s s u n ta d e A n g e lis , q u e . m a l s e c a s o u
jo g o u - s e n o s b r a ç o s d e s e u a n tig o a m a n te . Q uando e s te c a iu
e m e x tr e m a p o b re z a , r e to r n a a o m a r id o e quando o a n tig o

I
a m a n te s e a p r e s e n ta , m a ta - o c o m o ito p u n h a la d a s .

L o c a te lli c o n h e c e u u m g a tu n o q u e a o s n o v e a n o s ro u -
b a v a , n ã o p a r a s a tis f a z e r g u lo d ic e , m a s d a r p r e s e n te s às suas
n a m o r a d in h a s , d e ta l f o r m a q u e d e f u r to e m f u r to to r n o u - s e
I. a o s q u in z e a n o s u m d o s m a is d e s c a r a d o s h a b ita n te s d a s p r i-
s õ e s e d o s b o r d é is , e c o m p r o n tu á r io a b e r to n a ju s tiç a , q u e
f a r ia in v e ja a o m a is f ic h a d o m a lf e ito r . O g a tu n o ro u b a v a p a ra
a lim e n ta r s u a in te m p e s tiv a te n d ê n c ia à lib e r tin a g e m , com a

121
D, Bastos

r
fuga im petuosa dos seus quinze anos e com a paixão que um
de sua idade teria aplicado nos m ais clam orosos e solícitos
passatem pos da adolescência.
B runo G alli, com apenas vinte anos m ata a golpes de por-
rete a própria benfeitora e rouba sua casa. Para quê? Para dar
presentes a um a m ulher da vida. C om m ãos ainda ensangüen-
tadas afogava sua libido em ter os braços de um a prostituta que
" presenteava com algum as quinquilharias roubadas da assassinada.
O utro hom icida e assaltante, certo G uido, com pouco m ais
de vinte anos, depois de haver consum ado o hom icídio de um
velho casal, para depredá-los de tudo que possuíam , corre afanoso
e sequioso ao bordel em que m orava sua am ante e a faz depositária.
Faz apenas poucos m eses, nossos tribunais
de três jovens, precocem ente depravados,
ocuparam -se
os quais foram I
l
,<" repelidos de um bordel por estarem desprovidos de dinheiro,
;:: agrediram e depredaram do relógio e de poucas liras o prim eiro
~. que encontraram e precisam ente um cocheiro de pequena
;~; cidade. O assassino T avolino não podia estar um dia sem m ulher.
~~~ C ibolla, desde garoto, roubava para poder esbanjar nos bordéis.
D o m oedeiro falso A m élio, constava num processo, ter tantas
am antes, que poderiam form ar um a fila de um a cidade a outra"
W olff, logo que com etia um assassinato, instalava-se
em um bordel e fazia desfilar todas as prostitutas. D unant,
perguntado se ele am ava deveras a m ulher cujo m arido tinha
m atado, respondeu: "O h! Se você a tivesse visto nua!". G ui-
guand m atou o pai e a irm ã para gastar o pouco dinheiro que
I
.'
..

, possuíam com um a prostituta. H ardouin, M artinati e Paggi,


~I-

com etiam adultério sob os olhos das m ulheres.


E m geral, porém , o am or carnal se m anifesta logo nos
'
ladrões. D ura exageradam ente m ais do que nos estelionatários, .I
envenenadores e em alguns assassinos. E m m uitos estupradores a
veia erótica m uitas vezes passa de um estado de sem i-im potência
a acessos violentos e poúéo duradores e m ais periódicos.

122
r- D, Bastos

A lgum as raras vezes, tam bém os assassinos com uns,


por exem plo, Franco, M ontely, Pom m erais, D em m e, parece-
ram nutrir um afeto único e potente e um am or verdadeira-
m ente ideal, com o m ostraram em poucos versos de bandidos
sicilianos e corsos, m as casos raríssim os, aos quais podem os
dar pouco crédito quando pensam os no estranho sentim enta-
lism o daqvele tatuado, do qual dem os alguns traços.
M enos óbvio é encontrar o am or platônico e entre os
ladrões; M ayhew diz que os ladrões de L ondres não cantam
canções obscenas, m as as sentim entais. A s ladras, unidas sem -
pre em m atrim ônio m ais ou m enos legítim o, am am ver seus
am antes ornados de correntes de ouro, enquanto elas se ves-
tem bem , e os ajudam quando estão doentes ou presos, e lhe são
I- fiéis, quando a prisão não for m uito duradoura. A s prostitu tas
têm um am or que as distingue das m ulheres norm ais. São apaixo-
"',. nadas pela dança, pelas flores e pelo jogo. São dadas ao tribadism o.
~
E ntretanto, esses prazeres do jogo, da gula, do sexo, etc., e
até o da vingança, são interm ediários de um m áxim o, que m ais
do que todos predom ina o da orgia. E sses seres tão avessos à
sociedade têm um a estranha necessidade de vida social, um a vida
"" de alegria, barulhenta, agitada, sensual, no m eio de seus cúm plices,
a verdadeira vida de orgia. C reio que e os prazeres da gula e do
vinho sejam um pretexto para dar-lhes desafogo, por isso, m algrado
.•. o evidente perigo, apenas com etido um hom icídio, ou efetuada
.",,',. um a evasão após um a longa prisão, retom am àquele lugar.
I"" ••."
"',.. ...
"-,,.,," T am ~ém as prostitutas têm necessidade de agitação e estré-
pito, de associar-se e até na penitência conservam a num erosa
-~"

':~~E loquacidad~, o desejo de fazer barulho (Parent D uchatelet).


N ão falo de m uitas outras paixões, que, segundo hábitos
I-f"~
.. e inteligência dos delinqüentes podem variar indefinidam ente
da m ais infam e, com o a pederastia, até a m ais nobre: da m ú-
sica, da coleção de livros, quadros, m edalhas, flores, paixões
especiais. A s m ais singulares paixões podem ser encontradas

123
vi.".
D, Bastos

n e le s, c o m o ta m b é m n a s p e sso a s n o rm a is. C o n tu d o , o que


d istin g u e a s p a ix õ e s d e le s é a fo rm a in stá v e l, se m p re im p e -
tu o sa e v io le n ta , p a ra sa tisfa z e r à p rim e ira q u e v ie r, m e n o s
to d o p e ilsa m e n to d o fu tu ro . P a re n t, a o sa b e r d a g ra v id e z d a
irm ã , d isse : " Q u a n d o v ie r o m e n in o , e u o m a ta re i; é um a
c o isa c h a ta le v á -lo a o b a n h o , m a s te n h o m in h a s id é ia s fix a s" .
E le s n ã o v ê e m a s c o n se q ü ê n c ia s d o d e lito , v ê e m só o
p re se n te , o ú n ic o p ra z e r d e d e sa fo g a r su a re v o lta d a p a ix ã o . D e sse
la d o , o h o m e m n ã o h a b itu a d o a o c rim e e q u e o c o m e te p o r u m a
fo rte p a ix ã o , a v iz in h a -se a o d e lin q ü e n te c o m u m . L e m a ire d isse
a o ju iz q u e sa b ia b e m q u e c a iria n a s m ã o s d e le , m a s n o e n ta n to
. tin h a d e sfru ta d o d a v id a , e q u e n ã o te ria a c e ita d o a v id a
acom panhada d e p o ssib ilid a d e d e d e sfru ta r. E le tin h a a p e n a s
n e c e ssid a d e d e d in h e iro , te n ta v a u m g o lp e a in d a o m a is d u v id o so .
D u ra n te a p rim e ira n o ite d e p risã o , o a ssa ssin o L a c e -
n a ire se o c u p a v a , n ã o d o p ró p rio fa ta l d e stin o , m a s d a c a m isa
i'
d e fo rç a q u e lh e c o m p rim ia o s rin s, d a c o rre n te p e sa d a ; e sta s
. e ra m a s d o re s q u e . lh e . a rra n c a v a m p ro te sto s c o n tra a h u m a n i-
d a d e . L a T ro ssa re llo fa la , e m u m a c a rta a o c o m issá rio T o rti,
d e u m a d e c isã o d e a n d a r re sig n a d o d e e n c o n tro à m o rte o u
a o e rg á stu lo , e d e p o is su b ita m e n te n e m o d e se jo d e u m x a le
p a ra fa z e r o tra je to n o in v e rn o !

9 . C o m p a ra ç ã o com o s d e m e n te s

P o r m u ita s d e ssa s c a ra c te rístic a s, a p ro x im a m -se o s d e lin -


q ü e n te s d o s a lie n a d o s, c o m o s q u a is rê m e m c o m u m a v io lê n c ia
e a in sta b ilid a d e d e a lg u m a s p a ix õ e s, a fre q ü e n te in se n sib ilid a d e
d o lo rífic a e m a is a fe tiv a , o se n so e x a g e ra d o d o " e u " e a lg u m a s
v e z e s a p a ix ã o d o á lc o o l e a n e c e ssid a d e d e re c o rd a r o c rim e
c o m e tid o . A lto n , e p ilé p tic o , a tra i u m a m e n in a e a fa z e m p e d a -
ç o s; v o lta d e p o is p a ra la v a r a s m ã o s e e sc re v e n o se u d iá rio :
" H o je , m o rta u m a m e n Ílla , o te m p o e ra b e lo e c a lm o " .

124
.... D, Bastos

O u tro c a so : B ru n o G a lli, a ta c a d o d e lo u c u ra c o m p a re -
sia , c o n fe sso u n a su a v id a p u b lic a d a n o m e u Diário do Hospício
de Pesara: " A s g ra n d e s d e sv e n tu ra s e n d u re c e m o c o ra ç ã o . E u
q u e c h o re i a o v e r u m a g o ta d e sa n g u e , a g o ra fic o im p a ssív e l
à v ista d o m a is a tro z e sp e tá c u lo " . U m o u tro , L .M ., e sc re v e u :
" O u ç o fa la r d e fe lic id a d e d o m é stic a , d e a fe to re c íp ro c o e n tre
p e sso a s, m a s e u n ã o p o sso p ro v a r c o isa a lg u m a d isso " .
C o n tu d o , o s a lie n a d o s ra ra m e n te tê m p a ix ã o p e lo jo g o
e p e la o rg ia , fre q ü e n te m e n te o s m a lfe ito re s a d q u ire m ó d io
p e la s p e sso a s q u e rid a s, c o m o m u lh e r e filh o s. E n q u a n to o
d e lin q ü e n te n ã o p o d e v iv e r se m c o m p a n h ia e a p ro c u ra , m e s-
m o c o m risc o , o s d e m e n te s p re fe re m se m p re a so lid ã o e fo g e m
d o c o n v ív io c o m o s o u tro s. A s su b le v a ç õ e s sã o m u ito ra ra s
n o s m a n ic ô m io s ta n to q u a n to sã o fre q ü e n te s n a s p risõ e s.

1 0 . C o m p a ra ç ã o com o s se lv a g e n s
'.•..

M u ito m a is q u e a o s d e m e n te s, o d e lin q ü e n te , e m re la -
ç ã o à se n sib ilid a d e e à s p a ix õ e s, a v iz in h a m -se a o s se lv a g e n s.
T am bém a se n sib ilid a d e m o ra l é a b ra n d a d a o u a n u la d a nos
se lv a g e n s. O s C é sa re s d a ra ç a a m a re la se c h a m a m T a m e r-
lõ e s; o s m o n u m e n to s d e le s sã o p irâ m id e s de cabeças hum a-
n a s se c a s. D ia n te d o s su p líc io s c h in e se s, D io n ísio e N e ro
fic a ria m p á lid o s.

" T o d a v ia , o n d e to d o s m a is se e x c e d e m é n a im p e tu o si-
d a d e e in sta b ilid a d e d a s p a ix õ e s. O s se lv a g e n s, d isse L u b b o c k ,
tê m p a ix õ e s rá p id a s, m a s v io le n ta s. T ê m a c a ra c te rístic a das
c ria n ç a s, c o m a s p a ix õ e s e a fo rç a d o s h o m e n s. O s se lv a g e n s,
d isse S c h a ffh a u se n , e m m u ito s a sp e c to s sã o c o m o a s c ria n ç a s;
se n te m v iv a m e n te e p e n sa m pouco; am am o jo g o , a d a n ç a ,
o s o rn a m e n to s; sã o c u rio so s e tím id o s. N ã o tê m m u ita c o n s-
c iê n c ia d o p e rig o . N o fu n d o , sã o v e lh a c o s, v in g a tiv o s e c ru é is
n a v in g a n ç a . U m c a c ic o , v o lta n d o d e u m a e x p e d iç ã o m a lo -

125
D, Bastos

-f
." "

grada, esrava com seu filho nas pernas. Para afogar a raiva,
pega-o pela perna e o arrem essa contra a rocha.
Tam bém nesses é fortíssim a a paixão pelo jogo, sem
que seja viva a avidez. Tácito conta que os bárbaros germ anos,
depois de haver jogado nos dados todos os seus haveres, che-
gavam a vender até a si próprios. O vencedor, ainda que
_, fosse m ais jovem e m ais forte do que o adversário, deixava- I
se levar e vender aos estrangeiros. H á, entre os chineses,
m uitos que em penham no jogo até a últim a roupa de inverno,
a ponto de m orrer m ais tarde de frio. Q uando não houver
m ais roupa, em penham os próprios m em bros.
Encontram -se nos selvagens a velhacaria m isturada
com a coragem e a insensibilidade. N as Ilhas A ndam ane os
;c- esposos ficam unidos até que venha o filho; depois podem
C procurar outros am ores. O alcoolism o, apenas introduzido,
~t chega a dizim ar raças inteiras, até m esm o nos clim as m eridio-
t"-."
nais que não sofrem tanto essa influência. Por um a aguar-
t;
,lI''''-
dente, um negro selvagem vende não só os com patriotas,
m as até a m ulher e os filhos.
.~"~
.•.
O s indígenas da A ustrália foram m ais destruídos pelo
crim e do que pelas arm as européias. O s m auris, de 120.000
em 1849 eram , em 1876,47.060; o álcool foi a ruína deles e
explica a índole perniciosa aparente das doenças deles. E
aqueles povos em que a selvageria e a religião têm im pedido
de conhecer as substâncias inebriantes que substituíram o
álcool por outros m eios singulares de em briaguez.
" A preguiça é ainda um dos caracteres dos selvagens.
O s neocaledônios odeiam qualquer trabalho: "Sofrer por
sofrer é m elhor m orrer sem trabalhar". A ssim eles dizem ,
repetindo quase literalm ente a confissão de Lem aire.
." ~
.

-~
,1'
;;
'~~
126
f'
" ",','o
D, Bastos

I ,.'
,;':

11. A R ELIG IÃ O DO D ELIN Q Ü EN TE

"~
A credita-se há m uito tem po que os delinqüentes sejam
''':r
i todos irreligiosos, pois que a religião parece ser o freio m ais
t
"'~•.. potente dos delitos. O fato é, porém , que m uitos dos chefes
de quadrilha ou os m ais despudorados delinqüentes, com o
Lacenaire, Lem aire, M andrin, G asparone ou delinqüentes
das grandes cidades, encontram um m odo de liberar-se desse
últim o freio ao im pulso das grandes paixões. A m aior parte
deles porém , m orm ente os do interior do país, é constituída
de ateus, em bora tenha sido form ada em favor deles um a
religião sensual e acom odatícia que faria do D eus da Paz e
da Justiça, um benévolo tutor dos crim es.
C asanova observa que todos aqueles que vivem de
~"". atividades ilícitas confiam na ajuda de D eus. Todo ladrão
'1 tem sua devoção, diz o provérbio. E nós, em 20480 tatuagens
...
i;.
nos delinqüentes encontram os 238 com sím bolos religiosos.
t
N a gíria, D eus é o "Prim eiro de M aio", a alm a a "perpétua".
O que m ostra a crença deles em D eus e na im ortalidade da
-i'.,
:~
~ T ,;;~
alm a é que até na gíria espanhola a Igreja é a "Saúde".
.'''':'t''''"
O s assassinos alem ães acreditando-se seguros de toda
~ suspeição costum am defecar no local em que com etem o
':~,
;~
~
127
D, Bastos

crim e. O s ciganos, após o hom icídio, acreditam obter o perdão


divino vestindo por um ano a m esm a cam isa usada na hora
do delito. E m um a curiosa canção, em gíria, divulgada por
B iondelli, um ladrão responde a quem lhe objeta com o o
furto ofende os princípios religiosos, que um santo ladrão,
São D im as, crucificado junto com Jesus C risto, foi para o
céu, a convite de Jesus. T ortora, que tinha m atado doze solda-
dos com as próprias m ãos e tam bém um padre (m as dizia que
tinham sido excom ungados), achava-se invulnerável, porque
levava um a hóstia no peito.
O s fam igerados incendiários da França tinham adotado
um a série de ritos religiosos para o nascim ento e o casam ento
dos m em bros do bando. T inham , um pouco por paródia, um
pouco de sério, seu tipo de capelão, que presidia às núpcias,
balbuciando algum as orações em latim . A cerim ônia nupcial
consistia, além dessas orações, no dever im posto aos dois
esposos de saltar sobre dois bastões cruzados, suspensos pelo
chefe do bando; este os interrogava se am bos pretendiam
esposar-se.
O curioso era que o divórcio era severam ente proibido
e só passou a ser perm itido após ser legalm ente adotado pelas
leis revolucionárias francesas. E m 1670 as envenenadoras pari-
sienses de alta classe benziam a m issa diabólica com pó de
incenso para obter a m orte do m arido ou a fidelidade do am an-
te. U m "padre" rezava a m issa sobre o ventre de um a prosti-
tuta grávida e degolava o feto, cujo sangue e cujas cinzas ser-
viam de filtros. Só V oisin m atou 2.500 dessas pequenas vítim as.
O bando M anzi era carregado de am uletos. O bando
C aruso colocava no bosque e nas grutas im agens sacras, dian-
te das quais acendia velas. V erzeni, estrangulador de três m u-
lheres, era dos m ais assíduos e sinceros freqüentadores da
igreja e do confessionário; ele veio de um a fam ília não só
religiosa, m as beata. O s com panheiros de L a G ala, levados .
".
128
D, Bastos

ao cárcere de Pisa, recusaram obstinadam ente de com er na


sexta-feira de quaresm a.
A m aior parte dos ladrões de L ondres, disse M ayhew ,
confessa acreditar na B íblia. N ão é m uito; os ladrões e os
cam orristas napolitanos faziam m agníficos dons a São Pascoal,
do que se enriquecia o belo convento. H á poucos anos atrás,
o arcebispo publicava, com o nos revelou o patriota V incenzo
M aggiorani, nas portas da catedral, a "com ponenda", isto é,
a lista dos preços de indenização à Igreja, para purgar qualquer
crim e com etido.

O s assassinos B ertoldi, pai e filho, costum avam assistir


à m issa, prostrados de joelhos, com o olhar para baixo. U m
napolitano de24 anos,.que m atou seu pai a golpes de porre te ,
era devoto de um a certa "Senhora da Serra": "E certo foi
que ela m anteve m inha m ão, pois ao prim eiro golpe, m eu

I pai caiu por terra". Q uando


despedaçou
M aria Forlini, que estrangulou
um a m enina para se vingar dos pais dela ou pro-
e

I nunciar a pena capital, virou a seu advogado: "A m orte não


é coisa algum a; quero salvar m inha alm a. Salva m inha alm a,
1
iI o resto não m e im porta".

,-
I
B oggia, estripador, condenado em M ilão, com o culpado
! de 33 assassinatos, assistia diariam ente à m issa, segurava o
pálio toda vez que saía fora o Santíssim o Sacram ento; estava
presente a todas as cerim ônias religiosas, pregava continua-
m ente a m oral e a religião cristã e não havia confraria religiosa
à qual não pertencesse.

1, Y idocq encontrou um a dupla de ladrões que m andou


rezar um a m issa por m elhores dias, pois há m eses não conse-
..;--~ guia sucesso. G iovanni M io e Fontana, antes de m atar o ini-
;1; m igo deles iam confessar-se. M io, disse após o hom icídio:
,l~"
~•••.'t "D eus não quis incom odar-se, nem o padre; porque vou m e
, .. 0",

'i~ incom odar?" M arc, um jovem parricida napolitano, carregado


de am uletos, confessou a m im e a m eus alunos que para exe-

129
D, Bastos
.~
,,.C
"!I'
4:
'#<
curar o horrível crim e, invocou a ajuda da "Senhora da Serra". +...
V igna B i, antes de m atar o m arido ajoelhou-se para orar à .~
. 'I.~
V irgem M aria, para que lhe desse força para executar o crim e.
;.[
M ichielin, recebendo o plano de um assassinato, disse ao ...
~ com parsa: "V erei e farei aquilo que D eus te inspirou". G all
conta sobre um ladrão que roubou para erguer um a capela e
roubou m ais para m obiliá-la. C onta ainda de um bando de
assassinos que acreditava rem ir seus assassinatos recitando
o padre-nosso para cada vítim a, bem com o de um certo Eltis,
que, após m atar sua m ulher, acreditava-se isento de todo
pecado m andando rezar um a m issa. ~

Lacollange, enquanto estrangulava sua pobre am ásia,


dava absolvição em "articolo m ortis", e com a venda dos
1,. objetos roubados pagou para rezar um a m issa por ela. Tam bém
("r
""':".
~
-$ ~ D on V icente de A ragão assassinou um estudante, não esque-
7:~' .1,
,,-, cendo de prim eiro dar a absolvição. Q uem m ais religiosa, ou
~ diria, beata, do que a M arquesa de B rinvilliers, que a sangue
~l.

~' frio, e m uito tem po antes de ser presa, catalogava por escrito,
~¥="! nas confissões secretas de seus pecados, junto ao parricídio,
~'¥-
aos incêndios, aos envenenam entos.
E de M endaro, uxoricida, que cam inhou à m orte
~ cantando do "D e Profundis", e de M artinati, que deixou pas-
m ado até o capelão carcerário pela sua exagerada devoção?
D e M o, assassino, que era cham ado e dito por todos "O San-
to"? B ourse, apenas praticado um furto ou um hom icídio,
andava de joelhos na igreja? A jovem G alla, ao jogar a m echa
incendiária sobre a casa do am ante foi ouvida ao gritar: "Q ue
D eus e a B eata V irgem façam o resto"?
A m ulher de Parency, enquanto o m arido m atava um
velho para roubá-lo, orava a D eus para que tudo fosse bem .
M asini, com os seus, encontrou três conterrâneos, entre eles ,

um sacerdote; de um cortou o pescoç.o com um facão m al


afiado, e ao sacerdote/ordena com a m ão ainda ensangüen-
: .~
I,

130 -. ,
,

._

..f:=
~.:,1
Ci'>
D, Bastos

H ',
,'.1;',
:::;"',
...-.:;,.
~'L~:'~ tada, que lhe desse a com unhão com a hóstia consagrada .
~ ._ .~ U m ladrão, form ado na Escola La Salle, escondia seus furtos
[:t;,.. atrás do quadro de La Salle, o fundador da escola que ele
...•..
fora educado. Ele acreditava ser m ais seguro seu furto sob o
patrocínio desse m eio-santo.
>, ...;.
~ M uitas das prostitutas, disse Parente, assum em a posi-
:~;~.:
<-.",~ ção de irreligiosas com outras de sua espécie e colegas de
....: orgias, m as no fundo não são assim , conform e atestam nu-
m erosas observações. U m a delas estava no fim da vida, e o
~I,
•••.
~ sacerdote, recusando-se a entrar na casa infam e, fez com
itI'-

, .~~. que as dem ais se cotizassem para que a m oribunda pudesse


',';- ser transportada e m antida fora do prostíbulo. D epois, para
~~,
;~.. ~ m andar rezar inúm eras m issas para um a com panheira fale-
~~. cida, despenderam sugestiva som a.
:~[.J:
,',';'
,.,.,.~, U m a outra, tendo um filho doente, acendia velas benzi-
'n.,.;-: das para pedir sua cura. U m a m eretriz napolitana, em louvor
>-
a Santa B rígida, abstinha-se de sua atividade às terças-feiras.
Segundo a últim a estatística judiciária, as paixões reli-
giosas foram , entre nós, razões de delito em 40 casos e a
superstição em 226. E não falo dos m uitos casos (exem plos
de B oggia, D esrues, M icaud) em que a religião era provavel-
., m ente um engodo para enganar o público e desviar os suspei-
tos da Justiça. Todavia, quem desse tem po quisesse deduzir
que a religião tenha fornecido um incentivo aos delitos faria
,1', .
im aginação tão am pla e exagerada quanto absurda e ridícula.
Seria 1 dar m uito valor aos delinqüentes, cujas paixões
-...,.. sensuais m uito breve caem por terra, fazê-las originar das
:.~ •. aspirações delicadas e sublim es da religião ou das profundas
m editações dos filósofos. Eu com pararia a religião dos delin-
à:\,
'\:.:, .••
,".-~\
qüentes a um freio frágil e relaxado, que não im pediria um
~,
cavalo caprichoso enfurecido e rebelado de ir à sua baia, des-
prendendo-se de tudo que o fizesse m anter-se na linha, que
..~,t"
~ não o guiasse, portanto, para o bem ou para o m al, se não
~~'

,~.
,:1Pir<to<
...•.~;: 131
=;,~"
D, Bastos .~.
""':.;
O'
'
~ '-l
talvez para iludir quem passa por perto. Q uanto ao ateísm o
dos crim inosos, só posso atribuir às togas doutorais e aos
grossos livros, com que os enganadores escondem e enfeitam
a própria ignorância.

..I'

.,

I
I

;..,;'
'-:j'
;-

132 ,,
;i "
i:.J
.rp~" D, Bastos

',,
'"o
li"'"'
,
~ 'io

'l'

12. IN T E L IG Ê N C IA E
, ~.
IN ST R U Ç Ã O D O S D E L IN Q Ü E N T E S

1. D ados estatísticos - 2. P rem iça - 3. Inconstância m ental


., .
- 5. E specialistas do delito
. 4. Im previdência
6. E nvenenadores - 7. P edem sras - 8. E stupm dores
I
9. L adrões - 10. E stelionatários - I L. A ssassinos
I
I2. O ciosos e vagabundos - 13. D elinqüentes geniais
14. D elinqüentes científicos - 15. C om paração
com a inteligência dos dem entes

1. D ados estatísticos

E m bora a lesão m ais im portante dos delinqüentes esteja


no sentim ento, e pela correlação que passa entre todas as
funções com o entre todas as partes do sistem a nervoso (e
..;
vim os com o é frágil tam bém a m obilidade), tam bém a inte-
ligência apresenta neles anom alias sugestivas.
S e se pudesse extrair um a m édia da potência intelectual
dos delinqüentes com a segurança com que se obtém da m e-
'Tk-
:l.i'it.
dida do crânio, creio que se chegaria a igual resultado, ou
t.'.'.:~
-l~ ; seja, encontrar-se-ia um a m édia inferior ao norm al.
!:. li

,~ 133
"$')fÇ~
J&:
D, Bastos

T
O s e s p a n h ó is , p e la p rim e ira v e z n a E u ro p a , te n ta ra m
e s ta b e le c e r e s ta m e d id a : no exam e d e 2 3 .6 0 0 d e l i n q ü e n t e s
re v e la ra m -s e o s s e g u in te s dados:

• 6 7 ,5 4 % - c o m in te lig ê n c ia sã;

• 1 0 ,1 7 % - c o m i n t e l i g ê n c i a pouco sã;

• 1 8 ,8 0 % - c o m i n t e l i g ê n c i a m á;

• 0 ,7 5 % - c o m in te lig ê n c ia p é s s im a ;

• 2 ,7 1 % - c o m i n t e l i g ê n c i a n ã o id e n tific a d a .

Ig n o ra -se p o ré m q u a is c rité rio s fo ra m a d o ta d o s p a ra


se chegar a e s s a d e lic a d a c la s s ific a ç ã o .

F e r r u s , e m 3 .6 3 2 e n c a r c e r a d o s c h e g o u a e s s e s r e s u l t a d o s :

• 1 .6 0 7 - c o m b o m t a l e n t o ;

• 1 .2 4 9 - c o m c a p a c i d a d e in te le c tu a l m é d ia ;

• 3 7 - c o m c a p a c id a d e s u p e rio r;

• 3 4 5 - c o m c a p a c id a d e p o u c o d e s e n v o lv id a ;

• 3 3 9 - c o m c a p a c id a d e lim ita d a ;

• 3 5 - re a lm e n te im b e c is .

N ic h o ls o n c a lc u la 6 5 5 p o r 1 .0 0 0 o s d é b e i s d e m e n t e
e n tre o s l a d r õ e s ; 1 6 5 p o r 1 .0 0 0 e n t r e o s h o m i c i d a s ; 1 2 5 e n tre
o s in c e n d iá rio s , e 4 5 p o r 1 .0 0 0 e n t r e o s e s tu p ra d o re s .

N ão é sem ra z ã o que quase to d o s , com o p re te n d e


T o m p s o n , s e ja m d e e s c a s s o in te le c to , o u d e m e n te s , o u im b e c is
(e le s q u e s e to rn a m d e m e n te s em 2 % e im b e c is e m 1 2 % ),
m as em to d o s , ta m b é m n o s c rim in o s o s g e n ia is , h á u m la d o
n o q u a l a in te lig ê n c ia é d e fe itu o s a .

134 I

L
D, Bastos

T
2. P re g u iç a

M a is s e s e n te n o ta r a fra q u e z a d e e n e rg ia d a m e n te
p a ra u m tra b a lh o c o n tín u o e a s s íd u o , e n ã o s e v ê o u tro id e a l,
a n ã o s e r a a u s ê n c ia d e q u a lq u e r tra b a lh o . O s la d rõ e s fra n -
ceses se cham am e n tre e le s " p e g re s " (p re g u iç o s o s ). O o c io s o
é a n te s d e tu d o , le g a lm e n te , u m a v a rie d a d e d e c rim in o s o s e
ta lv e z a q u e le q u e m a is c o m u m e n te p o v o a a s p ris õ e s .

O s c ig a n o s , e m b o ra in d u s trio s o s , sã o se m p re p o b re s,
p o rq u e n ã o g o s ta m d e tra b a lh a r, s e n ã o o q u a n to b a s ta p a ra
n ã o m o rre r d e fo m e . O s la d rõ e s , e s c re v e Y id o c q , n ã o q u e re m
a to s o u q u a lq u e r tra b a lh o q u e e x ija m e n e rg ia e a s s id u id a d e .
N ão podem e não sabem fa z e r o u tra c o is a a n ã o s e r ro u b a r.

L e m a ire d iz ia a o ju iz : " e u fu i s e m p re o c io s o ; é v e rg o -
n h o s o , e u e n te n d o , m a s e u s o u m o le n o tra b a lh o . P a ra tra b a -
lh a r é p re c is o e sfo rç o : n ã o p o sso e n e m q u e ro fa z ê -lo . N ã o
s in to e n e rg ia a n ã o se r p a ra fa z e r o m a l. E u n ã o n a s c i p a ra
tra b a lh a r; p re firo s e r c o n d e n a d o à m o rte " (D e s p in e s ) .

A causa p rim á ria d o s d e lito s d e L a c e n a ire fo i c e rta -


m e n te a p re g u iç a . L e v a v a -a m a is a lé m , d iz ia o s e u p ro fe s s o r
d e in fâ n c ia , de não q u e re r le v a n ta r à n o ite p a ra s a tis fa z e r
a s p ró p ria s n e c e s s id a d e s . D o rm ia b e m n o m e io d a im u n d íc ie ,
lo n g a m e n te , e s ó a p ó s s u c e s s iv a s cham adas d e c id ia s a ir d o
le ito . N em a s p u n iç õ e s in frin g id a s a e le , n e m o d e sp re z o
que lh e d e m o n s tra v a m o s c o m p a n h e iro s , b a s ta v a m p a ra
c o rrig i-lo . T odas as ocupações ou tra b a lh o e ra m p a ra e le
u m s u p líc io . J a c q u a rd m a to u o p a i p o rq u e o re p re e n d ia p e la
s u a v a d ia g e m .

É ta lv e z p o r is s o q u e q u a s e to d o s o s g ra n d e s m a la n -
d ro s , ta m b é m o s d e ta le n to , re s u lta m d e p ro c e s s o s d e te re m
tid o m á p a rtic ip a ç ã o n a e s c o la , com o Y e rz e n i, A g n o le tti
e o u tro s . A a v e rsã o a o tra b a lh o é u m a d a s c a ra c te rís tic a s
ta m b é m d a s p ro s titu ta s ; nove em dez nada fa z e m d u ra n te

I 135
L
D, Bastos "1'

o d ia . S o b re 4 1 .9 5 3 condenados p e lo s trib u n a is ita lia n o s ,


I
2 .4 2 7 e ra m m e n d ig o s . N a F ra n ç a , e m 7 6 .6 1 3 d e n u n c ia d o s ,
1 1 .3 6 7 e ra m o c io s o s .
I
,i

3 . In c o n s tâ n c ia m e n ta l

O u tro e fe ito d a in te lig ê n c ia d o s c rim in o s o s é a s in g u la r I


in c o n s tâ n c ia e m o b ilid a d e d o e s p írito . N a S u íç a c a lc u la -s e
q u e 4 4 ,0 9 % s ã o o s d e lin q ü e n te s
tâ n c ia m e n ta l. É d ifíc il, e s c re v e u
q u e d e lin q ü ira m p o r in c o n s -
P a re n t, fa z e r-s e u m a id é ia
I
d a in c o n s tâ n c ia d a s p ro s titu ta s ; n ã o s e p o d e id e n tific a r a a te n -
ç ã o d e la s ; n ã o s e p o d e c o n s e g u ir q u e fa ç a m u m ra c io c ín io
lo n g o . Is to e x p lic a a im p re v id ê n c ia e a p o u c a p re o c u p a ç ã o
d e la s p a ra c o m o fu tu ro .
O m e s m o e fe ito a c o n te c e c o m o s d e lin q ü e n te s , que
I
são de um a
N ic h o ls o n
m o b ilid a d e e de um a
fa la d e u m p ris io n e iro ,
c re d u lid a d e s in g u la r.
a o q u a l o c o m p a n h e iro
I
I

tin h a dado a e n te n d e r que to d a s as vezes que o m é d ic o i


I
passava p e lo c o rre d o r, e ra o b rig a tó rio c o lo c a r o s p é s fo ra
d a c e la p a ra a in s p e ç ã o . L e m b ro -m e d e u m p a ra q u e m o I
m o v im e n to p a ra m e d ir-lh e o c râ n io p a re c ia d e ta l fo rm a I
p e rig o s o
m e -ia
e d ia b ó lic o ,
m a ta d o .
q u e , s e n ã o fo s s e m o s g u a rd a s , te r-
1

4 . Im p re v id ê n c ia

E s ta in c o n s tâ n c ia m e n ta l e x p lic a p o r q u e o s la d rõ e s
fa la m , e a té c o m a p o líc ia , s o b re s e u s d e lito s e c o m o d iz o
p ro v é rb io com um n o s m e io s c a rc e rá rio s :

" O p ró p rio ré u , s e m q u a lq u e r in s is tê n c ia ,
in a d v e rtid a m e n te s e m a n ife s ta " (A rio s to )

-
136
''- D, Bastos

I
e q u e s e d e ix a m m a n ip u la r e in d a g a r c o m o s e fo s s e m c ria n ç a s .

I
,
" O s la d rõ e s s ã o tã o e s tú p id o s q u e n ã o te n ta m fa z e r-s e e s p e rto s
c o m o u tro s . M u ito s , m a lg ra d o e u s o u b e s s e s e r d e la to re s , c o n - •.
ta v a m -m e o s p ro je to s d e le s " . (V id o c q )

E s s a s c o n fis s õ e s fá c e is d e p e n d e m , e m g ra n d e p a rte ,

I ta m b é m d o h á b ito
a m ig a v e lm e n te
q u e o s d e lin q ü e n te s
e c o n fia r n o p rim e iro
tê m d e a s s o c ia r-s e
q u e e n c o n tra , apesar
d e q u e a s im p le s e x p re s s ã o e a g íria p a re c e m to rn a r seu
I in te rlo c u to r
a m o r à o rg ia e n tre
p ro p e n s o a o c rim e . A e s ta im p re v id ê n c ia ,
c ú m p lic e s , e x p lic a m p o rq u e
e ao
re to rn a m ,
m e s m o d e p o is d e a fa s ta r-s e , a o lu g a r a o q u a l e ra m a v e s s o s
d e c o n v iv e r, s e ja p o rq u e s e ja m e s c ra v o s d a p a ix ã o m o m e n -
tâ n e a , s e ja p o rq u e não podem s u b tra ir-s e d e s a tis fa z e r a

I u m d e s e jo
p o s s ib ilid a d e
fa v o rá v e l.
de um a
A in d a m a is , p o rq u e
d e s g ra ç a , quando
e le s p re v ê e m
n ã o já p a te n te , e,
a

I
I •
ao m enos
p a re c e
não a v a lia m
a te n u a d a , d ilu íd a .
a g ra v id a d e d e la , q u e s e m p re lh e

i
I Um e fe ito d a im p re v id ê n c ia d e le s e d a fa lta d e to d a

I c o n s c iê n c ia d o m a l é a te n d ê n c ia
m e n to s , a p e g a n d o -s e a o s p o rm e n o re s
d e d e fe n d e r-s e c o m a rg u -
s o b re o m o d o c o m q u e
I p ra tic a ra m o c rim e q u e e n fim o c o n firm a m , e só conseguem
1- d e s v ia r u m p o u c o a a te n ç ã o d o p o n to p rin c ip a l. A s s im fe z
c o m ig o C a v a g lia , fa la n d o d o a s s a s s in a to d e s e u c h e fe e c ú m -
p lic e . A s s im ta m b é m a c o n te c e u c o m M a n a ra , q u e s u s te n ta v a
n ã o h a v e r d a d o 1 4 g o lp e s e m s u a v ítim a , m a s 1 3 .

O s m a io re s d e lin q ü e n te s , s e ta m b é m u s a m d e g ra n d e
h a b ilid a d e p a ra p re p a ra r o s d e lito s , n ã o s a b e m m a is d o q u e
g u a rd á -la p a ra m a is ta rd e e te rm in a m , e m b ria g a d o s p e la im -
p u n id a d e , p o r p e rd e r to d a p ru d ê n c ia e tra ir-s e . T e m o s ta m -
b é m n o F a lla c i u m a p ro v a s e g u ra .
.~

~ - ; ,~ -
S ã o , e m s u m a , p o u c o ló g ic a s e im p ru d e n te s ; e não só
. -o i " '_
m u ita s v e z e s h á d e s p ro p o rç ã o e n tre o d e lito e a c a u s a , m a s
h á , q u a s e s e m p re , u m e rro n a e x e c u ç ã o , e rro d e q u e , c o m

137
D, Bastos

-l
p o u c a s in c e r id a d e , o s a d v o g a d o s a p r o v e ita m - s e p a ra d e m o n s-
tr a r a in o c ê n c ia d e s e u s c lie n te s . P o r m a is q u e o d e lin q ü e n te I
s e ja h á b il, h á n a e x e c u ç ã o d o c r im e , a im p r e v id ê n c ia , que é
I
I
p a r te d e s e u c a r á te r . A v io lê n c ia e a p a ix ã o p r e p o te n te põem
um véu a o c r ité r io . A té o p ra z e r d e e x e c u ta r o d e lito , de
\
a p r o v e ita r a e x e c u ç ã o d e le , d e c o m u n ic a r a o s o u tr o s a n o tíc ia , I
s ã o c a u s a d e ta is e r r o s n a e x e c u ç ã o .

L a fa rg e , u m a e n v e n e n a d o ra , m andou a o m a r id o um a
m a c a rro n a d a envenenada, m a s ju n to u um a c a r ta p e d in d o
a o m a r id o p a r a e x p e r im e n tá - la . N ão pensou q u e o m a r id o
f o s s e in te r p r e ta r q u e fo sse só p a ra e x p e r im e n ta r . A lé m do
m a is , a c a r ta d e n u n c io u a a u to r a d o a tr o z d e lito .

R ognoni m a to u o ir m ã o e p ro c u ro u u m á lib i, m a s s e
esqueceu d e la v a r a s m a r c a s de sangue n a p r ó p r ia ro u p a ,
1 c d e ix o u , d u r a n te a execução d o d e lito , a c e so o fo g o , q u e
l:' p o d e r ia c o n d u z ir o s p o lic ia is e o s v iz in h o s p a ra o lo c a l e
...,~
.;: d e s c o b r ir o s tr a ç o s d o c r im e . E sse e rro é s e m e lh a n te ao
~~
.
de R o s s ig n o l, que g u a rd o u no seu baú duas b e n g a la s de
••
M
s u a v ítim a .

F u s il f u g iu a te m p o d e p o is d e c o n s u m a d o o c r im e d e
ro u b o , tr o c a n d o de nom e e m s e g u id a , m a s d e p o s ito u o d i-
n h e ir o ro u b a d o n a C a ix a E c o n ô m ic a e m s e u p s e u d ô n im o e
n ã o p ô d e d e p o is r e tir a r p o r te r d e p o s ita d o em nom e de pessoa
in e x is te n te . O a s s u n to te v e q u e s e r c o m u n ic a d o à p o líc ia ,
q u e id e n tif ic o u o a u to r d o r o u b o .

5 . E s p e c ia lis ta s d o d e lito

C o m e n ta - s e q u e s e o s m a lf e ito r e s c é le b r e s tiv e s s e m
a p lic a d o n o tr a b a lh o h o n e s to a m e s m a in te lig ê n c ia e p e rse -
I
v e ra n ç a
ções, m as não
q u e a p lic a r a m n o d e lito , te r ia m
é o q u e a c o n te c e .
c h e g a d o a a lta s p o s i-
E le s tê m g ra n d e ta le n to ,
I
m a s é p a r a o d e lito ; é RÓ d e lito q u e e le s o a p lic a m . S ã o m a is '
,

138

~ II
l- D, Bastos

s a f a d o s d o q u e h á b e is e s e a s c o m b in a ç õ e s d e le s s ã o e n g e -
nhosas, f a lta m - lh e s a c o e r ê n c ia e a te n a c id a d e .

A penas a tin g e m o o b je tiv o im e d ia to , q u e é f r e q ü e n te -


m e n te o d a s a tis f a ç ã o d e u m a n e c e s s id a d e m a te r ia l m om en-
tâ n e a , a c a b ru n h a m -se , a té q u e n o v o s a p e tite s o s la n c e m a
novos e m p r e e n d im e n to s . P o r é m , n ã o é a s s im q u e s e f a z e m
f o r tu n a s . "

M u ita s v e z e s p a re c e e x tr a o r d in á r ia a h a b ilid a d e de
a lg u n s d e lin q ü e n te s . C o n tu d o , s e o lh a r m o s b e m , c e s s a to d a
m a r a v ilh a . E le s s e d ã o b e m p o r q u e r e p e te m f r e q ü e n te m e n te
os m esm os a to s . T am bém o s id io ta s , em um m o v im e n to
c o n tin u a m e n te r e p e tid o , podem p a r e c e r h a b ilís s im o s . E n tr e
o s la d r õ e s , h á a q u e le s q u e s ó a ta c a m a s lo ja s e o u tr o s s ó a s
c a s a s . A lé m d is s o , e n tr e e le s m e s m o s h á a s s u b d iv is õ e s do
in f a m e tr a b a lh o . A s s im , Y id o c q f a la d o s la d r õ e s d e c a s a s q u e
e n tr a m num a a v e n tu r a , o u s e ja , te n ta m m u d a r d e e s p e c ia li-
d a d e . F a la a in d a d e o u tr o s q u e p r e p a r a m p o r lo n g o te m p o o
d e lito , p e g a n d o u m a p a r ta m e n to v iz in h o .

E s c r e v e L o c a te lli q u e o s m a lf e ito r e s q u a s e s e m p r e tê m
um m é to d o p r ó p r io e r e a lm e n te e s p e c ia l d e c o m e te r suas
v e lh a c a r ia s . N ã o to d o s , p o r e x e m p lo : o s a s s a lta n te s , ao espo-
lia r s u a s v ítim a s usam p a la v r a s a m e a ç a d o ra s que a c re n ç a
p o p u la r s e m p r e p õ e n a b o c a d e le s . T a m b é m la d r õ e s h a b ilís -
s im o s e m a r r o m b a m e n to s , la d r õ e s q u e a o m a is le v e r u m o r
m a n tê m - s e e m f u g a , e la d r õ e s q u e s e r ia m c a p a z e s d e in tr o -
d u z ir - s e e m u m a s a la d e c o n v e r s a ç ã o p le n a d e g e n te ; la d r õ e s
q u e tê m ta 'n ta le v e z a d e m ã o a ta l p o n to d e s e r e m c a p a z e s d e
ro u b a r a c a m is a d o c o r p o d e u m h o m e m s e m q u e e s te s e d ê
c o n ta d is s o , e d e p o is , e n tr e ta n to , n ã o te r a a u d á c ia d e tr a n s -
I
') p o r a s o le ir a d e u m a c a s a o u d e u m a lo ja d e ix a d a s e m v ig ilâ n -

I ..:~ :
.~'.
c ia . H á a in d a la d r õ e s
m ã o , e la d r õ e s q u e n ã o s e d ig n a m
que ro u b a m tu d o que
a in c o m o d a r - s e
chegar à sua
c o m c o is a s
'~
~ d e p o u c o v a lo r , c o m o ta m b é m la d r õ e s e s p e r tís s im o s n o c o m e -
,~.
~
IIf'
~. 139
'7j!'
D, Bastos

I
ti m enta de roubo de gado não tendo a audácia de im pedir a I
fuga de um a galinha.
t
6. Envenenadores !
O s envenenadotes são quase todos das classes m ais
elevadas, e de cultura acim a da com um , m édicos ou quím icos,
de aspecto sim pático; são sociáveis, persuasivos. Estes até
fascinam as suas vítim as, escolhidas entre os grupos m ais sele-
I!
cionados, ou m ulheres, m orm ente as m ais lascivas. A segu-
rança da im punidade é um a espécie de volúpia no delito;
i
im pulsiona-os a golpear m ais pessoas e operar quase sem pre I
sem um a razão. É o caso da Lam bi, que além do m arido e dos I.
filhos, envenenou um a am iga e até um a vizinha, com a qual
não tinha qualquer relação de interesse.
I
É o caso tam bém de Zw anziger, que envenenou além
de pessoas de seu serviço, a com panheira, que parecia ser
-sua prim eira afeição. Q uase todos tiveram com o m otivação
a cupidez, o am or, porém m ais ainda a luxúria. H ipócritas,
calm os, dissim uladores, até o últim o instante da vida protes-
tam pela própria inocência, e levam para o túm ulo o segredo
de sua culpa. Em nosso tem po, é bem rara a associação com
outro cúm plice, enquanto há alguns séculos atrás acontecia
o contrário nas altas classes da França e de R om a antiga,
onde esse delito assum e form a epidêm ica, especialm ente
entre as m ulheres.

7. Pederas tas

O s pederastas freqüentem ente de elevada cultura e ta-


1
lento (funcionários, m estres), ao contrário dos prim eiros, têm
um a estranha necessidade de associar-se no delito e form ar
I
verdadeira congregaçãQ ;'que se reconhece, num olhar, ainda
I
-

~
140 :~~'
,zli
";';.,
'" D, Bastos

que viajando em país estrangeiro. N ão saberem os com pre-


ender, nem acreditarem os, sem a correspondência revelada
por C asper e Tardieu, com o os am ores infam es possam se
m isturar com tanto rom antism o e m isticism o.
O s atentados deles quase nunca se concentram sobre
um indivíduo só; às vezes, ao contrário, entre m uitos e quase
contem poraneam ente. M enos estranho é ver com o esses de-
linqüentes, se forem de classes elevadas, am am os trabalhos
e as roupas fem ininas. O s uniform es e a postura ornada de
bijuterias, com os om bros descobertos e com cabelos encara-
colados, se ligam aos m aus hábitos. Tam bém gestos esquisitos
pela arte fazem recolher quadros, flores, estátuas, perfum es,
. quase extraindo por atavism o, junto com vícios e gostos da
antiga G récia. São m uitas vezes honestos ao m enos, e côns-
cios de serem culpados até ante si m esm os, lutam longam ente
com infam es inclinações, lam entam -nas, deploram -nas e as
escondem . O s de classe inferior am am a vida de baixo nível,
- preferem odores fortes, adotam nom es fem ininos e são o ins-
trum ento dos furtos m ais vulgares, m ais atrozes assassinatos
e chantagens.

8. Estupradores

M uitos estupradores têm os lábios grossos, cabelos


abundantes e negros, olhos brilhantes, voz rouca, alento vivaz,
freqüentem ente sem i-im potentes e sem i-alienados, de genitá-
lia atrofiada ou hipertrofiada, crânio anôm alo, dotados m uitas
vezes de cretinice e de raquitism o.

_ 9. Ladrões

O s ladrões, que, com o as m eretrizes, são apaixonados


I' i' por cores berrantes: am arel.o, verm elho, azul, por berlo-
- .
~
'----"._~-
. '"¥'
. 141
<~:
i;!;-
D, Bastos
-rr

ques, c o rre n te s , e a té p o r b rin c o s , s ã o o s m a is ig n o ra n te s


d a e s p é c ie d e lin q ü e n te . Q uase s e m p re a s s u s ta d o s e te m e -
ro s o s d e s e re m p e g o s d e s u rp re s a , a p ro v e ita m to d a o c a s iã o
p a ra m udar o d is c u rs o . F a z e m -s e a m ig o s e c o n fid e n te s ao
p rim e iro q u e e n c o n tra m e c o n v e rs e m n a g íria , c o m o d ig n o
; c o le g a . A c re d ita m nos sonhos, n o s p re s s á g io s , nos d ia s
n e fa s to s . N ã o ra ra s v e z e s d e m o n s tra m a m o re s ro m â n tic o s ,
m as p re fe re m s e m p re a s p ro s titu ta s , que s ã o a s n a tu ra is
a lia d a s d e le s .

E s c re v e u Y id o c q q u e q u e m c o n v iv e c o m p ro s titu ta s é
,
um la d rã o o u u m e s p iã o . T e n d e m a a s s o c ia r-s e n o c rim e ;
~
.'
v iv e m bem n o m e io d o s ru m o re s e d o s g rito s d a s g ra n d e s
c id a d e s ; fo ra d e la s s ã o c o m o p e ix e fo ra d a á g u a . S ã o in c a p a z e s
d e u m tra b a lh o c o n tin u a d o , m e n tiro s o s d e s c a ra d o s , e pouco
:: s u s c e tív e is d e c o rre ç ã o , e s p e c ia lm e n te s e m u lh e r, n a m a io ria

i. m e re triz e s .

~ I

"
~ 1 0 . E s te lio n a tá rio s
li
O s e s te lio n a tá rio s s ã o c o m o o s jo g a d o re s (e s te s s ã o fre - l

q ü e n te m e n te ) s u p e rs tic io s o s , e s p iritu o s o s , m u ito . la s c iv o s .


M a is c a p a z e s d o q u e o s o u tro s c rim in o s o s , de um a boa ou
p é s s im a a ç ã o . S ã o c a ro la s e h ip ó c rita s , c o m a r d o c e e b e n e v o -
le n te , v a id o s o s , e , p o r is s o , p ró d ig o s c o m a m a l c o n q u is ta d a ;

riq u e z a , m u ita s v e z e s d e m e n te s o u s im u la d o re s d e d e m ê n c ia , .
1
"

o u o s d o is c a s o s ju n to s . "
I

i
11. A s s a s s in o s l

O s a s s a s s in o s a p re s e n ta m , c o m e s tra n h o s , m o d o s d o c e s
h
e c o m p a s s iv o s , a r c a lm o . S ã o p o u c o v o lta d o s a o v in h o , m a s
m u ito a o a m o r c a rn a l. M o s tra m -s e a u d a z e s e n tre e le s , a rro -
g a n te s , s o b e rb o s d o s p ró p rio s d e lito s , n o s q u a is d e s p e n d e m

142
rr- D, Bastos

m a is a u d á c ia e fo rç a m u s c u la r d o q u e a in te lig ê n c ia . O que
p a re c e g ra n d e h a b ilid a d e é e fe ito d a re p e tiç ã o d e u m a m e s m a
s é rie d e a to s . B o g g ia in d u z s u a v ítim a , d irig e -a à a d e g a o u a o
p o rã o e a m a ta n u m s ó g o lp e . D u m o lla rd p ro m e te à s v ítim a s
u m tra b a lh o , le v a -a s a u m lu g a r e rm o , ro u b a -a s , e s tra n g u la -
a s e a s s e p u lta . S o ld a ti a tra i a s v ítim a s a lo c a l a fa s ta d o , e s tu -
p ra -a s e q u e im a o s c a d á v e re s . C la u d e a d ic io n a : " u m a s in g u la r
p a rtic u la rid a d e n o s a s s a s s in o s é a d e s e re m , fo ra d a fu n ç ã o '
d e le s , a s p e s s o a s m a is a le g re s d o m u n d o , p ro c u ra m a n te s d e
tu d o a c o m p a n h ia d o s c ô m ic o s " .
,-
I

1 2 . O c io s o s e vagabundos

O já c ita d o L o c a te lli e s c re v e u : " 0 o c io s o e v a g a b u n d o


é quase s e m p re d e h u m o r h ilá rio e a le g re , ra z ã o p e la q u a l
e le é o p a lh a ç o p re d ile to d o s la d rõ e s e a s s a s s in o s , n o s c á rc e -
I re s . E le é , m e lh o r d iz e n d o , s ó b rio e d e te m p e ra m e n to c a lm o ,
I
ra z ã o p o rq u e s e a fa s ta d a s a lte rc a ç õ e s c la m o ro s a s , e s o b re -
tu d o d a s rix a s e d o s a n g u e . C onheci a lg u n s d e le s , c o n d e -
l. nados um a dezena d e v e z e s à p ris ã o . E n d u re c id o s a n te o
e s p e tá c u lo c o tid ia n o d a s m is é ria s e d a s m a ld a d e s h u m a n a s ,
a rre p ia m -s e à n o tíc ia d e u m a s s a s s in a to , e c e n s u ra m v iv a e
a b e rta m e n te o a u to r e m p le n o c o n s ó rc io c a rc e rá rio , com
; . ris c o d a s e g u ra n ç a .
.-.~
1'""-
" N a e s c a la d a d e lin q ü ê n c ia , d ific ilm e n te e le s u ltra p a s -
""Í'!" s a m o s p rim e iro s p o s to s , n ã o p o rq u e lh e s im p o rta a c e n s u ra
I
d a o p in iã o p ú b lic a , m a s p o rq u e re p u g n a v e rd a d e ira m e n te
i-
l'.~:. a o â n im o d e le s u ltra p a s s a r a m a is g ra v e o fe n s a à s p e s s o a s e à

h p ro p rie d a d e . N ã o m e le m b ro d e a lg u m o c io s o q u e te n h a a le -
g a d o , p o r ju s tific a ç ã o p ró p ria , a fa lta d e fo rç a m u s c u la r (s a lv o
n o c a s o d e m o lé s tia ), e n q u a n to to d o s o u q u a s e to d o s a le g a m ,
p a ra e s c u s a r-s e , a d ific u ld a d e d e e n c o n tra r tra b a lh o de sua
e s p e c ia lid a d e . N ã o p o u c o s d o s h a b itu a d o s à o c io s id a d e abo-

143
D, Bastos

1"
m inam

grandes
o trabalho,
são dom inados
m ovim entos
não só pela fadiga m aterial
pelo tédio insuportável
m usculares,
m anufaruras condena
a que a divisão
o operário.
m as porque
da uniform idade
do trabalho
O utros
dos
nas
ociosos,
I
I
ao invés de trabalhar na especialidade para a qual foram pre-
parados, preferem até arriscar a saúde e a vida em em presas
m uito perigosas.
U m certo G uido, sapateiro de profissão, dem onstrando
invencível repugnância pela avareza e pelo com prom eti-
m ento, às vezes andava esm olando com um a perna dobrada,
de m odo a sim ular um a incurável contrarura. A rriscava a
vida paradar caça aos gatos no teto dos vizinhos em plena
noite rigidam ente invernal. Procurava anim ais que pertur-
bassem , arriscando-se a m ordidas e arranhões a tal ponto de
dilacerar a pele.
Eles não são, de ordinário, suscetíveis de violentas pai- j
xões eróticas, das paixões que têm o poder de im pelir ao
delito os verdadeiros m alfeitores. M ayhew divide-os em m en-
dicantes navais, m ilitares, m ostradores de docum entos
sim uladores de doenças e m udez. A necessidade
cansar e as alegrias descuidadas,
caráter deles, tornam -nos
artísticas,
estranhos inventores
que form am
falsos,
de não se

de profissões,
o I
..•
"I
~
que ninguém fora deles adota, porque ninguém tem o instinto
do ócio espiriruoso. U m especializou-se em dar bofetões tão
f

t
barulhentos com o os de um a briga e que atraíam a m ultidão,
m as sobretudo os policiais.

13. D elinqüentes geniais


,
~
'1«
N ão se pode negar, todavia, que apareçam , cá e lá, de-
linqüentes verdadeiram ente geniais, criadores de novas for-
m as de delito, autênticos inventores do m al. C ertam ente era
i
hom em genial o Y idocq;,que conseguiu evadir-se um a vintena

144
D, Bastos

"
I
I
de vezes e fez cair nas m ãos da Justiça um a centena de delin-
qüentes e traçar com suas m em órias um a verdadeira psicolo-
gia do delito. Tam bém o era o C agliostro que roubava e ta-
peava príncipes e reis, e quase se fazia passar por um hom em
inspirado, um profeta.
G ênio especial tinha o N orcino e o Pietrotto, que ne-
nhum a prisão da Toscana conseguiu m anter preso por m ais
de um m ês. Fugiam depois de avisar seus carcereiros. E tam -
bém o D uboisce, que, não só conseguiu, depois de um a
~,.
condenação à m orte, evadir-se, m as levou tam bém sua
am ante, da prisão.
G R uschovich, alto e destro pessoalm ente, de olhos
inteligentes e sagazes, falava perfeitam ente árabe, grego, ro-
m eno e alem ão. Era conhecedor de ciências físicas, especial-
m ente da quím ica. N ão era tam pouco ignorante das belas
j letras e sobrerudo da história e da m edicina. C ondenado em
1845, pelo Tribunal de Trieste, à prisão, e depois pela C orte "
."
-.,;.,
C rim inal de Londres, a seis anos de servidão penal por crim e

I
I•.....
~
de falsificação, conseguiu com nova falsidade, não só ser liber-
tado da prisão, m as tam bém obteve indenização de 200 libras
esterlinas. la conseguir m ais 500 quando
era falsa a carta de um a alta autoridade
foi descoberto
endereçada
que
à R ainha
da Inglaterra, contando que um inglês fora condenado à
f revelia por falsidade, encontrando-se no fim da vida em um

t
hospital de Paris e tinha sido declarado culpado pela falsidade
atribuída a R uschovich.
Fugindo da Inglaterra, refugiou-se na B élgica, onde sob
".~
o nom e de O sm anJussuf envolveu-se em im putação de assas-
~
, .+ sinato e falsidade com A llah-B ey. N a França, sob o nom e de
« :.:;
Frank W eber, apresentou-se em Paris aos banqueiros B laques
it" com um a letra de 800 libras, com assinarura
em presa e conseguiu
falsa de um a
receber 400 libras. Por este fato e por
outras três falsificações foi processado pelo Tribunal de Paris.

145
D, Bastos

r-
C onseguiu, porém , fugir para a Itália, m unido de passaporte
I
da legação italiana, com nom e fictício.
,
P ara obter esse passaporte, ele escreveu ao prefeito de
M elegnano para ter um a certidão de nascim ento, dizendo que
seus genitores em igrando da L om bardia o tinham levado criança
para a A m érica. P ouco depois a m orte atingiu seus genitores,
sem m ais saber de sua fam ília, pois os registros foram queim ados
_nas guerras que assolaram a região. D a resposta do P refeito forjou
I
a carta que apresentou à legação italiana.
Indo a M ilão, exerceu ilegalm ente a m edicina, distri- I

buiu rem édios grátis aos pobres, discutia em reuniões com


outros m édicos; tratou de um advogado com sucesso e nam o-

I
•.."'"
rou sua filha, preparando até o casam ento, ao m esm o tem po
em que m antinha am ores com um a m eretriz.
O m esm o L ocatelli conhece um ladrão que sabia de I
J-'
.J
.!:..
cor as disposições do C ódigo P enal e do C ódigo de P rocesso
P enal, não só o italiano, m as tam bém o austríaco sobre os
II
~.. quais fazia confrontos m uito argutos. E le dava consultas aos
.
,.
~ próprios colegas, que o cham avam de "doutor em direito" e
tinham nele m ais confiança do que nos verdadeiros advogados.
B aum ont esvaziou, em pleno dia a caixa da polícia t
francesa, fazendo-se de guarda durante um a operação, com o r.'.

se fosse um a sentinela, da verdadeira guarda de honra. O utro,


.- o Jossas, m editava anos inteiros, levantando o sistem a de !,l.
fechadura com expedientes sofisticados. U m caixa que nunca i'.:.:,
l~
havia m ostrado a chave a quem quer que seja, um dia fez t::
}
com Jossas um passeio no cam po e no m eio do cam inho en-
[
contraram um a m ulher grávida, que lhes pediu socorro por
estar com hem orragia no nariz. H avia necessidade
objeto m etálico para furar um tum or e o caixa lhe em prestou
de um
.k
r
~:

a chave, do que aproveitou Jossas para fazer um m olde, com o


o qual fez cópia da chave, que lhe perm itiu roubar a caixa de
t
._""
-'" . .
:~
~~

um a em presa. ;/

146
D, Bastos

E m V iena, em 1869, foi preso um ladrão que inventou


32 instrum entos para abrir fechaduras secretas. E m S ing-S ing,
no cárcere judiciário, um detento construiu um a destilaria
com restos de m açãs e batatas da m erenda carcerária. C on-
tudo, tam bém esses delinqüentes geniais apresentavam falta
de previdência ou de astúcia para levar a cabo seus desígnios
infam es. T am bém no gênio deles aparece a inconstância
característica dos delinqüentes. O R uschovich, de cuja inte-
ligência extraordinária já havíam os falado aqui, escreveu no
cárcere à sua am ante para que fizesse desaparecer de certos
lugares do seu apartam ento, diversos objetos que pudessem
com prom etê-lo. P ediu ainda para que, de diversas origens,
fizessem chegar às m ãos da autoridade cartas que pudessem
desviar os traços do culpado. T odavia, os encarregados do
envio das cartas não com preenderam a sutileza do plano, e a
polícia na posse daquelas cartas exam inou m inuciosam ente
o apartam ento nos pontos indicados e acabou encontrando
assinaturas de em presas e estudos caligráficos para im itá-los,
carim bos e sobretudo o passaporte m ostrado em L ivorno ao
banqueiro U zielli, sobre o qual o estudo dos peritos caligrá-
ficos levantou a falsidade com etida, m udando o nom e do
.~ m orto C harles R eadly para o de B eadham .
.>
C onheci um ladrão de tão bela inteligência, que tinha

.
,- podido até fazer carreira na área científica com o na vida so-
cial, m as tam bém nesta faltava a m obilidade. U m traço de
,;.-
~.,:
:"- espírito, um epigram a, fazia-lhe às vezes de recom endação.
H abilíssim o em im itar, era porém incapaz de criar. G ranjeava
[-
r:.
: •..
_
a estim a pública só com a fácil verbosidade,
eloqüência quando
que se tornava
era anim ado por algum a paixão.
k -.. E m sum a, geralm ente, todos estes, tam bém os gênios
t"',~~
..f~4i
~}t~::~
~"
têm m ais safadeza (com o os selvagens)
talento. N ão têm coerência
e m ais espírito, não
nem continuidade no trabalho
psíquico - potente, m as de ím pl"to - e quase nunca perseverante.

147
D, Bastos
TI
1 4 . D e lin q ü e n te s c ie n tífic o s I
I
É p o r isso q u e , m a lg ra d o o g ê n io te n h a u m a e sp é c ie d e I
n e u ro se c o n g ê n ita , c o m o a c rim in a lid a d e , m u ito e sc a sso s sã o II
o s d e lin q ü e n te s no m undo c ie n tífic o . D e ste s a in d a , a lg u n s I

n ã o sã o b e m a c e rta d o s. N ã o p u d e re c o lh e r c o m se g u ra n ç a , a
não se r o d e B a c o n e , c u jo s d e lito s d e p e c u la to fo ra m em I
g ra n d e p a rte e fe ito d e d e b ilid a d e d e c a rá te r, m a is d o q u e d e I
â n im o p e rv e rso ; d e S a lú stio e d e S ê n e c a , a c u sa d o s ta m b é m
I
e ste s, m a s se m p ro v a , d e p e c u la to . F o i ta m b é m o c a so d e
C re m a n i, c é le b re ju rista e p e n a lista , q u e m a is ta rd e se tra n s-
fo rm o u e m fa lsá rio ; d e D e m m e , p o te n te ta le n to c irú rg ic o e
ta m b é m la d rã o e e n v e n e n a d o r. N enhum m a te m á tic o , ne-
nhum n a tu ra lista , q u e e u sa ib a , a o m e n o s d e p rim e ira lin h a ,
so fre u c o n d e n a ç ã o p o r d e lito c o m u m . S a b e -se só d e C e sa l-
p in o , q u e p o r u m c rim e d e q u e se ig n o ra a n a tu re z a , p e rd e u
a n o b re z a . É ta m b é m o c a so d e A v ic e n a , u m e p ilé p tic o , e na
v e lh ic e , in q u ie to e e x a g e ra d o n o ó p io , q u e d iz ia q u e a filo so fia
n ã o g a ra n te u m v iv e r h o n e sto , n e m a m e d ic in a c o n se rv a a
sa ú d e . N a Á u stria , n o s c o n ta M e sse d a g lia , a c la sse q u e a p re -
se n to u , e m 1 4 a n o s, m e n o r n ú m e ro d e d e lito s é a d e d ic a d a
às ocupações c ie n tífic a s.

N a d a d e a n o rm a l h á n e sse s c a so s. O h o m e m p ro p e n so
a re sp ira r a se re n a a tm o sfe ra d a c iê n c ia , q u e é p o r si o o b je tiv o
e o d e le ite , h o m e n s e x p e rim e n ta d o s n o s c rité rio s d a v e rd a d e
c o n se g u e m m a is fa c ilm e n te d o m in a r a s p a ix õ e s b ru ta is, e
n a tu ra lm e n te re p u g n a m a to rtu o sa e e sté ril v ia d o d e lito .
P o r o u tro la d o , e ssa , m a is d o q u e a s o u tra s c a u sa s, a p o n ta m
o d e lito c o m o n ã o só in ju sto e iló g ic o , m a s ta m b é m im p ro -
fíc u o , re to rc e n d o se m p re c o n tra q u e m o tiv e r c o m e tid o .
M e n o s fa v o rá v e l se a p re se n ta a c rim in a lid a d e n o s lite -
ra to s e a rtista s. E m m u ito s d e ste s a s p a ix õ e s, p re v a le c e n d o
b e m m a is, p o rq u e e n tra m e n tre o s m a is p o te n te s fa to re s d a

148
TI D, Bastos

I in sp ira ç ã o , sã o m e n o s fre a d a s p e lo s c rité rio s d a v e rd a d e e


I
p e la s se v e ra s d e d u ç õ e s d a ló g ic a . D e v e m o s in c lu ir e n tre o s
I d e lin q ü e n te s B o n fa d io , R o u sse a u , A re tin o , C e re sa , F ó sc o lo
II
e ta lv e z a té B y ro n . E n ã o fa lo d o s te m p o s p o r d e m a is a n tig o s
I
e d e p a íse s se lv a g e n s, e m q u e o b a n d itism o e a p o e sia se

I d a v a m a s m ã o s; c o m o m o stra m o s p o e m a s d e K a le iv a P e a g e

I H e lm b re c h t. M a is c rim in o so s a in d a p a re c e q u e fo ra m A lb e r-
I g a ti,c o m e d ió g ra fo p e rte n c e n te à a lta a risto c ra c ia e fo i u x o ri-

I c id a p o r c iú m e ; M u re tto , q u e fo i c o n d e n a d o p o r d e lito lib id i-


I n o so n a F ra n ç a , e C a sa n o v a , q u e p ro je to u u m e n g e n h o so e
e x tra o rd in á rio e sq u e m a d e m a te m á tic a , fin a n ç a s e c o m u m a
v id a v o lta d a a o e stu p ro e a o e ste lio n a to so b re o s q u a is d e ix o u
u m re la to c o m p le to e c ín ic o d e su a s m e m ó ria s.

F ra n ç o is V illo n , fa m o so p o e ta fra n c ê s, e ra d e h o n ra d a
fa m ília e re c e b e u e sse n o m e (v illo n = g a tu n o , la d rã o ) q u a n -
d o se to rn o u c é le b re n a v e lh a c a ria - à q u a l fo i le v a d o p e lo
jo g o e p e la s m u lh e re s. C o m e ç o u ro u b a n d o o b je to s d e p o u c o
v a lo r, ta n to p a ra o fe re c e r u m b o m re p a sto à s su a s a m ig a s e
a o s c o m p a n h e iro s d e ó c io , e sp e c ia lm e n te v in h o . O m a io r
fu rto c o m e tid o p o r e le , re a lç a d o p e la fa m a , fo i q u a n d o um a
a m a n te , e m c u ja s c o sta s v iv ia , c o m o é c o stu m e e n tre os
la d rõ e s, c o lo c o u -o n a ru a , à n o ite e m p le n o in v e rn o . A n-
dava a rm a d o c o m v a le n tõ e s p a ra a to s d e b a n d itism o a té
q u e fo i p re so p e la se g u n d a vez e por pouco n ã o fo i c o n -
d e n a d o à m o rte .

L u c ia n i n a Itá lia e L e sfro is n a In g la te rra , o p rim e iro o


m a n d a n te e o se g u n d o o a ssa ssin o , e ra m d istin to s jo rn a lista s,
m a s e ste p a re c e q u e e ra to x ic ô m a n o .

T o d o s e sse s c a so s n ã o sã o d e e sp a n ta r. P a ra o s p ro fissio -
n a is, a c iê n c ia n ã o é u m fim , m a s u m m e io , se n ã o h o u v e r
o u tra fo rç a q u e b a ste p a ra d o m a r a s p a ix õ e s. N ã o h á m e lh o r
.,
.~ - e stím u lo q u e o c o rra p a ra fo rn e c e r a rm a s a o d e lito , a o q u a l a
~
•. p ro fissã o o fe re c e à s v e z e s .u m e m p u rrã o , fa c ilita n d o , por
-''"0
~;:;;
~.
,"'**, . 149
D, Bastos

1
e x e m p lo , o e n v e n e n a m e n to a o s m é d ic o s , a fa ls id a d e aos
advogados, o a te n ta d o a o p u d o r a o s m e s tre s .
G ra n d e p a rte d a s m e re triz e s é v e rd a d e ira m e n te ile -
[fa d a . E m 4 .4 7 0 n a F ra n ç a , P a re n t e n c o n tro u apenas 1 .7 8 0
q u e s a b ia m a s s in a r o p ró p rio n o m e e s ó 1 1 0 tin h a m in s tru ç ã o
s u p e rio r. T o d a v ia , e s ta m e s m a re la ç ã o n ã o h á e m L o n d re s ,
o n d e p a ra 3 .4 9 8 p ro s titu ta s ile tra d a s h a v ia 6 .0 5 2 q u e s a b ia m
le r e e s c re v e r im p e rfe ita m e n te , 3 5 5 q u e s a b ia m le r e e s c re v e r
bem e 2 2 c o m in s tru ç ã o s u p e rio r.

1 5 . C o m p a ra ç ã o c o m a in te lig ê n c ia d o s d e m e n te s

C o n fro n ta n d o , e m re la ç ã o à in te lig ê n c ia , o s d e m e n te s
c o m o s d e lin q ü e n te s , v e m o s n a q u e le s p re v a le c e r b e m m e n o s

!
a p re g u iç a . E n tre o s d e m e n te s s e m o s tra um a a tiv id a d e
e x a g e ra d a m a s e s té ril, q u e s e c o n s u m a e m a s s o n â n c ia e u fô -
n ic a , e m tra b a lh in h o s in ú te is e im p ro fíc u o s . C onheci um a
d e m e n te q u e re c o b ria d e p a p e l o s tijo lo s e a té o s u rin ó is , e
a m a rra v a o s liv ro s p o r a m o r à s im e tria , e c o rta v a às vezes
\
p a rte d e u m te x to .
O s d e lin q ü e n te s n ã o d e s e n v o lv e m s u a a tiv id a d e a não
s e r p o r p ró p ria s , d ire ta s e im e d ia ta s v a n ta g e n s , m a is p a ra o
m a l d o q u e p a ra o b e m . V ic e -v e rs a , e n q u a n to e s s e s tê m p o u -
q u ís s im a ló g ic a , o s m o n o m a n ía c o s a tê m d e s o b ra . P o r is s o , é
m a is fá c il e n c o n tra r a lie n a d o s d e a lto s a b e r d o q u e e n tre o s
d e lin q ü e n te s . E b a s ta d iz e r q u e a p e n a s a lg u n s , c o m o B a c o n e ,
S a lú s tio e S ê n e c a s e in c lin a ra m p a ra o c rim e , m a s p o d e m o s
c ita r C o m te , A m p e re , N e w to n , P a s c a l, T a s s o , R o u s s e a u e
ta n to s o u tro s com o m a is ou m enos m e la n c ó lic o s e
m o n o m a n ía c o s .
O s p in to re s , a o c o n trá rio , p a re c e m -m e abundar m a is
e n [fe o s d e lin q ü e n te s d o q u e e n tre o s a lie n a d o s . C o n tu d o ,
d e fo rm a b e m d ife re n te a C G n te c e c o m o s g ra n d e s m e s tre s d a

150
D, Bastos

m ú s ic a : b a s ta c ita r B e e th o v e n , G ounod, D o n iz e tti, Schuh-


m a n n , M o z a rt.

Q u a n to a o n ív e l d e in s tru ç ã o , p o d e -s e d iz e r q u e c o m o
e la fa v o re c e a a lg u m a s m in g u a d a s e s p é c ie s d e c rim e s , ta m b é m
a u m e n ta m a lg u m a s d e m ê n c ia s , c o m o p o r e x e m p lo , a s d o e n -
ç a s , o a lc o o lis m o , a s m a n ia s lite rá ria s , d im in u in d o o u tra s ,
c o m o a s d e m o n o m a n ia s e a s m o n o m a n ia s re lig io s a s e e p id ê -
m ic a s , a s m a n ia s h o m ic id a s e dando a to d a s u m c o lo rid o
m e n o s v io le n to e ig n ó b il.

151
-

D, Bastos
-

,~

;..-'"
_ . ,o ,_ _ • ~ _ _ • ~ • _

-I~ D, Bastos

\,

13. R E IN C ID Ê N C IA P R Ó P R IA E IM P R Ó P R IA .

M ORAL DOS D E L IN Q Ü E N T E S

1 . E sta tístic a s ita lia n a , ru ssa e fra n c e sa d a s re in c id ê n c ia s


2 . R e in c id ê n c ia e siste m a s p risio n a is. C rim e s n a s p risõ e s
3 . R e in c id ê n c ia e in stru ç ã o - 4 . R e in c id ê n c ia im p ró p ria :
R e in c id ê n c ia se g u n d o o s v á rio s c rim e s, R e in c id e n te s jo v e n s,
P ro v é rb io s p o p u la re s, S e n so m o ra l - 5. R e m o rso s
6 . N ã o se n te m a in d a q u a n d o c o m p re e n d e m o m a l. Id é ia
d a ju stiç a , fre q ü e n te m e n te c e rta - 7 . In ju stiç a re c íp ro c a
8 . C o m p a ra ç ã o com o s d e m e n te s - 9. C o m p a ra ç ã o
c o m o s se lv a g e n s - 10. O rig e m p ro v á v e l da ju stiç a .

1 . E s ta tís tic a s ita lia n a , ru ssa e fra n c e sa das re in c id ê n c ia s

~ T odas a s e s ta tís tic a s p e n a is são u n â n im e s em m o s tra r


~ a c o n s tâ n c ia e a fre q ü ê n c ia se m p re m a io r d a s re in c id ê n c ia s

n o s d e lin q ü e n te s . V e rd a d e é q u e e m a lg u n s p a ís e s a re in c id ê n -

c ia p a re c e m u ito e s c a s s a . Is to d e p e n d e , n ã o d a fa lta d e re in c i-

d ê n c ia , m a s d a fa lta d e re g is tro , por não haver a rq u iv o ju d i-

c iá rio o u e q u iv a le n te . R e a lm e n te , e s s a s c ifra s s e v ê e m aum en-

ta r n o s p ró p rio s p a ís e s c o m ( ')a p e r f e i ç o a m e n t o d o s in s titu to s

153
D, Bastos

T
jurídicos e com a introdução dos registros. Na Itália, de 1876
a 1880, os reincidentes condenados pelos tribunais aumen-
raram de 18 a 19,45%. Os condenados pelo tribunal do júri
subiram em 1878 a 13%, em 1880 a 21,5% e 1882 a 22%.
Portanto, em doze anos dobraram. Entre os condena-
dos, foi observado em quatro anos (de 1872 a 1875) um au-
mento de reincidentes de 17 a 21%;"Enfim, do ano de 1870
a 1879, enquanto os condenados por uma só vez cresciam
na proporção de 100 a 121, os reincidentes aumentavam na
proporção de 100 a 176.
Na França, o acusado reincidente (tribunal de júri)
aumentou só 10% em 1826, mas em 1850 a 28%. Em 1867,
isto é, 17 anos após, depois que foram introduzidas as estatís-
ticas judiciárias foram a 42%. Em 1871-1875,44%, em 1876,
44%, em 1877,48%, em 1878, 49%, e em 1879, 50%.
Na Bélgica, calcula-se 70% para os reincidentes em
t
1869-1871. Na Dinamarca, nos estabelecimentos penais em
1872-1874 notaram-se 74% para os homens e 71% para as
mulheres, de reincidentes. Na Prússia, havia uma cifra osci-
lante entre 77 e 80% nos saídos dos estabelecimentos penais
de 1871 a 1877 para os homens e 74 a 84% para as mulheres.

2. Reincidência e sistemas prisionais. Crimes nas prisões

Não há sistema carcerário que salve os reincidentes; .

ao contrário, as prisões são as causas principais deles. Brétig- .


neres De Courtelles atesta que em Clairvaux, 506 reinciden-
tes por furto e vadiagem só tinham agido para poder encontrar .
uma vida mais fácil na prisão. Em 115 presos, 17 declararam .
não haver tomado qualquer precaução na prática do crime,
porque tinham necessidade de estar um ou dois anos na pri-
são, para restaurar a saúde gasta na orgia. Os reincidentes,
continuou ele, entram na prisão contentes, como se entras-

154
D, Bastos

T
sem na própria casa, e os companheiros ficam felizes de revê-
lo e saudá-lo com a alcunha de "viajante".
Bréton (Presídios e Presidiários - 1875) fala de um mise-
rável que cometeu pequenos furtos para voltar à prisão, mas,
em vez do cárcere comum, foi parar numa solitária. Lamen-
tava-se: "A justiça me tapeou e não me acolhem mais nesta
província" .
Queixava-se o chefe de bando Hessel, encarcerado 26
vezes, que o cárcere não o tivesse melhorado e não pudesse
querer a liberdade, que era a miséria e a fome. Ele respondeu
no depoimento: "Tranqüilizai-vos para que tenhamos dez
t~
": dedos; não sofreremos miséria a céu aberto. Onde vocês
O" encontrarão melhor abrigo do que na cadeia? Eu vi uma fa-
l-:\
mília inteira de ciganos ser condenada 16 vezes por vadiagem.
t'7-', Na boa estação saía e mendigava com ar ameaçador; no inver-
•••. ..;1;
'"t
no fazia-se prender para encontrar pão e roupa: a prisão tor-
.j;..
nou-nos melhores? Se tivéssemos encontrado modo de viver
largamente em todas as estações, certamente teríamos pre-
ferido o ar livre".
"i ~ Sobretudo, parece constante a reincidência nas mulhe-
res. Como veremos mais adiante, as reincidências repetidas
são mais freqüentes do que nos homens. Prostitutas, disse
_.
~j;-.
Parent Duchatelet, poucas há que tenham realmente se arre-
'!f"~~."
..--v ~ pendido. Vêem nos casos de penitência um modo de melhorar
'I" >.
.::1.,f<ii--.,. as condições delas. E Tocqueville observou que na América as
't:~ moças dadas à delinqüência são muito mais incorrigíveis do
.•"j:r'.
fli./, que os rapazes.
.'~:r.1. Nem tampouco se deve esperar que a melhoria dos
I'" sistemas
.~~1"", " carcerários possa prevenir ou diminuir a reincidên-
cia. Na França, em 100 liberados da prisão em 1859, 33 ho-
mens e 23 mulhúes retornaram no ano seguinte. Na Prússia,
atesta-se oficialmente, não ter a solitária favorecido aos réus
por paixão, os quais não são verdadeiros criminosos habituais,

155
T
D, Bastos

e d e fa to s o b e d e 6 0 a 7 0 % o n ú m e ro d o s re in c id e n te s , c ifra
e s ta d e 7 0 % q u e s e te m e x a ta m e n te n a B é lg ic a , e m L a u v a in ,
onde o s is te m a c e lu la r é a p lic a d o há doze anos.

3 . R e in c id ê n c ia e in s tru ç ã o

S e p o u c a in flu ê n c ia o s s is te m a s p ris io n a is tê m n a re in c i-
d ê n c ia , a ju d a m e n o s (e u m a c o is a s e lig a à o u tra ) o g ra u d e
in s tru ç ã o . A o in v é s , e s te p a re c e a u m e n ta r a re in c id ê n c ia .
D e n tro e m p o u c o v e re m o s c o m o a in s tru ç ã o , que segundo
c rê e m p e s q u is a d o re s s u p e rfic ia is d e s s e a s s u n to , s e ja u m a p a -
n a c é ia d e d e lito s , é u m a d a s c a u s a s d a re in c id ê n c ia e , p e lo
m enos, u m d e s e u s fa to re s in d ire to s .

Q u e m , c o m o L o c a te lli, q u e in d a g a c o m o p o d e a c o n te -
c e r e s s a in flu ê n c ia p e rn ic io s a d a in s tru ç ã o , n o ta rá q u e o d e lin -
q ü e n te n a p ris ã o a p re n d e c o m a a rte d e fe rre iro o u d o c a líg ra -
fo o s m e io s d e d e lin q ü ir c o m m e n o r p e rig o e m a io r v a n ta g e m .
-N o ta rá , a in d a , q u e .o .a g re s s o r s e tra n s fo rm a e m fa ls á rio , o
la d rã o e m e s te lio n a tá rio o u m o e d e iro fa ls o . N ã o h á , p o d e -s e
d iz e r, e n tre a s v á ria s c a te g o ria s , n a d a a lé m d e m e n o r g ra u d e
c u ltu ra p a ra o c rim e , s e n d o p s ic o lo g ic a m e n te e m u ita s v e z e s
a n a to m ic a m e n te ig u a is u n s a o s o u tro s .

E is p o r q u e v e m o s , s e g u n d o B e ttin g e r, q u e o s re in c id e n -
te s a b u n d a m s e m p re e n tre o s d e lito s d e re fle x ã o e m a is e n tre
a q u e le s c o n tra a p ro p rie d a d e , d a n d o o s fu rto s 2 1 % , a ra p in a
1 0 % , o s h o m ic íd io s só de 5 a 3% .

4 . R e in c id ê n c ia im p ró p ria : R e in c id ê n c ia segundo o s v á rio s


c rim e s - R e in c id e n te s jo v e n s - P ro v é rb io s p o p u la re s -
S enso m o ra l
~ •.I
E s te fa to é d e a lta im p o rtâ n c ia p o rq u e n o s in d ic a o
q u a n to é in ú til, n o q u e d iz re s p e ito à m o ra lid a d e v e rd a d e ira

156
T
D, Bastos

d o ré u e a s u a c u lp a b ilid a d e , o u s e ja a d is tin ç ã o q u e o s c ó d ig o s
e n riq u e c e m : a re in c id ê n c ia p ró p ria e im p ró p ria . E s ta ú ltim a ,
d e re s to , é s e m p re a m a is e s c a s s a . A c u m u la re a lm e n te a re in -
c id ê n c ia p ró p ria e n tre nós em 1 8 7 2 -1 8 7 5 , bem e n te n d id o
c o m e x c e ç ã o d o s d e lito s d e ím p e to , o s q u a is n ã o tê m , a b e m
d iz e r, q u a s e n u n c a re in c id ê n c ia .

A c ifra d o s re in c id e n te s to rn a -s e s e m p re m a io r s e fo re m
c o n s id e ra d o s a lg u n s g ru p o s d e c rim e s , n o s q u a is e s te s s e
re p e te m e e m q u e n ã o re in c id ir to rn a -s e quase um a exceção.
Is s o s e v e rá n a e s ta tís tic a d o s re in c id e n te s de 1874 a 1878,
d a q u a l a p a n h e i o s c rim e s d e ín d o le re a lm e n te p o lític a (e x p u l-
s ã o d e re fu g ia d o s e s tra n g e iro s , d e lito s d e im p re n s a ) e não
re a lm e n te d e d e lin q ü ê n c ia n o s e n tid o a n tro p o ló g ic o (a rm a s
p ro ib id a s ), e a ju n ta n d o c rim e s e d e lito s tid o s c o m o c a te g o ria
q u e p ro p o rc io n a m a m á x im a re in c id ê n c ia .

P o n d o à p a rte o s q u e s e to rn a m c rim e s d e e n fu re c e r o s
p a rtid o s p o lític o s o u q u e s e d e v a m à m u ito m in u c io s a p o líc ia
fra n c e s a (re b e liã o ), p o d e -s e d iz e r q u e e s ta s c ifra s re p re s e n ta m
a c o ta d o s d e lin q ü e n te s n a to s . E q u e m a s e s tu d a s e m le v a r
e m c o n s id e ra ç ã o a d ife re n ç a d o s d e lito s , c o m o fa z e m o s , d e d u -
z in d o a s ta b e la s d e F e rri, a c h a q u e re s o lv e m e m re v o lta d a s
fo rç a s a rm a d a s e a s s o c ia ç õ e s p a ra d e lin q ü ir, fu rto s , v a d ia g e m ,
fe rim e n to s , b ig a m ia , v e ria m e m u m a re a ç ã o b e m m a is e s c a s s a
o s a s s a s s in a to s , o s m o e d e iro s fa ls o s , o s p a rric id a s , o s in c e n d iá -
rio s , o s h o m ic id a s , o s e s tu p ra d o re s , o s fa ls á rio s , fa ls o te s te -
m u n h o , tra p a ç a s , a m e a ç a s , e m ú ltim o , a fa lê n c ia fra u d u le n ta
e a e x to rs ã o .

À s e s ta tís tic a s a d ic io n a m -s e a s m o rte s , n u m e ro s ís s im a s ,


g ra ç a s à s o rg ia s h a b itu a is n o s d e lin q ü e n te s , e a d o s d e lito s
n ã o a d m itid o s o u p u n id o s p e la m a io r h a b ilid a d e a d q u irid a
.I't!t::' n a s p ris õ e s , te rm in a p o r c o n c lu ir q u e o n ú m e ro d o s re in c id e n -
te s re a is n e s s e g ru p o d e c rim in o s o s d ife re u m p o u c o d o s re v e -
la d o s . M a is e x a ta m e n te is to q u e r d iz e r q u e não há quase

157
D, Bastos

:"17.'
"1

alg u m d eles q u e n ão seja rein cid en te. E n isso m e ap raz en co n -


trar-m e d e aco rd o co m u m ilu stre ad v ersário , o T an cred i, q u e
escrev eu n a su a d o u ta o b ra: O Delito e a Uberdade da Vontade-
1 8 7 5 : "A rein cid ên cia é b astan te a reg ra g eral p ara o s co n d e-
n ad o s, m al ap en as se en co n tram em lib erd ad e". L em b ro -m e
d e h av er lid o a esse p ro p ó sito , q u e ap en as saíd o d a p risão ,
o n d e estev e p o r ro u b ar v in te liras d e u m co m p an h eiro de
cela, ro u b o u sessen ta n a m esm a circu n stân cia, d e u m o u tro .
O q u e m ais im p o rta é q u e a co n sciên cia p o p u lar sen ten -
cio u h á sécu lo s:

o S em el m alu s sem p er m alu s = Ig u al ao m al é sem p re


o m al.

o O s lad rõ es n ão se arrep en d em jam ais.


o Q u em co m eça m al, term in a p io r.
;.
~ o V izio p er n atu ra, fin alia fo ssa d u ra = V ício p o r n atu -
~
.,.,- reza, term in a n a fo ssa d u ra.
~.~

~. o Q u em d e u m v ício q u er se ab ster, p eça a D eu s n ão

". o o b ter.

M au d sley escrev eu q u e o v erd ad eiro lad rão , p o d e -se


d izer, co m o d o p o eta q u e n asce tal e se to rn a tal. É co m o
crer q u e se p o d erá refo rm ar o q u e se fo rm o u p o r su cessiv as
- g eraçõ es. E cita C h atterto n q u e n a p risão o u v ia lad rão d ecla-
rar q u e ain d a q u e tiv esse se to rn ad o m ilio n ário , co n tin u aria
a ro u b ar. N o v e en tre d ez d o s co n d en ad o s são assim .
O sen so m o ral falta n a m aio ria d eles. M u ito s n ão co m -
p reen d em realm en te a im o ralid ad e d a cu lp a. U m lad rão m ila-
n ês m e d isse: "E u n ão ro u b o , ap en as tiro d o s rico s o q u e
so b ra p ara eles. E , além d o m ais, n ão ro u b am o s ad v o g ad o s,
o s n eg o cian tes? P o r q u e só a m im acu sam e n ão a eles?"
U m tal R o ssatti, d e q u em d escrev i a fisio n o m ia m e
d isse: "eu n ão im itarei m eu s co m p an h eiro s, q u e fazem m isté-

158
D, Bastos

' .-.'' .
:>

rio d e seu s d elito s, eu m e g ab o d eles. R o u b ei, m as, m ais d e


la m il liras: atacar a p eso tão g ran d e creio ser m ais esp ecu -
lação d o q u e u m fu rto . E ch am am d e ch av es falsas as q u e
n ó s em p reg am o s, m as eu as ch am o ch av es d e o u ro p o rq u e se
ab rem o s co fres d o s rico s sem esfo rço ".
E u m o u tro seu d ig n o co leg a d isse: "F eia ação d e ro u b ar,
d izem o s ;u tro s, n ão eu ; eu ro u b o p o r in stin to . P ara q u e u m
h o m em n asce n esse m u n d o ? P ara d esfru tá-lo . S e n ão ro u b asse
n ão p o d eria d esfru tá-lo , p o rtan to , n ão p o d eria v iv er. N ó s
so m o s n ecessário s ao m u n d o co m o eles. S e n ão fô ssem o s n ó s,
q u e n ecessid ad e h av eria d e ju ízes, d e ad v o g ad o s, d e carce-
reiro s. S o m o s n ó s q u e o s m an tem o s".

~~i'
L acen aire, acen an d o ao cú m p lice A v ril, d izia: "E n ten d i
-,
, :;.
q u e p o d íam o s m istu rar ju n to s a n o ssa "in d ú stria". H á, p o r-
tan to , co n clu ía o p ro cu rad o r d o rei, h o m en s p ara q u em o
-:"'iI~
assassín io n ão é u m a n ecessid ad e ex trem a, m as u m a tarefa
....
q u e se p ro p õ e, d iscu te e ex am in a co m o u m ato q u alq u er .
T o rto ra, a q u em n o jú ri o acu sav a d e lad rão : "q u e lad rão !
L ad rõ es são o s n o b res d a cid ad e e eu , m atan d o -o s, só d o u a
eles o q u e m erecem ".
D isse H essel ao s ju ízes: "N ó s so m o s u m o rg u lh o so ch efe
d e b an d o . D eu s n o s en v io u à terra p ara p u n ir o s av aro s e o s
rico s; n ó s so m o s u m a esp écie d e flag elo d iv in o . E , além d o
m ais, sem n ó s o q u e fariam o s ju ízes?" V ê-se, em su m a, in -
v erter-se co m p letam en te a id éia d o d ev er. E les se ju lg am n o
.-- d ireito d e ro u b ar, e m atar, e q u e a cu lp a seja d a so cied ad e,
tan to q u e D eu s o s d eix a ag ir à v o n tad e. E ch eg am até a atri-
b u ir m érito ao d elito .
O s assassin o s, p rin cip alm en te o s p o r v in g an ça, ach am
q u e p raticam ação h o n esta e alg u m as v ezes h eró ica, ain d a q u e
p eg u em a v ítim a n a em b o scad a. A ssim , M artin elli, ao esti-
m u lar u m m an d atário a m atar u m d e seu s in im ig o s, ig u alav a
a su a in fam e ação à d o s an tig o s ro m an o s, q u e v in g av am co m

159
"T
D, Bastos

sangue a honra ofendida. A culpa, ao contrário, era dos ou-


tros, que se opunham aos seus desejos. O B ., que era dado ao
banditism o desde jovem , e na com panhia de S chiavone, tinha
m atado um a dúzia de hom ens, lam entava-se de ter sido con-
denado a vinte anos. P ara ele, dez bastavam pois que, se m atou
tantos, era seu dever. P orém , ele tinha m atado tam bém tantas
m ulheres, tendo dito que elas m ereciam por rer rentado fugir.

5. R em orsos

F ala-se freqüentem ente de m uitos dos rem orsos dos


delinqüentes. P or isso, poucos anos antes, os sistem as penais
tom avam com o ponto de partida o arrependim ento dos culpa-
dos. M as, quem conviveu, ainda por pouco tem po, no m eio
desses infelizes, adquire a certeza de que eles não têm rem orso.
S egundo E lam e T ocqueville, os piores detentos são os que
.m elhor se com portam nas prisões, porque tendo m ais talen to
do que outros e por serem m ais bem tratados conseguem
sim ular honestidade.

O s carcereiros dizem que é m ais fácil transform ar um


cão num a raposa do que um ladrão num cavalheiro. T om psom
observou que, em 410 assassinos 1 só verdadeiram ente estava
arrependido, e 2 entre 30 m ulheres infanticidas. E u estudei
390 deles, não econom izando qualquer m eio para ganhar a
confiança, e apenas 7 adm itiram ter com etido delito e 2 se
orgulhavam de suas ações. T odos os outros negavam veem en-
tem ente e falavam da injustiça dos outros, das calúnias, da
inveja de que foram vítim as. ~
l
y
U m filósofo m uito m ais célebre do que seus m éritos, o
C aro, escreveu: "V ejam com o os próprios crim inosos acham
justa a pena; eles negam o delito m as concordam com a pena".
I
O pinião ridícula, ainda m ais absurda. A trevem -se a negar
um fato de que eles m ~sm os constituem testem unhas dolo- . -'
',
'.'" "

.:i"
160
.~~.
J::.,.
- - --~ --- - - - - ._ - - - - - - - - - - - - - - - - - -
TI<:
D, Bastos

rosas em todos os m om entos. T odavia, se eles sentissem deve-


ras rem orso, veriam justiça na pena, confessariam o fato, prin-
cipalm ente pessoas benévolas e estranhas ao tratam ento que
infringem a eles. S ~ntiriam prim eiro a necessidade de expan-'
dir-se, de justificar-se perante a sociedade, com m il e um a
razões, que o ser hum ano sem pre encontra em sua defesa.
M as a tenaz, obstinada negação do próprio delito dem onstra
que eles nunca se arrependem .
~
O s poetas fantasiam as im agens turbadas dos hom icidas

-
I'
e D espines disse: "N ada se parece tanto ao sono do justo
com o o sono do assassino". M uitos m alfeitores revelaram ,

,~
,:' realm ente, arrependim ento,
cálculos hipócritas
m as eram
com que pretendiam
extravagâncias
usufruir as nobres
ou

~",,- ilusões dos filantropos, e apagar ou m elhorar as condições


1
presentes.
ik.;
1:'
A ssim , L acenaire, depois da prim eira condenação,
1,. -~~

,-'
escrevia ao am igo V igouroux, para pedir proteção e dinheiro:

I:: "Infelizm ente só m e resta o arrependim ento. V ocê poderá


alegrar-se dizendo que reconduziu um hom em do cam inho
do crim e, para o qual não nasceu, pois sem você eu teria
L,_ continuado a carreira infam e". P oucas horas depois com etia
1:-:'"
um novo furto e planejava um assassinato. A o m orrer
~ ;.-

declarou não haver jam ais com preendido o que seja rem orso.
~
~j E m P ávia, R ognoni pronunciou no júri palavras com o-
~~r ventes que aludiam ao seu arrependim ento. R ecusou vários
",o
,-lt ' dias o vinho, alegando que ele recordava o sangue de seu
,,',"
~ii:..,. irm ão, assassinado por ele. N o entanto, procurava na prisão
l-:~ ~ ~ '
y~ contatos com outros condenados. Q uando alguns destes m os-
.-
1" ,- travam repúdio às suas propostas, am eaçava-os com as pala-
vras: "Já m atei quatro, e pouco m e im porto em m atar o quinto".
I~~
L ê C lerc se declarou arrependido perante o tribunal

,I.~."~{
.....
'';:~~ que o condenou à m orte, e que teria m erecido que lhe cortas-
sem os pulsos, m as andando à execução, balbuciava ao seu
- c "'
",,'
_ ,"
~>.
. ~- ~
;::.

, 161
.•
D, Bastos

com panheiro: "V eja que fom os traídos porque não desconfia-
m os devidam ente de B . A h! Se o tivéssem os m atado .... !".
H á nos tem orsos sim ulados um a desculpa para os deli- ,
tos. M ichielin assim justificava o golpe de graça dado à sua
. vítim a: "V ê-la naquele estado causava-m e tanto rem orso,
que a em brulhei para não lhe ver o rosto".
L em aire disse: "N ão m e arrependo, a não ser. de não
ter sido hábil em m atar todos (pai e filho). Se depois de conde-
nado pudesse divertir-m e e passear, paciência; m as, antes que
trabalhar prefiro m orrer". E recusou advogado, lendo ele pró- .•.
prio sua defesa, que era a apologia do hom icídio. "A gi com
prem editação, na em boscada. N ão peço indulgência; piedade
será m anifestação de desprezo, por isso a devo repelir". E staria

.
~~-
arrependido, portanto, se lhes tivesse
divertir-se. A venain pediu o favor de ser enterrado
deixado m odo de
com
~~~ L em aire, que tinha falado tão bem .
~. A lgum a vez a aparência do rem orso (precisam ente a
7~' som bra que os rom ancistas preferem ) é um efeito de alucina-
t,
ções e ilusões alcoólicas. Philippe e L ucke, logo depois de
,
$
com etido o delito, viam as som bras de suas vítim as; eram
presas dos acessos do alcoolism o e chegou a dizer após a
condenação: "Se não m e m andassem a C aiena, teria repetido
o golpe".
A lgum as vezes, o que parece rem orso é apenas o efeito
do m edo da m orte, ou de um a idéia religiosa que tom a a
form a, m as quase nunca a substância do arrependim ento. O
exem plo talvez m ais clássico, vim os na M arquesa de B rinvi-
lliers, que parecia ao venerando Poirot um m odelo de penitên-
cia, e escrevia nas últim as horas ao seu m arido: "M orro de
um a m orte honesta procurada por m eus inim igos". Q uem
assim declara é um a parricida e fratricida. E quando o confes-
sor convidou-a a m udar aquela conversa, confessou-se inca-
paz de pensar de form a diferente. C onduzida à m orte, decla-

162
_., D, Bastos

rou que ainda naquele m om ento lhe vinha a idéia de lascívia


e de vingança. E aludindo ao seu m arido: "Poderia ele perm a-
,.+ necer no m eio daqueles que m e odiaram ?"
E ncontrei um só caso de verdadeira m etam orfose
m oral em um delinqüente nato. A peguei-m e à pessoa de
.'
•. U . M elicone,
subm icrocéfalo,
40 anos, assaltante, com tio dem ente,
olhos turvos, lábios sutis, que após 20 anos
crânio

de pena teve alucinações religiosas, e se acreditou revestido


. ~. .,

de um a m issão em louvor a N ossa Senhora, cuja im agem


lhe aparecia na cela. A dem ência lhe tinha apagado todos
,'-
. :,ç.<"
os traços de tendência crim inosa, fazendo dele um apóstolo
'I,'
e filantropo.
J~~.
.;y•.
6. N ão sentem , ainda quando com preendem o m al. Idéia
*;.
,~

.~ ' ..
.: r. \
''1('"
da justiça, freqüentem ente

N ão raram ente
c~rta

alguns vislum bram a m aldade de suas


ações, m as não porque as avalia com o nós. Por exem plo,
.'''~~'
;f'.'> D om bey escrevia, após seu prim eiro assassinato: "E spero que
~ todos m e perdoem essa m aluquice". R ouet, saindo para o
,~~
"";,$: patíbulo, para onde o levou um assassinato com furto, m ur-
m urava: "Fazer m orrer um hom em por tão pouco!".
~~,'
Q uando o juiz perguntou a A nsalone: "V ocê não se
toca de ao m enos haver roubado um cavalo?" R espondeu
ela: "C om o ,poderia considerar isto um furto? Poderia um
chefe de bando andar a pé?".
O utros acreditam que a m alvadeza da ação seja dim i-
nuída ou justificada pelas boas intenções, com o H olland, que
m atava para dar o que com er à m ulher e ao filho. O u então
da im punidade de outros que com eteram crim es piores"espe-
cialm ente se foram cúm plices, ou pela falta de um a determ i-
nada prova ou de sua insuficiência, ou de ser acusado de um
delito diferente daquele realm ente com etido. A contece então

163
D, Bastos

q u e s e a rre m e tia v io le n ta m e n te c o n tra a ju s tiç a , com o se


fo s s e e s ta q u e tiv e s s e c o m e tid o o d e lito .
O s la d rõ e s d e L o n d re s , o b s e rv a M a y h e w , a c re d ita m que
n ã o c a u s a m m a is m a le fíc io d o q u e o s fa lid o s . A c o n s u lta c o n -
tín u a d o s p ro c e s s o s c rim in a is e d o s jo rn a is o s p e rs u a d e de
que há tra ta n te s ta m b é m n a a lta s o c ie d a d e . P o b re s c o m o
s ã o d e in te lig ê n c ia c o n fu n d e m a re g ra c o m a e x c e ç ã o , e d e d u -
z e m d is s o n ã o p o d e r s e r m u ito m a ld o s a u m a a ç ã o q u e é c o m e -
tid a p o r ric o s e p o r is s o n ã o b a s ta ria p a ra c o n d e n á -lo s . E s c re -
v e u o a s s a s s in o R a y n a l n o s e u liv ro Desgraça e Sorte: "S abendo
que 3 /4 d a s v irtu d e s s o c ia is s ã o v íc io s m e d ro s o s , c re m o s ser
m e n o s ig n ó b il o a s s a lto b ru s c o a u m ric o d o q u e a c o n d e n a ç ã o
c a u te lo s a d a fra u d e . D ife re n te d e m u ito s q u e m is tu ra m a
p ro b id a d e d e le s à e s p e s s u ra d o c ó d ig o , n ã o q u e re n d o a d a p ta r
a m in h a in te lig ê n c ia à m a la n d ra g e m , m e fiz b a n d id o " .
O la d rã o G ia c o s a d iz ia q u e h á d u a s ju s tiç a s n o m u n d o :
a " n a tu ra l" , o u s e ja , a q u e p ra tic a v a quando d a v a a a lg u n s
p o b re s u m a p a rte d o s o b je to s ro u b a d o s , e a " c o m p o s ta " , is to
é , a p ro te g id a p e la le i s o c ia l, a q u e e le n ã o lig a v a .
T o d a v ia , é m is te r c o n v ir q u e a id é ia d o ju s to e d o in ju s to
n ã o é a p a g a d a , p le n a m e n te , e m to d o s o s d e lin q ü e n te s , m as
e s ta s e to rn a e s té ril, p o rq u e é m a is c o m p rim id a n a m e n te do
q u e é s e n tid a n o c o ra ç ã o e é s e m p re s u fo c a d a p e la p a ix ã o e
p e lo h á b ito .
P re v o s t, fa la n d o d o a u to r a in d a d e s c o n h e c id o dos ho-
m ic íd io s c o m e tid o s , d iz ia : " A e s te a g u ilh o tin a não deve
fa lta r" . L e m a ire d iz ia : " S e i q u e fa ç o m a l; s e a lg u é m v ie s s e a
m im e m e d is s e s s e q u e fa ç o b e m , e u lh e re s p o n d e ria : "você é
u m c a n a lh a c o m o e u , m a s n ã o p o r is s o , s e g u iria o b o m c a m in h o " .
N o ta -s e q u e a s m e re triz e s re p e le m a le itu ra d e liv ro s
obscenos, com o os condenados à p ris ã o re p e le m o s re la to s
d e a ç õ e s in ju s ta s o u in fa m e s . U m a p ro v a q u e m u ito s c o m p re -
endem s e r d o m a u c a rií.'in h o , n ó s a te m o s ta m b é m ao ver os

164
II
D, Bastos

filó s o fo s d o c rim e e o s la d rõ e s e n riq u e c id o s , a s s im c o m o a s


p ro s titu ta s , fa z e n d o to d o o p o s s ív e l p a ra q u e s e u s filh o s n ã o
o s s ig a m n a tris te c a rre ira . Q u e m a is ? H á o s q u e a in d a p re -
v e n d o a s p e n a s n ã o s ó a s o lh a m c o m d e s d é m , m a s a s to m a m
c o m o ra z ã o d a m a is re fin a d a c ru e ld a d e .

R a ffa e le P e rro n e , ju n to c o m s e u irm ã o F o rtu n a to , se


a lte rc a n d o c o m u m ta l F ra n c h i, g o lp e a ra m -n o a m a rte la d a s .
R a ffa e lle v e n d o q u e a v ítim a a in d a d a v a s in a is d e v id a , p is o -
te o u -o d iz e n d o : " V o c ê n ã o e s tá m o rto ? T a n to q u e d e v o p e g a r
p o r v o c ê 2 5 o u 3 0 a n o s d e g a le ra , e n tã o q u e ro a c a b a r c o m v o c ê !"

N ã o é o c rité rio , n e m a c o n s c iê n c ia d a v e rd a d e , n e m o
s e n tim e n to ju ríd ic o , e m s u m a , q u e fa lta s e m p re a e le s , s e
b e m q u e s e re v e la a a titu d e d e c o n fo rm a r-s e a e s te c rité rio .
D is s e H o rw ic k : "U m a c o is a é te r c o n h e c im e n to te ó ric o de
u m fa to , o u tro é a g ir e m c o n s e q ü ê n c ia ; p o rq u e o c o n h e c i-
m e n to s e tra n s fo rm a e m d e s e jo v o lu n tá rio , c o m o o s a lim e n to s
e m c a rn e e s a n g u e , o q u a l re q u e r u m fa to r: o s e n tim e n to ; e
e s te fa lta n e le h a b itu a lm e n te .

Q uando s ã o re u n id o s e q u e s ó o s e n tim e n to d e le s n ã o
s e o p o n h a , m a s te n h a u m d ire to in te re s s e (v a id a d e s a tis fe ita ,
m a io r s e g u ra n ç a ) p a ra fa z e r triu n fa r a ju s tiç a , e n tã o a p lic a m
a e n e rg ia que usam p a ra fa z e r o m a l. E m u m a re u n iã o de
jo v e n s la d rõ e s , p ro m o v id a e m L o n d re s p o r u m filó s o fo d o
c rim e , fo ra m s a u d a d o s c o m p a lm a s e a p la u s o s o s re in c id e n te s
d e 1 0 a 2 0 v e z e s . U m la d rã o c o n d e n a d o p e la v ig é s im a v e z fo i
a c o lh id o c o m o h e ró i e m triu n fo . P o ré m , q u a n d o o p re s id e n te
e n tre g o u -lh e um a m oeda d e o u ro p a ra tro c a r e m d in h e iro
n o b a n c o , m a s o h e ró i n ã o re to rn o u . A in q u ie ta ç ã o e ra g ra n d e
e c o m e ç a ra m a g rita r e m c o ro : " S e n ã o v o lta r, n ó s o m a ta -
re m o s , m a s e le re to rn o u c o m a s o m a d e v id a , p a ra a le g ria g e ra l.

E s te la d o b o m d a s p a ix õ e s d e le s p o d e c o lo c a r-n o s no
c a m in h o p a ra o b te r a m e lh o ria d o d e lin q ü e n te , to m a n d o -o
p e lo la d o d a p a ix ã o e d o c a p ric h o m a is d o q u e d o la d o d a

165
D, Bastos

3
'". .,.
.. '
razão; m ais com a com oção, com a estratégia dos sentim entos
do que com a ginástica intelectual ou com a catequização
...
~
.

pedantesca, com o se faz (com desperdício de tem po e de


dinheiro) nas prisões.
A ssim , A nderson, condenado perigoso, considerado in-
corrigível, tornou-se um cordeiro quando M oconoch o em -
pregou para dom ar touros selvagens, e retornou a ser o terror
da colõnia penal quando foi reconduzido à cadeia e ao ócio.
Em M oscou, colocaram para julgar os atos dos delinqüentes,
os próprios com panheiros, e foram encontrados vereditos de ~
fazer corarem os nossos jurados. U m a vez, tendo com etido
, pequeno furto um delinqüente jovem instigado por um velho
ladrão, foi ele condenado a 40 chibatadas e o velho ladrão a 80.

;:.~. O s ladrões de Londres são exatíssim os nas repartições, ,


.'
-p.
e quando alguém se m ostra infiel é m orto ou denunciado
polícia. N a Ilha de Santo Estevão, em 1860, os condenados,
à ;
'
;l:'<'i'••
~--
deixados a si m esm os, para não correr O perigo de m orrerem
i&;:'
.~ :
de fom e com o furto das escassas provisões e de serem truci-
dados todos pelas lutas intestinas entre puglieses e calabreses,
,
~,
lutas que um a custódia regular não poderia m oderar, form u-
laram um código draconiano com posto pelos chefes dos parti-
dos rivais que foi aplicado por estes últim os com extraordi-
nária severidade. A ssim , Pasquale O rsi, por um leve furto de
farinha, foi condenado a 50 chicotadas e trinta dias de restrição.
U m outro, que tinha roubado duas bengalas de um
com panheiro foi condenado a girar por toda a ilha com essas
bengalas am arradas no corpo. Era condenado à m orte quem
m atasse um com panheiro, quem som ente am eaçasse e ofen-
-desse a pessoa e o patrim ônio dos guardas ou dos "ilhéus". ,
Essa norm a salvou a honra das m ulheres e a vida dos guardas,
e foi a causa da m orte de vários condenados.
.
Por exem plo, um tal de Sabbia tinha roubado um a ca-
bra. D escoberto, pregáva em vão de pagar o crim e com um a

166
D, Bastos

3;~'1'
.•,:',;!J-~
"':,
!ti
~ •.. ,
'.
••
-' ..•~
~ ...• .
.
~.t"'~
."~'
,'~ .. m ulta em dinheiro. A cabra não se paga em dinheiro m as com
sangue, disse o condenado encarregado de neo-jurista. Em
seguida, com golpes furiosos de pedra e estilete m atou-o e jogou
o cadáver pelos despenhadeiros da ilha. A cabra, colocada
no m eio do pátio, serviu de terrível exem plo aos ladrões.
D ois am igôs de Sabbia tiveram a vida poupada a m uito custo
porque dem onstraram isenção de cum plicidade no furto.
,-~
% ;;~
;,
U m certo C entrella, acusado de ter posto a m ão no
~ -~
que não era seu, tendo provado lum inosam ente seu álibi, foi
l~
~tMilt".o.o absolvido depois de longa detenção, m as foi expulso da com is-
~
.( são legislativa, da qual era m em bro, pois que essa com issão
_;<t~\
<+'.:i'<'
não queria que um seu m em bro tivesse sido posto sob suspeita
~:~~~
por ter infringido o código de honra.
,.~ 4;
.•...;
""",
;:,'t""
':,rt
c'

;,~
''''~.,

..;
7. Injustiça recíproca

'~
N ão é que essa espécie de m oral e de justiça relativa,
,'.:~~' saída de im proviso no m eio de um a coletividade injusta seja
'I;" .~
~ '::)~ forçada e efêm era. Q uando, em vez de ser favorecido, for

:t{ prejudicado o interesse de alguém , ou se a desordem provoca

~-
,
,. ~
paixão, então este critério de verdade, que não se apóia no
senso m oral, chega rapidam ente.

'I",f A o contrário do que m uitos crêem , os delinqüentes,


., ''''-'''!<'-~ na m aioria das vezes, faltam à lealdade com os próprios com -
.t""i-.•
'.a:
:,o'
panheiros e até com os cúm plices da m esm a fam ília, Enquan-
to eles acham ignóbil e infam e a delação, quando conseguem ,
~~i,;.,. a dano de outrem , por um a dessas contradições que se observa
;~ : m uitas vezes no coração hum ano, não hesitam em delatar os
,.:~, outros. O que é um instrum ento precioso para a justiça, é
,!t um a das causas das contínuas turbulências e das vinganças
.~l=, que ocorrem nas prisões.
Esses delatores agem para m elhorar um pouco a sua
posição ou para piorar a inveja dos outros, e não serem os

167
D, Bastos

ú n ic o s a s o fre r, o u p a ra v in g a r-s e d e u m a v e rd a d e ira o u im a g i-


n á ria d e la ç ã o . O c é le b re c h e fe a s s a s s in o H a a s d e c la ro u que
e le a rre b a n h a v a c ú m p lic e s e x a ta m e n te p a ra n ã o s e r, n o c a s o
d e s e r d e s c o b e rto e p re s o , c o n d e n a d o s o z in h o . N o p ro c e s s o
A rtu s , e m B e llu n o , e ra h o rrív e l v e r o s filh o s la d rõ e s d e p o re m
c o n tra o p a i, a p o n ta n d o a s c irc u n s tâ n c ia s m a is a g ra v a n te s ,
in v e n ta n d o a té fa ls id a d e s .

E n tre o s la d rõ e s , e s c re v e V id o c q , p o u c o s há que não


c o n s id e ra m um a s o rte s e r c o n s u lta d o p e la p o líc ia . Q uase
to d o s s e d e s d o b ra m e m q u a tro p a ra d a r a e la p ro v a d e z e lo .
O s m a is z e lo s o s e ra m o s q u e m a is tin h a m a te m e r p o r p ró p ria
c o n ta . A lé m d o m a is , o s la d rõ e s n ã o tê m in im ig o s m a is c ru é is
d o q u e o s a n tig o s c o n d e n a d o s , q u e a p lic a m o m á x im o c u id a d o
n a p ris ã o d e u m a m ig o . N a fa lta d e fa to s v e rd a d e iro s , são
c a p a z e s d e im a g in a r o u tro s , e , o q u e é m a is e s tra n h o , são ca-
p a z e s d e a trib u ir a o s o u tro s o s p ró p rio s d e lito s , m esm o com
o ris c o d e e le s v a le re m c o n tra si m esm os.

A e s te re s p e ito , u m a c e rta B a illy e u m c e rto O n a s te


fo ra m c o n d e n a d o s trê s v e z e s p o r d e lito s q u e tin h a m d e c la ra d o
c o m o s e n d o d o s o u tro s . O s la d rõ e s d e L o n d re s , q u e ta n to se
re v o lta m c o n ta o s d e la to re s , s ã o o s p rim e iro s a tra íre m -s e
u n s a o s o u tro s . L a c e n a ire , a o d e n u n c ia r o s s e u s c ú m p lic e s ,
a p o n ta v a c irc u n s tâ n c ia s q u e p o d ia m c a u s a r d a n o s a e le p ró -
p rio , B o u s c a u t fe z p re n d e r to d o s o s c o m p a n h e iro s d o s fa m o -
s o s b a n d o s d e in c e n d iá rio s d a F ra n ç a . C a ru s o fo i n o s s o a u x ílio
m a is ú til c o n tra o s b a n d id o s ; por pouco não causou a p ris ã o
d e C ro c c o .

B u rk e , p e rg u n ta d o p o r H a re c o m o fa ria s e fa lta s s e m as
v ítim a s , re s p o n d e u : " E m to d o c a s o , re s ta m n o s s a s m u lh e re s
e n o s s o s c ú m p lic e s " . D o s n o s s o s c h e fe s d e b a n d o , que eu
s a ib a , s ó S c h ia v o n e tra ta v a c o m ju s tiç a o s s e u s p o u c o h o n ra -
d o s s u p e rv is io n a d o s . O s d e m a is e ra m p re p o te n te s e in ju s to s
c o m o s p ró p rio s c ú m p ,h c e s . C o p p a , p o r le v e fa lh a d e g o lo u
"I
168 :
':'~ '
",i
'-~
D, Bastos

v in te s e q u a z e s . F u z ilo u o irm ã o p o r te r d e m o lid o u m c a s e b re


s e m s u a o rd e m .

N esse m esm o s is te m a a d o ta d o p e lo s p re s id iá rio s de


S a n to E s te v ã o , u n s c a u s a ra m fe rim e n to s a o u tro s , p o r v in -
gança, te n d o o c a s io n a d o fa m o s o p ro c e s s o . P re c is a m e n te o
c h e fe d e s s a e s tra n h a c o m is s ã o " ju ríd ic a " , p a ra v in g a r-s e d e
u m c e rto F e d e le , q u e , c io s o d e s u a fo rç a m u s c u la r, m o s tra v a -
s e p o u c o re s p e ito s o , a p u n h a lo u -o c o m a p ró p ria m ã o , p ro i-
b in d o a u m a p a tru lh a q u e o s u rp re e n d e ra n a p rá tic a d o c rim e ,
d e d a r n o tíc ia a a lg u é m . T ã o frá g il e in c o n s ta n te é n o s m a lfe i-
to re s e s ta h o n e s tid a d e re la tiv a , e s s a p s e u d o ju s tiç a , que nasce
s ó d e u m m o m e n tâ n e o in te re s s e o u d e u m a fu g a z p a ix ã o ,
m a is v io le n ta , m a s m e n o s ig n ó b il.

8 . C o m p a ra ç ã o com o s d e m e n te s

S e n ó s c o m p a ra rm o s a m o ra l d o s d e lin q ü e n te s com a
d o s d e m e n te s , e n c o n tra re m o s c u rio s a s d ife re n ç a s e a n a lo g ia s .
O d e m e n te m a is ra ra m e n te n a s c e m a ld o s o e im o ra l. E le a s s im
s e to rn a e m u m a d e te rm in a d a é p o c a d a v id a , s e g u in d o -s e a
um a doença que m uda o u m o d ific a o s e u c a rá te r, e que o
a s s e m e lh a a o c rim in o s o . E le s e n te a lg u m a s v e z e s re m o rs o ,
o rg u lh a -s e d e s e u s d e lito s , o u d e c la ra s e n tir-s e c o n s tra n g id o
.à v id a to rta , m a lg ra d o s u a v o n ta d e . S e c o m e te u m d e lito ,
re c o n q u is ta , q u a s e p o r u m a c ris e re m o ta , a lu c id e z d e id é ia s
e o s e n s o d o ju s to , q u e o le v a a c o n fe s s a r n o s trib u n a is , n ã o
c o m o c in is m o d o d e lin q ü e n te m as com a expansão de peca-
d o r a rre p e n d id o .

O q u e d is s e m o s a c im a p a re c e s e r o c a s o d e V e rg e r, d a
A .R ., d e L iv i, d e D o s s e n a d i B iffi. E le s s e p u s e ra m s o b o m a n to
~' d o s c o m p a n h e iro s d a p ris ã o o u d o s a d v o g a d o s , d is s im u la ra m
", ,. o p ró p rio d e lito (V e rz e n i, F a rin a ), n ã o e x p u s e ra m nunca a
ISt,' h a b ilid a d e n e m a te n a c id a d e d o d e lin q ü e n te h a b itu a l.

:~~
'f"t":;: 169
i,~,
~;fttt'
D, Bastos

Q uem m a ta p o r u m a v io le n ta com oção d e â n im o , e n -


q u a n to s e to r n a com um a im p r e v id ê n c ia d e to d o a c o n te c i-
m e n to f u tu r o , d if e r e p e lo s ú b ito a r r e p e n d im e n to que se segue
a o d e lito e p e lo d e s e jo d e d a r u m d e sa fo g o com o f a to de
d e n u n c ia r - s e à ju s tiç a .

9 . C o m p a ra ç ã o com o s s e lv a g e n s

N enhum r e m o r s o p o r é m a p r e s e n ta o hom em s e lv a g e m ;
e s te n o r m a lm e n te s e g a b a d e s e u s d e lito s . P a r a e le , a ju s tiç a é
s in ô n im o d e v in g a n ç a , d e f o r ç a . P a r a o s g a u le s e s (C é sa r: D e
B e llo G a llic o ) , o s f u r to s c o m e tid o s f o r a d a c id a d e n ã o r e p r e s e n -
ta v a m in f â m ia . E n tr e o s a lb a n o s o h o m ic íd io n ã o é d e lito ; f o r te
q u e r d iz e r ju s to , e d é b il q u e r d iz e r f e io . S c h ip e ta r o se gabava
d e h a v e r r o u b a d o , c o m o s e tiv e s s e p r a tic a d o u m a a ç ã o h e r ó ic a .
O s s c ió ia s o lh a m o v íc io c o m o s e f o s s e v ir tu d e ; o h o m ic íd io
c o m r a p in a é u m m e io d e s e d is tin g u ir . N a s d a n ç a s , n a s f e s ta s ,
o g u e r r e ir o c o n ta o s a s s a s s in a to s c o m e tid o s e s e c o b r e d e g ló r ia s .

A a n tr o p o f a g ia é u m d o s c o s tu m e s m a is c o m u n s dos
s e lv a g e n s . O hom em n a s I lh a s F e e g e é r e f e r id o com o lo n g o
p o r c o . N a A u s tr á lia , O b f ie ld n ã o e n c o n tr o u s e p u ltu r a de m u-
lh e r e s e c o n c lu iu d is s o q u e o s p a is e o s m a r id o s a s m a ta v a m
a n te s q u e f ic a s s e m v e lh a s e m a g r a s , e d e m a u s a b o r . P o u c a s
d e la s f o r a m e n c o n tr a d a s v iv a s , s e m q u e e s tiv e s s e m m a rc a d a s
d e c ic a tr iz e s p e lo c o r p o .

N a lín g u a d o s p e r u v ia n o s " m ir c a " s ig n if ic a c o m e r o s p r ó -


p r io s p a is . N a m ito lo g ia d e le s h a v ia u m d e u s p a r a o s p a r r ic i-
d a s a n tr o p ó f a g o s : " m ir c ik - c o y llo n " . O h a b ita n te da N ova Z e-
lâ n d ia u s a u m a h o r r ív e l p a la v r a , q u e , tr a d u z id a s ig n if ic a m a ta r
u m a c r ia n ç a n a s v ís c e r a s d a m ã e , p a r a d e p o is c o m ê - la . E n tr e
o s f e e g is , m a ta r o s g e n ito r e s é u m c o s tu m e . O s f ilh o s , q u a n d o
c r ê e m c h e g a d o o te m p o , d ã o o a v is o a e le s , e d e p o is , e m c o m -
p a n h ia d o s p a r e n te s , m a ta m ;n o s e m o n ta m u m a la u ta m e s a .

170
D, Bastos

E m T a iti, o in f a n tic íd io e r a q u a s e u m c o s tu m e r e lig io s o ,


c u ja s m ã e s m a ta v a m c e r c a d e d o is te r ç o s d e s e u s f ilh o s . O s
p a ta g ô n io s c o s tu m a m a lim e n ta r - s e d a p e r n a d o s in im ig o s , e ,
quando h á f a lta d e s te s , pegam a s m u lh e r e s m a is v e lh a s d a
tr ib o , su fo c a m -n a s n a fu m a ç a e as com em to ta lm e n te . Os
bechuanos quando q u e re m p re n d e r u m le ã o n o la ç o , d e s s e s
que a p r e c ia m a c a rn e hum ana, jo g a m n a fo ssa c o m o is c a
u m a m u lh e r e u m m e n in o .

1 0 . O r ig e m p ro v á v e l da ju s tiç a
C e r ta m e n te f o i s ó d o d a n o g e r a l c a u s a d o p e la p r e p o tê n -
c ia d e p o u c o s q u e d e v e te r n a s c id o a p r im e ir a id é ia d a ju s tiç a
e d a le i. N e s te a s p e c to , o c u r io s o c ó d ig o in v e n ta d o p e lo s
p r e s id iá r io s d e S ã o E s te v ã o , p e la g r a v id a d e d a s p e n a s re c o rd a
m u ito bem a s le is m e d ie v a is e a dos povos p r im itiv o s . Por
e le , p o d e - s e m o s tr a r p o r q u a l s é r ie d e e v e n to s n e c e s s á r io s
tin h a m s a íd o o s c ó d ig o s dos povos b á rb a ro s, com o r e v e la
u m n o v o p o n to d e a n a lo g ia e n tr e o s s e lv a g e n s e o s d e lin q ü e n te s .

171
"I~
D, Bastos

II
I
I

;
".~I

i
I
iI'
i
t
I
~

'n
!7 .
"

~ .- - >
1;1, ;"

:f:v

d.'-',. .- ,

"',-.'~. .- - .....,
;. .
D, Bastos

'I
l

11

11

14. J A R G Ã O (G ÍR IA )

1. A tributos substitutos - 2 . D ocum entos históricos


,3. D esfiguração de palavras - 4 . P alavras estrangeiras

i
5. A rcaísm os - 6 . C aracteres e índole das gírias - 7 . D ifusão
8. G ênesis do jargão - 9. G íria em sociedades
10. C aracteres: extravagâncias - 1 1 . C ausa: contato
1
12. C ausa: tradição - 1 3 . C ausa: atavism o

I
14. C ausa: prostitutas - 15. D em entes

1 . A trib u to s

U m
s u b s titu to s

d o s c a ra c te re s
m a z e a s s o c ia d o ,

é o u s o d a lin g u a g e m
p a rtic u la re s
c o m o a c o n te c e

to d a
d o d e lin q ü e n te
se m p re n o s g ra n d e s

p a rtic u la r, em que o lé x ic o
c o n tu -
c e n tro s ,

é m u-
I
dado c o m p le ta m e n te , e n q u a n to n o c o s tu m e g e ra l, o tip o g ra -
m a tic a l e s in tá tic o c o n se rv a -se ile s o . E s ta m u ta ç ã o vem de
v á rio s m odos. O m a is p ró x im o e c u rio s o , e que a p ro x im a a

g íria à lín g u a p rim itiv a , é o d e c h a m a r o o b je to p e lo s s e u s a tri-


b u to s , c o m o " s a lta d o r" p o r c a b rito , " m a g ra " o u " c e rta " a m o rte .

O ja rg ã o é que a u x ilia o filó s o fo p a ra p e n e tra r nos se-


g re d o s do â n im o dessas in fe liz e s c ria tu ra s , m o s tra n d o -n o s ,

"": 173

.
,
D, Bastos

.r",'"r,.~,o
p o r e x e m p lo , q u e id é ia s e f a z d a ju s tiç a , d a v id a , d a a lm a e d a
~
m o r a l. A a lm a , d e f a to , é c h a m a d a d e " f a ls a " , a v e r g o n h a de
"v e r m e Iho n a "11
e s a n g u m. o s a , Ilu""é
veu o c o rp o , "1"1
ve oz a ua. i,
I
O advogado é cham ado d e "b ra n c ã o ", c o m o a q u e le q u e d e v e
"
"
I
lim p a r a c u lp a d e le s . !

A lg u m a s v e z e s , a tr a n s f o r m a ç ã o
e m p r o c e s s o q u e s e p o d e r ia d iz e r d e " s e m e lh a n ç a
m e ta f ó r ic a c o n s is te
d e rru b a d a ",
f
I
c o m o p o r e x e m p lo , " s a b e d o r ia " p o r s a l, p o r in f lu ê n c ia do sen- J
tid o d e lín g u a s a lg a d a d o s m a le d ic e n te s , p r ó p r ia d o s d e lin -
q ü e n te s ,m a is r ic o s d e e s p ír ito d o q u e d e ju íz o . O u tr o e x e m p lo
é a lo c u ç ã o " e n g o lir u m p e r iq u ito " , s ig n if ic a n d o to m a r um
g o le d e a b s in to , le m b r a n d o a a lu s ã o à c o r , já q u e a m b o s s ã o
v e rd e s. A s m e r e tr iz e s re c e b e m o nom e d e " h o te l" , a lu s ã o a
q u e to d o s p o d e m usar desde que paguem .

j
~
2 . D o c u m e n to s h is tó r ic o s ":r
c:
1."
~

".
".
L
d a lh a
À s v e z e s , a m u d a n ç a d e n o m e c o n s titu i v e r d a d e ir a
h is tó r ic a q u e m e r e c e r ia f ic a r n a lín g u a com um ,
m e-
em I "

p a r te consegue. M u ita s e x p re ssõ e s d a lín g u a d e m a la n d r o s

~
p e n e tr a m n a lín g u a e r u d ita . M u ita s p a la v r a s f o r a m c r ia d a s ,
com o e n tr e o s s e lv a g e n s , p o r o n o m a to p é ia , com o " tiq u e -
ta q u e " , d e s ig n a n d o r e ló g io . O u tr a s tr a n s f o r m a ç õ e s c o n s is te m j.
e m a u to m a tis m o s r e s u lta n te s d e r e p e tiç ã o d e s íla b a s , c o m b i-
~
. n a d o s c o m s u p r e s s õ e s , m e tá te s e s e o u tr a s .
;

I~
3 . D e s f ig u r a ç ã o d e p a la v r a s ~
O u tr a f o n te d e s s e lé x ic o v e m d a d e s f ig u r a ç ã o f o n é tic a
d a s p a la v r a s , m a is f r e q ü e n te m e n te por um d e sse s g ra n d e s
p rõ c e sso s q u e o g ra n d e M a r z o lo c h a m a v a d e f a ls a r e d u ç ã o
e tim o ló g ic a . O u tr a s d e f o r m a ç õ e s s ã o d e v id a s p e la ju n ç ã o de
d e s in ê n c ia s a u m e n ta tiv a s , e p r in c ip a lm e n te p e jo r a tiv a s .
Q uando s e tr a ta d e e s c < ;> n d e ro s ig n if ic a d o d e u m v o c á b u lo ,

174
D, Bastos

~o,","
.:"

a g ír ia n ã o e v ita a lo n g á - lo ; com a in te r c a la ç ã o d e a lg u m a
~"
s íla b a , s e g u n d o n o r m a s f ix a s ; is s o a lo n g a s e m p r e a p a la v r a .
i,~
I' A te n d ê n c ia m a is c o m u m é , p o r é m , a d e a b r e v ia r .

f~
I.
4 . P a la v r a s e s tr a n g e ir a s

A s p a la v r a s e s tr a n g e ir a s s ã o f o n te v a s ta d o lé x ic o : h e -
~ b r a ic a s n o ja r g ã o g e r m â n ic o ; a le m ã e s e f r a n c e s e s n o s ita lia -
n o s ; ita lia n o s e c ig a n o s n o s in g le s e s . A lín g u a h e b r a ic a , ou
m e lh o r , a ju d ia , d e u a m e ta d e d a s p a la v r a s d o ja r g ã o h o la n d ê s
e c e r c a d e u m q u a r to d o a le m ã o : e u c o n te i 1 5 6 n o c o n ju n to
de 700.

5 . A r c a ís m o s
j~'
~l'J'':;''
r«< O m a is c u r io s o c o n tin g e n te d o s ja r g õ e s é d a d o p e la s
: .~.

p a la v r a s a n tiq u a d a s e p e r d id a s c o m p le ta m e n te n o s lé x ic o s
J.

I
"
v iv o s . U m avanço a r c a ic o
h ie r ó g lif o s é o te r m o " s e r p e n te "
q u e re c o rd a a té o s te m p o s
p a r a d e s ig n a r " a n o " , c o m o o
dos

s á b a d o é o " d ia d o v e lh o " e te r r a é " m ã e " ; e a in d a " b r e v iá r io "

~.
p o r le tr a .

..
6 . C a r a c te r e s e ín d o le d a s g ír ia s
~."
'!•.••
E s s e s a r c a ís m o s s ã o ta n to m a is s in g u la r e s quando se
; .'1

'~
.. p e n sa n a g ra n d e m o b ilid a d e e m u ta b ilid a d e d a s e x p re ssõ e s
I~;. d e g ír ia . P o r is s o v i e m P a v ia e T o r in o in tr o d u z id a s e m udadas
~.i
g r a n d e q u a n tid a d e d e s ig n if ic a d o s , c o m o p o r e x e m p lo , " g r ã "
p o r la d r ã o , " m ic h ig o " p o r r a p a z , " p ila a " p o r d in h e ir o , " s p ig a "
p o r r u a , " g ia n " p o r s o ld a d o . É im p o r ta n te n o ta r a e s tr a n h a
r iq u e z a d e s in ô n im o s p o r c e r to s o b je to s q u e m a is in te r e s s a m
a o s d e lin q ü e n te s , e a s s im s e r e v e la o ín tim o d o â n im o d e le s .
A s s im C o u g n e t e R ig h in i e n c o n tr a r a m 1 7 p a la v r a s p a r a d e s ig -
n a r " g u a r d a ! O u " p o lic ia l" .

175
D, Bastos

o jargão. francês tem 44 sinônim as de em briaguez, 20


de beber e 8 de vinha, enquanto. tem 19 para água e 36 para
dinheiro. O s delinqüentes têm necessidade de bans alhas (e
nós vim as que têm alheiras m ais capazes). Par isso. cham am
as alhas de "ardentes", "m iragem " e autras. H á tendência
para anim alizar, bestializar as cais as hum anas: pele é "cauro,
baca é "bica", braça é "asa". M algrada tanta sinaním ia e tanta
transferência de sentida, m algrada não. esteja sujeito a can-
troles, m algrada às m últiplas fantes de que deriva, lange de
ser rica, a jargão. é pabre. O trabalha de purificação. que num a
língua vem , em parte, por abra da autoridade canstituída e
recanhecida, academ ias, literatos, professores, que se cum pre
só pela usa, par um a espécie de seleção. feita na seu vaca-
bulária. M uitas lacuções têm vida efêm era, e, nascida de um
capricho. au de um a circunstância, m arre cam esta. C ausa
tam bém da pabreza e da carência das idéias está na im beci-
lidade das delinqüentes, m ais ricos de espírita da que de talento.

7. D ifusão.

O utro caráter curiasa da jargão. é a am pla difusão.. En-


quanto. tada região. da Itália tem dialeto. própria e um calabrês
não. pade cam preender a dialeto. Lam barda, as ladrões da
C alábria usam a m esm a léxica usada na Lam bardia. A ssim ,
as dais cham am a vinha de "clara", a pão. de arton, cam isa
de "lim a". O jargão. de M arselha é igual ao. de Paris. Esse
fato, se é fácil de ser cam preendida na A lem anha e na França,
é bem m enas cam preendida na Itália, principalm ente na Itália
de alguns anas atrás, dividida par barreiras palíticas e al-
fandegárias.
A analagia é m ais estranha quando. se vê estender-se
entre pavas diversas: a italiana e a alem ão. cham am de "bran-
quinha" e "blanker" a neve, tanta que B arrow chegau à dúvi-
da de que tadas as lingua'gens ardilasas devem ter a m esm a

176
D, Bastos

:1

arigem . A explicação., ao. m enas pelas m uitas sem elhanças


idealógicas, está na analagia das candições. R ealm ente, a
I
jargão. das tugs indianas apresenta cam pleta sem elhança
ideológica cam as nassas, e está excluída claram ente toda
relacianam enta deles cam as nassas velhacas.
Q uanta à sem elhança fanética, m ais rara~ cantribui a
cantínua m abilidade das crim inasas, que, au para fugir à Jus-
tiça e para surpreender suas vítim as, au par um a verdadeira
paixão. de vagabundagem , m udam sem pre de residência, e
im portam as expressões de um país em autro.

8. G ênesis da jargão.

Tadas explicam a arigem da jargão. da m alandro cam a


necessidade de fugir às investigações paliciais. C erta é que
esta fai a principal causa, especialm ente pela inversão. das
palavras que tenham usa m uito camum e na canstituiçãa de
" nam es cam pronam es diferentes, cama "m am ãe" par eu. N a
dialeto sarda, a jargão. se cham a "cabertanza".
Se a jargão. não. far a gênese espantânea, certam ente a
arganism a e a natureza têm sem elhança cam as línguas e as
dialetas; estes são. farm adas e deform adas par si m esm as, de
acarda cam a lugar; a clim a, as castum es e autros canta tos.
E assim as jargões não. são., cama se crê, um fenôm eno. excep-
cianal m as universal. Tadas as profissões têm seu jargão. pró-
pria, que, da aplicação. técnica, se estende a autras de qual-
quer natureza. Par exem plo., um m édica nas dirá que a am ar
é um vício.cardíaca, um quím ica que seu am ar está a 40 graus.

9. G íria em saciedades

A tendência para farm ular um jargão. própria se vê nas


indivíduas detidas num a m esm a aperaçãa crim inasa, m or-
m ente se hauver algum equívo.ca, e m ais naqueles canstrangi-

177
D, Bastos

d o s a u m a v id a n ô m a d e ou a um a d e te n ç ã o te m p o r á r ia e
s u b m e tid o s a s u je iç ã o , o u e m f a c e d o p ú b lic o . C o m a lin g u a -
g e m e s p e c ia l a f ir m a m a p r ó p r ia v id a c o m u m ; o u s e s u b tr a e m
à v ig ilâ n c ia d e o u tr e m . A s s im e n c o n tr e i, n u m a m e s m a c o le ti-
v .id a d e , u m a g ír ia d e f a x in e ir o s , o u tr a d e v in h a te ir o s , dos
lix e ir o s , d o s p e d r e ir o s , g ír ia a n á lo g a e f r e q ü e n te m e n te id ê n -
• tic a à d o s c r im in o s o s .

Q u a n to s n ã o d e v e m s e n tir im p u ls o d e f o r m u la r e m u m a
lin g u a g e m p a r tic u la r a s p r ó p r ia s id é ia s , u m a g e n te q u e te m
h á b ito s , in s tin to s tã o e s p e c ia is e que ta n ta s pessoas tê m a
te m e r e a e n g a n a r! A c r e s c e n te - s e q u e e s s a g e n te se re ú n e
se m p re nos m esm os c e n tr o s , p r is õ e s , p r o s tíb u lo s , h o té is , e
n ã o a d m ite m s o c ie d a d e c o m a q u e le s q u e n ã o te n h a m a m es-
m a te n d ê n c ia . U n s c o m o u tr o s s e c o n f r a te r n iz a m c o m im p r e -
~ v id ê n c ia e f a c ilid a d e e x tr a o r d in á r ia s , e n c o n tr a n d o e x a ta -
'.", m e n te n a g ír ia u m a f o r m a d e r e c o n h e c im e n to , u m a p a la v r a
~.
~
d e o r d e m . S e n ã o u s a s s e m s e u ja r g ã o , a n e c e s s id a d e de expan-
1:: d ir - s e tu m u ltu o s a m e n te , q u e é u m a d a s c a r a c te r ís tic a s d e le s ,
~ s e e x p o r ia m u ito c e d o à s in v e s tig a ç õ e s p o lic ia is e p r e v id ê n c ia
d e s u a s v ítim a s .

1 0 . C a r a c te r e s : e x tr a v a g â n c ia s

D eve a in d a c o n tr ib u ir p a ra a p ro p a g a ç ã o d a g ír ia a
g ra n d e m o b ilid a d e d e e s p ír ito e de sensações, p a r a a s q u a is ,
ju n ta d a u m a p a la v r a n o v a , n a s m u ita s c ir c u n s tâ n c ia s d a o r g ia ,
o u f r a s e e s tr a n h a , a b s u r d a m e s m o , m a s v iv a z , p ic a n te ou ex-
tr a v a g a n te , p a r a f a z e r o ja r g ã o tr a n s m itir - s e . E , d e p o is , o e te r -
n iz a m e m s u a lin g u a g e m .

C o m o o s p e d a n te s r e c o lh e m a m o r o s a m e n te e rro s g ra -
f",
m a tic a is o u e x p re ssõ e s m a is r a r a s n o u s o c o m u m , a s s im o s
"L
,L
d e lin q ü e n te s e n r iq u e c e m a lin g u a g e m d e a lg u m e s tu d a n te -
z in h o p e r d id o n o m e io d ~ le s . T e n d e m a c o lo c a r e s s a lin g u a -

178
D, Bastos

g e m e m c ir c u la ç ã o e e n a lte c ê - la . E la é e s tim u la d a p e lo e s p ír ito


e p ig r a m á tic o e ir ô n ic o , q u e s e c o m p r a z c o m a s q u e v a i e n c o n -
tr a n d o , ta n to m a is quando s e ja m e s tr a n h a s , obscenas e
e x tr a v a g a n te s .

A te n d ê n c ia à s tr a n s f o r m a ç õ e s f o n é tic a s , c o m o s e v iu
n o s e x e m p lo s a q u i r e f e r id o s , é q u a s e s e m p r e ir ô n ic a e b o b a .
P o ré m , a ir o n ia s e m a n if e s ta ta m b é m com r e la ç ã o à id é ia
s e m im p lic a ç ã o c o m a p a la v r a , n e m c o m a h o ~ o f o n ia , nem
c o m a p r o x im a ç ã o f o n é tic a . E ssa p ro p e n sã o q u e s e v ê n o la d o
r id íc u lo d o s f a to s é c o n s e q ü ê n c ia d o h u m o r h ilá r io e e x tr a v a -
g a n te , q u e c o n s ta ta m o s n o s o c io s o s e v a g a b u n d o s , c la s s e d e
in d iv íd u o s em que s e r e c r u ta m ta n to s d e lin q ü e n te s e que
s ã o o s v e r d a d e ir o s d iv u lg a d o r e s d o ja r g ã o . D a m o s e x e m p lo s
d e a lu s õ e s ir ô n ic a s n a s q u a is a m e n te não f o i g u ia d a p e la
a n a lo g ia d o s o m , m a s d a r e la ç ã o d e id é ia s .

11. C ausa: c o n ta to

H á p a r tic ip a ç ã o , e c o n s id e r á v e l, d o s c o n ta to s com pes-


s o a s e s tr a n h a s à r e g iã o o u à c o le tiv id a d e , q u e a b r ig a a in f o r tu -
n a d a e q u a se se m p re n ô m a d e p r o f is s ã o . I s to e x p lic a p a r c ia l-
m e n te a f r e q ü ê n c ia d e p a la v r a s h e b r a ic a s e c ig a n a s n o s ja r g õ e s
a le m ã e s , in g le s e s , e tc . D e o u tr a p a r te , e s s e s c o n ta to s pode-
r ia m e s c la r e c e r a u n id a d e d o ja r g ã o ita lia n o , n o m e io d a v a r ie -
d a d e d e s e u s d ia le to s .

12. C ausa: tr a d iç ã o

M a s , q u a n ta in f lu ê n c ia te m a tr a d iç ã o , tr a n s m itid a de
s é c u lo e m s é c u lo ; b a s ta r ia p a r a d e m o n s tr a r a s c u r io s a s p a la -
, v ra s bem a n tig a s , e n c o n tr a d a s no ja r g ã o , com o " a r to n " ,
L
L
" le n z a " , e tc . a q u e a c e n a m o s p o u c o a tr á s e a s a lu s õ e s a f a to s
h is tó r ic o s quase e s q u e c id o s . A s tr ê s lo c u ç õ e s : "passer em
lu n e te " ( p a s s a r p e la lu a ) , " f a ir e u m tr o u à la lu n e " (fa z e r u m

179
D, Bastos

buraco na lua), "m ontrer le cul" (m ostrar o traseiro"), que o


jargão adota com o sinônim o de "falir", pertencem à tradição
histórica. F oi a pena e castigo dos falidos m ostrar as partes
traseiras em público e batê-las no chão. E m F lorença, no
M ercado V elho, conservou-se até há pouco (e talvez se con-
serve ainda) a pedra sobre a qual se fazia sentar os falidos,
cham ada popularm ente de "pedra dos falidos" ou "pedra dos
caloteiros". A ssociam -se às três expressões precedentes, com o
efeito de tradição "andorinha de praia" por "policial". A praia
era local dos suplícios.
E sta influência da tradição é confirm ada pelo fato de
que o jargão, exatam ente com as expressões atuais, rem onta
à época antiqüíssim a, encontrando-se traços dela até em 1350
na A lem anha (A vé- L allem ant). O léxico do jargão intitulado
"m odo novo de entender a língua zerga", publicado em V e-
neza, em 1549, m ostra-nos com o quase todas as expressões
usadas naquela época conservam -se ainda com o "m aggio"
= D eus; "perpetua" = alm a, "cantare" = falar, "dragão" = doutor.
C om o esses infelizes, que não têm fam ília, possam trans-
m itir tão fielm ente as tradições e expressões, não é bem com -
preensível. C ontudo, fato análogo, m ais evidente, está nas ta-
tuagens. O ferecem ainda um a espécie de hieróglifos, cham ados
"zink", sinais que usam os incendiários para revelar o lugar de
encontro ou apontar o lugar do golpe, e que foram transm itidos
de tem pos bem antigos, talvez anteriores às escrituras (A vé-
L allem ant). E não vem os, por outro lado, entre os soldados e
m arinheiros, estes tam bém sem fam ília, e m uitas vezes sem
pátria, revelarem -se usos e tradições de tem pos m uito rem otos?

13. C ausa: atavism o


,
.+
A cim a de tudo pode o atavism o. E les falam diversa-
';r.
".e:t
m ente porque sentem diver~am ente; falam com o selvagens I",.,

_.
'<0'",;'

:l~
180
1'1;1<">"
1.<'1~:<
D, Bastos I

'"~il
t:
porque são selvagens, vivendo no m eio da florescente civili-
zação européia. A dotam , então, com o os selvagens, freqüen-
tem ente a onom atopéia, o autom atism o, a personificação dos
objetos abstratos. E vem em m inha ajuda nisso as belas pala-
vras de B iondelli:

"P or que os hom ens de várias estirpes, sepa-


rados por barreiras naturais e políticas, nos secretos
conciliábulos, seguiram o m esm o cam inho, e form a-
ram secretam ente m ais línguas, ainda que diferentes
no som na raiz, m as se fizeram idênticas na sua
essência! O hom em estúpido, privado de senso
m oral e abandonado às perversas inclinações natu-
rais, que form a um a nova língua, é pouco diferente
do hom em selvagem , que faz os prim eiros esforços
na sociedade. N as línguas prim itivas abundam as
onom atopéias: os nom es de anim ais são expressos
no jargão do m esm o m odo, em bora figurado".

E u acrescentarei (e talvez serei m uito ousado) que até


a desfiguração pela redução etim ológica, e pela inversão da
sílaba, é natural na língua, com o por exem plo, "lobo" de
"w olf", e tam bém a fusão de dois significados etim ológicos:
cabelo de "caput" (cabeça) e pêlo de "pilus". P or isso as ex-
pressões de jargão, com o "m am ãe" (terra) que reproduzem a
m itologia da deusa da fartura, e de "serpente" (ano), que
renova o hieróglifo egípcio, eu o interpretarei, antes da pes-
quisa dos eruditos, com o retom o psicológico da época antiga.

14. C ausa: prostitutas

P arece que as prostitutas, em bora um as sejam tanto


parecidas com os delinqüentes, não têm propriam ente um

181
<'
D, Bastos

ja rg ã o , m a s o tin h a m n o s te m p o s a n tig o s . A lín g u a e ró tic a


d o s é c u lo X V I e ra v e rd a d e iro ja rg ã o d a s p ro s titu ta s : o a to
s e x u a l tin h a 3 0 0 s in ô n im o s , a s p a rte s s e x u a is 4 0 0 , p ro s titu ta
1 0 3 e e ra n o s te m p o s d a a n tig a R om a, onde e la s tin h a m um
ja rg ã o d e g e s to s . Segundo se re fe re Sêneca, in tro d u z in d o o
dedo m é d io n a o u tra m ã o fe c h a d a a lu d e -s e à s o d o m ia .

A lg u m a p a rte d o ja rg ã o é u s a d a , a in d a h o je , n o s p ro s tí-
b u lo s : b a s ta ria re c o rd a r a fre q ü ê n c ia d e p a la v ra s q u e a lu d e m
a c o ito . A p ró p ria p ro s titu iç ã o d e a lto b o rd o d e P a ris te m
u m a e s p é c ie d e ja rg ã o , c o m o " c o c o te " = g a lin h a , d e s ig n a n d o
u m a p ro s titu ta o u m u lh e r p o r d e m a is lib e ra l. " P e re D o u illa rd
é o m a n te n e d o r d e u m a m u lh e r (c o ro n e l); " p is te u r" (c o rre to r
d e h o té is ) é o hom em q u e s e g u e a m u lh e r p e la v id a .

];< 15, D e m e n te s

-
',t,'
N o s d e m e n te s n ã o s e e n c o n tra u m ja rg ã o , m a s a c ria ç ã o

.'
-~.
fre q ü e n te
causa,
d e p a la v ra s
é e s p e c ia l p a ra
p o r h o m o fo n ia
e le s . E a q u i m e
e p a la v ra s
a p ra z c ita r
novas, sem
a lg u m a s
:;: n o ta s de um o b se rv a d o r, q u e , m a lg ra d o não s e ja a lie n is ta ,
v iu m a is lo n g e q u e m u ito s a lie n is ta s . A lin g u a g e m b u rle s c a
d á m u ita s v e z e s u m a id é ia s e m n e x o a p a re n te . P o d e -s e d iz e r
que há fa lta de nexo? N ão! O d e m e n te vê na sua fé rv id a
im a g in a ç ã o c e rta s re la ç õ e s d e id é ia s que escapam de nós,
ta lv e z p o r s e re m m u ito lig e ira s , fu g a z e s , lo n g ín q u a s . L e m b ro -
m e d e u m jo v e m fra n c ê s a fe ta d o p e la d e m ê n c ia , p a ra q u e m
a fa m ília tin h a dado um a io e v ig ila n te s a c e rd o te de nom e
T a rd y , q u e o jo v e m n ã o a p re c ia v a , p o r o u tro la d o , u m ó tim o
e re s p e itá v e l hom em . A p ó s a lg u m te m p o , o jo v e m passou a
cham ar seu p re c e p to r com o nom e d e " V ic ia tu s " sem que
n in g u é m p u d e sse c o m p re e n d e r q u e n e x o p o d e ria h a v e r e n tre .,
e s s e v o c á b u lo

la tin o -fra n c ê s
la tin o

d o irm ã o
e a a u s te ra
A p ó s a lg u n s a n o s , c o n s e g u ira m
d o jo v e m
pessoa a quem e ra a p lic a d o .
d e s c o b rir q u e n u m d ic io n á rio
d e m e n te , a p a la v ra " v i-
i
:••,1
~
182 I.
D, Bastos
II

c ia tu s " e s ta v a tra d u z id a " a b a s ta d i" , q u e o d e m e n te e n te n d e u


I
" à b a s T a rd y " , o u s e ja , a m e s m a p ro n ú n c ia d e " a b a s ta rd i" . O
v ic ia tu s e ra a tra d u ç ã o d e u m a h o m o fo n ia .

N em o d e lin q ü e n te nem a p ro s titu ta podem s e r c o n s i-


d e ra d o s c o m o d e m e n te s ; é p o r is s o q u e s ã o d irig id o s c o n s c ie n -
te m e n te à v id a to rta . O s d e lin q ü e n te s tê m p o ré m a lg u m a
p a rc e la d e d e m ê n c ia . A s p ro s titu ta s por um a im a g in a ç ã o
d e s e q u ilib ra d a , p e la irrita b ilid a d e im b e c il, m a s a m b o s p e la
v a id a d e e x u b e ra n te , p o r a q u e le s e n tim e n to q u e s e p o d e ria
cham ar com a e x p re ssã o d e T a in e : " h ip e rtro fia do eu".

E a in d a a lin g u a g e m d e le s o p ro v a , c o m a a b u n d â n c ia
d a s m e tá fo ra s , c o m o s o u s a d o s tra s la d o s , c o m a s s e q ü ê n c ia s d a s
h o m o fo n ia s , jo g o d e p a la v ra s , tro c a d ilh o s , com um liris m o
d e id é ia s e m q u e a ra z ã o d e q u e m fria m e n te o e x a m in e , s e v a i
p e rd e n d o . A fra s e " te r a s id é ia s d e s c o o rd e n a d a s " , e u fe m is m o
d a lín g u a v u lg a r p a ra in d ic a r o e s ta d o m e n ta l d o d e m e n te , é
m u ita s v e z e s a p lic á v e l ta m b é m a o d e lin q ü e n te .

i
1 ;t.
••>¥.
~.
II
.~~~ 183
D, Bastos

,.
"1~,

" 'I;~
-.;;.~
~
~
•••
g'
•••
D, Bastos

15. A S S O C IA Ç Ã O PARA O M AL

1. Banditismo, máfia e camorra - 2 . Sexo, idade, condição


3. Organização - 4 . Camorra - 5 . Máfia
6. Código dos criminosos

1 . B a n d itis m o , m á fia e c a m o rra

E s s a a s s o c ia ç ã o p a ra o m al é um d o s fe n ô m e n o s m a is
im p o rta n te s do tris te m undo do c rim e , não s6 p o rq u e no
m a l s e v e rific a a g ra n d e p o tê n c ia d a a s s o c ia ç ã o , m a s p o rq u e
d a u n iã o d e s s a s a lm a s p e rv e rs a s b ro ta um fe rm e n to m a lig n o
que fa z re s s a lta r a s te n d ê n c ia s s e lv a g e n s . E s s a s te n d ê n c ia s ,
re fo rç a d a s por um a e s p é c ie d e d is c ip lin a e p e la v a id a d e do
d e lito , im p e le a u m a a tro c id a d e q u e re p u g n a ria à m a io r p a rte
d o s in d iv íd u o s is o la d o s .

C om o s e ria n a tu ra l, ta is s o d a líc io s se fo rm a m m a is
a m iú d e onde abundam o s m a lfe ito re s , com a im p o rta n te ex-
ceção de que e le s re fre ia m a te n a c id a d e e a c ru e ld a d e em
c e rto s p a ís e s , tra n s fo rm a n d o -o s em a s s o c ia ç õ e s e q u ív o c a s ,
, p o lític a s o u m e rc a n tis . O o b je tiv o d a s a s s o c ia ç õ e s m a ld o s a s
~;
~ é quase se m p re o de a p ro p ria r-s e do a lh e io , a s s o c ia n d o -s e

~
: 185


D, Bastos
,.

com bom núm ero de pessoas exatam ente para fazer frente à
defesa legal.

. O utrora, foram notadas associações para abortos, para


envenenam ento, e, em alguns lugares, foram notadas para a
pederastia, que encobtiam o vício com a aparência de ternura,
e até m esm o para o hom icídio sem fins lucrativos, só pelo
prazer de fazer o sangue jorrar, com o foi o caso dos "E sfaquea-
dores de L ivorno", e ainda para o canibalism o e o estupro
por fanatism o religioso dos sicários russos.

2. S exo, idade, condição

A s condições dos m alfeitores associados correspondem ,


naturalm ente, às do m aior núm ero de delinqüentes. O s do
sexo m asculino têm a m áxim a predom inância, em bora se en-
contrem esporadicam ente bandos chefiados por m ulher,
com o o de L uiza B ouviers, que dirigiu por volta de 1828 um
bando de ladrões. V erem os nas m ulheres, porém , inclinação
~ para m ales dom ésticos; predom inavam há tem pos em R om a
e P aris associações para o envenenam ento.
A idade dos m alfeitores é quase sem pre a da m ocidade;
entre 900 bandidos da B asilicata e a C am pânia 600 eram
m enores de 25 anos.

3. O rganização

O bserva-se que m uitos bandos de m alfeitores, em bora , .~


inim igos da ordem e da sociedade, apresentam um a espécie ir..

de organism o social. Q uase todos têm um chefe, arm ado de •


poder ditatorial que, com o nas tribos selvagens, depende m ais
íl
de seus dotes pessoais do que da turbulenta aquiescência fi.
1£...

II
dos dem ais, e todos têm afilhados externos ou protetores em
~>

1
caso de perigo. ;/

~.. '

186
D, Bastos

A lgum as vezes, notou-se nos grandes bandos verda-


deira subdivisão de trabalho. U m atua com o carrasco, outro
com o chefe, com o secretário, com o caixeiro-viajante, algum a
vez enferm eiro ou m édico. T odos seguem um a espécie de
código ou de ritual, que, m esm o sendo im pessoal, form ado
espontaneam ente e não por escrito, é seguido à risca.
c E ntre bandidos de R avena havia um a espécie de hierar-
quia; estes, com o tam bém os cam orristas, cham avam de
"m estre" os seus chefes, e, antes de deliberarem sobre algum
fato atroz, faziam juram ento sobre um punhal. A ntes de
m atar, m andavam freqüentem ente um aviso à vítim a, com
am eaça sim bólica.

4. C am orra

A m ais com pleta organização é dada por esse bando


perverso, que dom ina N ápoles, com o nom e de C am orra.
C onstitui-se quando se agrupam vários presidiários e ex-presi-
diários; em pequenos grupos independentes entre si, m as
sujeitos a um a vida hierárquica.

A C am orra não podia tom ar graves providências sem


consultar os m em bros reunidos em assem bléia, que discutia
com a m esm a gravidade e acerto as pequenas m inúcias com o
as questões de vida ou de m orte. A ssistido por um auditor,
um tesoureiro e um secretário, o m enos ilustrado de seus
subordinados, deveria indicar o desafeto, regular as lides,
~ propor à assem bléia as punições que variam da perda parcial
ou total dos despojos, os roubos, à censura ou até à m orte, ou
m esm o ao perdão .

A ssim é cham ado o fruto das regulares extorsões dos


jogadores, dos bordéis, dos vendedores de m elancias, de jor-

I
~.
'
nais. M ais do que todas essas, as dos prisioneiros, que eram o
m ais aproveitado provento; bastava entrar um na prisão,

187
D, Bastos

d e v e r ia p a g a r o " ó le o p a r a a m a d o n a " ; pagava u m d é c im o de


to d o s o s se u s h a v e re s. D e v ia p a g a r p a ra b e b e r, p a ra c o m e r,
p a r a jo g a r , p a r a v e n d e r , p a r a c o m p r a r . O s m a is d e s p r o te g id o s
e ra m c o n s tr a n g id o s a vender a m e ta d e d e s u a r e f e iç ã o ou
p a r te d e s u a r o u p a p a r a p o d e r f u m a r o u jo g a r .

O c ó d ig o d e le s n ã o e r a f o r m u la d o nem e s c r ito , m as
n e m p o r is s o d e ix a v a d e s e r s e g u id o m in u c io s a m e n te . O con-
denado não p o d ia m a ta r um c o le g a sem a p e r m is s ã o do
" c a p o " . N ã o p o d ia r e la c io n a r - s e c o m a p o líc ia . E r a c o n d e n a d o
à m o r te quem tr a ís s e a " s o c ie d a d e " o u ro u b a sse o u m a ta s s e
se m o rd e m d o s c h e f e s o u q u e v io la s s e a m u lh e r d e le s . T a m -
b é m m o r r ia q u e m r e c e b e s s e o r d e m d e m a ta r e n ã o a c u m p r ia .

5 . Máfia

A M á f ia é u m a v a r ia n te d a C a m o rra , c o m m a is in te n s i'
d a d e n o s e g r e d o e in c id ê n c ia e m c la s s e s m a is s u p e r io r e s . A tu a
m a is f o r a d a s p r is õ e s e e m n ív e is m a is e le v a d o s . O s m a f io s o s
u s a m lin g u a g e m h e r m é tic a e c o n c is a . F ie lm e n te s e g u e m to d o s
a s r e g r a s d o s e u c ó d ig o , a n ô n im o , te r r iv e lm e n te o b e d e c id o ,
da "O M E R T Á", r e v e la d o p o r C r u d e li e M a g g io r a n i e que se
e x p r e s s a e m c e r to s d ita d o s p o p u la r e s , com o "a quem nega o
pão, você nega a v id a " . O s a r tig o s p r in c ip a is desse c ó d ig o
s ã o : a b s o lu to s ilê n c io s o b r e o s d e lito s c o m e tid o s p o r o u tr e m ,
a o b r ig a ç ã o d e p r e s ta r f a ls o te s te m u n h o p a ra c o n f u n d ir a
J u s tiç a , o p o r-se à p o líc ia p a r a f a z e r a p a g a r o s tr a ç o s , andar
a rm a d o , tr a v a r d u e lo a q u a lq u e r p r e te x to , r e a g ir à to d a
o f e n s a . D e v e r ia a ju d a r c a d a ir m ã o m a f io s o a r e a g ir à s o f e n s a s
e a ju d a r o s q u e c a ís s e m n a s m ã o s d a J u s tiç a e fo rm a r um
p e c ú lio p a r a c u s te a r a d e f e s a d e le s .
£

A e n tr a d a d e n o v o m e m b ro d a M á f ia o b e d e c ia a um .~".
j:i..,:_c •
r itu a l. N o p e r ío d o d e in ic ia ç ã o e ra c h a m a d o d e "c o m p a re "

g
(c o m p a d re ) n u m a s e s s ã o e s p e c ia l d a " a s s e m b lé ia d o s s ó c io s " .
.~.

...I~,
188 -~ -

":'.;. .•. y
- - - - - - - _ .~ ~
~ --~ . - -

I
D, Bastos

O n o v o " c o m p a n h e ir o " a p r e s e n ta v a - s e p e r a n te d o is " ir m ã o s " ~


ju n to a u m a m e s a e m q u e s e e n c o n tr a o r e tr a to o u a p in tu r a
d e u m s a n to o u d e u m a s a n ta e lh e s e s te n d e o b r a ç o d ir e ito .
O s ir m ã o s f a z e m u m f e r im e n to n a m ã o o u n o b ra ç o d o c o m p a -
n h e ir o q u e d e r r a m a s a n g u e s o b r e a im a g e m d o s a n to . D e p o is ,
com a cham a d a v e la , q u e im a o r e tr a to . F a z o ju r a m e n to de
s e r v ir à M á f ia a n te a s c h a m a s d o r e tr a to d o s a n to ~ ~ .'

Q uem f a lta s s e a o ju r a m e n to e r a d e c la r a d o " in f a m e " , o


q u e s ig n if ic a s e r c o n d e n a d o à m o r te d e n tr o e m b r e v e , a in d a q u e
e s te ja p r e s o . A lg u n s s e s u ic id a m o u e n lo u q u e c e m p e lo te r r o r
d o f u tu r o .

A lg u m a s d e s s a s o r g a n iz a ç õ e s , b a se a n d o -se n a s in g u la r
te n a c id a d e r itu a l e n a te n d ê n c ia c a v a lh e ir e s c a , o u n o c o lo r id o
p o lític o o u r e lig io s o q u e a lg u m a s v e z e s a s s u m ia m p o d e r ia m
la n ç a r d ú v id a s s o b r e s u a n a tu r e z a e s s e n c ia lm e n te c r im in o s a .
É f a to p a te n te q u e e la s m o s tr a r a m a lg u n s la m p e jo s d e g e n e r o -
s id a d e , c o m o p o r e x e m p lo , c o m o s p r is io n e ir o s p o lític o s , s o b
o G o v e rn o d o s B o u rb o n s. C o m o já v im o s , o f e r e c e r a m e f ic a z
p r o te ç ã o a o s m a is d é b e is , m a s e s s a p r o te ç ã o é c o m o u m v e r n iz ,
!

p a r a e n c o b r ir a s a ç õ e s m a ld o s a s , p a r a c o m b a te r a s le is r e p r e s -
I
s o r a s d o c r im e , s o b o m a n to d e c o m b a te r o G o v e rn o . E , r e a l-
I
I
m e n te , o s c a m o r r is ta s e m a f io s o s s e lig a r a m a o s r e v o lu c io n á -
r io s n o s te m p o s d o G o v e r n o d o s B o u rb o n s, e a o u tr o s m o v i.
;
m e n to s d e o p o s iç ã o . ,

P o r o u tr o la d o , o s m a is r e f in a d o s m a la n d r o s se m p re

II
tiv e r a m u m a c e r ta a u r é o la d e c a v a lh e ir is m o , u m p o u c o p e la
g e n e r o s id a d e q u e c o m u m e n te c a r a c te r iz a o hom em m uscu-
lo s o , u m p o u c o p e la n e c e s s id a d e d e te r a s im p a tia do povo
s im p le s , q u e lh e d á s o c o r r o e a b r ig o . N o f u n d o , a C a m o r r a e
a M á f ia s ã o v a r ia n te s d a m a la n d r a g e m v u lg a r . B a s ta d iz e r
q u e o s c a m o r r is ta s e o s m a f io s o s a p r e s e n ta m o s c a r a c te r e s
j
p r ó p r io s d o s d e lin q ü e n te s c o m u n s , c o m o p o r e x e m p lo , g o s -

g
.
ta m d e u s a r jó ia s e a n é is , v e s tir q u a s e q u e u m u n if o r m e , u s a m

189
y:
D, Bastos

a g ír ia p e c u lia r d e le s , c h a m a m d e ir m ã o s e u s c o le g a s d e d e lin -
q ü ê n c ia , b e ija m - s e e n tr e s i.
A C a m o rra e a M á f ia tê m s u a s e d e p r in c ip a l n a s p r is õ e s ,
c o m o a m a io r ia d o s d e lin q ü e n te s d o c r im e o r g a n iz a d o . E n tr e -
ta n to , e le s s e m o s tr a m im p la c á v e is p a r a c o m o s in im ig o s .

6 . C ó d ig o d o s c r im in o s o s

A in q u ie ta b a le la d e n o s s o s é c u lo p e n e tr o u n a s o r g a n i-
z a ç õ e s c r im in o s a s . P o r is s o , c r e io q u e s e o b s e r v o u em nosso
te m p o v e r d a d e ir o c ó d ig o e s c r ito num a q u a d r ilh a d e P a r is ;
e s s e c ó d ig o lim ita a 1 4 o n ú m e r o d e m e m b r o s e im p õ e c e r to s
m é to d o s o p e r a c io n a is n a p r á tic a d o s c r im e s , c o m o d e s e m b a -
ra ç a r d e ro u p a s q u e p o ssa m c o n s titu ir in d íc io s o u tr a ç o s d a
a ç ã o o u s a p a to s q u e r a n g e m , c a m in h a r p a r a tr á s p a r a ilu d ir a s
in v e s tig a ç õ e s , usar a p e lid o s ou nom es f a ls o s , n ã o d e ix a r
a n o ta ç õ e s d o p r ó p r io p u n h o , e v ita r a m a n te s d u r a d o u r a s , usar
l
, a r m a s s ó e m c a s o d e n e c e s s id a d e . A m a io r p a r te d a s in f r a ç õ e s
a e s s e c ó d ig o p o d e le v a r o in f r a to r à m o r te .
1
N a E spanha r e c e n te m e n te d e s c o b r iu - s e u m a e x te n s a
q u a d r ilh a com o nom e de M Ã O NEGRA, c o m p o s ta por
v is io n á r io s , q u e n ã o v ia m s o lu ç ã o p a r a a p o b r e z a s e n ã o nas
c a tá s tr o f e s s o c ia is . S e u c ó d ig o d e c la r a v a o o b je tiv o d e d e f e n -
d e r o s p o b r e s e o p r im id o s c o n tr a s e u s c a r r a s c o s e e x p lo r a d o r e s
d e s e u tr a b a lh o . P r o je ta m u m v e r n iz s o c ia l, b e n e f ic e n te , p o lí-
tic o - id e o ló g ic o , p a r a e n c o b r ir a s m a n if e s ta ç õ e s d e p e r v e r s i-
d a d e e b a ix e z a d e s u a s o p e r a ç õ e s . A a b e r tu r a d e s e u c ó d ig o
tr a z u m c o n s id e r a n d o f ilo s ó f ic o :

" A te r r a e x is te p a r a o b e m - e s ta r dos ho-


m e n s , q u e tê m ig u a l d ir e ito d e p o s s u í- la ; o a tu a l
o r d e n a m e n to s o c ia l e m v ig o r é in íq u o . O s tr a b a -
lh a d o r e s p r o d u z e m ; 'm a s s ã o m a n tid o s com o es-

190
D, Bastos

c r a v o s e m s u a te r r a p e lo s r ic o s ; p o r is s o n ã o s e
p o d e rá nunca n u tr ir u m ó d io p r o f u n d o c o n tr a
to d o s o s p a r tid o s p o lític o s , to d o s ig u a lm e n te des-
p r e z ív e is . T o d a p r o p r ie d a d e c o n q u is ta d a com o
tr a b a lh o d e o u tr e m é ile g ítim a . A s o c ie d a d e de-
c la r a o s r ic o s f o r a d o s d ir e ito s h u m a n o s , e , p a ra
c o m b a tê - lo s , to d o s o s m e io s s ã o b o n s , s e m e x c e -
tu a r o f e r r o , o f o g o e n e m m e s m o a c a lú n ia " .

V in h a m e m s e g u id a o s v á r io s a r tig o s d o c ó d ig o , r e p e -
tin d o a s n o r m a s g e r a is d a M á f ia e d a C a m o r r a , p re sc re v e n d o
a o b r ig a ç ã o d e g u a r d a r s e g r e d o , d e c u m p r im e n to d o s e n c a rg o s
im p o s to s p e la M ã o N e g r a , s o b p e n a d e s e r c o n s id e r a d o tr a i-
d o r , n e g a r e m p ú b lic o q u a lq u e r lig a ç ã o c o m a M ã o N e g r a o u
s im p a tia c o m s u a c a u s a , p a s s a r p e lo n o v ic ia d o .

191
D, Bastos

;"~

,.~

"t
..i:;

':,~
,;;

"
~
I'

.'

r"

f.:
:'\
~.

, t.;!\
'- ," , ~
~ .:' -"'","';,X

,,~
'.~ ~

.-1 '''''''~~

~,j£
D, Bastos

16. DEM ENTES M O R A IS

E D E L IN Q Ü E N T E S NATOS

1 . J u sta s h e sita ç õ e s - 2 . E s t a t í s t i c a s d o s d e m e n te s m o ra is
3 . P e so - 4 . C râ n io - 5 . F isio n o m ia - 6 . In se n sib ilid a d e à d o r
7 . T a to - 8 . T a tu a g e m - 9 . R e a ç ã o e tílic a - 1 0 . A g ilid a d e
1 1 . S e x u a lid a d e - 1 2 . S e n so m o ra l - 1 3 . A fe tiv id a d e
~ 1 4 . A ltn d sm o - 1 5 . V a id a d e e x c e ssiv a - 1 6 . In te lig ê n c ia
1 7 . A stú c ia - 1 8 . P re g u iç a - 1 9 . A tiv id a d e d o e n tia
2 0 . P re te n sõ e s d e d ife re n ç a s - 2 1 . P re m e d ita ç ã o - 2 2 . E sp írito
d e a sso c ia ç ã o - 2 3 . V a id a d e d o d e lito - 2 4 . S im u la ç ã o
2 5 . S in to m a to lo g ia d a d e m ê n c ia m o ra l n a s o u tra s
2 6 . H isto lo g ia p a to ló g ic a d a d e m ê n c i a m o ra l
2 7 . A h e re d ita rie d a d e n a d e m ê n c ia m o ra l

1 . J u s ta s h e s ita ç õ e s

A n te s de passar a o e s tu d o do d e lin q ü e n te -d e m e n te ,
d e v e m o s c o m e ç a r a tra ta r, o u m e lh o r, e x c lu ir d e s s a c la s s e o d e -

\' lin q ü e n te m o ra l,
d e lin q ü e n te -n a to .
d o q u a l já h a v ía m o s
S o b re o p rim e iro ,
tra ta d o
o nosso
a o e s tu d a r
le ito r ou o ho-
o

~:

m em com um , e x p e rim e n ta rá , c e rta m e n te , g ra n d e re p u g n â n -

~;'f~
~, 193
£~
D, Bastos

cia em aceitar essa fusão. A ssim acham os porque som os das


várias gerações acostum adas a considerar o réu tão m ais res-
ponsável quanto m aior for a sua culpa.
H á em nós a necessidade de vingança e o tem or de
deixar o réu livre, em razão de sua tem ibilidade, e tam bém
não se conhecia ou im aginava outro m odo de paralisar os
m alefícios de sua ação, a não ser com o cárcere e a m orte.
Isto porque, enfim , o sentim ento de vingança e do m edo,
juntam ente com o hábito, que é um dos m aiores de nossos
tiranos, m odificavam com pletam ente nosso juízo e não nos
deixavam entrar em outra form a de explicação. Eu, com o já
fiz referência, estava ainda entre esses quando redigi as duas
prim eiras edições desta obra, e até m esm o a terceira.
A origem , m ais congênita ou na idade juvenil do delito,
sua m aior difusão com a civilização, os grandes centros, a
hereditariedade m enos intensa da dem ência e da neurose, a
aparente boa saúde, a m aior robustez, estatura m ais elevada,
,
m aior volum e de cabelos, a fisionom ia especial, e as paixões
$...
'. e instintos do réu-nato, recordam com pletam ente a fisiono-
m ia, o hom em selvagem , bem m ais que o alienado, especial-
m ente a preguiça e paixão da orgia e da vingança, que, quase
sem pre falta a este últim o.
Tudo isto, unido ao horror instintivo diante da idéia
do perigo social que parece causar a confusão de uns com os
outros, e a tão perigosa com placência da própria criação, m e
tinham convencido, antes e depois que eu tinha colocado a
luz, m uito m ais a diferença do que a analogia entre aquelas
duas infelizes condições patológicas da psique. E no m eio ao
m ais com pleto acordo de am igos e adversários sobre este
assunto, o Ú IÚ CO a não põr-se de acordo ou ser posto era eu próprio.
A sucessiva distinção entre o delinqüente de ocasião e
o habitual, o apoio universal conseguido pela proposta do
m anicôm io crim inal, a descoberta de sem pre novos casos,

194

_ ..~ "
.'c
D, Bastos

com o o de Faella, Zerbini, V erzeni, G uiteau, que tornam im -


possível discernir linha diferencial entre dem ência e crim e,
os estudos dos novos caracteres dados pelos m ais recentes
autores, com o K rafft-Ebbing, H ollander, Savage, M endel, so-
bre a dem ência m oral, os m ais especiais por m im descobertos
no delinqüente-nato, com o insensibilidade geral e à dor, ano-
m alias nos reflexos, o canhotism o, a atipia do crânio e m iolos,
m udaram com pletam ente m inhas convicções. I
I
2. Estatísticas dos dem entes m orais

U m a das provas indiretas da identidade da dem ência


m oral com a crim inalidade, e que explica as dúvidas m ais
com uns entre os alienistas, é a grande escassez dos dem entes
m orais nos m anicôm ios e, vice-versa, a grande freqüência
nos cárceres. D agonet, em 3.000 dem entes não encontrou
m ais do que 10 ou 12 casos. A driani em Perugia, Palm ieri em
Siena, em 888 dem entes não os encontraram ; R agi só encon-
trou 2 dem entes m orais em 924, e Salem i-Pace 6 em 1.152.
A escassez dos dem entes m orais nos m anicôm ios e a sua
abundância nos cárceres são enfim um a prova indireta da
identidade da crim inalidade com a dem ência m oral, unida à
presença de todos os seus sistem as no decurso de m uitas doenças
m entais. É o que explica com o nos encarceram entos 25% dos
dem entes devem tornar m uito incertos os alienistas sobre a
real existência dessa form a psiquiátrica e tantos os m édicos
legais obrigados a trabalhar com fatos de segura dem onstração.
A lém disso, contribuíram para as contradições dos ob-
servadores que julgaram a essencialidade de certos sintom as,
preocupados com os caracteres de um ou de outro entre os
poucos casos que tinham às suas m ãos. Todavia, rebuscando
os casos m ais clássicos recolhidos desses autores, tem os um
conjunto de caracteres que reproduzem m uito bem aqueles
que dem os sobre o delinqüente nato.

195
D, Bastos

3. P eso

E m 1 4 d e m e n te s m o ra is d e A v e rs a , 9 tin h a m c o n s titu i- I
ç ã o ro b u s ta e b o a n u triç ã o . V e rz e n i m e d ia 1 ,6 6 m . p e s a n d o
i

6 8 k ., C h ia p p in i
ro b u s to , e m b o ra
1 ,6 3 m . e 6 1 k ., o e s b irro d o L iv i e ra b e m
houvesse a lg u n s m a is frá g e is . S o b re 37
!
d e m e n te s m o ra is , 2 2 e ra m d e p e s o e ro b u s te z ig u a lo u m a io r
I
a o n o rm a l, c o m o e m m u ito s d e lin q ü e n te s . I
A c re s c e n te -s e q u e n o e s tu d o d o s e p ilé p tic o s h e re d itá - I
rio s , A m a d e i e n c o n tra e n tre o s s in a is d a d e m ê n c ia degene- I
ra tiv a e d a s h e re d itá ria s u m a u m e n to m a io r d e p e s o . P o r q u e I
n ã o s e e n c o n tra c o m p le ta m e n te o a u m e n to de. peso, que é
p re v a le n te , m a s n ã o g e ra l n o s c rim in o s o s , depende p ro v a -
v e lm e n te do pequeno n ú m e ro d o s c a s o s o b s e rv a d o s .

4 . C râ n io

Q u a n to à s m e d id a s d o c râ n io , e s ta m o s ta m b é m re d u z i-
dos a poucos c a s o s , q u e n ã o b a s ta m c e rta m e n te p a ra d a r-
n o s u m c rité rio s e g u ro p a ra a n a lo g ia . E m 1 4 d e m e n te s m o ra is
d e V irg ílio e n c o n tra m o s u m a c a p a c id a d e c râ n ic a d e 1 .4 5 0
n a s m u lh e re s , 1 .5 3 8 n o s h o m e n s , c o m o m á x im o d e 1 .6 9 3 e
m ín im o d e 1 .5 1 8 .J u s tific a re m o s a d ia n te e s ta fa lta d e a n a lo g ia ,
a q u e c o n trib u iu a in d a m a is q u e o p e s o a e s c a s s e z d e s s a s
m e d id a s . P o r o u tro la d o , C a m p a g n e te ria (e e u c re io e x a g e ro )
e n c o n tra d o 1 2 v e z e s e m 1 3 o c râ n io d im in u íd o e e s c o n d id o
o o c c ip ita l n o s d e m e n te s m o ra is . K ra fft- E b b in g e L e g ra n d d e
S a u lle fa la m d a fre q ü e n te m ic ro e n c e fa lia . É u m fa to d e s e
n o ta r q u e o s m ic ro e n c é fa lo s to rn a d o s a d u lto s , m a is a in d a
q u e a p e rd a d a in te lig ê n c ia , m o s tra m a p e rv e rs ã o d o s a fe to s
d o s e n s o m o ra l.
É fre q ü e n te m e n te g e ra l o a c o rd o d e n ã o a d m itir nos
d e m e n te s m o ra is a g ra n d e fre q ü ê n c ia d a s a n o m a lia s c râ n ic a s
e fis io g n o m ô n ic a s , q u e v im o s c a ra c te riz a d a s m u ita s v e z e s n o ",f'
J'
í:"'
.",_'t

196 z-
.~
~ I
••••••
D, Bastos

ré u n a to . A n te s M o re i, d e p o is L e g ra n d d e S a u lle e a g o ra
K ra fft-E b b in g , a p o n ta m a fre q ü ê n c ia e m m a c ro c é fa lo s de
fre q ü e n te s c ris ta s ó s s e a s d o c râ n io , d e c râ n io s m u ito a lo n -
g a d o s o u m u ito a rre d o n d a d o s , e n a s fa c e s a d e s p ro p o rç ã o '
e n tre a s d u a s m e ta d e s d a fa c e , lá b io s v o lu m o s o s , b o c a g ra n d e ,
d e n te s m a l c o n fo rm a d o s c o m p re c o c e c a íd a n a s fo rm a s m a is
g ra v e s , v o lta p a la tin a a s s im é tric a o u e s c o n d id a , re s trita ; a
c a m p a in h a da g a rg a n ta a lo n g a d a e b ífid a , a u m e n to e -.
d e s ig u a ld a d e d a s o re lh a s . T o d a s a n o m a lia s , e s p e c ia lm e n te
a s d o c râ n io , q u e te m o s e n c o n tra d o n o s c rim in o s o s .

S . F is io n o m ia

A fis io n o m ia d o s fa m o s o s d e lin q ü e n te s re p ro d u z iria


q u a s e to d o s o s c a ra c te re s do hom em c rim in o s o : m a n d íb u la s
v o lu m o s a s , a s s im e tria fa c ia l, o re lh a s d e s ig u a is , fa lta d e b a rb a
n o s h o m e n s , fis io n o m ia v iril n a s m u lh e re s , â n g u lo fa c ia l b a i-
x o . E m n o s s a s ta b e la s fo to lito g rá fic a s d o á lb u m g e rm â n ic o
o b s e rv a r-s e -á q u e 4 e n tre 6 d o s d e m e n te s m o ra is tê m v e rd a -
d e iro tip o c rim in a l. M e n o re s s ã o ta lv e z a s a n o m a lia s n o c râ n io
e n a fis io n o m ia d o s id io ta s , e m c o n fro n to c o m o s c rim in o s o s ,
o q u e s e e x p lic a ria p e lo m a io r n ú m e ro d e d e m e n te s m o ra is ,
a o m e n o s n o m a n ic ô m io , s u rg id o s n a id a d e ta rd ia , m o tiv a d a
p o r tifo , e tc . P a ra e s te s , a fis io n o m ia n ã o te v e te m p o p a ra
to m a r fe iç ã o s in is tra m e n te , c o m o n o s ré u s n a to s . E le s fre -
q ü e n te m e n te acom panham e s s a s d e fo rm id a d e s q u e s ã o p ró -
p ria s n a s p a ra d a s d e d e s e n v o lv im e n to , o u d a d e g e n e ra ç ã o : e
ta is e ra m e x a ta m e n te a s lo u c u ra s c u id a d a s p o r S a le m i-P a c e
e B o n v e c c h ia to .

É n e c e s s á rio re c o rd a r q u a n to p a ra a fis io n o m ia dá
e x e m p lo o m ilita r, o p a d re , o s a c ris tã o , u m d a d o e n d e re ç o
c o n tin u a d o desde a p rim e ira in fâ n c ia em m e io a com pa-
n h e iro s d o m a l, q u e p la s m a a fa c e , o o lh a r, c o m u m s in a l
com um , d e c o rre n te d a c o n v iv ê n c ia p ro lo n g a d a e im p o s ta

197
~ i.
T_
D, Bastos

reformatórios e no cárcere. A ela se adiciona a modifi-


lO especial pelo medo da surpresa, das apreensões de uma
" que é fora da lei. Esta última é a ra;:ão com que justa-
'1te me explicava o ilustre astrônomo Tacchini, a fisiono-
., habitual de alguns bandidos nos países em que o bandi-
"110 não fosse protegido pela população.

Insensibilidade à dor

M elhor ainda se houver analogia nas anomalias funcio-


lis constatadas por Legrand de Saul1e, Krafft-Ebbing, Bon-
.,cchiato: estrabismo, nistagmo, motoconvulsismo de rosto,
':asia em leve grau, pé eqüino, hiperestesia temporânea e
, .:riódica, exagero ou falta de excitamento genérico, intole-
: :'incia dos alcoólatras.
Entre os caracteres biológicos poder-se-ia crer que a
:
_. :malgesia e a anestesia fossem privativas dos criminosos, mas
:. ;lS últimas histórias recolhidas na ciência provam precisa-
': :nente o contrário. Comuniquei como na prática privada en-
"' contrei um demente moral que, mesmo tendo blenorragia,
continuava a cavalgar e fe;: uma escalada alpina, e ria en-
quanto lhe era extraído um membro. Renaudin relata o caso
de um jovem, a princípio bom, e, de repente, se fe;: estranha-
mente perverso. Embora não fosse reconhecido absoluta-
mente demente, tornou-se insensível; voltando depois de
um certo tempo à vida sensata de antes, sua sensibilidade
cutânea foi reintegrada, mas, recaindo na perversão moral
até o homicídio, recaiu também na insensibilidade.
Tamburini e Seppil1i, no estudo de um fratricida, parri-
cida e demente moral, acharam-no analgésico. Assim é que ,
furando, com um alfinete, as carnes, a língua, a fronte, não
1-
viam nele sinais de dor. Um dos examinados apresentou dimi- L;,.

nuta sensibilidade elétrica n<!opalmae outro no dorso da mão.


tI' '
,.

198 -
~
;~

i~ "
D, Bastos

É portanto a analgesia (insensibilidade à dor) um dos caracte-


res mais freqüentes do demente moral, como também dos
criminosos natos. Lembro-me como nos poucos casos de his-
terias hipnóticas com a desintegração da personalidade, a
irrupção das tendências imorais se manifestasse muitas ve;:es
na completa anestesia e analgesia.

7. Tato

Da sensibilidade tátil bem pouco foi estudada nos de-


mentes morais, mas é curioso que de 4 observados por Amadei
e Tonnini um apresentava mancinismo sensório. Outro caso
de Berti o revelava como o mais saliente e um ou dois demen-
tes morais por mim examinados, para os quais se teria notado
4 em 8 e 5 em 9, foi admitido por Cal1isto Grandi que os
apresentou.

8. Tatuagem

Nem mesmo a tatuagem, que parece tão característica


no delinqüente, pode ser excluída dos verdadeiros dementes
morais, visto que se constatarmos os belos casos de De Paol1i,
achamos que a maior parte di;: respeito a dementes morais.
O único demente moral que pude encontrar no manicômio
de Turim era tatuado, e, por outro lado, os mais astutos delin-
qüentes recusam a tatuagem, tanto que todo ano vemos uma
cifra menor dela.

9. Reação etílica

A única prova feita com hidrosfigmógrafo em um de-


mente moral revela identidade da escassa reação etílica, e
Krafft-Ebbing notou também reação etílica irregular, como
', ainda nenhuma reação dos akoólatras à 1m.

~~ 199
~"
D, Bastos

1 0 . A g ilid a d e

Em trê s d e m e n te s m o ra is n o te i a a g ilid a d e e x a g e ra d a
que em u m c a s o e ra v e rd a d e ira m a c a q u ic e , e fic a c o n fo rm e
o q u e n o ta m o s n o s c rim in o s o s , d o s q u a is tín h a m o s e s q u e c id o ,
m a s a g o ra re c o rd a m o s a s fa m o sa s e v a sõ e s d e S h e p p a rd e de
H a g g a rd .

1 1 . S e x u a lid a d e

A p re c o c id a d e d a p e rv e rsã o s e x u a l, o e x a g e ro s e g u id o
d a im p o tê n c ia , já tin h a m s id o n o ta d o s p o r K ra fft- E b b in g n o s
d e m e n te s m o ra is , c o m o p o r m im . E le s tê m a n o m a lia p a te n te
d o s in s tin to s , p rin c ip a lm e n te o s s e x u a is , fre q ü e n te m e n te p re -
m a tu ro s o u a n ti-n a tu ra is , o u p re c e d id o s d e a to s fe ro z e s , s a n -
g u in á rio s . N ó s , a lé m d e re c o rd a rm o s v á rio s c rim in o s o s , le m -
b ra m o s ta m b é m a p re c o c id a d e s e x u a l n o ta d a n o s la d rõ e s e o
e x a g e ro s e x u a l d o s a s s a s s in o s e a e s tra n h a e s c o lh a d o s e s tu -
p ra d o re s e d o s m e n in o s a n ô m a lo s .

12. S enso m o ra l

Q u a n to à ín d o le m o ra l, à a fe tiv id a d e , a a n a lo g ia , é in -
c o n te s te , e e u n ã o te n h o a e s c o lh e r s e n ã o a s d e s c riç õ e s d e ix a -
d a s p e lo s m a is e n c a rn iç a d o s a d v e rs á rio s d a m in h a e s c o la , p a ra
d e m o n s trá -la sem poder s e r ta c h a d o d e p a rc ia lid a d e . São,
e s c re v e K ra fft-E b b in g e S c h ü Ile r, u m a e s p é c ie d e id io ta s m o ra is
q u e n ã o p o d e m d ig n a r-s e a c o m p re e n d e r o s e n tim e n to m o ra l,
ou se por educação o d e v e sse m , e ssa c o m p re e n sã o d e te v e -s e
n a fo rm a te ó ric a s e m tra d u z ir-s e n a p rá tic a . S ã o d a ltô n ic o s ,
c e g o s m o ra is , p o rq u e a re tin a p s íq u ic a d e le s to rn a -s e in c a p a z
d e fo rm u la r ju íz o e s té tic o . D e o u tra p a rte , fa lta a e le s a fa c u l-
d a d e d e u tiliz a r n o ç õ e s d e e s té tic a , d e m o ra l, d e m o d o q u e o s
in s tin to s la te n te s n o fu n d o d ll-to d o h o m e m le v a m v a n ta g e m .

200


.• 0lIIiili.
D, Bastos

A s noções d e in te re s s e p e s s o a l d o ú til o u d o n o c iv o ,
d e d u z id o s d a ló g ic a p u ra , podem s e r n o rm a is ; vem daí um
frio e g o ís m o , q u e re n e g a o b e lo , o b o m , a a u s ê n c ia de am or
. filia l (n ~ c ;rd a m o s a q u e le a le m ã o que m a to u a m u lh e r e a
m ã e p a ra poupar a e la s a s d o re s d a d o e n ç a ), a in d ife re n ç a
p a ra com a in fe lic id a d e a lh e ia . S e e le s e n tra m em c o lis ã o
com a le i, e n tã o a in d ife re n ç a se m uda em ó d io , v in g a n ç a ,
fe ro c id :ld e , n a p e rsu a sã o d e e s ta r n o d ire ito d e fa z e r o m a l.

E le s tê m n o ç ã o d a c u lp a b ilid a d e e m c e rto s c a s o s d a d o s ,
m as é um a noção re a lm e n te a b s tra ta e quase m e c â n ic a da
le i. E le s fa la m d e o rd e m , ju s tiç a , m o ra lid a d e , re lig iã o , h o n ra ,
p a trio tis m o , fila n tro p ia (v o c á b u lo s p re fe rid o s d o v o c a b u lá rio
d e le s ), m a s o q u e lh e s fa lta é e x a ta m e n te o s e n tim e n to re la -
tiv o à q u e la s p a la v ra s . É n e s ta fa lta q u e s e e n c o n tra a e x p lic a -
ç ã o d e p e n s a m e n to s tã o e s tra n h o s e c o n tra d itó rio s so b re o s
m e s m o s fa to s e e s ta é a ra z ã o p e la q u a l e m v ã o s e te n ta con-
v e n c ê -lo s d e s e u s e rto s , d a im o ra lid a d e d e s e u s a to s , d o a b s u r-
d o d a s o p in iõ e s , a in ju s tiç a d e s u a s a m b iç õ e s .

Em sum a, n is to se e n c e rra o se g re d o p ro v o c a n te da
p e rp é tu a lu ta d e le s c o n tra a fa m ília e a s o c ie d a d e . S ã o in d iv í-
d u o s s u s c e tív e is d e u m a s u p e rfic ia l in s tru ç ã o in te le c tu a l, m as
d e c id id a m e n te re b e ld e a um a v e rd a d e ira educação m o ra l,
c u ja b a s e p re c íp u a é e x a ta m e n te a d o s e n tim e n to .

O s d e m e n te s m o ra is s ã o in fe liz e s c o m a d e m ê n c ia no
s a n g u e , c o n tra íd a n o a to d a c o n c e p ç ã o ; n u trid a n o s e io m a -
te rn o . F a lta m -lh e s o s e n tim e n to a fe tiv o e s e n s o m o ra l; n a s c e -
ra m p a ra c u ltiv a r o m a l e p a ra c o m e tê -lo . E s tã o se m p re em
g u e rra c o n tra a s o c ie d a d e , s ã o in d iv íd u o s q u e fre q ü e n te m e n te
fig u ra m nas a g ita ç õ e s p o lític a s . F a la n d o d o s d o is c a s o s d e
d e m e n te s , o s d o is tip o s s ã o d o ta d o s d e fe liz e p ro n ta m e m ó ria ,
de engenho a g u d o , d e m u ita s e v a riá v e is im a g in a ç õ e s ; to d o s
s ã o e g o ís ta s e c o m d e fic iê n c ia a b s o lu ta d e s e n tim e n to s a fe ti-
v o s . A s s im c o m o to d a s n o s s a s a ç õ e s s ã o re g u la d a s p e lo s s e n ti-

201
D, Bastos

m e n to s , e le s s e d e ix a m g u ia r u n ic a m e n te p e lo in s tin to , só se
p re o c u p a m c o m o p re s e n te , d e s p re z a n d o o fu tu ro .

A pós um a tris te a ç ã o , s ã o in d ife re n te s com o se não


fo s s e m o s a u to re s , d o rm in d o u m s o n o tra n q ü ilo . N a s c o n v e r-
s a s e m a lta v o z , e n fá tic a s , n o s e s c rito s , e n c o n tra m -s e fra s e s
s o n o ra s , e lo q ü e n te s , e s p iritu o s a s , m as sem nenhum s e n ti-
m e n to . Q u a lq u e r in fe lic id a d e que g o lp e ie a lg u m p a re n te
ín tim o , c o n h e c id o o u a m ig o , o s c o m o v e . F a la m d e v irtu d e e
d e v íc io , m a s s ã o fra s e s q u e re p e te m , d a s q u a is c o n h e c e m o
s ig n ific a d o , m a s n ã o o s e n te m ; p o r is s o , p ra tic a m a to s v irtu o -
s o s s ó p o r v a id a d e .
B ra n c a le o n e re tra ta o lo u c o m o ra l: v a riá v e l d e c a rá te r,
v e rs á til, e x c ê n tric o , p a ra d o x a l, s is te m a tic a m e n te h o s til a to d a
" te n d ê n c ia m o ra liz a d o ra , in d e c is o n o s p ro p ó s ito s , e x tre m a -
- m e n te e x c itá v e l, in s e n s ív e l à s a le g ria s d o m é s tic a s , in a c e s s ív e l
à s d o ç u ra s d o a fe to , in s tin tiv a m e n te le v a d o à re b e liã o , à e x -
'7 tra v a g â n c ia e a o e s c â n d a lo . D e c la ra a lta m e n te n ã o a c re d ita r
n a v irtu d e , s u s te n ta n d o c o m u m lu x o d e e ru d iç ã o e d e ló g ic a ,
a s te o ria s m a is im o ra is , a s m a is le s iv a s à d ig n id a d e hum ana e
à o rd e m s o c ia l.
L e v a d o a a v a lia r ju s ta m e n te o b e m e o m a l e a v a lo riz a r
a s re la tiv a s c o n s e q ü ê n c ia s , e s tim a n a tu ra lm e n te a h ip o c ris ia e
a m e n tira quando p u d e r tira r p ro v e ito d e la s . A o d e c a n ta r a
s u a c o ra g e m e n o tra b a lh o d e d e fe s a , d e s c u id a d a s re g ra s
c o m u n s d a p ru d ê n c ia , d e s c o n h e c e n d o o q u a n to d is s o lh e p o d e
s e to rn a r d a n o s o . R e p re s e n ta n d o u m m o d o d ife re n te d o v e rd a -
d e iro , p o u c o p e rc e b e a d e s o rd e m d e p e rc e p ç ã o e re p ro d u ç ã o
d a s id é ia s e a c a p a c id a d e d e re s is tir a o s im p u ls o s p e rv e rs o s .
O s c a ra c te re s q u e a p o n te i n o h o m e m d e lin q ü e n te n a to
re p e te m e x a ta m e n te e s te q u a d ro . L e m a ire d iz ia : " S e i q u e fiz
m a l, s e a lg u é m m e d is s e s s e q u e fiz b e m , d iria q u e s e tra ta d e
u m c a n a lh a , m a s n ã o p o d e ria fa z e r d e o u tra fo rm a " . L a c e n a ire
la m e n ta v a a m o rte d o s o u ti6 s c o m o s e fo s s e a d e u m g a to .

202
.•.~
.
..~
D, Bastos

1 3 . A fe tiv id a d e

É p ró p rio d o s d o is tip o s d e c rim in o s o s o ó d io , a in d a q u e


s e m c a u s a , e n a tu ra lm e n te a in d a n i~ ;s Ó d io , in v e ja e v in g a n ç a
quando a c a u s a s e ja le v e . E s s e s d o e n te s , e s c re v e u M o te t, s ã o
e s tim u la d o s p e lo d e s e jo d e c a u s a r o m a l. In c a p a z e s d e v iv e r
e m fa m ília , d a q u a l fo g e m p o r m o tiv o s fú te is o u s e m m o tiv o ,
p re fe re m d o rm ir d e b a ix o d a p o n te d o q u e n a c a s a p a te rn a .
U m g a ro to d e 1 0 a n o s , d e o lh o s n e g ro s e e x p re s s ã o d e s c a ra d a ,
s e m p re a v e s s o à e s c o la , jo g o u u m c o m p a n h t;iro na água, só
p a ra v ê -lo a fo g a r-s e . E ra filh o d e u m la d rã o . N o c á rc e re c o rta v a
a s c o b e rta s e n e n h u m a p u n iç ã o e ra s u fic ie n te p a ra im p e d i-lo .
C a ta rin a B (e s c re v e B o n v e c c h ia to ) fa la m a l d o s o u tro s
e s e d iv e rte c o m is s o e s p e c ia lm e n te s e a o fe n d e m , m a s ta m -
bém se chegam p e rto d e la . O d e ia c a d a u m q u e s e ja b e m d is -
p o s to , c o m o s e e s tiv e s s e fa z e n d o d e s fe ita a e la , o u a in d a s e
a lg u é m lh e fiz e s s e a lg u m b e m . U m d ia p e d iu p a ra q u e a d e i-
x a s s e m e s p a n c a r d o is c ã e s . P o r q u ê ? p e rg u n ta ra m -lh e . P o rq u e
m e irrita v ê -lo s a c a ric ia r o s o u tro s !

14. A ltru ís m o

V e rd a d e é n ã o ra ra m e n te , e m v e z d e e x c e s s iv o e g o ís m o ,
s e n o ta a ltru ís m o . H o lla n d e r conheceu u m a d e m e n te m o ra l
q u e te n to u o s u ic íd io a p ó s a m o rte d e u m a a m ig a . F a la ta m -
bém de um ra p a z q u e , m a lg ra d o u m a v id a d e o rg ia s e d e
v io lê n c ia d o e n tia , e ra e x c e le n te filh o e irm ã o .

L e g ra n d d e S a u lle n o s fa la d e u m a m ã e q u e , c o m p re -
te x to d e p re s e rv a r o filh o d a s ífilis o u d e o u tro m a l, e n c a m i-
n h a v a -o a a m o r c a rn a l d e fo rm a ra c io n a l, n o d iz e r d e la . U m
p a c ie n te m e u , c o m o p re te x to d e fa z e r s e u s filh o s e s tu d a re l1 1 ,
n ã o lh e s c o n c e d ia te m p o p a ra d o rm ir, n e m m e s m o q u a n d o
a d o e c e ra m . Q uando u m d e le s m o rre u , n ã o s e s u rp re e n d e u e
v o lto u e m b re v e a e s s a c ru e l e d u c a ç ã o .

203
D, Bastos

1 5 . V a id a d e e x c e ssiv a

N isso e n tra a in d a a m e d ita ç ã o re lig io sa , q u e jo g a n a s


c o sta s d e D e u s a p ró p ria in se n sib ilid a d e e q u e e la b o ra a té
u m a le i: a e x c e ssiv a v a id a d e , p a ra a q u a l g a sta m e e x c e d e m a
c a rid a d e , p a ra a tra ir a e stim a p ú b lic a , o u e n tã o m o stra r ou
sim u la r riq u e z a . E sta m e g a lo m a n ia , o u se ja , a e x c e ssiv a v a i-
dade, é p ró p ria ta n to n o s c rim in o so s n a to s com o n o s d e -" .." .~ ~ .
m e n te s m o ra is. A g n o le tti re p e tia c o n tin u a m e n te : "É D eus ."
q u e m e p e rm ite so b re v iv e r p a ra p u n ir o s se u s d e tra to re s" .
" F o i D e u s q u e fe z m o rre r u m d e se u s a d v e rsá rio s" . É c u rio so
a té p a ra a h istó ria d a re lig iã o v e r o q u a n to é com um a trib u ir
a D e u s o s p ró p rio s im p u lso s, ta lv e z p o r se re m irre sistív e is .
A ssim d iz o d e lin q ü e n te G u id e a u : " E u n ã o p o sso se r lo u c o ;
D e u s n ã o e sc o lh e se u s o p e rá rio s e n tre o s lo u c o s" .
A o q u e p a re c e , e le s se ju lg a m o s re p re se n ta n te s de D eus
n a te rra .
T ra te i d e u m q u e a ssin a v a n ã o SÓ c a rta s, m a s c a m b ia is,
c o m fa lso s títu lo s n o b iliá rq u ic o s, e se g a b a v a d e te r tid o c o m o
a m a n te s se n h o ra s c o n h e c id a s d a so c ie d a d e e m q u e v iv ia e ,
e le p ró p rio , fo rja v a c a rta s a m o ro sa s, c o m b e la le tra d e m u -
lh e re s e e n v ia d a s a o e n d e re ç o d e le , e d e p o is a s m o stra v a
im p ru d e n te m e n te a se u s c o m p a n h e iro s.

1 6 . In te lig ê n c ia

Q u a n to à in te lig ê n c ia , c e rta m e n te n ã o é tã o a p a g a d a
c o m o o se n tim e n to e o a fe to . M a s, p e lo v ín c u lo que une
Ito
, d a s a s fu n ç õ e s p síq u ic a s, n ã o se p o d e d iz e r q u e se ja c o m p le -
ta m e n te sã . S e m u ito s p siq u ia tra s e stã o d e a c o rd o , e sp e c ia l-
m e n te P ritc h a rd , P in e l, N ic o lso n , M a u d sle y , T o m a ssia , e m
e n c o n tra r n o s c rim in o so s u m a in te g rid a d e p e rfe ita , c o m e x -
c lu sã o n ã o a p e n a s d e a lu c in a ç õ e s e ilu sõ e s, m a s ta m b é m de
d e fe ito e d e so rd e m , m u ito s o u tro s, a o c o n trá rio , Z e lle , M a c -

204

~.
D, Bastos

F e rla n d , G ra y , p o r e x e m p lo , a d m ite m u m e n fra q u e c im e n to


e m a is o u tro s u m a irre g u la rid a d e . M o re i e n c o n tra n e le s u m a
a titu d e in te le c tu a l e sp e c ia l,_ fa c ilid a d e e m e sc re v e r e fa la r e
n a p ro d u ç ã o a rtístic a , su p e ra d a fre q ü e n te m e n te p o r te n d ê n - .
c ia s p a ra d o x a is. C am pagne n o to u n a e x tra v a g â n c ia d e le s a
fa lta d e se n so c o m u m .

T am bém K ra fft-E b b in g ,.e llq u a n to n ã o e n c o n tra ano-


m a lia s d e in te lig ê n c ia , c o n fe ssa q u e e le s sã o sim p le s'd e e s p í-
rito , a b su rd o s, se m p ru d ê n c ia n a p rá tic a d e c rim e s, m a s te rm i-
n a m p o r a c re d ita r c o m o v e rd a d e iro s o s fa to s q u e in v e n ta m ,
e a a trib u ir a si m e sm o s o s a c o n te c im e n to s o c o rrid o s com
o u tra s p e sso a s.

E le s tê m , e sc re v e B a tta n o li, n o s d o is c a so s, u m a v a sta


c o rre n te d e c o g n iç õ e s, m a s sã o se m p re sa p ie n te s m e n in o s;
e sc re v e u , fa la n d o c o m g ra ç a , c o m b rio , m a s c o m o p a p a g a io s
in stru íd o s e e n g e n h o so s. E sse s c a ra c te re s c o n tra d itó rio s que
se e n c o n tra m e x a ta m e n te n o s c rim in o so s d e riv a m d o fa to
d e q u e n e m to d o s o s d e m e n te s m o ra is sã o .e n q u a d ra d o s n u m
m e sm o p a d rã o , c o m o n e m m e sm o to d o s o s c rim in o so s. C o m o
a c o n te c e c o m o s a n im a is, q u e , q u a n to m a is n u m e ro so s, m a is
se in d iv id u a liz a m e o fe re c e m m a io r e m a is re a lç a d a v a rie d a d e ,
a té a d iv id ir-se e m su b e sp é c ie s, d a m e sm a fo rm a a c o n te c e
c o m o s d e m e n te s m o ra is e m re la ç ã o à in te lig ê n c ia , fic a n d o
se m p re a le v ia n d a d e , a a stú c ia , c o m o o c a rá te r p rin c ip a l.
A d ife re n ç a d e riv a ta m b é m d o fa to d e q u e te n d o e le s
e n g e n h o v iv a z d e sd e jo v e m , v ã o e n to rp e c e n d o n a id a d e a d u l-
ta e q u e , e sta n d o su je ito s a c o n g e stõ e s c e re b ra is, d e v e m a p re -
se n ta r n a tu ra lm e n te e rro s in te le c tu a is v a ria d o s. P o r isso se
p o d e re c o lh e r n o s p e sq u isa d o re s g ra d a ç õ e s que vão de ho-
m e n s d e g ê n io (q u e sã o ra ríssim o s e n tre o s c rim in o so s) a té
o s se m i-im b e c is, c o m o sã o g ra n d e p a rte d o s la d rõ e s e d o s
im b e c is, e n tre o s q u a is n ã o h e sita e m c o lo c a r G ra n d i d i M o r-
se lli, q u e fo i c o n d e n a d o .

205
D, Bastos j.

B a tta n o li d e sc re v e u m q u e e ra v e rd a d e iro p o e ta e L iv i
e m su a to sc a lin g u a g e m u m v e rd a d e iro filó so fo e p ic u rista .
A v e rig ü e i q u e e sta v a ju n to n a a p lic a ç ã o té c n ic a a m a is a lta
a v a lia ç ã o so c ia l e a o s g ra u s m a is e le v a d o s, m a lg ra d o so -
fre sse ta m b é m n a ju v e n tu d e , d e fre q ü e n te s fa se s d e a m n é -
sia , e u m a e stra n h a te n d ê n c ia a o su ic íd io , e m a is ta rd e fo sse
" J::Q lh id o a té c o m e rro s d e lin g u a g e m e d e m a n ia s d e p e rse -
g u iç ã o . P o r o u tro la d o , te n h o u m c a so d e in te lig ê n c ia tã o
d é b il, a p o n to d e a p ro x im a r-se d a im b e c ilid a d e , e m b o ra so u -
b e sse e sc re v e r b e m .

1 7 . A stú c ia

U m a ra z ã o p e la q u a l ta n to s sã o le v a d o s a a c re d ita r q u e
1..
e ste ja in ta c ta a in te lig ê n c ia d o d e m e n te m o ra l é p o rq u e to d o s
sã o a stu to s, h a b ilíssim o s n a p rá tic a d o s d e lito s e n a ju stific a -
tiv a d e le s. A ssim , a C a te rin a , d e S a le m i-P a c e n e g a d e im e -
"~ d ia to a te n ta tiv a d e c o rru p ç ã o e su b tra iu -se à p risã o , ju stifi-
t,.
=:;; c a n d o c o m o te m o r d e se r a g re d id a p e la s filh a s. A ssim ta m -
bém L .M . d e C a p e lli, te n d o v isto p a rtir d e u m a c a sa u m a
v iú v a q u e a a lu g a ra , o c u p o u -a c o m o su a , m a n d a n d o a se r-
v e n te v e n d e r o s m ó v e is e fu g iu , q u a n d o fo i d e sc o b e rta .

1 8 . P re g u iç a

N ã o fa lta a p re g u iç a p a ra o tra b a lh o n o s d e m e n te s m o-
ra is, e m c o n tra ste c o m a a tiv id a d e e x a g e ra d a n a s o rg ia s e n o
m a l, e x a ta m e n te c o m o n o s c rim in o so s n a to s. S e i d e u m q u e
p e rm a n e c ia a se m a n a in te ira n o le ito , m a s e ra c a p a z d e e sta r
1 0 d ia s e m b a ile s o u e m p a sse io s fo ra d e c a sa . O u tro a le g a v a
m il d o e n ç a s p a ra n ã o tra b a lh a r. E m g e ra l, d isse K ra fft-E b b in g ,
fa lta m -lh e s a tiv id a d e , e n e rg ia , q u a n d o n ã o se tra ta r d a sa tis-
fa ç ã o d e se u s d e se jo s im o ra is. O d e ia m o tra b a lh o h o n e sto .
A m e n d ic id a d e e a v a d ia ~ ín sã o a v o c a ç ã o d e le s.

206
D, Bastos

1 9 . A tiv id a d e d o e n tia

V e rd a d e é q u e S c h u le d isse se re m o s d e m e n te s m o ra is
e stra n h a m e n te e x c itá v e is, c o m o p e ro sid a d e e x c e ssiv a a lte r-
n a d a c o m in é rc ia e in d isc ip lin a , c o n tín u a in q u ie tu d e , in c o n -
te n ta b ilid a d e , a té h a v e r a tin g id o se u o b je tiv o e se tra n q ü ili-
z a m . D e p o is re to rn a m in q u ie to s, a tiv o s n a p ro fissã o a lg u m a s
v e z e s, m a s c o m o m e n in o s n a v id a : "E stà c a ra c te rístic a que
p a re c e c o n tra d itó ria m a s n ã o é to ta lm e n te , p o rq u e a p a re c e
n o s p rim e iro s p e río d o s d a v irilid a d e e fa lta e m m u ito s, e n c o n -
tra -se e m m u ito s g ra n d e s c rim in o so s, c o m o p o r e x e m p lo , L a -
c e n a ire , G a sp a ro n e , A lb e rti, q u e a tin g ira m fre q ü e n te m e n te
e le v a d a s p o siç õ e s so c ia is. A a tiv id a d e d e le s e x p lic a -se a p e n a s
n o m a l. E m fa m ília d iz K ra fft-E b b in g , a te n a c id a d e e m e la n -
c o lia d e le s sã o o te rro r d e se u s p a is. N a e sc o la , o e sfo rç o
d e le s p a ra se fa z e re m e x p u lsa r é d e e x tra o rd in á ria fin e z a .
S e se o c u p a m , lo g o se to rn a m la d rõ e s, re v é is a q u a lq u e r
d isc ip lin a , c o m o a q u a lq u e r tra b a lh o n o c á rc e re . M u ito s sã o
sim p le s d e e sp írito , fre q ü e n te m e n te a b su rd o s, e n e g lig e n c ia m
q u a lq u e r p ru d ê n c ia n o s a to s. M e n tiro so s, m as acabam por
a c re d ita r c o m o v e rd a d e iro tu d o q u e in v e n ta m . T u d o isto
a c o n te c e c o m o s la d rõ e s m e n o re s e a u m a b o a p a rte d o s d e -
m a is la d rõ e s.

2 0 . P re te n sõ e s d e d ife re n ç a s

O s c a ra c te re s q u e , c o m fa tig a n te a n á lise , o s a n a lista s


c h e g a ra m a e n c o n tra r p a ra d istin g u ir o s d e m e n te s m o ra is
d o s d e lin q ü e n te s n a to s só c o n se g u e m c o n firm a r a a n a lo g ia .
K ra fft-E b b in g n o ta o a n d a m e n to p ro g re ssiv o d a c ó le ra m o r-
b u s n o s d e m e n te s m o ra is - e n ó s re c o rd a m o s a a ssim c h a m a d a
"e sc a la d o c rim e ". E sc re v e P in e l q u e m o stra m na execução
d e a to s im p u lsiv o s, im p re v id ê n c ia , c ru e ld a d e m o n stru o sa , c i-
n ism o , g a b a n d o -se d e p o is d o . c rim e , se m re m o rso , m a s, e le s

207
D, Bastos

p ró p rio s , c o n fe ssa m a p ó s q u e e s s e s c a ra c te re s s e e n c o n tra m


n o s v e rd a d e iro s c rim in o s o s .

D is tin g u e m -s e , d iz K ra fft-E b b in g , d o s c rim in o s o s co-


m u n s p o r h a v e r a fe iç õ e s c e re b ra is , c o n g ê n ita s o u a d q u irid a s ,
h e ra n ç a d e -a lc o o lis m o , e p ile p s i~ l o u c u r a , t r a u ~ r i i .a s - c é r e b r a i s ;
m e n in g ite o u a tro fia s e n il, d e m ê n c ia s e n il, a lte ra ç õ e s fu n c io -
n a is d o s is te m a n e r V D S Oo u d o d e s e n v o l v i m e n t o d o c o rp o ,
e s tra b is m o , p é e q ü in o , m á c o n fo rm a ç ã o d a g e n itá lia . S ã o p re -
d is p o s to s às doenças c e re b ra is , à s c o n g e s tõ e s , in to le râ n c ia s
n o s a lc o ó la tra s , v a rie d a d e d e h u m o r, e x a g e ro d a s p a ix õ e s .

S c h u le e s c re v e q u e s ã o filh o s d e lo u c o s , c o m fre q ü e n te s
a n o m a lia s d o c râ n io , d o s e x o , d o p a la d a r, d a lín g u a , e x p o s to s
à irrita ç ã o d o s n e rv o s, s o n a m b u lis m o , c o n fu sõ e s, lo u c u ra s
p e rió d ic a s , h ip o c o n d ria , n a s p rim e ira s o c a s iõ e s , n a p u b e r-
dade, nas doenças g ra v e s . V e re m o s tu d o is s o n o s ré u s n a to s .

2 1 . P re m e d ita ç ã o

F a la -s e d a p re m e d ita ç ã o , d a d is s im u la ç ã o , d a a rte c o m
q u e o s v e rd a d e iro s c rim in o s o s s e e s c o n d e m e n q u a n to dem en-
te s m o ra is c o m e te ria m to d o m a le fíc io à s c la ra s , com o se
tiv e s s e m o d ire ito d e fa z ê -lo . A d ic io n a -s e q u e n ã o ra ra s v e z e s
o s d e m e n te s m o ra is , c o m o o s d e lin q ü e n te s c o m u n s p re p a ra m
o á lib i, p re m e d ita m o c rim e , c o m e te m -n o não p o r ím p e to
in e s p e ra d o , m a s p o r v in g a n ç a o u lu c ro , a s s o c ia n d o -s e fre -
q ü e n te m e n te c o m s e u s c o m p a rs a s . N o ta -s e q u e to d a s a s c o n -
fu s õ e s d o m a n ic õ m io nascem d o s a lie n a d o s , q u e in d u z e m os
o u tro s a o s m a le s , e n g a n a m -n o s e d e n u n c ia m o s s u p e rio re s e
s ã o s e m p re in c lin a d o s à s re b e liõ e s .

A ubanel n a rra c o m o u m d e le s q u e o d ia v a a fa m ília d e


s u a m u lh e r, s a b e n d o q u e e la d e v e ria fa z e r u m a v ia g e m a P a ris ,
d is fa rç o u -s e e a lu g o u u m a c a rru a g e m q u e a c o n d u z ia p e ra n te
a s a íd a d a o d ia d a f a m í l i a ,' a r g u m e n t a n d o que s e ria s e rv id a
,
208 •..- ';
'.-11'"

.-u . t'á.i:
D, Bastos

p o r e la p a ra a p ro je ta d a e x c u rs ã o . A s s im a c o n te c e u . E le n ã o
fo i re c o n h e c id o e quando e s ta v a p e rto d o S e n a te n to u d e rru -
b a r a c a rru a g e m n o rio ; s ó e n tã o a fa m ília s e d e u c o n ta do
lo g ro , e o d o id o fo i e n v ia d o p a ra o m a n ic ô m io .

~Em u m m a n ic 6 ~ i~ p riv a d o d e P a ri~ :~ o ~ tro d o id o a fi~ ~


um pedaço d e fe rro , e sc o n d e u d u ra n te q u in z e d ia s , c o m o
q u a l m a to u a filh a d o d ire to r, g rita n d o lo g o a p ó s : " M e fiz e ra m
o q u e q u is e ra m ; e u m e v in g u e i" . Im p o rta n tís s im o é esse caso
n a rra d o p o r A d ria n i.

U m c e rto d e m e n te , n o q u a l p re v a le c ia a id é ia d e riq u e -
z a e v a le n tia , e a to s d e v io lê n c ia , u m d ia , d e p o is d e s im u la r
c o m p le ta tra n q ü ilid a d e , a n te s d e e sc u re c e r, pede p a ra ser
d e ix a d o um pouco d e te m p o n o q u a rte irã o a n te s d e e n tra r
n o a p o s e n to . A p ro v e ito u a o c a s iã o p a ra fa z e r u m p a c o te de
s u a s ro u p a s e a g a s a lh o s , q u e d e ix a fo ra d o p ró p rio a p o s e n to .
E s p e ra q u e v e n h a o g u a rd a d a ro n d a e d iz q u e lá e s ta v a p a ra d o
p a ra c a u s a r-lh e m edo. A vançou um p a s s o e lh e v ib ro u um
fo rte g o lp e c o m u m a b a c ia , d e rru b a n d o -o p a ra le v a r a s c h a v e s
e fu g ir. C o n fe s s o u d e p o is , c o m a m á x im a in d ife re n ç a , a p re -
m e d ita ç ã o , e c o n to u c o m o n a q u e le d ia tin h a a c e rta d o com
o u tro a lie n a d o q u e já te n ta ra a fu g a o u tra v e z . E la m e n ta v a -
s e d e n ã o te r p o d id o p ra tic a r o h o m ic íd io .

2 2 . E s p írito d e a s s o c ia ç ã o

E s te é u m fa to o c o rrid o n o m a n ic ô m io d e M a rs e lh a
1 0 a n o s a trá s , em q u e d o is d e m e n te s p ro g ra m a ra m m a ta r
o s s e rv e n te s , a p o ssa r-se d a s c h a v e s e fu g ire m . E s s e fa to b a s -
ta ria p a ra m o s tra r a p o s s ib ilid a d e q u e n ã o s ó o s d e m e n te s
m o ra is , m a s ta m b é m o s d e m e n te s com uns s e a c e rta m e n tre
e le s , e c o n s p ira m c o m o o s e n c a rc e ra d o s, e n o s re v e la m a in d a
q u a n ta te n a c id a d e v in g a tiv a re p o u sa n e le s , ta n to q u a n to
n o s d e lin q ü e n te s .

;
"
209
:<
..
D, Bastos

N en h u m d o s au to res citad o s n o to u um fato que


en co n trei n o s d elin q ü en tes co m freq ü ên cia, co m o ex ata-
m en te n o m aio r n ú m ero d e crim in o so s: o d esejo d e v iv er
n o seio d a so cied ad e q u e eles freq ü en tam , em b o ra d etestem ,
p rin cip alm en te--'so cied ad e~ d e h o m en s d a m esm a sú cia:-.---~ -".~
R eco rd am o -n o s d e u m certo R o sa, q u e estran g u lo u sem
cau sa u m a n eta, d ep o is p o r v in g an ça, m atg u n o m eu m an i-
cô m io u m alien ad o . M as, n ão p o d ia v iv er iso lad o . A ssim
q u e o co lo q u ei n u m a cela, am eaço u e d ep o is ten to u estran -
g u lar-se, e teria p erp etrad o o su icíd io , se n ão o tiv esse co lo -
cad o n o m eio d e u m g ru p o , ao q u al era h o stil, m as d o q u al
n ão se p o d ia afastar.

2 3 . V aid ad e d o d elito

T am b ém a v aid ad e d o d elito , o u m elh o r, o estran h o


d esejo d e etern izá-lo n as an o taçõ es, tem o s n o tad o co m m u itas
p ro v as, q u e rev elam esp ecial ten d ên cia d o s crim in o so s. Foi
p o ssív el o b serv á-la p elo estu d o acu rad o d e alg u n s caso s em
~ q u e o d iag n ó stico d a d em ên cia m o ral era in d iscu tív el. Ao
rev és, ex am in ad o s n o s réu s co m u n s, o s caso s serv em p ara
d ar in d ício freq ü en te, e alg u m as v ezes, u m a ex p licação do
crim e. A ssim , u m d em en te m o ral, d ep o is d e ter to m ad o to d as
as p recau çõ es p ara esco n d er o fratricíd io e o p arricíd io , red ig ia
essas lin h as secretam en te:

- "Q u al é o d estin o d e m in h a m ãe, e q u e m o rte d ev erá


ter? S e co n seg u irei elim in á-la co m arsên ico ; se n ão , d e q u e
m o d o e q u an d o ?
- E m q u e an o m o rrerá, e d e d o en ça, n ão se sab en d o ?
C o n seg u irei m atá-la; e d e q u e m o d o , o u n ão co n seg u irei!
- O m eu d estin o , q u al será?"
;..,-"

I'~
210 J'<
I. :r
~
D, Bastos

E ssas p erg u n tas d en u n ciaram -n o p elo crim e e d em o n s-


traram a n ecessid ad e d e falar d o p ró p rio d elito e d eix ar u m a
lem b ran ça d ele p o r escrito . C o m o b em ad v ertem T am b u rin i
e S ep p illi, o q u e d izer d aq u ele d em en te citad o p o r M au d sley ,
q u e, assim q u e m ato u ú Ín am en in a, lav o u as m ão s, e escrev eu
n o seu d iário : "M o rta, u m a m en in a era b o a e q u en te".

2 4 . S im u lação

A té a freq ü ên cia d a sim u lação d e d em ên cia, q u e en co n -


tram o s m u itas v ezes n o s crim in o so s, en co n tra-se an o tad a em
alg u m as o b serv açô es d ilig en tes.

2 5 . S in to m ato lo g ia d a d em ên cia m o ral n as o u tras

A o b jeção , q u e m u itas d o en ças m en tais têm em seu


sistem a d e ten d ên cias p ró p rias d a d em ên cia m o ral, n ão traz
q u alq u er p reju ízo à ex istên cia d ela, co m o o s caso s d e ín d o le
sifilítica, satu rn in a, h istérica n ão trazem à ex istên cia d a p ara-
lisia, d a ep ilep sia, d a d em ên cia.

2 6 . H isto lo g ia p ato ló g ica d a d em ên cia m o ral

N o s três caso s d e d em ên cia m o ral, em q u e se fez au tó p -


sia, fo ram en co n trad as m en in g ite e ap o p lex ia av an çad as n o s
v aso s. F altam -n o s estu d o s av an çad o s so b re este assu n to . M as,
u m a v ez reco n h ecid a a an alo g ia co m o u tras n eu ro p ato lo g ias,
so co rrem -n o s as p recio sas o b serv açõ es d e A rn d t d e q u e "m u i-
tas célu las g an g lio n ares são n o s n eu ró tico s em estad o d e
d esen v o lv im en to in ferio res co m o n o s rép teis, n a salam an d ra.
E m alg u n s o "cilin d er ax is" se ap resen ta m ais su til o u
co b erto d e g rân u lo s sem su ficien te iso lam en to co m resp eito
às p artes q u e o circu n d am ,. p ara o s q u ais a ex citação m ais
~
<
211
r.
~
D, Bastos

facilm ente se irradia; falta realm ente em parte destes, algum as


vezes, e é substituída pela acum ulação de células protoplasm ática.

-
:'''"...

2 7. A hereditariedade na dem ência m oral

A prova m ais segura é no desenvolvim ento, na origem


da doença. T anto do delinqüente nato com o o dem ente m oral
datam quase sem pre da infância e da puberdade. L ivi escre-
veu: "os dem entes m orais nascem plasm ados naturalm ente
para o m al". Savage distingue, com o M endel e K rafft- E bbing,
um a form a de dem ência m oral prim ária, que se m anifesta
freqüentem ente dos 5 aos 11 anos, com o furto, caráter excên-
trico, com aversão aos costum es fam iliares, agitabilidade, in-
capacidade de educação, crueldade e cinism o extraordinário,
sexualidade precoce devido à qual são m asturbadores desde
o início da vida.
R ecordo-m e de dois que na idade de 4 anos com eçaram
a ser o desespero dos próprios pais, com furtos, m entiras,
ódio à m ãe, aos irm ãos, e um no com ércio e outro na arit-
m ética tinham singular habilidade. T odi conta a história de
um a m enina que picava os olhos dos cavalos e dos cães de
sua casa, e tornou-se m ãe e m ulher desnaturada. D epois se
revelou um a dem ente m oral. A ssim tam bém aconteceu com
um rapaz que arrancava a língua dos pássaros. C onstatam os
exatam ente com o os delinqüentes natos apresentam as ten-
dências im orais m uito precoces. A continuação da prim eira
idade, que é a m ais clara explicação, nos dá a chave de sua
difusão, visto que no fundo é um a continuação, seja por causa
patológica, seja por um estado fisiológico.
A lgum as vezes há o recrudescim ento na puberdade.
E screvem T odi e L egrand de Saulle que sem elhantes casos
parece que na infância são dotados de extraordinário gênio
artístico e apego aos estudos;"m as quando vem a puberdade

212
\~
D, Bastos

fazem -se a princípio tím idos e após se entregam aos vícios


com energia que antes aplicavam aos estudos. Procuram com
altos ganhos com pensar a hum ilhação da glória perdida, e
im pacientes do êxito, um pouco fechados no raciocínio, exe-
cutam cinicam ente qualquer obra m aldosa.+E m .outros ter-
m os, a puberdade só, sem outra, foi a causa das tendências im orais.
R ecordem os, a propósito, o caso de V erzeni, L em aire e
outros, em que n'enhum a outra causa a não ser esta, a de que
estam os falando, explica a tendência estranham ente perversa.
T am bém involução da idade senil e a decadência da atividade
genital podem indicar, provocar de repente, o recrudesci-
m ento desta tendência e dar um a explicação, com o era o
caso de G arrayo, a princípio virtuoso e honestíssim o e após
os 40 anos um assassino, estuprador de nove m ulheres, ou
m elhor, um necrom aníaco.
A hereditariedade, a descendência de dem entes, en-
contra-se tam bém neles, m as exatam ente com o verem os nos
delinqüentes natos, em proporção m enor do que nos com uns,
enquanto é em m aior proporção a cifra dos pais egoístas,
viciosos e crim inosos. V ê-se que a influência hereditária da
dem ência não é tão grande quanto a do vício e da crim ina-
lidade - exatam ente com o nos crim inosos - e recordarei
sobretudo o tipo m ais clássico de dem ência m oral, que tinha
avô hom icida por C iúm e, tio incendiário e pai estuprador e
que m atou um a m ulher para testar um fuzil.
R ecordam os a dem ente m oral, citada por Salem i-Pace, com
m ãe adúltera e pai crim inoso; C atarina, citada por B onvecchiato,
com pai beberrão; F.A .,de G .B . V erga, com pai de caráter grosseiro,
irm ão pederasta, um outro ladrão, um outro epiléptico e irm ã
im becil; a M aria, de C antarano, com irm ão vagabundo e dois
pacientes m eus que tiveram m ãe obscena e pai beberrão.
É precisam ente esta expressão um pouco m enor que
encontram os nos delinqüentes cuja hereditariedade da de-

~ 213
D, Bastos

m ência não ultrapassa a 22% , enquanto nos dem entes co-


m uns vai além de 50% , se bem que seja m aior talvez nos
grandes culpados, com o Faella, A lberti, etc. É esta m esm a
proporção m enor que a que Som m er verificou nos dem entes
crim inosos-"em confronto com os outros.
Enquanto os dem entes com uns têm 30% de heredita-
riedade, os dem entes crim inosos têm 22% , m as nestes a here-
ditariedade é m ais realçada, nos vários ram os colaterais, e
m ais nos casos com avô, pai, tio dem entes e todos os irm ãos
neuróticos, outros com avô, m ãe e irm ãs dem entes, o pai
beberrão, três irm ãs dem entes.
A influência direta dos alcoólatras é notada por C am -
pagne seis vezes, e três juntos com doentes venéreos. N ós já
c a encontram os e m elhor a encontrarem os no delito.
K rafft-Ebbing falava dos afetados pela m eningite, trau-
m as na cabeça, com o causa da dem ência m oral, e nós verem os
com o o sejam de tendência ao delito, com o por exem plo, o
,; furto, indicado por A crell, M orei, O all, e que recordam os a
• freqüência do traum a na cabeça dos delinqüentes; 7% segun-
do m inha pesquisa, e os 21 em 58 de D el B ruck, os 3 em 28
casos de Flechs. N arrei a história de um ladrão depois de um
traum a na cabeça. A inda recentem ente, A rduin notou um a
fratura no crânio em um que encontrou entre 19 assassinos.
Im portantíssim a sobre todas é a cota, escassa é ver-
dade, m as provada com certeza, de dem entes m orais, que
surgiram de um a educação m aldosa. H olandêr e Savage
fazem notar a freqüência de estado m órbido naqueles que
por dem asiada bondade ou negligência dos pais não conta-
ram com os freios na infância, nem se habituaram àqueles
lim ites que a lei im põe e pelos quais um hom em se form a
m oralm ente. A contece igualm ente em alguns delinqüentes,
especialm ente nos países selvagens e pouco civilizados,
com o é o costum e da vingança.

214
li
D, Bastos

Tive, em longo tratam ento, um jovem que confirm a


essa observação. Filho de pai alcoólatra, de m ãe erótica e
com tendência suicida, m uito estranho, com avô suicida, ir-
m ãos honestíssim os, era ele o predileto dos pais e m orm ente
de um a"ca"m areira que o protegia encontrando sem pre um a" 11
desculpa às m alvadezas dele. Encam inhou-se ao furto desde
a infância. C om três anos, indo ao m ercado, apropriava-se
de peixes, frutas, cestas de dinheiro. Q uando cresceu, gastava
em guloseim as o quanto conseguia furtar da m ãe ou da cam a-
reira, que não faziam caso. N a escola apoderava-se dos objetos
dos com panheiros.
Isto se com preende do quanto vim os no início, sobre
as tendências crim inosas dos m eninos que apresentam fisiolo-
gicam ente um estado sim ilar à dem ência m oral, de m odo
que quando não encontram circunstâncias favoráveis à trans-
form ação norm al em hom em honesto, essas tendências perduram .
Este estado patológico se faz com o tem po costum eiro,
em sum a, tam bém quando o indivíduo não teria tendências
especiais ao delito, quando não seria um hom em com o todos
os outros, m as, m ais facilm ente o atinge a influência hereditá-
ria. Isto explica os casos de crim inosos aparentem ente natos
com o tais e sem anom alias de crânio ou das faces.
A ssim se explicam essas dem ências m orais dos déspo-
tas, seja do trono, com o a grande parte dos C ésares, seja do
poder, com o M arat, seja com o os tiranos da república hispa-
no-am ericana, os quais, de tranqüilos e até hum anos que
eram a princípio, ante o contato com o poder ilim itado, com
ou sem influência hereditária, tornaram -se cruéis, m esm o
sem vantagem própria, m as por puro capricho.
Im portantíssim os são os casos notados por V ergílio, 2
vezes em 14 e por C am pagne, 7 vezes em 15, e um notado
por Salem i-Pace, um por Todi, em que a dem ência m oral se
encontra seguida de infelicidade profunda ou de vivas im pres-

215
1-
D, Bastos

sões p s ic o ló g ic a s . A s s im , T o d i c o n ta o caso de um a boa


e m p re g a d a que te n d o p e rd id o u m a m e n in a , fo i to m a d a de
d e m ê n c ia m o ra l c o m te n d ê n c ia a d e s e n te rra r o s c a d á v e re s
d a s c ria n ç a s .
. .- . - - - - - ~ = ~ _ , _ _. _.,,.. . w 'O -' _ _ • • • _.. ~ ~ ,~ __ • __ . ~~~ . _' __ -:--:'.:''''''_ ' .. '''~ :" ," ,''''''~

- - - . - A . p a ~ a d i - d o d ~ ~ e i . '; o l v i m e n r o d o s - ê e n t r o s p s f q { iiê o s ....

fo i p ro v o c a d a , com o a c o n te c e a a lg u m a s doenças m e n ta is ,
por causas p s íq u ic a s e m v e z d e fís ic a s , m a s o s e fe ito s s ã o o s
m esm os. E v id e n te m e n te , a d e m ê n c ia m o ra l s e v a i c o n c a te -
nando c o m u m g ru p o d e c rim in o s o s , ta m b é m e sse s se m g ra n -
d e s a n o m a lia s : o u p o r p a ix ã o o u p o r o c a s iã o .

216
D, Bastos

- - ~
.. ------ .-
- - -...~ - - _..
_ - - - - _ .- - - - ':::" ~ - ._ - = - ..- - - :::: O : : : - ': : ': - : : = : - '- ': - : ~ c '-

~
17. FORÇA IR R E S IS T ÍV E L N O IN T IM O

DOS DEM ENTES M O R A .I S

1. Força irresistível- 2 . Força irresistível nos criminosos.


Confissões - 3 . Outros exemplos d e criminosos
4. Li~'re-arbítrio

1 . F o rç a irre s is tív e l

D e s ta p e rv e rtid a a fe tiv id a d e , d e s te ó d io excessivo e


s e m c a u s a , d e s ta fa lta o u in s u fic iê n c ia d e fre io s , d e s ta te n d ê n -
c ia h e re d itá ria m ú ltip la d e riv a a irre s is tib ilid a d e d o s a to s d o s
d e m e n te s m o ra is . S c h u le e sc re v e u que e le s tê m u m fu n d o
d e irrita b ilid a d e p ro n ta p a ra e x p lo d ir c o m o u m v u lc ã o . N ã o
podem d irig ir à s u a v o n ta d e o s im p u ls o s d o c iú m e , d a s e n -
s u a lid a d e , s e m p o d e r re s is tir a e le s . S ã o in g ra to s , im p a c ie n te s ,
v a id o s o s , desde s e u s a to s m a is m a ld o s o s . P in e l fa la d e u m
d e m e n te m o ra l q u e , m a l e d u c a d o , s e h a b itu o u a o s ú ltim o s
e x c e s s o s ; o s c a v a lo s q u e n ã o lh e s e rv e m , o s m a ta ; quem se
opõe na p o lític a é p o r e le e s p a n c a d o ; se um a se n h o ra lh e
re sp o n d e jo g a -a n o p o ç o .

217
D, Bastos

's m o tiv o s m a is fú te is , d is s e T a b u rin i a re s p e ito de


,e n te m o ra l, q u a n d o fo re m o b s tá c u lo s p a ra a c o n s e -
..:s u a s a m b iç õ e s , b a s ta m p a ra fa z ê -lo e x p lo d ir e m a c e s -
ile ra , d o s q u a is n ã o h á m a is fre io . C o m o n o s m e n in o s
is fiã o -h á p ro p o rç ã o e titre a re -a -ç ã o 'e 'o 'm o tiv o que os ~ '= ~ t . 7 _ - _ ~ - ~ .

, A s s im , a s m a is le v e s c a u s a s d e ó d io c o n tra a lg u é m
a s c e r n e le s im p u ls o s irre s is tív e is d e m a ta r seu desa-
e s ta lh e v ir a o s lá b io s u m a fó rm u la d e in s u lto , s e n te -
10 a re p e ti-la c e n te n a s de vezes.
m a m b o s , e s c re v e o p a d re B a tta n o li, fa la n d o de seus
'n e n te s m o ra is , re v e la -s e u m e s fo rç o p a ra re fre a r e a
n c ia p a ra c o n s e g u ir c o n tro lá -lo s . F a lta m a e le s p re v i-
c' p ru d ê n c ia . O s c o n s e lh o s , a s a d v e rtê n c ia s , o s c a s tig o s
,,-s e in ú te is a e le s .
','!o c ê o b s e rv o u o F ra n c is c o ? T o d a s a s p e rip é c ia s passa-
'ja s a s d ific u ld a d e s e n c o n tra d a s p a ra s a ir, s e is a n o s d e
, ~ 'o , o s c o n s e lh o s e a s o ra ç õ e s d a d o s a n te s d a p a rtid a ,
" n e s s a s , o s p ro te s to s q u e lh e fiz e ra m , v a le ra m p a ra q u ê ?
'--e s m o d ia e m q u e s a iu d o m a n ic ô m io , fo i re c la m a r e
" a r b rig a p o r u m b o rd ã o d e n e n h u m v a lo r. E o n d e ? N o
, h o s p ita l d o q u a l fo i e n v ia d o a S ã o S é rv u lo .
)e tu d o is s o s e e n te n d e q u e s e a fo rm a im p u ls iv a n ã o é
,r s ó a o s d e m e n te s m o ra is , o c e rto é q u e n ã o s e p o d e d iz e r
\ fa lta a e le s . É n a tu ra l p o rq u e o s m io lo s s ã o p re d is p o s to s
_i n u triç ã o d e s d e o n a s c im e n to , e d e p o is n e le s s e ra d ic a e
u m a d a q u e la s m il te n d ê n c ia s m ó rb id a s q u e s e m a n ife s ta m
,s e to d o s n ó s n u m a h o ra m á d o d ia , e s p e c ia lm e n te n a in fâ n -
~ d e s g a s ta m n a s b o a s tê m p e ra s e s o b u m a b o a e d u c a ç ã o .
1E rá rio ,p e rm a n e c e m q u a n d o s ã o fa v o re c id a s p e lo o rg a n is -
d o a b a n d o n o , o u e x p lo d e m n e c e s s a ria m e n te e m in d iv í-
,1 u e c a la m to d o s o s s e n tim e n to s a ltru ís ta s . S ã o v iv o s e
5, e m q u e n ã o h á o u tra fo rç a q u e d e te rm in e a ç ã o d ife re n -
'e s , to d o s o s m o tiv o s irp .p e le m a o m a l e n e n h u m ao bem .

I
I ••
D, Bastos

D e p o is , a u m a s é rie re p e tid a d e s s e s a c e s s o s , a ju n ta -s e
o h á b ito d o p ró p rio a to . A s s im é q u e n a a p a rê n c ia , fa lta a
p ro p o rc io n a lid a d e e n tre a c a u s a e o e fe ito e h á a ç õ e s q u e à
p rim e ira v is ta n ã o p a re c e m depender d e u m m o tiv o . E is a q u i
e x p liG a d a s 'a q u e la s ' e s tra n h a s 'te n d ê n c ia s " o b s c e n a s ;" p a ra d o - ,-_ o . ----' • • =
x a is , q u e v im o s s u rg ir n a in fâ n c ia e m in d iv íd u o s p re d is p o s to s
p e la h e re d ita rie d a d e , te n d ê n c ia q u e , a in d a q u e à p rim e ira
v is ta " is o la d a s e s e m le s õ e s d e o u tra s fu n ç õ e s a 'fe tiv a s n ã o
p o d e ria m c o n s titu ir-s e sem u m s u b s tra to d e s e n s ib ilid a d e
p e rv e rtid a .

T a m b é m a q u i s e e n c o n tra , e n tã o , c o m o n o s o u tro s d e -
m e n te s m o ra is u m a h e re d ita rie d a d e e m la rg a e s c a la d e a lie -
n a ç õ e s e d e v íc io s , u m a p re c o c id a d e s e x u a l a c im a d a m é d ia ,
q u e p re d is p u n h a o o rg a n is m o n o p rim e iro a c id e n te à g e rm i-
nação d a id é ia fix a q u e a p e n a s o c a s o d e te rm in a , ou se, ao
c o n trá rio , c rim in o s a , m o n s tru o s a , c o m o a d e V e rz e n i, L e g ie r,
e tc . A a n a lo g ia é ta n to m a is c la ra d e s d e q u e m u ito s d e le s , p o r
e x e m p lo , a g a ro ta m a s tu rb a d o ra , re fe rid a p o r E s q u iro l, já tin h a
im p u ls o s o b s c e n o s ju n to c o m o s c rim in o s o s , c o m o o fu rto .

O s e rro s d a a fe tiv id a d e n ã o s e re v e la m p o rq u e e s tã o
n o m e io d a p e n u m b ra d a e n o rm id a d e d o s fa to s im p u ls iv o s ,
q u e , c re s c e n d o d e fo rm a d e s p ro p o rc io n a l à c a u s a , fa z e m e s -
q u e c e r o g e rm e d e q u e s e o rig in a m o u p o rq u e re a lm e n te se
c o n c e n tra m s ó e m u m a d a d a d ire ç ã o , a p a re c e n d o n o rm a l
e m o u tra .

A s s im , c o m o V e rz e n i e c o m a S a c c a m a n te c a s to d a a
p e rd a d a a fe tiv id a d e s e m a n ife s ta p o r p e río d o s , e n o b á rb a ro
m o d o d e e s tra n g u la m e n to fe m in il, m a s a a p a tia q u e m o s tra -
ra m a p ó s o d e lito , p e lo s p a is , p e la v ítim a , e p e lo p ró p rio s u -
p líc io , m o s tra q u e a a fe tiv id a d e e ra le v a d a fo ra d a s te n d ê n c ia s
e s p e c ia is q u e o s im p e lira m a o c rim e .

N ã o é , e m s u m a , a n ã o s e r q u e s tã o d e g ra u , q u e s tã o d e
a c id e n te d e d ire ç ã o a u m a d a d a c o rre n te , a n te s q u e e m o u tra

219
D, Bastos

d ire ç ã o , m a s o fu n d o é se m p re n e u ro ló g ic o ; é se m p re u m a
p a ra d a d o d e se n v o lv im e n to d e a lg u m a s fa c u ld a d e s que pe~-
m anecem n o e sta d o in fa n til; e , c o m o n a in fâ n c ia , se tra n sfo r-
m am su tilm e n te e m a ç ã o , se m q u e se p o n h a u m fre io d o
ra c io c ín io e a p re v id ê n c ia d e p o ssív e is d e sg ra ç a s e o h o rro r
d o o fe n d id o se n so m o ra l.

2 . F o rç a irre sistív e l d o s c rim in o so s. C o n fissõ e s

C o m o tu d o isso se e n c o n tra e x a ta m e n te n o s c rim in o -


so s, já m o stre i c o m a s e sta tístic a s n a m ã o e c o m a o b se rv a ç ã o
d e o u tro s; e m e lh o r te ria p o d id o , só re c o lh e n d o a s c o n fissõ e s
d e le s. A ssim m e d isse u m la d rã o : " N ó s te m o s o fu rto n o sa n -
g u e ; se v e jo u m a a g u lh a n ã o p o sso fa z e r d e m e n o s d e p e g á -
la , a in d a q u e d e p o is e ste ja d isp o sto a re stitu í-la " . O g a tu n o
B ru n o m e d isse q u e te n d o ro u b a d o d e sd e o s d o z e a n o s p e la
e stra d a , ro u b a d o n o c o lé g io , e sta v a n a im p o ssib ilid a d e de
,I a b ste r-se d o fu rto , a in d a q u e e stiv e sse c o m o b o lso c h e io . S e
n ã o , e ra d ifíc il d o rm ir e à m e ia -n o ite é c o n stra n g id o a ro u b a r
o p rim e iro o b je to q u e lh e v e n h a à m ã o .
D e h a m c o n fe ssa v a a L a u v e rg n e u m a p a ix ã o irre sistív e l
p e lo fu rto . D iz ia : " N ã o m a is ro u b a r se ria p a ra m im c o m o
n ã o m a is v iv e r. O fu rto é u m a p a ix ã o q u e a rd e c o m o o a m o r,
e quando o sa n g u e m e so b e à c a b e ç a e m e v a i a o s d e d o s,
c re io q u e ro u b a ria a m im m e sm o , se p u d e sse " .

3 . O u tro s e x e m p lo s d e c rim in o so s

H á u m a p a rte d o s d e lin q ü e n te s n o s q u a is o p ro c e sso


d o a to c rim in o so a ssu m e , a b so lu ta m e n te , a fo rm a e a te n a c i-
d a d e d a m a n ia im p u lsiv a . V ã o a d ia n te a lg u n s e x e m p lo s. P o n -
tic e lli o b se rv o u o a to d e u m la d rã o tísic o , n a a g o n ia , su rru p ia r
u m c h in e lo d o v iz in h o e e sç o n d ê -Io n o le ito .

220

•••
D, Bastos

N a c a sa d e d e te n ç ã o d e M ilã o , h á p o u c o s m e se s fo i
m o rto u m c a rc e re iro tã o d ó c il q u e n ã o e ra o d ia d o p o r n e -
nhum d o s se u s e n c a rc e ra d o s. In te rro g a d o o h o m ic id a so b re
o m ó v e l d e se u d e lito , d isse q u e n ã o tin h a ó d io c o n tra su a
v ítim a , m a s q u e se n tia n e c e ssid a d e d e m a ta r a lg u é m , e te ria
ta m b é m m a ta d o o d ire to r d o p re síd io se o tiv e sse e n c o n tra d o .
E ra u m a ssa lta n te c o m u m , filh o d e u m m a lfe ito r.

F e lic ia n i e n c o n tro u p e lo c a m in h o u m d e le g a d o com


q u e m n ã o tiv e ra q u a lq u e r c o n ta to ; p e rg u n to u -lh e o nom e e
o u v iu q u e se c h a m a v a B ia n c h i, a o q u e F e lic ia n i lh e g rito u :
" T e d o u o s n e g ro s" ! (B ia n c h i e m ita lia n o é " b ra n c o s" ); só
p o r e sta c o in c id ê n c ia o a p u n h a lo u .
N a ó tim a Revista das Disciplinas Carcerárias e n c o n tra -
m o s e sta c u rio sa c o n fissã o d e u m ta l V isc o n ti, condenado
já v in te v e z e s p o r fu rto : " S e i q u e m e q u a lific a m com o um
-la d rã o e sp e rto , m a s e u so u a p e n a s u m la d rã o d e se sp e ra d o ,
- a quem fa lta a c o ra g e m d e tira r a v id a . E m 1 8 6 1 c o m e c e i
c o m e ste lio n a to , e d a í p a ra d ia n te . À m e d id a q u e a u m e n ta v a
a condenação, to rn a v a -m e se m p re m a is d ifíc il e n c o n tra r
tra b a lh o . C om ecei a b e b e r e e m b ria g a r-m e . B ebendo, me
se n tia a liv ia d o e n ã o m e c u ra v a m a is d e m in h a s in fe lic i-
d a d e s. C a m in h a v a p a ra a a v e n tu ra o lh a n d o à d ire ita e à
e sq u e rd a e quando a lg u m a c o isa su rg ia n o m e u c a m in h o ,
ro u b a v a e se m o lh a r, p o rq u e q u e ria se r p re so . E fu i. S e n ã o
fo sse p re so , te ria c o n tin u a d o a ro u b a r e ro u b a re i de novo
se fo r liv re . N o m o m e n to e m q u e ro u b o , e x p e rim e n to um
g ra n d e p ra z e r, m a s u m p ra z e r q u e p a ssa a n te s d e d e ix a r lu g a r
a u m a n o v a a g ita ç ã o . O a p e tite m e fa lta , n ã o d u rm o m a is;
v o lto a beber e e is-m e e m a le rta p a ra ro u b a r. S in to que
a g o ra n ã o p o d e re i d e ix a r e sse m a ld ito v íc io ; c re io q u e se
fo sse ric o e b e b e sse a lg u m d ü r, m a is p o r d e se jo ro u b a ria
ig u a lm e n te . N e ste c a so p o ré m re stitu ire i a o p re ju d ic a d o o
q u e lh e tiv e r to m a d o ."

221
D, Bastos

E a d ia n ta : " C r e io a s s im q u e a J u s tiç a m e f a r ia u m f a v o r
s e m e d e ix a s s e p a r a s e m p r e n o c á r c e r e e m q u e m e e n c o n rro ,
d a n d o -m e um a ocupação q u a lq u e r . N ã o h a v e n d o m a is h o n r a ,
n a p r is ã o e s ta r ia m e lh o r d o q u e n o s e io d a c o m u n id a d e . O
s u s te n to q u e m e d ã o é u m p o u c o e s c a s s o , m a s o a c h o ó tim o .
A s d u a s c o b e r ta s e o c o lc h ã o d e p a lh a m e g a r a n te m um sono
tr a n q ü ilo . A s o lid ã ( ) m e a g r a d a . T endo o ç o ra ç ã o fe c h a d o
a o s a f e to s , n a d a m a is a n s e io d o q u e o r e p ~ u s o " .

A lg u m a c o is a p o d e d is tin g u ir o e s ta d o d e â n im o d e s s e s
in d iv íd u o s , q u e s ã o v e r d a d e ir o s c r im in o s o s , d o e s ta d o d e â n i-
m o d o s d e m e n te s m o r a is , a ta c a d o d e te n d ê n c ia s in s tin tiv a s
ir r e f r e á v e is ?

. P ie r o tin h a o c a p r ic h o d e r o u b a r to d o s o s o r n a m e n to s
d a s s e p u ltu r a s , a té lá p id e s q u e su p e ra v a m su a s fo rç a s. E s-
p a lh a v a o s o b je to s r o u b a d o s ju n to a o s a m ig o s . E r a o p r im e ir o
a p ô r o s o u tr o s s o b r e a s p is ta s d o p r ó p r io f u r to . E n in g u é m o
ju lg a v a u m a lie n a d o .

D o n V ic e n te d e A r a g o n a , a p ó s a a b o liç ã o d a s c o r p o r a -
ç õ e s , m o n to u u m a liv r a r ia . V e n d ia liv r o s p o u c o p r e c io s o s , m a s
" n â o s e d e s f a z ia d o s r a r o s . E m u m le ilã o ju d ic iá r io , u m c e r to P a s -
to t p ô d e , s u p e r a n d o - o n a o f e r ta , c o m p r a r u m liv r o q u e e r a c a r ís -
s im o . P o u c o s d ia s d e p o is , P a s to t e s u a c a s a e s ta v a m e m c h a m a s .
D a li a a lg u n s m e s e s , o ito c a d á v e r e s f o r a m e n c o n tr a d o s n a ru a ;
e ra m e s tu d a n te s abonados e tin h a m d in h e ir o n o b o ls o . D o n
V ic e n te f o i p r e s o ; d e c la r o u q u e s e u s liv r o s p r e d ile to s n ã o p o d e -
r ia m f ic a r d is p e r s o s , m a s r e c o lh id o s n a B ib lio te c a d e B a r c e lo n a .
C o n f e s s o u te r s id o in d u z id o p o r P a s to t p a r a le v a r - lh e u m liv r o
e e x p o r tá - lo , e tê - lo e s tr a n g u la d o e p o s to f o g o n a c a s a d e le .
N um o u tr o d ia , u m c o m p r a d o r q u is a d q u ir ir u m a p r im e ir a
e d iç ã o d a s m a is p r e c io s a s ; e le p r o c u r o u d is s u a d i- lo , m a s o o u tr o
I.
in s is tiu e p a g o u o q u a n to f o i p e d id o . A r r e p e n d e u - s e d e r e p e n te
e f o i a tr á s d o c o m p r a d o r p a r a q u e lh e d e v o lv e s s e o liv r o m a s
e s te r e c u s o u ; m a to u - o a p ó s 1 1 led a r a a b s o lv iç ã o " in e x tr e m is " .

222
',;-L
- - -- ~ -~ ------- -- --- ~ - - - - - - _ . - - - _ .~ .- - - - - - - -

D, Bastos

A s s im a c o n te c e u c o m o s o u tr o s s e is , m a s p o r b o a in te n -
ç ã o . E le q u e r ia e n r iq u e c e r a c iê n c ia , c o n s e r v a n d o - lh e te s o u -
r o s . S e e u f iz m a l, f a ç a m d e m im o q u e q u is e r e m , m as não
. d iv id a m o s m e u s liv r o s . N ã o é ju s to p u n i- lo s p o r m im . E a o
p r e s id e n te q u e lh e p e r g u n to u c o m o p ô d e a te n ta r c o n tr a c r ia -
tu r a s d e D e u s : " O s h o m e n s s ã o m o r ta is ; o s liv r o s p r e c is a m
se r c o n se rv a d o s p o is s ã o a g ló r ia d e D e u s " . E n ã o la m e n to u
sua condenação à m o r te ; s 6 la m e n to u s a b e r q u e o e x e m p la r
q u e e le a c r e d ita v a s e r ú n ic o n ã o o e r a ( D e s p in e ) .

E m E s tr a s b u r g o , f o r a m e n c o n tr a d o s a s s a s s in a d o s d o is
in d iv íd u o s , sem que se soubesse a ra z ã o ; p re so p o u c o s a n o s
d e p o is o a b a d e T r e p .k , c o n f e s s o u tê - lo s m a ta d o s ó p e lo p r a z e r
d e v ê - lo s m o r r e r . Q u a n d o e r a r a p a z tin h a le v a d o d o is m e n in o s
a o b o sq u e ; e n fo rc o u -o s e o s q u e im o u . Foi condenado ( G a ll) . \.
T o d o s e s s e s in d iv íd u o s a q u i r e f e r id o s fo ra m c o n d e n a -
dos, m as quem n ã o v ê n e s s e s c a s o s q u e o d e lito s e c o n f u n d ia
c o m o f o r m a im p u ls iv a d o s d e m e n te s m o r a is ?

4 . L iv r e - a r b ítr io

N a s p e s s o a s s ã s é liv r e a v o n ta d e , c o m o d iz a m e ta f ís ic a ,
m a s o s a to s s ã o d e te r m in a d o s p o r m o tiv o s q u e c o n tr a s ta m
c o m o b e m - e s ta r s o c ia l. Q u a n d o s u r g e m , s ã o m a is o u m e n o s
f r e a d o s p o r o u tr o s m o tiv o s , c o m o o p r a z e r d o lo u v o r , o te m o r
da sanção, d a in f â m ia , d a I g r e ja , o u d a h e r e d ita r ie d a d e , ou
d e p r u d e n te s h á b ito s im p o s to s p o r u m a g in á s tic a m e n ta l c o n -
tin u a d a , m o tiv o q u e n ã o v a le m m a is n o s d e m e n te s m o r a is
o u n o s d e lin q ü e n te s n a to s , q u e lo g o c a e m n a r e in c id ê n c ia .

223

Você também pode gostar