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Educação ambiental como política pública

Marcos Sorrentino
Ministério do Meio Ambiente

Rachel Trajber
Patrícia Mendonça
Ministério da Educação e Cultura

Luiz Antonio Ferraro Junior


Universidade Estadual de Feira de Santana

Resumo

A educação ambiental surge como uma das possíveis estratégias


para o enfrentamento da crise civilizatória de dupla ordem, cultural e
social. Sua perspectiva crítica e emancipatória visa à deflagração de
processos nos quais a busca individual e coletiva por mudanças cul-
turais e sociais estão dialeticamente indissociadas. A articulação de
princípios de Estado e comunidade, sob a égide da comunidade,
coloca o Estado como parceiro desta no processo de transformação
do status quo situado, segundo Boaventura de Souza Santos, como
um “novíssimo movimento social”. A tal Estado cumpre o papel de
fortalecer a sociedade civil como sede da superestrutura. No campo
ambiental, o Estado tem crescido em termos de marcos regulatórios
sem uma capacidade operacional que condiga com a demanda em
vista da redução do Estado (década de 1990) e da ausência de refor-
mas que não sejam a do Estado mínimo. À educação ambiental cum-
pre, portanto, contribuir com o processo dialético Estado-sociedade
civil que possibilite uma definição das políticas públicas a partir do
diálogo. Nesse sentido, a construção da educação ambiental como
política pública, implementada pelo Ministério da Educação e Cultura
(MEC) e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), implica processos
de intervenção direta, regulamentação e contratualismo que fortale-
cem a articulação de diferentes atores sociais (nos âmbitos formal e
não formal da educação) e sua capacidade de desempenhar gestão
territorial sustentável e educadora, formação de educadores
ambientais, educomunicação socioambiental e outras estratégias que
promovam a educação ambiental crítica e emancipatória. As políticas
públicas em educação ambiental implicarão uma crescente capaci-
dade do Estado de responder, ainda que com mínima intervenção
direta, às demandas que surgem do conjunto articulado de institui-
ções atuantes na educação ambiental crítica e emancipatória.
Correspondência:
Marcos Sorrentino
Programa Nacional Educação
Ambiental (MMA) Palavras-chave
Espl. dos Ministérios, Bloco B,
5º andar, sala 553 Educação ambiental – Políticas públicas – Sociedade civil –
7066-900 – Brasília – DF
e-mail: Ambientalismo.
marcos.sorrentino@mma.gov.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 285-299, maio/ago. 2005 285


Environmental education as public policy
Marcos Sorrentino
Ministério do Meio Ambiente

Rachel Trajber
Patrícia Mendonça
Ministério da Educação e Cultura

Luiz Antonio Ferraro Junior


Universidade Estadual de Feira de Santana

Abstract

Environmental education emerges as one of the possible strategies to


face up to the double-order, cultural and social, civilization crisis. Its
critical and emancipative perspective intends to trigger processes in
which the individual and collective searches for cultural and social
change are dialectically intertwined. The articulation of State and
community principles, with the sanction of the community, establishes
the State as the latter’s partner in the process of transformation of the
status quo referred to by Boaventura de Souza Santos as a “brand new
social movement”. Such State must play the role of strengthening civil
society as the mainstay of superstructure. In the environmental field,
the State has advanced in terms of regulatory marks without an
operational capacity befitting the demand, owing to the reduction of
the State (in the 1990s) and to the absence of reforms other than that
of the minimal State. Environmental education must, therefore,
contribute to a State-civil society dialectical process that allows the
definition of public policies based on dialogue. In this sense, the
construction of environmental education as a public policy imple-
mented by the Ministry for Education and Culture (MEC) and by the
Ministry for the Environment (MMA) includes processes of direct
intervention, regulation and contractualism that strengthen the
articulation of various social actors (in both formal and non-formal
education contexts) and their ability to carry out sustainable and
educative territorial management, training of environmental educators,
socio-environmental educommunication, and other strategies that
promote a critical and emancipative environmental education. The
public policies in environmental education will require a growing
capacity of the State to respond, even if with minimal direct interven-
Contact:
tion, to the demands emerging from the articulated set of institutions
Marcos Sorrentino acting on the critical and emancipative environmental education.
Programa Nacional Educação
Ambiental (MMA)
Espl. dos Ministérios, Bloco B, 5º
Keywords
andar, sala 553
7066-900 – Brasília – DF Environmental education — Public policies — Civil society —
e-mail: Environmentalism.
marcos.sorrentino@mma.gov.br

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A abordagem do Programa Nacional de que temos dele e de seu caminho (Kuhn, 1969).
Educação Ambiental reitera um entendimento, A educação ambiental, em específico, ao edu-
historicamente construído, dos desafios desta car para a cidadania, pode construir a possibi-
como processo dialético de transformação social lidade da ação política, no sentido de contribuir
e cultural. Grasmci considera a sociedade civil para formar uma coletividade que é responsá-
como sede da superestrutura (Bobbio, 1999), ou vel pelo mundo que habita. Nesse sentido,
seja, é em seu âmbito que nasce a idéia de uma podemos resgatar o pensamento de Edgar
nova ordem e de novos valores que implicam Morin, que vislumbra para o terceiro milênio a
uma nova estrutura, um novo Estado. O Estado, esperança da criação da cidadania terrestre. A
neste sentido, vive o paradoxo de ser representa- política de educação ambiental desenvolvida no
ção de uma tese senescente ao tempo em que Brasil apresenta-se, assim como aliada dos pro-
congrega atores e setores (na mão esquerda do cessos que promovem uma “sociologia das
Estado, em Bourdieu, 1998) que tendem a aliar- emergências” (Santos, 2002), como estratégia
se à sociedade civil na transformação cultural e para superar o paradigma da racionalidade ins-
social e na função de estimular a transformação trumental que operou, no Brasil e no mundo,
do próprio Estado nessas novas direções. Santos silenciamentos opostos à participação, à eman-
(1999) fala dessa perspectiva de ação do Estado cipação, à diversidade e à solidariedade.
como se ele próprio compusesse um “novíssimo Para enfrentarmos as causas mais profun-
movimento social”. das da erosão da diversidade precisamos conhe-
A urgente transformação social de que cer a nós mesmos e nossos processos civilizatórios
trata a educação ambiental visa à superação das no sentido empregado por Boaventura de Souza
injustiças ambientais, da desigualdade social, da Santos, quando nos convida à realização de uma
apropriação capitalista e funcionalista da natu- arqueologia virtual do presente. Certamente en-
reza e da própria humanidade. Vivemos proces- contraremos razões psicossociais, culturais, eco-
sos de exclusão nos quais há uma ampla degra- nômicas, educacionais, históricas e conjunturais,
dação ambiental socializada com uma maioria que delinearam um modelo devastador das rela-
submetida, indissociados de uma apropriação ções estabelecidas entre os seres humanos e
privada dos benefícios materiais gerados. Cum- destes com o meio ambiente. Esse modelo, uma
pre à educação ambiental fomentar processos construção histórica baseada na erosão da diver-
que impliquem o aumento do poder das maio- sidade biológica e cultural, homogeneiza saberes,
rias hoje submetidas, de sua capacidade de sabores, paisagens, comportamentos, espécies e
autogestão e o fortalecimento de sua resistên- raças, por meio do estímulo ao consumismo, da
cia à dominação capitalista de sua vida (traba- comunicação de massas, da genética e por
lho) e de seus espaços (ambiente). autoritarismos de todos os tipos.
A educação ambiental trata de uma mu- A questão ambiental é típica do parado-
dança de paradigma que implica tanto uma xo vivido pelos Estados. Nas décadas de 1970
revolução científica quanto política. As revolu- e 1980 vivemos um período no qual a doutri-
ções paradigmáticas, sejam científicas, sejam na neoliberal impôs o conceito de Estado mí-
políticas, são episódios de desenvolvimento não nimo, de regulação mínima, ao mesmo tempo
cumulativo nos quais um paradigma antigo é em que a crescente complexidade da socieda-
substituído por um novo, incompatível com o de exigia mais regulação e maior inserção do
anterior. Já as revoluções políticas decorrem do Estado em novas questões. A sociedade sente
sentimento que se desenvolve em relação à a necessidade de mais Estado, enquanto a
necessidade de mudança. Tais revoluções não opinião pública posiciona-se mais como anti-
mudam apenas a ciência, mas o próprio mun- Estado. Como aponta Sader (2005), o Capital
do, na medida em que incidem na concepção vem clamando por Estado mínimo no que tange

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ao caráter público do Estado e Estado máximo a diversidade de produtos de qualidade, a
para programas de crédito, socorros financeiros mudança na matriz energética e de transporte,
nas falências, incentivos às exportações, enfim, a relação das comunidades locais com o lixo
um Estado forte que garanta condições à ex- produzido e compromissos pelos bens comuns.
pansão do mercado (Laurrel, 1995). Ainda vive-
mos ecos de uma maré neoliberal refratária à A educação ambiental, o papel
intervenção e à regulamentação estatal que teve do Estado e as políticas
seu auge nos anos de 1990, como aponta públicas
Bursztyn (1994), dentro da necessidade de re-
forma institucional do Estado que supere este Para se entender educação ambiental
paradoxo e represente uma maior eficácia na como política pública, é interessante iniciar com
regulação. os significados dessas palavras, contextualizá-lo
Cavalcanti (1999) aponta educação, ges- na história do ambientalismo, inserindo-o nas
tão participativa e diálogo entre stakeholders agendas dos governos, assim como seus desdo-
(atores, sujeitos sociais) como os três parâme- bramentos nas áreas da educação formal e não
tros fundamentais para a regulação ambiental. formal.
A mesma educação que vem deixando de ser A palavra política origina-se do grego e
direito público para ser espaço de investimen- significa limite. Dava-se o nome de polis ao
to (Sader, 2005). O resgate do caráter público muro que delimitava a cidade do campo; só
do Estado requer sua ampliação no âmbito da depois se passou a designar polis o que esta-
educação e do ambiente. Um Estado cresce va contido no interior dos limites do muro. O
quando suas funções históricas passam a de- resgate desse significado, como limite, talvez
mandar mais ação (crescimento horizontal do nos ajude a entender o verdadeiro significado
Estado) ou quando ele é impelido a assumir da política, que é a arte de definir os limites, ou
novas funções (crescimento vertical do Estado). seja, o que é o bem comum (Gonçalves, 2002,
Este último é qualitativo, enquanto aquele é p. 64). Para Arendt (2000), a pluralidade é a
quantitativo, de modo que a função regulado- “condição pela qual” (conditio per quam) da
ra do Estado no campo ambiental é um incre- política, implica e tem por função a conciliação
mento qualitativo do Estado, ou seja, uma nova entre pluralidade e igualdade. Quando entende-
função. mos política a partir da origem do termo, como
Neste artigo tecemos algumas considera- limite, não falamos de regulação sobre a socie-
ções sobre as políticas públicas voltadas à dade, mas de uma regulação dialética socieda-
questão socioambiental, especificamente a edu- de-Estado que favoreça a pluralidade e a igual-
cação ambiental, a qual tem por finalidade abrir dade social e política.
espaços que possam contribuir para a melhoria Por seu turno, o ambientalismo coloca-
da qualidade de vida dos seres humanos e de nos a questão dos limites que as sociedades
todas as espécies e sistemas naturais com os têm na sua relação com a natureza, com suas
quais compartilhamos o planeta ao longo dos próprias naturezas como sociedades. Assim,
tempos. Isso se dá ao assumirmos nossas res- resgatar a política é fundamental para que se
ponsabilidades individuais e coletivas, interliga- estabeleça uma ética da sustentabilidade resul-
das pelas circunstâncias sociais e ambientais. tante das lutas ambientalistas.
Responsabilidade exige, entre outras coisas, A educação ambiental nasce como um
autonomia para a participação no debate de processo educativo que conduz a um saber
políticas públicas como, por exemplo, a quali- ambiental materializado nos valores éticos e nas
dade da educação, o empoderamento de pe- regras políticas de convívio social e de mercado,
quenos agricultores ampliando a oferta local e que implica a questão distributiva entre benefí-

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cios e prejuízos da apropriação e do uso da Em 1983, sob a presidência da primeira-
natureza. Ela deve, portanto, ser direcionada para ministra norueguesa Gro Brudtland, foi criada a
a cidadania ativa considerando seu sentido de Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e De-
pertencimento e co-responsabilidade que, por senvolvimento e, em 1987, a comissão publicou
meio da ação coletiva e organizada, busca a Nosso futuro comum, que ficou conhecido
compreensão e a superação das causas estrutu- também como Relatório Brudtland . A partir
rais e conjunturais dos problemas ambientais. desse relatório, o conceito de desenvolvimen-
Trata-se de construir uma cultura ecológica que to sustentável passou a ser utilizado em subs-
compreenda natureza e sociedade como dimen- tituição à expressão ecodesenvolvimento e
sões intrinsecamente relacionadas e que não constituiu a base para a reorientação das polí-
podem mais ser pensadas — seja nas decisões ticas de desenvolvimento e sua relação direta
governamentais, seja nas ações da sociedade ci- com as questões ambientais.
vil — de forma separada, independente ou autô- Atualmente, o conceito de desenvolvi-
noma (Carvalho, 2004). mento sustentável indica claramente o tratamen-
Considerando a ética da sustentabilidade to dado à natureza como um recurso ou maté-
e os pressupostos da cidadania, a política pú- ria-prima destinado aos objetivos de mercado
blica pode ser entendida como um conjunto de cujo acesso é priorizado a parcelas da socieda-
procedimentos formais e informais que expres- de que detém o controle do capital. Este para-
sam a relação de poder e se destina à resolu- digma mantém o padrão de desenvolvimento
ção pacífica de conflitos, assim como à cons- que produz desigualdades na distribuição e no
trução e ao aprimoramento do bem comum. acesso a esses recursos, produzindo a pobreza
Sua origem está nas demandas provenientes de e a falta de identidade cidadã.
diversos sistemas (mundial, nacional, estadual, Nesse sentido, passamos a vislumbrar como
municipal) e seus subsistemas políticos, sociais meta uma educação ambiental para a susten-
e econômicos, nos quais as questões que afe- tabilidade socioambiental recuperando o significa-
tam a sociedade se tornam públicas e formam do do ecodesenvolvimento como um processo de
correntes de opinião com pautas a serem deba- transformação do meio natural que, por meio de
tidas em fóruns específicos. técnicas apropriadas, impede desperdícios e real-
O meio ambiente como política pública, ça as potencialidades deste meio, cuidando da
não pontual, no Brasil, surge após a Conferên- satisfação das necessidades de todos os membros
cia de Estocolmo, em 1972, quando, devido às da sociedade, dada a diversidade dos meios natu-
iniciativas das Nações Unidas em inserir o tema rais e dos contextos culturais. A educação am-
nas agendas dos governos, foi criada a SEMA biental entra nesse contexto orientada por uma
(Secretaria Especial de Meio Ambiente) ligada à racionalidade ambiental, transdisciplinar, pensando
Presidência da República. Mas apenas após a I o meio ambiente não como sinônimo de nature-
Conferência Intergovernamental de Educação za, mas uma base de interações entre o meio físi-
Ambiental de Tibilise, em 1977, a educação co-biológico com as sociedades e a cultura produ-
ambiental foi introduzida como estratégia para zida pelos seus membros. Leff (2001) coloca a
conduzir a sustentabilidade ambiental e social racionalidade ambiental como produto da práxis,
do planeta. Ainda na década de 1970, come- ou seja, seria “um conjunto de interesses e de
çou-se a discutir um modelo de desenvolvimen- práticas sociais que articulam ordens materiais
to que harmonizasse as relações econômicas diversas que dão sentido e organizam processos
com o bem-estar das sociedades e a gestão sociais através de certas regras, meios e fins so-
racional e responsável dos recursos naturais que cialmente construídos” (Leff, 2001, p. 134).
Ignacy Sachs (1986) denominou de ecodesen- Essa concepção de educação ambiental
volvimento. foi parcialmente apropriada pela Política Nacio-

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nal de Educação Ambiental (PNEA–lei 9795/99) de políticas públicas do órgão gestor da educação
que em seu artigo primeiro define a educação ambiental, hoje, inclui essas três modalidades. O
ambiental como processos por meio dos quais o MEC e o MMA em seus respectivos setores de
indivíduo e a coletividade constroem valores educação ambiental, pautados pelo ProNEA —
sociais, conhecimentos e habilidades, atitudes e Programa Nacional de Educação Ambiental — es-
competências voltadas para conservação do tão implantando programas e projetos junto às
meio ambiente, bem de uso comum do povo, redes públicas de ensino, unidades de conserva-
essencial à sadia qualidade de vida e sua susten- ção, prefeituras municipais, empresas, sindicatos,
tabilidade1 . movimentos sociais, organizações da sociedade
Ainda enfatiza a questão da interdisci- civil, consórcios e comitês de bacia hidrográfica,
plinaridade metodológica e epistemológica da assentamentos de reforma agrária, dentre outros
educação ambiental como “componente essen- parceiros.
cial e permanente da educação nacional, deven- Indubitavelmente, a educação ambiental,
do estar presente, de forma articulada em todos no âmbito do Estado, enquadra-se naquilo que
os níveis e modalidades do processo educativo, Bourdieu (1998) denomina “mão esquerda do
em caráter formal e não-formal” (art. 2º). Refor- Estado”, que reúne trabalhadores sociais, educa-
ça a responsabilidade coletiva da sua implemen- dores, professores e cujas ações são ignoradas
tação, seus princípios básicos, objetivos e estra- pela chamada “mão direita do Estado” (áreas de
tégias. Esta lei fornece um roteiro para a prática finanças, de planejamento, bancos). Ao operar na
da educação ambiental e na sua regulamentação reparação dos danos sociais e ambientais da ló-
(Decreto 4281/02) indica os Ministério da Educa- gica de mercado, os sujeitos da “mão esquerda”
ção e do Meio Ambiente como órgãos gestores podem, muitas vezes, se sentir iludidos e desau-
dessa política. torizados em função dos paradoxos vividos de
Apesar de no Brasil existir a idéia de leis forma crônica, como falta de recursos, luta pela
que “não pegam”, uma lei existe para ser cum- biodiversidade convivendo com avanço das
prida ou questionada, de modo que, logo após fronteiras agrícolas por monoculturas ou trans-
a promulgação da Política Nacional de Educa- gênicos, grandes obras com alto impacto, revi-
ção Ambiental (PNEA), foi criada no Ministério são de antigas conquistas etc. Em lugar de imo-
da Educação a Coordenação Geral de Educação bilização lamentosa, temos a convicção de que
Ambiental e no Ministério do Meio Ambiente, a ações educacionais participativas pela responsa-
Diretoria de Educação Ambiental como instân- bilidade ambiental resultam no envolvimento e
cias de execução da PNEA. na organização de pessoas e grupos sociais nas
Assim, a educação ambiental insere-se lutas pela melhoria da qualidade vida fundamen-
nas políticas públicas do Estado brasileiro de tada em valores pós-materialistas, que questio-
ambas as formas, como crescimento horizontal nam as necessidades materiais simbólicas de
(quantitativo) e vertical (qualitativo), pois en- consumo e desvelam outras possibilidades de
quanto no âmbito do MEC pode ser entendida felicidade, alegria e vida.
como uma estratégia de incremento da educa- Segundo essa convicção, o papel do
ção pública, no do MMA é uma função de Estado na educação ambiental brasileira poderá
Estado totalmente nova. ser subsidiário e definido por meio de um diá-
Uma política pública representa a organiza- logo democrático com os diferentes sujeitos
ção da ação do Estado para a solução de um desta política. Continuamos concordando com
problema ou atendimento de uma demanda espe-
cífica da sociedade. Quanto a sua modalidade, as 1. Dizemos parcialmente porque ela não se volta apenas à conservação do
meio ambiente (no caso colocado como uma externalidade da sociedade)
políticas públicas se dão por intervenção direta, por mas também à sua recuperação e melhoria e, acima de tudo, destina-se à
regulamentação, ou contratualismo. A perspectiva melhoria da qualidade de vida de todos, humanos e não-humanos.

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Sachs (2004) quando afirma que hoje, sem ne- consumo que destrói a biodiversidade e com-
gar a necessidade de reduzir as administrações promete a sobrevivência, procurando promover
pletóricas, precisamos aumentar os serviços mudanças de atitudes e comportamentos e
públicos sociais, fortalecendo a “mão esquerda” ações coordenadas de melhoria das condições
do Estado. A Inglaterra, que já foi exemplo de socioambientais.
política de redução do Estado gerou quinhen- A estratégica proposta é a do compro-
tos mil empregos adicionais nos serviços públi- misso de um conjunto de municípios de uma
cos nos últimos oito anos (1997-2004). A re- eco-região 2 com a implementação de quatro
forma de Estado, que implica o aumento de sua processos educacionais:
eficiência, não implica de forma alguma a sua
redução, pois em setores da regulação pública 1 — formação de educadores ambientais, por
como educação e ambiente é clara a necessi- meio de programas oferecidos por parceiros
dade de se ampliar horizontal e verticalmente o chancelados pelo MMA, que possibilitem a
Estado brasileiro. capilaridade e enraizamento do processo;
2 — educomunicação socioambiental (difusa,
No Ministério do Meio Ambiente de massa): estratégias de comunicação com
– MMA finalidade educacional e de tomada de deci-
são, envolvendo a produção e distribuição de
Seguindo o princípio da publicização e materiais educacionais, campanhas de educa-
democratização das políticas públicas, o Minis- ção ambiental e o uso de meios de largo al-
tério do Meio Ambiente tem se orientado para cance;
programas que vislumbrem a possibilidade do 3 — estruturas educadoras: municipais, da es-
envolvimento de 100% da população brasilei- cola à praça pública; do viveiro à horta comu-
ra. Reconhecendo os limites operacionais do nitária, dentre outras, nas quais, ou a partir das
Estado para tal realização como intervenção quais, acontecem ações ou projetos voltados
direta, tem buscado formas subsidiárias que para a sustentabilidade, que devem ter por
possibilitem estas políticas amplas e democrá- objetivos a transformação da qualidade de vida
ticas. Podemos citar alguns programas e proje- e também a definição e implementação de seu
tos voltados aos municípios e suas articulações papel educador;
regionais, como os consórcios e comitês de 4 — foros e coletivos: são os diferentes espaços
bacia hidrográfica destinados ao envolvimento de participação democrática que se propõem a
de cada um dos moradores da região que pre- realizar projetos e ações em prol da susten-
cisam e podem ser potencializados nas suas tabilidade, ao mesmo tempo em que discutem
lutas cotidianas. valores, métodos e objetivos de ação.
Municípios educadores sustentáveis e
formação de educadores ambientais são dois O primeiro deles, a criação de quadros de
programas desenhados para se realizarem por formadores de educadores ambientais, contribui
meio de parcerias com as CIEAs — Comissões para implementar os outros três e, ao descrevê-
Interinstitucionais de Educação Ambiental — los sucintamente, deixamos sinalizadas as carac-
redes de educação ambiental, governos estadu- terísticas básicas, que consideramos importante
ais e municipais, universidades, consórcios para todo e qualquer projeto de educação
municipais ou comitês de bacia hidrográfica, ambiental, que tenha a biodiversidade, ou outra
gerências do IBAMA e outros órgãos públicos questão, como tema gerador, mas que tenha por
federais e estaduais, que atuam em cada região
deste imenso país. Destinam-se a promover o 2. Como os 29 municípios do Paraná III, todos os municípios da Bacia do
questionamento de um modo de produção e Alto Paraguai, ou os trechos da Bacia do São Francisco, por exemplo.

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compromisso maior a educação das pessoas Ciência de Pés no Chão, Educação de Chico
para a vida. Mendes. O programa do MEC propõe-se a cons-
A formação desses educadores ambientais truir um processo permanente de educação
orienta-se por três eixos pedagógicos indisso- ambiental na escola. Por meio de modalidades
ciáveis: a intervenção socioeducacional como de ensino presenciais, à distância e difusas, as
práxis pedagógica, o estabelecimento de comu- ações envolvem secretarias de educação esta-
nidades interpretativas e de aprendizagem e o duais e municipais, professores, alunos, comuni-
acesso autogerido a cardápios de conteúdos e dade escolar, sociedade civil e universidade. Ele
instrumentos pertinentes à problemática socio- dá continuidade à sensibilização iniciada na Con-
ambiental de cada contexto. Para o estabeleci- ferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Am-
mento de programas amplos e continuados de biente, bem como ao processo de capilarização
formação, a DEA/MMA tem por estratégia a ar- dos Parâmetros em Ação/Meio Ambiente.
ticulação, a orientação e o apoio a coletivos Para tornar-se efetivo e sustentável, é
educadores, entendidos como conjuntos de ins- incentivada a instalação de Com-Vida (Comis-
tituições com capacidade instalada para operar são de Meio Ambiente e Qualidade de Vida) na
processos de formação (universidades, movimen- escola, com a participação dos Conselhos Jo-
tos, ONGs, federações sindicais, pastorais, Secre- vens pelo Meio Ambiente, a implementação da
tarias de Estado, NEAs do IBAMA, EMBRAPAs, Agenda 21 na Escola, dando suporte a ativida-
órgãos estaduais e federais de pesquisa e exten- des curriculares e extracurriculares.
são etc.). Em 2003 os Ministérios do Meio Ambien-
As ações da equipe da DEA/MMA con- te e da Educação lançaram a campanha Vamos
centram-se na costura das parcerias para a cuidar do Brasil com a Conferência Nacional do
execução das propostas e agendas com as di- Meio Ambiente, com uma versão adulta e uma
versas instituições e grupos sociais de cada para jovens, idealizada pela ministra Marina Silva.
Estado para o estabelecimento das CIEAS, com A Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio
as instituições que atuam com formação de Ambiente contou com a participação direta de
educadores ambientais, com grupos de municí- quase dezesseis mil escolas, onde cerca de seis
pios, com instituições de governo. Além disso, milhões de pessoas entre estudantes, professores
busca-se o desenvolvimento de instrumentos de e comunidades debateram questões ambientais.
apoio transversal às CIEAS, aos municípios educa- Esse movimento incluiu, além das escolas regu-
dores sustentáveis, aos coletivos educadores, aos lares do ensino fundamental, escolas indígenas,
programas de formação de educadores tais como quilombolas, ribeirinhas, caiçaras, de assenta-
o SIBEA, às “salas verdes”, documentos de subsí- mento, de pescadores e de portadores de ne-
dio técnico, publicações, plataformas de educação cessidade especiais.
à distância, salas virtuais, apoio a oficinas de tra- Em termos de conteúdos de trabalho, o
balho, dentre outras. processo da Conferência tornou a escola um
espaço para a comunidade debater como va-
No Ministério da Educação – mos cuidar da nossa água, dos seres vivos, dos
MEC nossos alimentos, da nossa escola e da nossa
comunidade, objetivo alcançado por meio de
Questões ambientais abrangentes, bem um documento orientador, chamado “Passo a
como áreas mais específicas são trabalhadas a passo para a Conferência do Meio Ambiente na
partir de uma visão sistêmica, baseada em qua- escola”. Cada conferência na escola elegeu um
tro ações estruturantes – Conferência Nacional delegado ou delegada e seu suplente, definiu
de Meio Ambiente, Formação Continuada de uma proposta de política ambiental e elaborou
Professores e Estudantes, Inclusão Digital com um cartaz que mostrava para sua comunidade

292 Marcos SORRENTINO et al. Educação ambiental como...


a proposta sobre como Vamos cuidar do Brasil. ma Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), foi
As propostas foram sistematizadas 3 de forma criada, como continuidade da Conferência, uma
descentralizada e pública, via internet, em to- grande ação presencial de formação de professo-
dos os estados. res para potencializar o enraizamento da educação
Como as conferências são bienais, na II ambiental a partir de uma ética ecológica que
Conferência Infanto-Juvenil pelo Meio Ambien- promova transformações empoderadoras dos indi-
te, com o tema Vivendo a diversidade nas esco- víduos, grupos e sociedades. Portanto, o aprofun-
las, adotou-se uma política de popularização de damento conceitual e prático é trabalhado em
acordos internacionais dos quais o Brasil é sig- função das seguintes linhas:
natário: a Convenção sobre a Diversidade Bioló-
gica, a Convenção de Mudanças Climáticas, a • prover materiais instrucionais, que permitam
Declaração de Roma sobre a Segurança Alimen- o acesso à informação e ao conhecimento;
tar e Nutricional e a Declaração de Durban da • criar instâncias regulares de debates, pes-
Conferência Mundial contra o Racismo. quisa e ação nas escolas para a produção de
Com esta iniciativa, o governo brasileiro conhecimentos locais significativos;
atende os princípios de divulgação presentes em • fomentar a relação escola-comunidade, fa-
todos esses documentos internacionais, bem cilitada pelas Comissões de Meio Ambiente e
como na Agenda 21, cujo capítulo 25 estabele- Qualidade de Vida nas Escolas (Com-Vida).
ce que os governos, de acordo com suas estra-
tégias, devem tomar medidas para permitir a Uma ação delineada é a implantação de
participação da juventude nos processos de to- um sistema informatizado, pelo qual transitarão
mada de decisões relativas ao meio ambiente. aplicativos para pesquisa escolar sobre o meio
Apesar de a maioria dos jovens (85%) não parti- ambiente, especialmente sobre biodiversidade.
ciparem de grupos, 57% gostariam de participar Essa rede de pesquisa nas escolas traz o levan-
de grupos de defesa de meio ambiente e 60% de tamento e disponibiliza conhecimentos locais
associação ou conselhos ligados à educação4 . sem necessitar de procedimentos laboratoriais
Esses dados são confirmados na Carta Jovens sofisticados e caros. As informações das escolas,
Cuidando do Brasil (Deliberações da Conferência da flora, fauna, clima, água no seu entorno e
Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente), na microrregião, serão georeferenciadas, com orien-
qual eles sugerem a valorização dos espaços de tação para coleta fidedigna e resultados descri-
participação por meio da criação de conselhos tivos padronizados. Na internet, como uma área
jovens nas escolas, ONG’s, e grêmios juvenis. Eles do SIBEA, será possível a construção de um
reafirmam a importância da implementação das “atlas coletivo” de temas como biodiversidade,
agendas 21 locais e do envolvimento dos diver- qualidade da água, situação socioambiental das
sos setores da sociedade na superação dos desa- comunidades, alimentação. Trata-se de uma for-
fios. Ecologia e meio ambiente é para 26% dos ma de aprendizagem significativa que segue o
jovens brasileiros o assunto mais importante a ser pensamento de Vigotsky no sentido de ser me-
discutido pela sociedade5 . diada, cooperativa, social e negociadora.
Na educação formal, o Órgão Gestor da
PNEA, por intermédio do MEC, tem o desafio de
3. Ver site www.mma.gov.br/propostasdasescolas/
apoiar professores a se tornarem educadores 4. Resultados da pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, iniciativa do
ambientais abertos para atuar em processos de Projeto Juventude/Instituto Cidadania, Instituto de Hospitalidade e do Sebrae
realizada em dezembro de 2003.
construção de conhecimentos, pesquisa e interven- 5. O texto original apresenta as propostas sobre os temas água, escola,
ção educacional com base em valores voltados à comunidade, alimentos e seres vivos.
6. De acordo com autores como Ignacy Sachs, as dimenões da
sustentabilidade6 em suas múltiplas dimensões. Em sustentabilidade são social, ambiental, econômica, cultural, política, ética
termos estratégicos, de forma integrada ao Progra- e espacial.

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Em 2004, foi adotado um livro como ce que, em meio à complexidade do real, nun-
tema gerador para articular as atividades nas ca é possível a compreensão total. É por isso,
escolas: Consumo sustentável: um manual de também, que a busca do conhecimento se tor-
educação (Idec / MMA / MEC, 2004). Escolher na um esforço infinito, mas que pode se tornar
apenas um material para professores de mais de um círculo virtuoso.
quatro mil municípios de todos os estados, regi- Por não se tratar de uma disciplina, a edu-
ões, biomas e estratos sociais do país constitui cação ambiental permite inovações metodológicas
uma grande dificuldade. Foi adotado um livro que na direção do educere — tirar de dentro — por ser
trouxesse uma base comum de conteúdos, necessariamente motivada pela paixão, pela delícia
complementada por uma pedagogia de projetos do conhecimento e da prática voltados para a
que permitisse a construção coletiva. A questão dimensão complexa da manutenção da vida.
ambiental é apresentada em diversos temas (água, Por um lado, pensamos na diversidade
biodiversidade, transportes, alimentação, energia de saberes e complexidade dos sistemas natu-
e publicidade), a partir de um apelo a uma nova rais e sociais. Por outro, a nossa “pedagogia da
postura diante do consumo: a consciência de que práxis” envolve um trabalho com a simplicida-
precisamos nos envolver pessoalmente e ao mes- de do natural, de materiais didático-pedagógi-
mo tempo em movimentos coletivos de transfor- cos, do diálogo e de compartilhar experiências
mação paradigmática. Nesse sentido, o conheci- e conhecimentos. Para darmos conta da com-
mento é fundamental para uma leitura crítica da plexidade das dinâmicas do mundo contempo-
realidade e para se buscar formas concretas de râneo, optamos pela arte da simplicidade. Isso
atuar sobre os problemas ambientais. A relevân- só pode ser feito se tivermos a clareza de que
cia deste livro está no fato de ele propor novos na sociedade moderna são confundidas com-
conceitos sobre os padrões de relação da socie- plexidade e complicação, de um lado e de
dade moderna com o consumismo e a natureza, outro, simplicidade (a essência do complexo) e
de maneira orgânica, interdisciplinar e transversal ser simplista, isto é, reduzir a biodiversidade a
em relação ao currículo escolar como um todo. recursos naturais e tudo a mercadoria, portan-
A educação ambiental, por não estar presa to, algo a ser consumido.
a uma grade curricular rígida, pode ampliar conhe- Com essa visão sistêmica e participativa,
cimentos em uma diversidade de dimensões, sem- espera-se que esses processos educacionais permi-
pre com foco na sustentabilidade ambiental local tam incentivar educadores e educadoras ambientais
e do planeta, aprendendo com as culturas tradicio- a acreditarem em sua capacidade de atuação indi-
nais, estudando a dimensão da ciência, abrindo vidual e coletiva, ao se apropriarem de conceitos,
janelas para a participação em políticas públicas readequando métodos, incrementando técnicas e
de meio ambiente e para a produção do conheci- melhorando suas práticas cotidianas.
mento no âmbito da escola.
Buscamos formas abertas e inovadoras de Articulação MEC/MMA na
construir juntamente com formadores, professo- formação de educadores
res e alunos aquilo que Edgar Morin chama de ambientais
conhecimento pertinente, que possibilita apreen-
der os problemas globais e fundamentais para O MEC e o MMA, em consonância com
neles inserir os conhecimentos parciais e locais. a Política Nacional de Educação Ambiental e o
Nesses dois saberes têm-se implícita a busca de Programa Nacional de Educação Ambiental,
um conhecimento complexo, não fragmentário e desenvolvem propostas de formação de educa-
que se amplia continuamente sem, entretanto, dores(as) ambientais. Ambos atuam junto aos
trazer um conhecimento totalizador, também seus públicos específicos dentro de uma pers-
limitado. O conhecimento pertinente reconhe- pectiva crítica, popular e emancipatória e alme-

294 Marcos SORRENTINO et al. Educação ambiental como...


jam desvelar processos continuados articulados para cada pequena região (oito a vinte muni-
com processos transformadores a partir de uma cípios) e articulados em rede no âmbito de
visão sistêmica e permanente do processo edu- uma bacia ou de um Estado. É interessante
cacional, em detrimento de cursos pontuais ou pensar numa estratégia articulada, MEC-
de um ativismo vazio. MMA, para a consolidação de tais coletivos.
Nesse sentido, quanto mais aprofundada for • Com-Vida-MES: as Com-Vidas podem ser
a articulação metodológica, de fato, tanto mais articuladoras de processos de Municípios Edu-
será potencializada a sinergia das ações dos Minis- cadores Sustentáveis na medida em que se arti-
térios. Podemos vislumbrar três instâncias de arti- culam (entre escolas, entre municípios) e na
culação: a do desenho metodológico, a das ofici- medida em que deflagram um processo de
nas de formação e a dos instrumentos de apoio. Agenda 21. A Com-Vida propõe-se a fazer edu-
Em todas essas instâncias existem diferen- cação, propiciando um espaço estruturante da
tes níveis de interação entre as ações desenvolvi- educação ambiental na escola que seja cola-
das que são aprofundados e ampliados conjunta- borativo e includente. A sinergia dos esforços
mente. Essa proposta foi criada no âmbito das de ambos os ministérios se dá através de contri-
oficinas de formação a serem implementadas em buições do MMA à participação das Com-Vidas
ao menos seis pólos da Bacia do São Francisco, em no Município Educador Sustentável.
quatro pólos da Bacia do Alto Paraguai/ Pantanal • Tema gerador–cardápio: o tema gerador
e também em pólos da Bacia do Paraná III/ Itaipu, consumo sustentável pode ser entendido
podendo ser replicada para outros contextos. como um deflagrador de um encontro dialó-
gico no qual outros temas emergem, poden-
Articulação metodológica do haver outros temas geradores, que podem
ser vistos como porta de entrada para o co-
As idéias da pedagogia da práxis (MMA- nhecimento pertinente e não como fins em si
DEA) e da pedagogia de projetos coletivos e mesmos. O tema gerador potencializa cardá-
transformadores (MEC-CGEA) convergem como pios pela interlocução na diversidade, pelo
eixos pedagógicos que consolidam a formação diálogo e pela construção coletiva de percur-
dos(as) educadores(as) ambientais. As idéias de sos e trajetos abertos. É fundamental, para
coletivos de participação política e de aprendi- tanto, o desenvolvimento, em parceria com os
zagem solidária também são marcas da conver- coletivos educadores, de um cardápio nacio-
gência das propostas. A articulação metodológica nal de conteúdos e competências que possam
implica o conhecimento complexo, não frag- ser acessados pelos grupos e educadores par-
mentário e que se amplia continuamente, sem ticipantes das iniciativas locais.
buscar um conhecimento totalizador, também • Grupos PAP – Comunidades interpretativas
limitado, como já indicamos. de aprendizagem/professores educadores
São definidos, portanto, alguns itens nos ambientais: na concepção de comunidades de
quais facilitadores (MEC-CGEA) e enraizadores aprendizagem e interpretativas, pretendemos
(MMA-DEA) podem se orientar para articular as que, em cada município, haja pelo menos um
metodologias de formação: grupo, mediado por um membro do grupo
PAP-Coletivo Educador, que se reúne periodi-
• Coletivos educadores: o interesse na pers- camente com os educandos para oferecer itens
pectiva continuada de educação se dá na in- de cardápio de conteúdos e para debater os
clusão dos professores e professoras forma- projetos. A inclusão de alguns ou de todos os
dos em seminários, de modo que sejam in- professores Formadores daquele município,
centivados a garantir esta continuidade parti- assim como os gestores da secretaria de edu-
cipando dos coletivos educadores formados cação, torna-os também membros dos PAP.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 285-299, maio/ago. 2005 295


Articulação em oficinas que aderem às propostas de formação. De an-
temão sugerimos três materiais iniciais:
A articulação aprofundada se dará, a
exemplo do processo de formação da Bacia do • texto comum problematizador que situe o
São Francisco por meio de oficinas com qua- desafio de cada contexto (São Francisco,
tro dias de trabalho. Nesses dias, o primeiro e Pantanal, Amazônia etc.) e o papel da educa-
o último seriam comuns, ou seja, nossos públi- ção ambiental no enfrentamento da problemá-
cos estariam juntos olhando para o contexto tica socioambiental;
comum e articulando as estratégias: • levantamento de materiais didáticos de pro-
dução regional e instituições que convergem
1º dia — Análise de conjuntura: o contexto do com a proposta para que possamos, juntos,
São Francisco (ou de outra região), os projetos articular nossos parceiros;
MMA-MEC para aquele contexto (no caso do • texto com a proposta comum de trabalho
São Francisco o de revitali-zação), o contexto que demonstre o diálogo entre os espaços de
local (para fazer a análise de conjuntura mais participação política, os projetos de interven-
local, os conflitos por recursos, o cenário ção educacional e os processos formativos.
socioambiental, as tendências, o cenário
institucional, toda ela mediada por um parceiro A partir da experiência de articulação na
local); desenvolvimento coletivo de um quadro Bacia do São Francisco, iremos aprofundando
da problemática socioambiental, discussão so- o diálogo, sistematizando e produzindo sinergia
bre a concepção da formação do educador nas estratégias, ações, conceitos, materiais di-
ambiental e reflexão sobre os desafios do edu- dáticos, parceiros, públicos e recursos.
cador ambiental frente a esse quadro.
2º e 3º dias — Pautas específicas: nestes dois Considerações finais
dias cada parceiro desenvolve sua pauta com
seu público mais específico. O MEC-CGEA con- Analisando as propostas do órgão gestor
duz processos de formação com professores e em termos das modalidades das políticas públi-
alunos; o MMA-DEA conduz a mediação da ofi- cas, pode-se entendê-las sob a perspectiva do
cina para formação do núcleo PAP-Coletivo contratualismo e como regidas pelo princípio
Educador da região. da subsidiariedade (Castells, 1999). Para con-
4º dia — Articulação: os grupos apresentam substanciar esta afirmativa os exemplos e as
suas agendas e negociam a articulação de: ações apresentadas mostram que o Estado assu-
• MES/ Agenda 21/ Com-Vida; me o estímulo, o subsídio e o certificado de
• Comunidades de aprendizagem e inter- parcerias entre instituições formadoras, que já
pretativas dos municípios; têm por função precípua a formação de educa-
• Articulação dos projetos. dores ou que podem passar a assumir tal função,
de modo a garantir um processo continuado de
Instrumentos e materiais de formação de educadores ambientais.
apoio De outra forma, caso o Estado decidisse
desenvolver seu programa de formação por inter-
É importante que, em cada contexto, e venção direta, isto exigiria a contratação e a
também de forma geral, sejam produzidos ma- capacitação de equipes enormes alocadas em
teriais de apoio e instrumentos comuns que fa- todos os estados da federação. Além de não ser
cilitem o entendimento dos técnicos dos Minis- factível, tal forma de execução seria contraditó-
térios e a percepção da sinergia dos processos ria com o reconhecimento de que a educação
desenvolvidos pelos educadores(as) ambientais ambiental deve ser desenvolvida em profundo

296 Marcos SORRENTINO et al. Educação ambiental como...


diálogo com os sujeitos e as instituições de cada vos educadores, que se tornarão um dos principais
região. A proposta dos Municípios Educadores parceiros para o desenvolvimento das políticas
Sustentáveis (MES) também visa ao estabelecimen- públicas de educação ambiental. Esta modalidade,
to de contratos entre municípios, dos municípi- mais próxima do contratualismo, e as ações mais
os com seus habitantes, com as instituições regio- próximas à perspectiva da subsidiariedade, não sig-
nais e com os conselhos, para garantir um pro- nificam, de modo algum, uma redução do papel do
cesso educador e gestor da sustentabilidade Estado ou uma menor importância na manutenção
municipal. Todo o esforço do governo entre de uma boa estrutura público-governamental para
2003 e 2006 reside na concepção dos contratos a implementação das políticas públicas de educa-
e na articulação técnica e política para criá-los. ção ambiental. Pelo contrário, cada vez mais es-
Com o tempo, uma função de subsidiariedade da peramos que a sociedade se organize, as institui-
ação do Estado se tornará mais clara e essas ções se envolvam e qualifiquem suas demandas,
ações serão definidas em diálogo com verdadei- para que os governos subsidiem suas práticas de
ros observatórios da educação ambiental, com- educação ambiental. Santos (1999) fala de uma “ar-
postos pelas diversas instituições enredadas na ticulação entre os princípios de Estado e da comu-
execução de processos públicos de educação nidade sob a égide deste último”, entendendo, por-
ambiental. Em princípio, cremos que tais ações tanto, o “Estado como novíssimo movimento so-
subsidiárias serão bastante diversas, tais como cial”. No limite, essa oposição às perspectivas de
apoio a encontros interinstitucionais, linhas de Estado mínimo, mero administrador de contratos
financiamento via Fundo Nacional do Meio Am- de mercado, significa um Estado reformado, e tal-
biente, bancos de dados de experiências (SIBEA), vez ampliado, pelo diálogo com a sociedade civil:
publicações de interesse transversal às diversas
iniciativas públicas, certificação pública etc. A regulação social que emerge desta nova for-
Como política pública, algumas modalida- ma de política é muito mais ampla e férrea
des da ação do MEC se enquadram mais na pers- que a regulação protagonizada pelo Estado no
pectiva da intervenção direta, o que é natural, período anterior, mas como é também muito
uma vez que tal intervenção incide principalmen- mais fragmentada e heterogênea, quer quanto
te sobre a educação pública, que já possui toda às suas fontes, quer quanto à sua lógica, é fa-
a sua estrutura como política realizada diretamen- cilmente dissimulada como desregulação soci-
te pelo Estado. O objetivo é inserir a educação al. Aliás, boa parte da nova regulação social
ambiental no cotidiano da educação pública em ocorre por subcontratação política com dife-
todos os níveis de ensino. rentes grupos e agentes em competição, veicu-
Castells (1999) fala de oito princípios do lando diferentes concepções dos bens públi-
Estado em rede que dialogam, de modo geral, com cos e do interesse geral. (Santos, 1999, p.265)
a perspectiva de políticas públicas que temos de-
senvolvido: a subsidiariedade, que dialoga com Uma questão importante é qual educação
descentralização; a flexibilidade; a coordenação; a ambiental será regulada, tendo o atual governo
participação cidadã; a transparência administrati- uma perspectiva clara de que ela deve ser popu-
va; a modernização tecnológica; a transformação lar, crítica e emancipatória. Futuros governos po-
dos agentes da administração, que implica a valo- dem não pactuar com essa perspectiva, mas espe-
rização dos recursos humanos do Estado, e a ramos que se constitua, no seio da sociedade ci-
retroação na gestão (conseqüência da dialogici- vil, um conjunto articulado que não permita o
dade na implementação nas políticas). abandono de ações de Estado que subsidiem esta
Com o tempo, podemos imaginar que am- perspectiva. As políticas públicas em educação
bos os setores de educação ambiental — do MEC ambiental, desta forma, são um processo dialético
e do MMA — terão capilaridade junto aos coleti- e partilhado do Estado e da sociedade civil.

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Recebido em 26.04.05

Aprovado em 09.06.05

Marcos Sorrentino é diretor de Educação Ambiental no Ministério do Meio Ambiente.

Rachel Trajber é coordenadora geral de Educação Ambiental no Ministério da Educação.

Patrícia Mendonça é consultora técnica da Coordenação-Geral de Educação Ambiental no MEC.

Luiz Antonio Ferraro Junior é professor no Departamento de Tecnologia da Universidade Estadual de Feira de Santana,
doutorando na Universidade de Brasília e consultor da Diretoria de Educação Ambiental no Ministério do Meio Ambiente.

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