Você está na página 1de 98

\

CÁSSIO MURILO DIAS DA SILVA


CÁSSIO MURILO DIAS DA SILVA
DIAGRAMAÇÃO: So Wai Tam
REVISÃO: Rita Lopes

Edições Loyola
-,.,
'ih -4

-
Rua 1822 nº 347 - Ipiranga
04216-000 São Paulo, SP
Caixa Postal 42.335 - 04218-970 - São Paulo, SP
@ (11) 6914-1922 • li

® (lI) 6163-4275
Home page e vendas: www.loyola.com.br o' •

Editorial: loyola@loyola.com.br
Vendas: vendas@loyola.com.br li

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode


ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e
gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de
dados sem permissão escrita da Editora.
ISBN: 978-85-15-03307-2
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2007

t "
SUMÁRIO

Introdução... 9

Capítulo 1 • Entendes o que lês? 11


1. Leitura multifacetada 11
2. As línguas "originais" 13
3. Traduções e fundamentalismo 14
4. Dois tipos de tradução 15
5. Comparação de algumas traduções do Brasil............................... 16
6. E quem não estudou grego nem hebraico? 22

Capítulo 2 • Primeiros passos na leitura 23


1. A delimitação do texto 23
1.1. Critérios para delimitar um texto .. 24
1.2. Avaliação de alguns casos nas Bíblias editadas no Brasil 26
2. A segmentação do texto 28
3. A forma do texto 29
4. Exercícios 30

Capítulo 3 • Figuras de linguagem e modos de dizer 33


1. Figuras de linguagem 33
2. Figuras de pensamento ou de retórica.. 34
3. Figuras de construção ou de sintaxe 36
4. Figuras de palavras ou estilo 37
5. Exercícios 38

Capítulo 4 • Gêneros literários 41


1. Preliminares 41
2. Como identificar um gênero literário 42
3. Na prática, como fazer 43
4. Gêneros literários 45
4.1. Relatos 46
4.1.1. Novela 46
4.1.2. Saga.......................................................................... 46
4.1.3. Lenda profética 47
4.1.4. Relato de milagre 47
4.1.5. Relato de vocação 48
4.1.6. Relato de "não-vocação" 49
4.1.7. Parábola jurídica 49
4.1.8. Relato sobre o herói-menino exposto à morte 49
4.1.9. Relato de ascensão 50
4.1.10. Relato de visão.......................................................... 51
4.1.11. Relato de viagem a outros mundos 52
4.1.12. Relato sobre o julgamento do rei 52
4.1.13. Relato sobre a mulher que derrota o inimigo 53
4.1.14. Relato de controvérsia 53
4.1.15. Relato da unção do rei por um profeta 54
4.1.16. Relato de ação simbólica 54
4.2. Leis 55
4.2.1. Leis categóricas 55
4.2.2. Leis casuístas 55
4.2.3. Maldições 55
4.2.4. Sentenças de morte 56
4.3. Discursos e ensinamentos 56
4.3.1. Oráculo de salvação 56
4.3.2. Requisitória profética - rib 56
4.3.3. Comparação, parábola, alegoria e fábula 57
4.3.4. Discursos de revelação 58
4.3.5. Provérbio breve - mâsâl 58
4.3.6. Sentença-tôv 58
4.3.7. Etopéia 59
4.3.8. Paralelismo dos números 59
4.3.9. Lista enciclopédica 59
4.4. Cânticos e poesias 60
4.4.1. Cânticos de guerra 60
4.4.2. Cântico de descrição da pessoa amada - waif........... 60
4.4.3. Cânticos cultuais 60
4.4.4. Salmos 61
5. Exercícios 64

Capítulo 5 • Leitura sinóptica dos evangelhos 67


1. Preliminares 67
2. Teoria das duas fontes 68
3. Na prática, como estudar os evangelhos sinópticos 70
4. Um exemplo estudado 70
5. Exercícios 75

Capítulo 6 • Noções de poética hebraica 77


1. Terminologia................................................................................. 77
2. Paralelismo .......;............................................................................ 78
3. Artifícios poéticos......................................................................... 80
4. Exercício 83

Capítulo 7 • Exercícios corrigidos 85


1. Capítulo 2: Primeiros passos na leitura................. 85
2. Capítulo 3: Figuras de linguagem e modos de dizer 88
3. Capítulo 4: Gêneros literários 90
4. Capítulo 5: Leitura sinóptica dos evangelhos 93
5. Capítulo 6: Noções de poética hebraica 96

Bibliografia............................................................................................. 99
INTRODUÇÃO

"Entendes o que lês?", perguntou Filipe ao eunuco etíope, que, por sua vez,
respondeu: "Como posso entender, sem que alguém me guie?" (At 8,30-31). A
resposta do eunuco é interessante. Ele não diz "alguém que me explique", isto
é, que me esclareça este único trecho da Escritura; antes, ele deseja "alguém que
guie", isto é, alguém que lhe dê critérios para ler e entender toda a Escritura.
De fato, o autor de Atos dos Apóstolos diz que Filipe tomou como ponto de
partida o texto de Isaías que o eunuco lia (Is 53,7-8) para anunciar o evangelho.
O eunuco não queria somente a explicação pontual de um trecho da Bíblia.
Mais do que uma interpretação pronta, ele queria aprender a interpretar. Em
outras palavras, ele pergunta a Filipe: "Como posso entender, sem alguém que
me dê uma chave de interpretação?", ou ainda: "Como posso compreender,
sem alguém que me ensine um método de leitura?".
A pergunta do eunuco permanece ainda válida: a maioria dos leitores da
Bíblia tem uma grande dificuldade para entender o que ela diz. O povo de
Deus ama a Palavra de Deus, mesmo sem compreendê-la totalmente.
A resposta de Filipe também permanece válida: os discípulos mais adian-
tados no estudo da Sagrada Escritura têm a missão de guiar os que ainda se
sentem perdidos durante a leitura.
Esta, pois, é a finalidade deste livro. Trata-se de um pequeno manual de
metodologia bíblica, uma cartilha, que oferecerá ferramentas para se estudar o

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 9


texto bíblico de modo mais profundo. Abaixo da superfície do texto bíblico
encontra-se um outro mundo à espera do leitor. A presente cartilha quer for-
necer referências para que qualquer pessoa, mesmo sem conhecer grego e
hebraico, possa fazer um mergulho e de lá voltar maravilhada com esta coisa
tão bonita que é a Palavra de Deus.

Pois, entao, se prepare! Tenha sempre por perto a Bíblia e outros instru-
mentos de trabalho: lápis, borracha, papel, lápis de cor; teclado e impres-
sora para quem já entrou na era da informática. Não se assuste com o
grego e o hebraico. Pule o que estiver nestas IInguas e vá em frente:
tudo será traduzido e explicado. Bom trabalho... A gente se encontra
por ai...

10 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - lEIA A BíBliA COMO liTERATURA


Capítulo 1

ENTENDES O QUE LÊS?

1. Leitura multifacetada
Quando o eunuco disse a Filipe: "Como posso, sem alguém que me guie?",
Filipe ofereceu ao eunuco um caminho, um critério para interpretar a Escritura.
Todavia, se Filipe tivesse sido rabino, em lugar de tal critério, ele teria chama-
do outro rabino e ambos entabulariam uma discussão sobre as múltiplas pos-
sibilidades de se interpretar o mesmo texto.
Com efeito, os rabinos não se cansam de afirmar que "a Escritura tem
setenta faces", isto é, há muitos modos de ler a Palavra de Deus. E eles estão
certos! Essa multíplice interpretação da Bíblia deriva de vários fatores, alguns
ligados ao texto (a língua e o estilo do autor, a clareza com que as idéias foram
expressas, o quanto o texto reflete o ambiente histórico-social em que foi
produzido), outros ligados ao leitor (seus interesses durante a leitura, o quanto
ele conhece aqueles fatores ligados ao texto, quais princípios de interpretação
ele aplica durante sua leitura do texto bíblico).

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 11


Essa leitura multifacetada pode ser assim esquematizada:
História,
Antropologia,
Sociologia
Oração,
Lectio Divina Exegese

Liturgia,
Teologia
Pregação

Catequese,
Doutrinação

A leitura como forma de oração é o modo mais básico e espontâneo do


contato com a Bíblia: o leitor percorre a Sagrada Escritura tendo em vista um
diálogo com Deus. Há vários esquemas de leitura orante, entre os quais se
destaca a chamada Lectio Divina, cujos passos são: leitura do texto, meditação,
partilha, oração, contemplação, ação.
A leitura usada na liturgia e na pregação estabelece o vínculo entre
vários textos que falam do mesmo tipo de presença e de ação de Deus na
história humana. Essa leitura também quer levar o leitor/ouvinte a um com-
promisso de vida.
Um pouco mais elaborada é a leitura da Bíblia na catequese e na doutri-
nação, pois exige um conhecimento relativamente sólido e profundo da cha-
mada "história da salvação", dos dogmas e da moral, a fim de que a experiên-
cia do povo da Bíblia possa ser constantemente atualizada.
Juntas, essas três primeiras leituras ou faces - oração, liturgia e catequese
- formam a chamada "leitura pastoral da Bíblia".
Quando se passa para a teologia, a leitura se toma bem mais elaborada. O
objetivo não é formar na fé, e sim fazer uma reflexão sistemática e abrangente
sobre os conteúdos da fé. Por isso, a leitura teológica usa como instrumentos
de trabalho a filosofia, a história, as ciências da linguagem e outras ciências
humanas. A teologia aplicada especificamente ao estudo da Bíblia é chamada
de "teologia bíblica".
Por sua vez, a exegese faz uma minuciosa leitura analítica para compreen-
der o texto bíblico em si mesmo. Para tanto, o leitor deve conhecer bem as
línguas bíblicas (hebraico, aramaico, grego) e dominar os métodos científicos
desenvolvidos especialmente para o estudo da Bíblia.

12 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


Teologia bíblica e exegese estão muito ligadas e são complementares, mas
há uma diferença fundamental entre o trabalho de cada uma: a teologia é
sistemática e a exegese é analítica. Em palavras pobres, pode-se dizer que a
teologia estuda o que os textos bíblicos têm de parecido, enquanto a exegese
estuda o que os mesmos textos têm de diferente.
A última face das interpretações da Bíblia é constituída pelas várias ciên-
cias humanas (história, antropologia, sociologia, psicologia e outras) quando
usam o texto bíblico como objeto de estudo. Já não é mais a teologia ou a
exegese que empresta algo dessas ciências, mas elas mesmas que se debruçam
sobre a Bíblia e, muitas vezes sem nenhum interesse teológico, aplicam suas
próprias metodologias de trabalho.
Cada uma dessas formas de ler a Sagrada Escritura é válida e, não obstan-
te, por si só incompleta e insuficiente. A Palavra de Deus sempre escapa aos
esquemas humanos! Por isso, cada forma de leitura precisa reconhecer seus
próprios limites e aprender a dialogar com as demais.

2. As línguas "originais"
A palavra "original" deve ser lida entre aspas, porque o primeiro manus-
crito de qualquer texto bíblico já não existe mais; há, sim, várias cópias, por
vezes defeituosas e incompletas. Em alguns casos, há várias versões para o
texto sagrado, até que um se impôs e se tornou normativo.
No entanto, são admitidas como línguas originais:
• para o Antigo Testamento: hebraico, aramaico e grego;
• para o Novo Testamento: grego.
Há também traduções antigas, de capital importância para a interpretação
dos textos, principalmente nos casos em que o hebraico ou o grego são incom-
preensíveis:
• a Peshitta (tradução do Antigo Testamento, em siríaco);
• os Targumim (traduções do Antigo Testamento, em aramaico);
• a Vetus Latina e a Vulgata (traduções da Bíblia toda, em latim);
• uma série de manuscritos antigos em outras línguas: hebraico samaritano, copta,
boairico, saídico.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~-


13
3. Traduções e fundamentalismo

Esta cartilha de metodologia bíblica quer ajudar os leitores da Bíblia a


superar algumas atitudes ingênuas. A primeira delas é a que considera todas as
traduções iguais e transposições totalmente fiéis do hebraico e do grego para
uma língua vemácula (em nosso caso, para o português). Na verdade, sempre
se perde algo quando se traduz de uma língua para outra, ainda mais quando
se trata de textos antigos: o significado exato das palavras e das expressões, os
jogos de palavras, o universo cultural etc.
Em geral os tradutores estão muito atentos a tudo isso, mas é impossível
encontrar soluções satisfatórias para todos os textos. Muitas das palavras do
mundo bíblico não têm uma correspondente adequada em nossa língua. Entre
o nosso universo cultural e o dos autores bíblicos há um grande abismo,
constituído por língua, ambiente histórico e geográfico, desenvolvimento cien-
tífico e tecnológico, mentalidade do povo. Disso resulta que uma tradução da
Bíblia, por mais bem feita que seja, sempre perde algo e "trai" o original.

Veja,por exemplo, o que acontece corn a palavra ~~ - go'e/, "resgata-


dor" ou "remidor". .O go'e/ eraumcaraqU.e tinha várias atribuições, tais
como; vingar a morte qe. um.parente assassinado; resgatar uma proprie-
dade que umparente próximO perder~p<>rdívidas; se um parente morreu

,
e deixou viúva sem filhos,o.go'e/tinttaaincumbênda de se casar com a
viúva e ter filhos com ela para suscitar uma descendência para o falecido.
Poisé... Eu nem precisava explicar tudo isso. porque você já tinha enten-
"
..
ú
-......•.
.. " ;
' ...
.•...
dido quem era o gO'e/só de ler a palavra "resgatador", não é mesmo?
' "'0

Todavia, existe o chamado "fundamentalismo", segundo o qual a Bíblia


deve ser lida "ao pé da letra", sem a necessidade de se estudar o universo em
que ela surgiu. Para os fundamentalistas, o texto é claro por si mesmo e não
condicionado pelo tempo, pela sociedade e pela história. Entre as várias carac-
terísticas do fundamentalismo, uma delas é a atitude ingênua de considerar
uma tradução da Bíblia algo absolutamente fiel aos textos originais e perfeita
substituta deles.
Sem dúvida, o texto bíblico é inspirado, e o mesmo Espírito que guiou os
autores sagrados pode ter auxiliado os tradutores; mas, ainda assim, deve-se
perguntar: Qual texto é o inspirado: o original ou a tradução?
Para o fundamentalista, todas as traduções são igualmente inspiradas e
gozam da mesma autoridade do texto original. No entanto, isso não é verdade.
Não obstante toda a problemática referente aos manuscritos gregos e hebraicos

14 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


e à reconstrução material do texto, é considerado inspirado somente o original;
todas as traduções, mesmo as mais honradas e veneradas por judeus e cristãos,
não se equiparam aos textos assumidos como normativos, em grego e hebraico'.
a fundamentalista, no entanto, não quer se perguntar sobre nada disso.
Ele prefere crer que a tradução que tem em mãos está livre de erros e impre-
cisões, e que os tradutores, sob a ação do Espírito Santo, foram capazes de
traduzir com absoluta clareza o texto sagrado, com palavras perfeitamente
adequadas e não condicionadas pelas diferenças entre a língua original e a
língua de chegada.

4. Dois tipos de tradução


Traduzir a Bíblia não é algo fácil. Há muitos textos em que foram usadas
palavras cujo significado já se perdeu; em outros casos, as palavras são conhe-
cidas, mas formam uma frase obscura ou truncada. À medida que a ciência
bíblica progride, ela oferece novas soluções para velhos problemas textuais.
Em cada nova tradução da Bíblia, os tradutores procuram superar as dificul-
dades, mas muitos versículos ainda permanecem "indecifráveis".
Quando se lê o mesmo versículo em mais de uma tradução, é comum
encontrar grandes diferenças. A comparação de duas ou mais traduções da
Bíblia quase sempre segue o critério da compreensão imediata: em uma edição
o texto é "mais fácil", enquanto em outra é "mais difícil". Todavia, a tradução
"mais fácil" pode também empobrecer a riqueza do texto original e até chegar
a desvirtuá-lo.
a critério "tradução mais fácil - tradução mais difícil" é meramente
empírico e não pode servir como base para um estudo mais aprofundado da
Palavra de Deus. Por isso, é necessário perguntar para que e para quem uma
Bíblia é publicada (para a liturgia, para a catequese, para grupos populares,
para o estudo da teologia). Grosso modo, podem-se dividir as traduções da
Bíblia em duas categorias: as traduções formais ou literais e as traduções
funcionais ou dinâmicas.
A tradução formal ou líteral? renuncia à compreensão imediata. Antes,
respeita a forma lingüística do original, mantém repetições e redundâncias,

1. O estudo comparativo das diferenças entre os manuscritos chama-se "crítica textual" e


é um passo metodológico essencial na exegese dos textos bíblicos.
2. Não confundir com tradução "ao pé da letra", isto é, aquela em que o tradutor simples-
mente transpõe palavra por palavra da língua original para a língua de destino, sem se

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA -------------------~----


15
busca na língua de chegada o melhor vocábulo para traduzir o original, mesmo
que seja uma palavra pouco usada. Por sua vez, a tradução funcional ou
dinâmica visa a compreensão imediata. Para isso, elimina tensões, repetições
e redundâncias, altera estruturas frasais, usa um vocabulário mais simples e,
por vezes, supre palavras "faltantes".
No Brasil, há traduções de ambos os tipos. A Bíblia de Jerusalém (BJ), a
Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), a Bíblia da CNBB a partir da quinta
edição e as várias versões da João Ferreira de Almeida podem ser consideradas
formais. Por sua vez, a Bíblia - Edição Pastoral, a Bíblia do Peregrino, a
Bíblia na Linguagem de Hoje, a Bíblia Fácil e a Bíblia da CNBB até a sua
quarta edição, todas podem ser qualificadas como funcionais.
Ambos os tipos de tradução têm seu valor, mas isso não quer dizer que
sejam iguais. As traduções funcionais, de grande serventia para a reflexão com
grupos populares e para a catequese com crianças, são insuficientes para o
estudo bíblico e teológico, uma vez que o estudo exige um texto sólido, mais
bem elaborado e que sirva para uma reflexão mais profunda. Ou seja, para o
estudo mais aprofundado da Bíblia, é necessário usar uma tradução formal.

5. Comparação de algumas traduções do Brasil


Não faz parte dos objetivos desta cartilha comparar todas as traduções do
Brasil. No entanto, é conveniente oferecer alguns exemplos, ainda que mera-
mente ilustrativos.
O leitor deve ter em mente o seguinte: no que se refere à Bíblia, a afirma-
ção popular "é a mesma coisa com palavras diferentes" é falsa. Ou seja, quan-
do se usam palavras diferentes, já não se está dizendo a mesma coisa! De fato,
toda tradução reflete as opções teológicas (e ideológicas) do tradutor e indu-
zem o leitor a uma ou outra interpretação do texto.


Repito:
Não existe "é a mesma coisa com palavras diferentes". ' .
Se as palavras não são as mesmas, já não é mais a mesma coisa... . á .

.;~'
. <

perguntar se o texto resultante significa alguma coisa no idioma para o qual o original foi
traduzido.

16 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


Um primeiro exemplo é Colossenses 1,24:
Nuv xaí.pw EV roic TTae~j..LaOLV UTTEp Új..LWV
Kal. áv,avaTTÂllPW ,à úa'Ep~lJ.lX.Ta. ,WV 8ÂLljIEwv 't'ou XpLaiou EV ,fi aapl<í.j..Lou
o
ÚTTEP TOU oWj..La,oç auTOu, Eonv ~ EKKÂlloLa,

Traduzido literalmente, o texto diz:


Agora eu me alegro nos sofrimentos em vosso favor,
e completo o que falta dos sofrimentos do Cristo em minha carne,
em favor do seu corpo, que é a Igreja.
Como era de se esperar, esse versículo foi traduzido de variados modos.
Neste exemplo, o que interessa é a frase evidenciada:

1) João Ferreira Regozijo-me, agora, no que padeço por vós


de Almeida e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo,
(revista e corrigida) pelo seu corpo, que é a igreja;
2) João Ferreira Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós;
de Almeida e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne,
(revista e atualizada) a favor do seu corpo, que é a igreja;
3) Novo Mundo Agora encontro a minha alegria nos sofrimentos que suporto
(revisão de 1986) por vós;
e o que falta às tribulações de Cristo, eu o completo em
minha carne
em favor do seu corpo que é a Igreja.
4) Edição Pastoral Agora eu me alegro de sofrer por vocês,
(1997, reimpressão) pois vou completando em minha carne o que falta nas
tribulações de Cristo,
a favor do seu corpo que é a Igreja.
5) CNBB (2000, Alegro-me nos sofrimentos que tenho suportado por vós
primeira edição) e completo, na minha carne, o que falta às tribulações de
Cristo
em favor de seu Corpo que é a Igreja.
6) Ave Maria Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós.
(1959) O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne,
por seu corpo que é a Igreja.
7) Bíblia Agora eu estou contente com os sofrimentos que tenho de
Mensagem de suportar por vós.
Deus (1994) Porque assim completo na minha carne o que falta às
tribulações de Cristo,
em favor do seu corpo, que é a Igreja.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 17


8) Bíblia de Agora eu me regozijo nos meus sofrimentos por vós,
Jerusalém (1985, e completo, na minha carne, o que falta das tribulações de
edição revista) Cristo
pelo seu Corpo, que é a Igreja.
9) Tradução Agora encontro a minha alegria nos sofrimentos que suporto
Ecumênica da por vós;
Bíblia (1994) e o que falta às tribulações de Cristo, eu o completo em
minha carne
em favor do seu corpo que é a Igreja.
10) Bíblia do Agora me alegro de padecer por vós,
Peregrino de completar, a favor do seu corpo que é a Igreja,
(2000) o que falta aos sofrimentos de Cristo.

Nas traduções 3,4,5, 6, 7, 9 e 10, Paulo parece dizer que o sofrimento de


Cristo foi incompleto e que as tribulações que ele, Paulo, sofre completam o que
ficou faltando. Diferentemente, nas traduções 1, 2 e 8, Paulo afirma que ainda
não sofreu tudo o que Cristo sofreu, e esta diferença ele quer completar. Esta,
de fato, parece ser a interpretação correta, conforme a tradução literal do versículo:
o sofrimento de Cristo foi completo; para assemelhar-se totalmente a Cristo,
Paulo quer sofrer os sofrimentos de Cristo que ele, Paulo, ainda não sofreu.

18 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


Outro exemplo pode ser João 4,18:
TIÉVtE yàp lXvõpaç EaXEç
Kat vuv ÔV EXELÇ OÓK ÉatW oou âVlÍp"
tOUtO cXÀTj9EÇ E'(pTjKaç.

De fato, tiveste cinco maridos


e o que tens agora não é teu marido.
Nisto disseste a verdade".
Este é um claro exemplo de como a tradução de um versículo pode dizer
exatamente o contrário do que se afirma no original:

1) João Ferreira Porque tiveste cinco maridos,


de Almeida e o que agora tens não é teu marido;
(revista e corrigida) isso disseste com verdade.
2) João Ferreira Porque tiveste cinco maridos,
de Almeida e o que agora tens não é teu marido;
(revista e atualizada) isso disseste com verdade.
3) Novo Mundo Pois, tiveste cinco maridos,
(revisão de 1986) e o [homem] que agora tens não é teu marido.
Isso disseste verazmente."
4) Edição Pastoral De fato, você teve cinco maridos.
(1997, reimpressão) E o homem que você tem agora, não é seu marido.
Nisso você falou a verdade".
5) CNBB (2000, De fato, tiveste cinco maridos,
primeira edição) e o que tens agora não é teu marido.
Nisto falaste a verdade".
6) Ave Maria Tiveste cinco maridos,
(1959) e o que agora tens não é teu.
Nisto disseste a verdade.
7) Bíblia Porque tiveste cinco
Mensagem de Deus e o que tens agora não é também teu marido;
(1994) nesse ponto, disseste a verdade.
8) Bíblia de Pois tiveste cinco maridos
Jerusalém e o que agora tens não é teu marido;
(1985, edição revista) nisso falaste a verdade".
9) Tradução Jesus lhe disse: "Tu dizes bem: 'Não tenho marido';
Ecumênica da Bíblia tiveste cinco, e o que tens agora não é teu marido.
(1994) Nisso disseste a verdade'".

3. Estranhamente, a TEB antecipa a divisão do versículo e passa para o v. 18 a metade do


v.17.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 19


10) Bíblia do Pois tiveste cinco homens,
Peregrino e tampouco o de agora é teu marido.
(2000) Nisso disseste a verdade.

A grande dificuldade para a interpretação desse versículo é o significado


da palavra grega &v~p - 'onér, "homem, marido", que traduz o hebraico ".p~
- ba'al, que, por sua vez, significa "marido, senhor, divindade". O texto joga
com toda essa ambigüidade, mas outros elementos (tais como o gênero literá-
rio do relato) permitem dizer que "marido" não se refere a um varão, e sim à
divindade cultuada pela mulher. As traduções 3 e 4 acrescentam uma palavra
"homem", inexistente no texto original, e induzem o leitor a pensar que a
samaritana vive em adultério ou concubinato. Nessa mesma linha, a tradução
1O, que traduz a primeira ocorrência de "marido" por "homem". As pequenas
variações nas traduções 6, 7 e 9 podem igualmente ter como causa a interpre-
tação de "marido" como o varão com o qual a samaritana estaria vivendo
maritalmente.
Sem dúvida, é necessário mais que uma tradução fiel ao original para se
superar a interpretação segundo a qual a mulher que dialoga com Jesus é uma
adúltera. Todavia, introduzir palavras ausentes no original, bem como, contra-
riamente, suprimir o que está no grego, são dois expedientes que servem so-
mente para complicar ainda mais um texto por si só difícil, mas que, com
certeza, não fala de adultério nem de prostituição. A palavra "marido" refere-
se à divindade cultuada pela mulher, que, por sua vez, é a personificação da
cidade da Samaria.

,~--
Um último exemplo, agora tirado de Jeremias 5,8:
~';' C':;'lD~ C'J~'~ C'O~O
:~~~T~: ~'~,~i. n~,~':.~~ ~',N
São cavalos ardentes e fogosos (?),
cada qual rincha para a mulher de seu companheiro.

20 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA


Este sim é um texto obscuro, e os tradutores fazem o que podem:

1) João Ferreira Como cavalos bem fartos, levantam-se pela manhã,


de Almeida rinchando cada um à mulher do seu companheiro.
(revista e corrigida)
2) João Ferreira Como garanhões bem fartos, correm de um lado para outro,
de Almeida cada um rinchando à mulher do seu companheiro.
(revista e atualizada)
3) Novo Mundo Como cavalos bem fartos, levantam-se pela manhã,
(revisão de 1986) rinchando cada um à mulher do seu companheiro.
4) Edição Pastoral São como cavalos. reprodutores, gordos e soltos,
(1997, reimpressão) cada qual relinchando pela mulher do próximo.
5) CNBB (2000, Garanhões gordos e vadios,
primeira edição) cada qual relincha pela mulher do vizinho.
6) Ave Maria Garanhões bem nutridos, no calor do cio,
(1959) cada qual relincha ante a mulher do próximo.
7) Bíblia Como robustos cavalos fogosos,
Mensagem de Deus relincham à mulher do próximo.
(1994)
8) Bíblia de São cavalos cevados e vagabundos,
Jerusalém cada qual relincha pela mulher de seu próximo.
(1985, edição revista)
9) Tradução Garanhões no cio, excitados!
Ecumênica Cada um deles relincha atrás da mulher do outro.
da Bíblia (1994)
10) Bíblia do São cavalos cevados e sensuais que relincham,
Peregrino cada qual pela mulher do próximo.
(2000)

Houve ainda um estudioso que propôs:


Cavalos couraçados de Mesek
(isto é, cavalos equipados para a guerra, vindos do país de Mesek)
cada qual rincha para a mulher de seu companheiro",

Mas o fato é que não se sabe o que as palavras significam, e muito menos
a frase completa. Por isso, todas as traduções podem ser válidas. De qualquer
forma, Jeremias compara algumas pessoas a cavalos aos quais não se consegue

4. M. JASTROW, Jeremiah 5:8.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 21


dominar, seja porque bem alimentados e bravios, seja porque estão excitados
para o acasalamento, seja porque estão excitados para o combate.

Quer dizer então que, se ninguém encontrar a solução, vamos ter de


perguntar ao profeta Jeremias em pessoa?
Mas... e se minha curiosidade não agOentar até eu chegar no céu?

6. E quem não estudou grego nem hebraico?


É natural, pois, que surja a questão: Que deve fazer a pessoa que não tem
acesso aos textos originais em hebraico e grego?
A quase totalidade do povo de Deus não conhece as línguas bíblicas; mas
mesmo assim é possível aprender um método de leitura que ajude a ler e a
estudar o texto bíblico mais profundamente.
Por isso, a melhor atitude é jamais se contentar com uma única tradução.
Em outras palavras, deve-se consultar mais de uma publicação em vernáculo
do texto bíblico e prestar atenção nas diferenças entre elas.
Outro recurso é usar uma boa edição da Bíblia (isto é, uma tradução
formal), que tenha abundantes notas de rodapé e referências a textos paralelos.
As notas de rodapé oferecem informações de grande utilidade para se com-
preender o texto e o ambiente histórico e social que ele descreve. As referên-
cias a textos paralelos remetem o leitor a passagens bíblicas que, de várias
maneiras, esclarecem o texto que se está lendo.

Eu nem deveria falar, mas é só por desencargo de consciência, caso


você tenha se esquecido:
Tenha sempre em mãos uma boa tradução da Blblia, para poder con-
ferir os exemplos. Melhor ainda: tenha por perto mais de uma boa
tradução da Blblia.
Ou você acha que eu vou copiar verslculo por verslculo?

22 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO lITERATURA


Capítulo 2

PRIMEIROS PASSOS NA LEITURA

São três os procedimentos iniciais: delimitar o texto, dividi-lo em unidades


menores e analisar a sua forma.

. . ,,;....
........... .. ,:l "
1"" ,
IJI·

1. A delimitação do texto
"Delimitar um texto" significa estabelecer em qual versículo o texto come-
ça e em qual versículo termina, isto é, definir os limites "para cima" e "para
baixo". O trecho da Bíblia resultante dessa operação recebe o nome técnico de
"perícope" .
Nas edições das Bíblias, as perícopes vêm destacadas com subtítulos. Mas
eles não pertencem ao texto original. Cada editor divide o texto como acha mais
conveniente e coloca os subtítulos que considera mais adaptados. Como resul-
tado, há diferenças entre as divisões propostas pelas edições da Bíblia.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 23


o objetivo dos editores é ajudar o leitor. Mas nem sempre a divisão e os
subtítulos correspondem ao texto.
Essa pequena confusão acontece porque os autores bíblicos não dividiram
explicitamente seus escritos. Não obstante, deixaram' no próprio texto marcas
que permitem ao leitor treinado identificar o início e o fim de cada perícope.

1.1. Critérios para delimitar um texto

São três os tipos de indícios que demarcam uma perícope:


a) Elementos que marcam um novo início:
• indicação de tempo: Mt 2,1; Me 16,1.
• indicação de espaço: Ex 15,22; Mt 2,1; Mc 1,16.
• novos personagens / actantes: 2Rs 4,42; Me 7,1.
• nova ação: Gn 39,7; lSm 16,1; At 16,16.
• mudança de estilo: Ex 15,1.22; Nm 23-24; Lc 3,23.
• título: Is 21,1.11.13; Ap 2,1.8.12.
• introdução ao discurso: Is 14,24; Jó 6,1; Lc 15,3.
b) Elementos que marcam o fim:
• indicação de tempo: Nm 20,29; Mc 1,45.
• indicação de espaço: 2Sm 19,40; At 12,17.
• multiplicação de personagens / actantes: 2Rs 11,20; Me 1,45.
• focalização em um único personagem / actante: 2Rs 8,14; At 7,58 e 8,1.
• ação do tipo partida: Js 24,28; Me 8,13.
• ação ou função do tipo terminal: Gn 49,33; 2Rs 11,20; Mt 9,8.
• frase categórica ou comentário: 2Rs 13,19; Lc 15,7.
• sumário: 2Rs 7,20; Lc 2,40.

c) Elementos ao longo do texto, para indicar sua coesão:


• campo semântico: Is 5,1-7; Jo 15,1-8.
• intercalação: Me 3,21.22-30.31.
• inclusão': SI 8,2.10; Mt 5,3.10.

1. Palavraou frase usada no início do texto é repetida no fim, de modo que tudo o que se
encontra entre as duas ocorrências fique "incluído".

24 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


Veja-se, por exemplo, Me 1,14-15:

~ no
te~ntt~alid~o ~p~o~r~
G:{ Satanãs.
dese~uarenta dias,

E estava entre as feras, e os anjos o serviam.


14 Depois que João foi preso,

veio Jesus para a Galiléia


anunciando o evangelho de Deus 15 e dizendo:
"Completou-se o tempo e está próximo o reino de Deus.
Convertei-vos e crede no evangelho".
16E, passando junto ao mar da Galiléia,
viu Simão e André, irmão de Simão,
enquanto lançavam a rede ao mar,
pois eram pescadores. ...
Embora breve (apenas dois versículos), Me 1,14-15 é uma perícope com-
pleta e bem delimitada.
No v. 13, a indicação temporal "quarenta dias" informa ao leitor a duração
do período em que Jesus esteve no deserto junto a Satanás, às feras e aos anjos.
Estes actantes desaparecem no v. 14: Jesus está sozinho. Ou seja, o v. 13
encerra uma narrativa, ainda que sucinta.
No v. 14, as indicações de um novo tempo ("depois que João foi preso")
e de um novo espaço ("a Galiléia") atestam que se inicia uma nova perícope.
Além disso, Jesus, que no v. 13 era totalmente inativo, agora começa a agir:
ele passa a anunciar o evangelho. A repetição da palavra "evangelho" no fim
de cada um dos versículos 14 e 15 funciona como uma inclusão: o episódio
está bem articulado e completo.
No v. 15, o novo deslocamento e a nova mudança de espaço focalizam com
maior precisão ("junto ao mar da Galiléia") a anterior indicação genérica de
lugar ("Galiléia"). Surgem também novos personagens ("Simão e André").
Esses elementos indicam que o v. 15 inicia uma nova perícope.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 25


1.2. Avaliação de alguns casos nas Bíblias editadas no Brasil
A comparação de algumas edições brasileiras da Bíblia demonstra como
nem sempre os editores usaram com rigor os critérios agora elencados.
a) Jr 14,1-15,4(9)

1) João Ferreira de Almeida 14,1-15,21 (!): Jeremias em vão intercede pelo povo
(revista e corrigida)
2) Edição Pastoral 14,1-15,4: ferida incurável
(1997, reimpressão) 15,5-9: a sentença de Javé
3) CNBB 14,1-10: a seca
(2000, primeira edição) 14,11-22: o povo prefere os falsos profetas
15,1-9: punição irrevogável
4) Ave Maria (1959) 14,1-15,9: palavras sobre o flagelo da seca
5) Bíblia de Jerusalém 14,1-15,4: a grande seca
(1985, edição revista) 15,4-9: as desgraças da guerra
6) Tradução Ecumênica 14,1-15,4 (14,2-9.10-16.17-22; 15;1-4): a seca
da Bíblia (1994) 15,4-9: abandonada que abandonou

Apreciação crítica: A aplicação dos critérios de delimitação demonstram


que 14,1-15,9 constitui uma unidade editorial, cujo tema é um só: a seca. Tal
unidade editorial subdivide-se assim:
14,1 - título
A) 14,2-6 - flagelo
B) 14,7-9 - lamento-petição
C) 14,10-16 - resposta divina
A') 14,17-18 - flagelo
B') 14,19-22 - lamento-petição
C) 15,1-4 - resposta divina
D) 15,5-9 - lamento divino

Como conclusão, pode-se afirmar que a edição que usou com maior rigor
os critérios de delimitação foi a Tradução Ecumênica da Bíblia - TEB.

26 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO lITERATURA


b) Lc 14,25-35

1) João Ferreira de Almeida 14,24-35: parábola acerca da providência


(revista e corrigida)
2) Edição Pastoral 14,25-35: para ser discípulo de Jesus
(1997, reimpressão)
3) CNBB 14,25-33: o preço do seguimento
(2000, primeira edição) 14,34-35: o sal
4) Ave Maria (1959) 14,25-35: qualidades do verdadeiro discípulo
5) Bíblia de Jerusalém 14,25-26: renunciar ao que temos de mais caro
(1985, edição revista) 14,27-33: renúncia a todos os bens
14,34-35: não se tomar insosso
6) Tradução Ecumênica 14,25-33: renunciar a tudo para seguir Jesus
da Bíblia (1994) 14,34-35: não perder o sabor

Apreciação crítica: O v. 33 é formalmente semelhante aos vv. 25-26 e com


eles serve de moldura para os vv. 27-32. Esses versículos todos constituem um
bloco de texto que não pode ser quebrado. Já os vv. 34-35 são de outro estilo
e nitidamente destacados dos anteriores. Por conseguinte, a melhor solução é
considerar duas perícopes, 14,25-33 e 14,34-35, como fizeram TEB e CNBB.
c) Jo 10,1-21

1) João Ferreira de Almeida 10,1-21: o bom pastor


(revista e corrigida)
2) Edição Pastoral (1997, reimpressão) 10,1-6: o povo conhece a voz de Jesus
10,7-21: Jesus é o único caminho
3) CNBB (2000, primeira edição) 10,1-6: a parábola do rebanho
10,7-10: Jesus a porta
10,11-21: Jesus, o pastor de verdade
4) Ave Maria (1959) 10,1-21: o bom pastor
--
5) Bíblia de Jerusalém (1985, edição revista) 10,1-21: o bom pastor
6) Tradução Ecumênica da Bíblia (1994) 10,1-21: a parábola do pastor

Apreciação crítica: Como em todo discurso, os temas e as imagens utili-


zadas pelo orador têm grande peso na delimitação do texto. No capítulo 10 de
João encontram-se:

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 27


10,1-6 - parábola do rebanho Jesus é o pastor;
os líderes judaicos são os assaltantes
10,7-10 - parábola da porta Jesus é a porta
10,11-18 - parábola do bom pastor Jesus é o bom pastor
10,19-21 - conclusão dos capítulos 9-10
Em conclusão, a edição que mais se aproximou disso foi a da CNBB.

2. A segmentação do texto
Após delimitada a perícope, é necessário estudá-la sob o aspecto frasal,
isto é, avaliar cada frase, oração e unidade expressiva que compõem o texto.
Para isso, é necessário reescrever o texto e subdividi-lo em linhas, como se ele
fosse uma poesia.
A regra básica para este trabalho é: cada linha deve conter, tanto quanto
possível, uma idéia completa. Cada segmento, em geral, tem um único verbo,
mas não necessariamente é assim. Igualmente, ocupam um segmento à parte:
vocativos, imperativos, apostos, frases subordinadas etc. A cada nova informa-
ção - principal ou secundária - uma nova linha. Quanto maior a sensibilidade
do leitor, tanto mais fácil será segmentar uma perícope.
Um único versículo pode conter vários segmentos; por isso, um texto de
poucos versículos pode ficar longo quando segmentado. Cada segmento deve
ser indicado com uma letra (a, b, c... ). Tal indicação recomeça a cada versículo.
Veja-se, por exemplo, Me 1,15:

14a MEtlX ÕE tO lTUPUÕOSf)vIU tOV 'IwávvT]v Depois que João foi preso,
b ~ÀSEV Ó 'IT]oouç Elç t~V rUÀLÀuCuv veio Jesus para a Galiléia
c KT]PÚOOWV tO EUUyyÉÀLov roü SEOU anunciando o evangelho de Deus
15a KUI. ÀÉywv on e dizendo:
b lTElTÀ~pWtal Ó KUlpOÇ "Completou-se o tempo
c KUI. ~yYlKEV ~ PUOlÀECU tOU SEOU' e está próximo o reino de Deus.
d I!EtUVOEl.te Convertei-vos
e KUI. mOtEÚEtE EV tQ EUUYYEÀCq>. e crede no evangelho"
A Bíblia Hebraica, todavia, exige uma pequena variação neste procedimen-
to. Uma vez que cada versículo é quase sempre dividido em duas partes (a e

28 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


b), a assinalação de letras deve respeitar a divisão do original. Os segmentos,
então, passam a ser indicados com letras gregas, conforme o exemplo a seguir,
o SI 117:

~
rnrr -nK
T "
,~~;,
CA:í;-~~
1aa

ai! ~
Louvai o SENHOR,
nações todas;
~
'mJi:;l~ b« Exaltai-o,
:C'~K;,-S:l
í'ion ,:l,Sl1'· ,~5
C~~l1~ ~;;,'-n~N'
,; t4l
2aa
povos todos.
Porque é forte por nós seu amor,
e a fidelidade do SENHOR é para sempre.
';rl,:-'~~B ar Aleluia!

Note-se que não há uma regra fixa no que se refere ao numero de palavras
em cada segmento: os fatores que determinam se um segmento é mais longo
ou mais breve são a semântica e a sintaxe do próprio texto.

3. A forma do texto
Uma vez feita a segmentação do texto, é necessário analisar as articulações
internas da perícope em sua redação final. Este passo metodológico é por
alguns chamado de "estruturação do texto" ou "análise da estrutura literária",
enquanto outros falam de "organização do texto", e outros ainda preferem
"forma do texto". Independentemente da nomenclatura usada, trata-se de uma
leitura sincrônica, isto é, que analisa o texto em si mesmo e como ele está. A
comparação de dois ou mais textos com formas semelhantes é chamada "es-
tudo dos gêneros literários", e constitui uma leitura diacrônica/.

2. Cf., mais adiante, o capítulo 4, pp. 41-65.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 29


Para se estudar a forma de um texto, devem-se agrupar os segmentos em
subunidades, denominadas "seqüências". Cada seqüência deve conter uma peça
mais ou menos completa no desenvolvimento do relato ou do discurso. As
seqüências mantêm entre si relações de dependência ou de subordinação.
Após definir as seqüências de um texto, é necessário atribuir a elas uma
letra maiúscula ou um número. Por fim, cada seqüência deve ser resumida em
uma frase bastante breve, que não seja uma paráfrase do texto.
Veja-se o quadro com a forma (ou estruturação) do SI 117:

;";" -n~ ,~~;, I"" Louvai o SENHOR,


T' CA:i;-~~ nações todas; convite e
A
';,'n~tg' bc
Exaltai-o, destinatários
:t:J'~~;,-S:l
I' o,. T T
povos todos.
i;on ')'''11 ,~5 ':l 2"" Porque é forte por nós seu amor,
B t:J~;11~ ~,;,,-n~~·,
T : IT: .: -::1':
e a fidelidade do SENHOR motivação
[ é para sempre.
c convite fmal

Uma vez definida a estrutura ou forma do texto, é possível relê-lo na sua


totalidade e emitir um juízo sobre como tal perícope articula o conteúdo.
Enfim, cumpre observar que também para este trabalho, não há uma regra
fixa: cada texto tem sua própria organização, e mesmo textos formalmente
semelhantes apresentam características próprias. Além disso, um mesmo texto
pode ter mais de uma estrutura justapostas.

4. Exercícios
Aplicar os passos metodológicos estudados neste capítulo ao relato da
vocação de Eliseu. Eis o texto hebraico, com uma tradução literal:
• 1 Rs 19,19-21
~'~1 '~~~-H 11,~'~~rn~ ~~7?"1 t:J~~' 1~".119
',;,:~~ '~P.:1 'iR~ry t:J~).~:l ~';:T1 "~~7 't:J'i~~ 'iR~-t:J').~ tLi1.h

30 ~~~~~~~~~~~-~~~~~~~~~~~- LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


~jl~S~, 'JP~ 'n~J '~~tr-n~ :l!~~J20 :,,~~ it1l'1~ l~.~~J ,,~~
:l~0 17 'iS '7.?N~J l')P~ jl,~7~: '~N7~ ~:l~7 'Nrjli?~~ '7.?N"J
'8ftr '7.?,~-n~ np-"J "lr:)~~ :l~~J21 =17. 'I:1'~~-jl7.? ',~
l~~J ci?:J ~S,~N;'J t::W7 11)."J ,~~tr C,7~:l "i?~tr ~s?:l~ ~jln.~\"J
5l :~jlmw"
I" : T:-
~jl"SN
IT'"
',nN
I .. -: -

"Então partiu dali e encontrou Eliseu, filho de Safat. Ele estava lavrando, com
doze juntas de bois à sua frente; e ele mesmo estava com a duodécima. Elias
passou por ele e lançou o seu manto sobre ele. 2°Então, ele deixou os bois, e
correu atrás de Elias, e disse: "Que eu possa beijar meu pai e minha mãe e,
então, te seguirei." E ele lhe disse: "Vai, volta! Pois, o que te fiz?" 21Voltou,
pois, de atrás dele, e tomou a junta de bois, e os imolou, e, com os aparelhos
dos bois, cozeu as carnes, e as deu ao povo para que comessem. Então, levan-
tou-se e seguiu a Elias e começou a servi-lo.

Outros textos para praticar: Ex 2,1-10; Mt 9,18-25, lo 10,1-6.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 31


Capítulo 3

FIGURAS DE LINGUAGEM E MODOS DE DIZER

1. Figuras de linguagem

O estudo das figuras de linguagem constitui a análise estilística, cujo esco-


po é identificar os procedimentos por meio dos quais o autor dá maior expres-
sividade, colorido e vivacidade a seu texto. Nas gramáticas, encontra-se a
seguinte distinção:
• Figuras de pensamento ou de retórica: ligadas ao modo de organizar as idéias
• Figuras de construção ou de sintaxe: ligadas à formulação das frases
• Figuras de palavras ou de estilo: ligadas ao uso dos vocábulos e dos conceitos

Há figuras de linguagem comuns a todos os idiomas, mas há também


algumas próprias de um grupo lingüístico ou de uma cultura. Na Bíblia encon-
tram-se todas as figuras da língua portuguesa, e mais outras próprias do antigo
universo semita e do grego.
E, como acontece com todo e qualquer texto, várias figuras das línguas e
das culturas bíblicas originais se perdem na tradução, seja porque o idioma de
chegada não permite manter o original, seja porque há jogos de palavras e
expressões idiomáticas intraduzíveis. Por outro lado, são introduzidas aquelas
da língua e da cultura dota) tradutor(a), além daquelas ligadas ao estilo pessoal
de quem traduz.

LEIA A SrSlIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 33


completa seria

2. Figuras de pensamento ou de retórica

Antecipação ou prolepse: Há dois tipos de antecipação. O primeiro é ligado ao


tempo da narrativa: um evento futuro é anacronicamente apresentado como
algo já acontecido (Ex 15,13-17; 1Rs 13,3). O segundo tipo de antecipação
ocorre quando um orador responde previamente à eventual objeção de um
interlocutor, seja ele real ou imaginário (Jr 7,4; Mt 3,9; 1Cor 1,16).

Antítese: Confrontação de duas ou mais idéias ou situações: SI 1; Jr 17,5-8;


Lc 6,20-26.
Macarismo ou bem-aventurança: "Macarismo" é uma palavra grega -
jJ.UKUPWjJ.ÓÇ - e significa "felicitação, bem-aventurança". Trata-se de uma
bendição ou louvação de alguém, iniciada pela fónnu1a "bem-aventurado
quem ... ", "feliz quem ...", "felicidade para quem ... ": Dt 28,3-6; SI 84,4;
Mt 5,3-12 (11 Lc 6,20-23).
Lamentação ou queixume (ou até maldição): O contrário do macarismo: "ai
de quem ...", "pobre de quem ...": Is 5,8-24 (6x); Lc 6,24-26.
Antropomorfismo ou personificação: Atribuição de formas e ações humanas
a Deus: Gn 3,8; Ex 15,6.8; Lc 11,20.
Antropopatismo: Atribuição de sentimentos humanos a Deus: Gn 6,6; Dt
6,15; Lc 1,78.

<'-' '' ' '


-: . '. .. ''\
_..,~

--:::;;;;;;:.:====::=--_-----------1
-

34 - -"- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


Prosopopéia: É a personificação na qual sentimentos e ações humanas são
atribuídos a animais (Gn 3,1.4-5; Jz 9,8-15) e a seres inanimados (Gn 4,10-
11; SI 114; Mt 6,3). Também é prosopopéia falar de uma cidade ou de uma
nação como se fosse uma única pessoa: Mq 7,8-10; Zc 9,9; Mt 11,21.23.
Gradação: Disposição de palavras, idéias ou fatos em ordem crescente ou
decrescente: Gn 22,2; Dn 3,51-90; Rm 8,29-30.
Eufemismo: Uso de uma expressão mais branda em lugar de outra mais pe-
sada ou tabu: lSm 24,4; 25,22; Jo 11,11.
Merismo: Enumeração das partes de um todo (coisa ou ação), para indicar a
totalidade: SI 121,2.6.8; Is 42,5; Lc 1,71.
Hipérbole: Ênfase expressiva, provocada pelo exagero: 2Rs 21,16; Gl 1,8.
Inclusão: Repetição da mesma palavra ou expressão no início e no fim do
texto: SI 8,2.10; Mt 5,3.10.
Questão retórica: Pergunta cujo objetivo não é obter uma resposta, e sim
fazer o interlocutor pensar e concordar com o orador: Jr 5,9.29; 9,8; Lc
13,2.4; Rm 9,14.19-21.
Onomatopéia: Quando uma frase ou um nome imita o som da coisa descrita:
Eel 7,6 (no hebraico, o som das palavras imita o barulho dos gravetos
crepitando debaixo da panela); Jz 12,6.

Ironia: Quando se diz o oposto do que se pretende realmente dizer (ironia


verbal: Am 4,4-5; Mt 22,16), ou quando o resultado de uma ação é o con-
trário do que se pretendia fazer (ironia dramática: Eel 10,3; Mt 19,16-22).
Oximoro: Associação de idéias contraditórias, com finalidade enfática: Is 58,10;
lTs 1,6.
Paralelismo: Justaposição de palavras ou frases que se equivalem sintática ou
semanticamente. Em geral são dois os membros do paralelismo, mas pode
haver mais. Há três tipos de paralelismo: sinonímico (quando as frases
expressam algo equivalente: Jz 5,28; Lc 1,46-47), antitético (quando as
frases expressam idéias antagônicas: Pr 10,1; lCor 1,22) ou sintético (quando
entre as idéias expressas há uma relação de causa-efeito ou quando a
segunda frase dá maior precisão à primeira: SI 1,6; 19,8-9; l Cor 1,27-28).

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ' - - - - - - - - 35


Quiasmo: Estrutura fraseológica cruzada, do tipo a-b-b'-a': Is 55,8-9; Mt 6,24.

3. Figuras de construção ou de sintaxe


Aliteração: Repetição da mesma letra ou sílaba, normalmente no início de
duas ou mais palavras sucessivas: Jz 5,3-4.12.23; lTs 1,2; Hb 1,1.
Acróstico: A rigor, trata-se de uma poesia em que as primeiras letras (às vezes,
também as letras do meio ou as do fim) de cada verso formam um vocá-
bulo ou uma frase. O único acróstico usado na Bíblia é aquele em que cada
verso ou grupo de versos começa com uma das letras do alfabeto hebraico,
em ordem sucessiva: SI 37 (cada verso), 119 (cada grupo de versos).
Anacoluto: Ruptura da ordem lógica da frase ou na estrutura sintática para se
introduzir uma palavra, expressão ou idéia sem nexo sintático na frase: Me
2,10; Rm 5,12.13-17.18.
Elipse: Omissão de um termo da oração facilmente identificável, quer por
elementos gramaticais na própria oração, quer pelo contexto: Dt, 4,12; Ecl
7,1; Mt 25,2.9.11; Lc 11,33.
Epíteto: Qualificação de alguém ou de algo por meio de uma característica
que já lhe é inerente: Gn 21,16; 2Rs 9,31.34; Lc 13,32.
Hipérbato: Inversão da estrutura frasal, isto é, da ordem direta dos termos da
oração. A finalidade do hipérbato é sempre enfática: Jr 14,1 (no hebraico:
"Que veio a palavra de YHWH a Jeremias"); Jo 1,1 (no grego: "e Deus era
o verbo").

36 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA


Pleonasmo: Repetição de uma palavra ou de uma noção já implicada no texto:
1s 51,22; Nm 19,2; Jo 1,3.
Assíndeto: Ausência de conjunções entre palavras ou frases em um parágrafo:
Ex 15,9-10; lRs 19,20; Ef 4,5-6; lTm 3,16.
Polissíndeto: O contrário do assíndeto, isto é, repetição de conjunções: SI
83,10.12; 1s 11,2; Lc 14,21; Ap 16,18.
Poliptoto: Repetição do mesmo termo com variações (as diferentes conjuga-
ções de um verbo, ou os vários casos e formas de um substantivo, pronome
ou adjetivo), variando até mesmo a classe gramatical (substantivo, adjetivo,
verbo etc.): Am 4,7-8; Mt 13,17; lCor 2,13.
Anáfora: Repetição de uma palavra ou frase no início de vários versos: Ecl
3,1-8; Jr 51,20-23; 2Cor 11,26.

4. Figuras de palavras ou estilo


Comparação: Semelhança estabelecida com o uso da palavra "como" dentro
de uma frase. Se a comparação é desenvolvida em uma descrição ou uma
história, ela se toma uma parábola': Ct 4,1-4; Mt 23,37.
Metáfora: Semelhança estabelecida sem o uso da partícula "como": SI 57,5;
Ct 4,12; Jo 14,6.
Antonomásia: Substituição do nome de uma pessoa ou de uma coisa por uma
característica pela qual se tomou famosa: lRs 4,7; At 3,14.
Metonímia: Substituição de um nome por outro, em virtude de haver entre
eles alguma relação do tipo qualitativo: o objeto pela matéria, a obra pelo
autor, o recipiente pelo conteúdo, a parte pelo todo, o gênero pela espécie
etc.: Gn 6,12; SI 24,4; Mt 6,11; 25,21.23.

,-1. Cf. mais adiante. o quadro das pp. 57-58.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 37


5. Exercícios
Eis alguns versículos pinçados, para que se identifiquem quais as figuras
de linguagem utilizadas. Como já afirmado no início deste capítulo, muitas
vezes a tradução faz desaparecer as figuras presentes nas línguas bíblicas. Por
isso, após a versão original, encontra-se uma tradução literal na qual se man-
têm os artifícios do grego ou do hebraico.

a) Dt 17,6:
C";S' C"Jtli "El-"S' Pela boca de duas testemunhas
t:i~~~ '~W~~ ;~ ou de três testemunhas,
n~i1 n~'" morrerá quem deve morrer;
:'m~
IT ': 'S' "El-"S'
I"~ \' - n6," '~"
- J
não morrerá pela boca de uma só testemunha.

b) Rt 3,8:
'ntli·, TS':l ":l~~'
- ;-~" ~-~ ~ .. Booz comeu e bebeu,
e seu coração ficou feliz.
i1!?'.~;:t ~~p::l ~,~~." ~S~; Então foi deitar-se junto a um monte de cevada.
~,~ ~~n' Ela veio de mansinho,
,"n·"J'Õ ~Jn~
IT .: - ,- : -
descobriu os pés dele
:~~tlin'
IT : • -
e se deitou.

c) lRs 10,8:
l"W~~ ~'.~~ Felizes teus homens,
i1~~ l",l~~ ~1~~ felizes estes teus servos,
'"6Çl '1"'~~7 c~'/?llD que estão sempre diante de ti,
:llJ~~ITn~ C"P/?WtT que escutam a tua sabedoria.

d) SI 23,lb-2:
"li, rnrr YHWH é meu pastor,

:',9T;1~'~·? nada temerei!


"J~"::l'" ~tli., n;~J::l Em pastos verdejantes me faz repousar,
:")ç~J"'-n;nJ~ "~~~~
• I " -: - : J ".: I" -
às águas de tranqüilidade me guia.

e) SI 96,11-12:
C"~tLii1 m~iD" Alegrem-se os céus,
. ri.~';:t ''',m' e regozije-se a terra:

38 -----------------------~ LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


:iN'''~, 1:l";T 1:ll7,' trema o mar e a sua plenitude.
i::l-'~N'-"~' ,.;~ ~L,~'~ Exulte o campo e tudo o que há nele;
~'l7~'-~~l7~~~
-'T .. -: T
;5;,:
,:~
:-: IT
então, aplaudirão todas as árvores do bosque.

t) Mt 7,25:
KaL Ka,É~~ ~ ~pOx~ e caiu a chuva
KaL ~À80v ol TIOmj..LOL e vieram os rios
KaL ETIVEUaaV ol ãVEj..LOl e sopraram os ventos
KaL TIpoaÉTIEaaV 'U OLKL~ EKELVn, e precipitaram-se contra aquela casa
KaL OUK ETIEGEV, e ela não caiu,
'E8Ej..LEÀLW'0 yàp ETIL ,~v TIÉ,pav. com efeito, estava edificada sobre a rocha.

g) Mt 22,16:
KaL aTIoa,ÉUoUGlV atm;> rooc j..La8~,àç au,wv Então (os fariseus) enviaram a ele
[ seus discípulos
j..LECà ,WV 'Hp<.yolavwv ÀÉyovuç' com os dos herodianos, dizendo:
OlooaKaÀE, "Mestre,
O'LOaj..LEV on aÀ~8~ç EL sabemos que és verdadeiro
KaL ,~v óõov roü 8EDU EvaÀ~8EL~ OlOOaKElç e ensinas o caminho de Deus
[ segundo a verdade,
KaL ou j..LÉÀEl aOl TIEpL OUOEVÓÇ. e não te importas com ninguém;
ou yàp ~ÀÉTIE lÇ Ete; TIpÓaWTIOV av8púÍTIwV, com efeito, não olhas
[ a aparência das pessoas."

h) Mt 26,5
ÀEYov M' Mas diziam:
j..L~ EV ,~ EOP,U, "Não durante a festa,
'Lva j..L~ 8ópu~oç yÉv~,aL EV ,41 Àa41. para que não surja um tumulto entre o povo."

i) Lc 8,5:
Eçf]À8EV Ó aTIELpWV roü aTIEl.paL ,ov onópov au,ou. Saiu o semeador a semear
[ a sua semente.
KaL EV ,41 aTIELpElV au,ov E ao semeá-la,
ô j..LEV ETIEGEV TIapà ,~v óõov parte caiu ao longo do caminho
KaL Ka'ETIa,~8~, e foi pisada
KaL ,à TIE,ElVà ,ou oupavou Ka,É$aYEv au,ó. e as aves do céu a comeram.

j) Jo 21,25:
"Eoru- OE KaL ãUa TIouà Há ainda muitas outras coisas
& ETIOL~aEV ó 'Inooíx, que Jesus fez;
anva Eàv ypá$~ml Ka8' EV, se fossem escritas uma por uma,
oúô' au'tov oLj..Lal rõv KÓaj..LOV xwpf]aal creio que mundo inteiro não poderia conter
,à ypa$Ój..LEVa ~l~ÀLa. os livros escritos.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


39
k) lCor 1,25
on rà j.Lwpàv toú SEDU Porque a insensatez de Deus
ooljJúÍrEpov rwv &vSpúÍ'lTWV EOrl.V é mais sábia do que os homens;
Kal. rà &08EVEÇ roü SEDU e a fraqueza de Deus
toxupórEpov rwv &vSpúÍ'lTwv. é 'mais forte do que os homens.

1) lCor 13,11:
orE ~j.Ll1V v~moç, Quando eu era criança,
EÀlXÃOUV wç v~moç, falava como criança,
EljJpóvouv wç v~moç, pensava como criança,
E}..OYLÇÓj.Ll1V wç v~moÇ" raciocinava como criança.
orE yÉyova &v~p, Quando me tomei homem
Kar~pYl1Ka rex roü Vl1'lTLOU. abandonei as de criança.

40 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


Capítulo A
GÊNEROS LITERÁRIOS

1. Preliminares
Desde o início do século XX, vários exegetas dedicam-se a comparar tex-
tos que, não obstante apresentem diferenças de conteúdo, têm formas seme-
lhantes. Como já afirmado anteriormente, a "forma" é a organização ou estru-
tura de um único texto lido sincronicamente'. Quando, porém, se faz uma
leitura diacrônica, isto é, quando se confrontam textos formalmente semelhan-
tes, é possível abstrair um esquema básico partilhado por eles. Esse esquema
comum é denominado "gênero literário".
Falar em "gênero literário" exige que se façam algumas observações pré-
vias. Em primeiro lugar, o termo "gênero literário" corre o risco de fazer
esquecer que boa parte do material bíblico surgiu como tradição oral, isto é,
antes de se tornarem textos, relatos e ensinamentos eram transmitidos de boca
em boca, não só como atividade lúdica e estética, mas também como forma de
se transmitir cultura, orientações éticas e conteúdos de fé. Por isso, embora o
estudo dos gêneros literários baseie-se no material escrito, não se pode apagar
o estágio anterior ao processo de transcrição.

1. Cf. capítulo 2, pp. 29-30. Esta cartilha evitará enredar-se em discussões terminológicas
que já duram mais de um século, sem terem ainda chegado a um amplo consenso.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 41


Segundo, embora boa parte dos "gêneros literários" tenha esquemas rela-
tivamente fixos, esta não é uma regra universal. Há textos que possuem um
estilo ou uma índole comum, mas não seguem o mesmo modelo. Com efeito,
também esta é uma herança do período da transmissão oral.

Terceiro, o gênero literário "puro" existe só na abstração. Toda vez que um


modelo é empregado, ele sofre influências do contexto e apresenta alterações,
seja em sua forma, seja na sua finalidade. Há também textos híbridos, isto é,
uma mesma perícope pode ser formada pela justaposição de dois gêneros
literários distintos.
Quarto, cumpre observar que os mesmos gêneros literários são utilizados
tanto no Antigo como no Novo Testamento. Mais ainda, esse intercâmbio
ocorre também entre as diversas tradições bíblicas (histórica, sapiencial, pro-
fética, apocalíptica etc.). Por uma questão didática, os manuais de metodologia
bíblica geralmente qualificam cada gênero literário como típico de uma deter-
minada tradição; mas o fato de ser "típico" não significa que seja "exclusivo".
Por fim, cabe dizer que o elenco dos gêneros literários é grande e ainda
não pode ser considerado concluso. De fato, há ainda textos não classificados
e, portanto, gêneros novos a serem definidos.

2. Como identificar um gênero literário


O primeiro passo já foi exposto no capítulo anterior: é necessário delinear
a organização do texto que se quer estudar. O segundo passo é fazer o mesmo
com outros textos suspeitos de partilharem elementos formais (estruturantes)
comuns. Por fim, tais textos devem ser comparados, a fim de se identificar um
"esqueleto" que possa ser considerado um esquema padrão, bem como as
diferenças próprias de cada um.

Para que haja um gênero literário, é necessário ao menos dois textos

6/
com caraeteristicas formais semelhantes. Todavia, cada vez que um autor > « <

usa um gênero literário, opera nele mudanças e adaptações. Coisa do


tipo: "o livro é meu, e eu faço dele o que eu quiser.,,",
', ~', ", '

'
.'
' ,,',.~ '. '
,;" ",' ,
,"

42 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


Vários gêneros literários presentes na Bíblia são encontrados também na
literatura judaica e cristã extrabíblica (apócrifos, comentários rabínicos) e até
em textos das culturas circundantes (Assíria, Babilônia, Ugarit, Grécia, Roma
etc). Por isso, um estudo aprofundado dos gêneros literários implica também
uma comparação com textos não pertencentes ao cânon bíblico.

3. Na prática, como fazer

Ex 2,15b-22 narra a chegada de Moisés na terra de Madiã e como ele


conheceu Séfora e se casou com ela:

Moisés fugiu da presença de Faraó,


bIl
o homem chega
A e foi morar na terra de Madiã,
1Yy ao poço
e sentou-se junto a um poço.
16.
O sacerdote de Madiã tinha sete filhas,
1600
as quais vieram tirar água a mulher chega
B bIl e encher os bebedouros ao poço
1Yy
para dar de beber às ovelhas de seu pai.
17. Mas vieram pastores,
C 1700 dificuldade
querendo expulsá-las.
bIl Moisés então se levantou
1Yy
D e as socorreu, ele tira a água

e deu de beber às ovelhas.
18. Quando elas voltaram a Reuel, seu pai,
1800 ele perguntou:
bIl "Por que voltastes tão cedo hoje?"
19aa Elas responderam:
ajl
E "Um egípcio livrou-nos das mãos dos pastores, ela volta para casa
1900 depois tirou água para nós
bIl e deu de beber às ovelhas".
20aa Replicou-lhes Reuel:
ajl
"E onde está ele?
2000 Por que deixastes partir este homem?
bIl Chamai-o ele é convidado
F 1Yy para que coma alguma coisa". para uma refeição

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 43


21m
Moisés aceitou
G afl
os dois se casam
ficar com aquele homem,
2100
que deu sua filha Séfora a Moisés.
2204 Ela deu à luz um filho,
H ap e Moisés o chamou de Gersom, nasce um filho
2200
pois dizia:
~ "Sou peregrino em terra estrangeira".

Quando se faz o estudo da organização de Gn 24, Gn 29 e Jo 4,1-42,


percebe-se que, não obstante as variações próprias de cada texto em particular,
todos eles seguem o mesmo esquema:

, . . :e-.... "_",



o homem chega ao poço primeiro
a mulher chega para tirar água
Gn 24
v. 11
v. 15-16
~
vv.2-4
v.9
v.6
Jo 4

v.7a
• os dois conversam vv. 17-18 vv. 8.11-12a vv.7b.9-12
• ele tira a água do poço vv. 19-21 v. 10 vv. 13-16
e oferece a ela e aos rebanhos
• ela volta para casa e conta sobre o encontro v.28 v. 12b vv. 28-29
• ele é convidado para ir à casa dela vV.31-33 vv. 13-14 v. 40
• os dois se casam v.67 vv. 15-21.28 vv. 41-42

Esse tipo de relato é chamado "encontro junto ao poço". Ele narra um


episódio ambientado em um dos poucos lugares em que, no antigo Israel,
homens e mulheres que não eram parentes podiam conversar livremente. A
busca da água no poço era uma excelente ocasião para a paquera: as mulheres
demonstravam sua capacidade de cuidar do rebanho e da casa, e os homens
mostravam sua força para o trabalho. A finalidade desse relato é explicar como
o casal de ancestrais se conheceu, além de engrandecer as referidas qualidades
de cada um deles.

44 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


As diferenças na aplicação do esquema básico estão em função do que é
específico de cada texto.
Em Gn 24, em lugar de o homem tirar a água, é a mulher quem o faz.
Talvez isso aconteça porque o homem que chega ao poço é somente o repre-
sentante do futuro noivo.
Em Gn 29, antes de Raquel chegar, já estão lá os pastores e é com eles que
Jacó conversa em primeiro lugar. Só depois chega Raquel. Essa demora na
chegada de Raquel antecipa a grande variação neste caso concreto, isto é, a
inversão do casamento: na noite de núpcias, Labão engana Jacó e o obriga a
se casar com Léa antes de se casar com Raquel.
O episódio narrado em Jo 4 é fortemente simbólico: a mulher é a figura
da Samaria, antiga capital do reino do norte; os cinco maridos não são seres
humanos do sexo masculino, mas, sim, cinco divindades cultuadas pelos povos
que foram transplantados para a Samaria durante a dominação assíria (cf. 2Rs
17,29-31). Em outras palavras, Jo 4 usa o gênero do encontro junto ao poço
para descrever a acolhida do evangelho pelos samaritanos, isto é, como a
Samaria "se casou" com Jesus.

4. Gêneros literários
Convém repetir algo há pouco afirmado: os manuais de metodologia bíbli-
ca, por uma questão didática e funcional, falam de "gêneros literários do
Antigo Testamento" e "gêneros literários do Novo Testamento", além de sub-
dividi-los segundo tradições (histórica, apocalíptica, sapiencial etc.). Todavia,
vários gêneros literários estão presentes em ambos os testamentos e não se
restringem aos livros de uma única tradição.

A apresentação a seguir abandonará essa forma clássica e usará uma divi-


são bem flexível: relatos, leis, discursos, ensinamentos, cânticos e poesia. Cum-
pre, ainda, lembrar que o elenco a seguir não será exaustivo, mas trará apenas
alguns exemplos que possam servir como uma primeira "caixa de ferramentas"

LEIA A BfBLlA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 45


para ler a Bíblia como literatura. Além dos gêneros literários considerados
"indispensáveis" em uma exposição sobre o assunto, foram incluídos também
alguns menos conhecidos, mas que não por isso são menos importantes. Ao
contrário, há vários anos têm merecido especial atenção dos estudiosos, por
abrirem novas perspectivas na interpretação bíblica.

4.1. Relatos
4.1.1. Novela

Narrativa relativamente longa, formada por uma série de eventos conca-


tenados, ligados à vida pessoal, aos sentimentos e às ações de um persona-
gem, cuja história tem importância para a nação. A trama se desenvolve em
três tempos:
a situação de conflito ou de tensão
b o conflito se complica cada vez mais e os personagens buscam a solução
c resolução do conflito e esvaecimento das complicações
São novelas bíblicas as histórias de Rute, de José e de Tobias.

4.1.2. Saga
A Bíblia não contém narativas mitológicas, porque a fé israelita expurgou
os elementos fundamentais para tais relatos: o politeísmo e a magia. No entan-
to, conservou a índole de narrar miticamente as façanhas de um herói ou os
fatos extraordinários ligados a um lugar. Esse tipo de história é chamado de
"saga" (do alemão sagen: falar, narrar): as gestas de um ancestral (mocinho ou
bandido) explica, desde o passado, acontecimentos e comportamentos do pre-
sente. Por isso, as sagas normalmente têm uma finalidade etiológica, isto é,
explicar a origem de nomes, de lugares e de costumes. Não há um esquema
fixo, e sim um estilo geral.
Exemplos: a destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 19,1-29), para explicar
a esterilidade do Mar Morto e a formação geológica (salitre) da região ao seu
redor; a prova da fé de Abraão (Gn 22), para explicar por que Israel não pratica
sacrifícios humanos.
Por outro lado, é necessário não confundir narrativas totalmente etiológicas
com narrativas às quais foram acrescentadas frases etiológicas. Tal é o caso do
final de Ex 2,10, adicionado ao relato da infância de Moisés (Ex 2,1-10): a fi-
lha do Faraó conhece filologia hebraica!

46 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO LITERATURA


4.1.3. Lenda profética
Os primeiros profetas eram também chamados "homens de Deus". Mais do
que pregadores, eram taumaturgos, isto é, operadores de milagres. As lendas
proféticas são geralmente breves e têm a finalidade de provocar temor, respeito
e admiração. Nessas lendas, não entra em questão se as pessoas agraciadas com
o milagre merecem ou não recebê-lo, se têm ou não um comportamento exem-
plar. A viúva de um dos filhos dos profetas é a única da qual se diz que "temia
a Deus" (2Rs 4,1). Nos demais casos, o único mérito dos miraculados não é
outro senão o fato de estarem próximos ao homem de Deus e apelarem a ele.
Nas lendas proféticas, a palavra do homem de Deus é eficaz e capaz de
fazer acontecer o que significam. O esquema básico é:
a situação de crise
b súplica pela intervenção do profeta
c dúvida sobre a possibilidade de uma solução
d instrumentos para o milagre
e palavras durante a realização do milagre
f efeito produzido
g reações dos presentes e/ou conseqüências
O ciclo de Eliseu contém várias lendas, quase todas breves: 2Rs 2,19-22;
4,1-7.38-41.42-44. Mas algumas são alongadas: 4,8-37; 5,1-27; 6,8-23.

4.1.4. Relato de milagre


No Novo Testamento, a lenda profética cedeu lugar ao relato de milagre, um
gênero literário proveniente do mundo helenístico e que sem problemas foi
adotado pelas tradições judaica e cristã. Nos evangelhos, os milagres provam a
autoridade de Jesus como Messias e, mais ainda, manifestam a sua divindade.
No livro de Atos, os milagres atestam que Jesus age por meio de seus discípulos.
O esquema do relato de milagre é muito semelhante ao da lenda profética:
a introdução (descrição do ambiente e do encontro)
b o problema e os esforços para superá-lo
c a súplica do pedinte
d a intervenção de Jesus
e o efeito produzido
f a reação do povo e do miraculado
Os milagres operados por Jesus podem ser divididos em quatro grupos:
curas (Mc 1,29-31; 3,1-6); exorcismos (Mc 1,23-27; 5,1-20); ressuscitações

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 47


(Me 5,21-24; 5,35-43) e milagres sobre a natureza (Me 4,37-41; Lc 5,1-11;
Jo 2,1-11).
Também a tradição rabínica adotou este gênero literário e vários são os
relatos nas duas versões do Talmud (o da Babilônia e o de Jerusalém).
Analogamente, milagres foram creditados a quase todos os fundadores de
religião, tais como Buda, Zoroastro e Maomé. Embora eles mesmos tenham se
recusado a operar milagres, seus fiéis discípulos atribuíram-lhes os feitos mais
espantosos.

4.1.5. Relato de vocação


Se os relatos de milagres visam provocar o respeito pelo taumaturgo, os
relatos de vocação descrevem o comportamento exemplar de um personagem
que foi chamado a um compromisso mais profundo. O leitor é convidado a
repetir as respostas afirmativas assim descritas:
a quem chama passa
b quem chama vê
c o nome do futuro vocacionado
d relações de parentesco
e o vocacionado está trabalhando
f palavra imperativa ou gesto simbólico
[g objeção do vocacionado]
[h resposta de quem chama]
despojamento
j seguimento
Os relatos das vocações de Eliseu (lRs 19,19-21), Simão e André (Me
1,16-18), e Tiago e João (Me 1,19-20) seguem rigorosamente esse esquema.

2. Cf. A. WEISER, Milagre, p. 182.

48 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


4.1.6. Relato de "não-vocação"

Há, todavia, relatos que descrevem a atitude a ser evitada, isto é, desistir
do discipulado. O esquema deste tipo de narrativa é muito diferente daquele
em que o vocacionado se engaja no seguimento:
a falta o nome do não-vocacionado
b falta o imperativo / gesto vocacional (a pessoa se oferece)
[c Jesus apresenta as condições para o seguimento]
[d o não-vocacionado insiste]
e Jesus exige um ato radical
f o não-vocacionado desiste
Mt 8,18-22 narra dois casos; Lc 9,57-62 acrescenta ainda um terceiro.
Também nessa perspectiva deve ser lido o episódio de Me 10,17-22.

4.1.7. Parábola jurídica

Um profeta se dirige ao rei ou a alguma autoridade e, por meio de uma


parábola, descreve uma situação de conflito e lhe pede um juízo. Mas, após dar
seu veredicto, o personagem interpelado recebe a notícia de que o acusado é
ele mesmo. A parábola em si mesma - isto é, a apresentação do conflito -
não segue um esquema fixo; mas o episódio em que ela se insere, sim:
a pré-história
b o profeta vai ao encontro da pessoa questionada
c parábola (acusação velada)
d o profeta pede o veredicto
e a pessoa questionada emite o veredicto
f revelação: quem é a pessoa da qual se fala
g acusação explícita
h reações da pessoa questionada
Tiveram de ouvir uma parábola jurídica: Davi (2Sm 12,1-15), os habitantes
de Jerusalém (Is 5,1-7), Simão, o fariseu (Lc 7,36-50) e o grupo dos fariseus
(Mt 21,33-46 [mas não em Mc 12,1-12, nem em Lc 20,9-19]).

4.1.8. Relato sobre o herói-menino exposto à morte


Trata-se de uma narrativa de infância típica do curriculum vitae dos gran-
des reis ou líderes. O protagonista ainda é uma criança e já deve superar sua
primeira prova: a morte. A sobrevivência do herói-menino é garantida por

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 49


parentes e amigos, que funcionam como instrumentos da proteção divina. A
vitória sobre a morte garante que a missão daquela criança será levada a bom
termo. A história é assim composta:
a o monarca em exercício se vê ameaçado
b o monarca mata ou manda matar os filhos
c o herói é escondido
d o herói recebe ajuda de "parentes" e amigos
e alguém da realeza "adota" o herói
f confronto entre herói e o monarca
São três os relatos bíblicos: a infância de Moisés (Ex 2,1-10), a de Joás
(2Rs 11,1-20) e a de Jesus (Mt 2,1-11).

4.1.9. Relato de ascensão


A diferença entre ascensão e assunção é semântica e foi assumida defini-
tivamente pela teologia: Jesus ascendeu, isto é, subiu por suas próprias forças;
Maria e outros personagens foram assuntos, isto é, assumidos para entrar no
céu. Todavia, os relatos bíblicos não fazem tal distinção. Por isso, fala-se
tranqüilamente da "ascensão" de Elias.
Neste tipo de narrativa, o herói desaparece de forma fantástica: vivo, ele
deixa de pertencer a este mundo e passa a fazer parte do mundo divino. O
esquema básico de um relato de ascensão é dado pela narrativa patriarcal
acerca de Henoc (Gn 5,24):

3. Cf. W.W. HALLO, Context I, p. 461.

50 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


a "Henoc caminhou com Deus;
b e desapareceu
c porque Deus o levou."
Outros personagens que ascenderam (ou foram assuntos): o já citado Elias,
em um relato bastante alongado (2Rs 2,1-18), e Jesus (Lc 24,50-53; At 1,9-11).
Acrescente-se ainda o curioso enterro de Moisés (Dt 34,5-6). De fato, a tradi-
ção judaica afirma que Moisés também foi arrebatado aos céus (cf. a Assunção
de Moisés, livro apócrifo do Antigo Testamento).
Em todos esses casos, o primeiro elemento - "caminhou com Deus", isto
é, seguiu os caminhos de Deus - pertence à história do personagem, anterior-
mente narrada. A elevação ou o arrebatamento de um personagem é a confir-
mação de que a comunhão com Deus, vivida pelo personagem durante sua
vida terrena, continua em algum lugar, mesmo depois de aquela pessoa ter
deixado este mundo.
Por outro lado, o desaparecimento fantástico do personagem faz crescer a
espera de sua volta, e tal espera se prolonga indefinidamente no tempo, ultra-
passando séculos: até hoje, os judeus esperam a volta de Elias, que traz con-
sigo o Messias, o descendente (a re-encarnação") do rei Davi; no caso dos
cristãos, eles esperam a volta de Jesus na parusia.

4.1.1 O. Relato de visão


Normalmente durante o sono (mas não necessariamente), o protagonista
recebe uma revelação repleta de elementos simbólicos: coisas, seres animados,
cores, acontecimentos etc. Tais "visões" seguem um padrão:
a as circunstâncias ou a ocasião da revelação
b a participação de um acompanhante (anjo ou guia)
c a descrição do sonho ou da visão
d a reação de quem recebeu a revelação
e o diálogo com o acompanhante
f o acompanhante explica o significado da visão
g a conclusão do episódio

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 51


A primeira parte do livro de Zacarias (capítulos 1-6) é composta de oito
visões (exceto a quarta, que é bem dilatada, todas são breves). Quem usou e
abusou deste tipo de relato foi a apocalíptica, como se vê no livro de Daniel:
os capítulos 7-12 apresentam quatro longos relatos.

4.1.11. Relato de viagem a outros mundos


Diferentemente da visão em sonho, na qual o vidente simplesmente vis-
lumbra acontecimentos futuros, a viagem a outros mundos (normalmente o
céu) é uma ascensão temporária: o profeta é levado para contemplar a história
futura e depois volta para dar a conhecer aos "sábios" o que viu e ouviu. Não
há verdadeiros relatos desse tipo no Antigo Testamento, mas Jr 23,18 supõe
esse tipo de episódio. Por outro lado, Ap 4-21 é quase que totalmente a
descrição das visões que João teve quando foi levado a outro mundo.
O esquema é basicamente o mesmo das visões em sonhos, com a diferença
de que o vidente não permanece onde está, mas é levado pelo Espírito (Ap
1,10; 4,2); por elementos cósmicos (lHenoc 14,8)4 ou pelo carro de YHWH
(Testamento de Abraão 10-14)5.

4.1.12. Relato sobre o julgamento do rei


Uma mulher se dirige ao rei e lhe apresenta uma situação complexa: ela
e outra mulher brigam por um filho. O rei é chamado a dar um veredicto que
provará sua sabedoria ou sua inépcia. Assim se desenrola o episódio:
a uma mulher pede ajuda ao rei
b as circunstâncias em que o filho de uma delas morre
c a descrição das ações de cada uma delas
d a reação e o veredicto (ou não-veredicto) do rei

Graças à sua sentença, Salomão (lRs 3,16-28) foi reconhecido como rei
sábio. Diferentemente, Jorão não sabe o que responder à mulher e atribui a
culpa a Eliseu (2Rs 6,26-3l)!

4. H.F.D. SPARKS, Apócrifos I, p. 176; C,J.A RODRIGUES, Apócrifos, p. 265 (com uma
diferente divisão dos versículos: 14,6).
5. H.F.D. SPARKS, Apócrifos I, pp. 314-319; C.J.A RODRIGUES, Apócrifos, pp. 177-184
(com uma diferente numeração dos capítulos: 12-22).

52 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO LITERATURA


4.1.13. Relato sobre a mulher que derrota o inimigo

Para zombar da prepotência de chefes militares que se julgam invencíveis,


os autores bíblicos dão a eles uma morte mais que tragicômica:
a um guerreiro invencível sai para a guerra
b uma série de vitórias
c as circunstâncias da última batalha
d uma mulher sagaz faz algo ridículo e atinge o guerreiro na cabeça
Jael oferece leite para um Sísara sedento e crava-lhe nas têmporas uma es-
taca de tenda (Jz 4,17-22); uma mulher (anônima!) de Tebes atira uma pedra
e afunda o crânio de Abimelec (Jz 9,50-55); Judite decapita Holofemes após
embebedá-lo (Jt 12,10-13,10).

,-
4.1.14. Relato de controvérsia

A controvérsia é um episódio no qual se enfrentam o protagonista e seus


adversários: estes apresentam perguntas ardilosas para desacreditar o protago-
nista perante seus discípulos e a multidão. Os autores do Novo Testamento
usaram o mesmo esquema das controvérsias rabínicas:
a a pergunta dos adversários
b a contrapergunta de Jesus
c a (não-)resposta dos adversários
d a contra-resposta (ou não-resposta) de Jesus
Foram objetos deste tipo de discussão: a autoridade de Jesus (Me 11,27-
33) e o tributo a César (Me 12,13-17). Em Me 2,1-12 a discussão sobre o
poder de Jesus para perdoar pecados (vv. 6-10) é intercalada a um relato de
milagre (vv. 1-5.11-12).
Em alguns casos, a controvérsia transformou-se em diálogo doutrinal: sobre
o puro e o impuro (Me 7,1-23), sobre o divórcio (Me 10,2-12).

LEIA A SrSlIACOMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 53


4.1.15. Relato da unção do rei por um profeta

O início de uma dinastia legítima é marcada pela unção operada por um


profeta, a mando de YHWH:
a um profeta vai ao encontro do futuro rei para ungi-lo
b o futuro rei não sabe que foi eleito
c a unção é feita em nome de YHWH
d a unção acontece em ambiente reservado
e o ungido é aclamado rei
f o profeta deixa o ungido
g conseqüências
Samuel ungiu Saul (lSm 9,1-10,16) e Davi (lSm 16,1-13); um dos discí-
pulos de Eliseu ungiu Jeú (2Rs 9,1-13).
Todavia, quando não há quebra de dinastia, isto é, quando o novo rei é de
algum modo herdeiro do trono, o máximo que acontece é a unção por meio de
um sacerdote em um ato público (lRs 1,38-40; 2Rs 11,12). Note-se ainda que
Aías, de Silo, nomeia Jeroboão rei, mas não o unge (lRs 11,29-38): com isso,
o deuteronomista nega que Jeroboão seja um rei legítimo.

4.1.16. Relato de ação simbólica

Para atrair a atenção de seus contemporâneos e tentar convencê-los, alguns


profetas fizeram encenações públicas, normalmente bizarras. As ações em si
mesmas são variadas e não seguem um esquema fixo. Todavia, o relato no qual
se inserem, sim:
a ordem de YHWH: o profeta deve fazer algo incomum
b relato do cumprimento da ordem
c interpretação do gesto
Isaías deve caminhar descalço e nu (Is 20,1-5); Jeremias deve comprar um va-
so e quebrá-lo à vista dos anciãos do povo (Jr 19,1-2.10-11); Ezequiel deve tomar
um pedaço de cerâmica, desenhar nele Jerusalém e brincar de guerra (Ez 4,1-3).

e·- "

é.... . .
" • ,"0"
"-
~",,'~ ,
..
.,

54 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


4.2. Leis
4.2.1. Leis categóricas
Para regular a convivência dos nômades e das populações das pequenas
aldeias surgiram regras de conduta, sem conotação jurídica, cuja função era
incentivar determinado comportamento (''faze x") e desencorajar outros ("não
faças y"). As formulações no positivo são denominadas "preceitos", enquanto
as formulações no negativo são chamadas de "proibições". Ambos os tipos são
enunciados diretos (usam a segunda pessoa) e expressos de modo categórico
e incondicional (são universais e sua validade não depende das circunstâncias).
As leis categóricas estão normalmente agrupadas em séries, embora as
proibições sejam normalmente mais numerosas que os preceitos: Ex 20,1-17;
Lv 18; Lc 6,27-35.

4.2.2. Leis casuístas

Este tipo de leis tem características diferentes das categóricas: são leis
formuladas de maneira impessoal (usam a terceira pessoa) e são particulares
e condicionais (levam em conta as múltiplas situações da vida diária). A for-
mulação básica é "se x, então y". A prótase (a frase condicional, normalmente
iniciada com "se") descreve as circunstâncias da situação; a apódose (a frase
complementar, equivalente ao "então") determina a conseqüência legal: absol-
vição, reparação ou castigo.
A maioria das leis do Antigo Oriente pertencem a este grupo e foram
facilmente assimiladas por Israel: Ex 21,2-11.18-37; 22,1-17; Dt 22,23-27.

4.2.3. Maldições

A transgressão das regras de convivência não pode ficar impune. Um dos


modos de castigar o transgressor é amaldiçoá-lo. Não se diz explicitamente

6. Cf. E. BOUZON, Código, p. 25.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 55


qual desgraça recairá sobre o culpado. O fato de ser "maldito" já é por si só
um castigo pesado o suficiente para motivar o não-cumprimento de determi-
nada ação. Trata-se de uma palavra eficaz, que realiza o que significa. As
maldições têm um esquema nitidamente litúrgico:
a "Maldito" + descrição do delito com verbo no particípio ("quem faz x")
b aprovação da assembléia: "E todo o povo dirá: 'Amém!' "

Várias leis no Deuteronômio foram agrupadas por terem em comum este


esquema: Dt 27,16-25.

4.2.4. Sentenças de morte


Outra forma de punir transgressões às regras de convivência é a pena
capital. As sentenças de morte são assim formuladas:
a descrição do delito com verbo no particípio: "Quem faz x... "
b pena de morte: "... morrerá de morte violenta."

Pertence a este gênero literário Ex 21,12.15-17.

4.3. Discursos e ensinamentos

4.3.1. Oráculo de salvação


Diante de uma situação de crise ou de desgraça, o profeta anuncia a inter-
venção salvadora de YHWH, que abre uma nova perspectiva. A estrutura básica
é a seguinte:
a vocativo
b promessa de salvação (encorajamento)
c motivação, introduzida pela conjunção "porque"
d conseqüências

Há vários textos deste tipo na segunda parte de Isaías: 41,8-12; 44,1-5.

4.3.2. Requisitória profética - r/b


Trata-se de um oráculo em estilo de processo jurídico diante de um tribu-
nal. Este tipo de oráculo segue uma forma estável:
a preliminares do processo
b interrogatório

56 LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


c requisitória (benefícios concedidos por YHWH e infidelidade do povo)
d declaração oficial da culpa
e condenação (ameaça ou veredicto)
Há diversos textos com a forma completa (Dt 32,1-25; Is 1,2-3.10-20; Mq
6,1-8; SI 50) e outros incompletos (Is 42,18-25; 48,12-16a; Jr 6,16-21).

4.3.3. Comparação, parábola, alegoria e fábula


Nos evangelhos, Jesus conta vários tipos de histórias, embora os evangelis-
tas chamem-nas simplesmente de "parábolas". A rigor, todavia, é necessário
distinguir entre parábola, fábula, alegoria e comparação. Essas formas de dis-
curso aparecem já no Antigo Testamento:
comparação parábola alegoria fábula
• pode ser • é uma comparação • também é uma • pode ser uma
uma única desenvolvida em comparação ampliada frase ou uma
frase forma de história em história história
• cada imagem • seu sentido não • cada elemento • os personagens
mantém seu está em cada perde seu significado são animais ou
significado elemento, e sim original e torna-se plantas com um
próprio; o no todo simbólico; ou seja, significado
sentido está o sentido está em nitidamente
no todo cada elemento simbólico
• trata-se de um • narra-se um fato • o fato narrado não
fato comum, particular, não necessariamente é
que acontece rotineiro, mas verossímil
sempre, tomado verossímil
como exemplar
• muitas parábolas • não utiliza a fórmula
começam com uma de comparação
fórmula de ("como"), e sim a
comparação: cópula: Ué", "são",
"é como", fazendo com que
"é semelhante" seu significado se
torne quase metafísico
• quer persuadir, • quer convencer, • quer mais
isto é, atingir a isto é, atingir a atingir os
vontade, e levar a inteligência e sentimentos e sua
platéia a comparar a transmitir um finalidade é a
sua própria situação ensinamento instrução, a crítica
com o narrado ou a sátira

LEIA A BfBLIA COMO LITERATURA -----------------------~- 57


comparação parábola alegoria fábula
Pr 10,26; 26,1; 2Sm 12,1-4; Ecl 12,1-7; Jz 9,8-15;
Ecl 7,6; Lc 8,16; Lc 15,4-7 Mc 12,1-11; 2Rs 14,9
Mt 13,3-9 Mt 13,24-30.36-43

Lernbr'e-se: "I>arlíbola .....,....,. aleaoria é sem como".

4.3.4. Discursos de revelação

Várias vezes Jesus fala algo sobre sua missão ou sua identidade. No afir-
mativo, a formulação geralmente é:
a : auto-apresentação - "eu sou x"
b : promessa - "quem fizer y terá z"

A revelação no positivo é usada em Mc 12,49; Mt 10,35; Jo 6,35; 10,9.


Quando, porém, Jesus quer corrigir alguma idéia errônea, ele usa a formu-
lação no negativo:
a : concepção a ser corrigida - "eu não vim fazer x"
b : idéia correta - "mas fazer y"
Assim em Mc 12,17; Mt 5,17; 10,34.

4.3.5. Provérbio breve - mõsõl


Trata-se de um ensinamento formulado em duas ou três linhas (chamadas
membros), com diversas finalidades: formação, sátira, sarcasmo, crítica, amea-
ça etc. Os membros do mâsâl normalmente seguem um tipo de paralelismo:
sinonímico (Pr 1,8; 4,24; 19,6), antitético (Pr 10,12; 11,19) ou sintético (Pr
14,27; 16,31; SI 1,6).

4.3.6. Sentença-tôv
Chama-se assim o provérbio que utiliza a forma valorativa expressa com
o termo hebraico ::l;~ - tôv, [bom, melhor]: "melhor x do que y". Esse tipo
de afirmação encontra-se em Pr 16,8; 25,24; Eel 7,1.2.8; 9,18. Merece atenção
Me 9,43-48: sentenças-tôv acopladas a leis casuísticas.

58 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


4.3.1 Etopéia
o termo "etopéia" designa a descrição do caráter, das inclinações, dos
costumes e das paixões humanas. A finalidade é eminentemente didática, pois
apresenta um comportamento a ser imitado ou, contrariamente, evitado. Não
há um esquema formal fixo. Em geral a exposição é minuciosa: o preguiçoso
(Pr 6,6-11), a adúltera (Pr 7,6-27), o bêbado (Pr 23,29-35).

4.3.8. Paralelismo dos números


A grande variedade do conteúdo a ser transmitido aos discípulos exige que
os mestres organizem seus ensinamentos e os tornem memorizáveis. Um dos
recursos mnemônicos consiste em estabelecer um vínculo de semelhança entre
situações variadas e elencá-las em provérbios com o chamado "paralelismo
dos números", isto é, "x 11 x + I", Neste tipo de provérbio, o que o mestre
realmente quer transmitir encontra-se no último elemento descrito. Os demais
servem como ponto de comparação e podem eventualmente suceder-se de
modo progressivo.
O esquema deste tipo de provérbio é:
a introdução x I1 x + 1
b desenvolvimento x
c clímax x +1
O paralelismo dos números é usado para falar de coisas insaciáveis (Pr
30,15b-16), de coisas que fogem à compreensão do mestre (Pr 30,18-19), de
pessoas a quem o mestre considera felizes (Eclo 25,7-11).

4.3.9. Lista enciclopédica


Outro recurso mnemônico consiste em catalogar e enumerar todas as rea-
lidades e fenômenos: as raças, os países, os vegetais, os animais, as atividades
e os comportamentos humanos. As listas enciclopédicas não apenas garantem
a informação acerca de determinado assunto, mas também manifestam a sabe-
doria de Deus (Jó 28, Sb 7,17-20), exaltam a glória do Criador (Jó 36,27-
37,13; Eclo 43,1-26) e emitem um juízo de valor sobre certos comportamentos
(Eelo 41,17-42,8; Rm 1,18-32; Gl 5,19-23).

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , - - 59


"
IJ....
,r
.

"."'" ~
~-.'
.
• o-o
.
.:'

4.4. Cânticos e poesias


4.4.1. Cônticos de guerra

Entre os cânticos ligados à vida cotidiana, há vários que, no mundo antigo,


cumpriam a mesma função dos atuais gritos de guerra das torcidas de futebol.
O ensalmo era uma espécie de bruxaria, para invocar a força e as condições
para a vitória (2Rs 13,17; Js 10,12); o cântico de bênção e maldição era
acompanhado de qualquer tipo de barulho, para dar a impressão de que o
exército era maior e mais poderoso (Nm 22-24); o cântico de estímulo ao
combate visava empolgar a tropa (Jz 5,12); por fim, o cântico de vitória,
normalmente acompanhado de tambores e danças, era entoado pelas mulheres
quando os homens voltavam triunfantes (Ez 15,20-21; lSm 18,6-7).

4.4.2. Côntico de descrição da pessoa amada - wa!;f

Também são cânticos da vida cotidiana aqueles que enaltecem os atributos


físicos e outros atrativos da pessoa amada. Em geral, o homem descreve a
mulher, embora também ela possa fazer o mesmo. Não há um esquema rígido,
mas a descrição física é sempre gradativa, isto é, inicia-se na cabeça e vai
descendo, ou parte dos pés e vai subindo. Assim é a descrição da amada em
Ct 4,1-7 (de cima para baixo) e Ct 7,1-10 (de baixo para cima), e a do amado
em Ct 5,10-16 (de cima para baixo e de novo para cima).

4.4.3. Cônticos cultuais

Além dos cânticos da vida cotidiana, há os cânticos cultuais, ligados aos


mais diversos tipos de ritos e de festas litúrgicas. No Antigo Testamento, quase

7. Cf. w.w. HALLO, Context Il, p. 461.

60 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


todos os cânticos cultuais estão agrupados no livro dos Salmos, que serão
tratados no item a seguir.
Quanto ao Novo Testamento, fragmentos de vários hinos das primitivas
comunidades cristãs estão espalhados nas cartas e foram aí inseridos como
textos que ilustram e potenciam o evangelho e as reflexões dogmáticas e éti-
cas. Exceto Rm 11,33-36 (totalmente dedicado a Deus Pai), todos os hinos do
Novo Testamento são cristológicos (dedicados a Cristo): FI 2,6-11; CI1,15-20;
lTm 3,16; 1Pd 2,21-24.
Embora não haja um esquema fixo, os hinos possuem características lite-
rárias comuns: é descrito algum aspecto (ou vários) da atuação redentora de
Cristo; usa-se o pronome relativo de terceira pessoa do singular ("o qual"); as
palavras aparecem sem artigo; é comum o paralelismo antitético.

4.4.4. Salmos
A divisão e a classificação dos salmos em gêneros literários foi iniciada há
mais de um século, mas ainda provoca muita discussão. O assunto é fascinante
e ao mesmo tempo complexo. Uma apresentação minimamente detalhada es-
capa ao espaço permitido por esta cartilha de metodologia. Por isso, a apresen-
tação a seguir será extremamente sumária.
Cumpre, todavia, lembrar que o "gênero literário" é uma abstração resul-
tante do confronto de textos concretos; por outro lado, muitos salmos são
híbridos, isto é, são o amálgama de mais de um gênero literário. Por isso, em
muitos casos, é necessário classificar não o salmo inteiro, e sim alguns de seus
versículos. Poucos são os salmos que não sofreram contaminação de outro
gênero literário.
A maior parte dos gêneros literários dos Salmos pode ser reunida em
grupos maiores, aqui qualificados como "famílias". Em algumas delas, é pos-
sível encontrar um esquema básico. No elenco a seguir, cada gênero literário
será antecedido por uma letra ou sigla que servirá para ler a tabela geral de
classificação dos Salmos, na página 64.

Família dos hinos: Exaltam a grandeza e a majestade de YHWH e, por conse-


guinte, da cidade onde ele habita.
Esquema básico: a) convite ao louvor
b) motivação - "porque"
c) novo convite ao louvor

Gêneros literários pertencentes a esta família:

LEIA A BrBlIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


61
H - Hinos a YHWH Salvador: Sobre o pano de fundo da história de Israel,
YHWH é descrito como o libertador de seu povo.
HC - Hinos a YHWH Criador: YHWH é O artífice e senhor da natureza.
HR - Hinos a YHWH Rei: O reinado de YHWH é superior aos reinos humanos.
HS - Hinos de Sião: Como decorrência do senhorio de YHWH sobre o
mundo, a Cidade Santa é a capital da nação israelita e centro do
universo.

Família dos salmos de súplica: O salmista enfrenta uma grave dificuldade e


suplica a intervenção de YHWH.
Esquema básico: a) invocação a YHWH
b) desgraça e súplica
c) final feliz

Gêneros literários pertencentes a esta família:


Si - Súplicas individuais: O sujeito é a pessoa do salmista, que sofre perse-
guição, perigo, enfermidade e morte, ou que é acusado injustamente.
Se - Súplicas coletivas: O sujeito é o "nós" do povo de Israel, e o mal é
uma catástrofe que atinge toda a comunidade.

Família dos salmos de confiança e de ação de graças: São variações dos


salmos de súplica, com linguagem e tom bem mais positivos.
Esquema básico: a) convite ao louvor
b) descrição da libertação
c) sacrifício ou oração
Gêneros literários pertencentes a esta família:
Ci - Confiança individual: O salmista renova a esperança de superar todas
as dificuldades e, por isso, louva antecipadamente YHWH e oferece
sacrifícios de comunhão.
Cc - Confiança coletiva: O salmista é o porta-voz ou mesmo a personi-
ficação da comunidade que espera vencer todo tipo de mal.
AG - Ação de graças: A meio caminho entre a súplica e o louvor, este tipo
de salmo está vinculado à ação de graças após a efetiva superação
do perigo. Se o salmista fala em nome próprio, a ação de graças é
individual; caso ele expresse o sentimento de gratidão da comunida-
de, a ação de graças é coletiva.

Família dos salmos litúrgicos: Cânticos com uma clara função litúrgica ou
que derivam de algum momento do culto.

62 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


Gêneros literários pertencentes a esta família:
I - Salmos de ingresso: Cantados à porta do Templo, indicam as condi-
ções necessárias para participar do culto.
Rib - Salmos-requisitória: O salmista atua como profeta e advogado de
acusação em favor de YHWH e contra Israel. Se nos salmos de ingres-
so as acusações são hipotéticas, nos salmos-requisitória elas são
diretas.
P - Salmos de peregrinação: Cantos para serem entoados durante a ca-
minhada até Jerusalém. Sua finalidade é animar os peregrinos.

Família dos salmos didáticos: Salmos que transmitem ensinamentos e refle-


xões, muito semelhantes aos escritos sapienciais.
Gêneros literários pertencentes a esta família:
Sb - Salmos sapienciais: Salmos usados para transmitir ensinamentos de-
correntes da experiência cotidiana. Os temas são sociais, éticos e
existenciais, tratados à luz da Teologia da Retribuição.
Ht - Salmos históricos: Salmos em que o ensinamento a ser transmitido
deriva das experiências históricas de Israel.

Outros salmos, que não pertencem a uma família específica:


o: - Salmos alfabéticos: Salmos em que cada verso ou estrofe começa
com uma das letras do alfabeto hebraico.
Rg - Salmos régios: Salmos que falam do rei ou foram compostos para
ser entoados por ele. O rei, como ungido de YHWH, é aquele que tem
como missão fazer surgir a paz, a justiça e a liberdade. Por isso,
vários desses salmos são relidos messianicamente.
M - Salmos de maldição e vindita: Salmos com versículos nos quais o
salmista invoca o mal (destruição, derrota, vergonha) sobre seus
inimigos.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


63
Enfim, eis uma classificação dos Salmos segundo os gêneros literários:
1 : Sb 31 : Si 61 : Si! Rg 91 : Sb 121 : Ci
2: Rg 32: AG / Sb 62: Ci 92: AG 122 : HS / P
3 : Si / Ci 33: H 63 : Si 93: HR 123 : Se
4: Ci 34 : AG / IX. / Sb 64 : Si 94: Se 124:AG
5 : Si 35 : Si / M 65 : H / AG 95 : P/ Rib 125 : Ce
6 : Si 36 : Si 66: H / AG 96: HR 126 : Se / HS
7 : Si / M 37 : Sb / IX. 67: AG 97: HR / HC 127 : Sb
8: HC 38 : Si 68: AG 98: HR 128 : Sb
9 : AG / IX. IM 39 : Si 69 : Si 99: HR 129 : Ce / AG
10 : AG / IX. 40: AG / M 70: Si 100:H 130 : Si
11 : Si / Ci 41 : Si / AG 71 : Si 101 : Rg 131 : Si / Ci
12 : Se 42 : Si 72: Rg 102 : Si 132 : HS / Rg
13 : Si 43 : Si 73 : Sb 103:AG 133 : Sb
14 : Se 44: Se 74: Se 104 : HC 134: AG
15 : I 45: Rg 75 : Rib 105 : H / Ht 135 : H / Ht
16 : Ci 46 : HS / Cc 76: HS 106 : Se / Ht 136 : H / Ht
17 : Si 47: HR 77 : Se / HC 107:AG 137 : Se / M
18 : Rg / HC 48: HS 78 : Ht / Rib 108 : Se 138: AG
19 : HC / Sb 49: Sb 79: Se 109 : Si / M 139: HC
20: Rg 50 : Rib 80: Se 110: Rg 140 : Si / M
21 : Rg 51 : Si 81 : Rib 111 : H/ IX. / Ht 141 : Si
22 : Si 52: AG 82 : Se / Rib 112 : Sb / IX. 142 : Si
23 : Ci 53 : Se 83 : Se 113 : H 143 : Si
24:I/P 54 : Si 84 : HS / P 114 : Ht 144 : Rg / HC
25 : Si / IX. 55 : Si 85 : Se 115 : Ce 145 : H / IX.
26 : Si 56 : Si 86 : Si 116:AG 146: H
27 : Si / Ci 57 : Si / M 87: HS 117 : H 147 : H
28 : Si 58 : Se / M / Rib 88 : Si 118 : AG 148 : H / HC
29: H 59 : Si 89 : Rg / Se 119 : IX. / Sb 149: H
30: AG 60: Se 90: Se 120 : Si / M 150: H

5. Exercícios
Convém repetir: o longo elenco de gêneros literários apresentado neste
capítulo nem de longe é exaustivo. Não obstante, ele oferece um bom instru-
mental para ler a Bíblia como literatura e, o que é mais importante, criar o
hábito de interpretar os textos bíblicos à luz dos gêneros literários.
Eis alguns trechos que não foram citados nas páginas precedentes, mas que
pertencem aos gêneros literários nelas arrolados:

64 -------------------~LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


a) lRs 20,35-43;
b) 2Rs 6,1-7;
c) Pr 30,21-23;
d) Belo 33,25;
e) Jr 13,1-11;
f) Me 2,14;
g) Lc 7,11-17;
h) Jo 8,12;
i) Cl 3,5-9.11.12-17.

~-,
Me 11,27-33: relatode
a
b
a
a
cr
pergunta dos adversários
eontrapergunta de Jesus
v. 28
vv, 29-30
c a não-resposta dos adversários v. 33a
d a ou não-resposta de Jesus v. 33b

• Marcos introduz um momento de dilação ao informar ao


leitor quais os raciocínios dos líderes judaicos: vv. 31-32.

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 65


Capítulo 5
LEITURA SINÓPTICA DOS EVANGELHOS

1. Preliminares

Uma leitura comparativa dos evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas logo


revela que entre eles há semelhanças e também diferenças. Estes três evange-
lhos podem ser estudados "com um só olhar", e por isso são chamados "evan-
gelhos sinópticos", Quando transcritos em colunas paralelas, as semelhanças e
as diferenças são facilmente identificáveis. Os pontos em questão referem-se
ao material, à ordem em que esse material aparece e à formulação dos feitos
e dos ditos de Jesus. Um quadro remissivo, na página seguinte, pode ajudar a
compreender a problemática.

t."'~"
"" "~' ..
....
, ",
, ,''4;

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 67


Semelhanças Diferenças
Material: É quase o mesmo em Me, Há relatos e discursos que aparecem
Mt e Lc. O quarto evangelho só em dois, ou mesmo só em um
segue outra tradição dos evangelhos sinópticos.
Ordem do A seqüência dos feitos e dos Há igualmente inversões. P. ex.:
material: discursos de Jesus é quase Quando Jesus pregou em Nazaré:
idêntica. no início (Lc 4,16-30) ou no fim
(Me 6,1-6; Mt 13,53-58) do seu
ministério na Galiléia?
Formulação: Nos três sinópticos, os feitos Há também formulações diferentes
e os discursos de Jesus são e usam-se outras palavras. P. ex.:
escritos com praticamente as Quantas moedas o patrão confia a
mesmas palavras. seus servos: dez, cinco e uma
(Mt 25,14-30) ou uma para cada
um dos dez (Lc 19,11-27)?

No entanto, as semelhanças são mais fortes e mais importantes que as


diferenças e, por isso, não podem ser explicadas simplesmente como obras do
acaso, nem como decorrentes do fato de os três evangelistas terem contato com
as mesmas tradições ou com os mesmos acontecimentos.

2. Teoria das duas fontes


Várias teorias tentam explicar como surgiram os sinópticos. A mais antiga
é também a mais simples e, exatamente por isso, a menos insegura. Trata-se
da chamada "teoria das duas fontes".
Esta teoria teve sua primeira formulação no século XIX e, todavia, é a
ainda a mais aceita, pois as que surgiram posteriormente criaram mais proble-
mas ou foram excessivamente baseadas em suposições.
A teoria das duas fontes chama-se assim porque admite a existência de
duas fontes escritas:
• O evangelho de Marcos (já na sua redação definitiva) é a fonte da chamada
"tríplice tradição" (Me + Mt + Lc).
• A fonte da "dupla tradição" (Mt + Lc) é um documento escrito, conhecido por
Mt e Lc (com toda certeza não por Me), um documento do qual, infelizmente,
não sobreviveu nenhuma cópia. Este segundo escrito é, portanto, um docu-
mento hipotético, mas que pode ser reconstruído com base em Mt e Lc e em
alguns outros textos da Igreja Primitiva. Esta segunda fonte é chamada de
Quelle (palavra alemã que significa "fonte"). Por isso, ela é conhecida como
"fonte Q" ou "documento Q".

68 ~---~---~---~~--~~---~-- LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


A primeira formulação da teoria das duas fontes foi assim:
Mc Q

f><J
Mt Lc

Mas ficavam de fora os materiais próprios de Mt e de Lc. Por isso, o


esquema necessitou de alguns acréscimos:

No entanto, Me e Quelle não surgiram do nada. Antes, são transcrições de


uma parte da tradição oral, a mesma à qual pertencem os materiais próprios de
Mt e Lc. Além disso, é necessário lembrar que a tradição oral, em última
instância, tem suas raízes no próprio Jesus. Por isso, o processo de formação
dos evangelhos sinópticos é assim compreendido:
Jesus histórico

~
tradição oral

~
tradição escrita

Mc
/ \ Q

M
f><J
Mt Lc L

Cumpre, porém, observar que a teoria das duas fontes deve ser aplicada
com cautela. Não se pode utilizá-la de forma mecânica e esquecer que ela
também não consegue explicar tudo. Ou seja, embora amplamente aceita hoje
em dia, ela não deve ser considerada uma receita infalível, pois há muitas
questões que ainda não encontraram uma resposta satisfatória.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 69


3. Na prática, como estudar os evangelhos sinópticos
Para um competente estudo sinóptico dos evangelhos de Me, Mt e Lc é
necessário:
a) elencar as perícopes anteriores e as posteriores ao texto estudado. Isso pode
ser feito em uma tabela à parte, antes ou depois da: sinopse propriamente dita.
b) segmentar cada um dos textos que se quer estudar (cf. capítulo 2).
c) transcrever os textos em colunas paralelas, e deixar lado a lado os segmentos
que se equivalem.
d) evidenciar as semelhanças com cores ou, caso isso não for possível, com ou-
tros recursos (texto com realce, negrito, itálico etc.).

4. Um exemplo estudado

Nos sinópticos, a cura da sogra de Pedro é "encaixada" em momentos


diferentes da trama de cada evangelho:

Mateus Marcos Lucas

Perícopes anteriores:

5-7: Sermão da Montanha 1,2-8: Pregação de João 4,1-13: Jesus é tentado


(Galiléia) Batista no deserto no deserto (Judéia)
8,1-4: Jesus cura um 1,9-11: Batismo de Jesus 4,14-15: Jesus volta para
leproso 1,12-13: Jesus é tentado a Galiléia
8,5-13: Jesus cura o servo no deserto (Judéia) 4,16-30: Jesus em Nazaré
do centurião 1,14-15: Jesus começa a 4,31-37: Jesus na Sinagoga
anunciar o Evangelho de Cafamaum
na Galiléia
1,16-20: Vocação dos
primeiros discípulos
1,21-28: Jesus na
sinagoga de Cafamaum

70 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO LITERATURA


Mateus Marcos Lucas

Jesus cura a sogra de Pedro:


8, 14-15 1,29-31 4,38-39
Perícopes posteriores:

8,16-17: Diversas curas 1,32-34: Diversas curas 4,40-41: Diversas curas


ao anoitecer ao anoitecer, depois do ao pôr-do-sol
8,18: Ordem para pôr-do-sol 4,42-44: Jesus pretende
atravessar o lago 1,35-39: Jesus pretende pregar o Evangelho
8,19-22: Dois casos de pregar o Evangelho na na Judéia
não-vocação e exigências Galiléia 5,1-3: Pregação sobre
do seguimento 1,40-45: Cura de um o lago
8,23-27: A tempestade leproso 5,4-11: Pesca milagrosa
acalmada e primeiros discípulos
8,28-34: Cura dos 5,12-16: Cura de um
possessos de Gadara leproso

As três versões desse milagre de Jesus podem agora ser confrontadas. O


texto de Me ocupa a coluna central, pois assim é mais fácil de compará-lo ao
de Mt e ao de Lc e observar como cada um desses dois evangelistas modificou
o texto-base.
Após segmentar cada um dos textos, é necessário transcrevê-los em colu-
nas paralelas, tomando o cuidado de deixar emparelhados os segmentos que
mais se correspondem. Caso falte alguma informação em algum dos evange-
lhos, a linha permanece em branco.
Feita a transcrição, devem-se evidenciar - com cores ou com outros re-
cursos - as palavras ou frases que literalmente se repetem. O princípio é "um
por um", isto é, cada elemento de um evangelho é ligado a uma única ocor-
rência nos outros. Por exemplo, se uma palavra aparece só uma vez em Me,
mas duas vezes em Mt, é assinalada somente uma da versão mateana, somente
aquela que melhor equivale ao uso em Me. Uma possibilidade é:
comum aos três evangelhos realce ou vermelho
comum a Mt e Me Icontomol ou verde
comum a Me e Lc negrito e itálico ou azul
comum a Mt e Lc sublinhado ou amarelo

Se a palavra for a mesma (verbo, substantivo, adjetivo) mas tiver sofrido


mudanças (foi usado outro tempo ou modo, o singular virou plural, a mesma
qualidade foi atribuída a outra coisa ou pessoa), ela vai evidenciada. Mas não

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 71


se devem evidenciar termos sinônimos. Por exemplo, se em Me é usado o
verbo "gritou", em Mt aparece "gritando", mas em Lc é usado "exclamou",
Me e Mt são evidenciados, mas Lc não.

. r:...."•....
,
" . &; , " ,
. '., /,
"\

72 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO LITERATURA


r-n
5>
»
Mt 8,14-15 Me 1,29-31 Le 4,38-39
lJJ
iE
5>
8s:
o Ilêroou I~90v Elc; rl)v oLKLav E4uu~-
~
"<
c Kal. 'Avõpêou IlE'tà laKWf30u KaL lwáwou.
~ ____ .___ sr-.:..:j
3lt!J..-J. '--.
ErÕEV ~ 1TEv9Epàv au't"Ou l3e13Â.llllÉvrjV 1>_ \
I!..I ut 1TEVot:pa
p' -
~tf.JtrJ1/OÇ
,
Ka'tEKEL'to 1TEv9Epà t5€ roü Eíf.JtrJ1/OÇ
- -.-.-.-._._._._._._.
~------------------
.--.~

~v OUVE)(OIlÉVll UUpE't4) IlEyái..cy


KaL 1TupÉoooooav' 1TupÉoooooa,
....
"..... __ . __ ._0 _ . _ . _"-:.: ~....-.-::.::-:' '-'-0- .-......... ~

Kat EiJeUC; Â.ÉyOOOLV avTfjJ 1T€pi avrijç. Kai ~púÍ'tlloav am-al' nepl avdjç.
_.-.-.-.-.-.-.-.-
31Kai upooEÂ.8wv ~at Ê1TLO'tàc; Euávú> au't"iic;

,IiíYELpHJ! aúnjV

, l.A..... "l: ,
-
,
,
KaL a'l'11KEV aU'tllv o UUpE'tOC;, ., .,; aut~v Ó 1TtJpe'tÓç, KaL wpflKEV aút~v'
"'==""-::'-";:'-
.," -KaL wpf}l<:EV ...........
~----- ___ l1Tapa~a õE àvao'tíioa
~
\
KaL E - _-----------
_-- ~-__ I -
@ ÕL11KÓVEL aÚ't4). «u ÕLTlKÓVEL avro~. ÕL11KÓVEL avroEç.

'l
w
'.J
-I'>-

Mt 8,14-15 Me 1,29-31 Le 4,38-39

~ 1
29
E logo que saiu da sinagogti"' -.·~.·l.;~;a, t.~nd;-s~'er~~:~~';inagoga,
.-------------~
. -- -. -de ~Simão.
i foi para dentro da casa
14E indo Jesus para a casa de Pedro foi para a casa de Simão
~ ---
e de André, com Tiago e João.

viu a sogra dele acamada

e febril.
300ra, a sogra de Simão estava deitada
~.~.-.-._._._~_.-.~.
febril
-
Ora, a sogra de Simão

-
era atormentada por uma grande febre

eÍo; ~::a'ele'a ;;;P;Úo


--.~.-.-._.-._.-.
zz::~1ir~ga~ ~
-;. : ;:;peito dela.

31 - E
aproximando-se,
' ~ inclinando-se sobre ela,

,,
.... "" ......... "'...., ......

tocou ~ m.~l<!.e~.:..-- tendo-a toma~oy:J1ã mãO!;


15E
--------J, ,,' ---
e a febre a deixou, ,,
... --
m
~
}>
, ;

(O
~'
~
e [ela] Ise levantou! Imediatamente, então, tendo-se erguido,
n
o
$:
o
tr6 ;;;i;.::;-------- ------I ~ [ela] OS serviu. I[ela] os serviu.
~
~ ------------.~
~
c
e;;
5. Exercícios
Conforme se deduz da teoria das duas fontes, todas as perícopes de Marcos
podem ser estudadas sinopticamente. Como exercício, pode-se começar com a
cena do batismo de Jesus. Eis os textos em grego, seguidos de uma tradução
bastante literal:

• Mt 3,13-17:
13TótE 1TapaYLVEtaL Ó 'Inooüc à1TO tilç faÀLÀaLaç E1TL tOV 'lopó&.vT]v 1TpOÇ tOV
'lwlXvvT]v tOU !3a1TtLa6ilvaL tm' autou. 14ÓÕE 'lwlXvvT]ç ÕLEKWÀUEV autov ÀÉywv'
Eyei! XPELav EXW tmo ooü ~a1TtLa6ilvaL, KaL ou EPX1J 1TpÓÇ ue: 15à1TOKpL6ELÇ ÕE Ó
'Iqooüç EL1TEV 1TpOÇ autóv' &4>EÇ &pn, OÜtWç yàp 1TpÉ1TOV EOtLV ~\llv 1TÀT]pWOaL
1TlXoav õLKaLOOÚVT]v. róre à4>LT]OLV autóv. 16pa.1TtLa6EI.Ç õE Ó 'Irooüc EÕ6uç àvÉ~T]
à1TO tOU üõatoç KaL i.õou ~vE~x6T]oav [autti>] ol oópevo], KaL ELÕEV [to] 1TVEU-
Ila [roü] 6EOU Kata.!3al.VOv wOEL 1TEpLatEpàv [Ka\.] EPXÓIlEVOV E1T' autóv' 17KaL
i.õou 4>wv~ EK tWV oupavwv ÀÉyouoa' OÚtÓç Eonv Ó ui.óç \lOU Ó àya1TT]tÓç, EV
~ EÕÕÓKT]Oa.
13Então veio Jesus da Galiléia para o Jordão, junto a João, a fim de ser
batizado por ele. 14João o dissuadia dizendo: "Eu tenho necessidade de
ser batizado por ti, e tu vens a mim?" 15Mas, respondendo, Jesus diz a ele:
"Deixa por ora. Com efeito, convém que cumpramos toda a justiça." 16Je_
sus, então, após ter sido batizado, levantou-se imediatamente da água. E eis
que os céus se abriram para ele e ele viu o Espírito de Deus descendo como
pomba e vindo sobre ele. 17E eis uma voz de dentro dos céus dizendo: "Este
é o meu filho amado, no qual eu me comprazo."

• Mc 1,9-11:
9KaL EyÉVEtO EV EKELvaLç talç ~ÉpaLç ~À6Ev 'IT]OOUç à1TO NaCaph tilç faÀLÀaLaç
KaL E~a1TtL06T] Ei.Ç tOV 'lopõávT]v tmo 'lwlXvvou. 10 KaL EÕ6uç àvaPaLvwv EK tOU
i'futoç ELÕEV 0XLCO\lÉvouç roix oupavolx; KaL tO 1TVE4J.a. Wç 1TEPLatEpàv Kata!3al.-
vov Ei.Ç autóv' II KaL 4>wv~ EyÉVEto EK tWV oupavwv' ou EL Óui.óç \lOU Óàya1TT]tÓç,
EV 001. EUÕÓKT]Oa.
9E aconteceu naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da Galiléia e foi batizado
no Jordão por João. IOE imediatamente levantando-se da água, viu os céus
se rasgando e o Espírito como pomba descendo até ele. "E uma voz acon-
teceu de dentro dos céus: "Tu és o meu filho amado, em ti eu me comprazo".

• Lc 3,21-22:
21'EyÉvEto ÕE EV tti> ~a1TtLa6ilvaL a1TaVta tOV Àaov KaL 'lT]oOU ~a1TtLa6Évtoç
KaL 1TPOOEUXO\lÉvou àVE4lx6ilvaL tOV oupavov 22 Kal. Kata~ilvaL tO 1TvEUlla tO
ayLOv OW\llX.nKti> E'LÕEL wç1TEpLOtEpàv E1T' autóv, KaL 4>w~v EI; oupavou YEvÉ06aL'
ou EL ó ulóc uou Ó àya1TT]tÓç, EV 001. EUÕÓKT]Oa.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 75


210ra, aconteceu quando todo o povo era batizado e Jesus foi batizado e
estava orando, abriu-se o céu 22e desceu o Espírito Santo em forma corpó-
rea como pomba sobre ele, e aconteceu uma voz de dentro do céu: "Tu és
o meu filho amado, em ti eu me comprazo,"

Outros bons textos para praticar:


a) A cura de um leproso: Mt 8,1-4; Me 1,40-45; Lc 5,12-16.
b) As espigas arrancadas no sábado: Mt 12,1-8; Me 2,23-28; Lc 6,1-5.
c) O(s) cego(s) de Jericó: Mt 20,29-34; Mc 10,46-52; Lc 18,35-43.

76 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA


Capítulo 6
NOÇÕES DE POÉTICA HEBRAICA

1. Terminologia
Na Bíblia Hebraica, um versículo não equivale a um verso poético, pois
um único versículo pode conter vários versos. Por tal razão, a questão termi-
nológica é espinhosa e falta consenso entre os especialistas. Uma das possibi-
lidades é a seguinte: cada versículo é dividido em duas ou três partes, que
constituem os versos e que por sua vez são também subdivididos em hemis-
tíquios, também estes subdivididos em cólons. No texto hebraico, essa (sub)di-
visão é indicada por sinais que indicam pausas.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 77


cólon I
hemistíquio
cólon
verso
cólon
hemistíquio
cólon
versículo
cólon
hemistíquio
cólon
verso
cólon
hemistíquio
cólon

2. Paralelismo

A poesia hebraica bíblica também conhece a rima de palavras e de sons,


mas o artifício literário básico é o paralelismo, que pode ser definido como "a
rima das idéias". Quanto ao conteúdo, isto é, quanto aos conceitos, o parale-
lismo pode ser sinonímico, antitético ou sintético (cf. o capítulo 3, p. 35).
Quanto à forma, isto é, quanto ao uso das palavras, o paralelismo pode apre-
sentar várias configurações, baseadas nos signos e na sua ordem.
Para se compreender a configuração formal dos diversos tipos de parale-
lismo, pode-se usar como exemplo um objeto colocado diante de um espelho.
A imagem refletida aparece invertida e é simétrica ao objeto:

Se forem dois os objetos diante do espelho, acontecerá algo análogo:

Todavia, caso se mantenha o princípio, mas se ignore o espelho, obtém-se


outras combinações, conforme variam os objetos e a sua ordem.
Aplicado aos signos escritos (palavras ou frases), este mesmo princípio
produz vários tipos de paralelismo:

Paralelismo reto - Figura a-b-a'-b': signos equivalentes, mesma ordem:


&(EJ
ou
JRS~
Exemplo: SI 24,3:
i11i1"-'i1~ i1~11"-"~
AT : - r: -: - ,
3a Quem subirá ao monte de YHWH?
3b E quem ficará em pé no seu lugar santo?

78 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO LITERATURA


Paralelismo invertido ou quiasmo - Figura a-b-b'-a': signos equivalentes,
ordem invertida:

~C9
ou
fl)fÓ

Exemplo: SI 107,16:

,- ---------
-'? 9. Pois
n~hJ nin"., .,Z~ êlêqu~b~ portas de bronze
. ,, ~;;~~ ~n;1 ',n."~' 9b e trancas de ferro despedaçou.

Paralelismo do tipo escada - Figura a-a-a': repetição signos idênticos, com


o acréscimo de um equivalente:

~
~fÓ
Exemplo: Eel 1,2
n~ryp '9~ 'c..~~:, ~;;l:' 2. Mentira das mentiras, diz Qohelet.
:"~1'1 ":;'1'1 c'''~1'1
':1" ·f·····-: t,~1'1
····1·· .... " • •:
..•.. •.... \
2b Mentira das mentiras, tudo é mentira!

Paralelismo do tipo pivô - Signos equivalentes na mesma ordem, mas de


modo incompleto. Há duas figuras possíveis:

a-b-c-a'-b':
~C9m ou, inversamente, Jt5~
J6fl) a-b-a'-b'-c:
~C9m
Exemplos: Jr 51,31:
Ir~'~1 'rrnN"}i?"m 31. ao encontro do correio Icorrel
.,'?~ nN,"}i?~"~~Ql\ 31b êomens'~geirO ao encontro do mensageiro.

e Jr 5,25:
1'1~~n~i1 C,~'~;Ji~ 25. Vossas iniqüidades desviaram estas coisas
I:C?~I ::li~;:r ~?~T? C~'~'N;t~1 25b e vossos pecados afastaram o bem Ide vós.1

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 79


Paralelismo do tipo cascata - Figura a-b-b'-c: repetição progresso:... de signos:

Exemplo: Jz 5,23:
'<~ 2300 Pois
não vieram socorrer YHWH,
23bfJ socorrer YHWH i'co-m-o-s-g-ue-rr-e-ir-o-s.j

Monocólon a-b-a - Repetição do primeiro signo no fim do cólon:

Exemplo: SI 57,2:
'~~-1J I c'fi"~ '~~.1J 20a Piedade de mim, ó Deus, piedade de mim!

3. Artifícios poéticos
Os diversos tipos de paralelismo são combinados a outros artifícios, tais
como as figuras de linguagem (capítulo 3). No elenco a seguir, serão detalha-
dos somente os procedimentos poéticos "novos". Os que já constarem na lista
das figuras de linguagem serão apenas citados.

Alusão - Quando se faz referência a outro texto, algumas vezes até extra-
bíblicos: Is 9,3 alude a Jz 7,15-25:
3.
I ',~ Pois
;';~o
T:".
"irnN-r J
o jugo de sua carga
;6:l~ ;,~~ 'nN'
:. J" - .. :
e a canga de seus ombros,
o bastão de quem o oprimia
3b
tu quebraste como no dia de Madian.

Outros exemplos: Mq 7,3 alude a Jz 9; Sf 1,3 alude a Gn 1,26 e a histórias


da criação em geral.

Fórmula quebrada - Quando os componentes de um sintagma consagrado


são redistribuídos em duas linhas paralelas. Exemplo: Nm 24,4:

80 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO LITERATURA


4a
Oráculo daquele que ouve as palavras de EI
;,rn' "'1lll ;'Tn~ 'WN
':"::1": - - c o
- : - ": -:
4b
que vê a visão de Shadday,
:C',~'S) "7~' ",5:)) que cai e seus olhos se abrem.

Outros exemplos: Pr 1,11 (sangue inocente); SI 107,11 (Deus Altlíssimo).

Enjambment - Quando a frase não acaba com o cólon, mas "escorrega" para
o próximo. Exemplo: SI 11,6:
c'r~ C'~~T".1' '~.7?~ 6 Faça chover sobre os malvados armadilhas,
n'''!J;l~1, lll~ fogo e enxofre
:c9í:;, rH7? níÊl,v,?~ 1'1':'11 e vento ardente (seja[m]) a porção do cálice deles.

Outros exemplos: SI 33,13.14; 116,12.15.

Identificação tardia - Quando o sujeito aparece após a ação (às vezes, dois
ou três cólons abaixo). Exemplo: Is 13,5:
13a Estão vindo de um país distante,
P,I:tlT? rltt~ c:~~
C'~~iJ :1,~p~ da extremidade dos céus,
í611T ,.,~, ';";" 13b YHWH e os instrumentos de sua cólera,
: - J": T:

:n.~;:r-"f ",::lO'? para destruir toda a terra.

LEIA A BíBLIA COMO lITERATlIRA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 81


Outros exemplos: SI 34,18-19 (aqueles que gritam); Is 30,6-7 (as feras do
Negueb); Ir 5,30-31 (a coisa terrível e abominável).

Hendíadis - Quando dois substantivos (ou verbos) exprimem um único con-


ceito. Exemplo: SI 116,1:
rnn
AT :
lJ~tJj,-,~
,-:. I'
'M:J;'N
.: - T \
3a
Amo porque YHWH escutou
:',~~JOr) '7ip'-n~ b
a voz de minha súplica.

Outros exemplos: Ex 15,2; Jó 12,4; SI 42,3.5.

Variante de lastro - Quando um elemento do primeiro cólon falta no segun-


do, e outro elemento é acrescentado ou alongado para manter o equilíbrio.
Exemplo: SI 146,10:
C'?ilJ? I ;,j;,~ ,~~: lOa Reinará YHWH para sempre,
'í~ 'l? 11i'~J T~t,N tOb
teu Deus, ISião,1 de geração em geração.

~ ~

Outros exemplos: Nm 21,18; Jz 5,28 (2x); Am 1,2a; Jl 1,2a.

Enfim, alguns poucos exemplos das várias figuras de linguagem já estuda-


das no capítulo 3:
Repetição - Jz 5,12; Eel 3,2-8; 3,16b; ls 28,10;
Inclusão - SI 77,14; 103,l-2.22b; 118,1.29; 150; Jr 5,21; 1Sm 2,1.10.
Refrão - Ct 2,7 (= 3,5; 5,8); Is 9,11 (= 16.20; 10,4); Am 4,6b (repetido mais
quatro vezes até o v. 11).
Elipse - Nm 23,19a; ls 38,18; Ir 22,10; Mq 7,lb; Os 5,8.

82 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO LITERATURA


Ironia - verbal: Am 4,1-3 (pronomes femininos aplicados a sujeitos mascu-
linos); 4,4-5; dramática: Am 4,6b; Jz 5,30; Eel 10,3.
Oximoro - Pr 28,19b; Jr 22,19; Os 12,12.
Metonímia - SI 36,12 (a parte pelo todo); Pr 22,12 (abstrato por concreto).
Hipérbole - SI 5,10; 69,5; Os 12,12;
Merismo - Jó 29,8; SI 50,13; 95,5; 146,6-9.
Questão retórica - Jó 6,5-6 (série de quatro); Am 3,3-6 (série de sete); Is
66,7-9 (série de oito); Jó 40,24-31 (série de dezesseis).

4. Exercício

A título de exercício, propõe-se o Salmo 67. Eis o texto hebraico seguido


de uma tradução bem literal:
:1'1Zi 1;om nJ'JJ:l n~Jot, 1
I' I: . . : . '" - : -

:;,t,o 'Jn~ "J::J 1~' 'J~1:J" mn' c';i"t,~


T 1',0 JT' \T T I"(T "'.: T I' r' - : . .::
2

:'1~.3?'IZi~ c;;i-t,~~ '1f..l'1 r1~~ n~n7 3

:C,7f c',~p '1';;.,' c';':'it,~ c',Ipp '1'71;' 4

~~lZin-':l c'~~b ,SJ1" 'no~'


J :. I' r-Ó», : : - I' I : : I'
5

:;'7,9 Cmtl rl~~ c'~~7' 1;!l1'O c',~p


:c~f c'pp '1';;.,' c,;":6~ c'pp '1'71;' 6

:'J'i~6~ c',i6~ 'J~l~~ i17':J~ ~W~~ rl~, 7

:n,~-'t;l~t't-t,f ;nN' '~T,'1 c'r6~ 'J,~l~~ 8

1 Do mestre de canto, com instrumentos de corda. Salmo. Cântico.


2 Deus tenha piedade e nos abençoe. Faça brilhar seu rosto sobre nós ... [pausa]
3 ••• para que se conheça na terra o teu caminho, e em todas as nações a tua salvação!

4 Celebrem-te os povos, ó Deus! Celebrem-te os povos todos!


5 Rejubilem-se e alegrem-se as gentes, porque tu julgas
os povos com eqüidade e as gentes da terra tu guias. [pausa]
6 Celebrem-te os povos, ó Deus! Celebrem-te os povos todos!
7 A terra produziu seu fruto: abençoe-nos Deus, o nosso Deus.
8 Abençoe-nos Deus e o temam todos os confins da terra!

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 83


Capítulo 7
EXERCíCIOS CORRIGIDOS

1. Capítulo 2: Primeiros passos na leitura


Delimitação, segmentação e estruturação (forma) de lRs 19,19-21.
• delimitação:
No v. 19, o início da nova perícope é indicado pelo deslocamento de Elias
para um novo espaço; e pela apresentação de Eliseu, o novo personagem, ao
qual o v. 16 já fazia referência.
No v. 21, o seguimento de Eliseu é uma ação do tipo terminal que assi-
nala a conclusão do episódio, fato que é confirmado em 20,1, com a entrada
em cena de novos personagens que iniciam uma nova ação em um novo
espaço: Ben Hadad e seu exércitos cercam Samaria.

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 85


• segmentação:
Primeiro, no texto hebraico:
t:l~~' l~~1 19aa

l1~'''N-nN N~~"'
<T . 0.0 ': T:'-

'~~~-p. ay

"~~,, 'c'it?~ 'iRJrt:l'~.~ ~~.h N'i)l aõ

,iDl1;' t:l'~~:l N';"


"ç~.\;,""~~. ':J;"~ bc

:",~~. ;~11~ l~:~~;


'~~::t-n~ ::l!~~1 20aa

,;,~,,~, ~'.Q~ 'n~1


'~N;1 ay

'~~7' ~::l~7 'Nr;,~~~ aõ

'9'J.Q~ ;',~7~1
';t, '~N"'
be

·"l~
::l,tli by

:l~ 'I:1',i;1~-;'7.? ',~ bõ

"lQ~~ ::l~b 21aa

,~~::t i7.?,~-n~ nj?-"1


,;,n:lT"' ay

,~~::t t:l"~~:l "i?~::t ~;~~; aõ

t:l,~~ 1~."1
,t,,?N" 1
bc
t:li?~1
'i!~t,~ ~1Q~ l~"J
by
El :';,n'~" I" : T ;-

Depois, na tradução literal:


19aa
Então partiu dali
e encontrou Eliseu,
ay
filho de Safat.

Ele estava lavrando, com doze juntas de bois à sua frente;
as
e ele mesmo estava com a duodécima.
bc
Elias passou por ele
e lançou o seu manto sobre ele.
20aa
Então, ele deixou os bois,
e correu atrás de Elias,
ay
e disse:

"Que eu possa beijar meu pai e minha mãe

86 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - lEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


e, então, te seguirei."
!la
E ele lhe disse:
bfl "Vai,
by
volta!

Pois, o que te fiz?"
21"" Voltou, pois, de atrás dele,
e tomou a junta de bois,
ay
e os imolou,

e, com os aparelhos dos bois, cozeu as carnes,
e as deu ao povo,
para que comessem.
be
Então, se levantou,
bfl e seguiu a Elias,
by
e começou a servi-lo.

• estruturação ou forma (na tradução):


A 19 "" Então partiu dali deslocamento de Elias
ajl
B e encontrou Eliseu, apresentação de Eliseu
ay
filho de Safat.

Ele estava lavrando, com doze juntas de trabalho de Eliseu
C [ bois à sua frente;
ae
e ele mesmo estava com a duodécima.
!la
Elias passou por ele gesto (vocacionai) de Elias
D bfl e lançou o seu manto sobre ele.

20 aa Então, ele deixou os bois, reação e pedido de Eliseu


ajl
e correu atrás de Elias,
ajl
E e disse:

"Que eu possa beijar meu pai e minha mãe
«e
e, então, te seguirei."
!la
E ele lhe disse: resposta de Elias
bfl "Vai,
F by
[= "vá, mas volte" (?)]
volta!

Pois, o que te fiz?"
21 aa Voltou, pois, de atrás dele, primeira ação de Eliseu
ajl
e tomou a junta de bois,
ay
e os imolou,

G e, com os aparelhos dos bois,
[ cozeu as carnes,
as e as deu ao povo,
ai;
para que comessem.
be
Então, se levantou, segunda ação de Eliseu
H bfl e seguiu a Elias,
by
e começou a servi-lo.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 87


2. Capítulo 3: Figuras de linguagem e modos de dizer

a) Dt 17,6 - três figuras:


• anáfora: repetição da palavra "testemunha";
• metonímia: "boca" em lugar de "palavra";
• poliptoto com o verbo "morrer".

b) Rt 3,8:
• eufemismo: "descobrir os pés" para dizer "conhecer o sexo". Cf. como
a história continua até o v. 14.

c) IRs 10,8 - três figuras:


• anáfora: repetição da palavra "felizes";
• macarismo: "felizes", "bem-aventurados";
• metonímia: "escutar a sabedoria" em lugar de "escutar palavras sábias".

d) SI 23,1-2 - várias figuras:


• metáfora: YHWH é "pastor";
• paralelismo sintético: "nada temerei" (segundo membro) expressa a con-
seqüência de "YHWH é meu pastor" (primeiro membro);
• paralelismo sinonímico: "às águas de tranqülidade me guia" (segundo mem-
bro) equivale a "em prados verdejantes me faz repousar" (primeiro membro);
• metonímia típica do hebraico: "águas de tranqüilidade" em lugar de
"águas tranqüilas";
• dois merismos: "fazer repousar" (descanso) + "guiar" (movimento);
"prados" (alimento) + "águas" (bebida).

88 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


e) SI 96,11-12 - duas figuras:
• prosopopéia: as ações elencadas são todas humanas;
• dois merismos: céu - terra - mar (três membros, que abrangem todo o
universo); campo - bosque (dois membros, que indicam todo tipo de vegeta-
ção, a cultivada e a não-cultivada).

f) Mt 7,25 - duas figuras:


• polissíndeto: repetição da conjunção "e";
• gradação: acúmulo de forças da natureza (chuva - rios - ventos) +
investida contra a casa + resistência da casa (clímax). Cf. também o v. 27.

g) Mt 22,16 - três figuras:


• elipse: omissão da palavra "discípulos" em "com os dos herodianos";
• polissíndeto: repetição da conjunção "e";
• ironia: os discípulos dos fariseus e dos herodianos chamam Jesus de
"mestre" e reconhecem que ele é verdadeiro; no entanto, querem colocá-lo à
prova para desacreditá-lo diante do povo.

h) Mt 26,5:
• elipse: omitiu-se o que os fariseus decidem não fazer durante a festa, isto
é, prender e matar Jesus. Cf. v. 4.

i) Lc 8,5 - três figuras:


• poliptoto: verbo "semear" (3x) e substantivo "semente";
• elipse: omite-se o substantivo semente em "parte caiu...";
• polissíndeto: repetição da conjunção "e".

j) Jo 21,25 - duas figuras:


• poliptoto: a dupla flexão do verbo "escrever";
• hipérbole: que no mundo todo não caberiam os livros sobre os atos de
Jesus, é realmente um exagero.

~.".'.'"'.
fgi'
...

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 89


k) lCor 1,25: .
• duplo oximoro: a contradição nos conceitos "insensatez mais sábia do
que os homens" e "fraqueza mais forte do que os homens".
1) lCor 13,11 - três figuras:
• anáfora: repetição da palavra "criança" no final de várias frases;
• gradação: os verbos "falar" - "pensar" - "raciocinar" refletem as etapas
do crescimento intelectual;
• elipse típica do grego: omitiu-se a palavra "coisas", subentendida em "as
de criança".

3. Capítulo 4: Gêneros literários


a) lRs 20,35-43 - parábola jurídica:
a pré-história vv. 35-37
b : o profeta vai ao encontro da pessoa questionada v. 38-39
c parábola (acusação velada) v. 39-40a
[d o profeta pede o veredicto]
e a pessoa questionada emite o veredicto v.40b
[f revelação: quem é a pessoa da qual se fala]
g acusação explícita v.42
h reações da pessoa questionada v.43
Variações:
• O pedido pelo veredicto é implícito. Com efeito, o rei logo entendeu que
aquele homem pedia uma sentença.
• Em lugar da revelação do culpado, o profeta disfarçado revela sua ver-
dadeira identidade: trata-se de um profeta. Essa revelação da identidade do
profeta funciona como revelação implícita do verdadeiro acusado.
b) 2Rs 6,1-7 - lenda profética:
a situação de crise v. 5a
b súplica pela intervenção do profeta v. 5b
[c dúvida sobre a possibilidade de uma solução]
d instrumentos para o milagre v. 6b
[e palavras durante a realização do milagre]
f efeito produzido v. 6b
g reações dos presentes e/ou conseqüências v. 7
Variações:
• Os vv. 1-4 não pertencem ao esquema básico: eles constituem uma pré-
história à situação de crise.

90 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E I A A BíBLIA COMO LITERATURA


• Por sua vez, estão ausentes dois elementos do esquema básico: a dúvida
sobre a possibilidade de uma solução e as palavras para a realização do
milagre.

c) Pr 30,21-23 - provérbio com paralelismo dos números:


a introdução x 1/ x + 1 v. 21
b desenvolvimento - x v. 22-23a
c clímax x +1 v. 23b

d) Eclo 33,25 - provérbio breve - mãSãl- com paralelismo sinonímico.


e) Jr 13,1-11 - ação simbólica:
a: ordem de YHWH: o profeta deve fazer algo incomum: v. 1 vv.3-4 v. 6
b: relato do cumprimento da ordem : v. 2 v.5 v.7
c: interpretação do gesto vv. 8-11
Variações:
• A ação simbólica tem três momentos.
• Somente após o terceiro, YHWH revela ao profeta o que o gesto significa.

f) Me 2,14 - relato de vocação


O relato é tão breve, que é possível transcrevê-lo totalmente:
a quem chama passa E ao passar,
b quem chama vê viu
c é dado o nome do futuro vocacionado Levi,
d são citadas relações de parentesco o (filho) de Alfeu,
e o vocacionado está trabalhando sentado na coletoria,
f palavra imperativa ou gesto simbólico e disse a ele: "Segue-mel"
[g objeção do vocacionado]
[h resposta de quem chama]
despojamento E, levantando-se,
J seguimento seguiu-o.

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 91


g) Lc 7,11-17 - relato de milagre:
a introdução (descrição do ambiente e do encontro) vv. 11
b o problema e os esforços para superá-lo v. 12
[c a súplica do pedinte]
d a intervenção de Jesus vv. 13b-14
e o efeito produzido v. 15
f a reação do povo e do miraculado vv. 16-17
Variação:
• A mãe do rapaz morto não pede nada: é Jesus quem toma a iniciativa.

h) Jo 8,12 -discurso de revelação no positivo:


a auto-apresentação 12a "eu sou a luz do mundo"
b : promessa 12b - "quem me seguir
não caminhará nas trevas,
mas terá a luz da vida"
Variação:
• A promessa é descrita duplamente: primeiro no negativo ("não caminhará
nas trevas"), depois no positivo ("terá a luz da vida"). Trata-se de um pleonasmo
com finalidade enfática.

i) CI 3,5-17 - três listas enciclopédicas:


vícios vv. 5-8
pessoas (povos e classes) v. 11
virtudes e atitudes cristãs vv. 12-17

92 ---------------------~ LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


4. Capítulo 5: Leitura sinóptica dos evangelhos

O batismo de Jesus: Mt 3,13-17; Mc 1,9-11 e Lc 3,21-22.


• perícopes anteriores e posteriores:

Mateus Marcos Lucas

Perícopes anteriores

2,1-22: infância de Jesus 1,1: título do evangelho 3,1-18: pregação de João


3,1-12: pregação de João 1,2-6: pregação de João Batista
Batista Batista 3,19-20: prisão de João
Batista

Jesus é batizado:

1,9-11 3,21-22
Perícopes posteriores

4,1-11: Jesus é tentado 1,12-13: Jesus no deserto 3,23-37: genealogia de


no deserto (sumário) Jesus
4,12-17: Jesus retoma 1,14-15: início da pregação 4,1-13: Jesus é tentado
à Galiléia de Jesus no deserto
4,18-22: vocação dos 1,16-20: vocação dos 4,14-15: início da pregação
primeiros discípulos primeiros discípulos de Jesus
4,23-25: ensinamento e 1,21-28: Jesus em 4,16-28: Jesus em Nazaré
curas em toda a Galiléia Cafamaum; exorcismo

• quadro sinóptico de Mt 3,13-17; Me 1,9-11 e Lc 3,21-22:


comum aos três evangelhos realce
comum a Mt e Me [contomol
comum a Mc e Lc negrito e itálico
comum a Mt e Lc sublinhado

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 93


-o
.j>,.

Mt 3,13-17 Me 1,9-11 Le 3,21-22


'1\aL ;rb~TO Év ÉKELVrUç talç ~f1Éplnç 21 'Ey€vero õE
13TÓtE napaYLvEtlU Fi l1)aouq ~ÀSEV l'I1]oouÇj
~no tfjç faÀLÀa.taq €nL frúv 'Iopõáv1]~ ~ Na(aph Rijç faÀLÀa.taq
npoç tOV l'Iw&.VV1]iJI
tOU j3annaSi]vaL I§l' aUtou. Év t<f> BannoSi]vaL anavta tov Àa.ov
140 õE 'IwáVVTjç ÕLEKWÀUEV autov ÀÉywv'
Éyw XPELav EXW imo ooü ~nnaSfjvaL,
KaL au EPXn npóç f1E;
o
15&noKpLSElÇ õE 'Inooíx EtnEv npoç
, ,
autov'
à4>Eç àpn,
OÜtWç yàp npÉnov ÉatLv ~f1LV nÀTjpWaaL
niiaav õLKaLOOÚvTjv.
tÓtE &~LTJOLV autóv.
o
IÍ3a.nna8Elç õE 'Inaouç; KaL ~mLoSTj ELÇ frov 'IopõáVTjvl ~ 11w&.vvoY.' KaL'I1)<Jou ~mLo8ÉvtOÇ
KaL npOOEUXOf1ÉVou
fueuÇ &vEJ3ij &no frou Üõatoq' IOKaL kueuç &vaJ3atvw~ ÉK Rou tOOtoq
KaL LÕOU nVEljÍx9T}aav [aut0l ol oupavoL, krÕE~ 0XL(Of1ÉVOUÇ touç oupavouç &vE,-\>x8í)vaL tov oilpavov
r-n KaL krÕEVI to 'lTVEuf1a tou SEOU Kal to 'lTVEUf1a 22KaL KataJ3iivlu to nVEÜf!a. to aywv
s>
» Kata(3a.Lvov waEL nEpLatEpàv wç nEpLOtEpàv Kata{3a.lvov OWf1anK0 E'LÕEL wç nEpLOtEpàv
CP
~'
s> [KaLl ÉPXÓf1EVOV €n' autóv' €i.ç autóv- €n' autóv,
n 'õ ou ~ oupavwv
o
s:
17
KaL, L '.h
",wvTj" EK ~ J. -,'
II.Eyouaa· IIKaL ~wvil ;yb~TO EK frwiJI oupavwv' KaL ~WV~V Éç oõpevoü YEP€a(}at·
o o o
OÚtÓç Eanv uLóç f10U &ya1T11tóÇ, au o o
Er ulóç uou &ya1T11tÓÇ, oõ Et ó uLóç f10U oàyanTjtóç,
~ Év 0 EUÕÓKTjaa. EV aOL EUõóKTJOa. Év aOL EOOóKTjOa.
~
c
};
r-r-i
'l> Mt 3,13-17 Mc 1,9-11 Lc 3,21-22
»
CP
CP
9E aconteceu naqueles dias, 210ra, aconteceu
'l>
8 '3Então &eio Jesu~ &eio Jesu~
s:
o @a GaliJéi~ para ~ Jordãg, de Nazaré ~a Galiléi~
~ junto a Woãg,
'"
c
:;; a fim de ser batizado lQ.2!j ele. quando todo o povo era batizado
"João o dissuadia dizendo:
"Eu tenho necessidade de ser batizado por ti,
e tu vens a mim?"
15Mas, respondendo,
Jesus diz a ele:
"Deixa por ora.
Com efeito, convém que cumpramos toda a
justiça."
16Jesusentão, após ter sido batizado, e foi batizado nlO Jordãõ!1Q.2!j lioãg. e Jesus foi batizado
e estava orando,
ªevantou-se imediatamente da águ~. ltE ~mediatamente levantando-se da águ~,
E eis que os céus se abriram para ele ~ os céus se rasgando abriu-se o céu
e ele ~ o Espírito de Deus e o Espírito 22e desceu o Espírito Santo em forma

descendo como pomba como pomba descendo corpórea como pomba


e vindo sobre ele. até ele. sobre ele,
17E eis uma voz de dentro dos céus dizendo: 11E uma voz aconteceu de dentro dos céus: e aconteceu uma voz de dentro do céu:
"Este é o meu filho amado, "Tu és o meu filho amado, "Tu és o meu filho amado,
no qual eu me comprazo." em ti eu me comprazo". em ti eu me comprazo."

-o
tn
5. Capítulo 6: Noções de poética hebraica
Salmo 67: texto hebraico e tradução literal
:"tLi ';~i~ n5'JJ:l n~J~S
I' I: . . : • I" - : -

:i1S0 m'N "JtI 'N' 'J~'~" mn' C'fiSN


TI': -lT' IT T /'<T N': T I' r-- T : • '::
2

:'9t;:1~,tLi~ C';~'-S~~ '9~.1'1 Y1t$f n~,17


:C~~ C~~~ '9';;.,' c'riSt$ C',~~ '9'71;' 4

~E;)tLin-'~ C'~NS '~J'" m~iLl'


J :.,' " ' .. : : - I' I : : I'

:i1 79 CJi~tl n,t$f c'~~7' ,;tlt'~ C'P~


:C~~ C',~~ '9';;.,' c'r.iS~ C'P~ '9'71;' 6

:'J'rt"t$ c'riSt$ 'J~l~~ ;'7'~~ :,,!~t;1~ n~,


:n~-'º~~-Sf ;n~ '~T,:1 C:i1"~ 'J,::ll~~
1 Do mestre de canto, com instrumentos de corda. Salmo. Cântico.
2 Deus tenha piedade e nos abençoe. Faça brilhar seu rosto sobre nós... [pausa]
3 ••• para que se conheça na terra o teu caminho, e em todas as nações a tua salvação!
4 Celebrem-te os povos, ó Deus! Celebrem-te os povos todos!
5 Rejubilem-se e alegrem-se as gentes, porque tu julgas
os povos com eqüidade e as gentes da terra tu guias. [pausa]
6 Celebrem-te os povos, ó Deus! Celebrem-te os povos todos!
7 A terra produziu seu fruto: abençoe-nos Deus, o nosso Deus.
8 Abençoe-nos Deus e o temam todos os confins da terra!

la Do mestre de canto, com instrumentos de corda.


lb Salmo. Cântico.
2a Deus tenha piedade e nos abençoe.
2b Faça brilhar seu rosto sobre nós ... [pausa]
3a ••• para que se conheça na terra o teu caminho,

3b e em todas as nações a tua salvação!


4a Celebrem-te os povos, ó Deus!
4b Celebrem-te os povos todos!
5aa Rejubilem-se e alegrem-se as gentes,
5all porque tu julgas
5ay os povos com eqüidade
5b e as gentes da terra tu guias. [pausa]

96 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


6a Celebrem-te os povos, ó Deus!
6b Celebrem-te os povos todos!
7a A terra produziu seu fruto:
7b abençoe-nos Deus, o nosso Deus.
8a Abençoe-nos Deus
8b e o temam todos os confins da terra!

Artifícios poéticos:
• inclusão - A frase "Deus nos abençoe", do v. 2, é repetida nos vv. 7 e 8.
• enjambment - Nos vv. 2 e 3, o desejo "faça brilhar ..." e o objetivo
"para que se conheça..." estão em linhas diferentes e separados pela notação
musical "pausa". No v. 5, a afirmação "julgas os povos" tem o verbo em uma
linha e o objeto na outra.
• refrão - "Celebrem-te os povos...", nos vv. 4 e 6.
• variante do lastro - No v. 3, o verbo "conheça" deixa lugar para
"todas". No v. 5, incluído o verbo "julgas" do enjambment, o "com eqüidade"
é substituído por "da terra". No refrão dos vv. 4 e 6, o pronome "todos" ocupa
o lugar do vocativo "ó Deus".
• quiasmo - No v. 5, alternam-se verbos e objetos: "julgas os povos ...
as gentes da terra guias". E talvez também nos vv. 7-8: "terra ... abençoe-nos
Deus ." abençoe-nos Deus ... terra".
• merismo - Os sinônimos "povos" e "gentes", no v. 5, para indicar todos
os habitantes do mundo.
• fórmula quebrada - Dois sintagmas desmembrados no v. 3: "nações
da terra" (invertido) e "caminho da salvação".
• paralelismo sinonímico - Presente nos vv. 3, 5af3y+5b, 4 e 6.
• paralelismo sintético - Encontrado nos vv. 2, 5aa+5af3-b, 7 e 8.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 97


BIBLIOGRAFIA

AGUIRRE MONASTERIO, Rafael & RODRíGUEZ CARMONA, Antonio. Evangelhos sinóticos e


Atos dos Apóstolos. São Paulo, Ave Maria, 1994 (Introdução ao Estudo da Bíblia, 6).
ALTER, Robert. The Art of Biblical Poetry. New York, Basic Books, 1985.
_ _ _o The Art of Biblical Narrative, New York, Basic Books, 1981.
BERGER, Klaus. As formas literárias do Novo Testamento. São Paulo, Loyola, 1998 (Bíblica
Loyola, 23).
BOUZON, Emanuel. O Código de Hammurabi. Petrópolis, Vozes, 1980.
BULLINGER, Ethelbert W. Figures ofSpeech used in the Bible. Grand Rapids, Baker, 1984 10 (em
espanhol: Diccionario de figuras de dicción usadas en la Biblia. Terrassa, CLIE, 1985).
CARTLIDGE, David R. & DUNGAN, David L. (ed.). Documentsfor the Study ofthe Gospels.
Minneapolis, Fortress, 1994.
COATS, George W. (ed.). Saga, Legend, Tale,Novella, Fable. Sheffield, Sheffield, 1989 (Journal
of the Study of the Old Testament - Supplement Series, 35).
CUNHA, Celso F. Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, FENAME, 1982 8 •
DATTLER, Frederico. Sinopse dos quatro evangelhos. São Paulo, Edições Paulinas (Paulus),
1986.

LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 99


EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. São Paulo, Loyola, 1994 (Bíblica Loyo-
la, 12).
FOLLIS, Elaine R. (ed.). Directions in Biblical Hebrew Poetry. Sheffield, Sheffield, 1987
(Journal of the Study of the Old Testament - Supplement Series, 40).
HALLO, William W. (ed.). The Context of Scripture - I: Canonical Compositions from the
Biblical World. Leiden, Brill, 2003.
_ _ _o The Context of Scripture - II: Monumental Inscriptions from the Biblical World.
Leiden, Brill, 2003.
JASTROW, Morris. Jeremiah 5:8. AJSLL 13 (1896;1897) 216-217.
KAYSER, Ilson (org.). Sinopse dos três primeiros evangelhos. São Leopoldo, Sinodal, 1986.
KONINGS, Johan. Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da "Fonte Q". São
Paulo, Loyola, 2005 (Bíblica Loyola, 45).
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo, Edições Paulinas (Pau-
lus), 1982 (Nova Coleção Bíblica).
L6, Rita de Cácia. Atalia Rainha de Judá. Dissertação de Mestrado (Ciências da Religião),
São Bernardo do Campo, UMESP, 2006.
MAINVILLE, Odette. A Bíblia à luz da história. São Paulo, Paulinas, 1999 (Bíblia e História).
MORLA ASENSIO, Víctor. Livros sapienciais e outros escritos. São Paulo, Ave Maria, 1994
(Introdução ao Estudo da Bíblia, 5).
RAVASI, Gianfranco. Illibro dei Salmi - I. Bologna, Dehoniane, 1988.
RODRIGUES, Cláudio J.A. (trad.). Apócrifos e pseudo-epigrafos da Bíblia. São Paulo, Novo
Século (Fonte) 2004.
RUSSELL, David Syme. Desvelamento Divino. São Paulo, Paulus, 1997 (Nova Coleção Bíblica).
SACCONI, Luis Antonio. A Nossa Gramática - teoria e prática. São Paulo, Atual, 1996 2°.
SCHNELLE, Udo. Introdução à Exegese do Novo Testamento. São Paulo, Loyola, 2004 (Bíbli-
ca Loyola, 43).
SCHREINER, Josef (ed.). Introducción a los métodos de la exégesis bíblica. Barcelona, Herder,
1974 (Biblioteca Herder).
SELLIN, Ernst & FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento - 1. São Paulo, Edições
Paulinas (Paulus), 1983 2 (Nova Coleção Bíblica).
_ _ _o Introdução ao Antigo Testamento - 2. São Paulo, Edições Paulinas (Paulus), 1978
(Nova Coleção Bíblica).
SILVA, Cássio Murilo Dias da. Aquele que manda a chuva sobre aface da terra. São Paulo,
Loyola, 2006 (Bíblica Loyola, 50).
_ _ _o Metodologia de Exegese Bíblica. São Paulo, Paulinas, 2003 2 (Bíblia e História).
SIMIAN-YOFRE, Horacio (coord.). Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo, Loyola,
2000 (Bíblica Loyola, 28).
SKA, Jean-Louis; SONNET, Jean-Pierre & WÉNIN, André. Análisis narrativo de relatos del
Antiguo Testamento. Navarra, Verbo Divino, 2001 (Cuademos Bíblicos, 107).
SPARKS, Hedley Frederick Davis (ed.). Apócrifos do Antigo Testamento - I. Nova Jerusa-
lém, Fortaleza, 1999 (Revista Bíblica Brasileira).

100 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - LEIA A BíBLIA COMO LITERATURA


SlENGER, Werner. Metodologia Biblica. Brescia, Queriniana, 1991 (Giornale di Teologia, 205).
WATSON, Wilfred G.E. Classical Hebrew Poetry. Sheffield, Sheffield, 1986 (JSOTS, 26).
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento-Manual de Metodologia. São Leopoldo/São
Paulo, Sinodal/Paulus, 1998.
WEISER, Alfons. O que é milagre na Bíblia. São Paulo, Edições Paulinas (Paulus), 1978 2 •
WITHERUP, Ronald D. Fundamentalismo Bíblico. São Paulo, Ave Maria, 2004.
ZIMMERMANN, Heinrich. Los métodos histórico-críticos en el Nuevo Testamento. Madrid,
BAC, 1969 (Biblioteca de Autores Cristianos, 295).

LEIA A BíBLIA COMO lITERATURA - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 101


Este livro foi composto nas famílias tipográficas
Futura, Bwhebb, Bwgrkl e Times
e impresso em papel Offset 75g/m 2

Edições Loyola
editoração impressão acabamento
rua 1822 n° 347
04216-000 são pauto sp
T 5511 69141922
F 551161634275
www.loyola.com.br

Você também pode gostar