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Direitos Autorais

Título Original The music of Love


Copyright © 2019 Shantal M. LaViolette
Copyright da tradução©2020 Leabhar Books Editora Ltda.

Tradução: Hamireths Costa


Revisão: D. Marquezi
Diagramação: Jaime Silveira
Capa: Biserka Design

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Capítulo Um

Bude, Cornualha
1816

P S desviou o olhar da paisagem iluminada


pela lua que atravessava a janela da carruagem e olhou para a carta
desgastada que segurava na mão. Ela leu tantas vezes que a
memorizou inteira, mas ainda sentia a necessidade de olhar para
aquelas palavras.
Ela fez a coisa certa, não fez?

Prezado Signore Stefani,

A Agência de Emprego Stark encaminhou sua carta de interesse em


relação à posição de professor. Naturalmente, suas habilidades e
experiência estão bem acima do que eu esperava de um professor de piano.
É meu privilégio oferecer-lhe o contrato de um ano. Eu preciso de apenas
duas horas de instrução por dia, seis dias por semana. O tempo restante
seria seu.

A casa Whitethorn fica em uma parte muito remota da Cornualha,


portanto, se a vida no campo é um anátema para o senhor, a posição não
seria adequada.

O autor da carta - Sr. Eustace Harrington - ofereceu um salário


generoso, sugeriu uma data de início e deu instruções para chegar à
casa. Em nenhum lugar da carta dizia que a esposa de Ivo Stefani
seria uma substituta aceitável se o famoso pianista estivesse
indisponível, não estivesse interessado ou estivesse... morto.
As mãos de Portia estavam tremendo quando ela redobrou a
breve carta e a enfiou em sua reticule. Era tolice entregar-se a seus
nervos, principalmente depois que ela já havia aceitado a viagem de
carruagem, as noites nas estalagens pelas estradas e as refeições
que o dinheiro do Sr. Harrington havia fornecido.
Ela gemeu e descansou sua têmpora dolorida no vidro frio,
exausta pelo incansável turbilhão de pensamentos. Sua cabeça
havia começado a latejar várias horas antes e a dor aumentava a
cada quilômetro. Semanas após semanas convivendo com sua
mentira havia afetado sua mente e seu corpo. Graças a Deus isso
logo terminaria, não importando o que acontecesse.
O argumento em que ela se baseara mais fortemente - que essa
mentira era sua única escolha - estava perdendo sua convicção ao
passo que se aproximava da casa Whitethorn. Mas isso não a
tornava menos verdadeira. Portia não tinha dinheiro e nem família -
pelo menos ninguém que a reconhecesse - e seus poucos amigos
eram quase tão pobres quanto ela. Ela não tinha nada além de
dívidas desde que fora forçada a fechar a Academia Ivo Stefani para
Moças.
Ela riu e o sopro amargo de ar deixou uma névoa fugaz na janela
da carruagem. Mesmo agora aquele nome ridículo a divertia, Ivo
sempre teve sonhos tão grandiosos. Era uma pena que seus sonhos
raramente colocavam comida à mesa, mesmo antes de ele a
abandonar e deixar a escola em dificuldades.
Embora a pequena academia tivesse sido sua ideia e tivesse seu
nome, seu marido sempre mostrava contrariedade quando Portia
pedia ajuda para ensinar ou dar aulas.
— Esse trabalho é bom para você, cara, mas meus ouvidos —
ele estremecia dramaticamente a essa altura — eles correm o risco
de sangrar se expostos a esse abuso.
— E como seus ouvidos vão se sentir quando não tiverem onde
dormir? — Portia perguntou em mais de uma ocasião.
Mas Ivo apenas ria dos seus medos, e depois fugiu com uma
mulher cuja existência significava que o casamento de dez anos de
Portia não passava de uma farsa. Não que nada disso importasse
agora. Ivo se foi e a verdade humilhante fora com ele, não importava
mais o que ele havia feito ou com quem ele havia feito. O que
importava era que Portia precisava sobreviver e a única forma de
conseguir isso era ensinando música.
Ela poderia ter encontrado trabalho em Londres, mas a
perspectiva de começar tudo de novo na mesma cidade a deixara
cansada e sem esperança. Se ela não estivesse desamparada,
poderia ter considerado a oferta de dividir uma casa com três
amigas: Serena Lombard, Honoria Keyes e Lady Winifred
Sedgewick, todas professoras da sua escola, agora extinta.
Infelizmente, tudo o que Portia tinha a oferecer era dívida, e a
maioria não era nem mesmo dela. Mas para os agentes que a
perseguiam dia e noite, não importava que Ivo tivesse gerado a
montanha de dívidas sem seu conhecimento.
Não, a única coisa que ela poderia fazer era aceitar uma posição
bem paga, mesmo tendo recorrido a um desprezível, e
provavelmente criminoso, engano para obtê-la.
A carruagem parou e seus pensamentos se espalharam como
pombos assustados.
Portia espiou pela janela e prendeu a respiração. Não era
simplesmente uma casa, era uma mansão, uma imponente estrutura
de estilo palladiano que pairava sobre a carruagem, seu pórtico
maciço e imensas janelas venezianas dominava o céu iluminado
pela lua.
Ela havia chegado.

Os lacaios haviam acabado de tirar os pratos quando Soames


entrou na sala de jantar.
— Desculpe, senhor, parece que o instrutor de música chegou.
Stacy Harrington pegou o relógio.
— É muito tarde e sem dúvida ele deve estar exausto após uma
longa viagem. Vou esperar até de manhã para falar com ele. Mostre
os seus aposentos e peça para a cozinheira enviar uma bandeja
com comida.
O mordomo já de idade não se mexeu.
— Há mais alguma coisa, Soames?
— Bom...
— Sim, o que é?
— Bem, o problema é, senhor, que não é Signore Stefani.
Stacy franziu o cenho para seu criado normalmente
imperturbável.
— E o que é, Soames?
— É Signora Stefani — Soames deixou escapar.
— Muito bem, então ele trouxe sua esposa com ele. Eu gostaria
que ele tivesse nos avisado, mas hoje eles podem ficar no quarto
que preparou e amanhã podemos transferi-los para um quarto
maior.
Soames pigarreou.
— Erm, é apenas a Signora Stefani.
Sua tia Frances, que se aproximou cada vez mais da borda do
assento com cada nova informação, não conseguiu mais se conter.
— O que diabos ele quer dizer, Stacy? — ela perguntou,
chocada o bastante para chamá-lo pelo apelido de infância na frente
do criado.
Stacy não se importou com o deslize. Na verdade, ele preferia
“Stacy” a “Eustace”, que ele sempre achou que soava mais como o
nome de um agente funerário.
Ele se virou da sua tia para seu criado.
— Minha tia quer saber o que está querendo nos dizer, Soames.
A pele de pergaminho do mordomo ficou vermelha.
— Parece que o Signore Stefani está... bem, ele está morto,
senhor.
A tia ofegou e Stacy recostou-se na cadeira.
— Está me dizendo que há um cadáver na carruagem, Soames?
— Oh não, senhor, não — Soames parou e ficou fitando um
ponto acima do ombro esquerdo de Stacy, piscando como uma
coruja. A testa dele se enrugou e ele tocou o queixo comprido.
— Pelo menos...
— Sim? — Stacy cutucou quando parecia que o velho havia
calcificado.
— Eu entendo que ela está sozinha na carruagem, senhor. Sem
nenhuma acompanhante ou, erm, corpo — ele olhou para sua mão.
— Ela trouxe isso e afirma que está aqui para a posição de
instrutora de piano.
Soames estendeu um pedaço de papel dobrado e Stacy pegou.
Sua própria caligrafia o encarava, era a carta que ele havia enviado
para Ivo Stefani oferecendo a posição ao famoso pianista. Stacy
colocou a carta de lado.
— Muito bem, mostre a Signora Stefani o quarto dela, peça à
cozinheira que mande uma bandeja e diga para ela que
conversaremos amanhã.
— Muito bem, senhor.
Sua tia esperou até que o mordomo agitado se retirasse antes
de falar.
— E então.
Stacy se divertiu com o tanto de significado que ela colocou
naquelas duas palavras.
— E então, de fato, tia.
—Não prefere falar com ela agora? Por que esperar até
amanhã?
— Ela esteve em uma carruagem por quase três dias, tia
Frances. Arrisco dizer que ela deve estar exausta. Quer eu fale com
ela agora ou amanhã, ela ainda precisará de um lugar para passar a
noite — além disso, a mulher havia se valido de uma jornada cara
às custas dele, ele a questionaria quando quisesse.
— Mas por que ela veio, meu querido?
— Ouviu Soames, tia, ela veio dar aula de piano.
— Houve alguma menção a isso na correspondência que
trocaram?
— Nenhuma palavra.
— Ela pode esperar, realmente, que ofereça a posição para ela
depois de tê-lo enganado? — ela parou e franziu a testa. — A
menos que... ache possível que a agência o tenha enganado?
— Alguém certamente me enganou.
A tia apertou os lábios.
— Deve mandá-la embora.
— Eu não posso mandá-la embora no meio da noite, posso tia?
— Suponho que não — disse ela de má vontade. — Mas deve
dispensá-la assim que amanhecer.
Stacy ergueu as sobrancelhas ao tom estridente da sua tia e ela
corou sob o olhar silencioso dele e desviou seus olhos.
Embora sua tia o tivesse criado desde a infância, ela sempre
aceitou que ele era o dono de si mesmo e da mansão Whitethorn.
Stacy não conseguia se lembrar da última vez que ela disse a ele o
que deveria ou não fazer. Ela devia estar muito mais agitada do que
aparentava.
Ele deu um sorriso tranquilizador.
— Não há com que se preocupar tia Frances. Eu cuidarei de
tudo pela manhã — ele pegou o relógio e olhou para ele.
Sua tia viu o gesto e se levantou.
— Peço desculpas, meu querido, irei deixa-lo para que tome seu
vinho.
Stacy a encontrou na porta da sala de jantar e a abriu para ela.
— Me juntarei a você em breve — ele prometeu antes de fechar
a porta.
Stacy apagou tudo menos uma vela e serviu-se de uma taça de
vinho maior que o normal, tomou um gole do líquido amarelado
antes de remover os óculos escuros. A ponta do nariz doía devido a
um dia inteiro de uso deles, e a massageou distraidamente
enquanto olhava para o teto da sala de jantar, no qual querubins
astutos pairavam e pulavam sobre as nuvens, observando
avidamente a loucura humana a uma distância segura.
Ele supôs que deveria ter esperado algo assim. Não que uma
mulher apareceria, é claro, mas que seria impossível contratar um
instrutor do calibre de Stefani com tanta facilidade. Quando a
agência escreveu para dizer que o famoso pianista estava buscando
uma posição de instrutor, Stacy se perguntou se poderia ter havido
algum tipo de erro.
Aparentemente sim.
Ele não podia acreditar que a respeitável agência Stark mentiria
sobre Ivo Stefani se candidatar ao cargo. Não, deve ter sido a Sra.
Stefani.
Stacy balançou a cabeça. Que tipo de mulher embarcaria em
uma longa jornada sob tais pretextos falsos? Uma mulher ousada?
Confiante? Desesperada?
Ele bufou, certamente uma desonesta.
Stacy podia adivinhar porque ela o enganara, sem dúvida deve
ter acreditado que ele não contrataria uma mulher. Ele girou o
líquido do copo e olhou para suas profundezas quentes. Ele
contrataria uma mulher? Seus lábios torceram com o pensamento.
Não, ele não contrataria uma mulher, embora não pelas razões que
ela suspeitasse.
Quando os homens olhavam para ele, eles tendiam a,
eventualmente, superar sua curiosidade. Já as mulheres, por outro
lado. Bem, digamos que ele aprendeu da maneira mais difícil que as
mulheres não perdoavam, principalmente quando se tratava dos
seus olhos.
Stacy não podia fazer nada sobre as reações delas, mas ele
poderia minimizar sua exposição ao medo ou desprezo delas.
Tirando as esposas dos seus inquilinos, algumas mulheres da vila e
suas criadas, ele evitava a maioria das mulheres. Bem, exceto as
mulheres que ele visitava em Plymouth, aquelas mulheres que ele
generosamente compensava para ignorar sua aparência.
Dizia muito sobre o estado que encontrava sua vida, que
estivesse antecipando a chegada de um instrutor de piano. Talvez
esse fracasso fosse uma maneira de lhe dizer que seu hobby era
uma perda de tempo bobo? Deus sabia que ele tinha muito trabalho
administrando suas propriedades e negócios. Mas sua vida deveria
ser desprovida de prazeres pessoais? Ele já havia aceitado que
nunca iria se casar e ter uma família. Ele também deveria desistir de
tocar piano – uma das poucas coisas que amava – apenas por
causa da sua aparência? Era pedir demais contratar um instrutor de
piano sem ter problemas e complicações? As pessoas faziam isso o
tempo todo. É verdade que geralmente contratavam para ensinar os
seus filhos, mas por que isso importa?
Stacy largou a taça com mais força que o necessário, e o cristal
caiu na superfície de madeira polida. Quanto mais ele pensava
como a mulher o enganara, mais irritado ficava. Como ousa essa
mulher estragar o que deveria ter sido uma simples transação
comercial? Sua tia estava certa. Stacy deveria ter recebido a mulher,
por mais exausta que ela estivesse, e exigido que ela explicasse
aquela mentira ultrajante.
Pensar na sua tia o fez perceber como fora desagradável
dispensá-la quando ela estava apenas preocupada com o seu bem-
estar, por mais desnecessária que fosse a preocupação. Ela se
preocupava com ele como se ele ainda fosse um garotinho, e não
um homem de trinta e cinco anos. Frances Tate era sua única
parente e tinha sido seu pai e sua mãe, enterrando-se no campo e
dedicando sua vida o criando. Até onde ele sabia, ela nunca casou
ou teve um pretendente. Não era a primeira vez que ele havia se
sentido culpado por ela ter construído sua vida em torno da dele.
Pobre Frances, com pouco mais de um metro e oitenta de altura, ela
era quase tão desequilibrada quanto ele.
Stacy afastou a taça, pegou os óculos e se levantou. Ele
compensaria sua má educação tocando para ela, isso sempre a
acalmava.

A reação do mordomo à chegada de Portia tinha sido tão


cômica que ela teria rido, se seu futuro não estivesse em jogo. De
fato, se o horror do Sr. Harrington fosse uma fração da do seu
criado, Portia estaria na estrada com suas malas naquele momento,
ou diante do magistrado local.
Em vez disso, ela estava no meio de uma suíte luxuosa
composta por uma sala de estar, um quarto e um enorme vestíbulo
completo com uma banheira de cobre. Os aposentos eram arejados
e espaçosos e decorados com uma combinação suave de azul
gelado e marrom chocolate quente. Portia afundou em uma
poltrona, tirou as robustas botas pretas e esticou os pés no tapete
aveludado de Aubusson. Seu corpo doía, ela estava empoeirada e
coberta de areia, e seu cérebro estava devagar. Graças a Deus ela
não tinha que enfrentar seu possível empregador naquele estado.
Ela ficou surpresa e agradecida quando o Sr. Harrington decidiu
adiar o encontro até a manhã seguinte. Aquela noite ela se
aproveitaria do seu breve alívio e esqueceria o que o dono da casa
estava planejando para ela. Aquela noite ela apreciaria o conforto
luxuoso daquele aposento.
Portia tinha acabado de abrir a porta e procurava a camisola
quando uma criada entrou com uma grande bandeja de comida. A
garota deu um sorriso tímido antes de levar a bandeja para a sala e
arrumar a louça sobre a mesa. Ela fez uma reverência quando
terminou, seus grandes olhos castanhos cheios de curiosidade.
— Sr. Soames disse que eu deveria ajudá-la a desfazer as malas
e perguntar se gostaria de um banho, senhora.
Portia teve a boa graça de corar. Jantar no quarto e a oferta de
um banho quente? O Sr. Harrington a estava tratando com gentileza
e cortesia, apesar de ela tê-lo enganado.
Não havia sentido desfazer as malas, mas Portia não podia
recusar a chance de tomar um banho naquela linda banheira de
cobre.
Ela sorriu para a jovem.
— Sou a Signora Stefani. Qual é o seu nome?
— Daisy, senhora.
— Não vou precisar de ajuda para desfazer as malas, Daisy,
mas gostaria de tomar um banho depois da minha refeição.
— Muito bem, senhora — ela fez outra reverência e saiu,
fechando a porta do quarto.
O cheiro de comida a deixou com água na boca e Portia se
levantou para examinar o que a criada trouxera: galeto assado, purê
de Pastinaca, pão e manteiga frescos, uma garrafa de vinho e
creme de leite com frutas frescas. Era a refeição perfeita para um
viajante cansado e faminto, e ela atacou tudo como um animal feroz.
Ela tinha acabado de colocar o último pedaço de fruta na boca
quando Daisy entrou.
— Seu banho está pronto, senhora.
Portia a seguiu até a banheira de cobre que transbordava de
água quente. Ao lado, havia uma mesa de mármore com uma pilha
de toalhas felpudas e várias jarras de cristal.
— Posso ajudá-la com seu vestido, senhora?
— Obrigada, Daisy, mas não será necessário — ela esperou até
que a porta fechasse antes de desabotoar a fileira de fechos que
corria pela lateral do seu traje de viagem marrom e desgastado.
Portia analisou o aposento enquanto se despia. Um lindo armário
Chippandelle estava encostado a uma parede, cortinas de veludo
marrom flanqueavam as janelas do chão ao teto, e uma enorme
cama de dossel dominava o quarto.
Ela distraidamente passou a mão sobre a manta de seda azul,
que parecia uma nuvem. Uma pontada aguda a atravessou
enquanto considerava o ambiente. A criada era meiga, os quartos
eram lindos e a refeição simples estava deliciosa, pena que ela
provavelmente teria que deixar tudo aquilo no dia seguinte.
Portia nunca havia recebido um tratamento tão grandioso antes,
nem mesmo quando ela e Ivo haviam ficado em algumas das
melhores casas da Europa. Seu marido fora aclamado como um
grande artista e muito festejado antes do acidente que encerrara
sua carreira. A alta sociedade pagava quantias generosas para Ivo
Stefani tocar para seus convidados, e as mulheres bajulavam sua
boa aparência de pele verde-oliva e olhos quentes.
Mas a esposa do grande artista não recebia o mesmo
tratamento. Na maior parte, Portia ficava em sótãos minúsculos e
aturava o tratamento relutante e desprezível dos criados, enquanto
Ivo dormia com a dona da casa, gastava uma fortuna com
quinquilharias e jogava fora a maior parte do dinheiro que ganhava.
Portia percebeu que estava rangendo os dentes.
Relaxe, disse a si mesma. Relaxe e aproveite esse esplendor
inesperado, porque o magistrado local provavelmente estará te
esperando pela manhã.
Ela afastou o pensamento e acrescentou um generoso respingo
de óleo de lavanda na água quente antes de baixar seu corpo
cansado naquele paraíso.
Quando terminou de lavar os cabelos, suas pálpebras estavam
pesadas da fadiga, depois deitou-se contra o cobre quente e fechou
os olhos.
Eu vou descansar meus olhos apenas por um minuto...
Portia acordou assustada com a água gelada, seus dedos e pele
enrugados. Foi o suficiente para ela puxar seu corpo rígido e
dolorido da banheira e secar-se. Ela mal tinha força para arrastar
uma escova pelos cabelos úmidos e vestir a camisola puída antes
de se enterrar na cama convidativa. Ela fechou os olhos e
imediatamente se agarrou a um meio sonho tedioso que girava em
torno de um passeio interminável de carruagem.
Ela estava à deriva em um sono profundo e sem sonhos quando
algo a despertou. Ela afastou uma massa emaranhada de cabelo do
rosto e apertou os olhos em direção a uma vela que ela deixara
queimando do outro lado do quarto. O relógio na mesa de cabeceira
mostrava que eram apenas duas e meia da manhã.
Portia soltou um grunhido e levantou a cabeça do travesseiro.
Além de ter deixado a vela acesa, ela havia esquecido de fechar as
cortinas e o luar banhava o quarto. Ela precisaria apagar a vela e
fechar as cortinas se esperasse dormir.
Resmungando, ela empurrou os cobertores, levantou-se e
caminhou sobre o tapete grosso até a janela. Ela estava prestes a
fechar as cortinas quando notou uma pequena varanda de pedra
além do vidro ondulado. A trava da janela bem oleada girou sem
som, ela abriu o batente e saiu para um país das maravilhas.
Uma brisa fresca agitou sua camisola e a lua lançou um brilho
mágico, iluminando o campo por quilômetros ao redor. Era uma
daquelas luas que pairavam tão baixo no céu que se sentia ser
possível alcançá-la e tocá-la. Ainda mais luz vinha de uma série de
lanternas que corriam da lateral da casa ao longo da estrada.
Portia se perguntou quem precisaria de uma exibição de luz no
meio da noite, mas afastou o pensamento. Quem sabia o que as
pessoas do campo faziam e por quê?
Embora a noite estivesse fria, estava bonita demais para resistir.
Portia se inclinou contra a pedra fria e encheu seus pulmões com
um ar fresco e não londrino, uma rainha temporária do seu próprio
reino iluminado pela lua.
A oeste, era possível ver um trecho do oceano, as ondas
cintilantes eram visíveis, mas estavam muito distantes para serem
ouvidas batendo contra a costa. Jardins formais cercavam a casa de
norte a sul e além deles havia madeiras o suficiente para ser
considerado uma floresta.
Portia fechou os olhos e absorveu o silêncio noturno. Aquele
lugar era encantador. Pena que aquela provavelmente seria sua
única noite para aproveitá-la. Seu arrependimento era tão amargo
que deixou um gosto ruim na sua boca, ela nunca deveria ter
mentido. Ela deveria ter escrito para o Sr. Harrington usando seu
próprio nome. Ela poderia ter fornecido uma prova da sua
capacidade que era tão impressionante quanto a de Ivo, sem
mencionar sua experiência na administração da escola, não que
uma escola fechada fosse um endosso.
Ela fez um desserviço aos dois, não falando a verdade e
permitindo que ele tomasse a decisão. Agora sua mentira ficaria
entre eles, e com razão.
Portia mordeu o lábio inferior até ficar esfolado, furiosa com sua
impetuosidade. Ela tinha quase vinte e nove anos, nunca aprenderia
a pensar antes de agir? Ela devia estar louca quando pensou que
isso funcionaria, e mesmo que...
Um leve som invadiu seus pensamentos e Portia abriu os olhos.
Algo branco e fantasmagórico cintilou entre as árvores na beira da
floresta. Ela deu um passo para trás e ficou parada no manto das
pesadas cortinas de veludo, puxando-as para mais perto do seu
corpo. Uma figura emergiu da floresta e Portia prendeu a respiração
quando o borrão branco se solidificou. Não era um fantasma e sim
uma pessoa montada em um grande cavalo branco.
Cavalo e cavaleiro atravessaram a fileira de árvores antes de
explodir a galope e atravessar o parque ondulado como uma estrela
cadente, diminuindo a distância entre a floresta e a casa em questão
de segundos.
O par espectral diminuiu a velocidade quando se aproximaram
da entrada, as lanternas brilhantes dando a Portia uma melhor
visão. Não, certamente não é um fantasma, mas um homem de
aparência muito substancial. Ele não usava casaco ou colete,
apenas uma camisa branca que devia estar úmida devido aos seus
esforços e agora aderia ao seu corpo como uma segunda pele. Ele
controlava sua montaria com longas coxas musculosas envoltas em
calções e enfiadas nas botas escuras. O luar transformou o cavalo e
o homem e um misterioso branco prateado.
Portia se aproximou da varanda quando ele se aproximou na
esperança de vislumbrar seu rosto enquanto passava sob a lanterna
pendurada nas proximidades. As cortinas se moveram com ela e a
luz da vela atrás dela escapou, lançando uma linha tênue através da
entrada que era como uma flecha apontando em direção a sua
janela.
Cavalo e cavaleiro giravam em direção da varanda.
Portia se engasgou, ela entrou para o quarto e fechou a janela,
trancando-a. Puxou as cortinas e caiu contra elas, seu coração batia
forte como se estivesse correndo.
Bom Deus! Como aquilo era possível?
Capítulo Dois

J das onze horas quando uma criada chegou para


escoltar Portia à sua entrevista com o dono da mansão.
Ela estava acordada, vestida e esperara por horas, apesar de
não ter dormido muito. Ela tentou, mas toda vez que fechava os
olhos, um rosto assustador de marfim brilhava em sua mente.
E aqueles olhos...
É claro que ela sabia que era um homem montado no cavalo e
não um fantasma ou demônio. Mesmo assim, ela havia perdido o
sono. Ela olhou para a escuridão acima da sua cama, onde imagens
fantasmagóricas se formavam e se dissolviam sem parar.
Ela tentou contar ovelhas ou pensar em outras coisas mais
agradáveis. Como os amigos que ela deixou para trás, as cinco
mulheres e o homem que já foram seus funcionários e que agora
eram sua família. Agora, suas amigas estavam espalhadas aos
quatro ventos, cada uma forçada a ganhar a vida às margens da
sociedade. Era provável, muito provável na verdade, que Portia
talvez nunca mais visse nenhuma delas.
Então aqui estava ela, sozinha, mais uma vez.
Aquele pensamento a deixou triste, inquieta e tomada de
autopiedade, fazendo-a se virar e remexer até que os dedos
rosados pela luz do amanhecer rastejaram no horizonte. Só então
ela caiu em um sono superficial e instável.
Fleches de luz solar penetraram entre o espaço das cortinas de
veludo e a acordaram pouco antes das oito horas. O rosto que a
cumprimentou no espelho tinha olhos vermelhos com olheiras
embaixo deles. Portia quis chorar quando viu seu reflexo, mas isso
também faria seu nariz ficar vermelho.
Então ela se vestiu e arrumou a bagunça que estava seu cabelo,
amarrando-o em um coque tão apertado que pareceu diminuir as
olheiras embaixo dos seus olhos.
Depois colocou um pedaço de pano frio sobre a testa e aguardou
até que uma batida na porta a afastou das suas preocupações.
Era o mordomo, Soames.
— O Sr. Harrington a receberá na biblioteca, senhora — em
contraste com a noite anterior, quando o velho parecia quase
frenético, naquela manhã o rosto enrugado e os olhos azuis
reumáticos eram o epítome da impassividade mordomica.
Eles desceram uma escada diferente daquela que ela subira na
noite anterior. Soames virou à direita quando chegaram no final e a
levou por um amplo corredor mal iluminado antes de parar em frente
de um conjunto de portas duplas.
Ele abriu a porta à direita e a fez entrar.
— A biblioteca, senhora.
Portia espiou dentro da sala, cujo interior mal era visível. A única
luz vinha de uma única vela do lado oposto.
— Obrigado, Soames — a voz profunda veio da mesma direção
que a luz. — Por favor, entre e sente-se, Signora Stefani.
Portia deu um passo hesitante para dentro da biblioteca e deu
um pulo quando a porta se fechou atrás dela.
— Suponho que ache que esteja bastante escuro — uma chama
seguiu suas palavras e uma mão pálida acendeu mais três velas. Os
nimbos de luz cresceram até que um crânio com duas órbitas
oculares se materializou na sua frente. Portia ofegou e o crânio se
transformou em uma máscara de desprezo.
— Por favor, não se assuste. Não sou perigoso e não vou
machucá-la.
O rosto dela ardeu, tanto pela reação tola quanto pelo tom
zombador dele. Ela podia ver agora que os dois pontos negros eram
apenas óculos escuros e o crânio era apenas um rosto muito pálido,
o mesmo rosto que ela vira na noite passada. O luar não estava
pregando peças. Os cabelos e a pele de Eustace Harrington eram
tão brancos quanto a neve recém-caída. Apenas seus lábios
franzidos tinham alguma cor.
— Eu tenho albinismo, Signora Stefani. Isso significa que eu
sofro de falta de pigmento. Não precisa se preocupar, não é
contagioso.
Portia riu e sua expressão mudou de desdenhosa para altiva.
— Eu não estou rindo do senhor, Sr. Harrington — ela apressou-
se a assegurar-lhe. — Estou rindo porque estou perfeitamente
ciente de que não transmite nenhum contágio. Já ouvi falar da sua
condição antes — Portia não contou para ele que a única outra
pessoa que ela ouvira falar havia sido apedrejada até a morte por
camponeses supersticiosos em uma vila nos arredores de Roma.
— Então eu não preciso me preocupar que desmaie ou grite? —
Ele perguntou, seu tom cáustico.
— A menos que me dê um bom motivo para fazer isso, senhor.
Ele ignorou sua tentativa de leviandade.
— Por que veio para a mansão Whitethorn?
Portia respirou fundo e começou o discurso que havia ensaiado
desde Londres.
— O senhor queria contratar um instrutor de piano com talento
superior, eu sou essa pessoa. Fui treinada na Accademia Nazionale
di Santa Cecília, a escola de música mais respeitada do mundo.
Meu pai foi instrutor lá por muitos anos e eu era uma das suas
alunas — ela fez uma pausa. Quando ele não falou nada, ela
continuou. — A Accademia não admite mulheres, mas sou uma
pianista com formação clássica. Não sou Ivo Stefani, mas sou boa,
muito boa — Portia parou antes que sua ansiedade esmagadora a
dominasse e escoasse pela sua fachada cuidadosamente
construída.
O rosto branco em frente a ela permaneceu imóvel. Ele esperava
que ela se desculpasse? Implorasse? Algo muito próximo ao terror
se espalhou pelo seu peito dificultando sua respiração. Talvez ela
devesse...
— Quando seu marido morreu? — ele fez a pergunta friamente,
como se estivesse perguntando as horas ou se ela preferia chá ao
café.
Portia engoliu sua irritação de uma maneira calma e deliberada,
o que a fez se sentir como uma estudante recalcitrante diante de
uma diretora. Ela lembrou a si mesma que ele era a parte ferida
naquela transação, ela merecia tratamento frio, no mínimo.
— Há pouco menos de um ano.
— Então foi a senhora quem respondeu ao meu anúncio e
depois me enviou uma carta, assinando com o nome do seu marido.
Seu rosto quente ficou ainda mais quente.
— Sim.
— Se é altamente qualificada, por que não publicou um anúncio
com seu próprio nome em vez de mentir?
A palavra mentir era como uma faísca no pavio seco.
Portia abriu a boca, mas a voz estridente da razão a deteve. Seja
humilde, Portia! Humilhe-se! Não muitas horas atrás prometeu não
ter mais comportamento impetuoso e... Portia ignorou a voz. Afinal,
o que ela tinha a perder falando o que pensava? Obviamente, o
homem não iria contratá-la.
— Diga-me, Sr. Harrington, contrataria uma professora
particular?
Ele se recostou na cadeira, sua boca puxando um leve sorriso.
— Esse não é o ponto, é?
O homem estava brincando com ela e se alimentando da sua
humilhação e medo. Ela se levantou e ele se levantou com ela.
— Está indo embora, Signora Stefani?
— Por que deveria ficar? Deixou bem claro a sua opinião sobre
as musicistas.
— Oh? Eu pensei que estávamos falando da sua mentira e não
das suas habilidades musicais.
Portia rangeu os dentes, furiosa por ele estar certo. Outra vez.
Ele apontou para a cadeira dela.
— Por favor, por que não se senta? Me dei de um grande
esforço e despesa para trazê-la até aqui. Não vai me privar da
cortesia de alguns minutos do seu tempo e talvez algumas
respostas?
Tudo o que ele disse era justo, atordoante, mas por alguma
razão aquilo não fez nada para amenizar sua ira irracional.
— E o que fará se eu recusar, Sr. Harrington? Convocar o
magistrado local?
Ele suspirou.
— Eu sou o magistrado local, Signora Stefani.
Portia deu uma risada curta e irônica e caiu sobre a cadeira.
— Pergunte o que quiser.
Ele voltou a se sentar, ignorando seu comportamento rude e as
palavras espinhentas.
— Estou curioso, por que não houve menção à morte do seu
marido nos jornais, Signora?
Ela esperava por essa pergunta muito antes, mas isso não
significava que estivesse ansiosa para começar a contar ainda mais
mentiras.
— Meu marido não morreu na Inglaterra — ela fez uma pausa
—, talvez tenha ouvido falar do acidente dele?
— Sim, seu braço fora esmagado e ele não pôde mais tocar.
Presumi que tinha sido por isso que ele respondeu ao meu anúncio.
— Receio, mas meu marido achava que ensinar era um lembrete
insuportável de tudo aquilo que ele havia perdido — isso era
verdade. — Ele precisava se afastar das memórias do seu passado
e fazer algo significativo com sua vida. Ele decidiu que a melhor
maneira de fazer isso era se juntando ao exército — mentiras,
mentiras, mentiras. Felizmente, seu rosto não podia ficar mais
quente.
As sobrancelhas pálidas se ergueram acima dos óculos escuros,
uma reação que poderia significar surpresa, descrença ou alguma
outra emoção. Portia presumiu que era surpresa. Afinal, ele não
conhecia Ivo. Se ele tivesse conhecido, estaria curvado de tanto rir
agora. Ivo Stefani nunca teve um pensamento altruísta em toda a
sua vida.
— Por favor, continue.
— Não há muito mais o que contar. Ele foi para Nápoles e
morreu pouco depois na Batalha de Tolentino — ele ousaria
perguntar de que lado o marido havia lutado? Ou ele assumiria o
pior e a demitiria por ser a viúva de um homem que alguns na
Inglaterra considerariam um traidor?
— Diga-me, Signora — disse ele, apoiando os cotovelos sobre a
mesa e inclinando-se para a frente, a ação aproximando seu rosto
fascinante da luz. — O que achou que aconteceria quando se
apresentasse aqui sob falsos pretextos?
Ela se perguntou a mesma coisa, mas com palavras mais
brutais, inúmeras vezes. Por que, então, ela estava com tanta raiva
quando ele fez uma pergunta que ele tinha todo o direito de fazer?
Porque tem vergonha do que fez e nada é mais angustiante do
que saber que está errada.
A pequena voz irritante estava certa, mas isso não significava
que Portia tivesse gostado. Ainda assim, ela poderia controlar
melhor seu temperamento.
— Sinto muito por ter mentido e peço desculpas — ela fechou os
lábios. Mas depois sua boca se abriu e mais palavras saíram. — Se
me disser o quanto gastou para me trazer aqui, terei prazer em
pagá-lo de volta — ela se surpreendeu com as palavras tolas, onde
ela conseguiria o dinheiro?
O orgulho precede a destruição, e o espírito altivo, antes da
queda.
Portia rangeu os dentes com a observação presunçosa, mas
adequada.
As feições do Sr. Harrington mudaram para uma expressão de
repugnância leve.
— Poderíamos pechinchar como ambulantes pelo reembolso da
sua jornada ou poderia me dar uma demonstração da sua
capacidade musical — seus lábios pálidos se torceram em um
sorriso zombador. — Eu sei qual eu preferiria.
Portia se irritou com o sarcasmo, mas a esperança aumentou em
seu peito. Ele consideraria contratá-la? Ou isso era alguma forma
mesquinha de vingança?
Ela estudou seu rosto ilegível. Ele a lembrou da famosa pedra
que vira no Museu Britânico, a que recebeu o nome da cidade
portuária egípcia de Rosetta. Ele não tinha nenhuma semelhança
física com o pedaço preto de rocha, mas emanava a mesma
qualidade inescrutável. Ele estava brincando com ela? Fazendo-a
ter esperanças para que ele pudesse...
Portia assumiu o controle dos seus pensamentos giratórios. A
verdade era que ela não se importava quais eram suas motivações.
Tocar piano era muito melhor do que responder perguntas para as
quais ela não tinha respostas ou pelo menos nenhuma que fosse
concebível.
Ela inclinou a cabeça com arrogância para combinar com a dele.
— Tem direito a uma demonstração das minhas habilidades. O
que gostaria de ouvir?
— Vou deixar isso a seu critério. A senhora é, afinal, a
especialista — ele acrescentou ironicamente. — Devo acompanhá-
la até a sala de música agora ou precisa de tempo para se
preparar?
Portia ouviu o desafio na sua pergunta provocadora e sorriu, que
prazer seria enfiar aquelas suas palavras desdenhosas garganta
abaixo. Ela se levantou.
— Não há tempo melhor como o presente, Sr. Harrington.
Capítulo Três

P de relance para Eustace Harrington


enquanto ele a conduzia pelo longo corredor. Seu nariz aquilino,
lábios bem desenhados e mandíbula esculpida eram objetos de
escultura clássica, e sua pele e cabelos cortados na moda eram
mais brancos do que alabastro. Apenas seus óculos prejudicavam a
visão de uma versão masculina de Galatea: Eustace Harrington era
o homem com a aparência mais fascinante que ela já vira.
Ele abriu a porta de uma sala tão escura quanto a biblioteca e
virou-se para ela, um sorriso parecido com uma esfinge curvando
em seus lábios.
— Perdoe minha grosseria, Signora, mas eu vou precedê-la e
iluminar o ambiente — ele acendeu cinco velas no candelabro ao
lado do piano antes de se sentar o mais longe possível da luz,
escondendo-se efetivamente da visão dela.
Portia se aproximou do instrumento e parou abruptamente.
— Minha nossa.
— O que foi, Signora?
— Tem um Schmidt — ela passou os dedos com reverência pela
caixa brilhante.
— Aprova? — Sua voz continha a primeira sugestão de calor
que ela ouvira.
— É um piano digno de uma plataforma de concerto — até
mesmo Ivo nunca havia tocado em algo tão fino.
— Há partituras no armário aí atrás.
Foi a vez de Portia sorrir zombeteiramente.
— Elas não serão necessárias — ela se sentou e correu
algumas escalas para soltar os dedos. O instrumento era facilmente
o melhor que ela já tocara. Os pianos que o pai dela costumava
ensinar a seus alunos eram bem feitos, mas a maioria deles fora
abusada por centenas de mãos e anos de uso constante. Este piano
era requintado, o som imaculado.
Ela tocou as Variações Goldberg de Bach, começando com
Variation 14. a 2 Clav.
A peça era animada, quase vertiginosa, e a multidão de
cruzamentos era uma maneira perfeita de demonstrar sua
capacidade técnica para o homem que a julgava.
Portia poderia afirmar, sem exagero, que era superior a Ivo
quando se tratava de Bach.
— É claro que o favorece — Ivo a provocou num acesso de
pique. — Ele não tem paixão, apenas matemática, perfeito para a
sua alma inglesa — ele costumava dizer que ela era meio inglesa,
como se isso fosse algum tipo de falha.
Portia mudou-se sem pausa para a Variation 15. Canone alla
Quinta. a 1 Clav: Andante. Era uma dor pura e se enrolou ao redor
dela, apertando e apertando, deixando-a machucada e lacerada
quando ela mudou para a última seleção.
Variation 5 era doçura e luz que a inundava como uma chuva
curativa, acalmando-a com sua tranquilidade suave e carinhosa.
Quando as notas finais deixaram seus dedos, Portia cruzou as
mãos no colo e olhou para a escuridão. Uma longa pausa se seguiu,
que era algo em que o Sr. Harrington parecia se destacar.
— Seu estilo é requintado — um tremor quase indetectável
correu sob sua voz fria e Portia não se incomodou em esconder um
sorriso triunfante. Ótimo! Bach sempre deixava as pessoas
comovidas.
— Parece que suas reivindicações não foram exageradas, é uma
pianista muito boa.
Portia recusava-se a receber elogios tão fracos, ela era melhor
que boa.
— Eu sugiro um período de teste para ver se seria adequado...
— suas palavras sumiram, como se ele tivesse se surpreendido com
a oferta. Ele certamente surpreendeu Portia, deixou-a perplexa, de
fato. — Mas como parece que tomou um desgosto por mim...
— Eu ficaria honrada — Portia deixou escapar antes que ele
pudesse retratar sua oferta. — E muito grata — ela se contorceu na
pausa agonizante que se seguiu. O tique-taque distante de um
relógio era o único som e Portia estava prestes a começar a
balbuciar quando sua voz fria e sem pressa perfurou a escuridão
entre eles.
— Acho que um mês seria suficiente. No final do período de
teste, estenderei uma oferta pelo período integral do emprego ou
pagarei pelo mês e organizarei sua viagem de volta a Londres.
O orgulho de Portia se rebelou com a ameaça não tão sutil por
trás das suas palavras: era melhor ela gostar dele se quisesse ficar.
Felizmente, desta vez, ela assumiu o controle do seu orgulho,
submeteu-o à submissão e engoliu seu temperamento irracional.
— Isso parece mais do que justo, Sr. Harrington — ela hesitou
—, um mês será tempo suficiente para eu decidir se gosto de morar
em um local tão remoto.
Ele riu da pequena demonstração de desafio dela, o som quente
e convidativo e em desacordo com sua maneira fria e seu exterior
remoto.
— Nunca morou no campo antes, Signora?
— Fiz pouco mais do que andar de carruagem pelo campo.
— Ah. Bem, eu odiaria mantê-la aqui agora que viu como somos
rurais. Talvez prefira voltar para Londres?
Portia quase riu, a cobra esperta a deixara amarrar o laço e
depois enfiar o pescoço. Era uma pena que ela se recusasse a se
enforcar.
— Percorri um caminho muito longo, Sr. Harrington. Seria tolice
não dar uma chance à situação — seu estômago revirou no tenso
silêncio que se seguiu.
— Como deve estruturar minhas lições, Signora Stefani?
Um alívio vertiginoso percorreu seu corpo e Portia se esforçou
para recuperar o juízo.
— Precisarei determinar seu nível de habilidade para responder
a essa pergunta. Há alguma hora do dia que prefira tocar?
— Eu costumo praticar algumas horas antes do jantar.
— Vamos manter sua programação. Hoje pode tocar aquilo em
que estava trabalhando, o que me dará a oportunidade de avaliar
seus pontos fracos e fortes.
Ele emergiu da escuridão e parou perto do candelabro.
— Sou menos propenso a fadiga ocular se a luz estiver fraca.
Isso será um problema? — ele usou um dedo longo e elegante para
empurrar os óculos escuros pela ponte do nariz igualmente
elegante.
Portia desviou os olhos do rosto hipnotizante e olhou para a
elegante gravata.
— Contanto que consiga ver as anotações na página — disse
ela levemente.
— Então eu te encontro aqui às quatro horas. Isso a deixará com
duas horas para descansar antes do jantar. Minha tia e eu fazemos
nossas refeições do meio-dia separadamente, mas nos
encontramos para jantar. Jantamos às oito horas, o que é bastante
tarde para o campo. É claro que se juntará a nós.
Portia ficou vermelha com a oferta inesperada, embora fosse
realmente mais um comando, e emocionada por não ser banida
para seu quarto pelo próximo mês.
— Ficaria muito feliz.
— Monta, Signora?
— Receio que montar não faça parte da criação em Roma. Eu
gosto de caminhar, no entanto, e o campo parece adorável.
— Temos nossa parte de trilhas para caminhada — ele
concordou —, mas uma charrete permitirá que acesse a cidade
mais rápido. Instruirei Hawkins, meu mestre de estábulo, para lhe
mostrar como operar o transporte.
— Isso é muito gentil da sua parte.
Harrington inclinou a cabeça.
— Vejo-a às quatro, Signora.
Portia esperou até ele se virar antes de fechar os olhos, fraca de
alívio. Ela poderia ficar, pelo menos por enquanto, e não teria que
implorar e voltar para Londres e viver da caridade das suas amigas.
— Mais uma coisa, Signora.
Portia olhou para cima e viu que seu novo empregador estava
parado na porta aberta.
— Sim, Sr. Harrington?
— Para mim, o assunto da sua mentira está encerrado. Não vou
mais falar sobre isso.
Ela sorriu.
— Obrigada.
— No entanto, quero que entenda que não tolero mentira das
pessoas que emprego.
Sua repreensão fria aniquilou a gratidão que Portia estava
sentindo e seus pelos arrepiaram. Mas ela triunfou sobre sua
natureza e segurou a resposta irritada antes que ela saísse de sua
boca.
— Eu entendo, Sr. Harrington.
Então, ele acenou com a cabeça, e a porta se fechou atrás dele.
Portia olhou para a penumbra, a alegria de apenas alguns
momentos atrás agora manchada pela raiva e pelo medo. As
palavras dele ecoaram em sua cabeça e ela impiedosamente as
empurrou para o fundo de sua mente. Ela contou para ele tudo o
que ele precisava saber. A verdade sobre seu passado não era da
sua conta e não faria diferença sobre as aulas dela. Tudo o que Sr.
Harrington precisava saber sobre a vida dela com Ivo era que ele se
fora.

Stacy sentou-se em sua mesa, apagou as velas e tirou os


óculos, deixando os olhos descansarem na escuridão aveludada da
biblioteca.
Que diabos ele acabara de fazer? Ele entrou lá determinado a
dar a ela uma quantia adequada e a mandá-la embora, em vez
disso, ele ficou perplexo com o modo como ela tocou e depois lhe
ofereceu o maldito emprego.
Ele ainda estava impressionado com a breve performance dela,
uma demonstração magistral de paixão e precisão que ele nunca
poderia aspirar.
Não esqueça a pessoa dela, uma voz astuta em sua cabeça o
lembrou.
Stacy bufou. Como se isso fosse muito provável.
Ele teve apenas um vislumbre dela na noite anterior, mas tinha
sido suficiente para despertar seu interesse. Ela parecia selvagem
na varanda, os olhos arregalados, os lábios carnudos formando um
O surpreso quando ele a pegou espiando. Espirais indomáveis de
cabelos escuros formaram um arco em volta do seu rosto pálido,
sua roupa fina tornada quase transparente pela luz de velas atrás
dela.
O sangue correu para sua virilha com a lembrança daquela
silhueta voluptuosa.
Cristo. Stacy se mexeu na cadeira.
A mulher da noite anterior era sedutora, mas também assim era
a da manhã, embora por razões completamente diferentes.
Os olhos selvagens se foram e em seu lugar havia um olhar
altivo. Ela conteve seu cabelo magnífico com tanta brutalidade que
Stacy se perguntou se ele teria imaginado seus cachos rebeldes. O
vestido marrom que usava era de gola alta e mangas compridas,
mas ele não conseguiu esconder o corpo sedutor que ele havia visto
tão brevemente na noite passada.
O nariz dela, sem dúvida um presente de algum ancestral
italiano, era sua característica mais proeminente e garantia que ela
nunca fosse considerada uma beleza convencional. Dito isto, seus
cabelos escuros, pele cremosa e corpo voluptuoso criaram uma
combinação deliciosa e perigosa.
Mas sua pessoa atraente não era tudo o que capturou seu
interesse.
Ela entrara na biblioteca preparada para uma batalha, armada
apenas com seu orgulho e talento, mas, oh, que armas formidáveis
eram aquelas!
Um fogo queimou dentro dela e Stacy enxergou aquelas chamas
– inferno, ele fora queimado por elas – quando ela falou da sua
habilidade. Ela o encarara com uma confiança arrogante que era
quase erótica e, como se viu, não era injustificada.
E então ele ficou excitado quando ela tocou.
Ele deveria ter vergonha da reação prática do seu corpo, mas
não teve. Um homem teria que estar morto do pescoço para baixo
para não ficar enrijecido. Ela passou de firmemente contida a
tempestuosa e depois corou – como uma mulher no auge da paixão
– em um piscar de olhos. A experiência não só era excitante, mas
também devastadora: Stacy podia treinar por cem anos que nunca
tocaria tão bem quanto ela.
Mas isso não significava que ele não pudesse tentar.
Não havia dúvida em sua mente que a Signora Stefani tinha
muito a lhe ensinar, mas ele seria capaz de aprender alguma coisa
com sua presença perturbadora?
Você não é um cavalo no cio quando sente o cheiro de uma
fêmea. Certamente consegue controlar seus desejos, não
consegue?
É claro que ele podia controlar seus impulsos, mas o controle ou
a falta dele não era a maldita questão. A questão era: ele seria
capaz de se concentrar em tocar ou passaria suas aulas fantasiando
sobre como incliná-la sobre o piano?
Stacy fez uma careta. Soava mais do que um pouco patético
quando colocado de maneira tão direta.
Mas a verdade era patética: ele era obsceno. Terrivelmente
obsceno, de fato. Ele passou a maior parte dos últimos dois meses
em Barnstaple ocupado com a reforma de dois novos navios. Como
resultado, fazia muito tempo desde a sua última visita ao
estabelecimento de Plymouth onde ele satisfazia esses impulsos.
Rá! Estabelecimento?
Tudo bem, o bordel que frequento. Assim está melhor?
Stacy se recusou a sentir vergonha do que ele fazia. Pagar uma
prostituta era uma prática muito melhor do que deixar criadas ou
moças locais criando seus bastardos, algo que o escudeiro local
fazia com uma frequência repugnante.
Sempre há uma esposa.
Ele nem se deu ao trabalho de justificar aquele pensamento
ridículo.
A verdade era que ele deveria ter arranjado uma amante há
muito tempo, mas a ideia o deixava de mau humor. Que incômodo
seria não só para ele, mas também para alguma pobre mulher.
Como deve ser ficar sentada em casa o dia inteiro esperando que
um homem chegue e a monte?
Pensamentos sobre montar fizeram seu corpo enrijecer e ele
deixou sua cabeça cair no encosto da cadeira. Um mês era muito
tempo e ele já estava desejando a pobre viúva, uma mulher que só
estava ali para ganhar seu pão.
Stacy franziu a testa, sóbrio com o pensamento. Ele sempre teve
nojo dos homens que atacavam suas inquilinas, criadas ou outras
dependentes. Então, tudo o que ele precisava fazer pelos próximos
trinta dias era pensar na Signora Stefani como apenas mais uma
criada. Apenas um mês, e depois ele faria o que deveria ter feito
naquela manhã e a mandaria embora. Certamente ele poderia
suprimir seus impulsos indecorosos por um mês, não?
— Inferno — ele murmurou enquanto apertava suas têmporas.
Seria um mês longo demais.
Capítulo Quatro

P para o quarto e desfez a mala antes de


escrever uma breve carta para Serena Lombard, uma amiga tão
querida quanto uma irmã, que divulgaria as notícias para o resto das
amigas.
— Não faça isso — Serena implorou quando Portia contou para
ela sobre falsificar a assinatura de Ivo. — Venha morar com Freddie,
Honoria e eu. Pode ensinar piano na nossa casa, há bastante
espaço para acomodá-la.
Mas Portia amava suas amigas e não podia ser um fardo para
elas. Ela não acreditava que conseguiria ganhar o suficiente para
cobrir o quarto e a pensão, sem mencionar fazer os pagamentos da
horrível montanha de dívidas que Ivo havia deixado. Apenas uma
posição bem remunerada como a oferecida pelo Sr. Harrington
poderia cobrir tais encargos financeiros.
Portia escreveu uma segunda carta para sua senhoria em
Londres, uma mulher gananciosa que concordara, mediante uma
taxa, guardar os poucos bens de Portia até que ela decidisse o que
fazer com eles.
Ivo tinha levado tudo de valor quando partiu e nenhum dos itens
que deixara para trás tinha algum valor monetário, mas aquilo era
tudo o que ela tinha dos seus pais.
Quando terminou, sentiu-se inquieta demais para ler ou tirar um
cochilo, apesar de ter dormido muito pouco na noite anterior. Ela
olhou pela janela além da escrivaninha. A aula ainda demoraria e o
dia estava ensolarado e fresco, um dia perfeito para aprender como
andar de charrete. Ela então vestiu a capa e fez um laço com a
larga fita marrom no chapéu sob a orelha antes de seguir para os
estábulos.
Um homem corpulento conversava com um garoto de nove ou
dez anos perto da entrada dos estábulos. Ele sorriu quando a viu.
— É a Sra. Stefani, aposto. Veio aprendê andé de charrete, né?
— Sim, se não for incomodo. Deve ser o Sr. Hawkins?
— Sim, sô Ben Hawkins e este é John, meu sobrinho.
— É um prazer conhecê-lo, Sr. Hawkins, John — Portia sorriu
para o garoto, que corou e tirou o chapéu.
Hawkins voltou-se para o sobrinho.
— Vai lá e dá uma oiada na cadela do patrão e naquela outra
pequenininha, rápido.
O garoto disparou sem olhar para trás.
— Ele é bom com os bicho — disse Hawkins, deixando de lado a
armadura em que estava trabalhando. — Uma das cadela deu luz e
tem uma franzina que não consegui mamá.
— Oh, existem filhotes? — Portia perguntou, parecendo uma
criança animada até mesmo para seus próprios ouvidos.
Hawkins deu-lhe um sorriso indulgente, seus olhos castanhos
vincados.
— Sim, vá até quase a úrtima baia. Vou prepará a charrete
enquanto ocê tivé lá.
Portia seguiu as instruções simples e encontrou John ajoelhado
na palha ao lado de um cãozinho exausto.
Ele sorriu para ela.
— Cê veio vê os filhote?
Ela se agachou ao lado dele.
— Só se eu não for atrapalhar, John.
— Cê quer segurar um? — ele ofereceu a ela um embrulho
contorcido, quase sem pelos.
Portia olhou para a mãe.
— Acha que ela se importará com uma estranha segurando seu
filhote?
John riu, como se a ideia de uma cadela se importando com algo
fosse hilária.
— Não importa se ela importá. O patrão quer que eles seja
treinado, pra que eles seja fácil com as pessoa. Essa tá muito
pequena. Se ela não comê logo, o tio vai dá um jeito nela.
— Dar um jeito?
— Sim, pôr ela pra dormir.
Portia segurou a pequena fera mais perto enquanto absorvia as
palavras do garoto.
— Quer dizer que ele a matará só porque ela é pequena?
O garoto desviou o olhar, claramente desconfortável com o sinal
de raiva dela.
— Vô pegá leite e pão. A cozinheira aquece quatro vêz no dia.
Cê pode ajudá dá pra ela?
Portia levantou a pequena criatura mais alto e beijou sua testa
enrugada.
— Eu adoraria.
John saiu e Portia se acomodou na palha. O cheiro de cavalo,
roupa de cama fresca e cachorro limpo encheu suas narinas. Ela
cantarolava uma canção de ninar italiana da sua infância quando a
cadelinha abriu os olhos. Passos soaram do lado de fora dos
estábulos.
— Venha depressa, John, ela acabou de abrir os olhos.
Quando John não respondeu, ela olhou para cima.
Eustace Harrington tomava toda a porta. Ele estava vestido para
cavalgar em camurça marrom e uma casaca preta. Suas botas
lustrosas e altamente polidas tinham tantos reflexos quanto seus
óculos escuros, ligeiramente diferentes dos que ele usara antes.
Estes óculos eram fechados com couro nas laterais, provavelmente
para impedir a entrada de luz. Um chapéu preto alto estava em um
ângulo desleixado sobre seus cabelos brancos e curtos,
completando sua roupa elegante. Ele bateu na lateral da bota com o
chicote enquanto observava a cena.
— Pensei que fosse John — Portia disse estupidamente, seu
coração batendo forte quando ele se aproximou.
Ele apontou para a cadelinha com o chicote.
— Esse é o doente?
Portia olhou nos claros olhos azuis do filhote.
— Ela não é doente, é apenas pequena e diferente. Vai sacrificá-
la por causa disso? — Portia mordeu o lábio. Por que, oh, por que
ela não conseguia ficar de boca fechada?
Ele jogou seu chicote na palha e se abaixou antes de estender
as mãos grandes e vestidas de couro em sua direção. Ela lhe deu a
cadelinha e ele segurou o pequeno animal gentilmente enquanto
inspecionava seu corpo com dedos hábeis e sensíveis.
— Seus olhos parecem claros o suficiente e ela tem um bom e
sólido batimento cardíaco — ele olhou por cima da cadelinha, seus
próprios olhos dois espelhos pretos ilegíveis. — Mas ela tem a
metade do peso dos outros — ele devolveu o filhote a Portia. — Se
ela sobreviver, sempre será pequena.
— Estes são cães de caça? — Portia perguntou, cuidadosa para
esconder a desaprovação em seu tom. Ela achava aquelas
atividades bárbaras, mas sabia que a nobreza inglesa adorava.
Seu leve sorriso disse a ela que tinha sido menos eficaz quando
se tratava de esconder seu desgosto.
— Eu não caço, Signora Stefani — ele estendeu a mão para
alisar a testa enrugada do filhote e o movimento levou a mão a
centímetros do corpo dela. Portia prendeu a respiração. Por um
momento louco, ela imaginou se inclinar sobre seu toque e competir
com a cadelinha por suas carícias.
Burra!
Ela afastou os olhos do dedo dele e olhou para cima e encontrou
reflexos gêmeos do seu próprio rosto ruborizado olhando de volta
para ela. Ele continuou acariciando o rosto do filhote sem sorrir.
Atrás dele, John parou na porta.
— Oh, Sr. Harrington, sinhô.
Eustace Harrington retirou a mão da cadelinha, pegou seu
chicote e se levantou. Sua repentina ausência deixou Portia
estonteada, como se ele tivesse levado todo o ar com ele.
— O que tem aí, John?
John estendeu uma tigela de cerâmica marrom, seus olhos
disparando entre Portia e seu empregador.
— Leite e pão, sinhô. Pra pequena.
— Ah, está na hora da refeição — Sr. Harrington inclinou a
cabeça. — Vou deixar os dois tomarem conta disso.
Portia respirou profundamente quando ele saiu do estábulo, o
feitiço quebrado. Bom Deus, ele era atraente, muito atraente. Seria
prudente da parte dela em limitar o contato com ele apenas para as
aulas e as refeições.
Sim, isso seria sensato. Mas quando é que já foi sensata, Portia?

Stacy tinha planejado fazer apenas uma breve visita à fazenda


Wilson e inspecionar o telhado. Mas depois, a Sra. Wilson o
convidou para compartilhar uma taça de vinho caseiro para
comemorar o nascimento do neto.
Ele gostava dos Wilsons, pessoas gentis que pareciam aceitá-lo
pelo que era, um excelente senhorio, e não pelo que ele parecia.
Mas hoje a visita o deixou inquieto. Atribuiu isso à sua infeliz atração
por sua nova empregada ou a uma cobiça anticristã do feliz lar dos
Wilsons, ou ambos.
Stacy poderia ter muito mais dinheiro do que o humilde
agricultor, mas ele nunca teria o amor de uma mulher ou saberia a
alegria de ter filhos, ele havia aprendido essa lição dolorosa uma
década atrás, ou pelo menos achava que tinha, no entanto, quando
encontrou a intrigante professora aninhada na palha, sentiu-se
tentado a ficar perto dela. Seus olhos castanhos e a maneira
ferozmente protetora que ela embalara o pequeno animal em seu
peito generoso foram mais do que um pouco atraentes. Ele até
experimentou uma punhalada de inveja da cadelinha sortuda e
privilegiada.
Stacy bufou, ele tinha sido reduzido a inveja de filhotes
raquíticos.
Por impulso, ele virou Geist em direção à costa. Ele planejara
dar uma olhada no fabricante de carroças, mas estava inquieto
demais para fazer negócios. Raramente cavalgava por prazer
durante o dia, preferindo passeios noturnos quando podia andar
livre dos óculos, casacos, lenços e chapéu. Seus passeios ao luar
eram sua salvação. A outra única forma que o fazia se sentir
despreocupado era no piano. Mas isso mudou no ano anterior,
quando uma barreira invisível desceu entre ele e a música. Por mais
que praticasse, ele não conseguia passar daquela etapa.
Ele precisaria se lembrar daquela barreira nos próximos dias,
sua verdadeira razão para contratar aquela mulher. Uma imagem
não desejada da professora aninhada na palha invadiu sua mente
novamente.
— Inferno — ele murmurou. Ele flexionou as coxas, incentivando
Geist a galopar, como se pudesse superar a visão perturbadora na
sua cabeça.

Stacy mal teve tempo de tomar banho e se vestir antes da aula.


Ele cavalgou até que ele e Geist estivessem exaustos, esperando
que ele tivesse dominado seus desejos lascivos em submissão.
A Signora Stefani já estava na sala de música quando ele entrou.
Ela iluminou a sala usando dois pequenos ramos de velas, um na
escrivaninha onde estava sentada e outro perto do piano.
Ela olhou para cima quando ele entrou.
— Bem-vindo, Sr. Harrington. Estou pronta para ir direto à
melhor parte de cada aula: tocar.
— Espero que ainda acredite nisso depois de me ouvir tocar,
Signora.
Ela riu e o som era baixo, quente e convidativo.
— Sou otimista por natureza. Eu lhe separei várias peças, mas
primeiro gostaria de ouvir no que tem trabalhado.
Stacy localizou a partitura que ele queria e percorreu algumas
escalas. Ele se forçou para fingir que não havia mais ninguém na
sala, especialmente uma mulher atraente que também era virtuosa
no piano. Respirou fundo e começou uma música que já fazia parte
dele.
Por um breve período, ele esqueceu de si, ele não era Eustace
Harrington, a aberração fantasmagórica de olhos violeta, ele era
apenas som e sensação. A música trabalhou sua mágica,
alimentando sua alma rejuvenescendo-o. As anotações afastaram
suas preocupações, seus problemas, e sim, até mesmo sua solidão,
levando-o a um estado de ser sublime.
Mas logo a peça acabou.
Tirou as mãos do piano e olhou para cima e encontrou a Signora
Stefani parada ao lado dele. Suas bochechas coradas e olhos
brilhantes falavam volumes, ela sabia exatamente o que tocar fazia
com ele. Era como compartilhar um segredo íntimo com um
completo estranho.
Stacy desviou o olhar daqueles olhos conhecedores, seu olhar
caindo sobre a boca dela. A generosa curva dos seus lábios
carnudos fez seu abdômen endurecer, como se seu corpo estivesse
pronto para se proteger de alguma coisa. Stacy franziu a testa com
o pensamento bizarro. Protegê-lo de quê? O que diabos havia de
errado com ele?
— Sr. Harrington?
Ele ergueu o olhar. Ela disse algo enquanto ele estava olhando
para sua boca. Um calor anormal subiu pelo seu pescoço.
— Perdão, Signora?
— Perguntei há quanto tempo trabalha nessa peça?
— Talvez quatro meses.
— Estou satisfeita em encontrá-lo tão avançado. Com suas
habilidades, haverá muito pouco além do seu alcance.
Se Stacy tivesse um rabo, teria batido loucamente contra o
banco. O elogio dela estava causando respostas inesperadas de
outras partes do seu corpo. Fechou os olhos, mais uma vez
agradecido por poder se esconder atrás dos óculos. Era esse seu
comportamento pateticamente agradecido o resultado de guardar
demais tudo para si mesmo? Agora ele era incapaz de estar na
presença de qualquer mulher atraente sem ficar excitado ou querer
dormir com ela?
Na verdade, ele deve ser um dos homens mais patéticos da Grã-
Bretanha.
— Eu preparei vários exercícios, Sr. Harrington. Poderia começar
com o de cima e ir até embaixo? — ela voltou para sua mesa e sua
voz baixa e levemente acentuada, flutuou na direção dele no meio
da escuridão.
Droga. Seu rosto, seu corpo e agora sua voz?
Stacy olhou para suas mãos enquanto elas repousavam sobre
as teclas, brevemente tentadas a usá-las para colocar um pouco de
sentido na sua cabeça.
Em vez disso, ele tocou.
Capítulo Cinco

A horas de aula pareciam ter durado vinte minutos.


Embora o novo pupilo de Portia não tivesse demonstrado aquela
rara faísca de genialidade, ele era um pianista excepcionalmente
talentoso e seria um prazer ajudá-lo a aprimorar suas habilidades.
— Hawkins me disse que teve sua primeira aula de charrete.
Como foi?
Portia ergueu os olhos das anotações que estava fazendo. Ele
estava parado ao lado da sua mesa e pairando sobre ela, a luz das
velas na mesa iluminando suas feições.
— Acho que posso ter assustado seu pobre mestre de estábulo
— Portia não viu nenhum motivo em mencionar que ela também
pilotou a charrete para dentro de uma das roseiras dele. Ou que ela
quase esmagou o pé do Sr. Hawkins com uma das rodas.
— Hawkins é um homem de grande paciência.
— E coragem e bravura.
— Não me preocuparia muito com isso, Signora. Não é a
primeira a testar sua coragem. Ele me colocou no meu primeiro
pônei quando eu tinha apenas seis anos — ele sorriu, expondo uma
covinha encantadora na bochecha direita.
Uma covinha. Portia queria chorar. É profundamente lamentável.
Desejou poder ver seus olhos, ele usava aqueles malditos óculos o
tempo todo?
Ele se curvou abruptamente, o gesto fez com que Portia
percebesse que ela estava mais uma vez encarando, provavelmente
babando e com a boca aberta. Droga, maldição!
— A verei no jantar, Signora Stefani.
Sua figura elegante foi rapidamente engolida pela escuridão que
dominava além do piano. Ele vivia muito da sua vida na escuridão,
ou perto o suficiente dela. Como aquilo era possível?
Isso não é da sua conta, Portia Stefani.
Portia ignorou o pensamento intimidador. Ela sempre foi
insaciavelmente curiosa sobre as pessoas ao seu redor, mesmo
quando elas não eram homens lindos e misteriosos. Por que negar
que ela o achava atraente? Não era como se ela tivesse planos de
fazer alguma coisa sobre sua atração. Na verdade, ela não tinha
planos de fazer coisa alguma sobre atração por qualquer homem
enquanto vivesse. Se sua experiência com Ivo lhe ensinara alguma
coisa, era que sua natureza inconstante e sensual não era algo que
os homens decentes e tementes a Deus apreciavam.
Ela reuniu suas anotações e as empilhou ordenadamente no
canto da mesa. Faltavam ainda duas horas para o jantar, então ela
teria tempo suficiente para revisar seu guarda-roupa e decidir o que
vestir. Roupas finas eram uma das poucas coisas que ela preservou
de seu casamento. Era uma pena que ela não tivesse mais as joias
da sua mãe para usar com os vestidos.
Portia afastou o desejo bobo de parecer atraente e a razão
imprudente por trás dele. O homem era seu empregador, não um
amante em potencial. Um homem rico e bonito como Eustace
Harrington não se interessaria pelo que sua instrutora de música
usava, especialmente uma instrutora velha e comum. Mesmo em
sua juventude, nunca fora mais que razoavelmente atraente, e
agora tinha quase trinta anos e já passara da sua plena beleza: um
verdadeiro canhão.
E acabou com um comportamento impetuoso, principalmente
quando se trata de homens, a voz irritante a lembrou.
Portia suspirou. Sim, sim, e acabou com impetuosidade quando
se trata de homens.
Essa era uma posição muito bem remunerada e ela faria bem
em se lembrar que era apenas uma empregada ali. A única coisa
que sua ótima moral já havia feito por ela quando se tratava do sexo
oposto era colocá-la em problemas. Veja o que aconteceu na última
vez em que agiu com seus impulsos românticos, acabara casada
com Ivo. Portia arquejou. Agora ela estava empobrecida, humilhada
e abandonada em um país no qual ela era considerada estrangeira,
apesar de ser meio inglesa.
Não, desta vez ela ouviria seu cérebro em vez do seu corpo.

O vestido que Portia usou para o primeiro jantar tinha sete ou


oito anos, mas era o mais bonito que tinha. Era uma linda seda
carmim com ombros caídos e o corpete era aparado apenas com
uma faixa larga da mesma cor. Ela usou um par de brincos de
filigrana, uma das poucas peças de joalheria que Ivo não havia
pegado quando ele partiu, apenas porque elas estavam nos ouvidos
de Portia na época.
O Sr. Harrington estava na sala de jantar quando ela entrou e,
como sempre, Portia teve que se lembrar de não encarar. Ele estava
de tirar o fôlego em vestimenta formal, o preto e branco absoluto era
um coadjuvante efetivo, porém eficaz contra sua beleza pálida.
Ele pegou a mão dela e curvou-se sobre ela enquanto seus
lábios se curvaram em um sorriso acolhedor. Portia ficou sem fôlego
e esperava que ele não exibisse aquele olhar perigoso com muita
frequência.
— Boa noite, Signora Stefani, está muito elegante. Vai fazer a
moda do interior ficar com inveja.
— Não parece uma vítima da moda rural, Sr. Harrington — disse
ela secamente, enquanto ele puxava um assento para ela.
— Temos uma mesa ridiculamente longa, mas rejeitamos as
convenções e jantamos apenas em uma das extremidades, en
famille, se quer saber.
— Fala francês, Sr. Harrington?
— Acabou de ouvir um quarto do meu vocabulário francês —
Portia riu e ele serviu-lhe uma taça de vinho antes de encher a sua e
tomar seu lugar. — Nós ingleses somos horríveis quando se trata de
aprender línguas estrangeiras. Eu diria que fala várias?
— Naturalmente, sou fluente em italiano e francês.
— Naturalmente.
— Digo apenas naturalmente por que meu pai nasceu na
fronteira e o francês era sua primeira língua. Mesmo assim, meu
sotaque era considerado terrivelmente rústico pela maioria dos
parisienses.
A porta se abriu e a mulher mais alta que Portia já tinha posto os
olhos entrou. Quando o Sr. Harrington se levantou para recebê-la,
Portia viu que os dois tinham quase a mesma altura.
— Gostaria de apresentar minha tia Frances Tate. Tia Frances,
essa é a Signora Stefani.
A mulher imponente, magra como uma vareta, inclinou seu
suave chignon loiro.
— Prazer em conhecê-la, Signora. Meu sobrinho diz que é uma
pianista extraordinariamente qualificada. Aguardo ansiosamente
ouvi-la tocar.
Independentemente do seu sorriso receptivo, Portia sentiu que a
mulher não estava feliz em vê-la. Talvez ela não tivesse perdoado o
engano de Portia como o Sr. Harrington?
— Fico feliz em tocar para a senhora sempre que desejar. A
senhora também toca?
— Tive aulas quando jovem, mas nunca fui mais do que apenas
competente.
O Sr. Harrington fez um pequeno som de surpresa.
— Ora tia Frances, nunca me disse que teve aulas de piano.
— De propósito guardei essas informações, Stacy. Teria me
forçado a tocar se soubesse — ela se virou para Portia. — Meu
sobrinho foi um jovem implacável, Signora. Uma vez que coloca
uma ideia na cabeça, ele pode ser bastante tenaz e sempre
consegue o que quer.
Stacy? O nome lhe convinha melhor do que Eustace, que era
apático demais para um homem tão elegante.
— Tsc, tsc, tia Frances, fará a Signora Stefani pensar que eu sou
um tirano.
Os olhos da mulher brilharam com amor e carinho.
— Mas é, e um benevolente.
A conversa do jantar variou de política a assuntos locais e artes,
e seu anfitrião parecia muito bem informado em todas as áreas.
— Recebo vários jornais por semana, de Londres e do
continente. Se quiser ler algum deles, sinta-se à vontade. Isso vale
para qualquer outra coisa na biblioteca.
O Sr. Harrington fez sinal ao lacaio para encher a taça de vinho.
Era o segundo dela, ela realmente precisava desacelerar.
— Meu sobrinho se orgulha de sua biblioteca. Deve explorar o
impressionante catálogo de livros dele — as palavras da Srta. Tate
eram calorosas, mas seus olhos azul-acinzentados a estavam
avaliando astutamente.
— Eu gostaria muito disso. Eu era membro de uma biblioteca
circulante em Londres e temia que não tivesse livros enquanto
estivesse aqui.
O Sr. Harrington dispensou a bandeja de sobremesas oferecida
pelo lacaio e Portia olhou para sua própria seleção de doces e
corou, ela pegou um Zabaione e vários biscoitos. Se ela comesse
isso todos os dias, estaria correndo o risco de ficar sem roupas.
Ela sentiu o gosto da sobremesa espumosa e não resistiu aos
gemidos. Estava tão delicioso quanto qualquer um que
experimentara em sua terra natal. Quando ergueu os olhos do prato,
viu o Sr. Harrington a observando com um leve sorriso nos lábios.
Portia corou, como se tivesse sido pega desfrutando de algo carnal.
— De que tipo de livros gosta, Signora?
— Gosto de qualquer coisa, desde romances góticos a livros de
viagem.
Ele se virou para a tia.
— Qual o nome do romance que acabou de ler, tia Frances?
Portia pôde ver por trás dos óculos quando ele se virou, um
emaranhado de cílios longos brancos franjavam suas pálpebras.
— Já leu Signora?
Ela piscou, bastante ocupada encarando para ouvir a resposta
da sua tia.
— Erm, lamento, mas ainda não tive a oportunidade.
— Mencionou um dos outros livros dela anteriormente, mas não
me lembro bem, qual era, Signora? — seu sorriso era zombeteiro,
ele sabia que ela não tinha ideia do que ele estava falando. E ele
sabia o porquê também. Era humilhante saber que ela se juntara às
fileiras de pessoas rudes que o encaravam.
— Acho que era Delphine — interrompeu a Srta. Tate, salvando
Portia sem saber.
O sorriso do Sr. Harrington cresceu, expondo uma covinha
perigosa.
— Ah, sim, era esse. Obrigado tia Frances.
Portia olhou do seu rosto divertido para a comida, sua pele
queimando. Esta seria a última vez que ela seria pega encarando o
homem.
— Seu inglês é muito bom, Signora, quase não detecto sotaque
— disse a Srta. Tate.
— Meu pai era italiano, mas minha mãe era inglesa. Como contei
ao Sr. Harrington, cresci falando várias línguas em casa.
— Há quanto tempo mora na Inglaterra?
— Eu me mudei para Londres há sete anos.
— Tem família aqui?
Portia não pôde deixar de sentir que estava sendo interrogada,
por mais gentil que fosse. Ainda assim, ela supôs que devia uma
história para eles, pois ela foi parar ali sob falsos pretextos e estava
vivendo sob o teto deles.
— Meu pai ensinava piano às cinco filhas do conde de Marldon e
acabou se casando com a segunda filha mais velha dele.
As sobrancelhas da Srta. Tate se arquearam tão alto que quase
alcançaram seus cabelos cuidadosamente penteados.
— E neta de Marldon?
Portia sorriu ao óbvio espanto da mulher.
— Sim, sou.
— Viu a família da sua mãe desde que voltou para a Inglaterra?
— Sr. Harrington perguntou.
— A família da minha mãe não ficou satisfeita com a fuga dela e
interrompeu toda a comunicação. Quando ela morreu, meu pai
enviou uma mensagem para eles, mas não recebeu nenhuma
resposta. Depois que vim para a Inglaterra soube que meu avô
havia morrido e o título passou para um primo distante. O novo
conde não demonstrou interesse em reconhecer nossa conexão —
um silêncio tenso seguiu sua divulgação e ela quase sentiu pena
dos anfitriões. Que resposta uma pessoa poderia dar com aquela
informação?
O olhar penetrante da Srta. Tate não vacilou.
— Acredito que conheci uma das suas tias, Cicely o nome dela.
Foi a vez de Portia olhar.
— Sim, a irmã mais velha da minha mãe. Como a conheceu?
— Estudamos na mesma escola, mas não nos conhecíamos
bem.
O Sr. Harrington inclinou a cabeça.
— Ora, tia, nunca me disse que frequentou a escola.
— Faz muito tempo, Stacy, e eu não fiquei lá mais que um ano.
— Que coincidência. É um mundo muito pequeno — disse Sr.
Harrington.
Mundo pequeno, de fato. Portia só podia esperar que essa fosse
a única conexão com seu passado que emergisse.

Depois do jantar, Portia tocou mais Bach a pedido do Sr.


Harrington. Tanto ele quanto sua tia foram muito elogiosos e era
uma alegria tocar um instrumento tão glorioso. Noites como aquela
eram as mais próximas que ela jamais chegaria a se apresentar em
público. Essa percepção não lhe causava mais o sofrimento que
sentia quando ela e Ivo estavam juntos.
— Por que se atormenta, cara? — ele perguntava quando a
encontrava tocando, seus olhos cor de caramelo divertidos e
condescendentes. — A minha genilidade não é suficiente para nós
dois?
Ele ficou consideravelmente menos entretido sobre seus ensaios
depois do acidente que deixou sua mão utilizável, mas incapaz de
tocar. Então ele se tornou cruel, gostava de zombar dela quando a
pegava tocando. Portia não se importava tanto, ele a atacava
porque não podia mais fazer música. Como musicista, ela podia
imaginar o quão terrível aquilo era.
Ela foi para o quarto pouco depois de tocar. Seu corpo estava
cansado, mas sua mente ainda estava em um turbilhão, então ela
pegou o Zadig de Voltaire da pequena coleção de livros que trouxe
com ela. Mas suas pálpebras ficaram pesadas e ela abandonou o
livro e apagou a vela depois de quinze minutos.
Assim como na noite anterior, ela dormiu por algumas horas.
Desta vez, ela foi diretamente para a janela e abriu as cortinas. Ela
não teve que esperar muito antes que ele aparecesse, trovejando
através da sua terra em seu magnífico cavalo, dois fantasmas sob o
luar.
Ela ficou escondida, incapaz de desviar os olhos enquanto
homem e animal se moviam como um só. Como ele havia feito na
noite anterior, ele terminou seu passeio debaixo da janela dela.
Portia não achou que ela havia se mexido e não havia luz de
nenhuma vela, mas assim que ele passou pela varanda dela, ele
olhou para cima. Ela congelou. Ele não estava usando óculos e, sob
a luz combinada da tocha e da lua brilhante, ela teve um leve
vislumbre de violeta.
Não até ele ter passado, ela percebeu que ele estava sorrindo.

— Também viu a curiosa professora de música, Geist? — as


orelhas do majestoso cavalo se contorceram com o som da voz de
Stacy. Ele removeu a sela de Geist e começou a massagear o
cavalo. Stacy zombou. — Provavelmente acha que ela fica
acordada para te ver, não é? — O garanhão bateu no chão com
uma das patas dianteiras e Stacy riu.
— Acho que não, meu amigo. Acho que ela fica acordada para
me encarar.
Era o mesmo interesse mórbido que as mulheres sempre
demonstravam nele. Geralmente, seus olhares inquisitivos não o
entretinham e nunca ele desejara satisfazer a curiosidade de uma
mulher exibindo seus olhos, pelo menos não desde o desastre com
Penélope. Ele franziu o cenho com a lembrança da sua antiga noiva
e a noite em que aprendeu o quão bem uma mulher podia esconder
seu desgosto por sua pessoa em busca do seu dinheiro.
Geist apoiou-se pesadamente sobre o ombro de Stacy enquanto
ele passava uma toalha na sua pata dianteira e depois na outra.
Geist resmungou baixo.
Stacy riu.
— Gosta disso, sua coisa gananciosa?
Depois que terminou, vestiu o cabresto de Geist e o conduziu
pelo longo corredor. Outras cabeças brancas apareceram quando
Stacy e Geist passaram, uma era da sua égua mais nova, Snezana.
O corpo do garanhão se enrijeceu e ele parou e relinchou,
pisoteando com um casco no chão de madeira do lado de fora da
baia. Snezana sacudiu a cabeça, mas depois recuou para os
recessos escuros da sua baia.
Stacy estalou a língua e deu uma batidinha na garupa de Geist.
— Ela ainda não está pronta para você, meu amigo — Geist o
seguiu com relutância óbvia, seus grandes olhos escuros rolando
quando deixaram a égua silenciosa para trás.
Ele conduziu o garanhão agitado em direção a sua grande baia
de canto, acalmando-o enquanto eles passavam. — É difícil esperar,
eu sei. Mas ela não o aceitaria agora. Prometo que, quando for a
hora certa, ela virá ao seu encontro.
Outro par de olhos escuros e expressivos brilhou em sua mente
quando ele acariciou calmamente o flanco do grande cavalo.
Stacy não tinha certeza se suas palavras calmantes eram para o
garanhão ansioso ou para si mesmo.
Capítulo Seis

A semana de Portia passou rápido e ela raramente


via os outros ocupantes de Whitethorn, exceto nas aulas diárias e
no jantar. Na verdade, ela os via tão pouco que às vezes se
perguntava se a evitavam de propósito.
Mas era muito mais provável que estivessem ocupados com
suas vidas. Ela soube pela criada Daisy, que a atendia com mais
frequência, que o Sr. Harrington era um homem de negócios com
interesses em outras partes do país, não apenas na Cornualha. E a
Srta. Tate administrava a mansão do sobrinho e era voluntária no
vicariato local.
A única pessoa que não tinha vida para se falar era Portia.
Ela nem conseguiu espiar o Sr. Harrington durante as
cavalgadas da meia-noite, pois elas haviam cessado com o declínio
da lua. Pareceu-lhe estranho que ele nunca tivesse mencionado sua
espionagem, é claro que ela nunca confessou que o observava. Era
quase como se eles compartilhassem um segredo.
Portia bufou com o pensamento tolo quando puxou a corda do
sino para chamar a criada na oitava manhã em Whitethorn. Ela
acordou mais cedo do que o habitual, determinada a tentar andar de
charrete. Ela estava gostando das suas caminhadas, mas queria
explorar mais além do que podia alcançar a pé.
Quando chegou à sala do café da manhã, ela a encontrou
ocupada pela primeira vez em mais de uma semana.
— Bom dia, Srta. Tate. Sempre acorda cedo?
— É a minha hora favorita do dia, Signora — a mulher sorriu,
mas suas pupilas eram pequenos pontos pretos. Ela sempre foi
amigável e agradável, mas nunca baixou sua guarda.
Portia aproximou-se do aparador com antecipação, fazia muitos
anos desde que ela havia comido tão bem e seu apetite era voraz.
Há muito tempo, ela havia deixado de se preocupar com seu corpo,
que teimava em permanecer mais rechonchudo do que a moda
ditava quer ela passasse fome ou comesse o que gostava.
— Quais são seus planos para esta manhã, Signora? — a Srta.
Tate perguntou depois que Portia se sentou.
— Decidi ir de charrete até a cidade — Portia olhou do prato da
outra mulher, que continha uma fatia pela metade de torrada, para o
seu, que estava cheio de presunto, ovos, sardinhas e uma fatia
grossa de pão com manteiga.
— Monta?
— Lamento, mas nunca aprendi — três potes de geleia estavam
sobre a mesa, implorando para que ela os provasse. — Eu tenho
explorado a área a pé — a Srta. Tate arqueou as sobrancelhas, para
as palavras de Portia ou para seu apetite. — Mas o Sr. Harrington
gentilmente me ofereceu o uso da sua charrete — pegou uma
garfada de ovos cozidos e imediatamente desejou ter pegado mais,
estavam deliciosos.
— Nasceu e cresceu na cidade, Signora?
Portia acrescentou uma dose generosa de creme ao café.
— Eu nasci e cresci em Roma. Depois que me casei,
acompanhava meu marido nos compromissos dele, que eram
principalmente nas grandes cidades.
— Deve ter sido uma vida interessante.
— Teve seus momentos — Portia tomou um gole de café e
suspirou com satisfação, estava escuro, forte e com sabor rico.
— Acha que pode ser feliz vivendo no campo depois de uma
vida tão glamourosa?
Portia riu.
— Eu não diria que foi glamurosa — ela não disse à outra mulher
que sua vida era cheia de estresse e insegurança constantes. Em
vez disso, ela cortou um pedaço de presunto enquanto considerava
sua resposta. — Até agora, estou gostando de morar aqui — disse
ela, e depois enfiou o presunto na boca, mastigou, engoliu e tomou
outro gole de café. — Morou aqui a vida toda, Srta. Tate?
— Eu me mudei para cá quando meu sobrinho era bebê — ela
olhou para o prato, onde suas mãos estavam ocupadas esfarelando
o restante da sua torrada. Quando notou Portia a observando,
limpou os dedos elegantes no guardanapo e os abaixou sobre o
colo.
— Onde morava antes de se mudar para cá?
O silêncio se prolongou por tanto tempo que Portia se perguntou
se a Srta. Tate a teria ouvido.
— Eu morava com minha irmã e seu marido, ao norte de
Plymouth.
Portia esperou por mais. Quando ela não falou mais nada, ela
tomou o restante do café e gesticulou para a xícara quase vazia da
Srta. Tate.
— Não, obrigada — seu corpo alto se desenrolou graciosamente
quando ela se levantou. — Eu devo ir ao vicariato. As estufas do Sr.
Harrington fornecem flores frescas para a igreja.
— Isso é generoso.
— Sim, meu sobrinho é generoso em muitos aspectos, às vezes
até demais. Sua propensão a pensar no bem-estar dos outros antes
do seu às vezes causou-lhe... desconforto — ela fez uma pausa,
como se estivesse deixando Portia absorver aquela informação. —–
Espero que aproveite sua manhã.
— Obrigada, Srta. Tate — Portia esperou até a porta se fechar
antes de retomar a refeição. Bom. Frances Tate não emitira
exatamente um aviso, mas certamente a deixara saber que estava
preparada para pegar os cacos em nome do sobrinho, se Portia se
excedesse. A Srta. Tate provavelmente estava acostumada a
proteger seu lindo e rico sobrinho de mulheres empobrecidas e
interesseiras. Portia queria garantir à mulher que o Sr. Harrington
não corria perigo, mas duvidava que a mulher reservada apreciasse
ou acreditasse na confiança de uma pessoa que já demonstrou
disposição para mentir para conseguir o que queria.
De quem era a culpa?
Portia ignorou seus sentimentos de culpa e terminou o café da
manhã sem mais interrupções. Depois de pegar o chapéu, a capa e
a bolsa, serpenteou pelos jardins espetaculares a caminho dos
estábulos.
O Sr. Hawkins estava na frente cuidando do cavalo branco que
vira na noite anterior.
— Que animal lindo.
Hawkins sorriu orgulhosamente, como se o animal pertencesse a
ele.
— Sim, sinhorita, ele certamente é. Tá pronta pra testá a
charrete de novo?
— Se acha que eu deveria depois da minha primeira tentativa
desastrosa.
Hawkins deu uma risada bem-humorada.
— Só amassô um pouco os arbusto. Aqui, deixa eu buscá John
pra finalizá Geist e eu vô buscá a charrete.
— Posso acariciá-lo? — Portia perguntou, ansiosa para acariciar
o belo animal.
— Sim, ele vai gostá disso.
Portia encontrou o olho surpreendentemente escuro do cavalo.
Geist deu-lhe um olhar calmo e depois cutucou sua mão com o
queixo macio enquanto acariciava o focinho macio e aveludado.
O mestre do estábulo logo voltou com John e quando Portia se
virou para cumprimentar o garoto Geist cutucou o braço dela com o
nariz. Hawkins e John riram.
— Não pode dá mole com esse, sinhora. Ele é ganancioso por
atenção.
— O que o nome dele significa? — a palavra era familiar, mas
Portia não conseguia se lembrar de onde ouvira.
— O patrão diz que é uma palavra estrangêra pra “fantasma”.
Ah, era isso: Geist era fantasma em alemão, exatamente o que
Portia achava que ele era, um fantasma ao luar.
— Leva ele de vorta pra baia, John, não pro pasto. O patrão
pode querê ele mais tarde.
O garoto estalou a língua e levou o cavalo enorme para os
estábulos.
Hawkins virou-se para ela.
— Acho que deve levá John nessas primeira vêiz, sinhora.
— Eu odiaria privá-lo do seu ajudante, Sr. Hawkins.
— Né nada. Ele pode visitá a mãe e irmãs enquanto espera.
— Acho que todo mundo conhece todo mundo em uma cidade
tão pequena, sim? — Portia perguntou, enquanto o Sr. Hawkins
amarrava uma égua calma na charrete.
— Sim, é verdade. Uma pessoa não pode dá dois passo sem
tropeçá em família.
— Isso deve ser legal.
O velho grunhiu, suas mãos habilmente prendendo o arreio
enquanto seus olhos encontravam os dela.
— Isso impede que um homi se comporti mal — os olhos do Sr.
Hawkins cintilaram por cima do ombro dela e ele parou para puxar
uma mecha. — Bom dia, patrão.
Portia virou-se e encontrou o Sr. Harrington, vestido para
cavalgar com botas brilhantes, calções de couro escuro e um
casaco preto impecavelmente costurado. Ao contrário dos seus
passeios noturnos, ele também usava óculos escuros, luvas de
couro preto e um chapéu alto. A única cor em seu conjunto era o
colete verde e de listras douradas. Ele era uma visão da beleza
masculina.
— Ocê quer o Geist, sinhô?
— Isso pode esperar, Hawkins — ele se virou para Portia. — Vai
tentar andar de charrete, Signora?
— Apenas até Bude, senhor.
Ele assentiu, hesitou e depois disse:
— Talvez eu a acompanhe. Eu tenho negócios na estalagem.
A fértil imaginação de Portia saltou, fazendo-a se sentar ao lado
do homem lindo no assento apertado.
— Erm...
— Se isso for aceitável para a senhora — ele disse com um leve
sorriso.
— Sim, é claro que é. O Sr. Hawkins acabou de dizer que eu
deveria ter alguém comigo — é claro que ele estava sugerindo o
menino, e não um modelo de perfeição masculina.
— Acho que isso provavelmente é sábio nas primeiras vezes.
Hawkins se afastou de Buttercup.
— Ela logo, logo dará conta, patrão.
— Tenho certeza que sim, Hawkins — as narinas dele se
alargaram um pouco. — A Signora Stefani me parece o tipo de
mulher que é boa em tudo o que põe a mão.
Portia não podia ver os olhos dele, mas ela jurava que podia
sentir o olhar dele e seu corpo esquentou, se olhar para ele fazia
aquilo com ela, o que aconteceria se ela se sentasse do lado dele?
Ela estava prestes a descobrir.

Stacy olhou para a mulher que ele estava evitando há dias.


Que diabos estou fazendo?
Aparentemente, está evitando a companhia dela, respondeu a
voz seca em sua cabeça.
Ele a ajudou a sentar no banco estreito e, uma vez que ela havia
se acomodado, ele subiu. Ela se encolheu toda até a grade de metal
que cercava o assento, mas ainda assim a coxa dele, sua lateral e
nádega pressionavam contra a dela. Ela estava se sentindo bem,
bem até demais.
Stacy olhou para baixo e a encontrou olhando para ele, seu rosto
um tom de rosa atraente.
— Está desconfortável, Signora?
— Não, claro que não — ela se virou e olhou para frente. E
permaneceu sentada lá.
Os lábios de Stacy se contraíram.
— Precisa dar alguma indicação para Buttercup que está pronta
para prosseguir.
— Ah! — suas mãos pequenas apertaram as rédeas e ela
estalou a língua. A cabeça de Buttercup se levantou, mas ela não se
mexeu.
— Talvez deva soltar um pouco as rédeas, Signora.
— Oh — ela disse novamente, e depois afrouxou tanto o aperto
que as rédeas deslizaram por entre seus dedos.
A mão de Stacy disparou e as pegou antes que elas pudessem
enrolar no arreio.
Buttercup, livre das restrições, caminhou para a frente.
— Oh céus — a mulher fez uma careta, mostrando-lhe um olhar
rápido e mortificado. — Desculpe — o rosto dela passou de rosa
para vermelho.
— Não há o que se desculpar, ainda está aprendendo. Aqui,
pegue as rédeas.
Ela balançou a cabeça vigorosamente.
— Prefiro que faça isso.
Ele continuou a segurá-las e ela finalmente soltou a respiração e
as tomou, desta vez segurando-as frouxamente.
— Está certo? — ela perguntou quando Buttercup se arrastou
por um momento.
— Está perfeito.
— Suponho que ela saiba o caminho e não exija muita direção.
Stacy decidiu não dizer a ela que as pessoas guiavam, não
dirigiam, um cavalo.
— Buttercup consegue caminhar até Bude de olhos fechados e
de costas.
Sra. Stefani riu, um som baixo e sensual que ele ouvira uma ou
duas vezes antes. Um som que ele decidiu que gostava de ouvir até
demais.
— Seu cavalo, Geist, é magnífico.
Ele ergueu as sobrancelhas. Ela finalmente mencionaria vê-lo
em seus passeios?
— Obrigado — ele disse.
— Tem bastante cavalos. Eles são para uso pessoal ou os cria
para vender?
— A maior parte da criação que fiz no passado foi para meus
inquilinos.
— É?
— Sim, a maioria dos agricultores não usam garanhões, pois
podem ser temperamentais. Eu possuo vários garanhões e permito
que meus inquilinos os usem sem nenhum custo, pois as taxas dos
garanhões normalmente podem ser muito altas. Nas próximas
semanas, verá agricultores trazendo suas éguas.
Ela olhou para ele.
— É muito gentil da sua parte.
— Um inquilino feliz é produtivo. Além disso, fornecendo bons
cavalos, estou fazendo minha parte para manter a qualidade da
pecuária na região.
— Então Geist tem bastante filhos?
— Geist é valioso demais para ser usado como animal de tração.
Ele ainda é jovem, e esta é sua primeira temporada, então ele
cobrirá apenas minhas próprias éguas. Mas no ano que vem eu vou
cruzar ele por uma taxa.
Ao lado dele, ela balançou a cabeça.
— Eu não entendo, pensei que tivesse dito que seus inquilinos
não podiam pagar?
— Estes seriam em outros criadores de todo o país.
— E eles trariam uma égua até aqui? — ela parecia mais do que
um pouco cética.
— Oh, de fato. Já tenho vinte e cinco proprietários na minha lista,
alguns da Escócia.
— Isso é surpreendente! Entendo que Geist é um cavalo de
corrida?
Stacy ouviu a mesma desaprovação em sua voz de quando ela
perguntou sobre os cães de caça.
— Ele correu por um curto período, mas apenas o tempo
suficiente para estabelecer suas qualidades. Quando ele foi
colocado à venda, eu o comprei.
— O comprou porque ele venceu corridas?
— Em parte.
— Então por que ainda não corre com ele?
— Embora seja verdade que ele exibiu velocidade e resistência
impressionantes no plano liso, ele possui uma linhagem impecável,
por isso é muito mais valioso como material sanguíneo do que como
cavalo de corrida. Ele também é um cavalo de boa índole e com
lances razoáveis para um garanhão, o que deve torná-lo mais fácil
de cruzar.
O breve olhar que ela deu a ele foi pesado com censura.
— Então ele não passa de um negócio?
Em vez de achá-la irritante, Stacy gostou do fogo dela.
— Não posso apreciá-lo e ganhar dinheiro, Signora?
— Pode fazer o que quiser. Parece frio apenas se importar com
ele por causa da sua linhagem. Sem mencionar arrogante em
acreditar que se deve controlar essas linhagens.
Stacy apontou para as duas árvores de cada lado do caminho,
logo à frente deles.
— O que acha dessas árvores?
— As árvores?
— Sim, as árvores.
Ela encolheu os ombros.
— São árvores.
— Olhe mais de perto.
Ela se inclinou para frente quando eles passaram.
— Meu Deus, essas coisas grandes estão brotando?
— Sim, estão. Em menos de um mês será presenteada com uma
visão incrível. Este ano as circunstâncias foram propícias e nossas
magnólias florescerão.
— Já ouvi falar de magnólias. Elas devem ser bastante
espetaculares.
— Sim, são. E não há outras como essas duas. Essas magnólias
foram plantadas pelo meu tio. Ele era botânico e adquiriu algumas
das primeiras magnólias que chegaram na Grã-Bretanha. Ao longo
de muitos anos, ele trabalhou com elas até criar um par que não
apenas sobreviveria, mas prosperaria, em nosso clima.
O sorriso dela era irônico.
— Eu vejo aonde quer chegar. Mas seu tio fez isso para criar
uma árvore que cresceria aqui. A prole de Geist sobreviveria, não
importa com que égua ele fosse cruzado.
— Verdade. Mas a sobrevivência não é o único ponto de criação
seletiva, também existe o desejo de manter certas características,
aperfeiçoar outras e erradicar falhas perigosas.
— Receio que tenhamos que concordar em discordar sobre esse
assunto, Sr. Harrington. Como uma pessoa que foi chamada de
mestiça por causa da minha herança mista, sou tendenciosa.
Stacy franziu a testa.
— Lamento saber que teve que aturar essas palavras
insultuosas e tolas, Signora. Cavalos e magnólia não são pessoas e
nenhuma pessoa sã jamais defenderia a criação seletiva de seres
humanos.
— A aristocracia inglesa defende.
Sua resposta azeda e espirituosa surpreendeu uma risada dele.
— Touché, Signora, touché.
— Oh, olhe — disse ela, gesticulando com o queixo —, estamos
nos aproximando da cidade.
Ele percebeu que era o jeito dela de terminar a conversa.
— Pode trazer a charrete para a estalagem, para que eu não
atropele o pobre cavalariço?
Stacy abriu a boca para pedir que ela tentasse por conta própria,
mas quando ela virou seus magníficos – e imploradores – olhos
escuros para ele, ele se viu obedecendo suas ordens e pegando as
rédeas. Ele passou menos de meia hora com ela e já estava tendo
dificuldade em dizer não.
Sim, ele pensou sombriamente quando seu corpo macio, quente
e perfumado pressionou contra ele, esta viagem à cidade foi um
erro. A personalidade ardente e atraente da mulher estava provando
ser muito sedutora. Estar na presença dela o fez esquecer que ela
era sua empregada, e isso era algo que ele precisava manter na
vanguarda da sua mente: ela era agradável com ele porque ele era
seu empregador, e isso era tudo.
A verdade é que passar um tempo com a Sra. Stefani só daria
um resultado: paixão na melhor das hipóteses e, na pior,
sentimentos mais profundos. Como ele aprendeu há muito tempo,
ambos os resultados provavelmente terminariam em decepção e dor
para ele.
Capítulo Sete

P três dias após seu passeio muito


estimulante com o Sr. Harrington antes de aceitar sua oferta de usar
a biblioteca.
Ela não queria encontrá-lo, ou melhor, estava um pouco
interessada em outro tête-à-tête, e tinha a sensação de que ele a
estava evitando também desde o breve passeio à cidade.
Acabou que os negócios dele o manteve ocupado naquele dia,
então ela não retornou para Whitethorn com ele, mas sim com um
cavalariço da estalagem, ela ficou confusa quanto a isso. Parte dela
ansiava por sentir seu corpo duro encostado ao dela, queria inspirar
o leve e inebriante perfume de colônia, e estava ansiosa para
conversar com ele sobre um assunto bastante escandaloso, como
procriação, mesmo que fosse apenas sobre isso que eles
conversassem.
Mas vê-lo nas aulas e no jantar já era tentador o suficiente. Ela
precisava muito daquela posição para perturbar o delicado equilíbrio
entre eles, então manteve sua natureza teimosa sob controle.
Mas ela estava sem livros para ler e sabia que o Sr. Harrington
raramente saía dos seus aposentos particulares antes do meio dia,
então ela foi diretamente para a biblioteca após o café da manhã.
Ela hesitou sobre se deveria apenas ir até a biblioteca e abrir a
porta, mesmo sabendo que ele não estaria lá.
Ele disse para que usasse a biblioteca.
Isso era verdade, ele havia dito isso mais de uma vez. Portia
encostou a orelha na porta grossa, nenhum som veio de dentro. Não
que isso significasse alguma coisa. Dificilmente ele estaria fazendo
barulho na biblioteca.
Ela bateu antes que perdesse a coragem.
Nada.
Ela esperou um pouco e depois abriu a porta. A biblioteca estava
escura como um breu, então ela deixou a porta aberta para iluminar
um pouco enquanto se dirigia às pesadas cortinas de damasco e as
puxava para o lado.
A luz da manhã banhou a biblioteca e Portia respirou fundo. O
pé-direito tinha pelo menos seis metros de altura, uma obra-prima
em arcos brilhava com dourados envelhecidos que captavam os
raios de sol que aqueciam o espaço gigantesco. As estantes do
chão ao teto cobriam todas as paredes, exceto duas, a parede de
janelas voltada para o sul e a parede interna oposta, que ostentava
uma das maiores lareiras que ela já tinha visto. Um mezanino em
torno do terceiro andar continha ainda mais livros. Era magnífico e
Portia podia entender por que o Sr. Harrington passava tanto tempo
naquela biblioteca.
Levou alguns minutos para entender a organização da biblioteca
e ela tinha acabado de localizar a seção que queria quando uma voz
atrás dela a fez pular.
— Bom dia, Signora.
Ela se virou e encontrou Eustace Harrington na porta que
deixara aberta. Ele parecia tão inescrutável como sempre, e era de
se imaginar o que ele estaria pensando ao encontrá-la em seu
santuário.
— Eu pensei que a biblioteca não estaria em uso a essa hora —
seu tom foi abrupto, como sempre era quando ela se sentia em
desvantagem. — Voltarei uma outra hora.
Ele apontou para os livros na sua mão enquanto se aproximava
dela.
— Posso?
Ela entregou-lhe os volumes finos e, como sempre, aproveitou a
oportunidade para estudá-lo enquanto ele estudava os livros. E,
como sempre, ele olhou para cima e a pegou olhando para ele. Ele
levantou o mais fino dos dois livros.
— Já leu mais alguma coisa de Paine?
— Apenas seu famoso panfleto, ele tem muitos admiradores na
parte do meu mundo.
Ele entregou os dois volumes e ela apertou os livros com as
duas mãos.
— Obrigada. Esses servirão para me manter ocupada por um
tempo. Devo deixá-lo agora.
Ele apontou para o lado esquerdo da biblioteca.
— Não pegou nenhum romance e eu sei pelas nossas conversas
durante o jantar que gosta deles. Eles estão deste lado — ele
apontou para a área que ela acabara de localizar, mas ainda não
tinha examinado —, deixe-me encontrar os que minha tia
recomendou ontem à noite.
— Bem, se não for incomodo.
— Não é nenhum incômodo, Signora.
Portia olhou para a luz do sol que entrava pela janela e mordeu o
lábio.
— Devo fechar as cortinas?
— Isso não é necessário — disse ele sem se virar.
Os pilares que ladeavam a lareira eram mais altos que Portia e
encimados por raposas de mármore, sobre cujas cabeças a lareira
se equilibrava. Ela passou o dedo pelo focinho de uma raposa.
— Sua casa é fascinante, quando foi construída?
— Foi projetada e construída por Inigo Jones, que a completou
em 1647.
— Isso me lembra um dos edifícios de Palladio em Vicenza.
— O Palazzo Chiericati?
— Conhece?
— Eu vi fotos. É bem conhecido por seu design, que é baseado
em proporções musicais — ele estava passando um dedo elegante
pelas lombadas vermelhas escuras dos livros, como se procurasse
um livro em particular.
— A casa está na sua família há muito tempo?
— Pertencia a um tio-avô, um solteiro que morreu antes de eu
nascer. Minha tia me trouxe para morar aqui depois que meus pais
morreram em um incêndio. Eu estava com minha tia na época, ou
eu também teria morrido — ele contou a história trágica com um
desapego que fez o coração dela apertar.
— Sinto muito.
Ele olhou para ela, sua expressão entretida.
— Faz muito tempo, Signora, eu não tinha nem um ano de idade.
Não me lembro de nenhum deles.
— Mesmo assim, é uma história muito infeliz.
Ele pegou um livro da estante e o transferiu para a mão
esquerda, onde ele tinha outros dois.
Portia se contorceu no silêncio pesado.
— Este cômodo deve ser lindo quando a lareira está acesa numa
noite fria — ela não conseguia tirar os olhos das mãos dele, mesmo
que as visse todos os dias durante as aulas. Elas eram largas na
parte de trás com dedos longos e bem formados. Pareciam as mãos
de um pianista de concertos, mas Portia sabia que isso era
meramente romantizado por parte dela. As mãos de Ivo eram feias,
grossas, com grandes articulações e as palmas quadradas, e, no
entanto, elas haviam produzido músicas que faziam homens
grandes chorarem.
Uma visão das belas mãos do Sr. Harrington roçando em seu
corpo da maneira como elas estavam se movendo sobre os livros de
couro flutuou em sua mente e ela estremeceu. Seu corpo inteiro
formigou e ficou mais alerta, como se seus nervos estivessem muito
perto da superfície da pele.
Portia...
Não estou fazendo nada, ela protestou, sentindo-se uma tola por
discutir consigo mesma.
Sr. Harrington pegou outro livro da estante, sem saber do tumulto
que estava causando com suas ações inocentes. Não até ele ter
quatro volumes, ele virou-se para ela, seus óculos brilhando
enquanto ele lhe entregava a pequena pilha.
Ela pegou os livros e olhou para as lombadas para esconder seu
rosto ardente.
— Está gostando da sua estada aqui até agora? — sua pergunta
a forçou a olhar para cima. Ele apontou para uma das cadeiras que
estava em frente à enorme lareira.
— Sente-se. Diga-me suas impressões da Cornualha. Somos um
povo orgulhoso e adoramos ouvir como os outros veem nosso
cantinho da Grã-Bretanha.
Portia podia sentir o pulso na base da garganta latejando. Ele
conseguia ver? Por que ele queria falar com ela? Por que ela estava
se comportando como uma retardada? Ela limpou a garganta e se
abaixou de maneira deselegante na cadeira que ele indicou.
Ele se sentou em frente a ela, seu corpo relaxado e gracioso,
uma expressão educadamente interessada em seu rosto. Portia não
conseguia se lembrar de conversar com uma pessoa tão difícil de
ler. Ou talvez ele não era. Talvez ele realmente fosse tão insípido e
sem emoção quanto aparecia. Mas não, ela não podia acreditar
nisso depois de ouvi-lo tocar.
Ela percebeu que ele estava esperando.
— Gosto de passear aqui, em Londres não era tão fácil.
— Em Roma era mais fácil? — ele parecia genuinamente
interessado e não apenas sendo educado.
— Eu conhecia Roma muito bem e me sentia muito mais
confortável lá do que em Londres — ela não contou para ele como
andara sozinha por cada centímetro da cidade antiga quando era
jovem, algo que uma inglesa bem-educada jamais faria. Tal
comportamento também era desaprovado em Roma, mas o pai de
Portia estava sempre muito ocupado trabalhando para acompanhar
sua filha adolescente teimosa.
— Já pensou em voltar para o continente agora que a guerra
acabou?
— Meu pai era filho único e nunca fomos próximos de nenhum
dos seus parentes. Não há nada para mim lá — na verdade havia
muita coisa lá, mas ela não podia dizer isso para ele.
— Tem planos de viajar pela Europa, Sr. Harrington?
— Não gosto de viajar.
Portia abriu a boca, segurou-se e depois fechou-a. Mas,
naturalmente, ela não ficava fechada.
— Por causa da sua condição?
Para sua surpresa, ele sorriu.
— Isso faz parte do motivo.
Portia sabia que seu rosto estava com a mesma cor vermelha
das capas dos livros que ela estava segurando.
— As pessoas podem ser ignorantes e cruéis.
— Isso é verdade, Signora — ele ainda estava sorrindo, mas seu
tom esfriou e Portia sentiu que ela havia sido colocada em seu lugar.
Ela se levantou, seu coração batendo com mortificação.
— Não vou mais tomar o seu tempo, Sr. Harrington.
Ele não discutiu com ela naquele momento. Em vez disso, ele a
precedeu até a porta.
— Até mais tarde, Signora.
Portia inclinou a cabeça. Foi uma luta mover-se em um ritmo
digno, principalmente com o olhar dele nela até virar no canto.

No dia seguinte à sua visita à magnífica biblioteca, Portia


encontrou pela primeira vez a cuidadora do Sr. Harrington na
infância, a babá Kemble. Ela havia saído para fazer seu passeio
vespertino habitual e decidiu seguir a trilha para a floresta em que
viu o Sr. Harrington emergir naquela primeira noite. A trilha era
estreita, mas bem percorrida, provando que seu empregador não
era o único que a usava. A copa das árvores bloqueava bastante luz
e tornava o ar fresco e úmido.
Ela estava prestes a se virar quando o som das ondas ficou mais
alto, então ela continuou.
Do outro lado da pequena floresta havia uma colina levemente
inclinada que levava a um pequeno chalé que parecia
perigosamente perto dos penhascos.
A babá Kemble estava trabalhando em seu pequeno jardim
quando Portia invadiu sua propriedade. A idosa cumprimentou
Portia como se fossem velhas amigas.
— Deve ser a professora de piano!
— Sim, eu sou Portia Stefani — ela não se surpreendia mais que
todos naquela região soubessem quem ela era depois de passar por
experiências semelhantes em Bude cada vez que ia para lá.
— Sou Kemble, fui babá do Sr. Eustace. Eu estava esperando
que viesse me visitar.
Portia aprendeu rapidamente que o Sr. Harrington, ou Stacy,
como o chamava na privacidade da sua mente, não apenas
presenteara a babá com um chalé confortável, como também lhe
fornecia criados para cuidar das suas necessidades. Ele não era
apenas generoso com seu dinheiro, ele também visitava a senhora
semanalmente, assim como a Srta. Tate. A babá não tinha vizinhos
próximos e as únicas pessoas que via regularmente eram os Fants,
marido e esposa que moravam na propriedade.
— A Srta. Tate os contratou — disse a babá quando Portia
comentou sobre a eficiência do casal. — Eles são do Norte — ela
disse as duas últimas palavras com o mesmo som como se
estivesse dizendo “do nó”. — Eles certamente não são de onde o
restante da família dela mora.
— A família de Frances Tate? — Portia perguntou um pouco
surpresa. — Fiquei com a impressão de que não havia outra
família?
A babá piscou.
— Sinto muito minha querida, eu disse que ela tinha outra
família? — ela balançou a cabeça. — A Srta. Tate e o Sr. Eustace
são os únicos que restam. É uma pena — a mente da senhora
flutuava com frequência e alguns dias eram melhores que outros. A
mulher tinha quase noventa anos e chegara a Stacy, seu último
protegido e favorito, no final da sua vida.
Na segunda vez que Portia fez um passeio pela floresta, a velha
a estava esperando.
— Cuidei do Sr. Stacy desde o dia em que ele nasceu —
estavam tomando chá na aconchegante sala de estar da babá e a
velha estava crochetando em uma renda intrincada, que ela podia
fazer sem olhar. Ela olhou para Portia com olhos azuis nublados. —
Que anjo minúsculo ele era. Ele nunca chorava ou dava trabalho, de
forma alguma como o seu irmão.
Portia estava enrolando a linha fina que a babá estava usando
para fazer crochê e olhou para cima.
— Mas eu pensei que o Sr. Harrington fosse filho único?
A testa da velha senhora enrugou e seus lábios abriram.
Nesse momento sua criada, a Sra. Fant, entrou.
— Espero que não esteja se cansando, Sra. Kemble? — os
Fants eram as únicas pessoas que não a chamavam de babá.
— Eh? — a babá pareceu assustada com a aparição repentina.
De fato, às vezes Portia achava que os Fants ouviam atrás da porta.
— Não dormiu bem na noite passada, Sra. Kemble? — a Sra.
Fant perguntou em voz alta. Portia sabia que a pergunta era mais
para seu benefício, como se dissesse que a visita de Portia estava
cansando a senhora e ela deveria ir embora. Ela olhou para o
pequeno relógio preso ao vestido.
— Que relógio lindo — disse a babá, exatamente como dissera
quando se conheceram.
Portia deu a mesma resposta.
— Obrigada, babá, era da minha mãe. Melhor ir se quiser chegar
a tempo para a aula do Sr. Harrington — aquilo era um pouco
complicado. Ela tinha pelo menos uma hora, mas não se sentia à
vontade com a Sra. Fant vigiando.
— Voltará amanhã, minha querida? — O rosto da babá estava
comprimido e esperançoso.
— Claro que vou.
O Sr. Fant estava fazendo algo ao lado do chalé quando Portia
saiu. Ele não olhou para os olhos dela, mas ela sentiu o olhar dele
pelas suas costas. Era bastante gótico o modo como os Fants
vagavam pela propriedade, seus olhos sempre se estreitavam com
suspeita. Eles realmente pertenciam a um castelo grande e velho.
Portia ainda estava sorrindo com a visão da Sra. Fant como
castelã do castelo quando a Srta. Tate apareceu em um magnífico
cavalo branco, algum puro-sangue do cavalo do Sr. Harrington, ela
supôs.
— Olá Signora Stefani, é uma andarilha por ter vindo tão longe.
Portia jurava que sua presença no chalé da babá descompusera
a outra mulher.
— Gosto da companhia da babá.
— Sim, ela é uma senhora encantadora, mas sua mente,
infelizmente, não é mais o que já fora antes. Acredito que todos os
seus tutelados fugiram dela em algum momento.
— Sim, ela me confundiu com uma velha amiga e uma irmã
falecida e me contou sobre os irmãos do Sr. Harrington.
Srta. Tate deu uma risada aguda e nervosa e sua montaria se
remexeu.
— Bem, ela está muito bem cuidada, meu sobrinho a trata como
uma rainha.
— Sim, ele ajuda. Isso é louvável.
Srta. Tate pareceu satisfeita com seu comentário.
— Eu devo me apressar. Selene está bastante inquieta hoje.
O cavalo não era o único que estava ansioso.
Portia sorriu.
— Selene, deusa da lua. O nome é perfeito.
— Meu sobrinho tem o lado fantasioso dele. Tem um Hécate e
Artemis também — ela assentiu para Portia. — Bom dia, Signora.
Vejo-a no jantar — ela instou sua montaria em um galope.
Frances Tate era uma cavaleira tão boa quanto o sobrinho e
desmontou graciosamente quando chegou ao chalé. Os dois Fants
vieram cumprimentá-la e Portia estava prestes a se afastar quando
os três olharam em sua direção. Eles ficaram agrupados, imóveis,
até que ela lhes deu um aceno alegre. A Srta. Tate acenou de volta,
mas os outros dois ficaram como estátuas. Portia estremeceu,
quase com medo de dar as costas para eles.
Ela riu dos seus pensamentos fantasiosos. Realmente, ela
costumava deixar sua imaginação assustá-la às vezes.

Portia estava lendo em seu quarto algumas noites depois,


quando ouviu vozes embaixo da varanda. Deixou de lado o livro e
foi até o batente da janela, que deixara aberta. Seu empregador
estava lá embaixo. Ele trocou o traje do jantar por roupas de
montaria e conversava com Hawkins, que se virou e caminhou em
direção aos estábulos. O Sr. Harrington olhou para a janela dela,
como se soubesse que a encontraria lá.
— Ah, Signora Stefani. Nossa conversa a perturbou? — Os
lábios dele se curvaram em um sorriso que a lembrou que ela
estava usando um roupão nada atraente.
O rosto de Portia ficou quente.
— Não está escuro ainda e eu não estava dormindo — ela puxou
a faixa, mesmo que já estivesse apertada, e olhou para os
estábulos, onde Hawkins agora estava conversando com outro
homem.
Ele viu seu olhar curioso.
— Hawkins e eu estamos nos preparando para apresentar Geist
a Snezana, minha nova égua.
— Vai cruzar os cavalos hoje à noite? — ela gaguejou um pouco
quando disse a palavra cruzar.
Seu rosto enigmático mudou para uma expressão que ela nunca
tinha visto antes: malícia.
— Não, Signora, eles vão acasalar um com o outro.
Portia riu, grata por ter algo para cobrir seu rubor feroz.
— O que Snezana significa?
— Rainha do gelo. Já que demonstrou algum interesse em
cavalos naquela viagem até a cidade, pensei que talvez gostaria de
vir assistir?
— Assistir cavalos acasalando? — ela deixou escapar. Ele
estava louco?
Seus lábios se ergueram mais à direita, o sorriso torto
encantador.
— Eu entendo se preferir não assistir — havia uma nota distinta
de desafio em sua voz e seu corpo se contraiu em resposta. Portia
nunca foi capaz de resistir a um desafio, uma característica que
complicou sua vida mais de uma vez.
— Nos estábulos? — ela perguntou estupidamente, como se ele
pudesse dar um quarto na casa para os cavalos.
Ele assentiu com lenta deliberação.
— Sim. Nos estábulos, Signora Stefani, onde mantenho os
cavalos — acrescentou com a cara séria. Ele curvou-se, virou-se e
afastou-se antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa.
Portia se retirou para seu quarto antes que fizesse algo
embaraçoso, como desmaiar e cair da varanda. Ela mordeu o lábio
inferior. Ela deve esquecer tudo o que aconteceu e ir diretamente
para a cama. Sim. Nada de bom poderia resultar em ver os animais
procriarem ao lado do Sr. Harrington. Ela deu uma risada ofegante
diante da oferta escandalosa, seu corpo inteiro vibrando, não havia
possibilidade de dormir agora. Uma risada histérica borbulhou e ela
colocou a mão sobre a boca. Ver animais acasalando era uma
atividade normal do campo? Devia ser. Certamente ele não a teria
convidado se não fosse, certo? Afinal, criar cavalos era um negócio
respeitável e lucrativo.
Não que importasse qual tipo de negócio era ou quão normal era
ver uma atividade assim: cavalos selvagens não poderiam mantê-la
longe dos estábulos naquele momento.
Capítulo Oito

P com muita pressa para se preocupar com


corset ou meias, então vestiu apenas o vestido simples que usou
mais cedo. Ela poderia usar uma capa, ninguém jamais imaginaria
seu estado chocante de nudez por baixo. Uma vez vestida, ela
puxou o cabelo para trás, fazendo um coque severo para lhe dar
coragem.
— Coragem! — Ela bufou com seu reflexo, enojada com o brilho
em seus olhos.
És uma boba, Portia Stefani.
Então eu sou uma boba. O que há de novo nisso?
Portia voou escada abaixo e pelo corredor em direção à porta
lateral antes de perceber que um pouco de decoro não seria
demais. Ela conteve uma risada. Decoro? Enquanto assistia cavalos
acasalar?
Quando ela viu seu empregador parado do lado de fora dos
estábulos conversando com um estranho, ela esquivou. Quantas
pessoas iriam assistir àquele espetáculo?
Ele se virou para ela e suas sobrancelhas pálidas se ergueram
acima dos óculos escuros, como se estivesse surpreso em vê-la. O
homem com quem ele estava conversando olhou para Portia, seu
rosto desgastado não registrando nenhuma surpresa ao ver uma
mulher. Então, talvez não fosse uma ocorrência tão incomum.
— Este é Felix Thompson, Signora. Ele veio para gerenciar Geist
e Snezana.
— Um prazer, senhora — Felix Thompson puxou seu topete. —
Eu vou chegar lá, senhor — ele se virou e desapareceu nos
estábulos.
Portia olhou para o seu empregador. Havia uma curva tentadora
em seus lábios e ele estendeu o braço, como se a estivesse levando
para jantar.
— Vamos?
Portia colocou a mão sob a manga do casaco dele e ele a
conduziu por um bom número de baias até uma pequena área onde
vários homens esperavam com dois cavalos, um castanho e um
magnífico cavalo branco que se pareciam bastante com Geist, mas
com uma estrutura óssea mais delicada. Os animais estavam com
as cabeças próximas, como se estivessem tendo uma discussão
particular.
Hawkins se virou ao som da aproximação deles e sorriu,
erguendo o chapéu.
— Ora, boa noite, sinhora. É uma bela noite pá nóis fazê isso, cê
num acha? — ele era um caipira do campo que claramente não via
nada de errado com a presença de Portia.
Hawkins virou-se para o seu patrão.
— Lancelot acalmô ela e ela tá pronta, sinhô. Quando ele
terminá, pensei em levá ele pra onde os homi de Thompson tá
esperando com a égua.
Stacy assentiu.
— Muito bem, pode trazer Geist quando estiver pronto.
Hawkins deixou dois homens segurando e acalmando a bela
égua branca.
— Por que ela tem um cobertor nas costas e por que os cascos
estão cobertos? — Portia perguntou, satisfeita por sua voz sair
firme.
— O cobertor é para protegê-la quando Geist a cobrir e os
cascos cobertos é para proteger os dois. Esta é a primeira vez
desses cavalos e eles provavelmente estão nervosos, os cascos
podem causar muitos danos.
— Quem é Lancelot? — Portia perguntou enquanto se inclinava
sobre a cerca de madeira. Quando olhou para baixo, percebeu o
quão perto eles estavam, perto o suficiente para que ela
conseguisse sentir um leve cheiro da sua colônia. Ela inalou o
perfume cítrico e limpo e olhou para cima para aqueles olhos pretos,
desesperada como sempre para vê-los de perto.
— Lancelot é um garanhão que irá atiçar — seus óculos escuros
deixavam seu olhar ameaçador na penumbra do celeiro.
— Atiçar?
— Um cavalo que normalmente é usado para testar a égua
quanto à receptividade para procriar. Se a égua quiser a corte, o
atiçador será usado apenas até que ela se mostre pronta. O
garanhão reprodutor é trazido no último momento para fazer o
acasalamento real.
Quando terminou, Portia podia sentir todos os nervos explodindo
em seu corpo. Ele, por outro lado, parecia mais tranquilo do que
nunca.
— Isso parece um pouco, erm, cruel. Hum, para Lancelot, quero
dizer — seu rosto estava em chamas, mas ela ainda não conseguia
manter a boca fechada.
Ele deu um sorriso, na verdade sorriu para ela.
— Não se preocupe. Thompson trouxe uma de suas éguas para
que Lancelot termine seu próprio trabalho.
Felizmente Hawkins entrou com o garanhão magnífico naquele
momento e Portia fechou a boca. Ela não faria mais perguntas,
talvez pelo resto da vida.
Geist empinou-se quando viu Snezana, mas o homem que
segurava o cabresto o trouxe de volta para baixo, onde ele
imediatamente começou a bater os cascos sobre o chão de
madeira, seus olhos escuros fixos na bela égua.
O rabo de Snezana estava embrulhado em um longo pano e o
trabalho de um homem parecia ser segurar o rabo até o final.
Ambos os cavalos estavam inquietos, andando de um lado para o
outro e mantendo um total de seis treinadores ocupados. Mesmo
para uma pessoa não iniciada como ela, era claro que a égua
estava receptiva quando ela se agachou e recuou quando os
homens se aproximaram com o garanhão.
O que aconteceu depois foi diferente de tudo que ela já tinha
visto.
Portia havia crescido em Roma, uma cidade famosa por cães
vira-lata, então ela já tinha visto muitos animais se acasalando. Mas
aqueles eram cães, enquanto estes eram animais enormes e a
energia gasta no processo era impressionante. Mesmo com os
homens o controlando, Geist montou a égua com um vigor
alarmante. Ele levantou seu corpo enorme das patas dianteiras e
caiu pesadamente nas costas da égua. O motivo do rabo
embrulhado de Snezana ficou imediatamente evidente quando o
homem, com cuidado, mas com firmeza, segurou-o de lado, fora do
caminho do garanhão.
O recinto encheu de relinchos e bufões quando Geist apertou
suas poderosas mandíbulas no cobertor e começou a empurrar.
Portia achou difícil respirar uniformemente e pensou que poderia
derreter e se transformar em uma poça no chão do celeiro enquanto
Geist estocava violentamente a égua branca como a neve, os
músculos do traseiro do garanhão se juntando e flexionando.
Embora o encontro terrivelmente embaraçoso parecesse estar
durando uma eternidade, Portia duvidou que tivesse levado mais do
que um minuto para Snezana torcer abruptamente seu corpo e
desalojar o garanhão.
Geist balançou a cabeça e lançou sua juba branca no ar quando
dois homens o levavam ao extremo oposto do recinto, onde
Hawkins o examinou cuidadosamente da cabeça à cauda.
Enquanto isso, Felix Thompson estava trabalhando alguma coisa
no traseiro da égua, que Portia, felizmente, não conseguiu ver antes
de se virar para o Sr. Harrington.
— Deu tudo certo, senhor. Excelente para a primeira vez dele.
E quanto a Snezana? Portia quis perguntar, mas sabiamente não
perguntou.
— Voltará amanhã, Felix?
— Sim, senhor. Eu virei mais cedo. Sinto muito por ter atrasado
tanto hoje, mas...
— Eu acho que teve um bom motivo para se atrasar. Boa noite,
Felix.
O homem puxou a mecha de cabelo que estava sobre a testa e
saiu.
Hawkins se afastou da égua, que ele também havia verificado
quanto a ferimentos.
— Todos tão novinho em fôia. Vou pedi os rapaz pra dar neles
uma boa massage e um pouco de comida extra.
— Muito bem, Hawkins.
O homem saiu e Portia rapidamente olhou para as botas pretas
brilhantes de Eustace Harrington quando ele se virou para ela.
— A razão pela qual começamos tão tarde foi porque a filha de
Felix acabou de dar à luz seu primeiro filho. Felix ficou para garantir
que ela e a criança estivessem bem antes de vir. Bastante
apropriado para um homem e seus negócios, não acha?
Portia pôde ouvir o sorriso em sua voz, mesmo sem olhar para
ele. O que ela parecia incapaz de fazer.
— Signora Stefani?
— Sim? — ela não olhou para cima.
— Algo está errado, Signora?
Ela engoliu em seco e forçou para levantar a cabeça. Seu rosto
estava inexpressivo, mas suas narinas estavam ligeiramente
dilatadas, como se ele estivesse suprimindo alguma coisa,
provavelmente uma risada.
— Então, o que achou da primeira tentativa de Geist e Snezana?
— sim, ele certamente estava suprimindo uma risada.
— Aquilo foi... — Portia parou. Realmente, o que ela poderia
dizer que não soasse idiota?
Um sorriso se espalhou pelo rosto dele.
— Sim, foi.
O sorriso a deixou paralisada mais do que se ele tivesse
produzido uma pistola. Portia ouviu vagamente o som distante de
vozes masculinas. Os homens pegaram duas lanternas, mas
deixaram uma para trás. Havia luz suficiente para que ela pudesse
ver a textura fina da pele dele e o brilho pálido da sua barba
noturna. Por que a surpreendeu que ele tivesse pelos faciais? Ele
era um homem, afinal. Muito homem. Muito homem mesmo.
Ele inclinou a cabeça.
— Está tentando olhar nos meus olhos, Signora Stefani? —
antes que ela pudesse responder, ele ergueu uma mão enluvada até
as armações delicadas, removeu os óculos e os dobrou
cuidadosamente, os cílios sombreando as suas bochechas como
pingentes de gelo na neve fresca enquanto colocava os óculos no
bolso. E então ele olhou para cima.
Portia estava muito impressionada para ter vergonha do som que
lhe escapou, seus olhos não eram vermelhos, mas um violeta
translúcido cercado por matagais de cílios brancos que pareciam
dar peso às pálpebras pesadas.
— Glorioso — ela respirou.
Os olhos dele se arregalaram, como se ela tivesse dito algo que
ele não esperava.
— Signora Stefani?
— Sim, Sr. Harrington? — sua voz estava pelo menos duas
oitavas abaixo do normal.
— Eu vou beijá-la.
— Sim — disse ela, embora ele não tivesse feito uma pergunta.
Suas mãos estavam frias e macias sobre a pele fina do seu
maxilar. Ele segurou o rosto dela com firmeza, seus olhos pesados e
quentes quando sua boca esmagou a dela.
Portia estremeceu com o toque dos seus lábios. Ele não era frio
como mármore, ele era quente. Tão quente que parecia fogo. Ela
colocou os braços em volta do pescoço dele e o puxou para baixo,
inclinando a boca para levá-lo mais fundo. Suas línguas se
encontraram e se entrelaçaram enquanto sondavam e saboreavam,
famintos um pelo outro como mendigos em um banquete.
A voz da razão, tão fraca que ela mal podia ouvir, aconselhou-a
a remover a língua e o corpo para longe do seu empregador e
retornar a seus aposentos o mais rápido possível.
Ela alertava para consequências terríveis.
Ela repreendia e implorava.
E, finalmente, ameaçou.
Por fim, no entanto, a voz da razão se curvou sob o peso do
desejo e Portia comemorou a vitória do seu corpo sobre sua mente,
esfregando-se ao longo do corpo longo e duro do homem que ela
não conseguira parar de pensar por semanas.
As mãos dele deslizaram pela lateral dela até que cobriram sua
cintura e uma risada baixa vibrou em seu peito.
— Ora, Signora Stefani, sem corset — ele mergulhou em sua
boca com renovado vigor, como se quisesse consumi-la. Ele tinha
gosto de vinho do porto, charuto e calor, e ela não conseguia tê-lo
profundamente o suficiente. Ela ficou na ponta dos pés e torceu os
dedos naqueles grossos cabelos brancos, puxando-o para mais
perto, envolvendo os lábios em torno da língua e sugando-o de uma
maneira vulgar e sugestiva.
Ele gemeu e suas mãos se moveram mais para baixo, seus
dedos fortes cavando seu amplo traseiro e puxando-a para mais
perto. Ele empurrou seus quadris poderosos, esfregando sua ereção
longa e dura contra sua barriga macia.
O toque sinuoso e rítmico quebrou algo dentro dela e os últimos
remanescentes da razão se dissiparam como fumaça.

Um raio de calor disparou da sua virilha quando ela não apenas


absorveu seus impulsos, mas se esfregou contra ele. Stacy
estendeu as mãos sobre seu traseiro generoso e estocou contra ela,
esfregando a pele sensível do seu membro duro contra suas calças
de couro.
Lógica, autocontrole, decência e centenas de outras partes mais
sutis da sua mente queimaram pedaço por pedaço, deixando
apenas uma fome feroz e febril por estar dentro dela.
De que adiantou evitá-la? De que adiantou manter seu
relacionamento estritamente profissional?
A voz censuradora era apenas um sussurro e ele a jogou no
canto da sua mente.
Em vez de se afastar e se comportar, ele a levantou, apoiando
seu traseiro voluptuoso no parapeito do meio da cerca e afastou as
pernas dela com o joelho dele. Ela abriu bem as coxas e puxou as
saias para cima com uma mão. O movimento ansioso o fez pulsar
com tanta força que doía. Ele arrancou as luvas, jogou-as no chão e
alcançou os botões da calça.
Mas a mão dela estava lá antes da dele e ela arrancou os
botões, derrubando pelo menos um deles na escuridão.
Uma risada sufocada partiu da garganta dele.
Em vez de se ofender, ela deu uma risada estranha e ofegante.
— Sinto muito — ela ofegou, mas não parou, sua mão pequena
e quente vasculhando suas calças. Seus quadris quase saltaram
para fora quando a mão firme se moveu no comprimento do seu
membro.
— Que ótimo. Maldição. Inferno! — Stacy não percebeu que ele
xingou em voz alta até que ela deu uma risada baixa. E então o
polegar deliciosamente calejado dela girou em torno da fenda do
seu membro, usando a umidade abundante para escorregar pelo
seu comprimento duro.
Ela começou a trabalhar nele com movimentos firmes e
confiantes e todos os seus pensamentos racionais desapareceram.
Ele abriu mais as coxas dela e passou as mãos pelas pernas
macias e bem torneadas, livres de meias, ligas ou roupas de baixo.
Ele estava prestes a se ajoelhar e agradecer – e fazer outra coisa
enquanto estivesse lá embaixo – mas ela tinha outros planos.
Sua mão forte guiou seu membro ansioso em direção ao seu
sexo, inclinando os quadris para ele entrar nela.
— Agora — não era um pedido, era uma ordem.
Um pulso selvagem de desejo sacudiu seu corpo com aquela
única palavra e ele se esforçou para se segurar e não perder o
controle. Ele não gozaria dentro dela depois de apenas uma
estocada como um garoto ansioso, ele estava sonhando com ela há
semanas.
Ele alcançou entre suas coxas e roçou um dedo sobre os cachos
quentes e úmidos que escondiam sua pérola. Ela tremeu contra a
mão ele e soltou um grito abafado quando ele começou a circular
seu pequeno ponto rígido.
— Por favor, eu quero... — a voz dela estava crua de desejo
enquanto ele bombeava seu membro, enquanto esfregava sua
entrada com o pênis sensível, deixando claro o que ela queria.
— Devagar — ele murmurou entre dentes, o dedo ainda
provocando enquanto ela movia contra ele, mais e mais, até que
entrou nela. — Devagar.
Mas ela tinha outros planos.
As pernas dela envolveram seus quadris e flexionaram com
força, puxando-o profundamente dentro do seu corpo em um longo
deslize. Os dois gemeram quando ela se fechou ao redor dele,
molhada e apertada. Stacy oscilou à beira do controle, seu cérebro
enlouquecido e frenético estava apenas lúcido o suficiente para
sustentar um pensamento: ele não derramaria sua semente dentro
dela até que a tivesse agradado, mesmo que isso o matasse. E ele
temia que estivesse prestes a morrer.
Ele saiu um pouco lentamente, seu corpo tremendo com o
esforço de controlar seus impulsos e depois voltou a entrar devagar.
Desta vez, ele a segurou imóvel e completa, embainhando-se ao
máximo e deleitando-se com seu forte calor.
Ela se contorceu contra ele.
— Stacy.
Ele sorriu ao ouvir o nome dele e a maneira como soou como um
apelo.
Ele abaixou a boca sobre a garganta dela e flexionou os
maxilares até que seus dentes a marcaram e a seguraram,
deslizando seu membro dolorido para fora do seu corpo com uma
lentidão agonizante. Ela gemeu e ele cobriu sua garganta com
beijos e beliscões enquanto a trabalhava com estocadas profundas
e vigorosas. O prazer foi avassalador e ele correu em direção à
borda muito rapidamente, depois se afastou e olhou para onde eles
estavam unidos.
Santo Deus, era uma visão linda.
— Olhe para nós — disse ele com uma voz que soava como se
estivesse lidando com um vidro.
Eles observaram em silêncio enquanto ele a penetrava, seu
estômago flexionando com a visão do seu membro desaparecendo
em seu corpo, até que tudo o que eles podiam ver era a combinação
gritante de pele branca e pelo preto encaracolado.
Quando ele saiu dela, ela emitiu um som indescritivelmente
erótico no fundo da garganta, agarrou um punhado dos cabelos dele
e puxou sua cabeça.
Os olhos dela se fixaram nos dele, pretos de necessidade.
— Foda-me, Stacy.
Seu queixo caiu. Ela realmente disse o que ele pensou que ela
disse?
— Agora — ela rosnou.
Stacy obedeceu sem pensar e entrou nela com força.
— Sim — a palavra foi um chiado satisfeito e suas pálpebras se
fecharam.
Ele a estava usando com tanta selvageria desenfreada que uma
parte dele temia que ele a estivesse machucando. Mas ela o
encontrava em cada estocada violenta, seu corpo tão faminto
quanto o dele. O clímax dela cresceu rapidamente e ele redobrou
seus esforços, seus quadris batendo nela mais rápido, mais fundo.
Sua visão vacilou e ele começou a desmoronar por dentro.
Ainda não, ainda não, ainda não...
Ela emitiu um som gutural e ficou rígida por um momento
impossivelmente longo antes de convulsionar ao redor dele,
mordendo seu ombro com força suficiente para fazê-lo estremecer,
gritando sua paixão contra o seu casaco.
Seu corpo trêmulo o libertou da sua restrição e ele estocou uma
última vez e congelou, segurando-a empalada enquanto se
esvaziava profundamente dentro dela. O prazer o inundou, agitando
e espiralando do lugar onde estavam unidos, ondulando e
inundando o resto do seu corpo.
Mas logo veio uma lassidão profunda que o deixou quase sem
força nas pernas e ele cambaleou, segurando-a contra a cerca. O
som das vozes dos homens em algum lugar distante o arrancou da
sua languidez mais rápido do que um balde de água gelada nas
suas costas e seus olhos se abriram. Por Deus! Eles estavam nos
malditos estábulos, com pessoas ao seu redor.
Ela deve ter chegado à mesma conclusão porque seu corpo
endureceu e não tinha nada a ver com prazer sexual. Suas
próximas palavras também não.
— Oh, não — as palavras eram apenas um sussurro, mas o
esfriou profundamente.
Stacy rangeu os dentes e saiu dela antes de colocá-la no chão.
Ela perdeu o balanço contra ele, a testa no peito dele.
— Consegue se levantar? — ele perguntou.
— Sim.
— Te machuquei? — sua garganta estava tão apertada que foi
trabalhoso forçar as palavras.
— Não, não estou machucada.
Stacy se afastou quando as lembranças dos últimos momentos
passaram por seu cérebro com uma clareza chocante. Ele a tratou
como uma prostituta, pior. Ele não conseguia se lembrar de ter
usado uma mulher tanto assim. É claro que nunca, em todos os
seus anos, uma mulher usou a palavra foder em sua presença, não
que a palavra fosse uma desculpa para a sua brutalidade. Ele
engoliu em seco, seu membro vibrando com a memória do seu
comando vulgar.
Os momentos seguintes foram tão torturantes quanto se poderia
esperar depois de ter relações íntimas com um estranho em um
estábulo. Eles se ocuparam em se recompor. Depois de remontar
suas roupas da melhor maneira possível, ele colocou os óculos e se
virou para ela.
Ela estava esperando por ele.
— Signora...
Ela levantou a mão, seus olhos não estavam mais quentes,
porém estavam severos.
— Por favor, não se desculpe. Somos dois adultos e eu não sou
uma donzela inocente envergonhada — no entanto, ela corou da
mesma forma. — Isso foi um erro — sua boca torceu
miseravelmente quando seus olhos varreram o ressinto,
aterrissando em todos os lugares, exceto no rosto dele. — Só
porque sou mulher não significa que não sou igualmente
responsável — ela deu uma risada pequena e amarga —, afinal,
não desflorou uma virgem inocente — ela mordeu o lábio inferior e
encontrou os olhos dele. — O que eu quero saber é se será possível
continuar trabalhando aqui depois... disso.
Qualquer calor restante que permaneceu dentro dele fugiu com
aquelas palavras. Ele violou uma mulher em seu emprego, uma
pessoa cujo próprio sustento dependia dele, exatamente o que jurou
não fazer, e agora ela temia por sua posição e futuro.
— Isso não mudará nada entre nós, Signora Stefani — ele
pronunciou as palavras tolas com uma segurança fria que estava
longe de sentir. Como as coisas poderiam não mudar? Ele esteve
dentro dela, pelo amor de Deus, e ele queria muito estar lá
novamente, agora, de fato.
Tudo tinha mudado.
Tudo.
Ele percebeu que ela ainda estava olhando para ele, como se
estivesse esperando algo mais, mas o quê?
Tranquilize-a, seu idiota.
— Estou certo de que podemos continuar trabalhando juntos,
senhora.
Os olhos dela estavam ocultos, mas ela assentiu, como se as
palavras frias e forçadas dele fossem satisfatórias.
Ele estendeu o braço.
— Venha, eu vou te levar de volta para casa — ela colocou as
mãos levemente sobre a manga dele, mas não disse uma palavra.
O que ele havia feito?

O que ela havia feito?


Portia subiu as escadas correndo depois que seu empregador a
deixou no corredor de entrada. Quando chegou ao quarto, jogou-se
sobre a cama e pegou a cabeça com as duas mãos, puxando-a
como se pudesse arrancá-la e trocá-la por outra, que não estava tão
horrivelmente empenhada em destruí-la. Ela basicamente se jogou
nas calças do pobre homem, depois de arrancá-las do seu corpo.
Ivo estava certo, ela não era melhor do que uma cadela no cio.
Foda-me, Stacy.
Portia gemeu com a lembrança horrível e desejou poder se
esconder em um buraco no chão e nunca mais sair. Como ela
pôde? Ela havia esquecido tão rapidamente como sua linguagem e
comportamento vulgar haviam horrorizado e enojado o último
homem com quem ela havia dormido? Ela nunca aprenderia?
Ela era uma garota ingênua e tola de dezessete anos na primeira
vez que usou essa linguagem com Ivo. Era sua noite de núpcias e
Portia não tinha ido para a cama dele virgem. Como se isso não
tivesse sido ruim o suficiente, ela usara as palavras que seu
primeiro amante lhe ensinara, fazendo e dizendo coisas que
nenhuma menina católica virtuosa deveria saber. Coisas que
Benedict lhe ensinara.
Portia se apaixonou por Benedict Carruthers, um dos alunos do
seu pai, quando tinha quinze anos. Ele era apenas três anos mais
velho que Portia, mas décadas mais experiente em assuntos
pecaminosos. O filho mais novo de um conde inglês, ele se deitara
com sua primeira mulher aos treze anos. Louro, de olhos azuis e
rosto macio, Benedict parecia um anjo, mas ele era o próprio diabo,
principalmente na cama.
Foi Benedict quem ensinou Portia palavras sujas em inglês e a
encorajou a usá-las livremente quando fizessem amor, um hábito
que era obviamente impossível de quebrar. Benedict fora exigente e
perverso, mas também generoso e gentil a seu modo.
— Nunca esconda sua natureza sensual — ele disse lhe pouco
antes de ser morto —, a paixão é algo para se orgulhar, mesmo que
os homens tentem envergonhar as mulheres por terem prazer com
seus corpos.
Benedict era inglês, mas tinha um temperamento que combinava
com qualquer italiano. Seu temperamento acabara sendo sua
destruição e ele morrera em um duelo de facas uma semana antes
do décimo sexto aniversário de Portia, esfaqueado no coração com
um estilete e deixado para sangrar até a morrer em um beco.
Portia ficou arrasada, convencida de que nunca mais amaria
ninguém. Mas então Ivo, um gênio bonito e talentoso, veio estudar
com o pai vários meses depois. Agora que era mais velha, Portia
sabia que o que sentira por Ivo fora a adoração por heróis, seu
talento a cegou. E depois seu pai morreu de ataque cardíaco e ela
ficou aterrorizada com o que o futuro reservava. Ivo tinha sido sua
salvação. Ou assim ela tinha acreditado.
O casamento deles foi um desastre desde a primeira noite. Ele
nunca a perdoou por não ser virgem e lamentava sua natureza
sensual.
O exemplo mais recente da sua natureza sensual deplorável
ecoou em sua cabeça: Foda-me, Stacy.
Portia gemeu, pressionando um travesseiro com força sobre o
rosto, como se isso pudesse bloquear a memória do que ela havia
dito e feito. A fachada fria e distante que ela cultivou tão
cuidadosamente, destruída em um momento. Bem, vários
momentos gloriosos, na verdade.
Como ela seria capaz de trabalhar com ele depois disso?
Capítulo Nove

O passaram em uma névoa desconfortável.


Portia se comportava artificialmente e corretamente ao redor do
seu empregador, como se isso pudesse fazê-lo esquecer que ela
tinha aberto as pernas para ele e depois o arranhou, mordeu e falou
um palavrão para ele, e era estranho comunicar até as informações
mais inocentes.
Stacy – porque não pensar nele daquela forma depois do que
fizeram – por outro lado, parecia indiferente e tranquilo como
sempre. Seu comportamento era tão normal que ela poderia ter
imaginado o encontro deles se não tivesse acordado tão
deliciosamente dolorida na manhã seguinte.
A primeira aula deles foi a mais difícil. Portia olhou para o rosto,
lábios, mãos, tudo e não conseguia parar de se lembrar daquela
noite. Olha, ele disse, uma expressão feroz em seus traços
cinzelados enquanto seu corpo estocava profundamente dentro
dela, repetidamente.
Portia simplesmente não conseguia se conter, sempre que ela
olhava para ele, lembrava como ele ficou quando se desfazia e a
enchia com sua semente, sua beleza pálida feroz, cruel e magnífica.
Só se viam durante as aulas e o jantar. Nas aulas era tudo
profissional e no jantar mantinha uma conversa agradável com a
sua tia presente. Quando eles não estavam nas aulas, ela tomava o
cuidado de evitar encontros acidentais e suspeitava que ele
estivesse fazendo o mesmo.
As noites, no entanto, eram muito, muito diferentes. À noite, ela
acolhia a presença dele em sua cabeça, deitada em sua grande
cama e deixava sua imaginação correr à solta. À noite, ele a
montava com a mesma habilidade, paixão e confiança que
demonstrara durante o breve interlúdio entre eles.
O final do seu período de teste estava próximo e Portia estava
na expectativa que ele lhe desse um mês de salário e a mandasse
embora. Não que ele a tratasse de maneira diferente do que tinha
antes do encontro, mas suas interações estavam tão artificiais que
ela não podia mais acreditar que ele queria que eles continuassem.
Além disso, ele poderia facilmente contratar outro instrutor pelo
salário que estava oferecendo. A única razão de ela estar ali em
primeiro lugar foi porque ele pensou que estava contratando Ivo.
No trigésimo dia, ele foi até à mesa dela depois que terminou de
tocar. Ela estava fazendo anotações e recomendações para
trabalhos futuros. Ela recolocou a pena no suporte e olhou para
cima.
— Estou muito satisfeito com meu progresso e gostaria que
ficasse.
A boca de Portia se abriu, mas nada saiu.
— Entenderei se preferir voltar para Londres. Pagarei o salário
de dois meses e providenciarei o seu transporte — seu rosto era
uma máscara rígida e sem emoção, mas certamente ele não pediria
que ela ficasse se não a quisesse ali, certo? Talvez ele até gostasse
um pouco dela.
Seu coração batia loucamente com o pensamento e ela
impiedosamente o colocou de lado. Esta era uma segunda chance
que ele estava dando e ela não cometeria o mesmo erro
novamente.
Portia ignorou o riso zombeteiro em sua cabeça.
— Eu gostaria de ficar, Sr. Harrington — disse ela, orgulhosa por
não haver um tremor em sua voz. Ela abriu a boca e depois a
fechou.
— Sim? — ele cutucou.
— Detesto pedir, mas receio ter deixado coisas não resolvidas
em Londres — ela fez uma careta. — Eu não sabia se ficaria na
Cornualha ou se teria que voltar — os dois sabiam o que ela queria
dizer.
Sua expressão era pensativa.
— Uma pausa realmente me agradaria, pois tenho que fazer
viagens a Plymouth e Barnstaple. Precisará de pelo menos dez dias
para sua viagem, ou talvez até duas semanas.
— Dez dias serão suficientes — isso significaria uma estadia
muito curta em Londres, mas Portia não poderia justificar uma visita
mais longa.
— Vamos finalizar esta semana? Isso dará tempo suficiente para
tomar as providências da viagem.
— Sim, obrigada. Segunda seria ótimo — Portia ficou tão
aliviada que estava difícil pensar direito. Ela esperou até a porta se
fechar atrás dele antes de deixar a cabeça cair sobre os braços e
lutar contra as lágrimas de alegria.
Graças a Deus. Não precisaria ir embora. Não precisaria deixá-
lo.

Portia não poderia pagar por sua viagem até Londres sem um
adiantamento dos seus salários.
Ela decidiu acabar logo com essa tarefa desagradável na manhã
seguinte após o café da manhã e foi à procura de Soames. Ela
encontrou o mordomo supervisionando um trio de criadas na sala de
jantar.
— Poderia me dizer se eu poderia falar com o Sr. Harrington?
— Ele está na biblioteca com seu agente — antes que ela
pudesse responder, ele franziu o cenho para a criada que esfregava
os cães de metal enegrecido na lareira. — Não, não, Sally, precisará
usar sal nisso — ele se virou para Portia. — Devo dizer a ele que
gostaria de uma palavra?
— Não o perturbe. Vou tentar novamente mais tarde.
— Vou avisá-lo assim que seu agente sair, senhora — o
mordomo severo deu um sorriso para ela. Os criados de Whitethorn
haviam se curvado a ela quando perceberam que ela não
acrescentava muito trabalho às suas vidas e não tinham planos de
roubar a prataria.
Portia decidiu visitar a babá antes de partir para Londres. Nas
últimas duas vezes em que fora ao chalé, a Sra. Fant havia lhe dito
que a velha senhora não estava se sentindo bem.
Quando Portia alcançou a elevação que dava para o chalé, viu
os Fants fazendo algo perto do galpão. A própria babá estava no
pequeno jardim do outro lado da casa e Portia foi em sua direção,
sentindo como se estivesse correndo contra o relógio – ou dos
Fants – para alcançá-la. Talvez fosse apenas sua imaginação super
desenvolvida, mas ela suspeitava que eles desaprovavam suas
visitas.
Felizmente, a babá a viu antes dos Fants.
— Signora Stefani — ela começou a cambalear.
— Por favor, babá, não se levante. Como está se sentindo hoje?
— Estou excessivamente bem, Signora — os olhos azuis da
babá brilharam, fazendo-a parecer uma fada generosa dos contos
infantis. Ela era tão pequena que uma brisa forte poderia levá-la
embora.
— Se recuperou da sua doença?
— Doença? Que doença? Ora, nunca estive doente um dia da
minha vida! Meu sangue é forte, sabe.
Nesse momento, a Sra. Fant apareceu na lateral do chalé e
Portia estava certa de ter notado um desânimo, rapidamente
seguido de aborrecimento, no rosto da mulher.
— Olá, Sra. Fant — Portia deu um sorriso agradável para a
criada de olhar azedo.
— Tenho uma visita, Sra. Fant. Por favor, traga chá para a
Signora e eu.
— Tem certeza de que está se sentindo bem para receber
visitas, Sra. Kemble?
O olhar que a babá lançou para ela deve ter sido aquele que ela
desenvolveu por anos quando recebia acusações recalcitrantes.
— Claro que estou bem o bastante — sua voz soou fria e
desagradável e a governanta era sábia o suficiente para sair
correndo para fazer o chá. A babá balançou a cabeça antes de falar
em um sussurro teatral: — Eu não suporto essas pessoas.
— Por que não os dispensa? Ou peça ao Sr. Harrington para
fazer isso? Ele gosta a senhora, nanny. Ele quer que seja feliz.
Qualquer menção a Stacy sempre colocava um grande sorriso
em seu rosto.
— Ele me ama, não é? — ela parou por um momento e então
seus lábios tremeram. — Pobre menino, enviado para longe tão
novo.
— Enviado para longe? Por quem?
— Ora, pelo conde, é claro. Ele não o tolerava — parecia que ela
fosse chorar a qualquer momento e Portia não conseguiu
aprofundar mais no assunto, embora estivesse mais curiosa do que
deveria. Em vez disso, ela mudou de assunto.
— Conte-me sobre sua infância, babá. Em que parte do país
cresceu?
— Eu cresci nos arredores de Thurlstone, mas já sabe disso
Srta. Mary. Conheço a todas desde que nasceram. Nossa família
trabalha para os Harringtons desde o tempo do Conquistador, meu
pai dizia.
Antes que Portia pudesse responder, a Sra. Fant voltou com a
bandeja de chá.
— Achei que gostaria da gelatina de pé de bezerro que Lady
Watley lhe deixou, Sra. Kemble.
O olhar vago da babá ficou ainda mais afiado quando aterrissou
na mulher de York, que segurava a gelatina. Ela fungou com
desdém talvez para o pote de gelatina ou para a criada.
— A Signora Stefani vai servir, Sra. Fant. Pode ir — ela fez um
movimento com os pés.
A Sra. Fant mal pôde argumentar com uma dispensa tão direta,
mas ela lançou para Portia um olhar acusador, como se dissesse
que era tudo culpa dela.
Enquanto Portia deixou o chá em infusão, ela pegou o bule.
— A audácia daquela mulher me trazendo aquela maldita geleia
de pé daquele infeliz bezerro.
Ela observou o veneno na voz da babá.
— Quem é Lady Watley?
Os olhos da babá se estreitaram, fazendo-a parecer como uma
pequena fada do mal.
— Ela não passa de uma vaca.
Os olhos de Portia se arregalaram, mas a babá não percebeu.
— Ela teve a chance de se casar com o melhor homem da Grã-
Bretanha, mas em vez disso escolheu aquele idiota.
Portia não precisou pensar muito para adivinhar quem a babá
considerava o melhor homem da Grã-Bretanha.
— Quer dizer o Sr. Harrington?
A babá acenou com a cabeça vigorosamente, os olhos brilhando
com despeito.
— Queria ele pelo dinheiro, ela queria — seu queixo tremia e
uma única lágrima rolou por uma bochecha. — Oh, como ela o
machucou. Ele não é de transparecer suas emoções, mas eu o
conheço como se fosse meu próprio filho.
Portia queria perguntar para ela da pior maneira possível o que
essa mulher havia feito, mas a babá piscou e pareceu voltar a si.
— Eu não quero isso — disse ela, olhando para o pote. — Os
Fants podem ficar com isso.
O resto da conversa girou em torno do jardim dela e não houve
mais menção a condes imaginários ou a Lady Watley.
A babá estava tão alegre e Portia ficou tanto tempo que teve que
se apressar para voltar a tempo para a aula. Ela tinha acabado de
entrar no saguão quando Soames a encontrou.
— O Sr. Harrington vai recebê-la agora, Signora.
— Obrigada, Soames — Portia desejou poder ir até o quarto e
arrumar o cabelo, mas se satisfez com um rápido olhar no espelho
antes de seguir para a biblioteca.
Stacy estava debruçado sobre a mesa quando ela entrou.
— Ah, boa tarde, Signora — ele apontou para uma das cadeiras
em frente à mesa. — Por favor, sente-se.
O topo da sua mesa enorme estava tomado por livros e rolos de
papel.
— Espero não estar interrompendo, não vou tomar muito do seu
tempo.
— É uma interrupção bem-vinda, Signora — ela ouviu uma leve
fadiga em seu tom modulado.
Este homem esteve dentro de mim. O pensamento surgiu do
nada e as pernas de Portia ficaram moles como gelatina com a
súbita imagem gráfica que acompanhou o pensamento. Ela se
sentou, agradecida.
— Como posso ajudá-la, Signora?
— Seria possível ter um adiantamento do meu salário? — Portia
jurou que ele parecia aliviado, como se tivesse pensado, ou temido,
que ela pudesse dizer outra coisa. Mas o quê?
— É claro. Eu deveria ter pensado nisso, Signora.
— Eu não preciso de todo o dinheiro, talvez o valor de dois
meses?
— Eu ficaria muito contente em lhe pagar tudo. Confio o
suficiente que prestará os serviços prometidos.
O rosto de Portia ficou quente com a palavra “serviços” e ela
sabia que devia estar empoeirada depois da caminhada.
Foda-me, Stacy.
As palavras ricochetearam na sua cabeça, amplificando o calor
que já estava se espalhando por todo o seu corpo.
— Dois meses serão suficientes, Sr. Harrington — a voz dela
falhou quando disse o seu nome.
Ele removeu um cofre de uma gaveta e contou uma quantia que
ela supôs ser o pagamento de dois meses. Ele se levantou e deu a
volta na mesa para entregá-la. Portia ficou de pé e imediatamente
percebeu o quão perto a ação a levou a seu corpo. Perto o
suficiente para sentir o seu cheiro, apenas um pouco, mas o
bastante para alimentar seu desejo por ele, que parecia arder a
cada dia que passava.
Ela pegou o dinheiro da mão dele, tomando cuidado para não o
tocar, como se isso pudesse criar uma faísca perigosa.
— Obrigada.
Ele apoiou o quadril contra a mesa e cruzou os braços.
— Existe algo mais que eu possa fazer para ajudar com seus
planos de viagem? — seu tom frio e conversador convenceu Portia
de que seu interior não estava em chamas como o dela. Ele era um
homem. Provavelmente levá-la para a cama já foi suficiente para
tirá-la da sua cabeça. Se é que ela já esteve algum dia nela, para
começar.
— Obrigada, mas eu já providenciei tudo.
Um silêncio pesado e desconfortável pairou entre eles e se
esticou.
— Serão apenas negócios em Londres, ou terá tempo para se
divertir?
— Eu vou ficar com minhas amigas, então nem tudo será
negócio.
— Fico contente em saber disso — ele hesitou e depois
perguntou: — entendo que visitou a nanny essa tarde?
— Sim, eu queria ver se ela já estava melhor antes de viajar.
— Melhor?
— Ela não estava bem nas últimas duas vezes que passei no
chalé.
As sobrancelhas dele se abaixaram.
— Eu não fiquei sabendo. Vou ter que falar com os Fants.
— Eu acho que a babá não gosta deles.
Ele sorriu.
— Bem, eles são de Yorkshire, portanto, são geograficamente
suspeitos. Mas a Srta. Tate os selecionou e tenho absoluta fé em
seu julgamento — ele descruzou os braços e saiu da mesa,
sinalizando que a conversa havia terminado.
— Obrigada pelo adiantamento dos meus salários.
— É um prazer, Signora Stefani — ele deu vários passos largos
em direção à porta e abriu para ela. — Vejo-a às quatro, Signora.
Portia assentiu e saiu da biblioteca sem olhar para trás.

Stacy ficou observando até a Signora Stefani desaparecer no


corredor. Ela se movia com uma graça sensual que ele sabia que
era mais do que uma mera promessa. Seus quadris se moveram
tentadoramente debaixo do seu simples vestido de algodão e ele
não pôde deixar de se perguntar se ela estava usando meias ou se
ela costumava ficar sem elas.
Isto não é algo que o levará a qualquer bom lugar.
Certamente isso é verdade, mas é algo que me traz prazer.
Mesmo assim, Stacy fechou a porta para ela e para seus
pensamentos lascivos.
Mas quando ele voltou a se sentar, descobriu que não estava
mais disposto a contemplar a nova parcela de terra que acabara de
adquirir, um assunto que o interessara muito antes que a mulher
fizesse com que fosse impossível ele pensar. Ele se serviu um
conhaque, tirou os óculos e olhou o relógio, faltavam duas horas até
a aula. Senhor, ele era patético por ansiar por aquelas duas horas
do jeito que ele esperava.
Ele deslizou a mão por trás do pescoço e massageou
brutalmente os músculos tensos, sua mente o levando de volta
àquela noite nos estábulos. De fato, sua mente raramente o levava
para outro lugar ultimamente. Ele arrastou sua atenção de volta para
o verdadeiro propósito daquela noite, que não fora seduzir a
professora, e sim para acasalar sua mais nova égua. Esse esforço,
pelo menos, provou ser bem-sucedido e Snezana estava prenha, o
que Thompson disse que nem sempre era o caso após a primeira
vez de uma égua nova.
— Meu Deus do céu! — Stacy sentou-se tão rápido que bateu
com a perna na mesa. Ele uivou e depois esfregou o joelho
latejante. A Sra. Stefani poderia estar grávida? Como ele poderia
não ter pensado nessa possibilidade até aquele momento? Ele
olhou sem piscar para o outro lado escuro da biblioteca, seu cérebro
girando rendendo muito pouco sobre o assunto. Ele só tinha
dormido com prostitutas – o quão lamentável era isso – e elas eram
ensinadas a prevenir a concepção. A Sra. Stefani era viúva, mas
isso significava necessariamente que ela sabia tomar precauções?
E se ela estivesse carregando seu filho? Seus filhos seriam como
ele?
Sua tia havia lhe dito há muito tempo que sua mãe e seu pai
eram loiros, mas não como ele. Senhor. Como ele não tinha
pensado nisso até agora? Ele pegou a garrafa de conhaque, mas
parou, ele gostava de ter controle sobre seu juízo quando tinha as
aulas.
Ele recostou-se na cadeira, ele teria que conversar com a
Signora Stefani. Seria uma conversa desconfortável, mas ele
precisava tranquilizá-la de que ela não enfrentaria essa
eventualidade sozinha.
Stacy gemeu apenas com o pensamento de ter que discutir algo
tão angustiante.
Certamente ainda era cedo, não era? A conversa deles poderia
esperar até que ela voltasse. Muito provavelmente nunca seria um
problema. Embora ele soubesse pouco sobre reprodução humana,
ele sabia que geralmente era necessário mais de um acasalamento
para cavalos e outros animais.
Pensar em acasalamento inevitavelmente trouxe a imagem dela
à mente.
Ela estava deliciosa hoje e ele se amaldiçoou por não ter tido a
ideia de abrir as cortinas de uma janela para poder vê-la melhor. Ele
não a via sob luz natural há dias, o que ele sabia que era resultado
dos dois estarem se evitando.
Tão lindo e sensual como era o corpo dela, o que ele mais
pensava frequentemente eram os olhos dela. Como aqueles olhos
tão escuros, quase pretos, ardiam com tanta emoção?
Claro que ele também pensava em sua boca expressiva e
beijável e em como ela sorria tão facilmente. De fato, ela parecia
sentir as coisas com facilidade, sem se deixar abalar pela
necessidade de moderar suas emoções como o típico inglês, como
ele, em outras palavras. Observar o desfile de emoções que
marcava seu rosto era fascinante. No curso da sua breve conversa,
ele viu curiosidade, vergonha, desejo, raiva, felicidade, tristeza e
uma série de outras emoções que ele não conseguiu definir.
Quando se tratava de música, seu rosto era ainda mais
eloquente. A música a transformava em uma criatura de pura
paixão, motivada, confiante e magnífica. Essa paixão ameaçava seu
marido? Ou ele compartilhava o mesmo temperamento? Seu talento
havia sido algo que Ivo Stefani via como um desafio ou era algo que
os unia?
Stacy não tinha a intenção de competir com ela quando se
tratava de música. Ele tocava bem o suficiente, já ela elevava as
notas para o reino do divino. Seu domínio do piano era erótico e as
aulas se tornaram um bloco de duas horas de deliciosa agonia.
Ouvi-la tocar era uma tortura, mas era o ponto alto dos seus dias.
Ele estava ficando teso só de pensar nela.
Stacy fez uma careta para a reação básica do seu corpo. Ele se
tornou o tipo de predador que cobiçava sua criada, e era
exatamente isso que ela era: uma dependente.
Não apenas ele havia se envolvido em um comportamento
repreensível com uma subordinada, mas era possível que ela
sofresse muito com aqueles poucos momentos de paixão
desenfreada. Como ela se sentiria por ter um filho que se parecesse
com ele ou por precisar se casar com um homem que se parecia
com ele?
Stacy não podia imaginá-la feliz em qualquer eventualidade.
Uma indiscrição momentânea com uma novidade humana era uma
coisa, passar o resto da vida com alguém como ele era outra.
Capítulo Dez

P vários dias na carruagem lotada para pensar o


que diria a suas amigas sobre Stacy, finalmente decidindo que não
contaria nada. O que havia para dizer? Não poderia falar o que
havia feito nos estábulos, e muito menos confessar que estava
desejando seu empregador dia e noite. Então, sim, nada era melhor.
Quando a carruagem a deixou na frente da casa delas, Serena
Lombard a estava esperando no topo da escada.
— Que prazer em vê-la, Portia! — A pequena francesa a
envolveu em um abraço não muito inglês.
— Senti sua falta terrivelmente — murmurou Portia, apertando a
amiga com força o bastante para fazê-la rir.
Serena beijou as duas bochechas antes de pegar a bolsa de
Portia e levá-la para a pequena antessala.
— Está maravilhosa, querida.
— Não precisa mentir, estive presa em uma carruagem por
vários dias, estou horrível — ela pendurou a capa de viagem e tirou
as luvas quando Serena a levou em direção à marquise do térreo,
que ficava perto do jardim dos fundos.
— O chá estará pronto em breve — disse Serena, conduzindo
Portia para a sala.
— Onde estão todas? — Portia perguntou, desabando em uma
confortável poltrona velha.
Serena sentou-se no sofá em frente a ela e cruzou as pernas.
— Acabou de desencontrar Honoria, ela saiu ontem para ir à
propriedade rural do Visconde Fowler, e Freddie recebeu uma
mensagem de emergência da sua empregadora atual, algo sobre
um chapéu, mas ela estará de volta à noite.
Portia enfiou as luvas na reticule e jogou-a sobre a mesa de
canto.
— E como está Oliver?
Os olhos de Serena brilharam com a menção do nome do filho
de nove anos.
— Ele está visitando os avós agora — o marido de Serena, que
morreu na Guerra, era o filho mais novo do duque de Remington. —
Ele vai sentir muito por não tê-la encontrado. Honey também, ela
disse para lhe dar seu amor.
— Lamento que não os verei. Eu gostaria de ter avisado mais
cedo sobre a minha visita, mas infelizmente não tive tempo.
— Ah, sim, sua nova posição — Serena sorriu. — Ficou
desconfiadamente muito quieta em relação a isso. Já vou avisando,
vou arrancar cada pequeno detalhe seu.
Por isso, Portia estava preocupada.
Felizmente, a porta se abriu e uma criada entrou com uma
bandeja.
— Permita-me — disse Portia antes que Serena, que fazia um
chá terrível, pudesse oferecer. — O que tem feito desde a última vez
que conversamos? Eu não saberia, já que nunca responde minhas
cartas.
Serena fez uma careta.
— Ah, sim, minhas habilidades terríveis de escrever cartas. Mas
sei que Freddie te conta tudo o que precisa saber, então não quero
que pague por mais do mesmo.
As cartas semanais de Freddie eram a cola que mantinha seu
pequeno círculo unido. As outras em seu grupo eram
correspondentes indiferentes, embora nenhuma delas fosse tão ruim
quanto seu amigo Miles. Lorelei escrevia com frequência, mas suas
cartas eram concisas. Portia suspeitava que sua situação não era
exatamente feliz e era por isso que ela não falava sobre isso.
— Além do mais — disse Serena —, minha vida é tão tediosa
que simplesmente não há muito o que contar.
— Mas Freddie disse que tinha uma comissão para projetar um
esquife ou catafalco, ou algo assim.
Serena bufou e acenou com a mão com desdém.
— Ah, sim, um esquife de mármore para um mausoléu, um item
que poucas pessoas verão — ela encolheu os ombros. — Mas vai
pagar o suficiente para colocar comida na mesa e manter Oliver
montando autômatos.
Portia sorriu.
— Ele ainda está desmontando-os?
— Sim, mas pelo menos agora ele consegue montar tudo de
novo.
Portia ouviu o orgulho em sua voz. Oliver tinha apenas nove
anos, mas era um garotinho esperto que parecia ser mais inteligente
que a sua idade.
— Mas está falando sobre trabalho, minha amiga. O que eu
estava falando era sobre amor e vida — Serena sorriu quando
pegou a xícara e o pires que Portia lhe ofereceu.
— Por que está olhando assim para mim? — O chá de Portia
derramou na lateral da xícara e caiu no pires. Antes que a outra
mulher pudesse responder sua pergunta, ela perguntou: — Freddie
tem te mantido ocupada?
Serena riu da mudança desajeitada de assunto, mas não a
seguiu.
— Ela tem de fato. Tem sido bastante trabalhoso para a querida
Freddie e ela tem cuidado de várias jovens muito ricas, mas não
particularmente promissoras.
Portia fez uma careta de desgosto. Freddie, a viúva de um
conde, havia sido a instrutora de comportamento na academia.
Agora ela usava suas habilidades e conexões para lançar jovens
mulheres ricas na Sociedade.
— Freddie é boa no que faz, mas não acho que esse trabalho
seja bom para sua alma. Serena não estava mais sorrindo.
Portia tomou um gole de chá.
— Não, ela é sensível demais para se envolver com comércio.
— Não é como nós — disse Serena com um sorriso.
A porta se abriu e a dama em questão entrou. A condessa de
Sedgwick era alta e esbelta, com a beleza loira prateada de uma
raposa do ártico. Seu rosto adorável ficava ainda mais lindo quando
ela sorria.
— Portia, que bom vê-la. Como foi sua viagem? Cansativa?
— Eu estava cansada, mas alguns momentos na companhia de
Serena foram suficientes para me revigorar.
Serena riu.
— Eu ainda não comecei a ser revigorante, querida — ela lançou
um olhar malicioso para a condessa. — Conte-nos sobre seu
empregador, querida, Freddie diz que ele é muito, muito
interessante.
Portia sabia que estava corando, mas decidiu que estava
cansada demais para se importar.
— Ela está apenas brincando contigo, Portia — disse Freddie. —
Tudo o que eu disse para ela foi que seu Sr. Harrington era recluso
e reservado.
— E rico — acrescentou Serena em torno de um bocado de
biscoito.
— Sim, ele é as três coisas — admitiu Portia.
— E? — Serena cutucou.
Portia encolheu os ombros.
— E nada. Ele me ofereceu o emprego, mesmo depois do meu
comportamento desprezível, então eu estou contente.
Os olhos de Serena se estreitaram e ela abriu a boca.
— Acabei de receber uma carta de Miles — disse Freddie,
cortando Serena com um olhar severo.
A exuberante francesa ouviu a sugestão de Freddie e
conversaram sobre as pessoas ausentes por mais quinze minutos,
quando um enorme bocejo tomou conta de Portia.
— Minha pobre querida — disse Freddie —, que ruins somos por
mantê-la acordada depois de uma viagem cansativa. Vamos levá-la
para o seu quarto e mandarei um pouco de leite quente.
— Isso parece divino — disse Portia, levantando-se cansada.
Serena lançou um olhar especulativo.
— Durma um pouco. Estarei ocupada amanhã de manhã, mas
me colocarei à sua disposição e poderemos passar a tarde e noite
juntas. O sorriso perverso da sua amiga mostrava-se mal pela paz
de espírito de Portia.
Stacy estava sentindo emoções confusas enquanto observava
os edifícios cinzentos e monótonos passarem pela janela. Ele ainda
estava ansioso por passar alguns dias em Portsmouth, mas eram
por razões completamente diferentes da de um mês atrás. Ele
visitaria um bordel, mas desta vez não se envolveria em suas
transações habituais.
O bordel em questão pertencia a Katherine Charring, a madame
que fora a primeira amante de Stacy e agora era sua amiga mais
que querida. Kitty era sua única amiga, pelo menos a única que o
conhecia, além da sua tia, sua antiga babá e alguns inquilinos. Quão
lamentável era isso? Sua melhor amiga também era sua cafetina, e
não mais sua amante.
Stacy franziu o cenho para o pensamento caridoso, e daí se Kitty
fosse uma cafetina? Ela era uma pessoa maravilhosa e, com
exceção da Signora Stefani, uma companhia muito melhor do que a
maioria das mulheres “apropriadas” em sua experiência.
Seus lábios se curvaram em um sorriso quando ele se lembrou
daquela noite nos estábulos. Bem, talvez a Signora não fosse
inteiramente adequada. Mas ela era uma companhia excelente e ele
desfrutava de muitas conversas no jantar, além das discussões
sobre música que eles tinham todos os dias durante as aulas. Ainda
assim, ele mal podia chamá-la de amiga. Ele tinha muitos
conhecidos, colegas de trabalho e funcionários, mas os amigos
eram mais difíceis de acumular.
Kitty ocupava um lugar especial em seu coração e sempre o
faria. Quando foi até ela, ele era um jovem machucado e quebrado
depois que Penelope quebrou seu coração e ela ajudou a recuperá-
lo.
Embora tivesse passado anos desde que eles tiveram um
relacionamento platônico, Stacy ainda se lembrava do dia em que
Kitty lhe disse que ela não podia mais ser sua amante.
— É muito importante para mim para ser um cliente por mais
tempo — ela estava deitada nua sobre ele, sua pele ruiva quase tão
pálida quanto a dele.
Ele ficou desapontado com as palavras dela, embora não
discordasse delas.
— Cansada de mim, não é? — Ele brincou.
— Não seja insensato. De fato, fui recentemente acusada de
tentar mantê-lo só para mim.
Stacy riu.
— De alguma forma, duvido que suas garotas estejam fazendo
fila por mim.
— Na verdade elas estão — disse Kitty sem pouca aspereza. —
Eu gostaria que entendesse que as pessoas te olham não apenas
por causa da sua cor, mas também porque é um homem muito
atraente.
Ele estava muito contente após o último ato para discutir.
— Quase me fez acreditar, minha querida. É uma excelente
cafetina, senhora.
Ela deu um tapa na perna dele.
— Quando uma mulher da minha experiência diz qualquer coisa
sobre assuntos entre os sexos, é aconselhável ouvir.
Stacy sabiamente manteve seu riso para si mesmo e ela
continuou.
— Eu vi mais corpos masculinos nus do que gostaria de lembrar
— ela confessou com sinceridade incomum. — Eu raramente tive o
prazer de me deitar embaixo de um tão perfeito quanto o seu.
Apenas um outro, se quiser ser completamente honesta — ele ainda
se lembrava do desejo em sua voz quando ela pronunciou aquelas
palavras. — É especial para mim, Stacy, especial demais para ser
meu cliente por mais tempo.
— Então case comigo, Kitty — essa não foi a primeira vez que
ele propôs para ela. Não tinha receios em se casar com uma
prostituta e se recusava a desprezar a mulher com quem escolhera
se deitar.
— Seu bobo — ela sussurrou, rolando-o de costas e abaixando o
corpo sobre o dele. — Um dia desses eu vou te surpreender e
aceitar.
Isso aconteceu há quase oito anos. Stacy ainda ia à casa dela
em Plymouth, mas agora ele procurava outras mulheres, mulheres
que eram prazerosas e lhe davam prazer, mas ele nunca se tornara
amigo de nenhuma delas. Depois de satisfazer as necessidades do
seu corpo, ele sempre passava um tempo com Kitty para alimentar
sua alma. Eles discutiam política, livros ou qualquer outra coisa que
amigos discutiam. Eles saíam para assistir peças e uma vez fizeram
uma viagem juntos de uma semana a Londres. Mas ainda assim ela
não se casaria com ele.
— Me ama, Stacy, mas não está apaixonado por mim — ela
disse na última vez que ele perguntou, há menos de um ano.
Stacy sabia que isso era verdade. Mas não era possível ter uma
boa vida juntos, mesmo sem o amor romântico? Ele só supunha que
ela continuava a rejeitar suas ofertas de casamento porque ainda
estava apaixonada por outro homem. Alguém de antes da época em
que Stacy a conhecia, quando ela era preceptora.
As rodas da carruagem atingiram uma pedra e o sacudiu das
suas reflexões, não faltava muito para chegar até Kitty agora. Ele
sabia que não poderia se envolver com uma das suas garotas, por
mais bonitas e dispostas que fossem. A verdade era que ele ansiava
pela Signora Stefani, seu humor, seu corpo, seu fogo, seu mistério,
sua música. Nenhuma outra mulher serviria.
Pela primeira vez, ele entendeu a preocupação de Kitty com o
homem que ela amava há muito tempo, o homem que ela não podia
ter, mas ainda ansiava. Sua preocupação com a Signora Stefani
significaria estar se apaixonando? Ou o que ele sentia não era nada
além de luxúria e paixão?
Honestamente, ele não sabia qual das duas possibilidades ele
desejava.
A viagem para a residência antiga de Portia na manhã seguinte
despertou lembranças da sua vida com Ivo, lembranças que ela
preferia esquecer.
A Sra. Sneed, sua senhoria, era uma mulher magra, com olhos
pretos afiados e uma boca estranhamente pequena. Sua expressão
era perpetuamente comprimida, como se tivesse acabado de cheirar
algo rançoso. Ela se tornou desconfiada e tratava Portia
desagradavelmente depois que Ivo foi embora, mas hoje ela
cumprimentava Portia, e seu dinheiro, com um sorriso acolhedor.
— Vai se juntar ao seu marido em Roma, Seenyora? — seus
olhos redondos estavam atentos enquanto Portia carregava alguns
pertences no pequeno caixote que ela planejava levar de volta.
Portia pensou em contar sobre Ivo e depois afastou o
pensamento, por que se preocupar?
— Não, eu estou dando aula de música na Cornualha, no
endereço que enviei na minha última carta.
— Isso me lembra algo. Um homem veio procurá-la alguns dias
atrás e eu lhe dei o endereço.
Portia ergueu os olhos da embalagem.
— Um homem? Ele deixou um cartão?
— Não. Disse que ele estava passando e queria vê-la, ele disse
que conhecia seu marido.
Era difícil respirar, como se algo estivesse apertando seu peito.
— Ele deixou o nome dele?
— Eu não pedi, pedi? — a Sra. Sneed estalou.
Portia se forçou a permanecer calma.
— Bem, poderia descrevê-lo?
Ela deu de ombros com descuido.
— Grande, mal arrumado, um sotaque forte.
— Que tipo de sotaque?
A expressão entediada da Sra. Sneed transformou em ruim.
— Não me paga o suficiente para ser sua secretária pessoal.
Portia mordeu a língua. Aquela mulher era horrível e discutir com
ela não valia a pena. Ela se levantou e examinou tudo o que estava
vendendo: um piano, alguns móveis da escola e e afins. Ela
ofereceu o restante dos bens a um homem a quem Ivo havia
pegado dinheiro emprestado e ele concordou de má vontade em
aceitá-los em troca de parte da dívida.
— Homens virão amanhã de manhã para retirar o resto das
coisas.
Os olhos afiados da senhoria se estreitaram.
— Qualquer coisa que ainda estiver aqui amanhã à noite será
minha.
Portia saiu da casa sem dizer mais nada, feliz por terminar o
assunto com a mulher azeda e desagradável.
O resto do dia passou em um turbilhão de afazeres e ela passou
a maior parte do tempo visitando as várias pessoas às quais ela –
ou melhor, Ivo – devia dinheiro. Ela quitou a maioria das dívidas e
fez acordos para pagamentos trimestrais para o restante. Mesmo
com os salários que Stacy estava pagando, levaria anos para pagar
tudo. Ela afastou esse pensamento deprimente e disse a si mesma
para agradecer por ter emprego.
O resto da sua viagem foi rápido demais. Na segunda noite, ela
jantou com Freddie e Serena e ficou acordada até tarde
conversando. Na terceira noite, ela estava sozinha com Serena, já
que Freddie tinha obrigações com um de seus clientes.
Portia esperava ser cutucada por informações, mas Serena
evitou o assunto do seu empregador, quase como se temesse o que
Portia pudesse contar.
Em sua última noite na cidade, jantaram tarde em casa. Portia
estava ouvindo suas amigas discutirem a peça que acabaram de ver
quando sua mente voltou para Stacy Harrington. Fazia uma semana
desde a última vez que o vira. Amanhã ela partiria de Londres e
começaria a longa jornada para casa.
Casa? Quando ela começou a pensar em Whitethorn como lar?
Portia franziu a testa, ela estava mentindo para si mesma. Não
era em Whitethorn que ela estava pensando, era em Stacy. Ela
sentia falta das aulas, das conversas no jantar, daqueles breves
vislumbres dele à luz da lua. Ela ansiava por saber mais sobre ele,
não apenas sobre seu belo corpo, embora isso a intrigasse mais do
que deveria, mas conhecer o homem que vivia por trás daquela sua
máscara reservada.
O que ela iria fazer com ele? Ficou claro que ele deixou aquela
noite nos estábulos para trás. Afinal, fora Portia quem instigara o
encontro quente. Isso era outra coisa que ela não podia mentir para
si mesma. Ela o queria, e ele era cavalheiro demais para mostrar o
quão chocado e enojado ele ficou por causa das suas palavras
vulgares e comportamento devasso.
O casamento desastroso dela não lhe ensinara nada? Quando
ela perceberia que os homens não gostavam de ser perseguidos e
tratados como se fossem animais selvagens? Quando ela
aprenderia que eles iam atrás de prostitutas para que elas dessem o
que ela forneceu e iam atrás de mulheres apropriadas para uma
esposa?
Sua mente ardia de vergonha, mas sua barriga ardia por outra
coisa. Ela faria a mesma coisa com ele novamente se a
oportunidade se apresentasse. Mais do que isso, ela sem dúvida
faria tudo ao seu alcance para garantir que essa oportunidade
surgisse.
Portia suspirou, exausta e irritada por sua preocupação inútil.
— Por que o suspiro pesado, Portia, minha querida? Está
pensando em quanto sentirá minha falta e dos meus sábios
conselhos e esperteza? — Serena brincou.
Freddie arquejou delicadamente, mas Portia sorriu com os
afetuosos olhos castanhos de Serena.
— Vou sentir falta das duas, afetuosamente.
Serena levantou a taça de vinho.
— Proponho um brinde: a velhas amigas, o melhor tipo.
— Para velhas amigas e novos — Freddie corrigiu, seu olhar
sério para Portia. Embora a mulher reservada não tivesse
bisbilhotado, Portia sabia que Freddie estava preocupada com sua
nova vida para a Cornualha e aonde tudo isso levaria.
Portia deu à outra mulher um sorriso tranquilizador.
— Para velhas amigas e novos — ela repetiu.
Depois de tomar a bebida, Portia deixou a taça erguida por mais
um momento, brindando silenciosamente alguém que não estava na
mesa, mas que estava presente da mesma forma.
Capítulo Onze

P que estava grávida duas semanas depois que


retornou de Londres.
Ela acordou antes do amanhecer, vomitando e suando com um
peso estranho na pélvis. Depois de vomitar pela terceira vez, ela se
arrastou de volta para a cama e caiu em um sono inquieto. Quando
ela acordou de novo, passava das onze e alguém estava batendo
na porta dela.
— Signora? Signora Stefani? — era Daisy.
— Entre — ela chamou fracamente.
A criada enfiou o rosto no quarto escuro.
— Está doente, Signora? Quando não desceu para tomar café, o
Sr. Soames ficou preocupado com o fato de poder estar sentindo
alguma coisa.
Portia quase riu. Ela estava sentindo alguma coisa, mesmo.
— Estou me sentindo um pouco cansada, então decidi que
dormir um pouco mais seria bom. Mas eu adoraria um pouco de chá
e torradas, se não se importar, Daisy.
— Oh, eu não me importo. Talvez queira um bom banho quente,
senhora? Eu sei que sempre me deixa bem melhor.
— Isso parece bom. Talvez daqui a uma hora? — Portia caiu de
volta na cama quando a porta se fechou. Que bagunça. No mínimo,
ela gostaria de manter sua situação em segredo. Não que estar
doente significasse necessariamente gravidez, exceto para uma
mente suspeita. Ela se deitou na cama e massageou o estômago
dolorido. O que diabos ela deveria fazer?
Stacy estava saindo dos seus aposentos e viu Soames e Daisy
conversando do lado de fora do quarto da Signora Stefani.
— Algo está errado, Soames?
A garota saiu correndo e o mordomo se virou para ele.
— Quando a Signora Stefani não apareceu para café da manhã,
fiquei preocupado.
O coração de Stacy deu um galope.
— Ela está doente? Ela precisa de um médico?
— Ela está se sentindo um pouco para baixo e pediu chá e
torradas, senhor. Ela não pediu um médico.
Stacy olhou nos olhos de repente não tão vagos do velho e
assentiu.
— Pergunte se ela gostaria do médico quando levar a refeição.
Por favor, me informe o que ela decidir. Eu estarei na biblioteca.
— Muito bem, senhor.
Stacy não se deu ao trabalho de acender velas quando chegou à
biblioteca. Ele caiu sobre a cadeira e olhou para a escuridão.
— Inferno.
Ela estava doente ou estava grávida? Ele sabia que as mulheres
às vezes ficavam doentes durante a gravidez. Ele mal conseguia
respirar por causa das pancadas no peito. Ele ainda estava sentado
na mesma posição meia hora depois, quando Soames entrou. O
mordomo não pareceu surpreso ao encontrá-lo sentado no escuro.
— A Signora Stefani agradece, mas recusa sua oferta por um
médico. Ela está se sentindo muito melhor — ele ficou na entrada
da porta, esperando.
— Muito bem, Soames. Isso é tudo.
Soames fechou a porta sem emitir nenhum som.
Stacy tentou fazer o trabalho, dizendo a si mesmo que estava
agindo de maneira tola. Mesmo assim, sua pilha de papéis não
diminuía e ele se viu na sala de música uma hora antes da aula. Ele
não conseguia pensar em outra maneira de se acalmar a não ser
tocando. Ele estava inquieto desde sua viagem a Plymouth. Ele só
ficou por três dias, embora Kitty quisesse que ele ficasse mais
tempo. Mas, seja qual foi a razão, ele não conseguiu relaxar. Então
ele voltou para casa e trabalhou na nova música que ele havia
escolhido em Plymouth, uma peça de Beethoven, sua Sonata 14.
Era assustadora, fascinante quase uma loucura. O terceiro
segmento, o presto agitato, estava além da sua habilidade e
provavelmente sempre estaria, mas ele estava determinado a
dominar tudo da mesma forma.
Acabara de tocar o adagio sostenuto pela enésima vez quando
sentiu a presença dela. Ele parou, mas não se virou.
— Boa tarde, Sr. Harrington — sua voz estava baixa, nada
parecida com o tom animado de sempre. Ele sentiu o calor do corpo
dela atrás dele. — Essa é uma linda peça.
— Acho-a cativante.
— Está indo muito bem com ela.
— Ah, mas ouviu apenas a primeira parte. Receio que a última
esteja além das minhas habilidades.
— Presto agitato — ele ouviu o sorriso na voz dela.
— Pode tocá-la para mim, Signora Stefani? — sua voz estava
rouca, como um homem que precisava beber água. Ou algo mais
forte.
Ela hesitou tanto que ele pensou que ela não o ouvira. Mas
depois ela se sentou ao lado dele. Ele começou a se levantar.
— Fique — sua voz estava baixa, mas firme. Ela se aproximou
dele e, embora ainda sobrasse espaço no banco, seus corpos se
tocaram.
Stacy nunca tinha ouvido a peça tocada por ninguém além de si
mesmo. Ele sabia como ela deveria ser tocada e podia ouvir a
música dentro da sua cabeça, mas não conseguia imaginar sua
beleza feroz.
Suas mãos comandaram, acariciaram e suplicaram,
demonstrando o domínio completo do instrumento diante dela. A
música agitava seu corpo como um saqueador violento, tentando
destruir sua paz de espírito e roubar sua alma.
No final, Stacy estava suando, seu coração batia forte e ele se
sentia claramente tonto. Se isso era da força da música ou da
pressão da coxa dela contra a dele, ele não sabia dizer.
Ela tirou as mãos das teclas e as colocou com as palmas para
cima no seu colo.
— Estou grávida.
Até ela dizer as palavras de fato Stacy percebeu o quanto se
alegrou com a notícia, notícia que certamente seria um infortúnio
para ela. Virou-se para encará-la.
Ela estava esperando por ele e suas mãos foram ao redor do
pescoço dele, enquanto as dele deslizavam pelo corpo dela. Ele
lançou sua boca sobre a dela. O beijo era o equivalente físico da
música que ela acabara de tocar: feroz, desenfreado e louco. Ele
não podia se aprofundar o suficiente dentro dela, não se cansava da
sua boca, seu gosto, seu calor. Parecia uma eternidade desde
aquela noite gloriosa nos estábulos.
Ela fez um ruído grave na garganta e os dedos entrelaçaram nos
cabelos dele e puxaram dolorosamente quando a boca se moveu
dos lábios pelo rosto dele. Ela o mordeu com força.
Stacy ouviu-se pronunciar as palavras que jurou que não falaria.
— Eu te quero. Agora.
Ela gemeu na boca dele.
— Eu pensei nisso, sonhei com isso — ela tirou os óculos dele,
fazendo o mesmo som que fez na última vez em que se olharam.
Era um som que ele pensava cada vez que tinha que se aliviar na
sua mão para se livrar dela, mesmo que apenas por algumas horas.
Ele a colocou de pé e empurrou o banco para trás com o pé
antes de tirar a partitura do piano. Ela se virou, inclinou-se para a
frente e agarrou as bordas do instrumento. Quando ela olhou por
cima do ombro para ele, seu sorriso era o mais devasso que ele já
tinha visto.
Stacy levantou as saias dela. Bom Deus! Ela estava usando
meias e ligas e um chemise tão curta que mal cobria seu traseiro.
— Meu Deus do céu — ele murmurou. Ela tentou se virar. —
Fique exatamente onde está — ele ordenou, aproveitando a vista
dela. — Acredito que esteja tentando me deixar louco — ele a
acusou com uma voz que não reconhecia. Sua risada como
resposta foi baixa e perversa.
Ela era rosa, bem torneada e perfeita, seu traseiro parecia um
pêssego que ele mal podia resistir para morder.
Mas isso teria que esperar. Agora ele precisava dela rápido e
com força.
— Segure suas saias.
Ela agarrou o tecido, inclinou-se ainda mais e empurrou os
quadris para trás, oferecendo-se a ele.
— Maldição — ele respirou. Ele precisava de pelo menos prová-
la antes. Ele ficou de joelhos e passou a língua ao longo da pele
acima das meias brancas lisas. Ela gemeu e seus pés se
espalharam mais, abaixando ainda mais o seu sexo. Stacy passou a
língua pela parte de trás da sua coxa e por seu traseiro
perfeitamente formado, parando quando ele alcançou a base da
espinha dela. Ela estremeceu quando ele respirou profundamente, e
depois choramingou quando ele deslizou a mão entre suas coxas e
separou seus cachos úmidos. A ponta do polegar roçou seu broto
liso e inchado e ela empurrou contra ele, murmurando algo que ele
não podia ouvir.
Um diabinho o cutucou.
— O que disse? — Ele brincou, parando com a mão.
— Por favor... por favor — a palavra saiu em um chiado e ela
empurrou contra ele com um total abandono.
Ele empurrou o polegar dentro dela e acariciou, até encontrar o
que procurava.
Ela resistiu e soltou uma palavra muito suja e ele riu, esticando a
outra mão ao redor dela, acariciando entre os lábios inchados
enquanto ele começava a penetrá-la, cada vez mais fundo enquanto
ela, se apoiava contra ele.
Stacy tinha acabado de entrar em um ritmo agradável quando
seus quadris estremeceram e depois congelaram. Ela deu outro
grunhido baixo e animalesco e depois gritou algo em outro idioma,
algo alto o suficiente que dava para ser ouvido nas cozinhas, ou
talvez até nos estábulos.
Seu clímax encharcou a mão dele e ela não parou de se contrair
em torno do seu dedo quando começou a empurrar contra ele, ela
queria mais.
Stacy quase riu do som felino de desgosto que ela soltou quando
a mão dele deixou seu corpo. Ele se levantou e abriu suas calças.
— Levante mais suas saias — ele pressionou sua ereção contra
seu traseiro nu e gemeu de pura alegria, baixando a boca no
pescoço dela e beijando, mordiscando e lambendo.
Enquanto ela segurava as saias até a cintura, ele virou o rosto
dela até o perfil dela estar de frente para ele. Ele traçou seus lábios
entreabertos com a mão que a levou ao clímax. Ela chupou o
polegar em sua boca sem hesitar, lambendo e acariciando-o com
uma sugestão que o fez sentir dor por querer estar dentro dela.
— Meu Deus — ele sussurrou, e então deslizou a mão livre entre
as pernas dela e encontrou o que queria. — Diga-me como eu
deveria te foder — ele ordenou, apertando seu botão rígido e
sensível. — Eu quero ouvi-la dizer.
Seu corpo estremeceu com a palavra vulgar e Stacy guiou o
membro dele entre suas coxas abertas e empurrou seu pênis contra
sua abertura apertada, mas não o suficiente para abri-la. — Diga-me
— disse ele severamente, cessando seu toque sugestivo.
Ela inclinou os quadris ainda mais e empurrou de volta contra
ele.
— Forte, Stacy. Foda-me forte.
Stacy levantou-a do chão com a força da sua estocada e ela caiu
sobre o piano, uma mão batendo sobre as teclas e enchendo a sala
com um clamor que não era páreo para aquilo dentro dele. Ele
agarrou os dois pulsos dela e abriu seus braços até que ela
estivesse segurando as bordas do instrumento.
— Segure firme.
E então ele agarrou seu quadril e o inclinou, segurando-a
exatamente antes de sair de dentro dela. Ela fez um barulho e ele
sabia que tinha encontrado o ângulo que os serviria perfeitamente.
A próxima vez que ele entrou nela, ele se preocupou que talvez
pudesse sair do outro lado do seu corpo.
— Mais forte — ela murmurou.
Stacy a estava usando como um homem louco, seu corpo e
mente fora de seu controle. Quando ela chegou ao clímax, ele a
fodeu mais rápido, enterrando-se ao máximo e preenchendo a parte
dela que já carregava seu filho.
O filho deles.
Foi o orgasmo mais explosivo da sua vida, um cataclismo
excruciante que assolou seu corpo com ondas de prazer
aparentemente intermináveis antes de deixá-lo tonto e sem forças.
Era possível que ele realmente tivesse adormecido enquanto
ainda estava de pé e completamente dentro dela. O corpo dela
mudou ligeiramente abaixo dele e a realidade se intrometeu, ele a
estava esmagando contra a dureza implacável do piano. Ele se
retirou com relutância e depois abaixou as saias amarrotadas e
amassadas antes de ajeitar suas calças.
Ela deu um suspiro de puro prazer, a cabeça apoiada nos
antebraços cruzados no piano.
— Hmmm. Isso foi...
— Sim, foi — ele concordou.
Ela riu com voz rouca e se levantou, andando com as pernas
rígidas em direção ao espelho emoldurado em ouro. Stacy foi até
sofá no canto mais escuro da sala. Ele a observou alisar o vestido e
arrumar o cabelo, que estava desarrumado e levaria muito mais do
que uma mera passada de mão para voltar ao seu elegante
chignon.
— Por favor, venha aqui, Signora Stefani.
Os ombros dela se enrijeceram com o comando frio dele, mas
ela se virou, a luz atrás dela obscureceu seu rosto. Não foi a
primeira vez que ele amaldiçoou a ridícula escuridão que impusera à
sua casa, ele daria tudo para ver a expressão dela naquele
momento.
Enquanto caminhava em sua direção, Stacy acendeu duas velas
ao lado do sofá.
Ela sentou e ele se virou para encará-la.
— Tenho uma confissão embaraçosa a fazer.
Ela inclinou a cabeça, sua expressão altiva.
— Sim?
— Tenho vergonha em admitir que não sei o seu nome cristão.
O olhar de surpresa dela não tinha preço e o riso dela o fez
sorrir.
— É Portia.
— Portia — ele repetiu. — É um nome bonito e combina contigo
— ele pegou a sua mão. — Eu sei que isso... — ele acenou com a
mão em um gesto abrangente — não é o que esperava quando veio
aqui para ensinar música, mas estamos além disso agora — ele fez
uma pausa e ela permaneceu imóvel. Stacy não sabia se isso era
um sinal bom ou ruim, mas ele precisava continuar. — Não nos
conhecemos muito bem, mas acredito que compartilhamos pelo
menos uma paixão. Bem, duas, na verdade — ele sorriu e os olhos
dela se arregalaram e piscaram para a boca dele, ele realmente
sorria tão raramente? Ela afastou o pensamento. — Há pessoas que
se casam sem ao menos se conhecerem e eu não acho que não
combinamos como tantos outros casais por aí — ele fez uma pausa
e ela assentiu devagar, sua expressão difícil de ler.
— Portia, me daria a grande honra de se tornar minha esposa?
— ele ouviu a respiração dela prender na garganta e ele continuou.
— Eu acredito que não se repela a mim?
Seus lábios, cheios e machucados pelo recente furor, curvaram-
se.
— Não, Sr. Harrington. Repelida não é uma palavra que eu
usaria para descrever o que sinto. É o homem menos repelente que
já conheci.
Sua divulgação enviou sangue correndo para sua virilha. Outra
vez.
Mas então o sorriso sumiu de seu rosto.
— Eu não disse que estava grávida para prendê-lo em um
casamento.
— Prender não é a palavra que eu usaria para descrever meus
sentimentos sobre o assunto Portia — suas palavras eram um eco
seco das palavras dela. Seus lábios se separaram, como se ela
pudesse dizer algo, mas ela permaneceu em silêncio. Ele continuou:
— Sei que não estamos bem familiarizados, mas acredito que nos
daríamos bem juntos. Eu nunca esperaria que se enfurnasse no
campo simplesmente porque eu prefiro não fazer parte da
sociedade. Eu entenderia se quisesse viajar. Serei generoso e seria
uma mulher independente de várias maneiras.
Seu silêncio prolongado o deixou desconfortável. No que ela
estava pensando? Ela estava assustada? Com nojo? Preocupada?
— E o que conseguirá com o casamento, Sr. Harrington?
Ele piscou. Certamente ela não estava falando sério? Stacy abriu
a boca, mas depois descobriu que não podia falar a verdade e se
expor. Então, em vez disso, ele sorriu levemente e disse:
— Talvez um preço especial para aulas de piano?
Ela balançou a cabeça, sua expressão séria.
— Não, receio ter dado a menor tarifa possível que senti vontade
de oferecer, Sr. Harrington — ela riu do que viu no rosto dele e o
som acalmou seus nervos tensos.
— Me chame de Stacy — ele queria morder a língua com o tom
altivo de comando.
Seus olhos escuros e aveludados procuraram seu rosto como se
ela pudesse ver cada parte dele, partes que não eram visíveis,
partes que talvez não existissem.
— Stacy — ela estendeu a mão e segurou seu maxilar e ele
colocou a mão sobre a dela, seu coração batendo forte com o gesto
doce e íntimo dela. — Eu devo lhe dizer uma coisa, Stacy.
Seu coração pulou e ela gaguejou.
— Sim?
— Eu já estive grávida antes, mas abortei nos primeiros três
meses. É possível que se case comigo sem motivo.
Stacy engoliu o desejo inadequado de rir. Ele não queria rir
porque ela sofreu um aborto espontâneo, mas porque ela não
confessou algo insuperável, como já ser casada ou ser uma fugitiva
condenada e louca.
— Uma criança seria algo maravilhoso, Portia, mas acredito que
podemos encontrar outros motivos para desfrutar do nosso
casamento — ele só podia esperar que suas palavras de segurança
suavizassem seu tom rígido e frio. Ele soltou a mão dela e ela,
morosamente, ele pensou, soltou seu rosto.
— Também devo confessar que, na última vez em que estive
grávida, fiquei ainda mais emocional e temperamental do que
normalmente sou. O que, como meu pai teria dito se ainda estivesse
vivo, pode ser excessivo, mesmo na melhor das hipóteses.
— Ah, insensato. Entendo. Bem, vou me considerar avisado.
Tem mais alguma coisa? — ele perguntou levemente.
Ela sorriu e a expressão iluminou a sala.
— Eu concordo com o que disse. Somos compatíveis de várias
maneiras e gostei do tempo que passamos juntos. Eu sei que
deveria querer mais tempo para nos conhecermos...
— Mais algumas semanas não causariam nenhum escândalo
quando a criança nascer.
— Eu disse que deveria querer mais tempo, mas não quero. Eu
gostaria muito de me casar contigo, Stacy.
Sua graciosa aceitação da oferta o deixou atordoado e satisfeito.
— Farei o meu melhor para garantir que nunca se arrependa da
sua decisão, Portia.
— Eu farei o mesmo, Stacy.
E assim, eles ficaram noivos para se casar.
Capítulo Doze

Q P entrou na sala de música no dia seguinte,


não pôde deixar de pensar na aula do dia anterior e seu rosto ficou
quente.
Ela não viu Stacy desde o jantar da noite passada, quando ele
contou à tia sobre o noivado. Embora a Srta. Tate tivesse dado as
respostas adequadas e parecesse satisfeita, Portia não estava
totalmente convencida. De qualquer forma, ela foi para a cama
pouco tempo depois de tocar para eles. Mesmo que a Srta. Tate não
estivesse horrorizada, os dois precisariam de tempo para conversar
sem ela.
Aquela manhã ela estava sozinha tomando café da manhã e não
tinha visto nenhum dos Harrington até o momento.
Quando Portia fechou a porta, Stacy se afastou do piano onde
estava tocando algumas escalas. Um sorriso muito malicioso curvou
em seus lábios.
— Se continuar olhando para mim assim, sua performance
nunca irá progredir — ela repreendeu.
As sobrancelhas pálidas dele se ergueram e ele usou aquela
expressão inescrutável que fazia seu coração acelerar.
— Mas talvez minhas outras habilidades sejam beneficiadas,
senhora?
— Eu acho que suas outras habilidades não precisam ser
melhoradas.
Isso o fez sorrir.
— Postei suas cartas hoje, tem certeza de que não deseja adiar
a data, apenas no caso de suas amigas quiserem comparecer?
Portia escreveu cartas separadas para todas as suas amigas
contando a novidade. Ela fez convites, mas sabia o quanto elas
tinham que trabalhar. Se ela pedisse, elas encontrariam uma forma
de vir, mas ela não queria implorar para suas amigas apenas para
não se sentir sozinha.
— Acho que a data que escolhemos é a melhor — disse ela.
— Muito bem. Partirei daqui a dois dias para garantir a licença.
Arrisco dizer que estarei de volta até o final da semana. Falarei com
o vigário amanhã. Também posso conversar com minha tia durante
o café da manhã do casamento, a menos que...
— Eu gostaria de discutir isso com ela, se concordar?
Ele lhe deu um de seus raros sorrisos e ela pôde ver que ele
estava satisfeito.
— Obrigado, Portia, agradeço sua consideração. Sei que em
breve será a senhora de Whitethorn e...
— Na verdade, sou péssima quando se trata de administrar
assuntos domésticos — ela mentiu —, eu adoraria que a Srta. Tate
considerasse continuar em seu cargo atual, se ela não se importar,
é claro — essa segunda parte não era uma mentira. Portia não tinha
interesse em administrar uma casa enorme e podia ver que aquilo
era importante para a Srta. Tate. A mulher sempre moraria com eles,
então convinha que ela tentasse se dar bem.
— Obrigado — ele disse simplesmente.
A aula de duas horas, durante a qual apenas música fora tocada
no piano, passou rapidamente. Quando terminou, Stacy chegou à
mesa onde Portia estava montando suas anotações.
— Pode vir comigo na biblioteca por alguns minutos, senhora?
Sua expressão bastante severa fez seu estômago apertar, mas
ela ignorou a ansiedade.
— É claro.
Quando eles entraram na biblioteca, Portia notou que uma das
janelas estava aberta. Era uma janela que dava para o norte e
estava sombreada por uma enorme árvore. Mesmo assim, estava
mais claro do que ele normalmente mantinha seus cômodos.
Ele seguiu o olhar dela.
— É minha expectativa permitir que um pouco mais de luz entre
em casa — as palavras eram simples, mas o significado era claro:
ele estava fazendo isso por ela.
Portia pegou a mesma cadeira em que se sentou há menos de
dois meses e Stacy retirou uma linda caixa de madeira da mesa e
entregou a ela.
— Que linda — disse ela, traçando a fina marchetaria com o
dedo.
Ele se encostou na frente da mesa.
— Na verdade o presente está dentro da caixa, Portia.
Um pequeno arrepio percorreu sua espinha ao ouvir o nome dela
na sua boca. Ela mordeu o lábio, com medo do que encontraria lá
dentro. Ela não tinha nada para dar para ele em troca.
— Ela não vai abrir sozinha — havia diversão em sua voz baixa.
Dentro da caixa havia uma requintada gargantilha de pérolas. As
pérolas eram grandes e da cor de creme de leite fresco. Havia
brincos e uma pulseira que combinavam. Portia nunca teve nada tão
fino.
— Oh, Sr. Harrington, que lindo — ela respirou, tocando uma das
pérolas, que na verdade estavam quentes sob seus dedos. Ela
olhou para cima, envergonhada por sua generosidade. — Como
posso agradecer por um presente tão magnífico?
— Pode começar me chamando de Stacy — ele fez uma careta
— ou Eustace, se preferir. Quanto a me agradecer? — seus lábios
pálidos se curvaram. — Tenho certeza de que vou pensar em
alguma coisa.
O rosto de Portia ficou insuportavelmente quente sob seu olhar
por trás daqueles óculos.
— Pode tirar os óculos, Stacy?
— Tsc, tsc, tsc. Sabe o que acontece quando eu faço isso,
Portia.
Ela riu.
— Eu prometo que não vou me jogar em você como uma
devassa.
Ele descruzou os braços e colocou as duas palmas na borda da
mesa.
— Então eu mal vejo o ponto.
Ela se levantou, deu o único passo que os separava e ficou na
ponta dos pés para beijá-lo suavemente na boca antes de voltar aos
calcanhares. Ele ficou parado como a estátua que ele tanto
lembrava.
— Obrigada pelas joias, Stacy, elas são lindas.
Ele estendeu a mão e deslizou um dedo por sua mandíbula, o
toque leve enviando um pulso de desejo diretamente ao seu centro.
— De nada Portia — para sua decepção, ele deixou cair a mão
para o lado. — Elas pertenciam à minha mãe. Existem várias outras
peças que pode usar. Nós podemos dar uma olhada nelas em
algum momento, mas eu achei que esse conjunto ficaria
particularmente perfeito com o vestido vermelho que usou em uma
ocasião. Me agradaria se o usasse hoje à noite.
Seu pedido silencioso a deixou sem fôlego, havia algo muito
sensual em um homem que queria ver seu corpo vestindo certas
roupas.
Ele se mexeu um pouco, como se precisasse colocar alguma
distância entre eles, e Portia deu um passo para trás, resolvendo
afastar as mãos do corpo dele. A próxima vez que eles fizessem
amor, ou se pegassem como um par de visons selvagens, seria ele
quem teria que tomar a iniciativa.
— Se mudar de ideia sobre convidar suas amigas, ficarei feliz
em enviar minha carruagem para quem precisar.
Portia piscou com a oferta.
— É muito generoso da sua parte.
— Aliás, dei instruções a Daisy para te servir até que possamos
contratar uma criada adequada. Ela é uma garota agradável e
ansiosa por me agradar.
A oferta a surpreendeu.
— Sempre atendi às minhas próprias necessidades. Na verdade,
eu dificilmente saberia como manter uma criada pessoal.
Seu sorriso era gentil, mas firme.
— Sem dúvida irá se acostumar a isso — ele caminhou em
direção à porta enquanto falava e a manteve aberta, como se o
assunto não estivesse mais em discussão.
Pela primeira vez, Portia percebeu que estava se casando com
um homem que tinha uma mente própria. Ele era gentil e falava
manso, mas, ela percebeu naquele momento que todos os criados
dele o obedeciam rapidamente e sem questionar. Ela lembrou as
palavras da sua tia de todas aquelas semanas atrás: ele era um
tirano benevolente. Portia estava certa de que a Srta. Tate falara de
brincadeira, ainda...
Quando se casar, ele será seu senhor e mestre.
O pensamento a atingiu com força, mesmo que não devesse ser
novo para ela. Afinal, ela foi casada com Ivo a maior parte da sua
vida adulta. Mas ela e Ivo haviam se casado como duas crianças
birrentas e não havia mestre em seu relacionamento. Cada um
deles lutava constantemente para impor sua vontade um ao outro.
Portia olhou para o rosto bonito e impassível de Eustace
Harrington e um frisson de alguma coisa – emoção? Medo? –
percorreu seu corpo enquanto ela olhava para as lentes escuras
dele.
Ocorreu-lhe que ela realmente sabia muito pouco sobre o futuro
marido.
Ele pegou a mão dela, a que não segurava o presente
extravagante que acabara de lhe dar, e a levou aos lábios.
— Estou ansioso para vê-la no jantar, minha querida — o beijo
dele foi quente na pele fina da mão dela. Parecia como se ele a
estivesse marcando.

Quando Portia viu o jeito que Daisy arrumou seus cabelos


naquela noite, um elegante toque francês, ela estava
consideravelmente mais otimista em relação a contratar uma criada.
— Fez um milagre, Daisy.
Daisy riu.
— É fácil quando um corpo tem cabelos como o seu. Eu tenho
oito irmãs, senhora, e todas nós temos o mesmo tipo de cabelo —
ela apontou para o próprio cabelo, trançado em duas pesadas tiras
loiras.
Portia abriu a caixa de marchetaria.
— Pode me ajudar a colocar o colar?
— Oh senhora, eu não poderia! — Daisy olhou para as pérolas
brilhantes com os olhos arregalados.
— O Sr. Harrington me deu como presente de casamento.
Evidentemente, elas pertenciam à mãe dele — ela pegou o fio
pesado e o colocou no pescoço. Parecia fino com a seda cor de
chama decotada. Enquanto Daisy apertava o colar, Portia enroscou
os brincos e apertou o bracelete no pulso.
— Meu Deus, mas a senhora está linda — Daisy olhou
boquiaberta para o reflexo de Portia. Portia também. Ela nunca
esteve tão linda.
Por impulso, ela disse:
— Ficarei feliz em mantê-la como minha criada, Daisy, se isso for
o que desejar.
— Oh, acima de tudo, senhora. Sei que o Sr. Harrington disse
que era apenas temporário.
— Ele deixou a escolha para mim, e eu te escolhi.
— Obrigada, senhora, não vai se arrepender.
Portia deixou Daisy cantarolando enquanto examinava o guarda-
roupa lamentável de Portia.
Um dos dois lacaios, Charles, estava esperando no pé da
escada.
— O Sr. Harrington está na sala amarela, Sra. Stefani.
— Obrigada, Charles.
Stacy estava sentado em uma pequena escrivaninha quando ela
entrou, ele acabara de lixar alguma coisa. Seus lábios se
separaram, mas demorou um momento para ele falar. — Está
deslumbrante, Portia.
O rosto dela se aqueceu com o elogio.
— Obrigada — ela olhou em volta para um cômodo que só tinha
visto uma vez antes, no dia em que Soames mostrou a mansão.
— Quer beber algo?
Portia realmente estava se sentindo bastante enjoada, mas
parecia má educação dizer não.
— Obrigada, talvez um xerez, bem pouco — ele caminhou em
direção a uma mesa com vários decantadores e Portia não pôde
deixar de observar suas pernas musculosas, envoltas em
pantalonas pretas que encaixavam nele como uma segunda pele.
Eles apenas fizeram amor vestidos e Portia ainda não tinha visto a
maior parte do seu corpo. A lembrança da parte que ela viu deixou
sua boca seca. Talvez tivesse sido melhor ela ter pedido o xerez.
Ele se virou e a pegou olhando, como sempre.
— Decorou Whitethorn? — Ela perguntou, olhando para as mãos
dele e não para seu rosto quando ele lhe entregou a taça.
— Sim — as velas atrás dela brilhavam nas lentes preto-
azuladas dele, fazendo-o parecer remoto e ameaçador.
— Tem um gosto requintado.
— Obrigado, mas será a senhora de Whitethorn, portanto, deve
mudar o que quiser quando estivermos casados — suas narinas
finas tremeram com a palavra “casados”.
Ele estava antecipando a noite de núpcias tanto quanto ela?
Portia de alguma forma duvidava disso. Ivo estava convencido de
que ela sofria de ninfomania, uma acusação que ele jogara na sua
cara mais de uma vez. Portia nunca tinha ouvido aquela palavra
antes, mas era capaz de adivinhar o que ela significava. Depois do
que aconteceu nos estábulos, e novamente na sala de música, ela
começou a suspeitar que Ivo estivesse certo.
Portia percebeu que ele estava olhando para ela, como se
estivesse esperando uma resposta.
— Sinceramente, não consigo pensar em nada que eu mudaria
— a casa estava perfeita. Ele era perfeito.
— Nós não discutimos nossa lua de mel. Tem algum lugar que
gostaria de ir?
— Deseja fazer uma viagem?
Ele pareceu se divertir com a surpresa dela.
— Não tenho objeções em viajar. Eu apenas preciso de certas
precauções para tornar isso possível.
Portia decidiu que agora era o melhor momento para discutir
essas precauções.
— Que tipo de precauções, se não for incômodo perguntar?
— Pode me perguntar o que quiser, Portia. Afinal, em breve será
minha esposa — Portia engoliu em seco com a palavra “esposa”.
— As precauções são as mesmas que eu tomo na maioria dos
dias. Minha pele queima muito facilmente, mas isso não significa
que não posso sair ao ar livre. Significa apenas que devo cobrir o
máximo possível da minha pele. Meus olhos são particularmente
sensíveis e danificam facilmente. É por isso que escolho sair tão
raramente durante o meio do dia. Receio ter um pouco de medo de
perder a visão — disse ele, soando como se estivesse admitindo
algo embaraçoso, como medo de caracóis.
— Seria uma coisa terrível ser privado da visão — a única coisa
que Portia pensava que poderia ser pior seria perder a audição e a
beleza da música junto com ela. — Seus óculos o protegem?
— Eu tenho um par que é muito mais grosso e fechado para que
a luz não entre pelas laterais — ele viu a expressão de Portia e
sorriu —, eu diria que os odiará, dada a sua curiosidade em relação
aos meus orbes esquisitos.
— Eles não são esquisitos — Portia ficou surpresa com a raiva
que a palavra a deixou. — Seus olhos são possivelmente as duas
coisas mais bonitas que eu já vi. Nunca se olha no espelho?
— Raramente — ele parecia entediado.
— Sem dúvida, sua condição é um tremendo inconveniente e
tenho certeza de que pessoas ignorantes, das quais
lamentavelmente existem muitas, fazem com que sair em público
seja desconfortável. Mas muitas pessoas vão te olhar porque é um
homem extremamente atraente. Tenho certeza de que minha
opinião não é surpresa para você —ela corou ao recordar o ato
sexual mais recente. Como ele não conseguia ver que ela o achava
desejável?
Seus lábios se curvaram em um sorriso leve e tolerante.
— Estava pensando em convidar o vigário e sua esposa para
jantar quando eu voltar.
Portia permitiu que ele se afastasse do tópico que ele claramente
considerava desagradável. Mas em particular ela prometeu fazer
tudo ao seu alcance para fazê-lo entender o quão atraente ela o
achava – tanto a mente quanto a pessoa – quando eles forem
marido e mulher.
Os dias que antecederam o casamento passaram rapidamente.
Portia percebeu que Stacy estava certo quando ele disse que
deixaria a criada bastante ocupada. Daisy não só era habilidosa no
que dizia respeito a cabelos, mas também fazia magia com uma
agulha.
Depois que Stacy partiu para Plymouth, elas passaram duas
tardes transformando um dos vestidos de Portia em seu vestido de
noiva. Elas riram como garotas e comeram muitos bolos e biscoitos
enquanto Daisy bordava pequenas flores no vestido de seda creme
simples de Portia e o transformava em um vestido de noiva
deslumbrante.
— Gostaria de ter perguntado ao valete do Sr. Harrington qual
seria a cor do seu colete — disse Daisy enquanto trabalhava na
bainha.
O valete de Stacy era um homem grande, de peito largo e tinha
uma expressão severa.
— Eu ficaria com medo de perguntar qualquer coisa a Powell —
disse Portia.
Daisy riu.
— Porque ele não passa de um gatinho grande.
Portia sorriu para sua jovem criada corada. Ah, então era
assim...
A porta da sala se abriu e Frances apareceu na porta.
— Eu lhe trouxe uma surpresa — ela se afastou e revelou a
nanny.
— E que surpresa agradável! — Portia levantou-se e correu em
direção às duas mulheres, enquanto Daisy rapidamente tirava as
várias peças de roupa das cadeiras.
— Que maravilhoso da sua parte visitar, as duas.
Nanny sorriu para Daisy, seus olhos azuis claros e afiados.
— É bom vê-la fora da igreja, Daisy, mas quase nunca me visita.
— Eu sou uma senhora trabalhadora, agora, babá.
A babá se virou para espiar Frances.
— Não devia dar tanto trabalho para a pobre moça, Srta. Tate.
— Oh nanny, Daisy está brincando contigo — disse Frances, seu
tom mais adequado para uma criança pequena do que para uma
mulher de noventa anos.
Os olhos da babá se estreitaram e Portia rapidamente tocou o
sino para pedir mais chá, mudando o assunto para neutralizar
possíveis hostilidades.
Era a primeira vez que Portia via Frances com a babá e teve a
nítida impressão de que a babá não gostava dela. Portia percebeu
que a babá, que gostou dela tão rapidamente, poderia ser uma
pessoa espinhosa com outras pessoas. Felizmente, ela gostava de
Daisy, cuja família inteira ela parecia conhecer.
Assim que o chá chegou, Portia trouxe à tona o assunto favorito
da babá, e muito querida no seu coração, ela percebeu, e as
presenteou com história após história sobre Stacy. Ela estava
contando uma história sobre Stacy e seu primeiro pônei quando ela
piscou e olhou em volta.
— E onde está o meu favorito hoje? — perguntou.
— Ele foi para Plymouth, para obter a licença de casamento —
Portia lembrou.
— Ah, certo — ela balançou a cabeça e depois sorriu. — Ele era
um danado, sempre foi. Ele tinha a senhora nas mãos, não tinha
Srta. Frances? — ela lançou à outra mulher um sorriso que carecia
da malícia do seu olhar anterior.
— Sim, ele era notavelmente hábil em conseguir o que queria.
Felizmente, ele não era um garoto malicioso — Frances concordou,
seu rosto suavizando.
— Não, ele não tem nada do pai dele — disse a babá.
Frances se encolheu e as duas mulheres se encararam, algo
desagradável fluindo entre elas.
— Stacy estará de volta hoje à noite — disse Portia para
suavizar o que estava acontecendo. — E nós dois iremos visitá-la
amanhã, babá.
O nome do seu amado era o suficiente para fazer com que a
babá parasse de encarar Frances e a conversa voltou ao assunto do
casamento, o incidente incômodo esquecido.

Durante todo o jantar naquela noite, Portia ficou esperando para


ouvir a carruagem de Stacy. O jantar tinha sido acolhedor e
feminino, apenas ela, Frances e as mulheres se retiraram para a
sala menor e conversaram até Portia perceber a cabeça de Frances
caindo.
Portia estava andando na ponta dos pés em direção à porta para
não acordar a mulher quando ouviu o barulho de rodas em
paralelepípedos.
O som acordou Frances, que piscou, olhou em volta até ver
Portia e disse:
— Estou feliz por ele estar em casa, mas realmente queria que
ele não viajasse à noite.
— Pelo menos é lua cheia — disse Portia. — Eu vou recebê-lo
no...
A porta se abriu e Soames apareceu na abertura, com os olhos
arregalados.
— Signora, venha rapidamente. É o Sr. Harrington, ele foi
baleado!
Capítulo Treze

S cochilando quando o grito frenético de Jewell,


seu cocheiro, o acordou. Ele estava desfrutando de um daqueles
momentos muito raros da vida: um momento de puro
contentamento.
A viagem a Plymouth fora um sucesso em todas as áreas,
exceto uma. Ele comprou a licença comum e depois foi ao joalheiro
que preferia. Não demorou muito para ele decidir sobre um grande
diamante de esmeralda. A pedra era requintada e o anel era
simples, mas elegante. Ele dera ao homem uma luva de Portia que
Daisy tinha separado e depois combinou de vir na manhã seguinte
para recolher o anel. Ao sair da loja, avistou alguns adoráveis
alfinetes de diamante para cabelo e mandou o homem acrescentar
uma dúzia ao seu pedido.
Ele foi até a Kitty e sofreu com ela se gabando e se arrumando,
como se ela, em vez de Stacy, fosse quem estivesse se casando.
— Foi terrível quando propôs? Gaguejou como um garotinho
bobo? — Ela provocou.
— Eu na verdade desmaiei, Kitty. Acredito que essa é a única
razão pela qual ela me aceitou, ficou com vergonha de me recusar.
O grito de alegria de Kitty quase o ensurdeceu quando ele disse
que Portia estava grávida.
— Oh Stacy, ela parece uma mulher maravilhosa, perfeita para
você: gênio forte e destemida. Ela não vai deixar que dê aquele
olhar arrogante no qual é especialista, para fazê-la estremecer.
Stacy revirou os olhos.
— Bom Deus, Kitty, você é uma idiota.
Suas palavras apenas a fizeram rir mais. Mas ela parou de rir
quando Stacy a convidou para o casamento.
— Está louco, deveria estar trancafiado em Bedlam. Convidar
uma prostituta para o seu casamento?
Stacy deu a ela um dos olhares gelados que ela acabara de
mencionar.
— Me agradaria se não se referisse a com essa palavra, Kitty.
— Esse olhar não funciona comigo, sua alteza. Eu sei como é
realmente muito fofinho.
— Eu posso ver que fui muito leniente contigo no passado — ele
lhe lançou um olhar ainda mais severo.
Mas ela apenas balançou a cabeça.
— Não posso ir ao seu casamento, Stacy. Não seria uma boa
maneira de começar uma vida de harmonia doméstica. Contou a ela
sobre mim, sobre nós?
— Ainda não, mas mal tivemos tempo para conversar sobre
outras coisas além de arranjos de casamento. Além disso, não há
nada a dizer além de que é minha melhor amiga.
Kitty deu um suspiro.
— Existe o fato de eu trabalhar em um bordel. Existe o fato de
que éramos amantes.
Stacy deu de ombros, recusando-se a ceder.
— Não somos amantes há anos.
— Oh, os homens são tão burros. Confie em mim, Stacy, ela não
iria gostar da minha presença no seu casamento, ela se sentiria
insultada. Se ela é tão feroz como diz, não sobreviveria intacto à
noite de núpcias — depois ela mordeu o lábio inferior e disse — não
deveria me visitar novamente.
Eles discutiram seriamente depois disso, durante o jantar e
depois no chá, Stacy usou todos os argumentos que pôde reunir – e
um número grande de ameaças – para fazer Kitty concordar em ir.
E tudo por nada.
Mas pelo menos ela cedeu em terminar a amizade deles.
— Vou recebê-lo novamente, sabe que eu vou Stacy, mas
comprometerá seu casamento se continuar nossa amizade —
quando ele abriu a boca para argumentar, ela o abraçou ferozmente.
— Meu amigo mais querido. Estou contente por você. Merece nada
além do melhor e parece que o encontrou. Desejo-lhe tudo o que é
bom e muita felicidade.
Stacy ponderou suas palavras durante a longa viagem de
carruagem para casa. Seria um insulto à Portia convidar sua amiga
mais próxima? Ele estava agonizando com a pergunta por duas
boas horas quando Jewell gritou e uma arma disparou, os sons
puxando-o rudemente da sua imaginação.
Powell, seu valete, estava sempre pronto e entregou-lhe uma
pistola, mesmo quando a carruagem começou a desacelerar.
Stacy abriu a passagem e gritou:
— Quantos são?
— Três homens que eu consigo ver, senhor.
— Está carregado, Baker? — Stacy gritou para o cavalariço
sentado ao lado do seu cocheiro.
— Sim, senhor, Freddy também — disse ele, referindo-se ao
lacaio de Stacy, que cavalgava no pequeno poleiro na traseira da
carruagem.
Stacy espiou pela janela, mas não viu nada. Já passava do
crepúsculo e as árvores ao oeste da estrada bloqueavam os últimos
raios de luz do dia. Eles começaram sua jornada no início do dia,
mas pararam para ajudar uma carroça que colidira com uma
charrete. Houve dois ferimentos graves e não havia maneira de
transportar as vítimas a não ser carregá-las na carruagem de Stacy.
Como resultado de suas ações de Bom Samaritano, eles
estavam correndo contra a escuridão.
Stacy mordeu o interior de sua boca enquanto considerava a
logística. A falta de luz funcionaria a favor de Stacy, mas não para
os seus homens.
— Consegue enxergar bem o suficiente para dar um bom tiro? —
Stacy perguntou ao cocheiro.
— Não vale a pena, senhor. Eles ainda estão todos atrás da
gente.
— Eles acertaram alguma coisa com o tiro?
— Não, senhor. Eu acredito que eles estavam mirando no jovem
Freddy.
Stacy amaldiçoou. Freddy estava totalmente exposto. Ele
respirou fundo.
— Ouça com atenção, eis o que vamos fazer.

Portia estava correndo antes que Soames terminasse de falar e


quase atropelou o mordomo. Stacy estava entre Powell e Jewell, os
braços em volta dos ombros, as botas arrastando no chão. Seu
rosto, gravata, camisa e cabelo estavam cobertos de sangue.
Ela girou sobre Soames, que havia sombreado seus passos.
— Chame um médico.
— Baker já foi chamar, senhora.
— Traga-o para a sala de estar — ela ordenou, correndo ao lado
dos homens.
Pela primeira vez Stacy estava sem os seus malditos óculos.
Seus olhos estavam semicerrados e seus lábios estavam curvados
em um sorriso.
— Olá, Portia — sua voz estava arrastada e sonolenta.
— Onde ele foi atingido? — ela inquiriu.
— No pescoço e na perna.
Portia soltou uma série de palavrões mais vis em italiano que ela
conseguiu pensar.
Soames, Powell e Frances ficaram boquiabertos.
Stacy riu fracamente.
— Forte e feroz — ele murmurou.
— Traga mais velas — disse Portia a Soames quando chegaram
à sala de estar. Ela fez um gesto para Powell. — Coloque-o no sofá,
Jewell, e depois vá buscar uma bacia de água quente. Powell, me
traga um pouco de conhaque. Frances, me ajuda aqui — ela viu
Daisy pairando ansiosamente na porta aberta. — Daisy, encontre
roupas de cama velhas ou algo que possamos usar como ataduras
— Daisy e os homens se dispersaram e Frances caiu ao lado dela,
já desabotoando o casaco e o colete de Stacy.
Os homens amarraram um torniquete no ferimento de sua perna,
que estava vazando lentamente, mas o do pescoço tinha apenas
sua gravata ensanguentada pressionada contra ele. Portia removeu
e respirou fundo, a bala não tinha acertado uma artéria, mas a ferida
estava sangrando sem parar.
Powell apareceu com o conhaque.
— Levante a cabeça dele — ela ordenou, segurando o copo nos
lábios dele, que agora estavam tão brancos quanto o resto do seu
corpo. — Beba, Stacy, isso ajudará com a dor.
Eles jogaram um pouco, garganta abaixo, mas ela teve medo de
sufocá-lo com mais e entregou o copo a Powell antes de se virar
para a outra mulher. — Temos que estancar o sangramento. Como
estão suas habilidades com agulhas, Frances?
Ela olhou para o corte, fez uma careta e depois balançou a
cabeça.
— Eu não tenho medo de sangue, mas isso... não, eu não posso
fazer isso. Tem certeza de que precisa ser feito agora? Não
podemos esperar por...
— Eu faço.
A mandíbula de Frances tremeu de choque.
— Tem certeza?
— Fui voluntária em hospitais de soldados em Londres e já vi
isso sendo feito várias vezes — embora ela nunca tivesse feito
aquilo sozinha, mas por que mencionar isso? — isso precisa ser
feito rapidamente.
Frances pressionou os lábios em uma linha severa e assentiu.
— Vou buscar minha caixa de costura.
A meia hora seguinte foi uma das piores da vida de Portia.
Foram necessárias cinco pessoas para segurar Stacy enquanto ela
costurava a ferida que sangrava. Ele estava fraco por falta de
sangue, mas xingava como um marinheiro. Quando terminou, Stacy
estava rouco de tanto gritar, mas pelo menos o sangramento havia
parado.
A lesão na coxa era outra questão, a bala estava alojada na
carne. Ela havia embalado a ferida com panos limpos antes de
começar a trabalhar em seu pescoço, mas agora eles estavam
encharcados, mesmo com o torniquete.
Portia fez uma careta e olhou para Frances, cujos olhos azuis
estavam vermelhos de tanto chorar.
— Quanto tempo até o médico chegar?
— Ele já deve ter chegado — Soames disse. — Ele mora do
outro lado de Bude.
— Ele deve estar atendendo um paciente. Pode levar horas —
Portia mordeu o lábio. — A bala precisa ser retirada. A carne está
ficando mais inchada a cada minuto, só vai piorar.
Frances engoliu em seco e depois assentiu.
— Certo, então. Vou limpar a ferida e prepará-lo, Portia, joga um
pouco daquele conhaque na garganta dele — ela pegou a bacia de
água quente e fresca que Soames estava segurando e começou a
limpar a área.
Portia se ajoelhou ao lado do sofá e alisou os cabelos úmidos da
testa dele. Suas pálpebras tremeram.
— Stacy, consegue tomar mais um pouco de conhaque? Temos
que remover a bala. Vai ser melhor se puder tomar um pouco — ele
abriu a boca e ela inclinou o copo, pingando o líquido lentamente,
até que ele bebeu tudo. — Consegue tomar mais um pouco? — ele
assentiu e ela se virou para Powell. — Traga a garrafa — enquanto
ele foi buscar mais, ela olhou para o paciente. — Como está?
— Planejou isso para eu tirar meus óculos — sua voz estava
rouca.
Portia riu, o som histérico.
— Quem sabe assim aprenda a lição. Talvez da próxima vez não
me provoque.
Powell entregou-lhe outro copo assim que Soames entrou com
outra bacia de água fumegante, e o médico ao seu lado.
— Graças a Deus! — Portia enxugou as lágrimas que
começaram a descer por suas bochechas.
O médico era um homem calmo e mais velho que não estava
prestes a deixar se abater por uma mera bala. Ele elogiou Portia
pelos pontos e substituiu o conhaque por láudano. Dentro de meia
hora a bala foi extraída e Stacy estava em seu quarto, onde o
médico e Powell poderiam tratar de assuntos delicados demais para
serem testemunhados pelas mulheres.
Portia percebeu que alguém havia pedido chá e aceitou uma
xícara com as mãos trêmulas. Ninguém falou nada por um bom
tempo. Frances foi quem finalmente quebrou o silêncio.
— É muito... talentosa, Portia — sua voz continha uma mistura
de reverência, respeito e medo.
— Não, apenas sou meio italiana — Portia riu quando notou a
confusão de Frances. — Facadas eram muito comuns em Roma. Eu
tinha nove anos na primeira vez que ajudei meu pai com uma vítima.
E é claro que testemunhei coisas piores nos hospitais.
A porta se abriu e o médico entrou.
— Bem, senhoras, espero que não decidam abrir um centro
cirúrgico na minha vizinhança ou eu vou perder meus pacientes —
ele sorriu para Portia e Frances, que estavam literalmente
manchadas com o sangue de Stacy. — As feridas são
razoavelmente superficiais e devem cicatrizar rapidamente. Ele
parecia muito pior por causa da perda de sangue da ferida no
pescoço. Foi um pensamento rápido da sua parte, senhora. Powell
tem um segundo trago de láudano para o nosso paciente, caso ele
precise. Baseado no que sei do Sr. Harrington e da sua natureza,
ele estará acordado e pronto para outra amanhã mesmo. Eu virei
vê-lo logo cedo.
— Amanhã? — Frances repetiu. — Certamente ele não deve sair
da cama amanhã?
— Não — o médico riu. — Mas duvido que consiga detê-lo. Não
vai fazê-lo mal se vestir e se sentar, desde que ele não tente
retomar suas atividades normais e abrir seus pontos. Apenas tente
fazê-lo descansar, se puder, mesmo que seja apenas por alguns
dias.
Portia sentiu um sorriso severo e determinado em seu rosto.
— Não se preocupe, doutor. Ele vai descansar.
Portia se lembraria daquela promessa com frequência nos
próximos dias.
O médico estava certo, tanto no que diz respeito aos ferimentos
de Stacy quanto à sua natureza. Quando Portia desceu para tomar
café da manhã, Frances acabara de sair do quarto do seu sobrinho.
— Como ele está? — Portia perguntou.
— Comendo e reclamando de forma igual.
Portia riu.
— Suponho que isso seja promissor.
Frances balançou a cabeça, sua expressão de frustração e
desespero.
— Ele disse que ficaria na cama até o Dr. Gates fazer uma visita.
— Bem, suponho que terá que servir. Ele contou o que
aconteceu?
Sua expressão mudou de frustrada para furiosa.
— Não, e quando perguntei para ele, ele e seu valete não
conseguiram parar de rir.
— Rir?
Rir.
O que diacho poderia ser?
— Falei com Jewell — disse Frances —, mas ele também não
falou nada. Ele disse que Harrington deveria contar a história.
A lenda do que aconteceu teve muito tempo para crescer antes
que Stacy acabasse com a curiosidade de todo mundo. Ele contou a
história dois dias depois no jantar que Frances deu. Além dos três,
havia o vigário e sua esposa, Sr. e a Sra. Lawson, e o filho deles,
Jeremy, que era médico na cidade vizinha de Stratton. Jeremy tinha
a idade de Stacy e Portia falara com ele várias vezes depois da
igreja. Ele era solteiro, atraente e gentil, e ela sentiu como se ele
estivesse prestes a pedir que ela passeasse com ele em mais de
uma ocasião. Ela ficou aliviada por as coisas nunca terem ido tão
longe ou seria estranho agora. Embora ela gostasse bastante de
Jeremy Lawson, ele não era Stacy.
Portia não ficou surpresa por ter sido Jeremy, que era amigável,
embora não fosse amigo de Stacy, que exigiu saber a verdade.
— Eu digo Harrington — Jeremy perguntou com um sorriso
desafiador — não vai desistir? Estamos todos morrendo de
curiosidade para saber o que aconteceu. Há uma página inteira
dedicada ao mistério no Livro do Castelo — ele estava se referindo
ao livro de apostas da estalagem, que monitorava qualquer coisa
interessante em Bude, e muita coisa que não era.
Stacy parecia tão impecável como sempre. A gravata escondia o
ferimento no pescoço e as calças deliciosamente confortáveis mal
mostravam o curativo surpreendentemente fino na perna. Ele olhou
para Portia e sorriu, aproveitando claramente a oportunidade de
mantê-los todos, especialmente ela, apreensivos.
Portia cruzou os braços.
— Eu, por exemplo, me recuso a ter que implorar.
Ela foi vaiada em voz alta por todos na mesa.
— Muito bem, muito bem — disse ela, dando um suspiro
exagerado. — Pode, por favor, nos contar o que aconteceu, Sr.
Harrington?
— Tem certeza, Sra. Stefani? — Portia estreitou os olhos e Stacy
riu levantando uma mão. — Muito bem, você quem manda. Todos
devem saber que foram ladrões de estrada. Tínhamos quatro
pistolas e eles eram apenas três e tínhamos algo que eles não
estavam esperando — ele deu um meio sorriso: — eu.
Portia gemeu.
— Não tenho certeza se quero ouvir isso.
— Eu também — concordou Frances.
Mas Stacy não pararia agora que começou.
— Jewell parou a carruagem e entregou a arma, Baker manteve
a outra pistola escondida sob o casaco e Freddie também. Quando
os ladrões exigiram que abríssemos a carruagem, Jewell tentou
convencê-los de que não deveriam abrir a porta. Foi uma sorte para
nós que o sol tivesse desaparecido quase que completamente.
Finalmente, quando os três homens estavam ameaçando começar a
atirar se não fossem autorizados a entrar, abri a porta e pulei para
fora da carruagem. Eu tinha bagunçado o cabelo, o mais selvagem
possível e removi os óculos. Os coitados não tiveram chance. Nosso
único erro de cálculo foi que seus dedos poderiam espasmar de
medo — ele encolheu os ombros —, o homem que estava mais
próximo atirou em um dos seus companheiros por acidente e os
outros dois atiraram em mim — Stacy tomou um gole de vinho, suas
lentes pretas brilhando à luz das velas. Ele não percebeu, até que
fosse tarde demais, que o único que sorria era o jovem médico.
— Está louco? — Portia exigiu quando encontrou sua voz.
Stacy levantou as sobrancelhas.
— Eu acho que não — ele disse suavemente.
— Eu concordo com Portia, está louco.
Foi a primeira vez que Portia viu Frances com raiva. Talvez tenha
sido a primeira vez que sua tia também demonstrou aquela emoção
para Stacy, porque seus lábios se separaram de surpresa quando
ele viu seu rosto corado e seus olhos brilhantes.
— Isso foi muito imprudente, Stacy, e falaremos disso mais tarde
— prometeu.
Portia lançou um olhar severo ao homem assustado e assentiu.
— Sim — disse ela, assentindo com uma lentidão ameaçadora
—, certamente falaremos.

Portia não ficou surpresa quando Stacy insistiu que o


casamento prosseguisse conforme o planejado.
— Não faz sentido adiar as coisas. Ainda tenho mais alguns dias
para me recuperar e sou mais do que capaz de ficar diante de um
pequeno grupo de pessoas e tomar café da manhã em seguida.
Ele estava, de fato, tomando café da manhã enquanto fazia seu
ultimato. Ele olhou para cima da impressionante pilha de comida no
seu prato e sorriu para Portia.
— Pensei que talvez pudéssemos visitar nanny hoje.
Portia abriu a boca.
— A ferida na perna quase não é visível e a do meu pescoço
quase desapareceu.
— Isso é uma mentira descarada.
Ele lhe deu um sorriso malicioso.
— Seu bordado é adequado, Portia, mas acha que Daisy pode
acrescentar um ou dois floreios?
Portia riu, apesar de si mesma.
— Eu não sei sobre Daisy, mas Frances está pronta para te
costurar na sua cama.
Ele cortou um pedaço de presunto e o colocou sobre o ovo,
claramente incomodado pela raiva persistente da tia por seu
comportamento imprudente. Ele parou no ato de colocar a comida
na boca.
— Gostaria de visitar nanny. Pode ir comigo?
— Deveria andar tanto assim?
— O bom médico foi quem aconselhou que eu caminhasse.
Portia não tinha certeza se acreditava que sua intenção era
apenas dar um passeio até a cabana da babá.
— Levarei minha bengala comigo. Pode me acompanhar, Portia?
Ele realmente estava acostumado a ter tudo do seu jeito.
Felizmente, eles teriam anos juntos para resolver aquilo.
Mas, por enquanto, ela capitulou.
— Eu gostaria, sim.
Stacy franziu o cenho para o prato de torrada e se virou para o
lacaio.
— Temos morangos?
— A cozinheira tem um pouco e disse que estava pensando em
fazer uma torta para o jantar.
— Pergunte para ela se podemos ter uma pequena porção e um
pouco de creme? — ele se virou para Portia assim que o lacaio saiu.
— Deve comer alguma coisa.
Ela fez uma careta para o prato, ela acordou enjoada de novo e
a comida que enchia o aparador não a apeteceu.
— As últimas frutas são sempre as melhores — acrescentou,
como se isso resolvesse o problema. Portia teve visões dele
sentado sobre ela e fazendo-a comer um morango por vez. Ele viu
seu olhar especulativo e levantou uma sobrancelha.
— O que foi?
— Eu acredito que sempre consegue o que quer, Sr. Harrington.
Ele sorriu, mas se recusou a ser atraído.
— Vamos sair para caminhar depois do café da manhã?

Portia vestiu seu vestido de passeio e colocou as botas antes


de encontrar Stacy na biblioteca. Ele estava esperando por ela e
pegou algo de uma gaveta em sua mesa. Ela hesitou e mordeu o
lábio, ele ia dar outro presente para ela.
Ele a viu hesitar e balançou a cabeça.
— Por favor, diga-me que não é uma daquelas pessoas
cansativas que não sentem que merecem presentes? Venha aqui,
Signora Stefani.
— Deve parar de me dar coisas, Sr. Harrington.
— Me dê sua mão — ele exigiu.
— Não conhece a palavra “por favor”? — ele ignorou a pergunta
dela e desabotoou os dois minúsculos botões que mantinham a luva
fechada e a puxou, dedo por dedo. Ele estava usando seus óculos
de passeio e ela estendeu a mão livre para removê-los. Ela olhou
para os cílios ridiculamente longos, a luxúria pulsando em suas
veias como um rio torrencial. Algo frio deslizou no terceiro dedo da
mão esquerda e ela olhou para baixo. Um enorme diamante de
esmeralda brilhava para ela.
— Oh Stacy, é lindo — ela olhou para cima e encontrou seus
lindos olhos nela. —Também é enorme.
— Não precisa agradecer — seu leve sorriso estava além de
malicioso.
Portia corou, amando seu flerte brincalhão mais do que o
presente caro.
— Por favor, pare de me dar essas coisas lindas — ela olhou
para a mão e inclinou-a de um lado para o outro, a gema captando a
luz da janela e reluzindo. — Não que eu tenha a intenção de
devolver isso — ela murmurou.
Stacy pegou seu queixo com dedos firmes e quentes e a forçou
a olhar para ele.
— Eu não comprei o anel porque gosto de você, Portia. Eu
comprei esperando que pudesse receber um beijo.
— Que proposta indecente, Sr. Harrington. Receio que tenha que
esperar alguns dias pelo seu beijo.
Ela teve a satisfação de ver uma expressão completamente nova
cruzar seu rosto, uma surpresa absoluta por ter negado algo que ele
queria, e então ele jogou a cabeça para trás e riu. Ela pegou sua
mão e pegou a luva da mesa antes de dar alguns passos a uma
distância segura. Quando ela fechou os dois botões, ela olhou para
cima e o encontrou olhando para ela com uma intensidade que fez
seu corpo queimar. Seus olhos violeta ardiam e era tudo o que ela
podia fazer para não se atirar nele. Mas na próxima vez que eles
fizessem alguma coisa, ela decidiu que seria ele quem começaria.
— Está pronto, Sr. Harrington? — Perguntou friamente,
levantando uma sobrancelha para ele. Ele realmente precisava de
uma lição quando se esperava que ela o bajulasse toda hora. Só
porque ele era tudo o que ela pensava não significava que tivesse
que ceder a seus impulsos. Negá-lo pode ser igualmente prazeroso.
Mas de alguma forma ela duvidava disso.

Stacy estava caminhando com uma bengala ao lado de Portia


quando eles entraram na área da floresta que levava ao chalé da
babá. Sua perna estava rígida e o forçava a andar devagar. Eles
caminharam em um silêncio aprazível enquanto ele estava
pensando em uma conversa recente que tiveram. Estimulado pela
percepção de que ele realmente sabia muito pouco sobre ela, Stacy
perguntou sobre suas amigas, as professoras que costumavam
trabalhar na sua escola.
Ele teve uma pitada de ciúmes ao saber que um deles, Miles
Ingram, era um jovem e belo lorde. Tinha sido uma não agradável
surpresa. Isso também o fez lembrar o aviso de Kitty quando a
convidou para o casamento deles. Talvez ela estivesse certa sobre
Portia não querer conhecer uma das suas ex-amantes. Como ele
poderia pedir que ela aceitasse tal situação quando ele ficou com
ciúmes só de ouvir sobre um mero amigo?
Stacy estava aprendendo muitas coisas sobre si mesmo, e nem
todas eram agradáveis. Seus sentimentos possessivos em relação à
noiva eram desconfortantes. Ele nunca fora incomodado por essas
emoções antes e sua reação o fez perceber o quão fraco seus
sentimentos por Penélope haviam sido.
Ele observou Portia pegar uma margarida que crescia em uma
estreita faixa de luz do sol ao lado da trilha. Ela colocou a flor na
faixa de veludo do seu chapéu e olhou para ele.
— Pronto, como ficou?
— Horrível — ele mentiu.
Ela riu e voltou a andar.
— Fico triste que minha amiga Annis não possa vir.
— Ela é a sua amiga mais próxima?
— Não, a mais próxima provavelmente é a Serena. Mas Annis é
tão gentil e doce que eu estive pensando que talvez ela gostaria de
conhecer Jeremy Lawson.
— Ah, fazendo o papel de casamenteira?
— Talvez um pouco — ela suspirou.
Stacy achou que o jovem Lawson estava meio apaixonado por
Portia. Stacy não podia culpá-lo, ele estava meio apaixonado por
ela. Talvez um pouco mais que meio.
— Lawson é um jovem dócil e gentil. Tenho certeza de que ele
encontrará uma mulher ansiosa para controlá-lo quando decidir que
é a hora certa.
Ela estalou a língua para ele.
— Faz parecer tão romântico, Sr. Harrington.
Romântico? Stacy supôs que ele não era.
— O conhece melhor do que eu, Portia, mas acho que Lawson
tem romance nele mais do que suficiente para duas pessoas. Ele
precisa de uma esposa como a mãe, alguém perspicaz.
— Acha que a Sra. Lawson é perspicaz? Ela parece tão... gentil
e versátil.
— Não confunda sua leveza de modos por falta de astúcia,
minha querida. A Sra. Lawson gerencia o vigário com a habilidade
de um comandante militar. Ouso dizer que o vigário precisa disso —
ele se apressou a acrescentar.
Stacy, no entanto, não precisava. Embora a Sra. Lawson fosse
uma mulher encantadora, ela tinha um brilho distinto nos olhos. Ele
preferia o olhar de Portia: amoroso.
— Parece desaprovar, Sr. Harrington. Não gosta de ambição e
inteligência em uma mulher? — havia um desafio em sua voz que o
fez sorrir.
— Intencionalmente me entendeu mal, Signora Stefani. Sabe
muito bem que reconheço e aprecio as duas qualidades, nenhuma
das quais é a mesma coisa que administrar. Não que eu desaprove
gerenciar qualidades, embora elas não sejam algo que procuro em
uma parceira.
— Não, acredito que possua essa característica em abundância.
— Eu arrisco dizer que sim, isso te preocupa?
Ela apertou os lábios enquanto considerava a pergunta.
— Receio que meu temperamento nem sempre seja passível de
seguir ordens.
Ele colocou a mão no braço dela e a deteve, esperando até que
ela encontrasse seus olhos.
— Eu não espero emitir ordens, Portia — ela achava que ele era
algum tipo de tirano?
Ela lhe lançou um olhar desconfiado, como se estivesse apenas
meio convencida.
— O que vai acontecer quando discordamos sobre um assunto?
— Então eu tentarei persuadi-la.
— E se eu permanecer não persuadida?
Stacy fez uma pausa. O que ele faria se ela não concordasse
com ele?
— Suponho que isso dependeria de quão forte eu me sentisse
sobre o assunto.
Ela assentiu e começou a andar.
— Portia — ele disse, esperando até que ela se voltasse para
ele para continuar —, nós vamos nos casar e eu quero agradá-la de
todas as maneiras. Eu nunca lhe imporia minha vontade. Eu não
quero fazê-la infeliz.
Sua boca bem torneada se curvou em um sorriso.
— Eu sei disso, Stacy. Suponho que eu deveria ter avisado como
posso ser teimosa antes que me pedisse em casamento. Meu pai
costumava dizer que eu podia ficar incontrolável quando era
contrariada.
Stacy poderia muito bem imaginar. Ela mostrou fogo em mais de
uma ocasião, a última das quais foi a maneira como lidou com seus
ferimentos na noite em que ele foi baleado. Ele estava estonteado,
mas não delirante o bastante para lembrar como ela havia emitido
ordens para todos e lidado com suas feridas com uma eficiência
impressionante. Ele ficou muito agradecido, e sempre seria, mas o
aço nela o fez perceber que ela tinha vontade própria. Stacy sabia
que houve poucos casos em sua vida em que alguém frustrou sua
vontade. Tanto sua tia quanto a babá o haviam mimado
terrivelmente quando criança, sem dúvida sentindo que merecia
indulgência por viver uma vida tão solitária. Mas por mais que ele
gostasse das coisas do seu jeito, ele não era um monstro.
Era?
Ele deu um passo em sua direção.
— É verdade que sou o patrão em Whitethorn, Portia, mas
descobrirá que sou gentil com as rédeas — quando ela corou e
mordeu o lábio inferior, ele sabia que ela estava pensando em
cavalos e na primeira noite em que fizeram amor. Só de pensar
naquela noite o fez ficar duro. E a expressão em seus olhos quando
ela olhou para ele apenas o inflamou mais.
Mas a voz tênue da razão o deteve: já se comportou mal o
suficiente. Mais alguns dias e pode tê-la adequadamente. Ou
indevidamente, como ela quiser.
Stacy ateve seu desejo e colocou a mão nas costas dela, dando-
lhe um empurrão suave antes que ele sucumbisse aos seus desejos
e a montasse contra uma árvore próxima.
Eles caminharam em silêncio, seu olhar nos quadris dela, que
balançavam tentadoramente. Ele arrancou os olhos do traseiro dela
e forçou seus pensamentos em outra direção.
— Vou ensiná-la a montar — disse ele, e então percebeu o quão
autocrático ele parecia. Ele sempre falava com tanta certeza
arrogante? Ele tentou de novo. — Poderá explorar muito mais
territórios do que caminhando ou em uma charrete.
— Eu adoraria aprender a andar a cavalo. É difícil?
— Não para alguém tão naturalmente graciosa.
— Encantador — ela disse, mas ele podia ouvir o prazer em sua
voz.
— Será mais agradável com um bom cavalo e eu vou me divertir
procurando uma montaria adequada — de fato, Stacy estava mais
do que um pouco empolgado com a ideia de passar um tempo
ensinando algo a ela.
— Quer dizer que não posso montar o Geist?
Ele riu.
— É um ser deplorável, Sr. Harrington. Talvez eu devesse ter
rido quando tocou piano pela primeira vez para mim?
Eles discutiram de bom humor coisas sobre pianos e cavalos até
chegarem à elevação que dava para o chalé.
— É uma casa encantadora, Stacy. Mas prefere não ter a nanny
morando mais perto? Em Whitethorn, talvez? — ela pegou o braço
estendido dele e eles desceram a colina suave.
— Minha tia acha que a babá quer um lugar só dela.
— Eu acho que ela quer estar ao seu redor mais do que
qualquer outra coisa.
— Acha? — o calor em sua voz o assustou. Ela estava dizendo
que era isso que ela queria? — Certamente podemos perguntar se
ela gostaria de voltar para Whitethorn.
Nesse momento Gerald Fant saiu do pequeno galpão que ficava
ao lado do chalé. Ele parecia furioso. Sua esposa ficou parada na
porta, com as mãos nos quadris, e o observou por um bom tempo
antes de notar Stacy e Portia. Ela levantou uma mão em saudação
tardia e depois alisou a saia, dando um último olhar para o marido
que se afastava.
O que foi aquilo? Stacy encolheu os ombros mentalmente.
Provavelmente apenas uma briga doméstica, algo que ele logo
experimentaria se a confissão da sua esposa sobre sua natureza
apaixonada fosse verdadeira.
— Viemos ver a babá — disse Portia. — Como ela está hoje?
A mulher deu à Portia um sorriso duro e bastante azedo e fez
uma reverência para Stacy.
— Ela está se preparando para tomar chá. Hoje há um pouco de
brisa, então será no solário.
A babá Kemble os esperava na porta da frente e abraçou Stacy
como se não o visse há um ano. Ele segurou seu corpo pequeno e
frágil em um abraço gentil antes de soltá-la.
— Bem, babá. Acho que sentiu minha falta?
Ela apertou o braço dele com força, com a mão esbelta, como
uma garra.
— Pensei que tivesse morrido. Frances só dizia que estava bem
e não me contou o que tinha acontecido — seu rosto tinha o olhar
amargo que sempre dava quando ela falava o nome da sua tia.
Stacy nunca entendeu por que ela não gostava tanto dela.
Especialmente porque Frances foi quem a contratou e fez tudo ao
seu alcance para garantir seu conforto e cuidado.
— Acho que ela não queria te assustar, nanny. Como pode ver,
eu estou bem — ele estendeu os braços e se virou e ela riu.
— Estou tão feliz que veio me ver, patrão Stacy, mesmo que
devesse estar em casa, descansando — ela repreendeu.
— A Signora Stefani te apoia com isso, nanny.
A velha senhora lançou um olhar afetuoso para Portia.
— Ela é uma boa mulher a Signora Stefani.
— Eu sei, babá. Eu tenho sorte — ele sorriu para Portia e a
mulher perversa cruzou os olhos para ele, rapidamente, para que a
babá não visse. O gesto brincalhão o tocou mais profundamente do
que ele teria esperado. Como é maravilhoso ter uma esposa que
não era apenas uma parceira, mas também uma companheira,
amiga e amante.
Ele se virou para sua antiga babá, desconcertado pela repentina
onda de emoção.
— Ora, babá, eu preciso de algum sustento depois dessa
caminhada cansativa. Sou um homem ferido, mas a Signora Stefani
me fez andar muito, é muita crueldade.
Enquanto estavam sentados e saboreando o chá, Stacy contou à
sua antiga babá uma versão menos extraordinária do tiroteio.
Quando terminaram a segunda xícara, ele viu que ela estava
cansada e começou a confundi-lo com uma outra criança,
murmurando sobre sua irmã Srta. Mary e como ela comia bombons
até cansar na sala de estar.
— Ela é uma senhora tão querida — disse Portia quando
começaram a caminhada de volta. — Eu gostaria que ela não
sofresse com tanta confusão.
— Eu também, mas pelo menos ela não parece estar muito
perturbada. Acredito que na maioria das vezes ela se esquece dos
breves episódios quase tão logo que eles acontecem.
— Conhecia a família com quem ela estava antes?
— Só sei que ela foi casada com o Sr. Kemble por apenas um
ano antes de o pobre homem morrer em um acidente trágico. Ela
estava grávida na época e abortou devido ao choque — ele
balançou a cabeça —, é uma pena ela nunca ter se casado
novamente. Ela é o tipo de mulher que precisaria ter seus próprios
filhos.
— Oh, que tipo de mulher é essa, senhor?
Ele sorriu para ela.
— Do tipo amorosa.
O olhar em seus olhos escuros era ilegível e eles caminharam
em silêncio, cada um ocupado com seus próprios pensamentos.
Stacy se perguntou como ela se sentia ao carregar seu filho, um
homem que ela mal conhecia. Ele se perguntou se ela ainda tinha
percebido que o bebê poderia muito bem nascer com a condição
dele. Ele precisaria abordar o assunto eventualmente.
— Sua perna está doendo? — ela perguntou, interrompendo
seus pensamentos.
— Nem um pouco — ele mentiu. — Acredito que deve ter mãos
mágicas, Signora — ele segurou uma daquelas mãos mágicas nas
suas quando chegaram a uma parte da trilha larga o suficiente para
andar lado a lado.
— Não, seria o Dr. Gates que tem mãos mágicas. Se puder se
lembra, tudo o que fiz com essa ferida em particular foi limpá-la e
fazê-lo gritar.
— Eu me lembro disso, na verdade.
Ela tremeu.
— Está com frio?
— Não, estava apenas lembrando como estava quando o
trouxeram para casa naquela noite — ela parou abruptamente e
olhou para ele, pegando a mão dele, os olhos arregalados. — Foi
aterrorizante, Stacy. Havia tanto sangue que parecia ter sido
atacado por uma fera.
Stacy correu um dedo pela curva doce da sua mandíbula, a
preocupação que ele via nos olhos dela tornando difícil de engolir.
Ela se importava com ele, pelo menos um pouco. Talvez esse
sentimento crescesse?
— Você foi incrível, Portia. Eu sabia disso, mesmo no meu
estado estonteado.
Ela apertou a mão dele com força suficiente para machucar.
— Por favor, nunca faça isso de novo, Sr. Harrington. Da próxima
vez, serei obrigada a apresentar uma fatura pelos meus serviços.
— Eu vou me lembrar disso — ele beijou a mão dela e eles
voltaram a andar.
— Diga-me, Signora Stefani, quanto cobra para fazer um homem
gritar?
Ela riu e o clima melhorou pelo restante da caminhada.
Capítulo Quatorze

O dia do casamento deles amanheceu ensolarado, quente e


belo. Era uma pena que Portia começasse a manhã vomitando.
Quando ela terminou de expulsar o conteúdo escasso do seu
estômago, ela puxou o sino, seria permitido tomar café da manhã no
quarto dela no dia do seu casamento. Depois de pedir um pequeno
café da manhã e um banho quente, ela voltou para a cama.
Quando sua bandeja chegou, ela conseguiu comer o conteúdo.
Além da torrada e do chá, havia um ovo, um pequeno pedaço de
presunto e mais morangos.
Daisy sorriu para ela.
— O patrão mandou a cozinheira preparar sua bandeja de
acordo com as instruções dele, senhora.
— Ele não ficará satisfeito até que eu esteja do tamanho de um
elefante — resmungou Portia, sentando-se.
— Ouvi dizer que homens não se importam com umas boas
curvas.
— Daisy! — Portia repreendeu com uma risada provocadora.
Sua criada às vezes era muito engraçadinha em alguns
assuntos, mas sobre o café da manhã ela era inflexível.
— Agora, certifique-se de tomar seu café da manhã, senhora,
tem um longo dia pela frente.
Portia deu à comida um olhar azedo.
— Suponho que sejam ordens.
— O Sr. Harrington quer apenas o melhor para a senhora.
Portia sabia que isso era verdade e cedeu à censura bem-
intencionada de Daisy, comendo cada pedaço. Como resultado, ela
estava se sentindo bem o suficiente para deixar sua cama quente e
confortável. Depois do banho, ela ficou tão relaxada que permitiu
que Daisy a secasse, a vestisse e a preparasse como uma boneca.
Daisy não permitiu que ela se olhasse no espelho até terminar e
Portia sorriu para seu reflexo.
— Fez um ótimo trabalho com seu pedaço de barro.
— Parece um anjo, Signora.
Portia riu das palavras imprecisas da criada.
— Ora, pare Daisy, me fará chorar e eu odiaria aparecer no altar
com o nariz inchado e os olhos vermelhos.
Quando Portia entrou na minúscula igreja antiga, pouco tempo
depois, viu apenas uma pessoa: Stacy. Ele estava tão
impressionante que realmente doía olhar para ele. Ele usava
calções de seda do mesmo marfim que o vestido dela, um casaco
cor de trigo que abraçava seus ombros magníficos e um colete com
pequenas rosas bordadas que combinavam com as do vestido.
Mas a parte mais fascinante do seu conjunto eram seus óculos.
Em vez do seu habitual par azul escuro e preto, os óculos de hoje
eram de vidro rosado em delicadas molduras douradas. Ele estava
de tirar o fôlego. Ao se aproximar, viu que os óculos não eram
opacos e ela podia ver os olhos dele, ele os estava usando apenas
para ela. Ele piscou para ela e ela riu.
A cerimônia passou como um borrão até que eles deixassem a
pequena igreja e fossem recebidos com muita festa por cada
morador da vila.
— Acho que os Lawsons são responsáveis por isso —, disse
Stacy enquanto passavam por uma chuva de pétalas de flores até a
carruagem que aguardava. Entregou-a ao barouche aberto e pegou
uma sacola de veludo marrom de um lacaio próximo e jogou
punhados de moedas no ar, distraindo a multidão antes de sentar-se
ao lado dela.
Ele ofereceu a bolsa e ela jogou um montante brilhante de
moedas no ar enquanto os cavalos avançavam, acompanhados por
um barulho estridente.
Stacy se inclinou para perto, tendo que gritar acima da algazarra.
— Jewel, Hawkins e Baker estavam esgueirando-se como
garotos para fazer isso e eu não tive forças para negar a eles o
entretenimento — seu hálito quente fez cócegas em sua orelha e
enviou uma deliciosa sensação pelo seu corpo.
Ele pegou a mão dela e a levou à boca, os lábios quentes
mesmo através da luva.
— Olá, Sra. Harrington. Eu mencionei como está linda hoje?
— Obrigada, Sr. Harrington. O sol não está forte demais para
esses óculos? — ela apontou para os óculos rosa que ele ainda
usava, sombreados pela aba do chapéu.
— Eu vou sobreviver a uma viagem tão breve.
Portia de repente se lembrou de algo.
— Diabos!
— Esqueceu alguma coisa?
— Eu esqueci de olhar para as flores que Frances e Mrs.
Lawson passaram tanto tempo arrumando.
— Porque só tinha olhos para mim, assumo! — Seu sorriso era
presunçoso.
— Está tão vaidoso quanto uma debutante, Sr. Harrington.
Ele riu e o som quente e profundo enviou flechas de desejo
atravessando pelo seu corpo. Era errado ela querer pular o café da
manhã e ir diretamente para a noite de núpcias?

De alguma forma, o café da manhã durou quase até o jantar e,


quando os convidados partiram, era hora de comer novamente.
Apenas Frances se juntou a eles para o jantar e Portia ficou
envergonhada com a pressa óbvia com que a outra mulher se
despediu após o curso de sobremesa.
Stacy sorriu para ela.
— Acha que minha tia realmente tem assuntos cruciais para
discutir com Soames?
— Não deveria ter brincado com ela, Stacy. A pobre mulher ficou
mais vermelha que uma beterraba.
Ele se levantou e deu a volta na mesa, estendendo a mão e
puxando-a para ficar de pé, seus olhos escuros por trás do vidro cor
de rosa.
— Eu preferiria estar brincando com você, Sra. Harrington.
Ela corou sob seu olhar quente e engoliu em seco
desajeitadamente. Portia adorava esse lado brincalhão e afetuoso
da sua personalidade, mas ainda não estava acostumada a isso.
— Vou me juntar a você em seus aposentos depois que terminar
o meu vinho, digamos em uma hora — ele exibia um leve sorriso
presunçoso, um sorriso que dizia que o divertia fazê-la esperar.
Deveria tê-la incomodado, mas apenas aumentou seu desejo por
ele. Ainda assim, ela se forçou a encontrar seu olhar quente com um
olhar calmo e frio.
— Talvez uma hora e quinze.
Ela fez uma profunda reverência e deixou o som de sua risada.
Para sua alegria, havia um banho esperando em seus
aposentos.
— Sr. Harrington solicitou para a senhora, madame.
Portia sorriu. Afinal, ele não estava atormentando-a, mas sendo
atencioso. Que depravado tomar não um, mas dois banhos em um
único dia. Ele sabia que ela estava dolorida - todos os músculos de
seu corpo pareciam doer nestes dias - e queria aliviar sua dor. A
percepção deixou uma dor estranha em seu peito; já fazia tanto
tempo que alguém havia tomado conta dela.
Daisy ajudou Portia a trocar as roupas do casamento e ela
gemeu ao entrar na banheira fumegante. Ela descansou até a água
esfriar, não lavando o cabelo como ela havia feito naquela manhã.
Depois, vestiu uma camisola que raramente usava, uma feita de
tecido branco e enfeitada com renda fina como uma teia de aranha.
Daisy escovou o cabelo de Portia até que brilhasse e pousou a
escova sobre a penteadeira.
— Mais alguma coisa, Sra. Harrington?
Portia sorriu para o rosto flamejante da sua criada.
— Não, Daisy. Isso será tudo por hoje.
Daisy fez uma reverência e saiu correndo do quarto.
Ela estava nervosa demais para ir para a cama e inspecionou
seus novos aposentos: o apartamento da senhora. Os quartos foram
decorados em suaves tons de verde, com tapeçarias de seda creme
e cortinas de veludo esmeralda. Tinha o dobro do tamanho de seus
quartos originais e a cama era um enorme dossel que fazia seu
corpo inteiro formigar sempre que a olhava.
A porta de conexão se abriu e o marido passou por ela, vestindo
uma túnica de seda da cor dos seus magníficos olhos. Ele fechou a
porta atrás dele e Portia não conseguiu se mexer, seu coração batia
forte e a respiração era superficial enquanto o consumia. Ele
segurava uma garrafa e duas taças em uma mão, levantando-os
sem palavras enquanto se aproximava dela.
Portia apontou para o copo meio cheio de leite na mesa lateral e
ele ergueu as sobrancelhas.
— Frances trouxe para mim. Receio que só de pensar em vinho
me faz passar mal.
Ele colocou as taças e a garrafa na penteadeira dela.
— Eu lembrarei disso. Posso? — ele apontou para o copo de
leite.
Portia riu.
— É claro.
Ele tomou um gole e fez uma careta.
— Vamos sofrer juntos.
— Não gosta de leite?
— Nem quando eu era um garoto — ele recolocou o copo e seus
olhos se encontraram. Ele estendeu a mão e tocou sua bochecha e
ela estremeceu.
— Esse é um vestido encantador — ele murmurou, passando o
dedo pela mandíbula e garganta dela e descansando no botão
superior do pescoço.
— Mas eu gostaria de ver seu corpo. Ele inteiro.
Sua respiração engatou e seus dedos estavam nos botões antes
que ele tivesse terminado de falar. Ele descansou as mãos nos
ombros dela e assistiu em silêncio. Portia ficou feliz com o
alargamento de suas pupilas enquanto ela desabotoava os
minúsculos botões. Quando ela alcançou o último deles, ele
deslizou as mãos sob a camisola e a tirou dos ombros, deixando-a
nua da cintura para cima.
— Meu Deus do céu — sua voz estava grossa e suas mãos se
moveram para cobrir seus seios.
Portia ofegou e fechou os olhos.
— Tão lindos — ele murmurou, seus dedos acariciando os bicos
duros. Ela sentiu um sopro quente e, em seguida, a suave sucção
dos seus lábios e língua quando ele levou o mamilo à boca.
Ela gemeu e se inclinou para ele, pegando a cabeça dele em
suas mãos.
— Eu preciso de você — ela sussurrou, todos os seus planos
para deixá-lo ser o único a iniciar o ato voaram pela janela.
Ele deu uma risada baixa e maliciosa e mordeu o mamilo antes
de deslizar um braço sob os joelhos e pegá-la em seus braços.
— Não vai me apressar desta vez, Sra. Harrington — seus lábios
se curvaram em um sorriso zombador. — Vou fazer tudo no meu
tempo.
— Não deveria estar fazendo amor comigo, Stacy. Vai abrir os
pontos.
— Xiuuu, vamos fazer dessa a última vez que menciona meus
pontos, está bom?
O rosto dele estava todo sério, e ela engoliu em seco.
— Sim, Stacy.
— Uma esposa tão boa e obediente — elogiou.
Portia bufou e ele sorriu.
Ela moveu a mão em direção ao “V” de sua túnica quando ele a
deitou na cama.
— Tire isso — disse ela, ecoando suas palavras.
Ele deu um puxão na faixa e a túnica se abriu. Portia olhou. Ele
era coberto de pelos muito pálidos que escondia a musculatura
acolchoada do seu estômago e do seu peito. Até as duas
bandagens que ele usava não distraíam sua beleza masculina. Sua
ereção, ela ficou satisfeita ao perceber, era tão impressionante
quanto ela se lembrava e sua mão se moveu em direção a ela.
Ele segurou o pulso dela, empurrando-a suavemente de volta
para a cama, antes de sacudir os ombros para tirar a túnica, os
músculos perfeitamente definidos do seu peitoral e ombros se
agrupando e flexionando.
— Deite-se.
Ela suspirou, mas fez o que ele pediu, observando em silêncio
enquanto ele espalhava as pernas e se ajoelhava entre as coxas
dela, pairando acima dela. Ela estava desesperada para olhar para
cada parte dele.
— É um deus — disse ela, sua voz baixa e dura com desejo.
Sua mandíbula apertou e seu membro grosso estremeceu, a
fenda na ponta vazando livremente. Portia sorriu com a deliciosa
evidência do seu desejo, ele estava tão perto de gozar. Levaria
apenas alguns toques dela...
— É demoníaca.
Suas palavras tiraram os olhos da sua ereção. Ele envolveu uma
mão grande ao redor da sua garganta e a segurou gentilmente, mas
com firmeza, na cama. O gesto dominante era indescritivelmente
erótico e ela se abriu mais para ele. Seus olhos violeta tornaram-se
duas piscinas negras quando ele arrastou a mão livre pelo seio dela,
entre os seios, deixando seus mamilos ansiosos intocados. Ele tinha
um destino claro e não se demorou até alcançar o emaranhado
escuro entre as pernas dela. Ele separou seus lábios inchados e
enfiou um dedo dentro. Ela arqueou contra a invasão repentina,
desesperada por mais.
Sua expressão era uma mistura de possessão feroz e fome e ele
a segurou sem esforço enquanto passava a mexer o dedo dentro
dela, seus olhos a consumindo enquanto ela resistia, empurrava e
se contorcia.
Portia deu um grunhido de frustração quando ele diminuiu o
ritmo e a trouxe de volta do precipício.
— Por favor, Stacy.
Mas ele manteve seu ritmo constante e aniquilador, seu sorriso
cruel enquanto colocava um segundo dedo dentro dela, empurrando
com mais força, mais fundo. Seu clímax subiu tão rapidamente que
arrancou a respiração do seu peito e ela jogou a cabeça para trás,
fechou os olhos com força e se entregou ao inevitável.
E então, tão de repente como ele começou, ele parou.
Portia empurrou os quadris contra a mão imóvel. Quando ele não
se mexeu, ela rosnou e apertou os olhos ainda mais.
— Abra seus olhos e me observe, Portia.
Ela cerrou os dentes e se forçou a obedecer.
— Sim — ele murmurou, sua mão retomando seu movimento
tentador. — Observe seu marido, querida. Observe enquanto eu a
faço gozar.
Suas palavras cruas a inflamaram e sua mente explodiu, seu
corpo arqueando tão forte que ela pensou que sua espinha partiria
ao meio.

Stacy deleitou-se profundamente com seu prazer, como um


glutão sugando a medula de um osso. Quando o tremor dela
diminuiu para meras contrações, ele se afastou do corpo dela.
— Não, não vá — a mão dela disparou como uma víbora e
pegou seu pulso.
— Xiuuu — ele murmurou, beijando seus dedos cerrados —, não
estou indo a lugar nenhum.
Ela o soltou e Stacy deslizou as mãos sobre o traseiro dela,
posicionou-se em sua abertura e empurrou com força, preenchendo-
a enquanto as contrações do seu último orgasmo se apertavam ao
redor dele. Seu corpo exuberante estava corado e coberto de suor e
ele estava tão duro que era doloroso. Como ele faria isso durar
quando ela era tão linda? Ele afundou os dedos nos quadris dela e
lentamente se arrastou para fora antes de empurrar de volta, seu
corpo tremendo enquanto ele lutava pelo controle.
Lento e profundo. Faça durar para sempre.
Mas seus quadris o ignoraram, querendo bater forte o suficiente
que a levantou da cama.
Ela deu uma risada gutural.
— Sim, Stacy.
Seu interior se apertou e lantejoulas brancas explodiram em sua
visão. Um gemido de frustração e desejo rompeu dele e ela olhou
com os olhos encapuzados enquanto a mão deslizava em torno da
base do seu membro, circulando-o onde estavam unidos,
apertando-o enquanto ele se movia dentro dela.
Ele estremeceu e estocou dentro dela, seus dedos cavando
cruelmente em sua carne.
— Está tentando me matar?
Seus lábios se curvaram em um sorriso malicioso e, em seguida,
seus belos dedos artísticos o soltaram e deslizaram entre suas
pernas. Ela trabalhou com uma eficiência qualificada, quase
implacável, que lhe disse que não era a primeira vez que fazia
aquilo. O pensamento dela se satisfazendo no seu quarto no final do
corredor todas aquelas semanas enviou um raio punitivo de desejo
do seu cérebro para sua virilha e qualquer força de vontade que lhe
restava tremeluziu e desapareceu como a luz de uma vela que se
calava.
Ele não se segurou, estocando o mais profundamente que podia,
repetidamente, até que sua mente ficou em branco e a sensação o
consumiu.

Portia passou os braços em volta do corpo dele e sorriu. Aquela


noite de núpcias estava sendo tão diferente da primeira. Em vez de
raiva e recriminações, ela tinha prazer além das suas expectativas
mais loucas. Nunca tinha sido tão feliz em toda a sua vida. Ele
estava pesado, suado e quente em cima dela e ela estava
adorando. Ela lambeu a pele salgada abaixo do curativo no pescoço
dele, satisfeita ao ver que o ferimento não havia sangrado com toda
a atividade.
Ele riu fracamente.
— Está tentando me matar.
— Talvez, mas vai gostar, Sr. Harrington.
Ele rolou lentamente para fora dela, seu órgão amolecido
deslizando para fora do seu corpo. Ele se deitou de lado e a puxou
para mais perto, seu rosto a centímetros do dela. Olharam nos olhos
um do outro e ela se perdeu nos olhos dele. Eles eram perfeitos
demais, extraordinários demais. Ela não conseguia entendê-lo, olhar
para eles era como olhar para joias. Como ele era por trás daqueles
olhos magníficos?
Ele empurrou uma mecha de cabelo suado para trás da orelha
com um dedo.
— Eu sempre achei que seus olhos eram pretos, mesmo
sabendo que isso era impossível. Eles são de veludo marrom com
um anel de ouro muito claro em volta. Vejo também que tem uma
sarda no lado do nariz. É a única?
— Eu tenho uma sarda e meia.
— Mesmo?
Ele deu-lhe um olhar cético.
— Onde está a meia?
— Terá que encontrá-la.
Ele se inclinou para beijar sua sarda e ela passou a mão pelo
lado do corpo dele, os dedos cravando nas bandas de músculo que
cobriam suas costelas.
— E você, Sr. Harrington? Tem sardas?
— Nenhuma.
— Mas tem outras... coisas — a mão dela voltou para a lateral
dele. — Coisas que eu não tenho.
Ele levantou uma sobrancelha e mudou os quadris para que ela
pudesse acessar uma dessas coisas. Seus olhos se fecharam e ele
respirou entre os dentes quando a mão dela se fechou ao seu redor
do seu membro.
— Oh, gosta dessa coisa velha, Sra. Harrington? — ele
perguntou com voz rouca.
— Hmmm isso é muito melhor do que uma sarda, Sr. Harrington.
Um sorriso feliz se estabeleceu em seus lábios.
— Portia — a palavra foi um suspiro. — O que eu fiz para
merecer uma esposa tão perfeita?
Um calafrio percorreu sua espinha com aquelas palavras. Só
podia esperar que ele sempre se sentisse assim.
Capítulo Quinze

P em uma cama vazia. Ela se sentou e


olhou para o relógio, eram quase dez horas, e depois se jogou no
travesseiro. Deveria se levantar, pois a festa começaria às duas. A
ideia de Stacy era tornar o dia após o casamento em uma
comemoração para seus inquilinos e todos que trabalhavam na
propriedade. Portia sabia que ele estava se esforçando para ser
mais social por ela, e ela estava agradecida.
— E já que estamos tendo um dia de celebração pública, é
melhor convidar toda a cidade — essa sugestão lhe deu uma pausa.
Seus inquilinos o conheciam, mas muitos dos habitantes da cidade
raramente o viam, a menos que tivessem um caso perante o
magistrado.
— Tem certeza, Stacy?
Ele lhe dera um dos seus sorrisos leves, aquele que a deixava
louca de desejo. Bem, um dos muitos que a enlouquecia.
— Eu quero desfilar com minha nova esposa.
— Receio que sua nova esposa tenha pouquíssima experiência
em organizar essas coisas.
— Frances pode tomar conta disso.
Portia tentou ajudar, mas a mulher era tão eficiente que ela só
atrapalharia. Então, ela deixou tudo em suas mãos, mas haveria
muitas coisas de última hora que precisariam ser feitas no dia.
Ela bocejou e passou a mão pelo corpo agradavelmente
dolorido. Apesar das suas melhores intenções, ela não conseguiu
conter seu apetite insaciável por ele na noite anterior. Sem dúvida,
era tarde demais para esconder sua verdadeira natureza de Stacy.
Não que ele parecesse se importar. De fato, apesar de ele parecer
ser um homem esculpido em gelo, ele era igualmente insaciável.
Pensamentos sobre Ivo vieram espontaneamente. Ele acreditava
ser o amante supremo, assim como qualquer outro homem romano
que ela já conhecera, mas na verdade ele era egoísta e rápido.
Sua falta de habilidade no quarto poderia ser suportável se
Portia ainda não tivesse tido Benedict como amante. O inglês havia
ensinado para ela que as mulheres podiam praticar as mesmas
coisas na cama que os homens, e certamente com mais frequência.
Ele mostrou para ela como agradar a si mesma, assim como ele.
Portia agora percebeu que ele fora excepcional para um garoto da
sua idade.
Não tão excepcional quanto Stacy, mas seu marido não era um
garoto.
Portia se perguntou como ele havia aprendido suas habilidades
na cama e seu peito se apertou de ciúmes. Era melhor para os dois
se ela não insistisse em tais assuntos. Sem dúvida, ele tivera
amantes e prostitutas, assim como outros homens da sua classe.
Bem, onde quer que ele tivesse aprendido suas habilidades, ele era
tão generoso e atencioso no quarto quanto em qualquer outro lugar.
A porta se abriu e Daisy entrou com uma bandeja de café da
manhã. Portia percebeu que usava apenas um lençol emaranhado
ao redor dos quadris e se esforçou para se cobrir.
Daisy pareceu não notar.
— Bom dia senhora — ela largou a bandeja e foi buscar o
roupão de Portia, estendendo-o para ela.
— Todo mundo já tomou café? — Portia perguntou, amarrando a
faixa na cintura.
— Sr. Harrington insistiu para deixá-la dormir e pediu esse café
da manhã para a senhora.
Portia olhou para a bandeja, repleta de comida o suficiente para
alimentá-la por um mês.
— Acredito que estejamos esperando muitas pessoas? — ela
mastigou um pedaço de torrada enquanto Daisy separava seu
vestido favorito, um vestido dourado e amarelo que sempre
lembrava Portia de um narciso.
— Oh sim, todos virão, senhora. Todo mundo está ansioso para
ver a senhora, o Sr. Harrington e Whitethorn.
— O Sr. Harrington nunca deu uma festa antes?
— Não desde que estou aqui. Ele não socializa muito desde... —
Daisy parou e corou.
— Desde o que, Daisy?
— Ah, nada, senhora.
— Ora, é minha fonte de informação em Bude. Desde o que? —
Era muito vergonhoso instigar a criada por fofocas, mas Portia não
resistiu ao desejo. Além disso, quem mais lhe diria alguma coisa?
— Bem, desde que ele esteve cortejando a Srta. Reynard, ela
que se casou com Sir Stephen.
Portia reprimiu o surto de ciúme que sentiu ao pensar na antiga
noiva de Stacy.
— Eles moram em algum lugar entre Bude e Stratton, suponho?
— Sim, senhora.
— Acha que Lady Watley e Sir Stephen virão?
— Minha mãe sempre diz que Lady Watley é a mulher mais
intrometida de toda a Cornualha.
Portia riu da expressão azeda da criada que normalmente era
agitada.
— Então eles não resistirão a uma visita a Whitethorn.
— Nem a dar uma espiadela na esposa do Sr. Harrington. Todo
mundo no condado sabe quem você é.
Portia estremeceu com a notícia, ela ficaria feliz em deixar o
famoso nome Stefani para trás. Ela ficaria ainda mais feliz se as
pessoas esquecessem que Ivo já existiu.

Portia e Stacy estavam conversando com os Lawsons quando


uma carruagem fina apareceu na entrada.
— Ah, Sir Stephen e Lady Watley — disse o vigário, confirmando
as suspeitas de Portia. — Vamos seguir em frente e deixá-los
cumprimentarem seus convidados.
Portia observou com interesse enquanto o marido
cumprimentava a mulher com quem pensara em se casar. Penelope
Watley era tudo o que Portia não era: delicada, loira, tinha olhos
azuis e era linda. O monstro de olhos verdes que sempre se
escondia por perto rosnou ameaçadoramente enquanto Stacy se
curvava sobre a mão da outra mulher. Ele estava sendo tão cortês
com a bela moça e seu marido quanto estava sendo com todos os
outros convidados.
Sir Stephen desviou os olhos de Stacy o bastante para lançar a
Portia um olhar que a fez arrepiar.
— Parabéns, Sra. Harrington — ele disse maliciosamente,
analisando-a da cabeça aos pés. — Como está viçosa nesta manhã.
Sua esposa sorriu e Portia apenas observou. Esse era o homem
que Lady Watley preferiu a Stacy?
Eles conversaram por alguns instantes antes que outro grupo de
convidados chegasse e o baronete e sua esposa seguissem em
frente.
Pouco tempo depois, quando estavam sozinhos, Portia olhou
para o marido extraordinariamente lindo e sorriu.
— Entendo que Lady Watley já foi a minha rival?
— Não há ninguém para rivalizar contigo, Sra. Harrington — as
palavras eram baixas e íntimas, mas suas lentes pretas brilhavam e
ele parecia implacável, remoto e cruel. Nada como o amante quente
e terno que ela desfrutou várias vezes na noite passada. Ela
percebeu que o lado dele, o lado apaixonado, era apenas para ela.
O calor acumulou em seu estômago e entre suas coxas e ela
balançou a cabeça, enlouquecida por seu desejo por ele.
— É bom que esteja usando esses óculos hoje, Sr. Harrington.
Seus lábios se curvaram em um leve sorriso e ele estava prestes
a dizer algo quando Frances se aproximou.
— Irá ajudar com a seleção das equipes de croquet?
Ele beijou a bochecha de Portia.
— O dever chama, minha querida.
O dever também chamava Portia, e ela cumprimentou pelo
menos cinquenta pessoas na próxima meia hora. Ela estava
começando a ficar sonolenta quando um pequeno intervalo ocorreu
na procissão dos convidados, então ela deslizou pela lateral da
casa, para onde sebes altas ofereciam um pouco de privacidade das
multidões. Ela acabara de sentar-se em um banco de pedra e fechar
os olhos quando as vozes se aproximaram.
— Ela não é exatamente o que eu esperava — disse uma voz
feminina.
Uma risada masculina baixa respondeu.
— Ela certamente não é nada comparada a você, Penny. E
Harrington? Meu Deus! O homem é uma aberração da natureza. Eu
já o vi antes, é claro, mas nunca de tão perto. Ele parece uma
estátua viva.
— Considere-se sortudo que os olhos dele estavam cobertos,
Stephen.
O sangue de Portia rugiu com as palavras deles e ela se
levantou, preparando-se para marchar ao redor da cerca e dar a
ambos um discurso desagradável. Mas as próximas palavras a
prenderam.
— Ainda não acredito que o viu saindo de um bordel na semana
passada — disse Lady Watley, com a voz cheia de presunção.
O corpo de Portia congelou.
— Muito ousado e em plena luz do dia — confirmou Sir Stephen.
— A casa de Kitty Charring fica em Plymouth.
— Eu não quero saber como sabe de um lugar assim, Stephen
— sua esposa repreendeu, suas vozes ficando baixas na medida
que se afastavam.
— Oh, Penny, não precisa se preocupar com...
Portia não ouviu o resto do que ele disse, mas ela já tinha ouvido
mais do que o suficiente. Stacy tinha visitado um bordel em
Plymouth? Ela tinha se perguntado por que ele demorou quase
quatro dias para conseguir uma licença de casamento.
Ela engoliu em seco várias vezes, parecia que tinha vidro
esmagado na sua garganta.
Mais um homem que tinha amantes, mesmo antes de se
casarem? Como isso poderia estar acontecendo com ela de novo?
Como?
Portia evitou ficar sozinha com o marido pelo resto da tarde. Ela
não queria estar perto dele até conseguir, de alguma forma,
controlar seu temperamento feroz. Ela esperava esconder seus
sentimentos, mas mais tarde, quando estavam jogando croquet, ela
não pôde evitar o triunfo vicioso que surgiu nela quando ela acertou
a bola dele com tanta força que quase rolou para dentro da floresta.
Jeremy Lawson aproximou-se dela e sussurrou em seu ouvido.
— Discórdia conjugal já, minha querida Portia?
Portia riu, conseguindo um olhar confuso do marido antes de ele
ir à procura da bola.
Quando os últimos convidados foram convencidos a irem
embora, já passara do anoitecer e Portia estava exausta. E mais
furiosa do que nunca.
Eles tinham acabado de se despedir do último convidado e
fechado a porta quando Stacy se virou para ela.
— Deve estar exausta, minha querida. Por que não vai para a
cama e eu pedirei à cozinheira para mandar seu jantar para o
quarto? Realmente deveria descansar um pouco — ele roçou os
lábios na bochecha dela e ela juntou forças para não o empurrar
para longe.
Portia forçou um sorriso.
— Sim, acredito que tenha razão, estou cansada. Boa noite, Sr.
Harrington. — Ela o deixou sem esperar por uma resposta, subiu as
escadas até seus aposentos e abriu a porta com tanta força que fez
Daisy pular
— Eu vou me trocar sozinha.
Daisy deu uma olhada no rosto estrondoso de Portia e saiu
ligeiramente.
Portia não se trocou. Em vez disso, ela começou a andar pelo
quarto, se exaustando como se fosse um relógio. Quando ouviu a
porta do quarto de Stacy fechar três horas depois, estava quase
cega de raiva. Quando ela não conseguiu mais ouvir o movimento
do outro lado da porta de conexão, ela a abriu sem se dar ao
trabalho de bater.
Ele estava deitado na cama, as cobertas puxadas até a cintura, o
peito nu, um livro nas mãos e óculos de leitura no nariz perfeito. Ele
olhou da porta, que ricocheteou na parede, para Portia.
— Vai me deixar descansar? — Portia perguntou com uma voz
desagradável.
As sobrancelhas dele se ergueram e ele largou o livro e tirou os
óculos.
— Boa noite, Portia.
— Não ouse falar meu nome! — A fúria rugiu em seu crânio
como as ondas do oceano, afogando aquela pequena parte do seu
cérebro que a aconselhava a controlar suas emoções.
— Acredito que esteja com raiva de alguma coisa?
— Quão perceptivo!
Seus traços belos ficaram rígidos.
— Por favor, pode abaixar seu tom de voz comigo.
— Foi a um bordel em Plymouth quando foi buscar a licença de
casamento?
Ele se encolheu, como se ela o tivesse atingido.
— Perdão? — ele falou devagar e claramente, suas palavras
cobertas de gelo.
Portia ignorou imprudentemente seu tom e olhar congelantes.
— Talvez precise que eu pergunte mais claramente? Quando foi
a última vez que se deitou com uma prostituta? — ela enunciou as
palavras em uma paródia insultuosa da dele.
Seus olhos se estreitaram e ficaram vermelhos.
— Eu pediria para não usar esse tom comigo, senhora.
— E eu pediria que respondesse minha pergunta, senhor.
— Eu não tenho intenção de fazer isso.
Uma onda viciosa de raiva a envolveu. Portia reconheceu o
sentimento, embora já tivesse passado algum tempo desde que o
sentira na sua última discussão com Ivo. A fúria pura tomou conta
dela em suas mãos punitivas, ela precisava de algo para jogar,
quebrar, machucar.
Os olhos dela tremeluziram sobre o corpo dele e se moveram
para o resto do quarto. O quarto era quase completamente branco,
tapeçarias de seda branca nas paredes, uma manta branca, tapetes
de marfim sobre o piso de madeira escura. A cama era uma enorme
cama de dossel de mogno que parecia ter vindo de algum castelo
gótico. E o marido dela parecia um deus raivoso e altivo,
empenhado em disciplinar um humano indisciplinado enquanto
deitado com os braços cruzados sobre o peito. Os olhos de Portia
pousaram no armário ao lado dela, onde estava uma estátua de
madeira. A mão dela se moveu em direção a ela.
Ele saiu da cama como um relâmpago, a mão no braço dela
quando os dedos dela se fecharam ao redor do projétil de madeira.
— Não — sua voz era gelo sobre fogo. — Não vai fazer isso —
ele apertou o pulso dela com força suficiente para que ela soltasse a
estátua. A mão direita dela se moveu em direção ao rosto dele, a
palma da mão aberta, e novamente ele a antecipou, pegando o
pulso também. Ele olhou para ela com os olhos violeta ardentes, um
músculo pulando em seu maxilar cerrado. — O que eu fiz para que
acredite que sou capaz de tal comportamento? Está me fazendo
uma grave injustiça.
Portia ouviu a verdade em suas palavras, viu nos olhos dele,
mas o ciúme a pegou em suas garras brutais e apertou até que tudo
em que ela conseguisse pensar era nele com uma mulher fantasma,
duas pessoas belas se contorcendo nos braços uma da outra. Um
ruído feroz rasgou sua garganta e ela se lançou na boca dele. Ele a
recebeu com uma violência que era igual à dela. Não estavam se
beijando, certamente não estavam fazendo amor. Aquilo era uma
batalha, era o impulso irrestrito de dominar, subjugar e consumir.
Algo dentro dela começou a se desfazer quando ele mergulhou a
língua dentro da boca dela, repetidamente. Portia não pôde resistir a
ele e não queria. Ela soltou o pescoço dele e deslizou pelo corpo
dele até os joelhos. Ele estava grande, quente e ereto e ela o levou
à boca, subjugando-o da única maneira que sabia.
Ele gemeu.
— Bom Deus, Portia — as mãos dele pousaram na cabeça dela,
os dedos passando pelos seus cabelos.
Ela fechou os olhos e o chupou tão incansavelmente que ele
nunca seria capaz de se lembrar de ter tido outra mulher. Ela o
escravizaria do jeito que ele a escravizara sem esforço.
Sua mente ficou em branco, vazia de qualquer coisa, exceto a
necessidade motriz de possuí-lo e controlá-lo, torná-lo dela.
Poderia ter passado um minuto ou uma hora quando seu corpo
começou a tremer e estremecer. Ela redobrou seus esforços,
tomando-o profundamente em sua boca, levando-o à beira do
autocontrole.
— Portia — ele sussurrou, tentando sair da boca dela.
Portia deu um tapa na mão dele, ela queria cada pedaço dele,
ela precisava dele todo. Quando ele estocou fundo na boca dela, ela
enfiou os dedos nos quadris dele e o puxou ainda mais fundo, até
que ela não aguentou mais. Todos os músculos do seu corpo
ficaram tensos e ele emitiu um som de pura necessidade animal,
seu membro engrossando e empurrando enquanto se esvaziava
profundamente dentro dela.
Portia se gloriou em sua capacidade de satisfazê-lo, trabalhando
nele até que ele não tivesse mais nada para dar. Só então ela se
afastou e o soltou, curvando-se e ofegando, os pulmões pegando
fogo. Demorou alguns minutos antes que ela pudesse olhar para
ele.
Ele olhou para ela com uma expressão atordoada, os lábios
entreabertos e o peito subindo e descendo como se tivesse corrido.
Ele balançou a cabeça em negativa e, em seguida, pegou os braços
dela e a levantou.
— Portia.
Ela virou de costas, recusando-se a olhar para ele.
Ela o odiava.
Ela o amava.
Stacy sentiu como se sua cabeça tivesse sido esvaziada de
todo pensamento racional quando a levantou. Maldição. Inferno. Ela
não estava pegando fogo, ela era o fogo.
Ela não olhava para ele e uma onda quente de vergonha
atravessou seu corpo. Ele acabara de gozar na boca dela,
estocando-a tão profundamente que pôde sentir o fundo da sua
garganta. Ele fechou os olhos com força, como se isso de alguma
forma pudesse apagar seu comportamento selvagem, mais uma vez
ele a usara com mais força do que jamais usou em qualquer
prostituta.
Ele tinha que se desculpar, ele precisava garantir a ela que isso
não aconteceria novamente.
Ele tentou se afastar, mas ela o agarrou.
— Sinto muito, Portia.
Ela apenas se agarrou com mais força.
— Portia, olhe para mim — ele podia ouvir a exaustão em sua
voz. Tinha sido uma semana longa.
— Não.
Ele deu uma risadinha cansada com o som petulante e pegou o
queixo dela, forçando-o para cima.
— Sinto muito, eu nunca deveria ter... — Cristo, como poderia
chamar seu comportamento de alguns momentos antes?
— Eu quis isso.
Ele piscou com as palavras inesperadas e, em seguida,
encontrou seu olhar melancólico, um olhar que o desafiava a dizer
que não tinha gostado do ato. Bem, talvez ele abordasse a questão
do seu comportamento brutal em outra ocasião. Ele segurou o olhar
dela.
— Por mais que eu tenha gostado da segunda parte desse
interlúdio apaixonado, ainda não entendo, por que está tão brava
comigo.
Ela apertou as mandíbulas com tanta força que ele conseguiu
ver os tendões e músculos sobre a pele.
Stacy suspirou.
— Não sei o que ouviu hoje, mas não me deitei com nenhuma
prostituta quando fui para Plymouth. Eu não estive com outra mulher
desde que te conheci. Certamente não pode ficar com raiva do que
eu fiz antes de conhecê-la.
As sobrancelhas pretas se ergueram de surpresa.
— Portia? — ele insistiu quando ela não disse nada. — Está com
raiva das coisas que eu fiz antes de nos conhecermos?
— Não — ela parecia que estava, de qualquer maneira.
Stacy queria estrangulá-la. Em vez disso, ele a abraçou e beijou
seu emaranhado de cabelos pretos selvagens, inalando o cheiro já
familiar dela. Lavanda em chamas.
— É mulher suficiente para mim — ele murmurou e depois riu —,
mais do que suficiente, não quero mais ninguém.
Ele a sentiu se contorcer e a soltou.
Ela olhou para ele com olhos feridos e envergonhados.
— Eu sou uma mulher ciumenta.
Stacy mal conseguiu segurar seu bufo de espanto em tempo.
— Eu te avisei antes de se casar comigo —, disse ela — quando
penso em você com outra mulher, quero arremessar alguma coisa.
Ou machucar alguém. Você, suponho —ela deu a ele um sorriso
meio miserável e o apunhalou no peito com as mãos fortes de
pianista.
— Não tenho planos de ficar com outra mulher. Eu acredito em
fidelidade. Suponho que deveria ter lhe dito isso, mas presumi que
já sabia — ele olhou para ela, sem saber de onde vinha aquela
paixão ou o que ele poderia dizer ou fazer para acalmá-la. — Vire-
se — ele finalmente disse, seus dedos indo para a linha torturante
de botões em seu vestido. — Por que Daisy não a despiu?
— Eu estava com muita raiva.
— Hmm — ele decidiu deixar o assunto de lado até que a tivesse
nua na cama, onde a única coisa que ela poderia atirar contra ele
era seu corpo.
Ele a soltou do seu corset e meias e a colocou debaixo das
cobertas antes de apagar as velas e se juntar a ela. Ela se
aconchegou contra ele, seu corpo deliciosamente macio e quente.
— Por que não me quis hoje, Stacy? — Ela exigiu enquanto
bocejava.
— Eu sempre a quero, Portia. De fato, é bastante perturbador a
frequência com que penso em deitar contigo — sem mencionar
embaraçoso. — Mas está carregando meu filho e parecia exausta.
Eu a queria, mas estava tentando ser um marido atencioso, e não
um animal no cio.
— Eu quero um animal no cio.
— Agora?
— Não. Agora eu quero dormir. Mas eu vou te querer mais tarde.
Mais tarde esta noite — ela esclareceu, suas palavras novamente
distorcidas por um enorme bocejo.
Ele sorriu na escuridão.
— Muito bem, ficarei feliz em atendê-la. Lembre-se de que foi
você quem pediu um animal no cio.
— Hmm.
Stacy ouviu sua respiração regular e relaxou depois dela
adormecer.
Maldição. Ele nunca conheceu alguém como ela. Parte dele
estava emocionado por ela se sentir tão apegada a ele e tão
possessiva. Mas parte dele estava desconfortável. Ele estava
acostumado a uma vida tranquila e bem ordenada. Ele nem sabia
que tinha tanta paixão dentro dele até conhecê-la. Ele sempre
gostou de sexo, mas isso nunca o consumiu. Portia o consumia.
Ele acariciou seus cabelos e olhou para a escuridão, exausto
demais para pensar e ansioso demais para dormir. Ela parecia
quase louca quando invadiu o quarto, como se estivesse pronta
para matar. Ele teve sorte que ela usou sua paixão para agradá-lo,
em vez de estrangulá-lo.
Stacy riu fracamente enquanto a abraçava. Deus ajude qualquer
um que realmente tenha despertado sua ira.
Capítulo Dezesseis

N seguinte à primeira discussão conjugal, Stacy deu


a Portia seu cavalo, uma égua preta e delicada que ela
imediatamente deu o nome de Dainty.
Ela jogou os braços em volta dele e agradeceu.
— Um cavalo preto, Sr. Harrington? — ela brincou, cobrindo seu
rosto com beijos.
— Se continuar dessa maneira, terei que tirar meus óculos e
piscar meus olhos e nunca aprenderá a montar — ele beijou o lado
do nariz dela, onde estava a sarda.
— Eu já sei montar — ela murmurou, lembrando-o da segunda
vez que eles fizeram amor naquela manhã.
As mãos dele se apertaram.
— Hmmm, Sra. Harrington.
Ela riu e o afastou.
— Gostaria, primeiro, da minha aula.
Stacy resmungou e se ajustou.
No final da primeira semana, ela estava confortável o suficiente
para andar a cavalo para se juntar a ele em passeios e no final da
segunda semana já conseguia galopar, pelo menos por uma curta
distância.
Agora, um mês depois, ela estava fazendo a viagem mais longa
até o momento. Stacy estava levando-a para inspecionar uma das
casas de inquilinos na extremidade da sua propriedade. Eles tinham
uma cesta de piquenique, o enjoo matinal de Portia havia sido
substituído recentemente por um apetite voraz, como se seu corpo
estivesse compensando todas aquelas semanas de enjoo.
Na semana anterior, eles finalmente compartilharam as notícias
sobre o bebê com Frances e a babá, não que ela acreditasse que as
duas já não tivessem adivinhado a verdade. Mas se elas tivessem,
nenhuma das duas demonstrou qualquer desaprovação.
Portia ficou aliviada por não ter mais que esconder sua condição
e a excursão de hoje era uma maneira perfeita para comemorar.
Mas quando cavalgaram até o chalé dos Humboldts, ela percebeu
que havia atingido o limite da sua capacidade de montar. Stacy, é
claro, notou seu cansaço antes mesmo dela.
— Eu nunca deveria ter sugerido um passeio tão longo.
— Eu vou ficar bem.
Ele a tirou de Dainty e ela deslizou pelo seu corpo duro de uma
maneira que o fez sorrir.
— Não faremos nada disso aqui — ele murmurou, dando um
tapinha no seu traseiro, assim quando o Sr. e a Sra. Humboldt se
aproximaram.
Stacy cumprimentou o casal de idosos com sua maneira
tranquila e digna e sorriu para a mulher rechonchuda e um pouco
confusa.
— Posso induzi-la a levar minha esposa para dentro e a forçar a
descansar, Sra. Humboldt? Ela está em um estado delicado, mas
não acredita que o marido entenda sobre tal assunto.
Suas palavras atingiram exatamente a nota certa e a mulher se
orgulhou com o seu pedido. Portia olhou furiosa para o sorriso
triunfante de Stacy quando ela foi levada para comer bolo e parte da
poção restauradora da Sra. Humboldt.
Na verdade, estava agradecida por descansar no chalé
refrescante, pois o dia estava quente. Ela passou pouco mais de
meia hora com a agradável companhia da mulher, que teve o prazer
de expor, com detalhes vívidos, as provações sórdidas de um parto,
tendo passado pelo processo nada menos que nove vezes. Quando
Stacy veio buscá-la, Portia estava pronta para gritar.
Os dois homens tomaram uma taça de vinho caseiro enquanto
discutiam a questão da reparação do telhado e levou mais um
quarto de hora para Stacy se levantar e implorar à licença dos
Humboldt para levar sua esposa para casa.
Portia fez um som de frustração quando acenaram para o casal
radiante e se afastaram.
Stacy riu.
— É muito mau, Sr. Harrington. Passei meia hora ouvindo as
histórias mais assustadoras que já tive a infelicidade de ouvir.
Seu sorriso sumiu em um instante.
— Histórias de parto? Sinto muito, Portia, eu não pensei.
— Ah, quieto. Eu estou apenas brincando. Estou morrendo de
fome de novo, no entanto. Comi três bolos, mas me sinto vazia. Vou
ficar do tamanho de uma vaca em breve.
Ele riu.
— Há um local encantador cerca de meia hora à frente, se
conseguir esperar.
— Mal consigo — mas ela ficou muito feliz quando viu a pequena
clareira na floresta que Stacy encontrou para eles. — Ora, Sr.
Harrington, se eu não soubesse melhor, pensaria que já estava com
ideias na cabeça.
Ele a levantou do cavalo, beijou-a com força na boca e foi
desatar o cesto.
— Tenho muitas ideias, Sra. Harrington. Mas é melhor que coma
primeiro. O que tenho em mente exigirá energia.
Quarenta minutos depois quando ela ofegou por ar, Portia
percebeu que ele não estava exagerando.
— Isso foi divino — ela estava deitada de costas e olhou para o
céu sem nuvens enquanto os últimos tremores do seu clímax a
atravessavam. Stacy emergiu lentamente por debaixo das suas
saias, ajeitando as roupas enquanto se deitava ao lado dela.
— Acredito que encontrei minha nova maneira favorita de me
proteger do sol, Sra. Harrington — disse ele, desmoronando ao seu
lado com um suspiro feliz.
— Sou uma esposa perversamente preguiçosa, Stacy. Eu mal
posso manter meus olhos abertos, que egoísta da minha parte —
um enorme bocejo parou seu discurso.
— Não se preocupe, querida. Vou conseguir o que quero de
você hoje à noite. Tire um cochilo enquanto eu arrumo nossos
pertences.
Portia estava dormindo antes mesmo que ele terminasse de
falar. Stacy colocou os restos do piquenique na cesta e foi até a
beira da clareira para desfrutar de um dos seus charutos, longe o
suficiente para que a fumaça não a perturbasse.
Ele acabara de dar as primeiras baforadas quando viu George
Fant e outro homem se aproximando na estrada que levava a Bude.
Ele estava prestes a sair de baixo das árvores e cumprimentá-los
quando suas vozes elevadas se aproximaram dele. Parecia que os
dois homens estavam tendo um desentendimento, então ele ficou
onde estava. A estrada seguia a floresta onde Stacy estava parado
e logo ele pôde ouvi-los claramente.
— Fale com sua senhoria. Eu não estou aqui para discutir
assuntos com pessoas do seu tipo - o estranho gritou. Seu sotaque
era pesado - talvez francês ou espanhol - e ele estava gesticulando
de uma maneira selvagem e estúpida que fazia sua montaria
nervosa.
— Faz o que eu digo ou não vai conseguir nada — gritou Fant
em sua própria voz fortemente acentuada.
O outro homem soltou uma longa sequência de algo que só
poderia ser palavrões e Stacy percebeu que ouvira algo muito
semelhante da sua esposa na noite em que fora baleado, o homem
estava falando italiano. Ou pelo menos ele estava xingando em
italiano.
— Eu quero metade agora — ele exigiu, sem fôlego por causa
dos gritos.
— Será pago quando a mulher se for e nem um segundo antes,
exatamente como prometeu. E se os dois não tiverem ido embora
até o final de... — o resto do que Fant disse foi interrompido quando
os homens desapareceram na curva.
Stacy olhou para a estrada vazia, uma inquietação percorreu seu
corpo. O que diabos foi aquilo? Não parecia nada bom. Ele deu uma
tragada no charuto e considerou a cena estranha que acabara de
testemunhar. A primeira coisa que faria no dia seguinte seria ir à
babá e ver se Fant havia levado o homem para a casa dela. Se ele
tivesse, seria um momento perfeito para dispensar o casal e levar a
babá de volta a Whitethorn, como Portia havia sugerido.
Portia ainda estava dormindo quando ele retornou. Stacy nunca
deveria tê-la trazido em um passeio tão longo. De fato, ele teria que
restringi-la completamente, em breve. Era muito perigoso para uma
mulher em sua condição. Ela parecia tão pacífica que ele estava
odiando ter que acordá-la, mas eles precisavam seguir de volta para
Whitethorn para o jantar.
Portia demorou um pouco para acordar totalmente, mas ele
estava disposto a esperar, ele não a queria na sela sem toda sua
atenção afiada.
Quando saíram da clareira, Stacy lembrou-se do hóspede
estrangeiro de Fant e pensou em perguntar se ela já vira o homem
na casa da babá. Mas ele afastou o pensamento, Afinal, Portia teria
mencionado um estranho, principalmente um italiano.

Stacy acompanhou Portia até seu quarto logo após o jantar.


— Precisa descansar — disse ele, tocando a campainha para
Daisy. Pela primeira vez, ela não discutiu.
— Venha até mim hoje, Stacy — ela murmurou em seu peito,
seu corpo macio e voluptuoso pressionado contra o dele.
— Precisa dormir, querida — ele acariciou seus cabelos, incapaz
de resistir a arrancar os alfinetes e soltar as bobinas pretas e
brilhantes.
— Hmm, venha até mim de qualquer maneira.
Ele massageou levemente suas têmporas e ela ronronou,
esfregando-se contra seu membro rapidamente endurecido de uma
maneira projetada para destruir suas melhores intenções.
— Muito bem, vou dormir contigo. Mas não pense por um minuto
que me tentará a fazer qualquer outra coisa.
— Hmmm.
Ele se virou quando a porta se abriu.
— Por favor, coloque-a na cama diretamente e certifique-se que
ela tome um copo de leite quente antes de dormir.
Daisy sorriu.
— Sim, Sr. Harrington, eu cuidarei disso.
Uma pilha de correspondência esperava por ele na biblioteca.
Ele passara tanto tempo com sua nova esposa que ele estava
negligenciando seus negócios. Naquela noite, ele trabalharia o
máximo possível enquanto ela dormia.
Ele tinha passado por boa metade da pilha quando se deparou
com uma carta franqueada por uma letra já de idade, conde de
Broughton? A testa de Stacy se enrugou enquanto ele estudava o
nome. Agora, onde ele ouvira aquele nome antes?
A carta era breve e assinada pelo visconde Pendleton, não um
conde. O visconde disse que ele estaria na região na quinta-feira e
perguntou se poderia visitá-lo. A carta havia chegado há vários dias
e o dia seguinte era quinta-feira. Talvez o homem não viesse, já que
Stacy não havia respondido? Ele encolheu os ombros. De qualquer
maneira, ele não tinha objeções a recebê-lo, de fato, ele estava um
pouco intrigado.
Eram quase três horas quando ele foi dormir. Ele despiu-se, pois
havia dispensado Powell mais cedo. Quando ele entrou no quarto
de Portia, encontrou-a lendo.
— Stacy — ela sorriu para ele e deixou o livro de lado, jogando
as cobertas de lado para recebê-lo. Sua alegria ao vê-lo fez todo o
seu corpo palpitar. Ele se inclinou na direção da vela para apagá-la,
mas a voz dela o deteve.
— Não, deixe por favor. Eu quero vê-lo se despir.
Ele olhou para o rosto ansioso dela e sua respiração se tornou
um esforço. Enquanto ele deslizava para fora da túnica, os olhos
dela desceram, seus lábios se abriram, e ele ouviu a súbita
inspiração que sempre o fazia ficar duro, ou mais duro, neste caso.
Ele subiu ao lado dela e seus braços quentes deslizaram ao redor
dele.
— Eu não consegui dormir sem você — ela murmurou em seu
pescoço.
— Oh? Eu te faço perder o sono, então? — ele segurou sua
mandíbula e a aproximou para um beijo prolongado. — Estranho
como tem o efeito oposto em mim — a mão dela deslizou entre as
pernas dele e ele respirou fundo. — O que eu te disse antes, Sra.
Harrington? — ele repreendeu, mesmo quando seus quadris
começaram a se mover.
— Que um telhado de ardósia era o tipo de telhado mais durável
para esse clima? — sua voz ficou abafada enquanto ela se escondia
por debaixo das cobertas.
Ele riu e depois ofegou.
— É muito travessa, Sra. Harrington.
— Sim, eu sei.
E então ela começou a mostrar a ele o quão travessa ela era.

Tinham acabado de tomar o café, na manhã seguinte, e Portia


estava juntando suas coisas para guiar a charrete até a cidade.
— Por favor, leve Daisy contigo, minha querida — Stacy
murmurou distraidamente enquanto olhava por cima do jornal.
Ela riu.
— Eu não preciso de uma escolta para ir até a cidade.
— Ontem percebi a rapidez com que se cansa. Gostaria que
tivesse alguém contigo quando for sair caso precise de ajuda.
— Eu não sou um pedaço de vidro.
Ele assentiu, divertido.
— Mesmo assim, leve Daisy com você.
Seu rosto se transformou em uma expressão de teimosia.
— Isso é uma ordem, Stacy?
— Precisa ser, Portia? — ele imediatamente se arrependeu do
tom de irritação em sua voz. Mas ele estava irritado, irritado por ela
não poder ver que ele estava fazendo isso apenas para sua própria
segurança. Ele suprimiu seu aborrecimento e tentou novamente. —
Me deixaria menos ansioso se permitisse que ela a acompanhasse.
Sua mandíbula se moveu para frente e para trás, como se ela
estivesse mastigando cartilagem. Ela finalmente assentiu.
— Muito bem.
Stacy ficou mais do que um pouco aliviado. Embora ele não
desejasse discutir com ela, ele não viveria pisando em cascas de
ovos, com medo de dizer qualquer coisa que a deixasse irritada.
— Obrigado pela compreensão, Portia.
Ela o beijou na bochecha e sussurrou em seu ouvido.
— Obrigada por se importar tanto com o meu bem-estar, Sr.
Harrington.
Stacy deixou de lado o jornal depois que ela saiu. Ele precisaria
trabalhar no modo como fazia seus pedidos ou eles iriam brigar
constantemente. Ela exigia uma manipulação mais cuidadosa do
que ele imaginara. O pensamento o surpreendeu, manipulação? Era
assim que ele lidava com as pessoas? Manipulando-as? Ele não
deu importância para aquela pergunta. Se ele a estava
manipulando, era para seu próprio bem.

Portia e Daisy voltaram da cidade e encontraram uma


carruagem grande e elegante, esperando no pátio.
Soames abriu a porta da frente antes de chegarem ao topo da
escada.
— A quem pertence, Soames?
— Visconde Pendleton, herdeiro do conde de Broughton. O
nome da família é Harrington, senhora — acrescentou, obviamente
satisfeito com a conexão do seu empregador com um visitante tão
ilustre.
Portia estava curiosa sobre o que um visconde estava fazendo
ali, mas ela não poderia simplesmente aparecer na biblioteca sem
ter sido convidada.
— Estarei em meus aposentos se o Sr. Harrington precisar de
mim.
Quando chegaram no seu quarto, Portia e Daisy passaram meia
hora olhando suas roupas, escolhendo algumas que Daisy poderia
alterar para se ajustar ao seu tamanho que estava crescendo.
Depois que terminaram, os homens ainda estavam trancados na
biblioteca, então ela decidiu ir até a babá e levar o novelo de lã que
ela pedira. Portia esperava caminhar até o chalé com Stacy, mas ela
não tinha ideia de quando ele estaria livre.
Soames não estava em lugar algum, mas Daisy sabia para onde
ela estava indo, então Portia colocou as luvas e olhou para o céu
que escurecia. Ela pensou em esperar para ver se as nuvens
passariam, mas decidiu que poderia vencer a chuva se se
apressasse.
Portia estava correndo pela parte mais densa da floresta quando
as primeiras gotas de chuva a atingiu.
— Diabos! — ela murmurou.
Stacy a havia mostrado as ruínas de uma cabana antiga não
muito longe da trilha, ela seguiu em direção a ela, levantando as
saias para passar sobre os tocos e galhos caídos. Era mais longe
do que ela se lembrava e sua capa estava encharcada, apesar do
abrigo das copas das árvores. Por um momento, pensou que devia
ter confundido o local, mas depois viu um muro de pedra e uma
seção de telhado coberta de musgo logo à frente de várias árvores
grandes. A chuva começou a cair forte quando ela dobrou a lateral
da construção e se abaixou sob o pedaço de telhado.
Ela parou, um fogo fumegava em uma pequena cova e roupas
de cama e vestimentas pendiam sobre uma mesa velha no canto
oposto. Alguém estava morando ali, um homem pela aparência das
roupas.
Portia começou a recuar e se deparou com algo. Algo quente,
duro e humano.
Capítulo Dezessete

Stacy estava boquiaberto com o homem alto e loiro sentado à


sua frente.
— Irmão gêmeo? — ele repetiu pela terceira vez.
O visconde Pendleton assentiu pela terceira vez.
Stacy riu, mas não estava achando engraçado.
— Terá que me desculpar se eu parecer um pouco cético.
Robert Harrington, visconde Pendleton, levantou a mão.
— Por favor, não peça desculpas. Eu tive a mesma reação
quando soube — ele passou a mão distraidamente pelos grossos
cabelos loiros. — Receio que eu tenha estragado as coisas. Talvez
eu devesse começar do começo?
— Talvez deva. Quer tomar algo?
— Deus, sim.
Depois que os dois tomaram suas bebidas, Robert Harrington
recomeçou sua história.
— Nossa mãe era Victoria Standish, a segunda esposa do conde
de Broughton, nosso pai. A primeira esposa do conde deu-lhe três
filhas e morreu quando as meninas tinham pouco mais de vinte
anos. O conde se casou exatamente um ano após a morte da sua
primeira esposa. Nossa mãe era mais nova que as filhas do conde,
tinha apenas dezessete anos e nosso pai cinquenta e três. Um ano
depois, nós dois nascemos. Eu nasci primeiro e dezessete minutos
depois você veio. Nossa mãe morreu naquela noite — ele esvaziou
o copo e Stacy o encheu novamente sem ser solicitado.
— Receio que nosso pai foi... — ele fez uma careta — bem,
digamos que ele é um homem de cabeça fechada. Quando ele viu
sua condição, ele foi à família da nossa mãe e os confrontou. Nosso
avô, o único parente vivo da nossa mãe, confessou que sabia que
havia uma possibilidade da sua filha ter um filho com a sua, hmmm,
condição — ele tomou outro gole. — Ele admitiu que seu irmão mais
novo, que morreu antes de completar um ano de idade, era como
você — ele franziu a testa e olhou para o chão, girando o copo
várias vezes.
Stacy não pôde deixar de se perguntar por que o homem estava
tão nervoso. Ou talvez era apenas seu rosto que estava deixando o
visconde desconfortável, como acontecia com os outros?
Pendleton retomou sua história.
— Nosso pai estava furioso. Ele acusou nosso avô de sabotar
sua linhagem, colocando em risco a linhagem dos Harrington e tudo
quanto é tipo de bobagem — ele lançou um olhar de dor para Stacy.
— Soube de tudo isso quando confrontei nosso avô — ele deve ter
visto a surpresa no rosto de Stacy. — Sim, ele ainda está vivo — ele
bufou. — Ele é mais novo que nosso pai. Ele é um esbanjador e
trocou a filha para cobrir suas dívidas de jogo, acumulando ainda
mais nos últimos trinta anos — ele suspirou profundamente. — A
decisão do nosso pai de bani-lo foi terrível e estou triste e zangado
por ter perdido a oportunidade de conhecer meu irmão, sem
mencionar o desserviço que ele cometeu contigo. Ele está velho
agora, com noventa anos. Ele mantém sua decisão e insiste que eu
não teria me casado com a filha de um duque se soubesse que você
existia — sua boca torceu amargamente. — Minha esposa é filha do
duque de Rotherham. Meu pai acredita que a conexão ilustre
justifique seu comportamento — seu tom amargo indicava que ele
sentia o contrário.
Stacy olhou para o homem – seu irmão – sem saber por onde
começar, ou mesmo se ele queria começar. Ele viveu trinta e cinco
anos sem pai, um pai que o rejeitou como um bezerro mal educado.
Por que se preocupar com ele agora? Ele olhou para o estranho à
sua frente e viu uma dor verdadeira em seus olhos. Robert
Harrington havia sido ferido pelas ações do pai, não tanto quanto
Stacy, talvez, mas profundamente.
— Não me disse, como finalmente soube de tudo isso? — Stacy
perguntou.
Ele não achava que isso era possível, mas Robert parecia ainda
mais infeliz.
— Meu pai me contou recentemente quando ele, uh... — ele
tossiu, seu rosto escurecendo sob a pele bronzeada. — Pode ser
mais fácil se chamar Frances.
Stacy sentiu como se tivesse levado um soco na cara.
— Como diabos conhece minha tia?
Robert Harrington olhou fixamente para o chão, como se não
pudesse adiar mais.
— Apenas a convoque.
Stacy rangeu os dentes, mas tocou a campainha. Eles não
tiveram que esperar muito tempo antes da porta se abrir e Frances
entrar, como se estivesse esperando.
— Stacy — ela correu em direção a ele e depois parou, seus
olhos preocupados piscando para o outro ocupante da biblioteca. —
Contou tudo para ele, Robert? — ela apertou as mãos como se
estivesse orando enquanto olhava de Pendleton para Stacy.
Stacy soltou uma risada feia.
— Que diabos está acontecendo?
Sua tia, ou quem quer que ela fosse, estremeceu, seja por causa
do seu tom ou por uma promessa sem precedentes, Stacy nem
sabia nem se importava.
— Não contei tudo para ele, Frances.
Stacy caiu em sua cadeira, sem se importar que Frances ainda
estivesse de pé.
— Como os dois se conhecem? — Ele olhou para a mulher que
sempre acreditou ser sua única parente viva. — Quem diabos é a
senhora?
Ela correu em sua direção e ajoelhou-se ao lado da sua cadeira.
— Sinto muito, Stacy, sinto muito. Eu queria contar há anos, mas
papai proibiu. Eu nunca quis mentir para você — as lágrimas
brotaram e caíram e ela agarrou a mão dele.
Stacy levantou-se e arrancou suas mãos das dela, ambos
confusos, irritados e repelidos. Ele apontou para a cadeira ao lado
do visconde.
— Sente-se — sua cabeça estava pesada e quente, seus
pensamentos estavam confusos. Quem era aquela mulher? Ela
tinha sido a base da sua existência a vida toda e estava mentindo
para ele há trinta e cinco anos? Trinta e cinco anos.
Stacy não estava suportando olhar para ela e voltou-se para o
irmão.
— Talvez me faça a gentileza de terminar esta história, milorde?
Pendleton olhou para Frances Tate, ou quem quer que ela fosse,
e voltou-se para Stacy.
— Frances é a filha mais velha do conde com sua primeira
esposa. Temos duas outras irmãs, Mary e Constance.
O cérebro de Stacy tentou absorver o que aquele homem – seu
irmão – estava dizendo. Ele olhou para sua... irmã, mas ela estava
olhando para o tapete, lágrimas caindo sobre suas mãos cruzadas.
Algo mais ocorreu a ele.
— Espera um momento. E como é que a conhece? — ele girou
em torno da sua tia, sua irmã, antes que Robert pudesse responder.
— Manteve contato com eles? — sua voz vibrou com descrença e
uma raiva crescente. Frances cobriu o rosto e chorou.
— Ela vem nos visitar várias vezes por ano por ordem do papai,
eu sempre acreditei que ela morava com uma amiga viúva na
Cornualha.
Stacy riu amargamente.
— Ah, sim. A amiga viúva que vai visitar — sua cabeça latejou.
Ela vivia duas vidas separadas e ele nunca desconfiou. Ele era um
tolo, um idiota lamentável.
Frances estendeu a mão, como se quisesse tocá-lo, e ondas de
raiva embaçaram sua visão quando ele absorveu a profundidade do
seu engano, sua traição.
— Acho que será melhor se partir com lorde Pendleton quando
ele for embora.
Ela se levantou e deu um passo em sua direção.
— Stacy, eu queria te contar.
— Teve quase trinta e cinco malditos anos para me dizer a
verdade, Frances. Ele olhou fixamente para seu rosto familiar,
outrora amada, olhos cinza-azulados, mais furiosos e magoados do
que ele jamais se lembrava ter visto em sua vida. — Pode começar
a fazer as malas agora.
Ela deu um choro lamentável e correu em direção à porta.
— Está sendo cruel — disse o visconde quando a porta se
fechou atrás dela. — Ela simplesmente fez o que papai ordenou. Foi
Frances quem finalmente o fez me contar toda a verdade sobre
você. Ela não aguentava mais, agora que está casado e vai ter um
filho. Ela estava atormentada...
Stacy tirou os óculos e olhou para o irmão. O homem parou de
falar, a boca ainda aberta. Stacy sentiu um sorriso desagradável
torcer seus lábios. Que efeito poderoso um simples par de olhos
poderia ter.
— Meu Deus — Pendleton respirou.
— Ou o diabo. Talvez agora entenda por que o conde me baniu?
Pendleton se encolheu como se Stacy o tivesse atingido. Ele se
levantou, seu rosto uma máscara fria e orgulhosa que parecia
estranhamente familiar.
— Eu não sabia nada disso. Eu sou tão vítima quanto você. Não
precisava vir aqui hoje, mas eu quis — ele balançou a cabeça com
força, como se quisesse desalojar algo. — Como um tolo, mal pude
esperar para conhecer o irmão que nunca soube que tinha — ele
percebeu que ainda estava segurando o copo e o abaixou sobre a
mesa com um barulho. — Se preferir que nunca mais apareça aqui,
vou embora.
Stacy se viu no rosto do outro homem pela primeira vez: altivo,
orgulhoso e severo. Pontadas de algo flechavam por seu corpo.
Culpa? Curiosidade? Remorso? Pendleton estava certo. Robert
Harrington não era o responsável e Stacy estava se comportando
como um idiota.
Ele cavou fundo para encontrar a calma que precisava.
— Peço desculpas por minhas palavras e comportamento ingrato
— Stacy fez uma pausa. — Diga-me, milorde, o que quer de mim?
Pendleton franziu a testa, indeciso, mas voltou a sentar.
— Eu não sei. Tudo o que sei é que, quando soube que tinha um
irmão, tinha que conhecê-lo. Sei que sua esposa está esperando um
filho e eu... — ele parou, um espasmo de agonia distorcendo seus
belos traços. — Você é meu herdeiro, entende isso? Se eu não tiver
um filho, o que parece provável já que minha esposa não engravida
há oito anos, será o próximo conde.
Stacy ficou boquiaberto. Não, ele não tinha percebido isso.
Indecisão e insegurança esvoaçavam nos traços orgulhosos do
seu irmão.
— Toda a minha vida desejei ter um irmão. Eu amo nossas
irmãs, mas elas eram muito mais velhas que eu. Quando eu era
jovem, costumava andar pelo castelo de Thurlstone e ansiava por
ter alguém da minha idade para brincar. Mary e Constance estão
loucas para conhecê-lo. Isso não tem sido fácil para elas. Nenhuma
das nossas irmãs se casou e provavelmente nunca irão se casar —
ele riu, mas não havia alegria no riso. — Nosso pai é um homem
difícil. De certa forma, teve sorte de crescer longe dele. Ele
esmagou as meninas e acho que ele fez um bom trabalho em me
esmagar também — ele corou com suas palavras, mas não
explicou. — Sempre admirei Frances, porque acreditava que ela, de
alguma forma, conseguiu escapar. Agora vejo que ele a usou de
uma forma ainda pior do que o resto de nós. Ela tinha vinte e sete
anos quando ele a mandou embora com você. Constance me disse
que Frances implorou para ser quem te criaria — ele lançou um
olhar severo para Stacy, sua mandíbula tensa. — Pergunta o que eu
quero? Eu quero conhecer meu irmão. Eu quero que venha para
Thurlstone. Eu já disse ao nosso pai que convidaria.
Stacy só conseguiu ficar boquiaberto, como ele poderia ter o
mesmo pai que esse estranho, um pai que havia banido Stacy no
nascimento? Que tipo de homem faz isso? O tipo de homem que o
teria jogado ainda bebê do outro lado dos muros de um castelo na
Idade Média. Seus lábios tremeram com a noção do melodrama.
Valia a pena conhecer um pai assim? Ele olhou para o irmão, que o
encarava com uma curiosidade transparente. Não por causa da cor
da sua pele ou dos seus olhos, mas por quem ele era: seu irmão,
seu irmão gêmeo, sua carne e sangue.
— Durante toda a minha vida, acreditei que havia apenas minha
tia e eu, uma família pequena, mas próxima. Tenho certeza de que
pode adivinhar como minha aparência foi a responsável por eu não
me misturar na sociedade. De fato, se minha esposa não tivesse me
procurado, é duvidoso que algum dia eu teria me casado — ele
sorriu tristemente —, estamos casados há pouco mais de um mês,
mas já entendo que expandir a família pode ser uma coisa muito
reconfortante. Falarei com a Sra. Harrington sobre o assunto e
talvez façamos uma visita algum dia, ou talvez você e sua esposa
possam vir aqui. Quem sabe? — Ele pegou seus óculos.
— A Sra. Harrington está em casa? Eu gostaria muito de lhe
oferecer minhas felicitações, tanto pelo seu casamento quanto pela
futura felicidade.
Stacy pegou o relógio.
— Ela já deve ter voltado da cidade a essa hora — ele tocou a
campainha e eles esperaram em um silêncio constrangedor até
Soames abrir a porta.
— Peça à Sra. Harrington para se juntar a nós.
— Ela não está, senhor — seus olhos se voltaram para o
visitante distinto de Stacy.
— Ela não voltou de Bude? Ela saiu horas atrás.
— Ela saiu de novo, senhor.
— Com esse tempo? — Stacy olhou pela janela que ele agora
deixava aberta. O céu estava escuro e a chuva caía torrencialmente.
— Sim, senhor, ela saiu logo após a chegada da sua senhoria.
— Espero que Daisy a tenha vestido com roupa quente — disse
ele enquanto olhava para o dilúvio.
— Pode perguntar para ela, senhor. Daisy desceu as escadas
procurando a Sra. Harrington há algum tempo.
— Ela não acompanhou a Sra. Harrington — Stacy repetiu
bruscamente.
— Erm..., não, senhor.
Stacy balançou a cabeça. Ele pediu que ela não saísse sozinha
e ela já desobedeceu ao pedido dele.
— Isso é tudo, Soames.
— Há algo errado? — Pendleton perguntou, lembrando Stacy
que ele não estava sozinho.
— Ouso dizer que estou me comportando como um marido
super protetor, mas gostaria que ela não saísse sozinha.
Pendleton sorriu.
— Se casou há pouco tempo. Logo aprenderá que não faz
sentido tentar mandar na esposa. De fato, na maioria das vezes,
acho que sou eu quem obedece — ele estava sorrindo, mas Stacy
achou que a voz do outro homem estava aguda. Como era a
viscondessa do seu irmão?
— Há quanto tempo mesmo disse que está casado?
— Oito anos — ele não parecia particularmente feliz.
Houve outro arranhão na porta e Frances entrou. Ela deu a
Stacy um olhar um pouco desafiador.
— Só estou aqui porque queria me despedir de Portia e Daisy
me disse que ela foi visitar a babá — ela fez uma pausa, corando
sob o olhar de Stacy. — Eu acho que algo pode estar errado. Eu
passei por aquele caminho sozinha há apenas uma hora e não vi
Portia. Eu deveria ter passado por ela se ela estivesse no mesmo
trajeto.
A raiva de Stacy se transformou em medo.
— É um trajeto traiçoeiro? — perguntou Pendleton.
Stacy balançou a cabeça.
— Não, mas ela está com falta de energia ultimamente. Ela pode
ter parado para descansar em algum lugar?
— Talvez ela esteja esperando a tempestade passar? —
Pendleton sugeriu. — Tenho certeza de que está ansioso para
procurá-la. Não estou familiarizado com a área, mas um par extra de
olhos nunca é algo ruim.
Sua mente disparou.
— Diga a Hawkins para selar Geist e Selene. Lorde Pendleton e
eu vamos pegar a estrada. Diga a Baker para percorrer a trilha até a
casa da babá. Peça para Powell ou Hawkins procurarem no extremo
sul da floresta. Ela às vezes gosta de sentar perto do riacho.
Frances saiu sem dizer uma palavra.
Stacy virou-se para o irmão.
— Tenho certeza de que não será nada, mas ela se cansa com
tanta facilidade e... — ele soou como um tolo histérico.
Robert deu um sorriso tranquilizador.
— Venha, minha capa está na carruagem, vou pedir ao meu
valete para buscá-la e podemos partir.
Capítulo Dezoito

E quando finalmente a encontraram.


Ela havia se abrigado na cavidade de uma grande árvore não
muito longe da estrada para Bude, nem um pouco perto da trilha do
chalé da babá.
Surpreendentemente, foi Pendleton quem a viu. Suas lamparinas
mal iluminavam a escuridão, sem mencionar a chuva torrencial. A
tempestade parou por meia hora antes do anoitecer e depois voltou
com força. Eles procuraram por duas horas quando Pendleton
avistou um pedaço da sua capa, um milagre, na verdade, pois o
pedaço de pano estava escuro e era marrom. Ela estava
inconsciente e tremendo, e Stacy a segurou no colo enrolada em
seu sobretudo enquanto Pendleton voltava para buscar a
carruagem. Ele limpou a água do rosto dela com o lenço. Seus
lábios se moveram, mas Stacy não pôde ouvir o que ela disse. Ele a
abraçou, mantendo-a aquecida junto ao seu corpo e murmurando
em seu ouvido.
— Diga alguma coisa se puder me ouvir, Portia.
Ela permaneceu em silêncio e ele se levantou um pouco para
poder ver seu rosto. Ela estava pálida e sua pele estava gelada.
— Ivo, não! — as palavras eram um grasnido áspero e fraco e
seus olhos se abriram.
— Portia, sou eu, Stacy — ele a puxou para ainda mais perto.
— Stacy — os olhos dela se arregalaram, mas estavam sem
foco.
Um alívio percorreu seu corpo e ele se forçou a afrouxar seu
aperto esmagador. As gotas de umidade em seus longos cílios
pretos brilhavam como diamantes na luz da lamparina.
— Eu estava tão perdida, eu não conseguia achar a casa, não
conseguia ver o céu —ela estremeceu violentamente e seus olhos
se fecharam.
— Portia? — ele deu um leve aperto nos ombros dela. Nada. Ele
abaixou a orelha na boca dela. Ela estava respirando
profundamente, como se tivesse caído em um sono exausto. Se ela
saiu de Whitethorn quando Soames acreditou que ela tivesse saído,
ela ficou na chuva por horas. Maldita mulher teimosa. Isso nunca
teria acontecido se Daisy estivesse com ela, todas as pessoas
locais conheciam a floresta com a palma da mão. Stacy a puxou
contra seu peito, passando os braços em volta dela para mantê-la
aquecida. Seria muito bom ela obedecê-lo no futuro ou então não
sairia mais de casa.
Os minutos se arrastaram e ele depositou um beijo na ponta do
seu orgulhoso nariz romano, sua sarda sinistramente escura contra
sua pele artificialmente pálida. Ele não tinha certeza de quanto
tempo esperou quando ouviu as rodas da carruagem, mesmo com o
barulho da chuva.
— Graças a Deus! — ele sussurrou, fechando os olhos e
beijando sua boca gelada.
A chuva em seus lábios tinha gosto de sal.

Quando chegaram à mansão, sua tia, ou irmã, ele corrigiu


mentalmente, insistiu que a primeira coisa que eles deveriam fazer
era aquecê-la enquanto aguardavam pelo médico.
— Quanto mais cedo melhor, Stacy.
Ele ignorou o tom repreensivo, beijou a esposa em sua testa
pálida e úmida e a deixou com relutância nas mãos das mulheres.
Quando o Dr. Gates apareceu, Portia estava seca, envolta em um
cobertor macio e deitada na cama tomando uma xícara de chá que
Frances tinha que segurar para ela.
Quando o médico terminou o exame, ele se virou para Stacy,
franzindo a testa.
— A criança está bem, mas eu gostaria de sangrar a Sra.
Harrington.
— Não! — Portia sentou-se ereta, o cabelo selvagem e os olhos
escuros fervendo. — Não!
— Xiuuu, Portia — Frances gentilmente a empurrou contra o
travesseiro. — O Dr. Gates só quer fazer o melhor para você e o
bebê.
Portia não prestou atenção, seus olhos imploradores em Stacy.
Stacy foi até ela e colocou a mão na sua testa. Ela não estava mais
com frio, nem estava particularmente com febre. Ainda assim, se o
médico recomendou a sangria, era isso que ele acreditava ser
necessário.
Ele acariciou sua mandíbula doce e arredondada.
— Isso a fará se sentir melhor, Portia.
Ela agarrou o pulso dele, os olhos arregalados de terror.
— Não, por favor, Stacy.
— Acalme-se, querida — ele a acalmou. — Está se exaurindo, o
Dr. Gates acredita que isso é o melhor, então eu realmente devo
insistir. Eu ficarei aqui contigo.
— Por favor, não! — Ela soluçou como se seu coração estivesse
se partindo, beijando loucamente a mão e os dedos dele,
implorando de uma maneira assustadora e arrasada.
Stacy olhou para o médico.
— Isso é realmente necessário?
A boca de Gates estava comprimida em uma linha séria.
— Sim, absolutamente. Isso ajudará a resolver sua histeria e...
— Eles mataram minha mãe assim — as mãos de Portia
apertaram seu antebraço com força suficiente para quebrar seus
ossos. — Eles a sangraram até que não restasse mais nada. Por
favor, eu te imploro. Se o mantiver longe de mim, farei tudo que
quiser. Prometo obedecer, apenas não deixe que ele me toque,
nunca mais discutirei contigo. Eu vou te obedecer — as últimas
palavras foram mais como um gemido e lágrimas caíram dos seus
enormes olhos escuros.
Sua veemência era chocante e Stacy percebeu que nunca havia
falado sobre como seus pais morreram. Mas o que quer que tenha
acontecido, ele podia ver que ela tinha um medo que se aproximava
de fobia. Ele beijou sua sobrancelha e segurou seu rosto perto do
dele.
— Xiuuu, querida, não fique agitada. Não haverá sangria hoje.
Mas amanhã, se ainda estiver...
— Estarei melhor, prometo. Eu prometo, Stacy.
Ele acariciou sua bochecha e forçou um sorriso.
— Eu vou cobrá-la dessa promessa repentina de obediência.
Seus olhos se fecharam e ela caiu contra ele.
— Obrigada, Stacy. Obrigada. Não vai se arrepender, serei boa,
prometo.
Stacy virou-se para o médico.
— Sem sangria hoje, doutor.
— É o tratamento aceito em tais casos, Sr. Harrington.
Stacy sabia que era e por Deus esperava que estivesse fazendo
a coisa certa, por Portia e pelo filho deles.
— Volte amanhã de manhã novamente. Se ela não estiver
melhor, podemos discutir o assunto.
— Isso não é sábio — disse Frances. — Receio que se
arrependerá se ceder a ela. Por favor...
Stacy a ignorou.
— Vejo-o de manhã — ele disse ao médico.
A expressão de Gates disse que ele acreditava que Stacy era
outro novo marido idiota, mas ele deu de ombros e colocou os
implementos de volta na bolsa.
— Acompanhe o médico até a porta, Frances — Stacy queria
ficar sozinho com sua esposa. Ele esperou a irmã sair da cama para
poder sentar-se ao lado de Portia. Quando a porta se fechou, ele
pegou a mão dela.
— Me fez uma promessa e pode começar a me obedecer agora
— ele repreendeu baixinho. — Vai descansar, está me ouvindo? Só
vai sair desta cama quando eu disser que pode.
Ela deu um sorriso trêmulo que apertou seu coração.
— Eu vou ficar na cama até quando você quiser. Muito obrigada.
Obrigada, Stacy — seus olhos se fecharam antes mesmo de
terminar de falar.
Stacy esperou até que ela estivesse respirando uniformemente
antes de soltar sua mão e puxar os cobertores. A porta se abriu e
Daisy entrou.
— O Sr. Soames me enviou para sentar com a Sra. Harrington,
se quiser se preparar para o jantar.
Stacy piscou.
— Jantar?
A moça deu um sorriso gentil.
— O visconde Pendleton ainda está aqui, Sr. Harrington.
Maldição! Stacy tinha esquecido completamente que ele tinha
um nobre em sua casa.
Ele deu um aceno abrupto.
— Se ela acordar, me chame.
— Sim, senhor.
Stacy abriu a porta do quarto e encontrou Powell esperando com
água quente.
Ele se submeteu às ministrações do seu valete em transe. E
quando estava limpo, barbeado e vestido, desceu para jantar com
seu irmão e irmã.

Portia corria por uma floresta que não acabava nunca. Espinhos
e ramos rasgavam sua saia e galhos perversos arranhavam seu
rosto. Em todo lugar, árvores caídas, troncos podres e tocos
escondidos tentavam detê-la. Ela tropeçava e corria de cabeça
erguida em um emaranhado sem fim de espinhos. Os passos atrás
dela ficavam cada vez mais altos e ela se enterrou nos espinhos
tentando se esconder. Os espinhos se transformaram em centenas
de mãos, puxando e agarrando.
Portia! Portia volte, não pode se esconder de mim!
Portia tentou gritar, mas nenhum som saiu. Ela lutou contra o
punho de ferro que a segurava, chutando e se debatendo até que
ela se libertou e seus olhos se abriram. Ela ofegou e seus olhos
lentamente focaram.
Ela não estava na floresta, mas de volta na sua própria cama.
Ela apalpou a cama ao lado dela e a encontrou vazia. Onde estava
Stacy? Ela se sentou e olhou através da escuridão, ele estava
sentado na cadeira estofada ao lado da cama, o brilho opaco do
fogo banhando-o com uma luz quente e vermelha. Sua cabeça
estava encostada no encosto da cadeira, seus olhos estavam
fechados e ele estava respirando profundamente. Ele ainda estava
vestindo sua roupa do jantar, mas desabotoou o casaco e tirou a
gravata. Sua camisa estava solta e aberta, expondo a coluna branca
e musculosa da sua garganta, ele parecia um anjo em repouso.
Ela apertou os olhos para o relógio de cabeceira, eram três e
vinte e duas da manhã, a hora das bruxas e a hora mais solitária da
noite. No entanto, ela não estava sozinha, ele deve ter adormecido
observando-a. Ele parecia delicioso e ela o queria e precisava da
sua força silenciosa e seu corpo poderoso e protetor. Ela abriu a
boca para acordá-lo quando tudo desabou sobre ela.
Ivo. Ele havia voltado.
Capítulo Dezenove

I acampado na velha cabana em ruínas. Ivo, que


estava muito vivo. Ivo que voltou por ela.
Portia gritou quando viu o rosto dele e ele a agarrou com mãos
ásperas e frias, apertando os dedos dobrados da mão danificada
sobre sua boca.
— Xiuuu, mia cara! — ele não era muito maior que Portia, mas
era esguio e forte e a segurou em um domínio inquebrável,
enquanto pronunciava uma série de ternura apaziguada em italiano,
algo que ele fazia há muitos anos. Quando ela sentiu perder a força
contra a luta, ele afrouxou o aperto.
— Eu vou tirar minha mão da sua boca se prometer não gritar.
Portia assentiu e ele tirou a mão, ainda segurando com força o
pulso dela. Ela olhou, chocada com o quão abatido e magro ele
estava.
— O navio em que estava, ele afundou com você e sua esposa,
eu li no jornal — Portia estava falando em italiano, o único idioma
adequado para expressar sua raiva, ódio e choque.
Os lábios sensuais dele torceram de uma maneira que
costumava fazer seu coração palpitar mais rápido há muito tempo.
Seus olhos eram da cor de conhaque, quentes e intoxicantes. Mas
Portia sabia que eles mascaravam um homem que pensava em
apenas em uma coisa: Ivo Stefani.
— Parece bem, Portia. Muito bem para uma viúva de luto — seu
estômago revirou quando o sorriso dele se transformou em algo
desagradável. — Não ficou de luto por mim, não é? Isso a fez feliz
eu não estar apenas fingindo estar morto, mas morto de verdade?
Simplesmente seguiu em frente, não foi? — ele não esperou por
uma resposta. — Imagine minha surpresa quando eu apareci em
Londres e encontrei minha escola fechada e nossa casa vazia.
— Sua escola? A única coisa que deu à escola foi seu nome e
uma dívida.
Ivo apertou seu pulso até ela gritar.
— Que megera é, Portia, sempre insistindo na mesma coisa —
ele a puxou para perto, seus olhos escuros com fúria. — A Sra.
Sneed não ficou nem um pouco surpresa quando eu apareci na
porta dela. Foi quando eu soube que nunca contou aos jornais nem
a história da minha morte como herói de Guerra nem do meu infeliz
desaparecimento no mar. Mesmo quando pensou que eu estivesse
morto, não se importou em me manter vivo e usar meu nome e
status — ele fez um som de cacarejo quando a empurrou para baixo
sobre uma pilha de pedras cobertas de musgo que uma vez deve ter
sido parte do muro. Portia colocou os pés debaixo das suas saias e
enterrou as mãos dentro da capa. Ivo sentou-se ao lado dela, a mão
como uma algema de ferro em volta do pulso dela.
— Demorou algum tempo até eu conseguir o seu endereço com
a Sra. Sneed sem parecer um idiota. Eu disse para ela que acabara
de voltar de uma emergência familiar e havia perdido minha
bagagem em um desastre de navio. Ha! — ele deu um tapa na
coxa, claramente se divertindo com sua própria esperteza. A roupa
que ele usava já fora uma das melhores. Agora os punhos estavam
esfarrapados e manchas brilhantes mostravam que o casaco havia
sido limpo e passado até não dar mais. Sua gravata estava
amarelada e atada descuidadamente. E suas botas outrora bonitas,
botas que ele encomendara com o grande Hobby, estavam um
desastre e desgastadas.
— O que aconteceu, Ivo? — Portia se preparou para a teia de
mentiras que ele sem dúvida falaria. Ivo não sabia dizer a verdade,
mesmo que isso lhe ajudasse na sua causa. Ela aprendeu há muito
tempo, e em seu detrimento, que ele mentia pela pura alegria de
manipular quem estivesse ouvindo.
— Eu posso te perguntar a mesma coisa, cara — ele estendeu a
mão para pegar o queixo dela e ela se afastou, ele riu. — Ouvi dizer
que está casada com um homem muito rico — suas pupilas
encolheram e ela notou os sulcos profundos ao lado da sua boca e
nariz. Ele parecia mais velho do que aparentava apenas dezoito
meses atrás, mas ele ainda era um homem muito bonito. Portia o
odiava. Ela desejou, que Deus tivesse piedade da sua alma, que ele
realmente estivesse morto no fundo do oceano. As únicas coisas
que ele lhe dera eram dor, humilhação e lhe causara um aborto.
— Isso não é da sua conta, Ivo, nós nunca estivemos casados. É
é menos que nada para mim. Onde está sua esposa? — a raiva fez
seu corpo tremer. Mas por baixo da sua raiva havia medo. Por que
ele voltou?
Ele colocou a mão direita sobre o peito e lançou os olhos para o
céu.
— Minha nossa, pobre Consuela! Ela realmente morreu desta
vez.
Portia deu uma risada grosseira.
— Suponho que foi o único sobrevivente de um navio inteiro?
Ivo sorriu, satisfeito por licitar emoções dela, não importava quais
fossem.
— Não apenas eu, gattina. Quando vimos para que lado o vento
soprava, perdoe meu trocadilho indesculpável, outro cavalheiro e eu
pegamos um dos dois botes salva-vidas. Minha querida Consuela se
recusou a entrar em uma embarcação tão pequena. Eu tentei
convencê-la, mas ela estava inflexível. Ela não sabia nadar, e
acreditava que ficar em um navio maior que estava a caminho de
uma calamidade a salvaria de alguma forma — ele deu de ombros,
demonstrando a mesma profundidade de emoção por sua esposa
que ele sentia por Portia.
— Tivemos alguns momentos desagradáveis, eu e meu
companheiro, mas tivemos a sorte de termos amplos suprimentos e
encontramos correntes a nosso favor. Não tínhamos muita coisa
quando chegamos em terra firme, mas o que tínhamos era o
suficiente e trouxemos nossas poucas posses para terra e
convencemos um pescador local a nos dar abrigo — ele parou e
deu-lhe um olhar de descrença — devo lhe dizer, meu amor, que
nós tivemos a sorte de termos deixado Roma quando a deixamos.
Os corsos fizeram uma maldita bagunça em todo o continente. Os
banditti correm à solta e viajar para qualquer lugar vale a vida de um
homem. Infelizmente, valeu a vida do meu companheiro. Receio que
ele não tenha chegado a Grenoble, a casa da sua adorável viúva —
o sorriso de Ivo fez os pelos de Portia se arrepiar. Quando ele se
tornou esse homem? Foi a perda da sua mão ou ele sempre foi
inescrupuloso e seu belo dom apenas o mascarou?
— Fiquei com a viúva até o irmão ofensivo dela chegar de Paris
e tornar minha posição insustentável. Em todo caso, comecei a
sentir sua falta, minha linda Portia — ele a apertou, sua mão a
segurando forte —, quebra meu coração saber que não sente o
mesmo.
Portia não se incomodou em tentar se afastar. Era isso que ele
queria, uma luta. Ele sempre se tornava violento quando estava
frustrado.
— O que quer, Ivo?
— Quero minha esposa de volta. Mas o que eu descobri? Que
estava abrindo suas pernas para outro homem. Que já estava
carregando o pirralho de outro homem, e por tudo que ouvi, uma
aberração de homem — ele riu e agarrou a mão dela antes que ela
acertasse seu rosto. — Eu vou te bater de volta, gattina, e será duas
vezes mais forte.
Ela afastou o braço dela.
— O que quer?
Suas feições se transformaram em uma expressão que era meio
raiva e metade outra coisa, ciúme? Portia achou aquilo difícil de
acreditar. Era melhor que ela não tivesse se desgastado depois que
ele a deixou de coração partido.
— O que a sua aberração rica diria se ele soubesse que já é
casada e que seu marido há muito perdido havia retornado? — ele
empurrou um dedo contra sua barriga e ela se encolheu. — E que
essa criança na sua barriga é legalmente minha?
O medo apertou seu peito até que ela mal conseguisse respirar.
Ela não podia mostrar para Ivo o quão aterrorizada estava, seria o
fim dela. Ela se afastou das suas mãos e zombou dele.
— Esquece que nunca fomos legalmente casados, Ivo.
— E como vai provar isso, minha querida? Nós nos
apresentamos ao mundo como um casal feliz por quase uma
década. Acontece que eu tenho nossos votos de casamento para
provar isso.
Aquilo a fez rir.
— Nossos votos de casamentos sobreviveram ao naufrágio?
Seu sorriso presunçoso e feio a gelou.
— Oh querida, — ele riu, e realmente parecia genuíno. — Não
acha que eu planejei ficar longe de Londres para sempre, não é? Eu
apenas convenci Consuela para tirá-la da Inglaterra. De um jeito ou
de outro, eu iria voltar, então guardei dinheiro e objetos de valor no
meu banco em Londres — ele sorriu. — Pena que não me declarou
como morto, não é? Talvez assim o banco teria procurado por minha
infeliz viúva.
A cabeça de Portia latejava com tanta raiva que ela não
conseguia falar.
— No cofre do banco coloquei dinheiro, as joias encantadoras da
sua mãe e alguns documentos importantes. Receio que tive que
vender as joias e tenho pouco dinheiro, mas ainda tenho meus
documentos. Então, em quem seu novo marido vai acreditar quando
ver nossos votos de casamento, hein? Aposto que estava com
vergonha de lhe contar sobre Consuela, não estava? — ele riu do
que viu no rosto dela. — E agora é tarde demais para divulgar a
verdade sem que ela pareça suspeita em benefício próprio.
Um estranho zumbido encheu sua cabeça. Seus lábios
continuavam se movendo, mas Portia não conseguia mais ouvir o
que ele dizia. Ela o mataria antes de deixá-lo reivindicar seu filho e
arruinar sua vida. Ela o mataria.
Ele a agarrou pelos ombros e a sacudiu até seus dentes
estremecerem.
— Está me ouvindo, sua vagabunda? Não vou tolerar seus
acessos de loucura, está me ouvindo? — ele deu um tapa nela com
tanta força que sua cabeça ricocheteou e o gosto metálico de
sangue invadiu sua boca. E então ele a sacudiu. — Eu te tolerei por
uma maldita década, vai me dar uma recompensa, ou reivindicarei o
que está dentro da sua barriga como sendo meu.
Sua cabeça latejava por causa do golpe e por causa da sua
própria raiva. Eles olharam um para o outro, o ar ao redor deles
estava denso, a chuva atingia o teto frágil acima deles com
crescente frequência e força.
Ele apertou os ombros dela até doerem.
— Faça o que estou mandando ou pague o preço.
O estômago de Portia agitou-se e sua raiva se esvaiu lentamente
até sentir fria e morta por dentro.
— O que é preciso para que vá embora e nunca mais volte?
Ele sorriu e a avareza em seus olhos a deixou enjoada.
— Acredito que duas mil libras me cairiam muito bem. Talvez eu
volte para casa e compre uma pequena vila. Duas décadas de
turbulência causaram estragos com o valor da terra e criaram muitas
oportunidades.
— Duas mil libras? — apenas falar em voz alta a quantidade a
deixou tonta. — Está louco, Ivo? Onde espera que eu consiga esse
dinheiro?
O sorriso deixou seu rosto.
— Use seu corpo de prostituta, Portia, tenho certeza de que
encontrará um jeito.
A chuva caía forte e a água os encharcava. Portia não sabia
quanto tempo eles ficariam presos em uma discussão silenciosa
quando uma voz flutuou na direção deles vindo da estrada.
— Stefani!
Ivo ficou de pé e a agarrou pelo braço, puxando-a para cima.
— Deve sair daqui. Não posso ser visto conversando contigo.
Vá! — Ele a empurrou com tanta força que ela tropeçou,
ajoelhando-se ao lado do muro de pedra quebrado.
— Qual é o seu problema? — Ela lançou um olhar de puro ódio
enquanto lutava para ficar de pé.
— Vá! — ele sibilou, assassinato em seus olhos.
— Com o maior prazer — ela começou a abrir caminho por cima
de uma pilha de escombros e a seguir em direção ao canto da
cabana.
Ivo agarrou seu braço e quase o arrancou.
— Não por esse caminho, stupida, vai dar de cara com ele! Tem
uma estrada nessa direção — ele apontou vagamente para o outro
lado da floresta — vai voltar aqui com o dinheiro em uma semana
ou...
— Dez dias — ela implorou — eu não consigo em menos dias —
era improvável que ela conseguisse tanto dinheiro em dez anos.
Mas ela precisava do tempo que conseguisse para pensar.
Ele soltou uma série de palavrões.
— Dez dias e nada mais — ele a empurrou e ela quase caiu de
novo.
Portia conhecia a estrada em questão, mas nunca atravessara a
floresta para chegar até ela. Ela olhou para trás e viu Ivo olhando.
— Vá — ele murmurou.
Além dele, a vegetação rasteira farfalhava enquanto alguém se
aproximava da cabana abandonada. Portia ficou tentada a esperar e
ver quem era apenas para interferir no que Ivo havia planejado. Eles
estavam de pé, os olhos presos um no outro, e sua expressão
mudou de feia para aterrorizada. Do que ele estava com medo?
Portia decidiu que não queria saber. Ela se virou e começou a
correr.
Ela cambaleou cegamente pela chuva por talvez quinze minutos
antes de aceitar que estava perdida. O céu estava quase preto e era
impossível dizer a direção pela posição do sol. Pelo que Portia
sabia, ela poderia estar andando em círculo e logo voltaria a Ivo e
quem quer que fosse que ele havia encontrando.
A chuva começou a cair em lençóis sólidos e trovões soaram em
algum lugar distante. Ela puxou a gola da capa ensopada e
escolheu uma direção. Quando ela encontrou a enorme árvore,
estava tropeçando mais do que andando. Era um monstro antigo
com um grande buraco na base. A depressão estava cheia de ervas
daninhas e samambaias, mas era grande o suficiente para que ela
pudesse se proteger da chuva. Portia estava tão cansada e molhada
que não se importava mais com a chuva, insetos, Ivo ou qualquer
coisa, apenas queria fechar seus olhos. A próxima vez que ela os
abriu foi para encontrar-se nos braços de Stacy.
Portia queria chorar enquanto observava o marido dormindo na
cadeira ao lado da cama. Ele ficou por perto, caso ela precisasse
dele. Ela estava atordoada, mas lembrou-se da preocupação
doentia que ouvira em sua voz enquanto ele a segurava. Ela
também ouvira carinho e talvez até amor, ou pelo menos o começo
desse sentimento.
Lágrimas escorreram por suas bochechas e ela estava
apertando sua mandíbula com tanta força que sua cabeça latejava.
Tudo estava uma bagunça, uma bagunça terrível. Só havia uma
saída: ela conseguiria o dinheiro, não importa o que tivesse que
fazer para obtê-lo.

Para um homem que se recusou a ficar em seu próprio leito


depois de levar um tiro duas vezes, Stacy não tinha simpatia pelo
desejo de Portia de sair da cama. Ele a intimidou e venceu por três
dias inteiros antes de permitir que ela deixasse o quarto. Não
apenas isso, mas ele se recusou a fazer amor com ela o tempo
todo.
— Vou dormir na sua cama, Portia, mas é tudo o que vamos
fazer. O médico disse que está sofrendo de extrema exaustão.
Recusou o tratamento recomendado e agora deve se submeter ao
meu — a expressão severa em seu rosto quando ele emitiu suas
ordens a fez doer por ele.
É claro que tudo o que o marido fazia ou dizia a fazia doer por
ele.
— Está me ouvindo, Portia? — suas palavras frias e cortadas
interromperam a fantasia que começara a se desenvolver em sua
mente, mais uma fantasia de Stacy sem roupa.
Ela deu um suspiro exagerado.
— Sim, Stacy, eu estou ouvindo.
Ele estava usando seus óculos escuros, escondendo seus
pensamentos dela junto com seus lindos olhos. Ela estava certa de
que ele estava fazendo aquilo para atormentá-la.
Sua boca se contorceu, como se ele pudesse ler seus
pensamentos. Mas seu humor teve vida curta.
— Ficará em sua cama, fará pelo menos três refeições por dia e
dormirá uma noite inteira por três dias. No final desse período,
reavaliarei sua condição e decidirei de acordo.
Ele disse tudo aquilo pairando sobre ela, os braços cruzados
sobre o peito largo e musculoso, vestido com suas roupas de
montaria. Os olhos dela se afastaram do rosto impassível dele e seu
chicote e se alojaram na frente da sua camurça. Eles haviam sido
engraxados de preto, para combinar com seu casaco, e caíam sobre
seus quadris tensos e estreitos e coxas poderosas como uma luva.
Olhá-lo a deixou com água na boca.
— Portia?
— Hmm? — ela afastou os olhos do corpo dele e olhou para
cima.
— O que me prometeu?
Ela agitou os cílios e tocou a mão na sua testa.
— Eu não me lembro.
— Preciso chamar o Dr. Gates para lembrá-la?
Portia sentou-se.
— Não faria isso, me prometeu, Stacy.
Ele descruzou os braços e começou a se virar.
— Não, pare. É um intimidador — ela disse quando ele se virou.
— Sim, mas eu sou seu intimidador, graças à sua promessa.
Ora, vamos lá, não será tão ruim. Vou cavalgar enquanto toma
banho. Quando eu voltar eu vou entretê-la. Mas primeiro quero
garantir que coma todo o seu café da manhã — ele olhou para ela, a
batida abafada da bota contra o tapete grosso, dizendo-lhe que a
ameaça não era ociosa.
E assim foi. Por três dias inteiros.
Foi no segundo daqueles dias que Stacy explicou a ausência da
sua tia na casa e transmitiu as surpreendentes revelações do
visconde Pendleton.
Portia ouviu a história com a boca aberta.
— Mas isso é absolutamente fantástico, Stacy! Como pode seu
pai ter feito uma coisa tão monstruosa com seu próprio filho?
— Segundo Pendleton, ele é um homem implacável que não
segue conselho de ninguém. Mesmo agora, com quase noventa
anos, ele não se arrepende.
— Então, por que ele finalmente contou ao seu irmão sobre você
só agora?
— Robert diz que só aceitou porque está grávida. O conde não
me queria, mas sou o herdeiro do meu irmão se ele não tiver filhos.
Isso faria com que um filho nosso seja o próximo da linhagem. Caso
contrário, o título iria para algum parente distante. Aparentemente, o
conde não consegue aceitar tal situação — eles ficaram em silêncio
enquanto consideravam essa nova reviravolta para o futuro da
criança.
Portia percebeu que não podia pensar em tal possibilidade
naquele momento.
— Quer aceitar o convite do seu irmão para visitá-lo?
— Por que eu deveria me colocar diante de um homem assim?
— Tem um irmão e duas irmãs que nunca conheceu. Quanto ao
seu pai? — ela acenou com a mão com desdém. — E por que se
importaria com um velho amargo? Mas seu irmão veio vê-lo quando
descobriu a verdade. Provavelmente tem uma legião inteira de
outros parentes. Oh! — ela parou abruptamente — isso significa que
é Lorde Harrington?
Stacy riu.
— Não acredito que funcione dessa maneira. Só meu irmão tem
um título de cortesia, ainda sou um mero senhor.
— Ah — ela encolheu os ombros, — bem, isso não vem ao caso.
O ponto é que tem uma família, Stacy.
— Eu já tenho uma família, Portia — a expressão carinhosa em
seu rosto fez seu coração inchar. Também a fez querer chorar.
Querido Senhor, como ela poderia fazer algo que pudesse levá-
la a perder esse homem?
A resposta para isso era simples: ela não podia. Ela percebeu,
com apreensão, que faria o que fosse necessário para manter Ivo
longe de Stacy, do seu filho que ainda não nascera e do seu
casamento.
— Querida? Está com frio?
Portia olhou para cima e sorriu.
— Todas as suas três irmãs sabem disso?
— Parece que elas não tiveram poder para dizer não ao conde.
Frances tinha vinte e poucos anos quando veio embora comigo, as
outras duas alguns anos mais novas. Sei que era demais esperar
que mulheres muito jovens desafiassem esse homem, mas não
posso deixar de ficar furioso com Frances.
Portia levou a mão aos lábios dela.
— Deve perdoá-la, Stacy. Ela te ama tanto e deve estar em
agonia porque a expulsou daqui.
Seu rosto se estabeleceu em linhas inflexíveis.
— O velho parece um monstro autoritário, com a intenção de
seguir seu próprio caminho, não importa quem se machuque no
processo — seu maxilar flexionou, fazendo-o parecer um pouco
autoritário. — Eu entendo manter o segredo quando criança, mas
como Frances pôde continuar me enganando?
Portia engoliu em seco. Pela primeira vez, ficou agradecida por
não poder ver os olhos dele. Seu rosto era uma máscara fria e dura,
ele herdara a implacabilidade do seu pai, se nada mais. Se ele
mandasse Frances embora por tê-lo enganado, o que ele faria com
Portia quando descobrisse?
A resposta a essa pergunta era assustadoramente clara: ele
nunca deveria descobrir.

Sob outras circunstâncias, aquelas em que Ivo não havia


ressuscitado dos mortos e começado a chantageá-la, Portia teria
adorado ser paparicada e de ter tempo extra com Stacy. Mas cada
segundo de descanso forçado era agonia quando ela não pensava
em outra coisa a não ser em Ivo rondando pela floresta, esperando
pelo dinheiro dele.
Quem teria encontrado com ele naquele dia? Quem quer que
fosse, Ivo tinha um parceiro de chantagem, e alguém que o
assustava. A julgar pelo seu aposento patético, ele não parecia não
ter muito dinheiro. E se sua presença se tornasse conhecida antes
que ela pudesse conseguir o dinheiro?
E essa era outra preocupação esmagadora: o dinheiro. Duas mil
libras? Só de pensar na quantidade ela ficava tonta. O único
dinheiro que ela tinha eram as duzentas libras que Stacy lhe dera
antes do casamento. Na época, ela tentou recusar o dinheiro, por
que ela precisaria de tanto? Onde ela gastaria? Ele já havia lhe
pago uma montanha das suas dívidas, embora a envergonhasse
permitir que ele o fizesse.
Portia mordeu o lábio, como ela poderia pedir mais dinheiro a
Stacy? Ela não podia pedir duas mil libras. Seu cérebro
desesperado mudou inexoravelmente para as pérolas que ele lhe
dera. O pensamento de vendê-las a deixou enojada. Elas
pertenceram à mãe dele, como ela poderia pensar em fazer uma
coisa dessas?
Portia aprendera a penhorar seus pertences quando Ivo estava
se recuperando do acidente e ela precisava de dinheiro. Era
possível pedir emprestado por um item com a intenção de recuperá-
lo, embora ela nunca tivesse feito isso. Talvez ela pudesse levar as
joias a um corretor que planejaria tal acordo, mas onde? Como ela
poderia fazer algo com Stacy observando-a a cada movimento? Ele
nem a deixava sair da cama, como ela conseguiria levar as joias a
um penhorista? E onde era o mais próximo? Stratton? Plymouth?
Pensar em Plymouth a fez lembrar que ele falara de uma conta
bancária e de um acordo de casamento. Onde era a conta e quanto
ela tinha? E onde uma pessoa poderia descobrir esses detalhes?
Ela poderia perguntar a ele sem gerar suspeitas?
Portia gemeu e bateu na cama com o punho. Por que ela não
prestou mais atenção quando ele falou sobre esses assuntos antes
do casamento?
Pense Portia, pense!
Stratton ou Plymouth?
Stratton era muito mais perto, mas também era menor, e ela
poderia ver alguém que conhecia. Teria que ser Plymouth e ela só
precisaria descobrir uma maneira de chegar até lá.
Portia deu uma risada que continha histeria ao invés de humor.
Como ela poderia ir para Plymouth sem o marido perceber?

A oportunidade veio muito mais cedo do que Portia poderia


imaginar. Dois dias depois que Stacy a liberou do confinamento –
cinco dias depois de ver Ivo – Stacy recebeu uma mensagem
urgente da sua agência em Barnstaple.
Stacy e Portia estavam escrevendo cartas na biblioteca depois
do café da manhã, quando Soames entrou com a mensagem.
— O mensageiro está esperando sua resposta, senhor.
O cenho de Stacy se aprofundava enquanto ele lia. Ele olhou
para ela.
— Parece que há uma tempestade em Barnstaple. Receio ter
que partir o mais rápido possível — ele se virou para Soames —,
peça a Hawkins que prepare a carruagem e diga a Powell para fazer
as malas para três, não, quatro noites.
— Muito bem, senhor — Soames fechou a porta atrás dele.
Stacy voltou-se para ela.
— Sinto muito, minha querida, mas Carew não me chamaria se
não fosse importante.
Portia tentou não demonstrar empolgação.
— Naturalmente deve ir. Não precisa se preocupar comigo.
Estarei ocupada arrumando o berçário — arrumar o berçário tinha
sido ideia de Stacy, sem dúvida algo que ele tinha concebido para
mantê-la ocupada enquanto ela estava em prisão domiciliar. —
Daisy já está muito ansiosa para costurar todo o enxoval com suas
próprias mãos.
Stacy assentiu distraidamente, concentrando-se em outras
coisas.
— Se estivesse se sentindo melhor, eu a levaria comigo, mas...
— ele deixou os pensamentos de lado. — Não vou demorar mais
que alguns dias. Pelo menos, acho que não — ele deu um sorriso
triste —, sinto muito, Portia.
— Eu vou ficar bem, deve fazer o que precisa fazer.
— No momento, lamento, mas preciso terminar esta carta.
Stacy estava de malas prontas, trocado e pronto para partir em
menos de duas horas.
Portia pegou a mão dele antes de entrar na carruagem.
— Vou sentir sua falta, Sr. Harrington — ela olhou para duas
imagens de si mesma refletidas nos óculos dele, maravilhada com a
facilidade com que podia colocar uma expressão tão inocente no
rosto.
Ele beijou a palma da mão dela e o gesto casual e sensual
apertou seu coração.
— Estarei de volta antes que perceba.
Portia observou a carruagem dele descer a estrada, sua mente
girando mais rápido que as rodas.

Sair de Whitethorn provou ser muito mais difícil do que ela


previra. Quando Portia deixou sabido para Daisy que as duas iriam
fazer uma viagem noturna a Plymouth, ela enfrentou oposição na
forma de Soames, que se recusou a deixar a carruagem menor
pronta.
— Estava esperando que Bannock a servisse como cocheiro,
senhora? — seu rosto estava impassível, mas havia uma percepção
tensa em seus nublados olhos azuis.
— Bannock nunca pilotou a carruagem do Sr. Harrington? —
Portia perguntou.
Soames parecia magoado, como se suspeitasse que ela
tentasse colocá-lo em apuros.
— Bannock levou o Sr. Harrington quando Jewell estava doente
há alguns anos — ele admitiu, cada palavra dada de má vontade.
— Então não prevejo nenhum problema.
As sobrancelhas acinzentadas de Soames subiram até a linha do
cabelo, mas sua voz permaneceu nivelada.
— Receio que o patrão tenha levado os cavalos, senhora.
Ela adotou sua expressão mais elevada, uma que não precisava
usar desde a noite em que chegou a Whitethorn sob uma nuvem de
decepção e vergonha.
— Envie Bannock para a estalagem para conseguir cavalos de
aluguel, Soames.
Ele hesitou um bom tempo antes de se curvar.
— Muito bem, senhora.
Daisy se mostrou ainda mais resistente que Soames.
— Oh, Sra. Harrington, não seria melhor esperar que o patrão
viesse conosco?
— Não, não seria. Faremos compras para o berçário. Os
homens não ligam para essas coisas. Duvido que ficaremos fora
muito mais tempo do que o Sr. Harrington. Sairemos à primeira luz
do dia e voltaremos antes que meu marido volte de Barnstaple —
Portia duvidava muito que isso fosse verdade e esperava receber
uma advertência bastante severa quando Stacy retornasse e a
encontrasse fora de casa. Mas ela não tinha escolha. — Por favor,
faça as malas, Daisy.
Portia tinha quase alcançado a porta quando a voz de Daisy a
deteve.
— O Sr. Harrington me disse que não deveria se esforçar,
senhora.
Portia virou-se e encarou a criada através dos olhos arregalados.
O belo rosto de Daisy ficou vermelho e Portia ficou envergonhada
por colocar a pobre garota em uma posição tão desconfortável. Mas
que escolha ela tinha?
Ela adotou o tom frio e altivo que Stacy empregava para esse
efeito.
— Sou grata pela solicitude do Sr. Harrington sobre o assunto da
minha saúde. Também estou ciente do seu desejo de seguir as
instruções dele. Certamente posso ir sem você.
Portia se sentiu como um monstro desumano quando os cílios
castanhos grossos da jovem tremeram sobre suas bochechas cor
de creme.
— Eu vou, senhora.
— Vou deixa-la cuidar disso, então — ela saiu do quarto em uma
nuvem de vergonha por ter se tornado uma ogra. Ela foi diretamente
para a biblioteca buscar as joias do cofre de Stacy, mesmo que
tivesse falado com ele sobre sua conta bancária no dia anterior.
— Talvez eu queira encomendar alguns móveis do berçário e
talvez precise usar a conta que criou para mim. Eu esqueci que
banco é.
— A conta é em Plymouth, no Nelson’s Bank. Mas esse dinheiro
é para você, Portia, não para assuntos domésticos. Por favor, envie
quaisquer contas do berçário ou qualquer outra coisa da casa para
mim — sua generosa honestidade a fez se sentir como um monstro
ardiloso, o que ela era.
Ela não foi capaz de perguntar para ele quanto dinheiro estava
disponível, então ela precisaria levar as joias apenas por precaução.
Ele passou para ela a combinação para o grande cofre atrás da
sua mesa quando ele mostrou a ela o restante das joias da sua
mãe. Se não houvesse dinheiro suficiente em sua conta, ela
esperava levantar o restante penhorando algumas das peças
menores antes de recorrer às pérolas.
Havia um rolo de notas no cofre, mas ela sentiu uma repulsa
visceral ao pensar em pegar dinheiro. Ela bufou com seus
escrúpulos asininos, penhorar os pertences da mãe de Stacy não
era pior? Portia mordeu o lábio e empurrou o pensamento miserável
para longe.
Ela deixou as caixas de joias para trás e despejou o conteúdo
delas na bolsa de bordar, o único lugar em que Daisy provavelmente
não olharia.
Portia ficou um pouco surpresa na manhã seguinte, quando na
verdade havia uma carruagem e quatro cavalos esperando. Não
apenas isso, mas Daisy estava pronta e as malas carregadas.
Mesmo a uma hora de distância de Whitethorn, Portia esperava que
Stacy viesse trovejando ao lado da carruagem e exigisse que ela
devolvesse as joias da sua mãe.
Daisy parecia tão nervosa quanto Portia e se perguntou o que
Stacy havia dito à pobre garota. Talvez ela tema por causa do seu
trabalho? A noção a fez se sentir uma megera egoísta. Mas ela
disse a si mesma que, se não recebesse o dinheiro de Ivo, não
precisaria dos serviços da criada. Não que ela acreditasse que
Stacy a mandasse embora apenas com as roupas do corpo. Afinal,
ela estava carregando seu filho. Mas mesmo que ele acreditasse
nela, diante dos votos de casamento, ele seria impotente para fazer
qualquer coisa. De acordo com a lei, o bebê deles pertenceria a Ivo.
Portia fechou os olhos e lutou contra a onda de enjôo que ameaçava
inundá-la. Ela não poderia ficar pensando sobre isso ou então se
arrastaria até a cama e nunca mais sairia de lá.
A carruagem era moderna e leve, e eles chegaram antes do que
Portia imaginava. Eles trocaram de cavalo em Launceston e usaram
a nova Tavistock Road. A qualidade da estrada compensava, com
facilidade, as paradas frequentes e chegaram a Plymouth logo
depois das quatro.
Portia decidiu ficar na Marlborough House, onde Soames disse
que Stacy sempre se hospedava. Ela estava exausta da viagem e
da preocupação e ordenou que uma refeição fosse entregue em seu
quarto particular.
Ela enviou Daisy para pedir ao estalajadeiro instruções sobre os
melhores armazéns de roupas e móveis de Plymouth, para onde
iriam de manhã. Mas Portia dificilmente poderia pedir a Daisy que
indicasse o local mais conveniente para penhorar joias, então
esperou até que os criados fossem para a cama e convocou um dos
carregadores da estalagem, um homem magro e de aparência vil e
olhos esquisitos. Ele lhe deu instruções para uma casa de penhor –
junto com um olhar malicioso e impertinente – em troca de mais
dinheiro do que aquelas informações mereciam.
Depois que ele partiu, Portia caiu em sua cama, estava muito
cansada para dormir. Ela ficou no escuro por horas antes de cair em
um sono agitado, tomado por pesadelos nos quais Ivo a perseguia
pelas ruas de Plymouth.
Portia passou uma hora com Daisy no primeiro armazém de
roupas antes de colocar seu plano em ação. Ela segurou a testa e
adotou uma expressão de dor.
— É outra daquelas dores de cabeça irritantes que venho
sentindo, mas chegamos longe demais para desistir agora, tem a
lista. Na verdade, sabe melhor do que eu o que precisamos. Voltarei
à estalagem enquanto completa as compras, talvez depois de
descansar por uma hora estarei pronta para tentar novamente.
Fique com Baker para ajudá-la com todos os pacotes.
A testa lisa de Daisy franziu.
— Oh, madame, eu devo ir com a senhora. Ou pelo menos
Baker. Eu não preciso da ajuda dele. Eu posso voltar depois que a
senhora...
— Bobagem, isso seria uma perda de tempo — ela lhe deu um
sorriso tranquilizador, mas dolorido. — Sei que o Sr. Harrington quer
que fique comigo quando estou fora, mas na verdade já viajei de
Londres a Bude sozinha. Sou perfeitamente capaz de me cuidar em
uma viagem de dez minutos de volta à estalagem. A verei quando
terminar — Daisy não conseguia discutir quando ela falava com
tanta finalidade.
Baker disse ao condutor da carruagem que a levasse para a
Marlborough House, mas depois que eles passaram meio
quarteirão, Portia bateu no teto e disse que precisava fazer uma
parada no Nelson’s Bank primeiro. O banco ficava em um prédio
cinzento e quadrado, não muito longe da estalagem. Portia deu o
nome ao recepcionista e ele a levou para uma pequena, mas
elegante sala de estar. Ela não precisou esperar muito tempo até
que um homem magro, de terno cinza de certa idade, invadisse a
sala.
— Que prazer conhecê-la, Sra. Harrington. Eu sou Reginald
Nelson.
Parecia que seu marido era um depositante significativo do
banco e o Sr. Nelson estava ansioso para manter sua nova esposa
feliz. Passaram cerca de quinze minutos em gentilezas antes de
Portia pudesse pedir ao Sr. Nelson o que queria.
— Meu marido criou uma conta para mim no seu banco.
O Sr. Nelson assentiu.
— Sim, várias. Um para uso geral e outro que é um fundo de
garantia.
Portia não sabia sobre o fundo. O que mais ele a havia dado?
Ela queria deixar a cabeça cair nas mãos e chorar de vergonha,
mas agora não era a hora.
— Gostaria de retirar duas mil libras.
O banqueiro nem sequer piscou.
— É claro, Sra. Harrington, terei o maior prazer em organizar as
coisas para a senhora. Tem certeza de que não aceita uma xícara
de chá? — Ele perguntou pela quinta vez.
— Obrigada, mas estou bastante pressionada pelo tempo —
suas palavras não tão sutis o fez sair para lidar com o assunto.
A transação não demorou muito, mas Portia foi forçada a passar
mais cinco minutos assegurando-lhe que ficaria bem carregando
uma quantia tão grande e não precisava de um guarda para
carregá-la.
— Muito bem — ele finalmente concordou —, mas lamento, pois
devo insistir no assunto de uma carruagem. Pedi que minha
carruagem fosse trazida para a senhora.
Portia estava quase louca de preocupação quando se afastou do
pequeno homem ofensivo e se acomodou em sua carruagem
deveras confortável. Fazia uma hora e quinze minutos desde que
ela deixou o armazém. Se Daisy e Baker tivessem voltado e a
encontrado fora, seria mais do que um pouco estranho.
Ela enfiou a reticule abaulada debaixo do braço enquanto a
carruagem diminuía a velocidade e o lacaio abriu a porta e depois a
tirou da carruagem com um floreio.
A primeira coisa que Portia viu ao entrar na estalagem foi o
marido.
Capítulo Vinte

S lutando poderosamente para não descontar


contra o inocente estalajadeiro da sua estalagem favorita. Ele
respirou fundo e tentou novamente.
— Eu já fui ao endereço que o seu carregador deu ao condutor
da carruagem e o atendente disse que minha esposa partiu para
Marlborough há mais de uma hora. Sua criada confirmou isso. Tem
certeza de que não a viu voltar? Talvez ela tenha voltado e saído de
novo? Seu lacaio não teria...
— Stacy?
Ele girou nos calcanhares e encontrou Portia olhando para ele,
seus grandes olhos castanhos preocupados enquanto olhavam dele
para o estalajadeiro e de volta para ele. O alívio que surgiu através
dele ao som da sua voz foi instantaneamente substituído por quatro
tipos de raiva.
Ele reprimiu sua fúria sem muito esforço.
— Ah, aí está, Sra. Harrington — ele olhou da esposa ansiosa
para o estalajadeiro igualmente ansioso. — Vamos usar nosso
aposento particular agora, Sr. Withers.
— Muito bem, senhor, seus aposentos habituais estão prontos,
Sr. Harrington — o homem olhou nervosamente de Portia de volta
para Stacy, sem dúvida temendo uma briga doméstica.
— Transfira os bens da minha esposa para os meus aposentos
— ele estendeu o braço. — Minha querida? — Stacy impressionou
até a si mesmo com seu tom frio e nivelado.
Quando chegaram ao quarto, ele tirou o casaco, o chapéu e as
luvas e jogou-os em uma cadeira antes de se virar para sua esposa
silenciosa.
Ela estava segurando uma reticule grande e protuberante diante
dela como se fosse um escudo. Quando ele pegou sua capa, ela se
encolheu. Ele congelou com o braço ainda estendido. Um lado da
sua boca se torceu em um sorriso envergonhado.
— Por que se encolheu, Portia? — seu tom era severo e
acusador e ele tentou suavizá-lo. — Achou que eu iria bater em
você?
— Não, é claro que não achei isso — ela sorriu inquieta e puxou
as fitas do seu chapéu. As mãos dela estavam tremendo.
Viu pelo rosto corado dela que adivinhara corretamente.
— Por Deus! Stefani batia em você?
Ela puxou a fita, que já estava irremediavelmente um nó. Os
dedos dela puxaram com tanta força que ficaram brancos e ela
baixou o olhar para o chão.
— Portia? — Stacy mal podia ouvir sua voz sobre o tumulto que
estava em sua cabeça. Alguém bateu nela. Por Deus, ele
encontraria quem quer que fosse e o espancaria até que estivesse a
um fio de perder sua vida, ele...
Stacy percebeu que suas mãos estavam fechadas de raiva e seu
coração estava batendo como um tambor. Ele exalou devagar.
Uma vez que recuperou o controle de si, removeu a fita dos
dedos dela. Portia observou sem falar nada enquanto ele desatava
o nó, seus olhos enormes em seu rosto pálido. Quando Stacy
desamarrou a fita, tirou o chapéu da cabeça dela. Em seguida, ele
desabotoou sua capa . Quando ele foi pegar sua bolsa, ela a
apertou contra o peito, como se por segurança. Ele a deixou ficar
com ela e a levou até uma cadeira.
Ela olhou para ele, sua expressão estranhamente vazia.
— Está com raiva que eu vim fazer compras?
Stacy ignorou a pergunta e se agachou ao lado dela, a mão no
joelho dela.
— Ele batia em você?
Ela franziu a testa e seu rosto passou de medo para vergonha e
depois para raiva em um piscar de olhos.
— De que isso importa? Nunca me bateria. Eu sei disso, Stacy.
Ele não sabia ao certo se a última parte era uma declaração ou
uma pergunta e o pensamento o deixou enojado. Ele pegou a mão
dela e a segurou gentilmente, mas com firmeza.
— Eu nunca bateria em uma mulher, uma criança, uma criada,
um animal ou qualquer pessoa que seja mais fraca que eu,
fisicamente ou não.
— Eu sei — ela segurou o maxilar dele com a mão livre e ele se
apoiou na palma da mão dela e fechou os olhos.
— Respondendo à sua pergunta, Portia, sim, eu estava com
raiva, uma raiva nascida do medo. O caminho que fez para
Plymouth é o mesmo que eu estava quando fui baleado. Eram duas
mulheres com apenas dois homens jovens e inexperientes para
protegê-las.
Stacy ouviu sua inspiração aguda e abriu os olhos. Ele podia ver
pela expressão atordoada que ela nunca considerara a possibilidade
de ladrões de estrada. A raiva drenou dele e o deixou fraco. Ele
soltou a mão dela e se levantou, pegando a cadeira em frente.
— Sinto muito, Stacy, nunca imaginei.
A expressão dela o fez se sentir ainda pior. Agora ela conhecia a
preocupação angustiante que o havia consumido durante aquela
viagem horrível de Whitethorn a Plymouth. Stacy tirou os óculos e
massageou as têmporas. Ele estava com uma dor de cabeça
colossal. Ele foi de Barnstaple a Whitethorn em um ritmo
imprudente, ansioso para chegar em casa, apenas para descobrir
que Portia partira para Plymouth naquela mesma manhã. Estava
escuro demais para sair novamente, então ele precisou esperar até
pouco antes do amanhecer.
Ele veio em Geist, de chapéu, luvas, cachecol e óculos até que
nada dele fosse visível. Powell estava irritado e cansado depois da
viagem alucinante de Barnstaple e carregá-lo seria como transportar
um grande saco de pedras. Mesmo com seu valete relutante, eles
chegaram em um tempo milagroso. Ele tratou seu cavalo
abominavelmente para conseguir fazer isso, o que o deixou ainda
mais irritado.
O tempo todo ele se flagelou por se comportar como uma
galinha protetora. E então ele lembrou, mais uma vez, que havia
sido baleado duas vezes naquela mesma maldita estrada. Ele sentiu
duas mãos em seus cabelos e abriu os olhos.
— Sinto muito — ela massageava as têmporas dele,
comprimindo infalivelmente o ponto que estava batendo.
Ele gemeu.
— Hmmm, isso é bom.
— Eu não quis te causar ansiedade. Pareceu uma hora
conveniente para sair aproveitando que estava fora — as mãos dela
se moveram para onde as mandíbulas dele articulavam e ele estava
em muito êxtase para falar alguma coisa enquanto ela trabalhava
seus músculos tensos por todo o caminho do pescoço até os
ombros. Ela massageava e examinava, a pressão dos seus dedos
forte mesmo através das camadas de roupas. Ele estava quase
dormindo quando os dedos dela pararam. Ele abriu os olhos.
Ela pegou as mãos dele e tentou puxá-lo da cadeira.
— É muito pesado para eu te carregar.
Ele deu um sorriso sonolento e se levantou.
— Para onde está me levando? — perguntou, embora soubesse
exatamente para onde ela estava indo.
Portia o arrastou para o quarto adjacente, onde sua mala agora
estava ao lado da dele. Ela o levou para a cama e o empurrou com
força no peito. Ele caiu sobre a roupa de cama macia e se apoiou
nos cotovelos enquanto ela trancava as duas portas e ficava diante
dele. Ela deu um sorriso malicioso e começou a arrancar os
grampos do cabelo, uma sobrancelha preta arqueada.
— É depravada — ele estava com dificuldade e sua respiração
estava áspera, essa mulher era sua esposa e ele poderia tê-la
sempre que quisesse. O pensamento o deixou tonto de alegria.
Ela puxou o último alfinete do cabelo e soltou-o antes de se
inclinar sobre ele e desabotoar o casaco e o colete, continuando até
embaixo e abrindo sua calça de camurça.
Ele levantou os quadris.
— Estou imundo, querida.
— Eu gosto de você imundo — ela deslizou uma mão fria em
torno do seu membro latejante e acariciou-o com uma eficiência
erótica. Em algum lugar no fundo da sua mente, bem no fundo
mesmo, ele sabia que estava sendo manipulado para fugir da
discussão, mas não se importava.
Portia parou tão de repente quanto começou deixando-o teso de
desejo. Ele abriu os olhos um pouco. Ela subiu a saia e a anágua e
as enfiou na frente do corpete antes de subir na cama e montá-lo.
Ela olhou para ele enquanto o guiava até sua entrada, abaixando-se
sobre ele com uma violência que roubou o ar dos seus pulmões. A
luz do dia atravessava as janelas e estava mais brilhante do que
qualquer outro quarto em que eles já haviam feito amor. Stacy não
conseguiu evitar que seus olhos a consumissem.
Seus lábios se abriram quando ela o montou.
— Diga-me o que quer, Sr. Harrington — ela inclinou a cabeça
para trás até que tudo o que ele conseguia ver era a longa coluna
branca da sua garganta. Baixou a mão para onde estavam unidos e
circulou a base do seu membro com dedos fortes e quentes
enquanto ondulava, consumindo-o ainda mais com cada impulso.
Ele cruzou as mãos embaixo da cabeça e depois flexionou os
quadris até que conseguisse se inclinar de encontro com o prazer
dela, empurrando para cima enquanto ela descia sobre ele.
Ela gemeu e ele empurrou novamente, mais forte desta vez.
— Eu quero que goze comigo, Portia.
Ela estremeceu com as palavras dele e seus músculos se
apertaram ao redor dele. E então ela começou a montá-lo com mais
força do que ele montava Geist.

— Sua cabeça dói? — Portia perguntou.


Stacy rolou de lado e a encarou, limpando a testa com as costas
do antebraço.
— Não mais, é uma cura milagrosa para dor de cabeça. Mas não
vou comercializá-la — ele levantou a cortina de cabelo que cobria o
rosto dela e a enrolou em torno do seu punho, mantendo a cabeça
dela erguida quando ela teria baixado os olhos para o peito dele. —
Estávamos conversando antes que me distraísse com tanta
habilidade.
Ela apertou a boca e rolou de costas, encarando o teto com uma
expressão petulante, como se estivesse se preparando para ser
catequizada em conjugações em latim.
Stacy considerou sua pergunta e sua resposta furiosa. Ele
realmente tinha o direito de bisbilhotar seu último casamento? Ele
apreciaria bisbilhotar se ela fizesse o mesmo com ele sobre o seu
passado?
Você nunca contou a ela sobre Kitty, contou?
Ele abriu a boca para dizer que não era da sua conta, mas a voz
dela o deteve.
— Ele me batia quando a gente discutia e ele se via do lado
perdedor, o que era frequente, receio. Ele me empurrou escada
abaixo uma vez e eu tive um aborto logo depois — ela se virou de
lado, como se quisesse ver a reação dele à revelação de partir o
coração. — Nosso casamento começou mal. Eu não fui para a cama
dele intacta — ela passou um dedo lentamente ao redor do mamilo
dele.
Raiva, choque e excitação agitaram seu estômago e Stacy ficou
mais do que um pouco desconfortável por ela lhe contar coisas tão
terríveis enquanto o acariciava. Mas ele não conseguia detê-la. Ele
manteve os olhos no rosto dela enquanto o dedo distrativo dançava
em seu corpo.
— Meu primeiro amor foi quem me... — ela parou e deu um
sorriso tímido. — Bem, ele me ensinou sobre coisas na cama — ela
corou loucamente, o que fez seu pênis se contrair. Ela olhou para o
membro semiduro e sorriu antes de continuar sua história.
— Ele era desinibido e apaixonado, e eu pensei que era assim
que todos os homens eram na cama. Na minha noite de núpcias,
aprendi o contrário — ela o olhou rapidamente. — Eu não era
promíscua, amava Benedict, meu primeiro amor, mas ele morreu e
pensei que meu coração fosse se partir. Então eu conheci Ivo. Fui
levada por seu talento, assim como todos que o ouviam tocar. Ele
me destacou entre todas as garotas que estavam tentando capturar
sua atenção. Depois que meu pai morreu, eu estava sozinha e o
futuro de Ivo era tão brilhante que fiquei cega pelo que pensava ser
amor. Ele mostrava a mesma paixão por mim que mostrava quando
tocava, pelo menos até me tornar sua esposa. Ele acreditava que eu
era uma virgem e não fez mais do que beijar minha mão antes de
nos casarmos. Quando descobriu que eu não era, na nossa noite de
núpcias, nunca me perdoou.
Uma serpente contorcia do seu estômago para o peito,
apertando seu coração. Stacy não estava lutando contra ciúmes de
dois homens mortos. O pensamento de Portia com outro homem o
fez querer quebrar algo ou machucar alguém. Uma reação que era
ao mesmo tempo estranha e desagradável.
— Não foi um casamento feliz. Ivo teve amantes desde o
começo e não fez nenhum esforço para escondê-las. Ele acreditava
que era seu direito, porque eu o havia desonrado e enganado. Nos
brigavamos muito, algumas instâncias de aproximação tempestuosa
e distanciamento cada vez maior — a mão dela se moveu pelo peito
dele até que ela segurou o lado da cintura dele, os dedos cravando
nos músculos tensos o suficiente para machucar. — Eu nunca fui
tão feliz antes, Stacy. Nunca.
As palavras dela sugaram o ar dos seus pulmões, até mesmo do
quarto todo. Ele olhou nos olhos dela quando a mão dela deslizou
para baixo.
— Quero estar contigo o tempo todo. Quero-o em cima de mim,
ao meu redor, dentro de mim — ela rolou de costas e abriu as
pernas para ele, se abrindo como uma borboleta.
Stacy ajoelhou-se entre as pernas abertas e deslizou em seu
corpo ansioso e acolhedor. Ela era o paraíso para ele e se tornava
mais importante a cada dia. Ele pensou em seu filho crescendo
dentro dela e mergulhou nela mais profundo e mais rápido. Ela
estremeceu debaixo dele repetidas vezes. E ele ainda a montou
como um homem perseguido por demônios. Como um homem que
tentava desesperadamente superar o medo persistente de que nada
que fosse bom pudesse durar.
A viagem a Plymouth ensinou Portia duas coisas. Primeiro,
estava apaixonada por Stacy. Segundo, faria qualquer coisa
para proteger seu casamento.
A primeira percepção a deixou alegre e aterrorizada. Ele foi a
coisa mais maravilhosa que já aconteceu e se recusava a perdê-lo.
Sabia que ele se importava com ela e poderia até amá-la se
tivessem tempo suficiente. Mas isso só poderia acontecer se Ivo
estivesse fora das suas vidas para sempre.
Depois da viagem a Plymouth, Stacy ficou mais inflexível do que
nunca que Daisy acompanhasse Portia aonde quer que fosse. O
único momento em que conseguiu fugir era à noite e restavam
poucas noites preciosas para levar o dinheiro até Ivo, antes que ele
viesse atrás dela.
Dois dias depois que voltaram de Plymouth, ela fingiu uma dor
de cabeça. Portia odiava despertar a preocupação de Stacy, mas foi
a única maneira que ela encontrou de ficar sozinha. Esperou até
depois do jantar, quando os dois estavam sentados na biblioteca,
lendo.
Colocou o livro sobre a mesa ao lado e estendeu a mão para
massagear as têmporas.
— Estou desenvolvendo uma dor de cabeça.
Ele tirou os óculos.
— Conheço uma pessoa que tem uma cura para isso — seu
meio sorriso sugestivo causou uma pulsação entre as coxas dela.
Deus, como ela adorava tudo sobre ele.
A realização a esmagou como um punho brutal e implacável e o
sorriso de dor que Portia deu a ele não foi forçado.
— Receio que nem essa cura funcione hoje à noite. Eu tive esse
tipo de dor de cabeça no passado, o único alívio vem do silêncio,
escuridão e descanso.
O sorriso dele desapareceu, substituído por preocupação.
— Não há nada que possa tomar que ajude?
— Nunca achei nada que fosse útil e não quero láudano.
Ele pegou as mãos dela e as levou até a boca, seus lindos olhos
preocupados.
— Não precisa ficar tão perturbado, não é uma coisa grave.
Estarei novinha em folha manhã de manhã, prometo.
Sim. Amanhã tudo estaria melhor, tinha que estar.

Pouco depois das duas horas, Portia vestiu um vestido marrom


escuro, capa pesada e luvas pretas antes de enrolar um lenço
escuro na cabeça. Ela pegou a bolsa de dinheiro e joias de onde as
havia escondido dentro de uma velha fronha e jogou uma vela na
bolsa. Ela ficou tentada a ver se Stacy estava dormindo, mas não
queria arriscar acordá-lo. A casa estava quieta como um cemitério
quando ela abriu a porta do corredor.
Primeiro, ela levaria o dinheiro de Ivo. Se não tivesse tempo, ela
poderia devolver as joias ao cofre no dia seguinte à noite. Portia
deixou a sacola de joias logo na porta da marquise e levou apenas o
dinheiro e um castiçal.
Quando ela não podia mais ver a casa, acendeu a vela. Ela
lançou luz abundante pela trilha e ela só podia esperar que fosse
suficiente para encontrar o lugar onde ela precisaria cortar a
floresta.
Acabou que ela não precisou se preocupar. A trilha em direção à
velha cabana parecia como se um rebanho de gado a tivesse
pisoteado. Ela amaldiçoou a estupidez de Ivo baixinho. Ele poderia
ter erguido uma placa com uma flecha. As pessoas tendiam a
perceber um caminho tão bem trilhado, isso se já não tivessem
notado. Portia abriu caminho pela floresta, resistindo ao desejo de
correr. Ela podia imaginar o problema que lhe causaria se torcesse o
tornozelo.
Ela estava quase no chalé quando algo tocou seu ombro. Ela
gritou, deu um pulo e atirou o castiçal.
— Xiuuu, cara, sou eu — uma pequena chama iluminou a
escuridão quando ele acendeu sua própria vela.
— Stupido! Por que se escondeu atrás de mim dessa maneira?
— Portia caiu de joelhos e procurou no mato a vela e o suporte. Ela
encontrou os dois e se levantou, recuando quando percebeu o quão
próximo ele estava.
— Eu sabia que viria hoje. Eu pude sentir isso — sua voz era
carinhosa e presunçosa e Portia queria esbofeteá-lo.
— Eu trouxe seu dinheiro.
Ele se agachou para derramar cera em um tronco podre e fixou o
toco de vela nele. Quando ele se levantou, a luz estava muito mais
fraca, mas ela pegou um lampejo de dentes quando ele se
aproximou.
— Eu aprendi muito sobre você enquanto estava na minha
pequena cabana.
Portia se recusou a pensar sobre o que ele aprendeu ou com
quem ele aprendeu.
— Quando vai embora?
— Tanta pressa!
Portia desejou ter algo para bater nele.
Ele riu.
— Assim que receber o dinheiro, vou arrumar minhas poucas
posses e partir.
— Vai embora amanhã?
Houve uma pausa.
— Partirei amanhã.
O dedo dele roçou sua bochecha e ela pulou, golpeando a mão
dele.
— Pare!
Mais uma vez ele riu.
— Eu não vim aqui para brincar com você. Este é o único
dinheiro que receberá de mim, eu dou minha palavra quanto a isso.
— Acalme-se, cara. Pode confiar em mim, vou pegar meu
dinheiro e sumir da sua vida para sempre.
— Como vai sair da floresta sem chamar atenção? Não tem
cavalo — ela fez uma pausa. — Como chegou aqui para começar?
— Ela levantou a palma da mão — não importa, eu não quero saber.
Ele pegou a mão dela, tocando-a levemente antes que ela
pudesse arrancá-la. — Não se irrite, minha querida. Terei ido
embora e ninguém terá me visto — ele não conseguia esconder o
fio de cansaço sob seu tom suave. Sua vida na floresta não tinha
sido agradável. Ela pegou a bolsa de couro do volumoso bolso da
capa e jogou nele. — Está tudo aí. Vai ter que aceitar notas, pois
qualquer outra coisa teria sido muito pesada.
— Oh, as notas não têm problema nenhum, mia bella — ele fez
uma pausa —, eu acho... — ele parou e ela olhou pela escuridão em
seu rosto, seus lábios carnudos estavam estranhamente planos.
— Acha o que, Ivo? — Ela perguntou, sem se preocupar em
esconder seu próprio cansaço. Cansada dele, cansada desse
engano, cansada de mentir para o marido.
Ele balançou a cabeça.
— Não é nada, cara. Eu só iria adverti-la para que se cuidasse,
as pessoas nem sempre são quem pensa que são e sempre confia
demais. Cuidado com aqueles que tirariam vantagem de você.
Portia arquejou.
— Pessoas como você? — ela se virou antes que ele pudesse
responder e empurrou um pé à sua frente antes de pegar as lascas
de vela no bolso da capa. — Eu nunca mais quero te ver, Ivo — ela
disse por cima do ombro.
A única resposta foi o farfalhar das folhas. Portia respirou e levou
um momento para acender sua vela antes de abrir caminho pela
floresta. Quando ela chegou à trilha, ela correu até ficar sem fôlego.
Ela apagou a chama antes de chegar à beira das árvores e diminuiu
o passo. Agora havia apenas as joias para substituir e seu pesadelo
terminaria.

Stacy estendeu a mão procurando por Portia e encontrou a


cama vazia. Ele suspirou e se virou de costas, piscando na
escuridão. Era difícil dormir sem ela. Ele jogou as cobertas para
trás, vestiu o roupão e foi em direção à porta de conexão para
checá-la, mas não a perturbar. Ele abriu a porta e olhou para a
escuridão. As cobertas estavam jogadas para trás e Portia não
estava em sua cama.
Talvez tivesse ido à cozinha comer alguma coisa, não desejando
incomodar os criados. Ela quase não comeu no jantar. Ele iria
encontrá-la e eles poderiam fazer um banquete tarde da noite, ele
sorriu, seu corpo se mexendo, e talvez alguma sobremesa depois.
Ele abriu as cortinas, preferindo se vestir à luz das estrelas do
que acender uma vela. Ele estava prestes a se afastar da janela
quando um brilho de luz chamou sua atenção. Alguém estava vindo
da floresta. Stacy se inclinou para mais perto da janela e apertou os
olhos, ele sabia quem era antes mesmo de ver seu rosto.
Que diabos ela estava fazendo? Ele observou sem respirar,
como se o som pudesse assustá-la. Quando ela se aproximou, ele
viu que ela estava se movendo em um ritmo acelerado, com a
cabeça baixa. Portia deu a volta na lateral da casa e ele a perdeu de
vista. Deveria estar indo em direção ao solário, uma entrada que ela
prefere.
Stacy pegou sua túnica, mas não colocou os chinelos, movendo-
se silenciosamente com os pés descalços. Ele chegou ao pé da
escada bem a tempo de vê-la passar pela sala de música e abrir a
porta da biblioteca, sem se preocupar em fechá-la. Ele foi em
direção à biblioteca, com a intenção de que ela soubesse que ele
estava lá sem assustá-la. Mas quando olhou para dentro, viu que
ela tinha ido diretamente para a pintura que escondia o cofre. Ele
fez uma pausa e algo azedo revirou seu estômago enquanto
observava seus movimentos furtivos.
Portia abriu o cofre com uma facilidade que lhe disse que não
era a primeira vez. Em seguida, ela removeu a caixa de marchetaria
que continha o conjunto de pérolas, colocou-a sobre a mesa, abriu a
bolsa e deslizou algo dentro da caixa. Ela reorganizou o conteúdo,
fechou a caixa e a recolocou no cofre. Ela pegou a segunda caixa, a
maior caixa de joias que continha o restante das joias da mãe dele e
devolveu o que parecia ser a maioria das joias para dentro da caixa.
Quando terminou, fechou a porta do cofre e voltou a pendurar a
pintura.
Stacy voltou ao vestíbulo e esperou na base da escada. Ele
ignorou as batidas raivosas do seu coração. Ele tinha certeza de
que ela tinha uma boa razão para o que acabara de ver. Tinha
certeza disto. Ela iria lhe contar e eles iriam rir e passariam a noite
nos braços um do outro.
Capítulo Vinte e Um

A de Portia estavam úmidas e seu coração estava


batendo tão forte que ela mal conseguia ouvir.
Está quase acabando. O pesadelo está quase no fim, a voz em
sua cabeça a lembrou quando ela substituiu a pintura e enfiou a
fronha no bolso da capa.
A preocupação das últimas semanas a atingiu de repente,
transformando suas pernas em geleia. Ela queria desabar sobre a
mesa de Stacy e chorar de alívio, mas continuou andando e fechou
a porta da biblioteca, caminhando em direção às escadas. Talvez
ela surpreendesse Stacy e se deitasse ao lado dele enquanto ele
dormia. Seus lábios se abriram em um sorriso quando ela o
imaginou.
Portia estava tão distraída com as visões amorosas em sua
cabeça que colidiu com o próprio homem no pé da escada.
— Stacy! O que está fazendo aqui? — Estava escuro demais
para ver seu rosto e apenas o contorno do seu corpo era visível na
escuridão.
— Eu estava prestes a perguntar a mesma coisa. Onde estava?
— Ele soava... perturbado. O que ele tinha visto?
Portia deixou escapar a primeira mentira que veio à cabeça.
— Eu estava com fome, não comi muito no jantar.
— Precisa da sua capa para uma viagem até a cozinha?
Ela mordeu o lábio inferior. Estúpida, estúpida, estúpida.
— Me senti muito cheia depois de comer, então fui dar uma
volta, está uma noite linda lá fora. Gosta dessa hora da noite, não
gosta? — O único som no vestíbulo era o sangue batendo nos
ouvidos.
Ele finalmente falou.
— Está voltando para o seu quarto?
— Eu estava esperando que pudesse voltar para o seu quarto —
ela deixou mais do que uma sugestão em sua voz. O silêncio se
prolongou até o rosto de Portia queimar, sua falta de resposta foi
muito mais ofensiva do que qualquer palavra poderia ter sido. Ela
abriu a boca para perguntar se havia algo errado, mas a voz dele a
deteve.
— Acredito que precisa descansar. Não queremos que sofra uma
recaída da sua terrível dor de cabeça — sua voz era mais fria que
um vento ártico.
Portia ainda estava tentando pensar em algo para dizer quando
viu um raio branco subindo as escadas. Ela correu atrás dele, rápido
o suficiente para deixá-la sem fôlego, chegando ao terceiro andar
bem a tempo de ver um lampejo de seda marfim e ouvir o suave,
mas distinto clique de uma porta.
Seus joelhos dobraram e ela se encostou na parede.
O que ele teria visto?

Os cinco dias que se passaram do seu encontro na floresta


foram uns dos piores da vida de Portia. Foi ainda pior do que os
maus momentos com Ivo, os momentos em que ela não podia sair
de casa sem um lenço após uma das brigas mais violentas. Não que
Stacy tivesse encostado em um fio de cabelo dela.
Ele era agradável para com ela da mesma maneira que era
agradável para com seus criados. Ele nunca levantou a voz ou disse
algo rude ou cortante, mas sua gentileza regrada era mais dolorosa
do que um chicote ou um tapa. Sabia que ela estava mentindo e
estava furioso. Disse para ela, no primeiro dia, que detestava
mentiras. E Portia certamente era uma mentirosa.
Depois de um jantar discutindo gentilezas, eles se retiraram para
a biblioteca, ele estava trabalhando em algum projeto enquanto ela
fingia ler, na verdade o que ela estava fazendo era observá-lo.
Depois de algumas horas, ele guardou os papéis, levantou-se da
cadeira e deu-lhe um boa noite educadamente. Quando ele não foi
para a cama dela na primeira noite, ela verificou a porta de conexão
do quarto e a encontrou trancada. A mensagem era mais dolorosa
do que um tapa na cara, ela não tentou a porta novamente.
No quinto dia, ela estava quase doente de desespero. Ela se
sentou na sala de café da manhã e empurrou um pedaço de torrada
em volta do prato. Até suas aulas, que os dois ficaram animados em
continuar após o casamento, passavam como transações sem graça
entre dois estranhos bem educados.
Portia resolveu que contaria a verdade hoje, ela não podia
continuar vivendo daquele jeito. Além disso, ela sabia em seu
coração que Ivo voltaria. Chantagistas sempre retornavam à fonte
do seu dinheiro, qualquer um sabia disso. Ela diria a verdade a
Stacy e o faria acreditar nela. Eventualmente, ele a perdoaria por
mentir e na próxima vez que Ivo chegasse, eles o enfrentariam
juntos.
Ah, sim, é exatamente isso que vai acontecer, a voz seca
zombou.
Portia afastou a comida não consumida e ficou de pé quando a
porta se abriu e Stacy entrou. Ele usava óculos escuros e estava
vestido para cavalgar.
— Ah, terminou seu café da manhã, Portia?
Ela se recostou na cadeira.
— Eu posso tomar outra xícara de café se não se importar com a
companhia — ela contaria para ele depois que ele comesse. Eles
iriam à biblioteca e ela contaria tudo.
— Eu sempre aprecio sua companhia, minha querida — as
palavras foram ditas distraidamente, como se ele estivesse
comentando sobre o tempo.
Portia virou-se para o lacaio.
— Poderia, por favor, trazer um bule de café fresco?
Stacy serviu-se no aparador e sentou-se no outro extremo da
mesa.
— Eu o vi sair com Geist horas atrás.
— Sim, fui até Bude, ao Elephant and Castle — ele cortou um
pedaço de presunto e levou-o à boca. Ela não podia ver os olhos
dele, mas podia sentir o peso do olhar dele.
— Foi? — embora tivesse começado a sair em público com
crescente regularidade após o casamento, ele ainda não visitava a
cidade com tanta frequência.
Ele deu uma mordida na comida, mastigou e engoliu, uma visão
de equilíbrio imperturbável.
Portia odiava os óculos dele, principalmente agora, quando sabia
que ele os estava usando como arma para mantê-la à distância.
Um lacaio entrou e os dois esperaram enquanto ele enchia as
xícaras com café fresco.
Stacy pousou a faca e o garfo.
— Recebi uma mensagem nesta manhã de que um cadáver
havia sido encontrado na praia.
Portia congelou, sua xícara a meio caminho da boca.
— Um cadáver?
— Obrigado, Thomas, isso será tudo por enquanto — disse
Stacy quando a porta se fechou atrás do criado, ele se virou para
Portia. — Sim, um corpo.
— Onde? — ela perguntou quando ficou claro que ele não iria
oferecer nenhuma informação.
— Estava nas rochas sob o penhasco de Penhallow, o que todos
chamam de Salto do Amante, logo abaixo do chalé da babá.
A mão de Portia tremeu e o café derramou sobre a borda da
xícara, errou o pires e manchou a toalha branca da mesa. Ela olhou
para a mancha marrom, incapaz de desviar os olhos.
— Foi alguém sofrendo de amor? — ela perguntou, finalmente
olhando para cima.
Ele permaneceu imóvel por mais um momento, depois pegou o
garfo e a faca e voltou a comer.
— Suponho que ele possa ter sido amante de alguém.
— Ele? — ela repetiu — era alguém que conhecia?
— Era um cavalheiro estrangeiro, ninguém das redondezas. Não
estava carregando nada que nos desse alguma pista sobre quem
ele era.
Portia franziu a testa.
— Como sabe que ele era estrangeiro se não tinha
identificação?
— Suas roupas são de boa qualidade, mas de marca
estrangeira, exceto pelas botas que traziam a marca de Hobby. Ele
pode ser um ator itinerante ou talvez até um músico — ele encolheu
os ombros. — Ele provavelmente é um dos muitos refugiados que
estamos vendo no continente agora que a guerra acabou.
Pequenas agulhas de medo começaram a atravessá-la,
saltando, ricocheteando e se multiplicando.
— Um ator?
Ele mastigou, engoliu e tomou outro gole de café antes de
responder.
— Ou um músico, embora isso não seja provável, já que uma
das suas mãos foi bastante esmagada em algum momento da sua
vida.
A conversa era como os pesadelos que ela estava tendo
recentemente, aqueles em que tentava correr, mas não chegava a
lugar algum.
Ela teve que limpar a garganta várias vezes antes que pudesse
falar.
— Quando ele morreu?
— O médico acredita que ele deve ter sido varrido para a
margem depois de passar vários dias na água.
A mente de Portia zumbiu como uma colmeia que tinha sido
cutucada por um graveto. Vários dias? O que isso queria dizer?
Quatro dias? Três dias? Mas Ivo prometeu partir no dia seguinte.
Bem, isso teria sido cinco dias atrás. Ele ficou por mais um dia por
algum motivo? Se sim, como ele havia acabado no fundo de um
penhasco?
Sua mente frenética saltou para o dinheiro. Onde estava o
dinheiro? A pessoa que o encontrou havia pegado? Alguém havia
pegado antes que ele morresse? Talvez ele tivesse sido roubado? E
os votos de casamento? Ele tinha sido tolo o suficiente para estar
com os votos com ele?
Ela olhou do prato para o marido, que a encarava, imóvel como
uma estátua.
Portia baixou o olhar. Ela precisava ficar sozinha. Agora. Ela se
levantou e jogou o guardanapo sobre a mesa.
— Prometi a babá alguns bordados de seda para o gorro de
batizado que ela está fazendo.
Stacy ficou de pé em um instante e a precedeu até a porta.
Depois abaixou a mão até a maçaneta da porta, mas não a abriu.
— Por favor, dê a babá os meus cumprimentos e diga a ela que
a visitarei hoje mais tarde — ele ficou perto o suficiente para que
Portia pudesse sentir o calor do seu corpo e cheirar sua colônia
tentadora. Ela balançou na direção dele, oscilando à beira de se
arremessar nos braços dele e lhe contar tudo.
Ela abriu a boca e olhou para cima.
Ele tinha um sorriso educado no rosto. Educado e frio.
— Direi — disse ela.
Ela sentiu os olhos dele pelas costas até o fim do corredor.
Quando chegou ao quarto, fechou a porta e desabou contra ela.
Por Deus. Ivo estava morto! O que aconteceria se descobrissem
quem ele era?

Stacy esperou até que sua esposa desaparecesse de vista


antes de fechar a porta da sala de café da manhã e retomar seu
assento. Seu café inacabado não tinha mais apelo e ele o afastou.
Ele tirou os óculos e apertou a ponta do nariz com o polegar e o
indicador até doer. Mencionou sobre o cadáver de propósito,
esperando estar enganado, mas a reação de Portia não o deixou em
dúvida, ela conhecia o homem.
Por que em que nome de Deus ela estava envolvida e por que
ela não contou nada para ele? O passeio noturno e a visita ao cofre
foram uma coisa, um homem morto em sua propriedade era algo
completamente diferente. O que ela estava tão desesperada para
esconder?
Como magistrado local, era seu dever examinar o corpo quando
foi encontrado. O cadáver estava seriamente castigado pela água,
mas ele o reconheceu como o mesmo homem que discutira com
Fant naquele dia.
Ficou olhando o corpo, enjoado, e não apenas por causa do
cheiro. O morto era italiano e sua esposa era meio italiana. Queria
acreditar que era uma coincidência, mas a reação de Portia naquela
manhã provou que ele estava errado.
— Droga, maldição! — ele murmurou. Por que diabos ela não
confiaria nele com o que a estava incomodando? Dor e decepção se
misturaram em seu estômago e ameaçaram sufocá-lo. Ele lembrou
que ela nunca prometeu amor ou carinho e que ele tinha sido um
tolo por esperar isso. Reprimiu qualquer arrependimento que sentiu
pela admissão e ergueu os ombros. Ele visitaria a babá e
confrontaria Fant. Poderia ser incapaz de obter a verdade da sua
própria esposa, mas poderia muito bem obtê-la de um homem que
era seu empregado.

As pessoas na vila falavam de nada mais a não ser do corpo


misterioso, então Portia podia acompanhar as notícias sem pedir
informações ao marido.
Como ninguém reivindicou o corpo, Stacy ordenou que o homem
fosse enterrado como indigente.
Todos os dias, Portia esperava uma oportunidade de se
esgueirar para o escasso local onde Ivo estava ficando. Todos os
dias, Daisy ficava grudada em Portia. Todos os dias ela esperava
que alguém descobrisse a identidade de Ivo e a procurasse.
Ir, mesmo à noite, estava fora de questão. Embora Stacy
continuasse a empreender sua campanha frígida, Portia sabia que
ele estaria de olho nos seus passeios noturnos.
Ela também sabia que deveria se sentir triste com a morte de
Ivo, mas só sentia raiva de ele ter chegado a um fim tão trágico
após um começo tão glorioso. Ele possuía o tipo de talento que
ocorria apenas algumas vezes em uma geração. Portia lamentou a
perda de Ivo, o músico, muito mais do que Ivo, o homem.

Ir à igreja era uma das poucas atividades em que Stacy e Portia


ainda estavam envolvidos. Eles cessaram seus passeios diários e
não passavam mais noites de silêncio prazerosos na biblioteca.
Suas aulas continuaram, mas apenas três vezes por semana agora,
e elas ainda continuavam como transações educadas entre dois
estranhos.
A volta de domingo da igreja foi tão desconfortável e atribulada
quanto a cavalgada havia sido, e Stacy olhou pela janela da
carruagem em vez de para a esposa quando ele disse:
— A viscondessa Pendleton nos enviou um convite para uma
festa no castelo de Thurlstone.
Portia estava estudando suas mãos entrelaçadas, o perfil tenso e
não respondeu. O que estava em sua mente naquele momento? Ele
algum dia a conheceria melhor do que aquilo?
— Gostaria de ir? — ele perguntou quando ela não respondeu.
Ela olhou para cima, seu rosto impassível.
— Se importa com o que eu gostaria, Stacy?
Havia semicírculos malva sob seus olhos expressivos. Há quanto
tempo eles estão lá? Stacy percebeu que ele realmente não a
olhava desde a noite em que a pegou se esgueirando e mentindo,
era muito doloroso olhar para ela sem tocá-la.
Mas ele olhou para ela agora. Era o comportamento dele que a
estava fazendo ficar doente e cansada? Ele fez isso com ela? Com
o filho que ela estava carregando?
Stacy colocou a mão sobre a dela, o movimento desajeitado e
rígido.
— Eu me importo com o que gosta — quis ser gentil, mas sua
voz saiu ainda mais fria do que o habitual. Ele suspirava enquanto
olhava para o perfil distante dela. Havia uma parte dele – a parte
acostumada a ser obedecida – que queria exigir que lhe dissesse a
verdade. Quem diabos aquele homem tinha sido e o que aconteceu
na floresta naquela noite?
Mas havia outra parte dele, uma parte que se tornava mais
pronunciada a cada dia, que só fazia uma pergunta: ele realmente
queria ouvir o que ela teria a dizer?
A verdade era que Stacy tinha medo do que ela estava
escondendo.
O que faria se ela tivesse feito algo terrível? Ela conhecia o
homem? Ele tinha sido um amante do passado dela? Ele era Ivo
Stefani, seu marido? A mão esmagada certamente sugeria que isso
era uma possibilidade. Quem ele era, por que ele veio aqui? Ele a
estava chantageando? Ela trouxe as joias para silenciá-lo e depois o
empurrou do penhasco? Talvez o homem a tivesse golpeado e ela
revidou? Talvez alguém o tenha empurrado do penhasco antes que
ela o encontrasse?
Stacy rangeu os dentes enquanto as perguntas giravam em sua
cabeça. Fora tirar algumas respostas de Fant, mas a Sra. Fant disse
que seu marido estava visitando a família em Yorkshire. A mulher de
olhar severo alegou não saber nada sobre o homem que Stacy
descreveu. Fant e o estranho simplesmente viajaram juntos por um
tempo, como as pessoas frequentemente faziam para minimizar o
perigo? Stacy queria acreditar naquilo, mas não parecia certo. Os
dois homens estavam discutindo de uma maneira que parecia
pessoal demais para meros companheiros de viagem.
Sabia que deveria perguntar a Portia e esclarecer o assunto,
mas não podia. Quando pediu que se casasse com ele, acreditava
que estava apenas obcecado por seu corpo, seu talento e o filho
que carregava. Agora que havia perdido a companhia dela, a
amizade dela, a verdade era inevitável: ele a amava e tinha medo
de descobrir o que realmente havia acontecido naquela noite.
Stacy arquejou, ele a amava, mas não confiava ou acreditava
nela. Que tipo de homem era ele?
— Quer aceitar o convite do seu irmão para visitá-lo? — A voz
dela o trouxe da sua auto aversão.
Ele queria conhecer sua família ou apenas queria afastar sua
esposa do que poderia ter acontecido naquela noite no Salto do
Amante? O rosto de Robert cintilou em sua mente.
— Gostaria de conhecer minhas irmãs e passar um tempo com
meu irmão.
— E Frances? Vai perdoá-la? — As palavras eram suaves, mas
acusadoras.
— Não sei — era a verdade. Stacy ainda estava furioso demais
para pensar claramente sobre sua traição. Além disso, estava muito
mais preocupado com Portia e o que quer que ela tivesse feito. Por
Deus. E se ela tivesse matado aquele homem? Ele a amava o
suficiente para perdoar e esquecer o crime? Não queria saber a
resposta.
— Seria bom fugir por um tempo — as palavras eram tão calmas
que Stacy quase não as ouviu. Estudou o perfil ilegível dela.
Conseguiria fugir, principalmente quando a fonte do problema
estava ali do seu lado? Retirou a mão do braço dela e voltou-se
para a janela.
— Muito bem — disse — vamos para o castelo Thurlstone.
Capítulo Vinte e Dois

E de cento e oitenta quilômetros até Thurlstone,


mas Stacy decidiu que iriam interromper a jornada em Plymouth.
— Vai precisar descansar — disse ele a Portia de maneira fria e
implacável. Ela ficou tentada a discutir, só por discutir, mas ele falou
a verdade, ela se cansava facilmente ultimamente.
Cavalgou ao lado da carruagem com seu valete, de chapéu,
luvas e cachecóis, deixando Portia e Daisy para se entreter dentro
da carruagem. Quando chegaram à Marlborough House,
encontraram-na cheia de foliões que vieram ver um moinho que
seria aberto naquela noite.
— Temos apenas um quarto, Sr. Harrington. Se quiser, posso
mover um ou dois cavalheiros que...
— Isso não será necessário — assegurou Stacy ao estalajadeiro
abatido. — Nós vamos pegar o quarto que tiver.
Stacy enviou os criados para uma estalagem próxima,
claramente preferindo se servir sozinho a permitir que Powell e
Daisy presenciassem suas interações geladas em um espaço tão
íntimo. Não que um dos criados não tivesse notado que o patrão e
sua esposa já não visitavam os quartos um do outro.
Portia deitou-se na cama que compartilhariam pela primeira vez
em semanas e descansou enquanto Stacy organizava a refeição.
Iria ao bordel àquela noite, onde alegou não ter feito nada além de
visitar uma amiga? O ciúme ardeu quente em sua barriga com a
ideia.
Ouviu um som e abriu os olhos.
Stacy estava na porta.
— Sinto muito, eu não sabia que estava dormindo — ele girou
nos calcanhares para sair.
Ela se recostou nos cotovelos.
— Eu estava apenas descansando. Acho que precisa tomar um
banho depois de um dia a cavalo.
Ele deu um leve sorriso e Portia viu novas linhas de tensão em
torno da sua boca. Como sempre, ele estava usando óculos, ela não
via os olhos dele há semanas. A percepção trouxe um nó estranho e
doloroso em sua garganta. Encontrou a maneira perfeita para puni-
la, privá-la de todas as formas de contato, até mesmo olhar nos
olhos dele. Ele sabia que ignorá-la era o melhor castigo que poderia
conceber? Ela duvidava. Sua natureza era tão diferente da dele. Ela
precisava de contato, interação, mesmo que fosse apenas conflito.
Ele parecia não precisar de nada, nada dela, em qualquer caso.
Ele pediu por um banho e se ocupou no pequeno vestíbulo ao
lado do quarto. Ela ouviu os sons normais de domesticidade e
ponderou sua vida. Quanto tempo isso continuaria? Cada dia que
passava ficava ainda mais difícil contar para ele. Era uma parede
impenetrável de gelo: duro, frio e inflexível. Nem por um segundo
ele se derreteu em sua direção ou deu qualquer sinal de que sentia
falta das noites de paixão ou dos dias de amizade.
A culpa é sua por estar afastada, repreendeu a voz de
professora na sua cabeça.
Cala a boca.
Fala a verdade para ele.
Portia gemeu e sentou-se, tentar descansar seria inútil.
Um desfile de criados atravessou o quarto para encher a
banheira e ela se ocupou com o conteúdo da sua valise até o último
criado depositar seu balde fumegante e partir. Caiu na cama com
um livro e então percebeu que a porta do vestíbulo estava
semiaberta, apenas o suficiente para que pudesse ver Stacy
enquanto se despia.
Abaixou o livro e observou, silenciosamente desejando que ele
não notasse a porta. No momento em que ele se inclinou para
remover os camurças e roupa de baixo, ela estava com dificuldade
para respirar normalmente. Ele tirou as roupas, deixando-as
espalhadas no chão enquanto se inclinava para trás e se esticava.
Estendeu os braços musculosos sobre a cabeça, cordões e tendões
ondulando como aço sob a seda branca enquanto alongava o corpo.
Quando terminou o alongamento, coçou distraidamente uma nádega
perfeita e depois levantou um pé para testar a água, para
lentamente entrar na banheira.
Levou um minuto inteiro para ele afundar. Foi o melhor minuto do
mês inteiro e Portia desejou que ele durasse para sempre. Mas logo
as únicas coisas que ela podia ver eram os ombros e a cabeça dele.
Ela estava tremendo quando se levantou, um ponto entre suas
coxas estava tão molhado quanto o corpo dele. Ela desabotoou o
vestido, como se estivesse fascinada, nunca tirando os olhos da
fenda estreita entre a porta e o batente. A água estava
transbordando enquanto ele ensaboava seu corpo, e quando ela
tirou a chemise e as meias, ele submergiu a cabeça. Ela parou para
assistir quando ele emergiu, a água escorrendo pelos cabelos
brancos como a neve e brilhando na pele impecável.
Ele se virou quando ela abriu a porta e seu olhar violeta
translúcido varreu seu corpo nu e acendeu. Eles tomaram a medida
um do outro, sondando sem tocar, procurando segredos, mentiras, a
verdade, qualquer coisa que não fosse o desapego aterrorizante
que se estabelecera entre eles. Seus olhos deixaram uma trilha
queimada enquanto passava pelo corpo dela até que cada
centímetro do seu corpo estivesse em chamas.
— Venha aqui — as palavras eram calmas e controladas, assim
como o rosto dele, assim como tudo, exceto os olhos. Seus olhos
diziam a verdade sobre o que ele estava sentindo, suas pupilas
enormes, pretas e sem fundo. Ela diminuiu a distância entre eles.
— Ponha uma perna de cada lado na banheira — suas palavras
eram medidas e suas pálpebras baixaram quando ele se reclinou
contra o encosto alto.
Ela levantou uma perna para um lado e seus olhos caíram para
os cachos entre suas coxas. Seus lábios se apertaram e seu peito
se expandiu quando ele respirou fundo. Ela abaixou as duas coxas
até encostarem no metal quente, mantendo-se na vertical
segurando a borda de metal atrás dela, inclinando-se um pouco
para trás para poder fazer isso.
— Chegue mais perto.
Ela se aproximou, os movimentos desajeitados, como um
caranguejo forçado a andar para frente.
— Mais perto — as únicas palavras guturais a fez estremecer e
Portia apressou até que ela estava perto o suficiente para sentir o
calor da respiração irregular na pele sensível das suas coxas. Ele
levantou as mãos molhadas e separou os lábios dela, seu toque
quente e leve. Quando olhou para cima, o violeta não passava de
um anel em torno das pupilas pretas inchadas. Ele deslizou na água
antes de se inclinar para ela, seus olhos segurando os dela
enquanto a ponta da sua língua encontrava seu pico.
Ela ofegou e cerrou os dentes para não dar ordens, ou pior,
implorar.
Mais uma vez ele a sacudiu, com o mesmo toque leve e
provocador, atormentando-a enquanto ele gentilmente, mas
inexoravelmente, abria mais as pernas dela, até que as órbitas dos
quadris pulsassem com uma dor deliciosa.
— Por favor, Stacy.
Ele parou de tentá-la e começou a acariciá-la. Um prazer
indescritível inundou seu corpo e reduziu todo pensamento a um:
desejo. Ele chupou seu broto inchado no calor suave da sua boca e
deslizou um dedo dentro dela. Ela se apertou ao redor dele,
enquanto ele encontrava o local que parecia ter sido sua própria
descoberta. Enquanto ele a massageava por dentro, seus lábios e
língua experientes provocaram seu primeiro clímax.
Sons e palavras indecentes explodiram dela e suas mãos
agarraram a borda da banheira até ficarem dormentes e ele ainda
assim não parou. Uma segunda onda de prazer apagou o pequeno
pedaço da sua mente que restava e a deixou ofegante. Sua cabeça
caiu para trás e ela abaixou os braços trêmulos até que os cotovelos
descansaram na borda da banheira, seu corpo espalhado
intencionalmente diante dele.
Ela estava em uma nuvem feliz quando ele se levantou, seu
movimento abrupto enviando ondas pelas laterais da banheira de
cobre e a água se espalhando pelo chão de madeira.
Em alguns movimentos bruscos, ele a levantou, colocou-a de pé
e a inclinou sobre a banheira, abrindo suas pernas antes de
acariciar sua abertura quente com seu membro igualmente em
chamas. E então ele entrou nela com tanta força que ela teve que
apoiar as mãos para não cair dentro da banheira.
Ele tirou o membro totalmente e provocou a entrada dela com a
cabeça inchada enquanto segurava um pouco do cabelo dela na
mão, o movimento arqueando-a tanto para trás que ela sentiu como
se sua espinha fosse partir ao meio. Ele segurou o corpo dela
enquanto a violava apenas com a ponta do seu membro.
A demonstração de poder bruto a fez apertar em torno dele e ele
ofegou, entrando profundamente nela, segurando-a arqueada,
esticada e completa.
— Sentiu falta disso? — Ele sussurrou, seu peito escorregadio e
duro contra as costas dela, sua respiração quente contra a orelha
dela. — Sentiu falta do meu pau dentro do seu corpo? Meus dedos?
Minha língua? — Ele provocou antes de entrar nela com uma série
de estocadas selvagens que a deixaram tonta. Ele parou
novamente, enterrando ao máximo seu membro tão duro que ela
podia senti-lo pulsando dentro dela.
— Se deu prazer, Portia? — Sua voz palpitava com um
emaranhado de desejo, raiva e mágoa. — Eu me dei, eu me
acariciei pensando em você — ele se retirou com uma lentidão
agonizante e depois a empalou com um impulso brutal.
Portia quase chegou ao clímax apenas com suas palavras.
— Deslizou seus dedos dentro do seu corpo e imaginou que eles
eram meus? Pode se molhar do jeito que eu te faço molhar? — ele
não esperou por uma resposta, mas a montou com uma intensidade
violenta que destruiu seu juízo.
Ela sabia que, pela primeira vez em toda vez que fizeram amor,
ele não estava considerando suas necessidades, mas a usando
para seu próprio prazer.
Esse inesperado traço de crueldade egoísta apenas a fez querê-
lo mais.
Ele deu uma última rajada de golpes brutais, e então se ergueu,
seus dedos cavando seus quadris, seu membro se espessando e
tremendo enquanto ele bombeava sua semente profundamente
dentro do seu corpo.
Por um momento ofuscante, ela estava completa, em harmonia
com ele, mas seus tremores não haviam recuado quando ele se
afastou e a deixou vazia.
Os braços de Portia estavam trêmulos quando ela se levantou da
borda da banheira, ecos do seu clímax ainda ondulando através do
seu corpo. Ela assistiu através de uma névoa encharcada de prazer
quando ele pegou uma das toalhas, limpou seu membro ainda
tumescente e jogou o pano no chão sem olhar para ela.
Depois ele saiu do banheiro e fechou a porta com um clique
decisivo.

Portia não tinha pensado muito em como seria o Castelo


Thurlstone, mas ela assumiu que a sede de um conde – e um
castelo, aquilo era – seria impressionante. Nada a preparou para o
que os recebeu quando a carruagem chegou ao destino. O castelo
era uma sucessão interminável de estruturas que se estendiam em
todas as direções, mais impressionantes pelo tamanho do que pela
arquitetura elegante. Na verdade, parecia totalmente inglês e nada
como os castelos da Europa. A porção central, uma torre crenelada
que emprestava o nome ao edifício, deve ter servido a um propósito
defensivo em um passado distante. Mas a torre, outrora majestosa,
agora era cercada por construções e acréscimos e lembrava uma
debutante atarracada em um vestido que exibia muitos sulcos e
babados.
A terra que o rodeava, por outro lado, era tão meticulosamente e
matematicamente estabelecida quanto um antigo acampamento
militar romano. Um imenso jardim formal se estendia ao sul e oeste
e uma fina fita azul levava a um lago calmo, cercado por grupos de
árvores cuidadosamente orquestrados.
Era mais perto do mar que Whitethorn e podia-se ouvir o som
das ondas e sentir o cheiro do ar salgado. Enquanto desciam a
colina, as árvores antigas que ladeavam o caminho obstruíam a
maior parte da vista. A única coisa visível dentro do túnel de
folhagem de outono era a entrada de Thurlstone a alguma distância.
Toda a propriedade era impressionante, mas Portia não pôde deixar
de pensar que o deserto menos estruturado que dominava
Whitethorn era mais parecido com seu gosto.
Não que ela se importasse se o lugar fosse um casebre. Após o
encontro tórrido na estalagem e a indiferença frígida de Stacy, ela
não tinha pressa em voltar correndo para Whitethorn.
Quando ela finalmente saiu do vestíbulo na noite passada, ele a
tratou com a mesma cortesia gelada que vinha empregando por
mais de um mês. Se ela teve algum sentimento de remorso por
mentir para ele antes, ela tinha um conjunto totalmente diferente de
sentimentos em relação a ele agora. Se uma batalha de
ressentimentos era o que ele queria, era exatamente isso o que ela
lhe daria. A noite passada fora a última vez que ela mostraria seu
desejo por ele. Para sempre.
— Oh, olhe, senhora — Daisy interrompeu as reflexões
venenosas de Portia para apontar um pedaço distante de azul entre
dois troncos de árvores maciços. Portia ignorou a visão e olhou para
o marido, que andava naquele lado da carruagem. Ele escolheu
aquele momento para olhar a janela, como se sentisse alguém
olhando para ele. Portia deu um sorriso ofuscante e ficou
infantilmente satisfeita quando seus lábios se separaram de
surpresa. Ela se virou e viu Daisy os observando, uma ruga
desaprovadora entre os olhos. Portia a ignorou e olhou pela janela
oposta.
A carruagem parou em frente a duas filas de pessoas que se
estendiam desde as enormes portas do castelo, cravejadas de metal
até o meio da entrada. Parecia que sua nova irmã e cunhado
haviam reunido todos os criados da propriedade para recebê-los.
O próprio visconde Pendleton abaixou os degraus da carruagem
e abriu a porta.
— Sra. Harrington — exclamou o visconde, seu belo rosto com
um sorriso genuíno. — Bem-vindos a Thurlstone.
O próprio Prinny não poderia ter recebido uma recepção tão
calorosa.
A esposa de lorde Pendleton os esperava no topo dos degraus
rasos e gastos, seu requintado vestido verde pálido fazendo Portia
parecer amarrotada da viagem e desajeitada.
— É um prazer conhecê-la —, murmurou a filha da viscondessa
e do duque, seus lábios se flexionando em um leve sorriso. Sua
maneira fria combinava com seu exterior loiro gelado. Ela não
estava tão emocionada com a visita deles, ou pelo menos não tão
demonstrativa, quanto com sua exuberante esposa. Ela deveria ser
chamada de Lady Rowena, em vez de Lady Pendleton. Parecia que
ela preferia usar o título de cortesia como filha de um duque.
A meia hora seguinte passou em um borrão de apresentações e
saudações. Quando acabou, a única pessoa que eles não haviam
conhecido era o conde. Portia olhou para o marido, mas ele estava
tão impassível como sempre.
Stacy deu um breve aceno a Frances, mas Portia abraçou a
mulher alta e magra e sussurrou em seu ouvido:
— Senti sua falta, e ele também, mesmo que ele seja orgulhoso
demais para demonstrar. Vamos tê-la de volta em Whitethorn antes
que imagina.
Frances deu um sorriso trêmulo e um rápido aperto antes de
soltá-la.
As outras irmãs de Stacy eram consideravelmente mais baixas
que Frances, mas o irmão e irmãs compartilhavam o mesmo cabelo
loiro e os olhos cinza-azulados. Embora elas devessem ter ouvido
falar sobre Stacy ao longo dos anos, nenhuma das irmãs conseguia
tirar os olhos dele. Portia não podia culpá-las. Ela o via todos os
dias e ainda achava difícil olhar para qualquer outra coisa quando
ele estava nas proximidades, mesmo quando ela queria bater na
cabeça dele com um tijolo.
Quando foram escoltados para seus aposentos, que eram duas
vezes o tamanho daqueles em Whitethorn, Portia estava exausta.
Mas não haveria descanso. Eles concordaram em se refrescar e se
encontrar na sala de estar vermelha para um chá.
Portia estava sentada na frente da penteadeira, tentando não
adormecer, enquanto Daisy arrumava o cabelo quando Stacy entrou
pela porta de conexão. Seus olhos se encontraram no espelho.
Bem, pelo menos ela pensou que sim, ele estava usando seus
óculos impenetráveis. Ela sorriu amargamente. Ela provavelmente
deveria estar agradecida por ele não ter parado para colocá-los
antes do encontro tórrido na estalagem na noite passada. Ela olhou
para seu reflexo e ficou orgulhosa de não ver nenhum sinal de raiva
ou pensamentos amorosos em seu rosto.
— Se desejar, direi a eles que pretende descansar antes do
jantar, Portia — a oferta era considerativa, ainda que sua elocução
fosse indiferente.
— Estou bastante refrescada —, ela mentiu. — Devemos
chamar um lacaio ou se lembra do caminho?
Daisy deu um passo atrás e Portia se levantou e pegou o braço
do marido. Mesmo esse contato leve causou agitação intensa no
seu estômago.
— Acredito que posso nos levar ao nosso destino sem precipitar
a necessidade de uma equipe — disse ele, fazendo Daisy rir.
Portia o ignorou.
A casa era tão extravagante por dentro quanto era por fora. A
porção original fora construída no período plantageneta e germinara
uma nova ala com cada monarca seguinte. Parecia que levou uma
hora para chegar à sala designada, mas isso pode ter se devido ao
silêncio desconfortável.
Portia se perguntou como uma pessoa decidia qual das dezenas
de salas e salões usar todos os dias. Se ela e Stacy morassem
naquela casa, nunca mais precisariam se ver. Ela virou-se um pouco
para olhar o belo perfil de arestas afiadas do marido e depois
desejou que não tivesse. Era trágico que ele era tão atraente.
As irmãs e o irmão de Stacy já estavam na sala quando
chegaram. O conde não estava presente. O homem realmente
existia?
Os cinco irmãos tentaram colmatar o fosso entre eles
conversando sobre o clima fora de época, a colheita
excepcionalmente ruim e o estado das estradas. Enquanto as três
irmãs se assemelhavam bastante, Stacy e Robert Harrington eram
parecidos, pois eram altos, bem construídos e bonitos. A única
característica que todos os cinco pareciam compartilhar era uma
certa reserva. No entanto, por mais reservados que fossem, Portia
podia ver que eles desejavam se conhecer.
Lady Rowena, no entanto, parecia não ter interesse em ninguém
além de Portia. Os olhos verdes pálidos da mulher exibiam todo o
calor de uma cobra e seu olhar penetrante deslizou sobre o rosto e
a pessoa de Portia de uma maneira que a deixou se sentindo...
invadida.
— Eu entendo que parabéns estão em ordem —, disse a
viscondessa, interrompendo algo que Mary estava dizendo a Stacy
sobre o Bishop Caverns nas proximidades. — Quando é o seu
confinamento?
— Março.
As irmãs Harrington receberam essa informação com acenos e
murmúrios suaves. Os homens beberam seus chás e o som de
xícaras tilintando contra pires preencheu o silêncio. Portia quase riu,
aquilo estava angustiante. Todo o período de duas semanas seria
assim?
— Eu entendo que seu último marido foi o pianista Ivo Stefani.
Stacy interveio antes que ela pudesse responder.
— Portia também é uma pianista excepcional.
Portia lançou lhe um olhar atônito enquanto tentava parecer
modesta ao mostrar seu orgulho de marido.
— Talvez possa tocar algo para nós? — Robert Harrington
perguntou, dando-lhe um sorriso caloroso e encantador.
Portia gostou instintivamente de lorde Pendleton. Seu
entusiasmo por Stacy não era fingido e ele parecia emocionado por
ter descoberto seu irmão.
Sua esposa, no entanto, era a filha de um duque primeiro, a nora
de um conde em segundo, a esposa de um visconde em terceiro e
um ser humano em último. A mulher tinha um senso ridículo de auto
consequência. Suas roupas eram mais formais e grandiosas do que
as três cunhadas e era evidente que ela gastava muito tempo e
dinheiro em sua aparência.
Portia sorriu para o cunhado.
— Eu ficaria feliz em tocar. Mais alguém toca?
— Papai insistiu que todos nós tivéssemos aulas, mas temo que
apenas Mary valesse a paciência do nosso pobre instrutor — os
olhos de Frances piscaram para Stacy, como se ela achasse que ele
poderia castigá-la por ter a audácia de falar na sua presença.
— Ainda toca? — Portia perguntou Mary.
Sua cunhada corada deu uma risada ofegante que era mais
adequada para uma garota de dezoito anos do que uma mulher que
certamente devia ter mais de cinquenta.
— Não vou tocar na sua frente, Sra. Harrington, nem... de
Eustace — ela olhou de Frances para Stacy, sem saber como
chamar seu irmão.
Novamente Portia preencheu o silêncio embaraçoso.
— Stacy é bastante talentoso. Talvez ele possa ser persuadido a
tocar também.
— Minha esposa tem que dizer isso. Afinal, ela é minha
instrutora.
Os irmãos riram e Stacy olhou para Portia e sorriu. Quão
estranhamente competente ele era em se comportar como se
fossem um casal amoroso e feliz. Portia queria jogar a xícara na
cabeça dele.
— De fato, Stacy é meu aluno mais promissor — ela sorriu para
demonstrar que ela também podia se comportar com sofisticação
divertida.
— Ainda ensina música? — a Viscondessa não poderia ter
ficado mais surpresa se Portia tivesse confessado correr nua pelas
ruas de Mayfair.
— Minha esposa está brincando. Sou o único aluno dela e um
muito exigente — Stacy deu a Portia o primeiro sorriso genuíno que
vira em um mês, enquanto suas irmãs e irmão riam com mais
entusiasmo do que o comentário merecia. Ainda assim, serviu para
aliviar a atmosfera e os sete se dividiram em grupos menores e mais
conversáveis. Portia se encontrou com as quatro mulheres,
enquanto Stacy e seu irmão conversavam em voz baixa.
— Como estão progredindo os planos para o berçário? —
perguntou Frances, o desejo em sua voz deixando Portia ainda mais
irritada com Stacy por banir a mulher de Whitethorn.
— Muito bem. A babá me ajudou a escolher as cores para as
novas cortinas e tapeçarias e Daisy tem costurado tanto que temo
que ela perca o dedo.
— Como estão o Sr. e a Sra. Lawson? O novo assistente de
Jeremy chegou?
— Eles estão bem e Jeremy está satisfeito com o jovem que
ingressou em sua clínica.
Rowena deve ter decidido que a conversa já havia durado o
suficiente sem que a senhora da casa contribuísse.
— Está falando de um médico? — Algo na maneira como a
viscondessa disse “médico” fez Portia ficar com raiva.
— Ele também é um amigo
— Sim, ele é — Frances concordou — ele é filho do vigário.
A viscondessa parecia divertida.
— Ah, o filho do vigário — ela assumiu o controle da conversa
depois disso e ela girou em torno dos entretenimentos que ela
planejara para a visita de duas semanas. A primeira semana seria
apenas para a família, porém mais convidados chegariam na
semana seguinte. Haveria festas nos jardins, jantares com as
luminárias locais adicionados ao rio de convidados, práticas de tiros
para os homens, um grupo de equitação nas Bishop Caverns e
outras atividades comuns em festas das casas de campo.
— O senhorio não tem estado bem, então não temos tido
entretenimento tão grande no castelo de Thurlstone há anos, desde
antes da minha chegada — disse a viscondessa, com um brilho
estranho nos olhos.
Portia só podia supor que o retorno de Stacy fosse o motivo da
mudança repentina e se perguntou se isso estava irritando a mulher.
— Um grande baile será realizado na próxima semana, após a
chegada dos convidados.
Ao ouvir as cunhadas discutirem o baile, percebeu que não tinha
uma roupa adequada.
Frances inclinou-se para ela.
— Trouxe um vestido de baile?
— Eu nunca tive um. Existe uma modista por perto? — a área a
caminho do castelo parecia tão remota quanto a de Whitethorn.
— Vamos fazer uma viagem a Plymouth. Minhas irmãs e eu
vamos a uma modista que faz um trabalho impecável — ela olhou
para os outros para garantir que eles não estavam ouvindo e
perguntou: — como ele está?
Os dois olharam para o homem em questão, que estava
conversando com seu irmão. Um estranho poderia ignorar os sinais
sutis de tensão, mas Portia o conhecia o suficiente para ver o aperto
em torno da sua boca e a rigidez em seus ombros. Ele estava longe
de estar relaxado.
— Ele está machucado, mas eu sei que ele sente sua falta, vai
levar um tempo — suas palavras eram inadequadas, mas não havia
muito mais que ela pudesse oferecer, dada sua própria posição. —
Esta visita é um sinal muito bom, na minha opinião.
— E se sente? Ainda sente enjoo matinal?
— Não fico mais enjoada, mas agora como tudo à vista e canso
com muita facilidade.
— Este é seu primeiro filho, Sra. Harrington? — a voz da
viscondessa a assustou e Portia ergueu os olhos e encontrou seus
olhos verdes bastante ávidos a penetrando. Por que Portia sentiu
que Lady Rowena estava tentando mostrar algum ponto obscuro
com tudo o que disse?
Ela decidiu ver que efeito a honestidade bruta teria sobre o
comportamento arrogante da nobre.
— Tive uma decepção no passado.
Mary e Constance murmuraram banalidades suaves, mas a
viscondessa apenas levantou as sobrancelhas pálidas.
— Tenho certeza de que terá sucesso desta vez. Afinal, a vida
no campo deve ser muito mais saudável do que a vida agitada que
levava com seu primeiro marido.
Que tipo de músico ela achava que Ivo tinha sido, um menestrel
que vivia viajando?
Portia sustentou o olhar verde frio da mulher.
— Sim, a vida em Whitethorn é prazerosa e relaxante. É desta
parte da Inglaterra, milady?
— Meu pai tem uma casa de caça entre Thurlstone e Plymouth.
Foi onde conheci lorde Pendleton.
— Eu não chamaria aquilo de casa de caça — disse Robert,
quando ele e Stacy vieram participar da conversa. Ele sorriu para
Portia e sentou-se ao lado dela. — O pavilhão de caça do duque é
bastante cômodo.
A viscondessa lançou ao marido o mesmo olhar friamente
divertido que ela parecia conceder a todos.
— Pendleton fica com meu pai e meus irmãos todos os anos por
algumas semanas para caçar e para passar algum tempo em
Plymouth. Gosta de Plymouth, não gosta, milorde?
A pergunta era para o marido, mas seus olhos estavam em
Stacy.
Os olhos de Stacy estavam... bem, Portia não conseguia ver o
que ele estava olhando.
Pendleton deu à esposa um sorriso formal que não alcançou
seus olhos.
— Eu tive alguns dos melhores momentos da minha vida lá.
Um silêncio constrangedor encheu a sala enquanto os dois
cônjuges se entreolharam.
O que estava acontecendo?
Robert virou-se para Portia e quebrou o feitiço.
— Eu vou roubar seu marido por alguns minutos, se não se
importar.
Portia olhou do rosto sorridente para o rosto ilegível de Stacy.
— Contanto que o traga de volta, milorde.
Harrington riu e até a boca de Stacy se contraiu.
— Há alguma semelhança entre eles, não acha? — a
viscondessa perguntou enquanto observava os homens partirem.
— Isso é de se esperar. Afinal, são irmãos — disse Frances
bruscamente, indicando o que Portia já havia adivinhado: que ainda
havia amor entre as duas mulheres. Frances virou-se para Portia
com um olhar que parecia ainda mais afetuoso. — Deve estar
exausta, Portia. Gostaria de descansar antes do jantar?
— Isso seria maravilhoso.
— Venha, minha querida, vamos levá-la para seus aposentos —
Frances pegou o braço dela. — Logo se familiarizará com a casa —
prometeu enquanto a conduzia por uma escada particularmente
grande que Portia não se lembrava de ter usado antes. — Acho que
foi você quem convenceu Stacy a vir.
— Não, ele estava ansioso para conhecer sua família e acredito
que ele sente sua falta intensamente —, Portia apertou a mão de
Frances. — Todo mundo sente sua falta, receio que gerenciar uma
casa não seja uma das minhas habilidades. Sinto muito a sua falta
nesse aspecto, assim como nos outros.
Frances corou com o elogio e depois parou na frente de uma
porta que Portia não reconheceu.
— Bem, aqui está, minha querida. Descanse um pouco e eu te
vejo no jantar.
Daisy estava ocupada no grande vestuário quando Portia entrou.
— Onde eles te colocaram?
— Eu não saberia dizer, senhora. Duvido que algum dia encontre
meu quarto novamente. Powell me trouxe aqui, sem ele, eu teria
vagado por dias.
Portia caiu na cama sem sequer tirar os sapatos.
— Estou tão cansada que receio dormir e perder o jantar.
Daisy tirou os sapatos dela, levantou suas pernas sobre a cama
e puxou um cobertor sobre ela.
— Não se preocupe, senhora. Eu te acordo a tempo.
Portia fechou os olhos e em segundos o sonho começou.
Começou da mesma forma de sempre. Ela estava no penhasco
em frente ao chalé da babá Kemble, ela corria e não chegava a
lugar nenhum. O céu estava escuro e chovendo e seu vestido
estava encharcado e chicoteado pelo vento. Ela estava olhando
para o oeste e lá estava Ivo, sua silhueta contra o mar. Ela tentou
correr em sua direção, mas seu corpo se recusou a se mover. Ele
estava muito perto da borda e ela tentou avisá-lo, mas o vento
rasgava suas palavras.
Ivo olhou para algo por cima do ombro e balançou a cabeça.
Seus grandes olhos castanhos estavam tristes e tinham compaixão,
um olhar que ela não via desde que seu pai morreu.
Portia lembrou que Ivo já estava morto e ela não poderia salvá-
lo. Mas ele tinha que ir embora, ele tinha que voltar para onde
pertencia. Ela tentou gritar quando ele deu um passo no ar e
desapareceu na borda. Somente quando ele se foi, ela pôde emitir
um som.
— Não! — seus olhos se abriram e ela se levantou. Ela piscou
rapidamente, sua visão embaçada, ela não estava em um penhasco
vendo Ivo morrer, estava em sua cama, no castelo de Thurlstone.
E ela estava sozinha.
Capítulo Vinte e Três

N dia em Thurlstone, Stacy percebeu que


realmente gostava do seu irmão. Na verdade, teria sido difícil não
gostar dele. Robert estava fazendo tudo ao seu alcance para tornar
a visita prazerosa e confortável. Quando Stacy contrastou o
comportamento do seu irmão com o do seu pai, a bondade de
Robert foi ainda mais perceptível.
Stacy não esperava muito do homem que o havia banido no
nascimento e isso acabou sendo uma coisa muito boa. O conde de
Broughton era um homem velho, mas os anos não fizeram nada
para amolecê-lo. A princípio, Stacy achou que a ausência evidente
do seu pai era porque o velho tinha vergonha do seu
comportamento. Levou apenas alguns minutos na presença do
conde para descartar esse pensamento.
Ele duvidava que o conde soubesse o significado da palavra
vergonha, ou amor, ou bondade. Ele tratou Stacy com o mesmo
desprezo que demonstrou por todos os seus filhos. Até Robert, seu
herdeiro, parecia não ser receptor de nenhum interesse ou bondade.
Na verdade, o conde parecia gostar mais da esposa fria de Robert.
Isso não o surpreendeu, pois o sogro e a nora foram estampados no
mesmo molde, os aristocratas que mais se preocupavam com a
posição do que qualquer outra coisa.
Como seus filhos, o conde de Broughton era alto e de ombros
largos, ou pelo menos ele fora. Seu grande corpo havia sido
devastado pelo tempo e agora ele estava confinado a uma cadeira
de rodas. Nem mesmo a cadeira e seu corpo magro poderiam
diminuir sua presença, no entanto. Parecia um falcão velho
empalado, mas ainda era perigoso se alguém chegasse ao alcance
do seu bico e garras afiadas.
Seus olhos cinzentos eram a única parte dele que parecia viva e
eles queimavam com ódio feroz sempre que descansavam em
Stacy. O conde de Broughton o odiava, a percepção não o
entristeceu, mas o confundiu. Por que ele divulgou a existência de
Stacy se ele o desprezava tanto? Stacy ponderou aquela pergunta
muito mais do que desejava. Ele sabia que seu pai era um velho
perverso, amargo e odioso, que não merecia nada dele. No entanto,
estava fascinado por ele da mesma forma.
O conde pode até ignorar seus filhos, mas ele não era imune a
Portia, pelo menos não à música dela.
Na segunda noite da visita, Portia tocou a sonata de Beethoven
que Stacy amava. Quando terminou, não havia um olho seco na
sala e isso incluía os severos olhos cinzentos do seu pai.
— Minha Nossa! — Robert exclamou, batendo palmas com força
suficiente para deixar hematomas. — É absolutamente brilhante, a
melhor que já ouvi.
Portia aceitou as palavras do seu irmão, o elogio de uma pessoa
que quase nada sabia sobre música, com um sorriso tolerante.
Ela não apenas tocara magnificamente, mas também estava
muito bonita. Ela usava o vestido vermelho que o inflamava toda vez
que o usava. O vermelho fazia seus cabelos e olhos parecerem
ainda mais escuros e sua pele era o veludo de marfim de uma flor
de magnólia. Ao redor da sua garganta elegante estavam as pérolas
da sua mãe. Stacy viu os olhos de raptor do seu pai repousarem
sobre as joias e se perguntou se ele estava se lembrando da sua
esposa há muito tempo morta.
Ele vira o retrato da sua mãe, uma pintura completa de nada
menos que Gainsborough, no seu primeiro dia em Thurlstone. A
pintura havia sido feita apenas alguns meses após o casamento
com o conde. Ela estava pendurada na galeria, retratada em
tamanho natural ao lado de uma pintura do conde. Mesmo meio
século, Broughton era um homem poderoso e formidável, seus
lábios torcidos em um sorriso cruel e confiante, seus frios olhos
cinzentos desprezavam o espectador.
A segunda condessa de Broughton era bela e frágil, com
surpreendentes olhos azuis, dolorosamente lindos. Stacy ficou
impressionado com o quão extremamente jovem ela era, apenas
dezessete anos.
E se casou com o monstro que estava a seu lado, teve dois
filhos e morreu.
Stacy se perguntou se alguma vez soube que dera à luz filhos
gêmeos. Ele esperava, por ela, que os olhos demoníacos do conde
não tivessem sido a última coisa que ela viu antes de morrer.
Ele afastou o pensamento perturbador e inútil e olhou para seu
irmão, que cavalgava ao seu lado em um belo cavalo. Eles estavam
acompanhando as damas em uma viagem de compras a Plymouth.
As mulheres viajavam na carruagem de Broughton.
— Vamos com elas, Stacy — Robert sugerira na noite anterior
quando o plano surgiu no jantar. — Conheço um pub em Plymouth
onde eles têm cervejas caseiras notáveis. Eu aguento uma caneca
enquanto ganho de você nos dardos.
Stacy sorriu ao se lembrar da ameaça arrogante do irmão.
Dardos eram algo que ele sempre gostou e jogava frequentemente
com Hawkins e os cavalariços. Mantinham um tabuleiro no celeiro e
jogavam uma ou duas vezes por semana. Stacy raramente
derrotava Hawkins, mas seu mestre de estábulo era um campeão
de pub na parte deles da Cornualha e o havia ensinado bem.
Pendleton teria uma surpresa.
— Tem uma égua que está prenha de Geist? — Robert
perguntou, olhando o grande garanhão com inveja. A montaria de
Robert era uma bela peça de cavalo, mas não se comparava a
Geist.
— Sim, será o primeiro dela — pensar em Snezana sempre fazia
Stacy se lembrar daquela noite nos estábulos, ele fez uma careta. A
última coisa que ele precisava naquele momento era pensar em
Portia e no que havia acontecido entre eles naquela noite, ou em
qualquer outra ocasião em que fizeram amor. Ele não sabia ao certo
quanto tempo mais ele aguentaria longe dela. Portia parecia se
tornar mais remota e resoluta a cada hora. Esperava que ela
procurasse reaproximação àquela altura, mas estava começando a
acreditar que teria que ser ele, principalmente depois do modo como
se comportara em Plymouth. Portia já havia sido teimosa antes, mas
o seu comportamento impiedoso naquela noite serviu para que ela
dobrasse sua teimosia.
Stacy sabia que não deveria admirar a capacidade dela de ser
mais teimosa do que ele, mas a admirava.
— Irá à cidade para a temporada? — Robert perguntou,
interrompendo as reflexões improdutivas de Stacy.
— Eu nunca fui antes.
— Então é hora de você ir. Certamente sua esposa gostaria de
passar uma temporada em Londres?
Stacy não tinha ideia do que Portia queria. Bem, além de fazê-lo
sofrer e, eventualmente, implorar.
— Portia gosta do campo.
— Mas ela viveu a maior parte da sua vida em cidades, ela me
disse que já esteve em quatorze capitais europeias.
Stacy sentiu uma pontada de inveja por ela nunca ter
compartilhado esse fato com ele. Ele olhou pela janela da
carruagem e a viu rindo de alguma coisa. A visão fez suas têmporas
doerem. Que diabos eles estavam fazendo? Eles já haviam perdido
um mês inteiro de suas vidas se engajando em uma discussão sem
sentido.
— Eu acredito que tem coisas que a seguram em Whitethorn —
disse Stacy. — Ela fez amigos na região e é muito próxima da minha
antiga babá. Duvido que Portia queira deixar sua vida em Bude.
— Sua babá mora com você?
— Em um chalé nas minhas terras. Ela veio dessas partes, eu
acredito. Não sei o nome de solteira dela, mas ela se casou com um
homem chamado Kemble — pensar na babá o fez lembrar como ela
chorou de alegria quando lhe disse que sabia a verdade por trás do
seu nascimento. Parecia que ela rejuvenescera dez anos. Nunca
quis fazer parte do engano, mas como empregada não teve escolha
a não ser mentir. Não é como Frances. O queixo de Stacy se
contraiu com o pensamento da duplicidade da sua irmã.
— Hmmm, Kemble? Não, eu nunca ouvi esse nome antes —
Robert parecia desinteressado da procedência da babá de Stacy e a
conversa mudou para o tópico de Plymouth, cada um se
desculpando antecipadamente por aniquilar o outro nos dardos.
Alguns dias após a chegada a Plymouth, onde Portia encontrou
uma seda malva deveras linda para o seu primeiro vestido de baile,
finalmente cedeu a uma das muitas ofertas de Lady Rowena para
cavalgar. A princípio, Portia implorou para não ter que sair com
Rowena, uma excelente amazona, mas não pôde continuar depois
que a viscondessa a pegou falando sobre cavalgar com Frances.
Deu uma última olhada no espelho enquanto Daisy colocava o
chapéu de montaria na cabeça. Sua roupa, ao contrário de suas
habilidades de montaria, era impecável. Stacy tinha lhe
presenteado com três roupas de montaria quando ele lhe deu
Dainty.
O preto forte só foi aliviado por uma gravata cor de vinho que
combinava com a pena em seu chapéu. Portia acreditava que ela
ficava melhor em seu uniforme do que em qualquer outra roupa,
mas isso se devia ao fato de Stacy ter escolhido para ela.
Despertou-a pensar nele dedicando tempo e esforço para escolher
coisas que tocariam seu corpo, mesmo que ele não quisesse mais
fazer isso.
Acabara de fechar a porta dos seus aposentos quando
encontrou o próprio que nunca estava longe dos seus pensamentos.
Ele deveria ter acabado de voltar do seu próprio passeio. Quando a
viu, parou na frente da porta e a olhou de cima a baixo, batendo seu
chicote distraidamente contra a bota. Algo sobre sua inspeção fria a
colocou-a em alerta.
— Está indo cavalgar? — Ele perguntou, suas sobrancelhas
arqueadas.
— Como pode ver.
— Com quem?
Ela se ressentiu com tom dele, mas se recusou a deixá-lo ver
sua irritação.
— Lady Rowena — ela se virou para sair, mas a voz dele a
deteve.
— A viscondessa é uma amazona feroz, Portia. Certifique-se de
não a deixar convencê-la fazer mais do que sabe.
Ela se virou.
— Agradeço sua preocupação com meu bem-estar, Stacy, sem
mencionar sua confiança nas minhas habilidades de montaria e
inteligência em geral.
Sua boca se apertou e o chicote parou.
— Devo lembrá-la que não é apenas com o seu bem-estar que
me preocupo?
— Eu acredito que acabou de me lembrar — ela retrucou, furiosa
com a sua impassibilidade, a sua atitude superior e o desejo quase
esmagador que sentia por ele, não importava o quanto o odiasse.
Ele diminuiu o espaço entre eles com dois passos largos, até
que seus corpos estavam a meros centímetros de distância. Ela
engoliu em seco e respirou fundo, recusando-se a dar um passo
para trás ou desviar o olhar. Ele cheirava a cavalo, suor e couro, e
isso trouxe à mente lembranças vívidas do primeiro acoplamento.
— Eu odiaria ter que restringir seus privilégios de montaria,
minha querida — as palavras foram ditas suavemente, mas ela
ouviu a ameaça nas entrelinhas. Ela sentiu algo na perna e olhou
para baixo. Ele estava batendo levemente seu chicote contra a coxa
dela. A mensagem era clara: era ele quem tinha a mão no chicote e
ela faria bem em lembrar daquilo. A respiração dela ficou presa com
o gesto descaradamente dominador e ela olhou para o rosto dele,
seus olhos refletidos na lente.
Seu coração estava batendo forte, fazendo o possível para trair o
desejo que sentia por ele.
— Eu odiaria fazê-lo emitir uma restrição que eu seria forçada a
ignorar — disse tão suavemente e depois girou nos calcanhares,
forçando-se a andar em um ritmo calmo quando tudo o que ela
queria era fugir do seu olhar ameaçador.
Quando chegou aos estábulos, encontrou Rowena já montada
em um garanhão cinza que combinava com Geist em tamanho,
magnificência e entusiasmo. A mulher montava seu cavalo como se
ela tivesse nascido com o formato da sela.
— Céus — Portia murmurou quando o grande cavalo cinza bateu
as patas no chão. — Por favor, diga-me que tem algo um pouco
menos... volátil para mim?
A viscondessa deu uma risada, a primeira vez que Portia a
ouviu. O som era leve e musical, mas não continha calor nem
alegria.
— Não, acredito que Frost seria um pouco demais para você. Já
pedi que Watts selasse Honey, vai gostar dela, nós a damos para as
crianças que estão nos visitando. Com licença um momento — ela
se virou e cavalgou para um dos cavalariços antes que Portia
pudesse responder, isso também foi bom. O que ela poderia dizer
sobre as palavras cortantes da sua senhoria quando eram
verdadeiras? Sem dúvida, todas as crianças que vieram para
Thurlstone já cavalgavam muito melhor do que ela jamais
cavalgaria.
O cavalariço guiou o cavalo cor de mel de aparência plácida até
ela.
— Essa é Honey, senhora. Ela é uma boa menina, não é? —
nesta última parte, ele se dirigiu ao cavalo, que lançou um olhar
malicioso para Portia, como se dissesse: Talvez eu seja ou talvez
não.
Ele ajudou Portia a montar na sela e entregou o chicote.
Lady Rowena gritou por cima do ombro:
— Pensei em levá-la até nossa pequena floresta.
Mal haviam deixado os estábulos para trás quando Honey
decidiu testar a coragem de Portia, andando pela trilha e pegando
um bocado do que provavelmente era um dos topiarios do conde.
Portia puxou as rédeas, mas Honey continuou mastigando.
— Sua coisa vil — ela sibilou.
A cunhada deu meia-volta, um olhar divertido no rosto.
— Honey — disse ela, sem nem mesmo levantar a voz. A
maldita criatura soltou o arbusto e correu para a frente.
— Animal odioso — Portia murmurou sob sua voz quando o
cavalo trotou ao lado do cavalo maciço da outra mulher.
A viscondessa olhou para ela.
— Não se preocupe, o passeio que faremos hoje é bastante
tranquilo — seus lábios finos torceram enquanto seus olhos pálidos
brilhavam.
A roupa de montaria cinza de Rowena era requintada. Portia não
ficaria surpresa ao saber que ela tinha uma roupa que combinasse
com cada cavalo. Com a pele clara e cabelos loiros claros, ela
parecia e cavalgava como uma valquíria. Portia tentou não a odiar,
mas a mulher não estava facilitando.
— Não cresceu em volta de cavalos, Sra. Harrington?
— Eu cresci em Roma, cavalos não eram viáveis nem
necessários — Portia não foi inteiramente capaz de manter a nitidez
de sua voz. — Pelo que vejo, é uma especialista. Disse que seu pai
mantém uma casa de caça. Você caça?
— Sim, eu gosto muito de caçar.
Portia não ficou surpresa ao ouvir aquilo.
— Costuma ir à propriedade do seu pai?
— Algumas vezes por ano.
— É perto daqui?
— É quase diretamente distante da costa, no interior, ao norte de
Modbury — a viscondessa se virou, claramente não interessada em
conversar.
Portia não pôde deixar de se perguntar por que a mulher tinha
sido tão insistente em arrastá-la a andar de cavalo se não queria
conversar. Sem dúvida, só queria humilhá-la. Elas seguiram um
caminho estreito que levava à floresta mais próxima. As árvores as
engoliram e o castelo desapareceu de vista. O ar estava úmido e
pesado e o som estava abafado pela copa exuberante da
vegetação. Portia rapidamente percebeu que a pequena floresta era
mais extensa do que parecia. A maior parte estava abaixo do nível
do parque e se inclinava em direção ao riacho.
— Consegue sentir? — Lady Pendleton perguntou.
— Sentir? — Portia repetiu.
— Essa floresta é antiga, algumas dessas árvores têm centenas
de anos. Muitas estão aqui muito antes dos Harrington e estarão
aqui depois que partirmos — Portia não podia ver seu rosto, mas
sua voz palpitava com reverência silenciosa.
Interessante. Aqui, parecia, havia algo que a filha desdenhosa de
um duque apreciava: terra, o emblema da aristocracia inglesa. Antes
que Portia pudesse abordar o assunto, a viscondessa falou.
— Está aproveitando sua visita a Thurlstone?
— Bastante, obrigada. Sua hospitalidade significa muito para
mim e meu marido.
— Deve perdoar o conde se ele parecer bastante rígido em seu
comportamento. Receio que ele não seja um homem demonstrativo.
Portia ficou tentada a apontar que ele era muito demonstrativo
quando se tratava de demonstrar seu desdém, mas segurou a
língua. Conseguia acreditar que aquela mulher fria achasse um
comportamento tão arrogante admirável. Na verdade, ela própria
não era bastante demonstrativa, exceto quando se tratava de
demonstrar desprezo.
O caminho estreitou-se e a viscondessa diminuiu a velocidade.
— Vá na minha frente, Sra. Harrington. Esse caminho é estreito
e cabe apenas uma pessoa. Também é um pouco íngreme, mas
apenas por um curto pedaço.
Os galhos das árvores ao redor quase as tocavam e o caminho
inclinou-se bruscamente. Cavalgaram em silêncio por alguns
minutos enquanto a trilha cortava para frente e para trás,
ziguezagueando pela encosta íngreme. A trilha havia começado a
se endireitar quando o som de cascos pôde ser ouvido atrás delas.
Portia ficou tensa, esperando que o cavaleiro as visse antes que
fossem pisoteadas. Ela arriscou um olhar rápido para trás, embora
estivesse aterrorizada com a trilha íngreme e estreita à frente.
— Está ouvindo?
— Olá! Olá Portia! — uma voz chamou.
Portia suspirou aliviada, era Frances e o som dos passos do
cavalo diminuíram.
— Frances, o que está fazendo aqui? — Rowena perguntou,
parecendo irritada.
— Encontrei Stacy e ele disse que estava saindo para cavalgar
com Portia. Pensei em me juntar a você porque perdi a cavalgada
matinal.
Portia não pôde deixar de sorrir. Então, ela realmente trocou
umas palavras com Stacy? Muito bom, Frances! Estava prestes a
dizer para Frances que estava feliz por ter se juntado a elas quando
ouviu um estalo alto e seu chapéu foi arrancado da sua cabeça.
Honey empinou e fez um barulho que parecia muito com um bebê
gritando.
E depois ela disparou.
Capítulo Vinte e Quatro

O de Portia se juntaram aos de Honey quando as


rédeas voaram de suas mãos e o cavalo avançou. Vozes soaram
atrás dela enquanto tentava agarrar a crina do animal. Tentou
alcançar as rédeas e quase voou sobre a cabeça do cavalo. Por
algum milagre, conseguiu agarrar uma das rédeas. Puxou com
todas as suas forças, mas Honey estava agitada e nada conseguia
pará-la.
A floresta passava como um borrão verde e marrom e um galho
baixo rasgou dolorosamente seus cabelos. Ela se agachou bem a
tempo de sentir Honey reunir suas forças, juntar as patas traseiras e
acelerar atrás de algo que estava no caminho.
Portia gritou quando elas voaram. Ela queria fechar os olhos com
força, mas suprimiu o desejo bobo e olhou com olhos arregalados e
lacrimejados quando irromperam da floresta e entraram em um vale
levemente inclinado. Encorajada pela falta de obstáculos, Honey
dobrou sua velocidade.
Algo molhado atingiu o rosto de Portia, borrando sua visão em
um olho e ela agarrou a crina de Honey em uma mão e a rédea
solitária na outra, piscando rapidamente para clarear sua visão.
Uma forma escura trovejou em sua visão periférica e uma mão
disparou e agarrou as rédeas de Honey, puxando a égua para pará-
la tão abruptamente que Portia teve que abraçar o pescoço do
animal para não voar sobre sua cabeça.
Portia escondeu o rosto na crina quente e úmida de Honey até
que uma mão forte agarrou seu ombro e a puxou para cima. Ela
roçou os olhos e viu sangue na luva York bronzeada que usava.
— Está bem? — o rosto de Frances estava branco, exceto por
duas manchas rosadas sobre as maçãs do rosto.
— Sangue — Portia levantou a mão como se Frances não
acreditasse nela sem provas.
— É da Honey, ela foi baleada. A bala atravessou seu chapéu e
acertou a orelha dela, foi isso que a disparou.
— Baleada? — Portia repetiu, sua voz soando estranhamente
sonolenta.
Rowena veio galopando do outro lado.
— Está ferida, Sra. Harrington? Meu coração estava na minha
boca quando a vi disparar.
A fúria distorceu os traços normalmente impassíveis de Frances
enquanto ela contornava a viscondessa.
— Alguém atirou nela, Rowena.
Rowena ficou vermelha com a acusação no tom da outra mulher.
— Deve ter sido alguém atirando em lebres ou pombos, um
caçador ilegal. Ouso dizer que eles nem perceberam que estávamos
aqui ou que alguém fora atingido. Parece que Honey perdeu a ponta
da orelha — seus olhos pálidos se moveram do cavalo para Portia.
— Tem muita sorte, Sra. Harrington, a bala passou a menos de um
centímetro da sua cabeça.
Portia ficou boquiaberta. Por que, em nome de tudo que era
sagrado, a mulher sentiria a necessidade de reiterar uma coisa tão
horrível?
Frances deve ter se perguntado a mesma coisa e fez um som
irritado puxando o cavalo para mais perto.
— Vou levá-la de volta, Portia. Deve estar assustada, e a pobre
Honey precisará ter sua orelha examinada — ela virou as costas
para Rowena e se inclinou para pegar as rédeas de Honey.
A viagem de volta levou uma eternidade, e durante todo o
caminho pela floresta Portia estava inquieta, como se estivesse
esperando ser atingida dessa vez. Estava tremendo tanto quando
chegaram ao castelo que o cavalariço teve que levantá-la do cavalo.
— Leve-a para dentro — ordenou Frances.
Portia se rebelou com o pensamento de ser carregada para
qualquer lugar.
— Oh, não, por favor, Frances. Eu sou perfeitamente capaz de
andar, estou um pouco instável, mas ficarei bem em um momento —
Portia virou-se para o cavalariço que já estava curvado para pegá-
la. — Eu ficarei bem, de verdade — ela estava envergonhada pelo
som da sua voz que estava falhando.
— Vou providenciar que um banho e um chá sejam enviados ao
seu quarto imediatamente — disse a viscondessa.
Frances observou-a partir com um olhar severo antes de pegar a
mão de Portia.
— Venha, Portia, se sentirá muito melhor quando tomar um bom
banho quente.

Portia estava deitada na banheira e se perguntando se pararia


de tremer quando a porta se abriu com tanta força que ricocheteou
na parede.
Stacy atravessou o espaço em passos largos, ajoelhou-se ao
lado da enorme banheira e pegou a mão molhada e ensaboada de
Portia.
— Por Deus! Acabei de saber. Está bem?
Ela emocionou-se com a expressão preocupada dele e a
ansiedade desenfreada em sua voz.
— Eu estou ilesa, é o pobre cavalo que perdeu um pedaço da
orelha.
Stacy exalou ruidosamente, como se estivesse prendendo a
respiração. Abaixou a cabeça e levantou a mão para tirar os óculos
com a mão trêmula. Quando olhou para cima, Portia pôde ver o
terror nos olhos dele. Ele apertou a mão dela com tanta força que
doeu.
— Robert acha que pode ter sido um caçador ilegal com quem
eles estão tendo problemas ultimamente, ele tem homens
procurando pela floresta — balançou a cabeça, os lábios cerrados.
— Eu nunca deveria ter permitido que Lady Rowena escolhesse seu
cavalo, ela não tem ideia do seu nível de habilidade — ele franziu a
testa. — Mas eu não posso ficar, devo ir e ajudá-los a procurar. Só
queria me certificar de que estava bem.
Agora que o imediatismo do momento havia passado, ele
parecia estranho.
— O bebê...?
— Não sinto nada de errado, nem com a criança nem comigo —
ela deu-lhe um olhar provocador, esperando aliviar o clima. — Isso
significa que estou proibida de andar a cavalo de agora em diante?
Sua expressão se tornou ainda mais altiva.
— Isso significa que eu não vou deixá-la sair da minha maldita
vista.
Portia ficou com a boca aberta. Ele a estava culpando porque
algum caçador ilegal atirou em seu cavalo?
Ela olhou para ele.
— Não será uma tarefa fácil, não com a porta de conexão
trancada e você do outro lado — Portia desejou poder morder sua
língua. A última coisa no mundo que queria era que ele pensasse
que ela sentia sua falta em sua cama, mesmo que fosse verdade.
Principalmente porque era verdade.
Ele colocou os óculos de volta.
— Se trancar a porta, não ficará surpresa se eu a arrombar —
prometeu, saindo do cômodo.
Portia jogou o pano contra ele, mas errou por vários metros e ele
bateu contra a parede.
— Não fui eu quem a trancou a porta em primeiro lugar! — ela
gritou, sem se importar com quem ouvisse.
A resposta dele foi bater à porta.

Apesar de todos insistirem, Portia desceu para jantar naquela


noite. Qual era o sentido ficar deitada em seu quarto quando não
estava ferida? Além disso, não tinha vontade de ficar sozinha.
Odiava admitir, mas ficou terrivelmente abalada com o episódio.
Stacy chegou ao quarto quando Daisy estava saindo. Nenhum
dos dois falou e a caminhada até a sala de jantar pareceu levar
duas horas. Stacy foi quem finalmente quebrou o silêncio.
— Está linda, Portia — ele emitiu o elogio com uma indiferença
que a aborreceu.
— Situações que exigem risco de vida devem me cair bem.
Ela o sentiu se virar para olhá-la, mas se recusou a olhar para os
reflexos gêmeos do seu próprio rosto.
— Por favor, diga-me que não fará de tais situações um hábito.
Portia parou, puxou a mão do braço dele e girou para encará-lo.
— Devo lhe prometer que não criarei o hábito de levar um tiro?
— não dando tempo para ele responder sua pergunta. — Hmm —
disse, colocando o dedo polegar e o indicador no queixo, como se
estivesse considerando seriamente o assunto. — Não — disse —,
não, receio que não me sinta confortável prometendo isso — girou
nos calcanhares e seguiu pelo corredor.
— Portia.
Ela se recusou a parar.
— Portia, está refazendo o caminho que acabamos de fazer —
mesmo a seis metros de distância, ela podia ouvir o entretenimento
em sua voz. Queria gritar e ficou extremamente tentada a continuar
andando. Teria continuado, mas sabia que nunca mais encontraria
seu quarto. Parou furiosa demais para se virar. Em vez disso,
fechou os olhos e contou até dez. Sentiu um leve toque quente em
seu braço.
— Venha, vamos jantar antes que eles mandem homens com
cachorros e tochas atrás da gente. Deve saber que não estou bravo
contigo, Portia. Eu estava apenas apavorado — Portia se sentiu
enfraquecendo em direção a ele e respirou fundo para dizer algo
rude, abriu a boca, mas nada saiu.
— Sim? — a voz dele estava perto do ouvido dela, a respiração
quente e delicada.
Ela colocou a mão no braço dele e retomaram a jornada.
— Eles encontraram algo na floresta?
— Nada. Sem dúvida o caçador ilegal deve ter ouvido sobre a
comoção e deve ter dado um jeito de sair de cena.
Era o que Portia esperava. Provavelmente era algum fazendeiro
com uma colheita perdida tentando alimentar seus filhos famintos.
Quando chegaram à sala de estar, encontraram toda a família
aguardando a chegada dos outros convidados e Portia subitamente
lembrou que esse era o primeiro jantar que eles teriam com
forasteiros. Ela fez uma careta. Talvez ela devesse ter ficado em seu
quarto.
Robert se aproximou dela sem as mãos estendidas, a testa
franzida de preocupação.
— Lamento que isso tenha acontecido com você, Portia, de
todas as pessoas.
Portia riu.
— Bem, suponho que não há ninguém aqui que teria gostado
disso, meu senhor.
— Está determinada a levar tudo isso na brincadeira. Foi isso
que seu marido disse que faria.
Portia lançou um olhar assustado para Stacy. O homem irritante
permaneceu impassível como de hábito.
— Como está Honey? Ela é a verdadeira vítima.
— Ela ficará bem, embora sem a ponta da orelha. Sem dúvida,
isso lhe dará uma certa vantagem entre seus companheiros. Sua
bravura será mencionada no mundo dos equinos nas próximas
décadas.
Portia conteve um sorriso.
— Talvez ela deva acrescentar algo ao seu nome que proclame
o valor da luta que ela enfrentou.
Robert riu.
— Sim, os vikings não se distinguiram dessa maneira?
— Talvez algo como Honey Orelha-Rachada seja adequado —
Stacy sugeriu com uma expressão séria.
Os homens riram e Portia balançou o dedo em advertência,
quase incapaz de reprimir sua própria risada. — É terrível por fazer
troça da minha corajosa montaria.
Estavam inventando nomes vikings, igualmente ridículos, quando
Constance se aproximou. Todas as irmãs de Stacy eram tímidas,
mas Constance era a mais reservada.
— Papai quer saber se a Sra. Harrington se juntaria a ele. — Ela
deu a Stacy um olhar medroso ao entregar sua mensagem, como se
estivesse preocupada que ele pudesse insistir em se juntar à
esposa.
— Se me derem licença? — Portia murmurou para Robert e
Stacy
O conde estava sentado de costas para sua família, ao lado da
enorme lareira. Ele olhou para cima quando Portia se aproximou e
gesticulou para a cadeira que um criado de libré acabara de colocar
do seu lado. Ela se sentou, capaz de ver não apenas o conde, mas
o resto da família atrás dele. Ela olhou para o velhote e se fixou nos
olhos. Os dele eram de uma cor muito diferente da do filho, mas
bem delineados e grandes, situados sob as sobrancelhas bem
marcadas. Não havia nem mesmo uma partícula de suavidade
naqueles olhos. Eles a atacavam, pesavam e avaliavam tão
eficientemente quanto um pedaço de carne nos açougueiros. Sua
boca curvada em um sorriso de desprezo, como se tivesse
encontrado algo para entretê-lo.
— Ouvi seu marido tocar uma vez — sua voz era profunda e
oca, as consoantes ditas elegantemente.
Portia sorriu levemente, mas não respondeu. Ela detestava o
que ele havia feito com sua família e o modo como ele estava se
comportando em relação a Stacy.
Ele observou o seu rosto como um raptor avaliando uma
possível morte e um canto de sua boca fina se contraiu.
— Está recuperada do acidente de hoje na floresta — não era
uma pergunta.
— Eu não fui atingida, a bala acertou a orelha de um dos seus
cavalos. Ouso dizer que ela não esquecerá o incidente tão cedo.
Isso provocou uma forte gargalhada.
— Cavalos são criaturas estúpidas, assim como a maioria das
pessoas, esquecem o que querem. É novata em cavalgar, Frances
me disse. Cresceu em Roma, não é? — Isso parecia diverti-lo.
— Sim. Meu pai era italiano, mas minha mãe era inglesa, eles se
conheceram enquanto meu pai era tutor de música aqui na
Inglaterra.
Seu sorriso se tornou mais irônico.
— Casou-se com uma de suas alunas, hein?
— Sim. Ele se casou com a filha do conde de Marldon — Portia
se odiou por falar o nome do seu parente ilustre e tentar
impressionar o velho arrogante. Sua divulgação fez o conde rir
novamente, mas desta vez foi um berro que se transformou em um
ataque de asfixia.
Constance apareceu em um instante, sua boca enrugada como
se alguém a tivesse puxado com um cordão.
— Papai?
Ele bateu a mão no ombro, sem se preocupar em se virar.
— Deixe-me! Não me aborreça — as palavras vieram entre a
respiração fungada. Ele voltou-se para Portia, sua respiração difícil
e sua expressão duas vezes mais venenosa.
— Marldon não tinha nada além de mulheres e quase dois
centavos para dividir entre elas — ele se regozijou ao pensar no
excesso de filhas e no estado empobrecido do outro fidalgo. — Ele
morreu. Ouvi dizer que o novo conde não é nem metade do idiota
que o antigo foi — ele viu o rosto dela e sua expressão ficou ávida.
— Visitou o novo conde quando retornou à Inglaterra e o
impressionou com seu famoso marido? — a ideia pareceu agradá-
lo.
— Não conheço o novo conde.
Ele riu dessa vez.
— Então o novo conde não quer ter nada a ver contigo, hein?
Portia se recusou a confirmar ou negar sua leitura exata da
situação, mas parecia que ele não precisava que ela continuasse a
conversa.
— Bem, se saiu bem mesmo sem a ajuda deles, não é? Seu
novo marido acumulou bastante fortuna — Portia ouviu o nojo
aristocrático, mas ele estava temperado com orgulho. Os lábios de
Portia se curvaram, como se tivesse tido alguma coisa a ver com o
sucesso de Stacy.
Mais uma vez, ele parecia lê-la tão facilmente quanto um livro.
— Não reivindico crédito pela situação dele, nem gostaria de ter.
Bem, apenas pela minha parte que ele teve a sorte de herdar, é isso
— deu outra de suas risadas estridentes. Desta vez, sua filha foi
sábia o suficiente para manter distância, quando ele parou de rir, ele
prendeu Portia com seu olhar impiedoso. — Vai tocar piano depois
do jantar para os meus convidados — aquilo não era um pedido. Ele
mastigou o interior da boca, a ação uma demonstração sem
precedentes de emoção, embora Portia não soubesse qual. Ele
olhou para ela como um magistrado julgando um criminoso. — É
minha opinião que toca melhor que Stefani — as palavras eram
relutantes e ele parecia magoado por tê-las pronunciado.
Portia sentiu uma das sobrancelhas arquear em resposta ao
elogio involuntário dele.
Ele viu a expressão dela e bufou.
— Ora, obrigada, milorde — Portia não se incomodou em
esconder a diversão irônica do seu tom.
Naquele momento, os primeiros visitantes foram anunciados e o
conde de Broughton afastou a cadeira dela.
A entrevista havia acabado.

Stacy não conseguia desviar o olhar do rosto geralmente


expressivo da sua esposa enquanto ela conversava com seu pai.
Mas, pela primeira vez, ele não conseguiu ler nada. Ele imaginou
que era assim que ela era quando falava com um estranho, um
estranho com o qual não se importava muito.
Ele também percebeu que ela nunca fazia aquela expressão
para ele. Quando falava com Stacy, ela mostrava o que estava
sentindo: raiva, fúria, paixão, luxúria, carinho, preocupação, dor. Ser
aberta era, e agora entendia, um presente que ela lhe dava. Era
também um presente que ele estava singularmente mal equipado
para lidar. Ele nunca havia sido o recipiente de uma grande paixão
antes, nem havia sentido nenhuma. Até aquele momento.
— Não se preocupe, Stacy, sua esposa será capaz de controlá-
lo — disse Robert em voz baixa. Nenhum dos dois conseguia
desviar o olhar da visão sem precedentes do seu pai conversando
cara-a-cara com alguém. Stacy olhou para o irmão e viu uma ruga
entre seus amigáveis olhos cinza-azulados, como se não
acreditasse nas próprias palavras.
— Eu tenho toda a confiança nela — disse Stacy. E ele tinha.
Nunca faltava admiração ou respeito quando se tratava de Portia.
Apenas desejava que pudesse confiar nela.

Portia estava sentada entre um senhor local e um barão viúvo


deveras bonito. A conversa com os dois homens estava animada e,
após o interrogatório desconfortável do conde, bastante agradável.
Stacy sentou-se no final da longa mesa entre duas jovens
coradas. Ao longo da refeição, Portia observou-os passar do temor
aterrorizado do Deus pálido entre eles para competir por sua
atenção e raros sorrisos. Seu marido estava magnífico. Ele estava
usando um colete que ela nunca tinha visto, seda marfim bordada
com rosas violetas pálidas, da mesma tonalidade dos seus olhos.
Ele estava usando óculos escuros, que pareciam estar causando
uma vertigem quase paralisante entre as mulheres. Portia olhou
para seu elegante perfil esculpido enquanto ele inclinava a cabeça
para ouvir uma delas e percebeu que seu maxilar estava cerrado.
Ela abaixou os olhos e varreu a mesa com eles. A única pessoa que
a observava era o sogro, a observava com alegria.
Portia fez uma careta para o velho extremamente desagradável
e voltou sua atenção para a comida.
Uma vez que o último curso foi removido, as mulheres deixaram
os homens para tomarem vinho e se retiraram para a grande sala de
estar que se conectava à sala de música.
A viscondessa pairou ao lado dela antes que ela pudesse se
sentar.
— Eu acredito que esteja recuperada o bastante para tocar para
os nossos convidados essa noite, Sra. Harrington?
Portia pediu à mulher que a chamasse pelo primeiro nome pelo
menos meia dúzia de vezes.
— Claro, minha senhora, tem algo em mente?
— Tenho certeza de que seu gosto é muito superior ao meu em
tais assuntos — os olhos da viscondessa brilharam sobre seu
vestido azul escuro como se dissesse que o gosto de Portia
precisava ser superior de alguma forma. Portia quase aplaudiu seu
desempenho. Ela realmente era uma virtuosa quando se tratava de
lançar aspersões com um sorriso no rosto.
— A maioria dos convidados começa a chegar amanhã? —
Portia perguntou, esperando que a pergunta inofensiva pudesse
levar a mulher a embainhar suas garras sempre prontas.
— Sim, teremos uma casa cheia nos próximos dias — ela deu
uma risada que não continha humor. — Bem, não totalmente cheia.
Thurlstone contém muitos aposentos que, receio, não são mais
habitáveis.
A admissão a surpreendeu. Não apenas o castelo parecia bem
conservado, mas a filha do altivo duque não parecia o tipo de
mulher que admitiria falta de perfeição ou dinheiro para alcançar
esse estado.
— Eu adoraria conhecer o castelo.
Os lábios finos da cunhada se contraíram em um sorriso
indulgente.
— Talvez possamos fazer um passeio nele amanhã.
Primeiro o passeio a cavalo e agora isso? Talvez a mulher
realmente estivesse tentando ser amigável, mas não sabia como.
— Isso seria adorável, se não estiver muito ocupada se
preparando para receber seus convidados.
— Eu tenho criados para cuidar de tudo isso, Sra. Harrington —
as palavras foram ditas com delicadeza, mas o significado era claro:
se não fosse tão plebeia, saberia disso.
Portia quase riu com o registro deslumbrante.
Frances se aproximou com as duas jovens que estavam
flertando com Stacy no jantar.
— Portia, gostaria de apresentar Lady Elizabeth, filha do duque
de Beaconridge e Srta. Jennings, filha de Sir Jerome Staunton. Lady
Elizabeth está visitando a Srta. Jennings.
As reverências foram trocadas por toda parte.
— Estamos muito animadas em saber que vai tocar para nós
hoje à noite, Sra. Harrington — Lady Elizabeth jorrou, seus suaves
olhos castanhos brilhando com admiração. Bem, aqui estava a filha
de um duque que não irradiava desprezo pelos seres inferiores.
— Toca, Lady Elizabeth? — Portia fez a pergunta obrigatória,
resignando-se a passar os próximos dez minutos em uma conversa
que se movia tão lentamente quanto uma lesma.
— Eu adoro o piano! Meu instrutor diz que sou a aluna mais
promissora de todos.
Portia poderia imaginar. Ela costumava contar a mesma mentira,
principalmente depois que Ivo fora embora e seu grupo de alunos
começou a encolher. De acordo com a experiência de Portia, a
habilidade de um aluno era geralmente inversamente proporcional à
sua riqueza.
— Talvez possa tocar algo para nós? — Portia perguntou, ciente
de que tinha dito as palavras corretas quando Lady Elizabeth sorriu
encantadoramente.
Portia não conseguia se lembrar de como era corar em
circunstâncias tão inofensivas. Uma vez que implorou a um homem
para te foder, a maioria das outras situações parecia inofensiva em
comparação. Seus lábios tremeram com o pensamento.
— Oh, eu não poderia — Lady Elizabeth murmurou, olhando
para a viscondessa com expectativa.
— Com certeza deve, minha querida. Pode tocar alguma coisa
antes que a Sra. Harrington nos entretenha — o ponto não muito
sutil da sua sugestão é que seria um desastre tocar após Portia. A
carranca pensativa de Lady Elizabeth a fez parecer um gatinho que
acabara de ser chutado.
Rowena virou-se para a Srta. Jennings.
— Srta. Jennings?
A Srta. Jennings, ao contrário da amiga, não era boba.
— Eu machuquei meu pulso cavalgando outro dia.
— Oh? Foi o dia em que te vi montando Thunder?
Srta. Jennings corou.
— Sim, eu sabia que não deveria, mas Jonathan me desafiou.
Rowena riu e quase soou genuíno.
— Nunca deve deixar um irmão induzi-la à imprudência, minha
querida.
Os traços bastante simples da Srta. Jenkins se contorceram com
mortificação.
— Eu sei, mas ele é tão terrivelmente provocador — ela parou,
sua expressão se tornando mais séria. — Eu digo, logo depois que
te vimos, encontramos um homem bastante assustador na floresta.
Também o viu?
— Assustador?
— Sim, um tipo robusto e que estava espreitando. Ele estava
indo na sua direção.
— Sem dúvida, foi apenas mais um invasor que se perdeu na
floresta procurando o caminho para a antiga mina de pederneira.
— Ah, sim, sempre os descobrimos rastejando sobre nossas
terras. Papai acredita que as minas antigas não devem ser
mencionadas nos guias de viagem. Ele diz que isso atrai o tipo
errado de pessoas.
Portia achou difícil não rir da noção de que os turistas que
carregavam o guia eram “o tipo errado”.
Os homens entraram na sala de estar e Lady Elizabeth, assim
como duas outras mulheres, foram obrigadas a tocar. Stacy,
naturalmente, se recusou a tocar quando sua cunhada se aproximou
dele. Portia sabia que não era de se preocupar que o pai zombasse
dele, mas seu marido tocava apenas para quem ele gostava.
Os criados abriram as portas da sala de música e os convidados
se ajeitaram nos vários sofás e cadeiras. Portia se viu sentada ao
lado do seu cunhado no pequeno sofá que ela escolhera no fundo
da sala. Stacy estava sentado entre a Srta. Jennings e uma mulher
que só poderia ser a mãe dela. Ambas as mulheres exibiam sorrisos
nervosos e satisfeitos, com seus traseiros mal tocando o sofá, como
se estivessem excitadas demais para se sentar. Stacy se virou na
direção dela, mas sua expressão não mudou. Mesmo assim, Portia
praticamente pôde ouvir seus pensamentos.
— Stacy parece resignado — disse lorde Pendleton.
— Aprendeu a lê-lo rapidamente, milorde. A maioria das pessoas
tem dificuldade em enxergar além da sua fachada.
— Sim, ele parece uma estátua de mármore, não é?
Portia ficou tentada a dizer que às vezes ele se comportava
como uma.
Em vez disso, ela disse:
— É enganoso, meu senhor. Ele tem um coração
excepcionalmente caloroso e generoso, embora, como a maioria
dos homens, estremece ao se ouvir descrito assim.
O visconde riu.
— Nos tem, pobres homens, classificados corretamente, pelo
que vejo.
Portia não respondeu quando as primeiras notas começaram ser
tocadas. Eles ouviram em silêncio por alguns momentos antes de
Pendleton se inclinar na direção dela e sussurrar.
— Isso é doloroso Sra. Harrington?
Era, mas Portia não era rude o suficiente para admitir.
— Está preocupado que eu possa atravessar a sala e bater nas
mãos dela com uma régua, milorde?
Ele riu.
— Eu estava mais preocupado que a senhora pudesse sofrer
algum tipo de hemorragia auditiva.
— É muito cruel, milorde. Além disso, meus tímpanos estão tão
endurecidos quanto a consciência de um libertino.
Seu corpo tremia com o riso reprimido e demorou alguns
momentos antes de ele falar.
— Pode me chamar de Robert, por favor? Sinto como se já te
conhecesse o suficiente depois de ouvir Stacy falar tanto de você.
Os olhos de Portia foram para o marido. Embora ela não
pudesse vê-los, ela sentiu os olhos dele nela.
— Eu ficaria honrada, Robert. Deve me chamar de Portia.
— Seu nome combina com você, Portia.
Portia novamente se perguntou por que um homem tão
agradável e afetuoso quanto Robert procurara a mão de uma mulher
tão fria. E então ela descartou o pensamento bobo. Naturalmente,
ele se casou sob o comando do seu pai. Estava claro que o conde
considerava Rowena a parideira perfeita, embora não se pudesse
deixar de pensar no que ele sentia sobre o estado sem filhos do seu
filho. Isso se devia porque eles não suportavam ir para a cama um
com o outro? Portia não conseguia se lembrar de um único exemplo
quando viu os dois conversando um com o outro. Não parecia um
casamento feliz, mas também o dela também não era no momento.
Eles ouviram o restante da performance competente, mas sem
inspiração, de Lady Elizabeth, em um silêncio respeitoso. As duas
mulheres que a seguiram eram praticamente do mesmo jeito. Nem
levaria a plateia às lágrimas, nem a alegria ou agonia.
Rowena se levantou.
— Teremos um breve intervalo antes que a Sra. Harrington nos
entretenha.
— O que vai tocar, Portia? — Robert perguntou, inclinando-se
perto dela no pequeno sofá.
— O que gostaria que eu tocasse, Robert? — Ela ecoou seu tom
provocador e paquerador.
— Quais são as suas especialidades musicais? Isso não
decidirá o assunto?
Sua ingenuidade a encantou. Portia podia tocar por doze horas
de olhos fechados. Assim como qualquer músico que valha a pena.
— Decorei algumas partituras na memória. Do que gosta?
— Bach? — Ele respondeu com um sorriso esperançoso.
— Acredito que posso atender ao seu pedido.
Stacy se aproximou e segurou um copo em sua direção.
— Eu pensei que poderia gostar de algo para sustentá-la.
Portia pegou o copo de limonada.
— Obrigada.
Ele se virou para o irmão.
— Desculpe, irmão, eu deveria ter lhe trazido um conhaque.
Robert sorriu.
— Eu não quero nada que enfraqueça meus sentidos. Desejo
estar surpreendentemente alerta quando Portia tocar, ela me
permitiu escolher a música.
As sobrancelhas de Stacy se ergueram com o uso do nome
cristão pelo irmão.
Portia sentiu uma tensão estranha entre os dois homens, como
se eles tivessem passado a vida inteira sem competição fraterna e
agora estivessem assumindo seus papéis com vingança. Ela os
ouvira provocando um ao outro sobre os jogos de dardo que haviam
jogado em algum pub de Plymouth. Eles tinham sido brincalhões,
mas havia rivalidade sob o riso.
Um lacaio trouxe a cadeira do sogro para não muito longe deles
e Portia percebeu que ele não estava na sala quando as peças
anteriores foram tocadas. O homem realmente era desagradável e
não se esforçava para esconder isso. Ele olhou para ela e deu um
sorriso zombador, como se tivesse ouvido seus pensamentos.
Portia o ignorou e virou-se para os outros convidados, que
estavam se sentando e parecendo estar na expectativa. Ela
entregou a Stacy o copo e se levantou. Ela nunca se sentia nervosa,
enquanto Ivo ficava tão enjoado antes de algumas das suas
performances que não ficava claro se ele seria capaz de continuar.
É claro que ele tocara diante de monarcas de toda a Europa, e não
nas salas de estar das famílias.
Portia examinou sua pequena audiência.
— Eu fiz um pedido para ela tocar Bach.
Ela sentou-se ao piano, esticou as mãos, fechou os olhos e
tocou.

Stacy mal conseguia desviar os olhos da esposa por tempo


suficiente para observar os rostos na sala. Seu irmão estava
completamente cativado e Stacy não podia culpá-lo, especialmente
devido ao iceberg com quem se casara.
O velho na cadeira de rodas estava sentado com os olhos
fechados, uma expressão beatífica em seu rosto magro e avançado
pela idade. A citação “a música tem encantos para serenar o
coração mais selvagem,” veio à mente. Não que o velho bastardo
merecesse qualquer tipo de alívio físico, espiritual ou emocional.
Uma pontada de vergonha percorreu-o com o pensamento nada
caridoso e Stacy o reprimiu sem piedade. O conde de Broughton
não merecia piedade e certamente não a queria.
Ele se afastou do velho amargo e voltou ao piano, o caos
habitual de emoções assaltando-o enquanto estudava sua esposa:
admiração, orgulho, frustração, posse, luxúria, desejo,
arrependimento e assim por diante.
Portia estava magnífica. Ela estava usando um vestido azul
escuro e a cor criou mais uma versão dela. O vermelho a
transformava em fogo humano, mas esse tom de azul escuro
personificava sua precisão e graça. Seus braços eram delicados,
mas fortes, arrancando notas de uma beleza extraordinária no
instrumento à sua frente. Ele absorveu seus ombros levemente
inclinados, sua garganta elegante e seu nariz característico e
beijável. O corpo de Stacy aqueceu e sua visão ficou turva, como
sempre, ficou teso só de olhar para ela.
Acabaria com essa tolice entre eles aquela noite. A porta entre
os quartos não ficaria mais trancada. Ele sentiu olhos sobre ele e se
virou. Seu pai estava olhando para ele. Talvez tenha sido a primeira
vez que olhou o homem de frente. A quantidade de malícia que ele
viu tirou o fôlego. Este homem – seu pai – o odiava.
Pela primeira vez, Stacy realmente entendeu, não haveria uma
reconciliação terna entre pai e filho, não haveria desculpas por seu
banimento, só haveria uma aversão implacável. Era um homem que
descartou seu próprio filho da mesma maneira que outras pessoas
descartavam lixo. Como Stacy poderia esperar algo além de
desprezo por essa pessoa? Ele sorriu com o pensamento tolo e viu
o pai recuar, como se não tivesse imaginado que uma aberração
fosse capaz de ter humor.
Quando as notas finais de Portia se espalharam pela sala, os
aplausos foram ensurdecedores para um público de tamanho tão
modesto. Até o conde levantou as mãos por alguns segundos.
— Ela é magnífica! — Robert ficou de pé, os olhos brilhando de
admiração.
Stacy sorriu para seu irmão, mais um homem que caíra sob o
feitiço de Portia. Bem, ele pensou, levantando-se ao lado dele,
quem poderia culpar o homem por mostrar um excelente gosto?
Capítulo Vinte e Cinco

P acabado de dar seus brincos a Daisy para


guardar quando a porta de conexão do quarto de Stacy se abriu e o
marido entrou. Ele ainda não tinha se despido, pois eles tinham
acabado de voltar da sala minutos antes.
— Poderia nos dar licença, Daisy?
Daisy fez uma reverência apressada antes de sair.
Stacy apontou para a porta pela qual ele havia chegado.
— Pode me fazer companhia na sala de estar, Portia?
A elegante sala anexa à sua suíte estava com a lareira acesa e
Portia ocupou a cadeira mais próxima, ela estava sempre com frio.
Stacy foi se servir uma bebida.
— Gostaria de um conhaque? Ou devo pedir outra coisa, leite?
— Hoje não.
Ele se sentou em frente a ela e esticou as pernas longas. Seus
olhos foram atraídos para os músculos flexíveis sob as calças
justas, suas mãos coçavam para tocá-lo.
Ele tomou um gole e depois largou o copo.
— Gostaria de pôr um fim à tensão entre nós, Portia. Sei que
conhecia o italiano que morreu em Bude, quem era ele?

Os lábios dela se separaram e Stacy percebeu que ele a


surpreendera. De fato, ele se surpreendeu com sua franqueza. Sua
pele corou com um tom de vermelho que gritava de culpa.
— Era Ivo.
Ele arquejou e momentaneamente fechou os olhos antes de
encará-la.
— Por que não me contou isso antes? — Toda a fúria e medo
que ele mantinha sob controle por semanas se libertaram.
Em vez de parecer contrito, os olhos de Portia brilharam para
ele.
— Porque eu estava com vergonha, Stacy, é por isso.
— Com vergonha por que seu marido estava vivo? — vergonha
não era a palavra que ele teria escolhido. Chocada ou atordoada,
ele poderia ter entendido, até mesmo muito feliz, embora não
gostasse disso, mas envergonhada?
— Com vergonha porque ele não era o meu marido!
Stacy percebeu que sua boca estava aberta e a fechou.
— Eu posso ver o que está pensando — ela acusou.
— Que habilidade maravilhosa possui, Portia. Mas já parou para
pensar que às vezes pode estar interpretando mal a minha mente?
— Stacy não tinha interesse em sua resposta. — Poderia me
conceder a honra de explicar o que aconteceu antes de me
condenar? — ele estava a um passo de acompanhá-la de volta ao
quarto e trancar a maldita porta.
Por um momento, pensou que ela poderia fazer a mesma coisa
depois de atirar algo na sua cabeça, mas ela respirou fundo.
— A explicação é simples, embora sórdida. Ivo já era casado
antes de nos conhecermos. Eu não sabia disso até que sua primeira
esposa – sua esposa legal – veio à Inglaterra para encontrá-lo. Ivo
afirmou que acreditava que ela estava morta ou nunca teria se
casado comigo —, ela bufou. — Não fazia diferença para mim o que
ele sabia ou quando soube. A única coisa que importava era que
isso me destruiria se fosse tornado público. Então, dei a ele o
pouquinho de dinheiro que havia economizado e ele prometeu
mudar de nome e ir embora em silêncio e nunca mais voltar para a
Inglaterra — disse e continuou.
— Concordamos em esperar alguns meses e depois alegar que
ele morreu na guerra. Eu sabia como as notícias da sua morte
prejudicaria a escola,por isso não tive pressa. Então, algumas
semanas após ele ter partido, li sobre o naufrágio. O jornal listava os
nomes dos que haviam morrido e o nome de Ivo estava entre eles.
Parte de mim não podia acreditar, mas lá estava, impresso.
Ela alisou a saia sobre o colo, o movimento brusco.
— Não me preocupei em espalhar a história, os jornalistas teriam
ido atrás dela como galinha atrás do milho, e a escola, já com
problemas, teria entrado em colapso. Ah, eu sei que deveria ter dito
a verdade quando fechei a escola, mas dificilmente era uma
prioridade — ela desviou os olhos do passado e olhou para ele,
suas bochechas brancas ficando vermelhas. — Eu nunca te disse
isso, mas tinha menos que dois centavos quando apareci em
Whitethorn. Eu estava realmente desesperada.
Seus lábios carnudos se comprimiram em uma linha sombria,
mas ela continuou.
— Ivo apareceu em Whitethorn pouco depois de nos casarmos.
Ele alegou que sua esposa havia morrido no naufrágio — Portia
encolheu os ombros. — Talvez ela tenha morrido, talvez não. Quem
sabe? Ele disse que lhe diria que ainda estávamos casados e que
nunca acreditaria em mim porque ele tinha nossos votos de
casamento — seus olhos varreram a sala como se ela procurasse
as palavras. — Mesmo sem essa prova condenatória, duvidava que
acreditaria em mim. Afinal, estávamos apenas começando a nos
conhecer — ela exalou e inclinou a cabeça para trás, olhando para o
teto.
Stacy estudou a coluna da sua garganta e seu coração doeu por
ela. Era tudo o que ele podia fazer para não a tomar em seus
braços. Mas ele queria ouvir o resto da história dela, não importa o
quanto ele temesse.
— Eu não podia correr o risco de que acreditasse nele, então
paguei o dinheiro que pediu e ele prometeu ir embora. Eu sabia que
ele provavelmente voltaria, mas pensei que da próxima vez que
voltasse nosso casamento estaria mais forte.
— Levei as joias para Plymouth, caso não tivesse dinheiro
suficiente na conta que abriu para mim — ela lhe deu um sorriso
tímido. — Receio não ter prestado atenção quando discutimos o
acordo que generosamente me concedeu — o sorriso dela
desapareceu. — Eu devolvi as joias para o cofre naquela noite
depois de pagar a Ivo as duas mil libras.
Stacy respirou fundo e segurou por um longo momento antes de
soltar o ar lentamente.
Portia continuou.
— Quem encontrou o corpo de Ivo deve ter pegado o dinheiro,
ou talvez ele tenha mostrado para alguém e foi por isso que ele foi
morto, eu não sei. Duas mil libras seriam suficientes para tentar
qualquer pessoa.
— Isso é... tudo?
Seus olhos voltaram ao foco e ela arqueou as sobrancelhas bem
torneadas.
— Está perguntando se há mais maridos falsos sobre os quais
não te contei? Ou está perguntando se sou eu quem o empurrou do
penhasco? — ela se levantou e diminuiu a distância entre eles antes
de cair de joelhos ao lado da cadeira dele. — Eu não deveria
brincar, o assunto não é engraçado. Lamento não ter te contado.
Estava com medo no começo e menti estupidamente para você. E
depois fiquei magoada e furiosa por me tratar tão friamente e meu
temperamento tomou conta de mim —, ela pegou a mão dele. — Eu
me acalmei e estava prestes a confessar tudo e então o corpo de
Ivo foi encontrado. Dado o que viu naquela noite, fiquei ainda mais
aterrorizada com o que poderia pensar — ela apertou a mão dele
—, eu deveria ter confessado tudo, mesmo tendo vergonha. Mas
meu temperamento... — ela deu de ombros, sua expressão de
resignação.
Stacy olhou para seus brilhantes cabelos escuros, olhos
castanhos quentes e boca rosada e exuberante e ficou tão excitado
como ele sempre ficava quando ela estava perto.
— Sinto muito por ter lhe enganado, mas Ivo era um mentiroso
tão talentoso, eu apenas pensei... — ela mordeu o lábio carnudo. —
Eu juro que não vou te esconder mais nada — ela deslizou uma
mão do joelho dele até a coxa, os olhos segurando os dele, uma
sobrancelha arqueada, como se o desafiasse a detê-la. — Me
perdoa?
— Claro que eu te perdoo, eu só queria que tivesse confiado em
mim. Também lhe devo desculpas pelo meu comportamento teimoso
e infantil e pela maneira como agi na estalagem, me perdoa?
Ela riu.
— Eu te perdoo por parte disso.
Stacy sabia que essa discussão estava longe de terminar, mas
ele era um bobo apaixonado e impotente para impedir sua mão
perversa e questionadora quando ela o alcançou.

Stacy desabou ao lado dela depois de uma exibição


particularmente impressionante de proezas sexuais, o cabelo úmido
e encaracolado em volta do rosto, o peito escorregadio de suor.
— O que acha do meu irmão e da esposa dele? — ele
perguntou, seu peito arfando.
Portia olhou para os mamilos dele, algo sobre seu tamanho
diminuto era irresistível. Ela abaixou a boca e chupou um por um
momento enquanto o corpo dele endurecia e ela considerava a
pergunta dele.
Stacy gemeu.
— Sou um homem velho, querida. Preciso de um tempo.
Ela relutantemente soltou o botão duro e apoiou o queixo sobre o
peito dele.
— Seu irmão é adorável, carinhoso, bonito, divertido,
inteligente...
— Obrigado, isso é o suficiente — ele interrompeu, pontuando
seu ponto com uma palmada afiada em seu traseiro nu.
— Não me deixou terminar, meu marido ciumento — ela mexeu
o traseiro contra sua mão que agora estava descansando lá. — Eu
estava prestes a dizer que, apesar de tudo isso, ele não se compara
ao meu próprio Harrington.
— Assim está melhor — ele resmungou.
— Está feliz por termos vindo?
— Sim, estou feliz. Estou gostando de conhecer Robert e minhas
irmãs, embora isso não seja fácil, dada a natureza reservada delas.
Portia sorriu, pensando na natureza reservada do marido.
— E Frances? A perdoou? — ela o sentiu enrijecer com a
pergunta, e não de um jeito bom.
— Estou tentando, Portia.
Ela deixou o assunto de lado.
Ele inclinou o queixo para baixo até os olhos deles se
encontraram.
— E como se sente? Está feliz por ter vindo?
— Estou. Eu gosto muito do seu irmão e das suas irmãs. Embora
seu pai... — ela parou.
— Sim, concordo em evitar falar do meu pai.
Portia sabia que estava sendo covarde, mas estava agradecida
por deixar o assunto sobre o conde quieto, por enquanto.
— E Lady Pendleton? — Stacy perguntou.
— Ah, a viscondessa... Acredito que ela esteja tentando ser
acolhedora e receptiva, mas acho que a experiência é nova. Só
posso supor que em sua vida, como filha de um duque, não tenha
recebido treinamento para agradar os simples plebeus.
— Acho que resumiu com precisão nossa orgulhosa cunhada.
Não acho que Robert e ela gostem um do outro, às vezes parece ir
além da antipatia.
Portia achava que eles se odiavam, mas manteve aquele
pensamento para si mesma.
— Eu acredito que isso é comum entre a aristocracia. Se tivesse
sido criado pelo seu pai, provavelmente também teria se casado
com a pessoa apropriada — ela passou um único dedo no mamilo
até a linha tentadora de cabelos brancos que percorriam os
músculos tensos do abdômen em direção ao órgão adormecido. Ela
arrastou um dedo sobre a pele surpreendentemente macia da coroa
e ele pulou contra a mão dela e ela riu.
Ele mergulhou a mão no cabelo dela, envolvendo um punhado
em volta do punho e forçando-a a encontrar seus olhos.
— E que tipo de pessoa você é, Sra. Harrington? Aposto que era
o tipo de menininha que gostava de provocar todos os meninos. Não
era? Comia doces na frente deles sem compartilhar, prometia-lhes
beijos e depois fugia? Sim, aposto que se divertia com esse
comportamento diabólico e totalmente feminino.
Ela lançou um olhar inocente de olhos arregalados.
— Eu fui a filha ideal. Perfeita em todos os sentidos.
— Assim como é a esposa perfeita? — Ele riu e ela mordeu seu
queixo.
Depois ela desceu pelo seu corpo e abaixou a boca sobre seu
membro rapidamente endurecido e mostrou para ele, mais uma vez,
o quanto ela era ideal e perfeita.

Quando Portia acordou na manhã seguinte, estava sozinha na


cama. Também estava dolorida em lugares que nunca imaginou que
pudesse ficar. Eles eram como um par de náufragos famintos que
tropeçavam em um banquete, arrebatando cada gota de prazer dos
corpos um do outro e depois retornando para segundas e terceiras
porções. Entre os ataques, tanto selvagens quanto carinhosos, eles
conversaram como nunca haviam feito antes, nenhum dos dois
dormindo, muito ansiosos para compensar o tempo perdido.
Portia estava sorrindo para si mesma e revivendo a noite anterior
quando Daisy entrou. O estado do seu quarto falava mais alto que
as palavras e Daisy deu um sorriso enorme. Bem, pelo menos os
criados estavam felizes novamente.
— O Sr. Harrington disse que eu deveria deixá-la dormir,
senhora. Gostaria de tomar café da manhã no seu quarto?
Portia olhou para o relógio de cabeceira e viu que eram quase
onze horas. Ela deveria encontrar Rowena para um passeio pelo
castelo às treze.
— É melhor eu levantar. Sabe para onde foi o Sr. Harrington? —
Ela vestiu a túnica que sua criada estendeu e foi se sentar à sua
penteadeira para que Daisy pudesse desembaraçar seus cabelos
antes de tomar banho.
— Powell disse que o patrão saiu mais cedo com sua senhoria
— Daisy iniciou o longo e doloroso processo de escovar os nós. Seu
cabelo estava bastante espesso e Portia o estava odiando até
recentemente, quando Stacy não conseguia resistir e brincar com
eles até enrolá-los em partes do seu corpo.
— Acho que vou usar o novo vestido cor de vinho, Daisy. Ouviu
alguma coisa sobre quem chegará hoje? — Portia passara tempo
suficiente pairando entre o salão dos empregados e os níveis
superiores de várias casas para perceber que os empregados
sempre conheciam as idas e vindas melhor do que o dono ou a
senhora da casa.
Daisy pegou os alfinetes que segurava presos entre os dentes e
os colocou na superfície brilhante da cômoda.
— Acredito que haverá nove casais e quatro solteiros — sua voz
baixou para um sussurro. — Há um pouco de preocupação com
Lady e Lorde Kenwich. Eles tiveram uma briga grande na última vez
que visitaram e jogaram o conteúdo inteiro de uma bandeja de chá
no outro.
Portia riu.
— Céus. Um par apaixonado, então?
— Sim, mas não um pelo outro — as sobrancelhas de Daisy
estavam perto da sua linha do cabelo.
Passava um pouco das doze quando Daisy a vestiu e estava
pronta para enfrentar o mundo. Portia chegou na sala de café da
manhã e encontrou apenas Rowena comendo.
— Bom dia, minha senhora — Portia sorriu para a cunhada e
depois se virou para um dos inúmeros lacaios. — Posso ter um copo
de leite, por favor?
— Leite? — Rowena repetiu uma vez que o lacaio se foi, sua
expressão escandalizada, como se Portia tivesse pedido uma ilha
flutuante e meia garrafa de champanhe. Previsivelmente, a
viscondessa estava tomando chá preto e comendo torradas, o que
sem dúvida era como ela mantinha sua figura elegante. — Acredito
que nunca testemunhei um adulto tomando leite.
— Meu marido é um tirano e diz que a dieta adequada para uma
mulher na minha condição inclui leite. Muito leite.
A viscondessa franziu o cenho para aquela informação e depois
decidiu ignorá-la.
— Está preparada para ver Thurlstone?
— Estou ansiosa, Frances me disse que é especialista no
castelo. Cresceu em uma casa como esta?
— Não há outra casa como Thurlstone — sua voz tinha uma
intensidade estranha, quase feroz. — A sede do meu pai é em Bent
Park, não muito longe de Chelmsford, é uma estrutura estilo Tudor
— ela largou o copo vazio e fez sinal para um lacaio removê-lo
antes que ela se levantasse. — Receio que devo deixá-la agora.
Vamos nos encontrar na longa galeria às treze?
Portia observou sua figura rígida desaparecer, agradecida pela
mulher ter sumido. Não importava o assunto que ela começasse
com a viscondessa, sempre parecia estranho e hostil. Ela sentia
uma simpatia genuína pelo cunhado, sem mencionar as três irmãs
que precisariam viver de sua recompensa quando Lady Pendleton
acabou se tornando a senhora de Thurlstone.
Portia tomou o café da manhã e leu o jornal. Quando terminou
de comer, chegou a hora de seguir para a longa galeria, onde
examinaria os retratos dos Harringtons já mortos há muito tempo
enquanto aguardava. A galeria havia sido projetada para deixar
visitantes e descendentes de boca aberta. O sol filtrava-se através
do vitral de enormes janelas com vidros altos, que permitiam a luz
natural iluminar a sala, mas não o suficiente para danificar as
preciosas pinturas que cobriam cada centímetro das paredes com
painéis de madeira. Portia crescera em Roma, onde edifícios muito
maiores do que esse eram comuns quando os ancestrais dos
Harrington ainda se pintavam de azul e duelavam com galhos.
Mesmo assim, uma coisa era ver essa opulência em um ambiente
público, e outra era perceber que se casara com ela.
Portia estava examinando um par de meninas jovens vestidas à
moda do início do século XVII, quando ouviu passos atrás dela.
Ela se virou e encontrou Frances e deu um sorriso genuíno para
a cunhada.
— Que agradável surpresa — Portia apontou para as meninas
idênticas. — Sabe quem são essas jovens senhoritas?
— Essas eram as irmãs gêmeas de Charles Harrington, o quinto
conde. Eu acredito que os nomes delas eram Constance e Faith,
dois nomes de família, elas nunca se casaram — ela acrescentou.
— Vou te encontrar o livro que meu tio-avô James Harrington
escreveu sobre a história da família — ela sorriu com carinho. — Ele
ainda era vivo e morava aqui quando eu era uma garota. Ele nunca
se casou e passou a vida inteira na ala leste. Depois que morreu,
encontramos centenas de pacotes com folhas e todos os livros em
que havia trabalhado durante sua vida, mas nunca mostrou para
ninguém. Eu mandei seu livro sobre a família para ser encadernado
— suas bochechas pálidas estavam vermelhas, como se estivesse
envergonhada por seu entusiasmo com o assunto. — Vim saber se
queria ir ver a pérgula. Não é a melhor época para vê-la, mas a
folhagem estará bonita.
— Poderíamos ir um pouco mais tarde? Vou encontrar com a
Lady Rowena em alguns minutos para um passeio pelo castelo.
A boca de Frances se apertou ao som do nome da cunhada.
— Acho que só viu a asa em que está hospedada e essa
adição?
— Quando ela foi adicionada? — Portia olhou para o teto alto e
as vigas ornamentadas.
— Isso é gótico tardio, acredito que em 1537. A parte mais
antiga da construção remonta ao século XVII e à frente há ruínas
que descem para o penhasco mais próximo do mar. Essa coleção
de alvenaria tombada é o que resta do reduto saxão.
O som de palmas fez Portia pular.
— Bravo, Frances — a voz de Rowena veio do outro lado do
corredor. — Você é realmente uma especialista nesta casa e em
tudo relacionado aos Harringtons. Eu acredito que deve conhecer
todos os segredos da família — o sorriso de Rowena era zombeteiro
quando ela se virou para Portia. — Está pronta para o nosso
passeio, Sra. Harrington? — os duros olhos verdes da viscondessa
fizeram Portia se arrepender de prometer passar mais tempo do que
o necessário em sua presença.
Ela olhou para Frances, o rosto dela parecia esculpido em pedra.
— Vamos nos encontrar depois, Frances?
— Acredito que vou acompanhá-las — falou Frances com Portia,
mas seus olhos estavam em Rowena. — Faz muito tempo desde
que eu visitei a velha ala norte. Talvez Rowena seja capaz de me
ensinar algo sobre o castelo, enquanto ela trabalha na restauração.
Rowena inclinou a cabeça.
— Como desejar.
Uma hora depois do passeio de Rowena, Portia ficou agradecida
por ter tomado um café da manhã forte. A casa era composta por
infinitos labirintos e corredores escuros, muitos dos quais cheiravam
a umidade e decadência.
— Eu perdi a contagem dos quartos — disse ela, olhando para
um terceiro conjunto de apartamentos da propriedade. Esta foi
ocupada pela rainha Elizabeth por duas semanas em 1559 com seu
suposto amante Robert Dudley, ficando a apenas duas portas de
distância.
— Temos uns trinta quartos considerados ser uma “casa
calendário” — disse Frances, franzindo a testa enquanto examinava
o canto de uma tapeçaria podre que ficava atrás da cama onde
Elizabeth dormiu.
— Casa calendário?
— Sim, como Knole House, em Kent, ou a sede da família do
duque de Plimpton, Whitcomb House, uma casa que tem um
cômodo para cada dia do ano.
— Sinto que já passei por tantos — murmurou Portia,desejando
que elas deixassem os apartamentos, que estavam deteriorados e
deprimentes, e a faziam pensar em dias melhores.
— Podemos terminar o passeio na galeria do menestrel. De lá, é
conveniente voltar para a casa principal pela ala leste — disse
Rowena por cima do ombro enquanto as conduzia por um corredor
particularmente úmido, que dava para uma rotunda espetacular do
tamanho de um grande salão de baile.
— Que adorável — Portia respirou. A sala esférica tinha um piso
em preto e branco estonteante e intrincado e uma varanda
ornamentada que envolvia as paredes cerca de três quartos do
caminho até o teto. Uma enorme rosácea iluminava a sala como um
candelabro em chamas. Ela podia imaginar a cena: os menestréis
formavam um semicírculo na varanda e brincavam com seus ricos e
poderosos patronos abaixo. Os convidados dançavam quadrilhas e
voltas enquanto os músicos observavam seus pecadilhos e
maquinações de longe.
— Oh não, olhe isso, Frances — uma emoção pulsou na voz da
viscondessa enquanto examinava uma das janelas de batente que
davam para o jardim de laço. Portia pôde ver vários vidros
quebrados. Enquanto as duas mulheres examinavam as janelas,
Portia subiu para olhar a galeria do menestrel. Ao subir as escadas
estreitas e precárias, percebeu que seria uma caminhada desumana
para aqueles que carregavam instrumentos pesados. Quando
chegou à varanda, viu restos de tapeçarias outrora espetaculares
penduradas nas paredes, escondendo recantos de armazenamento
cortados na parede de pedra. Não havia pianos naquela época, mas
talvez ainda houvesse uma espineta ou um virginal. Ela só havia
dado cinco ou seis passos quando um grito de gelar o sangue a
deteve.
Capítulo Vinte e Seis

— P ! Essa seção da varanda está


extremamente instável.
Portia congelou, o coração na boca.
Frances virou-se para Rowena.
— O que aconteceu com a barricada que Thompson montou no
ano passado? — ela não esperou a resposta de Rowena antes de
correr em direção às escadas.
— Apenas fique onde está e não se mexa. Esse poste ao seu
lado está apodrecido, então não toque nele. Agora, se olhar para
baixo, verá algumas ripas quebradas sob seus pés.
Portia olhou para baixo e depois desejou que não tivesse. Não
estava longe do chão, mas ela ficou estonteada só de olhar para o
buraco aberto embaixo dos seus pés. Como ela não se deu conta
daquilo? Havia dezenas de aberturas, algumas do tamanho de uma
melancia, lugares onde o parquet decorativo se partira e caíra,
expondo as vigas enegrecidas abaixo em ar livre.
— Consegue alcançar essa seção perto da parede? — Frances
apontou para o local que ela quis dizer, ela subiu as escadas,
parando há alguns degraus da varanda.
O chão em frente a Portia parecia o pior, mas logo em seguida
pareceu sólido, então ela assentiu.
— Eu posso alcançá-lo se der um passo largo.
Frances levantou a mão.
— Não faça isso — ela olhou para Rowena. — Chame
Thompson e diga para ele trazer a escada mais alta, um bom
pedaço de corda e dois criados, os maiores. Depressa, Rowena! —
ela se virou para Portia. — Fique o mais imóvel possível, ela voltará
em breve e nós a removeremos pela escada.
Elas ouviram os passos de Rowena retrocederem até que não
ouviram mais nada.
Portia não poderia se mexer mesmo se quisesse, seu corpo
estava paralisado de medo. Ela poderia se safar da queda com
apenas alguns ossos quebrados, mas isso poderia matar seu bebê.
Ela engoliu em seco e exalou lentamente.
— Diga-me algo para me distrair, Frances. Diga-me como foi
crescer aqui.
— Nossa mãe foi maravilhosa. Ela era louca por cavalos e nos
ensinou a montar basicamente antes que pudéssemos andar. Foi
assim que ela fora criada e frequentemente ela discutia com nosso
pai sobre nos deixar percorrer a propriedade sem um cavalariço —
Frances sorriu. — Ela era a única pessoa que discutia com ele.
Mesmo com o medo a consumindo, Portia sentia muito pela
aparência abatida de Frances.
— Eu nunca tive uma temporada — ela deu uma breve e infeliz
risada. — Quem prestaria atenção em uma mulher do meu
tamanho? Então, quando chegou a oportunidade de ir embora com
Stacy, aproveitei a chance de criá-lo como um filho. Às vezes não
era fácil, e meu coração sangrava ao ver outras crianças se
esquivando ou provocando-o. Ele sempre foi forte e alegre, mas eu
sabia que ele sofria. Preocupei-me que uma parte dele tivesse
morrido quando ouviu Penélope chamá-lo de aberração enquanto
fofocava com as amigas.
Algo estranho cintilou em seu rosto.
— O que papai fez foi errado, mais que errado, foi criminoso,
mas quero que entenda que nenhuma de nós tivemos escolha.
Constance e Mary deveriam ter tido a chance de encontrar maridos,
mas elas eram necessárias aqui para criar Robert — ela levantou os
ombros, encolhendo-os sob os fardos pesados e antigos. — Nunca
perdoarei papai por rejeitar seu próprio filho, mas não posso me
arrepender da minha vida com Stacy. Ele é meu irmão, mas eu o
amo como meu próprio filho.
Portia entendia algo sobre amor que Frances sentia, agora que
estava a cinco metros acima de um piso de mármore, sua mente
concentrada em apenas uma coisa: salvar a vida que estava
crescendo dentro dela.
— Ele também te ama, Frances. Eu sei que ele vai...
Um gemido baixo e ameaçador vibrou através das tábuas
apodrecidas abaixo dela e ela gritou, alcançando a balaustrada por
reflexo.
— Portia! Não...
A estrutura abaixo dela estremeceu lentamente e o estalar de
estilhaços de madeira preencheu o ar. O calcanhar do pé direito
inclinou-se para trás e Portia cambaleou, a grade quebrando como
um galho seco, enquanto o parquete por baixo dos seus pés
desaparecia.
Mais tarde, quando ela tentaria se lembrar do que aconteceu,
Portia não conseguiria se lembrar de Frances agarrando seu braço.
Ela deve ter se movido como um raio para subir as escadas em
ruínas enquanto a varanda se desintegrava sob os pés de Portia.
Frances agarrou seus braços com punho de ferro e as duas
escorregaram e caíram sobre os degraus que se desfaziam antes
de parar abruptamente no terceiro degrau. A parada foi estridente e
Portia mordeu a língua e sua boca encheu de sangue.
Acima delas, a varanda gritava como uma criança rebelde e
depois se afastou da parede com a lentidão ponderosa de um
gigante.
Portia pressionou o corpo contra a parede, mas derrapou mais
alguns degraus enquanto as escadas se afastavam da parede.
Frances tentou mantê-la na posição vertical, mas ambas
escorregaram e cambalearam como bêbadas quando degrau por
degrau desabava abaixo delas.
Os pés de Portia atingiram o mármore com outro baque
estridente e Frances caiu para trás, puxando Portia para cima dela.
O grito ensurdecedor de madeira retorcida que encheu o salão
foi seguido por um momento de silêncio ameaçador enquanto a
varanda oscilava quase que graciosamente.
E então quatrocentos anos de madeira, pedra e ferro colidiram
contra o mármore implacável. Gesso, poeira e madeira pulverizada
ergueram-se do chão como uma tempestade de neve imunda. Um
poste novo e resistente bateu no chão, ricocheteou alto no ar e
atingiu a parede a menos de um pé da sua cabeça, enviando lascas
de gesso para todos os lados. Portia e Frances gritaram e cobriram
suas cabeças enquanto restos ricocheteavam em torno delas como
artilharia.
O salão ficou em silêncio quase tão repentinamente quanto
quando explodiu e Portia forçou os olhos a abrirem, uma espessa
nuvem de pó fina obscureceu a sala, agarrando-se nos seus cílios e
tapando suas narinas. Ela colocou a mão sobre a boca e abanou o
rosto com a outra, como se isso pudesse dissipar a névoa.
— Portia? Frances?
Era a voz de Stacy, ou pelo menos Portia pensava que era. Sua
cabeça estava com um ruído tão alto que era um milagre que ela
pudesse ouvir alguma coisa.
— Estamos aqui — Frances chamou em uma voz bruta.
— Fiquem onde estão, vou me aproximar.
Pareceu uma eternidade, mas provavelmente durou cerca de um
minuto antes que a poeira abaixasse e revelasse um rosto pálido e
amado.
Ele caiu ao lado dela e Portia não se segurou, soluçando seu
nome.
— Stacy!
Seus braços a envolveram com tanta força que ela deu um
gemido. Eles ainda estavam abraçados quando os homens que
Rowena fora buscar chegaram e começaram a abrir portas e janelas
para dissipar a poeira sufocante.
Além de alguns machucados e tremores que ela mal conseguia
segurar, Portia parecia ilesa.
Stacy moldou seu corpo trêmulo no dela e acariciou seus
cabelos.
— Xiuuu, querida, está tudo bem. Estou com você.
— Frances — Portia começou, desesperada para contar ao
marido como a irmã salvara a vida do filho deles.
— Estou aqui, Portia.
Portia se afastou de Stacy apenas o suficiente para agarrar o
ombro de Frances e puxá-la em direção ao irmão. E então os três
entraram em colapso enquanto ela chorava, desta vez aliviada.

Naquela noite, Portia decidiu jantar no quarto, não que Stacy


tivesse permitido qualquer outra coisa. E Robert, que era quase tão
severo quanto seu irmão, insistiu em chamar um médico para ver
Portia.
— Está indo muito bem, Sra. Harrington, assim como seu bebê.
Mas descanso nunca é demais, principalmente para uma mulher na
sua condição.
— Quanto tempo ela deve ficar na cama? — os braços de Stacy
estavam cruzados sobre o peito.
O médico olhou de Stacy para Portia e franziu a testa, sem saber
qual deles agradar.
— Ela está fisicamente ilesa e muito saudável. Então, a menos
que ela mostre algum sinal de choque, acho que ela ficará bem
depois de uma boa noite de sono.
Portia viu que o marido não se importava com aquele conselho.
— Eu ainda quero que a veja novamente amanhã.
— Mas Stacy... — ela não conseguia ver os olhos dele, mas seu
maxilar se contraiu e sua expressão estava impiedosa. Portia fechou
a boca com um estalo.
— Eu acho que é uma excelente ideia — o médico concordou
nervosamente.
— Obrigado, doutor — Stacy acompanhou-o até a porta e
fechou-a atrás dele. Quando ele se virou, ele balançou a cabeça.
— Mas que inferno, Portia.
Portia ergueu as sobrancelhas para o linguajar dele que
geralmente era cavalheiresco e adequado, a menos que estivessem
na cama. Stacy passou as mãos pelos cabelos desgrenhados, o
movimento deslocando uma nuvem de poeira. Ele tirou os óculos
sujos e os jogou sobre a mesa de cabeceira antes de agarrar seus
ombros, pairando sobre ela, sua expressão selvagem.
— Está tentando me colocar em um hospício?
Portia ficou boquiaberta.
— Certamente não acha que eu destruí a galeria de menestréis
da sua família de propósito?
Ele riu fracamente.
— Não, mas estou começando a acreditar que é amaldiçoada,
Sra. Harrington.
— Não é o único — ela respondeu, e então olhou para os olhos
agoniados dele e cedeu. Levou a mão dele aos lábios e beijou a
palma da mão empoeirada antes de colocá-la na bochecha e se
apoiar no seu calor. Fechou os olhos e se deleitou em seu toque.
— Talvez eu deva ficar na cama até o bebê nascer. Pode ficar
comigo e garantir que eu evite situações perigosas.
— Mas nesse caso estaria correndo perigo de exaustão física —
ele se inclinou para beijá-la profundamente. — Um de nós deve
aparecer no jantar e suponho que deva ser eu. É melhor eu ir e
começar o processo de banho. Ouso dizer que serão necessárias
meia dúzia de banheiras antes que eu esteja limpo — ele deu um
tapa na pele de camurça e fez uma nuvem cinza. — Daisy está
cuidando do seu jantar e ficará ao seu lado, tente não fazer nada
perigoso.
— Ra! — Portia jogou um travesseiro nele enquanto ele
caminhava em direção à porta de conexão. Depois que ele se foi,
ela suspirou sonolenta. Ela duvidava que ficaria acordada até o
jantar chegar.

Surpreendentemente, Portia dormiu até a manhã seguinte,


acordando apenas alguns instantes antes de Stacy dizer que estava
indo dar uma volta cedo com Robert.
— Acho que gostava muito mais quando você dormia até dez
horas todos os dias e saía à meia-noite — ela resmungou.
— Hmmm — ele beijou sua bochecha e enfiou a mão por baixo
das cobertas, acariciando a primeira coisa que encontrou, que por
acaso era um dos seios dela. A mão dele parecia divina e ela ficou
subitamente acordada. Ela arqueou em direção a ele.
Ele riu.
— Precisa descansar e eu preciso de uma boa e dura montaria
depois de ontem, no Geist — ele qualificou quando viu sua
expressão ansiosa.
Portia abriu a boca para discutir, mas um bocejo saiu.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Viu? — ele beliscou o mamilo dela e se foi.
A próxima vez que Portia acordou encontrou uma xícara de
chocolate quente ao lado da sua cama e Daisy supervisionando seu
banho. Ela tomou um gole de chocolate e entrou no adorável
ressinto de mármore.
— Leu minha mente, Daisy.
— Não, senhora, foi o Sr. Harrington quem mandou o banho e o
chocolate. Ele disse que eu deveria ter a senhora na sala de café da
manhã ao meio-dia — ela deu um pequeno sorriso para Portia,
como se ela achasse que um marido que mandasse na sua esposa
fosse algo encantador. Portia também achava neste caso. Ela temia
que ele tentasse fazê-la permanecer na cama pelo resto da visita.
Quando chegou na sala de café da manhã, havia pelo menos
uma dúzia de pessoas, Stacy entre elas. Ele se levantou e a levou a
um lugar vago enquanto lorde Pendleton fazia apresentações a
todas as pessoas que chegaram no dia anterior enquanto Portia
descansava em seu quarto.
Ela disse as palavras apropriadas, sorriu e garantiu a todos que
estava bem. Teria preferido responder a todas as perguntas e
encontrar todos os convidados depois de tomar café, mas não era
para ser assim. Uma coisa no grupo de pessoas a surpreendeu
bastante, nenhum deles parecia achar estranho que um filho adulto
e sua esposa tivessem aparecido magicamente em Thurlstone. Se
achavam estranho, eram educados demais para mencionar ou ficar
encarando.
Portia tinha acabado de adquirir sua primeira xícara e tomou um
longo gole quando Rowena entrou na sala, os olhos varrendo a
mesa antes de se estabelecer nela. Portia gemeu interiormente, e
agora?
— Como está nessa manhã, Sra. Harrington? — seus olhos
desconcertantes franziram em solicitude, mas a expressão neles era
tão dura quanto as ágatas com que se pareciam.
— Estou bem, minha senhora — ela mudou de assunto. — Lorde
Pendleton estava prestes a compartilhar os planos que fez para o
nosso entretenimento — Portia voltou-se para Robert.
— Temos um almoço ao ar livre preparado para nossa viagem ao
Templo da Música, na propriedade do nosso vizinho, Hillcombe
Park.
— Oh lorde Pendleton, quão perverso é — brincou uma mulher
chamada Srta. Creasy. Ela era uma das recém-chegadas, uma
garota bonita com cabelos cor de mel que estava deixando bastante
evidente seu interesse por Robert.
Mas Robert apenas sorriu friamente e virou-se para Portia.
— A Srta. Creasy está se referindo à história de Hillcombe Park,
é claro. Um dos antigos donos de Hillcombe era muito amigo do
infame Sir Francis Dashwood, fundador do Clube do Inferno. Lorde
Bishop fez uma homenagem a Dashwood em sua propriedade.
A conversa ficou barulhenta depois disso, pois todos disputavam
compartilhar seus conhecimentos sobre os assuntos tabus de orgias
e rituais satânicos. Um prato de presunto e ovos apareceu
misteriosamente diante dela e ela olhou para cima e encontrou as
sobrancelhas do marido erguidas em desafio.
— Obrigada, Stacy.
Ele deu a ela o sorriso leve e sensual que a deixava louca, e a
fez ficar dolorosamente agradecida por terem superado suas
diferenças. Nunca mais, ela prometeu a si mesma. Nunca mais ela
colocaria seu temperamento terrível entre eles.
Stacy se inclinou para mais perto enquanto pegava uma garfada
da sua comida.
— Talvez este seja um apetite seu que eu possa realmente
saciar.
Portia quase se engasgou e teve que tomar um gole de café. Ela
olhou para cima e viu Robert assistindo sua interação íntima com
uma expressão de inveja e anseio. Portia lançou um olhar para
Rowena, a loira fria observava o marido com um sorriso divertido e
zombador.
Portia parecia uma atriz de uma farsa francesa.
O jovem do outro lado de Portia fez uma pergunta e ela desviou
dos seus olhos perturbadores.

O grupo que se reuniu para o piquenique era barulhento, alegre


e muito maior do que Portia estava esperando. Muitos dos hóspedes
haviam tomado café da manhã em seus quartos e só agora se
dirigiam até o pórtico, onde as carruagens aguardavam aqueles que
não desejavam caminhar até o local do piquenique.
Stacy e Portia estavam em uma discussão acalorada sobre a
presença dela em uma das carruagens quando ele parou no meio
da frase e olhou para algo por cima do ombro dela, seu queixo
caído.
— Kitty? — sua voz era aguda e nada natural.
Portia se virou e encontrou uma das mulheres mais bonitas que
já tinha visto.
— Stacy?
Eles ficaram extasiados, como se apenas os dois existissem.
Stacy emergiu do seu choque, voltando-se para Portia como se só
agora tivesse se lembrado da sua presença. Suas bochechas
pálidas ficaram vermelhas, enfurecidas e desconfiado.
— Portia... — ele começou, riu fracamente e depois voltou-se
para a outra mulher. — Portia, esta é a Sra. Katherine Charring.
Kitty, esta é minha esposa, Sra. Harrington.
A mulher desviou o olhar de Stacy com esforço óbvio e deu a
Portia um sorriso nervoso.
— É um prazer conhecê-la.
— Igualmente — foi tudo o que ela conseguiu emitir entre lábios
rígidos. Mas ela poderia muito bem não ter falado nada, pois a linda
mulher e o marido só tinham olhos um para o outro. A mulher olhou
para Stacy com claro afeto, como se ele fosse seu salvador. E
Stacy? Bem, ele estava olhando para a adorável estranha como se
não conseguisse o suficiente.
A familiar sensação de ciúme estridente começou a esquentar
sua cabeça e ela sabia que tinha que fugir naquele momento. Ela
precisava de privacidade para se acalmar.
Colando um sorriso alegre no rosto, disse:
— Se me der licença, acredito que vou ver se há espaço em uma
das carruagens.
Suas palavras colocaram Stacy em ação.
— Espere Portia...
Robert deu a volta na lateral da casa, mal parando a tempo de
evitar uma colisão. Ele sorriu para Portia e a firmou com as mãos
sobre seus ombros.
— Ah, a mulher que eu estava procurando. Sua carruagem
aguarda, senhora — ele olhou para onde Stacy estava com sua
amiga linda e misteriosa, e então cada pigmento de cor
desapareceu do seu rosto e ele cambaleou para trás, sua mão
procurando cegamente a parede. Por um momento, Portia pensou
que ele fosse desmaiar.
A Sra. Charring agarrou Stacy, que deslizou um braço em torno
do seu corpo esbelto com uma familiaridade que provocou um
arrepio em Portia.
— Está tudo bem, Kitty?
Kitty. Sim, a mulher tinha um lábio superior longo feito o de um
felino, embora estivesse comprimido, em choque, naquele
momento. Estava claro para Portia que Kitty não estava bem. Mas
ela pareceu se lembrar e piscou rapidamente enquanto se afastava
de Stacy.
— Sim, sim, claro, eu estou bem — ela olhou para Stacy. Algo,
Portia não sabia o que, passou entre os dois antes de Stacy se virar
para o irmão.
— Essa é Katherine Charring, Robert. Ela é de Plymouth. Kitty,
este é meu irmão, Visconde Pendleton.
Os lábios perfeitos, cor de rosa coral da Sra. Charring se
abriram, mas nenhum som saiu deles. Mais uma vez, ela balançou
assustadoramente. Mais uma vez, o braço de Stacy a envolveu,
mas desta vez ele permaneceu lá.
Robert avançou, seu rosto sua máscara habitual de charme e
educação.
— Sra. Charring, é um prazer conhecê-la.
— Lorde Pendleton — ela murmurou.
Portia não conseguia desviar o olhar do trio que esqueceu sua
existência, pois estavam paralisados observando um ao outro.
Que, diabos, estava acontecendo?
Capítulo Vinte e Sete

P de relance para o perfil tenso do cunhado.


— Obrigada por me trazer, sinto muito que vá perder o que deve
ser um passeio prazeroso.
Ele fez um som suave e os cavalos baios agitados saltaram para
frente.
— Já fiz esse passeio centenas de vezes, mas nunca andei de
carruagem com a minha encantadora cunhada.
— Que lábia doce tem, milorde.
— Deve me chamar de Robert, caso contrário eu não posso te
chamar de Portia — ele a lembrou. — E eu amo o som do seu nome
na minha lábia doce — ele lançou um de seus sorrisos
encantadores, sua máscara firmemente no lugar.
— Temos muito caminho pela frente ainda? — Portia perguntou.
Talvez se ela falasse, não teria que pensar na cena bizarra que
acontecera momentos atrás. A última vez que vira Stacy, ele estava
andando alguns passos atrás dos outros, a cabeça inclinada para
perto da linda Katherine Charring.
— Não é muito longe a pé, mas seguiremos uma rota um pouco
mais longa, mais bonita do que a estrada mais direta.
Portia tentou pensar em algo para dizer, alguma cordialidade,
mas não encontrou nada. Em vez disso, ela o viu lidar com as
rédeas, suas mãos competentes e elegantes em suas luvas
bronzeadas.
— O que está achando de Thurlstone até agora, Portia?
— É fascinante e extraordinário — assim como as pessoas que a
ocupam, sem mencionar alguns dos convidados.
— Lamento muito que tenha passado por algumas experiências
perigosas na sua breve passagem. Espero que isso não lhe impeça
de visitar novamente.
Ela sabia que Robert estava falando sobre a bala perdida e o
colapso da varanda, mas o único perigo que ela conseguia pensar
naquele momento era um cabelo ruivo e olhos verdes. Ela tentou
engolir o ciúme que ameaçava sufocá-la.
— Portia?
Robert estava olhando para ela, a testa franzida.
— Não se sente bem?
O riso histérico juntou-se ao ciúme furioso e levou todo o seu
autocontrole. Em vez disso, ela sorriu.
— Estou apenas um pouco cansada — Portia ainda estava
lutando por algo a dizer quando Robert falou.
— Conhece a Sra. Charring há muito tempo?
— Eu a conheci alguns momentos antes de você.
Suas mãos apertaram as rédeas.
— Ah, entendo. Stacy parecia conhecê-la.
— Sim, ele conhece.
Um músculo em sua mandíbula se contraiu.
— Sabe como eles se conheceram?
— Não, eu não sei. Mas certamente Lady Pendleton deve tê-la
convidado, então ela deve conhecê-la, talvez?
Seus lábios se contorceram em um sorriso que enviou um
calafrio pelo seu corpo.
— Oh sim, minha esposa certamente a conhece.
Portia esperou por mais, mas ele permaneceu frustrantemente
em silêncio e ela mudou do assunto desconfortável.
— Será difícil encontrar artesãos para consertar a galeria do
menestrel? — ela perguntou, mantendo a conversa pelo restante do
passeio centrada no assunto seguro de manter: a construção antiga.
Quando chegaram a estrada de Hillcombe Park, viram várias
outras carruagens já estacionadas à beira. Robert virou os cavalos
para um cavalariço e ajudou Portia a se levantar.
— Receio que seja tudo a pé daqui. Está preparada para essa
tarefa?
— Estou pronta para a caminhada. Também estou, devo
confessar envergonhadamente, com muita fome de novo.
— Bem, é seu dia de sorte pois um banquete a espera — ele a
conduziu em direção a um caminho estreito e escalonado. — O lago
tem a forma de um cisne, mais uma homenagem ao West Wycombe
Park em Buckinghamshire — disse ele.
— Os donos não se importam de nós invadirmos?
— Sempre fomos vizinhos amigáveis, embora as relações
tenham sido escassas nos últimos anos, pois a família raramente
está aqui. O novo lorde Bishop tem mais ou menos a minha idade e
nos conhecemos um pouco em Eton. Meu pai era contemporâneo
do seu avô e os dois brigaram em mais de uma ocasião. Mesmo
assim, sempre aproveitamos as propriedades um do outro.
O parque era espetacular, mesmo que fosse bastante
negligenciado. Eles seguiram a trilha em um silêncio agradável,
passando por um pequeno lago, cercado por bancos de pedra,
enormes peixes dourados e uma gruta de aparência antiga.
Quando Portia comentou sobre a estrutura, Robert riu.
— Provavelmente não é muito mais velho do que eu, mas o
último lorde Bishop era especialista em reproduzir a antiguidade.
O caminho serpenteava através de uma pequena clareira e do
outro lado ficavam as margens do pitoresco lago. Os convidados
passeavam perto de um pavilhão de tamanho generoso, com
cadeiras de aparência confortável, toldos coloridos e comida
suficiente para alimentar dez vezes a multidão. Portia não conseguia
ver o marido. Ou Katherine Charring. Um desamparo e uma fúria
surgiram dentro dela, mas as reprimiu.
Prometeu pensar antes de se tornar excessivamente emocional,
lembrou a voz interior.
Prometi isso para ele, que não está facilitando para que eu
cumpra essa promessa.
Lembre-se da última vez em que se enganou, há apenas
algumas semanas.
Portia rangeu os dentes. Estou tentando. E ela estava, não
conseguia se lembrar de se esforçar tanto para conter seu
temperamento. Nunca. Mas ele merecia o benefício da dúvida.
— Vamos pegar algo para que coma antes que expire de fome
— brincou Robert, invadindo seus pensamentos irritantes.
— Está descansada, Sra. Harrington, ou meu marido está te
deixando exausta?
Portia virou-se e viu que Rowena havia aparecido atrás deles,
seu sorriso malicioso.
— Estou bastante descansada, obrigada. A exibição está linda
— não que Portia pudesse se divertir com aquilo.
— Realmente deve experimentar a mousse de fígado e o nosso
próprio presunto, em fatias finas. É muito superior ao que é
oferecido em Vauxhall Gardens.
Um jovem casal se aproximou.
— Onde devemos montar o croqué, minha senhora?
— Vou deixá-la sob os cuidados do meu marido — Rowena
lançou um olhar demorado para Portia antes de se voltar para o
jovem.
Portia deu um suspiro de alívio, ela não estava com disposição
para lidar com os comentários oblíquos de Rowena naquele
momento.
Robert lançou um olhar frio e especulativo às costas da sua
esposa antes de se virar para Portia e sorrir.
— Por que não se senta enquanto eu a sirvo?
Portia não hesitou e ele a deixou em uma cadeira sob um dos
toldos listrados, sua mente acelerando até que ele retornou pouco
tempo depois com um prato lotado.
Portia riu.
— Planeja compartilhar isso comigo, espero?
— Guarde um pouco para mim, voltarei em breve. Vou procurar
Stacy e dizer que chegou — ele saiu sem esperar por uma resposta.
Isso também era bom porque Portia não queria pensar em seu
marido e no que ele estava fazendo, ou com quem ele estava
fazendo. Em vez disso, ela atacou seu prato e observou Rowena
ordenar aos jovens convidados como se ela fosse um marechal de
campo com tropas mal treinadas. Ela devorou toda a montanha de
comida e estava terminando um pedaço de queijo cremoso quando
Rowena voltou.
— Gostou do presunto?
— Gostei muito — ela apontou para o prato vazio.
Rowena olhou em volta.
— Para onde Robert foi?
— Foi procurar Stacy.
— Ah, ele deveria ter me perguntado. Vi seu marido indo na
direção da capela gótica com a Sra. Charring, eles parecem grandes
amigos.
Portia queimava para perguntar à viscondessa quem era a linda
Katherine Charring e porque a havia convidado, mas por alguma
estranha razão, ela sentiu que a mulher iria gostar daquilo. Então,
em vez disso, desviou dos olhos sondadores da cunhada para os
jogadores de croqué, e sentiu, em vez de ver, Rowena se afastar.
Suas pálpebras ficaram pesadas e ela logo sucumbiu à demanda
de descanso do seu corpo e fechou os olhos. As vozes se tornaram
um zumbido e ela cochilou um tipo de cochilo sem sonhos que não
tinha desde criança. Seus membros estavam imóveis e pesados
como chumbo, mas sua mente estava estranhamente leve e
flutuava logo acima do seu corpo. Ela estava começando a afundar
ainda mais no sono quando uma guinada feminina estridente a
acordou.
Seu cérebro lento levou um momento para separar a realidade
do sonho. As nuvens estavam cobrindo o sol e Portia não conseguia
dizer quanto tempo dormiu. Não deve ter sido muito, pois os
jogadores de croqué ainda não haviam terminado o jogo. Ela se
levantou do conforto da sua espreguiçadeira e foi até o bufê, onde
um lacaio estava pronto para servir.
— Sabe que horas são?
— São duas e meia, senhora.
Então dormiu não mais que trinta minutos. Vasculhou os grupos,
incapaz de encontrar Robert, Rowena, Stacy ou a Sra. Charring.
— Viu Lorde Pendleton? — perguntou ao lacaio.
— Acredito que ele foi em direção à capela.
Para onde Stacy e Kitty haviam ido, segundo Rowena.
— É muito longe?
— Talvez uns quinze minutos de caminhada.
— Vou até a capela, se alguém perguntar por mim.
— Claro, Sra. Harrington.
Enquanto Portia caminhava em direção ao grupo de árvores, não
pôde deixar de se perguntar por que estava indo atrás de Stacy e da
bela ruiva. Sabia o que Rowena estava tentando insinuar com seu
sorriso malicioso e não pôde deixar de se perguntar por que Stacy
não tinha simplesmente lhe dito como ele conhecera a Sra.
Charring.
Acabou de prometer para ele que não tiraria conclusões
precipitadas, o lado racional dela acusou mais uma vez.
Não estou tirando conclusões precipitadas, nem preciso dar um
passo na direção delas, pois estão vindo na minha direção. Além
disso, não perdi meu temperamento.
Sua discussão mental continuou quando Portia entrou nas
árvores. Seguiu o caminho por talvez cinco ou dez minutos antes de
chegar a uma grande clareira. No extremo oposto, havia uma
pequena igreja gótica ornamentada que parecia ter crescido nas
margens da colina atrás dela. O ar estava pesado e imóvel e os
detritos entulhavam o pátio em frente à capela. As ervas daninhas
estavam grandes e ocupavam todas as juntas, fendas e aberturas
entre as pedras.
Deve ter havido portas duplas na capela em algum momento,
mas as duas se foram e alguém até arrancou as dobradiças do
muro de pedra. A abertura irregular lembrava uma boca com dentes
afiados e quebrados e, além dos tijolos, havia um buraco escuro.
Nada no mundo teria atraído Portia para a escuridão sem fim.
Nada, exceto o som da voz do marido.
— Xiuuu, querida, não chore — Stacy deve estar a alguma
distância dentro da antiga capela, pois mal conseguia ouvi-lo.
Portia abriu a boca para chamá-lo e depois congelou quando
uma voz respondeu:
— Sinto muito, Stacy. É simplesmente... muito horrível.
— As coisas nunca são tão ruins quanto parecem, minha querida
Kitty — sua voz era terna e o carinho era como ácido no coração de
Portia. Ela sabia que deveria correr na direção oposta o mais rápido
que as pernas conseguiriam. Em vez disso, ela deu outro passo na
escuridão.
— O que eu vou fazer? — a voz de Katherine Charring palpitava
de dor.
— Vamos pensar em algo.
O pé de Portia acertou um pedaço de pedra e ela tropeçou,
agitando-se na escuridão. Ela segurou forte contra a parede áspera,
e conseguiu evitar a queda.
— O que foi isso? — A voz da Sra. Charring ficou subitamente
muito alta.
— Provavelmente é algum animal — assegurou Stacy.
Se ao menos você soubesse.
Portia permaneceu onde estava, não disposta a arriscar ser
descoberta ou se ferir por continuar andando. Além disso, ela
conseguia ouvir claramente de onde estava.
Um som de uma pessoa fungando preencheu o ambiente.
— Eu achei que tivesse esmagado meu amor e estava de bem
com a minha vida, mas agora vejo que estava mentindo para mim
mesma.
— Minha pobre querida, vem aqui — era a mesma voz
reconfortante que ele costumava usar com Portia e a longa pausa
só podia significar que eles estavam se abraçando. E talvez se
beijando.
Ela engoliu com tanta força que ficou surpresa que eles não
ouviram.
Eles estão distraídos, a única coisa que eles ouvem é um ao
outro.
Portia fechou os olhos, como se isso de alguma forma parasse a
voz na sua cabeça.
— Não há nada que possa ser feito agora, receio. Deve saber
que um divórcio está fora de questão.
Divórcio? Ele queria um divórcio? Portia mal podia ouvir o som
suave do choro acima do rugido em seus ouvidos.
— Oh, Stacy, eu pensei que tinha superado tudo isso, mas vir
aqui fez com que meu coração se partisse novamente... — o som de
soluços suaves encheu o ar e levou um longo momento antes que a
mulher pudesse se controlar e continuar.
— Eu sei que te disse que não estava mais apaixonada, mas
estava mentindo, Stacy.
— Xiuuu, querida. Deus, como eu queria que tivesse me contado
tudo isso há muito tempo. Se quiser ir embora hoje, eu a levarei de
volta para Plymouth. Mas quero contar a verdade para Portia antes
de ir e...
— Não! Por favor, não, Stacy, eu odiaria que ela soubesse de
tudo. Não é como se pudéssemos fazer algo a respeito, não quero
que ninguém mais saiba disso.
Portia provou o sal das próprias lágrimas e esfregou os olhos
com as costas da mão. Ela tropeçou para trás, tomada pela dor
enquanto ouvia o marido confortar uma mulher que obviamente
decidiu tarde demais que o amava.
Enquanto corria pela clareira, ela se perguntou se uma pessoa
poderia realmente ouvir o som do próprio coração se partindo.

Portia não parou de correr até sair das árvores. Ela caiu sem
fôlego contra uma pedra ao lado da trilha e apertou as têmporas,
como se pudesse suprimir os pensamentos horríveis.
Stacy só se casou com ela porque ela estava grávida e agora
aquela mulher, uma mulher pela qual ele claramente se importava
muito, decidiu que ela o queria. Portia estremeceu com a lembrança
da angústia em sua voz quando ele acalmava a dor da sua amante.
Agonia, medo e ciúme reviraram dentro dela e sua fúria
aumentou. Ela cobriu a boca, não podia ficar enjoada agora, isso
apenas chamaria atenção indesejada. Cravou as unhas nas palmas
das mãos até que a dor a distraísse. Quando abriu as mãos, suas
luvas estavam ensanguentadas. Ela ainda estava olhando para as
palmas abertas quando ouviu seu nome sendo chamado e olhou
para cima.
Robert estava vindo da direção do casal no seu encontro
amoroso. Por Deus! Ele tinha...
— Estava dando um passeio, Portia? — seu olhar cintilou na
direção de onde ela acabara de vir e Portia soube, naquele instante,
que ele também ouvira os amantes. O sorriso que ele lançou para
ela era tenso e forçado, uma linha de tensão sob seus olhos. A
expressão neles era de pena.
— Sim, apenas um pouco — disse Portia, lutando contra um
poderoso desejo de correr sem parar. — A viscondessa estava te
procurando— ela disse distraidamente.
— Sim, ela me encontrou — ele olhou por cima do ombro dela e
seu rosto ficou tenso. — Ah, aqui estão Stacy e Sra. Charring — a
falsa alegria na voz dele era pior do que uma adaga no peito dela.
Portia procurou força para enfrentá-lo. Disse a si mesma que
isso não era o pior que já havia sofrido. Se conseguiu sobreviver a
um aborto causado por Ivo com suas próprias mãos, poderia
sobreviver a isso, e o bebê também.
Stacy sorriu, parecendo quase feliz em vê-la.
A Sra. Charring olhou de Portia para Robert, seu lindo rosto não
mostrando sinais de que estivesse chorando pouco tempo atrás.
— Encontrou a capela? — perguntou Robert.
— Sim, encontramos. É uma estrutura bastante fascinante.
Ninguém parecia ter nada a dizer, e um silêncio desconfortável
se instalou entre eles.
— Vamos voltar ao pavilhão? — Robert finalmente sugeriu.
Eles foram capazes de andar os quatro, lado a lado, enquanto
estavam fora das árvores.
Stacy colocou a mão no braço de Portia e ela olhou para ele.
— Como está se sentindo, minha querida? — seu rosto estava
gentil quando ele estendeu a mão para prender uma mecha de
cabelo atrás da orelha dela. Portia não conseguiu se afastar. Ela
lançou um olhar para a Sra. Charring. O que ela deve estar
pensando sobre o comportamento do seu amante?
Mas a outra mulher estava olhando para longe, seu rosto sem
expressão.
Portia deu um passo para trás e quebrou o contato com a mão.
— Eu já comi, cochilei e até dei uma volta.
— Isso é tudo? Nenhum jogo de croqué? — Stacy perguntou
brincando. — Estava só esperando o parceiro certo, não é?
Portia ficou enojada com a facilidade com que ele
desempenhava seu papel, quem sabia que tinha tanta duplicidade
nele?
— Vou ter que passar o croqué hoje.
Ele foi imediatamente solícito.
— Está cansada? Gostaria de voltar para Thurlstone? Tem uma
longa noite pela frente — ele olhou para o irmão. — Tenho certeza
de que Robert não se importaria se eu usasse o cabriolé dele para
levá-la de volta.
Robert, que estava encarando Kitty Charring, desviou os olhos
da bela mulher com um esforço óbvio.
— Absolutamente, Bains pode prender os cavalos em um piscar
de olhos.
A última coisa que Portia queria era voltar para o castelo sozinha
com Stacy. Isso seria um desastre, ela precisava de tempo para
controlar seu temperamento.
— Não há necessidade de sair correndo antes que tenha a
chance de comer. E deve participar do próximo jogo, pois eles estão
desesperados por sangue fresco. Vou relaxar no toldo e assistir por
um tempo — Portia se afastou rapidamente, indo para a mesma
cadeira que ela usara antes, desta vez afastando-a da mesa do
bufê. Ela não queria olhar para a comida nem para o marido. Mas
Stacy a seguiu e arrastou uma cadeira para o lado dela. Ele estava
se abaixando quando Lady Elizabeth e duas outras mulheres se
aproximaram.
— Vai jogar, Sra. Harrington?
Portia forçou mais um sorriso.
— Receio não ter energia para isso hoje.
Lady Elizabeth lutou sem sucesso para esconder seu prazer.
— Então podemos roubar seu marido? — o corpo da jovem
balançou na direção de Stacy de uma maneira que fez Portia querer
arrancar sua cabeça e bater com um martelo.
Stacy olhou da moça para Portia.
— Eu acho que talvez...
— Eu vou descansar. Não há motivo para que não jogue.
Ele parou e sorriu para Lady Elizabeth.
— Muito bem. Mas deve me permitir comer primeiro.
Ficou combinado que ele teria quinze minutos antes que eles o
recolhessem. Quando elas saíram, Stacy sentou-se ao lado dela.
— Há algo errado, Portia?
Portia olhou para o marido, um homem que ela passara a amar
com todas as fibras do seu ser. Ele fez a coisa certa quando
descobriu que estava grávida, mesmo que estivesse apaixonado por
outra mulher. Era lamentável que a Sra. Charring só tivesse
percebido seus verdadeiros sentimentos por ele quando era tarde
demais. Portia sabia que não deveria odiá-lo por quem ele amava,
uma pessoa não conseguia escolher, ela sabia disso melhor que
ninguém. Ele não a amava, mas tinha sido gentil com ela.
Claramente, estava determinado a ser um bom marido e pai,
embora seu coração pertencesse a outra. Portia só queria ficar
sozinha e chorar.
Em vez disso, ela sorriu.
— Estou bem, mas você terá problemas se não estiver pronto
para jogar quando suas admiradoras voltarem.
Stacy inclinou-se para ela.
—Sabe muito bem que só quero uma admiradora, Portia. Tem
certeza de que não deseja voltar? — sua voz era baixa e íntima e
fez o coração de Portia doer.
Como ele podia pronunciar aquelas palavras quando menos de
uma hora atrás estava segurando sua amante nos braços? Queria
dizer para ele parar de atuar. Queria fugir e se esconder onde
ninguém a encontraria. Mas não podia fazer nenhum dos dois, pelo
menos até eles deixarem Thurlstone. Esperaria para dizer a ele que
queria a separação até que voltassem para casa. Certamente ele
não desejaria o divórcio até o nascimento da criança.
Portia sorriu para ele, suas bochechas doendo.
— Tenho certeza, agora vá comer, desejo fechar os olhos por um
momento.
Parecia que ele queria discutir, mas ele se levantou e a deixou
sozinha. Ela deu uma olhada por baixo dos cílios alguns minutos
depois e viu que Rowena havia aparecido e arrastado Stacy para se
juntar a outro grupo.
Esperou até o jogo começar antes de procurar Robert. Ele
estava observando três homens competindo pela atenção de Kitty
Charring, a mulher era algum tipo de sereia.
— Detesto interromper, Robert, mas seria possível um dos
cavalariços me levar de volta a Thurlstone? — o inevitável barulho e
gritos transpiraram antes que Portia pudesse convencer todos os
envolvidos de que ela se recusava a afastar qualquer um dos foliões
da sua diversão.
— Não pode deixar seus convidados, Robert. Por favor, diga a
Stacy para onde eu fui. Odeio incomodá-lo, pois ele parece
perigosamente perto de vencer.
Portia não relaxou completamente até a carruagem começar a
descer a estrada. E depois precisou de toda sua força para não
chorar.

Quando Stacy soube que Portia tinha ido embora, era tarde
demais para alcançá-la.
— Sinto muito, meu irmão — disse Robert. — Ela não queria dar
trabalho. Ela disse que ia descansar antes do jantar e do baile.
Stacy apontou para a coleção de mulheres falantes.
— Elas querem outro jogo, pode me cobrir?
Robert deu um aperto tranquilizador no ombro.
— É claro. Se usar o mesmo atalho usado para chegar aqui,
provavelmente chegará lá exatamente na mesma hora que ela.
Stacy estava se despedindo dos jogadores quando Kitty se
aproximou.
— Está tudo bem, Stacy?
— Quero ver como Portia está. Ela não tem se sentido bem,
apesar de fazer um excelente trabalho para esconder isso.
— Vou com você, se não se importar — ela olhou
significativamente para as costas de Robert e Stacy entendeu. Eles
falaram muito pouco a caminho de Thurlstone. Stacy estava
preocupado com Portia e ele sabia que Kitty também tinha
preocupações.
Ele encontrou Daisy saindo dos aposentos de Portia.
— Ela está aí?
— Acabou de dormir, senhor. Estava exausta.
Stacy assentiu, dividido entre o desejo de ir até ela e o alívio que
seria poupado de ter que divulgar essa bagunça com Kitty por um
pouco mais de tempo. Sabia que ela teria notado seu
comportamento constrangedor e se amaldiçoou por não lhe ter
contado tudo mais cedo. Mas Kitty estava um desastre, então ele
saiu com ela.
Uma vez de volta ao seu quarto, Stacy se serviu de um
conhaque forte e caiu sobre a cadeira mais próxima com um
gemido. Que maldita catástrofe, inacreditável e coincidência.
Capítulo Vinte e Oito

D impossível. Em vez disso, Portia estava no


escuro, sua mente um turbilhão. Se ao menos ela pudesse sair,
fugir. Mas havia esse maldito baile para ela suportar e mais dois
dias para aturar. Ela se recusou a dar a Rowena a satisfação que
ela claramente desejava. Era óbvio que a mulher convidara
Katherine Charring para sua própria diversão, embora como soube
sobre Stacy e a mulher fosse um mistério. Ou talvez fosse mera
coincidência e estivesse imaginando coisas? Poderia realmente
estar tão paranoica?
Sabia que sua antipatia por Rowena era insignificante, mas pelo
menos isso lhe dava algo em que pensar além da agonizante
descoberta de que seu marido estava apaixonado por outra mulher.
Portia mordeu o lábio para não chorar como uma criança. Em
vez disso, ela se revirava e se remexia, sua mente um interminável
borrão de perguntas sem respostas aceitáveis. Ela devia ficar com
ele sabendo que era uma obrigação para ele? Sabendo que seria
um fardo para ele suportar se quisesse conhecer seu filho? Ou
deveria ir embora, levando a criança consigo? Porque nunca
poderia abandonar seu filho, disso ela sabia.
Para onde iria? De volta a Londres? Portia sabia que suas
amigas a aceitariam, mas o que aconteceria com a reputação delas,
com as suas vidas, por ter uma mulher divorciada e um filho
morando com elas?
Não podia ficar e não podia ir embora.
Quando Daisy veio vesti-la para a o baile, estava muito mais
exausta do que estivera horas antes. Tomou força ao saber que só
precisava manter uma fachada convincente por mais alguns dias.
Daisy conversava alegremente enquanto arrumava os cabelos
de Portia, emocionada além de tudo por estar preparando sua
senhora para um baile em um castelo com nobres de verdade.
Portia fechou os olhos e deixou o som da voz animada da sua
criada tomar conta dela. Uma batida na porta momentos depois fez
seu corpo inteiro enrijecer. Por favor, não deixe que seja Stacy.
— Boa noite, minha querida.
Ela abriu os olhos. Stacy parecia ainda mais divino do que o
habitual. Usava um casaco preto e pantalona e seu colete era de
seda marfim bordada com pássaros malvas que combinavam
perfeitamente com o vestido de Portia.
Ele sorriu.
— Gosta? É coisa da Daisy.
Os olhos de Portia ficaram inexplicavelmente quentes, ficou com
medo de começar a chorar.
Engoliu convulsivamente.
— Daisy, realmente é uma feiticeira.
— Não foi nada, senhora — ela murmurou, o rosto vermelho
enquanto vasculhava a caixa de joias procurando os brincos que
Portia usaria.
Stacy ficou atrás de Portia, encarando seu reflexo. Claro que não
podia ver os olhos dele. Ele segurava uma caixa de veludo preto em
sua direção.
— O que é isso? — sua voz saiu mais aguda do que ela
pretendia.
Os cantos da boca dele abaixaram.
— Parece tão... feroz. Não tenho permissão para presentear
minha esposa?
Portia não podia olhar para ele, tinha medo de se transformar em
uma nuvem de lágrimas. Por que estava fazendo isso com ela?
— Não deveria — sua voz quebrou na última palavra, mas pelo
menos não estava chorando.
A mão de Stacy pousou no ombro dela, a testa franzida com
preocupação.
— Pode nos dar licença, Daisy?
Portia observou a criada sair do quarto como se estivesse se
despedindo da sua última grande esperança. A porta se fechou e
ela voltou-se para o espelho.
— Tem certeza de que está tudo bem, Portia?
— Desculpe-me eu ter sido brusca. Receio estar sofrendo as
mudanças mais exaustivas de humor — isso era verdade, pelo
menos.
— Tem certeza de que quer descer?
Qualquer coisa era melhor do que ficar sentada sozinha naquele
quarto, ela sorriu.
— Estou ansiosa para o baile — ela mentiu.
Ele assentiu e depois virou-se para a caixa na mão.
— Eu encomendei isso quando estava em Barnstaple, demorou
mais do que eu esperava. Quando soube deste baile, enviei uma
mensagem solicitando que apressassem em terminá-lo.
Portia pegou a caixa como se fosse uma cobra viva, as mãos
trêmulas. Levantou a tampa e respirou fundo. Mais pérolas, mas
diferente de todas que ela já tinha visto. Ela olhou do belo colar para
o reflexo do marido.
— Nossa, elas são quase... pretas.
Ele sorriu para sua surpresa e pegou a caixa das mãos dela.
— Sim. Pérolas negras, incomuns, preciosas e lindas. Assim
como você, Portia — ele colocou o fio duplo em volta do seu
pescoço e fechou. Coube confortavelmente. — Isso é uma
gargantilha — seus elegantes dedos brancos acariciaram as
pérolas, o contraste entre preto e branco a prendendo. — Agora que
usa a minha gargantilha, Portia — ele se abaixou e acariciou a
lateral do pescoço dela, a boca quente contra a pele dela. —
pertence a mim.
Portia sentiu como se ele tivesse atingido seu peito e esmagado
seu coração. Como ele poderia ser tão cruel? Que jogo estava
fazendo?
Ele viu a expressão afetada dela no espelho e franziu a testa.
— O que foi, por que...
Uma batida na porta interrompeu o que ele ia dizer.
— Entre! — Portia respondeu, além de agradecida por quem
estivesse do outro lado da porta. Era Frances, seus olhos
tremulando nervosamente de Stacy para Portia antes de se fixar no
colar e arregalar os olhos.
— Meu Deus — ela respirou.
Stacy deu um passo para trás e cruzou as mãos atrás das
costas.
— Boa noite, Frances. Está linda.
Portia ficou momentaneamente distraída do seu sofrimento pelas
palavras gentis de Stacy. Mas ele estava certo, Frances estava
impressionante em um vestido de seda verde, uma sombra
incomum que destacava o ouro em seus cabelos e fazia seus olhos
azuis parecerem quase turquesas. As maçãs altas do rosto tingiram
com o elogio e ela avançou, uma das mãos estendidas.
— Isto é para você, Portia. Pertencia à minha mãe e eu gostaria
que a tivesse.
Portia olhou da pequena caixa coberta de veludo para Frances e
não conseguiu mais conter as lágrimas.
— Não! O que foi? — Stacy chegou ao lado dela em um instante.
Portia sacudiu a cabeça, capaz apenas de emitir sons como uma
espécie de peixe.
Frances colocou a caixa sobre a penteadeira e estendeu um
lenço antes de pegar a mão livre de Portia.
— É normal que uma mulher na sua condição fique emocional,
principalmente com o susto mais recente.
Portia deu à outra mulher um olhar assustado. Ela sabia sobre
Kitty Charring?
— Pode não ter sofrido danos físicos pelo incidente com a
varanda — continuou Frances, acariciando a mão — mas tem sido
um estresse terrível.
Portia não sabia se estava feliz ou triste por Frances não saber o
pior. Oh, como ela desejava ter alguém para quem confidenciar. Em
vez disso, ela enxugou os olhos e assentiu. — Obrigada, Frances.
Está certa, tem sido um estresse.
— Não precisa descer, querida. Todo mundo vai entender se
decidir descansar — disse Stacy.
Principalmente Rowena.
Portia balançou a cabeça. Ela suportou anos de sofrimento nas
mãos de Ivo, certamente poderia suportar algumas horas daquela
noite maldita. Ela se virou para Frances e sorriu.
— Eu adoraria ver o que há na caixa.

A enorme sala de estar estava cheia de convidados lindamente


vestidos, penteados e adornados com joias quando entraram pouco
tempo depois. Embora Stacy desejasse que Portia tivesse aceitado
sua sugestão e ficado na cama, ele não podia negar que estava
satisfeito por tê-la ao seu lado.
— Me dão licença? — disse Frances. — Prometi a Rowena que
falaria com o novo chefe da pastelaria, ele é um pouco...
temperamental.
Stacy assentiu e disse:
— O anel foi um gesto adorável, Frances.
Portia levantou a mão direita e o anel de diamante brilhou. Ela
sorriu para Frances.
— Sim, obrigada. É lindo.
Stacy observou sua irmã se afastar e deslizou a mão pelas
costas de Portia até descansar na base da sua espinha. Sua
respiração afiada enviou sangue correndo para sua virilha. A seda
cor de malva era fina e ele não resistiu e deslizou a mão para baixo,
até descansar na generosa curva do seu traseiro. As maçãs do
rosto dela ficaram uma cor rosa delicada e uma chama de calor
possessivo agitou seu interior com a maneira como o corpo dela
respondia ao toque dele. Ele deveria ter mandado esse baile aos
infernos e levado sua esposa para cama. Eles poderiam ter feito
amor e ele poderia ter deixado Kitty, Robert e a esposa ardilosa de
Robert resolverem seus próprios problemas.
Mas, em vez disso, se comportou como um adulto responsável e
agora levaria mais de horas até que pudesse segurá-la, acalmá-la...
estar dentro do seu corpo delicioso. Ele precisava parar de pensar
naquilo antes que envergonhasse os dois em público.
É claro que teria que contar a ela sobre Kitty primeiro, uma
conversa desagradável, não sobre sua conexão com Robert, mas
certamente sobre a amizade deles. Agora que ele conhecia Portia
melhor, não estava entusiasmado para apresentá-la a uma ex-
amante.
Os pensamentos dessa discussão foram suficientes para cessar
a sensação agradável na sua virilha.
— Gostaria de beber algo, Portia?
— Talvez um copo de limonada.
— Voltarei antes que sinta a minha falta — dirigiu-se para a
mesa de bebidas e serviu uma limonada para Portia e uma taça de
vinho para si. Examinou a sala em busca de Robert, a quem ele
esperava trocar uma palavra por alguns minutos antes que todos se
sentassem para jantar. Mesmo se eles apenas...
— Boa noite, Sr. Harrington — o ronronar da viscondessa veio
do outro lado e ele se virou. Stacy tinha que admitir que a esposa do
seu irmão era uma mulher muito bonita. Mesmo assim, ele não
conseguia entender como Robert havia sido persuadido a se casar
com ela. Ela era fria, intocável e um pouco desonesta. E ele iria
chegar ao motivo do convite dela para Kitty antes que aquela
maldita visita terminasse.
Stacy pegou sua mão estendida e curvou-se sobre ela.
— Boa noite, minha senhora, está muito bonita. Aceita algo para
beber? — o sorriso dela estava estranho, quase paquerador, como
se ele tivesse acabado de pedir para colocar a mão na saia dela.
— Nada para mim, obrigada — ela se afastou da mesa e andou
pela sala enquanto passava o dedo na hedionda gargantilha de
diamantes. O decote dela era tão baixo que ele achou que pudesse
ver o topo dos seus mamilos.
— Seu é um colar impressionante.
Sua risada gutural não tinha sentimento.
— Pertencia à primeira esposa do conde, uma mulher dotada
mais de dinheiro do que de sangue azul, receio.
Stacy franziu a testa com o comentário desagradável.
Ela sorriu, como se ele tivesse falado em voz alta.
— Não se pode dizer o mesmo sobre sua mãe, é claro.
— Eu sei muito pouco sobre minha mãe — ele não queria
discutir sobre sua família, ou qualquer outra coisa com uma pessoa
tão venenosa.
— Se parece muito com ela, mais do que Pendleton. Sua mãe
era uma mulher muito bonita.
As sobrancelhas de Stacy se ergueram. Ela estava flertando com
ele?
Robert entrou no salão naquele momento, viu Stacy e seguiu em
sua direção. O que quer que sua cunhada estivesse aprontando,
Stacy só podia esperar que a chegada de Robert acabasse com
isso.
— Boa noite Stacy, Rowena — o olhar que deu à esposa era
notavelmente mais frio do que o que deu a Stacy. Serviu-se de um
conhaque forte e ignorou sua esposa.
Stacy olhou para onde Portia estava, desejando que ele
estivesse ao lado dela naquele momento. Estava conversando com
um jovem casal que tinha ido ao piquenique mais cedo. A porta
atrás de Portia se abriu e Kitty entrou. Não era sua imaginação que
a conversa na sala transformara brevemente em sussurros. Robert
parou de beber, a borda do copo descansando contra seu lábio
inferior, como se ele tivesse perdido a força para jogar o líquido na
boca.
Stacy não pôde deixar de se divertir com a forma como Kitty
chamava a atenção de todos na sala, sua beleza era como uma
chama. Ela pode parecer magnífica em seu vestido esmeralda, que
parecia ter sido costurado em seu corpo, mas ele podia ver que ela
estava nervosa. Stacy sabia que ela provavelmente vestia sua roupa
como armadura de batalha. A questão era: com quem ela teria que
lutar?
Kitty olhou ao redor da sala antes de parar ao lado de Portia, que
depois de um breve olhar de surpresa, sorriu e a apresentou aos
outros ao seu lado. Stacy estava orgulhoso da sua esposa pela
bondade que estava mostrando a Kitty. A maioria das outras
convidadas encarava a bela mulher como se fosse uma serpente
que deslizara por baixo de uma fenda na porta.
Ele lançou um olhar para Robert. Seu irmão finalmente havia
completado a ação de beber. De fato, seu copo estava vazio. A
viscondessa também estava olhando para Kitty e, quando seus
olhos se voltaram da outra mulher para o marido, Stacy inalou
profundamente o ódio que ele via. Seu irmão não percebeu. De fato,
Robert parecia ter esquecido a existência de todos, exceto de uma
pessoa. Ele colocou o copo cegamente sobre a mesa e foi em
direção a Kitty como um sonâmbulo.
Os olhos de Lady Pendleton afundaram nas costas do marido
como lâminas afiadas e letais.
— Se me der licença, milady — Stacy fez grandes progressos
para alcançar Portia e Kitty antes que Robert pudesse fazer alguma
besteira, como tentar acompanhar Kitty no jantar. A bela ruiva pode
parecer forte, mas Stacy sabia que ela estava se agarrando à sua
sanidade mental por um fio.
— Aqui está, querida — Stacy empurrou o copo na mão de
Portia e virou-se para Kitty. — Kitty, está deslumbrante. Me permite
acompanhá-la no jantar?
Ele se virou para dar um sorriso tranquilizador para Portia, mas o
rosto dela endureceu na máscara educada que ele reconhecia muito
bem.
Droga, maldição! Ela não podia estar com ciúmes, não podia,
não depois da conversa deles menos vinte e quatro horas atrás. Ele
pegou o cotovelo dela e se inclinou, mas ela se virou para responder
ao jovem do outro lado, puxando o braço dele.
Sim, ela estava brava. Stacy queria ir atrás dela, mas Robert o
havia contornado e parado em frente a Kitty, parecendo um homem
que havia sido atingido com um martelo entre os olhos.
— Kitty — a única palavra soou irregular, como se tivesse sido
arrastada sobre rochas antes de escapar da sua boca. — Eu
preciso...
— Ela já concordou em ir jantar comigo, meu irmão — Stacy
lançou a Robert um olhar que deveria ter trazido de volta seus
sentidos. De verdade, seu irmão era um idiota? Ele não percebeu
como sua esposa estava observando? Ele não notou como Kitty
estava frágil como um vidro? Stacy acrescentou em um tom baixo.
— Pode falar com a Sra. Charring mais tarde, Robert.
Stacy virou-se para falar com Portia, mas ela estava se
afastando no braço de um jovem.
O gongo do jantar soou e Stacy rangeu os dentes para não
berrar. Em vez disso, ele sorriu para Kitty e a guiou em direção à
sala de jantar.
— Obrigada, Stacy — a voz de Kitty era quase inaudível, mas
Stacy podia sentir os tremores sacudindo seu corpo delicado.
— Não deixe que ela veja seu sofrimento.
Os dois sabiam sobre quem ele queria dizer, e Kitty ficou rígida.
— Não, tem razão.
Ele colocou a mão sobre a dela e sorriu para outro casal que se
aproximava da porta.
— Acredito que não se sentará ao lado dele no jantar — ele
murmurou, não tendo muita certeza daquilo. Quem sabia o que sua
cunhada estava aprontando? E Stacy estava certo de que deveria
ter sido Rowena quem convidou Kitty, atraindo-a com promessas de
informações sobre seu bebê. E se ela convidou a antiga amante de
Robert, por que ela os colocaria sentados juntos? Ele só podia
esperar que o respeito dela pela precedência substituísse seu
desejo de fazer travessuras. Se virou para procurar Portia. Ela
estava sentada e sorrindo para o jovem ao lado dela, rindo de algo
que ele havia dito. Ela parecia feliz e parecia estar se divertindo.
Stacy deu um suspiro aliviado, ele devia ter se enganado sobre
sua reação antes.

Foi a refeição mais longa da vida de Portia. Stacy sentou-se do


lado oposto e ela foi forçada a assistir enquanto ele encantava suas
duas companhias de jantar entre olhares rápidos para a Sra.
Charring, que estava sentada do outro lado, não muito longe de
Robert.
Portia fez tudo o que pôde para dar respostas básicas aos dois
homens a seu lado enquanto ela seguia obstinadamente por três
cursos, planejando uma fuga.
Assim que o jantar terminou, ficou com uma pressa indecorosa,
agradecida por escapar de Stacy pelos trinta minutos enquanto os
homens bebiam vinho e fumavam charutos. Na sala de estar, ela se
plantou entre duas matronas que discutiam seus problemas com
seus criados. Meia hora depois, as mulheres passaram para o
assunto dos melhores armazéns de Londres para encontrar cortinas
quando Katherine Charring parou em frente a Portia, com um sorriso
incerto.
Portia queria gritar. Por que, em nome de Deus, a mulher insistia
em se apegar a ela como um sanguessuga? Resistiu ao desejo de
arrancar seus lindos olhos verdes e gesticulou para uma cadeira
vazia, seu sorriso tão frágil quanto vidro.
— Por favor, junte-se a nós — o que ela poderia dizer? —
Estamos discutindo o importante tópico de novas cortinas.
Portia ainda estava pensando em como escapar dez minutos
depois, quando dois lacaios abriram as enormes portas duplas que
levavam ao grande salão de baile e um silêncio caiu sobre o grupo.
— Meu Deus — uma das outras mulheres sussurrou.
Centenas de velas queimavam em lustres gigantes, a luz
refletindo no teto dourado e banhando as paredes de madeira
escura com um brilho quente. O chão era de tirar o fôlego, um
desenho ornamentado que parecia quase mourisco e irradiava de
um enorme medalhão no centro. Um pavilhão elevado ao lado
sustentava uma orquestra completa.
Katherine Charring ficou de pé, os olhos em algo do outro lado
da sala.
— Podem me dar licença? — Ela perguntou, sem esperar por
uma resposta antes de sair correndo. Graças a Deus.
Alguns momentos depois, as duas matronas se levantaram.
— Vamos nos aproximar?
Portia as seguiu até ver a distinta cabeça branca de Stacy à
frente, depois virou à direita, o que convenientemente levava às
mesas ao longo do lado mais distante da sala que havia sido
preparado com bebidas. Ela olhou para as travessas de comida e
seu estômago roncou. Teve que rir, o jantar havia terminado há
menos de quarenta minutos e seu corpo já estava com fome,
mesmo que o simples pensamento de mais comida a deixasse
enjoada.
Olhou para a multidão e localizou rapidamente o marido. Bem ao
lado dele estava a bela ruiva. Ela virou as costas para a sala, pegou
um prato e o encheu de minibolos, não se importando se acabasse
pesando vinte quilos a mais.
Portia acabara de recusar seu segundo convite para dançar e
estava consumindo sistematicamente o conteúdo do bufê quando
um lacaio levou o conde em sua direção. Uma risada histérica
borbulhou em sua garganta, aquilo era exatamente o que ela
precisava para a noite ficar completamente insuportável.
Ela resistiu à vontade de gritar e correr. Em vez disso, ela
engoliu, sua boca estava cheia de bolo de creme e rezou para que
ele a ignorasse e fosse para outro lugar, talvez a América. Mas o
velho bastardo e venenoso rolou em sua direção tão
inexoravelmente como uma cobra perniciosa. Portia não estava com
disposição para tolerar seus comentários maliciosos naquela noite.
Era melhor ele tomar cuidado com o que fosse falar ou ela iria
responder na mesma altura.
— Boa noite, Sra. Harrington — ele sorriu, a expressão tão
festiva quanto uma procissão fúnebre.
Ele estava tramando algo.
Deu a ele uma reverência zombeteira.
— Milorde.
Sua saudação concisa o divertiu mais do que o insultou e ele
sorriu. Portia olhou para a pista de dança, esperando que ele fosse
embora se ela o ignorasse. Infelizmente, a primeira coisa que viu foi
Stacy levando Kitty para a próxima dança.
— Essa ruiva está causando um pouco de mal estar hoje, hein?
— ele riu e Portia se virou para encará-lo. Ele lhe deu um sorriso
cativante, como se fossem parceiros de uma travessura. Portia se
divertiu com a ideia de empurrar a cadeira escada abaixo e
conseguiu sorrir de volta.
— Vejo que seu marido conseguiu levá-la para uma valsa. Talvez
ele tenha mais de mim nele do que eu lhe dei crédito — seu
cacarejo desagradável atraiu olhares curiosos de várias pessoas
próximas.
— Meu marido e a Sra. Charring já se conhecem, eles são
amigos — ela disse no tom mais repressivo que conseguiu.
— É assim que chama em italiano? Amigos? — ele gargalhou.
— Acredito que Robert também possa ser amigo dela. Acredito que
ela é o tipo de mulher que tem muitos amigos.
O olhar de Portia cintilou nos rostos dos observadores até
encontrar Robert. Ele parecia bastante intenso. O que estava
acontecendo?
— Ele é um idiota — disse o conde, cortando seus pensamentos
com sua dura acusação. Seu tom não era mais de diversão e ele
não estava mais olhando para o filho, e sim para a viscondessa que
estava conversando com um belo homem mais velho, o mesmo
sorriso frio e arrogante em seu rosto. — A esposa dele é a mulher
perfeita. O próprio ápice da reprodução, tudo o que nossa classe
esforçou para produzir.
— Parece que está descrevendo um cavalo, milorde.
O lacaio que estava atrás dele bufou e depois tossiu para
disfarçar.
O velho se contorceu na cadeira.
— Pode ir — ele retrucou.
O infeliz lacaio fugiu do salão como se o carrasco da morte
estivesse nos seus calcanhares e o conde lançou um olhar
venenoso para Portia.
— Pode me empurrar agora, senhora.
— Ah, mas pode não gostar para onde eu o empurre, milorde.
Ele riu, seus olhos de falcão estreitos e severos.
— Oh, tem fogo, admito isso. Sem dúvida, um presente do seu
pai mestiço.
Portia se recusou a morder a isca e encolheu os ombros.
— Uma troca justa pela habilidade musical que herdei.
Seu rosto de caveira mudou para algo que poderia ser
considerado um sorriso genuíno. A expressão foi estranha, como se
ele não a tivesse usado há pelo menos cinquenta anos.
— Está correta quanto a isso, gostaria que estivesse tocando
hoje à noite, em vez de ter que ficar ouvindo estas palmas. Minha
cabeça já está latejando.
— Eu não o vi na fila, milorde.
Ele deu outra de suas risadas.
— Eu sou o dono disso aqui, não bobo da corte.
Um dos hóspedes, Barão Langston, foi até Broughton para
conversar, ou pelo menos tentou. Portia ouviu com uma orelha,
observando os dançarinos enquanto tentava pensar em uma
maneira de deixar o baile sem chamar atenção. Stacy levou Lady
Elizabeth para a próxima dança. Ele a viu olhando e lhe deu um
sorriso rápido. Portia devolveu o sorriso antes que se lembrasse de
que ele estava apaixonado por outra mulher e depois desviou os
olhos para encontrar o olhar afiado do sogro. Ele estava ignorando
Langston, que falava sobre um caçador que era corcunda ou algo
parecido.
O sorriso do conde era destilado, o homem enxergava demais.
Um dos jovens que se sentou ao lado dela no jantar veio pedir
sua mão para a próxima dança, mas Portia recusou.
— Receio não ter energia para isso hoje. Mas agradeço a sua
gentil oferta — Portia não estava mentindo, estava exausta. Não
sabia se poderia voltar para o quarto, se conseguiria encontrá-lo.
Langston fez algumas perguntas sem resposta sobre cavalos e
caça e depois começou a pontificar sobre ambos os tópicos que não
exigiam respostas de Portia ou do conde. Ela olhou para os casais
na pista de dança, mas não conseguiu encontrar Stacy. O grupo de
homens que estavam com ele se dispersou e agora três senhoras
ocupavam o local. Portia se perguntou se ele tinha ido para a sala
que Rowena havia preparado para aqueles que preferiam cartas a
dançar. Sem pensar, ela examinou a sala em busca de uma ruiva
distinta. Mas Katherine Charring não estava em lugar algum. Portia
engoliu em seco e manteve os olhos na pista de dança, não
querendo deixar o sogro perceber sua dor.
Mais dois sets de dança passaram e Portia recusou mais uma
oferta para dançar. Stacy e a Sra. Charring não haviam retornado e
Langston, surpreendentemente, ainda estava falando sobre
caçadores e garrotes.
O conde de Broughton puxou a mão dela.
— Já aturei o suficiente dessa tolice — ele não fez nenhum
esforço para manter a voz baixa e olhou para o colega rotundo ao
lado dele, cujo rosto rechonchudo e amigável o encarava em
choque.
— Leve-me para o corredor e envie alguém para buscar meu
valete — disse Broughton, usando o mesmo tom que usaria com a
criada da copa. Portia olhou para ele, considerando sua escolha de
respostas. Ela finalmente decidiu que o carregaria para seus
aposentos se isso significasse ser dispensada da sua companhia.
— Com licença, meu senhor — disse Portia ao atordoado
Langston. Ela empurrou o conde através dos grupos de pessoas
que se preparavam para a próxima dança.
— Maldito falastrão — Broughton murmurou alto o suficiente
para que várias pessoas lançassem olhares assustados em sua
direção.
— Pelo menos ele tem boas maneiras.
— Boas maneiras, senhorita? O que sabe sobre boas maneiras?
— Eu sei que tenho o suficiente para não jogá-lo e essa cadeira
da varanda sobre o jardim de rosas, milorde.
Sua ameaça o fez rir tanto que ela achou que ele fosse morrer
sufocado. Infelizmente, ele se recuperou quando alcançaram a
escadaria. Enquanto recuperava o fôlego, Portia trancou o freio da
cadeira e enviou um dos lacaios para buscar o valete do conde.
— Eu ri mais na sua companhia do que já ri em anos — o velho
chiou, olhando para ela como se ela devesse se orgulhar de um
feito tão milagroso.
— Eu não...
Ele deu outra gargalhada misturada com tosse. Portia estava
olhando para o belo piso de mármore e ouvindo o último paroxismo
do conde quando um homem enorme se aproximou deles.
— Já era hora, maldição — rosnou o conde. — O que diabos
estava fazendo lá em cima? Bebendo meu vinho, aposto — ele deu
a seu criado o mesmo olhar maligno que ele dava a todos os seres
vivos.
— Boa noite, milorde — já vai tarde! Portia se virou para ir
embora, mas ele estendeu a mão e pegou a mão dela com uma
garra esquelética e a puxou de volta para próximo da cadeira. Ele
era surpreendentemente forte para um velho tão frágil.
Ela suspirou e ergueu as sobrancelhas, sem se preocupar em
esconder sua irritação.
— O que foi?
Ele apertou a mão dela com tanta força que doeu.
— Mantenha aquele filho meu com rédeas firmes, ouviu?
Portia apertou os lábios com irritação, sem saber o que ele quis
dizer ou o que ela deveria dizer.
Ele a viu perplexa e riu.
— Não se preocupe com prostitutas, senhora, ele é um homem,
caramba, os homens têm necessidades — ele soltou outra risada
sem humor e seus olhos caíram para a sua barriga levemente
saliente. — Apenas mantenha o interesse dele o suficiente para
garantir que ele a monte regularmente, não como meu herdeiro —
ele cuspiu a palavra, seu aperto inquebrável. — Apenas se
concentre em me dar alguns netos e será amplamente
recompensada — ele soltou a mão dela e virou-se para o valete que
o esperava. — O que diabos está olhando, seu tolo? Leve-me para
o meu quarto. Já estou farto desse baile.
O criado musculoso levantou o frágil velho da cadeira e começou
a longa jornada para os aposentos do conde. Um lacaio seguiu
carregando a cadeira de rodas. Portia observou-os até que
desapareceram pelas escadas.
Ela olhou através das portas para o salão de baile e viu a pista
tomada de dançarinos. Ninguém estava prestando atenção nela e
agora era o momento perfeito para fugir para o seu quarto.
Infelizmente, ela precisava encontrar a toalete e usá-lo primeiro.
O aposento estava cheio de mulheres consertando cachos
soltos, bainhas rasgadas e uma variedade de outros desastres de
alfaiataria. Houve uma espera, mas Portia não achou que
conseguiria fazer todo o caminho de volta para seu quarto, isso se
ela realmente pudesse encontrá-lo. Demorou muito mais do que ela
esperava, não para concluir seus negócios, mas para se afastar de
pelo menos duas dúzias de mulheres intrometidas que queriam
conversar com ela antes que ela pudesse escapar.
Seus aposentos ficavam na ala oeste, que só podia ser
alcançada através do grande salão e subindo uma escada menor.
Seus pés estavam pesados e estava sendo um esforço andar.
E cinco minutos depois, ela percebeu que estava perdida.
Portia parou no meio do corredor mal iluminado e pensou em se
enrolar no canto mais próximo e dormir.
— Sra. Harrington?
Ela gritou e virou-se.
— Sinto muito assustá-la — disse a viscondessa.
Portia ficou boquiaberta com a cunhada, suas mãos em punhos
ao lado do corpo.
— O que está fazendo? — ela exigiu, mesmo sabendo que era
mais do que rude interrogar a mulher em sua própria casa.
O sorriso de Rowena não era seu sorriso arrogante e habitual.
— Eu estava te procurando, na verdade — ela mordeu o lábio
inferior em uma demonstração incomum de agitação.
— O que aconteceu?
Rowena desviou o olhar.
— Acho que não vai me agradecer por isso, mas... — ela fez
uma careta e seu rosto se contorceu de tristeza, quase como se
estivesse lutando contra as lágrimas. — Ouvi seu marido e a Sra.
Charring, eles arranjaram algum tipo de encontro para esta noite.
Portia só podia olhar. De todas as pessoas que poderiam saber
do relacionamento entre Stacy e Kitty, por que tinha que ser essa
mulher?
Ela cruzou os braços.
— Eu já sabia deles, minha senhora. O que quer que eu faça a
respeito?
Rowena abriu a boca, fez uma pausa e depois pegou o braço de
Portia.
— Venha comigo — ela levou Portia de volta pelas escadas,
virando à direita em vez de à esquerda no topo. Ela parou em frente
a enormes portas duplas que Portia sabia que levava a uma enorme
biblioteca pelo menos cinco vezes o tamanho da de Whitethorn.
Portia puxou o braço das mãos da outra mulher.
— Eles estão aí?
— Não, mas eu sei para onde estão indo.
— Não é isso que queria? Não foi por isso que convidou
Katherine Charring para esta festa? — Portia exigiu.
Os olhos de Rowena se arregalaram.
— Mas eu não a convidei, eu nunca a vi antes de hoje.
Portia olhou.
— Então quem foi?
A viscondessa abriu a boca e depois a fechou.
— Quem?
— Receio que tenha sido o conde.
— O conde? Por que faria uma coisa dessas? — especialmente
depois de me dizer que é melhor eu continuar reproduzindo, ela
pensou, mas não disse.
Rowena respirou fundo, soltou a respiração, e depois repetiu a
ação, como se precisasse se fortalecer.
— Este é exatamente o tipo de coisa que ele gosta, ver as
pessoas se separarem.
Portia recordou o veneno alegre do conde no salão.
— Quem faz esse tipo de coisa?
— O tipo de homem que expulsa seu próprio filho.
Portia olhou para a outra mulher, cuja expressão, pela primeira
vez, era de compaixão. Rowena colocou a mão sobre o braço dela.
— Eu sei como está se sentindo, Robert desfilou suas amantes
na minha cara por anos. Suponho que isso me faça simpatizar
contigo. Quero ajudá-la, não apenas porque pode estar carregando
o herdeiro, mas... — ela mordeu o lábio, as bochechas pálidas
ficaram vermelhas. — Eu estou começando a gostar de você.
Portia olhou para ela incrédula, as surpresas nunca terminariam?
Ela balançou a cabeça e se afastou da mulher, ela precisava se
sentar. Ela abriu a porta da biblioteca e entrou, caindo em uma
cadeira e deixando a cabeça cair sobre as mãos. Rowena se
afastou, mas Portia podia ouvir sons vindos do outro lado da vasta
biblioteca.
— Venha me ajudar — ela chamou Portia.
Portia gemeu e sentou-se. Ela só queria ir para a cama, para
sempre. Mas ela se levantou e se juntou à viscondessa, que
começara a puxar livros da estante e empilhá-los no chão.
Portia olhou, a mulher ficou louca.
— O que diabos está...
Um som baixo e estridente percorreu a biblioteca quando toda a
estante de livros, uns bons três metros de altura, girou lentamente
para dentro. A boca dela se abriu.
Rowena pegou uma vela do candelabro e virou-se para ela.
— Esta passagem nos levará à capela muito mais rápido do que
os seguir pelo solo.
— A capela? Mas e se...
A viscondessa desapareceu na escuridão e os pés de Portia
seguiram antes que seu cérebro pudesse detê-los. Rowena estava
parada do lado de dentro da entrada, procurando algo no painel ao
lado da seção móvel da parede. Portia olhou em volta, seus olhos
se ajustando à escuridão. No final do pequeno corredor havia um
conjunto de escadas.
— Para onde elas levam? Para a capela? — quando Rowena
não respondeu, Portia se virou, bem a tempo de ouvir o barulho de
raspagem e ver a porta da estante se fechando.
— Por que a fechou? — Sua voz estava estridente.
Os olhos pálidos de Rowena brilhavam à luz das velas.
— Não se preocupe, o mecanismo para abri-la está aqui — ela
apontou para uma grande alavanca de madeira saindo do painel. —
Venha, me siga — Rowena se espremeu em torno de Portia e foi em
direção às escadas.
— Te seguir para onde? Por que fechou a porta? — Portia exigiu
enquanto corria atrás de Rowena, que agora era a única fonte de
luz.
— Duvido que queira uma audiência para este encontro.
Portia também não queria Rowena.
— Eu não disse que queria ir, disse?
A outra mulher parou tão abruptamente que Portia esbarrou nela.
— Está dizendo que deseja voltar? Vai desistir do que é seu tão
facilmente?
— E já enfrentou todas as amantes do seu marido? — Portia
revidou.
— Não, não enfrentei, mas não estou carregando o filho de
Robert. Eu os ouvi conversando, Sra. Harrington, aquela mulher o
terá se não lutar por ele. Pode estar carregando o herdeiro.
Ah, agora Portia entendeu, o assunto sempre voltava ao status e
linhagem de sangue e ao futuro do maldito condado para essa
mulher.
Ela abriu a boca para exigir que Rowena a levasse de volta, mas
o desprezo nos olhos dela era demais para suportar. Portia levantou
as mãos.
— Tudo bem, siga em frente.
Rowena virou-se sem dizer uma palavra.
Portia teve que trotar para acompanhá-la e bateu a ponta do
sapato fino de cetim contra algo duro.
— Pode ir mais devagar — ela gritou quando a luz desapareceu
na esquina. Ela descansou uma mão contra a parede e massageou
o dedo dolorido até Rowena voltar.
A viscondessa alcançou uma arandela na parede e Portia viu
que havia outras uniformemente espaçadas no corredor estreito. Ela
pegou a vela e acendeu. Quando acendeu, banhou o espaço todo
com o dobro de luz.
Ela voltou para Portia, seu rosto pálido misterioso.
— Aqui — ela entregou a vela e retomou sua jornada.
Portia correu atrás dela pelo corredor, mas parou quando
chegaram a um segundo corredor mais longo e um conjunto de
escadas.
— Segure-se com cuidado no corrimão e preste atenção onde
pisa — Rowena chamou por cima do ombro.
— Achei que tivesse dito que eles estavam indo para a capela?
— Portia perguntou a Rowena. — Parece que estamos descendo a
encosta do penhasco.
— Os túneis passam por Thurlstone e vão além. Devemos
descer e voltar a subir em outra seção. Eles são muito velhos, muito
mais velhos que a própria capela, que não tem nem cem anos.
O estômago de Portia deu um nó, ela realmente queria encontrá-
los?
— Talvez...
— Talvez o que? — Rowena perguntou sem fazer uma pausa.
Portia olhou para as costas da outra mulher. O que deveria dizer
para ela? Não sabia o que pensar.
Precisa vê-los, não é Portia? Precisa esfregar sal na ferida.
Ela fez uma careta, é por isso que ela estava seguindo? Para se
atormentar? Ou talvez...
Talvez o que?
Talvez Rowena estivesse certa, talvez eu devesse lutar por ele.
Mas e o seu orgulho, Portia?
O pensamento a surpreendeu tanto que ela tropeçou, feliz por
estar segurando no corrimão. O orgulho era realmente a única coisa
em seu caminho? Não, certamente isso não poderia ser verdade.
Poderia?
Chegaram ao pé da escada e continuaram por um corredor
estreito e ventilado, com uma porta de madeira na extremidade.
Rowena abriu a porta e parou.
— Talvez o que, Sra. Harrington? — ela fez um gesto para Portia
assumir a liderança.
Portia a precedeu.
— Talvez não devêssemos fazer isso — disse ela, sem vontade
de colocar seus pensamentos em palavras. — Prefiro conversar
com meu marido sozinho, mais tarde — isso era verdade, pelo
menos.
Rowena riu, suas pupilas eram minúsculos pontos negros sob à
luz das velas.
— Isso não é motivo de riso para mim — a voz de Portia tremeu
com raiva reprimida, não era apenas por causa da mulher à sua
frente.
Rowena riu ainda mais, balançando a cabeça enquanto tentava
recuperar o fôlego.
— Qual é o seu problema? Por que rir de uma coisa dessas?
— Estou rindo porque não é o seu marido que ela quer, Portia, é
o meu — ela bufou com o rosto chocado de Portia e depois passou
por ela.
Portia correu para alcançá-la, um pequeno ponto de esperança
queimando em seu peito.
— O que?
— Sim, é o Robert. Ele e a prostituta tiveram uma filha juntos
anos atrás, veja só. Os dois se conheceram em Plymouth enquanto
ele estava na casa do meu pai, se quiser acreditar. Ela era
preceptora em algum lugar, não me lembro agora. Mas eu me
lembro que Robert a conheceu depois que nos comprometemos.
Mesmo antes de nos casarmos ele estava saindo com a prostituta
— riu e o som enviou uma sensação desconfortável de
formigamento na espinha de Portia. Alguma coisa estava muito
errada.
Portia parou e começou a recuar.
Rowena se virou. A mão que não estava segurando a vela
segurava uma pistola, que ela estava apontando para Portia.
— Pare onde está, Sra. Harrington.
Portia congelou e a outra mulher avançou sobre ela, a arma
apontada para sua barriga.
— Não voltará, Sra. Harrington, nunca! — O sorriso dela era
assustador, mas não tão assustador quanto seu olhar. Pela primeira
vez desde que Portia conheceu Rowena, seu rosto exibia uma
expressão genuína: loucura.
Ela estendeu a mão e cutucou o estômago de Portia com o cano
da arma.
— Vai andar ou eu vou ter que atirar em você agora.
O cérebro de Portia girou como uma engrenagem desgovernada,
incapaz de encontrar uma resposta.
Rowena apontou para o corredor à frente.
— Agora. Comece a andar.
Portia olhou da arma para o rosto da outra mulher, o ódio
brilhava em seus olhos verdes pálidos e ela cutucou o estômago de
Portia com força suficiente para machucar.
— Esta é a última vez que vou pedir. Ande.
Portia se virou e deu vários passos apressados enquanto
segurava a vela alta e apertava os olhos na escuridão. Ela não via
nada além de um túnel estreito e escuro.
Rowena cutucou seu ombro com a arma.
— Mais rápido.
Portia andou mais rápido.
— Por quê? — ela finalmente perguntou.
Sua pergunta provocou outra risada assustadora.
— Por que deve morrer? Por que seu filho deve morrer? E, o
mais importante, por que seu marido deve morrer? Porque me casei
com o irmão errado, sua idiota. Porque nosso sogro monstruoso,
intrometido e controlador ameaçou expor tudo, a menos que eu
gerasse um herdeiro. Não ouviu o que ele te disse hoje? Você é a
sua mais nova égua parideira.
Portia tropeçou em um ponto irregular no chão e chegou a uma
bifurcação no túnel.
— Para a direita — Rowena gritou. — Nosso maldito sogro
ameaçou contar tudo se eu não deixasse que seu filho nojento me
tocasse. Ele me deu um ano e está quase no fim. Ele dirá a verdade
e eu viverei o resto da minha vida como nada mais que a esposa de
um segundo filho traidor e sem valor.
As palavras de Rowena ecoaram nos ouvidos de Portia e sua
cabeça girou.
— Meu Deus! — ela disse, sua voz um chiado. — Stacy é o mais
velho.
— Ah, parabéns, minha querida Sra. Harrington, de fato ele é.
Suponho que devo chamá-la de Lady Pendleton?
Portia não tinha resposta para aquilo.
— O segredo foi mantido por trinta e cinco anos — Portia sentiu
a pistola espetá-la nas costas. — Provavelmente teria continuado se
não fosse por você. A culpa é sua, minha senhora. Sem você o
conde não teria nenhuma arma para usar contra mim. Sem você, a
aberração nunca teria se casado e continuaria visitando as
prostitutas. Sem você, a aberração teria ido para o túmulo dele sem
nunca gerar filhos.
Suas palavras brutais e insultos horríveis fizeram Portia
endurecer, mas de raiva e não medo. Ela ergueu os ombros e
parou.
Rowena pressionou a arma contra a parte de trás do seu crânio
antes que ela pudesse virar.
— Não tenha nenhuma ideia idiota. Eu posso atirar em você
pelas costas tão facilmente quanto pela frente.
— Por que eu deveria fazer o que diz se vai me matar de
qualquer jeito? Por que eu deveria te facilitar as coisas?
— Porque eu posso deixá-la morrer lentamente atirando primeiro
em uma perna, depois na outra, no braço e assim por diante. Ou
posso oferecer-lhe algo que lhe dará uma libertação sem dor — ela
falou com uma certeza silenciosa e ameaçadora que transformou a
raiva de Portia em terror. — Agora ande.
Portia andou.
— Confie em mim, querida irmã, essa não é minha escolha. Eu
tentei fazer as coisas da maneira mais fácil. Você e seu marido
devem ter nascido sob estrelas afortunadas. Primeiro ele escapou
daqueles ineptos ladrões de estrada que eu contratei. E depois,
justamente quando pensei que talvez tivesse que atirar em você,
seu falecido marido voltou à vida.
Portia ofegou.
— Conheceu Ivo?
Ela deu uma gargalhada.
— Se o conheci? Bom Deus! Paguei o homem para levá-la
embora. E o que ele fez? Ele decidiu ganhar um pouco mais de
dinheiro e chantageá-la.
— Então o matou?
— Não seja idiota. Fant o matou.
— Fant?
— Sim, os Fants trabalham para minha família há gerações. Eles
são muito leais, e eu os pago bem, é claro. Infelizmente, o dinheiro
não pode pagar tudo. Fant ficou com medo de que ele fosse para a
forca depois de matar Stefani, então ele veio correndo até mim para
ajudá-lo com seus problemas. Ele está muito mais disposto a
obedecer as minhas ordens agora, não que seja mais eficaz, como
demonstrou atirando na orelha do meu cavalo em vez da sua
cabeça.
Portia estava surpresa demais para falar.
— Imagine minha irritação quando não apenas conseguiu se
esquivar da bala, mas também conseguiu se segurar na sela de um
cavalo em fúria — sua risada amarga fez o couro cabeludo de Portia
formigar. — Suponho que terei de aceitar a culpa pela galeria do
menestrel. Não é uma das minhas ideias mais inspiradas, mas teria
funcionado se não fosse por Frances — ela fez uma pausa. — E
assim, minha querida cunhada, cheguei à conclusão de que eu
mesma teria que cuidar desse problema. Se ficar comportada, será
indolor. Eu tenho algo que vai fazê-la dormir. Depois que for embora,
contarei a todos sobre o relacionamento do seu marido com a
prostituta e não haverá dúvida na mente das pessoas do porquê
tirou sua própria vida.
Ela continuou:
— Então cuidarei do seu marido quando quiser. Quem sabe,
talvez ele fique tão arrasado com sua morte que acabará com a vida
dele também? Vi como ele a olha, todo mundo viu. Exceto você, ao
que parece — sua voz estava cheia de diversão maliciosa. — Deve
ser uma idiota para acreditar que ele estava planejando fugir com a
prostituta, o que deve ter ouvido na capela, me pergunto? — Ela
não esperou pela resposta. — Por mais chato que tudo isso tenha
sido, tive um grande prazer em ver meu querido marido sofrer
miseravelmente. Se eu soubesse o quão agradável seria vê-lo
sofrer, eu teria juntado os dois anos atrás, em vez de me desdobrar
tanto para mantê-los separados.
Uma pequena porta com tiras de ferro apareceu à frente na
penumbra.
Rowena enfiou uma chave grande por cima do ombro de Portia.
— Abra.
Portia sentiu a fechadura antes dela dar um clique.
Rowena a alcançou e abriu a porta.
— Então, aqui estamos nós, minha querida cunhada — depois
ela arrancou a vela da mão de Portia e a empurrou para a
escuridão.
Capítulo Vinte e Nove

— S por afastá-lo do baile da sua família, Stacy


— Kitty disse mais uma vez enquanto subiam as escadas para o
terceiro andar. — Me sinto tão idiota, mas não aguentava mais nem
um momento. Robert não...
Stacy deu uma batidinha na mão dela.
— Ele não está pensando claramente. Acredito que ele e sua
esposa façam esses jogos desagradáveis há anos. É melhor ficar
longe disso enquanto mergulho fundo no problema. Jewell a levará
para Plymouth e depois voltará para nos pegar — ela começou a
protestar e ele a interrompeu. — Não, é isso que vai acontecer. A
situação está intolerável. Não sei o que essa mulher quer, mas
pretendo descobrir.
Ele a levou através de um grande conjunto de portas duplas que
separavam a asa principal de uma das seções mais antigas. Ele
olhou ao redor do corredor escuro e franziu a testa. O cheiro de
umidade e mofo era sufocante.
— Bom Deus, quem a colocou aqui? Isso é horrível, a
viscondessa deve ser açoitada — ele murmurou. Ela parou de andar
e ele se virou. — O que foi, Kitty?
Os olhos dela estavam cheios de lágrimas.
— Estou tão envergonhada por ter te causado tudo isso.
Stacy pegou os dois ombros e a sacudiu gentilmente.
— Pare agora mesmo, Kitty. Não é culpada por nada disso. É
óbvio que a viscondessa está fazendo algum tipo de jogo com
Robert.
Seu lindo rosto se contorceu em uma expressão de miséria.
— Eu não teria vindo, mas quando a carta mencionou o bebê...
— Kitty — ele disse severamente — vou descobrir tudo o que
puder, incluindo a verdade sobre seu filho. Me entendeu? A mulher
é venenosa e enlouquece meu irmão, deve ir embora. Tudo o que
precisa se preocupar é...
— Stacy!
Frances estava correndo na direção deles, segurando a barra do
vestido nas mãos.
— É Portia — ela ofegou entre respirações. — Deve vir comigo
agora!

Portia caiu dentro da sala escura e esbarrou em algo duro.


— Fique quieta — Rowena retrucou entrando na sala e lançando
luz na escuridão, batendo a porta atrás delas.
A sala tinha talvez três vezes a largura do túnel que elas haviam
acabado de deixar para trás e havia uma segunda porta em frente à
que acabaram de passar. Os únicos móveis eram uma mesa lateral
fina contra uma parede e uma mesa grande e áspera no centro da
sala, que foi no que ela bateu.
Tinham tiras de couro largas presas no topo, no meio e no fundo
da mesa maior e Portia mal conseguia desviar os olhos. Quando ela
olhou para cima, ela desejou que não tivesse. As paredes tinham
dezenas de nichos esculpidos e cada um continha uma máscara
horrenda. Parecia que dezenas de olhos cheios de ódio estavam
observando.
Rowena pingou um pouco de cera na mesinha lateral e enfiou a
vela nela. A careta determinada em seu rosto era muito mais
assustadora do que qualquer uma das máscaras na parede.
— Suba na mesa — ela empurrou a pistola para o lado de Portia
para incentivar a obediência. Seus olhos se voltaram para a
segunda porta e sua boca se apertou de irritação quando ela se
abriu lentamente. Sr. Fant estava parado na porta estreita, os olhos
arregalados.
— Feche a porta, seu idiota — Rowena estalou. — Por que
demorou tanto?
O homem de rosto severo corou.
— Eu me perdi, minha senhora. Há quilômetros de túneis aqui
embaixo — ele carregava uma grande caixa de madeira em uma
mão e uma lamparina na outra.
Um olhar de aborrecimento intenso surgiu no rosto de Rowena e
por um momento a mão que segurava a pistola vacilou, como se ela
estivesse pensando em atirar em seu cúmplice.
— Trouxe? — ela perguntou com os dentes cerrados.
Os olhos de Fant passaram de Rowena para Portia e foram
rapidamente para a caixa de madeira. Ele colocou a caixa no chão
ao lado da lamparina e cavou em suas profundezas, extraindo um
grande pedaço de lona dobrada e um pequeno pote de barro
redondo.
— A mulher disse que é preciso dar apenas um gole.
— Abaixe isso — ela apontou para a lamparina na mão dele e
estendeu a pistola. — Pegue isso — ela esperou impaciente
enquanto ele obedecia. — Pode manter isso apontado para ela sem
atirar em você ou em mim?
Os lábios de Fant se apertaram com o tom depreciativo dela,
mas ele pegou a arma sem falar nada, apontando a arma para
Portia, sua expressão ainda mais sombria do que o habitual.
Rowena puxou a rolha da jarra de barro e a ofereceu para Portia.
— Vai tomar pelo menos dois goles e depois vai se deitar na
mesa. Vai ser rápido e não sentirá muita dor. Entendeu? Vou te
amarrar se...
A pesada porta de tábua atrás dela se abriu e acertou seu
ombro. Ela gritou e cambaleou para o lado, caindo contra a mesa
onde colocara a vela. Sua mão procurou pelo pote de barro e ela
derrubou a vela no chão, mergulhando a sala na escuridão.
— Largue sua arma, Fant, eu sei que tem uma pistola — exigiu
uma voz calma e familiar. — Há cinco homens comigo e mais se
aproximando na outra direção. Está cercado. Faça o que eu digo e
poderá viver.
Portia pulou da mesa e deu um passo. Depois um braço
serpenteou em volta do seu pescoço.
— Stacy! — seu grito saiu engasgado enquanto lutava contra a
força surpreendente de Rowena, apertando seu estômago
protetoramente. O braço de Rowena apertou sua garganta e Portia
engasgou.
— Fant, me dê a arma — exigiu Rowena.
— Não lhe entregue a pistola, Sr. Fant — a voz de Stacy estava
quase entediada. — Minha pistola está apontada para o seu
coração. Sabe muito bem que eu enxergo melhor no escuro do que
um gato. Eu posso ver você agora, de fato, voltando para a outra
porta. Tem uma lamparina na mão.
— Me dê a arma! — Rowena gritou, empurrando algo contra os
lábios de Portia.
Portia percebeu que era o frasco de veneno e apertou as
mandíbulas com mais força do que um touro. Uma fúria irracional
varreu seu corpo trêmulo e ela empurrou o cotovelo para trás com
toda a força que pôde reunir. Rowena grunhiu e cambaleou para
trás, soltando o braço. Portia caiu de mãos e joelhos e rastejou entre
as pernas da grande mesa, curvando seu corpo em uma bola.
— Fant! — Rowena gritou.
Portia ouviu o som de pés arrastando e um praguejado abafado
quando alguém atingiu a caixa de madeira e espalhou o conteúdo
pelo chão de pedra. O estalo ensurdecedor de uma pistola encheu a
sala e o que parecia ser pelo menos uma dúzia de vozes
masculinas gritou pouco antes de uma segunda arma disparar,
seguida por um grunhido doentio e o inconfundível baque de um
corpo caindo no chão.
— Fant caiu, Lady Rowena, acabou — a voz de Stacy veio de
algum lugar próximo e Portia teve que morder a língua para não
gritar.
O som de cerâmica quebrando no chão foi seguido por uma
risada aguada e sufocada. Uma luz brilhou e Portia olhou para cima
e viu Stacy segurando uma vela longe do rosto e olhando para algo
do outro lado da sala.
— Meu Deus. O que fez? — sua voz estava cheia de pavor.
— Não achou que eu iria deixá-lo me prender, não é? — o riso
borbulhante de Rowena se transformou em um grito animal de pura
dor. Seus pálidos olhos verdes esbugalharam-se com o tormento
que prometera a Portia que não sentiria e deslizou pela parede até
cair sentada no chão.
A porta pela qual Fant entrou explodiu e Robert apareceu
ofegante nela, sua lanterna iluminando a carnificina, um homem
gigante ao lado dele segurava um machado.
Ele viu o corpo de Fant primeiro.
— Maldição! — ele sibilou.
— Ah, meu querido marido chegou.
Robert se virou ao som da voz da sua esposa.
— Rowena! O que fez? — ele diminuiu a curta distância em um
longo passo e se abaixou ao lado dela. O sangue escorria de sua
boca e ela tossiu e cuspiu sangue nos pés dele.
— Seu bobo — ela murmurou. — Eu fiz tudo isso por você. E
isso tudo foi...
Portia fechou os olhos com os sons repugnantes e sentiu um
leve toque no ombro, quando olhou para cima encontrou os lindos
olhos de Stacy a apenas alguns centímetros de distância. Ele pegou
a mão dela e a levantou.
— Está machucada, querida?
Ela se lançou contra ele.
— Sinto muito, Stacy.
— Sente muito pelo que, querida?
Portia envergonhou-se ainda mais ao se dissolver em lágrimas, o
amor na voz dele a fez se sentir a maior idiota do mundo. Ela o
apertou até doer.
Ele acariciou os cabelos dela.
— Não chore, Portia, está segura agora.
— Eu nunca choro — ela soluçou em seu pescoço.
— Eu sei que não, amor — ele concordou, com uma risada baixa
no peito. — Mas acho que pode merecer esse choro, se importa se
eu me juntar a você?
Ela riu, mas se transformou em soluços, seu corpo tremendo
tanto que ela mal podia suportar.
— Vai desmaiar, Portia? — ele pressionou os lábios contra a
cabeça dela repetidamente.
— Eu nunca desmaio.
Então, tudo escureceu.

A primeira coisa que Portia viu quando acordou após o


pesadelo nos túneis foi o marido lendo um livro em uma poltrona
perto da cama. Um sorriso lento se espalhou por seu rosto quando
viu que ela havia acordado. Ele tirou os óculos de leitura e largou o
livro.
— Eu pensei que fosse dormir o dia inteiro — ele murmurou,
sentando-se na cama.
Portia pegou a mão dele e olhou em seus lindos olhos.
— Sinto muito, Stacy — disse ela, a enormidade da sua idiotice
foi a primeira coisa a entrar na sua mente.
— Continua dizendo isso desde a noite passada, mesmo depois
de desmaiar. Acordou de vez em quando e murmurou como estava
arrependida. Se importaria de me dizer exatamente por que sente
muito? — ele estendeu a mão e colocou uma mecha de cabelo atrás
da orelha dela. — Ou eu quero saber?
O rosto dela ficou quente e ela beijou a palma da sua mão antes
de segurá-la contra seu rosto.
— Eu ouvi você e a Sra. Charring na capela ontem.
Ele olhou sem entender.
— E?
— Acredito que não entendi direito o que estava dizendo. Receio
ter pensado algo bem diferente — a testa dele enrugou e ela
gemeu. — Eu pensei que era você quem ela amava e que tinha se
arrependido de se casar comigo, eu sou uma idiota — lágrimas
surgiram nos seus olhos e isso a deixou ainda mais irritada. Quando
foi que ela havia se transformado em um pote de água? Fechou os
olhos e as linhas quentes desceram por suas bochechas.
Ele pegou as duas mãos dela.
— Olhe para mim — ela ouviu a severidade em sua voz e seu
estômago apertou dolorosamente. — Portia, abra seus olhos e olhe
para mim.
Ela abriu os olhos, ele parecia zangado.
— Eu te amo.
Ela piscou.
— O que disse?
Ele deu a ela um olhar divertido.
— Eu te amo, esperava que tivesse entendido como me sinto
com base no meu comportamento. Vejo agora que eu não poderia
estar mais errado. Eu te amo, Portia. Consegue colocar essa ideia
na sua linda cabeça?
Portia não confiou em si mesma para falar, então assentiu.
— Ótimo. Eu direi novamente em cinco minutos. Só para ter
certeza de que me ouviu.
— E Kitty? — Portia parecia ter perdido sua capacidade de
inventar sentenças completas.
— Eu fui amante de Kitty anos atrás, quase dez anos atrás.
Somos nada mais que bons amigos há muito tempo. Sei que
deveria ter contado assim que ela chegou, mas ela teve um choque
terrível ao ver Robert e precisava de ajuda — ele fez uma careta. —
Suponho que deveria ter adivinhado que tiraria a pior conclusão
possível da maneira como Kitty e eu estávamos nos comportando.
Eu amo Kitty como amiga e faria qualquer coisa por ela, mas isso é
tudo.
O ciúme gritou ao pensar nele com outra mulher, mas desta vez
a emoção cintilou e depois morreu, ele a amava.
— Por favor, diga-me o que aconteceu?
— Tem certeza? Não é uma história bonita, nem curta.
— Tenho certeza.
— Em face das coisas, toda essa bagunça parece ser uma
coincidência de proporções quase míticas. No entanto, a maior parte
aconteceu porque foi projetado por Rowena. Robert conheceu Kitty
anos atrás, antes de se casar com Rowena — ele parou. — Mas
estou me adiantando. Kitty cresceu em um vicariato, a caçula de
duas filhas. Ela tinha dezoito anos quando o pai morreu e precisou
encontrar trabalho. Ela assumiu uma posição de preceptora nos
arredores de Plymouth. Sua jovem pupila tinha um irmão mais velho
que vinha de Oxford com amigos de tempos em tempos. Um deles
era Robert. Não é preciso muita imaginação para adivinhar o que
aconteceu a seguir. Eles se apaixonaram. Infelizmente, Robert já
estava noivo.
— Foi o que Rowena me contou — disse Portia.
— Bem, Robert sabia que Rowena não estava apaixonada por
ele e tinha certeza de que poderia convencê-la a libertá-lo. Ele
contou para Kitty o que iria fazer e prometeu voltar assim que
conversasse com Rowena, o duque e seu pai.
Robert disse a verdade para Rowena e ela concordou que não
queria se casar com um homem que estava apaixonado por outra
mulher. Rowena disse que iria até o pai e alegaria que havia
mudado de ideia. Ela não parecia chateada, e até o convidou para
passar a noite e jantar com ela e seus irmãos.
— Na manhã seguinte, a caminho do castelo de Thurlstone, o
cavalo de Robert foi atingido enquanto ele atravessava uma ponte
— ele deu a ela um olhar sombrio. — Com base no comportamento
recente de Rowena, Robert e eu assumimos que não foi um
acidente. Um escudeiro local encontrou seu corpo ao lado do rio,
não muito longe do seu cavalo morto. Ele estava com a perna
quebrada e sofreu uma forte concussão, não havia nada que o
identificasse. Passaram semanas antes que ele voltasse para
Plymouth, mas Kitty já tinha ido embora.
— Isso é como um romance da Minerva Press — disse Portia.
Stacy assentiu e continuou.
— A família em que Kitty estava trabalhando descobriu que ela
estava grávida. Não é uma conjectura selvagem pensar que
Rowena estava por trás disso também. Eles dispensaram Kitty sem
referências.
Portia mal podia imaginar o terror da jovem. Pelo menos quando
Ivo a abandonou, ela tinha amigas a quem recorrer.
— Ela esperou por ele até ficar sem dinheiro e depois vendeu a
única coisa que restara.
— Meu Deus — disse Portia. — E Robert?
— O ex-empregador disse a ele que Kitty tinha ido embora para
a casa de uma tia no norte, mas eles não tinham o endereço da
mulher. Robert foi ao antigo vicariato do seu pai, mas o novo vigário
não sabia nada sobre a família de Kitty e ninguém na aldeia jamais
ouvira falar de uma tia. Ele não tinha mais onde procurar.
— Que história horrível.
— Tem mais. Rowena sabia exatamente onde Kitty acabara
porque se certificou de que os Fants estivessem lá para oferecer a
ela um lugar para ficar.
— Os Fants!
— Eles trabalham na propriedade do duque em Yorkshire há
gerações. Então, quando chegou a hora de Kitty dar à luz o bebê de
Robert, Rowena pagou à parteira para reivindicar a morte da criança
— ele lançou um olhar arrepiante para Portia. — A razão pela qual
Kitty veio a Thurlstone foi porque ela recebeu uma carta dizendo
que a criança ainda estava viva. A carta dizia que se ela quisesse
ver seu filho, ela teria que vir até aqui.
Portia balançou a cabeça.
— Mas por quê? Por que Rowena faria uma coisa dessas?
Stacy encolheu os ombros.
— Vingança? Raiva? Agora nunca saberemos.
— Como soube sobre a criança?
— Fant nos contou.
— Mas eu pensei que ele tivesse sido baleado?
— Sua ferida foi mortal, mas ele sobreviveu por várias horas e
estava consciente. Ele nos contou a verdade em troca de deixar sua
esposa livre. Ele alegou que ela não sabia de nada disso.
Portia imaginou a mulher astuta e seus olhos pequenos e maus.
— Eu não acredito nisso.
— Nem eu, mas era a única maneira de obter o resto da história
— ele continuou. — Vários anos atrás, Rowena ficou curiosa sobre
Frances e não acreditou na história de morar com uma amiga da
escola, então ela a seguiu.
— Por quê? — Portia perguntou.
— Frances acha que Rowena pode ter ouvido algo da irmã mais
velha da babá, uma mulher chamada Elsa que foi a parteira que fez
nosso parto. Elsa morava em um chalé na propriedade e Rowena,
cumprindo seu dever como futura senhora de Thurlstone, conheceu
a mulher enquanto entregava geleia de pé de bezerro ou o que quer
que os anjos da misericórdia pensem que os pobres, velhos e
enfermos precisam. Elsa conhecia a verdade, e talvez ela decidisse
compartilhá-la. Ou talvez, como a babá, sua memória simplesmente
ficasse fraca e a história desapareceria. De qualquer forma, parece
que Elsa morreu pouco tempo depois.
Portia estremeceu.
— Mais como um anjo da morte. Como os Fants começaram a
trabalhar para a babá?
— Fant disse que Rowena lhes contou sobre a posição quando
Frances a anunciou. Fant disse que parte dos seus deveres era ficar
de olho em mim, e foi ele quem descobriu que eu conhecia Kitty e
relatou essa estranha coincidência à sua empregadora. Rowena não
tinha uso para essa informação até recentemente, quando decidiu
que Kitty seria a arma perfeita para punir eu e Robert.
Ele parou, um músculo em sua mandíbula flexionando.
— Rowena contou sobre o conde?
— O que tem ele?
— Ela deve tê-lo sufocado em sua cama antes de ir atrás de
você.
— Oh, meu Deus! — Portia cobriu a boca com as duas mãos.
— Ela pensou que impediria para que o segredo fosse mantido,
mas o assassinato do conde teria sido sua ruína. Veja bem, ele
deixou cartas seladas explicando a verdade para Robert e eu no
caso de sua morte — os lábios de Stacy se curvaram com nojo. —
Nunca fico feliz quando alguém morre, mas o conde realmente teve
o que mereceu.
— Acha que ele sabia que Rowena estava por trás de todos
esses acidentes?
— Não quero saber e fico feliz que a verdade tenha morrido com
ele.
Portia lembrou-se de outra coisa da noite anterior.
— Ela pagou a Ivo para ir até à Cornualha, mas eu não entendo
como ela soube sobre ele.
— Ela nunca o conheceu, mas enviou Fant para ficar de olho em
você quando ela começou a se preocupar que nós pudéssemos
estar começando a gostar um do outro. Ela o enviou a Londres para
sua casa antiga.
Portia fez uma careta.
— Sra. Sneed era a nossa senhoria. Ela é uma mulher horrível.
Ouso dizer que ela deve ter ficado excitada em vender todas as
informações que possuía. Então, Fant matou Ivo?
— No seu leito de morte, Fant alegou que a morte de Ivo foi um
acidente. Ele também disse que não sabia nada sobre o dinheiro
que deu a Ivo pela chantagem.
— Acredita nele?
— Não, acho que a esposa dele está com o dinheiro, mas ela
deve ter escondido bem — ele encolheu os ombros. — Eu não
confiava nela e antes de chegarmos a Thurlstone, mandei a filha
mais velha de Hawkins se mudar para o chalé da nanny para mantê-
la segura.
Portia piscou.
— O que o fez agir assim?
— Vi Fant conversando com Ivo.
— O que? — Portia endireitou-se.
— Sim, o dia em que fomos olhar o telhado dos Humboldts. No
mesmo dia, fizemos um piquenique na floresta.
Portia lembrava muito bem do dia. Pelo olhar em seu rosto,
Stacy também. Ele sorriu e passou a mão sobre a barriga dela, o
gesto ao mesmo tempo terno e possessivo.
— Por que não me contou?
— O que havia para dizer? Suspeitei que houvesse algo
estranho com Fant, mas não tinha provas. Quando fui perguntar a
ele sobre a morte de Ivo mais tarde, sua esposa disse que ele tinha
ido para o norte fazer uma visita — as velas iluminaram suas feições
esculpidas e olhos deslumbrantes. — Está me encarando, Lady
Broughton.
Portia ofegou.
— Como Robert está levando tudo isso, ele deve estar arrasado.
— Ele é como um homem em um sonho. Não falava muito sobre
seu casamento com Rowena, mas acho que os dois foram bastante
infelizes.
Portia pensou na mulher que tentara matá-la pelo menos três
vezes e estremeceu.
— Ela estava disposta a matar todos nós por um título ridículo.
Stacy apertou a mão dela.
— Eu sei, querida.
— E Kitty e Robert, era verdade sobre o filho deles?
— Fant disse que seu irmão criou a criança. Robert me disse
que partirá de manhã para buscar a filha deles.
— O que acha que Robert e Kitty vão fazer?
— Eu não sei, mas aconteça o que acontecer, ele me disse que
não iria mais morar aqui.
Ela franziu a testa.
— Vamos nos mudar para cá?
— Não, pelo menos não até o nascimento do bebê. Robert
concordou em ficar até então.
— Graças a Deus. Quero que nosso filho cresça em Whitethorn.
— Eu também, meu amor — ele a puxou para seus braços,
abraçando-a com tanta força que ela não conseguia respirar. — Eu
te amo, querida. Acha que poderíamos ter uma semana sem que se
esqueça disso?
Ela riu.
— Prometo, talvez até duas semanas.
Epílogo

Vários meses depois


Whitethorn

S um arranhão na porta da biblioteca e ficou de


pé.
— Entre — ele respondeu, sua voz rouca de desuso.
Era Soames.
— A condessa está chamando pelo senhor — seus lábios se
contraíram e Stacy pôde ver que ele estava lutando para conter um
sorriso.
Ele olhou para o mordomo normalmente sombrio e abriu a boca.
E depois fechou. E então abriu novamente.
— Obrigado, Soames, eu vou subir imediatamente — ele
permaneceu de pé e encarando a porta mesmo depois que ela se
fechou. Ele queria estar no andar de cima com ela por horas e
agora, de repente, ele estava nervoso.
Robert abaixou o jornal que estava lendo e o encarou com um
sorriso divertido e tolerante.
— Bem, está pronto, meu velho?
Stacy olhou para seu irmão, seu irmão mais novo, sua mente um
turbilhão. O pobre Robert estava passando por uns maus bocados.
Ele ficou para administrar as posses do pai, mas Kitty não queria
nada com ele. Felizmente, ele via a filha deles, April, muitas vezes,
até a trouxe para Thurlestone para conhecer suas tias. Stacy e
Portia também conheceram a menina, mas Kitty nunca mencionou
seu irmão, e Stacy não se sentia bem em bisbilhotar. Quem sabia o
que aconteceria entre os dois depois de um passado tão torturante?
— Vai ficar aí parado o dia inteiro, Stacy?
Ele se sacudiu e respirou fundo, o riso de Robert seguindo-o
pela sala.
Stacy estava vagamente ciente dos rostos da maioria dos seus
criados enquanto se dirigia para a suíte master. Parecia que a
distância entre a biblioteca e seus aposentos havia triplicado em
algum momento durante as últimas vinte e duas horas. Ele subiu os
degraus dois de cada vez e quase colidiu com sua irmã Mary no
topo da escada.
Ela sorriu e segurou a mão dele.
— Venha, eles estão esperando.
Eles? Ah, sim, não era apenas Portia que ele iria ver.
Parecia haver cem pessoas no quarto de Portia, suas amigas da
academia, todas, exceto Miles e Honoria, haviam feito a longa
jornada e estavam ali há quase uma semana. Stacy conheceu todas
as ex-professoras durante uma visita a Londres no último Natal, e
gostou de todas elas, até do bonito até demais Miles. Estava feliz
que as amigas dela estavam aqui por ela, mas agora só tinha olhos
para sua esposa. Portia estava apoiada em um monte de
almofadas, seus cabelos pretos estavam soltos sobre os ombros,
seu lindo rosto estava exausto, mas brilhando de orgulho.
Ela estendeu as mãos.
— Oh, Stacy!
Ele beijou sua sobrancelha e apertou suas mãos com tanta força
que ela estremeceu.
— Como se sente, querida? Está linda. Eles não me deixaram
entrar. Frances e Serena me pararam na porta e não me deixaram
entrar.
Ela riu e olhou por cima do ombro dele e ele se virou.
Frances segurava uma criança nos braços.
E Serena também, a amiga mais próxima de Portia, uma jovem
viúva energética muito parecida com sua própria esposa e uma
mulher de quem ele estava gostando muito.
A mandíbula de Stacy caiu no chão.
— Dois?
— Nosso filho e filha, Stacy — a voz de Portia era suave e cheia
de admiração.
— Gêmeos? — ele perguntou estupidamente. Um calafrio se
expandiu em seu peito, eles eram como ele?
Ele se levantou devagar e se aproximou do embrulho que
Frances segurava. Ele olhou para um rosto rosado com um pouco
de cabelo preto e sorriu.
— Esta é sua filha, sua primogênita — disse Frances. — Ela é
doze minutos mais velha que seu filho.
Stacy tocou sua pequena bochecha rosa com um dedo e ela se
contorceu, mas continuou dormindo.
Ele se virou para Serena. A francesa geralmente gregária estava
ainda mais desgrenhada do que o habitual, com os cabelos
compridos e rebeldes em todas as direções. Ela encontrou os olhos
de Stacy com um olhar estranhamente solene.
— Este é seu filho, meu senhor.
Stacy puxou o cobertor. O filho dele não estava dormindo. Ele
era pálido, sem nenhum pigmento de cor, exceto pelos olhos, olhos
que eram um azul pálido. Stacy olhou fixamente para aqueles olhos
por um bom momento, suas emoções uma confusão de amor,
alegria, medo e um pouco de tristeza com o que seu filho teria que
enfrentar. Ele engoliu em seco ao pensar no futuro do garoto. Ele
suportaria os mesmos olhares e crueldade que Stacy e sua vida
nunca seria fácil. Pelo menos ele não teria que enfrentar aquilo
sozinho.
Seu filho murmurou e sua pequena mão disparou e agarrou o
dedo de Stacy, seu aperto feroz para uma coisinha tão pequena.
Stacy riu e olhou em direção à cama, encontrando o olhar
preocupado de Portia.
— Ele tem as suas mãos. Nossos filhos são lindos, meu amor, os
dois.
Alívio inundou seu rosto e Stacy franziu a testa. Ela estava
preocupada que ele não fosse amar seu próprio filho?
Ele estava preocupado com a mesma coisa?
Ele se virou para Frances e Serena, que estavam sorrindo
largamente, e estendeu os braços.
— Os dois? — Serena perguntou, hesitante.
— É melhor eu me acostumar com isso.
Eles eram tão leves em seus braços, não pesavam nada, mas já
haviam mudado tudo.
Sentou na cama com um bebê cuidadosamente equilibrado na
dobra de cada braço e olhou para a esposa.
— Foi sábia em parar com dois, Portia, não tenho outro braço de
sobra.
Ela deu uma risada cansada e olhou da filha para o filho e depois
para ele, seus olhos escuros brilhando com amor.
— Eles são perfeitos, Stacy.
Stacy olhou para a mulher que havia trazido tanta luz e alegria
para sua vida incolor e assentiu.
— Sim, minha querida, eles são perfeitos. E eles crescerão
juntos e conhecerão o amor dos seus pais, família e um ao outro.
Próximo Lançamento da Autora
Se você gostou de ler sobre o mundo de Stacy e Portia, pode conhecer mais
amigos deles na série A ACADEMIA DO AMOR, que apresenta sete professores
desempregados da era da regência e que estão prestes a receber sérias lições de
amor.

A Figura do Amor
LIVRO 2 da série
A ACADEMIA DO AMOR...

Capítulo Um

Kent
1817
G L olhou para as bolas de pelo branco e
marrom com perplexidade.
— Eu realmente preciso de tantos? — ele perguntou ao
Honorável Sandford Featherstone. Os filhotes se mexeram e
choramingaram ao som da sua voz e a cadela-mãe, ou Gareth
supôs que era assim que ela era chamada, lançou lhe um olhar de
reprovação por acordar sua ninhada. Ou rebanho. Ou como quer
que fosse que se chamasse a manada de filhotes, filhotes com a
linhagem mais fina do que Gareth Lockheart poderia afirmar.
A cabeça de Featherstone balançava para cima e para baixo
com um entusiasmo que Gareth achou exaustivo.
— Oh sim, desses e de muitos outros se quiser caçar.
Ah, caçar. Ele tinha esquecido tudo sobre a suposta necessidade
de caçar. Gareth franziu a testa com a perspectiva, mas não se
incomodou em discutir com o aristocrata exigente e de traços finos.
Afinal, era exatamente para esse tipo de informação que ele estava
pagando Featherstone: como se comportar como um grã-fino, como
construir e mobiliar uma mansão que parecia ser habitada há
séculos.
Gareth teve que fazer uma pausa por um momento para se
lembrar do porquê estava fazendo aquilo.
Ah, sim, lembrou: estava suportando toda aquela agitação e
discussão irritante e gastos excessivos porque seu parceiro de
negócios, Declan McElroy, alegou que eles precisavam apresentar
uma frente civilizada para ganhar credibilidade com a aristocracia e
era mais provável que Gareth tivesse mais sucesso em tal
empreendimento. Ele deveria confiar no julgamento de Declan sobre
qualquer coisa que fosse inglesa. Afinal, Declan desprezava os
ingleses e se alegrava em ser mais irlandês do que qualquer
irlandês, mesmo que nunca tivesse pisado na Ilha Esmeralda.
— E sobre aqueles caçadores, Sr. Lockheart.
Gareth ergueu os olhos dos filhotes ao som da voz de
Featherstone, uma voz irritante com suas consoantes cortadas e
cadência condescendente. O homem o observava atentamente, sua
expressão de preocupação se misturou com... alguma coisa.
Embora Gareth pudesse não ser bom em ler as pessoas, ele
sabia o que os aristocratas viam quando o olhavam: um novo rico
com mais dinheiro e influência que um vira-lata merecia. Ele não
achava aquela atitude nem ofensiva nem divertida, apenas
irrelevante.
A verdade era que as grossas paredes da aristocracia haviam
sido violadas por príncipes mercantes ricos como Gareth, o poder
dos nobres estava vazando por aquela brecha como a água que
escorria dos embornais de um navio.
Mas a mudança estava acontecendo lentamente e as antigas
famílias donas de terras da Inglaterra ainda exerciam uma influência
no governo, desproporcional aos seus números ou riqueza.
A equação resultante era simples, os aristocratas precisavam de
homens como Gareth tanto quanto ele.
Featherstone mudou de pé para pé, sob o olhar silencioso de
Gareth.
— Conheço uma pessoa bem respeitada em Yorkshire e... — as
palavras saíram de sua boca e encheram o ar próximo dos
estábulos como uma nuvem de mosquitos. Palavras, palavras e
mais palavras.
Gareth começou a ter a sensação de que o invadia sempre que
ficava muito tempo na companhia de Featherstone, ou na
companhia de alguém que perdia seu tempo com assuntos triviais
que já haviam sido discutidos.
Controlar a sensação desagradável exigia ginástica mental e
muito esforço por parte dele.
Primeiro, Gareth desviou a atenção da sua situação atual. Em
seguida, ele se concentrou na Conjetura de Goldbach, um problema
matemático criado em 1742, ainda não resolvido. Pensar em tal
enigma nunca falhava em acalmá-lo.
Todo inteiro par maior que dois é a soma de dois números
primos...
— Sr. Lockheart?
Gareth forçou os olhos para focar novamente no rosto estreito e
ansioso de Featherstone e lembrar o que ele estava falando.
Cavalos. Ele estava falando sobre cavalos.
Gareth franziu a testa.
— Eu já lhe disse para comprar qualquer rebanho que achar
conveniente, Featherstone. Confiei-lhe tais decisões para não ser
importunado por elas — e, no entanto, está me importunando com
elas, quis acrescentar, mas não acrescentou.
Em vez disso, girou no calcanhar da bota e caminhou em direção
à saída. Esperava que o outro homem pudesse ficar para trás, mas
pode ouvir seus passos acelerando para acompanhá-lo.
— Mas Sr. Lockheart, nem sequer quer falar sobre seus próprios
caçadores...
— Não — o som dos seus passos ecoou pelos vastos estábulos
e, até o momento, desocupados como os disparos afiados de uma
pistola. Gareth deliberadamente mudou de assunto. — Quando
Hiram Beech chega?
— O Sr. Beech estará aqui no final da tarde.
Gareth reprimiu a irritação que sentia sempre que pensava em
Beech. Ele queria que Amon Henry Wilds projetasse Rushton Park,
mas o famoso arquiteto se recusou a levar uma comissão para tão
longe da sua amada Brighton. Gareth não conseguiu atraí-lo,
mesmo oferecendo o triplo da sua taxa habitual. Um homem sem
preço era singular na experiência de Gareth e ele descobriu que não
gostava daquilo.
Em vez de Wilds, ele escolheu Beech, que era altamente
recomendado como arquiteto conhecido por favorecer o estilo indo-
sarracena, um estilo que disseram para Gareth que estava na moda.
Ele não se importava com o estilo da casa de campo, só queria que
ela fosse construída pelos melhores. Caso contrário, qual era o
sentido de tudo aquilo?
Para ser honesto, Gareth havia perdido o interesse na pilha de
tijolos depois que a fase de construção terminou. Não tinha aptidão
para design, decoração ou mobiliário e apenas desfrutara dos
aspectos de engenharia do projeto.
Oh, ele estava satisfeito o suficiente com a casa, supôs. Não que
tivesse passado muito tempo nela. Tinha esperado que todo o
barulho e confusão tivessem acabado na primavera passada,
quando a estrutura fora concluída. Mas agora lhe disseram que
precisava de algum tipo de jardim de prazer ou ruína antiga ou outra
coisa sem sentido. Parecia que Beech era o homem que organizava
o projeto e a construção de coisas pois já conhecia a propriedade, e
para Gareth, empregá-lo parecia a opção menos dolorosa e
demorada.
Chegaram aos degraus da entrada da frente, vinte deles, feitos
dos melhores mármores de Brecha extraídos e transportados do
continente agora que a guerra acabara e Gareth parou e virou-se
para Featherstone, ansioso para se livrar dele.
— Tenho muito trabalho a fazer e estarei na biblioteca, acredito
que cuidará de todos os arranjos necessários para Beech — mesmo
para os ouvidos sem instrução de Gareth, suas palavras soaram
abruptas e incultas. — Vou deixá-lo para lidar com seus negócios —
acrescentou, para suavizar a diretiva rude.
Featherstone assentiu, suas mãos se esfregando
compulsivamente de uma forma que Gareth achava desagradável e
irritante. O homem era uma combinação desagradável de
condescendência e bajulação, mas Beech o recomendara.
— O Sr. Beech trará...
Gareth levantou a mão.
— Sim, já disse. Ele trará um artesão de pedra ou escultor ou
jardineiro ou o que quer que seja. Falarei com eles ou com todos
eles antes do jantar hoje — Gareth falou as palavras por cima do
ombro, impaciente para voltar ao trabalho.
Ele caminhou pelo grande salão e depois virou à direita para
passar pela galeria de retratos, ainda sem nenhum, a caminho da
ala residencial da casa. Passava a maior parte do tempo de
Rushton Park na biblioteca, composta por três salas enormes
interligadas. O tamanho parecia excessivo para Gareth, mas o
design parecia imitar uma biblioteca antiga de algum lugar que
Gareth nunca tinha ouvido falar. Tudo o que pediu para Beech era
que fosse bem iluminado e cômodo o suficiente para conter uma
mesa, sua coleção de diários e uma cadeira confortável. E tudo o
que Gareth havia exigido de Featherstone quando o homem
começou a encher a casa com móveis e outras coisas assustadoras
era que a biblioteca continuasse livre de distrações desordeiras.
Dois lacaios estavam atentos do lado de fora das portas duplas,
esperando sua chegada. Gareth ignorou o desconforto que sentia
com tanto excesso, afinal, era isso que ele queria, uma casa de
campo que fosse tão grandiosa e repleta de criados quanto às
residências dos duques reais. Na verdade, Gareth tinha mais
empregados e uma casa muito maior.
Desde que chegara de Londres, dois dias atrás, recebia sua
correspondência duas vezes por dia por correios. A pilha de cartas
tinha facilmente três centímetros de altura. Haveria relatórios de
todos os seus negócios, mas a maior parte da pilha seria sobre a
nova olaria que ele estava construindo em Londres, seu projeto
mais ambicioso até o momento.
Gareth estava no meio da pilha quando o som de alguém
pigarreando o fez olhar para cima. Seu mordomo, Jessup, estava na
porta.
— Pedi para não ser incomodado.
O homem alto, magro como um esqueleto, assentiu levemente,
mas sua expressão permaneceu tão fixa quanto uma escultura
totêmica. Gareth sabia que ele era absolutamente imperturbável.
Gareth o havia roubado da casa do duque de Remington, onde a
família de Jessup trabalhou como mordomo por duzentos anos.
Remington não pôde competir com o salário que Gareth ofereceu.
— Tem uma visita, Sr. Lockheart, a Sra. Serena Lombard.
Gareth sacudiu a cabeça.
— Não estou familiarizado com o nome e nem estou esperando
essa pessoa.
— Ela está aqui a pedido do Sr. Beech, senhor, sobre os jardins.
— Ah, entendo — embora ele não tivesse entendido, ele limpou
a garganta. — Diz que Beech contratou uma jardineira?
— Sim, senhor. A Sra. Lombard é uma mulher, e uma jardineira
— Jessup concordou.
Às vezes, apenas ocasionalmente, Gareth se perguntava se seu
mordomo zombava dele. Ele encolheu os pensamentos. O que ele
sabia sobre jardineiros? Pelo que ele sabia, todos poderiam ser do
sexo feminino. Bem, quem quer que fosse e o que quer que fizesse,
Gareth descobriria no momento apropriado. Ele lançou a Jessup um
olhar impaciente.
— Peça que Featherstone a receba, Jessup.
— O Sr. Featherstone foi para a cidade, senhor.
Gareth olhou para o homem.
Jessup assentiu, como se ele tivesse falado.
— Vou colocá-la na sala de estar e oferecer-lhe chá.
— Sim, muito bom. Coloque-a em uma sala com chá — Deus
sabia que havia cômodos suficientes na casa – setenta e três –
certamente um deles seria adequado para acomodar visitantes
inesperadas.
Os olhos e a atenção de Gareth voltaram para a elegante coluna
de figuras à sua frente.
— Muito bem, senhor.
Ele mal ouviu o mordomo, sua mente já voltando aos seus
números, a mulher esquecida.

Serena olhou para a bandeja de chá generosamente carregada


com aprovação e serviu-se de três tipos diferentes de biscoitos e os
bolinhos miniatura mais adoráveis que ela já tinha visto. Tais
iguarias eram raras hoje em dia. Mesmo quando ela visitava a casa
dos pais do seu falecido marido, o duque e a duquesa de
Remington, as ofertas eram bastante escassas, o poderoso duque
havia sofrido desde o fim da guerra, forçado a se limitar em suas
seis casas.
Serena examinou a enorme sala de estar, o espécime mais
vistoso em que já se sentara, e desfrutou de suas iguarias. O
mordomo voltou depois que ela ficou sozinha por cerca de quinze
minutos.
— Tem tudo o que precisa, Sra. Lombard? — a hesitação diante
do seu nome era quase imperceptível, mas ela percebeu tudo do
mesmo jeito.
Serena inclinou a cabeça e sorriu para ele.
— O quê? Não somos mais amigos, Jessup? Como está? Ainda
não estive em Keeting este ano, mas estive lá no Natal. Sua Graça
fala com carinho de você — Keeting Hall era a sede do duque de
Remington.
Um pigmento de cor apareceu nas maçãs altas e afiadas do
rosto do mordomo.
— E muitas vezes penso nas Suas Graças, assim como no resto
da família — ele parecia querer dizer mais alguma coisa, mas
hesitou.
— Sua Graça não o culpa por ter ido embora, Jessup — disse
ela.
Bem, aquilo era um pouco de mentira. Seus sogros ficaram
devastados pela deserção dos seus familiares. Mas o Sr. Lockheart,
um homem que dizem estar entre os dez mais ricos da Grã-
Bretanha, havia oferecido um salário alto demais para Robert
Jessup recusar.
Os lábios de Jessup se flexionaram no que passou por um
sorriso.
— É muito gentil, senhora.
— Então, o que está achando daqui? — Serena olhou ao redor
da sala cavernosa, que evocava um serralho com seu esquema de
cores fúcsia, dourado e verde, peças opulentas de seda e veludo e
móveis de estilo egípcio.
— Acho que minha posição me agrada admiravelmente, Sra.
Lombard.
Mais uma vez, ela ouviu a hesitação diante do seu nome. Ela
sabia que Jessup, assim como a família do seu falecido marido, não
estava contente por ela se recusar a usar seu honorífico. Serena
permitiu que todos acreditassem que sua resistência a títulos
aristocráticos se devia mais à sua criação republicana francesa do
que à verdade, uma verdade que eles nunca poderiam saber.
Ela percebeu que o mordomo estava esperando por sua
resposta.
— Fico feliz em saber que está feliz aqui, Jessup — e estava
mesmo. Era uma pena que ele precisasse deixar sua casa de
muitos anos, mas como ela sabia muito bem, todos mereciam a
chance de uma vida melhor.
Serena devolveu a xícara e o pires à enorme bandeja.
— O Sr. Beech me pediu para trabalhar com ele nos novos
jardins de Rushton Park — Jessup sabia o que Serena fazia da vida.
Ele trabalhava para a família Lombard quando ela chegou à
Inglaterra quase dez anos atrás. Ele estava lá quando Serena,
depois de viver seu primeiro ano sob os cuidados do duque e da
duquesa, que eram muito gentis com a viúva estrangeira do seu
filho mais novo, escandalizou seus novos parentes mudando-se
para Londres para assumir uma posição de professora de arte e
escultura em uma escola para garotas.
Mais uma vez, a família do seu marido culpou seu sangue
francês, mas, felizmente, não tentaram detê-la por tirar seu filho do
conforto de Keeting Hall e transferi-los para uma casa com duas
outras professoras. Foi uma decisão difícil, mas ela não se
arrependia.
— Se me permite dizer isso, senhora, eu já vi seu trabalho, e é
bastante admirável.
O Jessup de antigamente nunca teria oferecido uma opinião não
solicitada. Talvez trabalhar em uma família liberal tivesse lhe dado
uma visão mais igualitária.
— Obrigada, Jessup — ela se levantou e alisou a saia do seu
traje de viagem verde escuro. — Estou animada e ansiosa para ver
Rushton Park. Seria possível dar um passeio pelos jardins?
— Claro, senhora.
Serena abriu a aba da grande bolsa de couro e pegou seu bloco
de papel.
Sorriu para ele.
— Estou pronta.
Quando ele se moveu para abrir a porta para ela, Serena
estudou sua forma estreita e familiar e os ombros vestidos de preto
e decidiu que estava mais satisfeita do que esperava em encontrar
um velho aliado e agente da família. É claro que ela sabia que
Jessup trabalhava para o recluso Gareth Lockheart, mas o homem
mantinha casas em Londres, Edimburgo e Bristol. Se tivesse
pensado no assunto mais do que um pensamento passageiro, teria
assumido que Lockheart mantinha o mordomo incomparável em sua
casa em Londres, onde havia rumores de que ele passava a maior
parte do tempo.
Jessup a acompanhou por uma larga escada o suficiente para
acomodar sete soldados marchando lado a lado e parou no térreo.
— Posso levá-la pelo laranjal, senhora?
— Sim, por favor. Não a vi da entrada, mas vi nos desenhos de
Beech.
A casa parecia um “E” elisabetano, mas com muitas
modificações, algumas um tanto não convencionais.
— Há quanto tempo está aqui, Jessup?
— Eu vim com o Sr. Lockheart dois dias atras, senhora. Estava
na casa dele em Londres, mas o acompanhei aqui para cuidar de
alguns assuntos domésticos inacabados.
Serena nunca tinha visto uma casa assim. Era um corps de logis,
composto por um bloco central com duas asas de três andares e
curvado para formar um pátio de três lados, ou cour d’honneur, em
cada lado do bloco central.
Lockheart ou Beech deviam gostar muito de cúpulas de cebola,
pois havia pelo menos cinco delas. A fachada branca ofuscante
estava enfeitada com arcos cúspides, remates em forma de
minarete e plintos vazios à espera de estátuas. A confusão dos
estilos de orientalismo e indo-sarracênico era tão parecida com o
Pavilhão Real que ela continuava pensando que devia ter tomado o
caminho errado e acabado em Brighton.
O interior carecia da chinoiserie até onde ela vira. De fato, a
decoração era muito menos definida do que o exterior e parecia o
resultado pouco sincero de um comitê.
O corredor estava inundado de luz e à frente havia uma parede
de vidro com chumbo.
— Meu Deus, isso é lindo — disse Serena, enquanto Jessup
abria uma das enormes portas duplas para o jardim de inverno
vazio, que não tinha um pedaço sequer de madeira, planta, folha ou
migalhas de terra. — Quando isso foi acabado? — ela se virou,
olhando para as espetaculares paredes de vidro e dossel.
— Na primavera passada, senhora.
Serena não pôde deixar de pensar no laranjal de Keeting Hall,
que talvez tivesse um quarto desse tamanho e estava tão tomado
de plantas que parecia uma selva. Pode estar velho e cheio de
planta, com o vidro embaçado e rachado, mas estava vivo. O que
era mais do que ela poderia dizer para esta caixa de vidro vazia.
Beech não mencionara o laranjal, mas Serena não pôde deixar de
sentir um frisson de excitação ao imaginar preencher um espaço tão
bonito com coisas vivas.
Jessup abriu uma das portas francesas e eles saíram no sol frio
da primavera. Ela se virou para ele.
— Vou percorrer a área imediata até o Sr. Beech chegar.
As sobrancelhas do mordomo se arquearam.
— O que foi, Jessup?
— O Sr. Beech não é esperado até o final da tarde, senhora.
Serena franziu a testa.
— Ele me disse que seria uma reunião ao meio-dia. Contratei a
carruagem para me levar de volta às quatro.
— O Sr. Beech deve chegar às cinco horas e vai passar a noite.
Serena queria berrar de frustração, mas não era culpa de
Jessup.
— Receio que o Sr. Beech tenha esquecido de me informar
sobre o horário ou a duração correta da nossa reunião — ela
suspirou e olhou ao seu redor sem ver nada, sua mente revirando. A
viagem cara de ida e volta foi paga pelo Sr. Lockheart, é claro, então
ela não estava preocupada com isso. Mas ela não trouxera
nenhuma muda de roupa ou outros itens para passar a noite. Ela
também não havia dito a Lady Winifred, sua amiga e colega de
casa, que passaria a noite toda fora. E, claro, Oliver estaria
esperando para vê-la no dia seguinte.
Olhou um pouco para cima e encontrou os olhos impassíveis de
Jessup e deu de ombros.
— Bem, Jessup, isso é um pouco confuso. Não vim preparada
para passar a noite nem falei com ninguém que ficaria longe por
tanto tempo — ela mordeu o lábio inferior e se preocupou. — Sabe
como as coisas são por aqui, o que me aconselha?
Sua expressão não mudou, mas seus olhos castanhos escuros
brilharam com aprovação diante da calma reação dela.
— O Sr. Lockheart é um cavalheiro que não fica muito tempo em
um só lugar, senhora. O plano dele é deixar Rushton Park amanhã.
Ele voltará para Londres por alguns dias, mas acredito que ele vá
para o norte depois. Pode levar algum tempo até que ele retorne a
Rushton Park para outra reunião.
Essa era a maneira dele de dizer que ela deveria ficar.
— Entendo.
A boca de Jessup abriu uma fenda, mas ele a fechou.
— O que está pensando? Não seja tímido.
— Precisa voltar para Londres hoje?
— Não, mas meu filho e a minha amiga se preocuparão se eu
não voltar hoje.
— Se eu pudesse providenciar os itens necessários para uma
pernoite e enviar uma mensagem para tranquilizar sua amiga e o
Senhor Oliver, teria alguma objeção em ficar?
Não era o ideal, mas ela sabia que essa comissão valeria muito
dinheiro.
— Obrigada, Jessup, isso serviria admiravelmente.
— Se me der licença, eu cuidarei de tudo. Vou deixar aproveitar
sua caminhada e volto para lhe buscar em meia hora.

Gareth tinha os grandes rolos de planos para a nova olaria


espalhados sobre a vasta mesa de cavalete que fizera para esse
exato objetivo. Ele a examinava com uma lupa, estudando os
detalhes dos enormes fornos.
Estava tão arrebatado que quase pulou de susto quando uma
garganta pigarreou atrás dele. Ignorou seu coração batendo rápido
e suspirou.
— Sim, Jessup, o que é agora?
— Sinto muito incomodá-lo, senhor, mas parece ter havido algum
mal-entendido.
Capítulo Dois

S para a imensa sala cheia de livros. Três


salas ligadas entre si, na verdade. Uma biblioteca diferente de tudo
que já vira. É claro que toda a propriedade era singular, desde a
paisagem exuberante que circundava a gigantesca mansão até o
vasto conjunto de quartos que lhe foi oferecido para sua breve
estadia. Quartos que eram duas vezes maiores do que qualquer
outro cômodo que ela conseguia se lembrar em Keeting Hall.
Jessup cuidou dela como se fosse uma rainha, enviando um
mensageiro às pressas para Londres e outro até Ayelford, a cidade
mais próxima com uma loja de roupas para comprar uma camisola e
roupão. Estes, bem como uma seleção de produtos de higiene
pessoal, pentes e escovas, todos novos, a aguardavam em seus
aposentos sumptuosos. Serena teria que usar as mesmas roupas
para jantar e no dia seguinte quando fosse embora, mas Jessup
disse que o Sr. Lockheart tinha sido informado do assunto e que o
jantar de hoje seria informal.
Em suma, ela não podia estar triste por passar a noite em uma
casa dessas. Só a biblioteca valia a inconveniência. As estantes de
livros começavam a alguns centímetros do chão e não pararam até
o teto, que ela acreditava ter pelo menos cinco metros de altura. A
escada do livro era precariamente alta, e podia se imaginar
escalando-a e arriscando a vida e os membros por causa de um
livro.
Estava examinando um conjunto bastante requintado de seis
volumes de poesia francesa quando a porta se abriu atrás dela. Se
virou e encontrou Sandy Featherstone, primo de segundo grau do
seu falecido marido.
— Olá, Serena, Beech me disse que concordou em vir — ele
veio em sua direção com os braços estendidos e Serena se
submeteu com resignação ao seu abraço. Ele era um homem
pegajoso a quem só tolerara por causa da sua conexão com a
família.
Serena se afastou quando ficou claro que ele não a libertaria
voluntariamente. A olhou de um jeito que a fez apertar a mandíbula,
as mãos de dedos pequenos se movendo em seus movimentos
habituais de esfregar.
— Olá, Sandy — Serena forçou um sorriso. — Então, parece que
tenho que agradecer-lhe por isso — ela fez um gesto que englobava
tudo ao seu redor.
Ele sorriu, a visão um tanto alarmante, pois ele parecia ter o
dobro do complemento normal dos dentes.
— Não foi nada, minha querida, apenas uma família cuidando
dos seus. Além disso, eu disse à Beech que era melhor agarrá-la
logo, antes que seus honorários acabassem exorbitantes — ele riu,
claramente agradado com o pensamento de uma coisa dessas
acontecendo.
O sorriso de Serena tornou-se ainda mais rígido.
— Bem, seja qual for o motivo, eu agradeço por isso. Acabei de
terminar uma série de pequenas comissões e estava sem nada.
— Para que servem os primos, minha querida? — ele gesticulou
em direção a um conjunto de jarras assentadas em uma mesa de
granito apoiada por enormes pés de leão de ouro. — Gostaria de
uma bebida antes do jantar, Serena? — sua mão tremia um pouco,
deixando claro que ele gostaria de uma bebida.
— Uma taça de xerez, se tiver.
— O Sr. Lockheart tem tudo — sorriu e se virou para pegar as
bebidas. — Ah, lamento ser o portador de notícias decepcionantes
— disse Sandy sobre o som do copo tilintando contra o vidro. —
Parece que Beech se atrasou em Londres.
Serena fechou o volume que retirara e o recolocou na prateleira.
Claro que ele se atrasou. Estava sendo exatamente aquele tipo de
dia.
Sandy veio em sua direção com suas bebidas.
— Mas, não se preocupe. Ele enviou seus planos e podemos
estudá-los depois do jantar.
Serena se animou. Na verdade, era melhor do que ter Beech
aqui, pois ela notara que o arquiteto de sucesso tendia a falar muito
de si mesmo e das suas realizações. As duas vezes que ela o
encontrou, levou mais de meia hora antes que ele pudesse chegar
ao ponto.
Serena estava sentada em um sofá dourado que tinha sido
estofado em um chartreuse bastante chocante, enquanto Sandy
ocupava a cadeira mais próxima dela, uma coisa gótica com
dragões para descansar os braços.
— Então, o que tem feito desde a última vez que nos vimos em...
Senhor! — ele examinou o teto com caixilhos ornamentados, como
se pudesse conter as informações que procurava. — Isso foi há
cinco anos?
— Faz tanto tempo assim? — mas ela sabia que sim. Sandy
fizera algo para desagradar o duque e não recebera um convite para
a famosa festa que o duque e a duquesa realizavam todos os anos
no Natal. Ela tomou um gole do excelente xerez e colocou a taça em
uma mesa lateral que parecia ser uma esfinge.
— Sim, Oliver ficava para cima e para baixo com aquele cavalo
de madeira, se bem me lembro. Estava de férias da escola — ele
exibiu um sorriso malicioso, claramente divertido com o método dela
se sustentar.
Serena ficou surpresa por ele se lembrar do nome do filho.
— A Academia Stefani fechou no ano passado.
— Eu fiquei sabendo — seu nariz pontudo tremia, lembrando-a
de um rato. — Eu também tinha ouvido falar que a dona, bastante
desonesta, a fechou abruptamente, quase como se houvesse algo
escandaloso que ela desejasse esconder.
Serena sentiu uma aversão por ele e por sua caracterização da
sua amiga Portia Stefani. A escola em questão tinha sido um oásis
de amizade e segurança, e ela sentia muita falta dela. Mudou de
assunto antes de dizer algo a Sandy de que se arrependeria.
— Recebi uma série de comissões desde então. Mais
notavelmente um projeto para os Mannerings.
— Também ouvi falar disso, algum trabalho bastante ostensivo
em um sub-bosque em sua igreja particular.
Sempre a surpreendia como Sandy parecia saber tudo o que
acontecia nos círculos da alta sociedade, mesmo que ele estivesse
perpetuamente à margem dela.
— E você, Sandy, como tem se ocupado? — além de beber e
jogar, ela poderia ter acrescentado.
— Como pode ver — ele balançou a mão no ar, a outra mão
segurando o copo que já continha apenas metade do que tinha
apenas um momento atrás. Sandy sempre gostara demais de
destilado.
— O que exatamente faz para o Sr. Lockheart?
— Isso e aquilo. Na verdade, não sou mais do que um secretário
bem pago, embora ele não me use para seus assuntos de negócios
— ele deu um meio sorriso. — Pode dizer que eu ajo como sua
esposa, até que ele possa comprar uma.
— Oh? Ele está nesse mercado?
Ele deu um sorriso que a fez se sentir suja.
— Parece interessada, prima.
— Estou muito feliz, Sandy.
Suas sobrancelhas levantadas disseram a ela o que ele achava
daquela afirmação.
— Selecionei muitos dos seus criados, mobiliei todas as suas
casas, exceto a casa de Londres, e o aconselhei na aquisição de
arte. No momento, estou ocupado com os estábulos, que ele quer
ter pronto para uso no outono.
Serena de repente entendeu o mobiliário hediondo.
— O Sr. Lockheart caça? — ela não conseguia se lembrar de ter
ouvido muito sobre o homem, além de ele ser rico e um tanto
estranho.
— Não.
A porta se abriu antes que Sandy pudesse explicar, e o anfitrião
entrou na sala. Serena ficou surpresa, ele não era apenas mais
jovem do que ela esperava, também estava elegantemente vestido
e era surpreendentemente bonito. Serena percebeu que havia
cedido a noções preconcebidas e esperava um comerciante
musculoso ou um rico brega.
Ele atravessou a longa extensão de carpete e Sandy se levantou
para fazer apresentações.
— Sr. Lockheart, permita-me apresentar a Sra. Lombard.
O Adonis alto e bem proporcional pegou sua mão e fez uma
reverência superficial sobre ela.
— Prazer em conhecê-la, senhora — seus olhos eram cinza
ardósia e o mais opaco que Serena já vira, eles a observavam sem
um pingo de interesse ou qualquer outra emoção. Seus lábios,
pecaminosamente luxuriantes e bem torneados, não apresentavam
traço de sorriso.
Ele era talvez uma cabeça mais alta que ela, seu cabelo loiro
escuro no lado mais comprido. Como Sandy, estava vestido
informalmente para acomodar sua falta de roupa formal para jantar,
com um casaco verde-garrafa, colete marrom rico e pantalonas
amarradas em hessianos cor de café polidos com um brilho
ofuscante. Seu pano de pescoço branco como a neve estava
amarrado com uma elegância simples, ele usava um relógio de ouro
liso, sem bolso na cintura. Suas roupas haviam sido confeccionadas
por um mestre e costuradas para se ajustarem à sua forma tão
confortavelmente quanto uma luva bem feita.
— Obrigada por me convidar para o Rushton Park, Sr. Lockheart.
Ele balançou a cabeça bruscamente e olhou para o relógio, sua
boca sensual girando ligeiramente para os cantos.
— Ainda faltam dezessete minutos para o jantar — ele olhou
para cima, seu olhar cintilando sobre o xerez intocado de Serena e o
copo vazio de Sandy. — O que está tomando, Featherstone, vou
reabastecer.
— Obrigado, senhor. Brandy.
Ele pegou o copo sem falar nada e foi até o aparador.
Sandy sorriu para ela e deu um leve encolher de ombros. Assim,
seu possível empregador era um homem gloriosamente bonito que
também era brusco e sem graças sociais. Bem, ela ouviu que ele
era diferente.
— Acho que Jessup informou que o Sr. Beech não estará aqui
para jantar — disse Sandy, seus olhos trêmulos proclamando seu
desconforto com o silêncio.
— Recebi seus planos por correio. Vamos prosseguir sem ele —
disse Lockheart. — Depois do jantar, examinaremos o que ele
elaborou — sua voz era tão desprovida de expressão quanto seu
rosto. Sem irritação, arrependimento ou raiva pela ausência de
Beech. Ele voltou para onde estavam sentados e tomou uma
cadeira em frente a Serena depois de dar a Sandy sua bebida. Um
duplo, se Serena não estivesse enganada.
Fixou Serena com seu olhar cinza bastante irritante e tomou um
gole da sua bebida. Suas mãos, como sua pessoa, eram magras,
elegantes e desprovidas de joias. Serena esperava um comerciante
estereotipado, um homem corpulento e deselegante e mais velho.
Mas Lockheart não só se parecia com um cavalheiro, ele também
falava como um. Embora seu sotaque não fosse exatamente
aristocrático, ele era refinado e preciso, definitivamente não era um
homem que se diz ter vindo dos esgotos de Londres. Havia mais
aqui do que aparentava.
— Entendo que inspecionou a propriedade esta tarde, Sra.
Lombard.
— Nada tão completo como uma inspeção, mas eu vaguei até o
riacho e depois ao longo da pequena floresta.
— E teve alguma ideia?
Serena riu.
— Eu sempre tenho ideias — ela sorriu para ele, mas ele apenas
piscou de volta calmamente. Então, ele não tinha senso de humor.
Ela tentou novamente. — Meu entendimento era que o Sr. Beech
apresentaria um projeto geral e eu cuidaria dos detalhes e da
estatuária.
— É verdade que contratei o Sr. Beech para criar um plano. Já
projetou e construiu jardins?
— Sim — ela admitiu, surpresa com a pergunta. — Mas nunca
nada tão grandioso assim.
— O que faria se fosse seu?
Agora, essa era uma pergunta interessante que nunca fora feita
por nenhum outro cliente, a maioria dos quais tinha ideias próprias,
muitas delas horríveis.
— Eu colocaria um parterre diretamente no laranjal. Além disso,
deixaria as coisas como estão. Acredito que o terreno no lado sul,
com sua inclinação suave, seja semelhante ao badminton e seria
perfeito para um lago parecido com lago marrom, que poderia ser
alcançado por algum represamento inteligente do seu riacho. No
momento, há uma passarela de madeira velha sobre o córrego. Eu
substituiria isso por algo mais interessante — ela sorriu. —
Naturalmente, eu recomendaria algo em pedra. Se deseja uma folly,
há uma boa elevação no lado oposto e, depois de criar um lago,
seria uma situação agradável com a adição de algumas árvores, um
jardim de rosas com uma trilha até a floresta no lado leste. Tem os
dois cour d'honneur que ficam de frente para a estrada e eles
podem receber vegetação, uma fonte, mais rosas, áreas de estar
íntimas. É claro que não inspecionei nada além da área imediata e
poderia ver mais da propriedade rapidamente se eu tivesse um
cavalo — ela fez uma pausa. — Mas essas são minhas primeiras
impressões que eu consideraria se fosse minha — Serena tomou
um gole de xerez e nunca tirou os olhos do anfitrião, cuja expressão
não tremia enquanto falava. Ele não era uma pessoa fácil de
conversar, não deu pistas faciais ou físicas para deixar o interlocutor
à vontade. Ficou em silêncio por um momento longo e
desconfortável, como se estivesse considerando as palavras dela, e
depois assentiu.
— Parece perfeito — virou-se para Sandy, que novamente tinha
o copo erguido nos lábios. — Se lembrará de tudo o que a Sra.
Lombard disse, Sr. Featherstone?
Sandy engoliu um gole de conhaque, tossiu e largou o copo.
Seus olhos deslizaram na direção de Serena e depois voltaram ao
seu empregador. — Se não, tenho certeza de que a Sra. Lombard
será capaz de repetir com mais detalhes.
O Sr. Lockheart voltou-se para ela.
— Tem várias ideias que aprovo, senhora. Seria capaz de
implementar esses planos sem mais consultas com o Sr. Beech?
As sobrancelhas de Serena se ergueram.
— Está me pedindo para projetar seus jardins e parque, Sr.
Lockheart?
— Sim.
— Mas não tem um acordo com o Sr. Beech? — Serena odiaria
ganhar reputação por roubar comissões alheias.
Ele continuou a observá-la com seu olhar plano e desorientador.
— Não contratei o Sr. Beech, apenas pedi seu orçamento. Ele
não ficará descompensado pelo trabalho que realizou. Beech é sua
única objeção para aceitar esse trabalho?
— Não tenho experiência com nada desse tamanho.
Ainda assim ele não falou.
E eu sou uma mulher, ou não se importa? Ou não percebeu.
Bom Deus! Projetar os jardins de uma propriedade inteira? Ora, isso
seria...
— Acha que poderia realizar o que descreveu, senhora?
Ela sentiu uma agitação de antecipação ao pensar em ser paga
para experimentar conceitos tão interessantes às custas de outra
pessoa. Seria um esforço criativo que estaria além dos seus sonhos,
sem mencionar um ajuste glorioso aos seus talentos. Ela poderia
projetar um jardim para mostrar seu trabalho, e não o contrário.
Serena olhou para seu rosto impassível, encontrou seu olhar frio
e disse:
— Sim, Sr. Lockheart, acredito que poderia.
Então, quem é Minerva
Spencer?
Minerva foi promotora criminal, professora de história
na faculdade, operadora de B&B, trabalhadora portuária,
fabricante de sorvetes, leitora para cegos, empregada de
motel e caçadora de recompensas.
Ok, a parte de ser uma caçadora de recompensas é uma
mentira.
Minerva, no entanto, sabe hipnotizar um caranguejo
Dungeness, costurar suas próprias roupas da Era
Regencial, tricotar um chapéu de sapo, fazer malabarismos, reconstruir um
American Rambler de 1959 e obter o controle da Ásia (e se apegar a ele) no jogo
do RISK.
Leia mais sobre o Minerva em:www.MinervaSpencer.com
Siga Minerva: No BookBub
No Goodreads
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mal-humorado, de quem nunca ouviu falar e que a surpreenderá ainda mais.

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imperceptível em Barna, a cidade que o viu nascer.
Isolado do mundo e envolto em suas cicatrizes físicas e psíquicas, terá o
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Sociedade e tentar salvar seu irmão libertino, seguindo-o até
Donville Masquerade, um chocante inferninho e casa de jogos
dirigido pelo misterioso Marcus Rivers.
Durante o dia, Annabelle é uma elegante dama e procura um
marido sério para combater a reputação selvagem de seus irmãos.
À noite, ela se infiltra nos negócios de Marcus... e, eventualmente,
se vê seduzida na cama dele.
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inadequado podem encontrar algo em comum fora do quarto? E
Annabelle estará disposta a trocar paixão por "perfeição" fria e
calculada?
Duração: Romance completo
Nível de sensualidade: HOT e erótico

Este livro pode ser lido como um romance independente, mas


faz parte de uma série (The Notorious Flynns).
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Emma V. Leech
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Dentro de cada erudita pulsa o coração de uma leoa, um
indivíduo apaixonado disposto a arriscar tudo pelo seu sonho, se
puder encontrar a coragem para começar. Quando essas jovens
esquecidas fazem um pacto para mudar suas vidas, tudo pode
acontecer.
Dez mulheres - dez desafios inesperados. Quem se atreverá a
arriscar tudo?
Desafiando um Duque
Sonhos de amor verdadeiro e felizes para sempre.
Sonhos de amor são todos muito bons, mas tudo o que Prunella
Chuffington-Smythe quer é publicar seu romance. O casamento a
custo de sua independência é algo que ela não considerará.
Experimentou o sucesso escrevendo sob um nome falso na revista
semanal The Ladies, onde seu álter ego está alcançando
notoriedade e fama, a qual Prue gosta bastante.
Um dever que tem que ser suportado...
Robert Adolphus, o duque de Bedwin, não tem pressa em se
casar, ele já fez isso uma vez e repetir esse desastre é a última
coisa que deseja. No entanto, um herdeiro é um mal necessário
para um duque e não pode se esquivar disso. Uma reputação
sombria o precede, visto que sua primeira esposa pode ter morrido
jovem, mas os escândalos que a bela, vivaz e rancorosa criatura
forneceu à sociedade não a acompanharam. Devia encontrar uma
esposa. Uma esposa que não seria nem bonita nem vivaz, mas
doce e sem graça, e que com certeza ficasse longe de problemas.
Desafia a fazer algo drástico
O súbito interesse de um certo duque desprezível é tão
desconcertante quanto indesejável. Ela não vai jogar suas ambições
de lado para se casar com um canalha assim como seus planos de
autossuficiência e liberdade estão se concretizando. Se mostrar
claramente ao homem que ela não é a florzinha que ele procura,
será suficiente para dar fim às suas intenções? Quando Prue é
desafiada por suas amigas a fazer algo drástico, isso parece ser a
oportunidade perfeita para matar dois pássaros.
No entanto, Prue não pode deixar de ficar intrigada com o ladino
que inspirou muitos de seus romances. Normalmente, ele
desempenhava o papel de bonito libertino, destinado a destruir sua
corajosa heroína. Mas será realmente o vilão da trama desta vez, ou
poderia ser o herói?
Descobrir será perigoso, mas poderá inspirar sua melhor história
até o hoje.
**** Atenção: Este livro contém uma seleção cuidadosa de
determinação silenciosa, boca firmemente fechada e níveis (quase)
intransponíveis de tensão. Embora acoplado à presença de
encontros sexuais ocasionalmente descritivos, temos o prazer de
destacar que este livro - e série - não está de modo algum próximo
da erótica. ****
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das milhares que deixam a cidade, Emma está fugindo de mais do
que os horrores da guerra. Seu maior medo é que o pai de seu filho
a encontre e se vingue pelo que roubou dele.
O renomado pianista holandês Andrej Van der Hoosen é um
homem que preza sua privacidade acima de tudo. Sua riqueza e
privilégio lhe deram o luxo de evitar estar perto de crianças por
causa de uma dolorosa perda em seu próprio passado. Então,
quando ele conhece a mulher e as crianças com quem vai morar
durante a guerra, fica instantaneamente em guarda. As crianças são
barulhentas e cheias de vida, a casa de campo em que foi
designada para viverem é pequena, e ele acaba intrigado com o
segredo que Emma está claramente tentando esconder.
Apesar da relutância em confiar um no outro, Emma e Andrej
logo se veem unidos em um mundo dilacerado pela guerra.
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Emmanuele de Maupassant
9786599019814
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Capturada. Seduzida. Desejada.


À mercê de um bando de vikings selvagens, liderado por um
formidável guerreiro. Mantida em cativeiro contra sua vontade.
Pela primeira vez, a força de vontade de um homem
corresponde à de Elswyth.
Sob o domínio de seu cruel captor, Elswyth descobre que o
desejo de um viking não deve ser negado.
Ela será forte o suficiente para estabelecer seus próprios termos
com o homem que deseja dominá-la, ou estará destinada a entregar
tudo, inclusive o coração?
Descubra o desejo ardente e a paixão brutal, em um mundo
ameaçado por ambição, ciúme e vingança.
Nível de calor: vulcânico
Viking Trovão é o prequel da série dark Guerreiros Vikings.
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Victoria Howard
9786599019838
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Quando o contador inglês Daniel Elliott morre em um acidente de


carro em uma noite chuvosa, sua viúva, Grace, é tomada de tristeza
... e pânico. Daniel era controlador e o casamento deles sem amor,
mas sempre cuidou da proteção de Grace.
Ou assim ela pensava.
Ela logo descobre que Daniel guardava segredos: um
pseudônimo, laços com a máfia, uma lista de números, uma
misteriosa casa de praia na Flórida ... e uma namorada que se
parece com Grace.
Engolindo seu medo, ela voa para Miami para reivindicar a casa
que Daniel deixou. Mas o preço de sua curiosidade é perigoso.
Figuras do submundo a perseguem. A outra mulher deixa um rastro
condenável de evidências apontando para ela. E bonito e
problemático agente do FBI, Jack West, já se cruzou com Grace
antes. Ele poderia ser seu salvador ou sua condenação. Tudo o que
ela sabe com certeza é que deseja estar em seus braços.
Com pouco para continuar e correndo perigo a todo momento,
Grace deve depender de Jack para ajudá-la a percorrer o mundo
criminoso do sul da Flórida e encontrar a verdade por trás do Anel
de Mentiras.
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Elizabeth Johns
9786580754090
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Rhys Godfrey, Lorde Vernon, e Lady Beatrice Chalcroft, filha do
Duque de Loring, haviam sido prometidos desde a infância em um
acordo feito por seus pais.
Ao contrário da maioria dos casamentos arranjados, Vernon
amara Beatrice desde a primeira vez que a viu. Na temporada em
que deveriam se casar, o relacionamento foi rompido por ciúme e
orgulho.
Beatrice foi enviada para longe de casa com intuito de que
reformasse seu comportamento maldoso, e Vernon, magoado,
resolveu abandonar o amor.
Lorde Vernon decide seguir em frente com um casamento de
conveniência e sem emoção.
Lady Beatrice se vê reduzida da filha de um duque a uma vida
de serviço na Escócia, tendo que aprender os caminhos dos menos
privilegiados.
Os dois irão se reencontrar? Ou Vernon escolherá outra noiva
antes disso? Beatrice será capaz de se humilhar e parar de ser
rabugenta e mimada?
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Maggi Andersen
9786580754083
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Um romance gótico vitoriano
Uma nuvem escura paira sobre Wolfram, a antiga abadia que Laura
chama de seu novo lar. Ela poderia confiar no homem misterioso com quem
se casou?
Depois de um namoro relâmpago, Laura Parr se casa com um
Barão, lorde Nathaniel Lanyon, que a leva para morar em sua antiga
casa no sul da Inglaterra. Laura chega à Cornualha animada para
começar a vida com o homem ardente com quem se casou. Mas
segredos espreitam nas sombras. A morte da primeira esposa de
Nathaniel nunca foi resolvida e alguns moradores acreditam que ele
foi o responsável. Lutando para entender seu novo marido, Laura
tenta descobrir a verdade. A cada nova descoberta, ela se aproxima
do perigo.
Lorde Nathaniel Lanyon decidiu nunca mais se casar. Mas,
quando conhece a Srta. Laura Parr, filha de Sir Edmund Parr, numa
tarde chuvosa, percebe quase imediatamente que tem que tê-la em
sua vida. E a única maneira de poder fazer isso, era se casando
com ela.
Nathaniel acredita que seu passado conturbado ficara para trás e
que poderá oferecer uma boa vida a Laura em Wolfram, mesmo que
ele nunca possa lhe oferecer seu coração. Mas assim que passam a
morar na antiga abadia, o passado volta a assombrá-lo, revelando
segredos que pensava terem sido enterrados para sempre.
Enquanto tenta lutar contra as forças que o ameaçam, percebe que
Laura, determinada, exigirá mais do que ele pode dar a ela.
“Um romance gótico no estilo clássico, a autora é uma mestra
em criar uma atmosfera sinistra e personagens multifacetados.”
Coffee Time Romance e muito mais.
“O enredo é interessante e o mistério adicionado me manteve
fascinado. O romance me fez pensar até o fim.” The Romance
Studios.
“Foi difícil largar a história, pois o mistério permaneceu fora de
alcance, atraindo o leitor para além do enredo. [Isso] me manteve
acordado até tarde da noite, seguindo o quebra-cabeça da Abadia
de Wolfram. Estou ansioso para ver mais de Maggi Andersen.”
Sirene Book Reviews.
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Jess Michaels
9786580754038
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Durante anos, Serafina McPhee está comprometida a se casar o
duque de Hartholm e, por quase o mesmo tempo, ela luta para
encontrar uma maneira de sair desse noivado. Quando ele morre
repentinamente, ela não chora, mas se emociona com a ideia de
que estará livre. Infelizmente, os melhores planos dão errado
quando o próximo na fila para o título, o primo do duque, Raphael
"Rafe" Flynn, é forçado a assumir o compromisso. Mas Serafina
conhece a reputação de Rafe como libertino e também não quer
nada com ele, mesmo ele sendo devastadoramente bonito.
Ela lhe propõe um acordo: ela concorda com o casamento e
fornece a Rafe seu herdeiro e um sobressalente. Depois que
cumprir seu dever, ele a deixará ir.
Rafe está intrigado tanto por sua beleza quanto por seu total
desgosto com a ideia de ser sua noiva. As mulheres normalmente
caem aos seus pés, não o temem.
Como o casamento arranjado não é algo do qual Raphael "Rafe"
Flynn possa escapar, ele concorda com os termos de Serafina
McFhee.
Mas quando, na noite de núpcias, descobre a verdade sobre a
tortura que ela sofreu nas mãos de seu antecessor, se vê impelido a
não apenas cumprir sua barganha com sua nova esposa, mas a
apresentá-la ao desejo. Enquanto eles se aproximam, se rendendo
a prazeres perversos, emoções perigosas podem violar todos os
acordos que fizeram.
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Mirella Sichirollo Patzer


9786580754021
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Uma mulher prestes a fazer seus votos religiosos.
Uma fuga desesperada de um massacre assassino.
Um homem vem em seu socorro.
Outro se torna seu inimigo e captor.
E uma busca mortal para se reunir com seu único amor verdadeiro.
No século X em Nápoles, os sarracenos correm desenfreados,
aniquilando aldeias, assassinando mulheres e crianças. Morte e
desespero estão por toda parte. Sozinha no mundo, Sara é uma
jovem noviça atormentada com dúvidas sobre os votos finais para
se tornar freira. Quando seu convento é atacado, ela foge para
salvar sua vida caindo direto nos braços de um grupo de sarracenos
que a deixam para morrer sozinha na floresta.
Um Cavaleiro honorável chamado Nicolo vem em seu socorro e
se oferece para levá-la em segurança para Nápoles. Enquanto
viajam juntos, são irresistivelmente atraídos um pelo outro.
Acreditando que Sara é freira, o honorável Nicolo está dividido entre
o amor e o dever de respeitar seus votos. Desolado, ele faz o que a
honra exige e a liberta antes que ela possa lhe dizer a verdade, de
que ela não é freira.
Em sua busca de se reunir com Nicolo, ela encontra Umberto,
um homem sombrio e perigoso que tem obsessão por possuí-la.
Com seu intelecto afiado e seu coração, Sara deve confiar em sua
própria coragem e força para escapar de seu agressor e encontrar o
único homem que ela amará.
Uma história que brilha com intensidade, intriga e paixão.
Da autora do romance Órfã da Oliveira, grande sucesso
internacional e nosso futuro lançamento
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Katharine Ashe
9786580754014
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A tentação de seus lábios...


Libby Shaw se recusa a aceitar os ditames da sociedade.
Ela está determinada a se tornar um membro do Royal College
de Cirurgiões – uma Academia exclusivamente masculina de
Edimburgo.
Disfarçando-se de homem, ela frequenta a sala de cirurgia e
engana a todos - exceto o homem que nunca esqueceu a forma de
seus lábios deliciosamente sensuais.
...fará um príncipe dizer sim a todos os seus desejos.
Forçado a deixar sua casa quando menino, o famoso retratista
Ziyaeddin é secretamente o príncipe exilado de um reino distante.
Desde que conheceu Libby, memorizou todos os detalhes de seu
rosto e desenhou-a. Mas seus lábios perfeitos deram trabalho a ele -
aqueles mesmos lábios que agora deseja beijar.
Quando Libby pede sua ajuda para esconder sua identidade
feminina do mundo, Ziyaeddin concorda com uma condição: Deveria
posar para que ele a pintasse - como uma mulher.
Mas esse esquema ousado poderia fazer com que ambos
fossem arremessados ao perigo... e a um amor inigualável.
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Kathleen McGurl
9876580754007
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1829

O belo e bem-sucedido Henry Cavell, acaba de retornar à


Inglaterra depois de servir ao exército na Índia, se instala na cidade
de Worthing, em frente ao mar. Ele está de posse de um grande
diamante, dado a ele na Índia, que promete dar à mulher que ama -
quando encontrá-la.
Jemima Brown, uma jovem de dezesseis anos e de bom
coração, passa a trabalhar para ele como criada de serviços gerais.
Quando o Sr. Cavell a defende das atenções indesejadas de alguns
trabalhadores que prestavam serviços em sua casa, percebe
imediatamente o quanto ele é íntegro e respeitável.
Mas foi Caroline Simpson, filha de um desses trabalhadores de
Henry, quem chamou a atenção dele. Podia ser socialmente inferior,
mas era bonita, sabia flertar e como usar seus encantos. Ela
manipula Henry para que se case com ela, e apenas a fiel Jemima
sabe que ele fora enganado.
Como Jemima poderia lutar contra seus sentimentos crescentes
pelo Sr. Cavell, manter sua moral e permanecer no emprego, apesar
do comportamento cada vez mais errático de sua patroa?
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Título Infantil

Berni Pajdak e Silver Rios


9786580754052
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Toni, o protagonista de O Grande Circo Iris é um garoto tímido,


apaixonado e muito talentoso. Sua irmã Sara o apoia dia após dia e
o encoraja em um momento oportuno, para que....... Toni realize um
de seus grandes sonhos e possa se tornar o protagonista de uma
performance de circo. O Grande Circo Iris é uma história infantil que
exala humor, sensibilidade e respeito que aborda sutilmente o
problema da deficiência infantil. É um livro dedicado a crianças com
diversidade funcional, a seus irmãos, que os apoiam dia após dia e
a seus pais, que às vezes não têm em casa as ferramentas
necessárias para trabalhar com seus filhos, emocional e fisicamente
frágeis.
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Table of Contents
Contracapa
Direitos Autorais
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Epílogo
Próximo Lançamento da Autora
Capítulo Dois
Então, quem é Minerva Spencer?
Próximo lançamento
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