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DAVID MAMET
ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"
Minhas aulas foram retomadas por volta de 1963, quando tive a grande sorte
de conhecer Louise Gold. Ela me fez sentar e tocar tríades e tríades com a
oitava, com as duas mãos, subindo e descendo pelo teclado. Ela usou esse
exercício simples para me mostrar o ciclo de quintas e suas adições,
subtrações, alterações e inversões, que formam a base da teoria musical.
Percebi, então, que as aulas de piano que tive na infância me haviam ensinado
a tocar sem ler ou então a fazer de conta que eu estava lendo -em outras
palavras, a tocar de ouvido.
Certa tarde toquei a quatro mãos com Randy Newman. Desculpei-me por estar
correndo. Disse que eu era tão burro em termos de música que quase sentia
necessidade de "contar". Ele parou de tocar por um instante, me olhou com
expressão de incompreensão e disse: "Todo mundo conta". Ele também me
ensinou a ouvir a nota de passagem, a prestar atenção para ouvi-la, já que é ela
que move a música.
Joel Silver produziu vários dos discos de minha mulher, e dele eu recebi uma
dica inestimável: "Deixe a terça de fora. A gente vai ouvi-la, mesmo assim".
A nota de passagem e a terça retirada abriram todo um novo mundo para mim.
Comecei a criar coragem (embora com receio), a rejeitar a primeira inversão e
as claves de fá e dó maior.
Os estóicos nos aconselharam a manter nossos preceitos filosóficos simples e
em pouco número, já que podemos ter necessidade de consultá-los a qualquer
momento. Essas dicas se tornaram meus princípios filosóficos e me obrigaram
a ir mais devagar, tomando tempo para pensar.
Omissão criativa
As pessoas dizem que a grande genialidade de Nat Cole estava na capacidade
de acompanhar a si mesmo no piano, no fato de que compreendia esse mais
delicado e intrincado dueto e sua necessidade de espaço, de elegância. "A
gente ouve, de qualquer maneira." Esse é o gênio de Bach e a exigência
avassaladora da dramaturgia -essa compreensão, ou a ausência dela, é o que
separa aqueles que sabem escrever dos que realmente sabem escrever: quanto
se pode retirar, mantendo o sentido da composição?
Tradução Clara Allain