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O Apocalipse de Adão

NHC V,5

Introdução
por Madeleine Scopello

O Apocalipse de Adão é o último tratado do Codex V da biblioteca de Nag Hammadi,


que contém três outros textos pertencentes ao mesmo gênero literário: o Apocalipse de
Paulo (V,1), o Primeiro Apocalipse de Tiago (V,3), e o Segundo Apocalipse de
Tiago(V,4). Uma tradução de um original grego, o Apocalipse de Adão preenche vinte
e uma páginas; a escrita é bastante irregular, provavelmente por causa da qualidade
barata do papiro (a mão que copiou este texto é única na biblioteca Nag Hammadi).
Vários erros presentes no texto copta foram parcialmente corrigidos pelo escriba. Aqui e
ali as palavras são adicionadas na margem seja pela idéia de que o escriba copta tivesse
considerado uma leitura particular difícil1 ou porque o escriba tinha duas versões
diferentes do tratado na frente dele.2 As últimas linhas das páginas 65-72 estão faltando;
páginas 73-79, 81, 83-84 oferecem pequenas lacunas na parte inferior das páginas.
Outras lacunas estão espalhadas por todo o texto.

Um título abre o tratado, e o tema do título é captado nas primeiras linhas do texto: "A
revelação (ou apocalipse) que Adão ensinou ao seu filho Seth no ano 700" (64, 2–4). O
tratado fecha com o mesmo título, precedido por algumas linhas que lembram o
conteúdo do texto: "Estas são as revelações (niapokalupsis) que Adão revelou para seu
filho Sete, e seu filho os ensinou a sua prole‖ (85, 19–22).

A Revelação de Adão é apropriadamente intitulada, uma vez que o tratado fornece uma
revelação transmitida por Adão ao seu amado filho Seth, o único filho de Adão a ter
herdado a centelha divina do conhecimento e, assim, ter a possibilidade de retornar à
sua casa celestial acima. Em contraste, um julgamento negativo é pronunciado sobre a
linhagem de Shem e, em menor grau, sobre os descendentes de Ham e Japheth. A
semente de Seth representa os escolhidos, que buscam o verdadeiro conhecimento
através de todas as suas gerações. Este ponto de vista é compartilhado por outros
tratados de Nag Hammadi e confirmado por pais da igreja que descrevem o que agora
chamamos de grupo gnóstico sethiano. A análise desses textos levou estudiosos da
religião gnóstica a considerar os sethianos como uma escola gnóstica de pensamento
com suas próprias tradições e escrituras sagradas.

No começo do texto, Adão lembra da época em que ele e Eva se tornaram conscientes
de sua semelhança com os grandes anjos. Eles também ficaram sabendo que eram
superiores ao deus que criou seus corpos. Adão recorda a ira deste deus, o arconte do
presente aeon, que colocou restrições a Eva e a si mesmo, para mantê-los na escravidão.
Mas o conhecimento que tinham perdido não desapareceu: entrou em outro grande aeon
e outra grande geração. Podemos notar que o adjetivo "grande" é frequente na
Revelação de Adão, e define seres e situações no mundo celestial. Adão explica a seu
filho Seth que ele foi nomeado pelo próprio Adão com o nome do humano celestial que
é "a semente da grande geração" (65, 5-9), e isso funciona como uma promessa de
conhecimento eterno dado a Seth e seus descendentes. Após este discurso introdutório,
Adão conta a Seth a revelação que recebeu enquanto dormia. Três pessoas, que não
puderam ser identificadas porque eram do mundo acima, apareceram para ele (65, 24–
32) e o convidaram a emergir do sono da morte e ouvir sobre "o reino eterno e a
semente daquele ser humano a quem a vida veio‖ (66, 1–6). Esta revelação, que começa
na Revelação de Adão 67, 14, relata os estágios da luta entre as figuras divinas
descendo periodicamente para este mundo e o criador inferior deste mundo, chamado
Sakla. A cada vinda desses grandes seres, o criador, identificado com o deus do Antigo
Testamento, reage provocando uma catástrofe natural, e ele pretende, assim, destruir as
pessoas que vêm da semente da vida e da gnosis. Mas através de cada evento, primeiro a
inundação/dilúvio (69, 1-16) e depois a destruição por fogo, enxofre e asfalto (75, 9-16),
os eleitos serão salvos pela intervenção de anjos celestes que aparecem em nuvens de
luz. Uma terceira vez, no futuro, um iluminador de conhecimento se manifestará e
realizará sinais e maravilhas (77, 1–3). Sua missão é entregar as almas dos eleitos, e o
criador irá descarregar sua raiva sobre ele até que ele sofra em sua carne (77, 16-18),
mas os poderes cósmicos serão incapazes de vê-lo. Durante a luta escatológica entre as
forças opostas, a glória se retirará para um lugar sagrado.

A origem da figura celestial do iluminador é discutida longamente na Revelação de


Adão (77, 27-82, 19), e treze histórias falsas de explicação são enumeradas. Cada um é
atribuído a um "reino" e enraizado nas tradições bíblicas ou na mitologia pagã. A
décima quarta explicação (82, 19-28) é ambientada em contraste com as histórias
anteriores e atribuída não a um "reino", mas a "a geração sem um rei". Esta seção inteira
é estruturada como um hino, e é provavelmente uma interpolação adicionada ao tratado
apocalíptico original.3

A Revelação de Adão pertence ao gênero literário apocalíptico, como o próprio título


sugere,4 e este é um gênero bem conhecido na literatura judaica apócrifa e
pseudepigráfica. Ao atribuir a escrita a Adão, o autor do tratado o dota com autoridade
significativa. Esse tipo de atribuição a figuras importantes do passado é dificilmente
único na literatura judaica ou nas escrituras de Nag Hammadi, e vários textos contando
a excepcional carreira de Adão circularam nos círculos judaico e cristão. Entre eles
estão a Luta de Adão, o Testamento de Adão, e a Vida de Adão e Eva. Além do texto de
Nag Hammadi, há também uma referência a revelações ou apocalipses de Adão no
heresiologista Epifânio de Salaminas, que afirma em Panarion 26.8 que alguns
gnósticos liam apocalipses de Adão.5
Entre os temas na Revelação de Adão que são típicos da escrita apocalíptica, podemos
recordar a instrução recebida em um sonho de uma entidade angelical, a transmissão da
revelação a um filho ou um discípulo, a comunicação adicional da revelação do
discípulo aos seguidores escolhidos, e o comando de esconder livros contendo a
revelação em um lugar seguro — no presente caso, em uma montanha.

A Revelação de Adão tem paralelos marcantes com outros textos de Nag Hammadi que
focam a atenção na pessoa de Seth: o Livro Sagrado do Grande Espírito Invisível, o
Segundo Discurso do Grande Seth e as Três Estelas de Seth. Com o Livro Sagrado ele
compartilha, por exemplo, uma angelologia comum e assuntos esotéricos judaicos.6
Conexões também podem ser desenhadas com o "texto sem título"(Sobre a Origem do
Mundo) do Bruce Codex.

A Revelação de Adão provavelmente tem sido objeto de atenção redacional. Charles W.


Hedrick vê duas fontes redacionais distintas na composição do tratado; Françoise
Morard, por outro lado, ressalta a coerência do texto. Não há acordo entre os estudiosos
eruditos sobre o "pano de fundo"(background) deste apocalipse. É um texto judaico que
oferece uma polêmica contra o judaísmo? É um texto gnóstico pré-cristão que foi
influenciado pelo apocalipsismo judaico e adaptou temas tradicionais apocalípticos ao
pensamento gnóstico? É possível distinguir nele quaisquer referências cristãs,
especialmente na descrição do terceiro iluminador? 7 A data do texto pode ser atribuída
ao final do primeiro século ou início do segundo; Interpolações, particularmente a seção
hímica de histórias da origem do iluminador, podem ser datadas um pouco mais tarde.

BIBLIOGRAFIA

Alexander Böhlig and Pahor Labib, eds., Koptisch-gnostische Apokalypsen aus Codex
V von Nag Hammadi im Koptischen Museum zu Alt-Kairo; James H. Charlesworth, ed.,
The Old Testament Pseudepigrapha, 1.707–19 (George W. MacRae); Charles W.
Hedrick, The Apocalypse of Adam; ―The Apocalypse of Adam: A Literary and Source
Analysis‖; Rodolphe Kasser, ―Bibliothèque gnostique V: Apocalypse d’Adam‖; Bentley
Layton, The Gnostic Scriptures, 52–64; George W. MacRae, ―The Apocalypse of Adam
Reconsidered‖; Françoise Morard, ed., L’Apocalypse d’Adam; ―L’Apocalypse d’Adam
de Nag Hammadi: Un essai d’interprétation‖; ―Thématique de l’Apocalypse d’Adam du
Codex V de Nag Hammadi‖; Douglas M. Parrott, ed., Nag Hammadi Codices V, 2–5
and VI, 151–95 (George W. MacRae); Pheme Perkins, ―Apocalypse of Adam: The
Genre and Function of a Gnostic Apocalypse‖; James M. Robinson, ed., The Nag
Hammadi Library in English, 277–86 (George W. MacRae and Douglas M. Parrott);
Hans-Martin Schenke, Hans-Gebhard Bethge, and Ursula Ulrike Kaiser, eds., Nag
Hammadi Deutsch, 2.433–41 (Walter Beltz); Gedaliahu A. G. Stroumsa, Another Seed:
Studies in Gnostic Mythology.

The Revelation of Adam


1. Ver: Alexander Böhlig and Pahor Labib, Koptisch-gnostische Apokalypsen
aus Codex V von Nag Hammadi im Koptischen Museum zu Alt-Kairo.

2. Ver: George W. MacRae, in Douglas M. Parrott, ed., Nag Hammadi


Codices V, 2–5 and VI.

3. Charles W. Hedrick, The Apocalypse of Adam, 130–54.

4. Ver: Pheme Perkins, ―Apocalypse of Adam: The Genre and Function of a


Gnostic Apocalypse.‖

5. Françoise Morard, L’Apocalypse d’Adam, 8.

6. Ver: George W. MacRae, in James M. Robinson, ed., The Nag Hammadi


Library in English; Morard, L’Apocalypse d’Adam.

7. Ver: Morard, L’Apocalypse d’Adam, 100–102.

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