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CEFET-MG – REDAÇÃO – 2º ANO B – ERE – 2021 ASSUNTO: DESCRIÇÃO

MARIA EDUARDA FERREIRA COSTA

Deus sabe o que faz – Luiz Vilela

Deus sabe o que faz e por isso a criança nasceu cega, mas Deus sabe o que faz e ela cresceu forte e sadia, não
teve coqueluche nem bronquite como os outros filhos – o mais velho, aos vinte e poucos anos já vivia na
pinga, cometeu um crime e foi parar na cadeia; a menina cresceu, virou moça, casou, traiu o marido, separou,
virou prostituta; o cego tinha o ouvido bom e aprendeu a tocar violão e aos quinze anos já tocava violão como
ninguém, um verdadeiro artista, porque Deus sabe o que faz e para tudo nesse mundo há uma compensação,
e assim enquanto o irmão estava na cadeia e a irmã no bordel, o cego foi ganhando nome e dinheiro com seu
violão e seu ouvido, que era melhor do que o ouvido de qualquer pessoa normal, e os pais, que eram pobres e
às vezes não tinham nem o que comer, tinham agora dinheiro bastante para se darem ao luxo de comprar um
rádio, onde escutaram transmitido da cidade vizinha o programa do Mozart do violão, como o batizara o chefe
da banda de música local que, tão logo conheceu o rapaz, tornou-se seu empresário, deixando a banda para
revelar aos quatro cantos do mundo o maior gênio do violão de todos os tempos, até que um dia sumiu ara os
quatro cantos do mundo com o dinheiro das apresentações, mas Deus sabe o que faz, e se o empresário fugiu,
uma linda moça se apaixonou pelo rapaz e prometeu fazer a felicidade dele para o resto da vida, e assim,
enquanto os dois, casados e morando numa modesta casinha, viviam felizes, a irmã, que era perfeita e bonita,
envelhecia prematuramente no bordel e o irmão, que era perfeito e bonitão, saíra da cadeia, não achara
emprego e vivia ao léu, até que conheceu a mulher do cego e se apaixonou loucamente por ela: o cego tocava
na maior altura para não ouvir os beijos dos dois na sala – até que as cordas rebentaram, até que ele rebentou
o ouvido com um tiro.

(VILELA, Luiz. Tremor de terra. Rio de Janeiro, Publifolha, 2003)

a. É irônico como tantas desgraças ocorreram na vida dos pobres irmãos, e ainda assim, um senhor
todo-poderoso e benevolente supostamente possui motivos para tamanhas infelicidades;
justificando as fortunas agridoces.
Se o senhor lhe dá uma mão, espere que a outra seja cortada. Afinal, precisamos aprender uma
lição. Somos humanos e somos falhos. O senhor é benevolente, mas também é sábio: e é por isso
que tira.
A ironia aqui se faz presente ao notarmos que Deus te presenteia só para sucessivamente te
castigar sob a desculpa de que é ciente de tudo. Simultaneamente ela pode passar despercebida
ou ser justificada: ele tira, mas logo te devolve de outro modo; é uma situação apaziguada; um
0x0.

b. A descrição dos personagens aqui “sela” os seus destinos: a moça, tão bela, utiliza da sua
mocidade para se prostituir. O irmão extrovertido e baladeiro acaba conhecendo o lado ruim da
vida boêmia: o alcoolismo, as brigas, a vida criminal resultante de más influências e ânimos
exaltados pelo álcool. O cego é traído e ironicamente “se faz” de cego, tocando seu violão cada vez
mais alto para não ouvir sua esposa aos beijos com outro.
O indivíduo é fruto do meio, suas vidas foram levadas de acordo com o que os foi oferecido; os
personagens utilizam de suas faculdades para ditar o modo como se comportam e levam suas
vidas.
Características físicas e psicológicas afetam o modo como eles são percebidos em sociedade e
como se comportam perante a mesma.

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